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A morte nas sociedades muçulamanas – os casos específicos do Rossio do Carmo
(Mértola, circa século VIII/IX d. C.), Marrocos e Egipto.
Trabalho prático redigido no âmbito do seminário de História do Islamismo,
coordenado pelo Professor Doutor António Dias Farinha.
Alexandra Carmo
Nº 46130
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
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Índice
Introdução ……………………………………………………………………. Pág. 2
Visões sobre a Alma e a vida post-mortem …………………………………….Pág. 4
Morrer entre muçulmanos ………………………………………………….… Pág. 9
Aspectos acerca das práticas funerárias islâmicas ………………………….... Pág. 13
Os contextos funerários do período islâmico em Mértola (Portugal) ………… Pág. 16
O caso egípcio: a cidade dos mortos (e dos vivos) – al-Qarafa ………………. Pág. 20
Marrocos – Santos em vida, santos na morte ………………………………….. Pág. 23
Conclusão ……………………………………………………………………… Pág. 28
Bibliografia …………………………………………………………………...... Pág. 30
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Introdução
Morte.
Vida no Além.
A Vida não existe sem a Morte e a Morte não existe sem a Vida.
Estas questões intemporais levam à crença generalizada de uma continuação da
vida após a morte, uma vida diferente, uma réplica não exacta da vida terrena. Todas
estas são questões recorrentes em todos os grupos civilizacionais, praticantes dos mais
diversos credos e crenças. A sociedade Muçulmana não é excepção. A vida pós-morte,
isto é, a vida da alma eterna, é por vezes alvo de uma maior preocupação do que a vida
terrena per se.
Neste breve trabalho serão abordadas estas temáticas, partindo do caso da
intervenção arqueológica na necrópole islâmica do Rossio do Carmo em Mértola e
abordando de seguida os casos de Marrocos e do Egipto, que abordarão situações
diferentes. Será uma abordagem de índole teórica em que as práticas funerárias serão
apresentadas à luz do contexto religioso. Os três casos estão enquadrados grupo sunita,
é de frisar.
Porém, antes disso, será muito sumariamente explicitado o que é para um
muçulmano a Morte (enquanto conceito) e a Vida no Além. De grande importância
reveste-se também a ideia de Alma, sempre relevante para ajudar a compreender as
concepções de Morte e Vida subsequente. Será também abordado o tópico dos rituais
funerários islâmicos, parntindo-se a partir daí para os casos concretos de estudo.
Para a vila de Mértola, em Portugal, será apresentado o cemitério islâmico que
se localiza no Rossio do Carmo, no centro da vila, cujo estudo dos ocupantes muito tem
ajudado a equipa de arqueólogos do Campo Arqueológico de Mértola a perceber como
seriam sepultados e relembrados os habitantes muçulmanos de Mértola.
No caso egípcio, será apresentado um exemplo peculiar, mas até certo ponto
notável de como a partir de uma extensíssima cidade dos mortos pode surgir uma
ordenada e pacífica cidade dos vivos.
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Para Marrocos, não será apresentada uma necrópole propriamente dita. A ênfase
será dada, sim, à peregrinação aos túmulos de santos, que no território marroquino são
de tremenda importância tanto religiosa como social e económica.
Em suma, nos últimos dois casos, o que se verifica é que a Morte efectivamente
nem sempre significa o fim. Um túmulo não é apenas um túmulo, pode ser uma casa ou
um lugar sagrado cujo ocupante consegue interceder junto de Deus e conceder bençãos
a quem o visita e nele tem fé.
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Visões sobre a Alma e a vida post-mortem
No contexto de guerra do século VII (c. 625), em relação à batalha de Uhud,
muitos comentadores do Alcorão fazem a ligação entre este cenário e a passagem
seguinte (Qur’an 3:169): “[Os que perecem seguindo o caminho de Deus](…) vivem,
encontrando o seu sustento na presença do Senhor”. Os ditos comentadores encontram
aqui uma clara referência aos soldados mortos em combate e tentam nesta passagem ser
mais claros face à alegria concedida a estes que perecem seguindo o caminho de Deus,
referidos como shuhada, que segundo a tradição, teriam corpos de pássaros verdes com
os quais deambulariam pelo Paraíso. É tal a sua alegria, que no seguimento desta
passagem, quando Deus lhes pergunta o que desejam, eles respondem que desejam
apenas voltar à Terra para de novo terem a alegria de morrer (Kinberg in Meri; 2006).
Contudo, qualquer pessoa piedosa e espiritual, teria o desejo natural de querer
saber mais sobre o que a esperava quando a morte chegasse e, para aplacar estas dúvidas,
podia recorrer a uma série de fontes na forma de comentários ao Alcorão, hadith e
tratados místicos e teológicos, onde encontraria uma tremenda variedade de relatos
acerca dos Anjos, do Paraíso, Inferno, etc. Estes escritos eram também uma forma de
manter a comunicação entre os mortos e os vivos, alertando para aquilo que deveria ser
feito no mundo terreno para assegurar a felicidade na vida póstuma, bem como ajudar a
mitigar o medo de morrer (Kinberg in Meri; 2006).
Para os muçulmanos o culminar de uma vida terrena piedosa consiste no
encontro com Deus nos jardins do Paraíso. Como Ele é justo, a Humanidade também o
deve ser e é isso que determina o destino da alma após a morte e Juízo Final. Serve, por
isso, de conforto aos muçulmanos a crença que o próprio Profeta intercederia por cada
alma junto de Deus no momento do Juízo Final (Smith in Eliade; 1987).
Em relação ao corpo físico, este é sempre um elemento essencial ao ser humano,
ao qual é concedido um sopro que é uma manifestação do divino, o espírito. Este
espírito distingue-se da alma, pois só se torna como tal ao entrar no recipiente que é o
corpo físico. No dia da Ressurreição, a alma volta a juntar-se ao corpo, que no caso dos
virtuosos, não terá sofrido nem uma mácula da putrefacção. Com efeito, a recompensa
para os virtuosos será uma vida eterna tanto física como espiritual nos prazeres dos
jardins do Paraíso. Neste dia da Ressurreição as comunidades de todos os profetas
agrupar-se-ão uma vez mais, enquanto aguardam a sua vez no Julgamento. Isto deve-se
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ao facto de a ummah (a comunidade político-religiosa) ser um elemento de extrema
importância, em que é necessário estar-se integrado para atingir a Salvação (Smith in
Eliade; 1987).
O tempo ideal para este fenómeno seria, uma vez mais, o tempo do Profeta e dos
Quatro Califas, que segundo a crença muçulmana, se poderá repetir a qualquer
momento. No caso do Islão,à semelhança do Cristianismo (porém, com as devidads
diferenças), existe também uma ideia de Salvador: Mahdi, que virá para governar o
mundo antes do Dia da Ressurreição e depois disso eliminará todo o mal do mundo. É o
restaurador e derradeiro governante da comunidade muçulmana regenarada (Smith in
Eliade; 1987).
Para os que não viveram de forma extremamente boa ou extremamente má,
aplica-se o conceito de Purgatório, que na ideia geral, é também o espaço específico
onde as almas esperam o dia do Juízo Final. Na tradição islâmica, este local chama-se
barzakh ("barreira") e é aqui que coabitam as almas boas e as más até ao Dia da
Ressurreição. É também o local onde vêm parar as almas cuja recompensa ou castigo
não foram concedidos automaticamente após a hora da morte (Smith in Eliade; 1987).
Curiosamente, nos primeiros tempos da crença muçulmana, acreditava-se que a
entrada no Paraíso estava interdita às mulheres, pois considerava-se que estas estavam
desprovidas de uma alma imortal (Smith in Eliade; 1987).
Continuando na temática da alma, os conceitos predominantes encaixam-se na
categoria do tradicional e incluem as doutrinas teológicas (kalam) e filosóficas
(falsafah), todas com base no Alcorão. Aplicam-se aqui os termos árabes: Ruh, que
significan “espírito” e Nafs, que por sua vez remete para a “alma”. A estes dois termos
associam-se os conceitos de sopro e vento, respectivamente. Ruh é o espírito que Deus
concede aos Homens e Nafs é a alma, significa "o eu; o próprio". No Alcorão, Ruh é o
espírito de Deus, é o sopro divino criador e Nafs é a alma humana, que apesar de se
relacionar com o espírito de Deus, não é dele sinónimo (Marmura in Eliade; 1987).
O Alcorão mostra preocupações sobretudo com a orientação moral e religiosa da
alma humana, com o seu comportamento e consequente punição ou recompensa; as
almas humanas são, então categorizadas segundo a sua conduta: Ammarah (Qur'an
12:53) é a alma que incita ou comanda aquilo que é mau, identificada com o aspecto
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físico; Lawwamah (Qur'an 75:2) é a alma que consatntemente se questiona a si mesma,
identificada com a demanda pelo comportamento bondoso; Mutma'innah (Qur'an
98:27) é a alma tranquila e pacífica do crente virtuoso que no momento da morte
regressará para junto de Deus (Marmura in Eliade; 1987).
No momento da morte a alma abandona o corpo, só se voltando a unir a ele no
momento do Juízo Final e, desta forma, até esse dia, os bondosos e os mártires
permancem no Paraíso e os pérfidos têm à sua espera a danação no Inferno. Em relação
ao corpo que se há-de erguer, está patente no Alcorão que Deus tem o poder de trazer à
vida algo que foi ou está corrompido (Qur'an 36:78-79) (Marmura in Eliade; 1987).
Para o estudo da ideia de alma na religião muçulmana, a principal fonte é Ibn
Qayyim al-Jawziah (?-1350), nascido em Damasco, jusriscônsulto e teólogo Hanbali. A
sua principal obra intitula-se Kitab al-Ruh (O Livro do espírito) e nele defende que Ruh
se aplica ao espírito de Deus e ao espírito humano, apesar de no Alcorão se referir
apenas ao espírito de Deus e se originar do seu Amr, ou seja, comando. O corpo humano
é criado antes da alma, porém, a última é criada como eterna. A morte significa a
separação temporária entre os dois, que só se reunirão de novo no Dia do Juízo Final, no
momento da ressurreição dos crentes. A alma é material mas difere do corpo físico e
sensível na medidade em que é um corpo leve e elevado. O corpo físico é o molde da
alma e estes dois elementos estão em interacção constante, moldando-se um ao outro, o
que significa que não existem duas almas iguais (Marmura in Eliade; 1987).
Durante o sono a alma sai do corpo momentaneamente, podendo até nestes
instante comunicar com outras almas, tanto dos vivos como dos mortos. Com o
descanso da morte, a alma abandona o corpo, mas consegue regressar e as almas
virtuosas têm a capacidade de comunicarem entre si, ao contrário das almas más, que
não o conseguem fazer devido ao seu imenso sofrimento infernal (Marmura in Eliade;
1987).
Nesta fase entre a morte e a ressurreição, as almas reunem-se aos seus corpos
nas sepulturas, com a finalidade de serem interrogadas pelos anjos da morte, Munkar e
Nakir - os hereges e infiéis sofrem tormentos na sua sepultura, enquanto os bons têm
direito a um pouco de alegria e felicidade. Quanto aos profetas e mártires, ascendem
directamente ao Paraíso e à companhia de Deus (Marmura in Eliade; 1987).
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As almas dos defuntos conseguem também ouvir as ourações que os vivos lhes
dirigem e que os ajudam. De facto, é importante a visita às sepulturas e a oferenda de
preces e orações, pois são integráveis na faceta da solidariedade e piedade muçulmanas
e são também um consolo para os vivos (Marmura in Eliade; 1987).
Após a morte a alma não permance no mundo terreno e físico. A entrada no
outro mundo, o mundo dos mortos, é feita por via de uma viagem que em principio
incluirá testes e provações. No caso do Islão, os sítios que compõem a viagem são
descritos com símbolos terrenos e este outro mundo é visto como outra dimensão da
realidade onde é muito importante o conhecimento das fórmulas certas para honrar e
agradecer a Deus (Kelsey in Eliade; 1987).
É generalizada a crença na comunicação constante com os espíritos dos mortos,
sendo que por vezes estas visitas das almas dos defuntos são assustadoras ou até uma
ajuda para o vivo. Podem manifestar-se como aparições ou até aparecer em sonhos
(Kelsey in Eliade; 1987).
Esta outra dimensão está também dotada de uma geografia própria. O Alcorão
diz-nos que existem sete camadas de Céu por cima do mundo terrestre, estando Deus na
sétima mais elevada. Proporcionalmente, existem sete camadas descendentes compostas
por túneis de fogo. O patamar mais superficial chama-se Gehenna e está ligado ao
mundo dos vivos por via de uma ponte que todas as almas dos defuntos devem cruzar
no dia do Julgamento Final. Os castigos e torturas vão piorando quanto mais inferior é o
patamar (Long in Eliade; 1987).
Na separação entre Paraíso e Inferno existe uma árvore, Zaqqum, que liberta um
odor desagradável e cujas flores são cabeças de demónios. A partir desta zona é possível
ver em simultâneo os dois reinos. Aqui existe também uma barreira que separa os
humanos em classes distintas de acordo com a qualidade das suas acções (Long in
Eliade; 1987).
Cada um dos sete reinos de fogo tem um nome específico que reflecte a posição
muçulmana face a grupos específicos de não-crentes. Por exemplo: Hawyiah (precipício
dos hipócritas), Laza (labaredas consumidoras de cristãos) e Hutamah (chamas furiosas
destinadas a Judeus) (Long in Eliade; 1987).
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Gehenna surge no Alcorão como o Fogo do Inferno (Qur’an 89:23), uma besta
quadrúpede temível, em que cada perna é formada por setenta mil demónios, cada um
com trinta mil bocas. Porém, este termo não se aplica só à primeira camada, abrange
também o Inferno no seu todo. Cada uma das sete partes está bloqueada por um portão
com um guardião que atormenta os condenados (Long in Eliade; 1987).
A separar os domínios dos abençoados dos dos danados está uma muralha e
quem habita no topo consegue distinguir cada grupo pelo seu aspecto: os abençoados
sorriem, os danados ostentam caras negras de olhos azuis (Qur'an 57:13). Vários
aspectos podem levar à condenação de uma alma, especialmente a inexistência de Fé e
crença em Deus e na mensagem do seu Profeta Muhammad, mas também a mentira,
corrupção, blasfémia, negação do advento do Dia da Ressurreição e da existência do
Inferno, a não prática da caridade e vida de luxo e ostentação são vias para a
condenação da alma (Long in Eliade; 1987).
Após a morte, os redimidos e abençoados apreendem uma viagem ascendente
pelos vários reinos do Paraíso acompanhados pelo arcanjo Gabriel. Em contraste, os
malditos descem às profundezas do reino Infernal, onde demónios e outras almas
danadas os esperam em gemidos e lamentação (Qur'an 11:106), as suas peles sendo
alternadamente reduzidas a cinzas e renovadas, usando roupas feitas de fogo e sofrendo
o derramar de água a ferver nas suas cabeças até derreter as suas peles e entranhas. Se
tentarem fugir, ganchos de ferro limitam os seus movimentos e arrastam-nos de novo
para o seu castigo (Qur'an 22:19-22) (Long in Eliade; 1987).
Com o passar do tempo os teólogos começam a acentuar a generosidade e
misericórdia de Deus, generalizando a crença que após um período determinado de
tempo no Inferno, o arcanjo Gabriel intercederia pelos condenados e libertá-los-ia,
fazendo com que a chama infernal se extinguisse (Long in Eliade; 1987).
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Morrer entre Muçulmanos
As concepções alcorânicas dizem-nos que os Homens não se procupam todos de
igual forma com a sua mortalidade, existe, com efeito, quem viva descontraidamente
sem ter em mente o que possa vir depois. São pessoas que não crêm no chegada do Dia
da Ressurreição nem que Deus possar reanimar e recriar vida em ossos e corpos
putrefactos. Segundo o Alcorão, a essas pessoas está destinada uma desagradável
surpresa após a morte na forma de uma vida post-mortem plena de tormentos nos fogos
infernais (Halevi in Meri; 2006).
Por outro lado, os crentes que vivem em temor ao poder criativo e destruidor de
Deus, argumentam que se Ele consegue consegue fazer brotar plantas em terras áridas,
então obviamente também conseguirá reanimar quem já morreu e que eles próprios, por
acreditarem, serão recompensados no dia da Ressurreição com uma vida eterna no
Jardim do Paraíso na companhia de Deus. Este é indubitavelmente um discurso que
procura legitimar a noção que Deus é omnipotente e como tal permite que a vida
continue após a morte, que de forma simplista não é mais que uma forma de consolo
para os crentes (Halevi in Meri; 2006).
Para os muçulmanos a morte não se resume a um infortúnio que ataca os
Homens arbitrária e injustamente, sendo, na verdade, uma parte dos desígnios de Deus,
que apenas Ele próprio conhece. Trata-se de um argumento perfeitamente enquadrável
nos contextos de guerra que marcaram a medievalidade islâmica, em que
inevitavelmente as mortes eram violentas e frequentes (Halevi in Meri; 2006).
Com efeito, as mortes violentas são um tema marcante no Alcorão e justamente
nos versos de Medina são feitas referências a perseguições a profetas que acabam com
mortes violentas dos mesmos (afogamento, apedrejamento, imolação e crucificação). A
mensagem que passa é que quem segue o caminho de Deus não deve temer nem a morte
violenta, pois aqueles que são martirizados apenas aparentam morrer, quando na
verdade continuam a viver com Deus (Halevi in Meri; 2006).
A morte é até certo ponto comparável ao sono, pois tanto num como noutro, as
almas de quem mergulha no repouso são recolhidas por anjos, sendo que no caso de
quem apenas dorme, a alma é devolvida ao corpo poucas horas depois para que
continuem a viver até chegar a sua hora. Com Deus apenas permanecem as almas de
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quem já morreu e as almas dos pecadores suplicam-lhe que os deixem voltar ao mundo
terreno para emendarem as acções. Contudo, isto é impossível, pois a barreira que
separa os mundos dos vivos e mortos só poderá ser atravessada no dia do Juízo Final e
até lá as almas desvirtuosas devem sofrer no Inferno as consequências de tudo o que
fizeram em vida (Halevi in Meri; 2006).
Apesar de tudo, é possível delinear os contornos do que seria a morte ideal para
um muçulmano, em que é especialmente apelativo o ideal de martírio, ou seja, morrer
violentamente em nome de Deus. Hadith diversos celebram a coragem e bravura de
militares que pela sua grande fé a única vontade que tinham era a de perecer com as
feridas resultantes do combate. Esta vontade resultava da crença que o Paraíso seria a
recompensa pelo martírio. Nos Hadith o estatuto do Mártir não se restringia aos mortos
em combate. Com efeito, aplicava-se também aos que morriam de peste, problemas de
estômago, afundamento e colapsos de edifícios, ou seja, mortes terríveis e violentas, que
seriam recompensadas com o Paraíso. Porém, para obter esta valiosíssima recompensa,
o moribundo não poderia nunca sucumbir ao desespero e deveria manter a compustura e
ser paciente enquanto morria. Em suma, devia manter até ao fim a sua fé em Deus
(Halevi in Meri; 2006).
Por outro lado, considerada menos admirável é a morte devida a causas naturais.
Porém, os crentes virtuosos que conseguissem antever a chegada da sua hora poderiam,
através de uma série de acções melhorar a sua eventual vida post-mortem: cobrir todas
as dívidas que tivessesm; manifestar aos familiares que mortalha desejavam levar, que
seria a mais modesta possível (isto porque estes tecidos muito dispendiosos era
normalmente obtidos após o falecimento), bem como que procissão fúnebre desejavam
(por norma dispensavam velas, consideradas um gasto supérfulo, e carpideiras
profissionais, pois aquilo que Deus determinava não deveria ser contestado). Assim,
com o passar do tempo, vai-se desenvolvendo a forma ideal de morrer, que seria
recitando o nome Allah e passagens do Alcorão relativas à ressurreição, estando o corpo
do moribundo orientado segundo a direcção das orações muçulmanas. Considera-se que
esta prática terá sido iniciada por Fátima (? - 632), a filha do Profeta, que ao antecipar a
sua própria morte teria pedido que a sua cama fosse colocada no centro da casa e
orientada segundo a qibla (Halevi in Meri; 2006).
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Em suma, estas mortes que ocorriam devido a doenças, idade avançada ou
guerra santa, não requeriam qualquer explicação teológica, eram mortes naturais e
predeterminadas por Deus. Mais complexas e difíceis de explicar eram as mortes não
naturais/acidentais, como nos casos de assassínio ou suicídio, pois não estava a ser
seguido o desígnio de Deus, mas sim a vontade dos humanos que praticavam estes actos
anti-naturais, e cria-se que tais fenómenos não fariam parte da vontade de Deus, justo e
bondoso. Porém, os teólogos ortodoxos discordavam sob o argumento que até mesmo
estas mortes que aparentavam não ser naturais eram também fruto da vontade de Deus,
fossem justas ou injustas, mas sem nunca descartarem o facto que os humanos culpados
sofreriam as devidas consequências após a morte, nomeadamente no caso de assassinos
com os mesmos objectos com que teriam posto fim à vida das suas vítimas (Halevi in
Meri; 2006).
Voltando às mortes naturais, não eram alvo de raciocínio por parte de teólogos,
mas sim por médicos e físicos. A morte natural ocorria como produto da vontade de
Deus, no momento em que a pessoa em questão não estivesse mais destinada a viver, o
que também dependia da sua constituição física. Aqui o papel da medicina era manter o
equilíbrio físico das pessoas através do controlo da dieta e do ambiente. Existia já a
noção que certos factores poderiam desencadear epidemias potencialmente destrutivas,
como a exposição a ar demasiado seco, mudanças bruscas na alimentação e consumo de
águas contaminadas (Halevi in Meri; 2006).
Existia também um debate em torno da pureza, ou não, do cadáver, que seria
transmitida àqueles que o manuseassem na sua preparação. Aqui Sunitas e Xiitas
dividiam-se: os primeiros baseavam-se na teoria de Abdallah ibn-Abbas e afirmavam
que os corpos dos muçulmanos mortos eram puros e de forma nenhuma uma fonte de
poluição. Por outro lado, os juriscônsultos Xiitas consideravam os cadáveres humanos
como fontes de grande impureza e seria necessário, após a deposição do corpo, executar
um ritual de purificação, que para os Sunitas não era obrigatório (Halevi in Meri; 2006).
Há também a destacar uma série de autores, entre os quais Ibn Abi al-Dunya (? -
894), al-Ghazali (? - 1111), Ibn Qayyim al-Jawziyya (? - 1350) e al-Suyuti (? - 1505),
cujos escritos sobre a morte pretendiam transmitir lições de moral, descrevendo como
era morrer e como era a vida após a morte para levar os crentes a viver uma vida no
bom caminho. Para isto, incentivavam os leitores a imaginar as suas próprias mortes e
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os seus próprios corpos em putrefacção, para realçar a ideia que a morte era apenas uma
transição entre planos de existência que poderiam ser abençoados ou amaldiçoados
(Halevi in Meri; 2006).
Estes autores afirmam que para quem não tivesse vivido de forma bondosa a
morte seria muito dolorosa e que os seus espíritos seriam violentamente arrancados aos
seus corpos por anjos de aspecto temível. Algum tempo depois, seriam aprisionados na
sepultura juntamente com o corpo, onde aguardariam pelo dia da Ressurreição em
grandes sofrimentos e torturas. Quanto às almas dos bons, também viveriam na
sepultura, porém viveriam felizes experimentando aos poucos o Paraíso até ao Dia da
Ressurreição. Estas almas, tanto dos bons como dos maus, não conseguiriam mexer os
seus corpos, porém não estariam desprovidas de intelecto e poderiam comunicar com os
vivos entrando nos seus sonhos, pedindo-lhes orações que iluminariam a sepultura e
afastariam as torturas (Halevi in Meri; 2006).
Sujeitos a estes sofrimentos dentro da sepultura estariam não só infiéis, mas
também muçulmanos que não tivesses orado com suficiente fé ou pago todas as suas
dívidas antes de morrer. Para estas almas o Paraíso não era intangível, mas antes de lá
chegarem sofreriam as devidas consequências (Halevi in Meri; 2006).
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Aspectos acerca das práticas funerárias islâmicas
A ritualística funerária islâmica, apesar das divisões existentes entre Xiitas e
Sunitas, não reflecte essas diferenças de forma óbvia, traduzindo-se apenas em algumas
subtilezas aplicáveis a alguns aspectos, como o carpir dos defuntos e as inscrições de
lápides. Com efeito, em relação à morte, a sociedades muçulamana no seu todo mantém
uma certa homogeneidade (Halevi in Meri; 2006).
Antes de se enterrar o corpo, executam-se uma série de rituais que para além de
expressarem a tristeza perante a perda, servem também para preparar o corpo para a
viagem até à sua última morada. Assim que recebiam a notícia da morte, as mulheres
choravam e lamentavam-se, sendo por vezes repreendidas pelos homens mais pios, pois
é considerado errado lamentar o destino dos mortos, na medida em que um muçulmano
deve conseguir suportar estoicamente a dor da perda de um ente-querido, sempre com fé
em Deus (Halevi in Meri; 2006).
Com efeito, as práticas funerárias muçulmanas dividem-se nas seguintes
categorias: lavagem e amortalhamento; cortejo fúnebre; preparação da sepultura;
inumação e assitência ao defunto; banquete ritual; fase de luto; preservação e
homenagem da memória (Halevi in Meri; 2006).
Antes que entrasse em rigor mortis, o corpo era lavado com água fresca ou
morna, que estaria pura ou numa solução com malvaísco, ou ainda, aromatizada com
cânfora ou almíscar. O objectivo seria restituir e manter a pureza do corpo ao nível do
ritual. O amortalhamento fazer-se-ia sobretudo com tecidos brancos (3 ou 5) e, à medida
que o corpo fosse sendo envolto nas mortalhas, colocar-se-ia cânfora nos orifícios
naturais do corpo e entre cada peça de tecido era colocada uma folha de aloé-vera. Esta
operação era também um acto que mostrava angústia pela perda da parte dos familiares.
Após estes procedimentos, o corpo era colocado no ataúde e levado até ao cemitério em
cortejo acompanhado de orações. À chegada ao cemitério, perto da vala ainda
desocupada, os homens agrupam-se em filas e acompanham o imam numa oração que
roga a Deus por piedade em relação ao defunto (Halevi in Meri; 2006) (Macías; 1992).
Quanto à vala, esta deveria ser mais ou menos rasa (cerca de um metro de
profundidade) e não deveria ser revestida, pois a crença muçulmana dita que o corpo
deve estar em contacto com a terra. Poderia ser coberta com ladrilhos ou uma laje de
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pedra e poderia ou não ostentar uma lápide epigrafada. O corpo seria colocado em
decúbito lateral direito, com as pernas ligeiramente flectidas e mãos recolhidas na zona
púbica, estando orientado com a cabeça para sul-sudoeste e face para nascente. Para
manter o corpo nesta posição, a maioria das vezes a vala é intencionalmente estreita
(Halevi in Meri; 2006) (Macías; 1992).
Após o sepultamento, os vizinhos oferecem uma refeição à família enlutada. Não
era necessariamente um banquete ostentivo, mas sim uma pequena e moderada refeição,
sem exagero nos choros e lamentos, onde era dada esmola a quem passasse (Halevi in
Meri; 2006).
O período de luto é marcado por orações em dias específicos, nomeadamente no
3º, 7º, 9º, 30º e 40º dias após a morte, pois crê-se que estas preces ajudam a alma do
defunto na viagem que empreende na sua nova vida, na medida em que lhe transmitem
luz que afasta os maus espíritos (Halevi in Meri; 2006) (Macías; 1992).
O Alcorão refere a pribição aos muçulmanos de honrar com estes rituais aqueles
que em vida não criam em Deus nem no Profeta, permanecendo pecadores até à sua
morte (Qur'an 9:84) (Halevi in Meri; 2006).
Várias colecções de hadith, tradições orais e obras de lei e jurisprudência
abordam as práticas funerárias, especialmente a lavagem dos corpos e as orações aos
defuntos e, para além disso, mencionam a recitação de versos alcorânicos nos momentos
antes da morte iminente, fazendo também reflexões acerca de cenários mais invulgares,
como a submersão do corpo, em que o enterramento era obviamente impossível (Halevi
in Meri; 2006).
O enterro era um dos direitos dos muçulmanos, porém não era um dever, no
sentido em que nenhum muçulmano estava por lei obrigado a conceder este direito a um
igual. Seria ,sim, uma tarefa relegada para a comunidade, ao invés de um indivíduo
apenas (Halevi in Meri; 2006).
Acrescente-se também que quem seguisse o cortejo fúnebre teria os seus
pecados perdoados, pois era considerada uma boa acção. Em suma, os juriscônsultos
davam recomendações de práticas, ao invés de obrigações incontornáveis. Por outro
lado, era considerado algo odioso o lamento exagerado pelos mortos e a inscrição de
lápides. Apesar disso, quem cometesse estes actos não sofreria qualquer punição
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jurídica, pagaria pelos seus actos, sim, após a morte. O pior crime neste sentido seria a
profanação das sepulturas com o intuito de roubar as caras mortalhas, que segundo
alguns jurisprudentes seria punido com a amputação de uma das mãos do profanador
(Halevi in Meri; 2006).
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Os contextos funerários do período islâmico em Mértola (Portugal)
Mértola tem uma localização estratégica, pois está implantada no topo de uma
elevação ladeada pelo Rio Guadiana a nascente,e pela Ribeira de Oeiras a poente, o que
lhe confere excelentes condições naturais de defesa. Estas características tornam a vila o
ponto extremo da navegabilidade do rio Guadiana.
A montante da vila estava o acidente geológico do Pulo do Lobo que impedia o
avanço de embarcações, tornando Mértola o último porto do Guadiana e a nível terrestre,
estava ligada às vias que tinham destino à foz do Sado e ao estuário do Tejo.
Em suma, Mértola estava localizada num ponto estratégico que lhe conferia,
para além das condições óptimas de defesa, um carácter de alta tolerância entre
diferentes povos e ideias que já se vinha a registar desde, pelo menos, a Idade do Ferro.
O contexto de necrópole que será seguidamente apresentado é um dos vários que
a vila de Mértola inclui, nomeadamente, a necrópole islâmica resultante do
aproveitamento da estrutura da paleobasílica cristã do século V d.C (Carmo; 2010).
A paleobasílica terá estado em funcionamento desde o século V até ao século
VIII, local de culto dos cristãos locais, tendo anexada a si a sua própria necrópole
(Macías; Torres; 2002).
A partir do século VIII com o desuso e eventual derrube da estrutura da
paleobasílica, o terreno começa a ser usado como necrópole, desta feita pela população
local muçulmana. À falta de dados mais convincentes, os autores (Macías; Torres;
2002) consideram que esta área tenha cessado totalmente funções enquanto espaço
cemiterial após a conquista de Mértola pela Ordem de Santiago em 1283
No século XVII constrói-se nesta zona, agora também dedicada à celebração de
feiras, uma igreja, inicialmente de São Luís que posteriormente se torna em honra à
Nossa Senhora do Carmo (Macías; Torres; 2002).
No final do século XVIII esta área sofre um certo abadono, os frades da Ordem
de São Francisco restauram a igreja e, durante esse processo, uma epígrafe islâmica é
identificada, tendo aqui origem as primeiras notícias de sepultamentos muçulmanos em
Mértola (Macías; Torres; 2002).
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Em meados do século XIX, o convento já não estava activo nem se dedicava ao
culto e em finais do século, um proprietário de uma parcela nessa área faz escavações e
descobre várias sepulturas paleocristãs com epígrafes, bem como epígrafes islâmicas. O
arqueólogo Estácio da Veiga (autor da Carta Arqueológica do Algarve) teria nesta
altura começado a estudar também este sítio e refere nos seus escritos o achado de
abundantes fragmentos osteológicos, que, porém, associa sempre à Igreja e não aos
contextos anteriores (Macías; Torres; 2002).
Entre 1895 e 1908, Leite de Vasconcellos (o primeiro director do Museu
Nacional de Arqueologia e autor da obra Religiões da Lusitânia) volta a intervencionar
o local e publica uma planta do sítio onde mostra seis enterramentos infantis e outros
muito degradados, que o próprio afirma não conseguir identificar a sua cronologia
(Macías; Torres; 2002).
Após esta fase, marcada inegavelmente pelo boom da arqueologia em Portugal,
Mértola torna a cair no esquecimento e só a partir de 1980 volta a ser estudada, desta
feita pela equipa do Campo Arqueológico de Mértola liderada por Cláudio Torres, pois
nesta zona iria ser construido um tribunal. A partir desta altura os vestígios
sobreviventes da paleobasílica começam a ser restaurados à medida que o sítio ia sendo
intervencionado. De facto, entre 1980-1990, são descobertos mais de 100 enterramentos
identificados com o período islâmico, apesar de os estudos antropológicos não terem
sido imediatamente encetados (Macías; Torres; 2002).
Em 1999, com a construção do novo tribunal de Mértola, novamente foram
necessárias escavações de emergência, que trouxeram à luz dois novos sepulcros, um
deles islâmico (Macías; Torres; 2002).
É de frisar que apesar de tudo isto, as dimensões exactas da área máxima do
cemitério islâmico ainda não são conhecidas, sendo a estimativa de 21500 metros
quadrados. É também uma incógnita, para já, se a área cemiterial estaria delimitada,
nem onde se localiza o núleo interior nem se existiriam outras necrópoles paralelas a
esta (Macías; Torres; 2002).
As sepulturas em si apresentam uma certa variedade, algumas são de cariz mais
austero, é o que se sabe, porém, dada a irregularidade das mesmas ainda não foi possível
estabelecer uma tipologia. O facto de praticamente não aparecer qualquer espólio votivo
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revela-se uma dificuldade, pois torna-se desta forma impossível estabelecer datações
absolutas. Para já, só graças às epígrafes é que a equipa do CAM conseguiu determinar
o funcionamento deste sítio até cerca de 706 d.C., e os investigadores consideram,
inclusive, que a islamização de Mértola terá originado de uma ligação já existente com
os habitantes locais, e não de uma invasão (Macías; Torres; 2002).
Esta característica pode ser uma razão para a irregularidade das sepulturas, pois
existia já uma fé estabelecida antes da islamização e ter-se-à dado uma gradual
adaptação (natural) ao invés de uma destruição abrupta dos locais para uso de acordo
com a nova fé vigente. É de notar que mesmo que as crenças possam variar a maior ou
menor ritualização da morte tem sempre uma função comum e muito prática face à
corrupção iminente do cadáver, que é devolvido aos elementos. Os dados, face à
pacífica islamização de Mértola, sugerem que os primeiros habitantes islâmicos teriam
começado a sepultar os seus mortos na mesma necrópole que os cristãos, o que pode ser
resultado da vontade de alguns novos-muçulmanos de querem ser enterrados, por
exemplo, ao pé dos seus pais cristãos. Isto marca, inegavelmente, o ambiente de
tolerância religiosa que se terá vivido até à "reconquista cristã", pois a interacção entre
diferentes pessoas era comum no Al-Andalus. Por outro lado, outros destes novos
enterramentos estender-se-iam também ao longo dos caminhos desde a Paleobasílica em
direcção a Beja (Macías; Torres; 2002).
Tem-se concluido, com as interveções realizadas, que os sepultamentos nas
cotas mais baixas são mais elaborados, muito semelhantes aos cristãos que os
precederam, o que vem associado à ideia que as elites provavelmente seriam sepultadas
no interior da basílica, estando até não muito distantes dos enterramentos cristãos
(Macías; Torres; 2002).
Os investigadores do CAM concluiram que, com o passar do tempo, os
enterramentos se foram tornando mais rígidos, facto verificável nos achados
provenientes das cotas mais elevadas, onde surgem corpos em contacto directo com a
terra e crânios orientados para sudoeste e rostos para sudeste (Macías; Torres; 2002).
Quanto às epígrafes, apesar de nenhuma delas ter sido encontrada in situ, a
equipa do CAM considera que pertencerão ao período almóada, tal como estes
sepultamentos mais recentes. Outra dificuldade que se apresenta é o facto de, desde o
período da Reconquista, grande parte da arquitectura funerária islâmica ter sido
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reutilizada para a construção, em especial, de novas igrejas, o que leva ao perfeito
desconhecimento de como seria a paisagem cemiterial de Mértola islâmica (Macías;
Torres; 2002).
As seguintes imagens representam alguns dos conjuntos osteológicos
encontrados, com indicação da orientação, na necrópole da paleobasílica durante as
intervenções levadas a cabo pela equipa do Campo Arqueológico de Mértola (Macías;
Torres; 2002).
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O caso egípcio: a cidade dos mortos (e dos vivos) – al-Qarafa
O cemitério da zona Norte da actual capital egípcia, chamado de Al-Qarafa, é a
mais antiga necrópole islâmica do Egipto e ainda hoje está operacional e em
funcionamento, tanto para os mortos, comopara os vivos, surpreendentemente (ou não)
(MISSORI; 2008).
Esta necrópole alberga túmulos Fatimidas, Mamelucos e Otomanos, muitos
deles de membros de alta estirpe, como sultões e imams e, com efeito, pode dizer-se que
os habitantes desta área não se resumem às camadas mais pobres da sociedade
(MISSORI; 2008).
A antropóloga Tozzi Di Marco (Tozzi Di Marco; 2008; Il Giardino di Allah),
após um estudo a este cemitério entre 1998 e 2005, concluiu que a ocupação pelos vivos
deste espaço mortuário se terá iniciado na década de 50 do século XX com o fenómeno
do êxodo rural egípcio, o que terá levado inevitavelmente a crises demográficas aliada à
falta de condições e habitações para os novos habitantes do Cairo. O problema persiste
ainda hoje com o aumento dos preços dos imóveis, que leva cada vez mais grupos
diversos da sociedade a chamar de casa ao enorme recinto de Al-Qarafa, nomeadamente
operários, comerciantes, entre outros, tanto Muçulmanos como Cristãos (MISSORI;
2008).
Os jazigos são
muito bem aproveitados
para formar as habitações e,
segundo Tozzi Di Marco, a
sua divisão interna é: uma
sala para o ocupante
original da sepultura, uma
ou duas salas adjacentes
para os novos ocupantes e
um pequeno jardim
fechado, para facilitar a
visita dos entes queridos do defunto. As divisões são feitas através de lençóis
pendurados para delimitar os espaços (MISSORI; 2008).
Fotografia 5 - Entrada de um jazigo reaproveitado para habitação (Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/53/City-of-the-Dead.jpg)
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Com este estudo, a antropóloga italiana conclui que os Muçulmanos tendem a
passar muito tempo no cemitério, pelo menos neste em particular, e são as mulheres que
preservam a memória da família. Com efeito, o grande cemitério do Cairo é hoje a casa
de cerca de um milhão de pessoas, sendo que algumas destas famílias já habitam este
espaço há pelo menos três gerações (MISSORI; 2008).
Segundo fontes mais recentes (EURONEWS; 2013), desde o ano 2008 (ano em
que Di Marco publicou o seu estudo) o número de habitantes em al-Qarafa terá
aumentado para cerca de 2 milhões. É uma situação que se continua cada vez mais a
agravar, devido ao contexto de crise económica, falta de trabalho e crescente aumento
do custo das habitações, passando-lhes relativamente ao lado, toda a situação de
confronto actual da Primavera Árabe e subsequentes acontecimentos e crises.
O cemitério al-Qarafa terá sido fundado no século VII d.C. com a conquista e
islamização do Egipto,sendo os seus túmulos só por si perfeitamente transformáveis em
casas devido ao seu espaço razoável e amplos jardins, pois um dos costumes seria
residir nos jazigos durante certo período do luto após o enterro (Bachega; 2014).
Esta cidade dos mortos adaptou-se bem à imagem das cidades dos vivos: tem
ruas estreitas com estradas de terra batida, moradores que conversam na rua e pequenas
lojinhas improvisadas. É como um mundo fechado, onde a política simplesmente passa
ao lado, um mundo paralelo que se rege pelas suas próprias regras. Um mundo
silencioso em contraste com a vida na cidade nos limites do cemitério, que tem uma
extensão superior a 6km e é próximo ao centro da capital da egípcia, onde muitos dos
seus moradores trabalham durante o dia (Bachega; 2014).
O êxodo rural continua a constituir um problema no Egipto actual e a cidade do
Cairo, com os seus cerca de 18 milhões de habitantes não deixa de ser afectada pelo
problema das favelas e habitações cujas rendas são intangíveis para os recém-chegados
migrantes. Não é por isso de estranhar que muitas famílias optem por morar nos jazigos,
pois o cemitério não deixou de ser uma local sossegado e mais seguro face à restante
cidade. Apesar disto não deixa de haver relatos que nas ruelas mais escuras de Al-
Qarafa se vendem drogas e armas, porém os moradores afirmam ser eles a manter a
ordem e as regras por seus próprios meios, de forma a evitar o crescimento da
criminalidade e a manter a paz e o sossego (Bachega; 2014).
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Devido a esta peculiar forma de viver não é também de estranhar que a
necrópole de Al-Qarafa se esteja a tornar uma atracção turística cada vez mais popular,
devido a esta partilha do espaço entre mortos e vivos (Bachega; 2014).
Esta prática de habitar os jazigos terá começado devido a uma outra prática pré-
existente: os egípcios eram e são normalmente sepultados com os seus pertences, muitas
vezes valiosos, o que levava ao saque frequente dos jazigos em al-Qarafa. Assim, os
familiares dos defuntos começaram a contratar pessoas para vigiar os jazigos, que para
tal para lá se mudavam permanentemente com as suas famílias. Este factor aliado aos
acima expostos levou à crescente ocupação do espaço cemiterial pelos vivos com menos
possibilidades monetárias e sem ter onde viver na restante cidade do Cairo (Carranca;
2010).
Em suma, está-se aqui perante uma situação de dualidade face a esta forma de
vida: os residentes de al-Qarafa orugulham-se de partilhar o espaço com defuntos
nobres e célebres, por um lado, mas por outro, são confrontados com um total desprezo
e negligência por parte do Estado aliado ao preconceito da população em geral que não
compreende como estes migrantes são capazes de viver entre mortos (Ibrashy; 2000).
Actualmente, os juízos são feitos na base cultural ao invés da religiosa, como no
passado. Se antes os primeiros habitantes do cemitério eram respeitados por viverem no
mesmo espaço em que estavam sepultadas tantas pessoas reverenciadas, hoje são vistas
de forma menos boa, por tudo o que simboliza um cemitério e os seus ocupantes
originais, o que estigmatiza estes moradores perante os restantes cidadãos e governo,
que opta por se esforçar em ignorar a sua existência (Ibrashy; 2000).
Fotografia 6 - Interior de um jazigo reaproveitado. (Fonte: http://www.lazionauta.it/wp-content/uploads/2013/03/al-Qarafa.jpg)
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Marrocos – Santos em vida, santos na morte
Em Marrocos, o fenómeno da morte, quando aplicado a pessoas de grande
importância política e/ou relgiosa gera um conceito muito típico deste território Norte
Africano: o de Marabout, bem como o de Zawiya.
Segundo a Encyclopeadia Britannica: Marabout é um conceito típico da
população muçulmana do Norte de África, especialmente característico do território
marroquino. Traduz a ideia de um membro de uma comunidade muçulmana que vive
num mosteiro fortificado e tem funções tanto militares como religiosas. São homens
com qualificações religiosas específicas, nomeadamente, recitação do Alcorão,
transmissão dos Hadith, juriscônsultos da Lei Islâmica e ascetas que vivessem num
mosteiro, sendo muito respeitados pela restante população.Este conceito surge com a
chegada da religião islâmica ao Norte de África, em que os seus difusores se tornaram
conhecidos como al-Murabitun e todos os missionários que formassem grupos de
crentes e discípulos seriam conhecidos como murabit. Posteriormente, o termo perde
muito deste significado original e passa a designar, em vez disso, o túmulo em que está
sepultado o homem pio, também designado como Zawiya.
Após o estabelecimento da religião islâmica no Norte de África, formaram-se
também extensíssimas redes de caravanas de camelos que iam desde Marrocos até ao
Egipto, atravessando a península do Sinai até à região do Hijaz, onde se localiza Meca
(Gray; 2014).
É, assim, criada uma rede que continuou em uso pelo menos até ao século XX,
compondo-se de peregrinos, mercadores e guardas. Por norma o circuito teria início em
Fez, Marraquexe e Sijilmasa, podendo chegar aos cerca de 30km percorridos por dia,
visitariam também mesquitas na Argélia e Tunísia, levando vários meses a chegar ao
Egipto. No século XIX estabelece-se uma rota marítima até Alexandria, que se torna o
caminho mais rápido até Meca (Gray; 2014).
A tradição da peregrinação no Norte de África é muito antiga, tendo começado
pouco depois da implemantação da religião islâmica, por influência de vários
governantes que organizavam luxuosas viagens de peregrinação a Meca, pondo em
prática um dos pilares do Islão (Gray; 2014).
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No século XX com a ocupação do deserto do Sahara vê-se o crescer da
segurança, o que aliado à evolução nos transportes vem em grande medida aumentar o
número de viagens de peregrinação e de peregrinos propriamente ditos. Apesar de a
partir da segunda metade do século XX se generalizarem as viagens por ar, muitos
potenciais peregrinos continuam a preferir as rotas terrestres, não só por serem
muitíssimo mais baratas, mas também por quererem visitar locais célebres ao longo do
caminho e também por acreditarem que a árdua viagem a pé com todas as suas
dificuldades é de certa forma um benefício espiritual. Contudo, com a conturbada
situação política que actualmente se vive, muitas fronteiras têm sido fechadas, o que
tem quase impossibilitado a viagem de muitos peregrinos (Gray; 2014).
Em Marrocos, especificamente, pela sua paisagem distribuem-se inúmeros locais
considerados sagrados para a cultura Berber (o povo nativo de Marrocos), Judeus,
Islâmicos (presentes no Magrebe desde o início do século VIII d.C.), bem como ruínas
datadas do Império Romano, como a cidade de Volubilis, fundada no século I d.C.
(Gray; 2014).
O mais importante destes locais é a cidade de Moulay Idris Zerhoun, fundada
por Moulay Idris I. Em788, Idris ibn Abdallah (ou Moulay Idris I para os Marroquinos),
bisneto do Profeta Maomé (neto de Fátima) foge de Bagdade e vem estabelecer-se em
Marrocos. Como herdeiro do Califado Omíada de Damasco, Moulay teria participado
numa revolta contra os Abássidas, vendo-se depois obrigado a fugir para não perecer às
suas mãos. Inicialmente, esconde-se na zona de Tânger, mas muda-se para as
imediações da cidade romana de Volubilis, para a região de Zerhoun onde funda a
cidade hoje conhecida como Moulay Idris ou Zerhoun. Nesta região Moulay Idris
ganhou o apoio das tribos berberes locais que o reconheceram como seu rei e imam pela
sua boa conduta (Gray; 2014).
O crescente poder de Moulay Idris revelava-se cada vez mais como um
problema para os Abássidas, que em 791 enviam um assassino que o envenena. A sua
morte conduz à destabilização do estado Omíada marroquino. Sucede-lhe o seu filho,
que ficará conhecido como Idris II, que continua e em grande parte consolida a
unificação e arabização do território marroquino (Gray; 2014).
Devido à imensa popularidade destes dois líderes e à adoração que comunidade
por eles tinha, os seus mausoléus em Zerhoun e em Fez, de Idris I e Idris II,
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respectivamente, tornaram-se os principais sítios de peregrinação em Marrocos.
Especial destaque para Zerhoun, que é considerada a cidade mais sagrada de Marrocos,
albergando o mausoléu de Moulay Idris I e recebendo todos os anos inúmeros visitantes
(Gray; 2014).
Contudo, a existência destes locais sagrados, para além de Meca, não deixa de
ser controversa na sociedade islâmica no geral. Para os muçulmanos ortodoxos, apenas
a cidade de Meca merece tal estatuto de local sagrado, bem como o aspecto que a crença
em homens santos e pios não está prevista no Alcorão. Na realidade, este fenómeno
reveste-se de enorme popularidade e importância em Marrocos e Tunísia (Gray; 2014).
Muito típico de Marrocos, como já se explicitou, é o fenómeno dos Marabout,
santos e/ou seus túmulos, normalmente figuras de importância histórica, como Moulay
Idris I neste caso, ou místicos Sufis populares o suficiente para atrairem seguidores.
Neste segundo caso, os seus discípulos confinam-se ao espaço do santo que é
transformado em local de retiro espiritual, onde oram e realizam obras de caridade
(Gray; 2014).
Após a morte destes marabout, os seus túmulos convertem-se em locais de visita
pelos seus adoradores, tornando-se progressivamente em locais de peregrinação onde
anualmente se realizam festivais ou moussem, que além do aspecto religioso englobam
diversos aspectos mais tradicionais como corridas de cavalos, música, danças e
mercados. Os mais importantes festivais deste género em Marrocos são os dedicados a
Moulay Idris I em Zerhoun (em Agosto) e a Moulay Idris II em Fez (em Setembro)
(Gray; 2014).
Estas zawyia não são as únicas a ser visitadas em território marroquino. Com
efeito, trata-se uma lista relativamente extensa, onde se incluem as zawyia de Sidi
Rahhal (perto de Marraquexe), a de Moulay Bus'aib (em Azemmur), a de Ahhmed
Tijane (em Fez), entre inúmeros outros locais sagrados de peregrinação (Gray; 2014).
Estas zawiya que albergam os túmulos destes homens pios continuam a ser
muito visitados não só pelos mais idosos, mas também pelos jovens, que perpetuam esta
antiga prática de peregrinação para orar ou fazer promessas (Touahri; 2007).
Estes homens santos, ou marabout, são por norma sepultados em pequenas
capelas, e dentro destas o cenário que se encontra é comum a todas – peregrinos
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sentados à volta do sepulcro propriamente dito e outros cobrindo as cabeças com
bandeiras ostentando as insígnias do santo permanecem imóveis como se estivessem a
confessar os seus pecados (Touahri; 2007).
Um dos mais conhecidos túmulos de marabout, para além do de Moulay Idris I,
é o de Sidi Belyout em Casablanca, que continua nos dias de hoje a atrair massas de
inúmeros visitantes a este importante centro económico marroquino (Touahri; 2007).
Apesar de tipicamente não haver o poder de intercessão na crença muçulmana,
estas peregrinações e adorações a santos revelam a permanente crença neste aspecto que
marca os muçulmanos do Norte de África, em especial os magrebinos, que a visita a
estes túmulos é realmente capaz de trazer boa sorte ao peregrino (Touahri; 2007).
No caso de Sidi Belyout muitos dos visitantes são jovens raparigas que vêm
expôr os seus problemas ao marabout, esperando a sua intercessão para os resolver da
melhor forma (Touahri; 2007).
Os marabout servem também um importante propósito social: todas as sextas-
feiras os mais necessitados dirigem-se a estes locais para comer alguns cuscus
oferecidos por pessoas locais. E, há ainda a considerar que todos os anos milhares de
pessoas se dirigem aos marabout para o festival moussem, em que oram e rogam por
bençãos e também revêm amigos e família com quem não conseguem estar nos
restanted dias do ano. Há também quem procure nestes festivais potenciais maridos e
esposas para os seus filhos solteiros (Touahri; 2007).
Com efeito, cada marabout tem a sua "especialidade" em Marrocos, de acordo
com o tipo de milagre que se diz que tenham feito, servindo também muitas vezes como
psiquiatra, pois como em Marrocos estas consultas são muito dispendiosas, há quem
prefira levar os seus familiares que sofram de doenças mentais ou psicológicas a estes
túmulos de santos. Em território marroquino, o exemplo mais notável é o do marabout
Bouya Omar em Kalaat Seraghna, onde se dirigem milhares de pessoas com problemas
mentais esperando que a sorte concedida por este santo cure os seus problemas. Porém,
muitos crentes optam hoje por combinar estes aspectos ancestrais com a medicina
moderna, seguindo as terapias recomendadas pelos seus médicos e ao mesmo tempo
fazendo peregrinações aos túmulos dos santos na esperança de acelerar a cura (Touahri;
2007).
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Esta prática devido à sua popularidade provavelmente tardará a desaparecer,
apesar de ser cada vez mais censurada pelas elites marroquinas e pelos muçulmanos
mais ortodoxos, porém não mais é que uma prática transmitida de geração em geração
aliada a uma crença baseada na causa-efeito, ou seja, quem fizer a viagem de
peregrinação ao túmulo do santo, obterá boa sorte e benção do santo que intercederá por
ele junto de Deus (Touahri; 2007).
Fotografia 7 - Vista sobre a cidade sagrada de Moulay Idris Zerhoun (Fonte: http://www.riad-layalina-fes.com/documents/images/excursion/moulay-idriss-maroc.jpg)
Fotografia 8 - Pormenor do pátio interior do túmulo de Moulay Idris I em Zerhoun (Fonte: http://www.communesmaroc.com/media/Moulay-Driss-Zerhoun/jpg/82040116_Masjid-and-Tomb-of-Moulay-Idriss-I_Moulay-Driss-Zerhoun.jpg)
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Conclusão
Como anteriormente se constatou, os muçulmanos, tal como os cristãos, crêem
na chegada iminente do Dia do Juízo Final, ou Dia da Ressurreição. Nesse dia todas as
almas serão mortas e vivas serão julgadas por todas as suas acções e o corpos dos
mortos serão reanimados por Deus, devendo estar no melhor estado de conservação
possível. Os bons ficarão a viver com Ele nos jardins do Paraíso e os maus terão à sua
espera uma longa eternidade de torturas no fogo Infernal por tudo o que de mal tiverem
feito.
Outros defuntos mais “especiais”, como os mártires, têm acesso directo ao
Paraíso assim que morrem, não tendo as suas almas que permanecer na sepultura à
espera do Dia da Ressurreição.
Em relação aos rituais praticados antes da inumação do corpo, nomeadamente a
lavagem e amortalhamento, estas visam a purificação do corpo e o afastamento da
influência de maus espíritos e demónios. É também de notar que não se diferenciam
entre Xiitas e Sunitas, e quando existe diferenciação, é em aspectos muito específicos e
normalmente teóricos.
Não são usados caixões ou urnas; o corpo deve permancer em contacto directo
com a terra numa vala que não deve ser muito profunda, devendo o corpo estar
orientado na direcção de Meca.
Na necrópole do Rossio do Carmo foram verificadas estas práticas, em especial
a da orientação dos corpos e concluiu-se que nos primeiros momentos de ocupação
praticamente não havia rigidez nos costumes a seguir com os defuntos. Essa rigidez foi
sendo gradualmente implantada. Se inicialmente as inumações aparentavam ser mistas,
ou seja, incluir nummesmo recinto cristãos e muçulmanos, com o progredir do tempo e
mudanças nos contextos, essa prática cessa de existir e nos momentos de ocupação
islâmica plena não se vêem quaisquer misturas.
Para os casos egípcio e marroquino, como ficou bem patente, procurei basear-me
em informações actuais e tentei demonstrar que nestes casos específicos a morte é
abordada de forma prática, essencialmente. No caso egípcio, vê-se o grande cemitério
do Cairo, uma super-estrutura antiquíssima ainda hoje em uso, e albergando novos
inquilinos diferentes dos habituais. Sim, ainda aqui se fazem funerais, mas estas
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habitações dos defuntos agora albergam também ocupantes mais vivos. Tratam-se de
migrantes do interior rural do Egipto, que sem possibilidades de alugar um apartamento
na cidade do Cairo e não querendo sujeitar-se aos perigos das favelas, optam por
adaptar e habitar os jazigos de al-Qarafa, sem barrar de forma nenhuma o acesso dos
familiares ao túmulo do seu ente querido. Afinal de contas, vivos e mortos conseguem
coabitar pacificamente.
Em Marrocos, a morte em si mesma é uma questão aqui indirecta, sendo o mais
importante a frisar o muito amplo movimento de peregrinos pelo território em visita aos
túmulos de santos e célebres figuras históricas que adquirem assim caráter sagrado. É o
caso de Moulay Idris Zerhoun, cidade fundada por Moulay Idris I, descendente directo
do profeta, que está nela sepultado. É hoje a cidade mais sagrada do território
marroquino e recebe milhares de pregrinos todos os anos.
Apesar de críticas e censuras por muçulmanos mais radicais, a peregrinação aos
túmulos de santos continua a ser um aspecto importantíssimo da sociedade marroquina
e que, na minha opinião é tal como o caso egípcio, uma forma mais prática de encarar a
morte e aspectos associados, pois um túmulo para além de tal pode realmente tornar-se
uma casa ou um local de oração, como em Marrocos, onde se reza à alma do santo por
intercessão junto de Deus.
Por fim, relativamente à bibliografia e informações usadas para a redacção deste
trabalho, deparei-me com uma dificuldade. Com efeito, a bibliografia específica era
muito escassa e quase inacessível para os casos de Marrocos e Egipto, por isso, recorri a
pequenos artigos e notícias disponíveis on-line.
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Bibliografia
CARMO, A; A necrópole islâmica de Mértola e as práticas funerárias associadas
(trabalho de âmbito curricular apresentado na unidade curricular de Arqueologia
Islâmica; não publicado); Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Lisboa; 2010.
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MACÍAS, Santiago; A Basílica Paleocristã e as necrópoles paleocristã e islâmica de
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