Upload
ufba
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A HIDROPOLÍTICA DA BACIA DO PRATA1
Luis Paulo Batista da Silva (PPGG/UFRJ) e-mail: [email protected]
Resumo
Este artigo tem o objetivo de apresentar algumas considerações iniciais sobre
a hidropolítica na bacia do rio da Prata dentro do contexto das discussões sobre a
crise da água no mundo. Assumimos que as condições regionais, geográficas,
econômicas e políticas de uma bacia hidrográfica são fatores essenciais na
compreensão das tensões e iniciativas de cooperação voltadas ao uso dos recursos
hídricos. Apresentamos as características da bacia do Prata e suas conexões com
os modelos de uso e gestão construídos entre os países que o compõem e
apontamos alguns caminhos para a análise das conexões entre esses modelos com
a estrutura hierárquica da rede de drenagem e dos Estados-nações.
Abstract
This article aims to provide some initial considerations about hidropolitics in La
Plata river basin in the context of water crisis discussions around the world. We
assume that regional conditions, geographical, economic and political of the
watershed are key factors in understanding the tensions and cooperation initiatives
aimed at the use of water resources. We present the characteristics of the La Plata
basin and its connection with the use and management models built between
countries that comprise it and point out some ways to analyze the connections
between these models with the hierarchical structure of the drainage network and
nation-states.
Introdução Este trabalho tem o objetivo de apresentar algumas considerações
preliminares da pesquisa de doutorado realizado no Programa de Pós-graduação
em Geografia da UFRJ. O objetivo da pesquisa é analisar a hidropolítica da bacia do
Prata, especialmente na escala das sub-bacias transfronteiriças do Apa (Brasil e
11
Trabalho apresentado no IV Seminário de Estudos Fronteiriços realizado em Corumbá (MS), 2013.
Paraguai), Quaraí (Brasil e Uruguai) e Lagoa Mirim (Brasil e Uruguai). Contudo,
antes de analisarmos a evolução da hidropolítica nas sub-bacias, precisamos
identificar o marco geral que rege estas relações transfronteiriças no âmbito da bacia
do Prata, pois as relações nas sub-bacias são influenciadas por duas hierarquias: a
hierarquia da rede de drenagem e a hierarquia dos Estados nacionais.
A água e a hidropolítica A problemática da água, que envolve a sua distribuição espacial, a sua
qualidade, as condições de acesso para a população e a viabilidade enquanto
produto comercializável é reconhecido como um dos principais desafios para o
século XXI (Camdessus et. all., 2005). O advento desta problemática é visto como
um dos desdobramentos do movimento ambientalista mundial, que a partir do final
da década de 1980 e de 1990 passou a reconhecer como um dos maiores
problemas ambientais da Terra o acesso e disponibilidade de água potável para as
futuras gerações. Estas previsões foram baseadas em diversos estudos, entre eles
os mais conhecidos são os de Peter Gleick (1993), em língua inglesa, e Michel
Camdessus et. all. (2004), em francês, que apontam o crescimento da população
mundial e a restrição das fontes de abastecimento de água. Ao mesmo tempo, eles
destacam a distribuição desigual das fontes de água no planeta, o que tenderia a
levar a uma série de conflitos sobre a posse dessas fontes. Sendo assim, a água se
tornaria não só um problema humanitário, mas também um problema da política
mundial.
Os debates sobre o tema do uso dos recursos hídricos na arena da política
internacional podem ser ordenados pelo conceito de hidropolítica. Arun Elhence
(1999:3) define hidropolítica como sendo “o estudo sistemático de conflitos e
cooperações entre Estados sobre recursos hídricos que transcendem as fronteiras
internacionais”2.
Por outro lado, Anthony Turton (2002) questiona a definição anterior por ser
muito centrada no Estado como principal ator das políticas voltadas ao controle e
uso da água e que o foco nas bacias transfronteiriças não é o único que interessa ao
estudo da hidropolítica. Para este autor existem outras dimensões das relações da
sociedade com a água que são pertinentes ao estudo, como as relações de uso e de
2 Traduções livres do original.
consumo. Sendo assim ele define hidropolítica como sendo “um conjunto de valores
atribuídos pela sociedade à água.” (Turton, 2002: 16).
Na análise de Elhence (1999) sobre hidropolítica no Terceiro Mundo, o autor
argumenta que o aumento da escassez de água e a dificuldade encontrada por
estes países em criar sistemas técnicos para lidar com este problema tendem a
aumentar a necessidade da cooperação. A esta necessidade ele dá o nome de
interdependência hidrológica. O modo em que se estabelece esta relação depende
de variáveis políticas - discurso de soberania, integridade territorial e segurança;
variáveis econômicas - viabilidade e capacidade econômica de utilização dos
recursos hídricos para a navegação e a produção de energia; e variáveis
geográficas - posição na bacia, rios que exercem a função de limites internacionais
ou que o atravessam, entre outros.
O debate sobre o papel da água nas relações entre os países deriva também
de uma discussão sobre sua escassez ou abundancia. Peter Gleick (1993)
argumenta que após o fim da Guerra Fria percebeu-se a escassez e a desigualdade
na distribuição dos recursos naturais e que este fato pode originar disputas sobre a
sua posse. Diferentemente de outros recursos naturais, especialmente os não-
renováveis, como petróleo e minérios, a água não pode ser redistribuída de modo
economicamente viável, porém, este recurso não recebe a mesma atenção pelos
especialistas nas relações internacionais e nos estudos de segurança.
Elevando a perspectiva de disputas a outro patamar, Klare (2001) aponta a
água potável, a terra arável e as fontes de energia como as principais causas de
tensão na era das chamadas ‘resource wars’. Embora estas disputas possam ser
vistas como conflitos pontuais e locais acerca de bens escassos, eles iluminam um
novo cenário geopolítico onde os recursos naturais se tornam o principal tema de
disputas.
Apresentando argumentos contrários aos anteriores, Juha Uitto e Aaron Wolf
(2002), mostram que nas relações interestatais voltadas à hidropolítica predominam
as relações cooperativas. Eles afirmam que um conflito ou guerra propriamente dita,
cujo tema seja a disputa por água, deriva de uma má compreensão desses termos.
Ao invés disso, a história da política hídrica internacional é marcada por “uma rica
história de tensões, relações exacerbadas e conflitos cujo interesse é a água, mas
sem violência, ao menos não entre nações ou a respeito da água como recurso
escasso.” (Uitto e Wolf, 2002: 289).
Os dados usados por estes pesquisadores mostram que a água pode ser
vista como um tema de cooperação e comprometimento entre países. Wolf (1998)
mostra que apesar do aumento nas tensões sobre o uso da água, o acordo é o fim
mais comum destas rijas. Ele contou somente sete pequenos incidentes
relacionados à água, no período entre 1870 e 1997, dos quais três não tiveram
sequer um tiro disparado, de acordo com o Transboundary Freshwater Dispute
Database (IFDD). Por outro lado, 145 acordos foram assinados no mesmo período.
Estes números sustentam o argumento que: “A guerra relacionada à água não
parece estrategicamente racional, hidrograficamente efetiva e nem viável
economicamente.” (Wolf, 1998: 251)
Em perspectiva similar à defendida por Uitto e Wolf, Kathryn Furlong (2006)
argumenta que as ‘water wars’ se fundamentam nos resultados de pesquisadores
vinculados à teoria das Organizações Internacionais, subárea das Relações
Internacionais, que cunhou o conceito de regimes de cooperação no tema da água.
Nesta teoria, o principal ator no desenvolvimento de regimes de cooperação entre
países é o Estado-Nação, uma vez que outros atores regionais ou locais não
apresentam protagonismo na definição das políticas internacionais. Outra crítica de
Furlong é a linearidade na descrição dos modos de criação de regimes, como se
somente a interação entre Estados pudesse explicar a emergência de cooperação
ou conflitos. Para evitar estes problemas, Furlong (2006) sugere observar as
contribuições oriundas da geopolítica crítica, da ecologia política e da produção
social da natureza que poderiam contribuir com uma perspectiva mais complexa
sobre o tema.
As críticas feitas, oriundas de diversos campos do conhecimento, àqueles que
defendem um estado de crise da água são baseadas no reconhecimento de que as
previsões sobre os conflitos foram feitas a partir de duas abstrações: a população
humana e o total da água potável do globo (Linton, 2010). Assumir um estado de
crise global da água a partir dessas duas variáveis não leva em consideração as
possíveis variações da relação entre sociedades e água, nem as diferenças
regionais na distribuição da água no globo. Por isso devemos levantar a questão de
como ocorre o reconhecimento da crise da água em um continente como a América
do Sul, especificamente a bacia do Prata, que tem um consumo de água abaixo do
nível das sociedades desenvolvidas e que está longe dos patamares definidos
mundialmente de stress hídrico.
Questões de hidropolítica na bacia do Prata
Se no cenário político global, a água, assim como outros recursos naturais, se
tornaram um tema de intensos debates entre os Estados nacionais em razão do
esgotamento e fim das fontes dos recursos. O Brasil, assim como toda a América do
Sul, se destaca no cenário mundial, pois concentram algumas das maiores reservas
de água doce do mundo, tanto superficial (Bacia Amazônica e Bacia do Prata),
quanto subterrânea (Aqüífero Guarani), o que cria tensões referentes não a
escassez, mas sim às formas de uso e ao controle da qualidade destes recursos
(Becker, 2003; Ribeiro, 2008).
Na América do Sul a bacia hidrográfica não é uma questão recente na agenda
da geopolítica continental. Já na década de 1930, Mario Travassos observava que
as relações geopolíticas no continente eram baseadas nos antagonismos entre, os
oceanos Atlântico e Pacífico e, entre as bacias hidrográficas do Amazonas e do
Prata. O controle da bacia do Prata era a fonte das principais tensões entre as
principais potências locais: Brasil e Argentina (Queiroz, 2004). Por este motivo Moniz
Bandeira (2008) afirma que o controle da Bacia do Prata foi o principal objetivo
geopolítico do Brasil até a metade do século XX. Mesmo que as disputas existentes
não fossem diretamente ligadas ao uso e controle dos recursos hídricos, mas sim ao
controle político do continente sul-americano, a adoção do recorte espacial da bacia
hidrográfica já levava os Estados nacionais a observar os seus rios como fonte de
recursos, energéticos e como vias navegáveis.
A bacia do Prata, com seus 3,2 milhões de Km², é a segunda maior bacia
hidrográfica da América do Sul, atrás apenas da bacia Amazônica, e a quinta maior
do mundo. Ela é ocupa área de cinco países, distribuídos da seguinte forma: Brasil
(45,9%), Argentina (28,2%), Paraguai (13,1%) e Bolívia e Uruguai que juntos tem
12,8%. A bacia é dividida em três sub-bacias principais. A bacia do rio Paraná, que é
a maior das três, ocupa 48,7% da área total; a do rio Paraguai, 35,3%; e a do rio
Uruguai, 11,8% (Elhance, 1999; Pochat, 2011).
Em razão da configuração geográfica da bacia, os seus países componentes
exercem diferentes papéis no uso e nas políticas relacionadas com os recursos
hídricos. A Bolívia e o Paraguai, os dois países situados no interior do continente,
tem suas únicas saídas independentes para o mar por meio do rio Paraguai, por isso
mostram grande preocupação com os usos, tanto energéticos como para fins de
transportes dados à bacia hidrográfica. No Brasil estão situadas as cabeceiras de
drenagens dos três principais rios que formam a bacia do Prata, por isso, o princípio
da soberania garante que o Brasil efetue as modificações que considere necessárias
no sistema hídrico, sem a necessidade de consulta aos outros países; contudo,
grandes extensões dos limites internacionais do Brasil na bacia do Prata são
fronteiras naturais, o que exige que nessas áreas o Brasil precise entrar em acordo
com os países vizinhos, como no casos das hidrelétricas, por exemplo. A Argentina
é o país a jusante em todas as subbacias do Prata, o que a deixa vulnerável a
mudanças no sistema hídrico feitas a montante, como construções de barragens,
captura de águas para irrigação e ao fluxo de dejetos e detritos. O Uruguai também
é um país diretamente afetado por alterações a montante, pois o rio Uruguai drena
do Brasil para o sul e depois passa a ser o limite entre o Uruguai e a Argentina, com
quem deve entrar em acordo para os usos deste rio.
Mapa 2: Bacia do Prata: Grandes represas, por principal
uso. Mapa 1 – Bacia do Prata: Grandes represas, por período
de instalação e capacidade máxima
O principal uso para a água nos países que compõem a bacia do Prata é para
o uso agrícola, o que garantiu o desenvolvimento dos cultivos extensivos de grãos
no interior do continente, especialmente de soja, milho e trigo; além das extensas
plantações de arroz em áreas alagadas do sul do Brasil, Argentina e Uruguai. Dados
da FAO mostram que, em 2006, 57% da água consumida no Brasil foi para este fim;
66% na Argentina, em 2000; 71% no Paraguai, em 2000; 86,6% no Uruguai, em
2000; e 67% na Bolívia, em 2000.
Com o objetivo de manter a disponibilidade constante de água para a
agricultura, ao longo de todo o ano, foi necessária a construção de grandes
barragens que acumulassem a água nos períodos de estiagem do interior do
continente, geralmente entre Junho e Agosto.
O mapa 13 mostra que grande parte os primeiros reservatórios foram
construídos no período antes de 1950 e próximos ao Sudeste do Brasil e das
cidades São Paulo, no Brasil, e de Córdoba, na Argentina. As capacidades dessas
represas ainda eram pequenas, se comparadas com as que seriam construídas
posteriormente, mas atendiam à expansão dos cultivos agrícolas no interior do país
e às cidades na época.
Ao longo das décadas de 1950 e 1960, os reservatórios foram construídos ao
na bacia do Paraná, especialmente nos rios Parnaíba, Tietê e Grande; neste último
fica a represa de Furnas que, construída em 1963, é ainda hoje é a segunda maior
em capacidade na bacia do Prata. Na Argentina, o alto curso dos rios Dulce e
Salado receberam as principais represas da bacia.
Mas foi na década de 1970 que a construção de enormes barragens com
grandes áreas alagadas ganhou impulso. A política desenvolvimentista estabelecida
nos países da bacia, com foco no desenvolvimento industrial e o crescimento
demográfico, especialmente pelo crescimento da população urbana foram alguns
dos principais fatores que levaram à construção desses grandes empreendimentos.
A área que recebeu estes investimentos foi o médio curso do rio Paraná, onde o
potencial hidrelétrico é um dos mais altos da bacia, em razão do grande fluxo de
água e do alto gradiente do relevo causado pelo contato do Planalto Central
3 O GRanD Database, disponível no web-site http://www.gwsp.org/85.html, é uma base espacial gratuita com as
principais barragens e represas do mundo e conta com 6.862 registros. O dado de capacidade máxima foi
coletado na base de dados a partir de estimativas, quando o registro da capacidade da represa não estava
disponível, mas, no caso deste artigo, serve para mostrar a importância do volume da represa no contexto geral
da bacia do Prata. O dado de principal uso não elimina o uso da água da represa para outras finalidades, ele
apenas indica a principal finalidade apresentada no projeto da barragem.
brasileiro com as planícies do Chaco, que se estendem pela Argentina e Paraguai.
Ao longo desses mesmos rios, que se tornaram o foco do desenvolvimento
hidrelétrico da América do Sul, estão situados os limites políticos dos países da
bacia do Prata, o que agravou o potencial de conflitos relacionados aos recursos
hídricos.
O mapa 2 mostra que os rios no interior do território brasileiro estão sendo
amplamente utilizados para a produção de energia elétrica nas regiões sudeste e sul
do país alterando fortemente o fluxo de água do rio Paraná. Em 1933, o Brasil e
todos os outros países da bacia do Prata assinaram a Declaração para o uso
industrial e agrícola dos rios internacionais, que afirmava o princípio da consulta
prévia entre os países signatários para a construção de grandes barragens.
Contudo, na década de 1960 o Brasil mudou drasticamente o seu comportamento ao
adotar a doutrina Harmon, que se baseia no princípio de que cada país é soberano
na utilização das águas que correm dentro de seu território nacional. Essa doutrina
também permitiu que o Brasil entrasse em acordo com o Paraguai, diretamente,
para construir a usina de Itaipu, através do Tratado de Itaipu, assinado em 1973;
assim como a Argentina que assinou com o Paraguai, também em 1973, o acordo
para a construção da hidrelétrica de Yacyretá (Elhance, 1999).
A construção dessas duas barragens derivou das disputas políticas entre os
dois principais países da América do Sul, que se materializam no embate sobre o
controle sobre dos recursos hídricos para a produção de energia elétrica. O Brasil já
levava, à princípio, vantagem sobre a Argentina no controle do rio Paraná, pois
detinha em ser território as nascentes e grande trecho deste rio e de seus principais
afluentes. Porém, as disputas por Itaipu e Yaciretá resultaram em um nível de
acordo entre os países que era inédito até o momento.
“O que precisa ser enfatizado é que os dois tratados [de Itaipu e Yaciretá]
reconheceram a “natureza comum” da água, assim como, estabeleceu o
princípio da equidade entre os países que dividem um curso de rio, não
importando as disparidades que possam existir nos níveis de
desenvolvimento econômico, capacidade militar e influência regional ou
internacional. Os tratados também criaram regimes internacionais e
aplicaram mecanismos para o desenvolvimento compartilhado e divisão
dos recursos hídricos da bacia. [...] Mais do que isso, os dois projetos
uniram os três países por meio de interdependências ambientais,
econômicas e políticas.” [Elhance, 1999: 47].
Dentro do quadro geral de disputas que marcou o final da década de 1960 e a
década de 1970 os países situados na bacia do Prata organizaram o órgão que
deveria estruturar as iniciativas de desenvolvimento e preservação da bacia, o CIC
Plata (Comitê Intergovernamental dos países da bacia do Prata), instituído em 1967,
foi montado para realizar encontros anuais e engendrar esforços para desenvolver
estudos para o conhecimento e desenvolvimento da bacia do Prata. Os principais
resultados deste órgão foram a assinatura do Tratado da bacia do Prata, assinado
em 1969, e a criação do FONPLATA (Fundo Financeiro para o desenvolvimento da
bacia do Prata), em 1976, que se constitui como fundo internacional para o fomento
de projetos de desenvolvimento dos países signatários (Gilman et. all. 2008; Pochat,
2011).
Contudo, o que tem sido observado ao longo desses mais de 30 anos de
existência é que as iniciativas para o uso e gestão dos recursos hídricos tem sido
organizadas por meio de tratados e acordos binacionais, focados em pequenas sub-
bacias ou regiões bi-nacionais da bacia do Prata. Alguns desses projetos são
desenvolvidos diretamente no âmbito do CIC Plata, como os programas de ação na
bacia do rio Bermejo, entre a Argentina e a Bolívia, e na bacia do rio Pilcomayo,
entre a Argentina, Paraguai e Bolívia.
Outras ações são independentes da administração do CIC Plata, foram
originadas a partir de diferentes necessidades, geralmente bem distintas das que
deram origem ao CIC Plata, e podem significar outra forma de gerir e compartilhar
uma bacia hidrográfica.
No Brasil, dois exemplos deste outro modelo de organização é a Comissão
Mista Uruguaio – Brasileira para o desenvolvimento do rio Quaraí, de 1991; e a
Comissão Brasil-Paraguai da bacia do rio Apa, de 2006. O primeiro caso surgiu a
partir das necessidades das cidades localizadas na fronteira do Brasil com o Uruguai
para o controle dos efluentes domésticos despejados inadequadamente no rio e a
consequente dificuldade para garantir o abastecimento de água em boas condições
para a população, além da necessidade de garantir a água para os cultivos de arroz
em terrenos inundado nos dois países (Calman, 2008). O segundo caso visa a
atender a carência da população fronteiriça de água de qualidade e utiliza o recorte
da bacia hidrográfica transfronteiriças como marco para o desenvolvimento
sustentável (Broch, 2008).
“O CIC não foi capaz de desenvolver seu pleno potencial, como agência de
supervisão do uso eficiente dos recursos da bacia. Embora seu valor como
facilitador da cooperação seja significativo, ele falhou no papel de
comando, como um gerente geral das ações coletivas instituídas na bacia.”
(Pochat, 2012: 508)
Agora, nos cabe analisar como estas iniciativas, a de nível regional e as de
nível binacional ou tri nacional, se relacionam. Elas distinguem entre si em escopo,
na abrangência geográfica e motivação dos atores, mas mantém entre si um
elemento de similaridade, estão situadas na bacia hidrográfica do rio da Prata. Esta
semelhança garante uma primeira conexão entre as iniciativas, a da rede de
drenagem. Além disso, elas estão todas situadas no interior de Estados-nações que
mantém entre si relações mediadas pelo Tratado da bacia do Prata.
Considerações finais
Neste artigo apresentamos algumas características da hidropolítica na
América do Sul, em especial da bacia do Prata. A configuração geográfica da bacia,
que levou ao Brasil deter as principais cabeceiras de drenagem, e o crescimento
demográfica e econômico das regiões sul e sudeste do país condicionaram a que o
Brasil fosse o responsável pelas maiores alterações na bacia do Prata, como a
construção de hidrelétricas e de redes de abastecimento da agricultura. Em vários
casos, essas alterações ocorreram em detrimento de possíveis efeitos nocivos às
condições de estabilidade da bacia hidrográfica a montante, especialmente na
Argentina.
Os acordos binacionais e multilaterais, criados a partir da década de 1970,
estruturaram um referencial para os acordos seguintes e que foram capazes de
manter o equilíbrio de forças entre os países com relação ao uso dos recursos
hídricos. Porém, ainda precisamos responder a questão de como estes acordos e
visões sobre o recorte espacial da bacia hidrográfica se relacionam com níveis
superiores de organização, como uma verdadeira hierarquia, de modelos de gestão
regionais de compartilhamento dos recursos hídricos e com um dos maiores
sistemas de bacias hidrográficas do mundo, a bacia do Prata.
Referências bibliográficas
Becker, B. Inserção da Amazônia na geopolítica da Água. Problemática do uso
local e global da água na Amazônia. L. Aragon and M. Clusner-Godt. Belém,
NAEA/UNESCO, 2003.
Broch, S. O. Gestão transfronteiriça de águas: o caso da bacia do Apa. Centro de
desenvolvimento sustentável. Brasília, Universidade de Brasília. Doutorado: 247,
2008.
Calhman, O. K. Gestão de recursos hídricos em bacias de rios transfronteiriçoes e
transfronteiriços - rio Quaraí / bacia do Prata. COPPE. Rio de Janeiro, Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Doutorado, 2008.
Camdessus, M., B. Badré, et al. . Água: oito milhões de mortos por ano. Um
escândalo mundial. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2005.
Elhance, A. Hydropolitics in the 3° world: conflict and cooperation in
international river basins. Washington D.C., United States institute of peace press,
1999.
Klare, Michael. Resource wars: the new landscape of the global conflict. New
York: Henry Holt Co, 2001.
Furlong, Kathryn. “Hidden theories, troubled waters: International relations, the
‘territorial trap’, and the Southern African Development Community’s transboundary
waters”. Political Geography, 25, 438-458, 2006.
Gilman, P. V. Pochat, et al. . "Whiter La Plata? Assessing the state of transboundary
water resource cooperation in the basin." Natural resources forum 32: 203-214,
2008.
Gleick, P. "Water and conflict: fresh water resources and international security."
International Security 18(1): 79-112, 1993.
Linton, J. What is water? The history of a modern abstraction. Vancouver, UBC
Press, 2010.
Moniz Bandeira, Luiz A. O Brasil como potência regional e a importância estratégica
da América do Sul na sua política exterior. Temas & Matizes, Nº: 14, pg. 9-32, 2008.
Queiroz, Paulo R. C. Uma ferrovia entre dois mundos: a E.F. Norooeste do
Brasil na primeira metade do século 20. Bauru: EDUSC, 2004.
Pochat, V. "International agreements, institutions and projects in La Plata basin."
International Journal of Water Resources Development 27(3): 497-510, 2011.
Ribeiro, W. C. Geografia política da água. São Paulo, Annablume, 2008.
Uitto, Juha; Wolf, A. Water wars? Geographical perspectives: introduction. The
geographical journal, 168 (4), 289-292, 2002.
Wolf, Aaron. Conflict and cooperation along international waterways. Water Policy
1,251 – 265, 1998.
Turton, A. Hydropolitics: The concept and its limitations. Hydropolitics in the
developing world: A Southerns african perspective. A. Turton and R. Henwood.
Pretoria, African Water Issues Research Unit, 2002.