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A ATUAÇÃO CRIMINOSA DO TALIBÃ:
Impactos na sociedade civil afegã
Caroline Taglietti 1
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo compreender quão danoso sãoos impactos provocados pela presença e atuação do Talibã nanação afegã. Para isto, este trabalho encontra-se dividido daseguinte forma: na primeira seção, busca-se um entendimentosobre o local onde o Talibã atua, ou seja, o Afeganistãoenquanto Estado falido; na segunda seção, busca-se entender porquais meios o Talibã atua, isto é, se este pode ser consideradouma organização criminosa. E, por fim, na terceira seção,discorre-se sobre o objetivo do presente artigo: o impacto doTalibã na nação afegã, em três áreas estratégicas: islã,educação e política externa. A conclusão é baseada, então, naanálise das informações apresentadas na segunda e terceiraseção, especialmente, levando-se em conta o pano de fundo dapresente questão, qual seja o fato do Afeganistão ser um Estadofalido.
Palavras-chave: Estados falidos; Afeganistão; Talibã; impacto
social
ABSTRACT
1 Aadêmica do curso de Relações Internacionais pela Universidade do Vale do
Itajaí (UNIVALI).
This article’s goal is to understand how damaging are theimpacts caused by the presence and actions of the Talibanin the afghan nation. Thus, the article is divided in threesections. In the first section, we look for a comprehensionabout the place where the Taliban operates, which is theAfghanistan as a failed state. In the second section, we seekto understand through which means the Taliban acts, toconsider if it can be considered a criminal organization. Andin the third section, finally, we talk about t h e main pointof this article: the impacts of the organization in the afghannation, analyzing them in three strategic areas: Islam,education and foreign policy. Thus, the conclusion drawn isthe result of the analysis of the second and third section,especially, taking into consideration the background of theproblem, which is the fact that Afghanistan is a failed state.
Key words: Failed states; Afghanistan; Taliban; social impactIntrodução
Os Estados falidos podem ser entendidos como um dos grande
problemas políticos contemporâneos a serem enfrentados pela
comunidade internacional e por suas vítimas, o Estado
propriamente dito e, principalmente, a sua sociedade civil. No
caso afegão, a presença de uma organização criminosa acaba por
comprometer a singularidade da falência e a dos seus impactos,
pois o efeito de um contamina o do outro. Na medida em que a
própria falência é um desafio para o Estado, pois é um
fenômeno a ser enfrentado, a organização criminosa age pelo
seus próprios meios e é capaz de enfrentar o Estado.
Configura-se, assim, o objeto de estudo do presente
trabalho: estudar o caso afegão, no que diz respeito à atuação
do Talibã, enquanto organização criminosa, e os seus
respectivos impactos políticos no Afeganistão. A questão que
se procura responder é de que forma tais impactos são
negativos, ou seja, quão danosa é a sua presença e atuação
para a nação afegã. Apesar de o país apresentar uma história
já crítica antes do surgimento do Talibã, toma-se como um
turning point o início das atividades da organização para a
história afegã.
Deste modo, a divisão do presente estudo foi feita da
seguinte forma: no primeiro capítulo, busca-se explorar o
conceito de Estado falido, de modo a entendê-lo dentro do
contexto afegão, a fim de identificar as lacunas de autoridade
do Estado afegão. No capítulo seguinte, faz-se a
identificação do Talibã como uma organização criminosa e,
neste sentido, pretende-se explanar, com dados, a atuação do
mesmo, para que se possa deixar claro os meios pelos quais o
Talibã se manifesta. E, por fim, no terceiro capítulo, faz-se
uma análise do impacto da presença e atuação do Talibã em três
segmentos específicos da nação afegã, quais sejam: I) Islã,
II) Educação e III) Política externa. As devidas conclusões do
artigo serão feitas a partir do resultado de tais impactos, ao
passo que o Talibã figura como ponto central da análise do
tema.
1. O Afeganistão enquanto Estado falido
Tomar uma certa situação como dada e condená-la à
imutabilidade de longo prazo inibe a autenticidade histórica
de uma questão. Um Estado não é falido por si só, tampouco o é
somente por causa de outras razões e, neste sentido, há uma
certa carência de razão na falência, por essa última,
justamente impedir o Estado de ser racional e de se fazer
valer enquanto instituição política. Transpor tal ideia para o
contexto do Estado falido afegão é tarefa relativamente
difícil, mas crível.
O embate entre realidade e teoria é central para se entender
os fatores que geram tal fenômeno e o seu impacto necessário,
ou seja, a falta de legitimidade ante a sociedade civil. De
acordo com a ideia de William Zartman (1995, p.2), o propósito
não é apenas aprender sobre o Afeganistão, mas com o
Afeganistão2.
Parte-se da premissa de que há uma carência de
responsabilidade para prover bens públicos conjugada com a
falta de legitimidade do Estado. Como sugere Gomes (2008,
p.13), é necessário compreender em relação à quem e em relação
a que o Estado fracassou e, neste sentido, é igualmente
preciso identificar quais funções o Estado afegão não executa.
Apesar de o Estado moderno não ser universal, conforme pondera
Fukuyama (2005, p.16), tal modelo será usado para fins de
22 Modificação da frase original, qual seja “ O nosso propósito aqui, não éapenas aprender sobre a África –um exercício de interesse atual para umpúblico pequeno- mas com a África - um projeto de importância muitomaior.”
comparação para que se possa entender a funcionalidade
desfavorável do Estado afegão.
As funções do Estado moderno podem ser vistas como uma
espécie de cartilha do Estado, para gerir seu território, de
se fazer valer no mesmo e de ser legítimo para o seu povo. É
feita uma proposta bastante pertinente por Ghani, Lockhart e
Carnahan (2005, p.6), sobre as dez funções centrais que o
Estado deve desempenhar no mundo moderno, quais sejam: (1)
Monopólio legítimo dos meios de violência; (2) Controle
administrativo, (3) Administração das Finanças Públicas; (4)
Investimento em capital humano; (5) Delimitação dos direitos e
deveres dos cidadãos; (6) Provisão de infra-estrutura; (7)
Formação do mercado interno; (8) Administração dos recursos do
Estado- relativos à meio ambiente, recursos naturais e
culturais; (9) Relações Internacionais; E (10) Estabelecimento
do Estado de Direito.
Segundo os autores, a falta de desempenho de parte das
funções estatais caracteriza um Estado como falido. É
interessante observar que os Estados que não considerados como
falidos, também apresentam certos déficits no desempenho de
algumas destas funções, porém, ter capacidade de fazer e fazê-
las de uma forma mal feita, ineficaz, é uma condição, e não
ter capacidade, por falta de consolidação e prática
institucional, por problemas de cunho político, social, e
criminoso no caso afegão, de grave amplitude é outra condição,
é necessário distinguir uma da outra.
Por mais longe que o Afeganistão pareça estar de
desempenhar tais funções, é necessário confrontá-lo com sua
própria condição de falência, e confrontá-lo com o progresso,
conforme Martin Ewans (2008, p.2, tradução nossa), ao afirmar
que "um índice global de “bem-estar nacional” mostrou o
Afeganistão no final da lista(...). É necessário enfatizar
esta terrível situação, pois é justo que devemos medir o
progresso contra a mesma”. Portanto, a ideia de realidade versus
teoria se aplica nesse contexto também como uma forma de
choque de realidade, a fim de deixar a falência em evidência.
Pelo viés das relações internacionais, Kenneth Waltz
(1978, p.117) explica que o Estado se insere no sistema
internacional de acordo com suas capacidades relativas, ou
seja, essas determinam o comportamento do Estado. São tais
capacidades que definem, como o Estado cumprirá os
compromissos e funções, considerados comuns à todos os
Estados. Pela perspectiva do Estado falido, as suas
capacidades são débeis, no sentido de restringir o Estado
tanto no plano interno, enquanto governo e liderança, como no
sistema internacional, enquanto Estado ativo em seus
compromissos.
Zartman, em seu artigo na coletânea Estados falidos:
Desintegração e Restauração da autoridade legítima, explica o porquê dos
Estados entrarem em colapso. O autor explica que tais Estados:
Não conseguem mais realizar as funções que oscaracterizam enquanto Estados. O Estado é umainstituição de autoridade política soberana sobdeterminado território. Tal definição salienta três
funções: o Estado como autoridade soberana- a fontereconhecida da identidade, a arena da política; o Estadocomo instituição -assim, uma organização tangível detomadas de decisão e um símbolo intangível deidentidade; e o Estado enquanto garantidor da segurançapara sua população (1995,p.5, tradução nossa)
O pensamento do autor segue o viés de que a falência
ocorre quando o Estado perde legitimidade sob seu território,
sob seu povo, e sob o próprio aparato institucional. Este
triplo descrédito do Estado atinge principalmente a sua
população, pois esta, na perspectiva adotada neste artigo, é a
vítima necessária da falência, a parte do problema que mais
sofre os impactos desta última.
Para melhor abordagem do tema, é central entender que ao
mesmo tempo que a capacidade institucional é falha, esta está
conectada com a falência social, conforme pondera Zartman
(1995, p.6), visto que a sociedade como geradora de coesão e
apoio, não consegue mais criar, articular o amparo e as
demandas que são as bases do Estado. Esse é um ponto central
para entender a falência do Estado afegão, pois se percebe a
existência de uma relação permanente de desconfiança da
sociedade civil para com o Estado.
Neste sentido, uma das principais falhas do Estado
afegão, quanto à legitimidade, parece estar ligada à projeção
parcial de poder sob o território3. A presença e controle do33 Ver detalhes no mapa do relatório “Transição do Afeganistão: perigos deum rebaixamento no verão” do International Council on Security andDevelopment (2011, p.8).4 De acordo com a descrição no próprio relatório da ICOS (2011, p.5),a instituição é um think tank de política internacional que trabalhacom pesquisas relacionadas à inovação política nas áreas de
Talibã sob determinadas áreas do país enfrentam o Estado, de
modo que suas manifestações, as armadas e explosivas, não
conseguem ser impedidas pelo Exército do Afeganistão, ao passo
que o Estado afegão não parece deter o monopólio legítimo da
violência, e prover segurança aos civis. Visto que, conforme o
relatório do The International Council on Security and Development (2011,
p.17), o ICOS 4, intitulado “Transição do Afeganistão: perigos de um
rebaixamento no verão”, em fevereiro de 2011, 54% dos civis
entrevistados não consideram a polícia afegã efetiva, e 61%
acredita que as Forças Armadas do Afeganistão não são capazes
de prover segurança, nas áreas que as tropas estrangeiras
estão se retirando.
Ainda, Ewans (2008, p.3) coloca que tais forças de
segurança são um alvo particular de ataques do Talibã,
portanto, tais dados levam a crer que o nível não satisfatório
de eficácia da polícia afegã e, o fato de o Talibã ser uma
força presente, com potencial para confrontar àquela, resultam
na dificuldade do Estado afegão para manter o monopólio
legítimo da violência. De acordo com Rotberg (2005, p.3), os
civis acabam por procurar nos senhores da guerra 5, e outros
segurança, desenvolvimento, combate ao narco-tráfico e questões desaúde pública. Em relação ao Afeganistão,o ICOS tem conduzido, desde2007, pesquisas em zonas de conflito, sendo o país em questão umadelas, e no período de 2005-2010, a instituição tem publicadoartigos acadêmicos, documentos e relatórios sobre a situação noAfeganistão a fim de alcançar resultados políticos mensuráveis ediretos.4
55 Conforme Giustozzi (2003, p.3) é um tipo de governante, pode-se dizer,cujas características básicas são a sua independência de qualquerautoridade superior e a sua capacidade militar, visto que conta com seu
atores não-estatais que expressam uma certa solidariedade com
clãs ou etnias e que ofereçam, de certa forma, segurança.
O autor afirma ainda que a violência, por si só, não
condiciona a falência, então, recorre-se à outro componente
deste fenômeno no caso afegão: a partilha de poder entre
Estado e organização criminosa, que acaba por fazer o povo
descrer em ambos, não sendo capaz de reconhecer um governo,
pode-se dizer, de qualificá-lo ou desqualificá-lo como
benéfico, conforme entrevista feita à algumas mulheres em
Cabul, por Harriet Logan (2002, p.13). Nesse sentido, toma-se
consciência de que a relação entre poder central e poder local
é conflitiva, por falta de confiança ou certo alinhamento
desse último poder, e pela imposição de poder daquele
primeiro, e que conforme pondera Poullada (1973 apud ALFONEH,
2007, p.40), consiste em um embate tradicional da política
afegã.
Pelo viés governamental, os processos contraditórios de
tomada de decisão, bem como decisões conflitantes, durante o
percurso histórico entre uma liderança e outra, conforme
pondera Ghani, Lockhart e Carnahan (2005, p.9) solapam a
legitimidade do governo, e continuam a contribuir para a perda
de confiança da sociedade civil ante o governo. Neste sentido,
Gomes (2008, p.26) sugere que as más lideranças que
administram os governos também podem ser um fator potencial
“exército particular”, que é a base do seu poder.
para a falência, ou seja, percebe-se um problema de governança
interna. Ambas as ideias conjugadas mostram que a questão da
boa governança é crítica por si só, no que diz respeito ao
Afeganistão alcançar estabilidade para o Estado atuar, porém,
a própria atuação do Estado é minada pela presença do Talibã,
cujo domínio parcial do território prejudica a presença e ação
do governo.
Neste sentido, Gomes (2008, p.17) afirma que o processo de
construção do Estado afegão é essencial para entender sob
quais bases o Estado surge e se desenvolve, bem como a sua
falência. As causas de tal fenômeno no Afeganistão estariam,
conforme o autor, longe de ser de ordem endógena, em função
das interferências, e quase dominação, externas. Entender tal
processo permite entender como más lideranças ganharam espaço
a crise e vácuo de poder.
Como por exemplo, explica Martin Ewans (2008, p.1), a
invasão soviética no Afeganistão em 1978, e a saída dos
soviéticos, que termina em 1989, podem ser considerados pontos
centrais na história afegã, pois tamanho foi o impacto de tais
acontecimentos para o Estado que foi invadido, literalmente.
De acordo com Nojumi (2002, p.58, tradução nossa) "todo o
Estado, entidades civis e militares, ficou sob o controle
direto dos Sovietes", e que depois foi deixado agir por conta
própria e cujos resultados resultaram na falta de coordenação
política dos Mujahideen6, no surgimento do Talibã, e a66 Segundo Nojumi (2002, p.84), Mujahideen foi um grupo de resistência aossoviéticos no Afeganistão e resultado da mobilização de massa, quereivindicava reformas e mudanças nas instituições políticas, cuja ideologia
posterior ascensão deste último ao poder.
Em concordância com a hipótese de Gomes, a falência
estatal no Afeganistão parece ser sim resultado de um processo
majoritariamente exógeno, mas que não inibe a importância de
fatores sociais singulares da sociedade afegã, tais como a
ideologia nacional, composta pelo Islã, nacionalismo e
modernização, conforme menciona Nojumi (2002, p.3), sendo a
diversidade étnica um fator deste último. Fatores que
influenciaram no processo de formação do Estado afegão e na
estrutura interna de poder que se consolidou no país, e que
acabaram por formar uma herança um tanto complexa, que tornou
a política um campo mais minado que o usual.
Neste sentido, o longo período que data a influência e
posterior invasão soviética (1978-1989), a guerra civil
declarada (1992-1996) e a tomada de poder pelo Talibã (1996-
2001) mostra que o Estado esteve sob comando de más
governanças, de cunho ideológico extremista, que são
consideradas prejudiciais para o processo de maturação
estatal. Visto que, conforme aponta Saikal (2005 apud GOMES,
2008, p.80), “(...)poder e política no Afeganistão sempre
foram personalizados, em vez de institucionalizados.”, ou
seja, a política afegã apresenta características peculiares, e
tal falta de institucionalização da política acabou por
era baseada no Islã, como o fundamento de seus pensamentos. Apesar de teremcontrolado cerca de 60% do território afegão, não foram capazes deimplementar a sua agenda política, econômica e social.
fomentar a falência.
Afirmar o Afeganistão como Estado falido é entender a sua
própria história e realidade, e, portanto, a exposição das
contribuições de diversos teóricos, bem como dos fatos
históricos, foram apresentadas a fim de compreender o choque
entre o conceito e a realidade, e da falência como integrante
do processo de formação do Estado afegão. Após prover os
esclarecimentos sobre o Afeganistão enquanto Estado falido,
pretende-se apresentar outro elemento, que se acredita ser uma
contribuição para a falência, definido como organização
criminosa.
2. O Talibã enquanto organização criminosa
O Talibã, enquanto organização criminosa, apresenta uma
trajetória curiosa e peculiar devido aos acontecimentos que
formaram a história do Afeganistão, e que também moldaram o
seu crescimento e atuação durante os últimos vinte anos. Para
que se possa entender o quadro sócio-político afegão, é
necessário entender melhor o próprio Talibã, a partir da sua
forma de atuação, de modo a conectar tais formas com os meios
de ação característicos de uma organização criminosa.
Lopes (1995 apud FERRO, 2009, p.20) discorre sobre a
suscetabilidade de determinadas sociedades e Estados para o
desenvolvimento do crime, que o acolhem mais facilmente, bem
como a estrutura que o sustenta, a organização criminosa. No
contexto afegão, o momento político no qual emerge o Talibã,
em meio a uma confusão e a crise de liderança nacional por
parte dos Mujahideen explica Nojumi (2002, p. 121), e no qual
ele se expande, através da sua tomada de poder em 1996, era de
uma falta de um partido centralizador, da falta de controle de
uma autoridade central.
Para introduzir o conceito de organização criminosa,
apesar da vasta literatura sobre a definição de tais formas de
organização, optou-se pela conjugação de duas definições. A
primeira referente à resolução E94R012, de 1994, do Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas, a qual Ferro faz menção
e na qual está estabelecida o seguinte conceito de organização
criminosa:(...) além do elemento essencial de ter mais indivíduosorganizados em um grupo, inclui a meta de produção delucro, o uso da violência, intimidação e corrupção; oelo hierárquico ou relações pessoais que lhe tornampossível controlar estreitamente as atividades do grupo;o controle econômico de territórios inteiros, a lavagemde lucros ilícitos (...), o grande potencial de expansãopara além das fronteiras nacionais; e a tendência deorganizar operações internacionais juntamente com outrosgrupos de diferentes nacionalidades. (2009, p.389)
Tais características gerais definem uma organização
criminosa, pela ótica das organizações internacionais, de
acordo com Ferro (2009, p.388), que são complementadas pela
segunda, proposta por Franco, que organizou as características
gerais da seguinte forma:
1) caráter transnacional; 2) amplo poder pelo elevadograu de organização; 3) capacidade de provocar danos dealto vulto; 4) multiplicidades de condutas criminosas,atingindo ou não vítimas difusas; 5) emprego de modernas
tecnologias; 6) conexões com outros grupos criminosos;7) produção de atos violentos; 8) poder de corrupção; 9)capacidade de paralisar e fragilizar os poderes doEstado. (1994 apud ANDRADE, 2011, p.3)
Tal combinação de conceitos deve servir como ponto inicial
na avaliação que se pretende neste capítulo, citada
anteriormente. Ambos os conceitos delineam os aspectos
tradicionais das organizações criminosas, outras
complementações serão feitas para mostrar componentes
distintos do mesmo.
Como por exemplo, Andrade (2011, p.3) explica que “as
organizações criminosas assumem características peculiares,
(...)amoldadas às suas necessidades, condições e facilidades
encontradas no território(...)”, portanto, tal ideia acaba por
abranger o Talibã, pois parece claro que o conceito puro de
organização criminosa assume um caráter peculiar quando
conjugado com este, dado o fator ideológico do Talibã, que de
acordo com Ferro (2009, p.370), não costuma fazer parte da
definição de organização criminosa.
Duas observações importantes são feitas por autores
distintos sobre o presente conceito. A começar por Silva (2003
apud ANDRADE, 2011, p.8) que salienta que apesar de a
finalidade tradicional e principal de uma organização
criminosa ser o ilícito lucro econômico, as organizações cuja
conduta criminosa é de caráter terrorista são uma rara exceção
à tal regra, no sentido de que os fins ideológicos, políticos
e religiosos sobressaem-se sob os fins econômicos.
Neste aspecto, a segunda observação é de Peters (2009,
p.33) que explica que o vínculo do Talibã com o comércio de
ópio, e a obtenção ilícita de lucros relacionada à tal
atividade parece ter mudado a natureza da organização, de
caráter ideológico para um mais direcionado ao lucro. Então,
percebe-se que a expansão das atividades do Talibã ligadas às
atividades ilegais faz com que seja necessária uma releitura
da finalidade de tal organização.
Ainda, Peters (2009, p.10) analisa tal questão através de
entrevistas feitas pela própria autora com antigos oficiais
afegãos, paquistaneses e norte-americanos, que afirmaram que a
necessidade de fundos se tornou um objetivo real do Talibã.
Portanto, conclui Peters, a organização passou a contar com
tal forma de financiamento ilícito pelo contato com
contrabandistas, comerciantes, empregados de refinaria de
heroína, relacionados ao comércio de drogas, no período de
1996-2001.
Quanto às formas de atuação para arrecadação de fundos do
Talibã, Peters (2009, p.19) ainda ressalta, que como uma forma
de cobrar impostos dos civis e de contrabadistas, “ (...)
veículos como motocicletas, caminhonetes, telefones celulares,
armas, munição, gasolina, alimento, refúgio, e tratamento
médico para soldados feridos são aceitos como forma de
contribuição”. A tributação, então, como forma de controle do
território e de financiamento das atividades do Talibã, é um
meio de suporte para a sua legitimidade, bem como uma forma da
organização sub-rogar-se no lugar do Estado.
A extensão das atividades atuais da organização acabaram
atingindo outras formas de crime, ao passo que a conclusão de
Peters (2009, p.33, tradução nossa) mostra que “os insurgentes
têm diversificado suas atividades criminais, incluindo
sequestro com resgate remunerado, extorção, e, em algumas
áreas, tráfico humano”, e, portanto, tais fatos demonstram que
ao mesmo tempo que a organização alargou sua atuação criminal,
aumentou a complexidade da mesma.
Os meios de extorção são exemplificados por Peters, ao
relatar que os insurgentes têm extorquido, inclusive,
empresas, visto que:
(...) quando o diretor provincial de uma empresa detelefonia afegã se recusou a pagar os seus “impostos”mensais, na província de Zabul, os combatentes talibãsdanificaram três torres de distribuição de sinal,cortando o serviço na região por uma semana. (2009,p.19, tradução nossa) 7
O fator “multiplicidade de condutas criminosas, atingindo
ou não vítimas difusas” supracitado, fica em evidência neste
exemplo dado pela autora. Da mesma forma, fica claro que não
coolaborar com o Talibã também é uma forma de se relacionar
com a organização.
Pressupõe-se que deve existir uma forma de organizar os
montantes arrecadados. De fato, Peters (2009, p.19) explica o
Talibã procura organizar a sua contabilidade, pode-se dizer,
7 Oficial provincial de Zabul, entrevistado pelo assistente de pesquisa daautora, Cabul, agosto de 2007.
através do seguinte sistema: “coleta regional, através dos
subcomandantes de um distrito, que devem transmitir uma
porcentagem dos fundos arrecadados para o comandante
distrital, que por sua vez, transmite os lucros para uma
espécie de chefe regional, que os transmite para o Comitê
Financeiro Central do Talibã”. Ou seja, percebe-se um certo
nível de burocratização da organização, de um sistema
administrativo que funciona ao seus próprios meios.
Conforme aponta Peters (2009, p.24) tal sistema aparenta
ser de natureza ad hoc e informal, por não apresentar uma
estrutura consistente e explícita, devido ao próprio caráter
da organização. Embora se saiba que existe um certo corpo
organizacional, não se pode saber o nível exato de
organização, ou quão efetivo é o funcionamento desse sistema
enquanto base da organização criminosa em questão. Justamente,
o caráter informal das organizações criminosas, coloca
Monteiro (2012, p.71) é que confere à essas algumas
incertezas, sobre o seu conceito e estrutura. De qualquer
forma, tal informalidade não parece inibir a atuação do
Talibã, e tampouco a sua capacidade de se impôr e projetar
poder no território afegão.
Ainda, quanto às táticas, corrupta e intimidadora do
Talibã, o relatório do ICOS, de fevereiro de 2011, evidencia
exemplos diversos, tal como:
Combatentes talibãs tem garantido à polícia afegã e àunidades do exército instaladas em locais remotos queeles não serão atacados contanto que eles presteminformação sobre a presença de forças estrangeiras na
região e escolta para passagem quando preciso.(2011,p.16, tradução nossa)
A corrupção junto ao poder público deixa a situação mais
complexa, pois acaba por demonstrar que ainda há
possibilidades de o Talibã corromper os meios pelo qual o
Estado tenta prover segurança e de projetar o seu poder no
território. Conforme aponta o relatório ainda, esse tipo de
prática permite que o Talibã tenha vantagens para atuar sem
ter que arriscar a sua própria segurança.
A organização criminosa pode ser vista, então, como uma
fonte potencial de instabilidade, visto que sua atuação é
nociva tanto para a República Islâmica do Afeganistão, como
para sua sociedade civil. O Talibã nutre a rede de crimes,
impõe seus próprios meios de se fazer justiça na sociedade -
através da sua leitura dos fatos, baseada na interpretação
própria do Código do Islã - , bem como parece se impor, não
importa para qual fim, pela corrupção junto ao poder público,
pela intimidação aos civis ou colaboração com os mesmos em
atividades ilícitas. Desta forma, os impactos das ações e
presença do Talibã, enquanto organização criminosa, no
Afeganistão parecem criar uma relação de nexo causal para com
os problemas da nação e do Estado afegãos.
3.O impacto do Talibã na nação afegã
Apesar da amplitude de temas igualmente relevantes que
podem ser tratados, como segurança, o exemplo dos ataques
suicidas em lugares públicos, organização social,
discriminação de gênero, a fraca economia, optou-se por
priorizar a análise em três áreas específicas e estratégicas,
quais sejam: I) Islã; II) Educação; III) Política externa.
A escolha de tais áreas é considerada estratégica pois, em
primeiro lugar, para a análise que se pretende fazer, entende-
se os valores religiosos em um sentido político, ou seja, o
Islã como ideologia política interpretada pelo Talibã, e que
não necessariamente diz respeito à imagem do Islã, enquanto
religião e componente cultural, que o povo afegão tem. Leva-se
em conta, a importância de tal variável no código cultural
afegão, o qual influencia, inclusive, as normas estatais.
Em segundo lugar, no que diz respeito à educação, recorre-
se ao pensamento de Antonio Giustozzi e Claudio Franco (2011,
p.3, tradução nossa), para definir a relevância de tal
serviço, pois no Afeganistão, “(...)o controle sob a educação
é um aspecto crucial em qualquer competição para a influência
política.”. A educação, então, como área de disputa entre o
governo e o Talibã é essencial para entender os impactos que
serão analisados. E, por fim, a política externa como um
instrumento do Estado para mostrar a sua própria diretriz
política nas Relações Internacionais, a fim de esclarecer o
legado do Talibã na política externa afegã, quanto à imagem do
Afeganistão na comunidade internacional.
3.1 Islã
Joshua White (2012, p.3) fala sobre como é recomendável
entender a matriz teórica e base ideológica do Talibã, chamada
Deobandi8, pois permite aclarar o entendimento sobre como a
fonte de autoridade é tendenciosamente persuasiva, quais
valores o Talibã é propenso a promover na esfera pública, bem
como, qual argumentação teológica a organização é suscetível a
adotar. O autor explica que tal matriz teórica está ligada às
instituições de ensino madrassas9, e que prevê uma leitura
tradicional da Lei Islâmica (Shari’ah), que moldou o pensamento
do Talibã, quanto ao modo de organização e de visão de
reformas sócio-políticas.
O modo pelo qual o Talibã enxerga a realidade é composto,
conforme as explicações de White (2012, p.3), pelos
conhecimentos religiosos interpretados na matriz Deobandi,
juntamente com normas tribais dos Pashtun10, que formam uma
espécie de ética islâmica, que pode ser vista como o sentido
8 Segundo White (2012, p.3), “Deobandismo é um movimento reformista doséculo XIX, que tem sua origem no que é hoje o estado de Uttar Pradesh, nonorte da Índia. Em grande parte por meio de sua propagação de instituiçõesreligiosas, as madrassas, tornou-se uma escola de pensamento difundido portodo o norte da Índia, Paquistão e Afeganistão. O movimento Deobandi optoupor enfatizar a educação islâmica clássica e promover as escolas religiosascomo um meio de reformar a sociedade.”9 Conforme Nojumi (2002, p.121) madrassas são instituições religiosas deensino, que abrangem diferentes matrizes teóricas de interpretação da Leiislâmica, e o local onde a maior parte dos comandantes do Talibã foramgraduados, no Paquistão.10 De acordo com Nojumi (2002, p.28), Pashtun é o maior grupo étnico doAfeganistão.
das ações da organização. O autor explica que este caráter
mais Pashtun é composto por menos aprendizado, mais rigidez, de
forma mais propensa a adotar a violência política. Portanto,
essa releitura parece trazer aspectos negativos, bem como
receios sobre como a rigidez dos valores, por exemplo, é
praticada em relação à sociedade.
Não se trata de acusar os valores religiosos, mas sim de
sobre como esses enquanto ideologia são utilizados e
manipulados pelo Talibã, ou ainda, como são vistos pela
população. E, neste sentido, Stig Hansen (2012, p.2) pondera
que “pobreza e falta de instituições estatais podem explicar
um fenômeno interessante, qual seja, a proeminência da
religião, que pode variar de estágio para estágio em um
conflito”. No caso afegão, a proeminência da religião não
parece ser apenas uma forma de refúgio porque a situação
interna ou o Talibã fazem com que aquela se faça importante. A
importância da religião no Afeganistão tem raízes mais
profundas, visto que, de acordo com Nojumi: A fé islâmica, com suas características únicas, temsido um elemento importante da identidade social ecultural para o povo do Afeganistão. (...) O Islãcompletou culturalmente a necessidade de unificação dasnumerosas populações étnico-tribais do Afeganistão.(2002, p.3-5, tradução nossa)
O modo pelo qual o Talibã interpreta o Islã é o ponto
crítico da questão religiosa. Visto que conforme explica
Stéphane Lacroix (2012, p.1, tradução nossa), “o Islã é um
corpus complexo de crença e prática aberta à múltiplas
interpretações, a partir do qual os diferentes tipos de
atitudes políticas podem ser legitimadas(...)”. A religião se
tornou uma ferramenta política, de legitimação de ações e
justificativa de condutas, para o bem e para o mal, ou apenas
para o mal, conforme os fatos apresentados.
Outro exemplo interessante é dado pelo relatório da ICOS11
(2011, p.14), que revela que apenas 8% dos civis entrevistados
aprovam a justiça do Talibã, em termos de utilização dos
valores da organização para a resolução e julmento de
litígios, o que deixa claro o baixo nível de popularidade
quanto aos valores da mesma 12. O Islã tem suas raízes no
Afeganistão muito antes de o Talibã o utilizar como ideologia
política, e o fato de o mesmo ser um componente da ideologia
nacional, como já foi exposto, deixa claro a sua importância
para o povo afegão.
Recorre-se, ainda, à Nojumi (2002, p.226, tradução nossa)
para esclarecer o impacto do Talibã em relação ao Islã, que
afirma que “o regime do Talibã foi uma fonte de choque
cultural para a tradição afegã e os valores islâmicos, bem
como uma força destrutiva ameaçando afegãos e não afegãos”.
Fica claro, então, que há uma divergência entre os valores
islâmicos defendidos pelo Talibã e aqueles que grande parte da
população acredita, ao mesmo tempo que, a imagem do islamismo
no mundo acabou sendo distorcida pela visão apresentada pelo
11 Referente ao relatório “A morte de Bin Laden e a dinâmica local”.
¹²Ainda, de acordo com o relatório, as pesquisas indicam que há umapreferência de se resolver qualquer litígio em cortes ançiãs tribais com43%, e por cortes governamentais 45%.12
Talibã, demonstrando o seu impacto negativo na condução e
prática religiosa da sociedade afegã.
3.2 Educação
Conforme o relatório do The Asia Foundation13 (2011, p.3),
14% dos civis entrevistados acreditam que a educação é um dos
grandes problemas do Afeganistão, no que diz respeito aos
serviços prestados pelo Estado, ao mesmo tempo que há um
índice de aprovação de 85%, quanto às reformas no setor que
estão sendo feitas pelo goveno afegão. Nota-se que a melhora
na educação é um objetivo do governo, e um anseio da
população, mas, inevitavelmente, as reformas ainda enfrentam
alguns obstáculos.
Há uma série de fatores a se levar em conta quando se fala
do período em que o Talibã esteve no poder , especialmente, no
que diz respeito ao seu modo de condução dos assuntos
públicos. Em sua maioria, são vistos de forma bastante
negativa, conforme analisam Giustozzi e Franco:
No período de 1992-2001, a educação provida pelo Estadoainda era controversa, e dessa vez principalmente porcausa de sua ausência. Escolas mal funcionavam naquelesanos, e os novos regimes islâmicos (os Mujahideen e oTalibã) brincaram com a ideia de ‘islamizar’ a educaçãoproveniente do Estado, aumentando drasticamente aquantidade de assuntos religiosos no currículo, mas
13 De acordo com a descrição presente no relatório do The Asia Foundation (2011,p.3), a instituição é uma organização não-governamental, sem finslucrativos, com 18 escritórios na Ásia, com, aproximadamente 60 anos deexperiência na Ásia, coolabora com parceiros do setor público e privadopara apoiar o desenvolvimento institucional, pesquisas políticas paratornar melhor problemas relacionados à governança, sociedade civil,reformas econômicas, desenvolvimento e relações internacionais.
conseguiram realizar poucos esforços em nível defuncionamento do sistema, devido à falta de recursos.(2011, p.1, tradução nossa)
Ainda, após a sua saída do poder, e como forma de ataque
ao novo regime, de acordo com Giustozzi e Franco (2011, p.1),
o Talibã passou a atacar escolas como principal alvo de
manifestação, o que significa que dezenas de professores e
alunos foram mortos, e que o funcionamento de milhares de
escolas foram afetadas.
Existe uma disputa de poder para influenciar a educação
por parte do Talibã, pois de acordo com a opinião do analista
afegão Wahid Muzhda, dada à uma entrevista na Radio Liberty em
2006, a qual Giustozzi e Franco (2011, p.6) fazem menção, a
luta da organização é contra a influência do Estado na
educação. Ao passo que, comandantes talibãs também crêem que
as escolas acabam por ser bases de apoio do Estado, o que
poderia prejudicar os interesses da organização14.
Apesar do que o Ministro da Educação, Faruq Wardak,
declarou em janeiro de 2011 no Fórum Mundial de Educação, de
acordo com Giustozzi e Franco (2011, p.11), que o Talibã não
estaria mais se opondo è educação para as meninas, os ataques
ainda ocorrem por diferentes meios, para além da hostilização
moral, por assim dizer. Como o caso do envenenamento devido à
um pó tóxico, à 120 estudantes, todas meninas, e de 3
professoras na província de Takhar, conforme reportagem de 23
14 Para uma compreensão mais abrangente sobre a oposição do Talibã àsescolas do Estado, ver Giustozzi e Franco (2011, p.7)
de maio de 2012, o que causou a morte das mesmas15. Ainda, em
abril, o envenenamento de água afetou 150 alunas, na mesma
província. É exatamente esse tipo de exemplo que deixa em
evidência a inconstância das ações do Talibã e levam à
descrença das negociações da organização com o governo afegão.
As negociações entre o Ministério da Educação e o Talibã
têm levado a alguns acordos e concessões às demandas 16 desse
último, pondera Giustozzi e Franco (2011, p.9), para garantir
o funcionamento das escolas e diminuir a onde de violência.
Entre negociações e novos ataques, concessões e posturas
controversas, o Talibã reivindica e afirma seu poder.
Portanto, a educação figura como uma área chave para a
influência política, como foi visto, e é uma via de embate e
negociação, que parece deixar o governo afegão à mercê da
organização em questão, dada a sobreposição de posturas do
Talibã.
3.3 Política Externa
15 Talibãs envenenam 120 alunas no Afeganistão. Euronews, Portugal, 25 maio2012. Mundo.Disponível em: <www.pt.euronews.com/2012/05/23/talibas-envenenam-120-alunas-no-afeganistao/> Acesso em: 19 nov. 2012.16 Conforme Giustozzi e Franco (2011, p.9), as demandas diziam respeito àprofessores que o Talibã não aprovava, supostamente, e que por tal razão,foram contratados mulás coonservadores (sacerdotes muçulmanos), parasupervisionar as escolas, em nome do Talibã. As informações foramconcedidas em uma entrevista com Ataullah Wahidyar, Chefe de Gabinete,Ministério da Educação, Cabul, 6 de Outubro de 2009.
Pensar a conexão do Talibã, com a política externa afegã
nos leva, inevitavelmente, ao atentado terrorista aos Estados
Unidos de 11 de setembro de 2001, pela sua relação com a Al-
Qaeda de Osama Bin Laden, bem como pela má reputação que se
construiu do Afeganistão no período entre 1996 e 2001.
Neste sentido, a política externa afegã pós 11 de setembro
parece ter herdado do período anterior um dever, que constitui
uma das áreas que o Ministério das Relações Exteriores do
Afeganistão tem-se dedicado, qual seja enfrentar o terrorismo,
no sentido de se defender de algo que está contra o Estado,
pois, de acordo com o próprio Ministério, “é errado e contra
producente associar terrorismo com uma única comunidade e
fé”17.
O esclarecimento que o Ministério faz é essencial para
mudar uma imagem que ficou marcada de uma forma tão sólida. Ou
seja, a imagem construída pelo regime do Talibã, de um
Afeganistão inclinado a colaborar com grupos terroristas, como
a Al- Qaeda, e cuja ideologia política extremista criou uma
visão única do islamismo no mundo, associada ao terrorismo.
Conforme visto, não se pode crer que as ações e posturas do
Talibã sejam um reflexo da crença do povo afegão no Islã, ou
que tal postura constitua uma política de Estado.
A fim de esclarecer a conexão da Al-Qaeda, de Osama Bin
Laden em específico, com o regime do Talibã, Nojumi (2002,17 Ministério das Relações Exteriores da República Islâmica do Afeganistão.Política externa afegã: Áreas da Diplomacia. Disponível em:<www.mfa.gov.af/en/page/3873.> Acesso em: 2 nov. 2012.
p.227, tradução nossa) afirma que “a conexão familiar de Bin
Laden com o líder supremo do Talibã e suas doações generosas
para tal liderança, propiciou àquele poder para influenciar
áreas importantes das políticas doméstica e exterior do
Talibã”. Desta forma, fica claro que existia uma forte
vinculação do regime do Talibã, aos olhos da comunidade
internacional, enquanto governo a grupos terroristas e que
parecia não deixar claro o limite de atuação do Talibã. Isto
é, até que ponto se podia acusar tal organização de
terrorista, pelo modo como a Al-Qaeda parecia usá-la como
escudo ou como um meio para as suas atividades.
Como resultado das relações exteriores, e por que não
internas também, do Talibã com a Al-Qaeda, tem-se a criação da
Operação “Liberdade Duradoura”, encabeçada pelos Estados Unidos e
Reino Unido, que representou a invasão no Afeganistão 18. O
legado de 11 setembro para a sociedade civil afegã parece ter
sido a continuação de uma guerra interna, com intervenção
externa, cuja repercurssão permanece controversa.
Ainda, o relatório do Secretário Geral da Organização das
Nações Unidas para o Conselho de Segurança, intitulado "A situação
no Afeganistão e suas Implicações para a Paz e Segurança Internacionais” (2001,
p.9, tradução nossa), revela a influência de Bin Laden pela18 De acordo com o trabalho de pesquisa da biblioteca do “House of Commons”(2001, p.9), fornece análise, pesquisa e serviços de informação para osdeputados e seus funcionários, “Em 7 de Outubro de 2001, os EUA e o ReinoUnido informaram o Conselho de Segurança, das Organização das NaçõesUnidas, que tinham começado a usar a força militar em legítima defesa. Estefoi em conformidade com o artigo 51 da Carta da ONU, que reconhece "odireito inerente de individual ou coletivo de legítima defesa" e exige queos Estados denunciem tais ações imediatamente”.
seguinte perspectiva, “o crescente papel de Bin Laden no
processo de tomada de decisão dentro da liderança do Talibã
foi danoso para o papel de alguns líderes talibãs, que eram
considerados mais pragmáticos e moderados”. Talvez os próprios
talibãs não tivessem ideia plena sobre os “contras”, apenas
sobre os “prós”, desta relação com a Al-Qaeda.
Portanto, os efeitos do Talibã na política externa ficam
claros quando da atuação da organização enquanto governo, e
nos efeitos causados por tal atuação, visto que o terrorismo
segue como uma preocupação central do Ministério das Relações
Exteriores, no sentido de buscar um entendimento com o Talibã,
na medida do possível, e demonstrar tal esforço para a
comunidade internacional.
Considerações finais
Após o exposto no presente artigo, entende-se que um
motivo potencial do por que o Estado afegão tem dificuldades
para agir é devido a atuação criminosa do Talibã, pois esta
acaba por pressionar também o Estado. Desta forma, a disputa
de poder, da organização em relação ao Estado afegão, adquire
um aspecto violento e intimidador, apesar de ambos negociarem
em determinados assuntos.
Notou-se que as ações da organização causaram impactos
profundos no Afeganistão quanto ao desenvolvimento da nação,
pois contribuiu para a permanência de um ambiente hostil e
violento, pois a postura rígida do Talibã o conecta à
sociedade por meios coercitivos, intimidadores e pouco
receptivos.
A arrecadação de tributos por parte do Talibã empodera a
organização, pois esta exerce uma função que compete ao Estado
exclusivamente, e a quebra dessa regra é como uma oposição
desleal ao Estado, só que na verdade, é muito mais criminosa
do que desleal. O Talibã age com seus próprios meios e
ideologia, cujo caráter extremista tem condenado a nação afegã
à ataques civis e extorsões, por via ilícitas e violentas.
Neste sentido, o que se percebe é que a própria ideologia do
Talibã não se encaixa na ideologia nacional do Afeganistão,
principalmente no que diz respeito à crença no Islã, visto que
apesar de ser um ponto presente em ambas as ideologias, a
versão do Talibã mostra-se radical e distorcida, prejudicando
a imagem da religião e do próprio Estado, enquanto instituição
vinculada a ela.
Conclui-se que a presença do Talibã é um dos maiores
problemas enfrentados pelo Estado afegão e sua sociedade
civil. Dessa forma, entende-se que a organização priva o
Estado afegão de se fazer mais presente na sociedade e no
próprio território, vendo suas instituições desvirtuadas em
prol de objetivos parciais e não representativos, já que a
sociedade não parece concordar com a ideologia veiculada por
este pequeno grupo, ainda que bastante poderoso.
Por fim, entende-se que o Afeganistão sofreu prejuízos em
termos de desenvolvimento social, econômico e político, que
foram acentuados devido ao regime do Talibã - pois a sua
postura rígida o conecta à sociedade por meios coercitivos,
intimidadores e pouco receptivos- , e que permanecem devido a
sua presença. Visto que, as políticas públicas de tal regime
já tiveram efeitos negativos por si só – bem como as suas
ações após o regime que têm prejudicado o Estado e a
sociedade–, e ainda, a sua política de Estado – a ligação com
a Al-Qaeda – também acabou ocasionando tais efeitos para o
Estado e o povo afegão.
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