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BIG BROTHER: A CULTURA DO VAZIO Nuno Cardoso Nº16607 Design de Animação e Multimédia - 1ºano Pensamento e Cultura Contemporânea Docente: Maria Filomena da Silva Barradas Janeiro 2014

BIG BROTHER: A CULTURA DO VAZIO

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BIG BROTHER: A CULTURA DO VAZIO

Nuno Cardoso

Nº16607

Design de Animação e Multimédia - 1ºano

Pensamento e Cultura Contemporânea

Docente: Maria Filomena da Silva Barradas

Janeiro – 2014

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 2

1. O “REAL” DA REALITY TV ........................................................................ 3

2. A FAMA E A SOCIEDADE DE CONSUMO .................................................. 5

3. O NARCISISMO E O VAZIO ...................................................................... 7

3.1 A Internet e as Redes Sociais .............................................................. 7

3.2 A televisão e a perda de sentido ......................................................... 7

4. O CULTO DO CORPO ............................................................................... 9

CONCLUSÃO ............................................................................................. 10

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 11

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INTRODUÇÃO

Entendendo a cultura como a cadeia de valores (humanos, políticos,

estéticos) que constituem a nossa vida comum, quero defender a ideia

segundo a qual os reality shows são objetos eminentemente culturais e que

devem ser pensados e criticados.

Embora nos levem muitas vezes a crer que só a ópera, o teatro e a

pintura são cultura (as chamadas artes nobres ou alta cultura), considero

que tudo deve ser colocado no mesmo plano, pois a cultura não é uma

questão de gosto, a cultura é um facto. Eu posso odiar o Big Brother mas

não há como negar o seu peso na nossa cultura nem como fugir ao seu

impacto cultural.

Esse impacto é visível nos vários meios de comunicação, desde os

telejornais; à imprensa cor-de-rosa; à Internet e ao fenómeno das redes

sociais onde os seus usuários criam uma espécie de reality show pessoal e

onde os valores do Big Brother estão todos lá.

Assim, este trabalho têm o intuito de explorar como a reality TV está a

mudar a nossa sociedade e a nossa cultura e, por isso, os seus valores.

O trabalho resulta de uma pesquisa feita pela Internet, mas baseia-se

sobretudo nas ideias contidas nos livros A Era do Vazio de Gilles Lipovetsky

e Simulacros e Simulação de Jean Baudrillard.

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1. O “REAL” DA REALITY TV

A reality TV promete a total transparência, o desnudamento de tudo,

o mostrar de tudo. Este exagero chega a um extremo que podemos chamar

pornográfico, ou seja, algo gratuito e obsceno (do latim: o que fica fora de

cena). Porém a reality TV não mostra o real, ela reinventa o real e faz uso

de uma sociedade já híper-realizada.

O hiper-real, como o definiu o pensador francês Jean Baudrillard,

está, hoje em dia, em todo o lado: como por exemplo nos parques

temáticos como a Disney Land, considerado “the happiest place on earth”

é um festim de híper-realização. Desde os homens dentro dos fatos do rato

Mickey ou do pato Donald, aos animais robotizados, é difícil encontrar lá

algo que não seja artificial.

Mesmo a própria comida já começou a ser artificializada

(McDonalds,…), enfim, é caso de considerar que algumas ideias de ficção-

científica estão cada vez mais próximas da realidade. Por vezes, torna-se

mesmo frustrante encontrar algo verdadeiro e genuíno nos nossos tempos,

ou será que já preferimos a simulação?

O jogo dos Sims pode ser paradigmático: os jogadores criam

personagens, metem-nos numa casa e simulam a vida deles (as refeições, o

dormir, o ir à casa de banho,…). Esta nossa necessidade de sermos Deus, ou

seja de controlarmos em absoluto a vida dos outros e a nossa; de vivermos

através dos outros, ainda que não sejam reais (jogos de vídeo) é também a

mesma necessidade que leva as pessoas a verem o Big Brother e a sentirem-

se parte do jogo.

Isto tudo para mostrar que os concorrentes de programas como o Big

Brother já chegam híper-realizados. Logo no início, por muito anónimos que

possam ser, comportam-se e são recebidos como celebridades e estrelas,

em limusinas, em galas cheias de glamour, brilhos e muitos flashs. O público

grita e aplaude como se os seus maiores ídolos se encontrassem à sua

frente e não meros cidadãos anónimos.

O Big Brother dá a ideia que tudo é livre e espontâneo, mas na

verdade é um programa muito mais controlado pela produção do que possa

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aparentar. Esse controlo nota-se desde logo pela escolha dos participantes:

jovens, belos, extrovertidos, prontos a entrarem em conflito uns com os

outros.

O Big Brother diz possuir na casa mais de cinquenta câmaras, no

entanto, obviamente, não são todas visíveis ao mesmo tempo: existe

sempre o artifício da edição e da montagem que mostra o mais

interessante, o que na linguagem da reality TV, significa o mais escandaloso

acontecimento e propício de gerar polémica e conflito entre os

concorrentes e mesmo entre os… espetadores.

Pois é, na reality TV quebra-se a barreira entre ator/espetador,

tornam-se praticamente a mesma coisa, ou seja, nem um nem outro.

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2. A FAMA E A SOCIEDADE DE CONSUMO

Hoje em dia, celebridade rima com intimidade e total ausência de

privacidade na era do Youtube, dos reality shows, e da fama instantânea

que acarretam. No futuro, acreditam alguns estudiosos dos média, a

distância entre ídolo e fã será ainda menor e a privacidade das celebridades

invadirá a vida de todas as pessoas para promover identificação – e,

principalmente, muito consumo.

Daí que, atualmente, se encontrem dois tipos de celebridades: as

celebridades conferidas como reis e rainhas e cuja fama é muitas vezes

hereditária; e as celebridades conhecidas pelo seu talento, habilidades ou

feitos. Infelizmente, o primeiro caso, o da fama pela fama, é e será cada vez

mais o maioritário.

Assim, atualmente, o difícil não é ser-se famoso, o difícil é não se ser

esquecido passada uma semana ou mesmo um dia.

É um tipo de fama produzida em doses industriais mas sem qualquer

tipo de valor. Os jovens crescem a ver gente comum tornar-se “reis e

rainhas” da noite para o dia, sem terem feito nada para o merecer: crescem

com a ideia que, de facto, não é preciso trabalhar, nem estudar, o que

interessa é ser-se famoso, não importa porquê.

É uma sociedade que cultiva meramente as aparências pois o real não

lhe interessa. O real não vende.

Por detrás de tudo isto está, claro, o dinheiro. Tudo segue a lógica

capitalista da quantidade sobre a qualidade. Baudrillard em A Sociedade de

Consumo escreveu como as relações dos seres humanos com os objetos são

cada vez maiores, tanto mais quando nós próprios já somos também

objetos para consumo: as celebridades. Elas servem de produtos para

venderem outros produtos.

Os fãs são constantemente tentados a comprar um produto que o

seu ídolo representa ou patrocina. As pessoas sentem que têm uma relação

especial, quase de amizade, com as celebridades que veem na televisão, e

assim, estas ganham a sua confiança – o que é importante para vender.

Por exemplo, nos talk shows das manhãs e das tardes, como Você na

TV ou A Tarde é Sua, há sempre o momento (vários, por vezes), em que os

apresentadores promovem qualquer produto, que normalmente promete

fazer milagres à saúde, que atinge em cheio o público-alvo dos programas

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(as senhoras, com produtos que reduzem o peso milagrosamente e os mais

idosos, com produtos para prevenir a osteoporose, etc.).

O facto de serem os próprios apresentadores a promoverem os

produtos é de extrema importância pois eles já ganharam o carinho e a

confiança dos espetadores.

Os publicitários fazem uso disto a toda a hora: desde a Júlia Pinheiro

a promover os iogurtes para a barriga inchada, ao Manuel Luís Goucha às

compras numa superfície comercial.

A televisão consegue mesmo chegar ao extremo de passar

publicidade nas séries ou telenovelas, e é este o triste estado das coisas: o

trabalho de representação do ator já não interessa, eles são apenas

promovedores de produtos. As telenovelas, mais do que ficção, são

catálogos publicitários onde o espetador pode conferir o novo modelo de

uma marca de carros; o novo estilo de penteado; o vestuário mais na moda,

um novo modelo de sofá, cama ou de cozinha. Tristemente, o mesmo já

sucede no cinema, veja-se por exemplo os mais recentes filmes do 007.

Seria ingénuo pensar que a maioria do espetadores não tem

conhecimento disto, claro que tem, então porque participam no sistema?

Pela imensa sedução que ele envolve. A ideia, o sonho, a aspiração de ter

um penteado, um vestido, um carro igual ao do meu ídolo. A ideia de poder

ter a mesma felicidade que ele.

O desejo de fama talvez seja apenas um sintoma de queremos

sempre ser mais felizes que os outros, partindo do equívoco que eles são

sempre mais felizes do que nós.

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3. O NARCISISMO E O VAZIO

3.1. A Internet e as Redes Sociais

As redes socias como o Facebook ou o Twitter funcionam segundo a

mesma lógica da reality TV. Aqui também existe uma solidão disfarçada. Ao

acumularem os likes no Facebook ou o número de “amigos” há mesmo

quem se sinta menos só ou até mesmo popular, como se o facto de mais de

quinhentas pessoas seguirem a minha página no Facebook fizesse de mim

uma celebridade.

Parece mesmo existir uma espécie de competição onde cada um tenta

atingir o maior número de amigos ou likes, sentindo-se talvez mais feliz ou

mesmo superior aos outros.

Ironicamente, talvez não haja algo mais demonstrativo do nosso

isolamento tecnológico: nas redes sociais não se fazem contactos reais, só

virtuais, onde eu posso mudar a minha identidade constantemente

dependendo com quem esteja a falar.

3.2. A televisão e a perda de sentido

Segundo Gilles Lipovetsky no seu livro A Era do Vazio, nós vivemos numa

sociedade cada vez mais individualista e narcisista. É a cultura da

personalização: agimos e pensamos como se fossemos Deus e

provavelmente achamos que quando morrermos o mundo acaba connosco.

Já não vivemos em função dos outros, vivemos em função de nós

próprios. E, achamos nós, com todo o direito, pois o que se pede das

pessoas hoje em dia é que elas sejam felizes. É a ditadura da felicidade.

Como, mais tarde ou mais cedo, percebemos que a felicidade suprema

não passa de uma utopia, o melhor é não sermos nem felizes nem tristes.

O melhor é não sentir.

Não é por acaso que, hoje, o sentimentalismo é visto com tão maus

olhos e como algo fora de moda. Vivemos num estado de apatia e

indiferença geral: todos os dias, nos telejornais, somos bombardeados com

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imagens de guerras, massacres e mortes e já não nos choca ou surpreende.

Tornou-se rotineiro e banal. Refugiamo-nos no nosso bunker da

indiferença, sem saber o que podemos fazer. Incapacitados de mudar a

realidade ou mesmo já sem qualquer motivação para tal, refugiamo-nos no

hiper-real.

Preferimos acreditar que o mundo é um lugar feliz, sem

responsabilidades ou consequências: como nos contos de fadas.

Esta apatia, este estado de repouso e conforto, já passou para o ensino,

no qual, em alguns anos e com uma velocidade relâmpago, o prestígio e a

autoridade dos professores desapareceram quase completamente. Hoje

em dia, a palavra Mestre deixou de ser sagrada, tornou-se banal e situa-se

em pé de igualdade com a palavra dos média. Por sua vez, o ensino tornou-

se uma máquina neutralizada pela apatia dos alunos que vegetam

diariamente sem grande motivação ou interesse.

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4. O CULTO DO CORPO

Face à degradação televisa resultante da proliferação dos reality shows

mas também da imprensa cor-de-rosa, importa perguntar onde acaba a

arte e começa a pornografia? Qual é a diferença?

A meu ver, o problema não está na representação do corpo nu, uma vez

que este já vem sendo representado desde a Antiguidade Clássica,

passando por quadros célebres como a Origem do Mundo (L'Origine du

monde, 1866) de Gustave Courbet, mas sim na degradação e perda dos

valores humanos.

A partir do momento que as pessoas são tratadas somente como objetos

e produtos para venda e consumo já estamos no campo da pornografia.

Não por acaso, como já referi anteriormente, a produção de programas

como A Casa dos Segredos, escolhe sempre jovens belos, com corpos

elegantes e bem definidos, quer no caso das mulheres quer no caso dos

homens.

Os reality shows promovem a cultura do corpo, intimamente ligada ao

narcisismo. Por isso, cada vez mais, as pessoas sonham em ter um corpo

perfeito, recorrendo a cirurgias plásticas ou dietas extremas que levam

muitas vezes a casos de anorexia ou bulimia.

Por seu lado, algumas pessoas que não se encaixam na imagem do corpo

perfeito, sejam homens ou mulheres, poderão sofrer de baixa autoestima

por não se encaixarem numa imagem que é falsa e idealizada. Em casos

extremos este problema pode mesmo levar a depressões profundas e ao

suicídio.

Talvez seja essa a diferença entre arte e pornografia: a arte mostra o ser

humano (corpo e alma) enquanto a pornografia transforma o ser humano

num objeto de plástico para venda e consumo.

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CONCLUSÃO

Enquanto, diariamente, os concorrentes dos reality shows

desprendem da sua dignidade humana em troca de milhares de euros e da

sua suposta felicidade suprema, não deixa de ser irónico que o consumo de

antidepressivos no nosso país pareça cada vez maior. Muitos dirão que é a

crise económica que o país atravessa e que parece não ter fim: mas será

que podemos reduzir a nossa vida apenas à falta e necessidade de dinheiro?

Não existirão outros fatores igualmente ou mais importantes? Quer

isso dizer que eramos mais felizes antes da “crise”? Tenho sérias dúvidas

disso. Mas talvez a “crise” seja uma boa, ainda que infeliz, oportunidade

para abrirmos os olhos e pensarmos sobre a nossa vida em comum, ou seja,

sobre a nossa democracia e os seus problemas.

Espero, por isso, que através destas poucas páginas tenha

conseguido, pelo menos, mostrar que os valores da reality TV não só têm

um grande impacto na nossa cultura como são o espelho da mesma. Afinal

de contas, somos nós, como cidadãos portugueses, que produzimos este

tipo de programas como também somos o seu público (e, segundo dizem,

programas como a Casa dos Segredos têm altas audiências). Somos, por

isso, todos nós, sem exceção, da direita à esquerda, responsáveis pelo

estado das coisas.

Longe de mim desejar que se proibisse a exibição deste tipo de

programas, bem pelo contrário, acho que cada um deve pensar por si, como

cidadãos adultos e responsáveis e decidir o que quer ver e dar a ver.

Simplesmente acho que cabe à classe política e, por isso mesmo, a

todos os cidadãos pensar a televisão que (não) temos. Quanto mais não seja

porque é através dela que se pratica grande parte da nossa vida política.

Daí que fosse importante tomarmos todos algum tipo de responsabilidade

sobre o que passa e não passa pelo maior agente cultural do nosso país: a

televisão.

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BIBLIOGRAFIA

Livros:

Lipovetsky, Gilles. (1989). A Era do Vazio. Lisboa: Relógio d’Água

Baudrillard, Jean. (1991). Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio d’ Água

Baudrillard, Jean. (1995). Sociedade de Consumo. São Paulo. Elfos

Documentos eletrónicos:

http://filosofar.blogs.sapo.pt/149743.html - Jean Baudrillard: o hiper-realismo e a

simulação ou o papel perverso da síntese fechada e eclética, de Francisco Limpo de

Faria Queiroz

http://www.rca.org/page.aspx?pid=6915 – Did the TV Kill Meaning? Screens,

Disneyland, and Goat Poop de Andrew Root

http://teiasdoconsumo.blogspot.pt/2009/09/felicidade-paradoxal-de-gilles.html -

resumo do livro “A Felicidade Paradoxal” de Gilles Lipovetsky

http://payaneto.blogspot.pt/2011/11/resumo-do-livro-era-do-vazio.html - Resumo do

Livro "A Era do Vazio" de Gilles Lipovetsky

http://eunicesimoesestal.files.wordpress.com/2009/04/era_do_vazio.pdf - Resumo do

livro “A Era do Vazio” - Gilles Lipovetsky – trabalho académico da aluna Eunice Simões.

http://foroalfa.org/articulos/a-realidade-de-reality - A realidade de “reality” de Pau de

Riba