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Resumo
Pouco valor se dá às histórias locais não citadinas, sendo em menor número os trabalhos
de investigação sobre tais localidades e tais territórios. Tais territórios são referidos
usualmente apenas de uma forma geral e muito breve, como elo de ligação para com
temáticas macro-históricas: como o estado e desenvolvimento agrícola do país, como
local de passagem de uma figura historicamente relevante ou apenas como pertencente a
algo administrativamente (por exemplo: Distritos, zona do Ribatejo, Zona de Intervenção
da Reforma Agrária, etc…).
Na verdade, estas vilas e aldeias rurais foram de enorme importância no próprio
desenvolvimento do país a diferentes níveis como, a nível administrativo de territórios
distantes da capital, a nível de produção do país para consumo e exportação, a nível de
formação etnográfica e de enriquecimento cultural, mas, também, como ambiente em que
figuras de alta importância para Portugal nasceram e cresceram, entre outros níveis.
O que começou por ser apenas a intenção de criar um roteiro turístico histórico,
desenvolveu-se de tal forma que se tornou um trabalho de investigação e análise histórica
detalhado e mais profundo sobre a localidade de Aveiras de Cima, e seus territórios
adjacentes, ao longo das Eras. Análise histórica essa que se estende desde a Antiguidade
até aos anos 70 do século XX, indicando características da região, divisões territoriais
político-administrativas e respetivas reformas, propriedades fidalgas, figuras de enorme
relevo e importância nacional e acontecimentos de importância não só local, como
nacional.
Palavras-Chave
História Local;
Ruralidade;
Agronomia;
Aveiras de Fundo;
Aveiras de Cima;
Carta de Foral;
Concelho;
Comendadoria;
Irmandade do Santíssimo Sacramento;
Quinta do Mor;
Torre Bela;
Mendia;
Francisco de Almeida Grandella;
Reforma Agrária;
Introdução
Surgindo a iniciativa de criar um roteiro turístico histórico, o que começou por apenas
ser uma investigação histórica sobre os principais pontos de destaque da vila ribatejana
de Aveiras de Cima, acabou por se tornar numa análise mais profunda sobre o percurso
da vila e das suas localidades adjacentes ao longo da História. Além de proporcionar uma
arquitetura para a criação de um roteiro turístico-histórico sobre a vila, dá a conhecer ao
leitor acontecimentos e pormenores impensáveis, mas que na verdade são de extrema
importância para a vida e manutenção de uma sociedade ao longo dos séculos. Este artigo
tem, também, como objetivo dinamizar a história das localidades, sobretudo das
localidades situadas em zonas rurais, sendo muita vez alvo de atribuição de pouca
importância ou mesmo desinteresse.
As derradeiras perguntas que levaram a esta investigação ter sido realizada foram: É
possível criar um roteiro turístico-histórico sobre Aveiras de Cima? Conterá a vila história
suficiente ou mesmo pontos geográficos/monumentos que permitam realizar uma
investigação historiográfica? Qual a origem do próprio nome da vila e quando o obteve?
Como se dividiu e funcionou administrativamente? Que documentos importantes para a
história da vila existem? Existiram figuras de destaque na vila? Existiu algum tipo de
fidalguia em Aveiras de Cima?
Da Antiguidade À Sua Efetiva Formação
A zona onde atualmente se situa Azambuja e todo o território circundante, desde a
Antiguidade sempre foi uma zona de solos férteis, devido também à sua proximidade com
um canal hidrográfico, a proximidade com o rio Tejo. O território conhecido pelos árabes
como Aaveyras compreendia o que são hoje os atuais territórios de Aveiras de Cima, Vale
do Paraíso e Aveiras de Baixo, pensando-se. apesar de tudo. que tal território excedia os
limites atuais dessas demarcações territoriais. Não existe até à data uma explicação
concreta para a formação do topónimo da localidade, mas a maior probabilidade é que
provenha da palavra celta “aber”, que significa “estuário”, ou “curso de água”, tal como
Aveiro, que antes da latinização do seu nome em Avariu se chamava Aberiu. É certo que
o território não é banhado pelo rio Tejo, mas é atravessado por vários riachos que
conduzem a tal rio.
O marco histórico mais antigo que se conhece sobre a atual localidade de Aveiras de
Cima como uma comunidade, é a edificação de uma igreja, mandada construir pelo conde
D. Henrique (pai de D. Alfonso Henriquez, primeiro rei de Portugal) durante a
Reconquista Cristã da Península Ibérica, em 1109. Rapidamente o território viria a cair
de novo em mãos muçulmanas. Passou, novamente, para domínios cristãos em 1147,
aquando das conquistas de D. Alfonso I de Portugal entre Santarém e Lisboa. Sendo toda
a região povoada por francos, cruzados ou familiares de cruzados a caminho da Terra
Santa que ajudavam os reis cristãos no combate aos “infiéis”. Curiosamente, a igreja que
referi ter sido edificada e entrado em funcionamento em 1109, continuava em 1147 a ser
um espaço onde as mesmas práticas religiosas vinham sendo praticadas. Isto deve-se ao
facto de os muçulmanos, aquando a sua ocupação, permitirem a continuação da existência
de outros cultos que não o Islão. Em troca, apenas teriam que pagar um pequeno tributo.
Esta manutenção de cultos acaba por justificar, inconscientemente, a aderência da
população perante as atividades com um certo carácter religioso, em contrapartida às
atividades sem esse carácter. A história de Aveiras de Fundo, como foi conhecido o
território (que hoje corresponde a Aveiras de Cima e a Vale do Paraíso) por se situar no
fundo do termo de Santarém, sempre teve uma ligação forte com a religião cristã e com
a própria instituição Igreja.
Aveiras: Do Medievalismo Aos Descobrimentos
Em 1194, o rei D. Sancho I de Portugal oferece a igreja anteriormente referida e as suas
terras circundantes à ordem militar religiosa de Santiago. “Aquando foi conseguida a
conquista de Alcácer do Sal, a ordem muda a sua comunidade para lá e, vêm para seu
lugar, procurando um retiro pacífico, as comendadeiras dos Santos Mártires de Lisboa
em 1233”1. No momento temporal do cerco a Lisboa pelo rei D. Juan I de Castela, em
1384, as comendadeiras retiraram-se para o palácio do Limoeiro, só voltando a deter em
sua posse a paróquia de Aveiras de Fundo em meados de 1490, com uma côngrua de
250.000 réis.
Não esquecendo, já em 1210, o rei D. Sancho I de Portugal havia outorgado à população
daquele Concelho uma Carta de Foral. Carta essa que continha as leis com que a
população se deveria reger e o valor dos impostos a pagar. Esta Carta de Foral veio a ser
revista e foi outorgada uma nova versão, com as alterações necessárias e uma nova escrita
de forma a facilitar a sua perceção relativamente à época. Isto em 1472, pelo rei D.
Manuel I de Portugal, sendo doada esta nova Carta de Foral em 1513. Nela podia ler-se:
“Aveiras, foral. Aveiras e Val Paraisso da Comendadeira de sanctos forall.
Foral Daveiras e Val Parayso da Comenda de Sanctos. Por El Rey Dom Sancho. Dom
Manuel,[…].
Mostrasse pelo dito foral mandarse pagar nos ditos lugares ho oytavo de todo pam,
vinho, linho somente, no qual pagarão inteiramente como até agora pagaram.
E nom se pagará ho dito oytavo nem outro nem huum tributo nem foro Real de legumes,
nem dazeite nem de nenhuuma semente nem fruyta nem novidade que na dita terra se
aja.”2
“A 3 de Março de 1434, a pedido do nobre D. João Afonso de Brito, o rei D. Duarte de
Portugal reforça e confirma a Aveiras de Fundo a sua autonomia e jurisdição próprios,
devido à distância com Santarém”.3 Autonomia essa que havia sido promulgada pela
primeira vez em 1401 por seu pai, D. João I de Portugal, numa Carta de Jurisdição. Foram
esta autonomia e jurisdição próprias, atribuídas primeiramente na Carta de Jurisdição de
D. João I, separando o concelho do termo de Santarém, e o “foral novo” de D. Manuel I
mais tarde, que vêm alterar o nome do concelho de Aveiras de Fundo para Aveiras de
Cima, devido à maior fluência de atividades e pessoas neste concelho do que no concelho
vizinho com o mesmo nome, passando este a denominar-se Aveiras de Baixo.
Alguns anos depois, outro acontecimento histórico marcou o concelho. Em 1493, o
navegador Cristóvão Colombo, regressado da descoberta das Américas, encontra-se com
o então rei D. João II de Portugal no lugar de Vale do Paraíso, então parte do concelho de
1 Cota PT/TT/MSN (Arquivo Nacional da Torre do Tombo); 2 ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima - página 21; 3 Azambuja – Memória Portuguesa: http://terrasdeportugal.wikidot.com/azambuja (consultado pela última vez a 14/06/2016);
Aveiras de Cima. D. João II de Portugal afirmava que as terras descobertas pertenciam
ao Reino de Portugal e dos Algarves, pois, estavam dentro da área de exploração
portuguesa definida no Tratado de Alcáçovas-Toledo de 6 de Março de 1480. Este tratado
defendia uma linha divisória de exploração e posse do mundo até então conhecido: Das
Canárias para baixo a área era portuguesa, das Canárias para cima era área dos reis de
Espanha. Violação de tratado, esta, que veio a dar origem ao Tratado de Tordesilhas a
370 léguas (1770 km) das ilhas do arquipélago de Cabo Verde. A leste do chamado
Meridiano de Tordesilhas, a área de exploração era portuguesa, a oeste dela era da coroa
espanhola.
Aveiras no Século XVIII E XIX
De seguida será feito um avanço temporal, sendo de elevada importância referir a
presença de três confrarias no concelho de Aveiras de Cima, surgidas entre os séculos
XVII e XIX: a Confraria da Senhora das Candeias, a Confraria da Senhora dos Milagres
e a Confraria da Senhora da Purificação. “As confrarias eram principalmente instituídas
pelos que desejavam tirar vantagens práticas, dado ser uma associação e existir um cofre
comum.”.4
Refiramos agora a construção e o espaço mais imponente que incorporava (e incorpora),
não só, mas também, parte do território do concelho (atualmente da freguesia) de Aveiras
de Cima. Refiro-me à Herdade da Torre Bela. Num momento posterior cronologicamente
será novamente referida, mas nesta etapa será apenas relatada a existência de tal
propriedade no século XVIII e as transições de proprietário de maior destaque.
Localizando-se nos limites do concelho de Aveiras de Cima, foi uma casa distinta pelos
bens, figuras e acontecimentos que dela fizeram parte. Criada durante o reinado de D.
Pedro II, a Torre Bela foi entregue ao cardeal D. Luís de Sousa, um diplomata notável.
Este anexou-lhe vastos campos e bosques, percorrendo São Pedro de Arrifana,
Ameixoeira, Arretorta, Olivais, Ribeira da Vala, Ferraria e Archino, chegando a estender-
se até Ota, no concelho de Alenquer. A herdade deve o seu nome de “Torre Bela” à torre
do edifício central desta que unia as duas estruturas do edifício. A propriedade era um
imponente símbolo de nobreza, delimitada por um muro que tinha dezoito quilómetros de
perímetro, contendo no seu interior o paraíso para qualquer nobre caçador pela sua
abundante fauna. Por morte do cardeal, e por pertencer à casa dos Sousa, passou ao
4 ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 35;
duque de Lafões, D. Pedro Henrique de Bragança e Ligne Sousa Tavares Mascarenhas
da Silva, filho de D. Miguel (filho legítimo de D. Pedro II) e de sua mulher, D. Luísa
Casimira de Nassau e Sousa, senhora das casas dos condes de Miranda do Corvo e
marqueses de Arronches e representante da antiquíssima casa de Sousa.5
O segundo senhor da maravilhosa herdade foi D. João Carlos de Bragança Lignite
Tavares Mascarenhas da Silva. No entanto, recusando o rei D. José dar-lhe direito sobre
a sua própria propriedade por direito, fez D. João retirar-se do reino e fixar-se em
Inglaterra e fazer campanhas militares na Guerra dos Sete Anos no exército da Áustria.
Com a morte do rei D. José, o nobre fidalgo pôde regressar ao seu país, onde foi recebido
por D. Maria I, que lhe restituiu todos os seus bens por direito. Em 1782, com a morte do
Conde de Azambuja, o Duque de Lafões passa a comandar todo o exército português.
Sabemos através de “As Memórias Paroquiais”, resultantes de um inquérito realizado em
1758, que Aveiras de Cima ficava na província da Estremadura, pertencia do Patriarcado
de Lisboa, à comarca de Santarém e, tinha termo e freguesia próprios. O donatário de tal
território era a Comendadoria de Santos-O-Novo, da cidade de Lisboa. Continha como
população “cento e setenta vizinhos, quatrocentas e sessenta e três pessoas de comunhão
e cinquenta para sessenta de confissão”6. Localizava-se numa campina e o seu termo
compreendia, também, Vale do Paraíso que continha quarenta vizinhos. A igreja de
Aveiras de Cima fora consagrada a Nossa Senhora da Purificação e, o pároco era vigário
da apresentação da Excelentíssima Comendadoria de Santos. O concelho continha duas
ermidas, em Aveiras de Cima uma Ermida de São Martinho, dentro da povoação, e em
Vale do Paraíso uma Ermida de Nossa Senhora do Paraíso, fora da povoação. Aveiras de
Cima possuía juiz ordinário, câmara e não estava sujeito ao governo das justiças de outra
terra. Ficava a 12 léguas da cidade de Lisboa, capital do Reino e do patriarcado a que
pertencia.
A fama sobre a região vinícola de Aveiras de Cima é já muito antiga, mas as medidas de
proteção e de desenvolvimento da vinha, datam apenas da segunda metade do século
XVIII.
É durante a Guerra Civil entre absolutistas e liberais, que se dá a reforma administrativa
que permanece quase imutável até aos dias de hoje. Em 1832 é emitido um decreto que
5 ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 32; 6 ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 48;
permitia a partir daquele momento, a unificação ou desanexação de concelhos, tal como
de freguesias. Já durante o 2º reinado de D. Maria II, em 1935, existiam setecentos e
noventa e nove concelhos, descendo este número para trezentos e cinquenta e um
concelhos, em 1936. Aveiras de Cima deixava, assim, de ser concelho, unindo-se os
antigos territórios do concelho ao concelho de Azambuja a 15 de Junho de 1936, sendo
que Vale do Paraíso só se separa administrativamente de Aveiras de Cima em 1916, já
em plena Primeira República Portuguesa. Após esta restruturação administrativa, o país
passa a subdividir-se politicamente em municípios e, estes, em juntas de paróquia. As
juntas de paróquia de freguesias até duzentos fogos eram constituídas por três membros,
em freguesias até oitocentos fogos tinham na sua constituição cinco membros e em
freguesias que contivessem mais de oitocentos fogos eram constituídas por sete membros.
Em 1837 forma-se a junta de paróquia de Aveiras de Cima
Em 1783, é feita uma tentativa pelos juízes e mesários da Irmandade do Santíssimo
Sacramento de Aveiras de Cima, tal como a população e membros das restantes confrarias
ai existentes, de obter permissão para unir a Confraria de Nossa Senhora da Purificação
e a Confraria de Nossa Senhora dos Milagres à Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Aveiras de Cima. A tal pedido não foi dado permissão, quer por rejeição do provedor da
comarca de Santarém, quer por rejeição do procurador da Coroa, quer por rejeição dos
membros da Mesa de Desembargo do Paço. Esta rejeição deveu-se apenas ao capítulo 12
do compromisso escrito e defendido pelos primeiramente referidos, capítulo este que
atribuía os rendimentos das covas dos mortos à Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Aveiras de Cima. Só em 1842 é retomada a tentativa e é efetivada a Irmandade do
Santíssimo Sacramento da Freguesia de Nossa Senhora da Purificação de Aveiras de
Cima. É a 20 de Novembro de 1859 que é, finalmente, fundada a dita irmandade por
“irmãos”, sendo atribuído ao primeiro irmão a ser matriculado o cargo de juiz da
instituição. Neste preciso caso, a primeira matrícula foi a de Manuel da Silva Lavareda e
Pitta, tendo este sido nomeado como juiz da instituição. As irmandades do Santíssimo
Sacramento eram associações públicas de fiéis católicos com o fim de promover e
intensificar o culto ao Santíssimo Sacramento, fomentar o fervor religioso dos seus
membros, contribuir para a formação cristã na Paróquia e realizar obras de caridade.
A segunda metade do século XIX vem-nos trazer um importante ponto de referência a
vários níveis na vila de Aveiras de Cima: ao nível do desenvolvimento vinícola e agrário,
ao nível de património nobre e, por último, mas não menos importante, ao nível de grande
beleza e mistério paralelamente. O ponto de referência que indico é a Quinta do Mor,
propriedade dos Mendia. D. Henrique da Cunha Matos de Mendia era irmão do primeiro
marquês e primeiro conde de Mendia, e sobrinho-neto de Fontes Pereira de Melo. Nasceu
em Lisboa em 1858 e, formou-se em Agronomia. Prestou importantes serviços à
agricultura nacional, destacando-se como um importante viticultor. A Quinta do Mor no
tempo de vida de D. Henrique de Mendia mostrava-se um paraíso tanto agronómico como
vitícola, contendo uma enorme “plantação de pinheiro marítimos e extensões de olivais
mas que, sob o ponto de vista de exploração, se tornam pouco rendíveis”7, sendo o cultivo
e o interesse principal do proprietário a vinha. A propriedade estendia-se por cento e vinte
hectares e continha, além de terrenos de cultivo, um solar, adegas e outras instalações,
estando estes edifícios localizados no ponto mais alto da propriedade. Em 1888, a filoxera
dizimou as vinhas portuguesas, tendo esta praga de insetos entrado na Quinta do Mor e
chacinado as culturas lá existentes. D. Henrique de Mendia viu destruídas as castas de
vinho que tanto davam prestigio à Casa Mendia. Face a esta praga, este associou-se à
Comissão Central Antifloxérica do Sul do Reino e, promovendo replantação das vinhas
portuguesas e dando exemplo na sua propriedade de Aveiras de Cima, a Quinta do Mor.
Muitas foram as reformas administrativas nacionais, e às quais Aveiras de Cima esteve
sujeita. A 26 de Junho de 1867 dá-se uma nova reforma na administração geopolítica de
Portugal. O Conselho de Ministros emite uma lei que impera a extinção de alguns
concelhos, entre os quais, o concelho de Azambuja. As freguesias pertencentes a este
concelho passariam a pertencer aos concelhos limítrofes e, assim, a freguesia de Aveiras
de Cima passa a pertencer ao concelho de Alenquer. Esta lei veio trazer consequências
nocivas para a população pois existia uma grande distância, e dificuldade de muitos
populares deslocarem-se até à sede municipal para tratar de assuntos burocráticos, apenas
possíveis de tratar na sede do município. Esta situação teve a duração de sete meses, mas
devido à forte contestação a vários níveis sociais, a lei de 26 de Junho de 1867 torna-se
obsoleta. Recria-se o concelho de Azambuja e Aveiras de Cima deixa de ser uma
freguesia do município de Alenquer, voltando ao anterior concelho a que pertencia, o qual
era geograficamente mais próximo e de mais fácil acesso pela população. O ofício notarial
de Aveiras acaba extinto em 1900, aquando da reforma notarial, e é incorporado no 2º
7 ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 181;
Ofício de Azambuja e, a partir de 1911, os arquivos da paróquia de Aveiras de Cima
passam a ser incorporados no Arquivo Distrital de Lisboa.
Francisco de Almeida Grandella
E como falar sobre Aveiras de Cima, historicamente, sem falar das figuras mais
aclamadas por esta localidade? Refiro-me a Francisco de Almeida Grandella Nascido a
28 de Junho de 1853 em Aveiras de Cima, Francisco de Almeida Grandella era filho de
um médico, Dr. Francisco Maria de Almeida Grandella, e de Matilde Libânia Doroteia.
Vou-me referir a este senhor de uma forma geral, para de seguida efetuar citações acerca
de si e de seu pai, pois, já vários estudos sobre si foram realizados. Francisco de Almeida
Grandella foi muito novo para Lisboa, em 1863, trabalhar como aprendiz numa loja de
fazendas, camisaria e modas. Tornou-se um empreendedor, criando o seu primeiro
estabelecimento comercial em 1879 e, progrediu tanto que, em 1891 cria a primeira
grande superfície comercial em Portugal, no Chiado. Criavam-se assim os aclamados
Armazéns Grandella. Cria um bairro para alojar os seus empregados e as respetivas
famílias, contendo este bairro cresces e escolas primárias para educação dos filhos de tais
empregados. Deu-se a este bairro o nome de Bairro Grandella. Foi filiado no Partido
Republicano e, vereador na Câmara Municipal de Lisboa entre 1908 e 1912, tornando-se,
também, maçon em 1910, filiando-se na loja de São Estevão, em Lisboa. Tornou-se uma
figura crucial no que toca à alfabetização do país, criando várias escolas primárias, duas
delas no concelho onde nascera: uma na sua terra-natal Aveiras de Cima, à qual dá o nome
de seu pai, Francisco Maria de Almeida Grandella, e outra em Tagarro. Francisco de
Almeida Grandella acabaria por perecer na localidade de Foz do Arelho, concelho de
Caldas da Rainha, a 20 de Setembro de 1934. Termino esta temática fazendo citações
relativas ao Dr. Francisco Maria de Almeida Grandella, importante médico que cuidou
de tantos pacientes não só em Aveiras de Cima, como em todo o concelho de Azambuja
e concelhos próximos, e relativas ao seu filho, o brilhante empresário e político, Francisco
de Almeida Grandella:
Francisco Maria de Almeida Grandella foi um médico cirurgião que adquiriu grande
prestigio em Aveiras de Cima devido ao seu auxílio prestado ao povo dessa localidade, e
não só, tornando-se mais tarde uma figura de relevo nos atos públicos de Aveiras de Cima.
“Em 1856, aquando do surto epidémico de cólera-morbo, acorreu, incansável, a todos
os lugares não só da freguesia mas também do concelho, chegando a acudir a enfermos
do vizinho concelho do Cartaxo. Ele próprio, depois de sentir os primeiros sintomas da
cólera prossegue na sua missão, que já é cruzada”.8
O seu filho, Francisco Grandella demonstrou ser senhor de grande inteligência e ativismo
social. Foi novo para Lisboa como aprendiz de caixeiro e, ainda caixeiro, andou numa
campanha pelo fecho do comércio ao Domingo. Segundo este, era um direito do
trabalhador o descanso semanal, podendo passar o trabalhador este dia com a família,
algo que não era possível em dias de trabalho devido ao horário dos ofícios. No entanto,
a Igreja Católica apropriou-se de tal vitória, afirmando que só foi possível tal vitória para
que o trabalhador pudesse assistir à eucaristia. Sendo o comércio o meio onde andavam
mais presentes os ideais republicanos e maçónicos, e consequentemente anticlericais, era
uma mais valia para a Igreja a paragem desta atividade. Mas por tal benesse que este
acontecimento constituiu para a Igreja, viu-se necessária a retoma da atividade comercial
ao Domingo, representando uma pura atitude política por parte dos comerciantes.
Entretanto, Francisco estabeleceu-se por conta própria, adquirindo cada vez mais
estabelecimentos, que inicialmente não passavam de lojas pequeníssimas. Foi adquirindo
áreas maiores e desenvolvendo meios publicitários. Abriu várias lojas, tais como as
Fazendas Baratas, a Loja do Povo e a Novo Mundo. Idealizando a construção de grandes
armazéns, como os Printemps de Paris, levou Francisco Grandella a criar os Grandes
Armazéns Grandella, na Rua do Ouro, planeando juntar-lhes dois edifícios adquiridos na
Rua Nova do Carmo. Tal plano realizou-se, encomendando o projeto ao arquiteto Georges
Demay. Foi assim que se criou o primeiro grande complexo comercial da Península
Ibérica, na Baixa de Lisboa, como se todo o comércio local estivesse situado num único
quarteirão. Os Armazéns Grandella viriam a ruir durante o Incêndio do Chiado de 1988,
sendo reconstruídos sob o projeto “Grandes Armazéns do Chiado” em 1995.
A Reforma Agrária e a Ocupação da Quinta da Torre Bela
Contrariamente ao que muita gente pensa, os acontecimentos historicamente destacáveis
em terras de Aveiras de Cima não terminam com os grandes feitos da família Grandella
na primeira metade do século XX. Após longos anos de o país estar mergulhado em
8 ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de Freguesia de Aveiras de Cima – página 203;
ditadura (1926-1974), readquire liberdade através do golpe de Estado de 25 de Abril de
1974, que depõe o regime autoritário do Estado Novo, tendo Marcelo Caetano como
Presidente do Concelho de Ministros em tal momento. Nos anos que se sucederam,
existiram várias ocupações, primeiramente na zona do Alentejo, onde existiam mais
latifúndios e o número de trabalhadores temporários era maior, mas depressa atingiu a
zona do Ribatejo, onde vários latifúndios foram igualmente ocupados por trabalhadores
que formaram cooperativas de produção. Estas ocupações inseriram-se no período pós-
ditadura que ficou conhecido como o período da Reforma Agrária. Focando
geograficamente na zona de Aveiras de Cima, as principais ocupações operárias foram
realizadas sobre a Quinta do Mor, a Quinta da Ameixoeira e a Quinta da Torre Bela, esta
última documentada num filme do realizador alemão Thomas Harlan.
Em Abril de 1974, a agricultura representava um sector de grande dimensão na sociedade
e economia portuguesas, sendo que mais de um quarto dos trabalhadores agrícolas tinham
nesta área a sua atividade profissional principal. No que toca à economia nacional, a
agricultura traduzia-se em 15% do produto interno bruto. Por esta altura temporal, ainda
dois quintos da população continental habitavam em explorações agrícolas. Ainda em
regime de Estado Novo surgiram pensamentos sobre a necessidade de existir uma
intervenção na estrutura da propriedade e um desenvolvimento industrial, sendo estes
indispensáveis ao desenvolvimento do país. Necessidade essa que se vem agravar com o
enfraquecimento da economia pelo grande êxodo rural dos anos 60, em que muitos
trabalhadores agrícolas emigraram para fora do país e mesmo do continente, e pela
crescente capitalização da agricultura. A saída da população foi acompanhada por uma
subida de salários que conduziu as explorações a percursos diferentes, mas em suma à
constituição de um forte sector capitalista.
“Nas vésperas do 25 de Abril, os grandes capitalistas agrícolas já se tinham imposto aos
que não haviam intensificado e capitalizado e já assumiam também preponderância nas
estruturas locais de poder (casas do povo, grémios da lavoura, juntas de freguesia,
câmaras municipais, cooperativas)”.9
Propriedade esta já anteriormente referida neste artigo, a Quinta da Torre Bela pertencia
então à Casa de Lafões. Apesar da enorme propriedade, o duque de Lafões, D. Miguel de
9 BRITO, J.M. Brandão de (coord.), BAPTISTA, Fernando Oliveira (2001), O 25 DE ABRIL, A SOCIEDADE RURAL E A
QUESTÃO DA TERRA in “O País em Revolução”, (Lisboa), Editorial Notícias;
Bragança, não manda explorar os terrenos férteis e coloca cada vez menos trabalhadores
a seu serviço para executar tarefas bastante árduas. Os trabalhadores, revoltados por não
terem sustento e pelo não aproveitamento dos bons solos para cultivo, organizam-se e
ocupam a Quinta da Torre Bela a 23 de Abril de 1975, com o fim de eles próprios
explorarem a propriedade e a gerirem comunitariamente. Entre os trabalhadores
contavam-se habitantes de todas as localidades em que a Quinta ocupava um pouco de
terreno, ou localidades vizinhas (Manique do Intendente, Maçussa, Vila Nova de São
Pedro, Vale Carril, Ereira, Lapa, Alcoentre e Aveiras de Cima). Esta ocupação viria a ser
apoiada por membros do Movimento das Forças Armadas e legalizada pelo Instituto de
Reorganização Agrária. Com o surgimento de fações político-militares, com a chamada
Lei Barreto e com o primeiro Governo Constitucional pós-Estado Novo, os ocupantes são
detidos, tal como militares que os apoiaram, e as propriedades são devolvidas aos antigos
proprietários. Muitos veem este acontecimento como algo ridículo e utópico na sua base,
outros como um mero contexto histórico, mas muitos como um sonho que foi brevemente
realizado infelizmente para eles.
Roteiro Histórico de Aveiras de Cima
Como pontos físicos para a existência de uma rota turístico-histórica na atual freguesia
de Aveiras de Cima (sendo que um dos pontos se encontra num território da freguesia
anterior a 1916) podemos considerar:
A tão importante e referida Igreja de Nossa Senhora da Purificação de Aveiras de
Cima;
A Junta de Freguesia de Aveiras de Cima, atual sede administrativa da freguesia
e onde se encontra pelo menos uma das cartas de foral;
O museu Casa Colombo em Vale do Paraíso, onde foi recebido o navegador
Cristóvão Colombo;
A Quinta do Mor (de acesso restrito, podendo-se pelo menos vislumbrar o altivo
prédio rústico da propriedade e ter uma certa noção de como seria a propriedade
na sua época áurea);
A Escola Francisco Maria de Almeida Grandella, atualmente transformada em
biblioteca (incorporada numa rede de bibliotecas municipais);
A Quinta da Torre Bela (de acesso restrito, podendo-se pelo menos vislumbrar os
imponentes muros que constituem a sua atual limitação territorial);
Bibliografia e Webgrafia
- ELEUTÉRIO, Victor Luís (2001), “Aveiras de Cima E Os Grandella”, Junta de
Freguesia de Aveiras de Cima;
- PEREIRA, José António Machado (2009), “Identidade, História e Memória da Terra de
Aveiras de Baixo”, Junta de Freguesia de Aveiras de Baixo;
- OLIVEIRA MARQUES, A.H. (2015, “Breve História de Portugal”, (Lisboa), Editorial
Presença;
- Cota PT/TT/MSN (Arquivo Nacional da Torre do Tombo);
- Cota PT/ADLSB/NOT/CNAZB3 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo);
- Cota PT/ADLSB/PRQ/PAZB03 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo);
- GODINHO, Vitorino Magalhães (1971), “Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa”,
(Lisboa), Arcádia;
- GARRET, José Baptista da Silva Leitão de Almeida (1846), “Viagens na Minha Terra”,
(Lisboa);
- HERMANO SARAIVA, José (coord.), LOPES, Fernão (2004), Crónica de El-Rei D.
João I de Boa Memória in “Biografias da História de Portugal – Volume XXI”,
(Matosinhos), QuidNovi;
- HERMANO SARAIVA, José (coord.), OSÓRIO, Jerónimo (2004), Da Vida e Feitos
de El-Rei D. Manuel in “Biografias da História de Portugal – Volume XXVII”,
(Matosinhos), QuidNovi;
- BRITO, J.M. Brandão de (coord.), BAPTISTA, Fernando Oliveira (2001), O 25 DE
ABRIL, A SOCIEDADE RURAL E A QUESTÃO DA TERRA in “O País em Revolução”,
(Lisboa), Editorial Notícias;
- Azambuja – Memória Portuguesa: http://terrasdeportugal.wikidot.com/azambuja
(consultado pela última vez a 14/06/2016);
- TORRE Bela, documentário sob a direção e realização de Thomas Harlan, produzido
em Manique do Intendente (Portugal) em 1975, com um formato de 1 hora e 45 minutos;
- FILIPE, Wilson, entrevista sobre a experiência da ocupação da Quinta da Torre Bela,
realizada em Maio de 2016 em Aveiras de Cima, concedida ao autor deste artigo;