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BIRCHAM INTERNATIONAL UNIVERSITY FACULTY OF ARTS & HUMANITIES ESPECIALIDADE DE HISTÓRIA DE ARTE LIVRO: A ARTE E ILUSÃO Um estudo da psicologia da representação pictórica

A ARTE E ILUSÃO “Um estudo da psicologia da representação pictórica”

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BIRCHAM INTERNATIONAL UNIVERSITY

FACULTY OF ARTS & HUMANITIES

ESPECIALIDADE DE HISTÓRIA DE ARTE

LIVRO: A ARTE E ILUSÃOUm estudo da psicologia da representação pictórica

Angola – Cabinda, Dezembro / 2013

BIRCHAM INTERNATIONAL UNIVERSITY

FACULTY OF ARTS & HUMANITIES

ESPECIALIDADE DE HISTÓRIA DE ARTE

Relatório de Estudo

LIVRO: A ARTE E ILUSÃO“Um estudo da psicologia da representação

pictórica”

2

“Pela presente juro que sou o único autor do

presente relatório e que o seu conteúdo é

consequência do meu trabalho sobre o livro

de texto”

Angola – Cabinda, Dezembro / 2013

Aluno: Silvestre de Assis Lopes Malonda Sibi

ÍNDICE

INTRODUÇÃO………………………………………………………..………………0

I – Os limites da semelhança.………………………………………….…….0

1.1. Da luz à tinta………………………………………………………

1.2. Verdade e estereótipo……………………………………………

II – Função e forma…...………………………………………………………

2.1. O poder de Pigmalião………………………….………………..

2.2. Filosofia da arte e a revolução

grega………………….

2.2.1. Ilusionismo e mimese………………………….

2.3. Fórmula e experiência………………………………………….

2.3.1. A arte e a ciência……………………………………….

III – A participação do observador…………………………………………..

3

3.1. A imagem nas nuvens..………………………………………...

3.2. Condições de ilusão….………………………………………..

3.3. ambiguidade da terceira dimensão…………………………..

IV – Invenção e descoberta…...……………………………………………..

4.1. O experimento da caricatura………………………………...

4.2. Da representação à expressão……………………………..

CONCLUSÃO…………………………………….……….………………………….

INTRODUÇÃO

O presente relatório foi elaborado de forma meticuloso

e, servirá de meio de verificação e instrumento para

atestar o nível de compreensão e interpretação dos

capítulos que compõem a obra do histórico e teórico, Ernst

Hans Gombrich, intitulada “ Arte e Ilusão – Um estudo da psicologia

da representação pictórica”. Abordou aspectos relacionados com a

pintura, eliminando os mal-entendidos e explicando os

4

problemas da pintura que surgiram a séculos. Para além da

introdução, a obra está organizada por quatro (4) partes

interligadas com os seus respectivos subtemas,

nomeadamente: os limites da semelhança, função e forma, a

participação do observador e invenção e descoberta. Segundo

Kenneth Clarke, a obra em estudo é importantíssima para a

história da arte. Ele explica que o autor tendo em conta, a

sua profunda capacidade de pesquisa em história e

psicologia da representação pictórica, também se baseou em

outros áreas de saber. A obra que estudamos, contém uma

variedade de conhecimentos práticos analisados por artistas

e professores de arte e, que servirá de suporte para todo

estudante de arte e amadores. E, também encontramos vários

questionamentos sobre a resolução de alguns problemas

indagados com a pintura, na antiguidade e no período

moderno.

O historiador da arte (Ernst Hans Gombrich) completa sua

tarefa quando descreve as mudanças ocorridas no mundo das

belas-artes. Por outro, ele se preocupou com as diferenças

de estilo1 entre uma escola de arte e outra, e refinou seus

métodos de descrição a fim de agrupar, organizar e

identificar as obras de arte do passado que chegaram até

aos nossos dias.

Os métodos de representação diziam respeito ao crítico

de arte. Julgava as obras de arte contemporânea antes de

mais nada por padrões de exactidão representativa, não

tinha dúvidas de que essas habilidades fizeram progresso

desde os seus começos até a perfeição da ilusão: “Exemplo, a1 Segundo Cícero, a palavra estilo deriva de “stilus”.

5

arte egípcia adoptava métodos infantis, porque os artistas egípcios não sabiam

fazer melhor as suas pinturas com essa perfeição da ilusão”. Quando nos

referimos dos mestres da pintura do passado como Constable

(que o autor deste livro não deixou de parte na sua

análise), Velásquez, Giotto, Pollaiuolo, Rembrandt, Lorrain, Reynolds,

Manet, Daumier, Cezanne, Leonardo da Vinci, Donatello, Picasso, Dürer,

Gainsborough, Ticiano, Bellini, Rafael, Rubens, Caravaggio, Hogarth, Turner,

Cozens e outros, que foram, ao mesmo tempo, grandes artistas

e grandes ilusionistas, o estudo da arte e ilusão, não

podem ser mantidos sempre de fora. As descobertas e os

efeitos de representação eram o orgulho de artistas de

outros tempos.

O processo da arte tornou-se, triunfo sobre os

preconceitos da tradição. A história da arte é interpretada

como um processo até a verdade visual, na tradição que

começou com Plínio e Vasari. Porém, Plínio o velho resumiu a

posição da Antiguidade clássica quando escreveu que: “a

mente é o verdadeiro instrumento da visão e da observação, os olhos

funcionam como uma espécie de veículo, que recebe e transmite a porção

visível da consciência”.

A percepção de uma forma ou de um espaço é permitirá

todos os nossos sentidos que se associem, para fazer uma

leitura, completa das características do objecto ou do

espaço e transmitir informação ao nosso cérebro onde se vai

processar a descodificação e a interpretação da mesma.

Há percepção auditiva, táctil, olfactiva, gustativa,

conforme o órgão estimulado. Quando a percepção se faz

através da visão chama-se “percepção visual”. Um elemento

6

fundamental para que haja percepção visual é a “Luz”. Para

entender a percepção visual é necessário compreendermos o

mecanismo da visão. O olho humano é semelhante a uma câmara

fotográfica.

Todas as ideias de imitação da natureza, idealização

ou abstracção repousam na noção de que aquilo que vem

primeiro são “impressões dos sentidos”, que são subsequentemente

elaboradas, distorcidas e generalizadas. Para Karl Popper,

chamou essas pressuposições de “teoria do balde da mente”, isto

é, o quadro de uma mente em que “dados sensoriais” são

depositados e processados.

Portanto, a maioria parte dos capítulos desta obra,

suas ideias provém da que nos antecede “A história da arte”, e

espelha a destreza dos artista bem como, as experiências e

as descobertas realizadas na área da pintura. Visto que o

pintor nas suas produções deve fazer funcionar o poder da

imaginação no observador e a fidelidade à natureza também

deve ser alcançada dentro dos limites da técnica do

artista. Se não existir uma ligação entre o artista e

observador, haverá uma invasão da fronteira da arte.

Se tornou conhecido o tema “Arte e ilusão” há uns quarenta

(40) anos e teve o seu subtítulo “Estudo da psicologia da

representação pictórica” não permite mal-entendido.

A estruturação dos capítulos obedece uma sequência

lógica, nos permitindo a obtenção de saberes sobre a

história da arte e ilusão. Para o desenvolvimento deste

relato obedeceu-se a seguinte estruturação:

7

I – Os limites da semelhança: neste capítulo faremos

uma análise meticulosa sobre algumas técnicas de pintura

como a descoberta de Constable e os problemas da tradição

através da cópia e motivos não familiares ao público

apreciador da arte.

II – Função e forma: neste capítulo realizaremos uma

pequena análise sobre a imitação da Natureza e as fórmulas

de esquemas e correcção na arte grega, bem como, as

experiências que adquiriram ao longo dos séculos.

III – Participação do observador: neste capítulo

iremos realizar uma reflexão esplêndida e exaustiva sobre

as implicações dessa observação das pinturas e examinaremos

a participação do observador na interpretação de imagens,

bem como os grandes problemas nas imagens surgidos da

ambiguidade.

IV – Invenção e descoberta: neste capítulo

efectuaremos uma abordagem sobre a história das descobertas

das aparecias e a invenção de efeitos pictóricos.

8

PALAVRAS-CHAVES: Arte, ilusão, representação e pictórica.

I – OS LIMITES DA SEMELHANÇA

A pintura é uma disciplina onde se conserva vestígios

antigos. Rigorosamente relacionada com o suporte em que á

aplicada, existem inúmeras técnicas e tipos de pigmentos

que permitiram a sua evolução formal e estética. Em muitas

ocasiões, a pintura esteve subordinada à arquitectura,

porém, também em diversos momentos da história da arte

soube autonomizar-se e constituir uma forma de expressão

própria. A partir do século XX, a tendência transgressora

que caracteriza os artistas deste século levou os pintores

a criarem composições em que integram materiais estranhos à

pintura, como a palha, o cartão e os tecidos.

1.1. Da luz e tinta

A cor resulta da existência da luz. Sem luz o que vemos

é tudo negro. A luz solar contém vários tipos de radiações

que formam o espectro electromagnético. – Exemplo: raios luminosos e

de calor, raios X, ondas de radar, ondas de rádio, raios ultravioletas,

infravermelhos etc.

Apenas uma pequena faixa dessas radiações situada

entre os raios ultravioletas e infravermelhos é captada

pelos nossos olhos - Espectro visível.

Foi no século XVII que o físico Isaac Newton descobriu

que a luz branca do sol é constituída por várias luzes

9

coloridas. Com um prisma de vidro, Newton fez a

decomposição da luz solar e descobriu que um feixe de luz

branca se decompõe num feixe de luzes, como as cores do

arco-íris. A cada cor corresponde um determinado

comprimento de onda. Quando a luz incide sobre os objectos,

estes absorvem todas as radiações, excepto aquela

correspondente à sua cor, que é reflectida.

Uma superfície é azul porque, ao ser iluminada,

absorve todas as radiações e reflecte apenas as que já

possui, que correspondem ao comprimento de onda da sua cor,

azul. Esta ao ser reflectida vai ser captada e impressionar

os nossos olhos.

Uma superfície branca reflecte todas as radiações que

recebe, ao contrário da negra que absorve todas as

radiações. Todos nós sabemos que, quando estamos vestidos

de negro, temos mais calor do que vestidos de branco.

Para análise este item partir do pensamento de

Gombrich. Ele se baseou na pintura de John Constable realizada

em 1816 com o título “Wivenhoe Park” que eram um quadro

composto de um encanto rural da paisagem, devotando a

perícia do artista e sua sensibilidade ao expressar o jogo

da luz do sol nos verdes pastos, as leves ondulações do

lago com seus cisnes (aves aquáticas cujo pescoço longo), e a

pitoresca massa de nuvens que envolve o conjunto. Assumimos

afirmar que o quadro é tão natural e fácil de

interpretação.

Sabemos que pintar é uma ciência e disse Constable: “ela

deve ser praticada como uma investigação das leis da natureza”. Por que,

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então, não pode o paisagismo ser considerado como ramo da filosofia natural,

da qual os quadros não passam de experiências? Essa filosofia natural

referenciada pelo Constable, actualmente é considerada com

física.

Na tradição ocidental, a pintura foi tratado como

ciência. Porém, todas as obras que são fruto dessas

tradições e que vemos expostas nas nossas grandes colecções

usam descobertas que são o resultado de incessante

experimentação.

Ficamos saber que o artista também não pode

transcrever em conformidade o que vê, porque apenas o

traduzi para os termos do meio que utiliza. E quando ele

trabalha com o preto e branco, essa transposição é fácil

dever. O autor apresenta dois desenhos2 feitos por Constable

que apontam o contraste da luz entre uma a outra.

O primeiro, parece ter usado um lápis de ponta muito

dura, ajustando todas as suas gradações ao que é,

objectivamente, uma gama muito diminuta de tonalidades, que

vai do cavalo preto no primeiro plano às arvores distantes,

através das quais parece brilhar a luz do céu, representada

pelo papel acinzentado. O segundo, ele empregou um meio

mais escuro e mais cru que lhe permitiu um contraste mais

vigoroso e eficaz.

Contraste é uma gradação muito pequena na intensidade da

luz reflectida de diferente área no desenho.

2 Desenhos pintados à lápis por Constable, cujo títulos: Dedham

Vale. C. (1811) e Dedham from langham (1813), E.H. Gombrich, Arte e

Ilusão – um estudo da psicologia da representação pictórica, 4ª edição,

São Paulo, 2007, pág. 32.

11

Quando dizemos que uma imagem se parece exactamente a

com o seu protótipo, em geral queremos dizer que as duas

seriam difíceis de distinguir uma outra quando são vistas

de lado a lado, à mesma luz.

Se a diferença fora pequena, poderemos ainda restaurar

a “semelhança” avivando as cores do objecto que estiver à

luz coada, mas não se estiver na sombra e o outro à luz do

sol. Por essa razão, foram aconselhados os pintores, desde

os tempos antigos a instalarem os seus estudos voltados

para o norte. Porque, se o pintor de um retrato ou de uma

natureza-morta tem a intenção de copiar a cor do seu motivo

por área, não pode permitir que um raio de sol desencaminhe

o processo. Vejamos, se esse artista estivesse observando

se o seu branco mais branco se iguala ao de uma toalha de

mesa – como poderia a paleta dar ainda aquela claridade extra de um ponto

em que o sol bate, o brilho de um reflexo fascinante? O pintor paisagista

tem ainda menos campo para a imitação formal. “O autor nos lembra sobre as dificuldades do fotógrafo.

Se ele quiser que admiremos as belas cores do Outono que

fotografou na uma sua última viagem, terá de nos levar à

câmara escura onde exibe seus diapositivos numa tela prateada”.

Só a luz do projector, ajudada pela adaptabilidade dos

nossos olhos, lhe permitirá reproduzir gama de intensidades

de luz de que gozou na natureza.

O Constable teve ocasião de tecer comentários sobre um

expediente como esse. Descrevendo em carta a nova invenção

conhecida como “diorama3”, que sendo exibida na década de

3 Diorama: é um modo de apresentação artística de maneira muito

realista de cenas da vida real (…).

12

1920, diz: “É, em parte, uma transparência; o espectador está numa

câmara escura, e é muito agradável, e a ilusão é admirável. Escapa ao campo

da arte, porque seu objecto é a impostura. A arte agrada por recordar e não

por enganar”. Ele também, nos recorda que o artista não pode

copiar um gramado banhado de sol, mais pode sugeri-lo.

O Sir. Winston Churchill, afirmou que: “olhamos para com

um olhar atento, depois para a paleta e em terceiro lugar para a tela. A tela

recebe a mensagem despachada, via regra, alguns segundos antes pelo objecto

natural”. Essas mensagens são transmitidas em código,

chegando à tela sob a forma de um criptograma. Até que seja

posta em relação correcta com tudo o mais que se encontra

na tela não pode ser decifrada ou o seu significado feito

aparente, traduzido uma vez mais de um mero pigmento em

luz. E a luz, dessa vez, não é da natureza, mais sim da

arte.

A técnica têxtil, na qual a “inversão de relações” fosse

frequente e automático, que primeiro deu ao artesão a ideia

de que a imagem negativa é tão fácil de decifrar quanto a

positiva. Sabe-se que os gregos pintavam vasos fizeram uso

desse princípio de reversão quando passaram para a primeira

técnica, de figuras negras, para o estilo de figuras

vermelhas, em que o tom da argila queimada é reservado para

a figura.

Os gregos partiram daí e desenvolveram criptogramas

para as formas em relevo, enquanto distintas das silhuetas4

planas, isto é, o código em três tons para a modelagem em

luz e sombra (…). 4 Silhuetas são desenhos de perfil em que se seguem apenas os

contornos da sombra projectada pelo objecto ou pessoa.

13

“Um vaso do Sul da Itália, em que a forma do gargalo é

avivado com tinta branca de um lado para sugerir luz e

sombreada com um tom mais escuro do lado oposto (…)”.

A gradação em quatro tons das tesselas5 bastou aos

mosaicistas da Antiguidade clássica para sugerir as

relações básicas da forma no espaço. Ficamos tão satisfeito

com as sugestões do artista, que respondemos com maior

naturalidade à notação em que linha pretas indicam tanto a

distinção entre fundo do quadro e figura quanto as

gradações de sombreado que se tornaram tradicionais em

todas as técnicas gráficas. O Baldung Grien nos apresenta uma

xilogravura cujo título “A queda” considerada completa e

legível na sua notação de preto e branco. Ele aplicou em

algumas das suas obras a técnica de “Chiaroscuro” isto é,

diminuindo o tom do fundo, usando o branco d papel para indicar luz. A

técnica de chiaroscuro na xilogravura podemos sentir o

desenho escamoso como uma serpente.

Se contemplarmos os quadros de Reynolds e Gainsborough6,

poderemos verificar o valor de uma gradação uniforme em

primeiro plano (…). A experiência da arte não constitui

excepção á regra geral. Um estilo, como uma cultura, cria

um horizonte de expectativas, um conjunto de “contexos

mentais”7, que regista desvios e alterações com exagerada

sensibilidade.

5 Pedra quadrangular para revestir pavimentos (mosaico). 6 Pinturas cujo títulos “Lady Elizabeth Delmé and Her Children e

Landscape with a Bridge”, nas págs.: 41e 42. 7 Contextos mentais são registos das situações ou saber a pertence

do objecto observado.

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1.2. Verdade e estereótipo

O ilustrador alemão Ludwig Richter e seus amigos, ambos

estudantes da arte em Roma na década de 1820, decidiram

visitar num certo dia a bela Tivoli e se instalaram para

desenhar. Com isso, se depararam com um grupo de artistas

franceses e se faziam acompanhados de grandes quantidades

de tinta que passaram a aplicar na tela com grandes pincéis

grosseiros. O Richter e outros seleccionaram os lápis mais

duros, mais bem apontados, capazes de reproduzir o motivo

com toda minúcia, em todos seus detalhes. Cada um deles se

debruçou sobre a sua folha de papel, tentando transcrever o

que via com toda fidelidade.

O temperamento ou personalidade do artista, suas

preferências selectivas, podem ser uma das razões da

transformação por que passa o motivo nas suas mãos do

artista (…).

Na verdade, tudo aquilo que reunimos na palavra

“estilo”, o estilo da época e o estilo do artista. Por

exemplo: quando a transformação for muito notável, afirmamos que o

motivo foi muito estilizado (…).

Segundo Richter, em toda obra de arte, o estilo domina o

artista quando deseja reproduzir fielmente a “Natureza”.

Consideramos isso como um limite à objectividade para

acabar com o enigma do estilo. Realmente, o artista pode

transmitir só o que o seu instrumento e veículo são capazes

de executar. Sua técnica restringe sua liberdade de

escolha. As características e relações que o lápis é capaz

15

de captar diferem das que o pincel reproduz. O artista

sentado diante do seu motivo, com o lápis na mão, procura,

então, aqueles aspectos que pode representar em linhas (ele

tende a ver o seu motivo em termos de linhas), ao passo que, com o

pincel na mão, ele o vê em termos de massas.

O desenhista começa por classificar o “borrão”,

enquadrando-o em algum “esquema familiar”. Escolhendo uma

esquema que se adapta aproximadamente à forma, procurará

ajusta-lo melhor. Um borrão de tinta não-estrutura ou

qualquer mancha irregular crie consigo o que chamamos

“figuras sem sentido”.

O acto de copiar prossegue-se num ritmo de esquema e

correcção. O esquema não é produto de um processo de

abstracção de uma tendência a simplificar, mas representa

uma primeira categoria, aproximada e pouco rígido, que aos

poucos se estreitará para adaptar-se à forma a ser

reproduzida.

Se uma figura é projectada numa tela por um breve

momento, não podemos retê-la sem alguma classificação

apropriada. O rótulo que dermos essa figura terá sido

influenciado a selecção de um esquema. Para o historiador

da arte, experiências desse tipo são do maior interesse

pois ajudam a elucidar certos fundamentos. A figura ao ser

copiada e recopiada fica assimilada na “shemata8” dos seus

8 Shemata ou mapa cognitivo são valores, crenças e papéis

actualizados pelo indivíduo por assimilação activa. Uma vez em contacto

com uma cultura, seja de uma sociedade, organização ou grupo social, o

indivíduo irá assimilar seus elementos e reconstruí-los internamente.

São também importante na constituição da visão do mundo das pessoas e

16

artesãos. O estilo, como veículo, cria uma atitude mental que

leva o artista a procurar na paisagem que o cerca,

elementos que seja capaz de reproduzir. A pintura é uma

actividade, e o artista tende, consequentemente, a ver o

que pinta em vez de pintar o que vê. Foi essa interacção

entre estilo e preferência que Nietzsche comentou:“Toda a Natureza, fielmente – mas por qual estratagema

será possível sujeitar a Natureza ao jugo da Arte? Seu menor

fragmento é ainda infinito! E assim ele pinta somente o que nela

lhe agrada. E o que é que lhe agrada? O que sabe pintar!”.

A arte pressupõe mestria, e quanto maior for o artista

mais seguramente ele evitará, instintivamente, uma tarefa

na qual a sua mestria de nada lhe servirá. O leigo pode se

perguntar se Giotto seria capaz de pintar uma vista de

Fiesole ao sol, mas o historiador suspeitará de que, por

carecer dos meios necessários, ele não desejaria fazê-lo

(…). O indivíduo pode enriquecer os meios que a cultura a

que pertence lhe oferecer.

Segundo Gombrich, a “linguagem da arte” é mais do que uma

metáfora, de que mesmo para descrever o mundo visível em

imagens precisamos de um sistema de shemata bem

desenvolvido.

Desde o fim do século XIX, que a arte primitiva e a

arte infantil empregam uma linguagem simbólica de

preferência, sendo sinais naturais utilizados para imitar a

realidade. Este é uma arte baseada não na visão, mas no

conhecimento e que opera com imagens conceituais:

estando ligados a factor motivacional.

17

“Durante um determinado desenho que seja casa ou carro

a criança não olha nas suas característica, contentando-se com o

esquema conceitual que não corresponde a qualquer realidade

do objecto em representação”.

Segundo Gustav Britsch e Rudolf Arnheim, mostraram que não

existe oposição entre grosseiro mapa-múndi feito por uma

criança e um mapa mais rico, apresentado em imagens

naturalistas. Toda arte tem origem na “mente humana”, em

nossas reacções ao mundo mais que no mundo visível em si, e

é exactamente por ser toda arte conceitual que todas as

representações são reconhecíveis pelo seu estilo.

Sem algum ponto de partida, sem algum esquema inicial,

nunca poderíamos captar o fluxo da experiência. Sem

categorias (grupo do objectos desenhos), não poderíamos

classificar as nossas impressões. Na verdade, se o esquema

mantém-se elástica e flexível, a imprecisão inicial

mencionada neste capítulo pode vir a ser não um obstáculo,

mas um trunfo.O progresso do conhecimento, dos ajustes

através de ensaio e erro pode ser comparado ao jogo das

“vinte perguntas”, em que temos de identificar um objecto por

inclusão ou exclusão com base em qualquer conjunto de

classes. O tradicional esquema inicial de animais, vegetal

ou mineral não é científico nem muito apropriado, mas

serve, via de regra, suficientemente bem para reduzir os

nossos conceitos submetendo-os ao teste correctivo do “sim

ou não”.

Portanto, o Benjamin Lee Whorf numa das suas pesquisas

salientou de que aquilo que “a linguagem faz não é dar nome a coisa

ou conceitos preexistentes, mas articular o mundo da nossa experiência”.

18

As diferenças de estilos ou linguagens não se

interpõem necessariamente no caminho das respostas

correctas e das descrições. O mundo pode ser abordado de um

ângulo diferente e, todavia, a informação dada pode ser

ainda a mesma. Os estilos, como as línguas, diferem quanto

à sequência da articulação e ao número de perguntas que

permitem ao artista perguntar. São complexa a informação

que nos chega do mundo visível que nenhum quadro pintado

poderá abrangê-la toda. Isso não se deve à subjectividade

da visão, mas à sua riqueza. Vejamos, onde o artista tem de

copiar um produto humano, ele pode, de facto, produzir um

fac-símile9 (...).

II – FUNÇÃO E FORMA

2.1. O poder de Pigmalião

Os filósofos gregos chamaram a arte de “imitação da

Natureza” e os seus sucessores se ocuparam em corroborar,

desmentir ou qualificar essa definição. Por outro lado,

procuraram mostrar alguns dos limites desse pressuposto de

atingir a imitação perfeita, sugerida pela natureza do meio

empregado e pela psicologia do procedimento artístico.

Actualmente essa imitação deixou portanto, de ser uma

grande preocupação para os artistas e fazedores da arte.

Podemos concluir que os gregos não tinham razão, porque a

principio eles possuíam a sua mitologia que lhes tinha

narrado outra história. Essa fala de uma função mais antiga9 Fac-símile é a reprodução exacta de um desenho ou quadro.

19

e mais aterradora da arte, quando os artistas não

procuravam “imitar” a criação, mas rivalizar com ela.

O mais famoso dos mitos que cristalizaram a crença no

poder da arte para criar em vez de retratar é a história de

Pigmalião. Ele é um escultor, que deseja modelar uma figura

de mulher a seu gosto e se apaixona pela estátua que faz.

Roga a Vénus que lhe dê uma noiva à sua imagem, e a deusa

converte o frio marfim num corpo vivo. Esse mito cativou,

naturalmente, a imaginação dos artistas, os sonhos solenes

(…).

Sem promessa subjacente desse mito, os secretos

temores e esperanças que acompanham o acto de criação,

talvez não houvesse a arte como tal como a entendemos. Um

dos mais originais entre os jovens pintores da Inglaterra,

Lucien Freud, escreveu: “Um momento de completa felicidade é coisa que jamais

ocorre durante a criação de uma obra de arte. A promessa que

ela encerra pode ser sentida no acto da criação, mas desaparece

ao final do trabalho, porque é então que o artista se dá conta de

que aquilo é apenas um quadro que ele está pintando. Até então

ousara quase esperar que o quadro pudesse de repente adquirir

vida”.

Disse Lucien Freud, “apenas um quadro”. Pois é um motivo

que encontramos em toda a história da arte ocidental. Vasari

conta como Donatello, trabalhando no seu “Zuccone”, de repente

olhou para ele e ameaçou a pedra com uma praga medonha. O

maior feiticeiro de todos eles, Leonardo da Vinci, exaltou o

poder que tem o artista de criar. O hino em louvor da

20

pintura, como o título “Paragone”, ele chama o pintor de

“senhor de todas as pessoas e de todas as coisas”:“Se ele quiser ver belezas e se apaixonar por elas, basta-

lhe criá-las, pois tem poder para isso; e se desejar ver coisas

monstruosas, que causem terror, ou que sejam tolas, ou que

provoquem riso ou compaixão, ele é delas Senhor e Deus”.

Na verdade, o poder da arte para despertar paixões,

para Leonardo, é um símbolo da sua magia. Ele escreveu: “O pintor dominar a tal ponte as mentes dos homens que

eles podem se apaixonar por um quadro que não representa

uma mulher real”.

2.2. Filosofia da arte e a revolução grega

A imitação da Natureza foi descoberta e definida pelos

gregos no século IV. Neste período poucas discussões

revolutearam sobre a filosofia da representação (…). O

Platão na sua obra “República” introduz a comparação entre uma

“pintura” e uma “imagem no espelho”. A fim de examinar a sua

teoria das ideias, Platão compara o pintor ao carpinteiro.

O carpinteiro ao fazer uma cadeira traduz a ideia, ou

conceito, de cadeira em matéria. O pintor que representa a

cadeira do carpinteiro em um dos seus quadros apenas copia

aparência de uma cadeira determinada.

Um pintor que esboça o interior de um quadro não

precisa forçar a cabeça para designar correctamente os

nomes dados no comércio de móveis às peças que tem à sua

frente.

21

Segundo Platão, a “função” numa obra de arte depende da

“realidade” e de “aparência”. “Fazer vem antes de contrapor”. Pois

antes de o artista pensar em “igualar” o que via do mundo,

queria criar coisas por elas mesmas. Este processo de

igualar passa pelas frases de “esquema” e “correcção”. Todo

artista tem de conhecer e construir um esquema antes de

pensar em ajustá-lo às necessidades de retratar alguma

coisa.

O Platão recorda os seus contemporâneos que, o que o

artista é capaz de igualar são as aparências porque o seu

mundo é da ilusão, o mundo dos espelhos que enganam o olho

humano.

A história da pintura grega, tanto quanto podemos

acompanhá-la através da cerâmica, nos revela a descoberta

do escorço, a conquista do espaço no século V e a da luz no

século IV. Os gregos depois desses séculos evoluíram muito

na aplicação das fórmulas de “esquema” e “correcção”, de

fazer antes de comparar.

Foi nesta área específica que Emanuel Loewy, na virada

do século, pela primeira vez, esboçou suas teorias sobre a

representação da natureza na arte, com prioridade para os

modos conceituais e seu ajustamento gradual às aparências.

A arte arcaica parte do esquema, da figura frontal,

simétrica, concebida sob um único aspecto. A conquista do

naturalismo pode ser descrita como a acumulação gradual de

“correcção” devidas à observação da realidade.

Para os gregos, o período arcaico representava a

aurora da história. Naturalmente, o despertar da arte,

22

livrou os artistas gregos dos métodos primitivos,

coincidindo com o surgimento de todas as outras actividades

que, para o humanista. Portanto, houve o desenvolvimento da

filosofia, da ciência e da poesia dramática (…).

O nosso horizonte histórico deve ser ampliado isto é,

pesquisando as outras civilizações ou culturas para que

déssemos conta com perfeita justiça chamado de “o milagre

grego”, a singularidade da arte grega.

De facto, foi um egiptólogo, Heinrich Shäffer, quem

ampliou a descoberta de Loewy e reconheceu a relevância da

contribuição grega através da sua análise da maneira

egípcia de representar o mundo visível.

O teórico Shäffer sublinhou que as “correcções”

introduzidas pelos artistas gregos para "igualar” a realidade

são únicas na história da arte. Longe de constituírem um

procedimento natural. O que é normal para o homem e para a

criança no mundo inteiro é ficar com a shemata, com aquilo

que se chama de arte conceitual.

Do ponto de vista funcional, a arte infantil é mais

impuro. Os motivos e propósitos que inspiram as crianças

que desenham são mistos e confusos. Elas crescem num mundo,

onde as imagens já assumiram suas múltiplas funções: retratar,

ilustrar, decorar, atrair ou expressar emoção. Se quisermos estudar a

relação entre forma e função num quadro contemporâneo deve-

se dar um golpe de vista na arte infantil para o rígido

contexto dos jogos.

23

A arte egípcia estava, há muito, adaptada à função de

retratar, de representar informações visuais e memórias de

campanhas e de cerimónias.

Nunca devemos esquecer que olhamos a arte egípcia com

disposição de espírito que todos derivamos dos gregos.

Enquanto assumirmos que as imagens no Egipto

significam mais ou menos o mesmo que significam hoje, no

mundo pós-grego, teremos de considerá-las um tanto infantis

e ingénuas. Platão, como se sabe, via com nostalgia a

shemata imóvel da arte egípcia.

2.2.1. Ilusionismo e mimese10

Plínio conservou para nós a observação de um crítico

helenístico que louvava a perícia do famoso pintor Parrásio

ao criar a ilusão do volume pelo contorno das suas figuras.

Essa é a parte mais sutil da pintura. Porque o contorno

deve arredondar-se e assim terminar, de maneira que prometa

alguma coisa mais que continua do outro lado, mostrando até

mesmo o que esconde.

Quando comparamos qualquer figura conceitual da arte

pré-grega ou da arte grega primitiva com os milagres das

figuras que se movem livremente tais como estudamos as

pinturas murais clássicas (Donzela colhendo flores), podemos

perceber onde está o triunfo de Parrásio. Suas figuras

sugerem o que já não mostram. Sentimos até a presença de

10 Mimese é recriação da realidade, a partir dos preceitos

platónicos, segundo os quais o artista, ao dar forma à matéria, imita o

mundo das ideias.

24

traços que não vemos, de tal modo que ele consegue mostrar

uma dançarina a girar (…).

A força da gravidade que os inventores gregos tiveram

de superar foi a tracção psicológica para a imagem

conceitual distintiva que dominara a representação até

então e a que todos temos de nos contrapor quando

aprendemos as arte mimese. Sem esses esforços sistemáticos,

a arte nunca se teria levantado, nas asas da ilusão, à zona

dos sonhos (…). Portanto, os artistas como Míron e Fídias, de

Zêuxis e Apeles, descobriram novos efeitos para aumentar a

ilusão e o realismo na representação. Estes permaneceram

vivos na história da arte e conservaram seu prestígio. O

esforço dirigido, a modificação continua e sistemática da

shemata da arte conceitual, até que o fazer foi substituído

pela imitação da realidade, através da nova habilidade da

“mimese”. A natureza não pode ser imitada ou transcrita sem

ser primeiro desmontada e montada de novo. Esse é um

trabalho não só de observação, mas também de experimentação

incessante. Não há motivo para pensar que os artistas

gregos ofereceram um inventário visual mais completo ou

mais aprimorado do mundo do que a arte egípcia, Mesopotâmia

ou de Creta. Nessa antigas civilizações, a “shemata” de

animais e plantas era, por vezes, refinada a um grau

surpreendente. A arte se fez, de novo, um instrumento, e a

mudança de função resulta numa mudança de forma.

2.3. Fórmula e experiência

25

A revolução grega por ter mudado a função e as formas

da arte. Não pôde mudar a lógica da fabricação de imagens,

o simples facto de que sem um meio expressivo e sem um

esquema capaz de ser moldado e modificado nenhum artista

pode imitar a realidade (mimese).

Sabemos quê nome os antigos davam às suas “shematas”,

referiam-se a elas como “cânon”, isto é, as relações

básicas, geométricas, que o artista tem de conhecer para a

construção de uma figura aceitável.

O cânon foi um problema que acabou por ser suplantado

na arte grega pela “busca da verdade e da proporção”, de modo que

talvez devamos escolher outro ponto de partida à margem dos

domínios da grande arte para continuar a nossa investigação

da mimese.

Na sua tese de doutoramento, o psicólogo F. C. Ayer,

disse: “o artista profissional adquire uma grande quantidade de “shemata”

com a qual produz rapidamente no papel o esquema de animais, de uma flor,

de uma casa”. Esse esquema lhe serve de apoio para a

representação de imagens da sua a memória, e ele modifica

gradualmente o esquema, até que corresponda aquilo que

deseja exprimir. Muitos desenhistas deficientes em “shemata”

que “sabem copiar outro desenho não sabem copiar o objecto”.

Conceituamos a “Patologia do retrato”, os curiosos erros

feitos por copistas e artistas topográficos, que muitas

vezes tem sido causado por falta de um esquema a obedecer

na representação das suas obras de arte. Certamente, não

acreditamos hoje ter havido “desenhistas profissionais” que

gostariam se inclinar nesses erros.

26

O psicólogo no seu relato, não deixa de lembrar

aqueles manuais para os amadores que prometem ensinar “como

desenhar uma árvore, um passarinho, navios a vela, aeroplanos ou cavalos”.

A quantidade de livros dessa espécie que as maquinas

impressoras vomitam ano sim ano não deve ser tão grande

quanto o sagrado horror do artista a esses “truques”.

Existem livros para os interessados, mostrando como

desenhar mãos, pés e olhos, bem como, excelentes

enciclopédias que ensinam tudo isso e muito mais em meia

dúzia de lições. Mas todos esses livros partem do princípio

que seria de esperar da fórmula “esquema e correcção”. Ensinam

um cânon singelo e mostram como construir o requerido

vocabulário com base em formas geométricas, fáceis de

lembrar e fáceis de desenha. Entre os mais simples, devemos

citar o ABC do desenho de Allen, Graphic Art in Easy stages, mais o

princípio é o mesmo livros mais sérios, como How to Draw

Birds, de R. Sheppard.

Essas lições para o artista principiante podem ser

comparadas a certos “métodos de construção de imagens observados na

arte primitiva”. As civilizações antigas aprenderam a

representar os olhos classificando-os como conchas de

caurim. O amador aprende hoje a classificar e ordenar as

formas básicas das coisas em termos de algumas distinções

geométricas. Só depois que aprendeu a construir a imagem de

uma ave, ele deve sair estudar as aves que deseja retratar,

só no fim deve registar as características que identificam

primeiro a espécie e depois a ave, individualmente.

27

O clima da arte do nosso tempo é hostil a tais

processos. Pois não acabamos nos livrar dos processos

enfadonhas e lúgubres pelos quais os meninos do tempo da

rainha Vitória aprendiam a desenhar o esquema de uma folha

que mal tinham visto a distancia (…).

Não bastava ter um manual com grandiosos modelos de

cães em disparada. Era necessário visualizar o modelo

tridimensional do cão se o pintor quisesse que ele

parecesse “convincente” quando visto em diversas posições.

As pesquisas de Dürer estão ligadas á sua busca do

segredo da beleza, mais também aos seus objectivos

práticos, de educador. Pode-se ver que ele se interessa

pela construção de uma figura adequada que possa servir

como um esquema acessível ás futuras gerações.

De maneira geral, porém aos livros de desenho do

século XVI, com sua ênfase na geometria progressiva,

faltava a simplicidade indispensável à instrução de

principiante.

III – A PARTICIPAÇÃO DO OBSERVADOR

3.1. A imagem nas nuvens

A “faculdade de projecção” despertou o interesse e a

curiosidade de artistas em muitas circunstâncias. A mais

interessante para nós é a tentativa de utilizar formas

causais para aquilo que chamamos de “shematas”, que são os

pontos de partida do vocabulário do artista. A mancha de

28

tinta tornou-se o adversário do livro de modelos. Acontece

que justamente um desses livros, com modelos de “céus e

nuvens”, que Constable copiou, demonstra essa possibilidade

dual. Porque essas permutações de possíveis tipos de céu

faziam parte do estranho livro de Alexander Cozens intitulada

“um novo método para ajudar a criação no desenho de

composições originais de paisagens”. Neste livro Cozens

advoga um “método” a que chama “dos borrões”. O uso de

manchas causais de tinta como sugestão de motivos para o

pintor de paisagens amador. O método, na época, foi objecto

de ridicularização. Paul Oppé, em sua recente biografia do

artista, sentiu-se obrigado a defendê-lo contra a acusação

de que se fundava em mero acidente. O prefácio do próprio

Cozens mostra maior compreensão psicológica do que a

invenção de formas envolve. Seu método é apresentado por

ele como um desafio deliberado ao ensino tradicional de

arte.

Portanto, esses livros de modelos, tiveram algumas

desvantagens, porque um tempo exagerado é gasto em copiar a

obra dos outros autores, o que tende a enfraquecer a

capacidade de invenção por parte do artista. O tempo

poderia ser mais bem empregado copiando-se a paisagem

directamente da Natureza. “Desenhar…é transferir ideias da mente para o papel…

fazer borrões é fazer manchas…produzindo formas ao acaso…

das quais a mente recebe sugestão…desenhar é delinear ideias;

fazer borrões é sugeri-las ”.

Para Cozens, fazer manchas do mesmo tipo era um

método destinado a propor motivos de paisagem. A diferença

29

está no princípio de selecção em funcionamento, descrito

como contexto mental. Compreende as atitudes e expectativas

que influem sobre as nossas percepções e nos predispõem de

ver ou ouvir uma coisa em vez da outra.

Os alunos de Cozens, usavam as manchas de tinta para

ter ideias de paisagens e pintá-las. São motivos de

paisagens o que encontravam nelas. Eles não foram somente

treinados para ver paisagens nas suas manchas de tinta. O

que eles viam, e queriam ver eram pinturas de paisagens.

Afinal, tratava-se de homens e mulheres do século XVIII,

educados no culto dos desenhos de Claude Lorrain. Foram esses

desenhos que fixaram o padrão da paisagem ideal, e eram

esses desenhos que os estudantes de arte queriam igualar.

Toda uma linguagem de forma estava pronta a ser projectada

nas manchas de tinta, e o que eles desejavam eram novas

combinações e variações dessas ideias, e não um vocabulário

inteiramente novo.

Por isso mesmo poucos são os exemplos que mostram o

complexo processo de interacção entre “fazer e emular”, ou

entre “sugestão e projecção”, com maior clareza que essas

demonstrações do “novo método” de Cozens. Sem um

conhecimento do idioma de Lorrain, o amador inglês jamais

pensaria em descobrir o que ele chamava de “motivos pitorescos”

na sua paisagem nativa.

Mas esse hábito e os quadros a que deu origem

reforçaram aquela disposição de ver as formas tão estimadas

em tudo o que parecesse, mesmo de longe, desenho de

paisagens – inclusive um borrão de tinta nanquim11 num11 Tinta nanquim é chamada tinta – da – china

30

pedaço de papel. Alguns ajustes bastariam para convertê-lo

numa paisagem imitando vários motivos, como o Lorrain.

Isso pode ser um exemplo extremo da predominância do

fazer sobre copiar. Mais o princípio de que faz uso tem seu

papel em maior ou menor grau em toda arte. Talvez a melhor

aproximação ao método de Cozens seja a da anedota contada

pelo ilustre escritor holandês Hoogstraeten, do século

XVII: “Três pintores de paisagens holandeses discutiam qual

deles seria capaz de pintar um quadro mais depressa. O

primeiro, Knipbergen, esboçou o motivo como se já o tivesse

pronto de memória. O segundo, Jan Van Goyen, todavia,

procedeu de maneira muito diferente. Espalhou a tinta sobre a

tela – aqui claro, ali escuro até que ela ficasse rajada como uma

pedra ágata. Então, sem esforço nenhum, fez com que uma

pintura emergisse num instante daquele caos de cores

misturadas. Van Goyen usara o seu preparo da tela como se

fosse um borrão, em que projectou rapidamente seus próprios

motivos favoritos. Para o Hoogstraeten, nenhum dos dois ganhou

a aposta. A vitória foi atribuída, a Perselles, que passou várias

horas sem tocar com o pincel na tela. Quando terminou o quadro

mentalmente, pintou-o num instante”.

Sejam quais forem os méritos desse último processo, de

planejamento racional, há provas de que o valor de

projecção foi descoberto independentemente por pintores de

paisagens, em diversas partes do mundo. O paralelo mais

curioso vem da China.

O artista Sung Ti, do século XI, teria criticado da

seguinte maneira da pintura de paisagem de Ch`en Yiung -

chih:

31

“A técnica aqui é muito boa, mas falta o efeito natural.

Você deveria ter escolhido um muro em minas e lançado por

cima um pedaço de seda branca. Depois, de manhã e a noite,

olharia para ele até conseguir ver o muro através da seda, com

as suas protuberâncias, seus vários níveis, ziguezagues, fendas,

armazenando tudo na memória, fixando tudo muito bem na

retina, fazendo protuberâncias suas montanhas, da parte mais

baixo a água, das concavidades as ravinas, das fendas os

riachos, das partes claras seu primeiro plano, das escuras os

mais distantes. Absorva tudo isso muito bem e logo verá plantas

e árvores, homens que se movem por entre árvores, pássaros que

voam de um lado para o outro… ”.

O conselho do artista chinês se aproxima de várias

passagens do “Tratado de pintura” de Leonardo da Vinci (1651).

3. 2. O artista e observador

“Sabemos que os reis e os quadros se parecem desde

que Ptolomeu o disse, na Almagesto: quem quiser ver bem

um quadro, que se afaste dele, pois todos os defeitos da

tela desaparecerão; assim também as coisas que de longe

nos parecem admiráveis revelam-se de rude execução se

contempladas de perto”.

Os artistas devem dar mais atenção a isso, pois a

experiência mostra que todas as coisas distantes, sejam

elas pinturas, esculturas ou o que for, têm mais beleza e

maior impacto quando são apenas um esboço “una bella bozza” do

que quando bem-acabadas.

32

“E, além da distância, que tem esse efeito, ele

aparece frequentemente em desenhos feitos às pressas, na

emoção da arte que quer expressar a ideia em poucos

traços, enquanto um esforço laborioso e um excesso de

indústria podem prejudicar os que jamais dão por

terminada uma obra”.

O relato de Vasari é interessante por mostrar que ele

tinha consciência da relação entre a imaginação do artista

e a do público. Só as obras criadas num estado de exaltação

da imaginação, disse ele com efeito, são capazes de

empolgar a imaginação. No contexto das teorias e

preconceitos do Renascimento, a insistência na inspiração e

na imaginação vai de par com a ênfase na arte como a mais

alta actividade intelectual e com rejeição da mera

habilidade subalterna. O acabamento esmerado trai o

artesão, que é obrigado a observar os padrões da sua

corporação. O verdadeiro artista, como o verdadeiro

“gentleman”, está à vontade em tudo o que faz. É a famosa

doutrina de Castiglione da “sprezzatura”, a “nonchalance” que

distingue o verdadeiro cortesão e o artista perfeito.

“Uma única linha, traçada sem maior concentração,

uma simples pincelada, dada com desembaraço, como se a

mão se movesse sem esforço ou intenção e atingisse seu

alvo como que por si mesma, revelam a excelência do

artista”.

É claro que uma ideia inteiramente nova de arte começa

a tomar forma aí. Portanto, é uma arte na qual a capacidade

de sugestão do pintor vai dar de par com a capacidade de

33

compreensão do público. O filistino, que toma tudo ao pé da

letra, está excluído desse círculo fechado. Ele não percebe

a mágica da spreezatura porque não aprendeu a usar sua

imaginação para projectar. Carece do contexto mental

adequado para reconhecer nas pinceladas aparentemente

soltas de uma “obra descuidada” as imagens intencionais do

artista. É, sobretudo, incapaz de apreciar a perícia

secreta e a sagacidade que se escondem sob essa falta

deliberada de acabamento.

O livro de Vasari, de grande influência, levou a

mensagem ao Norte (Europa): o método tradicional do cuidado

meticuloso no acabamento das pinturas era apenas uma de

suas abordagens possíveis. No seu poema didáctico sobre a

arte de pintar, escrito por volta de 1600, Carel Mander

traduziu o relato feito por Vasari das duas maneiras de

Ticiano em uma “stanza” rimada. E continuou: “E aqui, aprendizes,

quero pôr diante de vossos olhos duas perfeitas maneiras para as quais deveis

orientar doravante vossos passos segundo a inclinação de cada um, mas meu

voto é pela maneira aplicada…seja essa a escolhida, seja a outra…cumpre

sempre evitar uma iluminação muito crua ou muito vivida”.

Uma das poucas observações que se conhecem de Rembrandt

sobre a sua arte revela adesão à segunda maneira: “Não

enfiem o nariz nos meus quadros”, teria dito ele, “ou o cheiro da tinta

os envenenará”.

Palomino, biógrafo de Velásquez, conta que o artista

pintava com pincéis excessivamente compridos para guardar

distância da tela, e acrescenta que seus retratos são

34

ininteligíveis quando vistos de muito perto, mas

miraculosos quando vistos a distância.

O Boschini, pintor veneziano no seu poema de 1660,

compara o diligente e o maneiroso, prefigurando a diferença

entre a obra de Canaletto e Guardi, intitulada “Campo San

Zanipolo, Veneza”. Ressaltou o seguinte:

“No trabalho industrioso, qualquer pintor que tenha

paciência, amor e um bom olha pode ter sucesso. Mas

alcançar a maneira ou qualidade de um Paolo, de um

Bassano, de um Palma, de um Tintoretto ou de um Ticiano –

por Deus, isso é coisa de deixar qualquer um louco!”.

No prefácio póstumo de um dos seus guias, Boschini

estendeu-se em torno da importância que a compreensão dos

estilos desses mestres tem para o connaisseur e associa a

ideia do traço autêntico à tradicional noção de sprezzatura.

“Mesmo os pintores que efectuam pinturas

delicadamente, sobretudo Ticiano, acabaram com algumas

pinceladas nas partes que recebem mais luz ou nas de mais

sombra, dando por terminado o seu trabalho com bravura

para remover a impressão do esforço que tinham

empregado em pintá-lo. De modo que quando tais

pinceladas bruscas não são visíveis, principalmente nas

cabeças, a obra deve ser considerada uma cópia, pos

aquele que imita o quadro com toda a atenção acaba por

produzir um trabalho elaborado”.

Ao connaisseur12, portanto, já não se recomenda

simplesmente permanecer recuada. Ele deve examinar de perto

12 Connaisseur é o apreciador ou conhecidor da arte.

35

o trabalho do pintor, admirar o seu toque e a magia do seu

pincel, que conjurou assim uma imagem. Há

Na virada do século XVIII, Roger de Piles debateu a

questão sobre o prazer na projecção: “Assim como há estilos de

pensamento, há também estilos de execução…o estilo firme e o polido… o estilo

firme dá vida ao trabalho e faz revelar uma escolha má. O polido dá bom

acabamento a tudo e tudo anima. Não deixa margem à imaginação do

espectador, que se compraz no entanto em descobrir coisas e completar coisas

que ele atribui ao artista”.

Com maior astúcia ainda e perspicácia, o grande

crítico francês Conde Caylus investiga os motivos pelos quais

ele e outros preferiam um esboço inacabado e rápido, uma

simples alusão, a uma imagem explícita “bem informado”.

Portanto, emergiu uma teoria psicológica da pintura

que levou em conta essa interacção entre o artista e o

observador.

3. 3. Condições de ilusão

Filistrato atribui ao seu herói Apolónia de Tiana, a ideia

de que “aquele que contempla obras de desenho e de pintura deve ter

faculdade imitativa” e de que “ninguém será capaz de entender um cavalo ou

um touro pintado se nunca viu tais criaturas antes” Vejamos, toda

representação depende, até certo ponto, daquilo que

chamamos de “projecção dirigida”. Quando dizemos que os borrões

de tinta e as pinceladas das paisagens impressionistas

“adquirem vida subitamente (…)”, queremos dizer que fomos levados

a projectar uma paisagem naqueles salpicos de pigmento.

36

Qualquer pessoa capaz de manejar uma agulha com

destreza nos fará ver uma linha inexistência. A mágica

torna-se arte quando um mágico produz uma dança com um par

de garfos e dois pãezinhos que se transmudam em pernas

ágeis diante dos nossos olhos.

Essas experiências são relevantes por mostrarem como o

contexto da acção cria condições de ilusão. Quando um

cavalo de brinquedo está encosta no canto, é apenas um cabo

de vassoura: basta montar nele para que se torne o foco da

imaginação da criança e se transforme em cavalo. As imagens

da arte também estiveram certas vezes encostadas a um

canto. Deve ter sido uma visão estranha a pintura de um

bisão todo espetado de lanças na escuridão da caverna.

Foi quando a arte saiu da fase de acção pigmaliónica

que teve de buscar meios de reforçar a ilusão e de criar

aquele reino crepuscular da incredulidade suspensa que os

gregos foram os primeiros a explorar.

A ilusão podia transforma-se em trapaça apenas quando

o contexto da acção provocasse uma expectativa que

reforçasse o trabalho manual do artista. Por mais que os

apologistas dos artistas tenham dito, quadros e estátuas

não têm voz, e a arte tem de satisfazer-se produzindo

maravilha s com os meios de que dispõe e no isolamento do

seu próprio mundo.

Sabemos que a pintura inacabada pode despertar a

imaginação do observador e projectar no quadro o que nele

não se acha. Há, obviamente, duas condições que têm de ser

cumprida para que o mecanismo da projecção se ponha em

37

movimento. Uma é que o observador não deve ser deixado em dúvida sobre a

maneira de preencher a lacuna; outro é que ele receba uma “tela”, uma área

vazia ou mal definida, sobre a qual possa projectar a imagem esperada.

Portanto, a passagem de Filostrato sugere que a arte

clássica compreendia esses meios de despertar a nossa

“faculdade imitativa”. E muitas das pinturas ilusionistas de

Pompéia e Roma confirmam essa impressão de absoluta

mestria.

Mas nenhuma tradição artística tem maior compreensão

daquilo que se chamou de “tela” do que a arte do Extremo

Oriente. A teoria da arte chinesa discute o poder de

expressar pela ausência de pincel e tinta. “Figura embora

pintadas sem olhos, devem dar a impressão de olhar; sem ouvidos, devem

parecer que escutam…há coisas que dez mil pinceladas não podem representar

mas que se capturam com uns poucos traços singelos, desde que acertados. É a

isso que se chama dar expressão ao invisível”.

Mas é fácil demonstrar que, dadas as duas condições –

familiaridade e um fundo vazio – a coisa fica de facto tão

difícil (…).

Mas o estratagema certamente não funcionaria sem a

nossa contribuição à ilusão. Nos casos em que não

sabemos nada a respeito do tipo de superfície

representada, nossa interpretação pode ser ainda muito

errada. Escrevendo sobre as suas experiências quando

chegou à Inglaterra, vindo da África do Sul, Roy

Campbell diz: “A estranha consistência da neve, friável, um tanto

salgada, era outra enigma. Eu imaginava, a partir de quadros, que fosse

como cera, e os flocos de neve como aparas de sebo de vela”. Poucos

38

artistas que pintaram paisagens de Inverno tiveram

consciência de que se basearam naquilo que Filostrato

chamou de “nossa faculdade imitativa”, nosso conhecimento de

neve, para que a ilusão funcionasse.

Uma vez entendido isso fica mais fácil ver por que

a grande quantidade de informações contida na pintura

pode atrapalhar a ilusão tão frequentemente quanto a

ajuda.

A razão está precisamente nas limitações do meio,

que podem, ocasionalmente, ficar atravessadas no

caminho e contradizer a impressão que o pintor quis

projectar.

Não é de admirar, portanto, que o maior de todos

os protagonistas da ilusão naturalista na pintura,

Leonardo da Vinci, seja também o inventor da imagem

deliberadamente anuviada, do “sfumato”, ou forma

embaçada, que reduz a informação dada na tela e com

isso estimula o mecanismo da projecção. Ao descrever

essa proeza da “maneira perfeita” em pintura, Vasari louva

os contornos “que oscilam entre o visto e o não visto”.

No mesmo contexto, Daniele Bárbaro, contemporâneo de

Ticiano, adapta o elogio de Plínio aos contornos de

Parássio à técnica do “sfumato”, que nos faz “a compreende

o que não se vê”. Bárbaro fala de objectos que se escondem

suavemente da nossa visão no horizonte, o que “só pode

39

ser conseguido com uma infinita prática, deleitando os não estão a par

do artifício e causando assombro aos que estão”.

Portanto, o carácter da ilusão é difícil de

descrever e pode variar de pessoa para pessoa. Mais se

não existisse essas dificuldades para nos divertir e

intrigar, não compreendemos a sua complexidade (…).

3. 4. Ambiguidades da terceira dimensão

“O sentido da visão discerne as diferenças de forma,

onde quer que estejam…sem demora nem interrupções,

empregando cálculos cuidadosos com habilidade quase

inacreditável; e, todavia, despercebidamente, dada a

rapidez…Quando o sentido não é capaz de ver o objecto

com seus próprios meios de acção, reconhece-o através de

manifestações de outras diferenças, percebendo às vezes

imaginando incorrectamente…”.

A Ambiguidade é sem a menor dúvida, a chave de todo o

problema da interpretação da imagem. Ela nos permite testar

a ideia de que tal interpretação implica uma projecção

experimental, um “tiro de ensaio”, que transforma a imagem, se

acertar. E é justamente por sermos hábeis nesse processo,

por falharmos tão poucas vezes, que nem sempre temos

consciência desse acto de interpretação. Poucas pessoas se

dão conta de que o desenho do contorno de uma mão é

40

ambíguo. É impossível dizer se é a mão esquerda vista de

frente ou a mão direita vista de costas. Diante de um

desenho como esse, ficamos pasmos com a falta da

informação. Essas mãos ambíguas estão fora da nossa

experiência e, provavelmente, teremos de usar nossas mãos

como guia, sobrepondo-as à imagem para comparar e

projectando as alternativas até nos convencermos da

ambiguidade. Só então compreenderemos que era puro acidente

adoptar primeiro uma ou outra das interpretações. Para

destacar a projecção, uma vez feita, temos de transferir a

alternativa. Não há para nós outra maneira de ver a

ambiguidade.

Existe um delicioso desenho de Saul Steinberg em que uma

mão que desenha está desenhando outra mão que a desenha.

Não temos sobre qual das mão é verdadeira e qual a imagem.

As duas interpretações são possíveis, mas nenhuma é

consistente. Se fosse necessária uma prova do parentesco

entre a linguagem da arte e a linguagem das palavras, ela

seria ser encontrada nesse desenho.

A gravura é a meditação de um artista sobre o espaço,

mas é também uma demonstração da parte do observador (…).

Piranesi, um mestre da perspectiva, utilizou sua perícia numa

série de gravuras que representam masmorras de pesadelo e

conjuram cenários improváveis, mal-assombrados.

Na luz e sombra, os artistas ocidentais descobriram um

meio de reduzir muito a ambiguidade das formas quando

vistas de um lado. Hogarth, o grande empirista que com tanto

humor lidou com os efeitos da “falsa perspectiva”, explica com

41

admirável lucidez o que entende por “a sombra que recua”: “É

igualmente instrumental com linhas convergentes mostrar o quanto os

objectos, ou partes deles, retrocedem ou se afastam do olho. Sem isso, um

soalho, ou qualquer plano horizontal, pareceria muitas vezes erguer-se

verticalmente como uma parede. E, apesar de todas as outras maneiras pelas

quais aprendemos a saber a que distância as coisas estão de nós, muitas vezes

o olho se engana por causa de deficiências na sombra: porque, se acaso a luz

cai sobre os objectos de modo que não dê à sua sombra sua verdadeira

aparência matizada, não só os espaços se confundem como as coisas esféricas

parecem achatadas e as chatas esféricas”.

Hogarth sabia que a sombra tem um carácter definidor

apenas quando é usada para produzir o artifício de um

escorço, “completando assim, mutuamente, a ideia daquelas recessões que

nenhum deles poderia fazer sozinho”. Mas sabia também que, em

determinadas situações, mesmo esses dois recursos juntos

não conseguem excluir a ambiguidade, a menos que um

terceiro reflexo complete a definição (…).

IV – INVENÇÃO E DESCOBERTA

De um ponto de vista, toda a história da arte pode ser

resumida como uma história da descoberta gradual das

aparências. A arte primitiva começa, como a arte das

crianças, com símbolos de conceitos. A faculdade de

descobrir e de fazer está por trás das descobertas da

criança, mas também dos achados do artista. Portanto,

“descobrir” precede mesmo o “fazer”, mas é só fazendo coisas e

tentando fazê-las à semelhança de outras coisas que o homem

42

pode ampliar a sua consciência do mundo visível. Konrad

Fiedler sublinhou constantemente esse aspecto da “criatividade

humana”. Ele também subestimou a faculdade de ampliar nosso

conhecimento, fazer progressos no sentido da “descobertas das

exterioridades”, que é, afinal de contas, a descoberta das

ambiguidades da visão.

No desenho que a criança faz de um rosto, um círculo

simboliza a máscara; dois pontos, os olhos; e dois traços;

o nariz e a boca. Gradualmente, o simbolismo se aproxima da

aparência verdadeira, mas os hábitos conceituais,

necessários à vida, dificultam muito, mesmo aos artistas,

descobrir como são efectivamente as coisas para um olho

imparcial.

4.1. Aperfeiçoamento da descoberta

A arte europeia progrediu mais ou menos continuamente,

desde o tempo de Giotto. A descoberta da perspectiva linear

marcou um estágio importante, enquanto a exploração

completa da cor atmosférica e da perspectiva em cores teve

de esperar pela obra dos impressionistas francês. Os

impressionistas tinham ensinado as pessoas não ver a

Natureza com um olho inocente, mas a explorar uma

alternativa inesperada que acabou por ajustar-se a certas

experiências melhores do que quaisquer pinturas anteriores.

Segundo Roger Fry, a história do naturalismo em arte,

dos gregos aos impressionistas, é a história de um

experimento dos mais bem sucedidos, a verdadeira descoberta

43

das aparências. Também dizia ele, “que só se pode descobrir o que

sempre existiu”. A expressão implica a ideia do olho inocente.

Por sua função e interacção, a arte naturalista foi levada

a buscar alternativas que se pudessem desenvolver nos

veículos da pintura.

Não há maneira de descobrir a verdade senão por ensaio

e erros, ou seja, pintando.

4.2. As histórias humorísticas

As histórias ilustradas humorísticas de Töpffer, a

primeira das quais Goethe admirou, encorajando o autor a

publicá-la, são os inocentes antepassados dos sonhos

manufacturados de hoje. Töpffer, filho de um conhecido pintor

de paisagens e de quadro de género, fizera-se também pintor

do mesmo tipo, mas tinha um problema de visão e passou a

escrever. Alguns dos seus contos e idílios estão entre as

preciosidades da literatura suiça.

Embora seus olhos não suportassem o esforço de uma

técnica meticulosa, ele sentia ânsia de continuar como

artista. E foi aí que a invenção de nossas técnicas

gráficas veio justamente a calhar. A litografia permitiu-

lhe desenhar sem maiores dificuldades e ter seus desenhos a

traço, leves e despretensiosos, reproduzidos a preço

acessível. O pequeno tratado de Töpffer sobre a fisiognomonia

parece profético. “Há duas maneira de escrever histórias: um em

capítulos, linhas e palavras”. Por isso que chamamos de “literatura”;

44

ou, alternativamente, por uma sucessão de ilustrações

(histórias ilustradas) …

Por outro lado, uma da grande descoberta psicológica

de Töpffer é desenvolver uma linguagem pictórica sem qualquer

referência à Natureza e sem aprender a desenhar com modelo.

O desenho linear, diz ele, é puro simbolismo convencional e,

por isso mesmo, imediatamente inteligível a uma criança,

que teria dificuldade em destrinçar uma pintura

naturalista.

O artista que usa um estilo abreviatório pode sempre

contar com o observador para suplementar aquilo que omitiu.

Numa pintura completa e bem-feita, um vazio seria

perturbador. Portanto, na narração pictórica se exige o

“conhecimento da fisionomia e da expressão humana”. Também deve

comunicar a sua reacção e deixar que a história se

desenrole em termos de expressões fáceis de ler.

4.3. A história caricatura

Começamos pela caricatura-retrato que é a distorção

jocosa do rosto de uma vítima. O termo caricatura e a

caricatura como instituição datam apenas dos últimos anos

do século XVI. E os inventores da arte não foram

propagandistas pictóricos, que existiam, de uma forma ou de

outra, séculos antes, mas dois artistas altamente

sofisticados e refinados, os irmãos Carracci. Eles inventaram

também a brincadeira que consistia em transformar a cara da

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vítima na de um animal ou na de um utensílio inanimado,

praticada pelos caricaturistas.

A invenção da caricatura-retrato pressupõe a

descoberta teórica da diferença entre semelhança e

equivalência. O grande crítico do século XVII, Filippo

Baldinucci, define a arte do retrato de zombaria: “entre pintores

e escultores”, explica ele no seu dicionário de termos

artísticos, editado em 1981, “a palavra significa um método de fazer

retratos no qual se procura o máximo de semelhança com o conjunto da pessoa

retratada, enquanto, por brincadeira e às vezes por zombaria, os defeitos dos

traços copiados são exagerados e acentuados desproporcionalmente, de modo

que, no todo, o retrato é o modelo enquanto seus componentes são mudados”.

As caricaturas que Baldinucci tinha em mente eram aquelas

feitas por Bernini, o grande escultor que adquirira perfeito

domínio da arte da redução fisionómica. Portanto, a licença

de que goza a arte humorística, uma liberdade sem peias,

permitiu aos mestres da sátira grotesca um grau de

experimentação impossível a um artista sério. A diferença

fica perfeitamente clara através da evolução da

fisiognomonia empírica.

O verdadeiro descobridor do método experimental na

arte foi Alexander Cozens. Ele divulgou ainda um outro

sistema de desenhar e, aí, antecipou Töpffer. E, assim, o

antecessor dessas duas descobertas. Numa interessante série

de gravuras, Cozens apresenta um rosto-padrão de beleza

clássica, com aquela expressão vazia que tantas vezes se vê

nas estátuas antigas.

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CONCLUSÃO

Terminado com abordagem dos diversos temas constantes

nesta obra e comprovando o grau de interpretação, me sento

prontificado e necessário para apresentar as conclusões

finais de forma sintetizada:

A arte se torna, o instrumento do inovador para sondar

a realidade. A palavra “estilo” deriva naturalmente, de stilus.

Como veículo, cria uma atitude mental que leva o artista a

procurar na paisagem que o cerca, elementos que seja capaz

de reproduzir.

Os artistas aprendem pela observação atenta da

natureza, e com esta adquirem habilidade na imitação da

realidade.

Na antiguidade, a conquista da ilusão pela arte era da

proeza e a discussão sobre a pintura e escultura girava em

torno da imitação (mimesis). O progresso da arte nessa

direcção era, para o mundo antigo, o que actualmente

consideramos para o moderno (progresso técnico).

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O pintor Polignoto foi o primeiro a representar gente de

boca aberta e com dentes; o escultor Pitágoras, o primeiro a

representar nervos e veias nas suas obras de arte; o pintor

Nícias, o primeiro a se preocupar com a luz e sombra.

A revolução grega por ter mudado a função e as formas

da arte. Não pôde mudar a lógica da fabricação de imagens,

o simples facto de que sem um meio expressivo e sem um

esquema capaz de ser moldado e modificado nenhum artista

pode imitar a realidade.

O artista grego, como todo artista, precisa de um

vocabulário, e esse só poderia ser articulado num processo

gradual de aprendizagem.

Em toda história da arte ocidental é frequente a

interacção entre interacção narrativa e realismo pictórico.

A arte grega do período clássico concentrou-se na imagem do

homem, com exclusão quase absoluta de outros motivos, e,

mesmo ao retratar o homem, permaneceu presa a tipos.

Durante muitos anos, isto é, entre os séculos III e

XIII d. C., o contacto da arte com o mundo visível foi

extremamente débil. Era para os fins da narrativa e do

ensino da doutrina, o artista confiava nas fórmulas

elaboradas pela arte clássica, sutilmente adaptadas e

transformadas para ajustarem aos novos. A arte medieval

mais antiga é dos copistas, da descrição de ciclos

pictóricos tradicionais para um idioma mais ou menos

tradicionais.

No Renascimento, foi o Vasari quem aplicou a técnica

(luz e sombra) à história das artes na Itália do século XIII

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ao século XVI. Este artista nunca deixava de rendar tributo

aos artistas antes do seu tempo que fizeram uma distinta

contribuição, à mestria na representação.

As imitações da arte primitiva são exactamente como as

das crianças. A arte de ver a natureza, observou John

Constable, na sua maneira pungente de dizer as coisas é

adquirida como a arte de ler a escrita hieroglífica dos

egípcios.

O processo da arte torna-se, um triunfo sobre os

preconceitos da tradição. E o alvo do pintor tinha de ser a

volta à verdade não adulterada da óptica natural.

O panorama da ilusão é o poder da expectativa, mais do

que o poder do conhecimento conceitual, que molda o que

vemos, na vida não menos que na arte. Três gerações depois,

aproximadamente, Jan van Eyck foi ainda mais longe na

expectativa.

As raízes teóricas do ilusionismo pictórico podem ser

encontradas entre os paladinos renascentistas da

perspectiva. Foi Alberti quem primeiro sugeriu a ideia de

considerar uma pintura como uma janela através da qual

contemplamos o mundo visível. E foi Leonardo da Vinci que deu

substância a essa ideia, sugerindo que “perspectiva nada mais é

do que ver um lugar através de uma vidraça transparente, na superfície da qual

os objectos que estão do outro lado devem ser desenhados”.

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