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Amicus curiae no Brasil
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AMICUS CURIAE NO BRASIL:
um terceiro necessário
Revista dos Tribunais | vol. 953/2015 | p. 203 - 222 | Mar / 2015
DTR\2015\1543
___________________________________________________________________________
Marcelo Negri Soares
Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor de Graduação e Pós-graduação em
Direito da Uninove. Professor da Pós-graduação em Direito Empresarial da PUC-Rio.
Membro do IBCJ e Cientista do Depac/BSGI. Ex-Procurador Federal lotado no Banco do
Brasil S.A. Advogado. Contabilista. Palestrante.
Camila Gentil Winkler
Graduanda em Direito pela Uninove. Pesquisadora da Fundação Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp).
Área do Direito: Civil; Processual
Resumo: Este texto trata de uma visão geral sobre o amicus curiae, abrangendo a
definição, modalidades e requisitos, para depois adentrar em pontos polêmicos, como o
estudo sobre o momento adequado de sua admissão, bem como sua admissibilidade no
âmbito de mandado de segurança e o debate sobre a redação do projeto do novo Código de
Processo Civil.
Palavras-chave: Amicus curiae - Critérios de admissibilidade - Novo Código de Processo Civil.
Abstract: This text is an overview of the amicus curiae, including the definition,
procedures and requirements, and then enter in controversial issues, such as the study of
the proper time of admission, as well as its admissibility in the writ of scope and debate on
the wording of the new project Code of Civil Procedure.
Keywords: Amicus curiae - Eligibility criteria - New Code of Civil Procedure.
Sumário: 1.Introdução - 2.Um fiscal institucional indispensável - 3.Natureza jurídica -
4.Legislação que fundamenta admissão do amicus curiae - 5.Poderes do amicus curiae -
6.Espécies: amicus público e amicus privado - 7.Modalidades de sua intervenção:
provocada ou espontânea - 8.Representatividade, autoridade, relevância e interesse
jurídico (em especial, a utilidade): quatro requisitos para admissibilidade da intervenção
do amicus curiae - 9.Momento de ingresso do amicus curiae no julgamento recursal -
10.(In)aplicabilidade da intervenção do amicus curiae no mandado de segurança - 11.O
novo Código de Processo Civil - 12.Conclusão - 13.Referências bibliográficas
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1. Introdução
O amicus curiae1 (isto é: colaborador ou amigo da Corte, um “fiscal da lei”),2
expressamente no direito positivado brasileiro com a Res. 390/2004 do Conselho da
Justiça Federal (art. 23, § 1.º), muito embora encontre-se revogada pela Res. 22/2008, foi
a porta de entrada desse instituto, introduzido pelos estudos de direito estrangeiro, com
origens no direito romano e aplicações do direito inglês, já a partir do século XVII, com
evoluções mais significativas no direito norte-americano. A inspiração brasileira se dá em
meio à crescente globalização do direito.
No Brasil, esse tipo especial de “fiscal da lei” tem sido marcado pela admissão em processo
judicial da intervenção da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, do Inpi – Instituto
Nacional da Propriedade Industrial, do Cade – Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, da Anfac – Associação Nacional de
Fomento Comercial, do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, do IBDFAM –
Instituto Brasileiro de Direito de Família, dentre outros. Afinal, um julgamento adequado
não poderá se esquivar da realidade dos interesses existentes na sociedade civil e no
próprio Estado, interesses esses plurais e muitas vezes conflitantes. Assim, para cumprir
corretamente o seu papel, o Poder Judiciário, em processamento de determinadas causas
de relevo nacional, não poderá abrir mão de ouvir um verdadeiro representante desses
interesses.
Neste ambiente, com foco na atuação do amicus curiae, pretende-se fomentar o debate
sobre o seu papel, as classificações e seus relevantes poderes, fixando critérios científicos
para sua admissibilidade e, por fim, analisando a legislação codificada projetada no âmbito
do processo civil.
2. Um fiscal institucional indispensável
Ab initio, salutar destacar uma constatação: a sociedade fica insatisfeita quando não é
ouvida no julgamento judicial de grande repercussão. Por outro lado, naturalmente que há
um ganho significativo na solução de controvérsias, com foco importante no plano
material, quando o julgamento é balizado por esclarecimentos de um terceiro notório
conhecedor da realidade sob judice, realidade essa que não são de entendimento e
compreensão uniformes entre os julgadores, mas que tendem a outorgar melhor
conhecimento da matéria.
Historicamente, talvez a ausência do amicus curiae em nosso direito de outrora tenha
justificado a demora em se reconhecer mais amplamente os direitos dos casais
homoafetivos, para citar um exemplo, que somente veio com mais força a partir do
julgamento da ADIn 4.277/DF, em 05.05.2011, pelo STF, que teve a participação efetiva
do amicus curiae, personificado no IBDFAM.3
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Naquela ocasião, o representante do Instituto começava o seu discurso com a seguinte
afirmação: “Um casal homossexual tem hoje 112 direitos a menos que um casal
heterossexual”. Ora, quem melhor que o IBDFAM, amparado em pesquisas científicas
substanciais, para trazer os dados fáticos e os sentimentos dessa parcela da sociedade? No
resultado do julgado se colheu o reconhecimento da locução entidade familiar como
sinônimo de família, que a Constituição não proíbe a formação de família por pessoas do
mesmo sexo, reconhecendo-se, por todas as letras, a equiparação jurídica dos indivíduos
heteroafetivos com os indivíduos homoafetivos, em decorrência da aplicabilidade do § 2.º
do art. 5.º da CF/1988.
O tema da união homoafetiva4 é um exemplo, em meio a tantos outros em que a atuação
do amicus curiae no STF tem atingido o seu papel, basta lembrar-se de julgamentos
polêmicos, como o que tratou da defesa do consumidor no tema de telefonia,5 pesquisas
com células-tronco6 e aborto de anencéfalo.7 A relevância do tema demanda maior debate
e, em especial, o amicus curiae encontra terreno fértil para sua atuação, máxime nesses
casos em que a deficiência legislativa contribui para diversidade de entendimentos entre os
julgadores.
Nesse sentido, a atuação do amicus curiae vem a somar para que se atinja uma solução
judicial mais justa, desempenhando seu papel fundamental no direito brasileiro, isto é, o
de levar aos julgadores os sentimentos da sociedade civil e do Estado sobre consequências
sensíveis decorrentes da futura decisão no caso em trâmite no Poder Judiciário.
3. Natureza jurídica
Notadamente o amicus curiae é utilizado para aprimorar qualitativamente as decisões
proferidas pelo Poder Judiciário, contribuindo na produção de soluções mais rentes ao
clamor social.8 Formalmente, a atuação do amicus curiae tem natureza de parecer técnico,
sendo ato típico da fase instrutória. Sob o ponto de vista de seu objetivo, a intervenção dos
amicus curiae tem foco no enriquecimento do debate jurídico, por meio de aporte de
argumentos originais, sejam interpretativos, fáticos ou de natureza técnica, o que acera o
caráter democrático-social da jurisdição.9
Assim, facilmente se vê que o amicus curiae não se confunde com assistente litisconsorcial
e não possui legitimação para defender a qualquer custo seus próprios interesses, como o
fazem as partes. Não que o amicus curiae não exerça a defesa de direitos, pois o faz
invariavelmente, mas tal ocorrência deve ser consciente de seu papel no enriquecimento
do debate jurídico, em contribuir para uma decisão mais justa.
Entretanto, ainda que assim seja, não se pode olvidar que o amicus curiae acalenta
interesse próprio em fazer prevalecer a sua tese, que é notoriamente conhecida. Bem por
isso, facilmente se vê que o amicus curiae não é auxiliar do juízo, pois defende um
interesse coletivo que não deixa de ser um interesse próprio e, no mais das vezes, coincide
com o interesse de uma das partes.10
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Em aprofundamento, com fulcro na finalidade da participação do amicus curiae, poderia se
defender que não se trataria de modalidade de intervenção de terceiros, sendo uma forma
efetiva de participação da sociedade na construção de decisão judicial em casos de grande
repercussão.
Todavia, sabemos que terceiro é aquele que não pode ser atingido diretamente pela
decisão que afetar as partes. Então, o argumento que parece distanciar o amicus curiae da
tipicidade de terceiro, aquele que seria indiferente à causa, justamente acaba por
aproxima-lo dessa tipicidade e mais, especificar uma modalidade de intervenção de
terceiros sui generis, visando ampliar o debate das questões suscitadas.
Assim, ainda que o amicus curiae possa carregar a função de democratizar a discussão
sobre matéria decisória relevante, segundo o que pensamos, mantém-se o amicus curiae
entre as modalidades de intervenção de terceiros, mas com nítido interesse no resultado
da causa, não de forma individual, mas para influenciar resultados decisórios de cunho
coletivo.11
4. Legislação que fundamenta admissão do amicus curiae
No sistema positivado pátrio, além da Res. 390/2004 do CNJ, em seu § 1.º do art. 23,
dispositivo que já aludimos e que fora revogado pela Res. 22/2008 do mesmo órgão, temos
que o amicus curiae está também disciplinado no art. 31 da Lei 6.385/1976, referente à
participação da Comissão de Valores Mobiliários; e no art. 89 da Lei 8.884/1994,
dispositivo que foi revogado pela Lei 12.529/2011, que reestruturou o Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência, mantendo em seu art. 50, I, autorizando a intervenção de
terceiros interessados, o que inclui o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade). De forma mais geral, na Lei 9.868/1999, em especial no § 2.º do art. 7.º, quando
admite a manifestação de terceiros nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade; complementada pelo art. 482, § 3.º, do CPC, que
trata do incidente de declaração de inconstitucionalidade.
Redação similar encontramos no art. 543-A, § 6.º, e no art. 543-C, § 4.º, ambos do CPC,
respectivamente no debate da repercussão geral e de recursos repetitivos; bem como na
forma do art. 3.º, § 2.º, da Lei 11.417/2006, sobre o procedimento para edição de súmula
vinculante; e também no art. 6.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999, na ação de arguição de
descumprimento de preceito fundamental. Ainda, os interessados em geral podem se
manifestar no âmbito dos Juizados Especiais Federais (art. 14, § 7.º, da Lei 10.259/2001)
quanto ao procedimento visar a uniformização de jurisprudência.
Por fim, muito embora se tenha projetos em andamento,12 inclusive sobre o novo Código
de Processo Civil, percebemos que o instituto não é novo, mas que necessita de ser
legislado com nomenclatura adequada, para que não se instigue confusões desnecessárias
em sua aplicação.
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5. Poderes do amicus curiae
Os poderes ou faculdades atribuídas ao amicus curiae tem relação direta com o grau de
interesse na defesa de direitos institucionais que motive sua intervenção. Assim, pode
intervir no processo para: (a) apresentar informações e memoriais; (b) praticar atos de
instrução, inclusive produzindo provas; (c) interpor determinados recursos ou requerer
suspensão de segurança; e, ainda (d) ofertar sustentação oral.13
Todas essas situações podem surgir, desde que o amicus curiae não seja parte na ação,
pois não pode ele estar titulando interesse próprio, e sim pro societate.
Portanto, o amicus curiae exercerá legitimamente o seu múnus se atuar como terceiro,
fiscalizando a aplicação do direito material. Essa é a base em que se assentam e se
justificam tais poderes.
6. Espécies: amicus público e amicus privado
O amicus curiae pode ser dividido em amici governamentais e amici privados, em se
tratando de pessoa ou órgão estatal ou, de outro lado, de um particular, conforme sejam
pessoas de direito público ou de direito privado. Destaque-se que o amicus governamental
não representa interesses do Governo, o que é papel da advocacia pública, podendo se
incluir a União Federal e demais pessoas de direito público das esferas federal, estadual,
municipal e distrital, incluindo órgão como a CVM, o Cade14 e a OAB; e que, por sua vez, o
amicus privado pode ser pessoa física de notório saber, uma empresa com atuação
destacada na área do caso em julgamento, abrangendo-se também associação, ou um
grupo organizado (agremiações, sociedades de bairro etc.) e organização não
governamental, aqui abrangidos a Anfac, o Idec e o IBDFAM.15
Esta classificação dicotômica foi importada da doutrina norte-americana, com autores
como Samuel Krislov, Stuart Banner e Michael Lowman,16 mas que tem total aplicação no
direito brasileiro.
7. Modalidades de sua intervenção: provocada ou espontânea
A intervenção de terceiro aqui em estudo admite a forma provocada (ou coacta)17 e
também a espontânea (ou voluntária), como é comum no estudo das demais modalidades
intervencionistas envolvendo terceiro no processo judicial, a depender, respectivamente,
se a intervenção decorreu de determinação judicial (provocada) ou se a iniciativa partiu do
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próprio amicus curiae, pleiteando sua intervenção no processo de outrem.
Anote-se que, mesmo na intervenção provocada por intimação judicial, seja por
determinação ex officio do juiz, seja por requerimento da parte, ela não se mostrará
compulsória ou obrigatória, pois o intimado poderá recusar a sua manifestação no
processo. Na prática essa situação normalmente não ocorre, tendo em vista o prestígio que
é o exercício da nobre função. Todavia, não se descarta que o intimado recusante, em
sequência, receba intimação formal para ser ouvido em juízo, tal como ocorre com a
testemunha do juízo, podendo dar ensejo a outras classificações, como a intervenção
vinculada, procedimental ou atípica.
Portanto, para saber se o amicus curiae intervém na forma provocada ou espontânea,
basta verificar a iniciativa da intervenção, mas o estudo é mais complexo, admitindo outras
modalidades classificatórias.
8. Representatividade, autoridade, relevância e interesse jurídico (em especial,
a utilidade): quatro requisitos para admissibilidade da intervenção do amicus
curiae
A definição do que compõe o substrato para ser admitido o amicus curiae no processo é
questão fundamental para se deixar claro seu cabimento e evitar requerimentos
infundados. Assim, são quatro as condições ou requisitos para a admissibilidade do amicus
curiae: duas subjetivas (representatividade e autoridade do pretenso amicus curiae) e
duas outras objetivas (relevância da matéria e utilidade prática de seu ingresso), todos
envolvidos pelo liame do fim precípuo de ampliar a discussão objetiva de teses jurídicas
que afetarão a sociedade, ainda que possa se fiar em precedente com reflexos da coisa
julgada interpartes.
A representatividade nada tem a ver com o interesse processual no julgamento, por conta
de que o pretenso amicus curiae figura como parte em processo sobrestado18 para
julgamento do recurso repetitivo representativo da controvérsia.19 A representatividade é
qualidade daquele que pretender ingressar como amicus curiae, definida como aquela
pessoa ou órgão que pode falar em nome de uma parcela significativa da sociedade. Sem
representatividade será vedado o ingresso do amicus curiae, pois se traduzirá em mero
opinium, o que qualquer pessoa seria capaz de produzir, sendo negado o tipo de
manifestação intrusa, de modo a prevenir sua proliferação tumultuária indesejada.
Outro requisito é a autoridade sobre a matéria posta em julgamento, assim definida pela
notoriedade de parecerista, capaz de deduzir informações adicionais típicas de quem
detenha experiência no trato da matéria a ser decidida.20 E, diga-se de passagem, qual
parte que não gostaria de ver no seu processo um amicus curiae atuante em prol de sua
tese e, de outro lado, qual parte não repugnaria essa atuação, em sendo contrário aos seus
interesses.21 Sem a autoridade quanto à notoriedade sobre o tema em julgamento, o
amicus curiae não exercerá o seu papel em poder auxiliar o juiz a encontrar a adequada
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motivação da decisão.22
Por sua vez, a relevância da matéria se caracteriza no interesse jurídico coletivo, ou seja,
que deve extrapolar a esfera jurídica das partes, atingindo, juridicamente, ainda que de
forma indireta, o interesse jurídico defendido pelo pretenso amicus curiae. A relevância da
matéria pode se confundir com o próprio interesse jurídico do amicus curiae, mas é na
transcendência da questão sub judice que reside o fundamento desse requisito. Portanto,
se o interesse se evidenciar não jurídico, mas apenas fático e longínquo, fundado em
supostos reflexos mercadológicos e econômico-negociais, por exemplo, o julgador poderá
indeferir o ingresso do amicus curiae.
Por fim, o interesse jurídico deve atingir a esfera jurídica da tese encampada pelo amicus
curiae, e não meramente patrimonial. E esse interesse jurídico na manifestação como
amicus curiae não se confunde com o interesse na causa ou no suprimento de eventual
deficiência de representação, que pode haver ou não. O importante é que o amicus curiae
desperte no julgador o interesse de conhecer os motivos e argumentos capazes de
influenciar no julgamento, sendo que sua representatividade do amicus curiae sobre o
tema acaba por implicar no interesse jurídico, que não é somente seu próprio, mas um
interesse também retumbante no próprio Judiciário, em sua função precípua de assegurar
a justiça.
Ainda, o caso em julgamento não pode ser, apenas por hipótese, prejudicial aos interesses
do amicus curiae, mas que interfira materialmente na esfera jurídica defendida por amicus
curiae. Portanto, o amicus curiae tem interesse jurídico se puder demonstrar o prejuízo
com eventual acolhimento da tese defendida no recurso.
Uma forma particular e especial do interesse jurídico desponta na utilidade da
manifestação do amicus curiae para o julgamento, que deve estar também presente para
admissão do amicus curiae no processo. Bem por isso, a utilidade na atuação é um dos
elementos importantes na legitimação da intervenção do amicus curiae. Isso porque, pode
o amicus curiae possuir expertise na matéria objeto de julgamento, mas isso não basta
para que ele possa intervir em todos os processos em que haja a pertinência temática.
Assim, no caso em que o julgamento se resolva processualmente, ou seja, sem julgamento
de mérito, o julgador pode dispensar a intervenção do amicus curiae, posto que não haverá
como a decisão afetar, nem minimamente, a esfera jurídica do que possa a ser defendido
pelo amicus curiae. Não haverá utilidade em sua atuação.
Em suma, revela-se inadmissível a intervenção ou, mesmo, a admissão do pretenso
amicus curiae, quando desprovido de qualquer desses critérios, verdadeiras condições de
admissibilidade. Saliente-se, porém, muito embora deva indeferir a intervenção como
amicus curiae quando ausentes os requisitos, não fica vedado ao julgador permitir a
juntada da manifestação ofertada pelo terceiro, desde que o pedido de ingresso não seja
extemporâneo, isto é, que não haja já iniciado o julgamento.23
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9. Momento de ingresso do amicus curiae no julgamento recursal
O objetivo do amicus curiae é de interferir no resultado do julgamento. Dessa constatação
surge uma questão interessante: saber se o amicus curiae pode ingressar no curso do
julgamento ou se somente antes de iniciado o julgamento, ou ainda, se antes de fixada a
data de julgamento.
Segundo o que pensamos, parece extemporânea o requerimento de intervenção do amicus
curiae na hipótese em que um ou outro julgador já votou e, após o pedido de vista de um
julgador que ainda não proferiu o seu voto, verifica-se a apresentação de solicitação de
intervenção de amicus curiae no âmbito recursal, com objetivo de influenciar o voto
derradeiro ou votos ainda não proferidos. Isso porque, ao que parece, após iniciado o
julgamento, seja com um voto já proferido ou diversidade de votos, muito embora não
finalizado o acórdão, não haverá como acolher o pedido de ingresso de amicus curiae,
justamente porque o momento processual adentrou na fase decisória, e como já dissemos,
a atuação do amicus curiae tem natureza de parecer técnico, sendo ato típico da fase
instrutória. O processo somente anda para frente (salvo caso de nulidade) e não pode
retornar à fase instrutória, sob pena de depor contra a celeridade processual.
Nesse sentido, o STF já se pronunciou que o “amicus curiae somente pode demandar a sua
intervenção até a data em que o relator liberar o processo para pauta”,24 portanto, não
será aceito o ingresso do amicus curiae quando já tiver data de julgamento fixada,
aplicando-se, por analogia, o art. 9.º da Lei 9.868/1999.25 Notadamente, tal hipótese
somente há de ocorrer antes do julgamento. Esse entendimento é exegese que se extrai da
lógica contida no art. 3.º da Res. do STJ 8/2008, bem como do § 4.º do art. 543-C do CPC,
que trata de recursos repetitivos, vedando a sustentação oral ou manifestação escrita após
iniciado o julgamento, o que revela a inviabilidade de intervenção do amicus curiae neste
momento processual, que visa apenas o decisório.26 Esse é um critério que deve prevalecer
para que não haja movimentos contraproducente ao trabalho do relator, que pauta seu
voto com os elementos constantes dos autos.27
Ainda que possa ser uma medida que atenderia ao critério de justiça da decisão e
propiciaria, portanto, maior debate da matéria; a justiça da decisão deve ceder lugar a uma
maior celeridade processual. Afinal, não se pode exagerar no debate, sob pena de implicar
em que os julgadores que já votaram possam rever os seus votos ante os novos elementos,
depondo contra a celeridade processual, outro princípio igualmente caro ao processo e à
sociedade. Por fim, ainda que fosse admitida a esdrúxula ideia de paralisar o julgamento
para rever uma posição enfocada pelo amicus curiae, parece que isso não seria garantia de
alteração do julgamento, revelando, neste caso, a inutilidade prática para se permitir o
ingresso do amicus curiae, mais próximo que estaria de causar tumulto processual.
Em conclusão parcial, por todos os ângulos que se veja a questão, parece salutar admitir o
ingresso do amigo da corte somente quando ainda não iniciado o julgamento, sendo
extemporâneo o pedido de ingresso posterior, devendo ser indeferido.28
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10. (In)aplicabilidade da intervenção do amicus curiae no mandado de
segurança
Sabe-se que o mandado de segurança comporta a formação de litisconsórcio, não estando
infenso ao ingresso de terceiros. Nesse sentido o art. 24 da Lei 12.016/2009, faz expressa
menção que também são aplicáveis ao mandado de segurança as regras do litisconsórcio
constantes dos arts. 46 a 49 do CPC, sempre quando não for incompatível com o rito
estreito desse remédio constitucional.29
Todavia, é assente na jurisprudência que o amicus curiae não pode ser admitido nos autos
em que se processa mandado de segurança.30 Tem sido reiterada a orientação de que não
são aceitos no mandado de segurança, mas, a nosso ver, sem uma justificativa plausível
para tal generalidade. Isso porque a jurisprudência que assim se pronuncia faz um paralelo
com o descabimento da assistência simples ou litisconsorcial após a concessão de liminar,
fundando-se no objetivo, em última análise, de impedir a violação do princípio do juiz
natural.31 Todavia, pinta que esse entendimento não pode ser aplicado ao amicus curiae,
pois a razão de seu ingresso no feito é diversa da modalidade de assistência.
Ao que parece, o correto indeferimento do ingresso do amicus curiae atrela-se ao não
preenchimento dos requisitos para sua admissão, em especial, ao que alude a relevância
da matéria e à representatividade, e não propriamente de vedação legal de seu ingresso
por analogia à disciplina do litisconsórcio ulterior ou ingresso posterior do terceiro, na
figura do assistente simples.
Portanto, o amicus curiae, ainda que seja de difícil aplicação no âmbito do mandado de
segurança, ante a especificidade dos requisitos, é compatível com o rito do mandado de
segurança, sempre que presentes as condições para o seu deferimento. Aliás, não é
incomum o mandado de segurança ensejar matéria que demande amplo debate, sobretudo
quando encampar direito coletivo, razão pela qual poderá ser admitido o amicus curiae no
mandado de segurança.32
11. O novo Código de Processo Civil
O amicus curiae passa a ser regulado na forma codificada,33 conforme redação projetada
com o seguinte teor:
“Do amicus curiae
Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do
tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão
irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se,
solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade
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especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua
intimação.
§ 1.º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem
autoriza a interposição de recursos, ressalvada a oposição de embargos de declaração e a
hipótese do § 3.º.
§ 2.º Caberá ao juiz ou relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os
poderes do amicus curiae.
§ 3.º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de
demandas repetitivas.”
Esta é parte da redação do relatório da Comissão Temporária do Código de Processo Civil,
sobre o Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD) ao Projeto de Lei do Senado (PLS)
166/2010, que estabelece as disposições para o novo Código de Processo Civil, de relatoria
do Senador Vital do Rêgo, aprovado em 27.11.2014.
A regulamentação legislativa do amicus curiae é importe, dirimindo a controvérsia em
torno da falta de previsão legal, o que tem sido motivo para sua confusão com o
litisconsórcio ou assistência34 e até mesmo a sua não admissão.35 Destaque-se que no
sistema projetado não existe vedação da atuação do amicus curiae nos diversos tipos
procedimentais, seja de conhecimento, execução ou cautelar, bem como no sistema
arbitral da Lei 9.307/1996. Ainda, o amicus curiae não fica limitado a pessoas jurídicas,
podendo atuar também pessoas físicas renomadas na área objeto dos fatos levados a
juízo, mas com interesse jurídico a ser defendido, sendo que os limites de seus poderes
serão definidos na decisão judicial que o admitir no processo.
Nessa esteira, a redação da legislação projetada atende não somente a representatividade
do amicus curiae, mas também a relevância da matéria que se discute no processo.36
Por fim, ficou resolvida a questão recursal, admissível somente embargos de declaração e
os recursos oriundos do incidente de demandas repetitivas, em tudo compatível com a
definição de que a atuação do amicus curiae não será como parte, mas sim no interesse
social.37
O trabalho da nova codificação, neste ponto, parece estar pronto e suficiente maduro para
sua introdução no sistema positivo.
12. Conclusão
Finalmente, pode-se concluir que o amicus curiae é um fiscal institucional da lei,
vocacionado para trazer elementos fáticos salutares ao bom julgamento da causa que,
similarmente ao que ocorre quando nomeado um perito no processo, mas que, diferente
deste, não visa formar prova alguma, mas sim ampliar o debate, acrescentando
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argumentos relevantes ao julgamento e acalentando uma preocupação com a defesa de
uma tese institucional, quando se tratar de pessoa jurídica ou, ao menos, a tese já
conhecida e defendida pela pessoa física que ocupar esse múnus público. Essa tese
revela-se numa bandeira a que se quer hastear bem alto, como forma de fazer valer tais
preceitos quando do julgamento pelo magistrado. Trata-se mesmo de um terceiro
enigmático, que merece ainda muito estudo e debate, convergindo, sem dúvida, para um
processo mais democrático.
13. Referências bibliográficas
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at 695, 1963.
LOWMAN, Michael K. The litigating amicus curiae: when does the party begin after the
Amicus curiae no Brasil
Página 12
friends leave? 41 Am. U. L. Rev. 1243, 1991-1992.
MEDINA, Damares. Amicus curiae: amigo da corte ou amigo da parte? São Paulo: Saraiva,
2010.
MENDES, Gilmar. Jurisdição constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Amicus curiae. In:
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no
processo civil e assuntos afins. São Paulo: Ed. RT, 2004.
1 Fomento à pesquisa: Fapesp I.C. n. 2013/27170-3.
2 DESTEFENNI, Marcos. Curso de processo civil: processo de conhecimento convencional e
eletrônico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 241.
3 Essa é uma referência clara do movimento de ampliação dos intérpretes constitucionais,
expandindo o delineado no art. 103 da CF/1988, perseguindo o anseio social por uma
interpretação mais adequada e aberta da Constituição. (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica
constitucional: sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a
interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.
55).
4 “Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). União homoafetiva e seu
reconhecimento como instituto jurídico. Convergência de objetos entre ações de natureza
abstrata. Julgamento conjunto. Encampação dos fundamentos da ADPF 132/RJ pela ADIn
4.277/DF, com a finalidade de conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 1.723
do CC/2002. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em
sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de
preconceito” (STF, ADPF 132/RJ, Pleno, j. 05.05.2011, rel. Min. Ayres Britto, DJe-198
13.10.2011, publicação 14.10.2011).
5 Sobre o tema da telefonia e consumidores, o STJ admitiu amicus curiae, não para conferir
legitimidade para recorrer, mas para prestar informações relevantes ao desfecho decisório,
confira-se: “Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo
Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon e pelo Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor – Idec. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito
na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae
dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para
recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões
monocráticas no mesmo sentido” (STF, EDcl na ADIn 2.591/DF, Pleno, j. 14.12.2006, rel.
Min. Eros Grau, DJ 13.04.2007).
6 STF, ADIn 3.510/DF, rel. Min. Ayres Britto, DJe 27.05.2010.
7 STF, QO na ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 31.08.2007.
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8 Em comento à atuação do amicus curiae, a doutrina aponta que “trata-se de providência
que confere um caráter pluralista ao processo objetivo de controle abstrato de
constitucionalidade, permitindo que o Tribunal decida com pleno conhecimento dos
diversos aspectos envolvidos na questão” (MENDES, Gilmar. Jurisdição constitucional. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 218).
9 “A intervenção de amicus curiae no controle concentrado de atos normativos primários
destina-se a pluralizar e a legitimar social e democraticamente o debate constitucional,
com o aporte de argumentos e pontos de vista diferenciados, bem como de informações
fáticas e dados técnicos relevantes à solução da controvérsia jurídica e, inclusive, de novas
alternativas de interpretação da Carta Constitucional, o que se mostra salutar diante da
causa de pedir aberta das ações diretas” (STF, ADIn 4.832/DF, j. 28.01.2013, rel. Min.
Rosa Weber, DJe-025 05.02.2013).
10 Aliás, o amicus curiae pode ser parcial sem que isso se transmude em um óbice à sua
atuação, desde que atingido seu objetivo principal, qual seja, de contribuir no
aperfeiçoamento da jurisdição. Portanto, por outras palavras, “o interesse jurídico na
solução da controvérsia constitucional não deslegitima a intervenção do amicus, uma vez
que a função informacional por ele exercida pode contribuir para o aperfeiçoamento e
pluralização do processo de tomada de decisão” (MEDINA, Damares. Amicus curiae: amigo
da Corte ou amigo da parte? São Paulo: Saraiva, 2010. p. 169).
11 Aliás, o relatório do novo Código de Processo Civil, da lavra do Senador Vital do Rêgo,
aprovado em 27.11.2014, inclui o art. 138, que trata do amicus curiae, como modalidade
de intervenção de terceiros, contemplado que foi no título III.
12 “À guisa de ilustração, o Dec. 8.243, de 23.05.2014, institui a política nacional de
participação social, para articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e
atuação conjunta entre a Administração Pública federal e a sociedade civil (…). Outro
mecanismo importante são as audiências públicas, para deliberar sobre questões jurídicas
complexas, seja antes da propositura de uma ação (coletiva) – conforme a Res. 82/2012
do CNMP, baseada nos arts. 27, IV, da Lei 8.625/1993 e 6.º, XIV, da LC 75/1993 –, seja
durante o seu transcurso. Tal assunto merece, contudo, melhor regulamentação. Por
enquanto, encontra-se previsto no procedimento da ação direta de inconstitucionalidade,
da ação declaratória de constitucionalidade (art. 9.º, § 1.º, da Lei 9.868/1999) e da
arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 6.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999)
e nos arts. 13, XVII, e 21, XVII, do RISTF. O tema deve ser regulamentado no processo
coletivo, podendo-se mencionar, como exemplo, a proposta contida no art. 22 do PL
4.484/2012, que disciplina a ação civil pública, in verbis: ‘Em qualquer tempo e grau do
procedimento, o juiz ou Tribunal poderá submeter a questão objeto da ação a audiências
públicas, ouvindo especialistas no assunto e membros da sociedade, de modo a garantir a
mais ampla participação social possível e a adequada cognição judicial’. De igual modo, o
art. 90-J do PLS 282/2012, que pretende aperfeiçoar o Código de Defesa do Consumidor,
inclusive asseverando a participação de amicus curiae, assevera: ‘O juiz ou o Tribunal, em
qualquer instância, poderá submeter a questão objeto da ação coletiva a audiências
públicas, ouvindo especialistas e membros da sociedade, de modo a garantir a adequada
Amicus curiae no Brasil
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cognição judicial, em qualquer tempo e grau de jurisdição. Parágrafo único. O juiz ou
Tribunal poderá admitir a intervenção, escrita ou oral, de amicus curiae’. Nota 71” (CAMBI,
Eduardo; PEREIRA, Fabricio Fracaroli. Estratégia nacional de prevenção e de redução de
litígios. RePro 237/435, São Paulo: Ed. RT, nov. 2014).
13 O Min. Celso de Mello, na ADIn 2.130/SC, admitiu pela primeira vez a sustentação oral
do amicus curiae, que anteriormente detinha apenas poderes para apresentação de
petição escrita ou juntada de informações solicitadas. Afinal, em visando o amicus curiae
esclarecer os julgadores, admitida a manifestação escrita, não se pode estabelecer
vedação para a sustentação oral, que é igualmente modalidade de manifestação que atinge
aquele fim. Essa é a regra finalística que se colhe da exegese do art. 154 do CPC. (STF,
ADIn 2.130/SC, j. 28.08.2001, rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.09.2001, p. 28).
14 Saliente-se que nos processos de que trata de infração à livre iniciativa e à ordem
econômica, o Cade pode excepcionalmente ser chamado a intervir no processo, “para
alguns como assistente simples (STJ, REsp 737.073/RS, ainda: Ap 754.268, 6. T., Eg.
TRF-3.º Reg., rel. Des. Mairan Maia.), para a maioria na figura do amicus curiae, auxiliando
o juiz ao oferecer suporte fático e jurídico sobre a causa, por ter condições de fornecer
elementos mais aptos e seguros no esclarecimento das questões de fato e de direito
envolvendo matéria concorrencial, como agente regulamentador do pro-mercato” (TJSP,
Ap 3002976-90.2005.8.26.0506, 6.ª Câm. de Direito Privado, j. 07.03.2013, rel. Percival
Nogueira).
15 Pela admissibilidade do amicus curiae e não como assistente simples: DIDIER JR.,
Fredie. Recurso de terceiro: juízo de admissibilidade. p. 190-192; tb. BUENO, Cássio
Sparpinella. Amicus curie no processo civil brasileiro. p. 329.
16 KRISLOV, Samuel. The amicus curiae brief: from friendship to advocacy. (1963) 72.
Yale L.J. 694 at 695; BANNER, Stuart. The myth of the neutral amicus: american Courts
and their friends, 1790-1890. (2003) 20 Const. Commentary 111; LOWMAN, Michael K.
The litigating amicus curiae: when does the party begin after the friends leave? (1991 –
1992). 41 Am. U. L. Rev. 1243.
17 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 19. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009. p. 207.
18 A doutrina esclarece a indagação: “porque ela tem um recurso sobrestado isso lhe retira
a expertise sobre a matéria que poderia tanto contribuir para o julgamento da questão
jurídica envolvida? Antes do STF haver dado tal decisão, havíamos proposto justamente o
uso do amicus curiae nessas hipóteses, de forma que a parte que tenha o recurso
sobrestado possa usar do instituto para trazer à Corte outras teses que aquelas esposadas
no recurso ‘pinçado’. Mantemos a posição de que essa é a melhor solução não apenas para
o que o instituto do amicus curiae se pretende (como instrumento pluralizador do debate
etc.), mas também para a observância dos princípios constitucionais do devido processo
legal, do contraditório e da ampla defesa” (BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco.
Repercussão geral em recurso extraordinário e o papel do amicus curiae. Revista de
estudos constitucionais, hermenêutica e teoria do direito 2/174, n. 5, Porto Alegre:
Amicus curiae no Brasil
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Unisinos, jul.-dez. 2013).
19 O requisito de representatividade adequada é fundamental para o ingresso do amicus
curiae. Tal representatividade não se confunde com o interesse direto, pois não se admite
o ingresso no feito de pretenso amicus curiae apenas interessado no deslinde do seu
processo, tendo em vista recurso sobrestado na origem, assim permanecendo até
julgamento dos processos com repercussão geral reconhecida pela Corte. (STF, RE
590.415, decisão monocrática, j. 29.09.2011, rel. Min. Joaquim Barbosa).
20 Note-se um julgado monocrático em que se afastou o requisito de representatividade de
pessoa física que pretendida ser inserida como amicus curiae e foi reconhecido o ingresso
de pessoa jurídica, confira-se a seguinte ementa: “O Instituto Brasileiro de Direito
Processual possui adequada representatividade para manifestação na causa e, além disso,
demonstrou haver pertinência temática entre suas finalidades institucionais e a
controvérsia dos autos. Além de ter em seu objeto social o estudo do direito processual e
a colaboração com instituições (art. 3.º do Estatuto Social), trata-se de entidade que
possui representatividade na sua área de atuação. Ainda, cabe à entidade requerente a
demonstração da utilidade de sua colaboração processual de modo a afirmar a
singularidade das suas atuações institucionais para o debate da questão constitucional
posta em debate. A mera manifestação de interesse em colaborar com o Tribunal, sem a
apresentação de qualquer subsídio fático ou jurídico representativo para o julgamento da
questão constitucional, não justifica a habilitação na condição de amici curiae. No caso, a
requerente também esclareceu a maneira pela qual pode contribuir para, de forma
complementar às razões já presentes nos autos, o debate constitucional sub judice, sem
atuar como assistente de parte e sem interesse jurídico direto no julgamento da causa. 6.
Ante o exposto, indefiro o pedido formulado por José Augusto de Castro, nos termos do art.
7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999, e defiro o ingresso do Instituto Brasileiro de Direito
Processual, na qualidade de amicus curiae, devendo a secretaria proceder às anotações
pertinentes. Publique-se. Intimem-se” (STF, ADIn 3.695/DF, j. 09.04.2014, rel. Min. Teori
Zavascki, DJe-073 11.04.2014).
21 Embora as partes têm um interesse na admissão de amicus curiae que apoia o seu caso,
o seu verdadeiro propósito é melhorar a decisão do Tribunal e permitir uma certa forma de
participação social. Essa é uma tradução livre do seguinte trecho: “Although parties have
an interest in the admission of amici curiae who support their case, their true purpose is to
improve the decision of the court and allow for a certain form of participation” (KERN,
Christoph A. The role of the Supreme Court. RePro 228/15, fev. 2014).
22 “O requisito da relevância da matéria requer que a questão jurídica controversa
extrapole os interesses subjetivos das partes, repercutindo em amplo segmento
econômico, político e/ou social, em direitos difusos ou coletivos ou, ao menos, numa vasta
gama de direitos individuais homogêneos. (…) Por força do requisito da representatividade
adequada, não se admite o ingresso no feito, na qualidade de amici curiae, de pessoas
físicas ou jurídicas interessadas apenas – ou fundamentalmente – no desfecho do seu
processo, como aquelas que têm recursos sobrestados na origem, aguardando o desfecho
de processos com repercussão geral reconhecida por esta Corte” (STF, RE 592.891,
decisão monocrática, j. 15.04.2012, rel. Min. Rosa Weber, DJe 21.05.2012).
Amicus curiae no Brasil
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23 Pelo indeferimento do ingresso do amicus curiae, vejamos a jurisprudência: “Aqui, é
importante frisar que o autor, à luz do art. 103 da Magna Carta, não detém legitimidade
para ingressar, ainda que por via oblíqua ou incidental, nos domínios da referida ação
direta, em busca de uma reavaliação do que nela fora decidido em 13.12.2001. Se tal fosse
permitido, ter-se-ia de abrir as mesmas portas para qualquer pessoa física que
demonstrasse algum interesse no desfecho dela, ação direta. Poderiam manifestar-se os
atuais tabeliães e os candidatos inscritos no mencionado concurso, que têm interesses
contrapostos. Cada um com sua medida cautelar e seu pedido específico. Ou cada um com
sua defesa. Este cenário, pontilhado de situações de caráter individual, alheias à figura do
amicus curiae, levaria à descaracterização do controle abstrato” (STF, AC 688/SP, rel. Min.
Carlos Britto, DJ 01.04.2005, p. 65). No mesmo sentido: “Ghisolfi requer a sua admissão
na presente ação direta de inconstitucionalidade, na qualidade de amicus curiae. Para
tanto, alega que há anos vem estudando as questões jurídicas relacionadas à utilização do
embrião humano, o que culminou com a elaboração da dissertação de mestrado intitulada
‘A proteção legal do embrião humano e sua relação com a engenharia genética na União
Europeia e no Brasil’. Assim resumida a pretensão, passo a decidir. O § 2.º do art. 7.º da
Lei 9.868/1999 autoriza o relator da ação direta de inconstitucionalidade, considerando a
relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, a admitir a manifestação de
outros órgãos ou entidades. Sucede que esse não é o caso dos autos. Ainda que patente a
relevância da matéria aqui veiculada, é incontroversa a falta de representatividade do
postulante, razão porque inferido o seu pedido. Isso não obstante, recebo a peça
apresentada como memorial e determino à secretaria que promova a sua juntada por
linha. Publique-se” (STF, ADIn 3.510/DF, rel. Min. Carlos Britto, DJ 11.05.2006, p. 6).
24 STF, AgRg na ADIn 4.071, Pleno, j. 22.04.2009, rel. Min. Menezes Direito.
25 Há precedente do STF que limita, em princípio, a possibilidade de ingresso do amicus
curiae no processo objetivo à data de liberação da ação direta para julgamento (STF, AgRg
na ADIn 4.067, Pleno, j. 10.03.2010, rel. Min. Joaquim Barbosa).
26 STJ, EDcl no AgRg na SLS 1.425/DF, Corte Especial, j. 02.05.2012, rel. Min. Felix
Fischer; EDcl no REsp 1.261.020-CE, 1.ª Seção, j. 13.03.2013, rel. Min. Mauro Campbell
Marques.
27 STJ, EDcl no REsp 1.120.295/SP, 1.ª Seção, j. 10.04.2013, rel. Min. Napoleão Nunes
Maia Filho.
28 Neste sentido, na questão de ordem, foi indeferido o ingresso da Fazenda Nacional
como amicus curiae após iniciado o julgamento. (STJ, REsp 1.152.218/RS
2009/0156374-4, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 09.10.2014).
29 Existe inclusive entendimento mais alargado, inclinando-se para a “admissão de
assistente, simples ou litisconsorcial, é possível em qualquer procedimento judicial,
mesmo em mandado de segurança, em qualquer tempo e grau de jurisdição, ainda que
depois do prazo de decadência da ação” (REsp 616.485/DF, rel. Min. Eliana Calmon, DJ
22.05.2006, p. 180).
Amicus curiae no Brasil
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30 Nesse sentido, a seguinte decisão: “Indefiro o pedido de ingresso, na presente causa,
como amicus curiae, da OAB – 5.ª Subseção de Volta Redonda – Estado do Rio de Janeiro
(f. 31-43), eis que a legislação invocada (Lei 9.868/1999) – por se referir a processos de
índole eminentemente objetiva, como o são os processos de controle normativo abstrato
(RTJ 113/22, rel. Min. Néri da Silveira – RTJ 131/1001, rel. Min. Celso de Mello – RTJ
136/467, rel. Min. Celso de Mello – RTJ 164/506-507, rel. Min. Celso de Mello, v.g.) – não
se aplica aos processos de caráter meramente subjetivo, como o processo mandamental.
Nem se diga, de outro lado, que esse pleito poderia ser examinado como se se tratasse de
pedido de intervenção assistencial, ad coadjuvandum. É que o magistério jurisprudencial
desta Suprema Corte firmou-se no sentido ‘do descabimento da assistência no mandado de
segurança, tendo em vista o que dispõe o art. 19 da Lei 1.533/1951, na redação dada pela
Lei 6.071/1974, que restringiu a intervenção de terceiros, no procedimento do writ, ao
instituto do litisconsórcio’ (RTJ 123/722, rel. Min. Célio Borja). Esse entendimento – que
tem sido reiterado, em inúmeras oportunidades, pelo STF (RTJ 182/548-549, rel. Min.
Celso de Mello – MC na AO 534/TO, rel. Min. Marco Aurélio – MC na AO 571/AL, rel. Min.
Marco Aurélio – MS 23.671/PE, rel. Min. Marco Aurélio – MS 23.856/MS, rel. Min. Cezar
Peluso – RE 321.958/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa – RE 431.380/MG, rel. Min. Carlos
Britto, v.g.)” (STF, AgRg no AgRg no MS 26.552, Pleno, j. 22.11.2007, rel. Min. Celso de
Mello).
31 STF, AgRg no AgRg no MS 26.552, Pleno, j. 22.11.2007, rel. Min. Celso de Mello.
32 No sentido da admissão do amicus curiae no mandado de segurança, são os seguintes
julgados assim ementados, in verbis: “Propriedade industrial – mandado de segurança
contra ato judicial. A Abifina deve integrar a lide na qualidade de amicus curiae” (TRF-2.ª
Reg., MS 201202010131393, 1.ª Seção Especializada, j. 27.09.2012, rel. Des. federal Abel
Gomes, DJe 03.10.2012). “Criação superveniente da Confederação Nacional dos Serviços
– CNS e requerimento de seu ingresso na lide na condição de amicus curiae.
Admissibilidade parcial do pedido de intervenção na condição de terceiro interessado”
(TRF-1.ª Reg. AMS/DF 2001.34.00.000847-5, 4.ª T. Suplementar, j. 28.05.2013, rel. Juiz
federal Marcio Barbosa Maia, publicação: e-DJF1 de 28.08.2013, p. 308). Há precedente
inclusive admitindo no pleito cautelar: “Ante o exposto, defiro a medida cautelar pleiteada,
ad referendum do Plenário, para suspender, com efeito, ex nunc, a eficácia da Lei
8.107/1992 e dos Dec. 37.421/1993 e 37.420/1993, todos do Estado de São Paulo. Admito
a Associação dos Despachantes do Município de São Paulo como amicus curiae” (STF, ADIn
4.387-SP, Min. Dias Toffoli). Precedente em sentido contrário: “Petição da OAB/RJ.
Intervenção como amicus curiae. No caso em apreço pretende a OAB/RJ intervir como
amicus curiae em questão contratual, qual seja, a validade dos poderes especiais contidos
no mandado. Indeferimento” (TRF-2.ª Reg., MS: 201002010180255, 3.ª T. Especializada,
j. 12.04.2011, rel. Des. federal Sandra Chalu Barbosa, DJe 20.05.2011).
33 “Novidade é a admissão da intervenção do amicus curiae, não limitando a sua
intervenção, como no direito em vigor, aos casos repetitivos ou perante os Tribunais
Superiores ou, ainda, em situações muito específicas da legislação esparsa. Trata-se de
modalidade interventiva cuja finalidade é permitir que terceiro intervenha no processo
para a defesa de ‘interesses institucionais’ tendentes a serem atingidos pela decisão,
Amicus curiae no Brasil
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viabilizando, com a iniciativa, uma maior legitimação na decisão a ser tomada, inclusive
perante aqueles que não têm legitimidade para intervir no processo” (BUENO, Cassio
Scarpinella. Visão geral do(s) projeto(s) de novo Código de Processo Civil. RePro 235/353,
São Paulo: Ed. RT, set. 2014).
34 Essa confusão ainda acontece, como se verifica no seguinte relatório: “posteriormente
vieram aos autos requerimento do ingresso na lide do Sindicato da Indústria de Construção
Civil no Estado do Rio de Janeiro – Sinduscon-Rio, como litisconsorte ou assistente do
recorrente, ou então sua aceitação como amicus curiae”. Mas a decisão reconheceu que
“não se admite intervenção como amicus curiae, à ausência de relação jurídica sobre a
matéria” (STJ, REsp 1.418.189/RJ 2012/0046521-6, 3.ª T., j. 10.06.2014, rel. Min. Sidnei
Beneti).
35 Para exemplificar, confira-se a fundamentação constante da seguinte ementa: “Com
razão a agravante quando assevera que a presente controvérsia dispensa a presença da
Abifina na condição de amicus curiae, não só por conta de falta de previsão legal do
instituto em jurisdição ordinária, mas principalmente porque o ponto nodal da questão
versa sobre matéria eminentemente de direito, referente à aplicação da lei no tempo e
espaço, não dispondo a Abifina de expertise em tal assunto” (TRF-2.ª, ApCiv
200751018087843, 2.ª T. Especializada, j. 28.05.2013, rel. Des. federal Messod Azulay
Neto).
36 Neste passo, acresce também consignar que o ministro do STF, Dias Toffoli, ao admitir,
por decisão datada de 18.11.2011, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado
de São Paulo na ADIn 4.359, na condição de amicus curiae, expressamente consignou,
“resta clara a relevância da matéria e a representatividade do postulante na presente ação
direta, a qual objetiva a declaração de inconstitucionalidade da LC 1.097, de 27.10.2009,
do Estado de São Paulo, que instituiu o sistema de promoção para os integrantes do quadro
do magistério da Secretaria da Educação e dá outras providências”.
37 Aliás, essa orientação é contrária ao que se vê em muitos precedentes de nossos
tribunais. Assim: “o amicus curiae não tem legitimidade para interpor recurso de embargos
de declaração. Embargos de declaração opostos pelo Sindifort não conhecidos” (STF, ADIn
4.167/DF, Pleno, j. 27.02.2013, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe-199 08.10.2013). No
âmbito do STJ, a seguinte ementa: “o amicus curiae não possui legitimidade para recorrer
da decisão de mérito. Precedentes do STF e do STJ”. No voto condutor ainda se colhe: “A
legitimidade ordinária para interpor recurso contra o acórdão proferido em sede recurso
especial, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, é apenas das partes envolvidas no feito.
No caso, o Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor não é parte no processo,
mas pretende intervir no feito, já julgado, na qualidade de amicus curiae para interpor
recurso, o que é inviável. De acordo com o entendimento assente da Eg. Suprema Corte,
aqueles que participam do feito na qualidade de amicus curiae não possuem legitimidade
para recorrer da decisão de mérito” (STJ, EDcl no REsp 1.110.549-RS 2009/0007009-2,
2.ª Seção, j. 14.04.2010, rel. Min. Sidnei Beneti).