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Arte na Atualidade (2015 pg. 194-228)

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DireitosdestaediçãoreservadosàPacoEditorial.Nenhumapartedestaobrapodeserapropriadaeestocadaemsistemadebancodedadosouprocessosimilar,emqualquerformaoumeio,sejaeletrônico,defotocópia,gravação,etc.,semapermissãodaeditora

e/ouautor.

CoordenaçãoEditorial:KátiaAyache

Revisão:AnaD’Andrea

AssistênciaEditorial:AugustoPachecoRomano,ÉricaCintra

Capa:DaianeSolangeStoeberldaCunha

ProjetoGráfico:MarcioArantesSantanadeCarvalho

AssistênciaGráficaeDigital:WendeldeAlmeida

EdiçãoemVersãoImpressa:2015

EdiçãoemVersãoDigital:2015

DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)

D1115daCunha,DaianeSolangeStoeberl;deMelo,DesiréePaschoal;Gomes,ÉricaDias;Cebulski,MárciaCristina.

ArtenaAtualidade//DaianeSolangeStoeberldaCunha;DesiréePaschoaldeMelo;ÉricaDiasGomes;MárciaCristinaCebulski(Orgs.).-1.ed.-eBook-Jundiaí,SP:PacoEditorial,2016.

RecursodigitalFormato:ePubRequisitosdosistema:MultiplataformaISBN978-85-8148-557-7

1.Arte2.Sociedade3.Ensino4.Intersecções.I.daCunha,DaianeSolangeStoeberlll.deMelo,DesiréePaschoallll.Gomes,ÉricaDiaslV.Cebulski,MárciaCristina.

CDD:700

ConselhoEditorial

Profa.Dra.AndreaDomingues(UNIVAS/MG)(Lattes)

Prof.Dr.AntonioCarlosGiuliani(UNIMEP-Piracicaba-SP)(Lattes)

Prof.Dr.AntonioCesarGalhardi(FATEC-SP)(Lattes)

Profa.Dra.BeneditaCássiaSant’anna(UNESP/ASSIS/SP)(Lattes)

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SumárioFolhaderostoPáginadeCréditosApresentaçãoPrefácioParte1:ArteeSociedadeCapítulo1:ArteeconhecimentoCapítulo2:AlgumasPoéticasUrbanas

ReferênciasCapítulo3:Quandonde (eoutras) intervençõesurbanasemarte–porumestudo indisciplinarenãoartístico

1.IntervençãoUrbana:umpossívelentendimento2.Oespaçodaurbe:característicascontemporâneasdeumsuportecoautor3.Artistasnãoartistas4.Quandonde:indisciplinaeantiarteReferências

Capítulo 4: A temática ecológica como objeto de criações artísticas em arte-mídia e artetecnológica

1.Ecologia,consciênciaecológicaeecologiaprofunda2.Arteetecnologia3.IniciativasdearteetecnologiaquedialogamcomatemáticaecológicaConsideraçõesfinaisReferências

Parte2:ArteeEnsinoCapítulo5:Aartenocurrículodoensinobásico:experiênciasestéticaseculturais

1.CriaçãoePercepção:desdobramentosnasaladeaula2.Planejandonossasaulas3.Experiência,SensibilidadeeConhecimentoConsideraçõesfinaisReferências

Capítulo6:A influênciadeMurraySchafernaeducaçãomusical escolar–análisedemateriaisdidáticos

1.Ostrêseixosfilosóficos(pedagógicos)deSchafer2.RelaçãoSom/Ambiente:PaisagemSonora3.ConfluênciadasArtes4.RelaçãocomoSagrado5.OsPrincípiosSchaferianosesuaaplicaçãonoensinodemúsicaescolar6.OsmateriaisdidáticoseosreferenciaisschaferianosConsideraçõesfinais

ReferênciasCapítulo 7: O compositor na sala de aula – práticas composicionais contemporâneas paraeducaçãomusical

1.PrimeiraPeça:Colagem-Paisagem2.SegundaPeça:Ponto,LinhaeCoisas...3.TerceiraPeça:Invençãoemtrêsinstantes:Crepúsculo,NoiteeAurora

4.QuartaPeça:Pequenonascer,grandemorrer...5.QuintaPeça:Oregentesemorquestra6.ProjetocomposicionaleanálisedoCicloPedagógicoConsideraçõesFinaisReferências

Capítulo8:Porumaescutamaiscrítica:planejandoumgrupodevivênciasemapreciaçãomusical1.Primeiroencontro1.1Compartilhandoexpectativaseexperiências1.2Dinâmicascorporaiscoletivas1.2.1Respiraçãosincronizada1.2.2Preenchendooespaço1.2.3Volleyinvisível1.3Apreciaçãomusical1.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias2.Segundoencontro2.1Compartilhandoexpectativaseexperiências2.2Dinâmicascorporaiscoletivas2.2.1Despertandoossentidos2.2.2Limpandoosouvidos2.2.3“Fiosonoro”2.3Apreciaçãomusical2.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias3.Terceiroencontro3.1Compartilhandoexpectativaseexperiências3.2Dinâmicascorporaiscoletivas3.2.1Escutadoentornosonoro3.2.2Espelhosonoro3.3Apreciaçãomusical3.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias4.Quartoencontro4.1Compartilhandoexpectativaseexperiências4.2Dinâmicascorporaiscoletivas4.2.1Aquecendo4.2.2Sejoga!

4.2.3Massagemsonora4.2.4Gestosonoroàsescuras4.3Apreciaçãomusical4.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias5.Atividadeindividual5.1Repensandoexpectativaseexperiências5.2Apreciaçãomusical6.Encontrofinal6.1Compartilhandoexperiências6.2Construçõesapartirdeimpressõesedeideias6.3RefletindosobreogrupoConsideraçõessobreoprocessodeplanejamentoReferências

Parte3:ArteeInterseçõesCapítulo9:Designeartenocontemporâneo–sentidos,estéticaepoéticas

1.IdadeContemporâneaeContemporaneidades2.SociedadedoConsumo3.AEstéticadoCotidiano4.EstéticaeoDesign5.ArteeDesign:distanciamentos,reaproximaçõesefusões6.ArteeDesignemrelaçõescontemporâneasConsideraçõesfinaisReferências

Capítulo 10: Savage Beauty – as relações entre a arte e o design na produção de AlexanderMcQueen

Introdução1.Odesigncontemporâneo3.SavageBeauty:arte-designConsideraçõesfinaisReferências

Capítulo11:Entreocorpoeamisturadelinguagens,oteatromultimidiático1.Teatropobreeobradeartetotal2.Apresençaeafronteira3.Umalinguagemhegemônica4.OcorpojogacontraoprogramaReferências

Capítulo12:Improvisação–aartedoencontro1.ContatoImprovisação:umaartedaImprovisação.Umadançadaatenção2.SeriaoContatoImprovisaçãoumaartedaImprovisação?3.Coexistência:forma-conteúdo

4.Omovimentodossentidoseapercepção5.Oacontecimento“entre”ConsideraçõesfinaisReferências

PacoEditorial

ListadeImagens

Imagem1.PartituradereferênciaparaColagem-PaisagemdoCicloPedagógico(Borges,2013)

Imagem2.Exemplode“paleta”sonoracoletadaapartirdoDiáriodeSonsnocontextodotimbre,espaçoegesto

Imagem 3. Partitura de referência para a peça Ponto, linha e Coisas... do CicloPedagógico(Borges,2013)

Imagem4.Partituradeexecuçãodapeça Invençãoemtrês instantes:Crepúsculo,Noite,AuroradoCicloPedagógico(Borges,2013)

Imagem5.PartituraoriginaldePequenonascer,grandemorrer (2005) incluídanoCicloPedagógico(Borges,2013)

Imagem 6. Partitura conceitual para O Regente sem Orquestra do Ciclo Pedagógico(Borges,2013)

Imagem7.DiagramaanalíticoparaaestruturadoCicloPedagógico(Borges,2013)Imagem8.DiagramanotacionalutilizadonoCicloPedagógico(Borges,2013)Imagem9.Letradamúsica“Depalavraempalavra”,noencartede“AraçáAzul”Imagem10.“OhVoid,2004,RonArad”Imagens 11 a 14. Sequência das Imagens: Face of MaeWest, Pintura, Salvador Dalí,

1935|SofáMaeWest,SalvadorDalí,1937|SofáMarilyn,Studio65,1972|Sofá LaBocca,BertrandLavier,2005

Imagens 15 a 17. Sequência das Imagens: Composição Red Blue Yellow, Pintura, PietMondrian,1930|IlustraçõesdeModa,YvesSaintLaurent,RevistaVogue,1965|VestidoMondrian,CapaRevistaVogue,1965

Imagens 18 a 22. Sequência das Imagens: Esculturas e luminárias de papel, Noguchi,1950|Sofá,modeloIN70,Noguchi,1946|MesadecentroCoffeeTable,Noguchi,1944|Xícaradecháemporcelana,Noguchi,1952

7.DiálogosentreDesigneArtenoBrasilImagens23e24.Sequênciadas Imagens:Estampas,WillysdeCastro,1965|Estampa,

WillysdeCastro,CalendárioRhodia,1968Imagens25a27.GiganteDobrada,AmilcardeCastro,2001, Instituto Inhotim,Fotoda

autora,2012|JornaldoBrasil,AmilcardeCastro,1950|ExposiçãoDesenhoDesign,IAC,2012

Imagens28a31.Mobiliário,HugoFrança,2011,InstitutoInhotim,MinasGerais,Fotodaautora,2012

Imagens 32a35.Colares Espelho; Pedra e Pluma; Espelhos deMesa ou Parede;VasoFilhote,Manus,2010/2012,SP

Imagem36.JacquelineTerpins:MilFolhas,fotodeFábioScrugliImagem 37. Matthias Megyeri: Glass Figures/ RazorWire/ Railings/ Curtain, foto de

FábioScrugliImagem38.SimoneMattar:GelúminaPoesiaLuminofágica,fotodeFábioScrugliImagens39a41.SimoneMattar:ComoPensoComo,fotosdeLunaGarcia

ApresentaçãoEste livro é resultado do evento anual “Simpósio de Arte-Educação” promovido pelo

Departamento deArte-Educação daUNICENTRO–Universidade Estadual doCentro-Oeste, nocampusSantaCruz,emGuarapuava-PR.

A obra aborda a temática da Arte por meio de experiências de criação e de ensino, secaracterizando como anais do evento, que em sua décima edição, em 2013, teve como tema“Espaços deArte, Espaços de Saber” e na sua décima primeira edição, em 2014, teve comotemaasdiscussões sobre “Arte e Tecnologia”.Desta forma,apresentamosnestaobra capítulosque referem-se a temáticas específicas abordadas na X e na XI edições do Simpósio deArte-Educação. Assim, buscamos registrar, publicar e, de certa forma, eternizar os saberes quenortearamas palestras,mesas-redondas e comunicações realizadas por alguns dos convidadosdoeventoduranteaprogramação.

ComoobjetivodepossibilitaraosacadêmicosdocursodeArte-educação/UNICENTRO,aosprofessoresdeArtedaregiãodeGuarapuava,aospesquisadores,aosartistaseàcomunidadeemgeralavivênciaemprocessoscriativoseemarteeensino,oSimpósiodeArte-educaçãoéumdosprincipaiseventosdaáreanaregiãoepossibilitacomplementaçãoextracurriculardeestudosnaáreadeArteemcontatocompesquisadoresdoBrasiledoexterior.Nesteeventopromove-seainda,adisseminaçãodeconhecimentocientíficoemArteeEnsinoeProcessosCriativosemArtee que são apresentados neste livro, efetivando ainda mais a interação entre pesquisadores,estudantes,professoreseartistaslocaisenacionais.

ODepartamentodeArtedaUNICENTRO,contacomaparceriadeInstituiçõesque,pormeiodo auxílio financeiro possibilitam o sucesso do evento, a nomear: Instituto Arte na Escola,Fundação Araucária e CAPES. Ressaltamos que estes órgãos, em suas diferentes concessões,foram indispensáveis para toda a logística em torno do evento, desde o planejamento, adivulgação,aexecuçãodaprogramaçãoatéadisseminaçãodosresultados,queincluiapresentepublicação,permitindoaconcretizaçãoeaconsolidaçãodoevento.

O livro está dividido em três seções: arte e sociedade; arte e ensino; arte e interseções. Aseção“Arteesociedade”reúnetextosqueenvolvemartenasuarelaçãocomtemasrelevantesnasociedadecontemporânea:arteeconhecimentonaatualidade;espaçopúblicoepropriedade;eecologia. Nesta seção, são apresentados quatro capítulos, sendo que o primeiro, “Arte econhecimento”, de Celso Favaretto, discorre acerca de conhecimento e arte, perpassando porreflexõeshistóricas, filosóficas,sociaiseestéticas,procurandoresponderaquestão“Oquesãoosconhecimentosquederivamdaarte,aseacreditarnaproposição,muitogenérica,dequea

arteéumamodalidadedeconhecimento?”Oautorprocuraconfigurarapaisagemdesconhecidadacontemporaneidade,aartecontemporânea:opresente.

A seguir temos dois capítulos sobre intervenção urbana, quemostram a aproximação entrearte e vida presente neste tipo de ação que tem forte potencial enquanto questionadora dosvalores vigentes na sociedade. Carminda Mendes André, doutora em Educação e docente nocurso de Artes Cênicas da UNESP, discorre sobre a relação entre arte e política pormeio deintervenções na cidade de São Paulo, em seu capítulo “Algumas poéticas urbanas”. A autorarelacionacontroledosespaçospúblicoscomartederua,apontandoparaaarteurbanaenquantomeioderessignificaroespaçopúblico, trazendoreflexõessobreosignificadodestasocupaçõesnaatualidade.Otextoaprofundanadiscussãoacercadacaracterísticadeconfrontocomopoderpúblico,colocandoaintervençãoenquantoformadeaçãopoética,quepodetomarempréstimosde várias formas estéticas em prol de um fazer político, de uma resistência a determinadosaspectosdomododevidacontemporâneo,comdestaqueparaavalorizaçãodapropriedade,asrelaçõesdepoder,osmecanismosdosistemacapitalista.Apartirdotexto,aautoraquestionaotratamentodoespaçopúblicoenquantopropriedadedopoderpúblico,queregulaosmodosdeser e de estar das pessoas, coibindo a espontaneidade, a criatividade e o lúdico quepotencialmenteestariampresentescomopartedavida.

Otexto“quandonde(eoutras)intervençõesurbanasemarte:porumestudoindisciplinarenãoartístico”,deDiegoEliasBaffi,professorassistentedeArtesCênicasnaUNESPAR,vemcompletara discussão, refletindo sobre a intervenção urbana enquanto forma de aprendizado,possibilitando um caminho para o desenvolvimento de linguagem artística própria, fazendo umrelatodesuaparticipaçãonocoletivoquandonde,nacidadedeCuritiba.Otextotambémabordaquestões relativas ao espaço público na atualidade, apontando para a problemática dosprocessos de legitimação da arte. O autor coloca a intervenção urbana enquanto forma deconstrução de um lugar de pertencimento coletivo, em meio às trocas interventor-partícipe,consolidando-se enquantomeio paramaior engajamento de artistas pormeio de coletivos quebusquemexperiênciasparapropiciarafruiçãopoéticadacidade.

GiulianoTosin,doutoremArteeMediaçãopelaUNICAMP,juntamentecomsuasorientandasCristianeLustosaeRitadeCássiaMendes,colaboramcomocapítulosobre“Atemáticaecológicacomoobjetodecriaçõesartísticasemarte-mídiaeartetecnológica”,abordandoespecificamenteobras que levantam questões acerca da ecologia e que humanizam asmáquinas pormeio daarte,pelaaproximaçãoentrehomememeioambientemediadapelodesenvolvimentotecnológico.Otemaecológicoétomadocomabordagemampla,dentrodeperspectivaholísticaqueinsereacrítica política e a reflexão sobre os problemas oriundos da crescente intervenção humana nomeio. Assim, os autores enfatizam a necessidade de conscientização do artista perante autilização dos avanços tecnológicos para a criação, discutindo criações em arte-mídia e artetecnológica de artistas como Eduardo Kac, Stelarc e Miguel Chevalier. O texto mostra a

importância que os diversos olhares sobre a ecologia têm assumido na arte-mídia e na artetecnológica, com incorporação de elementos do avanço técnico-científico, avançando nasreflexõessobreodesenvolvimento tecnológiconãosóenquantoameaçaaomeioambiente,mastambémcomomeiodesepensarcriticamenteosmodosdevidanaatualidade.

Aseção“Arteeensino” trazescritoscom implicaçãodiretaparaeducação,comdiscussõessobrecurrículoesobremetodologiasquebuscamrefletirsobreoensinodaáreanaatualidade.Oprimeiroentreosquatrocapítuloda seção, “Aartenocurrículodoensinobásico:experiênciasestéticaseculturais”,escritoporSilviaSellDuartePillotto,provocareflexõessobreainserçãodadisciplina de Arte no currículo do Ensino Básico e suas contribuições para o desenvolvimentocognitivoesensíveldosestudantes,bemcomoparasuasconstruções identitárias.Numprimeiromomento a autora aborda a criação e percepção e seus possíveis desdobramentos na sala deaula,paranasequênciaabordarquestõessobreplanejamentodeensinodearte.Porfim,convidaoleitorarepensarasaladeaulaenquantoespaçodeexperiência,sensibilidadeeconhecimento.

Seguindonocaminhodasdiscussões curricularesqueenvolvemoensinodaArte,o capítuloproduzido por Aline Canto dos Santos e Daiane Solange Stoeberl da Cunha resulta dainvestigaçãosobreosconteúdosdemúsicaeosprincípiospedagógicosdeMurraySchafernasescolas de ensino fundamental nos anos finais, no município de Guarapuava – Paraná. Nestapesquisa,osmateriaisdidáticosutilizadospeloscolégiosdeensinofundamentaldaredeprivadadacidadesãoanalisados,osquaisrevelampossíveisdirecionamentoscurricularesparaoensinodemúsica.O texto aponta que Paisagem Sonora, Relação com o sagrado, e Confluência dasArtessãoprincípiosSchaferianosquedecertaformaestãosendoinseridosnoscurrículosdeArteemúsicadaescolaeassim,apontamparaumensinocriativoenãotécnico-instrumental.

No capítulo “O compositor na sala de aula: práticas composicionais contemporâneas paraeducação musical” Alvaro Borges apresenta aspectos didáticos para educação musical queassumemoprocessodecriaçãocomoelementocentraldoaprendizado,paratantopropõecincopeçasafimdeaproximaralunoseeducadoresdorepertóriomusicalcontemporâneo.

Érica Dias Gomes e Rafael Siqueira de Guimarães, no capítulo “Por uma escuta crítica:planejando um grupo de vivências em apreciaçãomusical”, apresentam um guiametodológicoparainserçãodaapreciaçãomusicalenquantopossibilidadeparasepensardiversidadeculturalemprocessoseducacionais.O texto temopotencialdesistematizarummeiodesedesenvolverumaescutamusicalcrítica,quepermitaareflexãoparavaloresdasociedadeatual,equepodeseraplicadoemdiferentesrealidades,deacordocomseusobjetivosespecíficos.

Aseção“Arteeinterseções”,comaapresentaçãodemaisquatrocapítulos,traztemáticasqueenfatizamainterseçãoentreartesetambémentrearteeoutrasáreasdeconhecimento.Otexto“Design eArte noContemporâneo: sentidos, estética e poéticas deMônicaMoura”, apresentauma investigação sobre os estudos sobre as relações entre design e arte na atualidade. Noprimeiromomento,aautoraexpõeumpequenopanoramasobreosmarcosdeeventos,inventose

objetosdoséculoXXeXXIqueestabeleceramascaracterísticaseasdinâmicasdeste temponoqualvivemos.Emseguida,apresentaaformaçãoecaracterísticasdasociedadedoconsumoedaestética do cotidiano. Prontamente, analisa a relação entre a Estética e o Design nacontemporaneidade,problematizaarelaçãoentreaArteeoDesignapartirdereflexõessobreosdistanciamentos, reaproximações e fusões da Arte e do Design na contemporaneidade. Porúltimo,descreveeanalisaosexemplosdeproposiçõeshíbridasquerelacionamaArteeoDesignnacontemporaneidade.

Apesquisa intitulada “SavageBeauty: as relações entre aArte e oDesign na produção deAlexander McQueen”, de Carlos Godoy Júnior e Desirée Paschoal de Melo, teve comopreocupaçãoinvestigarosdiálogosentreasáreasdearteededesignpresentesnosdiscursosenaspráticasdealgunsartistas-designersdacontemporaneidade,tendocomoobjetodeestudoaprodução deAlexanderMcQueen, que apresenta – na idealização, execução e finalização desuas propostas – a busca e a valorização da função simbólica e estética em detrimento dafinalidadepráticadesuascriações, resultandoassimemindumentáriasconceituaisesimbólicas.O texto aborda os principais apontamentos da revisão bibliográfica sobre o tema e, em umsegundomomento,apresentaadescriçãoeanálisedealgumasobrasapresentadasnaexposiçãoSavageBeautyorganizadapeloMuseuMetropolitanodeArtedeNovaYork.

No capítulo intitulado “Entre o corpo e a mistura de linguagens, o teatro multimidiático”,ErnestoValençaabordaosimpactosdainserçãodemídiasaudiovisuaisnacenateatral.Aspectosparadoxaiscomoasnovaspossibilidadesde linguagensartísticasedefiniçõesclássicassobreoquesejao teatroconduzemo leitorareflexõescomoadequeo teatromultimidiáticorealizaaaproximaçãodeduasperspectivasnormalmentevistascomodivergentes:umabaseadanaideiade essência do teatro e outra na dialética entre unidade e diversidade de linguagens.FundamentadoemautorescomoGrotowskieFlusser,Ernestoapontaparaapossibilidade,ou,aimpossibilidade,de liberdadequeoteatromultimídiarealizaaocolocarapresençacorporaldoatoremperspectivacomoautomatismoaparelhísticoeconcluiinstigandoacríticateatralarefletirsobreestaambíguarelação.

O texto “Improvisação: a composição do encontro”, de AnaMaria Alonso Krischke, PaulaZacharias eCristina Turdo, discorre sobre aspectos envolvidos na improvisação emdança, pormeio da experiência de pesquisa e práticas artísticas desenvolvidas pelas autoras. O textoapresentaenfoqueemelementoscomosensação,percepção,coexistênciaediálogo,apontandoparaa importânciadaconstruçãocoletivaparaa improvisação,emmeioàssingularidadesdosindivíduosquedelafazemparte.

Ressaltamos nossa gratidão aos convidados do evento que com prontidão e extremoprofissionalismoparticipamcomoautoresdostextosaseguirapresentados.Pormeiodopresentetrabalho,esperamospossibilitaraoleitorumaprofundamentonasquestõesabordadas,permitindorefletir melhor sobre debates iniciados durante o evento. Assim, percebe-se a importância de

eventoscomooSimpósiodeArte-Educação,noseupotencialparaencontrosprodutivos,emquediscussões e embates teóricos pertinentes à arte e à educação, emmeio a vivências artísticas,podemsedesdobraremnovasreflexõesquecolaboramparaodesenvolvimentodaárea.

DaianeSolangeStoeberldaCunhaÉricaDiasGomes

DesiréePascoaldeMeloMárciaCristinaCebulski

PrefácioA recente história das políticas públicas da área de educação de nosso país deixam, por

vezes, um certo gosto amargo na boca de nossos educadores que têm de lidar com diversassituações complicadasaoenfrentarodiaadiadasescolas, sendoelasdeensino fundamental,médioousuperior.Omundodasartesnãodiferenaquantidadededificuldadesquedevemsersuperadas, principalmente em uma sociedade que é dominada pelo descartável, pelo puroentretenimentoquebaniuacapacidadereflexivadocidadãocontemporâneoepeladestrezaquea indústria cultural tem em transformar a tudo e a todos em produtos. Nesse contexto, nãopodemosdeixarde louvar,comemorar,elogiar,regozijar-noscomumeventoquepassadedezanosdedicadosàdiscussão,aoestudo,àanáliseeàfruiçãonãosódaeducaçãomastambémdaarte.

Estapublicaçãoajudaasacramentaronzeanosdelutastravadaspelosprofissionaisdearte-educação da UNICENTRO que não deixam de acreditar que podem fazer a diferença nessastrincheiras tão abandonadas de nosso país, recebendo a colaboração de profissionais que játravamtal lutahámaistempoainda.Oqueseexpõenestevolumeéresultadodasduasúltimasedições do Simpósio de Arte-educação da Universidade do Centro-Oeste – PR (UNICENTRO),eventoorganizadopelosvisionáriosdocursodeArte-educaçãodainstituição.

Como participante de algumas edições desse simpósio, vale ressaltar qual o teor deefervescênciaquebalizaodiaadiadocursodegraduaçãoemArte-EducaçãodaUNICENTROeporconsequênciafomentaedirecionaaorganizaçãodosimpósiofornecendoaoleitorumaideiaumpoucomaisprofundadosideaisedosconceitosqueperpassamasentrelinhasdecadatexto.

Correndo o risco de imprecisões históricas, a situação da arte no ambiente escolar tem setornado gradualmente mais favorável. As aulas de artes têm, paulatinamente, regressado aoscurrículosescolares, resgatandoapresençadamúsica,dasartescênicasedasartesvisuaisnavida do estudante brasileiro. Tal regresso, ao mesmo tempo que tem dado esperanças maispositivasaosarte-educadoresepossibilitadoaoestudante travar contato comoutras formasdepensaromundoatravésdo fazerartístico, tem também levantadoquestões sobreas formasdeocupar esse novo espaço que foi aberto nos currículos escolares, principalmente quando seconsideracomoosconteúdosdasartesdevemserministrados:respeitandoasespecificidadesdasáreas ou de formasmais interdisciplinares. Paralelamente, a arte – emmeio a que se costumachamardepós-modernidade,melhordizendoa“arteapósofimdaarte”comoirápreferirArthurDanto ou ainda a arte feita após o “fim da história da arte” na visão de Belting – passa portransformaçõesquedestronamconceitosfundantesdesuaepistemologiaepráxis,comoopróprioconceito de arte, bem como derrubam osmuros que delimitavam as diferentes linguagens. Aomesmotempoemquenosprojetospedagógicosdoensinofundamentalemédiosãoresgatados

oseixoscurricularesdasdiversaslinguagensartísticas,superandooantigoparadigmapolivalentedo ensino de arte, a produção artística contemporânea tem se tornado cada vez maisinterdisciplinar, interlinguística e interativa. Esses ideais artísticos permeiam as atividades dosprofessoresdaUNICENTROdemonstrandooforteengajamentoquetêmcomaproduçãoartísticacontemporânea,superandoantigosparadigmasdeensinoconservatorialeacademicistaqueporvezes permanecem em diversas instituições de ensino de arte brasileiras e que, por sua vez,fazemcomqueocursodeArte-Educaçãodainstituiçãocaracterize-secomoumdosmaisatuaisedinâmicos emnossopaís. Sendoassim, não sóo curso compreendea realidade eaproduçãoartísticarecentemastambémoSimpósioérealizadodeformaacontemplaressepanorama.

Nessecontexto,ogrupodeprofessores-artistas-pensadoresquefiguramnestevolumenãosefurtamàresponsabilidadedetratardessesassuntosajudandoapavimentaressanovaestradadoensino da arte contribuindo com uma visão de arte integrada aos desafios dacontemporaneidade, das formas de pensar, fruir e ensinar a arte tanto a já historicamenteconsagradaquandoaquelafeitaemnossotempo.

Boaleitura!

RaelB.GimenesToffoloMaringá,abrilde2015

Parte1:ArteeSociedade

Capítulo1:ArteeconhecimentoCelsoFavaretto

1

O que são os conhecimentos que derivam da arte, a se acreditar na proposição, muitogenérica, de que a arte é uma modalidade de conhecimento? Sabe-se que, frequentemente,quando se fala do conhecimento que vem da arte, isto significa que ele é consideradointerpretaçãodealgumarealidadeouilustraçãodefatos,acontecimentos,enfimdealgumacoisaque transmite conhecimento. É comum, por exemplo, tomar-se a arte como um acesso aoconhecimento da história, assim como supõe-se que a arte, quando ela é designada comocontemporânea, traria o conhecimento da atualidade. Motivações ou suporte, muitas vezesrelevantes,de interpretaçõeshistóricas, sociológicas,psicológicas, filosóficasepsicanalíticas,asobrasdearte eos eventosartísticosacabampor se comprometer coma formulaçãoou comajustificação de imagens de mundo, constituindo-se frequentemente em recursos julgadosprivilegiadosparasepensaraspectosdomundo,ouparadaraveromundo.

E,mais frequentementeainda,aarteéchamadaparaconjurarasdificuldadesdomundodavida,ospercalçosdaexistênciahumana,poisconstituiriaoutromododeconhecimento,deacessoourevelaçãodavida,quenãoéaquelefacultadopelasciênciaseafilosofia.Trata-se,comosesabe,doconhecimentodosensível,quedizrespeitoàintensidadedosafetos,àsensibilidade,àprodução de subjetividades que resistem às formulações convencionais, convencionadas oupadronizadas.ComodizJacquesRancière,asobras,osobjetoseacontecimentosdearte,seriam“testemunhos da existência de certa relação do pensamento com o não-pensamento, de certapresençadopensamentonamaterialidadedosensível,doinvoluntárionopensamentoconsciente

edosentidonoinsignificante”2.Considera-se comumente que uma espécie de suplemento de sentido é secretado pelo

pensamentodaarte,istoé,pelopensamentoespecíficoelaboradopelasobrasdearteoumesmosobreasobrasdearte,poisparecequesempreaosefalar,dearte,trata-sedabuscadesentido,quasesempreoculto,dealgumacoisa,emtudoqueseexperimenta.Estemododeverrefere-seàartecomorepresentação,segundosuasvariadasefetivaçõesdesdeaantiguidadeatéhoje,oquesempre supõe uma determinada relação com o que se chama real.Mas a dificuldade está emconsiderar o que pode ser representação na arte de hoje depois de todo o trabalho dedesconstruçãodaartederepresentaçãoefetuadapelaartedoséculo20,especialmentepelaartedevanguarda.E tambémque relaçãomantémcomo real,omundo,quenaverdadeé relaçãocomimagensdorealoudomundo.

O que foi conquistado pela experimentação artística foi a consideração de que a arte, emtodaartedesdesempre, implicaumamodalidadeespecíficadeconhecimento,equeamaneiraadequadadetratarosassuntosdaarteéaquelasemprereferidaaopensamentoelaboradopelas

obrasdearte,cujoresultadonãoéumconhecimento,comosepodevernamodernidadeemqueos artistas ao invés de produzirem “objetos de arte”, obras de arte, produzem “objetos depensamento”,dequeaRodadebicicletadeDuchampeoQuadradonegrosobrefundobrancode Maliévitch, ambos de 1913, são os signos anunciadores. É verdade que depois dasvanguardasretornouumaobsessãopeloreal,espéciedevontadedenovamentehabitaromundo,deolharparaoreal,acentuandoodeslocamento,patenteemexperiênciaseprojetosmodernos,daestéticaparaaética.

Aliás, comoexemplobastante elucidativopodemosbementender este fato se nos voltarmospara algo próximo de nós, para a constituição a modernidade no Brasil, para o desejo e oempenho de alcançar a modernidade, na arte e na cultura desde o modernismo de 22, queimplicavaumarelaçãonecessáriaentremodernidadeenacionalismo,aquiloquedepois,nosanos1960,foicategorizadocomo“realidadebrasileira”.Oimperativodesermodernocompunha-seànecessidadeeimposiçãodeconhecimentodoBrasil.Ointeresseetnológico,cultural,conciliava-secomointeressepelosprocessosartísticosmodernosdemodoqueosprocessosdasvanguardaseuropeias funcionaram como uma espécie de epistemologia, como operadores dastransformações, possibilitandoo conhecimentodoBrasil.Veja-se apropósito a expressãomaispróxima disso, pela originalidade e pela sua eficácia crítica em diversas situações culturaisbrasileiras,especialmentenosanos20eemsuareatualizaçãonosanos60,aantropofagiadeOswalddeAndrade,todaelaempenhadaemconjugaroímpetoenecessidadedemodernidadeatravés de uma proposição sugestiva do encontro cultural entre cultura europeia, arte devanguarda e realidade cultural e artística brasileira, a conjugação, como diz oManifesto Pau-Brasil,entreaflorestaeaescola.

Daí,quedesdeomodernismode22,quecompôsumprimeiroprojetomodernonoBrasil,atéosanosde1960–quandooconhecimentodoBrasilétransfiguradoemconsciênciadarealidadenacionalcompondoumprojetoideológicoderupturapolítica,emqueasartesjogavamumpapeldamaiorimportância–,épossívelflagrarsempreumavontadederealidade,umaobsessãopela,assimchamada,realidadebrasileira.Emesmoapassagempeloconceitualismodosanos70podeser pensado em relação a este desejo de conhecimento da realidade, que então era outra,impulsionado pela necessidade de resistir ou pelo menos contornar as limitações do regimeditatorialaoexercíciodaarte,dopensamentoedapolíticaeairresistívelascensãodaculturadacomunicaçãoedoconsumo.Orealdaarteficouaíobscurecidoporduasrazões:umavoluntária,poiseraprecisocentrar todaaenergiaartísticana formapara repressão–comquehouveumevidenteavançonopaísnareflexãodaartesobreaarte–eumaoutrarazãoinvoluntária,frutodapenetraçãonopaísdetodaformadeinformaçãomoderna,daeconomiaàsartes,comqueaassimilação das recentes manobras da experimentação e do mercado artísticos eram osmuniciadores.

Mas desde o início da modernidade, e mais ainda, em nossa atualidade, em toda parte,pensaraarte comoconhecimentoda realidadeéalgoproblemático,pois tantoo real comoosdispositivos da representaçãoperderama eficácia, dado o enfraquecimento do simbólico e dapotênciadasimagensedetodasortededispositivosdesimulação.Hojeestapotênciadependedaaplicaçãodeefeitosdepresentificaçãonatentativadeinstaurarapresençacomoantídotoàsfugasoufalsificaçõesdoqueétidocomoreal,valedizer,comoverdade.LembremosdafrasedeNietszche:oshomensinventaramaarteparanãomorrerdeverdade.

Sabe-sequeestetema,arteeconhecimento,provémdointeressecognitivodaarteassociadaàautonomiado campo estético, que nadamais eraque umdomínio específicodas esferas deracionalidade tematizadas pela filosofia do séculoXVIII, emais tarde criticadas pelas filosofiasquedesligamotemadasposiçõesmaisoumenospróximasdokantismo.Desdeonascimentodaestética no século XVIII, foi feita a caracterização da conduta estética, do conhecimentoespecificamenteestético,comoumarelaçãocognitiva.Mesmosabendo-sequeoestéticonãosereduzaoartístico,talcaracterizaçãofrequentementeatribuía-seàarteenquantoprodução.

Masaênfasecrescentenaatitudeestética,nacondutaestética,queacabaporprevalecernoséculo XX, ao indicar que no fato estético emoções estéticas e história pessoal sãoindissoluvelmente ligados, contrasta à caracterização de experiência estética de linhagemkantiana,emqueoacentoestácolocadonumdeterminadotipodejulgamento,comanegaçãodeumconhecimentosensível,semreferênciaespecíficaaodomíniodosobjetosdearte.Acolhendoasexperiênciasdavidacorrentecomoumafontepermanentedeatençãoestética,aarteéalvodeconsideraçõesteóricasqueproduzemtransformaçõesnamaneiradeentenderarelaçãoentrecogniçãoeapreciaçãoestéticas.Acondutaestéticaéconsideradaumaatividadequenãoémaisuma atitude que remete à ideia de contemplação, que permitiria o acesso a uma propriedadeinternadascoisase,porconsequência,aumaessênciadaarte,queseriareveladasnasobrasdearte, sendo, portanto, objeto de conhecimento. O que pode ser conhecido agora é umapropriedaderelacional,oencontroentreumobjetoeumindivíduo,carregadodeafetividade,nãoumapropriedadedoobjeto,alterando-seassimo focodaatividadecognitiva,dodiscernimentocognitivo deprazer oudesprazer, de satisfaçãoou insatisfação, enfimdaapreciaçãoartística.Este seria o conhecimento próprio secretado pela arte, mais propriamente, identificando “o

pensamentoefetuadopelasobrasdearte”3que,diferentementedaatitudecontemplativa,nãoénunca desinteressado, pois como toda atividade apreciativa e valorativa, está ancorada na

economiadodesejo.4 Istotudodecorredamudançanaprópriaconcepçãodeestética,quenãomais

designaaciênciaouadisciplinaqueseocupadaarte[...]designaummododepensarquesedesenvolve

sobreascoisasdaarteequeprocuradizeremqueelasconsistemenquantocoisasdopensamento5

Assim,opensamentodaartenãovemdopensamentoemconceitos,masdopensamentoem

ato;pensamentomaterial6.Ademais,estascoisasdaarteapresentam-sequasesemprecomo“ummodo inconsciente do pensamento”, presente nas obras de arte e na literatura de modo

privilegiadonumarelaçãodepensamentoenãopensamento7.Aartenãoreproduzovisível,nãotorna visível o invisível; sua eficácia, não sua verdade, refere-seaoquenãopode serdito, aoindeterminado,aoqueéestranho,aohorror.ParaLacan,“aartepodeaparecercomomodode

formalizaçãoda irredutibilidadedonãoconceitual, comopensamentodaopacidade”8. E comodizTeixeiraCoelho,aarte“nãoéconhecimento;devedescersobreaspessoascomoumanuvem;

éumenigmaquequerserelucidadomasnãodeimediato”9.Estedeslocamento,daarte,daobradearte,doconceitodearte,reconfigurouodomínioda

estéticaedoregimedopensamentodaartee,portanto,dessarelaçãoentrearteeconhecimento,pois já faz bastante tempo, pelo menos desde Duchamp, que se pergunta: que tipo deconhecimento e de experiência se procuram na arte, desde que a arte deixou de oferecerconhecimento e beleza para apresentar-se como um contínuo exercício de desorientação? Astransformaçõesdaarteocorridasno transcursodamodernidadedeslocaramo temada relaçãoentre arte e vida efetuada na estética filosófica do século XVIII. Esta arte, surgida daexperimentaçãomoderna, disse Rauschemberg, pretendia “agir no vazio que separa a arte da

vida”10; istoé,explorarainscriçãoartísticadovelhotemadarelaçãoentrearteerealidadenaatualidade,quandoaideiaderealfoitãoalargadaquenãomaisexisteapossibilidadedeseroreferente a qualquer possível representação totalizadora como na arte da representação.Atualmente, nos trabalhos do que se denomina arte contemporânea, efetua-se umpensamento,produz-se,portanto,umconhecimento,“sobreasuaprópriaatualidade”,sobre“ocampoatual

das experiências possíveis”11. Considerando-se, contudo, que a dificuldade de alguma coisaafirmar-seouserafirmadacomocontemporâneadecorre,comodizAgamben,dofatodenãoserpossívelperceberasluzesdessetempo,masasuaobscuridade,estasexperiênciasestãoaípara

nosinterpelar12.Estaartecontemporânea,pertencenteaoestatutodainterpelação,nãofigura,abem dizer, nenhum conhecimento, nenhuma representação que dê conta da figuração darealidade.

De fato, embora na arte e na filosofia da modernidade, teorias e experiências tenhamencenadoofechamentodarepresentação,percebe-sequeemseulugaraindanãoseconseguiuformular “uma linguagem que esteja à altura de traduzir o estado atual das coisas”, quecorresponda “a situações completamente indeterminadas, aleatórias, flutuantes”, da experiênciacontemporânea.Oqueaindatemoséamesmalinguagemdarepresentação,queéalinguagem

do sujeito – que, aliás, é simbólica e ambivalente13. Ela não serve para falar daquilo que nosperturba, pelo menos tal como ela aparece nos vários teatros da representação, artísticos ou

culturais, sempre interessados em responder a exigências diversas de identificação dosprotagonistasdeumarealidadeemcena.Pois,dizBaudrillard:

alinguagemquedávalorobjetivoàrepresentaçãoéumprocessodeidentificaçãoedesublimaçãoquefuncionanomedoeseconstituicomoumvéu,umatela(écran)quenosseparaenosprotegedofluxo

caóticododevir.14

Istoé,quenosprotegedoirrepresentáveledoinominável.15

Talvezsejaesteograndedesafiocolocadoparatodasasartesdepoisdograndetrabalhodasvanguardas,quelevouaofimaspossibilidadesdacríticadarepresentaçãocomadestruiçãodasconvençõesquepresidiamàproduçãodailusão.Arecuperaçãohojeemdiadapresença,agoraumaespéciedeauratransmutada,tememvistareproporosentidodarepresentação.Depoisdaterapia, efetuada pelo trabalho das vanguardas, que pôs em causa a representação comosistema, linguagememodoartístico tradicionais,doespaçopictural inventadopela renascença,do espaço teatral, do espaço literário e da escala musical, parece que a reivindicação derealidadenapresençaeapuramaterialidadedaformasignificaoreencontrocomumarealidadeaquémoualémdorealsimulado.

Livre do imperativomoderno, particularmente vanguardista, de propor a ruptura e buscar onovo, a arte dita contemporânea vaga no indeterminado, tendo que definir, em cada caso,enquanto se inventa, as regras e categorias quea singularizamequepropiciama fruição e ojulgamento. Desidealizada, esta arte exercita-se na tensão com os limites da modernidade,

remetendo-se a um “sujeito operativo” e nãomais a um “sujeito focal”16, como o herdado daRenascença.Nãoprometendonenhumaexperiênciadecompletude,assimdificultaaarticulaçãodeumacríticadacultura,portanto,aapostanatransformaçãodavida.Porquenãopropõeideiassuficientemente fortes para fundamentar práticas, vive de incertezas e surpresas, entre ainquietaçãoeaindiferença,ansiando,talvezporumpreenchimentoquedêcontadairrisãodos

projetosmodernos17.Assim,estaarte,deumladovagaentredesejosderestauraçãodeprojetoseoperaçõesque

outrorativeramsentido,resgatando,comosediz,apossibilidadedearticulaçãoentrecriaçãoecrítica.Ouentão,poroutrolado,dedica-searecodificar,reiterareeventuar.Aquiealisurpresasacontecem:umtensionamentodesignosdaexperiência,umareinterpretaçãoqueviraummodoinédito de enunciar, uma reinscrição do simbólico onde só havia repetição, um nexosurpreendentemente de sensibilidade e pensamento que interferem no circuito da razãocomunicativa, repropondo a arte com sentido de intervenção cultural. São estes lampejos queafirmamaspotênciasdopuroviver.Poisédistoquese tratahojenaarte: reinventaraartedeviver.Curiosamente,tudoaquivemenunciadopelapartículare.Umrequesignificaelaboração:levantamento dos esquecimentos, dos recalques, das supressões promovidos pelos dispositivos

vanguardistasepeloprojetualismomoderno.Trata-se,então,de indiciarcomesterequeagoraestamosemplenoprocessodeelaboração,analisandotaticamenteosprocessosmodernos.

Arepresentação,comosesabe,estánocentrodasposiçõesfilosóficasnoquedizrespeitoàsrelaçõesentreopensamentoearealidade.Asnoçõesdesujeitoedeconsciênciaaíestãoparaatestar o primado da representação: nas imagens que o homem faz de si em espelho, daspersonagenscomqueseinstituisocialmenteenasimagensqueasociedadedádesimesmoemespetáculo permanente. As imagens assim constituídas foram desde sempre a matriz dasinstituições, sistema de representação coletiva e, simultaneamente, modos suplementares deproduçãodosentidodaexistência,conjuraçãodaspotênciasinvisíveis.Assim,arepresentaçãoéa matriz de nossa identidade, cifrada nas imagens. Todo o drama contemporâneo, nopensamento e na arte, está na tentativa de lidar com esta velha doença ocidental, como dizDeleuze, a representação, de que um claro emblema é a chamada crise do sujeito, dasdificuldades da afirmação de subjetividades, já que este fato não mais deriva das exigênciasdaquela subjetividade inventadasna filosofiamoderna,deDescartesaKant,emqueo realeosujeitoserecobrem.Conhecemostodaadiscussãoaíimplicada,comasrepercussõesnaarte,aponto de Nietzsche, sintomaticamente, declarar que “temos a arte para não morrermos deverdade”.

Então,ondeestamosquandoconsideramosqueaarteserveparaaguçarnossasensibilidadee

reforçarnossacapacidadedesuportaroincomensurável?18Ondeestamos,quandoconstatamosque:

nenhumaidéianosasseguraasalvação,nenhumaidéiaéportadoradeumaverdadequesalve,nenhumaidéianosdispensadesermosnósprópriosacriarmosonossomodeloeitineráriodesalvação.

Eainda,que:

nenhuma idéia é suficientemente forte para fundamentar uma prática, para funcionar como ciênciarigorosadapráxis.Semastrosquenosguiem,semumaciênciadanavegaçãoqueapenassejaprecisoaplicar,avançamosagoranummardesurpresaseincertezas.

Visandoaconfiguraredecifraresta“paisagemdesconhecida”,acontemporaneidade19.Nestapaisagemdesconhecida,queéprecisoconfigurar–atravésdos signosqueaparecem

emtodaparte,jáqueoessencial“estánoinstantedaapariçãodascoisas”20–,hácenáriosquesedelineiam.Porexemplo,aquelequese impõenohorizontemais imediatodacultura:emsuainstânciapredominante,adomercadoedolazer,queaomesmotempoqueexaltamovivido,asexperiênciasmutáveis,múltiplasesimultâneas,neutralizamadistância,orecolhimentoeabolema

mediação que a representação necessariamente introduz21. Ou então, a crença absoluta naexperiência, de que é possível um acesso imediato à realidade – que, é bom relembrar, éirrepresentável –, ou o reencontro com um eu,mítica fonte de unidade.Mas comque unidadesonhamos? Aquela, diz Lyotard, que acredita ser possível reorganizar os elementos da vida

cotidiananumaunidadesociocultural?22Aquelaprometidapelarestauraçãodaunidadeperdidaagenciadapelosmuseuseteatrosdamemória?Ouaquela,queapelaparaomitodovivencial?Ouaquela que ante a confusão do espaço público e do espaço privadoquer dar consistênciaàquilo que agora são simples efeitos de uma suposta ordem objetiva, da lei? Referimo-nos,obviamente,àsesperançascolocadasatualmentenarecuperaçãodainterioridade,daintimidade,da alteridade, da subjetividade. Mas o que querem dizer estas noções, para não serementendidascomorecaídasnaidealidade,manifestaçãodacarênciadeideale,simultaneamente,vultodedispositivosdesuplênciadoideal?

Nacenacontemporânea,quandosepretendeidentificarquestõesartísticasepráticasculturaisrenovadas, inclusive com poder de transgressão, ou alguma eficácia crítica ou mesmoeducacional, percebe-se uma grande dificuldade: a arte fundida à vida sob a modalidade doeventoacabapordissolverossignosnumacategoriatípicadaartedessublimada,daestetizaçãogeneralizadadaculturadasmetrópoles,queéacategoriado“interessante”.Estatantoafasta-sedas categorias tradicionais, do belo, do maravilhoso, quanto das modernas, do novo e da

ruptura23.Ora, sabe-se que o que é interessante é indiferenciado.O evento, diz Lyotard24, éexatamente umamaneira de exibição de objetos ou de situações estetizadas.Nele o interesseestético desloca-se dos objetos, obras, etc. para concentrar-se nos comportamentos dosparticipantes de um acontecimento cultural – participando, aliás, das mesmas categorias dasinstalações. Participar, entretanto, não tem a ver aqui com a categoria artística moderna quesurgecomadesestetizaçãocomaaberturadaobradearte,implicandosempreumteorreflexivo.

Ostrabalhosartísticosquefuncionamdeumamaneiraououtravinculadaaoevento,emborapretendendo, inicialmente, interferir, até mesmo dialetizar, o meio de arte, o sistema da arte,convertem-se frequentemente em instâncias de comunicação, com que perdem o valor críticopretendido,qualseja:provocarumacontecimentolocalizado,queexplorandoaforçadoinstantedarialugaràexploraçãodesignosderesistência,entendendo-seestetrabalho,segundoLyotard,comoodeexplicitaçãodaangústiaprovocadapelaperdadopróprioobjetodaarteemvirtudedoaprisionamentodosobjetosedodesejopeloconsumo.Assim,aestetizaçãogeneraliza,típicadaestéticadoconsumo,ésimultaneamentefrutodadesestetizaçãomodernaeperdadovigordenexos e tensões dos dispositivosmodernos, como a tensão entre o sensível e o racional, entreconstrutividade e vivência, por exemplo.Mas não seria possível pensar uma outra posição daexperiênciadosacontecimentosquenãosesubmetesseaestaestéticageneralizada,ouseja,nãoseriapossívelpensarumaoutramaneiradeseentenderaestetizaçãodocotidiano,numespaçoculturalemqueasrepresentaçõessimbólicasforamafetadasatéaraiz?Emsuma:seriapossívelpensar-seemoutraordemdosimbólicoaoníveldessaculturadessublimada?Ouentão:quaisaspossibilidadesdereinstauraçãodasimbolizaçãoedoespíritocríticonaculturadoespetáculo?

Ao se recusar as promessas redentoras da totalidade, da teleologia dos sistemas depensamento,enfimdossistemasderepresentação,aapostaquesetemquefazeréadenãose

renderàtentaçãodepreencher,decolmatar,ovazioqueentãoseinstala;talvezaapostasejaadetrabalharnosinsterstíciosdovazio.Talvezsetrate,nalinguagem,nopensamentoenaarte,deassumirascoisasemsuasingularidadeenaforma,ondepodemaparecerfrestas,deslocamentose aí descobrir, como namúsica, umadicção, um timbre, uma tonalidade.Assim, ao invés dosdesenvolvimentos críticos habituais, em que o que é pensado como resistência ainda vive dasilusõesdosujeito,da totalidade,daspromessasda razão, trata-sedeexplorara resistêncianaforma–nalinguagem,nopensamento,naarte,pois“sóaformaatacaosistemaemsuaprópria

lógica”25.Nestaperspectiva,criticaréjogar,desdequeseenunciemasregrasdojogo.Criticar,resistir,éumaaposta.

Sabemos que diversas proposições artísticas tentaram esta façanha. Lembremos apenas, atítulo de exemplo, a busca da eficácia do ato simbólico no teatro da crueldade de Artaud aoexplorar a ruptura entre os signos e as coisas e ao propor um retorno para antes darepresentação. Não será também isto que se procura em alguns rituais musicais e festas

selvagens?26 Tais exemplosprovocam-nosapensar sea vontadede fazer coincidirartee vidanãoéapenasumjogo,doqualnãosesainunca,ojogodarepresentaçãoequesópodemosnosaproximardosacontecimentos,quandorepresentadosenãoquandoimediatamentevividos.Masoconceitoderepresentaçãoéambíguo:acentuaoefeitodepresençaqueatornapossíveleodeausência, que a funda; de um lado torna visível, expõe, exibe algo, como o seu emprego no

teatro,porexemplo;poroutrolado,pelarepetiçãosubstituialgoausente,vicário27.Duas atitudes convergentes e simultâneas: a resistência, que de um lado incide sobre as

representações da cultura pondo em relevo a imagerie das sociedades democráticas, queprivilegiandoovividoneutralizamodistanciamentoreflexivoeperceptivo;equeporoutroladoaresistência, valorizando o irrepresentável da experiência contemporânea, o horror. A outraatitudeéacriação,quetememvistaexatamentenãosófazeracríticadaculturacomoafirmarqueháqualquercoisaquepodeserconcebidoequenãosepoderepresentar,quenãosepodevernemfazerver,masquedeumamaneiraoudeoutraépossívelapresentar.Emsíntese:criaréresistir. Nada tem com comunicar, antes com “nomear o informe, a ausência de forma (de

representação)comoíndicepossíveldoinapresentável”28.ComoaindaobservaLyotard,situando-nos, hoje, nas fronteiras, nos limites expressivos, do que pode ser apresentado, trata-se deviolentar estas fronteiras para tentar apresentar o que não pode ser apresentado.Assim comonestasfronteirasopensamentodesafiaasuaprópriafinitude,aimaginaçãotentaultrapassaroslimitesdopossível;quandoaimaginaçãofalhaaopresentificarumobjeto,devidoaodesacordocomarazão,osentimentodosublimeindiciaoinapresentável,oquenãopodeserrepresentado– já que não existemais a possibilidadedeprojetos dedomíniodo real, de representaçãodoreal,dascoisas,oqueexisteparaaexperiênciaartísticaéumarealidadedifusaeindefinida.

Nestemomentoemqueasforçasutópicasdeclinam,oqueseapresenta,paradoxalmente,éosigno de algo inaugural, de um recomeço da estaca zero. Não sabemos signo de quê; sósabemos que estamos numa situação emque vige a pergunta: teríamos já nos apropriadodascondiçõessuficientesparalevantareelaborarosobstáculosmodernos,doimperativodonovoatodocustoedacrençanumprincípiounitáriodahistória,fundamentoderealidadeeverdade?Jáestaríamosaptospararealizaraexperiênciadeumavidaemqueaarte,naimpossibilidadededaraveromundo,podeentretantosimplesmentemostrá-la?

Uma frase de Machado de Assis, a frase final de Iaiá Garcia, “alguma coisa escapa aonaufrágio das ilusões”, serve de emblema para esta tentativa de entendimento esta nossasituação. Entre nós, frequentemente, e principalmente para fins educativos, são depositadasesperanças no poder emancipador da arte e da cultura, com a proposição de ideias e açõescriativasquetraduzemumempenhoefervorpoucasvezesexperimentadonoBrasil.Inscrevendoidéiaseaçõesderesistência,osprojetostiramsuaeficáciadaforçadodesejoqueosmobiliza.

Trata-seentãode sepensaroquepodepermitir identificarnopresenteos sintomasdeumaoutraexperiência,indeterminadamaspossível,masquecontudoéprecisoconfiguraredecifrar.Assim, rever os princípios dessas atividades, tendo em vista repontecializá-los segundo ascondições presentes do imaginário e da história, não significa simplesmente recodificá-los,resgatá-los, pois esta atitude frequentemente apenas os presentifica com efeitos adaptativos, oque se pode fazer através da elaboração, do processo de escuta que atravessa os projetos eexperiênciasindagandoapossibilidadedeoutrastemporalidadesqueseabremparaumsentidoimpressentido. Tematizando-seassimobras, teorias eprojetos artístico-culturais tem-se em vistaconfigurar estratégiasmodernas e sondar táticas contemporâneas que compõem um campo deressonânciasdeintensidadesqueforçamopensamento,queaguçamnossasensibilidadeparaasdiferenças.Háumadiferençaevidenteentreaatitudemodernaeaalgumasditascontemporâneasnoque se refere ao tema, tãoacentuadoatualmente – da resistência e criação –, patentes emmuitasdasatividadesartísticaseculturais.Sobreisso,dizcomclarezaPeterPálPelbart:

Senamodernidadearesistênciaobedeciaaumamatrizdialética,deoposiçãodiretadasforçasemjogo,comadisputapelopoderconcebidocomocentrodecomando,comosprotagonistaspolarizadosnumaexterioridade recíproca mas complementar, o contexto pós-moderno suscita posicionamentos maisoblíquos, diagonais, híbridos, flutuantes. Criam-se outros traçados de conflitualidade, uma novageometriadavizinhançaoudoatrito.Talvezcomissoafunçãodapróprianegatividade,napolíticaenacultura,preciseserrevista.ComodizNegri:“Paraamodernidade,aresistênciaéumaacumulaçãodeforçascontraaexploraçãoquesesubjetivapormeiodeuma‘tomadadeconsciência’”.Naépocapós-moderna, nada disso acontece. A resistência se dá como a difusão de comportamentos resistentes esingulares.Seelaseacumula,elaofazdemaneiraextensiva,istoé,pelacirculação,pelamobilidade,afuga,oêxodo,adeserção:trata-sedemultidõesqueresistemdemaneiradifusaeescapamdasgaiolassempremaisestreitasdamisériaedopoder.Nãohánecessidadedetomadadeconsciênciacoletivaparatanto:osentidodarebeliãoéendêmicoeatravessacadaconsciênciatonando-aorgulhosa.Oefeitodocomum,que seatreloua cada singularidadeenquantoqualidadeantropológica, consisteprecisamentenisso.Arebeliãonãoépoispontualnemuniforme:elapercorreaocontrárioosespaçosdocomumese

difundesobaformadeumaexplosãodoscomportamentosdassingularidadesqueéimpossívelconter.29

Notas1.DoutoremFilosofiapelaUniversidadedeSãoPaulo,livre-docentepelaFaculdadedeEducaçãodaUSP.Atualmente,éprofessorefetivoaposentadodaUniversidadedeSãoPaulo.2.JacquesRancière.Oinconscienteestético.Trad.MônicaCostaNetto.SãoPaulo:Ed.34,2009,p.10-11.3.Cf.J.Rancière.Oinconscienteestético.Trad.MônicaCostaNeto.SãoPaulo:(Editora34,2010),2010,p.13.4.Cf.J.-M.Schaeffer.Adieuàl’esthétique.Paris:PUF,2000,p.29.5.Cf.J.Rancière.Oinconscienteestético.op.cit.,p.11-12.6.Cf.G.Wajcman.L’objetdusiècle.Paris:Verdier,1998,p.160(col.Philia).7.Cf.J.Rancière,op.cit.8.Cf.V.Safatle.Estéticadoreal:pulsãoesublimaçãonareflexãolacanianasobreasartes.In:G.Iannini;etal.,(org.).Otempo,oobjetoeoavesso-ensaiosdefilosofiaepsicanálise.BeloHorizonte:Autêntica,2004,p.117.9.TeixeiraCoelho.Ohomemquevive.SãoPaulo:Iluminuras,2010,p.191.10.Cf.J.-P.Comoli.L’artsansqualités.Tours:Farrago,1999,p.63.11.Cf.MichelFoucault.Oquesãoasluzes?.InDitoseescritos,v.II.Trad.ElisaMonteiro,RiodeJaneiro:ForenseUniversitária,2000,p.341.12.Cf.G.Agamben.Oqueéocontemporâneo?eoutrosensaios.Trad.ViníciusN.Honesko.Capecó-SC:Argos,2009,p.63.13.Cf.JeanBaudrillard,entrevista.FolhadeS.Paulo,Ilustrada–p.A-37,23/12/1987.14.FrançoisWarin.Lareprésentationdel’horreur.Marseille:LycéeSt.Charles,nov.2001,p.5.15.Cf.aanálisedeOcoraçãodastrevasemLuizCostaLima,Oredemunhodohorror–asmargensdoocidente.SãoPaulo:Planeta,2003,p.212-27.16.Cf.F.Warin,loc.cit.17.Cf.EduardoPradoCoelho.Paracomerasopaatéofim.JornaldoBrasil,Idéias/Ensaios,03/03/1991,p.4.18.J.-F.Lyotard.Opós-moderno.Trad.bras.deLaconditionpostmoderne.RiodeJaneiro:J.Olympio,1986,p.xvii.19.EduardoP.Coelho,op.cit.20.J.Baudrillard.Deumfragmentoaooutro.Trad.bras.SãoPaulo:Zouk,2003,p.31.21.Cf.F.Warin,op.cit.,p.5-6.22.Cf.J.-F.Lyotard.Opós-modernoexplicadoàscrianças.Trad.port.Lisboa:DomQuixote,1987,p.15.23.Cf.JeanGalard.Repèrespor1’élargissementde1’expérienceesthétique.Diogène,119.Paris:Gallimard,1982,p.94.24.Cf.J-F.Lyotard.Moralidadespós-modernas.Trad.bras.Campinas:Papirus,1996,p.29ess.(TravessiadoSéculo).25.J.Baudrillard,op.cit.,p.39.26.Cf.F.Warin,op.cit.,p.7.27.Ibidem,p.8.28.J.-F.Lyotard.Opós-modernoexplicadoàscrianças,p.27.29.PeterPálPelbart.VidaCapital.Ensaiosdebiopolítica.SãoPaulo:Iluminuras,2003,p.142.

Capítulo2:AlgumasPoéticasUrbanasCarmindaMendesAndré

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Temos observado que desde o final do século passado vem crescendo, nas metrópoles domundo ocidental, o número de artistas nas ruas, nas praças; há experiências de coletivos deartistasocupandoedifíciosabandonados,reativando-oscomaçõesculturais.Tambémassistimosa experiências de dança e teatro performático em espaços públicos. Gostaria de apresentaralgumas produções artísticas produzidas para e com a cidade de São Paulo. Portanto, vouapresentarartistasecoletivosquevenhoestudandoequemantemosmaiorcontato.Porisso,nãolevemessediscurso comouma totalidade,masumaperspectivaapartir deumaamostra,diriaquepequena,daenormeproduçãodaartedaintervençãourbanaqueencontramosnacidadedeSãoPaulonaatualidade.

Vou tentar apresentar algumas características dessas produções, que estou chamando depoéticasurbanas.

Em nosso entender, há uma relação entre controle dos espaços públicos e arte de rua nacontemporaneidade.Aarteurbanadequefalamosrelaciona-seporseugestoderessignificação,oudesejoderessignificaçãodoespaçopúblicoe,porconseguinte,desejodeinventaroutrosusosevaloresparaessesespaços.Oqueestaacontecendoparaquemuitosartistasqueiramestarnasruas?O que nos contam sobre nosso presente? Sobre a vida na cidade? Trata-se de falta deespaçoparaasapresentaçõesouexposições?

Alguns coletivos e artistas nos mostram gestos políticos e poéticos invadindo o cotidianourbano, gestos que poetizam e politizam a vida pública, gestos que nos aproxima do queNietzschechamade“estéticadaexistência”,gestospoéticosqueseconfundemcomaética,arteque,aproximadaàvida,ressignificaaarteeavidaurbana.

Quais seriam as bases teóricas para a perspectiva que aqui apresentamos para a arte daintervençãourbana?

NofinaldoséculoXX,umautordesconhecidodecodinomeHakinBey,publicanosEUAumlivrinho chamado ZonaAutônoma Temporária – TAZ que, emmeu entender, já sinaliza outrosmodos de pensar arte e política nas cidades da atualidade. A descrença nos Estados políticosmodernos, a descrença em qualquer tipo de moralidade em benefício de valores humanospossíveis no capitalismo levou esse autor a pensar sobre o significado das festas raves ou daatuação dos hackers, como seguidores dos antigos piratas. Anarquistas e vistos como malfeitores,ospiratascriarammodosdevidatotalmentedesvinculadosaqualquerEstadoouNação.Anarquistas e nômades, os piratas foram interpretados por Bey como indivíduos que nãoreconhecema autoridade dos Estados-nações. Bey problematiza a criminalização da ação dospiratasaointerpretarseumododeagirnocampodainsurgênciaenãodopericuloso.Ouseja,

tal como Foucault que vai estudar a vida dos “homens infames” (os loucos, os criminosos, oshomossexuais),Beymudaovalorquesedáaospiratas,retirando-osdodiscursomoraldebememal,recolocando-osnahistóriadoocidentecomorebeldesinsurgentes.

NósbrasileirosnãoprecisamosiraospirataspararefletirsobreainsurgênciacontraoEstadobrasileiro:AntonioConcelheiro,Zumbi, Lampião,os italianosanarquistas, e tantosoutros.Mas,talvez,aquinoBrasiltemosamaiorriquezanessaárea,quesãoasnaçõesindígenasqueaindaresistememseumododevidacoletivoenãocapitalista.AsperspectivasdeBeyeFoucaultnosabremcaminhospararepensaresses sujeitos foradodiscurso racistaqueosdesqualificacomonão civilizados, culturalmente menores, sujeitos ignorantes. O confronto entre capitalismo epreservaçãoambiental tem recolocadoa importância da sabedoria dos povos da floresta. Falodaquelesqueresistemenãorenunciamsuasalmasselvagens(daselva),quenãorenegaramseusdeusesparaseremoquejamaispoderãoser.Muitosdenósjáentendeuquepodemosrepensareaprender comelesmodosde respeitoedepreservaçãoàvida (animal, vegetal ehumana)quetemestadolongedenossosmodosdevida.

Ao trazer para o discurso histórico as narrativas dos vencidos, Foucault e aqueles quecontinuam nessa perspectiva nos apresentam outro modo de fazer a crítica da história dopresente. Em consonância a essa perspectiva que chamaremos de pós-moderna, encontramostrabalhos de artistas e coletivos urbanos que analisam a cidade como um discurso e dialogamseussignificadosapartirdoqueencontramnacidade:aarteurbana(monumentos,patrimônios,estatuas,azulejos,etc.),urbanização,sujeitosfrequentadores,usosdoslugares,tiposdelugarespúblicos.Eserádentrodessediscurso,queéacidade,dialogandocomele,queentendopartedaproduçãodaarteurbanadequetratamosaqui.

Ao estudar certos casos de criminosos, ao aproximar o ato delituoso da revolta, Foucaultproblematizaasprovasdepericulosidade,queaparecemnosprocessosjurídicosapartirdofinaldoséculoXVIIInaFrança.Interpretaraaçãodocriminosocomoefeitodeumasubjetividadeemrevoltaenãocomo falhamoral (essa seriaefeitoenãocausa). Foucaultapresentaocriminosocom um sujeito, como alguém com consciência e capaz de falar de si mesmo, ao invés deaproximá-losdeumpsiquismoirracionaldominadoporumdesviodecaráterquesupostamenteolevaria ao inevitável desvio de conduta moral. Foucault questiona como teria sido possívelaparecerumtipodecrime,umtipodeatocomoaquele?Etentalevantardocumentaçãoparanosfazerverdequemodoemcomquaisdiscursosdeépocaoprocessojurídicofoielaborado.Quaisos argumentos e provas condenaram ou não esse ou aquele. Foucault nos faz ver que certoscrimes(ecriminosos)sãoproduçõesdopoder.Questiona,emestudosdecaso,atéquantoosatosdodelinquente,dolouco,doescolarindisciplinado,nãoseriammodosderesistênciaaocontrolequeestãosendoobrigadossofrer?

Mas há outro sentido que podemos dar ao crime, à loucura, à indisciplina e que achointeressantíssimo.Nasrevoltas,naloucuraenaindisciplinatemostambémosentidodolugardo

escape, da fuga ao controle, da liberdade de subjetivação. Isso me faz pensar que não hácontrole absoluto para os indivíduos, posto que sempre encontraremos uma fresta para fazersobreviver em nós, o que é criativo, diferente, o exercício de alteridade. Essa tem sido umaaproximaçãopossívelquefazemosentreorebeldeeoartistaurbano;entrepolíticaearte;entreinsurgênciaepoesiaurbana.

Beyiniciaseulivrocriticandoaideiade“revolução”paranosapresentarumaoutraatitudederesistência,umoutrotipodeluta;alutadoinsurgente,dorebeldequeageindependente,queéa-partidário. Em alinhamento aos pensadores pós-modernos, Hakin Bey é um crítico às grandesrevoluçõesmodernas.SegundoeleasrevoluçõesmodernassãoresultantesdochoqueentreforçasemqueumEstadoéatacadoeseinstauraumoutroEstadocomoutrosdispositivosdecoerção.BeydesnaturalizaodiscursoquedefineaHistóriacomoasucessãoderevoluçõessupostamenteemprogressãode Estados emEstados. Beymostra, então, que nãomais é possível pensar emações para “despertar a consciência” dos supostos alienados com a finalidade de derrubar oEstadopresenteesubstituí-loporumEstadosupostamentemaisjusto.Deque,oqueépossívelnacontemporaneidade,éproporaçõesdesestabilizadoraspormeiode“levantes”,de“insurreições”quepoderãoserinterpretaçãocomotraiçõespeloEstado.

Paraoautor,olevanteéomomentodenegaçãoradical.Olevanteéumaaçãoquecriauma“experiênciadepico”.Nãoéalgoquesefaztodososdias,masquandoacontece,olevantegeranãoumamudançadeconsciência,masumadiferencenosentidodadoporDerrida(nãoidêntico,ser outro). Talvez o que presenciamos nas manifestações gigantescas realizadas em junho noBrasil de 2013 seja um tipo de levante.Nadaaparentementemudou,mas não somosmais osmesmos.Asmanifestações continuam reverberando em nós. Sinto que vivi uma experiência depico.

Em nosso grupo de pesquisa estudamos Hakin Bey e outros anarquistas, pois estamosobservandoaproximaçõespossíveisentreainsurgênciadeque falaesseautorecertos tiposdeperformances urbanas que temos observado. Parece haver, entre a ação insurgente e a açãopoética de algumas intervenções urbanas, certas características comuns. Por exemplo: atemporalidade, a negação radica, e a esperança, nem sempre alcançada, de provocar uma“experiênciadepico”.

Nocampodasproduçõesartísticas,háinsurgência,porexemplo,quandoosartistasinsistememrealizarasaçõespoéticasemespaçospúblicossemautorizaçãodoEstado.Mastalvezoqueprovoqueainsurgênciapoéticaénãodistinguirseéarteouprotesto;seéarteoubagunça.Nemmesmopodemos,emalgunscasos,distinguiracategoriaartísticadaação.Éinútilbuscardefini-la.Ointeressanteéjustamentepoderestardiantedeumsignoqueéproduzidonasfronteirasdasdefiniçõesdas categoriasestéticas.EduardoSrur,aocolocarumaboianoCristoRedentorestápintando a paisagem? O Coletivo Pi, ao realizar uma competição de natação na faixa depedestreestáfazendoteatro?Milene,doColetivoAlerta!aoandardentrodeumajaula,pedindo

aostranseuntesquealeveparalugaresdeterminados,estáfazendoperformance?Artesvisuais?Alexandre Orion, ao criar caveirinhas com pano molhado tirando a fuligem produzida pelapoluiçãodosautomóveis,estápintandoumquadro?

ParaHakinBey,oconfrontodiretocomopoderpúblico,ouseja,comoEstadonãointeressa(poisnãolheinteressaopoder,estarnopoder,seroEstado)eemseuentendernãovaleapena,poissetratadeumEstadoterminal,umamegacorporação/Estadodeinformações,umimpériodoEspetáculoedaSimulação.Dizele“todososseusrevólveresestãoapontadosparanós”.Mas,deoutro lado, mesmo com nosso armamento miserável de artistas (balões, roupas de palhaços,instrumentosmusicais,bandeiras,palavrasemestadodepoesia,etc.)Beygarantequenãotemosemquematirar,pois,emfrenteanós,estáumfantasma,estamosdiantedeumsimulacro,deumamáquinachamadaEstado.

Háumafotomuitoconhecidanasredessociaiseletrônicasdeummeninoderuaquefaztroçade dois policiais. O menino está de frente e os dois policiais estão de costas emoldurando aimagem.Ofotógrafoflagraavertiginosaassimetriaentreospoderes,nocasoaiopoderpúblicocomomoradorderua.Aausênciaderostosdospoliciaisémuitosignificativa.Nãosetratadecriminalizarindivíduos,nãosetratadesseoudaquelepolicial,masdeumaideologiaquegovernaa partir da divisão da população em classes e em forma piramidal, ou seja, sob o signo dahierarquia.Hierarquia das classes que segue a velha hierarquia das raças que, por seu turno,segueahierarquiadasculturas,hierarquiadossaberes.

Dooutro lado,estáomeninoperformatizando,com ironiadepoeta,comexpressividadedeator,asituaçãodoBrasildiantedosdesdentados,dospés-descalços,dosmeninosdrogados.Dealguém que foi deixado paramorrer. É com essa realidade que os artistas urbanos demuitasmetrópolesbrasileirasestão tendoque lidar.Suaarte, talcomoomenino,esboça,pormeiodegestosminúsculoscomparadoaopoderiodoespetaculardopoderpúblico,suarespostaaoquevive.Aarmadomeninoéamesmademuitos,ou talvezaesmagadoramaioriadosartistas:aironia e a poesia. Sem a brincadeira, sem o sentido lúdico da vida, sem utopia, sem sonho...comoresistir?

O levante e a intervenção urbana desautorizada pelo poder público são anarquistas. SuasaçõescriamoqueBeychamadeZonasAutônomasTemporárias,issoquererádizerquetrata-sede ocupações clandestinas de espaços em que o Estado ainda não reconheceu a ação dosrebeldes ou que estámomentaneamente vazio de armamentos (câmeras de segurança, guardametropolitana)ouaindaaTAZpodevirdeinvasõesrepentinasdelugaresvigiados(comosãooscasosdeaçõesemmetrôs,instituiçõesbancárias,instituiçõespúblicasetc.).

NosexplicaBey:

AssimqueaTAZénomeada(representada,mediada)oudescobertaporpoliciais,eladevedesaparecer,ela vai desaparecer, deixando para trás um invólucro vazio, e brotará novamente em outro lugar,novamenteinvisível,porqueéindefinívelpelostermosdoEspetáculo.

ATAZéummicrocosmodaquele“sonhoanarquista”deumaculturadeliberdade.

ATAZéumacampamentodeguerrilheirosontologistas:ataqueefuga.

ATAZdevesercapazdesedefender;mas,sepossível,tantoo“ataque”quantoa“defesa”devemevadiraviolênciadoEstado,quejánãoéumaviolênciacomsentido.Oataqueéfeitoàsestruturasdecontrole,essencialmenteàsidéias.

A“máquinadeguerranômade”conquistasemsernotadaesemoveantesdomapaserretificado.(Bey,2004,p.18-19)

TodasasfrasesacimadestacadasdolivrodeBeypodemnosindicardoquesetrataATAZdeBey sempre nos leva a pensar na arte como intervenção. Arte da efemeridade, arte do gestopoético,artequereinventaoagora,artequenãovemparaficar.Artequenãosefixa.Artequecorta, que gera desordem, fazendo jus ao termo que insistimos em preservar que é a de“intervenção urbana”. Intervir aqui é irônico, é omesmo que faz omenino de rua diante dospoliciais:umarepresentaçãogrotescadaviolênciabanalizadaequetemalteradoavidacoletivadacidade.

Aatitudedoartistaurbanoqueaquinosreferimosnãopretendecriarumprodutoacabado,umaobradearteecomelaestetizaracidade.EduardoSrur,aocolocara instalaçãodaspetsgigantesnasmargensdoriotietênãoquerembelezaramargensdoriotietê(apesardealcançaresseefeito),massimdarvisibilidadeaoatocriminosodetransformarorioemesgotoaberto;atocriminosodequetodossomosresponsáveis.Nãosetratadeembelezaroqueestáfeio,masdemostrarapobrezadeideiasesensibilidadequesemostranaquelelugar,davidapública,quefoiescolhidopeloartista.

Muitas ações poéticas que encontramos na cidade nos propõem outros e pequenos gestos,gestospoéticosquesãoproposiçõesderelaçõesdepodernãohierarquizados,gestospolíticos,gestocomostranseuntesecomacidade;gestosquenospropõefazerespoéticosnomicrodasrelações afetivas, nas trocas possíveis entre artistas, transeuntes e cidade. Se há beleza nessesgestos artísticos é da ordem da ética da gentileza com o outro, com a cidade e com suashistórias.

ATAZsurgetambémdoqueBeychamade“fechamentodomapa”.Issoquerdizerquenãohámais, no globo terrestre, um território que já não seja tomado por proprietários.Ao que oautorchamade“gangsterismoterritorial”onde“nenhumcentímetroquadrodaTerraestálivredapolicia ou dos impostos... em teoria” (Idem, p. 22). “O mapa está fechado, mas a zonaautônoma está aberta. Metaforicamente, ela se desdobra por dentro das dimensões fractaisinvisíveis”.Nocasodosartistas,pensoqueelesinventamespaçospúblicosnomapafechado.

AcriaçãodaTAZdequefalaBeyésustentadaporumaciênciaalternativa,apsico-topologiadefinida pelo autor como a arte de submergir em busca de potenciais Zonas AutônomasTemporárias. Tal conceito leva Bey a se a aproximar das derivas e da psico-geografia dossituacionistas.Derivar,andaraesmo,acabasendoummododeconhecerumterritóriosemuma

finalidadeprévia.Aoperambularsemprocuraralgoespecífico,operformerdeixa-se levarpelolugar, por suas poesias, por seus poetas, para alcançar um estado poético que lhe permiteapreender um mapa afetivo do caminho. Muitos coletivos, somente criam suas ações poéticasdepoisderealizarderivaspeloterritórioemquepretendeatuar.

Outra aproximação que podemos fazer entre a TAZ e uma possível poética urbana é arelação direta que se pretende construir entre artista e transeunte. Embalado pelo sonhoanarquista, Bey afirma que “a TAZ deseja, acima de tudo, evitar amediação, experimentar aexistência de forma imediata” (Bey, 2004, p. 34). Ele está se contrapondo à sociedade doespetáculoapontadaporGuyDebord.Esseafirmaqueocapitalismocontemporâneoproduzumtipo de vida inteiramente mediada por imagens, por objetos e ideias de consumo. De que ocapitalismo cria a simulação da vida. Ou seja, a vida simulada é uma vida falsa, nãoexperimentada,nãovivida. Trata-sedeumavida-mercadoria, vidaquepodemoscomprar,masqueacabapornosroubaraprópriavida.

No campo da subjetividade, a consequência da vida simulada é impedir que os indivíduossejam autônomos, pensem e decidam por si mesmos, pela experiência. A imagem e anormatividade da sociedade do consumo diz fazer quase tudo por nós (ela cuida de nossodinheiro,denossafamília,denossavidasexual,denossosestudos,desdequeagentefaçaoquenoséditoparafazerequenãodeixemosdepagaraprestaçãodosserviços).

É justamente na proposição de criar a experiência sem a mediação dos simuladores docapitalismocontemporâneoéquealgumasintervençõesurbanasnosconvidamàparticipardoatopoético.

Oartistainterventoré,emnossomododepensar,alguémquetemumposicionamentosobreaquiloquepretendetocareintervir.Nãoumposicionamentoideológico,massabeporqueestáatuandonesse ou naquele lugar. Por isso, a intervenção urbananãoparece ser uma categoriaestéticaexatamente,masumaaçãopoética,quediscuteummodode fazerpolíticaequepodetomar de empréstimo várias formas estéticas, tudo depende do que pretende atingir e dasnecessidadesdesedisfarçar.

Nesse sentido, entendemos que a intervenção urbana é um modo de RESISTIR àhomogeneização dos sentimentos, das aparências; resisti à ideia de uma estética universal e àespetacularizaçãodavida(nosentidodesimulaçãodamesma).

O artista de rua nos parece um insurgente quando não reconhece a propriedade privadaacima da vida seja ela humana ou de outra natureza. Como é isso? O artista da rua é umdespossuídodeumlugarpróprioe,comisso,exerceummododevidaprofissionalnômade.Ora,se vivemos o fechamento do mapa, em que mesmo os lugares coletivos passam a sernormatizadospelopoderpúblicoenãopelapopulação,aerrânciadosmoradoresde rua,dosmascates,dosartistasderuapassaasetornarumruídoameaçadoràordeminstitucionalizada,umaameaçaàpropriedade,nessecaso,opróprioEstado.

Podemoscompreenderque tomaro lugardodespossuídoecriarumespaçopara subjetivaroutros de si, para criar diferenças pormeio de BOLHAS POÉTICAS, comogostamos de dizer,tudo em uma sociedade que governa para segurar a propriedade e que controla a populaçãodividindo-aemclasses,dividindo-aembairros,identificandoossupostosinimigosapartirdessadivisão e dos objetos que ele carrega (carro, roupas, cor de pelo, objetos), um nômade nasociedadedo“ter”seráidentificadocomosuspeitosempre.Assim,tornar-senômade,nãoquererser proprietário, nos parece exercício de despojamento que os artistas fazem consigo e nosconvidam a fazer o mesmo. Propõem-nos a experiência da desterritorialização (da mente, daidentidadedeclasse,devaloresfixadoseassimpordiante).

O artista de rua, como qualquer trabalhador despossuído, utiliza o espaço da rua parasobreviver,poisprecisadoencontrocoletivopararealizaroquedesejafazer.Privatizaoespaçopúblico?Não,porqueénômade.Seuestadodeespírito,seupsiquismo,seumododeganharavida,énômade,viveentreasfronteias.Porisso,dizemosqueelespodemsercriadoresdeTAZ.Uma vez descobertos, eles precisam desaparecem para ressurgir em outra fresta que irãoinventar.

Quandoartistasouambulantesmascates saemàs ruaspara trabalhar, suaaçãoprovocaosdispositivosdepoderqueestãoaiparaasseguraraspropriedades.Eédessemodoqueaçõespoéticado tipo intervencionistaacabamporrevelaraprivatizaçãode lugaresquedeveriamsercoletivo. Revelam também o divórcio entre os interesses do poder público e os interesses doscidadãos.Parece-nosqueéporisso,queessetipodeaçãopoéticatendeaseconfundircomoativismopolítico.

Nemtodasasintervençõesurbanassãogeradaspelosentimentodeindignação.Noentanto,tenho participado de algumas ações poéticas que são geradas pela indignação e, por issomesmo,acabampormostraravessos.

Muitas intervenções artísticas desse tipo acabam tocando nomedo e nos preconceitos (quevemosemnósecompartilhamoscomosoutros,comomododeconsciênciadesi).Nessesentido,a arte da intervenção também pode ser do tipo participativa, sua presença no espaço públicopode funcionar também como exercícios para a práxis de uma filosofia de vida fora damercantilizaçãodaarte,foradanormatividadedoconsumo.

Osartistasque intervêmnacidadeequenãopedemautorizaçãoaopoderpúblicoparasemanifestar, assumem um posicionamento de negação do poder do Estado em espaços quedeveriamserdapopulação.Nãopedirautorizaçãoénãoaceitarainfantilizaçãodoatodesertutelado. Há uma intervenção em que o artista está desenhando caveirinhas em um túnel. Seupinceléumpanocomagua.Sua telaéaparedesujade fuligemdeum túneldepassagemdeautomóveis. Como guerrilheiro de uma outra mentalidade para a vida na cidade, a arteintervencionista desse artista atua clandestinamente para provocar a desordem do que estánaturalizadopelapopulação.Trata-sedeAlexandreOrion.

Nãopretende tomaropodere,domesmomodo,nãopretende fazercomqueapopulaçãotomeconsciênciadealgoqueelanãosabeoufingenãosaber.Nadadoquemostraénovidade,ao contrário, trata-se do óbvio. A arte está nomodo como ele nos chama a atenção sobre apoluição. Por ser uma insurgência, por não pedir autorização para sua presença – e, em suagenuína ação ativista ela não é institucionalizada – muitas vezes, tal arte é traduzida comovandalismo.

Voudarumoutroexemplo,esseeuestavapresente.Trata-sedoquechamamosde“barracade trocas”. Esse jogo artístico, na rua, suscita uma coisa curiosa nas pessoas: testa nossosprincípios éticos. Distribuímos vários tipos de objetos nessa barraquinha e trocamos por outrosobjetos.Mudamosasregrasparaastrocasdependendodolugaremqueatuamos.Nessediadafotoo jogoera trocarosobjetossemqualquer tipoderestrição.Estávamosemfrenteao teatromunicipaldeSãoPaulo.

Naquelediacertosujeitoparouenosdesafioudaseguintemaneira,escolheuumacaixinhademusicaquefuncionavamuitobem,equistrocarporumacanetavelhaquetinhanobolso.Fezissosorrindo, jáesperandonossanegativa.Qual foi sua surpresaquandonossa jogadora, comumbelosorriso,aceitouacanetaeentregouoobjetoescolhidoaosujeito.Eleficousurpreso,depoisenvergonhado,poisqueriadesfazeratrocaalegandoquenossoobjeto“valia”muitomaisdoqueaquelequeelenosdeu–destrocaquefoisorridentementenegadapelaartista.Eletinhaqueficarcomseus sentimentos, responsávelpor suaação.Então literalmentemaravilhadoo sujeitoolhoupara nossaartista e, como vendonela algodegrandeza invisível, só tinhaa nos oferecer, um“deus teabençoe”ou talvez tivessedito“Deus teabençoa”.Talvezaquelaspalavras,cheiasdesignificados, tenha sido a coisamais preciosa que trocamos naquele dia.O que ele pode nosoferecer, com a experiência ética que o fizemos passar? Não sei ao certo se foi umagradecimentoemformadebenção,suafénapossibilidadedehaveraindaumarelaçãodetrocaem que os valores eram subjetivos e não capitalista, ou se ele afirmou que Milene, nossaperformer,eraumamulherabençoada,umanjosobreSãoPaulo.

Emseusaspectosformais,algumasperformancesurbanassãoconstituídaportudoetodosqueestãonasruas:tipodeurbanismo,obrasdeartepúblicas,ambulantes,moradoresderua,comojáodisseantes.Eadificuldadeemcatalogaressaartedentrodasclassificaçõesclássicas(artesvisuais, teatro, música, dança), como também já me referi acima, me parece falar sobre umanecessidade:adecomporestruturaspoéticasmóveis,permeáveis,fáceisdeentendimento,fáceisdeseremcolocadasemmovimentoportranseuntes.

Um fato curioso équeos coletivosdeartistas intervencionistas são, geralmente, constituídosporatuantesdediferentesáreasdoconhecimento:artistas,professores,estudantes,outros.

Aodeterminarosusosdoespaçopúblicosemaparticipaçãodapopulação,oEstadotendeacriminalizarqualqueroutrousoquenãosejapreviamenteoautorizado,mesmoosusos lúdicos,

colocandoempráticaumtipodepoderquenãocontacomaespontaneidade,acriatividade,olúdicocomopartesdavida.

Referências

ANDRÉ,CarmindaMendes.Oteatropós-dramáticonaescola.SãoPaulo:Ed.Unesp,2011.BEY,Haken.ZonaAutonomaTemporária.2.ed.SãoPaulo:Conrad,2004(Col.Baderna).CARREIRA, André. Teatro de invasão: redefinindo a ordem da cidade. In: LIMA, Evelyn F.W.(org.).Espaçoeteatro:doedifícioteatralàcidadecomopalco.RiodeJaneiro:7Letras,2008.

DEBORD,Guy.Asociedadedoespetáculo.RiodeJaneiro:Contraponto,1997.FOUCAULT,Michel.Averdadeeasformasjurídicas.3.ed.SãoPaulo:Nau,2005.Fonteseletrônicas:http://coletivo-parabelo.blogspot.com.br/p/coletivo-parabelo.html(ColetivoParabelo)http://mapaxilografico.blogspot.com.br/(ColetivoMapaXilográfico)http://opovoempe.blogspot.com.br/(GrupoPovoempé)http://www.eduardosrur.com.br/#!intervencoes-urbanas/c16q7(EduardoSrur)http://www.alexandreorion.com/(AlexandreOrion)

Notas1.DoutoraemEducação,épesquisadoradoProgramadePós-GraduaçãoemArtesedocentedocursodeLicenciaturaemArtesCênicasdoInstitutodeArtesdaUnesp.EscreveuolivroOteatropós-dramáticonaescola.

Capítulo3:Quandonde(eoutras)intervençõesurbanasemarte–porumestudoindisciplinarenãoartístico

DiegoEliasBaffi1

1.IntervençãoUrbana:umpossívelentendimento

Aintervençãourbanaemarteseconfiguraemumamploespectrodemanifestaçõesartísticas,dificilmente aferível enquanto conjunto. Isso se dá justamente por sua conformação histórica.

HerdeirosdosEspíritosLivres2,osantiartistas–dosquaisosdadaístassãoosmaisimportantes–ficaramconhecidosporoporem-seàseparaçãoentrearteevidae,porestemotivo,optaramporaçõesque se utilizavamdeprocedimentos e resultados estéticosqueos colocavamna fronteiraentrearteecotidiano,esquivando-se,comoestratégiadeaçãoediscurso,deprocedimentosquepermitissemsuainserçãonoquepreconizassecomoumanovaformadearte.Comoresultado,aintervenção urbana reside em um terreno amplo que está sempre sendo revisto e

redimensionado3.Faz-senecessário,portanto,iniciarmoscomumadescriçãodoqueentendemos,noâmbitodo

coletivo quadonde intervenções urbanas em arte4 por intervenção urbana no contexto daexperiência a se descrever sucessivamente, a quais autores e práticas artísticas nos filiamos equaisosconceitosqueorientamnossasescolhasmetodológicas,vejamos:

EmCerteau(1994),oespaçopúblicoaparececomoumespaçoempráxis,sópassíveldeserassimcompreendidoquandoem fluxodemudançaeapropriaçãopelospassantes,emdevir.Acidadeassimconcebidaseráescritaereescritaporseuscaminhantesemprocessopermanentedeco-afetação, de forma que estes se tornam ao mesmo tempo autores e escrita em rede destacidade. Esse escrever/inscrever-se se dá permanente em negociação entre os transeuntes,calcadosentrenormatizaçõeshomogeinizadoras(especialmentemacropolíticas)einscriçõessub-reptíciasdesubjetivaçãoemmultiplicidade.

Desta forma a intervenção urbana, enquanto inscrição, não seria umaprática específica dehabitaracidade,masopróprioprocessodeconstituiçãodesteespaçoqueaomesmotempoqueconstrói operadores de estruturas disciplinadoras do poder (Foucault, 1979), traz no bojo aconstituiçãodemicropolíticasderesistência(ouContraUsos,paraLeite)compondoprocessosdeapropriaçãoesubjetivação.Taisinstânciasnãosãoseparadasdasdemaispráticasemcategoriasexcludentes,masconstroemumprocessopermanentedenegociaçãoqueéoespaçopúblicoemsi. Cada caminhante é escrita e escritor – ao mesmo tempo, em uma relação de dupladependência:eleéescritor,poiséescritaeviceversa–desteespaço.

Édestaformaque,enquantoactantesdaurbe,somosigualmenteresponsáveispelasuaescritaepelosprocessosdefruiçãoqueelaapresentaetodaequalqueralteraçãonamaneiradehabitarseu espaço – desde as ações ali executadas ou suprimidas, atémesmo asmicroalterações emcadeia provocadas pelos estados adivindos da consciência desta responsabilidade – é umprocessodeproposiçãoenegociaçãocomosdemaispassantes,éumescreverumnovoespaçonoespaçopúblico.

Apartirdasreflexõesanteriormenteapontadas,passa-seanãoconsiderarosinterventoresemarte como únicos atuantes do espaço público, mesmo que consideremos sua ação poética,subjetivadora ou subversiva, mas como propositores conscientes de determinadas maneiras defruição deste espaço que pretendem objetivos outros a fruições meramente utilitaristas,espetacularesoudasquecriem“operadores”dosespaçosdepoder.

Ao não ignorar que o espaço público é um território de negociação permanente entresingularidadesosinterventoressãopensadoscomomembrosdapartedoprocessodeescritadoespaço público que pode, mantendo a metáfora literária, propor perguntas potentes àmobilizaçãoderespostasestruturadasemterritóriosdefruiçãopoética.

Nosdemoremosaprofundandoestastaisperguntas,quepodemserentendidascomoqualquerposicionamento do interventor que, para além dos processos de escrita/inscrição elencados,constituam-se tendocomoobjetivooconviteaumengajamentodospassantesnaconstruçãode

umanovaexperiênciadecidade,agoraemco-criaçãopoética.Umacontecimento5entreespaço,interventor (presente através de suas ações ou de inserções de elementos autônomos quefuncionemcomoruídosàordemutilitaristanaurbe)epartícipe(esteúltimotrazidodacategoriadepassanteporengajadoaoprocessodesencadeadopelapergunta)semdiferençahierárquicaentre si, criado no encontro de processos de apropriação em subjetivação que esquivemigualmente da hierarquia pré-dada de uso/ocupação do espaço público e possam, assim,desterritorializaroespaçoondeseestabeleceoencontro,reterritorializandoemlugarpoietico,defruiçãoemarte.

AapresentaçãodequestõesdesencadeadorasdepercursosqueencontremseuresultadoemartejáfoiobjetodereflexãodeRolnikemseutextoGeopolíticadaCafetinagem,quandoobservaque

...osurgimentodeumaquestãosedásempreapartirdeproblemasqueseapresentamnumcontextosingular,talcomoatravessamnossoscorpos,provocandomudançasnotecidodenossasensibilidadeeumaconsequentecrisedesentidodenossas referências.Éodesassossegodacrisequedesencadeiaotrabalhodopensamento–processodecriaçãoquepodeserexpressosobformaverbal,sejaelateóricaouliterária,mastambémsobformaplástica,musical,cinematográfica,etc.ousimplesmenteexistencial.Sejaqual for o meio de expressão, pensamos/criamos porque algo de nossa vida cotidiana nos força ainventar novos possíveis que integrem ao mapa de sentido vigente, a mutação sensível que pedepassagem.

Quandoobjetivamproporainvestigação,emato,denovospossíveisqueconformemmeiosdeexpressão em intervenções urbanas em arte, temos detectado a passagem por três processos

menores,ou“camadas”deafecto6porseremindissociáveiseapresentaremgrauscrescentesdemergulhonaexperiência.

Aprimeiracamadanos remeteráaprópriaconstituiçãodosditosprocedimentosnegociadosdeescritacoletivaqueconfiguramoespaçopúbliconoquetangeasuafruiçãocompartilhada,edar-se-á na medida em que se revele como uma pergunta potente a contribuir aodesencadeamentodealteraçõesconscientesnaformaqueospassantesrealizamsuainscriçãonoespaçourbano.Diantedaaçãoproposta,aprimeiracamadarevela-sepeloestabelecimentodapergunta“Porqueissoestáacontecendo?”queopassantesefaznãonecessariamentedemaneiraverbal,masquealteraseuestadodeatençãoe respostaàdinâmicadeafetosdaqueleespaço,porextra-cotidiano.

A segunda dá-se quando a pergunta advinda do ruído provocado pela primeira camada,agoracorporificatambémumafeto-respostaeadentraoprocessodenegociação.Apresenta-sepor umanecessidadede apropriação, subjetivação e corporificaçãodaquestão apresentada edá-se na medida em que o passante vai atribuindo sentido à experiência dentro de seureferencial, dialogando com ela com a memória e os processos emocionais e sensoriais queremetem.Esteéomeiopeloqualopassantesetornapartícipe,dadoqueasalteraçõescorporaisprovocadas, mesmomicro-perceptíveis, afetam e influenciam os demais processos de inscriçãodospassantes,partícipeseinterventores.

O acesso à terceira camada se dará nomomento em que o processo de compreensão daexperiência (sejapornomeação,analogia,apropriação, subjetivação,etc.) iniciadonacamadaanterior não a encerra e esta “transborda”, extrapolando o acontecimento objetivo em fruiçãopoética.Esgueirandodaproposiçãodeumanovadisciplinadeutilizaçãodoespaçopúblico(namedida em que os processos vivenciados deixam de tender à univocidade e dão lugar àmultiplicidade), materializa-se o desvio à composição com a multiplicidade desujeitos/subjetivações construindo o que poderíamos nomear como espaços ímpares de afecto,dinâmicas de atravessamento, processos de perda de si, de reconfiguração afectiva de tempoe/oulugar;eestabelecendoanecessidadedecriaçãodemetáforas,funçõespoéticaseoacessoaumaexperiênciadeumquandoaiônicoeumondereterritorializante,“emarte”.

2.Oespaçodaurbe:característicascontemporâneasdeumsuportecoautor

Apermanênciadaartenas ruas,especialmentedasmetrópoles–ondeasdinâmicasdeusoestãomaisvisivelmenteprescritas–entraemcontrastecomumterritórioemviasdeesvaziamentoe alienação, onde se vê incentivado processos de espetacularização (Debord), concretizadosparticularmenteemnãolugares(Augé),processosdegentrificação,privatizaçãoouconcessãoàadministraçãoprivadadagestãoeocupaçãodobempúblico.

Estacooptaçãodobempúblicoporpartedospoderesinstituídos–especialmenteeconômicos,

masnãosó7–tempromovidoumahomogeneizaçãodoespaçocoletivoantagonicamenteaoseuprincípionorteadordeterritórioporosoàdiferençaemultiplicidade.Observa-sequeosespaçoscooptados têmdinâmicasdeuso–declaradasousub-reptícias–cerceadorasdosprocessosdereapropriação. Uma abordagem fascista, autoritária e alienante se instaura não apenas nopresente, no uso, mas igualmente na construção de passado (por exemplo, através de falsasmemórias travestidas em “história oficial”, “importância histórica” e similares) e futuro(determinação dos tempos de uso através de concessões à iniciativa privada, concessões estasque ignoramoprocessonaturaldemodificaçãodoespaço compartilhado, entreoutros)que sefaçadele.

Muito do que se baseia segundo um diferente mecanismo de uso/ocupação do espaçourbano,quandoparasitárioouprodutordediferençaaopoderinstituído, temsidoautomáticaeprontamenteexecrado.Aoseremdispostossobocontestávelprismada“ilegalidade”opovodarua,vendedoresambulantes,andarilhos,festeiros,manifestantes,ocupantes(movimentoOccupy),etc.perdemaliberdadedetrânsito,apropriaçãoesubjetivaçãodosespaçoscoletivos.Assimatuaumaameaçadoratendênciaàcriminalizaçãodadiferença.

Nessecenário,a intervençãourbanaconfigura-secomoumprocessoativodeconstruçãodeumlugar–geográficoeconceitual–depertencimentocoletivo,arefundaçãodeumterritóriodesubjetivação,deextensãodesiemartecomvistasàconsagraçãodeumacoletividadesuprimidaoumesmoaoescancaramentodesta supressão: funda-seassimnãoapenasumaaçãoartística,mas um lugar-ação. O lugar revela-se como co-autor, por apresentar neste jogo potências edemandas igualmente afectíveis, as quais o interventor considera e com as quais interage naconstruçãodesuaação.

Essas características dotam as artes ligadas à intervenção urbana da velocidade emultiplicidade do processo de transformação da urbe, fazendo com que seja responsável pelaampliaçãodos territórios atribuídos à expressãoartística: é comumna contemporaneidadequesejam tênuesas separaçõesentreaarteda intervençãourbanaeelementosatribuídosaoutrassearasdavidacotidiana,comooesporte(parkour),adesobediênciacivil(ocupaçõesartísticasdeterrenoseedifíciosabandonados,fabricaçãode“falsosacontecimentos”–flashmob,artistasquesepassamporpersonalidades,etc.),eatémesmoovandalismo(ressignificaçãodepropriedadespúblicas ou privadas a partir da inserção não autorizada de elementos gráficos – pixações,grafitagem,lambe-lambes,etc.–oucenográficos);oquecomfrequênciacolocaesselugar-açãona vanguarda das artes, pois num processo de afirmação da permanente construção demultiplicidadesdefruiçãodaexperiênciacontemporâneaedebuscaporpossibilidadesdenovospensamentos-açõesemarte.

3.Artistasnãoartistas

A intervenção urbana tem uma de suas bases mais aferíveis no Situacionismo, movimentonascido na década de 50 do século passado e que teve seu auge em 1968 vindo a seroficialmente desmembrado em 1972, quando influenciou o surgimento de diversosmovimentosquedisseminarameaprofundaramsuaspráticas.SuagrandecontribuiçãoàintervençãourbanacomoaconhecemoshojepareceseroriundadovínculoàcorrentedepensamentoqueligavaosLivresPensadoresaosexperimentosDadaístas–emespecialacríticaàinstitucionalizaçãodaartequandodaseparaçãoentrearteevidacotidiana,promovidaapósadesvirtuaçãoecooptaçãodaideiadeterritóriodaartepelaaristocraciae,posteriormente,pelaburguesia–esomaraissoacrençadequeaconstruçãodesituações(daíonomedomovimento)eraoprincipalcaminhodeenfrentamento da arte enquanto instituição, bandeira igualmente presente em uma série demovimentoscontemporâneosquevirãoounãoaseremconhecidoscomoanti-artísticos.

Destaforma,talaspectoideológiconãoserestringiuaomomentohistóricodeatuaçãodiretadossituacionistas.Valeconhecê-loparaentendermoscomoinfluenciaaintervençãourbanahoje.Como estratégia de facilitação de entendimento do ponto de vista a ser aqui explicitado,

partiremos de um exemplo já dado neste mesmo texto, dos pixadores brasileiros8 que seemparelhamaestediscursoaodefenderumaposiçãoartísticaquesecoloca,aomesmotempo,como crítica feroz à arte em seus espaços de institucionalização (no caso, as Bienais e aFaculdadedeBelasArtes).Faz-sevisívelqueoquesecriticatantoaquiquantoláéaalienaçãodaartedoambientedavidacotidianaeamercantilizaçãodaculturapresentenasociedadedeconsumo, que quantifica e encarcera a arte em espaços onde a entrada é controlada, seja dopúblico,sejadaqueleinteressadoemcompartilharoseutrabalhoartístico.Aarteassimconcebidacadavezmaisdar-seaexigir uma rotulagempara seralçadaaopatamar fetichizadoepoderocupar os lugares que lhe foram reservados pelo status quo. A violência àqueles que não semoldam a essa engrenagem é tão declarada a ponto de que hoje muitas cidades estejam searmando“contra”aartenãoinstitucionalizada,criminalizandonãoapenasaaçãodepixadores,mas de todo e qualquer artistas que se apresente nos espaços públicos sem a chancela dospoderes.Écomum(eesperável)queseopteporumarespostaviolentaàviolênciasofrida.Éissoquevemosnasaçõesdospixadores,aopçãoporestratégiasquecombatemaviolênciarealdoestado comviolência simbólica (ou, seassimpreferirmos, combatema violência realdoestadocom a violência real contra alguns de seus maiores símbolos – a opulência, a excessivavisibilidadeeapropriedadeprivada),retomandooparalelismo,estavamigualmentepresentesnodiscursodosmembrosdaInternacionalSituacionista.

Boa parte desta violência não é personificável, mas encontra-se na raiz do processo deorganização da sociedade no século XX (e, como veremos, também no XXI), queGuyDebordnomearáSociedadedoEspetáculo.ParaDebord,faz-seurgentecombatertalorganização,ligadaà fetichização damercadoria e à assunção de imagens que se impõem comomediadores dasrelaçõeshumanas.Talcombatesedáapartirdaconstruçãodesituações.

Aconstruçãodesituaçõescomeçanasruínasdoespetáculomoderno.É fácilvisualizaraquepontoopróprio princípio de espetáculo – não-intervenção – está ligado à alienação do Velho Mundo. Aocontrário, os experimentos revolucionários e mais pertinentes de cultura vêm tentando quebrar aidentificação psicológica do espectador com o herói, para levá-lo à atividade, provocando sua

capacidadederevolucionarsuaprópriavida.9(52,grifonosso)

Devolveracapacidadedopúblicode“intervir”nosacontecimentosculturaiséprovocar-lhea“capacidadede revolucionaraprópria vida”.Atente-seao fatodequeoartistanãoéa fontedestarevolução,masoéopróprioespectador,levadoàatividadeporumanovaorganizaçãodoacontecimento cultural.Odesencadeamentodeum lugardeaçãocompartilhada–decomoção(mover junto) – é uma das premissas que até hoje influenciam diretamente a construção deintervençõesurbanasemarte.MaisdoqueumadevoçãoaomovimentopropostoporDebord,amanutenção desta premissa se deve a intensificação do processo de espetacularização dascidades,comobemdetectaJacquesaoapontarqueestamos

Hoje,emummomentodecrisedapróprianoçãodecidade,quesetornavisívelprincipalmenteatravésdasideiasdenão-cidade:sejaporcongelamento–cidade-museuepatrimonializaçãodesenfreada–sejapordifusão–cidadegenéricaeurbanizaçãogeneralizada.Essasduascorrentesdopensamentourbanocontemporâneo, apesar de aparentemente antagônicas, tendem a um resultado bem semelhante: a“espetacularização”dascidadescontemporâneas.

Assim como a premissa, a manutenção de procedimentos utilizados para combater esteprocessodeespetacularizaçãointegramaindaasexperiênciasdecidade.Alémdaproposiçãodeações integradasao combateda lógicada violênciapela violência,apontadaanteriormentenocasodospixadores,ésignificativooengajamentodediversoscoletivosdeintervençãourbanaaousodederivas,ouseja,caminhadasaesmopelosespaçospúblicosquesubvertemanoçãodacidade como território de passagem através da abertura à emergência de um estado deexperiência,defruiçãopoéticadacidade.

Porsuaaberturaàemergênciadeafectosquemobilizamprocessosdereconfiguraçãodesinoespaçopúblico,aderivaaparecetantocomoaçãoemsi,quantocomometodologiadeestudodoespaçopúblicoporestes coletivospara construçãodeaçõesem intervençãoque seutilizemdeoutros formatos. A deriva – cujo personagem modelo será o flâneur, porWalter Benjamim –coloca o interventor como estrangeiro na própria cidade e potencializa sua capacidade deprodução de diferença domodus vivendi em operação. As ações daquele que deambula pelacidadeaencaramcomo

algoaserdescoberto,explorado,nuncaaceitocomonatural,queestáláedaquelejeitodesdesempre[...]

Nessesentido,oflâneurésempreumestrangeironacidade,poisestáláparaexplorá-la.10

A ele, a cidade se apresenta como território de diferença, estranho, estrangeiro, aberto àconstruçãodeumaestratégiaparticulareúnicatempo-espacialmentedefruição,queesquivedoespaço funcionalista, se orientando pela singularidade do acontecimento de encontro com oespaço.

Seampliarmosessavivênciaaoencontrodesubjetividadesqueoespaçopúblicosupõee,porprincípio,incentiva,estaremospróximosdaconformaçãodeT.A.Z.s(siglaeminglêsparaZonasAutônomasTemporárias), teorizadasporHakimBey:espaçosondeasociabilidadeesquivadosditamesdospoderesinstituídosemdireçãoaoqueAliceeMottadetectarãocomoconcretizaçãodemicroutopias,eque,acredito,possamsertambémcompreendidascomoespaçosdeexistênciapotencializada de si e do encontro concomitantemente, em uma espiral onde a subjetivação eapropriaçãotensiona,estimulaedávelocidadeaocompartilhamentodaexperiênciadobrandooespaçodesinoespaçodeencontroevice-versa.

4.Quandonde:indisciplinaeantiarte

O quandonde intervenções urbanas em arte, do qual aqui se discorrerá brevemente, é umcoletivoformadocomofrentedeatuaçãoartísticadoprojetodePesquisa“IntervençõesUrbanasem Arte: Um Lugar-Ação na Urbe” (fevereiro de 2012 a fevereiro de 2014), sucedido peloprojeto “quandonde intervenções urbanas em arte – em busca de um lugar-ação na urbe”(fevereirode2014afevereirode2016)dentrodaUniversidadeEstadualdoParaná(UNESPAR)

– Campus Curitiba FAP.11 Coletivo este atualmente formado por sete discentes e egressos doscursosdeBachareladoemArtesCênicaseBachareladoemDançadareferidauniversidade,alémdemembrosdacomunidadeexterna.

Desdesuafundaçãoogruposecaracterizaporsuaindisciplinaridade,ouseja,abuscapelaconstruçãodeprocedimentosem intervençãourbanaquepartamda investigaçãodeestratégiasdeproposiçãodentrodestalinguagemcomorespostaanecessidadesadvindasdeoutrosâmbitosda vida de seus componentes. Se por um lado tais âmbitos organizam-se como estranhos àlinguagempropriamente dita, por outro tal estratégia contribuirá para que a relação arte-vida,basilar para a intervenção urbana em arte, esteja garantida. Assim, buscamos que asnecessidades dos membros do coletivo possam encontrar não soluções nos procedimentos queutilizamos,masproblemaspotentesqueexijama reconfiguraçãodosprocedimentosconhecidos

paraqueganhemfluxodentrodoespaçodeintervençãourbanaemarte.12

Assim, o grupo tem se configurado a partir da busca por “problemas” mobilizadores, quepodem ser: a necessidade de um posicionamento político, um incômodo em relação a umaexperiênciavividanoespaçopúblico,umaceleumaindividualoucoletivavivenciadanocampus,aadmiraçãoporumartistaeodesejodeserinfluenciadoporele,oconviteparauma festadafaculdade,oamigosecretodefinaldeano,acomemoraçãodopróprioaniversário...Apartirdadelimitação de um problema instigante, o grupo começa a experiência prático-teórica deinvestigação, experimentação eaprofundamentodos caminhos possíveis para concretizaçãodatranscriaçãoemintervenção.Esteacontecimentosedáapartirdoencadeamentodeumasériede

consideraçõesquenão seguemummesmo trajeto,mas tocam, emgeral, questões circundantes

aosmesmostemasesedá,aproximadamente,assim:13

Observamos autores e artistas de referência, entrecruzamos hipóteses, conjecturamoscaminhos não apenas na teoria, mas, sobretudo, na prática. Exercitamos, exercitamos,exercitamos.Emintervençõesdeestudo,abrandamosàvontadeparaqueoespaçonosproponhacaminhos,realizamosderivasativasecontemplativas.Deixamosqueoespaçohaja,emnós.

Na medida em que algumas opções se delineam e as experimentações ganham corpotentamosaferirqualcamada,dastrêselencadas,estamosconseguindotocarecomoaprofundarestarelaçãocomvistasàconstrução,nemsempreatingida,massemprealmejada,dastaisZonasAutônomas Temporárias. Exercitamos a violência que acolhe e dá espaço à multiplicidade, aagressividadequerespeitaaspotênciaseincluiasdiferençassemhomogeneizá-las.

Semprequeumaaçãosemostrapotenteeprovocacomoção,repetimos,repetimos,repetimos.Damostempoeespaçoàsurgências.Aguardamosqueofimseimponha.

Exercitamos à abertura ao erro e ao arrebatamento sem buscar culpados. Suspendemos ojulgamento.Evitamosestabelecerrelaçõesdefinalidades,deassistênciasocial,desuperioridademoral.Encaramosafalibilidadedoprocessocomoapermanênciadodesafioquenosmove.

Esquivamosdosmecanismosespetacularizantes.Buscamosqueaaçãonão tenha separaçãogeográfica entre propositores e partícipes e nem se configure uma determinação aferível detempoeespaçoqueencerreafruiçãopoética.Buscamosquenossasaçõestoquemumaformadeviver, ou experimentar, a cidade e damo-nos a que esta nova cidade em construção, nosexperimentetambém.Atéqueumanovanecessidadeseimponhaenosconvoque.

Atravésdestasconsiderações–quesedão,ébomqueselembre,tantonateorizaçãoquantona prática em uma relação de inter-dependência não hierarquizada –, temos alimentado asinquietações do coletivo e buscado os caminhos para que elas fruam em arte através daintervenção urbana. Tal metodologia tem contribuído para que cada integrante desenvolva aomesmotemposuapróprialinguagemartística,delineadapelasescolhastomadasdentrodoamploe maleável horizonte das intervenções urbanas em arte, e estejam vinculados a uma opçãoestéticaquenoscaracterizacomomembrosdoquandondeintervençõesurbanasemartequantodascidadesquenossaaçãoreverbera,modifica,contestae,portudoisso, indisciplinadaenãoartisticamente,(des)constrói.

Referências

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ROLNIK, Suely. Geopolítica da cafetinagem. Disponível em:<http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Geopolitica.pdf>. Acesso em: 3nov.2013.

Notas1. Professor Assistente na Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR – Curitiba Campus, Mestre em Artes Cênicas pelaUniversidadeEstadualdeCampinas,membrodoGrupodePesquisasArteePerformance(UNESPAR)ecoordenadordoProjetodePesquisa Prático – Teórico em IntervençõesUrbanas –Um Lugar-Ação naUrbe e de seubraçoartístico, denominado quandondeintervençõesurbanasemarte.E-mail:[email protected],passim.3.Acritériodeexemplo,citoaquiaprogressivatransiçãoaindaemcursodapixação,deaçãovistacomoumproblemadedireitopenal–sejapelodiscursodasubversãopolítica,sejadodanoaopatrimônio–aouniversodaintervençãourbanaemarte.Apesardeaindaincipienteecontroversa,vemosaçõescomoainvasãodequarentapichadoresà28ªBienaldeSãoPauloem2008comoumaestratégiadecontestaçãoe,aomesmotempo,dereivindicaçãodevisibilidadedospichadoresdentrodouniversodasartesvisuais.A busca por visibilidade comprova-se quando autores da ação, entre eles RafaelGuedesAugustaitiz – que havia sidoexpulso meses antes do Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo, por liderar a ação de pichadores no campus em suaapresentaçãodeTrabalhodeConclusãodeCurso–,afirmamementrevistasenasredessociaisqueoquefazeméarte,ou,comodisseaúnicadetidanaaçãodaBienal(nãoidentificada),àreportagemdoJornalFolhadeSãoPaulo,“Éoprotestodaartesecreta”.Talvisibilidadeéeficazapontodefazercomquepichadoresassumidamentepresentesnaaçãoda28ªBienalfossemconvidadosadarumworkshopna7ªBienaldeBerlimem2010,duranteaqualapresentaramseutrabalhocomvisívelrigorformal:escalandoumprédionãoautorizadoepichando-o,mesmoapósatentativadeimpedimentopelocuradorepelamídiaquecobriaoevento.Asuainserçãonomundodasartessegue,assim,sendofrequentementerevistaeredimensionada,jáqueaindacarregaconsigoocarátercontestadorelibertário.4.Apresentareiocoletivomaisdetalhadamenteaolongodestetexto.5.Aquiconsideraremosacontecimentocomoumencontrointensivoquemodificaoselementosneleenvolvidos.6.Agrafiaafectoéaquiescolhidaparaqueseatenteasualigaçãocomovocábuloafetarenãocomafeição.Oqueseestáemjogoéacapacidadedeprovocaralterações,demobilizardemaneiraampla,enãounicamentedesuscitaremoções.7.Apenasatítulodeexemplo,poderíamosampliaralistadestespoderesparaoestado,asmilíciaseasigrejas.8.Videnota33paramaisinformações.9.Debord,Guy.InternationaleSituationnisten.ºIdeJunhode1958.ApudHowe.10.Bassani,p.45.11.Emquarentaeummesesdeatuação,ocoletivotemsidocompostodemaneiradinâmicaporalunos,ex-alunosemembrosdacomunidadeextra–cadêmicaàUNESPAR.CuritibaCampusIIFAP.Cercadequarentaintegrantespassarampelocoletivoeforamresponsáveispormaisdequatrocentasintervençõesem15cidadesde6estadosbrasileiros,bemcomonosEstadosUnidos(Boulder)ePortugal(Lisboa).ContaatualmentecomaparticipaçãodeCarlaCanes,CassianaLopes,DiegoBaffi,JuliaCampos,JulianaLiconti,RenataFernandeseThiagoMartins.Maisinformaçõessobreocoletivopodemserobtidasemsuapáginanaredesocialfacebook:https://www.facebook.com/quandondeintervencoesurbanas.12.TalprocedimentoestádiretamentevinculadoaodescritoporRolniknotrechotranscritoanteriormente.13.Apartirdestemomento,experimenta-seneste textoumaescritaquebusca influenciar-seporesteprocessode indisciplinaetranscriaçãoessencialmentecaóticoeemprimeirapessoa.

Capítulo4:Atemáticaecológicacomoobjetodecriaçõesartísticasemarte-mídiaeartetecnológica

GiulianoTosin1CristianeLustosa

2RitadeCássiaMendes

3

Este capítulo aborda a presença da temática ecológica nas criações de arte-mídia e artetecnológica.Conformeilustraremos,essascriaçõescompõemumaproduçãosingularnocontextodaartecontemporânea.Tratamdeassuntosquepreocupamaecologia,etrazemreflexõessobreeles, através da expressão artística aplicada à tecnologia. A contraposição natureza versusmáquina adquire, nesses casos, uma dimensão inversa: há uma humanização das máquinasatravésdaarte,umaaproximaçãoentreohomemeomeioambiente,mediadapelasintoniacomodesenvolvimentotecnológico,queseria,porrazõeshistóricas,inimigodanatureza.

Avisãoqueaecologia trouxecomociênciabiológicaparticular foiacompreensãodomeioambiente e dos seres vivos como um sistema integrado biologicamente, geograficamente, emtermosclimáticos,genéticos,etc.Asaçõese reaçõesnoscomplexos sistemasemqueavidaseapresentaapontamparaa interdependênciadasespéciesemsi,entre si,e comomeio.Desdeque a biologia se constituiu como uma ciência aplicada, emmeados do século XX, começou afornecersubsídiosparadiversasiniciativas,quesurgiramemdiferentesesferasdasociedade:nocampo político, nasmanifestações populares, nas iniciativas do terceiro setor, na comunicaçãoespecializadaedemassa,etambémnocontextodasartes.Ocrescentedomíniodohomemsobreoplaneta trouxe,emcontrapartida,oaumentodo interessecomaspreocupaçõesecológicas,àmedidaqueoavanço tecnológicodeixouclaro,comaagressãoaomeioambiente,opreçododesenvolvimento. À ecologia antiga, de Darwin e Haeckel, sucedeu-se a moderna, quetransformou-a numa ciência amplamente aplicada.Mas as tendências contemporâneas abriramnovos caminhos interpretativos para a ecologia, vide o paradigma da ecologia profunda, querepresentaumareformulaçãodosconceitosdaecologiamoderna,ehojeconstituiumpontofortenaformaçãodoquesedefinecomoconsciênciaecológica.

Acorridatecnológicainterferiuemtodasasáreasdasociedade,entreelas,nasartes,ondeaconvivência com as novas tecnologias tornou-se um atrativo para os artistas experimentaremnovas formas de realização. Entretanto, o que os artistas fazem, normalmente, é um uso nãoconvencional dos dispositivos tecnológicos, explorando seu caráter não utilitário edesprogramando as finalidades originais para as quais foram fabricados. É visível que existetambémumcertomodismonessaproduçãoartística,caracterizadoporobrasqueseconcentramno uso decorativo das tecnologias. Mas existem também muitos projetos que equacionam, demaneiracriativaecomoparteconstituintefundamental,apresençadossuportestécnicos.Detodomodo, essas iniciativas constroem diálogos interdisciplinares que fundem sensibilidade ecriatividade artística, pesquisa e conhecimento técnico, com questões pertinentes às temáticas

abordadas nas obras.No caso da ecologia, a produção de arte-mídia e arte tecnológica temapresentado obras que instauram reflexões sobre problemas fundamentais da área, como: apreservação ambiental, as condições de vida nas metrópoles, a transgenia, o cibridismo, avalorizaçãodabiodiversidade,aconscientizaçãosobreocontroledemográfico,entreoutros.

1.Ecologia,consciênciaecológicaeecologiaprofunda

Aecologiaédefinidacomoa“ciênciadohabitat”,queseocupadascondiçõesdeexistênciadosseresvivosesuasinterações,sejamelasdequalquernatureza,existentesentreeleseomeiono qual estão inseridos.A ecologia utiliza em seu conjuntométodos, conceitos e resultados deoutras ciências biológicas, além da física, química e matemática. As espécies não sãoinvestigadas isoladamente ou em pequenos grupos de amostragem, mas como população, umconjuntodeindivíduossituadosemumalocalidadedeterminada,querenova-secomotempo.Otermo“ecologia”foiadotadopelaprimeiravezem1866,pelobiólogoalemãoErnstHaeckel,naobraMorfologiaGeraldosOrganismos(Dajoz,1973,p.13-14).

Charles Darwin, no célebre livro A Origem das Espécies (1859), embora não tenhaempregado especificamente este termo, foi umdospioneiros nos estudosquedizem respeito àecologia,vistoqueassegurouahipótesedotransformismodasespécies,caracterizando-oapartirdas relações comomeioondeasmesmas estão inseridas.Na segundametadedo séculoXIX,multiplicam-seostrabalhosdebiologiacomcunhoecológico,queevidenciamoaspectodinâmicodas inter-relações entre os organismos e seu meio. Podem ser citados com destaque, nestesentido,ostrabalhosdeHumboldt,Haeckel,Mobius,ShelfordeAdams.Apartirdosanos1920,essesestudoscomeçamasubsidiar iniciativaspráticas,comoaplicaçõesagrícolase florestais,afundaçãodesociedadesdeproteçãoaomeioambiente,eacriaçãodeveículosespecializadosempublicaçõesrelativasàtemáticaecológica(Ibidem,p.19-20).

Nadécadade1930,nasceaecologiamoderna,caracterizada,sobretudo,pelaprofusãodesua aplicabilidade em diversos ramos da sociedade, como: a luta biológica do homem contraespéciesnocivasàsuasaúde,àagriculturaeàpecuária,comsuasimplicaçõesedecorrências;aregulação racional do corte de áreas verdes; a criação de Reservas e Parques Nacionais; apreservação da biodiversidade marítima e terrestre; o controle demográfico; os cuidados nodesenvolvimento de transgênicos; as condições de vida nas metrópoles, etc.Os conhecimentosdesenvolvidos por esta ciência subsidiam iniciativas que partem de grupos e organizaçõesmilitanteseinterferemnarealidadesocial,políticaeeconômicadospaíses.

A ecologia moderna divide-se em três segmentos: a autoecologia, a demoecologia e asinecologia. O primeiro estuda as relações de uma única espécie com seu meio, definindo oslimitesdetolerânciaeaspreferênciasdasespéciesemfacedosfatoresecológicos,examinandoaação do meio sobre a morfologia, a fisiologia e o comportamento. Já o segundo, aborda adinâmicadaspopulações,asvariaçõesnaquantidadedasdiversasespécies,visandoexplicaras

causasdessasvariações.Porfim,asinecologiaéaresponsávelporanalisarasrelaçõesexistentesentre os indivíduos pertencentes às diversas espécies de um grupo, e seu meio. Divide-se emsinecologiadescritiva,queconsistenadescriçãodosgruposdeseresexistentesnumdeterminadomeio,esinecologiafuncional,queabordaaevoluçãodosgrupos,analisandoasinfluênciasqueosfazemsuceder-seemumdeterminadolugar(Ibidem,p.17-18).

Odomíniocrescentedohomemsobreoplaneta trouxeconsigoumasériedepreocupações,decorrentes das interferências realizadas no meio ambiente, para propiciar o desenvolvimentohumano.Soma-sea issoadesigualdadede condiçõesde vidaentreospróprioshumanos,queacarretaoutra sériedeproblemas,pertinentes tambémaoescopodaecologia.Oproblemadasobrevivênciadahumanidadedeixoudeserinteressesomentedevisionários,lunáticoseprofetasdemauagouro,eaconsciênciaecológica temsedifundidogradualmentenasúltimasgerações.SegundoadefiniçãodeAntônioMoser:

A consciência ecológica não nasce no vazio. Ela emerge antes de tudo de uma dura realidade, queameaça derrubar todo um sonho acalentado durante séculos, mas sobretudo nos últimos decênios: osonho de o homem enfim tornar-se de fato o senhor de toda a criação. [...]A consciência ecológicaemergeigualmentenocontextodeumanovaconsciênciaética,quesuperaoeternismoparapreocupar-secomasrealidadesdohomem;quesaidosubjetivismoprivatistaparalançar-senamacro-realidade;queabandonaoprogressismoparaabraçarumacontestaçãolibertadora.(1984,p.8-9)

Aconsciênciaecológicaéumfenômenoéticoquedemonstraquepartedahumanidade,nosdiasdehoje,sepreocupacomorespeitoàspessoaseaospovos,comapreservaçãodosdireitoshumanos,comapazentreasnações,ecomoproblemadadesigualdadenascondiçõesdevida.Éumasensibilidadequecombateoindividualismosuplantadopelassociedadescapitalistaseseuincentivoàcompetiçãodesenfreada.ParaMoser(1984,p.10),aéticaoferecesubsídiosparaoequacionamento dos problemas ecológicos. Mas isso requer uma postura do homem diante anatureza, que não seja meramente idealista, mas que se configure como prática, como já foidemonstradoporpersonagenseacontecimentoshistóricos.Amudançadeatitudeaponta,aindasegundooautor, três caminhos:omododevera realidade,omodode julgá-la,eomododeinstaurarumapráticaquesejalibertadora.

De acordo com Loureiro (2012, p. 17), a prática ambientalista, que visa a construção dacidadania plena e ecológica, é prejudicada pela ausência de crítica política e de uma análiseestruturaldosproblemasquevivenciamos,alémdalógicainstrumentaldosistemavigentereduziro “ambiental” a aspectos gestionários e comportamentais. O autor cita três ameaças àconsciência ecológica, no plano da produção de conhecimento: o naturalismo, que aborda osproblemas ambientais de modo a-histórico, ignorando as relações sociais e onde a relaçãoindivíduo-natureza é condicionada, trocando essa abordagem equivocadamente pela dinâmicadas“relaçõesnaturais”;otecnicismo,ondeassoluçõestécnicas,demanejoegestãodosrecursosnaturais são apresentadas como capazes de resolver os dilemas ecológicos, ignorando osaspectospolíticoseeconômicosenvolvidos;eoromantismoingênuo,defendidopelosquebuscam

ser política e ideologicamente corretos, mas não consideram a dinâmica da natureza e ainevitávelaçãohumanasobreela.Sacralizamomeioambienteecaracterizamohomemcomosernefasto(Ibidem,p.24).

Osproblemasglobaisquedanificamabiosferaeavidahumanadeummodoque,embreve,pode tornar-se irreversível, motivaram Fritjof Capra a defender o conceito de “ecologiaprofunda”. Segundo o autor (2004, p. 23), esses problemas não podem ser compreendidosisoladamente, pois são sistêmicos, ou seja, estão interligados e são interdependentes. Porexemplo: só será possível estabilizar a população quando a pobreza for reduzida em âmbitomundial,ou,aextinçãodeespéciesanimaisevegetaiscontinuaráemescalamassivaenquantoospaísesdoHemisférioMeridionalcontinuaremcomenormesdívidas.Essesproblemasprecisamservistoscomofacetasdeumaúnicacrise:acrisedepercepção.Nossapercepção,edasinstituiçõesemgeral,agoraéqueestácomeçandoaadequar-seaummundosuperpovoadoeglobalmenteinterligado,eénecessáriaumatransformaçãourgentenosvalores,umanovavisãodemundonaciência e na sociedade, “uma mudança de paradigma tão radical como o foi a revoluçãocopernicana”(op.cit.).

Aecologiaprofundaapresenta-secomoumparadigmaqueconciliaumavisãoholística,porentender o todo como um sistema integrado, e ecológica, mas não no sentido da ecologiatradicional,queé consideradacomo“ecologia rasa”.Aecologia rasaéantropocêntrica, vêossereshumanoscomosituadosacimaouforadanatureza,comoafontedetodososvalores.Jáaecologia profunda, segundoCapra não separa os seres humanos, ou qualquer outra coisa, domeioambientenatural:

Elavêomundonãocomoumacoleçãodeobjetosisolados,mascomoumarededefenômenosqueestãofundamentalmente interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valorintrínsecodetodososseresvivoseconcebeossereshumanosapenascomoumfioparticularnateiadavida. [...] Em última análise, a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou religiosa.Quandoapercepçãodeespíritohumanoéentendidacomoomododeconsciêncianoqualoindivíduotemumasensaçãodepertinência,deconexidade,comocosmoscomoum todo, torna-seclaroqueapercepçãoecológicaéespiritualnasuaessênciamaisprofunda.(2004,p.26)

Estenovoparadigma,surgidoapartirdosanos70,muitoinfluenciadopelasideiasdofilósofonorueguêsArneNaess,tambémécaracterizadoporquestionar,apartirdeperguntasprofundas,cadaaspectodovelhoparadigmaecológico,colocandoemchequeosprópriosfundamentos“danossa visão de mundo e do nosso modo de vida modernos, científicos, industriais, orientadosparaocrescimentoematerialistas”.Segundoaspremissasfilosóficasqueasustentam,aecologiaprofunda não pretende desfazer-se por completo dos antigos preceitos ecológicos mas, antes,questioná-lostodos(op.cit.).

2.Arteetecnologia

Doravante nosdebruçaremos sobreoutro focode interessedopresenteprojeto: as relaçõesentre arte e tecnologia.Os avanços das ciências físicas e biológicas ocorridos, sobretudo nasúltimas décadas do século XX, permitiram que muitos analistas da sociedade e da culturarepetissemenfaticamentequeestamosvivendoumverdadeiro“choquedofuturo”(SantaellaapudArantes, 2005, p. 9). A explosão da teleinformática, das telecomunicações, o advento daspróteses tecnológicas,sensório-cognitivas,abiotecnologiaeabioindústriaconstituíramumsaltoantropológico comparável ao da revolução neolítica, por conta das transformações que estãotrazendoparatodasasesferasdasociedade:economia,trabalho,política,cultura,comunicação,educação,consumo,etc.

Nomomentoatual,segundoSantaella(op.cit.),háqueseficarbempertodosartistas,prestaratençãonoqueestãofazendoaquelesquesesituamnapontadelançadacultura,poiselessãoosprimeirosaenfrentar faceafaceos“horizontesdaincerteza”,criandoasnovas imagensdohumanoedeseusambientes,novórticedaatuaistransformações.Artecomputacional,sky-arte,arteporsatélite,artedatelepresença,teleintervenção,imersão,realidadevirtual,artetransgênicae arte robótica são algumas das manifestações que representam esse feixe de produções. Aautora define como “arte tecnológica” a produção que ocorre quando um artista utilizadispositivosmaquínicos, ou seja, quematerializamum conhecimento científico e têm uma certainteligênciacorporificadaemsi.Sãodiferentesdasferramentastécnicas,utilizadasnaproduçãoartesanal,porexemplo,comopincéiseespátulas,quesãosimplesprolongamentosdogestohábil(2004,p.153).

ParaArlindoMachado,as tecnologiaseletrônicasedigitaisestãopermanentementeaoredordosartistasnaatualidade,“despejandooseufluxocontínuodeseduçãoaudiovisual,convidandoaogozodoconsumouniversalechamandoparasiopesodasdecisõesnoplanopolítico”.Sendoassim,continuaoautor:

[...]édifícilimaginarqueumartistasintonizadocomoseutemponãosesintaforçadoaseposicionarcomrelaçãoa isso tudoeaseperguntarquepapelsignificanteaartepodeaindadesempenharnessecontexto.

Asrespostas,segundoMachado,representamadiferençaintroduzidapeloartistanouniversomidiático: ao invésdealimentara “máquinaprodutiva” comenunciadosde consumo, elepodeapresentarumprojetocríticorelacionadoaosmeiosecircuitoscomosquaisopera.Sendoassim,interferena lógicadasmáquinasedosprocessos tecnológicos, subvertendoedesnudandosuasfunçõesprometidas,e“desprogramando”atécnica(2007,p.22).

SegundoAntonioRisério:

[...]astecnologiasnãotêmnaturezanemessência,sãomutáveis,deacordocomanossavontade,istoquerdizerquenãosepodepensar“vouproduzirassimporqueestouusandodeterminadomeio”.(1998,p.9)

Essa visão deposita toda a iniciativa e responsabilidade da realização na criatividade doartista,masqueremos chamaraatençãoparao fatodequeas tecnologias também, com suasqualidadesmateriaiseespecificidadeshistóricas,sugeremepropõem,criandoumdiálogocomaimaginaçãodequemproduzarte.ComosalientaArlindoMachado:

Astécnicas,osartifícios,osdispositivosdequeseutilizaoartistaparaconceber,construireexibirseustrabalhosnãosãoapenasferramentasinertes,nemmediaçõesinocentes,indiferentesaosresultados,quesepoderiamsubstituirporquaisqueroutras.Elesestãocarregadosdeconceitos,elestêmumahistóriaederivamdecondiçõesprodutivasbastanteespecíficas.(2007,p.16)

A relação com a tecnologia traz ao artista a oportunidade de, ao mesmo tempo, viver odesafio de abrir-se às formas tecnológicas de produzir do tempo presente, e contrapor-se aodeterminismotécnico,recusandooprojetoindustrialjáembutidonasmáquinas.Comessaatitude,oartistaevitaquesuacriaçãoresultesimplesmentenumendossodosobjetivosdeprodutividadedasociedadetecnológica(Machado,2007,p.16).Éaoportunidadededesprogramarocaráterutilitáriodamídiaatravésdeseuusopoético,deconcederócio,contemplaçãoereflexãosobreosaparelhosdenaturezaprodutiva, iluminando-ospela criação críticapara revelaroutro viésdaslinguagensemquesemanifestam.ComoobservaPhiladelphoMenezes(1998),aartepermitevero que a tecnologia “tem de programado que pode ser desprogramado”, dado que não serestringeaexplorarseucaráterutilitário.

Segundo Machado, o “desvio” do projeto tecnológico permite que a arte proponha uma“metalinguagem”dasociedademidiática,àmedidaqueapresenta,“nointeriordaprópriamídiae de seus derivados”, alternativas críticas às formas de normatização e controle da sociedadeparaas quais asmídias são convencionalmente idealizadas (Ibidem,p. 17).Comoesclarece oautor:

[...] a apropriação que a arte faz do aparato tecnológico que lhe é contemporâneo diferesignificativamentedaquelafeitaporoutrossetoresdasociedade,comoaindústriadebensdeconsumo.Emgeral,aparelhos, instrumentosemáquinassemióticasnãosãoprojetadosparaaproduçãodearte,pelomenosnãonosentidoseculardesse termo, talcomoeleseconstituiunomundomodernoapartirmaisoumenosdoséculoXV.Máquinassemióticassão,namaioriadoscasos,concebidasdentrodeumprincípiodeprodutividade industrial, deautomatizaçãodosprocedimentos paraaprodução em largaescala,masnuncaparaaproduçãodeobjetossingulares,singelose“sublimes”.(Ibidem,p.10)

Existeuma sensíveldiferençaentreprojetosqueusama“arte como tecnologia”no lugarde“tecnologia como arte”, como distinguiram Julio Plaza e Mônica Tavares (1998, p. 69). Aprimeirarefleteumprocessodecriaçãopautadoemumaatitudeinovadora,quebuscaexploraras potencialidades oferecidas pelos novos meios, aliadas à criatividade e originalidade, nosentidodefazerbrotar,damaterialidadedossuportes,asqualidadesquelevarãoopensamentohumano à invenção estética. No outro caso, está a vocação reprodutiva da infraestruturatecnológica,maisconcentradanosmeiosdoquenacriatividade.

Nomomentodainvençãocomtecnologiaseletrônicas,asinergiaentreohomemeamáquinasemanifestaatravésdodiálogoestabelecidoentreasubjetividadedocriadoreaspossibilidadesde realização com o meio escolhido. Esse diálogo apresenta diferentes possibilidades (oupoéticas),quePlazaeTavaresclassificamem:poéticaporassociação,queéaquelaqueutilizarepertórios armazenados em memórias eletrônicas; poética do acaso, criada a partir deprocessos aleatórios; poética dos limites, que trabalha com um repertório delimitado ondeprevaleceaideiaminimalistadefazer“maiscommenos”;poéticadeprojeto,fortementeregidapelaracionalidadeprogramadora;poéticadasimulação,ondeaimageméconstruídaatravésdemodelosdesíntesequesimulamarealidade,easpoéticasexperimentais,ondeaconcepçãovaisurgindoapartirdaprópriarealização(Ibidem,p.124-194).Osmeioseletrônicos,comoformadeexpressãoemincessanterenovação,apresentamaoartistacapacidadesinéditasdecognição(sensíveis e inteligíveis), trazendo possibilidades que exigem dele uma “familiarização com osmodelos tecnocientíficos em uma interligação de práticas e saberes disposta em relaçõesinterdisciplinares”(Ibidem,p.64).

3.Iniciativasdearteetecnologiaquedialogamcomatemáticaecológica

Aecologiaéumainspiraçãorecorrentenacriaçãodeobrasnasvertentesdaartetecnológicaearte-mídia. Porbuscarem,muitas vezes,abordar temáticasatuais em suas criações,asobrasdesse naipe não poderiam deixar de inspirar-se nas questões ecológicas, conforme podemosverificar na produção de vários artistas. Eduardo Kac é autor de Teleportando Um EstadoDesconhecido(1996),umainstalaçãoeletrônicaondea luzcoletada interativamentevia Internetcomopúbliconumcontinente faziacrescerumaplantanumaexposiçãoemoutro, integrandoopúblicointeragenteàpreservaçãodavida,atravésdamáquina.Genesis(1999)foiumaobraquecontoucomumlongopercursocriativo:inicialmenteKacescreveuumtrechodolivrodeGênesisda Bíblia relativo à criação, em código Morse. Depois transcodificou este código em DNAs,criandoumgenesintético,quefoiintroduzidoembactérias,colocadasemplacas.Nagaleria,asplacasforampostassobreumacaixadeluzultravioleta,controladaviainternetporparticipantesinteragentes. Ao acionar a luz ultravioleta, esses participantes causavammutação genética nasbactérias,alterandotambémotextoqueelascarregavamconsigo.Ostextosmodificadosforampublicados após a exposição, e estão disponíveis no site do artista. Uma de suas obras maispolêmicas,GFPBunny (2000), foi a criaçãode uma coelha com implantegenéticodeproteínafluorescente verde (GFP). Quando colocada sob luz azul, a coelha emite luz verde. Já em OOitavo Dia (2001), o artista utilizou novamente o mesmo processo transgênico em espéciesrudimentares, criando um sistema ecológico fluorescente que contava ainda com um robô

biológicoconectadoàinternet.4

Stelarc é um artista que percorre o mundo realizando performances com dispositivostecnológicosacopladosaoseuprópriocorpo,antevendooscaminhosparaocorpociborgue,um

mito antigo do qual nos aproximamos, na realidade presente. A arte cíbrida de Stelarc érepresentada por obras como Third Hand (1980), uma mão mecânica de látex e alumínioacoplávelàmãodireitadoartista,comoumamãoadicional.Amãoécontroladapor impulsoselétricosoriginadospelosmúsculos“verdadeiros”,quesãocarregadoseamplificados,atravésderecursoseletrônicos,originandoosmovimentosdaterceiramão.EmEaronArm(2007),Stelarccultivouumaprótesedeorelhahumanaatravésdeculturacelular,edepoisimplantou-anoprópriobraço,atravésdeumprocedimentocirúrgicoinédito.Emseguida,foiinstaladonaorelhabiônicaum microfone em miniatura, que captava o que a orelha estivesse “ouvindo” no momento etransmitia,viawireless,paraainternet.Dessemodo,umusuáriodaredenooutroladodoglobopoderiaescutaraovivooquea terceiraorelhadeStelarcestavaouvindo.A intervençãodurou

poucotempoe,devidoaumainfecção,tevedeserretirada.5

“Fractal Flowers” é uma instalação digital interativa criada porMiguel Chevalier, que já foirealizadaemdiversospaíses, sobretudoem locaispúblicos, comoparques,praças,aeroportos,estações, etc. A obra conta com grandes telões que projetam o crescimento de flores fractaisgigantes,comdiferentesformasecores,cujaabundânciadependediretamentedaquantidadede

pessoas que transitam pelo espaço diante delas.6 As flores nascem, crescem e morrem emsegundos,respondendoàpresençadostranseuntes,comoseoprincípiogenerativodassementesvirtuaisestivesseatreladoàinteraçãocomoshumanos.Arelaçãoentreopúblicoeatecnologiaconstrói um habitat onde o crescimento e o florescimento dependem da colaboração e daparticipaçãodosquenelecoexistem.Ainstalaçãojárecebeudiferentesversões,desde2008.

LesPissenlits(2005),deEdmondCouchoteMichelBret,éumaobraeletrônicainterativaqueapresentaimensasprojeçõesdigitaisdefloresdente-de-leão.Opúblicointerageassoprandonumsensor,diantedoqueaspétalasdas florescaem,simulandooqueocorrecomessaespéciedeplantana realidade.Odespetalar variadeacordocoma intensidadedo sopro,gerandobelas

imagensdasfloresvirtuaisvoandopeloespaçodatela.7Aobraapresentaumamaneiracriativade abordar a natureza e metaforizar o sensível, através da imagem e da ação, no contextovirtual.

AduplaEcoArtTech, formadapor LeilaNadireCaryPeppermint,desenvolveprojetosdesde2005 fundindo arte, tecnologia e ecologia. Seu conjunto de referências abrange tecnologiasprimitivas, sistemasbiológicos,práticasdemeditaçãoantigas, narrativasdo séculoXIX sobreanatureza, teorias sobre a modernidade, novas tecnologias e mídia.Mesclam em suas obras oespaço urbano e virtual, com a natureza ambiental; promovem intervenções, happenings,performancespúblicasenetart.“Basecamp.exe”(2013)éumainstalação/happening/workshopdesuaautoria,quesimulaumacampamentodentrodeumagaleria,interligandonovasmídiaseartefatosambientais.As fogueiras simuladas são feitas comentulho industriale tecnológico,umconviteapensar sobreas consequênciasqueodespejodesse tipodematerialpode causarno

meio ambiente. As cadeiras para o público e outros itens do acampamento são de materialreciclado,edispositivoseletrônicosveiculamimagensdascaminhadasecológicasrealizadaspelogrupo. No acampamento são realizados, durante a exposição, workshops e oficinas de

conscientizaçãoambiental,utilizandoconteúdopresencialevirtual.8

Animal-Cams (2008) é um videoarte de Sam Easterson no qual o autor acoplou pequenascâmerasdevídeoemanimais,obtendoimagensqueretratamaperspectivadavisãodosmesmosem seu dia a dia, nos diferentes habitats onde vivem. De búfalos a tarântulas, o públicoespectador recebe a oportunidade de ampliar seu contato com diferentes espécies, a partir depontos de vista inusitados. Já Botanicalls (2011), instalação de Kate Hartman, é um sistemaecocíbridoqueconsisteemumaplanta ligadaasensoresdeumidadedaterraconectadosaumcircuitoqueresumeoseu“estado”naquelemomentoeodivulga,emprimeirapessoa,noTwitter.Nãoérarodeparar-secomtweetsdaplantapedindoaseusseguidoresparaserregada.

Consideraçõesfinais

Estadescriçãopreliminardealgumasobrasselecionadasdemonstraosdiálogosqueacriaçãoartísticatecnológicatemconstruídocomdiferentesquestõesdouniversodaecologia.Atemáticaecológica, com seus variados enfoques e questões, tem ocupado um espaço importante nouniverso artístico contemporâneo. Parte dessa produção, marcada pelo uso das tecnologiasrecentes,possibilitatrazeràsobraselementosrepresentativosdodesenvolvimentotecno-científicoque, historicamente, sempre foi considerado uma ameaça ao meio ambiente e à consciênciaecológica.Entenderessesprocessoscriativos,interpretarasobrasesuarepercussão,avaliarseusdiálogoscomodiscursodeoutrasesferasdasociedade,bemcomoanalisaressascriaçõesàluzdeumarcabouçoteóricoadequado,constitui-seumdesafioinstiganteparaapesquisanasáreasdeartetecnológicaearte-mídia.

Referências

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Notas1.DoutoremArteeMediaçãopelaUNICAMP,professordaFAATFaculdadesedaUNINOVE.2.AlunadeComunicaçãoSocialdaFAATFaculdadesebolsistadeiniciaçãocientífica.3.AlunadeArtesVisuaisdaFAATFaculdadesebolsistadeiniciaçãocientífica.4.Fonte:<www.ekac.org>.Acessoem:20maio2014.5.Fonte:<www.stelarc.org>.Acessoem:26maio2014.6.Fonte:<www.tecnoartenews.com>.Acessoem:18maio2014.7.Fonte:<www.arborescence.org>.Acessoem:18maio2014.8.Fonte:<www.ecoarttech.net>.Acessoem:25maio2014.

Parte2:ArteeEnsino

Capítulo5:Aartenocurrículodoensinobásico:experiênciasestéticaseculturais

SilviaSellDuartePillotto1

Oartigo,oraapresentado,visaaprovocarreflexõessobreainserçãodadisciplinadeArtenocurrículodoEnsinoBásicoe suascontribuiçõesparaodesenvolvimentocognitivoe sensíveldosestudantes,bemcomoparasuasconstruçõesidentitárias.Nesseprocesso,éoportunopensarqueas experiências estéticas e culturais e os repertórios apropriados pelo estudante sãoindispensáveisparaasuaconstruçãoenquantocidadãocríticoepartícipeemumasociedadeemquetambéméprotagonistadesuaedeoutrashistórias.

ParaquepossamosmelhorcompreenderaArtenocurrículo,sefaznecessáriorevisitarnossosconceitos sobre currículo pois, no contexto da escola, somos aquilo de que nos apropriamos,construímoseprincipalmenteoquevivenciamos.

Nos estudos de Silva (2000, p. 43), o termo currículo (curriculum) contém uma “conotaçãoespacial,“pistadecorrida”,localemqueosromanosdisputavamcompetições.Etimologicamente,deriva do verbo latino “currere”, que significa correr.” Para o autor, numa abordagematualizada,o currículo/curriculumconfigura-seemumverboeumaatividade,ou seja, estáemconstantemovimentodeideias,deaçõeseressignificações.

Nessa perspectiva, a escola e o currículo são responsáveis por determinar formas de seperceber e pensar o espaço, o tempo e as identidades. No entanto, essa percepção eentendimentonão sãonaturais,mas construídaspelas sociedadese suas culturas.Os currículospossuemmecanismosque sãoprópriosdamodernidadeeque, semelhantesaumamaquinaria,são colocados em ação. São calendários, cronogramas, horários, disciplinas, matrizes quematerializam e distribuem o espaço e o tempo em espaços/tempo de aulas e intervalos, quedisciplinameordenamosambientesescolares.

Circulando pelos territórios da educação, das culturas e do currículo, observa-se que existeuma relação profunda entre educação e cultura, seja compreendendo o termo educação emsentidoamplo,deformaçãoesocializaçãodoindivíduodurantetodaavida,sejanoâmbitododomínioescolar.

Naatualidade,comosdesafiosdasociedadecontemporânea,aescolanãopodeserapenasumainstituiçãoquetransmitea“verdadeiracultura”,massetornaumespaçodeconexõesentrediferentesculturas.ParaGoodson(2001,p.42),“aescoladeveriaprocurartratardeigualmodotodos os grupos diferentes, quer estejam estratificados por processos sociais, gênero ou raça”.Existemmúltiplos sentidosda contribuiçãoda escolaparaaprodução social, pois elaparticipaativamentedastransformaçõesnasestruturasdosgrupossociais,comconsequênciasdecisivasnoprocessodeproduçãoereproduçãocultural(Petitat,1994).

Aescola,portanto,éumaarticulaçãoseletivadeconjuntosculturaisegrupossociaise,dessaforma,participatantodaproduçãoquantodareproduçãodasociedadeedasculturas.TambémparaForquin(1993),asligaçõesentreeducaçãoeculturasãoinquestionáveis.Existeumarelaçãoprofundaentreambas,sejanaconcepçãoampladeeducaçãocomoformaçãoesocializaçãodosindivíduos, seja no âmbito específico da educação escolar. Para o autor, a educação nãotransmite“acultura”consideradapatrimônioúnicoecoerente,mas“algodacultura”,abarcandoumadiversidadeirregularemesmovulnerávelemseusmodosdetransmissão.

Dessamaneira,ocurrículoécompreendidocomoumaporçãodacultura:“[...]aescolanãoensina senãoumaparte extremamente restritade tudooque constitui a experiência coletiva,aculturavivadeumacomunidadehumana”(Forquin,1993,p.15).

SegundoGoodson(2001,p.41):

[...]aintroduçãodasdisciplinasnaescolanãoéumadecisãoracionaledesapaixonadasobreascoisasqueseconsideraseremdeinteresseparaosalunos.Éumatopolíticoconcebidodeumaformamuitomaisglobal.

Em que todos os grupos têm voz, o que pode ser entendido como ação democrática eautonomia.

Apartirdessasconsiderações,éfundamentalrevereressignificarocurrículonasescolaspois,caso contrário, como afirma Morgado (2007, p. 53), “corremos o risco de continuarmos acentrar-nosnosconteúdosenoensinoearestringirosprocessoseducativosameratransposiçãodesaberesteóricosoriundosdoterrenodasdisciplinas”.

Pensandoassim,Pimenta (1999),explicitaqueasquestõesdocurrículonãosereduzemaosaspectos técnicos,masseconfiguramemquestõesculturais,nosentidomaisamploecomplexo,que constituem a sociedade contemporânea. A autora analisa e discute aspectos básicos efundamentais da formulação de um currículo contemporâneo, levando em conta pressupostosontológicos,epistemológicosemetodológicosdessecurrículo.

Essapreocupaçãonosleva,consequentemente,arefletirsobrecomoestãosendoestruturadososcurrículos,bemcomoapensaremquaisindicadoresdeaprendizagememartesvisuaisdevemcomporessedesenhocurricular.

Nessaperspectiva,Alves(2006)salientaaimportânciadeumequilíbrioentreaapropriaçãode conhecimentos, que devem ser selecionados com responsabilidade e comprometimento porpartedosprotagonistasenvolvidos.

Nesseconjunto,háqueserefletirsobreodesenvolvimentodascapacidadestransversais

[...] desenvolvimento de competências, mais objectivas, centradas nas aquisições de todos os tipos:conhecimentos,capacidades,automatismos,atitudes,aquisiçõesdaexperiência.(Alves,2006,p.177)

Asreflexõesaquiapresentadasvisamadesenvolveralgumasideiassobrepossibilidadesparaque o professor adote métodos para educar e educar-se pela via do sensível, destacandoaspectosquecontribuemparaessefim:acriação,apercepção–asensibilidade.

Aescola, apesardas inúmeraspesquisas realizadas sobremétodos contemporâneosparaaeducação,aindacontinuapriorizando,emsuaspráticas,umensinoeaprendizagemvoltadosaopensamento linear, disciplinar e, consequentemente, fragmentado. A educação pela via dosensívelé,porvezes,consideradamenosimportantequeosaspectoscognitivos,queindicamnaconcepçãodealgumasescolas–sucessofuturo.

Nesta perspectiva, vale apontar que os caminhos educativos vão em uma linha dupla e, àsvezes,contrária,entreoquesignificaensinareaprenderpelosensívelepelarazãoseparadadasensibilidade,seéqueissoépossível.

Oconhecimentosensívelvemsendoabordado,aolongodahistória,porfilósofos,teóricosdapsicologia, da educação, da arte e, mais recentemente, da administração. São muitas ascontrovérsiascomrelaçãoaoseurealsignificadoAlgunsestudiososafirmamqueosensívelestádesvinculadodoprocesso cognitivo; outrosodefinemcomoelementodeapoioaoprocessodeaprendizagem, e, outros ainda, preferem fundamentar suas pesquisas afirmando que oconhecimentosensíveléimprescindívelnoatodeseapropriareinternalizarosconhecimentosdeummodosistêmico.Époressaabordagemqueesseestudosedefine.

1.CriaçãoePercepção:desdobramentosnasaladeaula

Muitosetemfaladosobrecriatividade,masnaeducaçãonãotemosaindaadimensãodoquea criação é capaz de fazer nos processos de ensino e aprendizagem.O que entendemos porprofessor e aluno criativos? Mais do que entendê-los, é necessário que reflitamos sobre anecessidadedecriar.

[...]ohomemcria,nãoapenasporquequer,ouporquegosta,esimporqueprecisa;elesópodecrescer,enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando. Os processos de criaçãoocorremnoâmbitodaintuição.[...]todaexperiênciapossívelaoindivíduo,tambémaracional,trata-sedeprocessosessencialmente intuitivos. Intuitivos,essesprocessosse tornamconscientesnamedidaemque lhes damos uma forma. Entretanto, mesmo que a sua elaboração permaneça em níveissubconscientes, os processos criativos teriam que referir-se à consciência dos homens, pois só assimpoderiam ser indagados a respeito dos possíveis significados que existem no ato criador. (Ostrower,1986,p.10)

Osprocessosdecriação,nestaperspectiva,estão relacionadosà sensibilidadeeestanãoéprivilégio de artistas. É capacidade inerente a todos os seres humanos, mesmo em diferentesgraus.Destaforma,épossívelentenderacriaçãocomoumaaberturapermanentedeentradadesensações.

NasdefiniçõesmaisantigasencontramosotermoemlatimCrearequeéigualfazer.NotermogregoKrainenéigualarealizar.Essasduasdefiniçõesdemonstramaconstantepreocupaçãocomoquesefazecomoquesesente,ouseja,comopensar,produzirerealizarcriativamente.Essaconcepçãoparaasaladeaulapodesignificarintensotrabalho,tantodopontodevistacognitivo,

quantosensível.Emoutraspalavras,podemosdizerqueoatocriadorenvolveaspectosteóricosepráticos,ouseja,ativamospensamento,corpo,espaço,movimentoeação.

Quando isso acontece? Podemos dizer que praticamente todos os processos de criaçãocomeçamemestadodeprofundainquietaçãoetensão–naregiãodapurasensibilidade.Équaseuma busca que se inicia com um tatear no escuro. Não por nossas indecisões, ao contrário,requer de nós, imensa coragem para nos entregarmos verdadeiramente a incertezas equestionamentos para os quais não existem perguntas ou respostas prontas ou definitivas(Ostrower,1986).

Remetendo-nosaocontextoeducacional,podemosrevisitaralgunsexemplosquepossivelmentetodos nós já vivenciamos. Ao planejar nossas aulas, é necessário flexibilidade sempre, poisproblemas levantadosequestõesexpostaspeloalunopodemmodificara trajetóriadaquiloqueestavatraçado.Paraisso,éprecisotercoragem,disponibilidade,autenticidadeeperspicácia.Éabrirnovosespaçossemperderdevistaaessênciapropostadoobjetoaserestudado.

Quando o professor é aberto à vida, sem preconceitos, e receptivo às novas experiências,quandoécapazdediferenciar-seereintegrar-se,deamadurecerecrescerespiritualmente, terácondiçõesparacriarepossibilitaroatocriativoaosalunos.

Opotencial criadoréaplenaentregade sieapresença totalnaquiloquese faz.Elevemacompanhadodaeternasurpresacomascoisasqueserenovamnocotidiano,antecadamanhãqueaindanãoexistiuequenãoexistirámaisdemodoigual,antecadaformaque,aosercriado,começaadialogarconosco.

Osprocessosdecriaçãoesuarealizaçãocorrespondemaumcaminhodedesenvolvimentodapersonalidade. Professor e alunos poderão crescer ao longode suas vidas, crescer para níveissempremaiselevadosecomplexos,paraaquelesqueexistiremlatentesemsuaspotencialidades(Ostrower,1986).

O fazer criativo sempre se desdobra numa simultânea exteriorização e interiorização daexperiênciadavida,numacompreensãomaiordesiprópriaenumaconstanteaberturadenovasperspectivasdoser.Cadaumdenóssópodefalaremnomedesuasprópriasexperiênciaseapartirdesuaprópriavisãodemundo.E,emsendocadapessoaumindivíduoúnico,suasformasexpressivas também o serão. Por conta disso, é fundamental que no contexto da sala de aulasejamreunidas impressõesdoprofessorealunossobresimesmos,osoutroseavida.Esseéoverdadeirocaminhoparaosprocessosdeensinareaprender.

E o que é então esse ato criativo? Inicialmente, o impulso criador é indefinido. Significa aausência de padrões preconcebidos, no entanto, nunca uma ausência espiritual. É o estado demobilização interior que leva o professor e os alunos a criar, caracterizando-se pela totalpresençaativadamente.Issosignificaquenãohácomosepararmente–pensamento,dosensível– intuição, criação, percepção, emoção. Ao criar, ativamos corpo e mente como um todoabsolutoquepensaesenteeporissoimagina,criaeproduz(Meira;Pillotto,2010).

Então,atéquepontotalbuscaéconscienteouinconsciente?Essaéumaperguntaquetalveznempossaserrespondidacomprecisão.Aliás, tudooqueserefereaosensíveléimprevisívelenuncadefinitivo,hajavistaasváriaspesquisasnasáreasdaneurologiaepsiquiatria.

Porém, podemos afirmar que os processos de criação exigem uma concentração intensa.Nesse processo, a mente é ativada e, consequentemente, todo o ser responde aos estímulostambém sensíveis. Essa trajetória nos leva a pensar que a educação lida não apenas com osaspectoscognitivosmas,principalmente,comossensíveis,poisquandonãoconstruímoslaçosdeafeto e de extrema sensibilidade com os alunos, não é possível construir conhecimentos eproduçãodesentidos.

Assim, o conhecimento sensível desencadeia um processo de enfrentamento do mundo erelaçõesno limiardo racionaledoemocional.Aexperiência, segundoCeróneReis (1999,p.232),podeseraquelaque“nostiradeumarelaçãosoberanasujeito-objeto,quenospuxaparaforadocopertencimentoemrelaçãoaofenômenoexternoe,portanto,aomundo”.Aexperiênciapodeserpensadaàluzdasensibilidadeparaumcorporeflexionante.“Eleéreflexionanteporserrequisitadoaprestarcontassobreosignificadodoqueestásentindo,eoqueestásendosentidoéporsuavezalimentadoporessareflexão”(Ibidem,p.232).

2.Planejandonossasaulas

Aoplanejarnossasaulas,levantamoshipótesesdoqueosalunosnecessitamaprenderemumdeterminado espaço-tempo, o que são capazes de aprender, e, quais repertórios e históriastrazemconsigo.Noentanto,porvezesestamosmaispreocupadoscomoquedesejamosensinardoquesobresuasreaisnecessidadesdeaprendizagem.

Nessalinhadepensamento,osfenômenosestãorelacionadosaosmeiosaudíveis,corporaisevisuaisepodemserativadospelasaçõesdoprofessorquelhesconferesentido.Nacomunicação,é necessária a mediação, que se dá entre o professor e os alunos. Para torná-la possível, éimprescindívelqueoouvintecompreendaaintençãodaquelequefala.Naaçãodacomunicaçãosãoconstruídossentidosbaseadosematosemanifestossobreoquesedesejoucomunicar,oquedaquilofoinecessárioaprendereoqueseinterpretoudoquefoidito(Meira;Pillotto,2010).

Ouseja,oplanejamento,seudesenvolvimentoeasaçõesquedelesedesdobrampodemserumaimensatrocadevivênciaseexperiências,tantodoprofessorquantodosalunos.Emborasejaoprofessorquemcoordenaesseprocesso,aparticipaçãode todosdeve seroque subsidiaosprocessos de ensino e aprendizagem.Mas, como se dá esse processo? Como saber sobre asimpressõesdecadaum?

Nesse processo, acontece uma percepção imediata do que do aluno é exposto a partir davisibilidade do seu corpo, dos seus gestos e dos sons que ele profere. A face subjetiva daexperiênciadealguém–asuaconsciênciaeasaçõespelasquaisdásentidoaossignos–nãoacontece da mesma forma e com a mesma intensidade para todos os alunos, em todos os

momentos. A percepção é um elemento sutil, que dificilmente é reconhecido pelo professor deimediato, mas que acompanha diariamente as atividades humanas, a forma pessoal de cadaindivíduonaapropriaçãodos significados internalizadosdoentorno,portanto, fundamental naspráticaseducativas.Comoentãoidentificá-la?

A percepção se estrutura através de processos seletivos, a partir das condições físicas epsíquicas de cada aluno e, ainda, a partir de certas necessidades e expectativas deles e doprofessor. Frente aos incontáveis estímulos que chegam continuamente, esta seletividaderepresenta umaprimeira instânciada filtragemde significados. Emoutraspalavras, tudoque éabsorvido pelo professor e alunos dentro e fora da escola, influencia na filtragem do que sedesejaperceber:interesses,necessidades,dúvidas,problemas,entreoutros.

Distotudo,aúnicacertezaédeque,noquesepercebe,seinterpreta;noqueseapreende,secompreende.Essacompreensãonãoocorresomentedemodointelectual,poistodoaprendizadodeixa lastros profundos em nossa experiência. Aquilo que realmente aprendemos, porquepercebemos e relacionamos à nossa vida, podemudar nossa forma de ver omundo e de nospercebermoscomopessoas(Ostrower,1986b).

Porisso,apercepçãonãoéapenasumaidentificação,puraesimplesmente.Émuitomaisdoqueisso,poisénapercepçãodequealgoseesclareceparaquempercebe(professorealuno)ese estrutura também. Perceber é uma constante cadeia de formas significativas, portanto, noplanejamentoenaspráticaseducativasé imprescindívelqueoprofessorativeconstantementeasuapercepçãoeorganizeaçõesqueprovoquemapercepçãonosalunos.

3.Experiência,SensibilidadeeConhecimento

Segundo Schott, o conhecimento do mundo material é base estrutural para a formação deseressensoriaisecognitivos.Oautortrataacogniçãonoâmbitodaexperiênciavivida,abrindoocampoparaosproblemasepistemológicos,quandoafirmaqueessesproblemassãogeradosporfatoshistóricos.

Aoadmitiropapelcognitivodaexperiênciaedasensorialidade,tambémdesafiamosaconcepçãodequeaargumentaçãoéaprincipalformadoconhecimento.(Schott,1996,p.234)

Importante ressaltar que o conhecimento acontece nos níveis da racionalidade(argumentação/reflexão) e do sensível (emoção, intuição, percepção, imaginação, criação).Ambos devem ser considerados nos processos de ensino e aprendizado, pois fazem parte docontextocotidianoe,sobretudo,daexperiênciahumana(Meira;Pillotto,2010).

Gardner(1999,p.57)afirmaque:

o sensível e o intelectual não estão dissociados dos processos cognitivos, uma vez que o indivíduonecessitadosistemacorporal,sensívelecognitivoparacomunicar-senomundodasideias,dassensaçõesedasemoções.

O autor alerta para a necessidade de uma educação que crie condições para odesenvolvimentodesseconhecimento,quemotiveosalunosaaprenderalidarcomsuasprópriasemoções e as emoções mediadas pelos outros. Em outras palavras, o aprendizado sensível ehumanodeveocorrerpormeiodaexperiênciadarealidade.

Nasaladeaula,saberlidarcomaexperiência,sensibilidadeeconhecimentoéimprescindível,especialmentenoatualcontexto,queestimula,muitasvezes,ainversãodevalores,aviolência,acompetitividade e tantos outros sentimentos que fortalecem a ideia do individualismo e doegoísmo. Portanto, saber sentir as emoções dos alunos, envolvendo-as nos processos deaprendizagem, é também ter um olhar sensível para o enfrentamento e embate de opiniões,decisõesaseremtomadaseproblemascomalternativasparasuasuperação.

ParaFernándes (2001,p.129),acontribuiçãodaexperiênciaestéticaestánapossibilidadede o ser humano perceber-se e transformar a realidade. A compreensão que fazemos darealidade, acompanha a imagem que dela fazemos. “Nessa correlação entre existência epensamento,entreconsciênciaeobjeto intencionado,équea imagemsurgecomoprocessodeapreensão...Pelaimagem,outorgamosvozaosilêncio”.

Nesseviés,amaiorconquistadoprofessoréaqueconduzaosentimentoestéticopelavida–oprazer,areflexão,apossibilidadedeutilizarosseussentidosnaconstruçãodesignificadosdeeventos,objetosepessoas.

Osentidodoestéticoéumsentidosemprereceptordeumperceptorquequeraprofundar-senessemaisalémdaimagem,transcendê-la,voltando-sesobresimesmosemperderseuentorno.(Ibidem,p.132)

Naexperiência estética, oprofessorpodeencontrar formasdeaprender sobrea realidade.Essenãoéumprocessototalmentelógico-racional,ouseja,alimenta-semuitomaisdeumsabersubjetivo, apropriado de elementos que, por sua natureza, não necessitam de uma explicaçãológico racional, mas de uma força transcendental que se fortalece na forma individual deperceber-seepercebertudooqueestáàsuavolta(Meira;Pillotto,2010).

Portanto,é fundamentalqueoprofessordediqueumaparceladoseu tempoàsexperiênciasestéticas, seja bebendo da fonte das artes visuais, das artes cênicas, damúsica, da natureza,enfim, de tudo aquilo que possa modificá-lo e torná-lo cada vez mais sensível à vida e,consequentemente,aosprocessosdeensinoeaprendizagem.

Consideraçõesfinais

As questões aqui abordadas não se resumem a um artigo, são complexas e em constantestransformações,acompanhandooseventossociais,econômicos,políticoseculturais.PensaraartenocurrículodoEnsinoBásicoéumdesafiodeprofessores,alunos,gestoresetodosaquelesquetambémindiretamentefazempartedessecontexto.Porém,pensareousarmudarospressupostosenraizados no currículo é um desafio ainda maior para todos nós, envolvidos na educação.

Embora o século XXl tenha, em suas bases, um pensamento globalizado, em que é precisogerenciarotempoecompreenderossignosquedeleemanam,existeresistência,tantoemrelaçãoaopensamento sistêmico, quanto ao conhecimento sensível como fundamento básico para essacompreensãonocontextoeducacional.

Algumas práticas educativas têm em sua natureza a fragmentação, tanto na sistematizaçãodos planejamentos educacionais, quanto nos espaços físicos construídos, que são tambémespaçosculturais, e,portanto,de identidades,apontandooquepensamoseoquequeremosequemsomos.

Professor e alunos estão habituados a trabalhar com modelos pedagógicos lineares, emdetrimentodosnãolineares,eestaéumadasrazõesdadificuldadeparacompreendertodasasimplicações da dinâmica da aprendizagem a partir de redes de significações. O pensamentohumano,juntamentecomosprocessoscriativoseperceptivos,fazpartedessaredequecompõeoselementossensíveiseracionais.Eessaéumadasfunçõesdaartenocurrículo.

Educarpeloeparaosensívelpodeserumcaminhopossívelparaumaeducaçãoplena,queleve em conta as histórias de vida de professores, alunos e comunidade.Que articule espaçosformaisenãoformaisdaeducação,entendendoqueépossívelaprendertambémparaalémdosmurosescolares.Maisimportantequeaquantidadedeconteúdoséasensibilidade,percepçãoecriaçãodoprofessor em selecioná-los de formaa garantir que o alunodesenvolva habilidadesestéticaseestejaempermanenteconstruçãoidentitária.

Propor, mediar e provocar os alunos é nosso maior desafio. Não basta mais transmitirinformações, pois essas estão disponíveis nos mais variados meios midiáticos. É necessário sefazer professor, aquele que vai muito além demeras informações conteudistas, aquele que seinteressapela vida e em viver, aquele queassume umaposiçãodiferenciada – dealguémquemotiva o aprendizado mas, que é também, um aprendiz. Aquele que é comprometido com aética,comaestética,comoconhecimentosensível,comosprocessosculturais,comavidaecomtudoomaisquefazsentidoegeraproduçõesdesentidos.

Referências

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SCHOTT,Robin.Eroseosprocessoscognitivos:umacríticadaobjetividadeemfilosofia.RiodeJaneiro:Record/RosadosTempos,1996.

Notas1. Doutora em Engenharia da Produção (Gestão) pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Mestre em Educação(Currículo)pelaUniversidadeFederaldoParaná–UFPReGraduadaemEducaçãoArtística(ArtesPlásticas)pelaUniversidadeparaoDesenvolvimentodeSantaCatarina–UDESC;Professora/pesquisadoranoProgramadePós-Graduação–MestradoemEducaçãoenoscursosdeGraduação–ArtesVisuaisePedagogianaUniversidadedaregiãodeJoinville–UNIVILLE,atuandotambémcomopesquisadoraecoordenadoradoNúcleodePesquisaemArtenaEducação–NUPAE.

Capítulo6:AinfluênciadeMurraySchafernaeducaçãomusicalescolar–análisedemateriaisdidáticos

AlineCantodosSantos1

DaianeSolangeStoeberldaCunha2

Neste capítulo apresentamos apontamentos que resultam de uma investigação sobre osconteúdos de música e os princípios pedagógicos de Murray Schafer nas escolas de ensinofundamental nos anos finais, no município de Guarapuava – Paraná. Os materiais didáticosanalisados,livroseapostilasdecaráterpedagógicoforamcoletadosnosanosde2013e2014erevelamaspectossobreaabordagemdidáticarealizadanestemunicípio,noestadodoParaná.

Aargumentaçãoparaarealizaçãodestapesquisa,estáfundamentadanaLDBEN11769/08–LeideDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional(Brasil,2014),queapartirde2012,tornaoensinodamúsicaobrigatórionaeducaçãobásica.Estalei trouxegrandemotivaçãoàeducaçãomusical e ao ensino da arte, já que desafia as instituições escolares públicas e privadas abuscarem caminhos para tornarem realidade a educação musical em sala de aula. Com aefetivaçãodestalei,geraram-sedesafiosparaoseducadoreseinstituiçõesdeensinoprivadasepúblicas,aodepararem-secomanecessidadedebuscarmetodologiaspara trabalharamúsicanaescola,desafiosparaoprofessordemúsica,diantedanovaconjunturadeensinocoletivoenãoindividual,criativoenãoinstrumental.Nesteínterim,surgemmuitasproduçõesdidáticasqueestabelecemrelaçõesentreosmétodosclássicoseosmaisrecentesdeeducaçãomusical.

Oatodeensinarnãoéneutro,aocontrário,ensinaréumatosocial,intencionalefundamentado.Assimsendo,todapráticadeensinopressupõeescolhas.Oprofessorescolhe,ouainda,estabeleceapartirdeescolhas, seuperfil docente, suas intenções educativas, os princípios que nortearão seu trabalho, e osencaminhamentosmetodológicos.(Cunha;Gomes,2012,p.70)

Diante de tantas proposições filosóficas e metodológicas, há uma grande urgência em serealizarpesquisasnaáreaquepossamdesvelarcaminhoseaindadiagnosticarrealidades.Nesteúltimosentido,équeestapesquisaseencontra,eseufocoestáemcompreenderosreflexosdasproposiçõeseprincípiospedagógicosdeMurraySchafernaeducaçãobrasileira.

Pode-se entender que os princípios filosóficos/pedagógicos schaferianos são ferramentasimportantíssimas na conscientização dos alunos no que diz respeito ao meio ambiente e aecologia,aotercontatocomestesconceitosoalunodesenvolveconhecimentosarespeitodomeioemquevive,apaisagemsonora,oalunotemaoportunidadedeampliarsuaconsciênciacríticaàmúsicaeàsonoridademundial,atémesmo tambémapossibilidadederefletir sobreapoluiçãosonoraerepensarsuasrelaçõescomatecnologia.Pormeiodosregistrosdopensamentoedaspráticas schaferianas de ensino musical criativo toma-se conhecimento da proposta em que oaluno possui autonomia para desenvolver sua capacidade criativa sobmediação do professor,

para Schafer o aluno participa de todo o processo de criação, sendo ativo e não passivo nodesenvolvimentodesteprocessodeaprendizagem.

1.Ostrêseixosfilosóficos(pedagógicos)deSchafer

Antesdeapresentaraanálisedaaplicabilidadeeducacionaldosprincípios schaferianosnosmateriaisdidáticos,éimportantereconhecerecompreendê-los.Fonterradanoseuartigoquetempor título Música e meio ambiente – três eixos para compreensão do pensamento de MurraySchaferexplicacomoseapresentamessesprincípiosfilosóficos:

Destacam-sequeostrêsPrincípiosFilosóficos,RelaçãoSom/Ambiente(PaisagemSonora),Confluêncianas Artes, Relação da Arte com o Sagrado, presentes nos livros/escritos de autoria de Schafer e depesquisadoresschaferianos,fundamentamasanálisesdestapesquisa.(Fonterrada,2010,p.4)

A reflexão conceitual é fundamental para qualquer proposição didática, sendo assim,apresentam-se os princípios filosóficos schaferianos e sua implicaçãopedagógica. É necessáriodestacar o pensamento de Schafer em relação a cada princípio e de que forma estes sãoinseridosnumaperspectivapedagógica.

2.RelaçãoSom/Ambiente:PaisagemSonora

A temáticadaPaisagemSonoraestá inseridanoprojetomundial “WorldSoundscape”,queprocurou investigar soluções e alternativas para um meio ambiente sonoro ecologicamenteequilibrado,oobjetivodesteprojetoéharmonizarasociedadeeseuambientesonoro.Pormeiodas reflexões sobre a Paisagem Sonora, Schafer mostra um modo de como a escuta na vidacontemporânea pode ser ampliada, para Schafer a produção neste contexto está ligada àprodução musical atonal. Pode-se definir como paisagem sonora os sons que fazem parte donosso cotidiano, da comunicação, das atividades corriqueiras. Produzimos sons mesmo semquereresemperceber.Tudoaonossoredorproduzossonsmaisdiversos,curiososerotineiros.Na natureza estão inseridos infinitos exemplos de paisagem sonora, os trovões, a chuva, obarulhodomar,osomdosanimais,emuitosoutros.Nodiaadiaosobjetosquemanuseamosproduzemdiversossons.NolivroOOuvidoPensante(Schafer,2011),sãoapresentadaspráticasde ensino de Schafer reflete sobre a nova paisagem sonora mundial a partir da abordagemconceitualepedagógica.Aoapresentarosomcomomatériaprimadamúsicaoautorsugereacompreensãodoentornosonorocomoumagrandecomposiçãomusical.Inserenestaabordagemareflexãoconceitualepedagógicasobreoruídomundial:

Eisanovaorquestra:ouniversosônico!Eosnovosmúsicos:qualquerumequalquercoisaquesoe!Issotem um corolário arrasador para todos os educadores musicais. Pois os educadores musicais sãoguardiõesda teoriaedapráticadamúsica.E todanaturezadessa teoriaeprática teráagoraqueserinteiramentereconsiderada.(Schafer,2011,p.109)

EmAfinaçãodoMundo(2011),SchaferexpõeapesquisaWordSoundscapeProject(WSP)–Projeto Paisagem sonoraMundial – iniciado em1969 coma finalidadede estudar oambientesonoro, uniram-se neste objetivo,Murray Schafer e umgrupodepesquisadores – BruceDavis,PeterHuse,BarryTruaxeHowardBroomfielddaSimonFraserUniversityCanadánatentativadedefinir arte e ciência no desenvolvimento de uma interdisciplina chamada projeto acústico.Fonterradaapontacomosedeuesteprocessodepesquisa:

Paraqueissosejamaisbemcompreendido,voutrazerbrevementealgunsdadosdoiníciodeseutrabalhonaUniversidadedeSimonFraser,emBurnaby,umdistritodeVancouver,naColúmbiaBritânica,Canadá,nadécadade1970.MurraySchafereradocenteemumcursodecomunicação,edavaaulasemumadisciplinaquetratavadesomeambiente...Dessaprimeiraexperiênciadecorreuacriaçãodeumgrupode pesquisa conhecido como The World Soundscape Project, desenvolvido por uma equipe depesquisadores da mesma universidade, que tinha como objetivo desenvolver estudos a respeito depaisagemsonora.Entreosmaisinteressantesestudos,podem-sedestacarosregistrosefetuadosnacidadedeVancouverqueseencontramnoCDSoundscapeVancouver:ondasdomar,aentradadoporto,umanarrativafeitaporumíndionativo,marcassonorasdeVancouver,entreoutros,gravadospelaprimeiravezem1973.Posteriormente,acidadefoirevisitada,em1996,duranteumsimpósioorganizadopeloWordFórumforAcousticEcology,comacolaboraçãodoGoethe InstitutdeVancouver,SonicResarchStudionaEscoladeComunicaçãodaUniversidadedeSimonFraser,deVancouverNewMusicSocietyedaCBC.Dois artistas daAlemanha – Sabine Breitsamer eHansUlrichWerner – e dois canadenses –DarrenCopelandeClaudeScryerforamconvidadosacriarretratossonorospessoaisdacidade,apartirde sua própria experiência de ouvir Vancouver. Esses trabalhos fazem parte do segundoCD, junto aoutrascomposições,registrossonorosedocumentáriosfeitosporBarryTruaxeHildegardeWesterkamp,colaboradoresdeSchafernoprimeiroprojeto,dadécadade1970.(Fonterrada,2010,p.2-3)

Como resultado deste trabalho, Schafer escreveu o livro A Afinação do mundo, no qualsintetizatodassuaspesquisas.Estelivrotornou-sematerialdegranderelevâncianoqueconcerneapesquisa sobrea PaisagemSonora. Em síntese o livroapresenta umapesquisaminuciosadeinvestigaçãodossonseumestudoapuradodecomoapaisagemsonoraeapercepçãodossonsforammodificando-senodesenrolardahistória.AntesdaRevolução Industrialapercepçãodossonseramaispura,apósarevoluçãoIndustrialecomodesenvolvimentourbanoforamsurgindonovos sons como consequênciadoprogresso, eacabarampor semisturarapaisagem sonora,tornandoassimapercepçãodossonsfundamentaismaisdifícil,ecomopassardotempofoisedeixandodeprestaratençãonossonsfundamentais.Este livroédegrandeimportânciaparaosestudiosos em ecologia sonora, serve como referência para os estudos em musicologia, é degranderelevânciaparaasociedade,poistrazdadossobreosdistúrbiosqueoruídotemcausadoao redor do mundo, tornando-se importante conteúdo a ser trabalhado no ensino de músicaescolar.

Os princípios filosóficos/pedagógicos apresentam-se como uma possibilidade deaplicabilidadeemsaladeaula.Ocapítulo“Limpezadeouvidos”,do livroOOuvido Pensante,propõeexercíciosdeescutaatentaparaqueoaluno saibadefiniroselementos formadoresdosomesuasvariações.Noiníciodocapítulo,Schaferexplicacomoconcebeuesteconceito:

Sentiqueminhaprimeira tarefanesse curso seriaabrirosouvidos:procurei sempre levarosalunosa

Sentiqueminhaprimeira tarefanesse curso seriaabrirosouvidos:procurei sempre levarosalunosaanotarsonsquenaverdadenuncahaviampercebido,ouviavidamenteossonsdeseuambienteeaindaosqueelesprópriosinjetaramnestemesmoambiente.Essaéarazãoporquechameiocursodelimpezadeouvido.(Schafer,2011,p.55)

3.ConfluênciadasArtes

Osegundoeixofilosófico/pedagógicoschaferianoéaConfluêncianasArtes.Nestecontextoas formas de arte convivem juntas, sem que uma se sobressaia à outra, a intenção é que sedescubra novos meios de integração e movimento. Esse modelo é utilizado como base naspropostasemeducaçãomusical,asdiferenteslinguagensdaartepodemsertrabalhadasjuntas,oque resultanumdinamismoeosalunosdescobremmaispossibilidadesdecomoentenderessaslinguagens. Fonterrada apresenta um estudo sobre a obra de Murray Schafer de como écontextualizadooTeatrodeConfluências,ondeestãointerligadasasArtesVisuais,ArtesCênicas,MúsicaeaDança,aautoraabordaqueSchaferdeixabemclaroquenenhumadessasArtesdevesobrepor a outra, mas sim se complementarem. Fonterrada, aborda também o profano e osagradonasArtes,queestãoligadosaoritualeatradiçõesmilenares.

Aconfluênciadasartes,focodestapesquisa,permiteumolharholístico,querecuperaestaligaçãoarteevida,presentenasorigensdasexpressõesartísticas,comdesenvolvimentodetodosossentidosembuscadeumamelhorapreensãodomundoedosfenômenosànossavolta.Destaforma,propostascomoestasão imprescindíveis também na educação, enquanto uma possibilidade de ressignificação da própriaeducaçãoformalnaatualidade.(Cunha;Gomes,2014)

4.RelaçãocomoSagrado

O terceiro eixo chamado Relação com o Sagrado pode ser definido como uma filosofiaschaferiana na qual existe uma relação do homem com os rituais ou mitos, seja o bater detambores,ocanto,adança,todososritosligadosaofolcloreeosmovimentosquenoscarregampara foradomundo.Nestesmitosourituaishásempreaconcepçãodequeavidaésagrada,essas manifestações estão presentes em grupos e sociedades que estabelecem vínculo com osagrado, não importando o modo ou religião como se expressem. Schafer afirma que odesaparecimento do sagrado é o responsável pelasmazelas vivenciadas pelo homem nos diasatuais,poissemarelaçãocomosagradoperdesseosentidodavida,porconsequêncianãohávalorizaçãodopróximo.ParaSchaferaArteéocanalpeloqualohomempodese reconciliarcomosagrado,poiselatemopodertransformador.Nocapítulo“Quandoaspalavrascantam”dolivroOOuvidoPensanteháumexemplodeexercícioqueSchaferpropõe,noqualapresentaumadascaracterísticasdarelaçãocomsagrado:

Sente-seemsilêncio,atentamente.Fecheosolhos.Ouça.Numinstantevocêserápreenchidoporumsominestimável.Namantra Yoga, o discípulo repete uma palavramuitas vezes, como um encantamento,sentindosuamajestade,seucarismaeseuobscuropodernarcotizante.Quandoomongetibetanorecita“OMmmmOMmmmOMmmm”,senteosomseexpadirpeloseucorpo.Seu tóraxbalança.Seunarizressoa ruidosamente. Ele vibra com uma profunda voz ressoante comece a repetir: OMmmmmmmm

OMmmmmmmmOMmmmmmmm.Sintaseugolpevibratório.Hipnotize-secomosomdesuprópriavoz.Imagine o som rolando para fora de sua boca, para preencher o mundo. Quando a palavra OM éproferida,aemissãodo“o”teráchegadoaumadistanciadequarentametrosemtodasasdireçõesantesde o “m” começar: OMmmmmmmm OMmmmmmmm OMmmmmmmm. Esta é sua impressãovocal.Vocênãodissenada.Vocêdissetudo.NãoéprecisopalavrasAflautaemseucorporevelouvocê.Vocêestávivo.(Schafer,2011,p.196)

5.OsPrincípiosSchaferianosesuaaplicaçãonoensinodemúsicaescolar

OsprincípiosFilosóficosdeSchafersãopossíveisdeseremtrabalhadosnoensinodemúsicaescolar,apesardeapropostanãoserdirigidaaestesalunos.Entretanto,hácercade20anos,educadoresmusicaisvêmadotandoseusprincípiosprincipalmentenaspráticasdemusicalizaçao.

Granja, em seu livro Musicalizando a escola: música, conhecimento e educação, propõemetodologias que podem ser trabalhadas nas escolas através dos princípiosfilosóficos/pedagógicosdeSchafer:

Música e meio ambiente: a música pode vincular-se também com a questão ecológica por meio deprojetos que tenham como tema maior relação das pessoas com meio ambiente. Construção deinstrumentos musicais e reciclagem de materiais: [...] A obtenção de um sommusical estável requermateriaisquetenhamalgumaregularidadenoseuformato,comoéocasodealgunsprodutosindustriais.Assim,épossívelconstruirinstrumentosmusicaisapartirdetubosdePVC,garrafasplásticas,latõesdelixo,latasderefrigerante,entreoutros.Ecologiaacústica:trata-sedeumprojetoqueenvolveoexercíciodaescutadossonsambientes,possibilitandoatomadadeconsciênciadosefeitospositivosenegativosdaecologia sonora sobre as pessoas. As sociedades urbanas sofrem muito com os efeitos da poluiçãosonora, resultante do aumento dos ruídos ambientais. Um processo de conscientização certamente énecessário,poisosefeitosdapoluiçãosonoraafetamdiretamenteasaúdepúblicaeaqualidadedevidados cidadãos. A partir desse projeto podem surgir propostas de melhoria nos ambientes públicos eescolares,umavezqueaescolatambémépalcodemuitapoluiçãosonora.(Granja,2010,p.114)

NoBrasil,oensinodemúsicaescolar,comoumacriançaaindaemfasedecrescimento,buscacaminhos, aprende possibilidades. No contexto em que esta pesquisa esteve inserida, asDiretrizes Curriculares do Estado do Paraná propõem, ainda que superficialmente,encaminhamentosdidáticosparaoensinodeArteparaasescolasdeensinofundamentalemédiodesteestado,noqualamúsicadivideespaçocurricularcomasoutrasartes.

Essasdiretrizescurricularestambémpropõemaoprofessorquetrabalheaapreciação,análiseeofazereaeducaçãomusicalcriativa:

Apreciaçãoeanálisedovídeoclipe(música,imagem,representação,dança...),comênfasenaproduçãomusical,observandoaorganizaçãodoselementosformaisdosom,dacomposiçãoedesuarelaçãocomosestilosegênerosmusicais;2.Seleçãodemúsicasdeváriosgênerosparacomporumatrilhasonoradacena;3.Construçãodeinstrumentosmusicaiscomdiversosarranjosinstrumentaisevocais,compondoefeitossonorosemúsicasparavídeoclipe;4.Registrodetodomaterialsonoroproduzidopelosalunos,pormeiodegravaçãoemqualquermídiadisponível.(Paraná,2008,p.77)

DepoisdeanalisaroqueasDiretrizesCurricularesapresentam,percebe-sequeatentativadevalorizar o ensino de arte no ensino fundamental no estado do Paraná, a proposta indica em

conteúdosaseremensinadosdiferentesquestõesrelativasapaisagemsonora,entretantonãosequeraindicaçãodoslivrosdeSchafernasreferênciasdodocumento.

AindaemanálisedosmateriasproduzidospelogovernodoestadodoParaná,é importanteapontarqueem2008,aSecretariadeEducaçãodoEstadodoParanáproduziuedistribuiuaosprofessores de arte, um livro didático para o ensino médio, o qual apresenta em diferentescapítulos questões relativas aos princípios schaferianos, entretanto este livro não foi objeto deanálisenestapesquisaporse tratardeum livrodeensinomédio,eorecortedestapesquisasedeunaanálisedemateriaisdidáticosparaoensinofundamental.

Ressaltamos a importância do livro didático nas escolas e o papel que este representa nadisciplinadearte, éde conhecimentoqueo livrodidáticoexerceopapeldematerialdeapoiopara o professor, e é usado como referência para os alunos no momento de produção,aprendizagem e avaliação.O livro didático exerce grande influência no contexto escolar, poisnele são abordados conteúdos que constituem conhecimentos e que formam uma basepedagógicaestruturante,segundoTalamini,oslivrosdidáticosinterferemnocontextoescolar:

Apresençados livrosdidáticosnaescola causa interferências relevantesnaproduçãoe circulaçãodeideiaspedagógicas – como formasdepensaro ensinoeaaprendizagem–bemcomonadifusãodemétodosdeensinoedeavaliação.Assim,elesexercemtambéminfluêncianaformaçãodeprofessores.(Talamini,2009,p.8)

Santos, aborda a influência do livro didático, afirmando que este tem o papel de produtocultural,poisencontra-sediretamente ligadoàculturadaescola, tambémpode ser consideradocomoprodutopoisassumeopapeldemercadoria(Santos,2007,p.15).

Jáqueolivrodidáticoéumelementodegranderelevânciaparaoensino,ecausaimpactonoaprendizadodosalunos,nosmotivamosarealizarestapesquisa,eassimdesvelarosprincípiosschaferianosqueencontram-seinseridosnoslivrosdidáticos.

6.Osmateriaisdidáticoseosreferenciaisschaferianos

A metodologia aplicada nesta pesquisa consistiu em catalogar os materiais didáticos dossistemasdeensinoutilizadospelasescolasparticularesdeensinofundamentalnosanosfinaisnomunicípiodeGuarapuava,Paraná.Optou-seporeste recorte, jáqueapresençadamúsicanaescolaseefetivacommaiorênfasenoensinofundamental,aausênciademateriaisdidáticosparaoensinofundamentalnaredepúblicadeensinopossibilitouorecorte:30livros/apostilasdearte,queincluemconteúdosdemúsica,produzidosporseisdiferentessistemasdeensino,eutilizadosemdezescolas.

Após estaprimeira etapade catalogação, partiu-se paraa fasedeanálise destesmateriaisdidáticos a qual foi norteadapor um roteiro previamente produzido de formaa contemplar asprincipaisquestõesdestapesquisa.

Ao realizar a primeira leitura dos materiais, surgiram categorias de análise, as quaisnortearamaconstruçãodoroteirodeanálise,segueabaixoasquestõeslevantadaseanalisadas.

Primeiramente,aoabordaraespecificidadedas linguagensartísticasosmateriaisanalisadosse diferenciam no que tange ao enfoque dado para determinada linguagem em detrimento deoutras.Assimnumaanálisequantitativados30livrosanalisadosobteve-se:amúsicaéabordadapor22livros,oqueresultaem73,33%dototalanalisado;adançaeoteatrosãoabordadospor15livros,oqueresultaem50%dototal;osconteúdosdeartesvisuaisestãopresentesemtodososmateriais, istoé,100%dos livroseapostilasutilizadosnaredeparticulardeensinononívelfundamental da cidade de Guarapuava priorizam o ensino da linguagem visual, em segundoplanoestáamúsicaeasartescênicasficamemterceiroplano.

OsdadosobtidosnestaquestãorevelamqueasArtesVisuaissãomaisfavorecidasnoquedizrespeitoaprioridadedeconteúdo,estedadoapontaalgonegativo,poisquandoháprioridadeem somente uma linguagem, as demais linguagens ao serem menos abordadas empobrece odesenvolvimento de aprendizado do aluno, porque eles poderiam trabalhar diversos conceitosdentrodaconfluênciaeteriamapossibilidadedefazerváriasconexõesentreaslinguagensoquesó favoreceriaoaprendizado.AsDiretrizesCurricularesdoEstadodoParanáemsuaestruturacomo base norteadora para o ensino abordam a interdisciplinaridade como componenteestruturantedaeducação:

Desta perspectiva, estabelecer relações interdisciplinares não é uma tarefa que se reduz a umareadequaçãometodológicacurricular,comofoientendido,nopassado,pelapedagogiadosprojetos.Ainterdisciplinaridadeéumaquestãoepistemológicaeestánaabordagem teóricae conceitualdadaaoconteúdoemestudo,concretizando-senaarticulaçãodasdisciplinascujosconceitos, teoriasepráticasenriquecem a compreensão desse conteúdo. No ensino dos conteúdos escolares, as relaçõesinterdisciplinares evidenciam, por um lado, as limitações e as insuficiências das disciplinas em suasabordagens isoladas e individuais e, por outro, as especificidades próprias de cada disciplina para acompreensão de um objeto qualquer. Desse modo, explicita-se que as disciplinas escolares não sãoherméticas,fechadasemsi,mas,apartirdesuasespecialidades,chamamumasàsoutrase,emconjunto,ampliamaabordagemdosconteúdosdemodoquesebusque,cadavezmais,atotalidade,numapráticapedagógicaque leveemcontaasdimensõescientífica, filosóficaeartísticadoconhecimento. (Paraná,2008,p.27)

Apesar de os documentos curriculares apresentarem propostas de que todas as linguagensartísticasdevemserabordadasnoensinodeArte,nota-sequeaescolhadeconteúdosdasartesvisuais se sobressai, o quedenotaa herança históricada educaçãoartísticaquepriorizavaasartes visuais. Segundo Ferraz, esta herança histórica apresenta-se impregnada na tradição dodesenho:

Nasprimeirasdécadasdo século20,oensinodearte,maisespecialmenteodesenho,apresentava-seimpregnadodosentidoutilitáriodepreparaçãotécnicaparaotrabalho,iniciadonoséculoanterior.Naprática o ensino de desenho nas escolas primárias e secundárias valorizava o traço, contorno, aconfiguração, e era voltado sobretudo para o aprimoramento do conhecimento técnico e estéticaneoclássica.(Ferraz,2009,p.44-45)

Ainda em relação a este assunto, realizou-se uma segunda análise mais detalhada com oobjetivo de verificar em cada livro a prioridade dada a cada linguagem, sendo que dentre ostrintalivrosanalisadosde24sedetémnamaioriadesuaspáginasnosconteúdosdeartesvisuais;outros6livrospriorizavamgrandepartedesuaestruturaparaabordarconteúdosdemúsica.Emcontrapartidaestáadançaqueocupaespaçomínimonaabordagemdosmateriais,sendoquedos 15 livros que abordavam a dança em 9 deles ela é a linguagem menos abordada.Considerando que o foco desta pesquisa está na abordagem musical dos livros didáticos, aorelacionarmosaanálisedaprimeiraedasegundaquestãoconclui-sequedentreos30materiaisdidáticos analisados, 22 abordam a linguagemmusical sendo que 16 deles enfocam as artesvisuaiseapenas6dãomaiorenfoqueàmúsica,enquanto8nãoabordavammúsica.

Na terceira questão, pretendia-se saber se a confluência nas artes estava inserida nosmateriais didáticos, ao analisar chegou-se a conclusão de que 24 dos materiais didáticosapresentavamaconfluêncianasartes,emumdestes24materiaisdidáticosocorreaconfluênciadasquatro linguagensdaarte,ouseja integraçãototal,enquanto6dosmateriaisdidáticosnãoabordavamaconfluênciadasartes.

Aquestão4,partindoparaumaanálisemais restritaà linguagemmusical, categorizamosorepertório musical presente nos materiais didáticos em três diferentes categorias: músicatradicional, música folclórica, música contemporânea. É necessário esclarecer que dos 30materiaisdidáticosanalisados,22abordavamamúsicacomoconteúdo,destes22materiaisqueabordavam a música foi feita a investigação para saber que repertórios musicais eramapresentados aos alunos, notou-se que as categorias presentes nestes materiais didáticostratavam-se da música contemporânea, música folclórica e música tradicional. Entende-se pormúsicacontemporâneaamúsicaproduzidapormeiosdigitais,pelocomputador,ouaindapelabuscadenovossons,instrumentosmusicaisalternativos,epaisagemsonora.Nestacategoriademúsicaabordadade forma contemporâneaa totalidadedeabordagensnosmateriais didáticosfoi de 43,33%. Este resultado demonstrando como a música contemporânea vem sedesenvolvendoesendocontextualizadanasaulasdeartes.Amúsicafolclóricafoielencadacomoa segunda categoria investigada nas análises dos materiais didáticos, pode-se definir comomúsica folclórica,manifestações culturais populares, onde há ritos tradicionais, e está ligada acanções simples e populares, figurinos e cenários representativos, aspectos religiosos, festaslendase fatoshistóricos,acontecimentosdocotidianoebrincadeiras,estacategoria totalizou-seem23,33%.A terceira categoria elencada foi comoMúsica tradicional, entendessepormúsicatradicionalaabordagemsobreosmovimentosmusicaishistoricamente,eacontextualizaçãodoselementosmusicais, e as propriedades damúsica, amúsica tradicional obteve a totalidade de63,33%.

Ointuitodaquestãodenúmero5foidedescobrirseonomedeMurraySchaferécitadonos30materiaisdidáticos,paraistoforamcategorizadososseguintesquesitos:biografia,produção

musicológica, bibliografia e conceitos. Apenas um material didático apresenta a biografia deMurray Schafer, nos 29 restantes não há citação, quanto a produção musicológica não éabordadanenhumavez,ouseja100%dosmateriaisnãocontémestequesito,abibliografiaestápresente em 4 materiais didáticos como referências, os conceitos estão inseridos em 6 dosmateriais didáticos, neste caso o que se desejava saber se o autor ou autores dos materiaisdidáticos tiveram o cuidado de citar o nome de Schafer, já que muitos livros e apostilasapresentamconceitosschaferianos,massomenteapresentamepropõemetodologias,porémnãocitamonomedeSchafercomopesquisadorecriadordestesconceitos.

A questão de número 6 ao ser elaborada teve como objetivo descobrir se os princípiosfilosóficos/pedagógicosdeSchafer eramabordados. Para tanto, foramelencadas6 categoriaspara fazer uma análise mais detalhada para saber se os princípios shaferianos estavamcontextualizados nos materiais, e como estes estão contextualizados. A primeira categoria foiformuladacomopergunta:osprincípios schaferianosestãoexplícitos?Entende-seporexplícitos,estesprincípioseconceitosqueaoseremabordadosoleitornãoteriadificuldadedeidentificarosconceitos schaferianos, esta categoria estápresente em5dosmateriais analisados.A segundacategoria, pergunta se os princípios schaferianos estão implícitos, ou seja abordados em umalinguagem genérica, sem especificar que os princípios ali reproduzidos seriam de Schafer, oresultado obtido nesta categoria foi de 16 dos materiais didáticos abordam os princípiosschaferianos implicitamente. Na terceira categoria elaborada, pretendia-se saber se não haviaprincípios schaferianos nos materiais didáticos, o resultante desta categoria foi que 9 dosmateriaisdidáticosnãoabordamosprincípiosschaferianos.Aquartacategoria foidenominadacomoEcologiaSonora,poistrata-sedeumdostrêseixosdosprincípiosfilosóficos/pedagógicosde Murray Schafer, a Ecologia Sonora é abordada em 2 dos materiais didáticos. A quintacategoria analisada foi Confluência das artes, esta categoria é o segundo eixo dos princípiosfilosóficos/pedagógicos de Schafer, a Confluência dasArtes é abordada em 24 dosmateriaisdidáticos,asexta,eúltimacategoria,destaquestãofoinomeadacomoRelaçãocomoSagradoetrata-se do terceiro eixo dos princípios filosóficos/pedagógicos de Schafer , esta categoria éabordadaem24dosmateriaisdidáticosanalisados.

A pergunta da questão de número 7 teve como objetivo desvendar se a abordagemmetodológica dos 30 livros ou apostilas analisados, poderia ser considerada schaferiana, oresultadoobtidoatravésdasanálisesdosmateriaisfoiqueem17livrosouapostilasaabordagemmetodológicapoderiaserconsideradaschaferiana,estasabordagensseriamexercíciospropostoscomoescutaatenta,criaçãodeinstrumentosmusicais,investigaçãodapaisagemsonora,nos13materiaisrestantesaabordagemmetodológicanãopodeserconsideradaschaferiana.

A questão de número 8 teve como propósito descobrir se as propostas devivências/experiência schaferiana encontravam-se nos 30 materiais didáticos, dentro destaquestãoelencou-se trêscategorias:Naíntegra,Comparáfrase,Nãohápropostasschaferianas.

A primeira categoria elencada: na íntegra, pretendia-se saber se havia proposta devivência/experiência, se houvesseaproposta, se esta encontravam-sedamesma formaque seencontranaspublicaçõesdeMurraySchafer,asegundacategoriadenominada:comparáfrase,oobjetivo era descobrir se haviampropostas de vivência/experiência nosmateriais didáticos emformadeparáfrase,ousejaapresentaraspropostasmascomoutraspalavrasquenãofossemdoautor, jáa terceiracategoria:Nãoháproposta schaferiana,o intuito foidedescobrir sehaviaausência das propostas schaferinas. Na realização destas análises chegou-se ao seguinteresultado: a primeira categoriaNa integra ocorre apenas uma vez nos 30materiais didáticosanalisados, quanto a segunda categoria Com paráfrase, o resultado obtido foi que 6 dos 30materiais didáticos, 6 apresentam as propostas schaferianas em forma de paráfrase, nestesmesmos 6materiais é que são abordados os conceitos schaferiamos que foram analisados naquestão de número 6. A terceira categoria elencada como: Não há vivência/experiência,totalizou-seem23dosmateriaisdidáticosanalisados.

Consideraçõesfinais

É fato que os materiais didáticos analisados tem como prioridade a abordagem às artesvisuais,aqualaestruturaemalgunsmateriaisdeixamadesejarporquealgumaseditorasoptamporreduziraquantidadedepapel,deixandootextocomfontesminúsculas,epoucocolorido,jáqueomaterialdidáticotrata-sedeArtes,oquedeixaomaterialmenosinteressanteparaoaluno.Quantoalinguagemapresentadaemalgunsmateriaisdidáticosestáinseridademodoformal,jáem outrosmateriais esta linguagem narrativa torna omaterial mais atrativo, o que desperta aatenção do leitor, no geral a linguagem é de fácil compreensão. No que diz respeito aoreferencial teórico, notou-se que os trinta materiais analisados possuem referenciais de boaqualidadeeaquantidadeésatisfatória.

A contextualização didática em alguns dos materiais, necessita apresentar no seudesenvolvimento mais alternativas para se trabalhar as diferentes linguagens, pois em algunsdesses materiais há somente abordagem em uma linguagem artística, o que empobrece aaprendizagemdoaluno,cabeaoprofessornãoseatersomentea istoebuscarmetodologiasetrabalharasdemaislinguagens,masemcontrapartida,amaioriadosmateriaisapresentam-sedeformadinâmicaeatrativa,oquepropiciaaoalunoexplorardiferentesformasdeaprendizadoedesenvolveratividadesquetrabalhemasdiferenteslinguagens.

Tambémfoianalisadaacontextualizaçãoartística,emalgunsmateriaisdidáticosaabordagemda produção artística é superficial, apontando algumas contextualizações ou movimentosartísticos, porém, não há aprofundamento em processos criativos, o que poderia ser maisabordadoeexplorado,masnoquedizrespeitoaorestantedessesmateriaisacontextualizaçãoartísticaéricanoseuconteúdo,econsegueprenderaatençãodoleitor.

Quanto aos princípios filosóficos/pedagógicos de Schafer, percebeu-se a presença dasmetodologiaspedagógicas schaferianaspresentesemboapartedosmateriaisdidáticos, jáqueforam totalizados 24 materiais didáticos que abordavam os conceitos schaferianos, dos 30materiais didáticos analisados, é importante ressaltar que os princípios filosóficos schaferianosdiferenciam-sedasmetodologiasschaferianas,jáqueestasmetodologiastratam-sedeatividadespráticas, ou seja elas complementam os princípios filosóficos/pedagógicos deMurray Schafer.No momento das análises dos materiais didáticos, percebeu-se que os princípiosfilosóficos/pedagógicosschaferianossãodemocráticoseacessíveisaqualquerrealidadeescolar,alémdestes conceitos trabalharemaeducaçãomusical criativa,elaspermitemcomqueoalunoinvestigue, componha e execute um processo de criação musical sem que seja preciso gastosdispendiosos, pois alunos podem trabalhar com materiais que perderam sua utilidade, etransformá-los em instrumentosmusicais, estametodologia está integradaa consciência de quedevemos procurar utilizar bem os recursos que temos disponíveis no planeta, essa consciênciaambiental vai sendo incutidanamentedosalunosao serem trabalhadas estasmetodologias naescola.Aabordagemschaferianaganhaespaçonosmateriaisdidáticosutilizadospelasescolasparticulares de ensino fundamental domunicípio deGuarapuava no Paraná. A relação com oSagrado,aConfluênciadasArtes eaPaisagemSonoraperpassamconteúdos interdisciplinaresdocurrículodoensinofundamental,entretanto,emsetratandodosconteúdosmusicaissugeridospelos documentos governamentais, PCN e DCE, estes eixos mostram-se uma possibilidade deestruturaçãocurricularvoltadaaformaçãointegraldosujeitoemseusaberinteligívelesensível,aqual ainda suscita qualificação o que só é possível por meio da reflexão, do estudo e daproduçãodepesquisa,assimcomoestasapresentadasnestaobra.

Referências

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Notas1.AcadêmicadagraduaçãoemArte-educaçãonaUnicentro–UniversidadeEstadualdoCentro-Oeste,pesquisadoravinculadaaoPROIC-ProgramadaIniciaçãoCientifica.EstapesquisadacontoucomapoiodaCapes/CNPq.2.MestreemEducaçãopelaUniversidadeFederaldoParaná(2006),graduadaemPedagogiapelaUniversidadeEstadualdoCentro-Oeste (2003) Docente de música no Departamento de Arte-Educação da UNICENTRO desde 2008. Bolsista CNPq comocoordenadoradoPIBID-Arte.TemexperiêncianaáreadeEducação,comênfaseemEducaçãoMusical,atuandoprincipalmentenosseguintestemas:educaçãomusical,formaçãoepráticasdocenteseteoriacrítica.

Capítulo7:Ocompositornasaladeaula–práticascomposicionaiscontemporâneasparaeducaçãomusical1

AlvaroBorges2

Asreflexõesarespeitodosmeiosdeseaproximaralunoseeducadoresdorepertóriomusicalcontemporâneo,experiênciascomposicionaisdesenvolvidasnosanosde2010a2013,duranteoficinasdeformaçãodesenvolvidasnoProgramaMúsicanaEscoladoMunicípiodePousoAlegreemMinasGerais,ensejaramacompilaçãodeumciclodepropostascomposicionaiselaboradasparaseremaplicadasnoambientedaescola,aquesedeuonomedeCicloPedagógico.Trata-sedeumacomposiçãode5peças,naqualcadaumadasquaisobedeceaumprincípioeestruturadistintos.Sãoelas:Colagem-Paisagem;Ponto,linhaecoisas;Invençãoemtrêsinstantes;Pequenonascer,grandemorrer...eOregentesemorquestra.

Essa obra reflete aspectos didáticos para educação musical que assumem o processo decriaçãocomoelementocentraldoaprendizado,balizadopelavivência,experimentaçãosonoraeescutacrítica.Esteprocessocriativofoiconsideradonesteciclodecomposiçõescomorevelação-desdobramento das condições ocorridas no campo da composição musical. Tomou-se comoelementosprincipaisdeevocaçãoorompimentodosparadigmascomposicionaistradicionaiseodeslocamento das fronteiras estabelecidas pela música de hoje, sendo um dos principais osaspectosdoadventocomposicionaleletroacústico,oqual implicouemumanovaconsciênciadosom.

Asexperiênciasvividasporeducadoresealunos,acercadareflexãoepráticapropostaspeloCiclo Pedagógico,pretendempossibilitar, nomínimo, um frescordenovidadenodesenrolardecadaumadaspeças.Mesmoque,emprimeirainstância,seadmitamnãogostaremounãoteremtido contato anterior com este tipo de repertório, se os educadores admitirem algum interessepedagógico pela abordagem proposta, isso será apenas o início de uma aventura rumo àsdescobertas da musica contemporânea. Logo, a preparação e desenvolvimento do CicloPedagógico comosalunospode ser umaexperiênciadidáticadiferente, pois háa intençãodelevar os participantes ao desafio de sair do habitual e confortável manejo de ferramentasdidáticasvoltadasparaorepertóriotradicional.Sobretudo,umdosprincipaisobjetivosdoCicloéa descoberta de novas ferramentas educacionais que serão desveladas pelo estudo da própriaobra,emsuaspartituras,epelasanálisesapresentadasnasinstruçõesouindicaçõesdadaspelocompositor. Desta feita, podem chegar a conhecer elementos da música contemporânea,experimental e eletroacústica sentindo prazer em participar das atividades de preparação erealizaçãodaspeçaseconcluirqueporaquelasexperiênciaschegama“escutarmais”.

1.PrimeiraPeça:Colagem-Paisagem

Idealização:Estapropostacomposicionalpartedaideiadojogodejustaposição/sobreposiçãodetexturas

sonoras diversas para a formação de motivos ou imagens sobre um suporte predefinido. Este

suporteédadopelacomposiçãodeumapaisagemsonora– soundscape3 – construídaapartirdassonoridadesescolhidasdeumdiáriodesons,ouseja,umbancosonorocoletadoao longoum período de tempo. Neste contexto, o objetivo da colagem sonora é criar interferências etexturasnestapaisagemsonora.Decertaforma,seoimagináriosonorodestapaisagemtendeaserplano,ouseja,umarepresentaçãoobviadorealsonoro,podesercriadoscontrapontosquetendemalevaraescutaparaumadimensãomaisexpandidapelaintervençãoderelevostexturaissonoros justapostos ou superpostos. Logo, a paisagem, como pintura sonora, migra suasfronteirasaoquesepoderiachamardeesculturasonora.Aspossibilidadesdecomposiçãosãoamplasepodemsercriativascomonoexemplovisualabaixo:

Preparaçãoevivência:O processo composicional inicia-se pela definição de uma temática para a composição da

paisagem sonora. Para auxiliar neste processo pode-se apresentar aos grupos fotografias,pinturas ou imagens diversas. Após esta definição, a partir do Diário de Sons, escolhe-se assonoridades interessantes que comporão esta paisagem. Nesta etapa é importante aexperimentação e a vivência prática dos sons escolhidos, os quais podem ser desde sons doambienteatésonsvocais,instrumentaisoumelodiasquesejamrepresentativasparaaelaboraçãodapaisagemsonora.Definidaa temáticaa turmaédivididaemdoisgrupos,umreproduziráapaisagemsonoraeoutroascolagens.Osegundogrupo,ogrupodaaplicaçãodecolagens,porsuavezsesubdividiráemgruposmenoresquecriarãomotivosdiversos.

Imagem1.PartituradereferênciaparaColagem-PaisagemdoCicloPedagógico(Borges,2013)

2.SegundaPeça:Ponto,LinhaeCoisas...

Idealização:A idealizaçãodestapeça centrou-senaexploraçãodosaspectos elementaresdaescutapor

meiodeumparaleloentreosonoroeossubsídiosbásicosdacomunicaçãovisualcomometáforaparaapropostadeumdiscursomusical,ouseja,pontos,linhaseforma,transcritosnaobraemponto, linha e coisas como expresso em seu próprio título. Estes subsídios visuais básicos sedesdobramemelementoscorrelatoscomo tom,cor,escala, textura,direçãoemovimentosendoconvertidos no discurso musical em timbres diversos, objetos sonoros com mais ou menospresençaharmônica,peculiaridadesereferenciasdosomemrelaçãoasuafonte,seugestoesuaespacialidade.

Opontoétomadocomoaunidademaissimplesdentreosdemaisaspectosnaconcepçãodaproposta. Por ser irredutivelmenteumacélulamínima,naobra correspondeaomínimodado,oobjetosonoroisolado,quequandocontrapostoaoutrosepredispõeainúmeraspossibilidadesdeinterpretações. Dentre estas possibilidades estão a comparação, as relações entre um ponto eoutro,asreferências internaseexternasaeles,arepresentação individualeresignificaçãopelainteraçãodosmesmos,dentreoutras.Logo,comoexemplo,seriapossívelcomapenasdoispontossonorosdefiniromovimentonoespaço,ousimplesmentealocalizaçãodasfontes,eaindapropordirecionalidade discursiva de vários parâmetros que vão desde a localização, passando pelasuperposição, até a ilusão espacial, oumesmo, a criação de umnovo timbre pelamistura dosperfissonoros.

Quandoexistemdiversospontos juntos,unidosdeformaquaseimperceptível,asensaçãodedireção é melhor percebida e os elementos visuais passam a ser entendidos como linha. Oselementos pontilistas lidos pela sua continuidade como linha configuram uma espécie de pincelquedelineiamnoespaçoumapropostadeforma.NapropostadaobraPonto,LinhaeCoisas...

estaformaéconstruídapelosgestosinerentesaosobjetossonorosemjogopodendoconstituirumdiscursomusicalpelas relaçõesentreestesobjetos,porelesmesmos,oupelas relaçõesentreasreferências extrínsecas a eles, ou seja, extra-sonoras, verbais,metafóricas ou imaginárias. Porestaamplitudedocontextoformalesteelementofoidenominadopor“Coisas...”

Preparaçãoevivência:Tomando-seodiáriodesonsépossívelclassificarossonstipologicamentediversos,mas,neste

casocomreferênciasemelhante,porexemplo:a) sonscurtos (locomotiva),b) sons longos (ferroraspado),c)sonscommaiorpresençaharmônica(apitosesinos),d)sonscommaiorpresençaderuído (descargadevapor),e) sonsestáticos (ferrobatido), f) sonsmóveis (deslocamentobatidanos trilhos). Esta “paleta de sons” é infinitamente variável podendo apresentar outraspossibilidadesdeclassificaçãosonora.

Atemáticamusicalaser“desenhada”podeserdefinidaantesdaescolhadossonsouapartirdeles. Por exemplo: se a montagem da peça for no contexto de sons de locomotivas, comoexemplificadoacima,acomposiçãopropõequeossonsbrevesirãoseadensarememsonslongose a medida em que se percebe mais claramente a natureza dos sons em jogo é possívelrepresentar as características do que se conhece sobre sua fonte. Assim, pela recriação dasonoridade,atravésdareproduçãomiméticadossonsreferenciaisapresentados,propõe-secriarum discurso de sentido musical a partir de contraposição, justaposição ou superposição depontos, ou seja, pela direcionalidade que causa a impressão de linhas, ou traços gestuaissonoros,osquaisdelineamaprojeçãodasimagenssonorasemformadejogosonoro.

Imagem2.Exemplode“paleta”sonoracoletadaapartirdoDiáriodeSonsnocontextodotimbre,espaçoegesto

Opróximopassoédefinircomoserãoexecutadosossonsescolhidos.Areproduçãopodeser

vocal ou através de instrumentos ou mesmo de aparatos improvisados na sala de aula, comomobília ou materiais escolares. Neste passo explorar a reprodução dos sons escolhidoscoletivamente pela vivência e a experimentação é fundamental para a execução e para asedimentaçãodaclassificaçãojárealizada.

Imagem3.PartituradereferênciaparaapeçaPonto,linhaeCoisas...doCicloPedagógico(Borges,2013)

3.TerceiraPeça:Invençãoemtrêsinstantes:Crepúsculo,NoiteeAurora

Idealização:Esta proposta passa a abordar elementos um pouco além do concreto sonoro iniciando,

portanto, a especulação de elementos de direcionalidade formal, repetição, variação eimprovisação livre. A ideia básica desta peça é o desenvolvimento interativo dos grupos porelementos de eco, cânone, loop e temáticas livres improvisadas. Estes elementos determinam odiscursoformaleaestruturadirecionaldapeça.

As três partes do discurso representam metaforicamente os três momentos (instantes) dassonoridades alcançadas pelo desenvolvimento de materiais sonoros variados a partir de umaúnicapropostaimprovisada.Nestecaso,inicia-seseçãoA(Crepúsculo)comumjogosonorodeecos(delay)porumgrupodecercadecincoelementos(Grupo1)aocentrodeumcírculomaior(Grupo2),noqualumdosexecutantespropõeumaideiasonorainicialqueéamatrizdetodasassubsequentes.

Ojogodeecos,iniciadoscomdinâmicappp,ganhamassasonoraeemtornodos2minutosdedecorrimentoe vão se transformandoemcânonesbemdefinidospelo segundogrupo já emdinâmicadefaff.OscânonesvãoocorrerapartirdomomentoemqueummembrodoGrupoB

pinçarummotivodamassadeecoseseusparesiniciaremoprocessodecânoneapartirdestaescolha. Ao desenvolvimento desta seção B (Noite), e a medida em que o grupo 1 já tenhacessadoosecos,seusmembrosirãomemorizarfragmentosmínimos,ousejacélulas,dosmotivosemcânoneexecutadosparainiciaraterceiraseçãoC(Aurora).

Está ultima seção é composta pelo elemento loop, isto é, células motívicas repetidasmecanicamente, também pinçadas da seção anterior e mantidas até o final com um extensodiminuendo dinâmico.Os loops iniciam-se em cerca dos 5minutos de decorrimento do temposeguindoaté8minutos.Nomomentodos loops acrescenta-se elementosmotívicosmais longosimprovisadospeloterceirogrupo,detrêsmembrosapenas,queapresentampropostasdiferentesemumaespéciedeintervençãodesolistas.

Preparaçãoevivência:Experimentarepraticara reproduçãodoselementosbasesdapeça,ou seja,eco, cânonee

loopéfundamentalparadotarosexecutantesdeliberdadecriativaduranteoprocessodecriaçãoda peça. Uma forma interessante pode ser o jogo de imitação no qual propõe-se um ideiasonora, reproduzindo-a em som vocal, corporal ou instrumental, enquanto os demais a imitamidenticamente em forma de eco. É importante pontuar que a ideia do eco implica em umadinâmica decrescente do tipo, “EEko, EEko, EEku, Eku, Ek’, Ek, E’, E, ’ ...”, isto é, além dassupressõesfonéticasocorreumadiminuiçãodinâmicadeffappp.Paraoscânones,demonstraraproposta da caça, uma linhaque persegue outra de forma estrita, pode ser esclarecedora.Damesma formaqueouvirnorepertóriogeralobrasemcânonepodeserumexercícioeficaz.Nocasodosloops,omaisimportanteéamanutençãomecânica,inclusivedotempodepausasentreasrepetições.Portanto,podeajudaraexercitarestasrepetiçõesutilizando-sedeummetrônomo,cronômetroousimplesmenteumrelógio,comoreferênciatemporal.Àmedidaquesepraticamecriam jogosespontâneosparaesteselementosasensação temporal ficamaispresente.Por fim,para os solistas, motivos improvisados de forma livre, é importante incentivar a criaçãodiversificada e variada de cada executante partindo dos interesses individuais destes ou darelaçãoentresuasideiaseocontextodogrupocomoumtodo.

Imagem4.PartituradeexecuçãodapeçaInvençãoemtrêsinstantes:Crepúsculo,Noite,AuroradoCicloPedagógico(Borges,2013)

4.QuartaPeça:Pequenonascer,grandemorrer...

Pequenonascer,grandemorrer...foicompostaem2005paraogrupoCantorIA4,nocontextododesenvolvimentodapesquisadeMestradodaeducadoraLeilaVertamattieestápublicadaemseu livroAmpliandoo repertório infanto-juvenil: umestudode repertório inseridoemumanovaestética (Editora Unesp/Funarte, 2008). Esta composição é, em sua versão original, uma obra

eletroacústicamistaparaoctetovocaletapeestruturadapelopoema5homônimoaoseutítulo,deautoria do próprio compositor, transcrito em diferentes idiomas: francês, português, italiano einglês.

Aestrutura composicionaldaobrapartedamicroestruturadas inflexões latentesdoprópriotexto: “Pequeno nascer, grande morrer...”, ou seja, foram exploradas as características pré-verbais, desde as inflexões das consoantes (sons explosivos, sibilantes ou fricativos) às suasconjunções com as vogais na formação das sílabas até a revelação completa do verbo. Estaestrutura foi expandidaaocontextogeraldaobra,queé conduzidapelametáfora implícitanasintaxedosdoispolosmetafóricosdopoema(pequeno-grande–nascer/morrer),eseusmateriaisutilizadosnarealizaçãodacomposição:

a) “Pequeno nascer” = sons curtos, percussivos, sem altura definida, espacializados

pontilhisticamente,onascerdaideiamusical,agênesedoeventosonoro,seuembrião–primeiroelementodaobra;

b) “Grande morrer...” = por um caminho de adensamento dos materiais, com gradualcompreensão das palavras, os sons pontilhistas vão sendo substituídos por sons sustentados –

segundo elemento da obra – e servem de material de passagem para a sonoridade de pontoculminantedodiscursocaracterizadaporglissandi–terceiroelementodaobra.

Aideiafundamentaldacomposiçãoestácalcadanasrelaçõessintáticasdopoema,transcritas

naobrapelosmateriaisdaestruturaacima,enainterpretaçãosemânticadotextoemrelaçãoasua revelação como discurso musical latente ao verbo. Logo, este discurso parte de umamicroestrutura,ofonema,evaisetransformandoatéchegarnoverbo,napalavra,queserevelaaoserrecitadoopoemainteironofinaldacomposição.

Arealizaçãodotape,ouseja,ossonseletroacústicospreviamentegravadosetransmitidosporalto-falantes instaladosdemodoacriarumplanode fundoaos sonsdos cantores, consisteemumagravaçãoemestúdiodogruporesponsávelpelarealizaçãodapeçaemanipulaçãodossonsgravados.Os elementos de tratamento sonoro aplicados no estúdio consistem basicamente eminserção de reverberação, equalização das vozes e ambientação espacial dos sons para aprojeção nos alto-falantes em conjunto com o octeto, o qual também se posicionaespacializadamente.

Na versão original, apenas oito cantores posicionados ao redor do público participam daexecução, utilizando microfones individuais, com os áudios endereçados aos respectivos alto-falantes,tambémdistribuídosemvoltadopúblico.Ficaacargodeumoperadordesom–quasesempreummúsico–aconduçãodaprojeçãosonoradotapeedossonscaptadosdoscantoresemoctofonia.Todososenvolvidossãoconduzidosporumregentequeseposicionaaocentrodosistemadedifusãosonoradeformavisívelatodososexecutantes.

Anotaçãodapartitura,apesardetrazersignosconvencionais,demandaumaleituradotipoproporcional, sendo genericamente uma referência-guia para as entradas, dinâmicas e aorganizaçãodomaterialmusical.Todosesteselementosestãodiretamenteregidosporumalinhadecronômetro,ouseja,amarcaçãododecorrimentotemporalocorrepelotempocronométrico,umaspectotambémnãoconvencional,bastanteencontradoemcomposiçõescontemporâneas.

Imagem5.PartituraoriginaldePequenonascer,grandemorrer(2005)incluídanoCicloPedagógico(Borges,2013)

5.QuintaPeça:Oregentesemorquestra

EstacomposiçãofinaldoCicloPedagógicoé,principalmente,umapropostaconceitualacerca

daescutaedosilêncio.UmadefiniçãointeressanteacercadosilêncioédadaporR.M.Schafer:“Silêncioéumrecipientedentrodoqualécolocadoumeventomusical”(Schafer,1991,p.71).Nestesentido,oobjetivodestapeçaconsistefundamentalmenteemconvidaraouvirosilêncioemum“concertodanatureza”.

Imagem6.PartituraconceitualparaORegentesemOrquestradoCicloPedagógico(Borges,2013)

6.ProjetocomposicionaleanálisedoCicloPedagógico

ParaaorganizaçãocomposicionaldoCicloPedagógico, levaram-seemconsideraçãoalgunsaspectos relativos à direcionalidade formal e aos elementos composicionais que serviam paratraçar um caminho de referência para os educadores desenvolverem estas pequenas peças noambiente escolar. O princípio gerador e a direcionalidade formal da obra estavamfundamentadosemdoisaspectosgerais,ouseja,nojogosonoroenaorganizaçãogradativadeum discurso musical estabelecido. Estes dois aspectos se desdobraram em dois polos, quecontinhamosprincipaiselementosdiscursivoseestruturantesdacomposição.Sãoeles:EstruturaConcreta–EstruturaConceitual,EspacialidadeExtramusical–EspacialidadeIntramusical,MaterialConcreto-simbólico–Abstrato-poéticoeNotaçãoGráfica–NotaçãoProporcional.Outroaspectoimportanteabordadoemdestaquenacomposiçãoéousodo tempoemescalaquevaido livreaté o estrito, no qual se prescreve o uso do cronômetro para condução dos eventos musicaisexistentes.

Cadaumadascincopeçastrazemsuaconcepçãoumatécnicacomposicionaldiferente.Estastécnicas definem “modalidades” composicionais, da mesma forma, diferentes. As cincomodalidades doCiclo pedagógico são: (1) Soundscape-ColagemSonora, (2) Escultura Sonora,(3) Composição espontânea (improvisação), (4) Composição vocal (sonoro-verbal) e (5)Composição conceitual. Estas modalidades compreendem algumas técnicas usadas porcompositorescontemporâneosemumamploâmbitoestético.

Imagem7.DiagramaanalíticoparaaestruturadoCicloPedagógico(Borges,2013)

As cinco peças que compõem o Ciclo Pedagógico, em sua integralidade, utilizam-se de

notaçãoalternativa,observando-sedoisaspectosespecíficos:(1)queosalunosdaescolaregularenvolvidosnemsempre têmconhecimentoespecíficopara leituradepartituras tradicionaise, (2)nem sempre a partitura convencional consegue representar propostas composicionaiscontemporâneas,sendomuitasvezes,aformamaisdificultosadefazê-lo.Entretanto,ocontextonotacional da obra como um todo faz parte de um caminho que segue, desde representaçãometafórica, à significação conceitual, isto é, a começar pela partitura gráfica, metafórico-simbólica,passandopelareferencial-concreta,pelaproporcional-concreta/simbólica,chegandoaapresentar algo que poderia ser definido como notação referencial-conceitual, conformeapresentadoabaixo:

Imagem8.DiagramanotacionalutilizadonoCicloPedagógico(Borges,2013)

A notação para a primeira peça do Ciclo Pedagógico pode ser definida comometafórica-simbólica.Aapresentaçãoda ideia composicional sobrevémde umgráfico de duas linhas querepresentam os dois eventos gerais da proposta: a paisagem sonora, suporte sobre o qual seaplicamascolagenssonoras.Ográficonãopropõeaimagemconcretadossonsoudoseventossonoros ocorrentes, pois a cada execução estes serão renovados, permanecendo apenas aconstruçãogeraldocontrapontoentrecolagem/paisagem,comopropostadediscurso.

Nasegundapeça,utiliza-seumanotaçãosimilaràdaanterior,nocontextodamutabilidadedomaterialsonoroacadaexecução,oquetambémimplicaemconstruçõesúnicasbaseadasemuma estrutura metafórica. Porém, de maneira diversa, esta segunda peça apresenta perfisconcretosparaaescolhadosobjetossonorosquecomporãooseventosmusicais.Decertomodo,poderia ser definida como partitura metafórica-concreta, pois sinaliza referências para oexecutantebuscar ideiasnomaterialsonoroconcreto,queserá trabalhadoparaa formaçãododiscursometafórico,ouseja,paraaconstruçãodasideiasqueseformamnojogocomposicional.

Aterceirapeça,pordefinir,antesdetudo,oslimitesdeduraçãotemporaldecadaeventododiscursomusical, busca uma disposição organizativa que se concretiza pelo cronômetro. Logo,uma definição possível seria a de partitura proporcional-concreta, por referir-se diretamente àrepresentaçãorealdossonsquecompõemoseventossonorosinternosdapeça,tambémmutáveisacadanovapropostadeexecução.Entretanto,aideiadiscursivadocompositorprevalececomorecipiente imutável, inclusive, interferindo no desenvolvimento do material sonoro interno, aoprescreveramaneirademanipulá-lo,ouseja,emeco,cânoneeloop,dosquaistambémsofreminterferênciaossolosimprovisadoslivremente.

No caso da quarta peça, elementos de estrutura enfatizam a mensurabilidade. Toda aestruturadiscursivadestapeçaestáintrinsecamenterelacionadaàpropostatemáticaverbaldadapelocompositor.Noentanto,inversamenteàprimeirapartitura,osuportedefixaçãododiscurso,dos materiais, da representação temporal dos eventos sonoros e das formas de reproduzi-los,permitem uma fruição do interior da peça para seu exterior. A forma de transcrever a ideiamusicaldadapodeserdescritamaiscomoumconvitesimbólicopararevelaramusicalidadedotexto,exploradoemsuapotencialidadesonoro-verbal.Nestapartitura,a relaçãodoexecutanteassemelha-se,inteiramente,àquelaocorridaaomúsicoquelidacomumapartituradorepertóriotradicional,porémoresultadoéaexploraçãodesonoridadesvocaisbemtípicasdecomposiçõesescritas segundo uma estética contemporânea. Logo, a notação desta peça pode ser definidacomoproporcional-simbólica.

ParaaquintaeúltimapeçadoCiclo,apartiturarepresentaunicamenteumconceito,podendo,assim,serdefinidacomonotaçãoreferencial-conceitual,econsisteemumaprovocaçãosimbólica

dada por um círculo que contém ao centro a lemniscata6 do som-silêncio. Esta simbologiacarregada de significados representa a proposta de se escutar o silêncio, sua ausência nanaturezaetodooenredodesuarevelação-desdobramentonocontextomusical.

ConsideraçõesFinais

Sublinha-se que, o Ciclo Pedagógico foi elaborado segundo o contexto da músicacontemporânea experimental e eletroacústica, procurandodesenvolver umagamade atividadescriativas que facilitam a assimilação de estruturas composicionais nestas linhas e introduzir apráticadeste repertório. Este conjunto depeças buscapropiciar umaaproximaçãodos sujeitoscomopensar,oescutareocriarmusicalpeloviésdacriação.

Referências

BORGES, Alvaro Henrique. Abordagens Criativas: possibilidades para o ensino/aprendizagemdamúsica contemporânea.2008. Dissertação (Mestrado) – Instituto deArtes daUNESP, SãoPaulo.

FONTERRADA,MarisaTrenchdeOliveira.Detramasefios:umensaiosobremúsicaeeducação.2.ed.SãoPaulo:EditoraUNESP,2008.

SCHAFER,MurrayRaymond.Oouvidopensante.SãoPaulo:EditoraUNESP,1991.

Notas1.Este textoépartedaTesedeDoutoradodoautor (Ocompositor na saladeaula: sonoridades contemporâneaspara educaçãomusical. PPGMúsicadaUNESP,2014).2. Doutor em Música (UNESP), docente no Curso de Música da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), compositor epesquisadoremMúsicaContemporânea.3.PaisagemSonora,deR.M.Schafer,éumsom,ouumacombinaçãodesonsqueseformaouapareceemumambienteimersivo.Otermotambémpodesereferiraumagravaçãodeáudioouumareproduçãosonoraquedêasensaçãodeestaremumambienteacústico particular, ou composições musicais preparados a partir de extratos de sons de um ambiente real, com ou seminterpretação.4.OGrupoCantorIAéresultantedasatividadesdoProjeto“CorosInfantisdaUNESP–EducaçãopelaVoz”,iniciadoem1989pelamusicista e educadora Marisa Fonterrada. Com a participação de crianças e jovens da comunidade, paralelamente, prevê aformação do educador-regente por envolver alunos que se acercam do grupo para aperfeiçoamento. Tornou-se um projetopermanentedoInstitutodeArtesdaUNESP,comapoiodaPROEXeestáparacompletar25anosdeatividade(Vertamatti,2008,p.63-64).5.“Pequenonascer,grandemorrer…”–EstepoemadeversoúnicofoiescritoporAlvaroBorges,emSãoPaulo,noanode2005.6.Figurade8 invertido[∞ ]quesimbolizao infinito.DeBernoulli, lemniscus,queem latimsignifica“faixasuspensa” (Carvalho,Benjamim.DesenhoGeométrico.SãoPaulo:Ed.AoLivroTécnico,1982,p.316).

Capítulo8:Porumaescutamaiscrítica:planejandoumgrupodevivênciasemapreciaçãomusical

ÉricaDiasGomes1

RafaelSiqueiradeGuimarães2

Oespaçoquenosrodeiaérepletodeformas,linhasetexturas,quepodemsertransformadasemsomseusarmosnossaimaginação.BernadeteZagonel

Este capítulo tem como objetivo sistematizar um guia metodológico que poderá,posteriormente,serutilizadopeloeducadorquedesejatrabalharcomapreciaçãomusical.Oguiaapresentadoéresultadodeumplanejamentodidáticoparaarealizaçãodeumaexperiênciade

formaçãodo“Grupodevivênciasemapreciaçãomusical”3.Destaforma,pretende-sequeoleitortenha maior aproximação com a pesquisa realizada acerca desta metodologia, podendo, pormeiodeste,compreendermelhorasatividadesrealizadasjuntoaogrupo.

Naexecuçãodapesquisa,ogrupoformadovivenciou,aotodo,cincoencontrospresenciais,cadaumcomduraçãomédiaentre3e4horas,alémdeatividadesindividuaisdeapreciação.Osencontros foram planejados para serem semanais, embora imprevistos tenham acontecido deformaaprolongarpormaisumasemanaaduraçãototaldoprocesso.

Pensando no objetivo principal da pesquisa que deu origem à experiência, centrado nareflexão sobre a forma como as pessoas compreendem a música a partir da escuta e arelacionamcomsuasvidas,etendocomofocoarelaçãotempoeespaçocomomeiodeassociaro modo de construção musical ao cotidiano do cidadão na atualidade, foram selecionadasmúsicascontemporâneasdediferentescontextos.SegundoZuraidaBastião(2009),estaetapaéuma das mais importantes no planejamento de aulas que envolvem a abordagem AME(Apreciação Musical Expressiva), tendo funcionado como base para o desenvolvimento dapresentepesquisa.

Pensandoneste trabalho comomeiode compartilhar uma formade se trabalhar apreciaçãomusical,nãoserárealizadoumrelatodaexperiênciacomoumtodo,apenasaapresentaçãodeum plano pedagógico-musical que pode ser utilizado por profissionais que venham a seinteressar.Assim,pode funcionarcomoumguiaparaque sejaadaptadoconformea realidadeemfoco,econformeaprópriaformaçãoeexperiênciadoprofissionalquedeleseapropriar.

O planejamento foi feito visando uma fluênciamaior, de forma a propiciar o envolvimentogradualdosparticipantes,bemcomoaintegraçãodosmesmos,ebuscandoalternarmomentosdemaisconversacommomentosdedicadosàexpressãonãoverbal.Emcadaencontro,foipensadatambémemumadinâmicaquepermitissefluirdeumestadomaiscalmoedepredominânciadetrocas verbais, mais comuns no nosso cotidiano, até se pensar em um auge da relação deapropriaçãodaescuta,commaiorenvolvimentodecada integrante,atéumavoltaaumestado

mais calmo e descontraído, com base na comunicação verbal. Esta maneira de construir osencontros leva em consideração os três princípios defendidos por Swanwick (2003) para aeducaçãomusical, além da necessidade de um fazermusical ativo: considerar amúsica comodiscurso,considerarodiscursomusicaldosalunosefluênciadoprincípioaofim.Naspropostasdetrabalhodeensino,éfundamentalhaverintençãomusical,pensarseaquelaéumaabordagemmusical. Um trabalho excessivamente analítico é uma forma não musical de ensino, pois nãopermite uma fluência e continuidade de formaao aluno perceber o todomusical. Referente aoconhecimento prévio, podemos dizer que, nas situações de ensino existe o desafio de não sóutilizarorepertórioconhecidopreviamente,comotambémdeprocurarnovoscaminhos,inclusivealguns que podem não ter relação nenhuma com suas experiências musicais prévias. Nestesentido,foibuscadotambémumequilíbrio,deformaanãoacumularmomentosemquesófossemapresentadas músicas que, possivelmente, causariam maior estranhamento, devido à falta dereferênciasanteriores.

Osquatroprimeirosencontrossãopresenciais,envolvendomomentosdediscussãoetambémdepráticasvoltadas tantoparaaapreciaçãomusical,quantoparaatividadesquepromovamaintegraçãoentreosmembrosdogrupo,bemcomoainserçãoemvivênciasqueestimulemtantoapercepção como a expressão por meio dos sentidos. Em Compartilhando expectativas eexperiências,ogrupopodediscutirasexpectativasemtornodoencontroedoprojetocomoumtodo,bemcomorelatarexperiênciaspessoaisqueremetamaotrabalhoqueestásendorealizado,outrazeraogrupoassuntosqueacherelevanteparaodesenvolvimentodasatividades.Apósestatroca, mediada pelo/a orientador/a do processo, o/a mesmo/a deve propor Dinâmicascorporais coletivas, em que todos precisem entrar em contato com o meio em que estão,despertandoossentidosedeixandoocorposeexpressar.Asdinâmicassãopropostascombase,fundamentalmente,nasideiasdeMurraySchafer(1991;2011a;2011b)edeBernadeteZagonel(1992; 2011). Esta etapa funciona como uma preparação para as práticas em Apreciaçãomusical,quepodemserconduzidasdediferentesformas,desdemaislivresatémaisregradas,deacordo comaspropostasdo/aorientador/a.Aspráticasdeapreciação foram realizadas combasenaabordagemAME, segundo trabalhodeZuraidaBastião (2003;2009).Nesta fase sãoutilizados exemplos musicais que, na presente pesquisa, foram selecionados pela própriapesquisadora.Entretanto,éinteressantequesepensenapossibilidade,emprojetosmaisalongoprazo, deabrir este espaço tambémpara sugestões vindasdosmembrosdogrupo. Por fim, éfundamentalquesefaçaumareflexãodotrabalhorealizado,pormeiodetrocaquepermitequeo grupo conheça o relato pessoal de cadamembro às situações vivenciadas, podendo, assim,realizar Construções a partir de impressões e de ideias. É importante, para isso, que o/aprofessor/afaçaumtrabalhodepesquisasobreasmúsicasutilizadas:

NaAMEé imprescindível queoprofessor [...] dediqueumapartede seu tempoàpesquisa,a fimdeconhecer o contexto das peças apreciadas em classe, seus elementos estruturais e seus compositores.

(Bastião,2009,p.72)

Aatividade individualpermitequeogrupovivenciede formadiferenciadaaexperiênciadeapreciaçãoatéentãoconhecida.Aoserrealizadoindividualmente,cadamembrodeverepensaras experiências vivenciadas por meio do grupo. Por isso, embora não mais compartilhando omomentocomoscolegas,apessoasecolocanasituaçãodeumaoutraperspectiva,Repensandoexpectativaseexperiências,podendorecriaraexperiênciadeApreciaçãomusical,emfunçãodoquejávivenciou.

Assimsendo,aatividadeindividualsófazsentido,dentrodeumplanejamentorealizadoporum/a coordenador/a, perante a realização de um último encontro, em que os participantespoderãovivenciarnovamenteasituaçãonova,Compartilhandoexperiênciaspessoais,paraentãodebateremembuscadeConstruçõesapartirdeimpressõesedeideiasdiferentesdassuas.

Por fim, para finalizaçãoda experiência, é essencial tambémque se promovaa orientaçãodestaúltima fase, relembrando tambémoprocesso comoum todo, eRefletindo sobre o grupo:desdesuaconcepão,aosimprevistos,aospossíveisentravesetambémàsdescobertasrealizadas,atéasíntesedaapropriaçãoquesefezdaexperiência,comrelatodaspossíveismudançasqueovivenciadotrouxeaocotidianodaspessoasenvolvidas.

1.Primeiroencontro

1.1Compartilhandoexpectativaseexperiências

Esteprimeiromomentoévoltadoparaaapresentaçãodosmembrosdogrupo,incluindoo/aorientador/adoprocesso.Mesmoemcasodeumgrupoemque todos se conheçameestejamdiantedeuma realidade já compartilhada, estemomentoédedicadonão sóparauma simplesapresentação,mas tambémpara a troca de expectativas e para o compartilhamento de ideiassobreoprojeto,eparaasexpectativasindividuaisemfunçãodoobjetivomaiortraçado.

1.2Dinâmicascorporaiscoletivas

Para o presente encontro, foram selecionadas três práticas, pensando, principalmente, emintegrarogrupoeintroduzirumpensamentodeassociarideiasamovimentos,mostrandotambémaimportânciadaconcentraçãoparamelhoraproveitamento.

1.2.1Respiraçãosincronizada

Éimportantequeo/aorientador/aexpliqueasetapastodasanteriormente,paraquenãohajainterrupçãodoexercício.Esteexercício fazpartedo livrodeprojetovoltadosparaaeducaçãomusicaldeJohnPaynterePeterAston(1970).Todosdevemsentarformandoumcírculo,ebuscarfazersilêncio,paratentarescutarnossarespiraçãoregular.

Semumtempodeterminado,apóstodosestaremcalmamenterespirando,eolhandonosolhosdoscompanheiros,todosdevempegaropulsodeumdosmembrosdogrupocomopulsobásico.Apessoaa“comandar”opulsonãoépreviamenteescolhida,devendoosintegrantesdogrupo,apenaspormeiodoolhar,buscarementraremsincronia,apartirdeumdospulsosiniciais.Apósaescolha,énecessárioinspirareexpirarpesadamentenotempodopulsocentral,continuarporumtempocolocandopesonaexpiração,atéqueumpadrãocomeceaseformar.Todosdevemressaltaressepulso,pormeiodeumaformanãoverbalenãoinstrumental(comoporumgesto,ouporumarespiraçãomaisprofunda).SegundoPayntereAston:

Povosantigosassociavamarespiraçãocomoreferênciaaosoprodavida(“entãoDeusformouohomemdapoeiradochão,esoproudentrodeleosoprodavida”).Assim,éumsomelementardentrodenós,podendose transformaremmaterialparamúsica,assimcomoasbatidasdocoração. (Paynter;Aston,1970,p.36,traduçãonossa)

Em meio a um cotidiano em que temos a impressão de estarmos em uma eterna “corridacontra o tempo”, é comum que não se pare nem para prestar atenção à própria respiração.Assim,estapráticaéimportantepara,alémdedespertaraatençãoparasieseuprópriocorpo,permitiroentrosamentodogrupo,prescindindodeumestadodeconcentraçãoparaumamelhorpercepçãoacercadesiedecadamembrodogrupo.

1.2.2Preenchendooespaço4

Osparticipantesdevemserorientadosparacaminharde forma livrepelasaladisponível,deforma que o espaço fique o mais preenchido possível, segundo a quantidade de pessoas. Éfundamentalquesemprese fixeoolharnosolhosdeoutrocolega,aocaminharpela sala.Aospoucos,avelocidadedoandarvaiaumentando,atéquetodosestejamcorrendo.Todosdevemselocomoverdeformaanãoesbarrarnoscolegas.

Outrasregraspodemirsurgindo,apartirdealteraçõesemparâmetroscomo:velocidadedoandar;níveisdiferentes(planoaltoemédio,porexemplo);umapartedocorpo“comandando”omovimento,àfrentedorestodocorpo;limitesparaautilizaçãodoespaço.

Estadinâmicatemcomoprincipaisobjetivos,nesteencontro,dedespertareaquecerocorpor,colocando-o emmovimento, e promover a interação entre osmembros dogrupo, pormeiodacoordenaçãodosmovimentosepormeiodoolhar.

1.2.3Volleyinvisível5

É interessante que este exercício seja feito sem que o/a orientador/a utilize a linguagemverbal,efaçausosomentedegestos.Assim,primeiramente,devesinalizarparaquetodosfiquememcírculo.Depois,ele/avaiiniciarumaespéciedejogodevolleyballencenado,comumabolaimaginária.Cadavez, ele vai imaginarum tipodematerialparaabola imagináriae jogardeacordocomomaterialescolhido.Porexemplo,pode-secomeçarpensandoemumabolafeitade

penas, bem leve e macia, resultando em movimentos lentos e suaves. Pode-se alternar osmovimentos, de forma que fiquem gradativamentemais rápidos e fortes, segundo osmateriaisimaginados.

Ojogopodeseriniciadocomtodossentados,eirprogredindodeformaquetodosprecisemficarempé,esemovimentarpeloespaço,comoaumentonavelocidadeenopesodabolae,consequentemente,navelocidadeenaforçadomovimento.

Este jogo também visa estimular a integração do grupo, visto que devem estar atentos àjogada dos colegas para saber como recepcionar a bola, além de adequar os movimentossegundoomaterial.Assim,apessoaprecisaassociarogestoaosseusconhecimentosprévioseao estímulo do colega, havendo necessidade de, a partir disto, ter uma intenção ao fazer omovimento, sem o apoio do objeto real (bola). Ainda pode haver espaço para que um dosintegrantesseapropriemaisdojogo,improvisandoapartirdaideiaoriginal.

1.3Apreciaçãomusical

Por se tratar de uma primeira experiência, é importante chamar atenção ao silêncio e àconcentração necessários para uma escuta mais atenta. Foi priorizada, neste encontro, aapreciação por meio da expressão verbal, tanto escrita como oral, e também foram dadassugestõesdeusodedesenhos,pelaapresentaçãodemateriaisdiferentes(diferentestamanhosdepapéis,alémdelápisecanetas,lápisdecoregizdecera).Nãoénecessário,nestaetapa,quesejafeitograndedirecionamento,paraminimizaraideiadeerroquepodesurgircominstruçõesmaisespecíficas.

Por se tratar de umaprimeira escuta, todos são orientados a se sentir à vontade, podendoescolher a melhor posição, sendo sugerido que deitem no chão e fechem os olhos. Após aacomodaçãode todos, deve-se escutar com calmaamúsicaa ser colocada, por umaouduasvezes e, depois, registrar suas impressões sobre ela emuma folhadepapel, sejapormeiodaescrita, com palavras, frases, e/ou esquemas, ou por meio de desenhos. Enquanto osparticipantesrealizamoregistro,amúsicaficatocandoincessadamente,atéquetodosfinalizem.

O/aorientador/adevesalientarqueépararegistrar,daformaquecadaumpreferir,assuasimpressõessobreamúsica:desdeassensaçõesqueelaprovocaedaidentificaçãoounãocomamúsica,atéaspectosassociativos,comoalgumalembrançadespertada,algumacenaouimagemconstruídaapartirdaescuta.Éimportanteressaltarquecadaumpodeterummododiferenciadodevivenciaramúsica.

Paraesteencontro,especificamente,podemserdadasasmesmasorientaçõespara todasasmúsicas,porém,seo/aorientador/aacharmelhor,podedarsugestõesparaquesemovimentem,criemumacena,ououtraideiaquesurgir.

Sempre,aofinaldasescutas,pede-sequecadaummostreseupapelecomentesobreoquefez, relate como foi a primeira escuta e, depois, as subsequentes. Neste momento, ocorre um

debate entreos integrantes, quepoderão compartilhar certos tiposde reaçãoàmúsica, ouatéconstruirsentidosopostosparaumamesmaescuta.Assim,éimprescindívelqueo/aorientador/aconheçaaomenosumpoucosobrecadamúsica,paramediaradiscussão.

Segueabaixosugestãoderepertórioaserutilizado:Música1:Senãose(ArnaldoAntunes)LançadanoCDenoDVDintituladoNome,de1993,éumexemploquemostraaapropriação

queoartistafazdalinguagemedosvaloresdacontemporaneidade,colaborandocomadefesadeGonçalves,queafirma:“ApresentarotrabalhodeumartistacomoArnaldoAntunessignificasecongratularcomoprópriopresente” (Gonçalves,2002,p.1).Oprocessodecolagem,bemcomoamaneira rápidadecomunicaruma ideia,aparecemna letra,navoz,namúsica, sendotambémumrecursocaracterísticoousodojogodepalavras(eimagens,nocasodovídeo),quemostram o vínculo de sua produção com o concretismo, mas que avança com relação a este.Arnaldo Antunes apresenta, no seu modo de pensar, assim como nas suas produções, avalorizaçãoàdiversidade(Gardel,2004).

ArnaldoAntuneséumartistaamplamenteconhecidonamídia,principalmenteporseutrabalhonabandaTitãs.Entretanto,estemesmopúbliconemsempreconheceotrabalhomultifacetadoquetem realizado paralelamente ao Titãs e, principalmente, desde sua saída da banda, em 1992(ArnaldoAntunes,2014).

Aletradamúsicapodeinfluenciardiretamentenarealizaçãodaapreciação,portanto,torna-se necessário conhecê-la, ainda que possa ganhar outros sentidos a partir de sua escuta: “Seperde/senãoseganha/sepede/senãoseganha/seperde/senãoseacha/procura/senãoseacha/se perde/se não segura/se prende/se não segura/se perde/se não se ganha/se pede”(ArnaldoAntunes,2014).

Depoisdaapreciação,éinteressantequesedisponibilizeovídeodamúsicafeitoparaoDVDNome, que enriquece a experiência por transpor a música para um formato multimídia,estimulandodeformaaindamaisintegradaossentidos.

Música2:Unison(Björk)Unisonfoi lançadanoDVDVespertine,noanode2001,pelaartistaislandesaBjörk(2014).

Björkéconhecidapelasuaversatilidadeepelohibridismo,desdesuaimagemesuasproduçõesaté suas atuações. Segundo Araújo (2006), estas hibridações da artista são resultado dacoexistência de elementos reais e virtuais, recorrendo às “tecnologias do imaginário” que areinventamcontinuamente,pelousoderecursosdasmídiasdigitais.Assimsendo,pode-sedizerque a artista dialoga bem com a geração cyborg, representada por esta fusão máquina/serhumano,daformacomoapresentamGreeneBigum(1995).

AmúsicaUnisonapresenta forte lirismo,comum iníciomarcadopelapresençadeumúnicotimbre, representado pela melodia na voz da cantora, aos poucos sendo inserida ainstrumentação,queacabapor levaramúsicadeumcertocantarolar intimistaedespretensiosoatéumaestruturaçãomaiscomumaosouvidosocidentais,deformageral.

Quandosetemumgrupofluentenoidiomaemqueamúsicaécantada(inglês),éinteressanteque esta seja pensada como parte também essencial para a apreciação. Outro aspectointeressante é conhecer o vídeo elaborado para esta música no DVD Vespertine, que podereforçaralgunselementosdaapreciação.

Música3:Depalavraempalavra(CaetanoVeloso)EstamúsicadeCaetanofazpartedoálbumAraçáAzul,de1972,tidocomoumareferência

do seu trabalho experimental, considerado pelo próprio artista um dos seus trabalhos maisimportantes, embora não tenha sido bem compreendido pelo seu público e pela imprensa emgeral.Oálbumteveumgrandenúmerodedevoluções,mostrandoumfracassodevendas,esótevedestaqueaoserreeditadoem1987(Caetano,2011).

AImagem9abaixomostracomoaletraéapresentadanoencartefeitoparaareediçãofeitaem2006pelaUniversalMusic,emformatodeCD(CaetanoVeloso,2014):

Imagem9.Letradamúsica“Depalavraempalavra”,noencartede“AraçáAzul”

Fonte:AraçáAzul,em“Discografia”,nositedoartista(CaetanoVeloso,2014).

Apesarde,no trabalhocomapreciação,o focoseramúsica,é importante tambémrealizar

esta contextualização, pelamúsica envolver este aspecto visual e de concepção na construção,com influência direta do movimento concretista. Pode-se verificar isto na própria informaçãocontidanoencarte(Imagem9),aochamaratençãoparaoprocessodesuperposiçãodevozesnoprocessodecriação,assimcomoainspiraçãoeahomenagemdeclaradaàAugustodeCampos,nesta faixa. A relação entre o uso da palavra e a construção sonora é também fruto destainfluência.Tambéméinteressanteobservaraformacomooartistaexplora,sonoraevisualmente,opalíndromoapartirdapalavraamaralina,tambémumapraiaeumbairrodeSalvadoremqueocantormorou(Dietrich,2003).

Música4:TheDanceofEternity(DreamTheater)AmúsicaThedanceofeternityfoilançadanoálbumMetropolisPart2:scenesfromamemory

em1999.Abandaé referênciaenquanto representantedeheavymetal/progressivo, e, entreoutras características estilísticas,destaca-sea complexidadenospadrões rítmicos emétricosdesuas composições (McCandless, 2009). Este se consolida enquanto um álbum conceitual,enquanto a faixa escolhida mostra, de forma enfática, a valorização do virtuosismo, segundoMcCandless(2009),paraalémdosfamosossolosdoguitarristaJohnPetrucci,comtrechoslongosedifíceisdesolonobaixoenoteclado,utilizandomodulaçãométricaeprocessosaditivosnasuaconstrução.

1.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias

Neste momento, o/a orientador/a deve conduzir uma discussão acerca das experiêciasvividas,buscandorelacionaroscomentárioscomasexpectativascolocadasaoiníciodoencontro.Também é responsável pela condução de um debate acerca do repertório musical do dia,apontandoparadiferençasesemelhançasnorepertório.

2.Segundoencontro

2.1Compartilhandoexpectativaseexperiências

É interessante que se retome o que foi feito no encontro anterior, para se averiguar asexpectativas dos participantes, mediante a última experiência. Também pode ser que surjamideiasquetenhamacontecidoentreosencontros,quepossamcolaborarparaareflexãosobreoprocesso,ouparatrazernovasideiasparaogrupo.

2.2Dinâmicascorporaiscoletivas

Para este encontro, alémda incorporaçãodaatividadede respiração conjuntabaseada em

exercício de Paynter e Aston (1970) realizada no primeiro encontro, foram escolhidas asseguintespráticasdeescutadoentornosonoro,combasenasideiassugeridaspara“Limpezadeouvidos” de Murray Schafer (1991), assim como uma atividade apresentada pela educadoramusicalBernadeteZagonel(2011).

2.2.1Despertandoossentidos

Todos devem ser orientados para que deitem no chão, fechando os olhos, e que busquemacalmar a respiração. O/a orientador/a deve solicitar que façam determinados movimentos,ainda de olhos fechados, para alongar o corpo. É importante que sejammovimentos suaves elentos,equebusquemmexertodoocorpo.Tambémpode-sepedirparaqueexmploremtodososseussentidos,sentindocheiros,ouvindoossons,sentindoomovimentodocorpo.

Esta prática é interessante para a preparação ao que vem em seguida, proporcionandotambémumestadomaiscalmo,deformaaestimularaconcentração.

2.2.2Limpandoosouvidos

Emsetratandodeumgrupoheterogêneo,emqueparticipantesnãotenhamtidocontatocomotipodeexperiênciapropostaporMurraySchaferemseu“LimpezadeOuvidos”(Schafer,1991,p.67-90),éimportantequeo/aorientador/aconduzaaescutadoentornosonoro,dentroeforado ambiente em que o grupo está, buscando desde sons quase imperceptíveis, esporádicos edistantes,atéos sonsdoprópriocorpo.Tambémpodeserconduzidauma“viagem”porvárias

paisagenssonoras6,aseremdeterminadaspelo/aorientador/a.Pode-sepensaremviagempelotempoepeloespaço,cotidianaseinventivas,paraqueosparticipantestenhamquerecordarouinventar sons referentes à realidade apresentada. De sons da infância e da família dosparticipantes,atésonsdelugaresquenuncamestiveram:tudopodeserutilizadoparaestimularamemóriaeaimaginaçãocomênfasenoambientesonorodaquelecontexto.

Schafer (1991) aponta para esta necessidade de “limpar os ouvidos”, por não estarmosacostumados à prestar atenção neles.O autor explana esta transformação na relação humanacom o mundo sonoro a partir da Revolução Industrial (Schafer, 2011b). Duarte Júnior (2010)ressalta a influência da urbanização crescente para o desenvolvimento de uma anestesia, quefiltranossossentidos,nomeiodapoluiçãoaqueestamosimersosnonossodiaadia.Assim,aspráticascomoestas tema funçãoderetirarestes“filtros”dedefesadonossocorpo,oque,decertaforma,noslevaaumaviagemàprimeirainfância,emqueestamosdeslumbradoscomtodasas novidades que o mundo nos oferece, o que permite uma atenção aguçada aos diversosestímulos.

2.2.3“Fiosonoro”

Paraestaprática,é interessantequeo/aorientador/anãofaçanenhumaexplicaçãoverbal.Pode-se iniciar sentando ao chão e respirando lentamente, de forma a conduzir o grupo aoexercício apresentado no encontro anterior: “Respiração sincronizada”. Ao perceber que asrespirações atingiram um padrão único de pulso, o/a orientador/a conduz a atividade, pelaação, sem explicação.O “Fio sonoro” (Zagonel, 2011, p. 58) consiste em imaginar um fio efazermovimentosbrincandocomomesmo,comoseestivesseomanipulando.Ofioinvisível,pormeio domovimento dasmãos, também semovimenta, produzindo sons, que o/a orientador/aproduz.Assimqueo/aorientador/adeterminar,passao fioparaoparticipanteao lado,paraqueeste continueabrincadeira.Pode-seoptarpor iniciarumaprimeira rodadadabrincadeirasemsom,apenascomomovimento,edepoisinserirossons,paradarênfaseaestaetapa,apósogrupocompreenderabrincadeiradepassarofio.

Esta prática permite reforçar a ideia de associar uma intenção demovimento e de som aogesto,pormeiodaimaginaçãodeumcontexto.Alémdisto,porsetratardeumaimprovisação,ointegrantepodeacrescentarnovosacontecimentosquemudemadinâmicadojogo,oqueestimulaacriatividade.

2.3Apreciaçãomusical

Nesteencontro,a intençãoéampliaras formasderespostadosparticipantes,paraalémderespostas de prazer ou associativas. Pode ser utilizada novamente apreciação por meio daexpressãoverbal,pormeiodeconversas,etambémdedesenhos.Porém,comoformadeampliara formade resposta, pode ser realizadomaior direcionamento neste sentido, sendo solicitadastambémrespostasfísicas(corporais)aduasdasquatromúsicasapresentadas.

Deve-semanteraorientaçãoparaqueescolhamamelhorposição,sugerindoquedeitemnochãoefechemosolhos.Apósaacomodaçãodetodos,deve-seescutarcomcalmaamúsicaasercolocada, por uma ou duas vezes e, depois, registrar suas impressões sobre ela por meio dedesenhos,naprimeiramúsica(música5),pormeiodemovimentos,dançaoucena,nasegundaenaterceiramúsica(músicas6e7),eatravésdeumdebate,naúltimamúsica(música8).Pode-sediferenciar a orientação para a segunda da terceira música, sendo, por exemplo, a segundarealizada a partir de movimentos livremente feitos por cada um, sem nada pré-combinado,enquantonaterceiraosintegrantestenhamtempodecombinaralgoaserrealizado,apartirdascolaboraçõesindividuais.

Sempre,ao finaldasescutas,o/aorientador/apedeparaquecadaummostreseupapelecomente sobre o que fez, no caso dodesenho, ou apresente, pormeio de conversa, como foiparacadaumarealizaçãodasrespostascorporais,tantoindividualmente,quantonaconstruçãocoletiva,relatandoomodode tomadadasdecisõesparasechegaraumacordo,quandoforocaso.Nestemomento,ocorreumdebate,sendoimprescindívelqueo/aorientador/aconheçaao

menos um pouco sobre cada música, para mediar a discussão. Segue abaixo sugestão derepertórioaserutilizado:

Música5:Paixãoefé(TavinhoMouraeFernandoBrant)Amúsica, de TavinhoMoura e com letrade FernandoBrant, comarranjopelogrupoCorte

Palavra, foi feita originalmente para uma produção audiovisual, que contou também comfotografias de uma procissão emDiamantina, feitas por Zé Luis Pederneiras, do grupo Corpo,ocasiãoemqueganhouprimeirolugarnoSalãoGlobaldeInverno,emBeloHorizonte.Em1978foi lançada no álbumClube da Esquina 2, com interpretação deMiltonNascimento (Museu...,2014).Amúsica,feitaapartirdatemáticareligiosa,apresentatambém,segundoTavinhoMoura(Museu...,2014),estainfluênciadaprópriavivênciapessoaldoscompositoresemprocissões,eemfestasreligiosas.

OClubedaEsquinaéummovimentomusicalmineiro,baseadonoencontrodemúsicosquetinham uma vivência e uma amizade desde jovens, e ao qual foram sendo trazidos amigos eoutrosmúsicoscomafinidadesequepassaramaproduziremconjunto.Ogrupofoi formadoapartir da década de 60 na cena musical de Belo Horizonte, tendo nomes como MiltonNascimento, Wagner Tiso, Lô Borges, Márcio Borges, Toninho Horta, Fernando Brant, FlávioVenturini,epassandoaserreferêncianamúsicapopularbrasileira.AligaçãodeTavinhoMouracomogruposedeuapartirde1969,noFestivaldeBeloHorizonte,quandosuamúsica“Comovaiminhaaldeia”ficouemsegundolugar(Museu...,2014).

Considerando aspecto importante da música, que acaba por influenciar, geralmente, naapreciação,seguea letrade“Paixãoefé”:“Jábateosino,batenacatedral/Eosompenetratodososportais/Aigrejaestáchamandoseusfiéis/PararezarporseuSenhor/Paracantararessureição/ E sai o povo pelas ruas a cobrir/ De areia e flores as pedras do chão/ Nasvarandasvejoasmoçaseos lençóis/Enquantopassaaprocissão/Louvandoascoisasda fé/Velejar,velejei/NomardoSenhor/Láeuviaféeapaixão/Láeuviaagoniadabarcadoshomens/ Já bate o sino, bate no coração/ E o povo põe de lado a sua dor/ Pelas ruascapistranasdetodacor/Esqueceasuapaixão/ParaviveradoSenhor”.

Música6:Basketball(Stomp)Stompéumgrupoquefazmúsicacorporal,alémdousodepercussãopormeiodeobjetosdo

cotidiano,fazendomúsicadeformaperformática,utilizandocoreografias,danças,ocupaçõesdeespaçosdiversos,objetosdetodosostipos.OStompéformadopordiversosmúsicos,amaiorianorte-americanos, com presença de um brasileiro de Salvador, Marivaldo dos Santos (Stomp,2014).

BasketballfazpartedoDVDStompOutLoud,queapresentaogrupoemváriassituaçõesdocotidiano, mostrando possibilidades musicais a partir de objetos do dia a dia. Algumas

possibilidadesexploradasnoDVDestão:entreascenasexternas,umacaminhonetenarua,umjogodebasquete,umacozinhacomercial,alémdesituaçõesmais inusitadas,comopenduradosemumandaime,ondefazemmúsicascomobjetospossíveisdeseacharemlixos;entreascenasinternas, um jogo de baralho, entre as cenas no palco, utilizando vassouras, latões e água,baldes.Acriatividadecomqueutilizamobjetoscomofontesonora,ascriaçõesbemelaboradas,eodomíniotécnico,bemcomoocaráterperformáticodequalidade,fazemdoStompumgrupoquesecomunicafacilmentecomopúblico,emgeral.

Emboraogrupotenhacriaçõesquenecessitammuitasvezesdetécnicamusicalapurada,eletem sido referência frequente na produção acadêmica voltada à educação musical, enquantomeio para se trabalhar criação e performance na escola, com a inserção demúsica enquantoconteúdoobrigatório,pornãonecessitardeinfraestruturacomplexaparaofazermusical.

Música7:BarnDance(LucianoBerio)Luciano Berio, compositor italiano, é conhecido geralmente pelos trabalhos em que enfatiza

modos de exploração da voz, também com utilização de recursos eletrônicos (Ircam, 2014).Assimsendo,estaobradocompositorfoge,decertaforma,aestascaracterísticaspelasquaissetornoumarconamúsicacontemporânea.

Composta em 1951, em ocasião de uma audição para crianças, Opus number zoo paraquintetodesoprosfoirevisadaem1970.Aobrapossuiquatromovimentos,asaber:TomCats,The Horse, TheGreyMouse e Barn Dance.Os textos devem ser lidos pelos própriosmúsicos,conjuntamente, oude forma isolada. Foramescritos por Rhoda Levine, apresentando contos defadas que têm animais como personagens centrais, estando disponíveis, segundo site docompositor,emalemão,italianoeinglês(Centro...,2014).

BarnDancetemcaráterleveealegre,comtomdebrincadeiradependentedeformamarcanteda interpretação escolhida, devido ao fato da narração ser feita pelos próprios músicosintérpretes. Sugere-se a interpretação do quinteto de sopros da Ensemble Houthandel, da

Antuérpia,naBélgica7.Segueaversãodaletraeminglês:

Thefoxtookachickenoutonthefloor.Poorsillychickdidn’tknowthescore.Andastheywhirledintheirjoyousdance.Oh,sheadmiredhowthefoxcouldprance.Shenevernoticedwhenthelightswentout.Sheskippedtothebeatwithheadheldhigh,Shebowedtothefoxashecircledby.Hewinkedatherwithahigh-dee-hoe,Andthentheyengagedinadoeseedoe.Shenevernoticedwhenthe lightswentout.Heswungher to the left,Heswungher to theright,Heswungheraroundwihtallhismight.Theairgrewheavy,thelightsgrewdim.Butshefeltnofearasshesmiledathim;Butshefeltnofearasshesmiledathim;Heturnedheragainandsheheldhimtight.Asshesmiledandwhirledinthefadinglight,Shefeltnofear,sheknewnodoubt.Andshenevernoticedwhenthelightswentout.That’sall,folks.

Música8:Saudadesdomeusertão(CaraVeiaeCarlosCavalcante)

A música, toda cantada a duas vozes, sem instrumento, é exemplo da toada nordestina,gênero emque a herançamodal se faz presente namúsica brasileira.De carátermelancólico,comletraqueremeteàrealidadedamigraçãoparao“sul”(provavelmenteosudeste),embuscadeoportunidadesmelhores,retratandoasaudadedosertão.

Aestruturadesta toada8 iniciacomumaboio9,porumdoscantadores, seguidadamelodiaqueenvolveosdois cantadores, comdiferençaentreas linhasmelódicasdeuma3ªM.A letrarevela tambémoambientedas vaquejadasou festado vaqueiro, que “[...] uneadiversão eadevoção,sendoamúsicaumelocomumataisfunções”(Harder;Pereira;Santos,2012,p.284).

“Saudadesdomeusertão”foigravadapeladuplaCaraVeiaeCarlosCavalcante,emformadeproduçãoindependenteeque,emfunçãodisto,édifícilseobtermaisinformaçõesarespeito.Esta seleçãoé interessantepormostraraspectosdamúsicade tradiçãooral sendo incorporadaporcantoresregionais.Seguealetradamúsica:

Oh,papai,digapramim/Comoéquetáosertão/Seaindahávaquejadas/Láemnossaregião/Porquede tanta saudade/Sei que não aguento, não/Aqui no sul do país/A vida émuito ruim/Não vejo osanimais/Nos cercados de capim/Cada dia que se passa/Mais é difícil pra mim/A saudade metortura/Aqui nesta região/Se vou dormir, é sonhando/Com o festival de Mourão/Por isso estouescrevendo/Prasaberdomeusertão/Medigasemeucavalo/Aindaestábemtratado/Poisquandoaíeuvoltar/Nele quero andar montado/E nas festas de Mourão/Vou dar açoite no gado/A saudade édemais/Daminhaqueridaterra/Queroouviroscantadores/Quecantamversoenãoerra/Edaraboiosbonitos/Pra estremecer as serras/Eu quero ver a boiada/Lá no cercado pastando/Ouvir os carros deboi/Quando eles vêm cantando/São coisas do meu sertão/Que eu hoje fico lembrando/Lembro dacompanheirada/Comquemeumedivertia/Nasfestasdevaquejada/Tomandocervejafria/Dandoaçoiteno gado/E cantando poesia/Por falar em tantas coisas/Daquelas terras de lá/Meu coração bateuforte/Mepedindopravoltar/Praminhaqueridaterra/Éojeito,euregressar/Papaieuvoufinalizar/Leiacommuitaatenção/Enquantoeuescrevia/Tomeiumadecisão/Meesperebrevemente/Quevouvoltarprosertão/Meesperebrevemente/Queeuvouvoltarprosertão.(Fonte:transcriçãodapesquisadora)

2.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias

O/a orientador/a deve conduzir a discussão acerca das experiêcias vividas, buscandorelacionar com as expectativas colocadas ao início do encontro, e também com o que foivivenciadonoencontroanterior.Tambéméresponsávelpelaconduçãodeumdebateacercadorepertório musical do dia, apontando para diferenças e semelhanças no repertório, erelembrando,seforocaso,algumamúsicautilizadaanteriormente.

3.Terceiroencontro

3.1Compartilhandoexpectativaseexperiências

Novamente, pede-se que seja relembrado o encontro anterior, averiguando as expectativasdosparticipantes,aolongodoprocesso.Ébomchamaratençãoparaofatodequetalvezsurjamideiasquetenhamacontecidoentreosencontros,quepossamcolaborarparaareflexãosobreoprocesso,ouparatrazernovaspossibilidadesparaogrupo.

3.2Dinâmicascorporaiscoletivas

Nestaetapa,foramselecionadaspráticasquereforçamotrabalhojáapresentado,envolvendoaintegraçãodogrupo,oaguçamentodaescuta,bemcomoodesenvolvimentodeumpensamentodeassociaçãoentremovimentosesons,combaseprincipalnasideiasdeSchafer(1991;2011a)edeZagonel(2011).

3.2.1Escutadoentornosonoro

Todos devem ficar deitados no chão, esticar o corpo, alongar, até se sentir à vontade, eencontrarumaposiçãoconfortável.Devemserorientadosabuscarossonsàsuavolta,desdeosmais distantes, aos mais próximos. O/a orientador/a deve dar algumas indicações paradirecionaraescuta,duranteaprática(sommaisforte,maissuave,maisperto,maislonge,maiscontínuo)(Schafer,1991).Tambéméinteressantequeaponte,emdeterminadosmomentos,paraalgumeventosonoroqueestejaacontecendo.

A prática, já realizada anteriormente, aqui tem o objetivo de reforçar esta necessidade deconcentraçãoedeesforçoembuscadaampliaçãodaescutadossonsànossavolta.

3.2.2Espelhosonoro

Ogrupodeveserdivididoemduplas,devendocadaumficardefrenteparaocolegas.Inicia-se um jogo similaràbrincadeirade “espelho e reflexo”, ondeum fazmovimentos, enquantoooutrobuscaimitarexatamenteosmesmos,deformaespelhada.Depois,inverte-sequemcomandae quem imita os movimentos. Em um segundo momento, os movimentos passam a ter sons,produzidosporquemtambémcomandaosmovimentos,devendooreflexoreproduzirigualmentemovimentosesons,comummínimodeintervalopossível.

Alémdasquestõesdelateralidadeedetentarimitarsematraso,deformamaissincronizadapossível,insere-seoelementosonoroque,decertaforma,podedificultaraindamaisaproduçãoquase simultânea entre pessoa e reflexo. Entretanto, é possível, com a prática, conseguirresultados bem próximos à simultaneidade. Para introduzir a prática, pode-se iniciar fazendoprimeiramentesócomacabeça,comoum“Espelhofacial”(Volpi;Volpi,2009,p.102),demodoqueaspessoasdaduplapossam ficar sentadas, frentea frente,edepoispassaraomovimentocomocorpointeiro.

3.3Apreciaçãomusical

Neste encontro os participantes já estão mais ambientados com a proposta, e o/aorientador/apodedirecionarmaisadiscussão,nomomentodedebate,paraquesejamrelatadosaspectosdapercepçãodaconstruçãomusical,porcadaumdogrupo.

Nestaetapa,osparticipantes jádevemse sentirmaisacostumadosemaisàvontadecomadinâmica proposta, não sendo necessárias tantas orientações. Porém, podem ser incorporados

modos diferentes de elaborar respostas à apreciação: escutar, e depois expressar sua escuta,independentementedoscolegas,ouentãointeragindocomestes(música9);escutar,paradepoiscombinar com colegas, e então mostrar a construção coletiva (música 10); e, por fim, osmovimentos serem feitos na primeira audição da música, sendo os participantes livres parainteragirounãoentresi(música11).

Sempre,aofinaldasescutas,ocorreumdebateentreogrupo.O/aorientador/apodefalarmais sobre cadamúsica, paramediar a discussão. Segue abaixo sugestão de repertório a serutilizado:

Música9:Thesnowangel(MikePatton)MikePatton,maisconhecidoporseu trabalhoenquantovocalistanabandade rockFaith no

More, alémde sua carreira solo, possui vasta produção emparceria comoutros artistas comoBjörkeNorahJones(Ipecac,2014),etambémtrabalhosdedicadosàsonoplastia.

Podemosdestacar,entreestes trabalhos,ossonsdascriaturasnofilme“Eusoua lenda”,deFrancis Lawrence, e a participação nos vocais do álbumMedúlla, de Björk. Segundo o site deBjörk (2014), este é um trabalho dedicado a vozes, desejo da artista após gravar o álbumVespertine,emquefezusoenfáticodeinstrumentosederecursoseletrônicos.Assim,queria“[...]veroquepoderiaserfeitoapartirdoquepodeseralcançadopelavozhumana:avozsolo,ocoro,vozestreinadas,vozespop,vozesfolk,vozesestranhas.Nãosómelodias,mastudomais.Qualquersomproduzidopelohomem”(Björk,2014,s.p.,traduçãonossa).

AmúsicaTheSnowAngelfoigravadanoálbumTheSolitudeofPrimeNumbers(2011),parteda trilha sonora de filme dramático italiano com mesmo nome, apresentando característicapesadaeobscura,comseusbaixosbemmarcados.

Música10:Mr.Suso#2(PhilipGlass)Amúsica faz parte do filmedirigidoporGodfrey Reggio Powaqqatsi: life in transformation

(segundo da trilogia Qatsi), que mostra os efeitos negativos da transformação da Terra pelohomemnoprocessocrescentedeurbanização,focandomaisemmodosdevidacontrastantes,emcomooprogressoeatecnologiaafetamcomunidadesmarginais(PhilipGlass,2014).

Philip Glass é conhecido como um dos principais representantes do minimalismo musical,embora rejeite este título, preferindo dizer que é um compositor de músicas com “estruturasrepetitivas”(PhilipGlass,2014).Dequalquerforma,pode-seperceber,nestamúsica,apresençademelodiascurtasquecostumafazeruso,comumpedalquevaicrescendocontinuamenteatéoseu fim. Sonoridades étnicas são apropriadas pelo compositor em váriosmomentos neste filme(inclusivenestamúsica),queapresentacomopropostaretrataçãodestadiversidade.

Música11:Startwearingpurple(GogolBordello)

AbandaGogol Bordello é formada pormúsicos de diversos países,misturando influências,principalmente, da música cigana, de cabaré e de punk, que busca um “[...] movimento emdireçãoanovostiposdeenergiaautêntica”,comênfasenaapropriaçãolivredematerialmusicaltradicional(Gogol...,2014,traduçãonossa).

Estasinfluênciasaparecemnamúsicaselecionada,queafazsetornarumadasmúsicasdesterepertórioquepodelevarosparticipantesdeumgrupodeapreciaçãoaomovimentocorporal.Seogrupoforfluenteeminglês,éinteressantequesebusquetambémocontextomostradonaletradamúsica.

3.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias

Deve-se conduzir o debate sobre as experiêcias vividas, buscando relacionar com asexpectativascolocadasaoiníciodoencontro,etambémcomoquefoivivenciadonosencontrosanteriores. O/a orientador/a também é responsável pela condução de um debate acerca dorepertório musical do dia, apontando para diferenças e semelhanças no repertório, erelembrando,seforocaso,algumamúsicautilizadaanteriormente.Nestaetapa,pode-setambémampliar as informações dadas sobre as músicas e seus contextos, bem como aspectos de suaconstrução, durante o debate, para ir direcionando a atenção dos participantes paradeterminados aspectos da música, segundo os objetivos do trabalho, como forma, tempo,melodia,harmonia,letra,ritmo,fraseado.

4.Quartoencontro

4.1Compartilhandoexpectativaseexperiências

Assim como feito anteriormente, deve-se relembrar o encontro anterior, averiguando asexpectativas dos participantes, ao longo do processo, lembrando que ideias surgidas pelosparticipantes entre os encontros podem ser discutidas pelo grupo, podendo resultar emalgumaalteraçãonoprocesso.

4.2Dinâmicascorporaiscoletivas

Nopresente encontro é esperado que o grupo já esteja ambientado ao trabalho e tambémintegrado,deformaqueosparticipantessesintammaisàvontadeparaexplorardeformamaisinventivaaspráticas.Assim,opta-sepelousodevendasparaaspráticasselecionadas,emfunçãodeum trabalhomaiordedicadoàconfiançaeaodesenvolvimentodos sentidos,comênfaseaotatoeàaudição.

4.2.1Aquecendo

O/aorientador/a, com intenção de despertar o corpo para o trabalho na sequência, deveproporalgunsexercíciosdealongamento,solicitando,emseguida,quealguémdogrupocontinueaconduzirosexercícios.

4.2.2Sejoga!10

Ogrupo,segrande,deveserdivididoemgruposdecercade6participantes,sendoumdecadaescolhidoparaservendado.Todosdogruposeposicionamemtornodapessoavendada,de modo a ficarem próximos o suficiente, formando um círculo fechado, ao estarem com osbraçoslevementeabertos.Quemestávendadodeveserorientadoa,suavemente,jogarocorpopara trás,demodoqueo(s)queestá(ão)atráspossamsegurá-loeconduzi-lo,colocando-oemmovimentoemtodasasdireções.Assim,ogrupodeveestarunidoeemsincronia,oquepodeserpercebido pelomovimento coordenado, na função de conduzir suavemente a pessoa vendada,semque esta tenha controle da suamovimentação. Por sua vez, quemestá coma vendadevesentir confiança para se soltar, de forma a não ficar com o corpo contraído, deixando-semovimentarpelasmãosdogrupo.

Estapráticasófuncionaefetivamentesetodosestiveremtranquilos,confianteseemsincronia,podendo ser ummomento novo e de prazer para a pessoa vendada, pelas sensações que osmovimentoslivres,foradeseucontrole,podemcausar.Damesmaforma,podeserummomentoimportante para o grupo, que se sente responsável pela pessoa, por terem que impedir suaqueda,eproporcionarestasensaçãodeliberdadeaalguémqueestápróximo.

4.2.3Massagemsonora11

Ainda em grupos de cerca de 6 pessoas, com uma delas vendada, pormeio de gestos, oorientadorcoordenaumamassagem,mostrandoogestoaserfeito,paraquetodosiniciemcomaquelemovimentoaplicadoaocorpodapessoavendada.Apósumtempo,depoisdeumasériedemovimentosalternados,o/aorientador/anãomaiséomestre,masconduzaideiadeseremfeitos diferentesmovimentos, porém,desta vez, juntamente com sons quepossam corresponderàquele movimento. Os participantes devem improvisar diferentes movimentos com sonsassociados,permitindoumaviagemtátil-sonoraaoparticipantevendado.

Esta prática permite, para além da realizada anteriormente, a associação dos sons, quepodemservivenciadospelotoquepelapessoavendada.

4.2.4Gestosonoroàsescuras

Nestaprática,énecessárioquetodosestejamcomvendas,esejamorientadoscomtodasasexplicações anteriormente ao início do exercício.No início, devem semovimentar, produzindosonscorrespondentes.Avendapermitecomqueosparticipantestambémcentremsuapercepçãonossonsproduzidospeloscolegas,alémdaprópriaproduçãodosgestossonoros.

Depois de um tempo, que o próprio grupo deve determinar, todos devem procurar colegaspela audição, procurando interagir por movimentos, e, gradativamente, buscando encontrarcorrespondências entre todos osmovimentos e os sons relativos.Aprática tem relação comosjogospropostosporZagonel(2011)voltadosparaarelaçãogestoevoz.

4.3Apreciaçãomusical

Nesteúltimoencontropráticopresencial,osparticipantesestãomaisambientadosaindacomaproposta, e o/a orientador/a pode direcionar ainda mais a discussão, durante o debate, nosentidodeestimularqueapercepçãodeaspectosdaconstruçãomusicalsejarelatada.Aomesmotempo, pode deixar os integrantes mais livres para interferirem e decidirem a forma comodesejamexpressarsuasescutas,ouainda,priorizaroutrasformasqueampliemsuacapacidadedeassociaçãoentresomemovimento,comonocasodasinterações.

Na primeira música do dia (música 12), os participantes podem ser orientados para que,duranteaprimeiraescuta,nomomentoemquesesentiremàvontade,pensememmovimentaçãoque seja despertada pela escuta, porém, também buscando interagir com os colegas.Direcionamento, portanto, para uma resposta à escuta voltada para os movimentos do corpo,produzidosdeacordocomaassociaçãoquecadaumfaze,emseguida,buscandoharmonizarseusmovimentoscommovimentosproduzidosporcolegas.

Pode ser priorizada ainda a apreciação que envolve a expressão corporal, sendo sugeridoquenãonecessariamenteseuseocorpointeirocomomeioparaexpressaraescuta,mastambémsuaspartes,comoaface,asmãos,ospés(músicas13e15).

Aofinaldasescutas,ocorreumdebateentreosintegrantes,sendoqueo/aorientador/apodefalarmaissobrecadamúsica,paramediaradiscussão.Segueabaixosugestãoderepertórioaserutilizado:

Música12:PuriyaDhanashree(PanditPranNath)PanditPranNathfoiumcantortradicionalderagasindianos,comgrandereputaçãonoestilo

Kirana, sendoconstantementeprocuradopormúsicos,estudanteseoutroscantores, inclusivedeoutros países. Entre seus discípulos, destacam-se La Monte Young e Terry Riley, compositoresrepresentantes do minimalismo norte-americano (Melafoundation, 2014). Puriya Dhanashree éumamúsica tradicional interpretadapor Pandit PranNath, deorigemda regiãonorte da Índia(Jairazbhoy,1995).

SegundoWolff(2008),ragaéumconceitofundamentalnamúsicaindiana:

Tecnicamente ragas sãoestruturasmelódicasemqueaentoaçãodasnotas,bemcomosuasduraçõesrelativaseordem(sucessividade)sãopreviamentedefinidas.Suasnotaspossuemumaescalaascendenteeoutradescendente(nemsempresãoiguais).Porisso,aordemnaqualasnotassãousadasnumacançãoclássica é semi-fixa eas notasdevempertenceràs escalasascendente edescendentedo raga.Algunsragaspossuemfrasescaracterísticasqueastornamfacilmentereconhecíveispelopúblico;outraspossuemnotas com ornamentos específicos ou tem registros específicos; todo raga possui ainda notas desustentação,predominantesque sãoenfatizadasao longodaexecução. Tudo isso servepara tornaro

ragaumamatrizsonorafacilmenteidentificávelpeloouvinteconhecedor;alémdisso,essamatrizservedefundamentosobreoqualomúsicodeveimprovisar.(Wolff,2008,p.493)

Oautoracrescentaqueatéhoje,nonortedaÍndia,osragassãorelacionadosadeterminadosestadosdeespírito.Osragasdestaregiãosãofrutodeumsincretismo,quepossuiinfluênciadoislamismo(Wolff,2008).

Música13:CaptainJackhasthelastword(TerryRiley)AmúsicaéaúltimadaobraCadenzaonanightplain,compostaparaquartetodecordaspor

Terry Riley, e gravada pelo Kronos Quartet, com quem o compositor mantém um trabalho

colaborativo, em álbum de mesmo nome12. O compositor, considerado minimalista por suascriações, que envolvem uso enfático de repetições de padrões, é norte-americano, tendo seaproximadodotambémminimalistaLaMonteYoungeseuTeatrodaMúsicaEterna(TheEternalMusicTheater) na década de 60.Nos anos 70, Terry Riley passou a estudar com Pandit PranNath, com quem conviveu durante 26 anos, tendo sidomuito influenciado, assim, pelamúsicaindiana,comenfoquenosragas(TerryRiley,2014).

Lancia(2008)apontaaincorporaçãodoaspectomísticoemeditativodamúsicaindianaporRiley,sendoquearepetiçãofacilitaria:

[...] algum tipo de estado de consciência expandida, atribuída tanto à inspiração trazida daespiritualidade da música indiana quanto à associação com estados quimicamente alterados. Asrepetições provavelmente funcionariam como uma espécie de mantra em mentes sob o efeito deentorpecentes,alémdecolaborarparaumapercepçãodistorcidadapassagemdotempo.(Lancia,2008,p.62)

Música14:Studyforplayerpianon.15(ConlonNancarrow)ConlonNancarrow,norte-americanonaturalizadomexicano, é conhecidopor seus trabalhos

compianomecânico(playerpiano),tambémnomeadopianola.Seuinteressesurgiunadécadade40,aocomprarumdestes, logoapósentraremcontatocomopianopreparadodeJohnCage.Em1969,lançouoálbumStudiesforplayerpiano,apósteriniciado,em1966,asuaprodução,comGordonMummaeDavidBehrman(Conlon...,2014).

OpianomecânicofoiasoluçãoencontradaporNancarrowparatrabalharquestõestemporaisque se tornariam praticamente impossíveis para um só pianista conseguir tocar. Assim, oparâmetro tempo/velocidade é a questão principal trabalhada em seus estudos para pianomecânico.Oestudonúmero15érealizadoapartirdeumcânoneaduaspartes,trabalhandonaproporçãotemporal3:4,sendoque“[...]asvozessãoafastadasatrêsoitavaseapartemétricaalternada,demaneiraquecomecemeterminemjuntas”(Conlon...,2014,s.p.,traduçãonossa).

Música15:Old/new(MauricioKagel)MauricioKagelfoiumcompositorargentinoqueviveueestudouporgrandepartedavidana

Alemanha. Por seus últimos trabalhos, é associado ao teatro e ao humor, apesar de ter obra

extensaevariada(Ircam,2014).Old / New é um estudo para trompete solo, sendo a interpretação selecionada para esta

pesquisaagravadaporHakanHardenberger,nasérieTheArtofTheTrumpet,em200713.

4.4Construçõesapartirdeimpressõesedeideias

Assim como nos encontros anteriores, o/a orientador/a deve conduzir o debate sobre asexperiêciasvividas,buscandorelacionarcomasexpectativascolocadasaoiníciodoencontro,etambém com o que foi vivenciado nos encontros anteriores. Também deve orientar o debateacercadorepertóriomusicaldodia,apontandoparadiferençasesemelhançasnorepertório,erelembrando, se for o caso, algumamúsica utilizada anteriormente.Nesta fase do processo, énecessário também que dê algumas orientações para a realização da atividade individual.Verificarorientaçõessugeridasaseguir.

5.Atividadeindividual

5.1Repensandoexpectativaseexperiências

Apesardofatodeoparticipantepoderteroutraspessoasqueoajudemouestejampresentesduranteaapreciação,omesmoseencontrasozinhoemrelaçãoaogrupoquefoiformado,quecompartilhadaquelamesmaexperiência.Alémdisto,por tersidocolocadapelo/aorientador/aumaaberturaadiferentes formasde expressãoalémdasanteriormente vistas, o participante écolocadoemumanovasituação,emqueprecisarepensarasexperiênciasalivividas,etambémrefletirsobreasformasdeparticipação. Istoporqueelepodedecidirporpermanecerdentrodoesperado,reproduzindooquejáconhece,emboraestasituaçãojásejadiferente,pornãoestarmais contando comos outrosdogrupo. Porém,pode tambémoptar por ousarmais, buscandoampliarsuasformasderesponderàescuta.

5.2Apreciaçãomusical

Nestemomento, oparticipante se encontra sozinho, emalgum local emquedeseje epossarealizarestaetapa,conformeorientaçõesrecebidasnoúltimoencontro.Nãohádeterminaçãodolocal,oudanecessidadedeestarsozinho,poisasorientaçõessereferemsomenteaofatodequedevemrealizarapreciaçãodeformalivre,podendoutilizarasformasdeexpressãoconformeastrabalhadas ao longo da experiência, ou segundo sua própria vontade, possibilidade ecriatividade.Na verdade, a recomendação é de que seja feita a escuta do repertório enviadopelo/a orientador/a, e que se pense na melhor forma de se expressar, em função de cadamúsica.Alémdisto,énecessárioquesetenhaalgumprodutofinal,sejaeleumobjetoresultadodeumprocessodeexpressão,ouentãoumregistro(porgravaçãodeaudiooufilmagem)doproduto

final, para que possa haver um debate sobre a experiência no próximo encontro. Segue orepertórioselecionado:

Música16:TürenderWahrnehmung(HildegardWesterkamp)Hildegard Westerkamp é professora na Simon Fraser University, em Vancouver, Canadá,

sendo uma das pesquisadoras formadoras do Projeto Paisagem Sonora Mundial (WorldSondscape Project), liderado por Murray Schafer. Enquanto compositora, utiliza esta pesquisacomomeioparacriaçõesempaisagemsonora(SFU,2014).

Esta obra foi feita sob encomenda de instituição austríaca, tendo sido lançada durante oeventoArs Electronica, em que foi apresentada em locais públicos urbanos na cidade de Linz(Áustria), em 1989. O material sonoro utilizado foi selecionado a partir do acervo sonoroeuropeucoletadopeloProjetoPaisagemSonoraMundial.Asinopsedaobraapresenta:

[...]umaportaabreenósentramosemoutromundosonoro.Umnovoespaçosôniconoscercaenósescutamos.Mais e mais portas se abrem e nós não sabemos o que virá ao nosso encontro. Nossosouvidosestãoalertas.Orádiopodeabrirmuitasportasparaumnovo(evelho)mundosonoro[...].(SFU,2014,s.p.,traduçãonossa)

Assim,amúsicaéumaviagem,emquea transiçãoentreaspaisagens sonoraspropostaséfeitapormeiodeportas,transportandoaummundodeimaginaçãoacústica,sendoqueorádiopodenosproporcionarumaviagemparatodososlugaresondehávida(SFU,2014).

Música17:ThePoint(ErikTruffaz)ErikTruffazéummúsicofrancês,trompetistadoErikTruffazQuartet,formadoem1997com

osoutrosmúsicosMarcelloGiuliani (baixo),MarcErbetta (bateria)ePatrikMuller (teclado).ThePointfazpartedoálbumMantis,de2001(ErikTruffaz,2014).Seutrabalho,incluindoamúsicaselecionada, é classificado enquanto jazz contemporâneo, apresentando influências rítmicas do

hiphopedodrum’n’bass14.Música18:KidSupérfluo,oconsumidorimplacável(ArrigoBarnabé)Arrigo Barnabé, compositor paranaense, fez parte da denominada Vanguarda Paulistana,

entre o fim dos anos 70 e o início dos anos 80, juntamente com Tetê Espíndola e ItamarAssumpção. Este movimento se caracterizou por ser “[…] um tanto insolente, pouco afeito àutilizaçãodamúsicacomojingleideológicoousentimental,decompenetradaformaçãomusicaleimpecávelsensodoabsurdo”(Fiorillo,981,p.46-47apudCavazotti,2000,p.7).

O compositor causou grande impacto quando lançou seu primeiro álbum, Clara Crocodilo(1980), tendo sido apontado como o primeiro compositor popular a utilizar sistematicamenteprocessos seriais em suas canções. Seu segundo trabalho, Tubarões Voadores, em 1984, quecontémafaixa“KidSupérfluo,oconsumidorimplacável”,reforçaatemáticaacercadarealidadeantestratada:adesumanizaçãodoserhumanonasmetrópoles(Cavazotti,2000).Seguealetra

damúsica:“Quesucesso,nosupermercado/Quesexy,galãdevitrine/TrocouamulherporumaTV colorida/E agora só sonha com ela/A estrela da novela/Dolores, Dolores descartável/Emqualquercanal/Emqualquerhorário”.

Música19:Continuumforharpsichord(GyörgyLigeti)Comomaiordesenvolvimentodopiano(pianoforte),peloaprimoramentoderecursosquenão

erampossíveisserutilizadosnosinstrumentosdeteclasatéentão,ocravoeoórgãoentraramemfase de esquecimento a partir do fim do século XVIII, até que compositores voltaram a seinteressar pelos instrumentos, a partir do fim do século XIX (Dourado, 2004). Ligeti é um doscompositoresquededicouváriasobrasaestesinstrumentos,inclusiveseuContinuumparacravo.

GyörgyLigetifoiumcompositorhúngarocomproduçãovastaeampla,semseprenderaumaestética. Continuummostra sua versatilidade, bem como o virtuosismo necessário por parte dointérpretenaexecuçãodeobrasquedependemdegrandetécnicaevelocidade,concebidasparainstrumentosacústicos,emboraapresentemumefeitosimilaràmúsicaeletrônica.

Música20:TeenTonic(PierreHenry)Músicofrancês,referêncianamúsicaeletrônica,PierreHenrycompôstodasassuasobrasem

meio eletrônico, inclusive Teen Tonic, que faz parte do álbum Messe pour le temps présent.SegundoodicionárioGrove (Sadie; Latham,1994, p. 424), “Suamúsica se tornou conhecidapor sua força expressiva diversificada e surpreendente, e por seu poder de comunicaçãoimediata”.

TeenTonic,apesardetersidolançadaem1967,aindaapresentaestafácilcomunicaçãocomopúblicoleigo,porassociaçãoaomundoeletrônico,especialmenterelacionadoajogos.

Música21:Garrote(HermetoPascoal)OalagoanoHermetoPascoaléconhecidoporsermulti-instrumentistaepelacriatividade,tanto

nas suas criações como no uso das fontes sonoras por ele utilizadas. A música Garrote foilançadaem1987noálbum“Sónão tocaquemnãoquer”, tendosido regravadaem2006no

álbum“ChimarrãocomRapadura”,comAlineMorena15(Hermeto...,2014).Em “Chimarrão com Rapadura”, as músicas apresentam referências ao Sul e ao Nordeste

brasileiros,sendonafaixaGarroteapresentadaainfluênciamodalparaamúsicanordestina,nalinhamelódica,alémderitmicamenteamúsicatambémapresentarestaligaçãocultural.

6.Encontrofinal

6.1Compartilhandoexperiências

Nestemomento,o/aorientador/adeve relembrarasmúsicas selecionadasparaaatividadeindividual, podendo introduzir um momento de escuta de cada música, seguido dos relatosindividuaisacercadoque foi realizadopor cadaumdogrupo.Osmembrosdevem relembrar,assim, como foi a primeira impressão, e como foi o processo de realização da apreciação,mostrandoaosoutrosoprodutofinal.

6.2Construçõesapartirdeimpressõesedeideias

Ao fimdos depoimentos individuais de cadamúsica, é interessante que se debata sobre osdiferentes resultadosemodosdeexpressão,bemcomoa formacomqueosmembrosoptarampor realizar as atividades. O/a orientador/a deve conduzir as discussões, complementandoinformaçõesarespeitodasmúsicas,eapontandorelaçõesentreoquefoidiscutido,pormeiodainterpretaçãodosrelatosedosresultadosdaapreciaçãorealizada.

6.3Refletindosobreogrupo

Estaetapafinaltemcomofinalidadeavaliartodooprocesso,apontandoaspectospositivosenegativos,eprevendopossibilidadesdemelhorias.Épossívelque,dependendodoenvolvimentodogrupo,osparticipantesoptempelacontinuaçãodotrabalhoe,emcasodeimpossibilidade,éimportante ressaltar o caráter contínuo inerente a qualquer tipo de aprendizagem. Torna-seessencial, paraalguémquequeiraaprendermais e perceba umamudança significativa na suarelaçãocomomundosonoro,aincorporaçãodoquefoiapreendidonasuavidacotidiana.

Consideraçõessobreoprocessodeplanejamento

Este trabalho, enquanto resultado de pesquisa realizada, descreve o planejamento dosencontros da forma como de fato aconteceram, omitindo, por vezes, atividades que foramplanejadasmasque,aolongodoprocesso,nãosemostraramtãoimprescindíveisemfunçãodaprópria dinâmica proporcionada pelo grupo, ou também fatos que levaram a uma mudança,porém, que não se fazem significantes enquanto relato de experiência de pesquisa, nãointerferindo naapreensãodo leitor acercadoprocesso realizado.Damesma forma, apresentamomentos que foram realizados sem planejamento prévio, mas que aconteceram devido aimprevistosnodecorrerdapesquisa,ouaumanecessidadeouaumasugestãovindadoprópriogrupo.

Amudançamaissignificativa foianecessidadequesurgiudesermudadooquintoencontroque,aprincípio,tinhasidoplanejadoparaserpresencialecoletivo,comoosoutros.Noentanto,ogrupo se viuprejudicadopor surgirem imprevistosque impossibilitariamo encontroporduassemanasseguidas,tendo,assim,ocorridoatrocadoencontroporummomentoemquepudessemvivenciaremsuascasasaexperiência.Estamudançafoimuitoimportantepararefletirsobreeste

momentodeapropriaçãoquecadaumfez,eparaverificaroimpactoqueofazerindividual,semorientaçãoesemogrupopresente,teveparaosresultadosapresentados.

Dependendodosobjetivosdogrupoedo/aorientador/a,bemcomodotempodisponível,onúmerodeencontrospodeserreformulado.Nãosóisso,mastodoesteplanejamentofoifeitoemtorno do objetivo da pesquisa, e dos fatores limitantes no processo executado. Assim sendo,nunca é demais chamar atençãopara o fato de que nãodevemos simplesmente adotar ideias,inclusivepráticaspedagógicas,semquestionamento,esemrepensá-lasnocontextonoqualserãoadotadas.

Éimportanteressaltarparaocarátermultiplicadordestetipodeprocesso,tendoemvistaqueelepodeseraplicadoparaosmaisváriosníveisecontextoseducacionais,pororientadorescomdiferentesníveisdecompreensãomusical.Logicamente,quantomaioraespecializaçãoemaioroconhecimentodoorientador/aacercadaáreamusical,maisaprofundadasserãoasdiscussõesasurgir.Entretanto,pessoasquenãopossuem formaçãoespecíficaemmúsica,masquepossuemcertaexperiênciaequetenhamsensibilidadeaescutasdiversificadas,podemconduziroprocessoparaleigos,deformaacontribuirnodespertarparaumaescutamaisatenta,maiscrítica.Tendoem vista a obrigatoriedade do ensino demúsica nas escolas, e o fato de que não há númerosuficientedeprofessorescom formaçãoespecíficaquepossamdarcontadestaobrigatoriedadena educação básica, esta metodologia pode abrir espaço para um trabalho de música porprofessoresgeneralistas, embora seja importanteumaaproximaçãodestes com relaçãoao tipodetrabalhodesenvolvido.

A trocadeexperiênciasdocentespermiteumaampliaçãodo repertório,porém,quandonosapropriamos de outras práticas, aprender a adaptar conforme o contexto é que nos permite arenovação contínua deste repertório, para que não fiquemos presos somente àquela situaçãooriginalparaoqualforampensadas.

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Notas1. Professora assistente de música no Departamento de Arte-Educação da UNICENTRO, Guarapuava (PR). Email:ericaunicentro@gmail.com.2.ProfessorAdjuntodoInstitutodeHumanidades,ArteseCiênciasdoCampusJorgeAmadodaUniversidadeFederaldoSuldaBahia,Itabuna(BA).Email:[email protected]çãodapesquisadaautoraintitulada“Ensaiossobremúsicaeconstruçõescontemporâneas:compreensãomusicalpormeiodaapreciação”,emocasiãodaobtençãodotítulodeMestreemEducaçãopelaUNICENTRO,em2014.4.Exercícioinspiradoemvivênciaspessoaisduranteoprocessodeformaçãodapesquisadora.5.Exercício inspiradoempráticasvivenciadasdurantea formaçãodapesquisadora.BernadeteZagonel tambémapresentaumaversãocomusodesons,aqualdenomina“Bolasonora”(Zagonel,2011,p.28).6.TermodesignadoporMurraySchafer (1991;2011b),paisagemsonoradiz respeitoao“[...]ambiente sonoro.Tecnicamente,qualquerporçãodoambientesonorovistacomoumcampodeestudos.Otermopodereferir-seaambientesreaisouaconstruçõesabstratas, como composiçõesmusicais emontagens de fitas, emparticular quando consideradas como umambiente” (Schafer,2011b,p.366),ouseja,trata-se,basicamente,dossonsquecaracterizamdeterminadoambiente.7.Ovídeoencontra-sedisponívelnoendereçoeletrônicodogrupo,em<http://www.houthandelantwerpen.com/>.Acessoem:27out.2014.8.Cantigadecarátermelancólico,dolenteearrastado(Andrade,1989,p.518).9.“Certo tipodecantomodalde trabalho,geralmente,onomatopaico[...]”utilizadoporvaqueirosaoconduzirogado,emqueentoam“[...]sonsdecomandoqueosanimaissãocondicionadosareconhecer”(Dourado,2004,p.16).10.Estapráticafezpartedavivênciadapesquisadoradurantesuaformação.11.Estapráticaéumaadaptaçãodevivênciasdapesquisadoraemsuaformação.Tem-seumareferênciatambémdestetrabalhonapráticadescritacomo“Massagemseguindoomestre”(Volpi;Volpi,2009,p.115).12.Informaçõesdisponíveisem:<http://www.kronosquartet.org/>.Acessoem:29out.2014.13.GravadoporDeccaClassics.Disponívelem:<http://www.deccaclassics.com/us/cat/4759126>.Acessoem:29out.2014.14.InformaçõesdisponíveisnocanaldocompositornoMySpace.Disponívelem:<https://myspace.com/truffaz/bio>.Acessoem:29out.2014.15.Éinteressanteverificarinterpretaçõesdestaversãoaovivo,emqueacantoracantadobrandoamelodiaprincipal.Disponívelem:<http://www.instrumentalsescbrasil.org.br/artistas/hermeto-pascoal/show-em-03-janeiro-2011>.Acessoem:29out.2014.

Parte3:ArteeInterseções

Capítulo9:Designeartenocontemporâneo–sentidos,estéticaepoéticas

MônicaMoura1

O contemporâneo é instável, imprevisto, inesperado, as passagens do hoje e seusdeslocamentos que deixam rastros com suas inscrições, signos, dinâmicas inusitadas em ummovimento constante. Remetemos-nos a Barthes (1987), para quem, o Contemporâneo é ointempestivo.

Pararefletirsobreasrelaçõesdesigneartenaatualidade,temosdenosremeteraaostemposcontemporâneos. Mas, o contemporâneo que vamos tratar se refere aos últimos 30 anos e apassagemdoséculoXXparaoséculoXXI.Maisprecisamente,apartirdadécadade1990,ouseja,os últimos24anos. Porém,osanosaqui enfocados e suasmudanças sãodecorrentesdeumasériedefatoresedecontrates,quevamoschamarde“algunsmarcosdocontemporâneo”,tendoemvistaqueestesmarcosestabeleceramascaracterísticaseasdinâmicasdestetemponoqualvivemos.

Aonosreferirmosaosmarcosdocontemporâneonãopretendemosesgotaroassuntoenemmesmoelencartodososfatoressignificativos,poisexisteumapluralidadedevertentes,tendoemvista que o último século e estes primeiros anos do século XXI são repletos de informações erelaçõesquealteraramdeformasignificativaavidadohomemnacontemporaneidade.

Algunsdosmarcosdocontemporâneoqueelegemosdizemrespeitoàsquestõesenvolvidaserelacionadasàsmudançasdeparadigmastrazidospelaindustrializaçãoeapósindustrialização;ao crescimento da globalização e a valorização das culturas locais; a rápida circulação deinformações e conhecimentos; ao desenvolvimento tecnológico e digital e a revalorização doartesanaledomanufaturado;aurbanizaçãodascidadeseaocrescimentopopulacional;oidealdoprogressoininterruptoeaaceleraçãodotempo.

Portanto, falar do contemporâneo não é uma tarefa fácil, uma vez que viver, observar eanalisarosfatosesuasrelaçõesaomesmotempoemqueocorremnosdeixamemumasituaçãodesconfortável,comoemsuspensão.

Nosúltimostempose,aindanaatualidade,vivemosenvolvidosemcontrastesedicotomiasquesão intensificadas mediante a aceleração do tempo e a aproximação dos espaços físicos,geopolíticos e culturais. Este tempo cria o modo de vida e a mentalidade contemporânea queresulta da somatória das complexidades, diversidades, mas também das singularidades e émarcado pelos excessos e em contraposição, pela fragilidade. Lipovetsky e Charles (2004)indicamacontemporaneidademedianteapotênciadasmídias,dainformaçãoedacomunicaçãoque são misturadas ao nosso cotidiano e geram o que estes autores chamam de

hipermodernidade, onde tudo se configura como potência e possibilidade, mas também comoexcessosediantedetantaspossibilidadesocorreafragilizaçãodoserhumano.

1.IdadeContemporâneaeContemporaneidades

AIdadeContemporâneaédatadahistoricamenteapartirde1789comaRevoluçãoFrancesaesegueaténossosdias.Porém,quatroséculosjádecorreramnachamadaIdadeContemporânea.Quatroséculosquepresenciaramemarcarammudançasprofundasnomundoenomododeviverda sociedade em geral. Ideias, ideais, pensamentos, invenções, hábitos e costumes foramalterados de forma intensa durante o decorrer entre o final do século XVIII e estas primeirasdécadasdoséculoXXI.

Comaintençãodeestabelecerumpequenopanoramadacontemporaneidadevamosnosatera apenas alguns eventos, inventos e objetos que demarcaram os séculos XX e XXI e sãoconsiderados um retrato destes tempos. Afinal os objetos que constituem o cotidiano e odesenvolvimento de novas tecnologias e seus sistemas influenciam e geram um novo modo deviver, bem como refletem a dinâmica de vida. Neste aspecto o design é retrato e reflexo dacultura. Estamos considerando o design como o campo de criação e produção dos objetos esistemas.E,comobemafirmouBomfim“ODesigntemassimnaturezaessencialmenteespecular,quercomoanúncio,quercomodenúncia”(Bomfim:1997,p.151).

Paraapontarde formaresumidaoqueodesignnosanunciouneste,assimchamado“breveséculo XX” como dizia Hobsbawn, vamos fazer um pequeno apanhado de invenções quemudaramdeformasignificativaeinfluenciaramavidacotidiana.

Logono iníciodoséculoXX temosacriaçãodoavião,osprimeirosvoos,oestabelecimentodas rotas e de todo o sistema aéreo, sua disseminação, o barateamento de custos, uma novaforma de cruzar oceanos e lidar com o tempo e espaço marcando cada vez mais osdeslocamentosdaspessoasaoredordomundo.

Oplásticofoiinventadosubstituindoousointensodomarfimetornandopossívelumasériedeprodutoseoutrosmateriais.Porsuavez,alinhademontagemandantecriadaporHenryFordem1908permitiuqueumcarrofossefabricadoacada24segundos.Estesistemafoiadotadoporfábricasdediferentessegmentoseprodutos,mudoueintensificouarelaçãodotempoeosfatoresprodutivoseque,entreoutros,incentivouoestabelecimentodoconsumodemassa.

Entreoutrosobjetoseinvençõesimportantesdestacamosacriaçãodatelevisão,dafibraótica,doraioalaser,docomputador,dainternet,docelularedaimpressora3D.PorsuavezoséculoXXI se iniciou com a criação dos smartphones, do Ipod e dos tablets. Todos estes objetos esistemasgerarammudançassignificativaseincorporaramnovoshábitoscotidianos,novasformasdecomunicaçãoederelaçãonaconstituiçãodavidadohomemcontemporâneo.

Esta pequena relação de inventos, objetos e o estabelecimento de tecnologias somado aocrescimento populacional geraram implicações políticas, econômicas, sociais e culturais que

constituemocontemporâneo.E,também,dinamizaramavidaemtodososâmbitos,estruturandoa sociedadedo consumo,a sociedadedas redes eda informação,a estéticado cotidianoeaconstrução de uma consciência a respeito do esgotamento dos recursos naturais a partir davertentedodesenvolvimentosustentável,aindaempercurso.

2.SociedadedoConsumo

As mudanças das políticas econômicas mundiais, a valorização de diferentes moedas, apopularização do crédito e as facilidades e estímulo ao consumo, somado ao crescimento dapopulação,acapacidadeprodutivaeacapacidadedecompraconstituemfatoresdeterminantesquelevamagrandemassadaspopulaçõesatermaisacessoeaadquirirbensdasmaisvariadasespécies.

Osdesejosconstruídoseestimuladospelomercado,pelamídiaepelomitodafelicidadeedarealizaçãogerouumpensamentodominante constituídopela exigênciadamaioriadaspessoasempossuircarros,casas,objetos,mobiliário,equipamentos,roupas,joias(objetosdeadornoemgeral),telefonescelulares,câmerasfotográficas,gadgets,entreoutros,quenãoapenasfacilitemas atividades do cotidiano, mas também tragam beleza, conforto e prazer, apontem status edefinamidentidadeseestilosdevida.

Comoacessoàsinformações,aodesenvolvimentotecnológicoeaexpansãocriativabusca-secada vez mais o prazer nos espaços, ambientes e objetos que constituem a vida do homemcontemporâneo. Além do que este ser contemporâneo busca também a individualização, apersonalização, a identidade que é obtida, percebida e demonstrada pelos objetos que elegeparaasdiferentesfasesdesuavida.

Hoje lidamos com um universo imenso de objetos de uso, que conforme Bomfim (1996)referem-se a todos os produtosmateriais ou imateriais e, também a sistemas de informação ecomunicaçãodosprodutosimpressosedigitais.

Oconsumoéumdosaspectosdeterminantesnacontemporaneidade.Vivemosasociedadedoconsumo,muitas vezesdesenfreadoedesnecessáriogerandooconsumismocomoummododevida.Poroutro lado,o crescimentoda industrialização somadoaodesenvolvimento tecnológicodesistemas,equipamentosemateriais,gerouprocessosmais facilitadoreseobarateamentodecustos para atender e, gerar novas demandas de produtos. Tudo isto cria um fluxo intenso deoferta, de criaçãode novos produtos e, também, de novas necessidades, gerando, inclusive, aobsolescência programada que faz com que as pessoas continuem estimulando e mantendo arodavivadomercadoeconômicoeprodutivopormeiodoconsumo.

Nesta realidade, o design brasileiro se beneficia vivenciando a situação da ascensãoeconômicadeclasseseopaís, tendodestaquemundialepertencendoaogrupodoschamadosemergentes, que são detentores da força de produção, de consumo e de moedas que sefortalecemnesseprocesso.Comoresultado,temosomercadodoconsumododesignqueassumiu

mudançasdediscursosedepropostasnacontemporaneidadeepresenciamossituaçõescomoasdasindústriaselojasdemarcaspopularescomgrandecrescimento,especialmenteaoatribuíremàssuasmarcasapalavradesign.Destinadoàoutracamadadapopulaçãovemosestasmesmasmarcas,entãoconhecidasporserempopularesecompreçoacessível,criaremsegundasmarcaspara atender a um público mais diferenciado e com maior poder de compra. Ou seja, sãodesenvolvidos outros produtos e sistemas comerciais distintos para atenderem, com objetosdiferenciados,opúblicoemascensãofinanceiraeochamadomercadodoluxo.

Háqueseconsiderarograndenúmerodeprodutos,sistemaseambientes,desenvolvidospormuitosdesigners,quefazemadiferençanodiaadia,propiciandomaiorconforto,praticidadeebeleza nas ações do cotidiano.Alguns destes objetos são também revestidos de glamour, sejapeloobjetoemsi,ouseja,pelamarcaqueostentame,outrosseguemosditamesouaintegraçãocomamoda,explorandoerefletindoosdesejosdosconsumidoresnaatualidade.Estasquestõesapontamereafirmamaestéticadoenocotidiano.

3.AEstéticadoCotidiano

A ascensão da estética do cotidiano deu-se por vários fatores. Um deles é pela questãohistórica, pois hámais de 2000anos lidamos com imagens, representações e objetos que, aolongodahistória,foramsendoaperfeiçoadoseoutrosnovosobjetosforamsendogeradosdevidoàsomadasnecessidadeshumanas,dacapacidadeinventivadohomemedodesenvolvimentodatecnologia. A arte nos legou uma série de obras planas, bidimensionais, tridimensionais eespaciais.Aarquiteturaaolongodotempoexploroueconstruiuambientesinternoseexternos,ourbanismoepaisagismo.Odesign,mesmoquandoaindanãoerachamadoassim,nospropiciouferramentas, mobiliários, objetos, vestuário, têxteis, equipamentos, acessórios, adornos, entreoutrastantaspossibilidades.Aolongodaexperiênciahumanaoconforto,asatisfaçãoeoprazerforamsendovivenciadosevalorizadoseoserhumano,conscienteedominandoestesaspectos,passa a exigi-los a cada vez mais, constituindo seu espaço por escolhas que lhe possibilitemvivenciarestasquestões.

Vários autores do pós modernismo, entre eles, Jameson (1984), Shusterman (1988),Featherstone (1995), entre outros, apontam como uma das características marcantes da pósmodernidadeaestetizaçãodavidadiantedoaumentopotencialdaproduçãoedadisseminaçãosimbólica.

Aestetizaçãonavidacotidianasedápormeiodorompimentodebarreirasefronteirasentreo real e a imagem, entre a vida e a arte diante das novas experiências culturais emodos designificação que são produzidos e engendrados em todas as esferas que povoam o cotidiano.SegundoBaudrillard(1983),arealidadeétransformadaemimagensdevidoàintensificaçãodaprodução das mesmas possibilitadas e amplificadas pelo uso das tecnologias e da mídia quedisseminaumanovarelaçãoentreoshomenseacultura.Nestarealidade,observamosqueganha

importânciaoestilodevidaeaculturadeconsumonocontemporâneoapontandoumserhumanoque passa se desenvolver e a se constituir como ser social e cultural, o sujeito contemporâneopresentenasociedade,nosgrupos,nasruas,emtodososlocaisequeseexpressapormeiodaconstruçãodeumcorpo intensificadopelaspróteses, interferências,hibridismos,pelosobjetosetecnologia,pelamodaepelodesign.Asomadestesfatoresconstróiaestéticadocotidiano.

Segundo Featherstone (1995), há três sentidos chave para falar da estetização da vidacotidiana.Oprimeiro,pautadoespecialmentepelosmovimentosartísticosdavanguardahistórica,especialmenteoDadaísmoeoSurrealismo,entreoutros,quemiscigenaramasfronteirasentreavidaeaarte.Estesmovimentosdeartequestionaramedesafiaramodiscursoearelaçãoentreopapel sacralizadodaobradearte sustentadopelaacademiaepelosmuseus.Nesta situaçãoaauradaobradeartepassouaserdesfeitaeumdosmaioresexemplosdesteaspectoocorrecomos readymades deMarcel Duchamp que, a partir da recontextualização do objeto comum docotidianopassaadignificá-locomoobradearte.Nestesentido,aartepodeserqualquercoisaeestaremqualquerlugar.FatoreforçadopelaculturaemovimentodaPopArtondemercadoriasemitos do consumo e da cultura de massa assumem seu papel na esfera e na aura da arte.Também as ações antiarte e antiobra, tais como os happenings, as performances, o corpo doartistaeobjetossensoriaispassamasersuportedaarte.

O segundo sentido apontado por Featherstone (1995) é construído a partir das relaçõespessoais edogozo estético, fatoqueopós-modernismo coloca emevidência, especialmenteapartirdeBaudelaire (1964)edeFoucault (1986).Nesta realidadeo corpo,os sentimentos,aspaixões,ocomportamentoeaprópriaexistênciasãoobrasdearteesãocriações,poisohomemmoderno inventa a si próprio e constitui um estilo de vida, onde se presentifica o vestuário, omobiliário, a conduta e os hábitos pessoais e a constituição da vida está associadaao prazerestético,aoconsumodemassaeaculturadoconsumo.

Porsuavez,aocorrênciado terceirosentidosedápelaestetizaçãodavidadesignadapelo“fluxo veloz de signos e imagens que saturam a vida cotidiana da sociedade contemporânea”(Featherstone,1995,p.100).Este fatoocorrepela intensificaçãodaexploraçãocomercialdasimagenseobjetospormeiodamídiaemgeral,dapublicidade,propagandaepelomarketing.Ocorre a presença, cada vez mais intensa e marcante, das exposições, performances eespetáculosqueenvolvemoserhumanoemdiferentessituaçõeselocaisemumacontínuarelaçãodeconstrução, reativaçãoe intensificaçãodedesejos.Estesdesejos constituemumemaranhadodesonhos,fantasiasematerialismo,reforçandoaestéticaperantearealidadedavidacotidiana,ondeoconsumoeaculturaganhamimportânciasemprecedentesenãohámaisdistinçãoclaraentreaimagem,arealidadeeoimaginário.

ConformeScott Lash (1988), a cultura pós-moderna é constituída pelos processos primários(desejos),mais nas imagens do que nas palavras, na imersão do espectador e no desejo peloobjeto.Agênesedestasquestõespodeserencontrada

naexpansãodaculturadeconsumonasgrandescidadesdassociedadescapitalistasdoséculoXIX,quesetornaramos locaisdosmundosdesonhoembriagantes,do fluxodemercadorias, imagensecorpos (oflâneur)emconstantemutação.(Featherstone,1995,p.103)

EstasmudançasvãogerarnoséculoXXumprocessoderenovaçãourbanaeosurgimentodeambientes simulacionais que geram também a hiper-realidade no cotidiano e valorizam aarquitetura, o design, amoda e a arte. Estes ambientes simulacionais podem ser encontrados,tanto na esfera comercial quanto nas esferas instituídas e destinadas ao ser conhecedor eintelectualizado. No âmbito comercial encontramos os shoppings centers, parques temáticos,hotéis dedesignoudearte, lojas conceituais, lojas galeria. Enquanto nas esferas instituídas osmuseus,galerias,centrosculturaiseespaçosdedicadosàarte,aodesigneamoda.

A pós-modernidade trouxe uma série de questionamentos, bem como a valorização e apresença da estética do cotidiano e do consumo relacionado ao estilo de vida. Também vimosocorrer o desfacelamento das fronteiras entre áreas distintas e de uma série de discursosestabelecidos, incluindo-seaíodesignque, somadoàdisseminaçãodaáreaocorridanosanosde1990flexibilizaramváriospreceitosgerandoavalorizaçãodaproximidadeeintegraçãoentreaspropostaseosdiscursosartísticoseosdodesign.Estesaspectospromoveramaconcepçãoeodesenvolvimentodemuitasaçõesepropostasdiferenciadasqueforamadotadasporumasériedeprofissionais, assim como foram estabelecidas dinâmicas no mercado produtivo e nacomercialização dos produtos e objetos de design que contribuíram paramaior aceitação e acompreensão da abrangência e das possibilidades de diálogos férteis obtidos por meio darelaçãodesignearte.

4.EstéticaeoDesign

Partimosdopressupostoqueaestéticaabrangetodasasformasdecriação,sejanaesferadaarteoudeoutroscamposdeproduçãoqueserefiramaobeloeabelezagerandoprocessosdefruição, de vivências e de experiências que despertem sensações, sentimentos, emoções e quepodemviraconstituiranálises,críticaseinvestigações.

O belo, a beleza se modifica conforme o tempo, a cultura, a sociedade, seus valores,comportamentosepadrõesquepassamaserestabelecidoseinstituídos.Sempreexistiramformasdeexperiênciaestéticanahistóriadohomem,mesmoquando,nasculturasarcaicasosaspectosutilitárioseestéticosdosobjetossesobrepunham.

A estética e a tecnologia caminham juntas, são integradas e parceiras. O objeto sensível,estético e suas outras dimensões, sejam elas funcionais/pragmáticas, semânticas/simbólicas, seinter-relacionam,seconfundem,semisturam.

Na cultura arcaica grega, arte/inovação/criação (tékhne) e tecnologia/domínio técnico(mekhané) contem como uma raiz que é comum à invenção criadora e à competência ehabilidade tecnológica. Portanto, as questões práticas e funcionais se aliam e se mesclam às

questõesdacriaçãoedaestética.E,devemoslembrarquecomaemergênciadoFuncionalismoabelezapassouaserdesignadapelafunçãodoobjeto.DieterRams(1995),nodecálogosobreosprincípiosdobomdesign,apontavaqueaqualidadeestéticadeumproduto integraautilidadedosmesmosporque,aoseremutilizados,implicamemefeitosepropiciaobemestareapenasosobjetosbemprojetadoseexecutadospodemserbonitos.

Cabe lembrar que o funcionalismo é uma visão do design e da arquitetura cujo objetivo éresolver problemas de forma prática, lógica e eficiente. Em sua metodologia, o ambiente daregiãoeacultura localdevemserconsideradosparaa implementaçãodeumprojetoeficiente.Estavisãofoipropostaporváriosgrupos,movimentoseescolasdedesign,desdeWilliamMorris,masoarquitetoamericanoLouisSullivan(1856-1924)éconsideradoopaidofuncionalismo.Istosedáporele tercriadoaexpressãoa“FormasegueaFunção”em1896.O funcionalismo foiaplicado intensamentenaEscoladeULMe,disseminou-sepor todoomundo,especialmentenopós II Guerra Mundial até meados dos anos de 1980 quando esta visão começa a serquestionadaepercebe-sequenãoatendemaiscomoaúnicapossibilidadedeprojetosnocampodo design. O pós-modernismo e a contemporaneidade trouxeram outras características emetodologiasparaocampododesign.

Voltandoàsquestõesdaestéticaedodesign,Burdek(2006)vaiapontaraestéticanoâmbitodas funções do design e que o século XX nos trouxe a separação entre o valor estético e aqualidadematerialdeumaobraoudeumobjetogerandoaperdadesentidonaarquitetura,nodesignenaarte,ondeaestéticaformalseseparadaestéticadoconteúdo.Ouseja,avivênciadeimpressõessensoriaisdoselementosformais:ritmo,proporção,harmonia,entreoutros,passamaserelementosconstituintesdeimportâncianasobrasdearteenosobjetosdeusocotidiano.

Nosprodutos,estesaspectossãochamadosdefunçõesformal-estéticas,quepodemserapreciadas,semseobservarseusignificadodeconteúdo[...]asintaxeélivredequalquersignificado.Somentepormeioda referência às funções práticas (funções indicativas) ou do contexto social (funções simbólicas), ossignosrecebemnodesignseussignificados.(Burdek,2006,p.297-298)

Porém, esta visão e estas afirmações são passiveis de questionamentos, uma vez que asqualidadesefunçõesformaissãorepletasdesignificadoseconteúdos,bemcomosãoconstituídaspor signos.Ou seja, funções formais, práticasou indicativas eas funções simbólicas carregamsignificados amplos que conduzem a vivências, experiências, emoções, resgatam lembranças ememórias devidoao conteúdodasmesmas, fato quepossibilita a experiência e, até, a fruiçãoestética.

Poroutrolado,Löbach(2000)vaiafirmarqueafunçãoestéticadeumproduto,incluindo-seaíos produtos industriais, é construída a partir da relação e dos processos sensoriais entre umproduto e um usuário. “Criar a função estética dos produtos industriais significa configurar osprodutos de acordo com as condições perceptivas do homem” (Löbach, 2000, p. 60). Read(1978)apontaqueo serhumano reageas formas, superfícies emassasque sãoapresentadas

aos seus sentidos e estas relações causam sensações agradáveis, sendo que este sentimentoagradávelconstituiosentimentodabeleza.Porsuavez,Osborne(1968)dizque:

Quandoatribuímosvalorestéticoaumacoisaqualqueraquilatamossuaadequabilidadeparasustentaraatividadeauto-recompensadoradacontemplaçãoestética.Atribuirestevalornãoénegarqueoobjetopossa teroutros valores,ouqueessesoutros valorespossamestar intimamentevinculadosaosvaloresestéticos que ele tem.Mas, se a beleza é um valor, deriva do valor fundamental pressuposto para aapreciação.(Osborne,1968,p.269)

Estasquestõesocorremnocampododesigneseencontramcadavezmaispresentesemaisdeterminantesnacontemporaneidade.Sabemosqueodesignéumcampoque refleteeproduzcultura,fatoqueapontaqueestaáreaestáinter-relacionadacomseutempoe,portanto,apontaas mudanças do tempo, do homem e da sociedade, refletindo as mudanças tecnológicas,sociopolíticaseculturais.Ouseja,odesignimplicaemaçõesdetraduçãodotempoedaculturaemobjetosesistemas.

O “eu fazedor de coisas” e o “eu pensante” que nos falava Paulo Freire tem uma relaçãodireta e amplificada pela ação dos designers que, por meio de suas produções, revelam oshábitos e estilos de vida do ser humano, bem como a produção estética em um processoentrecruzadocomotempoecomacultura.Hoje,sequisermostraçarumpanoramadomododevidaedaconcepçãoeatitudescotidianasdoséculoXXI,semdúvida,teremosdenosremeteraosobjetos, produtos, sistemas desenvolvidos pelo campo do design para compreender melhor ostempos em que vivemos e as dinâmicas culturais estabelecidas por este tempo na ação doshomens.

Umdosaspectosqueapontamacontemporaneidadeeinduzemaimportânciaemudançadaestética na esfera do design, além de ser uma função estabelecida nos objetos e produtos dedesign,éofatodequeaproduçãoepresençadaestéticatomaumlugardemaiorimportânciaéqueestabeleceoutrosenovosvaloresaocampododesign.

5.ArteeDesign:distanciamentos,reaproximaçõesefusões

Ahistória do design no Brasil nos indica que vários profissionais desta área atuavam tantocomo artistas quanto como designers. Porém, a integração entre o Design e a Arte foi umaquestãomuitocriticada,atédesvalorizadae,pormuitotempo,nãoaceitanoBrasil.Istosedavamesmoperanteofatodequeamaioriadoscursosdedesigninstaladosnopaíseraprovenientededepartamentosoudecursosdeartesnasuniversidades.Mas,odiscursodaáreadeapontavaquedesignnãoeraartemesmoquealgunsprocedimentoscriativos,artísticoseprojetuaisfossemsemelhanteseadotadosporambososcamposdeconhecimento.

Estapropostadeseparaçãoentredesigneartee,também,entredesigneartesanato,ocorreuno Brasil, provavelmente devido a adoção do pensamento alemão via Escola de Ulm e aconsequentevalorizaçãodoidealfuncionalista.Portanto,noBrasilasprimeirasescolasdeensino

formaldodesignadotaramavertentefuncionalistaeUlmianaqueforamsomadasacrençaeaodesejo da industrialização proposto no plano de metas 50 anos em 5 do governo JuscelinoKubitschek(*1902/+1961).Pormeiodasaçõesdesteplanoocorreuoapoioeapromoçãoparaa implantação de várias indústrias no país, especialmente as automobilísticas e as dematériasprimas(siderurgia,metalurgia,petroquímicaecimento), fatoqueimpulsionouodesenvolvimentoeconômiconopaíseaentradadasmultinacionais.Duranteestagestãopresidencial(1956/1961)acapitalfederaldopaís,Brasília,foiconstruídaeinaugurada,símbolodomodernismobrasileiro.Estacidadefoiarepresentaçãourbanísticadeumidealdedesenvolvimentopautadopeloaportedecapitalestrangeiroenaviabilizaçãodaexpansãoindustrial,bemcomonainserçãodoBrasilemproblemasdedívidasexternaseinflacionáriasqueseestenderamporumlongotempo.

Diante deste panorama, as questões relacionadas à produção industrial e de massa geramumaformaçãoemdesign,entãodenominadodesenhoindustrialqueestabeleceramumanegaçãodaarte,dosubjetivo,doartesanal,adotandoereafirmandoalémdofuncionalismoospreceitosdomodernocomseudiscursocontrárioaoornamento,fatosqueresultaramnadivisãoreafirmadapelodiscursodeseparaçãoeoposiçãoentrearteedesigneentredesigneartesanato.

Aesterespeito,osdesignersIrmãosCampana(2011)relatamquequandoiniciaramnaárea(finaldosanos80e iníciodos90)a realidadeencontradaeraadequenoBrasil, imperavaoracionalismo da “forma segue a função”, os princípios rígidos que abominavam o ornamentocomosefossemumpecado,opós-modernismonãoteveforçaaqui...eafuncionalidadeera(emcertoscasos,aindaé...)umaxiomadodesign.

Mas, o contemporâneo émarcado também pelo desfacelamento de fronteiras e a visão daciênciaedatecnologiaseparadadaestéticaedacriaçãofoiaospoucosruindoeaproximandocamposeáreas,taiscomoodesign,aarte,amoda,aarquiteturaeoartesanato,entreoutros.Como resultado, podemos perceber que na contemporaneidade as relações arte e designencontram-semais valorizadas e disseminadas. E, em algumas situações, passamos a convivercomdiálogosférteisentreestesdoiscampos,emoutroscasoscomumafusãohíbrida,masaindaexistem conflitos que permeiam esta integração e o discurso de profissionais das duas áreas,ondemuitos não apenas questionam,mas relutam em aceitar a inter-relação estabelecida pelaassociaçãoentrearteedesign.

Estas questões também envolvem uma nova postura relacionada ao usuário, o sujeito quepassaaassumirseupapeldeinteratore,sãoexploradasedisseminadascaracterísticascomoavalorização do sentimento, da emoção, da memória, das estórias pessoais e no campo dacriação emdesign passa a termais espaço a experimentação, a exploração da linguagemdodesignedoselementosecaracterísticasqueoconstituem,incluindo-seaíoexplorardemateriais,processosconstrutivos,processoscriativos,novasmetodologiaseabordagens,aincorporaçãodoerroedoruído,tirandopartidodoerro,bemcomoocorreopredomíniodoconceitodoobjetoenão apenas seu uso ou sua função. No tocante ao objeto outras relações são eleitas e

valorizadas, tais como a recontextualização, a ressignificação e a reapropriação do objeto epassa a ser presente na ação projetual e nos resultados dos objetos e sistemas gerados aexpressividade,asubjetividadeeapoética.

Dorfles (1989) pondera a respeito do alargamento ou dilatação do panorama artísticomediantenovasformasexpressivasounovaslinguagensquepassaramadesempenharumpapelpreponderante em nossas vidas na relação global. Neste caso, ele se refere ao cinema, atelevisão,aodesign.Ouseja,atodasasexpressõesquepassamacomporasituaçãoartísticanocontemporâneo.Ouainda,todasasmanifestaçõesvisuaisesonorasquenoscercameestimulamnossacapacidadeperceptivaecriativa.Mesmoquandoocampodaarteemseusesquemaspré-construídospelosgênerostradicionaisaceitamnovasformasdeexpressão,mesmoquando,comcerta restrição, não conferem às mesmas o valor e a dignidade que as expressões clássicasostentamnocircuitodasartes.

Devemos, pelo contrário, tomar em consideração que a mente humana se alimenta de um universoimensode sinalizaçõesedeestímulos– tanto sonorosquanto visuais e formais emgeral –eque taisestímulos, tanto os “desinteressados”, atribuídos à arte, como os utilitários, devidos a agentes nãoconsiderados habitualmente como artísticos, possuem uma eficácia sobre a germinação daquelasconstantesformativasquesempredominaramaatividadehumana,easquaisservemdepontodepartidaàsdiversasmanifestaçõesestéticas.(Dorfles,1989,p.20)

Comrelaçãoaodesign,Dorfles(1989)apontaqueéumcamporepletodeelementosformais,dos quais nos servimos e utilizamos e que impressionam o nosso olhar e os nossos sentidosperceptivos, substituindo, algumas vezes, os produtos artesanais de outrora, e emoutras vezesatuandodeformacompletamenteinédita,poisestãoligadosamecanizaçãodavidamoderna.Osobjetos que constituemo campododesignpossuemeapresentamum interesse e uma eficáciasemelhante aos objetos que erampertencentes, anteriormente, às artes decorativas e utilitárias.Ouseja,osobjetosdedesignnosenvolvememtermosdaestética,emsuasrelações,experiênciae vivência. Da mesma forma que as ânforas minóicas ou incas ou os tapetes persas ou asporcelanaschinesaseramobjetosconsideradostãobeloseúnicoscomoaspinturasouesculturas.

Nãoépossíveldeixardeconsiderarcomodeterminarainfluênciadoprodutoindustrialsobreopanoramainteirodaartevisualcontemporânea,querestaprocureimitar,“macaquear”,oobjetoindustrial,quersesirvadele(comoaconteceunaartepop)paraincluí-lonassuasconstruções,ouparaseservirdelecomodeum“símbolo”danossaépoca:todasasobrasmaisinteressantesdapinturanosúltimosvinteanos–deRauschenbergaLichtenstein,deLeParcaFontana,deWarholaArman–nãoseriamconcebíveissemapresençadeuminfluxodiretoouindiretodoobjetoproduzidoindustrialmente.(Dorfles,1989,p.128)

O design se torna elemento estratégico nas sociedades e nas atividades humanascontemporâneasquedependemdosmaisdiferentesobjetosesistemas,fatoquetornaaspessoaseassociedadesdependentesdodesigndevidoàimportância,necessidadeepapelqueosobjetosesistemastomaramnonossocotidiano.

No contemporâneo, os objetos constituem a estética do cotidiano e sejam artefatos,ferramentas,produtosouequipamentosajudamaconstruirasociedade,temopoderdeestimular

eminimizardesejoseatuamcomocompensaçãoentreodesejo,anecessidadeeasatisfação.Devemos lembrar que os objetos ajudam a preencher os vazios e os valores da vida

contemporânea. O objeto ideal e particularizado satisfaz anseios e os aspectos simbólicos eafetivosdousuário.Osobjetospassamasertransformadosembensquesãoreveladoressociais.AutorescomoRead(1978),Moles(1981)eCoelho(2006),entreoutros,apontamqueoobjetoéconstrutordoambientecotidianoedoambientedecomunicação,queécarregadodevaloresesignos estabelecendo relações afetivas, culturais, sociais e de conhecimento. E, também,despertam pensamentos, ações, lembranças, sentimentos. Expandem relações, geram novospensamentos, suscitam perguntas e estimulam novos e outros olhares, outras interpretações domundoànossavolta,marcamo tempoea tecnologia,apontam identidadese individualidades,realidadequeéconstruídapelosobjetosquepovoamomundo,tantonaesferacoletivaquantonaindividual.Emtodasasculturasexistemobjetoscomseusmaisvariadosdestinos,funcionalidades,significados e valores. Os objetos povoam a vida do homem ao longo de sua existência,constituindoodesign.

6.ArteeDesignemrelaçõescontemporâneas

Ron Arad é um designer/artista que atua na esfera, na margem, no conflito, no tabu dacondição e identificação entre arte e design. Segundo Branzi (2012), um dos questionamentosexistentes na esfera arte/design ocorre quando o design se transforma em arte e não é maisconsideradodesignequandoaartesetornaobjetoutilitárioelaperdesuaauraejánãoémaisarte.Oque,segundoesteautor,éumtabucomorigemnaideiadaartecomoexpressãosublime,desligada da vida cotidiana, pertencente a uma espécie de religião, algo que contem certasacralidade.Enquantoodesignpertenceàesferadoreal,comfunçõespráticas,quepertenceàvida cotidiana, inclusive com a eleição e descarte dos objetos que constituem este dia a dia,conformeas necessidades e funções desejadas ou almejadas pelos seres humanos. E, ainda, oobjeto de design não está envolvido na esfera da sacralidade, está presente nas ações eatividades comuns e corriqueiras do cotidiano. Mas, de forma atuante e incisiva, nocontemporâneo, o design tem a necessidade de explorar os limites entre fronteiras, explorar eexperimentarnovasformasdeexpressãoeaarte,questionandooslimiteseaabrangênciadeseuprópriocampo,temaurgênciadecruzaroslimitestradicionaisdaartepura,daobrafechadaesacralizadarestritaadeterminadoscírculosculturais.

Nos trabalhosdeRonAradaarte se identifica comobjetosutilitáriose, estes,por suavez,comaestéticapura,explorandoos limitesqueatéomodernoecomo funcionalismopareciamintransponíveis.Pelocontrário,esteartista/designerassociaosdois territóriose reforçaavisãodefusãodasfronteirasdestescampos,promovendoaassociaçãoentreambos,fazendocomqueumsealimentedooutrode formaprodutivae rica. “Criandoumanovazona francadacultura

material [...]nãose tratamaisde trocasde linguagem,masdenovosestatutosdoprojetoedacriação”,afirmaBranzi(2012,p.4).

Os trabalhos, produções e objetos de Ron Arad (judeu anarquista inglês, conforme ele seautodenomina)sãohíbridosdearteedesignondeaatividadedeprojetonãonascedaresoluçãodeumproblema,nemdeumaencomendaoudanecessidadedeproduçãoem série, nascedaexperimentaçãoininterruptaeindependente.

NaretrospectivadeRonAradrealizadaem2008noCentroGeorgesPompidou(Beaubourg,Paris),esteartista/designerafirmaque:

Fizcomomuitaspessoasdaqueles tempos,quepassavamdodesignàarte,maspensoquepercorriotrajetoinverso,iniciandonasobrasdearteparaterminarnocampododesign.Realizeidiversostrabalhosqueconsidereidistantesdomercadodemóveisedodesign,masomundododesigncomeçoua falarcomigo.(Arad,2012,p.6)

Imagem10.“OhVoid,2004,RonArad”

Fonte:AdaptadodeColeçãoFolhaGrandesDesigners,RonArad/ChristianGalli(trad.AnnaQuirino),SP:2012.

Naúltimadécada, o trabalho deAradampliou horizontes em umaatuaçãomais ampla doprojeto, associando o design, a arquitetura e a instalação. O objeto ‘OH Void’ é um dosexemplosdestalinhadeseutrabalho.Podeserproduzidoemdiversosmateriais:fibradecarbonode aço ou resina ou silicone ou Corian (combinação de polímero acrílico puro com mineraisnaturais).Éumobjetoescultórico,umdispositivoespacialqueexisteeseconfiguraemrelaçãoaoespaço onde se encontra e com o qual dialoga. Podem ser cadeiras, mas que ultrapassam asimples função.VinteecincodestesobjetoscompuseramaÓpera“OhVoid,BloVoid”naTheGaleryMourmansdeMaastrichnaHolanda.

Os objetos deArad representam o contemporâneo em sua complexidade.Objetos que sãoesculturas, mas podem ser cadeiras, aludem à experiência estética, mas podem ser também

utilitários. Relacionam-se comoespaçoe como ser humano, comoambiente eosobjetos emuma relação instável e imprecisa, dependem da ação do espectador, fruidor em seu papel desujeitoeusuárioquesepermiteàinteração,aoquestionamentoeaexperimentação.Estaspeçasretratam e expressam o espírito do contemporâneo, onde as fronteiras são fluídas, líquidas(Bauman, 1999), inconstantes. Envolvem o desenvolvimento de projeto, a relação com atecnologia,comosmateriais,comossistemasconstrutivos,mastambémcomaexperimentação,com a sensibilidade, a intuição, a experiência e a vivência estética. Estética que vai além dosmerosaspectos formaisesimemseusentidoamplo, filosófico,comoaciênciadossentidos,dasensação,dosentimento,daemoção,dadoutrinadoconhecimentoedaexperiênciasensível,dosentimentodobelo.

Ocontemporâneoprovoca,estimulaetestemunhaasmudançasdohomemcomoseutempoeo domínio da sua interferência na paisagem, na natureza, na construção e remodelação doartificial gerando expressões e linguagens que vão se construindo, destruindo, reconstruindo,desconstruindonumcicloinfinito.

O design contemporâneo se constrói por meio de expressões, projetos e produtos quecompreendemumadinâmicadiferenciadaeampla,fatoquecomprova,cadavezmais,arelaçãodo design com outras ciências para a leitura mais precisa e completa desse campo que, emvirtude da sua complexidade, exige o diálogo e a inter-relação com outros campos deconhecimento e comoutras linguagens.Odesign contemporâneo émarcado e constituído pelorompimentodefronteiraseintegraçãoentreasdiversasáreasdialógicasaessecampo,taiscomoaarte,aarquitetura,amoda,a sustentabilidade,oartesanato,maisdiretamente e,outrasqueparecemdistantes,mastambématuamemconjunto,comomedicina,físicaebiotecnologia.

Refletir sobre o design implica especialmente pensar sobre a contemporaneidade e nosreflexosemovimentosqueocorremnosmodosdecriação,produçãoenavidadohomemquesãoexplicitadosnodesigncontemporâneo,umaabordagemquenãoé fechadaenemestática,uma vez que, viver aomesmo tempo em que essas expressões e produções são construídas ereveladas exige a incorporação da flexibilidade, tanto no estudo e na pesquisa, quanto naobservaçãoeanálisepautadaseabertasàsnovasdinâmicaserevelações.

SegundoMello(2008),

Assiméodesign contemporâneo, ummundodeambiguidadesporqueasmensagens transmitidasdocontexto nos quais vivemos, pontilhados por objetos, acessórios inteligentes, são muito envolventes eprovocamasnossasambiçõeseosnossosdesejos.Cedooutarde,todosnóssomosatraídospelasformasdeumacadeira,pelosimbolismodeumacafeteiraantiga,pelaaparênciadeumrelógiodepulso...esseuniversoinanimadocomoqualdialogamos,feitodematéria,utilidadeebeleza,escondeummundodeideiasedepensamentosacumuladosnotempo,misturadosaosnossoshumores,emoções,conquistaserecordações.(Mello,2008,p.56)

OartistasurrealistaSalvadorDalí,em1937,apresentaoSofáMaeWest,objetoutilitárioquetomacomopartidoabocasensualdaatrizMaeWest,ondeDalírelacionaquestõesdaarte,do

movimentosurrealista,mas tambémoselementose linguagemdaesferadodesign.Tantoéque

seu sofá serviu como referência e releitura para o Studio 652 que, em 1972, projeta para aempresa italianaGuffram o sofáMarilyn. Em atitude semelhante à de Dalí, partem dos lábiossensuaisdeMarilynMonroeparaprojetarestemóvelqueatéhojeécomercializado,bemcomoépeça de coleção e acervos de museus na área do design. Outro artista que vai retomar esteobjetoem2005éofrancêsBertrandLavierqueinspira-seemobjetosdearte,nahistóriadaarte,no design, nos produtos comerciais e de produção em massa para desenvolver outros novosobjetos, porém mantém a referência aos seus antecessores e atua com a transposição delinguagensecomahibridização, talcomofezcomo“SofáLaBocca”.Estapeçafoiproduzidaem colaboração com a Fábrica Nacional de Sèvres que desenvolveu o sofá em porcelana,visando relacionar a tradição da porcelana de Sèvres à inovação de Salvador Dalí via obracriadaporLavier.Osexemplosacimacitadosdemonstramaretroalimentaçãodereferências,decriaçõesedeprodutosemumdiálogointensoetrânsitofértilqueseestabeleceentrearteedesignnosdiferentestempos,espaçosepropostas.

Imagens11a14.SequênciadasImagens:FaceofMaeWest,Pintura,SalvadorDalí,1935|SofáMaeWest,SalvadorDalí,1937|SofáMarilyn,Studio65,1972|SofáLaBocca,Bertrand

Lavier,2005

Fonte:AdaptadodeStephenBayleyeTerenceCoran,EUA,2007.

YvesSaint Laurentem1965apresentouovestidocriadoporeleebatizadode“Mondrian”,uma referência explícita ao mais importante artista do Neoplasticismo, Piet Mondrian(1872/1944). Laurent utilizou a construção formal do Neoplasticismo, formas geométricas

(retângulos e quadrados), ângulos de 90º graus, cores primárias (vermelho, amarelo e azul)delimitadasporlinhashorizontaiseverticaisnascoresbrancoepretoemumvestidonoformato“tubinho”produzidoemtecidojérsey,exemplificando,destamaneira,umaaçãodediálogoentreaarte,odesigneamoda.

Imagens15a17.SequênciadasImagens:ComposiçãoRedBlueYellow,Pintura,PietMondrian,1930|IlustraçõesdeModa,YvesSaintLaurent,RevistaVogue,1965|VestidoMondrian,Capa

RevistaVogue,1965

Fonte:AdaptadodeColeçãoArmandP.Bartosede:<http://www.vogue.com/voguepedia/Yves_Saint_Laurent>.

IsamuNoguchi(1904/1988)foiartista,escultor,designer,artesão,arquitetoepaisagistaqueproduziuesculturas,obraspúblicas,cenografia,luminárias,objetos,mobiliário,queatéhojesãocomercializados,taiscomoaspeçasquepodemosveracima:lumináriasdepapel,sofá,mesadecentro,xícaradechá.Em1947,NoguchipassouacolaborarcomaempresaHermanMillerquecontava também com os designers George Nelson, Paul László e Charles Eames. Podemosobservaremsuascriaçõesoquantoa integraçãoarteedesignse fazpresente,amplificandoefortalecendoacriaçãodeseusprodutosdedesign.Oexemplomaisevidenteéodaslumináriasqueseestruturamapartirecomoesculturasqueexplorama luminosidade,a transparênciaealevezadevidoàestrutura formal eaosmateriais empregados.ComodizEnzoMari (2012),asrazões para umprojeto não devem corresponder apenas às exigências banais requeridas pelomercado, ou seja, deve ir para outras esferas e universos e o campo da arte, da estética sãoáreaspromissoraseenriquecedorasparaodesign.

Imagens18a22.SequênciadasImagens:Esculturaselumináriasdepapel,Noguchi,1950|Sofá,modeloIN70,Noguchi,1946|MesadecentroCoffeeTable,Noguchi,1944|Xícarade

cháemporcelana,Noguchi,1952

Fonte:Adaptadode:<http://www.noguchi.org/noguchi>.

7.DiálogosentreDesigneArtenoBrasil

Os diálogos design e arte no Brasil não se iniciaram recentemente, ocorrem desde amuitotempo, mas não eram valorizados, destacados e divulgados amplamente. Vamos citar algunsexemploscomointuitodequeelesnosajudemarefletir,discutirecompreenderarelaçãodesignearte/arteedesignnarealidadebrasileira,ondetemosumasériedeexemplosqueatuaramnarelaçãoarteedesign.

Imagens23e24.SequênciadasImagens:Estampas,WillysdeCastro,1965|Estampa,WillysdeCastro,CalendárioRhodia,1968

Fonte:Adaptadode:<http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2002/>.

Willys de Castro (1926/1988) foi pintor, gravador, desenhista, cenógrafo, figurinista,designer. É considerado um dos pioneiros do design gráfico brasileiro e sempre se relacionoucomaarteeouniverso industrial.Atuoucomodesenhista técnico,artistagráfico,programadorvisual, foi figurinistade teatroedesenvolveuestampasparaaáreademoda.Em1954,fundoucomHércules Barsotti o ‘Estúdiode ProjetosGráficos’ ondeatuoudurantedezanos. Em1958viajaàEuropaondeconheceeestreitacontatoscomartistasedesigners.FoiumdosfundadoresdaAssociação Brasileira deDesenho Industrial (ABDI) e daGaleria deArteNovas Tendênciasque reuniu, a partir de 1963, os artistas concretos paulistas. Teve intensa atuação em váriasvertentesdocampododesignedaarte.

Imagens25a27.GiganteDobrada,AmilcardeCastro,2001,InstitutoInhotim,Fotodaautora,2012|JornaldoBrasil,AmilcardeCastro,1950|ExposiçãoDesenhoDesign,IAC,2012

Fonte:Adaptado:<http://iacbrasil.org.br/.

Outroprofissionalquerelacionouestescamposdeaçãointegrandoasrelaçõesdesigneartefoi Amílcar de Castro (1920/2002) que era escultor, gravador, desenhista, diagramador,cenógrafo,professor,artistaplásticoedesignergráfico.Nadécadade50,atuanasrevistasACigarra eManchete como diagramador, nomesmo ano em que realiza sua primeira esculturaconstrutiva sob a influência do trabalho de Max Bill. Na mesma década foi responsável pelareformagráficadoJornaldoBrasilerevolucionouadiagramaçãoeodesigndejornaisnoBrasil.Nos anos 1960, faz a diagramação para os jornais Diário Carioca, Última Hora, Estado deMinaseDiáriodeMinas.Arelaçãoentresuasobrasescultóricaseodesigngráficonosegmentoeditorialnoslevaapercebercomoavivênciaartística,escultórica,espacialegeométricavainutrire intensificar a experiência na construção e diagramação dos espaços gráficos. Transita dotridimensionalparaobidimensional,doespacialedosólidoparaoplano,daarteparaodesignemdiálogosférteis.

Atualmente,vemosváriosdesignersquevêmatuandodeformamais livreeautônoma,tendoseustrabalhosreconhecidosevalorizados.Algunssãoprofissionaisdegrandeexperiênciaecommuitotempodeatuaçãonestemercado,geralmente,comtrabalhosmaisrequisitadoseadquiridosmaisnoexteriordoqueemseuprópriopaís. Fatoqueocorreucomos IrmãosCampana.Seusprojetos não foram aceitos para a produção no país, mas tiveram boa aceitação e foramvalorizados na Itália, berço do design de mobiliário. O aceite do trabalho desta dupla,especialmente pelos círculos culturais e produtivos internacionais, com seus produtos sendoproduzidos mesmo quando associavam procedimentos artesanais e artísticos fez com que agrande maioria das pessoas e dos profissionais do campo do design passasse a olhar e aperceberdeformapositivaaspossibilidadesdeintegraçãoemlugardaseparaçãoexistenteentrearteedesign.

Imagens28a31.Mobiliário,HugoFrança,2011,InstitutoInhotim,MinasGerais,Fotodaautora,2012

Fonte:Elaboradopeloautor,combasenapesquisarealizada.

OutroexemploéHugoFrança(1954),umartista/designerquereaproveitaresíduosflorestaise urbanos. Árvores, madeiras e troncos que são descartados pela ação da natureza oucondenados pelas intempéries ou ação inadequada das pessoas. As madeiras e troncosqueimados e descartados pela natureza são utilizados por França para produzir mobiliário

urbano, tais como bancos de praça e jardins. Desde o final dos anos 1980, ele desenvolve“esculturasmobiliárias”,comoeledenomina.Aspeçascriadasporestedesigner surgemdeumdiálogo criativo comamatéria-prima: formas, buracos, rachaduras,marcasdequeimadaedaação do tempo conduzem a um desenho cuidadoso, escolhido e projetado para ter mínimasintervençõesnaspeçasque,porsuavez,setornamúnicaseestabelecemrelaçõesentredesignearte,entreodesenho,oprojeto,alinguagemeaproduçãocontemporânea.

Imagens32a35.ColaresEspelho;PedraePluma;EspelhosdeMesaouParede;VasoFilhote,Manus,2010/2012,SP

Fonte:Adaptadodosite:<http://www.estudiomanus.com/#!objetos/c2269>.

Narelaçãocomobjetosdemobiliárioou,ainda,paraosmaisvariadosusos,aduplaManus–DanielaScorzaeCaiodeMedeirosFilho–,desde1999, sãoparceirosnodesenvolvimentodeobjetos,móveis,interioresecenografiarelacionandoemsuascriaçõeseprojetosaarte,odesign,a poesia e o artesanato. Editam seus produtos em pequenas séries ou como peças únicas,conceituais, lúdicas e poéticas exercitando a criatividade, a inovação e tornando a estéticapresente e item essencial em seus produtos e ações. Seus espelhos de mesa, de parede ouindividuaissão trabalhadosnoversocompáginasde livrosantigosquesãoexclusivosemcadapeça,tornandoapeçaúnicaecarregadadememóriaseestórias.Napartefrontal,oespelhoédecristalbisotadoàmãocomaplicaçãode coroaartesanal emalpaca.EstapeçapertenceaoacervodoClubedoDesigndoMuseudeArteModernadeSãoPaulo.Noprocessodecriaçãoeprodução, esta dupla de artistas/designers explora a recontextualização das peças, oreaproveitamentoereleiturade formas jáexistentes,valorizandoosprocedimentosartísticos,astécnicasartesanaisetradicionais.

Nodesigncontemporâneo,osobjetos sãocarregadosdasquestõesde inter-relaçãoe fusãoentrearteedesign.Desdeoenvolvimentoeainteraçãodaspessoasnouniversodaexperiênciasensível até o lidar com a construção de discursos, provocar questionamentos, despertar paravivênciaseinterpretaçõespessoaisesubjetivas,estimulandoafruiçãoestética,constituindonovaspoéticas.Opensararespeitodohomem,dasociedadenaqualeleviveemsuassubjetividadesediversidadestambémpassaaserumadasaçõesdodesignernacontemporaneidade.

A“IMostraInternacionaldeDesign”,realizadaem2006nacapitaldeSãoPaulo,contoucomaexposiçãodenominada“SafetyNest–ONinhoSeguro”enosrevelaosaspectosanteriormenteabordados.Essamostra tevecuradoriageraldeNicolaGorettieconsultoriacuratorialdePaolaAntonelli.Apropostadaexposiçãose relacionavaàdiscussãosobre segurançaeviolêncianascidadescomometáforasdominantesnoséculoXXI.E,também,aopapeldodesignnareflexãoesensibilizaçãodossujeitosnabuscapelasegurançaeproteçãoapartirdeolharesdiferenciadosediversas culturas. A exposição reuniu designers de diversos países refletindo e expressando apartir destas proposições onde o risco assume multiplicidades de visões que se mesclam àscontradiçõesdarealidadeapartirdossistemasdevigilânciaedaviolênciapresentesnascidades.Os designers convidados projetaram e constituíram cenários, tentando definir limites equestionamentosemespaçoseinstalaçõespoéticas.

Imagem36.JacquelineTerpins:MilFolhas,fotodeFábioScrugli

Fonte:AdaptadodoCatálogoIMostraInternacionaldeDesign–ONinhoSeguro.SESCSP,2006.

A designer brasileira Jacqueline Terpins desenvolveu a instalação denominada “Mil Folhas”explorandoo vidro –material basede seu trabalho comobjetos emobiliário.A sua criação ereflexãofoiarespeitodadualidadevitral,que,aomesmotempo,éfrágilerígido.Ainstalaçãoapresentouumaalusãoaoabrigo,compercursosemtrilhasdeareiacujodestinoéum“centro”,onde,então,oobservadorvêsuaimagemrefletidacomometáforadaúnicasegurançapossível,oseupróprioeu.

Imagem37.MatthiasMegyeri:GlassFigures/RazorWire/Railings/Curtain,fotodeFábioScrugli

Fonte:AdaptadodoCatálogoIMostraInternacionaldeDesign–ONinhoSeguro.SESCSP,2006.

Apartirdovidroedometal,MatthiasMegyeri,designeralemão,discutea insegurançaeacrueldadeatribuindonovoconceitoaoqueéconsideradonormalnanossasociedade:asgradesde segurança e os recursos utilizados para a proteção. Dessa forma, explora sensações epercepções humanas relacionando o que é aparentemente ingênuo, como inocentes figuras decoelhosepinguins,sequênciasdepequenasborboletasquelembramfloreseoperfildeimagensde cidadeque lembramo clima natalino: pinheiros, casas com chaminé, igrejas, fábrica, e umpássaro que parece ter pousado em ummuro para observar o silêncio e a singela paisagem.Porémsãoobjetoscortantes,queagridemeferemapessoaquetivercontatocomestesrecursosdeproteção.Discuteanossafragilidadeeaomesmotempoanossacrueldadecomooutro,nabusca pela segurança. Megyeri diz que “[...] designers devem oferecer soluções para asnecessidadeseproblemasreaiscontemporâneos[...]usoosprodutoscomoveículoparaexplorarquestões sociais relevantes com abordagens críticas” (In: Catálogo I Mostra Internacional deDesign,p.7).

Imagem38.SimoneMattar:GelúminaPoesiaLuminofágica,fotodeFábioScrugli

Fonte:AdaptadodoCatálogoIMostraInternacionaldeDesign–ONinhoSeguro.SESCSP,2006.

Simone Mattar, designer brasileira, explorou o efêmero, as sensações, o despertar dossentidosapartirdas conexõesentrepessoaseobjetos.Sua lumináriadegelatina,denominada‘Gelúmina’, é um objeto para ser visto, sentido e tocado, degustado, experimentado. Essadesignerdizqueosobjetosquecriasão“formasdepensamentoquepodemser interpretados”(In:CatálogoIMostraInternacionaldeDesign,p.6).Suainstalaçãocontinhatrêsartefatosdeluzcomalimentos,propondooconceitodesegurançaapartirdoprovimentonolarereuniu“numasóideiaagastronomia,odesigngráfico,aarteeapoesia,comapropostadeabrangertodosossentidos”(In:CatálogoIMostraInternacionaldeDesign,p.6).

Objetos de design se aproximam da arte ao trazerem discussões contemporâneas sobrequestões sociais e políticas e ao refletir e questionar a vida do homemnestemomento e nestasociedade. A exposição “O Ninho Seguro” destacou o desenvolvimento conceitual e deprodução,apluralidadeeadiversidadeculturaleartísticanocampododesign,apontandonovosmercados.

Imagens39a41.SimoneMattar:ComoPensoComo,fotosdeLunaGarcia

Fonte:AdaptadodoCatálogoExposiçãoComoPensoComo–SESCPompéia/SP,2013.

A mesma designer, Simone Mattar, em 2013, concebeu e levou a público a exposiçãointitulada “Como Penso Como” na qual discute a relação entre o homem e a comida, nestestemposdesupervalorizaçãodagastronomiaedosgourmets.Foramconcebidoseprojetadosporela os espaços, os objetos e os pratos criados especialmente para esta exposição onde apercepção humana e os sentidos visual, olfativo, sonoro e de paladar foram explorados. Asreferências partiam de músicas, textos e poesias declamadas por atores que representavampersonagens.Osespaçosexpositivosdividiam-seem“LightlockSensorial”,“Boloderoloe IlhasdeConteúdo”,“ExperiênciadeDegustação”e“Cozinha”.Amaioriadosobjetoseracomestívelemesclavam-seàsiguariascriadas.Entreoutrosinstigantesobjetoseitensdocardápio,haviaumalumináriafeitadefiligranademandioca;paçocaAmordemoussedeamendoimenvoltaemfolhadebanana;mousse dequeijo comgoiabada, envolta empapel de goiaba; pipocade tapioca;prato-travesseiro de porcelana com sonho salgado com coroa de telha de alho; ossos de boiesculpidos por artesãs com cubos de abóbora; cabeça do Bispo Sardinha com referência aantropofagia. Durante o período da exposição, duas vezes ao dia, um grupo de 30 pessoasdegustava os pratos criados. Este trabalho demonstra a hibridização do design e da arte,estabelece relação com o artesanato, insere a área do “food design”, concebe e projeta oespaço, os objetos, a comida, as intervenções sonoras, textuais e espaciais, utiliza referênciasculturais,envolvendooobservador/sujeito/usuárioapartirdossentidos,doprazer,dafruiçãoepelareflexãoeexperiênciaestética.

Consideraçõesfinais

Os exemplos apresentados neste texto nos apontam como na relação arte e design outrosdiscursosestéticossãoconstruídoseincorporadosnocotidiano,nãoapenasnoâmbitomaterial,mas também no âmbito dos sentidos. Isto nos leva a crer que devemos observar e olharatentamenteparaessasmanifestaçõesdesentidosparainterpretarareinvençãodessesobjetose,desprovidosdepreconceitoseconscientesdaaçãotransdisciplinar,perceberasaproximações,osdiálogoseasfusõesdodesignedaarteapartirdasconstruçõesdaspoéticasestabelecidascomoreflexosdinâmicosdacontemporaneidade.

No contemporâneo, a relação da estética com o design vai além da mera função dosprodutos. Envolve uma gamade significados, propostas, definição de conteúdos e de aspectossimbólicos.Osentidodaestéticaamplifica-se,umavez,queasquestõesdabelezaedaestéticado cotidiano são fatores presentes e recorrentes que, disseminados pela mídia, atingem asgrandesmassaspopulacionais.

A estética se faz presente no design, além da mera função visual a atrativa, interfere naexperiência, na vivência que induz ao prazer, a satisfação, as emoções propiciadas pelainteraçãoobjetoesujeitousuáriodeterminandooenvolvimentonaaçãodaexperiênciaestética.

Peranteestarealidade,odesignincorporaaspectosquerelacionamaarte,amoda,oestilodevida. Hoje, convivemos com peças únicas no campo do design, estimulados por salões, feiras,exposições e mostras. Convivemos também com colecionadores e clube de colecionadores dedesigncompeçasnumeradaseassinadas,produzidasemsériesrestritasecomercializadascomopeças de arte. Objetos de design passam a atender e a assumir o papel de objetos de arte,tomamolugareopapeldeesculturaspresentesnosambientesdacasa,doescritório,algunsatébanhados a ouro perdendo sua relação funcional. A questão que se coloca aqui não é a dedeterminar se estas relações temmaior oumenor valor, se são certas ou erradas, alémdestasdicotomias,estasquestõesestãosendoconstruídasevivenciadasnocotidiano,cabeobservarmoseestabelecermosanálisesdestessignificadosnasociedadeenaculturadestesnossostemposnaleitura doque é construído comoo homeme a vida contemporânea.Afinal, o design reflete eproduzacultura,cadavezmaisintensamenteedeformamaisdeterminante.

O contemporâneo traz a combinação de dados e fatos e de rupturas que interferem nadinâmicadeconcepção,criação,projetaçãoeproduçãodosobjetosesistemasquenosrodeiam.Questões que modificam também as visões e posturas impulsionadas pelo papel da vida nocotidiano e na relação global que amplifica as relações estéticas, perceptivas e culturais emvivências e experiências que passam a exigir novas propostas e significados mediante asdiversidadesecomplexidadescomasquaislidamos.

O design reflete estes aspectos, desenvolve características específicas, vai gerando novasrelaçõese traduçõesqueconstroem identidadespormeiodasexpressõespresentesnosobjetosde design. Nesta realidade onde a cultura, a diferenciação, a personalização, as memórias e

lembranças passam a ser almejadas, as ações, concepções e criações no campo do designpassama incorporaraartedemaneiramais livreedeterminada,umavezque,épormeiodaestética e da experiência do sensível que os produtos podem se diferenciar e inovar. Fato quepassa a ocorrer por meio de investigações e da experimentação que se une ao sensível e aosingularpropiciadopelosdesignersemsuas criaçõesequeatingemdemaneiradiferenciadaosujeito usuário, que por sua vez, quer se ver livre dos padrões, das regras, da massificaçãoincorporandoodesignemsuavidapormeiodesuasescolhasedaimportânciaqueaestética,oconforto e a diferenciação assumiram na cultura contemporânea. O design é um reflexo dacultura,mastambémconstituiacultura.

Por meio dos exemplos estudados, tanto de designers internacionais quanto dos designersnacionais, pudemos observar que os designers do contemporâneo se movimentam em umadinâmica que transforma e expressam por meio dos objetos projetados traços do tempo e dahistória na qual vivemos. Estes profissionais são tradutores de sentidos, mas especialmentetradutores da fluidez do tempo. Esse tempo que explora de maneira mais livre a criação e aexpressãovalorizandoacapacidadehumanaeodialogoeinter-relaçãoentrearteedesign.

Referências

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Notas1.DoutoraemComunicaçãoeSemiótica (PUC-SP) comestudosdepós-doutoramentoemDesign (PUC-Rio),atuanaUNESPnoDepartamento de Design com as disciplinas de Projeto e de Oficina Gráfica na graduação e na pós-graduação é professoracredenciadaresponsávelpeladisciplinaepeloLaboratóriodePesquisaemDesignContemporâneonoPPgDesignecomoprofessoracolaboradoraatuanoPPGemArtescomadisciplinaRelacoesArteeDesignnaContemporaneidade.2.Studio65éumescritóriodedesignqueatuacomdesign,arquiteturaeengenharia,suasedeénaItália,emTurim,emuitasdaspeçaseprodutosdesenvolvidosporesteestúdioseencontramemacervosdedesigndeváriosmuseus,taiscomonoMuseudeArteModernadeNovaIorqueeoVitraDesignMuseum,entreoutros.

Capítulo10:SavageBeauty–asrelaçõesentreaarteeodesignnaproduçãodeAlexanderMcQueen

CarlosGodoySilvaJunior1DesiréePaschoaldeMelo

2

Introdução

Estecapítuloseapresentacomoresultadoparcialdeestudos,reflexõesediscussõessobreasaproximações e distanciamentos entre as áreas de arte e de design na contemporaneidade,desenvolvidospormeioderevisãobibliográficasobreotemaeestudosdecasos,realizadospelogrupo de estudo “Diálogos entre a Arte e o Design” (formado por orientandos de IniciaçãoCientíficaedeTrabalhodeConclusãodeCurso–LicenciaturaemArtenaUniversidadeEstadualdoCentro-Oeste do Paraná (UNICENTRO)) e pelo grupodeacadêmicosdoprogramade Pós-Graduação em Artes, por meio da disciplina de “Relações entre Arte e Design naContemporaneidade: diálogos, hibridismos e conflitos”, ministrada pela profa. Dra. MonicaMouranaUniversidadeEstadualPaulistaJuliodeMesquitaFilho(UNESP).

Oobjetivodosestudosfoideestabelecerareflexãoanalíticaecríticaapartirdosprincípiosteóricos das relações entre os campos da arte e do design; relacionar a teoria e a práxis nasrelações entre arte e design na produção cultural e na geração de conhecimentos nocontemporâneo;observarediscutiroobjetodearteededesign,suasdicotomias,aproximaçõese ações junto aos campos do projeto, do produto, do gráfico, da moda e da produção deimagens por meio da multisensorialidade, da multifuncionalidade e da interdisciplinaridade;desenvolveropensamentocríticoereflexivo,bemcomoaaçãodepesquisaapartirdasanálisese da observação teórica e conceitual e promover a disseminação da produção científica a

respeitodastemáticasabordadasnadisciplina3.Aprincipalmotivaçãoquelevaanecessidadedepesquisasobreosdiálogosentreasáreasde

arteededesignpartedaobservaçãodequeocampodacomunicaçãovisual,queseestabelecenacontemporaneidade,ofereceapossibilidadeexpansivaàssuaspráticasediscursos.Dopontode vista das relações entre essas áreas, há diversas correntes e posicionamentos,muitas vezesdivergentesentresiouconcomitantesasituaçõespolítico-sociaisespecíficas.Destaforma,oquehoje é chamado de arte e de design se desenvolve sob múltiplas diretrizes teóricas, sendonecessáriaumaretomadadeseusconceitos,nabuscadeleiturasmaisadequadasdasproduçõessimbólicas presentes na contemporaneidade, principalmente aquelas que dizem respeito àsrelaçõesentreessasáreas.

De modo geral, os limites, fundamentos e propósitos das áreas de arte e de design sãomultifacetados, apresentadospelos pesquisadores comoáreas formadaspor umamultiplicidade

de definições, dada conforme as singularidades dos diferentes olhares direcionados a cadaproposta.

Paraestapesquisa,comobaseparafomentaradiscussãosobreotema,adotamosadefiniçãodeartecomo:

Aartesópodeserconhecimentoespecíficodeumarealidadeespecífica:ohomemcomoumtodoúnico,vivoeconcreto–transformandoarealidadeexterior,partindodelaparafazersurgirumanovarealidade,ou obra de arte.O conhecer artístico é fruto de um fazer, o artista não converte a arte emmeio deconhecimentocopiandoumarealidade,mascriandooutranova.Aartesóéconhecimentonamedidaemque é criação. Tão somente assimpode servir à verdade e descobrir aspectos essenciais da realidadehumana.(Peixoto,2003,p.37)

Jáodesign,tomamospordefiniçãoacríticadeCouto:

Odesigndeveserentendidonãoapenascomoumaatividadededarformaaosobjetos,mascomoumtecidoqueenredaodesigner,ousuário,odesejo,aforma,omododesereestarnomundodecadaumdenós.(Couto,1999,p.09)

Percebemosqueasduasdefiniçõespossuemobjetivosemcomum, trataroobjetocomoumacriaçãosimbólicaquerefleteseucontexto.Destaforma,tomaremoscomobaseparaadiscussãodesta pesquisa a afirmação de que as duas áreas possuem suas particularidades, no entanto,ambaspossuemomesmoobjetivogeral,odesenvolvimentodediferentesprocessosdecriaçõesdeobjetossimbólicos,segundoasparticularidadesdecadaprojeto.

A partir do entendimento dos conceitos supracitados, este artigo apresenta reflexões deautores que traçam caminhos para análise das relações entre a arte e o design, por meio daabordagemsobreasprincipaismudançasnascaracterísticasdodesignmodernonaformaçãododesign contemporâneo e sobre o surgimento de objetos híbridos que rediscutem o papel dodesigner, seuprocessode criação e resultados, bem comoopapel dos espectadores/usuários,suasnovasvivênciasdiantedasdiferentespropostas.

AproduçãodeAlexanderMcQueenfoiescolhidaparaanáliseporapresentarcaracterísticassingularesdeumobjeto simbólicohíbridoprópriodacontemporaneidade, sendoa idealização,execuçãoefinalizaçãodesuaspropostasresultadosdeinvestigaçõesqueexploramavalorização

dafunçãoestética4esimbólica5emdetrimentodafinalidadeprática6desuascriações,resultandoassim em indumentárias conceituais e simbólicas. A descrição e análise será feita a partir dareflexãodabibliografiautilizadarelacionadaàscaracterísticas identificadasnoestudodecaso,cabe ressaltarqueapesquisa semostra inicialparauma futura investigaçãomaisaprofundadasobreotema,fundamentalparaentendermosodesignproduzidononossotempo.

1.Odesigncontemporâneo

NoBrasil, hápouco tempo,a leituramodernista, incentivadapeloEstilo Internacionalepelo

DesignFuncionalista7, entendiaodesigncomoaexpressãoda industrializaçãoedoprogresso,

sendo seus fundamentos, limites, propósitos e métodos marcados pela objetividade, peloracionalismo,pelaordemepelofuncionalismo.Nestecontexto,odesignseapresentavalimitadoaoexercíciodeuma“arteaplicada”,cujaprincipalpreocupaçãodeseusprojetoserasolucionarumdeterminadoproblema,otimizando sua funçãoprática, sendoestimuladaa separaçãoentreestaáreaeadeoutras,comoaarquitetura,aarte,amoda,oartesanato,etc.,desvalorizandoaamplitudedeumaatividadepermeadapelosmaisvariadoscamposdoconhecimento.

No entanto, na contemporaneidade – com o desenvolvimento do sistema econômicocapitalista; a rápida expansão das tecnologias; o crescimento populacional; a propagação dacultura urbana; a proliferação de uma sociedade de consumo; a crescente globalização emundialização;asinvestigaçõesdasinterdisciplinaridadesetransdisciplinaridades;avalorizaçãodas pluralidades versus singularidades e o reconhecimento da estética no/do cotidiano – foidesencadeada uma completa reformulação dos preceitos e práticas do design: a progressivadiluição dos contornos que costumavam marcar os princípios do campo do conhecimento dodesignmoderno,principalmenteofavorecimentodediálogosdestaáreacomaáreadearte,noquedizrespeitoàrealizaçãodeseusobjetos,estabelecendodestaforma,aformaçãododesigncontemporâneo.

Sobreocontemporâneo,podemosafirmardeacordocomMouraque:

O contemporâneo é esse nosso tempo, é a soma das ações, atitudes e hábitos das pessoas em seuscontextosculturais,éaconvivênciaea interaçãocomaproduçãomateriale imaterialquenoscolocaconstantementeperanteaobscuridades,desafios,curiosidades,dúvidaseinterrogações.Paraentenderocontemporâneo,notempopresente,éimportantesaberlerahistóriapassadaeestabelecerumarelaçãoentreostempos,poisocontemporâneoserelacionacomopassadonosseusdiferentestemposhistóricosque apontam a construção e a visão do futuro. A contemporaneidade também é constituída demultiplicidadesediversidadesqueimplicamdiretamentenasmanifestaçõesdesentidos,nascriações,naprodução de conhecimentos, na produção de objetos, nas interpretações influenciadas e geradas peladiluiçãodefronteirasentreáreasdistintas.(Moura,2012)

Na contemporaneidade, é possível identificar a presença cada vez atuante e crescente deobjetos simbólicos que, tanto em suas práticas quanto em seus discursos, exploram aspossibilidades expandidas das relações entre os campos de design e de arte, na idealização,execução, finalização e apresentação de suas propostas. Trata-se de objetos híbridos quepermitem leituras e percepções entre essas áreas, a partir de diálogos, cujas produções ecaracterísticasestãoemfasededefinição,abrindoumespaçonovoparapesquisastantoteóricasquantopráticas.

Otermohíbridonosajudaacompreenderaproduçãopluraldasociedadeatual,nosmostraumcaminhoparainterpretarmanifestaçõesemculturas,nascomunicações,nasartesenodesign,“significalinguagensemeiosquesemisturam,compondoumtodomescladoeinterconectadodesistemasdesignosquesejuntamparaformarumasintaxeintegrada”(Santaella,2003,p.135).Trata-se de objetos construídos a partir de áreas que se permeiam, produções que buscam aliberdadedefronteiras,deinterpretaçõesedeconceitospreviamenteestipulados,ondeoobjeto

finalsetornacadavezmaiscomplexo,questionandooprocessodecriaçãoeopapeldocriadoredoespectador/usuário.

Uma nova sensibilidade é apresentada no design contemporâneo, há a constante busca deumapoéticaassociadaaoprojeto,naconstruçãodeobjetoshíbridos,designersconstroempeçasúnicas e muitas vezes artesanais que rejeitam os conceitos de legibilidade, objetividade,funcionalidade e ordem incentivadas no modernismo em favor do cultivo à intuição,experimentaçãoeimprovisação,surgeafiguradeumcriadorautoral,istoé,umcriadorqueatuacomo autor presente, não como figura omitida e impessoal, envolvido em todas as etapas deprodução de sua proposta, tornando difícil e confuso classificá-lo rigidamente, seja como umdesignerouartista.

Estesartistas-designers,apartirdarelaçãodediálogosentreasáreascriativasdearteededesign,exploramaspossibilidadescriativasqueestimulamosconstantesjogosinterpretativos,queincentivam a participação efetiva e afetiva dos leitores/usuários/espectadores/receptores nassingularidadesepluralidadesdevivênciasdoobjeto,nosremetendoaideiade“obra-aberta”deUmberto Eco, característica primordial da obra de arte: “A obra de arte é uma mensagemfundamentalmenteambígua,umapluralidadedesignificados,quecoexistemnumsósignificante”(Eco,1968).Gullar, referindo-seaoconceitodeEco, reforça-odizendoque todaobradeartetemporprincípio ser “aberta”umavezque suaexpressãonão se reduzaumconceito lógico,unívoco:elaéo resultadodeumaorganizaçãoespacialdeelementosexpressivos,de talmodoquequalquermudançanarelaçãodesseselementosmuda-lhetodoosentido(Gullar,1993).

O processo criativo do design contemporâneo não é mais centrado na otimização de suafunçãoprática,masagorapriorizaavalorizaçãoesobreposiçãodafunçãoestéticaesimbólica,nabuscadeprovocarosusuários,emocioná-los,diverti-lose,atémesmoenfurecê-los,nabuscade uma poética particular, colocando em evidência os “erros” e as “imperfeições”, inventandonovascomposições,própriasdacontemporaneidade.

O designer inglês Alexander Mcqueen (1969-2010) é um exemplo de um criador autoralpróprio de nossa época, considerado como um gênio do design de moda, suas produções,apresentadasemdesfilescênicos,sempredialogaramcomocampodaarte,desdeseuprocessocriativo, dotado de experimentações e subjetividades, a intencionalidade de produzir peçasúnicas, produzida artesanalmente e apresentadas em uma mistura entre design, tecnologia eperformances.Aseguirapresentaremosasprincipaiscaracterísticasdesuaproduçãoquesugerediálogosentreasáreasdearteededesign.

2.AlexanderMcQueen:entreaarteeodesignAlexander McQueen atuava em todas as etapas de criação de suas peças, desde o

planejamento da roupa a definição do desfile, cuja preocupação era a de na construir uma

“mensagem”naapresentaçãodecadacoleção,despertandonosespectadoresmúltiplasvivênciasperceptivas. Dessa forma, podemos entender as peças de McQueen sobre outra ótica, a dacriaçãodeumcomplexodesímbolosquecarregamumamensagem.

AlexanderMcQueen,obadboydamodalondrina,amadoeodiadopelosshowsdehorroresquepromoveem seus desfiles, leva os jornalistas dos gritos às lágrimas, mas fato é que, com essa quintessência“artaudiana”,éimpossívelquealguémsesintaindiferenteàssuascriações.Acusadodemisógino,bruto,totalmentesubversivo,otrabalhodeMcQueenéaviolênciapsicológicaurbanamodeladasobreocorpo.(Brandini,2007,p.29)

McQueenfoiumdesignerqueusouocorpocomosuportedeseuobjetoartístico,seafastandoda ideia de estilista para se aproximar do status de artista, isso se nota em algumas peçasicônicas e extremamente conceituais, ainda em seus desfiles expressa uma obra cênica, ondeaparecem elementos da performance, presença de uma narrativa, além da teatralidade dasmodelos(Castro,2011;Pires,2011).

A forte dramaturgia “em cena” dos desfiles deMcQueen exigia das modelos uma posturaautônoma,diferentedeboapartedomundodamoda,ondeasmodelosapenasapresentamapeça, se distanciando damesma, comMcQueen a presença damodelo se destaca, amodeloatua, performa enquanto desfila, há uma tensão na caminhada onde a história é contada,reforçandoocaráterteatraldesuasapresentações,odesignerfazdesuasroupasumprodutodafragmentaçãode ideaisqueacompanhaa sociedadecontemporânea,quequestionao conceitode beleza em busca de uma beleza ideológica do bizarro para revolucionar a ordem daelegânciatípicadaalta-costuraedagrandeindústriadasconfecções(Cordeiro,2010).

QuandoMcQueenapresentava umdesfile, a presençade umanarrativa era construídaporelementos visuais, sonoros e espaciais que serviam para fortalecer a proposta do designer,semprequerendodespertarnosespectadoresumpensamentocrítico.Oconjuntodedramaturgia,cenografia,luzesesonsaproximaMcQueendaartepormeiodaperformance.Sobreapresençasimbólica:

Cenas que emolduram uma experiência que é humana por excelência e, lá dentro, participando daestrutura ou do desfecho narrativo, os bens de consumo absorvem – com maior ou menor grau defragmentaçãooudiversidade–partesdestessignificados.(Rocha;Barros,2008,p.200)

Desta forma, partindo do poder simbólico, McQueen criava verdadeiras performances napassarela,seaproximandodopapeldoartistacontemporâneo,trabalhandocomtodasasmidiasdisponíveisnacontemporaneidade.OsdiálogosdeMcQueencomcampodaarteéindiscutível.

[…] pode-se considerar a performance como uma forma de teatro por esta ser, antes de tudo, umaexpressão cênica e dramática – por mais plástico ou não-intencional, ou seja, o modo pelo qual aperformanceéconstituída, semprealgoseráapresentado,aovivo,paraumdeterminadopúblico, comalguma“coisa”significando(nosentidodesignos);mesmoqueessa“coisa”sejaumobjetoouanimal.(Cohen,2011,p.56)

Neste sentido, o trabalho de Alexander McQueen problematiza os conceitos próprios dodesign,poissuascriaçõesextrapolamoslimitesdovestir,McQueennosparecemaisinteressadoemapresentaruma ideiaem relaçãoaomundodoquenosapresentara roupaemsua funçãoprática,visaprivilegiarafunçãoestéticaeafunçãosimbólica.Naspalavrasdodesigner:

Meusdesfileseramprovocantesporumarazão:anecessidadedese fazernotar.Eunãoprecisomaisfazerisso,masaindaacreditoquetenhoosmeus20minutosparachamaraatençãodaspessoas.Vocêpodenãogostardoquefaço,masaomenosoquefaçolevavocêapensar.(Joory,2004,p.111)

Por fazer do corpo e da roupa símbolos de tensões de nossa sociedade, McQueen entradefinitivamente para a história da modamundial, servindo inclusive de inspiração para outroscriadoresporconseguiressaespéciede“autenticação”quesinalizaaforçarepresentativaentrecriare(de)marcaramodadesuaépoca.Seuprocessoéapresentadocomo:

Oquepassamosaassistiragoraéaoprocessodeeternizaçãodoartista,docriadordemoda.Ouseja,McQueensemprefoiatraduçãofieldetodosaquelesadjetivosqueansiamosemumcriadordemoda:“livre”,“autoral”,“despojado”,“imaginativo”,“criativo”,“estético”,“provocador”.Podemosaindadizerque ele era o verdadeiro estilista da imaginação fantástica; esta que desprende as pessoas pelasincomensuráveis sensibilidades. Com ele podemos testemunhar que a moda tem livre passe entre osuniversosartísticosesinestésicosdahumanidade.Suasvisões(ouseriamidealizaçõesomelhortermo?)nosbrindavam,acadadesfiledecadaestação,comaquiloqueesperamosnosverdadeiroscriadores-autorais:aautonomiaealiberdadedeespíritocriativode(re)proporamodanavidacontemporânea.Defato, a fusão da vida contemporânea à moda também contemporânea era o pano de fundo paraMcQueeneseuricoeinstiganteprocessocriativo.(D’Almeida,2011,p.5)

McQueen foi um criador autoral que não se encaixa em definições preestabelecidas, acontemporaneidade se apresenta de maneira bastante mesclada quanto a sua criação, nãopodemosenquadrarMcQueenapenascomodesignerdeprêt-a-porter.PodemosincluirMcQueennadefiniçãodeMunariparaclassificaroqueéumartista:

[…] autor de peças raras, únicas, feita pelas suas próprias mãos. [...] procurando exprimir, numalinguagemcaracterizadavisualmenteporumestilopróprio,as sensaçõesquenascemnele segundoosestímulos que recebe domundo em que vive: trabalha para si próprio e para uma elite que o possaentender.(Munari,1984,p.25)

Se mantendo clássico e transgressor ao mesmo tempo, McQueen ia do fazer artesanal aofazertecnológicoemumamesmacoleçãoeassimnosapresentavaaliberdadedesefazeroquesechamadeModaContemporânea,acompanhadodeoutrosestilistascomoMartinMargiela,ReiKawakuboeHusseinChalayan,designersque também imprimiramum toqueautoralmuito forteemsuaspeças,questionandoasvezesaprópriafunçãopráticadaroupa.

De acordo com Junior, o artesanal se divide em: feito à mão, não industrial, não serial,utilitário e artístico. Isso caracteriza o artesanal como patrimônio cultural e realça seu podersimbólico.

Seoartesanaléoqueé feitoàmão,eestá foradouniverso industrial,aquestãoqueaparececomo

Seoartesanaléoqueé feitoàmão,eestá foradouniverso industrial,aquestãoqueaparececomofundamentaléaquestãodotempo.Navisãolinearevulgar,pensamosqueotempoéigualparatodos,masquandoseobservaqueexisteproduçãoforadospadrõesindustriais,aquestãodotempodeveserpensada.Otempodoartesãoéum,odooperárioéoutro,aprimeiracoisaqueoartesanalnosensinaéaquestãodotempo,ouseja,otempoérelativo.Ora,seoartesãotemumtempodiferentedeproduçãoéporqueaoproduzir seusobjetosele temumasingularidade, istoé,osobjetosqueremexpressarcoisasdiferenciadas,esãoestascoisasdiferenciadasquesãoosseuselementossimbólicos.Portantopensarotemponossuscitaquestõesquejácriamumaseparaçãoentreaquelesquefazemobjetoscomasmãoseaquelesque fazemobjetoscomasmãosparaexpressarumavisãodemundo,ouseja,produzemnãosomenteobjetos,masumuniversosimbólicoqueestácontidonestesobjetos.(Junior,2003)

GrandepartedaproduçãodeMcQueendialogacomaexperimentação,própriadosartistasdesdeas vanguardas, sempre interessados emquestionaropapelde seusobjetos,assim comoDuchamp questionou o que é arte, não me parece exagero dizer que muitas vezes McQueendiscutiuopapeldodesign,docorpoedaroupa,principalmentepelaexperimentação.

Aexperimentaçãonamodapodeadvirdomaterial,dasformasedascores,atravésdaexacerbaçãodoconceitoqueprovocaeaguçaapercepção.Apassarelapode,assim,recuperaraideiadepalcoartístico,associando-se ao teatro como forma artística de expressão. E a mesma associação pode ocorrer emrelaçãoàsgaleriasdearteeaosmuseus.(Avelar,2009,p.110)

Por fim,McQueen não nos deixa a efemeridade damoda, que precisa se renovar sempre,mascomsuagenialidadeesingularidadenosdeixaumlegadoquemaisdoquedesigndemodaéregistrodasociedadeondeviveueseinspirou.

3.SavageBeauty:arte-design

Alexander McQueen faleceu antes de sua produção ser apresentada em retrospectiva pelaexposição noMuseuMetropolitano deArte deNova York (MET). A exposição intitulada comoSavageBeautyconsagrouMcQueencomoartista,emdeclaraçãodoMETMcQueenfoichamadode“umartistaqueusouamodacomosuporteexpressivoparasuaobra”(SavageBeauty,2010),dadaa importânciado legadodoartista-designerparaquestõesqueenvolvemomododevidacontemporâneo.Suas roupasdesafiarameexpandiramosparâmetrosdamodaparaexpressarideiassobrecultura,políticaeidentidade.McQueenviuaspossibilidadesconceituaisdocorpoedaroupa,apresentandoquestõesrelacionadasàraça,classe,gênero,religiãoesexualidade.

A exibição celebrou a surpreendente visão e criatividade de McQueen, apresentando suasgeniais roupas como obras de arte. Abrangendo aproximadamente cem objetos, muitos delesrarosenãovistospelograndepúblico.NaspalavrasdodiretordoMET:

há alguns designers de moda com as criativas distinções para justificar uma apresentação dos seustrabalhosemummuseudearte,McQueenseencaixacomonenhumoutronessenúmero,poisseustemasnormalmenteforamalémdasambiçõesdamoda.

A investigação do curador Andrew Boltons sobre a carreira de McQueen revela a nuancesofisticadaportrásdasensibilidadesombriadodesigner.Imagensmíticasdacorte,brutalidade,

e romance, ideais de mulheres heroicas, bonitas e não convencionais caracterizam a estéticaalcançadapeloartista-designer.

AexposiçãoAlexanderMcQueen:SavageBeautyfoidesenhadaporSamGainsburyeJosephBennett,designersresponsáveispelosdesfilesdeAlexanderMcQueen,eorganizadaporAndrewBoltoncomoapoiodeHaroldKoda,ambosdoCostumeInstitutedoMET,montadasobosigno

doRomantismo8quebeiraosublime,realçandooladosombriododesigner.Pensadacomoumaexposiçãodeartesvisuais,emqueamodaseapresentacomosecundária,

os manequins-esculturas são expostos como obras escultóricas, como se fossem peças emmovimento, recriando um desfile coletivo póstumo, como se a roupa deMcQueen buscasse ocorpo para se afirmar, como algumas obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica, e novamentefortalecendoodiálogoArte-Design.

Opúblicopercorreuassalascomoseacompanhassetodoumdesfilede19anosdecarreira;um desfile de moda de manequins-esculturas que, por vezes, estão assentes em plataformasrotativas,dispostosemcaixas-instalações,ouemprateleiras,alémdevídeosdedesfilesicônicosqueintegramespaçoeobra.

AsideiasdeMcQueenestãoespalhadasaolongodasgaleriasondeobraecriadorsefundemempeçasque seconfundementrebeloegrotesco, sublimeemundano, vidaemorte.Oqueaexposiçãoapresentademaiorrelevânciasecaracterizapeloseupoderprovocatório,dequebrarbarreiras,transporlimites,propormudançasouagitarconvenções.

Andrew Bolton acredita que paraMcQueen a passarela foi principalmente um veículo paraexpressarsua imaginação,comcaracterísticasprofundasdoRomantismodoséculoXIXeé issoqueafirmasentirquandovêsuascoleções.“EleestavaprofundamentepolíticocomodesignereeuachoqueumadasrazõespelasquaisascoleçõesdeMcQueenerammuitasvezestãodifíceisdeassistir,équeelas traziamnossasansiedadesculturaise incertezas,e issoeraumapartemuitoimportantedeseuprocessofinal”(SavageBeauty,2010).

McQueenobstinadamentepromoveualiberdadedepensamentoedeexpressãoedefendeuaautoridade da imaginação. Ao fazê-lo, ele era um exemplar do indivíduo romântico, o herói-artistaqueseguefirmementeosditamesdesuainspiração.“Oqueeuestoutentandotrazerparaamodaéumaespéciedeoriginalidade”,disseele(SavageBeauty,2010).McQueenexpressouesta originalidade fundamentalmente através de seus métodos de corte e de construção, queforamambosinovadoreserevolucionários.

Uma das características que definem coleções deMcQueen é o seu historicismo. Enquantosuasreferênciasse inspiramnoséculoXIX,especialmenteogóticovitoriano.“HáalgodeEdgarAllanPoesobreminhascoleções”,McQueenobservou (SavageBeauty,2010).Naverdade,as“fantasias sombrias”que Poe escreve emAQuedadaCasadeUsher (1839) são vividamentepresente na maioria das coleções de McQueen, principalmente Dante (outono/inverno 1996-

1997),Supercalifragilisticexpialidocious(outono/inverno2002-3),eopóstumointituladoAngelsandDemons(outono/inverno2010-11).

Comooestilogóticovitoriano,quecombinaelementosdehorrore romance,ascoleçõesdeMcQueen geralmente refletem opostos como vida e morte, claro e escuro. Na verdade, aintensidade emocional de suas apresentações napassarela foi frequentemente consequência dainteração entre as oposições dialéticas. A relação entre a vítima e o agressor foi evidente,especialmente em seus acessórios. Esta posição é claramente exposta na galeria “gabinete decuriosidades”,queseconcentranaparafernáliaatávicaefetichistaproduzidoporMcQueenemcolaboraçãocomumasériededesignersdeacessórios,incluindooschapeleirosDaiReesePhilipTreacyeosjoalheirosShaunLeane,ErikHalleyeSarahHarmarnee.

As coleções de McQueen foram formadas em torno de narrativas elaboradas que sãoprofundamenteautobiográficas,refletindomuitasvezessuaherançaescocesa.OorgulhonacionaldeMcQueenémaisevidentenascoleçõesHighlandRape(outono/inverno1995-1996)eViúvasde Culloden (outono/inverno 2006-2007). Ambas exploram a turbulenta história política daEscócia.HighlandRape foibaseadano séculoXVIII emostramodelosmanchadasdestinadasacombater imagens românticasdaEscócia. Emcontraste,ViúvasdeCullodenapresenta silhuetasexageradas inspiradas nos anos1880.AmensagemdeMcQueen, no entanto,manteve-se emdesafio político: “O que os britânicos fizeram não foi nada menos que genocídio” (SavageBeauty, 2010). Apesar destas declarações sinceras de sua identidade nacional escocesa,McQueensentiaintensamenteligadoàInglaterra,especialmenteLondres.“Londreséondeeufuicriado. É onde meu coração está e onde eu recebo a minha inspiração”, disse ele (SavageBeauty,2010).SeuprofundointeressepelahistóriadaInglaterrafoimaisevidente,talvez,emTheGirlWhoLivednoTree(outono/inverno2008-9),umcontodefadasinspiradoporumjardimdopaísdeMcQueen,influenciadopeloImpérioBritânico,foiumadascoleçõesmaisromanticamentenacionalistasdeMcQueen,aindafortementemarcadapelaironiaepastiche.

AsensibilidadedeMcQueenexpandiuseushorizontesimagináriosnãosótemporalmente,mastambémgeograficamente.Talcomotinhasidoparaosartistaseescritoresromânticos,aatraçãodoexóticofoifundamentalparaseutrabalho.Talcomooseuhistoricismo,oexotismoprovocoutoda sua imaginação.O Japão foi particularmente significativo para ele, tanto temático quantoestilístico.Oquimono,especialmente,foiumapeçaderoupaqueelereconfigurouinfinitamente.“Vou explorar seus ofícios, padrões e materiais e interpretá-las à minha maneira”. Comoacontece com muitos de seus temas, no entanto, o exotismo de McQueen foi muitas vezesexpressaemopostoscontrastantes.FilmesmuitasvezesinspiraramMcQueen,assimcomoaartecontemporânea. VOSS (primavera/verão 2001), que contou com uma série de peças devestuário da exotização, incluindo um casaco e um vestido com apliques no formato decrisântemos, foram inspirados por uma fotografia de Joel-Peter Witkin chamada Sanitarium(1983), que mostrava uma mulher obesa ligado através de um tubo de respiração para um

macacodepelúcia.NapassareladeMcQueen,oescritor feticheMichelleOlley fezopapeldamulher. Típico das coleções de McQueen, VOSS ofereceu um comentário sobre a política daaparência,derrubandoosideaisconvencionaisdebeleza.

Ao longodesuacarreira,McQueenvoltouao temadoprimitivismo,que inspirouo idealdavida nobre e selvagem em harmonia comomundo natural.Muitas das peças foram revestidascomlama,umconceitoqueodesignerrepeteemExu(outono/inverno2000-2001),umacoleçãoinspiradanamitologiaconhecidanareligião iorubá.As roupas, incluindoumcasacodecabelosintéticopretoeumvestidodecrinapretabordadacomcontasdevidroamarelas,chegoupertoda fetichização de materiais. De fato, as reflexões de McQueen sobre primitivismo eramfrequentemente representadas em combinações paradoxais, contrastando “moderno” e“primitivo”. A história de Irere (primavera/verão 2003) envolveu um naufrágio no mar e foipovoada por piratas, conquistadores e índios da Amazônia. Normalmente, a narrativa deMcQueen glorificou o estado de natureza e inclinou a balança moral em favor do “homemnatural”ou“senhordanatureza”libertodetodasasconstruçõesartificiaisdacivilização.

AnaturezafoiamaiorinfluênciasobreMcQueen.Elatambémfoiumtemacentral,senãootema central, do Romantismo.Muitos artistas domovimento romântico apresentaram a próprianatureza comoumaobradearte.McQueen compartilha estepontode vista em suas coleções,onde incluiumuitas vezes peças que tiveram suas formas ematérias-primas domundo natural.Para McQueen, como foi para os românticos, a natureza também foi um local de ideias econceitos. Isso émais claramente refletida emPlatosAtlantis (primavera/verão 2010), a últimacoleção totalmente realizada pelo designer e apresentada antes de suamorte em fevereiro de2010.InspiradoporCharlesDarwineAOrigemdasEspécies(1859),apresentouumanarrativaquenãoestácentradasobreaevoluçãodahumanidade,masemsuadevolução.Acoleção foitransmitidaaovivonoSHOWstudio.comdeNickKnight,emumatentativadefazermodaemumdiálogo interativo entre criador e consumidor. Para os românticos, a natureza era o principalveículoparaoscéus.Nessacoleçãoosublimedanaturezafoiacompanhadopelavelocidadedeprodução em tempos de internet. Além de ser uma evocação poderosa do sublime no diálogoentreromânticoepós-moderno(SavageBeauty,2010).

Consideraçõesfinais

Apósarealizaçãodeumarevisãobibliográficasobreasrelaçõesentreaarteeodesigneaoanalisar de modo geral a produção de Alexander Mcqueen, é indiscutível que o processo decriação de objetos híbridos na contemporaneidade, bem como seus resultados, provocam umarediscussãosobreasdistinçõesentreasáreasdearteededesign.

A vive ncia e o envolvimento do designer contemporâneo no fazer projetual, que énecessariamentepessoal,particular,individualecritico,esuabuscapelalivreexperimentaçãonoprocessodemanipulaçãodeelementos formais,naconstruçãodepropostaspredominantemente

estéticas e simbólicas, promovem afecc o es nos atos perceptivos dos objetos de design nacontemporaneidade, cuja principal via de acesso e a participac ao perceptivo-afetiva doespectador-usuáriopormeiodesuavive nciasensivel.

O resultado são objetos ambiguos e autorreflexivos que exploram os diálogos com a arte.UmbertoEco(1991)defineaambiguidadecomoumartificiomuitoimportantenaconstruçãodepoéticas artísticas, porque funciona como vestibulo a experie ncia este tica: quando, em vez deproduzirmeradesordem,elaatraiaatenc aodoespectadoreopo eemsituac aode“orgasmointerpretativo”,oespectadore estimuladoa interrogaras flexibilidadeseaspotencialidadesdoobjetoqueinterpreta,aatenc aodespertada,sobretudopelasuaorganizac aocompositiva,causaum efeito de estranhamento que desautomatiza a percepção, sendo a primeira reac ao doespectadorsesentirdesorientado,quaseincapazdereconheceroobjeto,queoslevaaolhardeforma diversa a coisa representada, aqui a finalidade da proposta nao e a de tornar maispro ximadacompreensaodopúblico,mascriarumapercepc aoparticulardoobjeto.Mcqueenaocriarnovassituaçõesperceptivasdiferenciaseuobjetodealgoordinárioeoaproximaadeumobjetoartistico,rediscutindooprocessodecriaçãododesign,opapeldeseucriadoredosseusespectadores-usuários.

Essas afirmac o es sao pertinentes e cabiveis aos projetos de AlexanderMcqueen,mas, naoapenas aos dele. A analise desses trabalhos pretendeu, em complemento ao discurso teo rico,aproximaroleitordecomoissopodeacontecernocampodaproduc ao,doqualtantoMcqueenquantomuitosoutrossaoprotagonistas.

“Romper fronteiras” entre as áreas na contemporaneidade parece ser uma característicadominante das produções simbólicas atuais, sendo seu resultado a emergência de propostashíbridasconstruídasapartirdeoutrasquesepermeiam,cujascaracterísticasaindaestãoemfasede definição, acompanhando o desenvolvimento de seu processo de criação, suas formas deexperimentações,sugerindouma“novavisualidade”.

De modo geral, a relevancia de qualificar o objeto de design e, portanto, o resultado dotrabalho nesse campo, como area desassociada das formas artisticas, nos parece que sefundamenta em bases que nao abarcam uma observac ao direta de como as linguagenstradicionaisdaartesurgiram,decomoelasseapresentamnacontemporaneidade,bemcomoapossibilidadedediscursosquetratamdaartenoambitoconceitual,oquepossibilitaoutraformadeleituradodesign.

Parafraseando Santaella (2005), estimular o separatismo entre o design e a arte conduz aseverasperdas,tantoparaoladodaarte,quantoparaoladododesign.Aarteficaengessadapelo olhar do observador que leva em considerac ao exclusivamente a tradic ao de sua faceartesanal.Odesignficaconfinadoaosestereo tiposdacomunicac aodemassa.

Terminamosesteartigocomumacertezadanecessidadededarcontinuidadeaestesestudos,afimdedesenvolverumapesquisaquede contademodomaisaprofundadodosdiálogosaqui

apenasapontados.

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Notas1.AcadêmicodocursodelicenciaturaemArtenaUniversidadeEstadualdoCentro-Oeste,UNICENTRO.2.Prof.Ms.naUniversidadeEstadualdoCentro-Oeste,UNICENTRO,noDepartamentodeArte–DEART.3. Objetivos propostos pelo plano de ensino da disciplina “Relações entre Arte e Design na Contemporaneidade: diálogos,hibridismoseconflitos”,disponívelem:<http://www.ia.unesp.br/Home/Pos-graduacao/Stricto-Artes/2014-2---relacoes-entre-arte-e-design-na-contemporaneidade.pdf>.Acessoem:10jan.2015.4.Paraodesign,afunçãoestéticadosprodutosserefereacriaçãodeobjetosquevisamatenderoaspectopsicológicodapercepçãosensorialduranteseuusopelousuário,assim,osprodutosdessacategoriasãodesenvolvidosapartirdascondiçõessensoriaisdohomem(Lobach,2001,p.60).5.Nodesign,umobjetopossuiumafunçãosimbólicaquandoapercepçãosensorial,incentivadapelafunçãoestética,trazconsigouma ligação entre sensações anteriores ao seu uso, determinada por todos os aspectos espirituais, psíquicos e sociais do uso(Lobach,2001,p.64).6.Nodesign,idealizarumprodutocentradonasuafinalidadepráticasignificacriarumprodutocujoobjetivoéfacilitaravidadoconsumidor,oferecendoconfortoduranteseuuso,satisfazendoasnecessidadesfísicasefisiológicasdeseuusuário(Lobach,2001,p.58).7.Apadronizaçãodaformavisualatravésdeinformaçõessimples,concretaseracionais,eliminandoqualquertipodeinterferênciavisual,comoobjetivodesercompreendidauniversalmente,eramascaracterísticasdomovimentoartísticomodernistadenominadoEstiloInternacional.SurgidonaSuíça,tevesuamaiorproduçãoentre1950e1970,foiumavertentedoFuncionalismoque,porsuavez,propunhacomo formadeexpressãooprincípiodeque“a formaseguea função”equequalquerornamentoera,portanto,consideradoinútil.8. Movimento cultural, artístico e literário iniciado na Europa no final do século XVIII, caracterizado pelo valor das emoções,liberdadedecriação,amorplatônico,temasreligiosos,nacionalismoehistória.

Capítulo11:Entreocorpoeamisturadelinguagens,oteatromultimidiático

ErnestoValença1

Ainserçãodemídiasaudiovisuais,novasounemtanto,nacenateatraltemgeradoimpactosempelomenosduascomponentesdoteatro:napercepçãoedefiniçãodoquesejaapresençadoatorenainfluênciadelinguagemqueessasmídiasexercemsobreoteatro.Apresençadoatoréum elemento cuja importância certamente se estende a todo o teatro contemporâneo,mas queganharelevonocontextodasmontagensemqueasmídiasaudiovisuais sãousadascommaiorênfase.Ocorpovivodoatorécolocadoemumasituaçãopeculiardeexameminucioso,àsvezesdeconfronto,diantedaprojeção,amplificação,processamentoeletrônicoevirtualdesuaimagemoudesuasonoridadenopalco.

Emestreita relação com isso, a simplespresençadasmídiasaudiovisuais no teatro introduzumasériedenovaspossibilidadesde linguagensartísticas,bemcomode formasderecepçãoede códigos, oriundas do contexto em que essas mídias surgiram e se desenvolveramhistoricamente, pressionando a linguagem teatral em direção a novos rumos. Se em algunsespetáculos, a imagem – por seu gigantismo ou dinâmica de edição – pode assumir umaimportânciamaiordoqueadoatorouatrizpresenciais;ouselinguagensdocinemaedovídeosãousadascomintensidadeprioritáriaemalgumasmontagensteatrais–oquesemanifestanãoapenasnousodeprojeçõesoudemonitoresdeTV,masnaprópriaestruturaçãodoespetáculo;então, algumasdefinições clássicas sobre o que seja o teatro começama parecer desbotadas:diante de algumas experiências que envolvem teatro e multimídias, não é possível mais ter acertezadequeestamosvendoexatamente teatro.Mas,paraa fruiçãoeoentendimentodessesespetáculos,émesmoprecisoteressacerteza?

1.Teatropobreeobradeartetotal

Assim,o impactoqueessasmídiasexercememaspectoscentraisdacena teatral–comoosdeslocamentos da presença ou corporalidade do ator e o amálgama ou transgressão dasfronteiras de linguagens artísticas – provoca reflexões sobre a própria natureza do teatro. Porisso,épossíveldizerqueoteatromultimidiáticobebe,muitasvezes,defontesdivergentes,como,por exemplo, JerzyGrotowski e RichardWagner: porque sustenta a presença como centro dacena, aomesmo tempo em que faz emergir uma linguagem diferente daquela que vemos numteatro exclusivamente baseado na figura do ator. Cito Grotowski e Wagner apenas comomatrizesexemplares–paradigmas,poderiaserdito–;referênciasdeposiçõeseformulaçõesque

dizem respeito à natureza do teatro, com argumentações que podem ser entendidas comoinconciliáveis.

Algumas das mais importantes experimentações sobre a presença do ator no teatro foramrealizadasemrespostaàproliferaçãodemeiosdediversãodemassabaseadosna tecnologia,comoocinemaeatelevisão.Emespecialnosanosde1960,tomacorpoumaposiçãosegundoaqualteatro,emessência,éarelaçãoentreatoreespectador,semmediação.Grotowskiéumdosmaiseminentesrepresentantesdesseposicionamento.Ébastanteconhecidaapassagememque,numaentrevista,oencenadorafirmaque

setodososteatrosfossemfechadosumdia,umagrandeporcentagemdopovonãotomariaconhecimentodistodurantealgumassemanas;masseseeliminassemoscinemasea televisão, todaapopulaçãonomesmodiaentrariaemgrandealvoroço.Muitagentedeteatroestáconscientedesteproblema,mastentaresolvê-lodeformaerrada:jáqueocinemadominaoteatrodopontodevistatécnico,porquenãofazeroteatromaistécnico?Inventamnovospalcos,mudamoscenárioscomenormevelocidade,complicamailuminaçãoeoscenários,etc.,masnuncaconseguematingiracapacidade técnicadeumfilmeoudatelevisão.O teatro deve reconhecer suas limitações. Se não pode ser mais rico que o cinema, entãoassuma sua pobreza. Se não pode ser superabundante como a televisão, assuma seu ascetismo.(Grotowski,1971,p.26-27)

Alicerçadaemcolocaçõescomoessas,aquestãodapresençapassouaserpautadodiaemquasetodooteatro,gerandodiferentesreferênciasetécnicasquebuscamintensificarapresençacorporaldoatorcomafinalidadedeestabelecerumarelaçãocomosespectadoresquetendaàmaior visceralidade. Para muitos dos defensores desse campo de ideias, o teatro é não sódiametralmente oposto à proliferação de novas tecnologias midiáticas sobre o palco, mas éjustamenteatravésdaeliminaçãodessas tecnologiasque segarantiráumamaiorpercepçãodapresença corporal, física, íntegra e integral do ator. Mesmo não sendo a única, Grotowskiencabeçaumadasmaisimportantesvertentesteatraisaassumiraideiadequepresençacênicaetecnologiasãoirremediavelmenteincompatíveis;eaforçadosresultadoscênicosgeradosapartirdetalpremissa,quecontinuaimpulsionandopartedoteatroemváriospaíses,aindahojegaranteum lugar de destaque à ideia de que a essência do teatro é a presença do ator diante doespectador,numarelaçãonãomediadapelatecnologia.

Poroutrolado,háigualmenteumasériedeinfluentesrealizaçõesteatraisbaseadas,aindaqueparcialmente,nãonaideiadeumaessênciadoteatro,masnoseuentendimentocomoconfluênciade linguagens artísticas diferentes.Wagner é, obviamente, a referênciamais importante dessavertente, embora tambémnãopossa ser consideradoa única.Vários realizadores, diretamenteinfluenciados por ele ou não, criaram uma diversificada gama de formas teatrais a partir demodosderelaçãoentreartesdiferentes,distanciando-semaisoumenosdapropostaoriginaldeumaObradeArteTotaloudoFuturo,aGesamtkunstwerkdaterminologiawagneriana.

Assim,oteatroqueseentendecomofusãodeoutrasartespodeadmitirformasvariadas,sejaassumindo uma miscigenação onde os diversos sistemas artísticos, provenientes de outras

linguagens,seacumulamemcenasemsefundirem;sejabuscandoumatotalidadeharmoniosadetodos os elementos artísticos, diminuindo o espaço dos choques entre as artes.De todomodo,esse campo de pensamento artístico é caracterizado pela realização de experiências quepressionamalinguagemteatralparadireçõesinesperadas,geralmentedesestabilizandoacertezadeumaidentidadeoudeumcernedoteatro.

2.Apresençaeafronteira

Adistância histórica emque nos encontramosdas fasesmaismarcantes deGrotowski e deWagner não deixa de ser tanto surpreendente quanto irônica. Os espetáculos teatraiscontemporâneos que se utilizam de novas mídias audiovisuais não deixam dúvidas de que apresençadoatorcontinuasendoaquestãocentralaserexploradaediscutida,aomesmotempoem que se vem reconhecendo a capacidade que tais espetáculos têm de ampliar as fronteirashabituaisdalinguagemteatral.

Por um lado, o ator é instado a explorar novos meios de determinar sua presença cênicadiante da reprodução mecânica ou digital de sua imagem e som, que permite ora vislumbrarpequenosdetalhesdaatuação,antesimpossíveisdeserempercebidos,oracolocaremquestãoanoçãodepresençaevirtualidade,degravadoe“aovivo”,demecânicoeorgânico.Porsuavez,opúblicoseencontradiantedeumaduplapresença:adocorpodoator,comsuatranspiração,suamaterialidadebruta,eadesuaimagemdigital,porvezesgeradaaovivo,masmesmoassimapta a apresentar, por meio de manipulações de computador, desvios de temporalidade eespacialidade.

Por outro lado, linguagens audiovisuais e teatrais são colocadas ladoa lado, semque umahierarquiaentreelassejaimpostademaneiraabsoluta.Aoapelaremespecialparaaslinguagensdocinema,dovídeo,datelevisãoedainternet,estetipodeencenaçãoimplicanumaespéciedeflexibilização das fronteiras artísticas, em que cada arte passa a se definir nãomais por umasupostaessência,maspelamiscigenação,pelaszonasperiféricasdeintercâmbioemqueocorremcruzamentosentreelas.

Dessemodo,oteatromultimidiáticorealizaaaproximaçãodeduasperspectivasnormalmentevistascomodivergentes:umabaseadanaideiadeessênciado teatro(oconvíviocorporalentreatoreespectador)eoutranadialéticaentreunidadeediversidadede linguagens.Nãoexistemmotivosparaque seopte exclusivamentepor umaemdetrimentodaoutra.A força criativadoteatromultimidiáticotalvezresidajustamentenessestiposdeparadoxos.Noentanto,quemsabeaindasejaimportanteumareflexãomaisdetidasobreaconvivênciaentreapresençacorporaleesseamálgamadelinguagensquesupostamentenãoadmiteessencialismos.

3.Umalinguagemhegemônica

Existe umaspecto dessa síntese de linguagens que o teatromultimidiático realiza e do qualnemsempre se temadevidapercepção.Umaspectoquediz respeitonão sóao teatro,masàproliferação de mídias, de imagens técnicas e de aparelhos que vivenciamos atualmente nasociedade.

Aquiloquesepodechamarde“linguagem”emrelaçãoàsmídiasaudiovisuaismaispresentesnoteatromultimidiático–umavariadagamadeformasdeimagenstécnicas–vaimuitoalémdeumadefiniçãotãopragmática,ouclara,oumanifesta,como“linguagemdocinema”,“linguagemdo vídeo”, “linguagem do videoclipe”, “linguagem da internet”, “linguagem do youtube”,“linguagemdasmídiasmóveis” ou “extremamentemóveis”, etc.Háumnível de linguagemqueestánosubstratodetodasessaslinguagens,equesemanifestanaimagem,ouqueantesbrincacomasuperfícieda imagem:podemoschamaressa linguagemocultadecibernética;mas,paraummelhorentendimentodouniversodoqualseestátratando,pode-sechamaressa“linguagem”deprogramaouprogramação,seguindoacriativaproposiçãodofilósofotcheco-brasileiroVilémFlusser.

Programaéalgoqueestáembutidoemtodoequalqueraparelhoeletrônicooudigital:éoquefazoaparelho funcionar;éoquedá sentidoaele;éoqueo informa.Numcomputador,estábastanteclaro,éosoftware,paraoquêutilizamosamplamenteapalavra“programa”.Maselejáestavapresente,porexemplo,noaparelhofotográfico:oprogramadoaparelhofotográficoéafotometria,apelículafotossensíveleaperspectiva,entreoutroselementosquesepoderialevantar(comoasériedecamadassensíveisàcoloração,nafotografiacolorida).

Programas estão presentes em todos os aparelhos ao nosso redor: em celulares, tablets,laptops e impressoras; em fábricas de celulares, tablets, laptops e impressoras; em parquesindustriais, sistemas financeiros, Ministérios e Departamentos de Economia (desgraçadamente,tambémMinistérioseDepartamentosdeDefesa),governoseEstados;eumalongalistapróximaao interminável. Logo sevêqueoque sepodedesignarpor “aparelho”nãoéapenasalgodetipo “objeto”, coisa, mas tudo aquilo que é programado, que age por programação internapreviamente instalada:aparelhoseconômicosegovernamentais (comoosistema financeiroeaspolíticaspúblicas),aparelhosdeensino (comoauniversidade),aparelhosdediversão (comoasemissorasdetelevisão,ocinemaouaDisneylândia),etc.

Numaexplicaçãoumtantosimplificada,pode-sedizerqueécomoseessemododeoperaçãode aparelhos, que é a programação, tivesse saído dessas pequenas coisas e se instalado emcoisasgigantescas: aparelhou governos, sistemas financeiros, universidades, parques temáticos.Masaparelhoutambémcoisaspequenaseinusitadas:dechipsdesilícioaosnossosbanheirosecozinhas (queestãorepletasdeaparelhos).Por fim,aparelhou tambémessas“nãocoisas”,quesão nosso comportamento cotidiano, nosso modo de pensar e de agir, nossos desejos eesperanças. Daí porque a palavra “cibernética” foi usada inicialmente: porque a questão daprogramação é da ordem da gestão de pessoas através de informação (poderia ser dito, a

questão é da programação de pessoas através de informação; ou ainda, a questão é doaparelhamentodasociedadepormeiodesuainformação).

Umdosgrandesproblemasdissoéqueprogramaagedemodoautomático;oautomatismoéumadesuascaracterísticascentrais,senãoacaracterísticacentral.Umaparelho,informadoporumprograma,age estritamentedeacordo com regraspreestabelecidas – estabelecidas sempreem âmbito aquém daquele em que operam efetivamente –, age combinando essas regras deacordocomoqueempurramosemseu input,demodoageraralgumresultadoemseuoutput.Certamente podemos fazer opções dentro do programa, mas nossas opções precisam estarcadastradas dentro dele, precisam estar previstas na programação. São opções que já estãoprogramadas.Oprogramainternodosaparelhosprogramaseusutilizadores,ouseja,todosnós,que vivemos em mundo plenamente aparelhado. Por isso, Flusser costumava afirmar que umasociedadeinteiramenteaparelhadapodiatambémestaraumpassodototalitarismogeneralizado.

Quandose introduzaparelhosdentrodo teatro,comoosaparelhosdasmídiasaudiovisuais,introduz-se igualmente as linguagens que eles desenvolveram pelos seus próprios meios, mastambém,e talvezprincipalmente,essa linguagemocultaqueéaprogramaçãodosaparelhos,oautomatismo dos aparelhos. Quer isso se dê fisicamente, através da presença de projetores,computadores,sensoresdemovimento,etc;quersedêconceitualmente,pormeiodaadoçãodelinguagenscinematográficas,videográficas,televisivas,dainternet,etc.–quesãosetoresemqueos aparelhos imperam –, a lógica da programação se instala, diluída na miscigenação delinguagenscaracterísticado teatromultimidiático.Eaprogramaçãovaiprocuraragirdentrodoteatrodomesmomodocomoageemtodaasociedade:vaiprocurarprogramarseusutilizadores,fazê-losagirdeacordocomoprograma.Aparelhamentodoteatro.Teatroaparelhado.

Certamente,essanãoéaúnicaformadeaparelhamentodoteatro,enãoéigualmenteamaisperigosadelas.Todasasvezesemqueoteatrosetorna,elemesmo,umaparelho,emquejogaexclusivamente com os mesmos elementos internos, em que opera automaticamente para criarespetáculos, em que se torna peça de aparelho maior (como os aparelhos de diversãogeneralizada da sociedade); ele se torna aparelho que recebe dados em seu input (pesquisassobreapreferênciadosespectadores,acúmulodeexperiênciascomespetáculosanteriores,peçasde teatro formatadas para determinado segmento de consumidores, etc.) e excreta espetáculoteatralemseuoutput.Aparelhoprogramadoparaproduzir teatroautomaticamente.O teatroseaparelha também, e talvez prioritariamente, por essesmeios padronizantes, que em geral vêmenvoltos de palavras imponentes e atraentes, como “gestão empresarial do teatro”,“profissionalização”,“produçãoespecializada”,etc.

4.Ocorpojogacontraoprograma

Voltemos, uma vez mais, à Grotowski e à questão da incompatibilidade entre presença etecnologia.

Diante do teatro multimidiático contemporâneo, seria possível dizer que estaria incorreta aideiadequeapresençacorporaldoatoréintensificadapelasupressãodetecnologiassupérfluasao teatro (posta em prática pelo próprio Grotowski, com evidentes e reconhecidos resultadospositivos), ou que, nomínimo,merece certa cautela e ponderação. Se é verdade que o teatromultimídia confirma a copresença direta entre atores e espectadores como imprescindível à

permanência do teatro2, também não deixaria de ser verdade que esse teatro demonstra quepresençacênicaetecnologia–aomenosaaudiovisual–nãosãoincompatíveis;ouqueosmeiosaudiovisuaisnãoimpedemaintensificaçãodapresençacorporaldoatornoteatro.Aliás,oteatromultimidiático atestaria exatamente o contrário: que as tecnologias multimídia, na verdade,conferem importância aindamais central à presença corporal do ator. É precisamente por issoqueapresençacontinuasendootemacapitaldosdebatescríticossobrearelaçãoentreteatroetecnologia.

Entretanto, gostaria de sugerir uma perspectiva um pouco diferente dessa; uma perspectivaque seja capazdearticular flexibilizaçãode fronteirasartísticas, a noçãode incompatibilidadeentrepresençaetecnologiaeaideiadehegemoniadaprogramaçãoemespaçosocupadosporaparelhos–articularWagner,GrotowskieFlusser.

Suponhamos, por um momento, que a concepção de Grotowski de antagonismo entrepresençaetecnologianoteatroestejacorreta,mesmodiantedasevidênciascontráriasdoteatromultimidiático contemporâneo; que a essência do teatro seja a presença corporal do ator; queessapresençaéatingidanumarelaçãoimediatacomoespectador;equetalrelaçãodepresençaintensificada se oponha essencialmente à mediação tecnológica. Talvez assim seja possívelentendermelhorotipodeatraçãoqueoteatromultimídiaexerce:umteatroqueencena,ouqueatualiza,a lutaentreaprogramaçãoeocorpohumano,entreoaparelhamentoeabuscapelaliberdade.Seaprogramaçãoéessaespéciedelinguagemtotalitáriasubmersaemtodamídia,eseapresençadoatoréesseelementoquegaranterelaçãonãomediatizadacomoespectador,então,os teatrosmultimídiavivemcotidianamenteacontradiçãode todasociedadeaparelhada,testemunhamomomentohistóricoporquepassamos todos,performamessemomento:abuscaporliberdadeemsociedadeaparelhada.

SegundoFlusser,encontramo-nosemsociedadeemqueospoucosespaçosderesistênciaaoaparelhamento generalizado estão se acabando cada vez mais rapidamente. Como filósofoobservador dessa situação, Flusser indicava que era necessário identificar esses enclaves queainda existem e tirar deles lições para que fossemos capazes de inaugurar outro tipo desociedade;uma“sociedadeinformática”livre,emqueossereshumanosprogramemosaparelhosaoinvésdeseremporelesprogramados,comoéomomentoatual.

Ele costumava apontar como um desses enclaves justamente o campo artístico ligado àprodução de fotografias, sendo o aparelho fotográfico “o primeiro, o mais simples e orelativamentemais transparentede todososaparelhos” (Flusser,2011,p.48).ParaFlusser,há

um conflito de intenções entre operador e aparelho na fotografia, entre fotógrafo e câmerafotográfica, já que o fotógrafo joga com sua câmera na intenção de gerar imagens novas(imagens não programadas), enquanto a câmera procura encaixar o fotógrafo dentro de seusparâmetros,inventariandoparasuaprogramaçãointernatodaequalquerinovaçãodooperador(todaequalquerimagemnovanãoprogramada).Assim,

se compararmos as intenções do fotógrafo e do aparelho, constataremos pontos de convergência edivergência.Nospontosconvergentes,aparelhoe fotógrafocolaboram;nosdivergentes, secombatem.Todafotografiaéresultadodetalcolaboraçãoecombate.[...]Afotografiaé,pois,mensagemquearticulaambasasintençõescodificadoras.Enquantonãoexistircríticafotográficaquereveleessaambiguidadedocódigofotográfico,aintençãodoaparelhoprevalecerásobreaintençãohumana.(Flusser,2011,p.63-64)

Fotógrafossão“gentequejáviveototalitarismodosaparelhosemminiatura”(Flusser,2011,p.105),eque,mesmo tendoseusgestosprogramadosautomaticamenteesuasescolhassendopré-inscritasnoprograma,“os fotógrafosafirmamque tudoistonãoéabsurdo.Afirmamseremlivres,enisto, sãoprotótiposdonovohomem” (Flusser,2011,p.106).AindasegundoFlusser,mesmovivendoemsituaçãopotencialdeliberdadedentrodasprogramações,osfotógrafosnemsemprereconhecemojogoemqueestãoimersos,nemsempreestãoconscientesdequerealizamato contrário à programação, que pode ser tomado como exemplo de como se colocar emsituaçãodeprogramaçãodeaparelhos.Porisso,Flusseridentificaumtipoespecíficodefotógrafoquepodecontribuirparaoesclarecimentodojogo,comobranqueamentodascaixas:

Há, porém, uma exceção: os fotógrafos assim chamados experimentais; estes sabem do que se trata.Sabem que os problemas a resolver são os da imagem, do aparelho, do programa e da informação.Tentam, conscientemente, obrigar o aparelho a produzir imagem informativa que não está em seuprograma.Sabemquesuapráxiséestratégiadirigidacontraoaparelho.Mesmosabendo,contudo,nãosedãocontadoalcancedesuapráxis.Nãosabemqueestãotentandodarresposta,porsuapráxis,aoproblemadaliberdadeemcontextodominadoporaparelhos,problemaqueé,precisamente,tentaropor-se.(Flusser,2011,p.107)

AcríticafotográficasolicitadaporFlusserpassanecessariamentepeloquestionamentodessesfotógrafos experimentais, pelo questionamento sobre o que eles fazem com seus aparelhosquando fotografam e que gera liberdade dentro de situação aparelhada totalitária. O atofotográfico lida diretamente com aparelhos – cuja programação interna gera automatismo,“robotização”–eaindaassimseestabelececomoatolivre,desprogramador,comoprotótipodeaçãocontraaprogramaçãodeaparelhosemsituaçãoplenamenteaparelhada.

Pois é precisamente essa mesma luta entre intenções programadoras (do aparelho) edesprogramadoras(dofotógrafo)queFlusseridentificavanafotografia,quepodesertranspostaparaoteatromultimidiáticodequevimostratando.Éteatroquelidadiretamentecomaparelhos,apontodecriarumaverdadeira“caixapreta”,emlugardacaixacênicatradicional–parausaro termoqueconstado títulodo livromaisconhecidodeFlusser,FilosofiadaCaixaPreta, e emqueeleexpõeboapartedasquestõesabordadasaqui.É teatroque,portanto, lidadiretamente

com a automaticidade estúpida dos aparelhos. No entanto, se fazemos a atores, diretores,cenógrafosouaqualqueroutroprofissionalquelidacomesseteatroamesmaperguntaquefezFlusser aos fotógrafos – se sua criação não seria programada –, essas pessoas certamenterespondem algo próximo ao que responderam os próprios fotógrafos: que tudo isso não éabsurdo,equesão livresemsuascriações.Tantoquantoa fotografia,o teatromultimidiáticoécampo de luta entre intenções programadoras e desprogramadoras: intenções programadorasdosaparelhosutilizadosemmontagensmultimídia,bemcomodasfábricas, indústrias,empresasfabricantes desses aparelhos, que são, elas mesmas, meta-aparelhos; e intençõesdesprogramadorasdediretores,dramaturgos,cenógrafos,técnicoseemespecialdeatores,quesãoosquecolocamseuprópriocorpoemrelaçãodiretacomosaparelhos.Celeirodeprotótiposdenovaspossibilidadesdeliberdadeemsociedadeautomatizada,aparelhada.

Eumdoselementosquegaranteessaexperimentaçãodeliberdadeéofatodeque,noteatro,nãosóacopresençaentreatoreseespectadoreséfatorintransponívelcomotambémessamesmacopresença revela, aponta, denuncia a incompatibilidade entre corpo humano e aparelho,denunciaaprogramaçãodocorpopeloaparelho.ÉjustamenteporqueGrotowskiestavacerto–noquetocaàrelaçãoentrecorpoetecnologia–queoteatromultimidiáticocontemporâneotemacapacidadedeconstituir-secomocampodeexperimentaçãodeumaliberdadeinaudita;deumaliberdadeparaostemposdaprogramaçãoedoaparelhamentodasociedade.

Pode-se dizer que o centro do teatro multimídia é a necessidade de jogar contra oautomatismodoaparelho,contraoaparelhamentodoteatro,contraumteatroprogramado.Seoaparelhamentopodeserumacaracterísticadequalquer tipode teatro,nenhumoutro teatroquenãoomultimídiapoderiaabordar tãobem taisquestões tantonoconteúdoquantona forma (enesseponto,meparecequestionávelasafirmaçõesdealgunscríticosqueconsideramapresençadeaparelhoseequipamentossobreopalcoumafacetamenor,menosimportanteousecundáriadarelaçãoentreteatroetecnologia).Nãohááreadejogomelhordoqueesteteatro,paraquemquerjogarcontraaprogramação.

Uma vez introduzidos no universo teatral, os aparelhos tecnológicos multimídia passam aoperaremumterrenopotencialmenteperigosoaoseuautomatismo,emqueocorpodoatorpodegerar atos transgressores em relação à sua programação interna. A tecnologia entra no jogoimprevisível de probabilidades de construção da cena, passando a fazer parte de umaexperimentação,comoquandoseexaminadiversaspossibilidadesdesefazerumacenasemqueexista algo que defina qual é a solução correta. Ela se integra a umprocesso cujos resultadosestãolongedeserprevisíveis,oqueéomaiorriscoaoautomatismodaprogramação.

Assim, penso que o maior ato de liberdade que o teatro multimídia realiza é colocar apresença corporal do ator em perspectiva com o automatismo aparelhístico, denunciando aprogramaçãoeoprojetoindustrialqueestãoporbaixodesuautilização.ComonosdizArlindoMachado,

Oque faz,portanto,umverdadeirocriador,emvezdesimplesmentesubmeter-seàsdeterminaçõesdoaparato técnico, é subverter continuamente a função da máquina ou do programa que ele utiliza, émanejá-losnosentidocontrárioaodesuaprodutividadeprogramada[...]Longedesedeixarescravizarporumanorma,porummodoestandardizadodecomunicar,asobrasrealmentefundadorasnaverdadereinventamamaneiradeseapropriardeumatecnologia.(Machado,2008,p.16-17)

É bem possível que os espetáculos teatrais multimídia que estão ocorrendo atualmente nãoapresentem claramente qualquer preocupação com essas questões de programação eaparelhamento da sociedade.Mas eles enfrentam, na prática diária, esse automatismo e essaprogramaçãodosaparelhos,nosensaios,nastentativaseerroscomosequipamentoseletrônicosedigitais, nos experimentosperformáticos comprojeçõesde imagens e comprocessamentodeáudio,etc.

Oqueumacríticado teatromultimídiaprecisa fazer,portanto,é justamentequestionaresseteatro; questionar o “que” e o “como” ele está fazendo. Porque é um teatro que convivediariamente com o automatismo e o totalitarismo dos aparelhos, assim como todos nós, nasociedadecontemporânea,masaindaassiméumteatroquedizqueélivre!Quefazarte!Nisso,talvez, exista a possibilidade de se pensar e se realizar uma outra relação com os aparelhosatuais.Umtipodeliberdadeinaudita,inédita,quevaisurgirdessesencontrosentreumacoisatãoantiga,antiquada,passada,comoo teatro,eessesaparelhos tecnológicos tãonovoseque têmmudado tão profundamente o cotidiano das pessoas. Enquanto não existir crítica teatral querevele a ambiguidade do teatro multimidiático, a intenção programadora e automatizante dosaparelhosprevalecerásobreaintençãohumana.

Referências

BERNAL,ÓscarCornago.OCorpoInvisível:TeatroeTecnologiasdaImagem.RevistaUrdimento,Florianópolis: UDESC/CEART, n. 11, 2008. Disponível em:<http://www.ceart.udesc.br/ppgt/urdimento/2008/>.

DOSSIÊCenaeTecnologia.RevistaMoringa,JoãoPessoa:DepartamentodeArtesCênicas/UFPb,v.2,n.1,jan./jun.2011.

FLUSSER,Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. SãoPaulo:Annablume,2011.

GROTOWSKI,Jerzy.EmBuscadeumTeatroPobre.RiodeJaneio:CivilizaçãoBrasileira,1971.ISSACSSON, Marta. Desdobramentos do ator e do personagem pela máscara videográfica.RevistaRepertório:Teatro&Dança,Salvador:PPGAC/UFBA,Ano13,n.14,2010.Disponívelem:<http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/4661>.

LEHMANN,Hans-Thies.TeatroPós-Dramático.SãoPaulo:CosacNaify,2007.MACHADO,Arlindo.ArteeMídia.2.ed.RiodeJaneiro:JorgeZahar,2008.PAVIS,Patrice.AEncenaçãoContemporânea.SãoPaulo:Perspectiva,2010.PICON-VALLIN,Béatrice.OsNovosDesafiosda ImagemedoSomparaoAtor:emDireçãoaum “Super-Ator”? Revista Cena, Porto Alegre: PPGAC/UFRGS, n. 7, 2009. Disponível em:<http://seer.ufrgs.br/cena/article/view/11962>.

PITOZZI, Enrico. Il corpo, la scena, le tecnologie. Per um’estetica dei processi d’integrazione.

PITOZZI, Enrico. Il corpo, la scena, le tecnologie. Per um’estetica dei processi d’integrazione.2007. Tese (Doutorado) – Facoltá diMusica e Spettacolo/Università Degli Studi di Bologna,Bolonha.

WAGNER,Richard.AObradeArtedoFuturo.Lisboa:EdiçõesAntígona,2003.

Notas1.ProfessorefetivodePedagogiadoTeatrodaUFOP.DoutorandoemArtespelaEscoladeBelasArtesdaUFMG.MestreemArtespelaEscoladeBelasArtesdaUFMG(2010),possuigraduaçãoemLicenciaturaemArtesCênicaspelaUniversidadedeSãoPaulo–ECA/USP(2002).2.NaafirmaçãodeÓscarCornagoBernal,pesquisadorligadoaoConsejoSuperiordeInvestigacionesCientíficasdeMadri,“devemoscomeçarestabelecendooeixocentraldesdeoqualacenaseaproximaaosoutrosmeios,semdeixarporissodeserteatro:apresençadocorpofrenteasuaausênciamidiática”(Bernal,2008,p.181).Remetemosoleitorinteressadoaosartigosepublicaçõesdeautoresque, ainda que com diferentes enfoques, mantêm a ideia de copresença de atores e espectadores como o centro do teatromultimidiático: além do já citadoÓscarCornago Bernal; Patrice Pavis (Pavis, 2010), Béatrice Picon-Vallin (Picon-Vallin, 2009),Hans-TiesLehmann(Lehmann,2007),EnricoPitozzi (Pitozzi,2007)e,noBrasil,Marta Issacsson(Issacsson,2010),bemcomoodossiê sobre Cena e Tecnologia da Revista Moringa, v. 2, n. 1, jan./jun. 2011, com artigos de vários outros pesquisadores. Asreferênciascompletasencontram-seaofinaldopresentetexto.

Capítulo12:Improvisação–aartedoencontroAnaMariaAlonsoKrischke

1

PaulaZacharias2

CristinaTurdo3

Durantea semanadoXI SimpósiodeArte-Educação, realizadopeloDEART –Unicentro emGuarapuava,PR;Paula,AnaeCris,autorasdestecapítulo,estiveramconvivendoedesenvolvendoatividades acadêmicas e artísticas por meio das quais trocas de conhecimento e experiênciapuderammostrarapotencialidadedeestaremdesenvolvendo juntasaescritadesteartigosobreImprovisaçãoemDança.Foramdestacadosdoissistemasdepesquisaemdançaparaseremaqui

apresentados:TuningScores4eContatoImprovisação5.“Encontro de Irmãs” foi o título de nossa performance artística, mas entendemos que este

encontroestendeu-seemtodasasnossasatividades6eincluiestadaescrita–jásendofeitaaseismãoseàdistancia.Nessecontexto,percebemosaimportânciaquecadauma,aseumodo,dáàpercepção,àatenção,aodiálogoeàalteridadeparaodesenvolvimentotécnico,éticoeartísticodaImprovisação.

Compartilhamosaquireflexõesacontecidasaolongodenossosdiálogoseconvidamosoleitoraparticipardoencontro!

1.ContatoImprovisação:umaartedaImprovisação.Umadançadaatenção

Breveresenhahistórica:OContatoImprovisação(CI)éumalinguagemdemovimento,umanovaformadedançaque

nasceunosEUAemprincipiosde1970.Foipartedarevoluçãosocialeculturalquecomeçounofimdosanos60,comoumdosempreendimentosqueindagavamumaredefiniçãoartísticacomomarconuma“nova fisicalidade”.Osparticipantesdesta revoluçãoencontravam-seembuscadeumcorpofísicomaissensíveledeumaorganicidadenovatantoanívelcorporal,comoartístico,político e social. Puseramemquestão conveções filosóficas, estéticas e ideológicas da época eformaram parte de experimentos comunitarios que se produziam simultaneamente em distintasorganizações alternativas. O CI, que começa a ser gestado durante os anos 60, nasce emprincípio dos 70 coincidindo com a época na qual estas correntes artísticas questionavam ospadrõesexistentesdaarteemgeral.FoiiniciadoedesenvolvidopelotrabalhodeinvestigaçãodobailarinoamericanoStevePaxtonjuntoaumgrupodeestudantesdaUniversidadeOberlin.Paracompreenderestabuscaeaformaçãodevaloresquequestionaramoscódigosdesuaépoca,énecessárioconhecerpartedavidaeideologiadePaxton.

StevePaxtonnascenoArizona,EUAem1939.ComeçousuacarreiracomobailarinoduranteaescolasecundáriaemTucson.Tambémfoiginastaeatleta,estudoudançaclássicaemoderna,emais tarde Aikido, Taichi, meditação e Yoga, sendo fortemente influenciado por estas práticasorientais. Em 1958 viaja a Nova Iorque e em princípios dos anos 60, com apenas 21 anos,sente-se interessadopelo coreógrafoMerceCunningham (quemais tarde se incorporariaà suacompanhia).PaxtonéatraídopelaspremissasdotrabalhodeCunninghamquediziam:“Todososmovimentos podem ser dança, todos os corpos podem ser vistos como um veículo estético”(Novak,1990,p.53).

StevePaxtonserelacionacommúsicosexperimentaisqueinvestigavamaarte,acomposiçãoeaperformancecomoJohnCageeRobertEllisDunn(associadosaMerceCunnigham);assimcomotambémcomconceitosdoartistaMarcelDuchamp,queaceitaqualquermaterialcomoformadearte. Paxton tinha necessidade de mudar padrões existentes na dança contemporânea e naperformanceemgeral.Suas ideiaseações foramcentraisnacriaçãodoContato Improvisação,sobretudopelodesenvolvimentoqueteveposteriormente.

2.SeriaoContatoImprovisaçãoumaartedaImprovisação?

AquenosreferimosquandofalamosdeImprovisação?AofalardeContatoImprovisaçãoestamosnosreferindoaestecomofeitoartísticoeprocesso

de investigação, incluindo a improvisação como parte desta prática. Consideramos que osfundamentosbásicosdeambossãoosmesmos.

Novamente.Aquênos referimosquando falamosde Improvisação?SeriaoCIumaartedeImprovisação?

Em nosso entender, a prática do Contato Improvisação, assim como a Improvisação, nosofereceapossibilidadedeestarumpassomaisacercadenossosermaisíntimo.TalvezpossamosdizerqueoCInospermitenosaproximarumpoucomaisdoquesomos.

Equesomos?Quando alguém nos pergunta quemsomos, respondemos: “sou ator” ou “sou bailarino” ou

“sou carpinteiro”.No fim, nos referimos ao que fazemos, seja atuar, tocar um instrumento outrabalharamadeiraenosiludimossobreaperguntaacercadequemsomos.

Consideramosqueestapráticada improvisaçãoabreumabrecha.Nosdeixanovazio,nosdeixadespidos,nosabandona frenteanósmesmos.Nãohánenhum lugarnoqualagarrar-se,nemnenhum lugaraondechegar.Nadapara fazer,nadaparadizer,nenhumamensagempré-definidaatransmitir,salvohabitaromomentopresentecomtudooqueeleimplica.Estarpresentecom o que cada um é. Cultivamos assim a atenção, a capacidade de estar e permanecerpresentesintimamentecomarealidadedoinstante.Estamosfrenteaumamudançadeparadigmanaqualnãohánadapararepresentar,apenastomaroriscodenosdeixarfluirnesseacontecerdoinstantepresente.

Neste ponto nos encontramos com o dilema (o paradoxo, poderíamos dizer) de ser eleitospeloacontecermas,aomesmo tempo,deelegerconscientementeomomentodaação.Estamossempreemfrenteaumatodeescolhaeaomesmotempofrenteaumasituaçãoquenosescolhe.Paratanto,háqueescolhereaomesmotempoentregar-se,parachegarassimcomodamenteaoencontro com o que acontece, com o que ocorre, com o novo, com o desconhecido, como

tambémaoencontrocomnossosermaisessencial7ecompadrõesprimárioseníveismaisbásicosdeestruturavital.

Nesteparadoxosemanifestaa“Improvisação”.OutrolugarqueconsideramosqueoCIsemanifestaéaliondedescobrimosedesvelamoso

entendimento que vem do silêncio interior. Aprender a deter o diálogo interno e re-começar afazer contato com nosso conhecimento intuitivo (que não vem do pensar discursivo sobre ascoisas)surgeodesenvolvimentodeumsilêncionamentenoqualépossívelumavisãomaisclara.“Verclaro”diriamosmestresdetradiçõesantigas.Quantomaisdispertosestejamos,quantomaisnos engajamos na improvisação como estado de presença, quantomais cultivamos a atenção,maispoderemosalcançarumconhecimentointuitivo.

Estamos então frente a outra mudança de paradigma. Conhecimento intuitivo frente aoconhecimento racional ou mente discursiva. O silêncio como caminho, deixando cair opreconceitoparaentrarmosnovaziodosilêncio.

Neste ponto temos a possibilidade de conectar-nos com outro tipo de sabedoria. Aqui aintençãode“essepequenoeuquequeralgo”sedesvaneceenosapoiamos–nosentregamos–emforçasquenosgovernam,àsquaisdevemosceder.Entreelaspoderíamosmencionaraforçada gravidade, ou sua contrapartida, a força de leveza e tantas outras. Nesta entrega, frente-atrás,emcima-embaixoperdempotênciaenosdeixamosdesorientaremumperdempotenciaenosdeixamosdesorientaremumespaçoesféricoondedesapareceanoçãodeespaçocartesianoetudovemdetodososlados;ondeodesequilibrioeo“caos”nosgovernameconfiamosnessecorpointeligente;nainteligênciadenossoscorpos.Nãoéo“ego”quedirigeoevento;e,sim,atarefa de esquecer-se de si mesmo, esquecer-se do nosso “ego-autocentrado” e participar ali,

comumaconsciênciaaberta,bemdiferentedaconsciênciacotidiana8.Outramudança de olhar que nos oferece a Improvisação é que desarticula o tempo linear.

Estamos fora do tempodeCronos.A improvisação sucede nesse tempo no qual não há futuropoisaindanãofoihabitado,etampoucoexistepassadopoisomesmojátranscorreu,jádeixoudeser.Estarsó;o“aquieagora”navastidãodoinstantepresente,quandootempodeixadesertempo,eotemponãotemlimites,ondeotempoéeterno.Poisnoinstantepresenteéqueotemponãotranscorreeseproduza“suspençãodotemporal”.ÉoqueosgregossimbolizaramnodeusKairos,otempodossonhos,otempoquenosdevolveparaasensaçãodeestarvivos.

3.Coexistência:forma-conteúdo

Com base em nossas observações/experiências em dança improvisação, encontramosinterdependênciadoselementosesujeitosqueacompõem,ouseja,arelaçãoosestáconstruindoe está simultaneamente construindo a própria dança. Esse processo solidário e deslocado dasrelações hierárquicas comuns em nossa sociedade não é coeso, tampouco homogêneo, hácamadas de diferenciação que estão em contato, em atrito, diálogo e movimento, gerando,também,nacoexistência,umaindiferenciação,naqualestruturaeconteúdotornam-seamesmacoisa, visto que a relação e o constante movimento/transformanção podem ser tidos como osprincípios dessa forma. A analogia com uma cebola, em que casca e conteúdo são feitos domesmomaterial,masháumadiferenciaçãoe,aomesmotempo,contínuacomunicaçãoecontato,gerandoindiferenciação,pareceacertada:

Sercebola–Acebolanãoéumacaixa.Tudooqueelacontéméexatamenteidentificadocomoqueéconteúdo,segundoumparadoxopelicularqueoferece,comcerteza,umaimagemprediletadogeômetra,do filósofo,como tambémdoartista.Nacebola,de fato,acascaéocaroço:nãohámaishierarquiapossíveldoravanteentreocentroeaperiferia.Umasolidariedadeperturbadora,baseadanocontato–mastambémemtênuesinterstícios–,ataoinvólucroeacoisaenvolvida.Oexterior,aqui,nãoémaisqueumamudadointerior.(Didi-Huberman,2011,p.25)

Nessecontexto,cadadançarinoé tão transformadoduranteadança,que revelaalgomuitopróprio,enessediálogoestásuaprodutividade,suaexpressão,éoquetemdemaispróprio.Noentanto,sóétudoissoparacomunicar,compor,estarnomundo.Ooutro,ao“ouvi-lo”,alcança-

onoquetemdemaisindividual.Ouniversaleoindividual9nãoestãoemoposição,hásimumdesdobramento, ganhando sentido atual. Isso se dá porque o diálogo os lança para umasignificaçãoquenemelenemooutropossuíam,pois:

[...]éprecisoque,numcertomomento,eusejasurpreendido,desorientadoequenósnosreencontremosnãomaisnoquetemosdesemelhante,masnoquetemosdediferenteeistosupõeumatransformaçãodemimmesmoedooutrem,éprecisoquenossasdiferençasnãosejammaiscomoqualidadesopacas,éprecisoquesetenhamtornadosentidos.(Merleau-Ponty,1974,p.151)

Defato,odiálogoétãoantigoquantoàpalavra,eaverdadenãoéalgoaserreproduzido,esimproduzido,sentidoeatualizadoacadadiálogo.Apalavraéumaantecipaçãoeretomadadesentidos já conhecidos, em que tomamos o enunciado e o indicativo. Mas é possível eimprescindívelque,naevidênciadeummundosentidoevivido, lembremos tudooqueentradetácito, de informulado, de não tematizado, dando novas possibilidades de significação para apalavra. Talvez um quase outro “eu”, visto que é inesperado, emerge e ainda circula numsubstrato sociocultural. Sem superá-lo, encontramo-nos com as determinações socioculturais eumanovaexperiênciadelas,emvezdeexperimentarumdiálogoemquenossahumanidadesaidessescondicionantes.Nossapercepçãoéadequesãomuitasasentradasepossibilidadesdeexperimentara realidade.Oserhumanoémúltiplo,e sãosimultâneasemuitasascamadasdaexperiência. Interessa perceber a história como um impulso para a criação, e não como umfechamento.Noentanto,todooprocessodediálogoedeconhecerpassapordiferentesentradas

no ser, quando se move no mundo (sobre estas entradas, entendemos percepção e sensação,como aspectos fundantes). Elas não exatamente representam um fechamento, mas a abertura,fissuradasrelações,compondoeatualizandoarealidade(Merleau-Ponty,1980).

Ovazioentraaí,nessemovimentoemqueopensamentotomaoutrasproporções,alimentadaspelo sentido e vivido, e despidas de pré-juízos, ou melhor, vazias: Segundo Merleau-Ponty(1974),Mallarméerafascinadopelapáginaembranco,porquegostariadedizerotudo...masopoeta vive a paixão da linguagem, que é ser obrigado a não dizer tudo se quizermos dizeralguma coisa. A página em branco ou o vazio são potencialidades que interrogam seupreenchimento,mas semdizer comoeporquê,apenas sugeremopreenchimento, omovimentoemdireçãoàexpressão.

Então,essemovimentoentrevazioepreenchimento–pelooutro,peladiferença–,dadopelodiálogo, se é uma condição humana, o é à medida que o homem destrói a generalidade daespécie e faz admitir sua singularidade. “É ainda chamando-o palavra ou espontaneidade quedesignaremos esse gesto ambíguo, que faz o universal com o singular e o sentido com nossavida”(Merleau-Ponty,1974,p.153).Dessemodo,dodiálogoemergeaindividuaçãoetambémo sentido atual de cada “palavra”. Não seria assim também com o movimento? Podemosreconhecerummesmomovimento,noentanto,eleéexpressãogenuínadequemofaze,também,aomesmotempo,éumaatualizaçãodosentidodeleemtermosdadança,dojáconstruídoepordentrodalógicaatual,aliconstruída.

Movo-meparameencontrar;omovimentosoueu.Háalgode“outroeu”nessemovimento.Improvisar lançaaquestãodeseépossívelestarnumapresençatalquepermitaquemeugestoseja eu; espontaneidade, no sentidodeMerleau-Ponty (1974), quemeugesto oferte paramimmesmoooutroeuqueestáàmargemdemeucampo“devisão”,naperiferia,mecompondo,masde um lugar onde eu não o manipulo conscientemente. Ao liberar esse outro eu, sigo meupercurso, nesse exercício de permitir ser simplesmente, dialogando dentro e fora de mim,pegando sentidos e significados existentes e deixando-os escapar, para tornar possível umapresençaqueoferecesentidostransformados,transformando-me.

Entendemosquecoexistirpossaserfazeroquesefaz,masescutandoooutro,notandoesseoutro, e talvez numa relação. Pode-sedesfrutar da relação circunstancial, e eupode-seajustarisso. “Coexistência nos dá a condição de não reagir de modo habitual, fortalecendo nossaindependência” (Nancy apud Krichke, 2012). Como apontamos anteriormente, Merleau-Ponty(1974) supõe que coexistimos à medida que nosso mundo sensível é tocado e partilhado poroutro.Coexistir nãoparece ser omesmoquedialogar,mas,ao tornarooutro efetivo emmeucampo de atuação, há transformações emmimque não necessariamente vêmda comunicaçãointencionalcomooutro,masdaefetivaçãodesuapresençaemmeumundosensível.

Mas há a possibilidade também de haver uma grande permeabilidade durante a dança oudurante o diálogo – diálogo este que é nossa construção e que nos constitui, como vimos

anteriormente.Apesardessapermeabilidadeetrocadepercepções,nãohápossibilidadedeumpassaraserooutro,poisambossãosempredistintos,únicos,mesmoquetambémsejambastanteíntimos,sendoquaseumsó,porém:“acarnedeumnãoésubstituíveldadooutro”(Kozel,2007,p. 244). A noção de coexistência é um importante norteador dessa relação onde compomosimprovisadamenteemdança.

Junto a isso, no momento em que se está em relação e coexistindo, há multiplicação depossibilidades,renovaçãodesentidosesignificados,transformaçãodossujeitos–justooqueseesperaencontrarnaImprovisação.Écomoseomundoeossujeitossedesdobrassememoutros,ou melhor, é uma abertura do mundo e do outro, para além do que havia antes, gerandodiversidade.

Comodançarina,souoquemoveeoquenãomove,devosaberomoveeoquenãomovenoespaço,eucrioumespaço,namedidaemquetenhoconsciênciadessainterface,evaialémdemim.Fazerecriarsão relação mútua. Presença também tem a ver com limite. Onde eu começo? Se eu não começo eterminonaminhapele,entãominhanoçãocomeçaamudar.Entãominhanoçãode independênciaéperturbadapelooutro.Oqueaconteceentrenósquandodançamos,nãoestabelecendodependência,porquenãodeixamostãoclaroondeumeooutrocomeçaetermina?(NitaLittleapudKrischke,2012)

Essapareceserumapossíveldescriçãodemultiplicaçãodocampodosensível,comhorizontesejunçõesqueseabremnodiálogo,aopassoqueconsideraoinvisíveleovisívelcomofacesdarealidade.Novas fronteirasmostram-seatravésdooutro,nodiálogocomooutro,ampliandoeestendendoocampodecadaum(Merleau-Ponty,1974).

Damesmaforma:“chegaraalgoescutando,excluindoouincluindocoisasélereserlegível.Denovo,devemosfocarnoprocesso:osomestáfazendocomqueaescutasejarefinada,enão

se trata tanto de escutar o som”, segundo Vargas10 (apud Krischke, 2012). Esse músicoimprovisadorsugerequeamúsicanosleveaumaescutarefinadaeaumaescutadamúsicaemsi.Oprocessodeescutar,ouseja,arelaçãoestáemdiscussãonamúsica,acomposiçãodá-secomênfasenasintonia,narelação.Esseartistaestápropondo,comamúsica,outromovimentoao seu interlocutor, um diálogo, o qual parece ser anterior ao das palavras, ou melhor: sonsentendidos,afinados,classificados,emqueoqueserequernãoéexatamenteapalavra,masovazio,ainterrogação,paratornarsensível.Assim,quer-seatuarinterrogandoomundo,atuarseumundosensível,paraabri-loaooutroeumesmoeaooutrodiferente,quepodemetransformar,aosugerirqueatenteparaescutar.

Eleestáaísugerindoalgomaispróximodeumcoexistir,jáqueacomposiçãoficaàmercêdapotência de relação, retirando a hegemonia de estéticas predefinidas e indo na direção decompartilhar uma experiência de estar presente, situando-se, ao ser interrogado, a escutar e,assim,tambémconstruirsentidosmaisautônomosparaamúsica.

Semdúvida,esseprocessoqueinterrogaamúsica,omovimento,ooutro,nãoestádescoladoda relação com a cultura e a história, apenas propõe culturalmente outro vetor. Permite, pelainterrogaçãoquefaz,umanovaapreensãodesimesmoedomundo,valorizandoaexperiência

antesdonomeoudeumaclassificação.Detodomodo,oquesesugereéumapercepçãodessarelaçãoentreahistóriaeaexperiência,lembrandoquenãodeveriahaverhierarquiaprévia.IssoremeteaKozel(2007),aocitarqueoselementosdaperformanceestãoemconstantediálogo,enãonuma tentativaderecolocá-loemoutro lugaroude trocarumelementopelooutro.Nãoseestá buscando um equilibrado círculo de trocas, Kozel está interessada na dimensão afetiva etransformadoradarelação(2007,p.245).

Domesmomodo, quando, Paxton (2006) cita a “questãodadelicadeza”, por exemplo, nocontextodanecessidadededefiniroContato Improvisaçãoeaomesmotempodedeixá-lo livrede definições que o encerrem, está falando da necessidade de abrir espaço aos diversosdesdobramentoseinterpretaçõesqueasrelaçõesnoContatoImprovisaçãopossaminspirar,masnãoapontodeperder-senomardaspossibilidades.Éadelicadezaao tratardoconhecimentocomoalgoquenãoestápronto,pois“oContatoImprovisaçãonãoestápronto”(Idem),mas,aomesmotempo,éidentificável.

Paxton defende (2006) que já há misturas, incorporações de elementos do ContatoImprovisação em outras práticas corporais, o que indica, ao mesmo tempo, a capacidade derelacionaretambémdeapresentarcontornos,elementosdefinidoresdoContatoImprovisação,omesmo parece servir para Improvisação em Dança. Não se trata, portanto, de considerá-laindefinida, pois muitas, aliás, são as definições encontradas, mas sim de não fechá-la nummodeloou forma,apontodedescaracterizarsuadimensãode investigaçãoe,portanto,abertasimetambémcontextualizada.

Diantedissotudo,nacoexistênciaarelaçãovaialimentandoumcampodesentido,porisso,reconhecível,passíveldenomear,masaserviçododiálogo,oumelhor,recolocadonodiálogo,eentãoconfigurandoacirculaçãodesentidoseapossibilidaderealdooutrocomo legítimoedemimcomooutroeu.

AodeslocarsuacentralidadeeconsideraraImprovisaçãoumespaçocomumquepotencializaoencontroearevelaçãodesiedooutro,talvezseestejaalmejandooespaçoparaqueaarteea comunicação aconteçam, por se considerar o campo sensível como tácito, tangível, semmodelos.Afinal,“nãoéDEalguémqueofaz,nãoéalguém,estánoentreealémdarelaçãocomooutro” (SmithapudKrischke,2012),mas estáapontandoparaumaatitude curiosa frenteaomundo,curiosaesensível,queinterroga,porque,emverdade,querdiálogoecoexistência.

4.Omovimentodossentidoseapercepção

Nestemomento,usamos reflexõesedescriçõesdapráticadoTuningScores11, enquanto umpossívelexemplodeImprovisaçãodemovimentocomfoconapercepçãoenodiálogo.Abre-sealinguagem desde o corpo às possibilidades que nos oferece o olhar, o tato a escuta e entãointeratua-secomestessentidosapartirdesuasformasdeperceberedecompornoespaçoecomosoutros.

Vemosaimagem-movimentoouomovimentodaimagem.Osentidodeum“olho-corpo”ouoscorposqueusamosolhosesuasmúltiplasfacetasdeobservação,suassensações,suasformasdepercebereperceber-senoambienteondeelessemovem.

Que imagem temos de nós mesmos quando nos movemos no espaço? Em função de quêestímulosestabelecemosanossarelaçãocomos limitesdesiedeoutro?Oquefazoambienteparaomeucorpo?

Queoutrasquestõesemergemdaprópriamaneiradeperceberomundoaosemoverouaoseaquietar,ativandoaconsciênciadeumcorpocomoutrossentidos.Oolharcomoumaformadeancorar,deverederevelar–aformamaispróximadenomearascoisasquevemosesentimos...E a possibilidade de revisitar esses padrões individuais de reconhecimento para poder decidiroutro caminho, dando vôo para outras explorações até encontrar um novo lugar talvezdesconhecido.

Osentidodemover-sepodevirdeumaexploraçãomicrooumacro,deacordocomofocodeatenção que nos propomos. Isso pode vir de estímulos visuais, sensoriais, perceptivos. Demudançasdeaçãooufiltrosdeatençãoquepropõeumare-observaçãosobreopadrãohabitualdeusoefuncionamentodonossoorganismoeseumovimento.Oqueaconteceseinibooureveloumsentidoparaabrirumnovosentidoaomover-me?

OtrabalhodeTuningScorespropõedesvendaraconsciênciadeumnovocorpocomoutrascamadasde sentido.Nos colocaemcontato comasdecisões internaseexternasem relaçãoànossospadrõessobrevivência.

Quaissãoasestratégiasqueumcorpotemparasobrevivernoespaço.Quaissãoosestímulosque o fazem reagir por formas habituais de comportamento e que podem variar e redefinir-sesegundooutrosjogosderelação.

Movo-meaofecharosolhoseaopausarosabro(inaloemmovimento,exaloempausa).Quandocomeçaequandoterminaummovimento?Levoaatençãoàsensaçãodapeletocandoochãoemedeixoguiarpelasinstruçõesdestaemcontatocomochão,asroupas,oar...Euviajodasensaçãodapeleàsensaçãodosossosorganizandoseumovimentorelativoaosseussuportescomochão,arazãoentreopesodelesparaochão.Asestradasquelevamparadentroeparaforadaterra,eusouguiadopelocontatocomaspartesmaisdensas,comoapelve,ondehámaismassamuscular,ósseaesigoestecaminhodopeso,seguindosuatrajetóriadecontatoedeixando-mesoltaremdireçãoaopiso,deixandoqueopesodoossofluaatéaterrausando-acomoumasuperfíciedemassagem.Passoparaacoluna,ascostas,costelaseescápulas,ombros,cabeça.Mudandoa formadocorpopara facilitareste trânsito.Caminhocontínuo.Usoa respiraçãoeapausacomoumsegundomapeamentoparasoltare fluir.Eusintoodesenhodeossosesigosuasnecessidades,mesmoindoparaforadeste“mapa”.Levoaatençãoparaaobservaçãodeum corpomovendo-sede um sentidoparaoutro.Omovimentodeatenção já é composição.Quêoutrosparâmetrosdeconexãoativamoutraexperiência?(PaulaZacharias,XISimpósioArte-Educação,2014)

Então, podemos nos abrir para funcionar a partir de outras conexões entre movimento,trajetóriasesentidosque lhedãosuporte,nomeouestabilidadeasuaexistênciano lugarondecadaumsemoveeémovido...

Emrelaçãoaestedesenvolvimentonocontextodeumaaulaoutreinamento,podemospropor,porexemplo:

Começarcomacomposiçãodocorpocomoumorganismobiológicocompostodemúsculos,pele e ossos, olhos, cérebro. Água. E a experiência,memória, desejos, emoções, imaginação,opinião,percepçãodemovimento,apreciaçãosensorial,expectativa.Todosestesconteúdossãocomposiçõesemsimesmas.

Podemostambémsugerirrelaçõescomo:Ocorpocomooambientedaimaginação.Ecomopassageirodaimaginação.Intençãoeatençãoaomovermo-nos.Sistema feeback (nocasodoTuningScores sãodiversos tantodopróprio corpoquantodas

relaçõesentreosparticipantes).Tudoissoenquanto“mapas”paraseguir.

5.Oacontecimento“entre”

Entrenós,quandoestamosdançando,háum terceiro campodepossibilidades,que seabrepor conta de uma comunicação direta dos corpos.Não háminha vontade e a do outro, há oacontecimentodoencontrodecorposeumconviteaodiálogo.Essediálogoconstróiumapontepara que “outro corpo possível” nasça dessa relação (Merleau-Ponty, 1994). Torno-me outro.Nessa direção, Kozel (2007) apresenta o termo intercorporrealidade (tradução livre deintercorporealitty), que se refere a interações físicas e subjetivas num campo de relações entrecorpos,queresultaemcriarrealidade.Sendoassim,o“entre”éresultadoetambémdefinidordodiálogo.

Essa cumplicidade vem da atenção e da presença no toque e no diálogo. A compreensãoimplícita da presença do outro como fator fundamental ao jogo, bem como de aspectosrelacionadosà segurança entre osparticipantes, fazpossível reconhecer esse “entre” comoumterceirocorpoatuandonadança,interferindoeatualizandoconstantementeadança.Aescutaeodiálogodos corpos é um treino importante, considera-se, aomesmo tempo, jogar comesseslimitesedesestabilizá-los.

Esse exercício é como um desvio ou um esvaziamento, de modo que sentidos, sensação epresença sãoos fios condutores na relação.Seria consideraro estudodo “campo sensível” na

formaçãohumanae,nessecaso,artística.Atemo-nosaoambiente12,umaambiênciadovivido,dosensível,quepodeserobservado,recriado tomadocomomaterialdecriaçãoemmovimentoouemdança.

NancyS.Smith13(apudKrischke,2012),emmuitosmomentos,citaovaziocomoimportantemarco do Contato Improvisação. Ele pode ser visto como um espaço de experimentação eobservação, dentro de um círculo formado pelo grupo, numa jam, numa aula, enfim, tomado

como parte do processo de prática do Contato Improvisação, ou seja, um espaço objetivo econcreto.Masessevazioétambémumestadodepermanentecuriosidade:capacidadedeserumcorpoatual,quepercebe(Merleau-Ponty,1994).

Ondeéesseespaçovazio?Entreascélulas?Suamente?Atitude?Materiais?Comoestarlivrenumespaçoesférico?Ummarco...epodeserdiferenteparacadapessoa.Diversascoisasestãoacontecendo,deformaquevivemosemestadodegraçapotencial.Estadosdosestados:muitascores,sentimentos.Meinteressacomofunciona.Hámuito fluirnoContato Improvisação,comocultivarumestadoparaconseguir fluir,nãoéumacoisa,ummovimento,hámaisqueisso.Vazioalémdoselementos.(NancySmith,op.cit.)

O “entre” (Levinas, 2004), ao tornar-se “nós”, traz também a ideia de que há um vaziohabitável potencialmente, um vazio construído pela dança e que possibilita a dança, pois esse“entre” é potência de nosso encontro, um exercício de coexistência, em que está operando osilêncio,afalta,oespaçoantesdaspalavras.Éumcampodosensívelsempreseatualizando.

Falar do “entre” também remete a aspectos da política, pois o ato essencialmente políticodeveria naturalmente conceber o outro em sua prática, em sua elaboração. Ou seja, estoucomprometidocomomundoparaalémdemimecoextensivoamim(Merleau-Ponty,1994).Juntoaocomprometimento,nomesmomovimento,gera-seanoçãodepertencimento. Levinas (2004)sugerequeo comprometimento comooutro éo sentidomaiordaprópria existência eque eleestariapautandonisto,umaéticaparaaatualidade.

“Aprenderacaminharnumaflorestaseminterferirnavidaqueestáali,mastambémsabersecolocar e ter vitalidade para responder à reverberação: essas atitudes são, paramim, dança”(NitaLittleapudKrischke,2012).

Interessanteressaltarquenumarelaçãodediálogo,éprecisodeixardesermuitoimportanteoseu gesto, para que então o gesto tenha o sentido de comunicar, como se fosse ela acomunicação que move o gesto, e não o contrário, ou melhor, gesto e comunicação sãoindissociáveis.Épreciso tambémdeixardesever insignificante,consideraraconcretudedeseugesto,presença,esuasimplicaçõesnomundo.Éprecisoserumarelaçãocarnal,nosentidoqueMerleau-Ponty(1984)apontaparaqueaconvicçãosejatomadacomopresença.

Alémdisso,háofatodenãoseagregarjuízodevaloràsrelações,mascompreendê-lasemmovimento, transitórias.Nessesentido,Levinas (2004)defendequeumarelaçãoentrehumanos

sópodeserdestituídadepoder14, senãoohumanonosescapa.Nomomentoemquevemosorosto, sua individuação e diferença, e vemos, ao mesmo tempo, a classe humana à qualpertencemos,portanto,igualamo-nos,nessahora,eo“entre”setornanós,enenhumdosdoiséobjetodooutro.Ambosestamosaoalcanceumdooutro.

Adançanãoéumaferramentaparaaçãopolítica,esimemsimesmaépolítica.Todaaçãoegestoquefaçodeterminamminharelaçãocomomundo.Avisãolinearedualistadenossasociedade,hierárquicaedicotômica. Estruturas políticas capitalistas se utilizamdisso, posições fixas são importantes para estaforma.ContatoImprovisaçãoestánoestadodemovimentonãoemposiçõesfixas.Segurançaéalgoque

estamos nos dando mutuamente na dança. Há investimento na boa vontade: boa vontade produzmovimentoevice-versa.Mudançadeparadigmarevitalizapráticasqueagente já faz,porexemplo:amaneiradetomadadedecisõesapartirdaatenção.Atençãoéumaatividade.(NitaLittleapudKrischke,2012)

Levinas(2004) tambémlembraa importânciadenosresponsabilizarmospornossapresençanomundo,o compromisso comaexistência e suas reverberações. Propõe,assim, uma tomadaética das relações, cujo eixo principal está no fazer e no ser para o outro, uma relação quepodemosreconhecercomsendodealteridade.Essaéticaparaaatualidadeétambémpolítica.

Consideraçõesfinais

Nodecorrerdotexto,háfoconodiálogocomautoreseartistasnosentidodecontribuirparaentendimentossobrenoçõesquenospareceramfundamentaisnaimprovisaçãoemdançacomo:diálogo, espaço entre, o outro, coexistência... Noções estas que partem da observação eexperiênciasartísticaspessoais,bemcomopesquisasacadêmicasaelasrelacionadas.

Percebemos, no entanto que há uma gama de abordagens possíveis relativas tanto a estesmesmos elementos como a outros que convergem á sua construção. Como vimos nodesenvolvimento, por exemplo, na discussão sobre o “entre”, o vazio e o ambiente receberamapoiodeMerleauPonty, Levináse JoséGil,maspoderiamganharcontornosdeoutrasáreaseautorescomogeografiaepolítica,porexemplo.

Refletindo sobre dança e improvisação, percebe-se a ênfase não apenas no que é, mastambémnosmeios e nomodode ser.Noções dediálogo, coexistência e alteridadealimentamesseprocesso,epodeminspirarofazerartísticoemsuasdiversasinstânciasbemcomoemoutrasrelações humanas, comprometidas ética e esteticamente com o outro, como, por exemplo, aeducação.

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Notas1.Bailarina,coreógrafa,pesquisadora,produtoraeprofessoradedança,improvisaçãoecomposiçãocênica,práticascorporaisemdança e educação somática. Licenciada emEducação FísicaUfsc, 1998.Mestre emEducaçãopelo PPGE/Ufsc. Foi bolsista doCapes,atuandodesde2003comopesquisadoradeDança.AtualmenteéprofessoracolaboradoranaáreadeDançanaLicenciaturaemArtesdoDEART,Unicentro.http://lattes.cnpq.br/0420157738582855.E-mail:[email protected]. Paula Zacharias (Buenos Aires/Argentina). Bailarina de butoh e contato improvisação, com sólida formação em dançacontemporânea.ComeçouadançarcomAlmaFalkenbergem1989,econtinuouseusestudoscomAndréaFernandez.Aperfeiçoou-seemcontatoimprovisaçãocomStevePaxton,NinaMartin,NancyStarkSmith,AlitoAlessi,MartinKeogh,AndrewHarwood,entreoutros. Na dança butoh teve como mestres Rhea Volij, Tadashi Endo, Minako Seki e Ko Murobushi. Faz parte do grupo decomposiçãodeButohdirigidopor RheaVolij. Trabalha como videasta e fotógrafaparaperformances e tempercorridodiversospaísescomoperformereprofessoraemparceriacomobailarinocanadenseAndrewHardwood.SeutrabalhodecomposiçãoemdançatrazreferênciasdométodoTuningScoresdeLisaNelsondequemédiscípuladireta.FormadaemAlexanderTecnique(2014).3.CristinaTurdoéprofessoranodepartamentodeArtesdoMovimentonaUniversidadeNacionaldeArtes.Estácomprometidanatransmissão,apráticaea investigaçãodoContato Improvisaçãodesdeo finaldosanos80.Suadança tem sido inspiradapordiversosmestrescomo:NancyStarkSmith,DanyLepkoff,LisaNelson,MarkTompinks,JoãoFiadeiro,entreoutros.Estudouesegueinvestigandoempráticasparalelascomoaimprovisação,oteatro,yoga,estudosetécnicasorientaisepráticassomáticas.ÉtitulardadisciplinadaContatoImprovisaçãonaIUNA,UniversidadeNacionaldeArtesdeBuenosAires.Docentenapósgraduaçãoem“NovasTendenciasdaDança”,lecionaregularmentenoCentroCulturalRojas.Vemtransmitindoestapraticahámuitosanosemvarias provincias argentinas; bem comopelaAmérica do Sul e nos EUA e Europa.Colabora na publicação em revistas como:“DanzaeImprovisación”(IUNA);ContactQuarterly(EUA).CoeditouarevistaPuntodeContacto(BsAs).Entre1999e2006,organizouoFestivalInternacionalemBsAs.SegueorganizandoeventosdeCIemconjuntocomoutrospaíses,comooGlobalUnderscore.4. Partituras de Sintonização (tradução livre). São uma maneira de investigar elementos fundamentais de performance,comportamento,movimentoecomunicação,deformacomplexa.OriginadoporLisaNelson,nofimdosanos70,asexploraçõesiluminamcomocompomosapercepçãoatravésdeação,emoutraspalavras,comoaprendemosoquevemosestáindissociavelmenteligadaàformacomovemos,pormeiodenossascamadasmultissensoriaisdeobservação.O“tuning”éumapráticaartísticafeitadeformaco-autoral,ondejuntos,vamosusandotantoomovimentoquantochamadasverbais.Atravésdeles,nóscomunicamosnossosdesejos,anossaimaginaçãoenossamemória,emumespaçodeimagemcompartilhada.Ecomestematerial,nóscompomosarteaovivo,juntos(Nelson,2004).5.ContatoImprovisaçãoéumaformacriadanocontextodopós-modernismodadançanosEstadosUnidos.Aproposta,iniciadaporStevePaxtonem1972,éumaartedomovimentodenaturezaimprovisada,define-secomotrabalhoderelaçãoevemsendoamplamentedifundidanaatualidade.Ofocodessapropostaéarelaçãorecíprocadedoiscorpos(oumais).Omovimentoévistocomoumconjuntoderelações,emqueabasenãoéumcorpoouumgrupodecorpos,masoconjuntoderelaçõesqueseestabeleceentreeles,ouseja,éumsistemademovimento,baseadonacomunicaçãodoscorposquesemovememdiálogo(Krischke,2012).6.Lembramostambémquetemosdialogadojádesde2010,masaocasiãodoSimpósiofoideextremaimportânciapelocontextoacadêmicoeartísticoaquesepropõe.7.Estamosaquiafirmandoarelaçãodinâmicadaexistênciacomaessência, tomandoaessênciaenquantoalgoconstruídonosprimeirosanosdevidaapartirdaexistência.Ouseja,ousodestestermosnãocorrespondenecessariamenteaopensamentoquevemdetradiçõesdoexistencialismooudoessencialismo.Estaremosdesenvolvendotaisaspectosmaisadiantenestetexto.8.Greiner(2007)eGil(2005)apresentamargumentosconsistentesarespeitodecorpo,consciênciaemovimento.Conceitoscomoembodiedservemparadarcontadestaabordagem.9.MerleauPonty(1974)sugerequetodoencontroquesepropõeaodiálogoestáapresençadouniversaledoindividual.Ouseja,aquiloqueseentendedentrodoquefoijáconstruídoculturalmenteequeamboscompartilham,comoummarcoculturalcomumequeoautorchamadeuniversal;eoindividualqueseriaoquecompreendecadaumcomsuascaracterísticasediferenças.10.Músico instrumentista e improvisador, ele colabora com a artisa americanaNancy Stark Smith há alguns anos, buscandorelações da dança de CI com a música essencialmente experimental. Um artigo de sua autoria sobre composição pode serencontradoemContactquaterly(2003).11.“Tuningscores”(partiturasdesintonização/afinação)sãoumveículoparasintonizarumsentidoindividualecoletivodoespaço,dotempo e conscientizam como as pessoas compõema percepção pormeio da ação, coma construção de teoria e comentáriosincorporadosemsuaprática.Foidesenvolvidodesdeosanos70,ouseja,emváriosanosdecriaçãoepesquisadeLisaNelson,emcolaboraçãodaquelesqueelaencontroucomo,porexemplo,emseutrabalhoentreeles:KJHolmes,KarenNelson,ScottSmith.Eforam influenciados por várias fontes, especialmente pesquisa de percepção de James J. Gibson e pesquisas iniciais BonnieBainbridgeCohenemBodyMindCentering™.Tambémpodemsermencionadoscomofontesadicionaisparaotrabalho;estudosdeGregory Bateson, e Steve Paxton como base na sua questão inicial para o Contato Improvisação “o que um corpo faz parasobreviver?”.

12. Ambiente tem sido reiteradamente considerado no contexto de estudos do movimento e da arte. Essa discussão pode serencontradaemGil(2005),porexemplo.13.JuntocomStevePaxton,éaprincipalreferênciadoContatoImprovisação.FormaaprimeirageraçãodoContatoImprovisaçãoeéeditorachefedarevistaContactquarterly.14.Entendemosquepoder sejaumaspecto social fundamentaldas relações,ou seja,nãoénecessariamenteemsinegativooulimitante. No entanto, no contexto da Improvisação, este está interrogado momentaneamente. Neste caso, o poder não éhierarquizado,mascircula,conforme(edurante)arelação.

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