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Propriedade do CEEI/ISRI Ano XXIII, Edição Nº: 04 Novembro de 2015 Registo Nº: 109/GABINFO-DEC/2010 Maputo Moçambique Mensal Boletim do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais Informação e Análise Estratégica, Nº 04, Novembro de 2015 Rua dos Desportistas, Nº 833, Prédio JAT V-1, Maputo Email: [email protected]www.isri.ac.mz Leia Nesta Edição Conflitos Armados Contemporênos e Movimentos Migratórios: Entre a Emergência Humanitária e os Imperativos de Segurança Emílio J. Zeca Pág. 03 O Dilema da Necessidade e do Medo da Imigração na Europa Ocidental Calton Cadeado Pág. 14 Reflexões Sobre Migrações Internacionais: Causas e Objectivos Um Olhar Comparativo Entre a Europa e África Austral Calton Cadeado Pág. 23 As Dinâmicas das Transições Pós-Soviéticas nas Repúblicas Centro-Asiáticas Paulo Duarte Pág. 29

Boletim Mensal do CEEI/ISRI, Ano XXIII, N˚ 04

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Propriedade do CEEI/ISRI Ano XXIII, Edição Nº: 04

Novembro de 2015 Registo Nº:

109/GABINFO-DEC/2010 Maputo

Moçambique

Mensal Boletim do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais

Informação e Análise Estratégica, Nº 04, Novembro de 2015 Rua dos Desportistas, Nº 833, Prédio JAT V-1, Maputo Email: [email protected]—www.isri.ac.mz

Leia Nesta Edição

Conflitos Armados Contemporênos e Movimentos Migratórios: Entre a Emergência Humanitária e os Imperativos de Segurança

Emílio J. Zeca Pág. 03

O Dilema da Necessidade e do Medo da Imigração na Europa Ocidental Calton Cadeado

Pág. 14

Reflexões Sobre Migrações Internacionais: Causas e Objectivos – Um Olhar Comparativo Entre a Europa e África Austral

Calton Cadeado Pág. 23

As Dinâmicas das Transições Pós-Soviéticas nas Repúblicas Centro-Asiáticas Paulo Duarte

Pág. 29

Nota Editorial

A s migrações são um fenómeno cujas raízes

alcançam os antigos estágios da história

da humanidade. As mudanças globais, o

avanço tecnológico e o aumento da

interacção nas relações internacionais dinamizaram

os processos migratórios. No último século, os fluxos

migratórios internacionais desenvolveram-se no

sentido Sul-Norte, mas desde a ocorerência de

catástrofes naturais, conflitos violentos, agravamento

da pobreza e a falta de perspectivas de

prosperidade no Médio Oriente, Norte de África e

Leste Europeu, este fenómeno ganhou outra

dinâmica e direcção, onde o Ocidente, mas

concretamente, a União Europeia passou a ser o

destino previlegiado. Como resultado, estes

movimento criam um conjunto de desafios a nível

social, político, económico e securitário nos Estados

que acolhem o imigrantes.

O presente Boletim Mensal é dedicado a análise

dos movimentos migratórios contemporâneos, tendo

em conta as origens, implicações e desafios. A

publicação resulta de trabalhos de pesquisa

realizados pelos pesquisadores do Centro de Estudos

Estratégicos e Internacionais – CEEI/ISRI e

colaboradores, na sua nobre missão de disseminar o

conhecimento científico, na perspectiva de

contribuir com análises académicas de temas

candentes da vida nacional e internacional.

A presente edição do Mensal inclui um gama

de textos que versam sobre os conflitos armados

contemporênos e movimentos migratórios, tendo em

conta as quesrões humanitária em torno das

migrações e os imperativos de segurança; o dilema

da necessidade e do medo da imigração na Europa

Ocidental; e as reflexões sobre migrações

internacionais, tendo em conta as causas e

objectivos, comparando as realidades entre a

Europa e África Austral. Finalmente, foi incorporado

um texto sobre as dinâmicas das transições pós-

soviéticas nas repúblicas centro-asiáticas

Finalmente, gostaria de realçar que

aguardamos dos prezados leitores a vossa

colaboração com críticas e sugestões sobre os

conteúdos e abordagens propostas neste veículo de

comunicação e dessiminação de conteúdos

académicos.

João de Barros

(Director do CEEI/ISRI)

Ficha Técnica

Propriedade: CEEI/ISRI

Director: João Gabriel de Barros

Coordenação Editorial: Emílio J. Zeca

Revisão: Domício Chongo

Layout: Emílio J. Zeca

Redação: Emílio J. Zeca, Calton

Cadeado, Jossias Filipe e Paulo

Duarte

Impressão: Gráfica AIC

Tiragem: 350 Exemplares

Distribuição: CEEI/ISRI

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CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Introdução

A té que o mundo esteja livre de

repressão, conflito, instabilidade

política e desigualdade

económica, é certo que os

movimentos de população vai continuar.

Num mundo cada vez mais globalizado,

com fácil acesso à informação, a

comunicação instantânea e viagens mais

baratas, o número de pessoas em

movimento só pode aumentar. Não há

parte algo do globo que não é afectad

pela migração e que esteja

despreocupada com o seu impacto. As

migrações contemporâneas refletem a

natureza desigual e volátil do Sistema

Internacional e traz consigo as clivagens e

instabilidade do mundo dos pobres para

ribalta, adicionando a sensação de

privação, de instabilidade e violência do

mundo em desenvolvimento, o que levanta

questões relacionadas aos direitos

humanos, o direito internacional, soberania

do Estado, entre outras.

De acordo com a Organização

Internacional para as Migrações – OIM, o

número de migrantes internacionais no

mundo aumentou de apenas 75 em 1960,

para 191 milhões, em 2005, representando

cerca de 3.0% da população mundial.

Deste grupo, 8.7 milhões eram compostos

por refugiados de guerra. No mesmo

período, de acordo com o Alto

Comissariado da ONU para os Refugiados –

ACNUR, mais 6.6 milhões de pessoas foram

deslocadas, mas ainda vivem dentro de

seus próprios Estados (Bali, 2008:469). A

migração é um fenómeno que pode ser

economicamente benéfico, para os

Estados de envio, os de acolhimento, bem

como para o próprio migrante. O envio de

migrantes cria oportunidades para a

criação de remessas que podem ser

enviadas pelos emigrantes para os seus

Estados de origem. Os migrantes reduzem a

pressão sobre o emprego, a habitação e

outros serviços sociais. O Estado de

acolhimento beneficia da disponibilidade

de mão-de-obra a um custo razoável,

podendo assim aumentar a produtividade

nacional e crescimento económico. Os

migrantes beneficiam de melhores

condições de vida, segurança e a

possibilidade da realização de suas

aspirações. Os Estados de acolhimento

tornam-se o lar de migrantes, abrindo a

Conflitos Armados Contemporênos e

Movimentos Migratórios: Entre a Emergência Humanitária e os Imperativos de

Segurança dos Estados

Emílio J. Zeca

Pesquisador do CEEI/ISRI

Departamento de Paz e Segurança

Os movimentos migratórios são tão antigos quanto a própria vida do homem, na Terra. Estes movimentos têm desempenhado um papel importante na formação e reformulação do Sistema Internacional que conhecemos. Nas últimas décadas, as movimentações de pessoas tem ganhado destaque na agenda internacional, devidos as suas causas, sua escalada crescente e as suas consequências, sobretudo no domínio da segurança dos indivíduos, dos Estados e do Sistema Internacional. O presente artigo tem como objectivo analisar os contornos dos movimentos migratórios provocados por conflitos armados contemporâneos. A análise parte do pressupostos de que diante de conflitos armados, há movimento migratórios forçados e voluntários dentro e fora do Estado onde os mesmos acontecem. Desta feita, as pessoas que decidem imigrar, quando chegaram no Estado acolhedor, este enfrenta um dilema que resume-se no facto de acolher os imigrantes, salvaguardando os princípios e valores plasmados pelo Direito Internacional, ou encerrar as suas fronteiras, tendo em conta os imperativos de segurança pública1 e nacional2.

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CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

possibilidade para a edificação de uma

sociedade vibrante, aberta, multicultural,

multiétnica, multirreligiosa, com uma vida

cultural florescente, entre outras.

Movimentos Migratórios: Conceitos, Categorização e Dinâmicas

Os movimentos migratórios tiveram

lugar em todos os tempos e circunstâncias

da vida da humanidade. Devido a

complexidade que envolve o processo das

migrações, existem vários conceitos

propostos para explicar o mesmo. O

Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

(2013)3, define migração como “deslocar-se

para outro lugar, país ou região”. No campo

das Relações Internacionais, Sousa

(2005:118) refere que as migrações são

“deslocações com carácter temporário ou

permanente de pessoas, devido a factores

de natureza económica, política ou

ecológica, que podem desenvolver-se

dentro do mesmo Estado – migrações

internas4 – ou de um Estado para outro –

migrações internacionais5”. Já Boniface

(2005:48) refere que “as migrações

internacionais podem ser difinidas como a

deslocação de indivíduos de um Estado

para outro, com a mudança do lugar de

residência e de estatuto jurídico”. Portanto,

as migrações são movimentos de

deslocação de pessoas de um lugar para o

outro, dentro de um Estado ou para outro,

devido a factores sociais, económicos,

políticos, culturais, religiosos ou de outra

natureza.

A crescente vaga de movimentos

migratórios contemporâneos, no Sistema

Internacional, pode ser atribuído ao rápido

aumento da população mundial; os efeitos

do processo da globalização que trouxe

uma revolução nas comunicações e

transporte, tornado as pessoas mais

conscientes de condições e oportunidades

que as diferentes partes do mundo

oferecem; a natureza dos conflitos

contemporâneos que criam turbulência,

instabilidade e incerteza junto dos grupos

populacionais afectados pelos mesmos,

entre outros factores.

Na base da motivação por trás da

migração Bali (2008:471) pontua que os

movimentos migratórios podem ser divididos

em duas categorias. A primeira categoria é

a dos movimentos involuntários ou forçados.

A segunda categoria é a dos voluntários ou

livres. As migrações involuntárias ou

forçadas referem-se, essencialmente, aos

fluxos de pessoas para um determinado

ponto por razões de desastres naturais,

guerras, conflitos étnicos, religiosos ou

políticos, perseguições, entre outras causas.

As migrações voluntárias podem ser

subdivididas em três categorias principais. A

primeira é migração legal permanente; o

segundo tipo é a migração legal

temporária, e inclui a maior parte das

migrações voluntárias que inclui o

movimento de pessoas para a educação,

negócios, turismo e emprego; o terceiro tipo

de migração voluntária é a migração ilegal

de pessoas de um Estado para outro, o que

pode ser temporária ou permanente.

De acordo com Jubilut e Apolinário

(2010:281)6 citado por Filho (2001)7, as

migrações voluntárias abrangem todos os

casos em que a decisão de migrar é

tomada livremente pelo indivíduo, por

razões de conveniência pessoal e sem a

intervenção de um fator externo. Aplicam-

se, portanto, a pessoas, e membros de sua

família, que se mudam para outro país em

busca de melhores condições sociais e

materiais de vida para si e seus familiares.

Essas pessoas podem ter um status de

migração regular ou irregular, em função de

sua entrada e permanência no Estado de

residência, tenham ou não sido observados

os requisitos legais previstos no Estado. Já as

migrações forçadas ocorrem quando o

elemento volitivo do deslocamento é

inexistente ou minimizado e abrangem uma

vasta gama de situações. Assim sendo, o

migrante forçado ou refugiado, terá sua

definição consagrada em importantes

Tratados Internacionais, tais como, a

Convenção Relativa ao Estatuto dos

Refugiados de 1951, o Protocolo de Relativo

ao Estatuto dos Refugiados 1967,

Convenção da antiga Unidade Africana de

1969, Declaração de Cartagena 1984 e leis

internas de Estados asilos.

Em termos de dinâmica, as migrações

contemporâneas constituem um fenómeno

planetário e “tornou-se um elemento

essencial das relações internacionais, onde

a maioria dos Estados está doravante

envolvida” (Boniface, 2005:48). Embora se

possa pensar que a migração como um

fenómeno recente da época moderna, “ela 4

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

é um processo cujas raíses alcançam os

primeiros estágios da história da escrita, e

além dela” (Giddens, 2012:467). Contudo,

com as transformações das sociedades,

desenvolvimento tecnológico e a

globalização, este fenómeno tomou

contornos diferentes, passando a ser parte

do processo de integação global, fruto dos

reflexos das rápidas e complexas mudanças

dos padrões económicos, sociais, políticos e

culturais nas relações entre as sociedades.

Um dado importante a reter é o facto destas

deslocações populacionais sempre terem

sido de carácter temporário ou permanente.

De acordo com Giddens (2012:469), “os

estudiosos da migração identificaram quatro

principais modelos de migração: o modelo

clássico – baseado em nações de

imigrantes, com incentivos e atribuição de

cidadania; o modelo colonial de imigração

– favorece os imigrantes de antigas colonias

em relação aos de outros Estados; o modelo

de trabalhadores convidados – aceitação

de imigrantes para satisfazer a demanda do

mercado de trabalho; e as formas ilegais de

migração – baseado na entrada secreta

num determinado Estado”. Tudo indica que

a dinâmica das migrações contemporâneas

são marcadas pelo terceiro modelo,

sobretudo para o Ocidente, visto que a

maioria dos Estados ocidentais tem políticas

restritivas quanto a recepção de imigrantes.

Tradicionalmente, os fluxos migratórios

internacionais desenvolveram-se no sentido

Sul-Norte. Com o fim da Guerra Fria, assiste-

se a movimentos de populações em todas

as direcções do globo. Os fenómenos

migratórios revelam-se de uma

complexidade crescente, mas é doutrina

assente que, no futuro, as migrações não

deixarão de crescer, tendo em atenção o

desequilíbrio demográfico do mundo, o

envelhecimento da população do norte e o

boom demográfico no sul; o desequilíbrio

económico e social, entre outros factores.

Desde a eclosão dos conflitos no

Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Paquistão,

Somália, Nigéria, locais fustigados por

guerras, violência, pobreza e falta de

perspectivas de prosperidade, os grupos de

migrantes têm como destino privilegiado a

União Europeia e usam a rota do Mar

Mediterrâneo com pontos de entrada na

Itália, Malta e Grécia.

Os estudos contemporâneos das

migrações vieram demonstrar a

complexidade deste fenómeno, tendo em

conta os vários factores que estão por detrás

destes movimentos. Os fluxos migratórios

contemporâneos são desencadeados por

vários factores que vão desde motivações

económicas, passando pelos conflitos

armados e calamidades naturais, até as

motivações culturais, religiosas e políticas.

Todavia, as motivações económicas, os

conflitos armados e as perseguições políticas

estão entre os principais facotres que forçam

as pessoas a se movimentarem de um ponto

para o outro, na actualidade. Desta feita, “o

fenómeno das migrações tem vindo a

ocupar uma importância cada vez maior na

agenda política dos governo” (Silva,

2012:78). Mais do que agenda política, as

migrações passaram para a agenda de

segurança dos Estados, sua dimensão

política, societal, económica e até ambietal.

Movimentos Migratórios e Questões Humanitárias

Há uma relação directa entre os

movimentos migratórios e as questões

humanitárias, porque as pessoas que migram

voluntária ou forçosamente buscam

melhores condições de vida e segurança. Os

movimentos migratórios contemporâneos

lançam a discussão acesa sobre os

movimentos populacionais e as questões de

humanitárias, devido a natureza, motivações

e consequências destes movimentos no

mundo contemporâneo. Por exemplo,

enquanto que na maioria dos pontos como

África, América Latina e Ásia existe uma

considerável insegurança, violência, conflito,

repressão e privação, em contrapartida, na

Europa, América do Norte e algumas outras

áreas, como Japão, Austrália e Nova

Zelândia, as pessoas desfrutam de

prosperidade, abundância e riqueza. Desta

feita, era suposto que em locais onde há

prosperidade, abundância e riqueza

houvesse mais disponibilidade para acolher

as pessoas que são forçadas a movimentar-

se de seus locais de origem arriscando suas

vidas, em busca de melhores condições de

vida.

Contrariamente, nos últimos tempos,

milhares de refugiados e pessoas pedindo

asilo chegaram às fronteiras europeias,

fugindo de guerras, pobreza e violência, em

sua maioria, oriundos de regiões do Oriente

5

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Médio e da África. Trata-se de uma

tendência que se verificava pelo menos

desde 2008. Em 2014, o número de pessoas

que chegou à Europa em busca de asilo e

refúgio aumentou significativamente em

relação aos anos anteriores. Mais de 700 mil

pessoas pediram asilo na Europa no ano

passado, um aumento de 47.0% em relação

ao ano anterior, de acordo com dados do

Alto Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados8. Milhares de refugiados chegam

às fronteiras europeias fugindo de guerras,

pobreza e violência, em sua maioria,

oriundos de regiões do Oriente Médio e da

África.

Mapa: Principais Rotas de Migrantes Para União

Europeia

Fonte: www.google.co.za/search?

q=Principais+rota+dos+refugiados+na+europa&newwindow

De 2008 a 2012, um grande número de

migrantes cruzaram o mar entre a Turquia e

Grécia pela chamada Rota do

Mediterrâneo do Leste. Para fazer frente a

isso, a Grécia reforçou os seus mecanismos

de controlo de fronteira com mais 1.8 mil

policiais. A área continua problemática e

aponta para incertezas relacionadas à

insustentabilidade dos esforços (gregos) e

evidências de que os imigrantes aguardam

na Turquia pelo fim da operação. Na última

década, a rota que passa pelo centro do

Mediterrâneo tem experimentado picos

periódicos no tráfego de imigrantes. Dados

do ACNUR sugerem que cerca de 25 mil

pessoas chegaram na Itália a partir do Norte

da África, em 2005. Esse número diminuiu

para cerca de 9.5 mil em 2009. Porém, em

2011, esse número voltou a crescer atingindo

a marca de 61 imigrantes. Essa escalada foi

motivada pelo conflito da Líbia, que

culminou com a queda do coronel

Muammar Khadafi. No começo da década,

a rota mais popular entre imigrantes ilegais

era entre o oeste africano e a Espanha. Ela

incluía territórios espanhóis no norte da África

como Ceuta e Melilla e as Ilhas Canárias.

Aproximadamente 32 mil imigrantes teriam

usado esse caminho, em 2006, porém o

número caiu para cerca de 5.4mil em 2011.

Os contrastes acima apresentados são

elementos marcante das divisões do mundo

actual e contribuem de forma significativa

para a massificação de movimentos

migratórios. Apesar de tais movimentos

mostrarem que os Estados Ocidentais ricos

não podem optar e manter seu isolamento e

permanecer intocados pela privação e

instabilidade do mundo em

desenvolvimento, os mesmos demonstram o

quão as questões humanitárias que o Diteito

Internacional prevê, como é o caso da

Convenção das Nações Unidas sobre o

Estatuto dos Refugiados, são ignoradas,

pondo em causa todo o humanitarismo que

devida orientar a postura de acolhimento de

grupos de pessoas que necessitam, que

sofrem perseguição devido à sua raça,

religião, nacionalidade, associação a

determinado grupo social ou opinião

política. Em situação de conflito armado, a

situação torna-se complexa, porque as

pessoas em migração tornam-se refugiados

ou deslocados de guerra.

A Convenção das Nações Unidas sobre

o Estatuto dos Refugiados de 1951 é o

instrumento internacional que rege o

estatuto dos refugiados e foi adoptada em

28 de Julho de 1951, entrando em vigor em

22 de abril de 1954. A Convenção define o

que é um refugiado e estabelece os direitos

dos indivíduos aos quais é concedido o

direito de asilo bem como as

responsabilidades das nações concedentes;

ela consolida prévios instrumentos legais

internacionais relativos aos refugiados e

CAIXA: Conceito de Refugiado

Refugiado é toda a pessoa que, em razão de

fundados temores de perseguição devido à sua

raça, religião, nacionalidade, associação a

determinado grupo social ou opinião política,

encontra-se fora de seu Estado de origem e que,

por causa dos ditos temores, não pode ou não

quer fazer uso da proteção desse país ou, não

tendo uma nacionalidade e estando fora do país

em que residia como resultado daqueles eventos,

não pode ou, em razão daqueles temores, não

quer regressar ao mesmo.

Fonte: Artigo 1° da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto

dos Refugiados de 1951, emendado pelo Protocolo de 1967.

6

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

fornece a mais compreensiva codificação

dos direitos dos refugiados a nível

internacional.

A conveção das Nações Unidas, acima

refereida, estabelece padrões básicos para

o tratamento de refugiados – sem, no

entanto, impor limites para que os Estados

possam desenvolver esse tratamento. A

Convenção deve ser aplicada sem

discriminação por raça, religião, sexo e país

de origem. Além disso, estabelece cláusulas

consideradas essenciais às quais nenhuma

objeção deve ser feita. Entre essas cláusulas,

incluem-se a definição do termo “refugiado”

e o chamado princípio de non-refoulement

(“não-devolução”), o qual define que

nenhum país deve expulsar ou

“devolver” (refouler) um refugiado, contra a

vontade do mesmo, em quaisquer ocasiões,

para um território onde ele ou ela sofra

perseguição. Ainda, estabelece

providências para a disponibilização de

documentos, incluindo documentos de

viagem específicos para refugiados na

forma de um “passaporte”.

A Convenção de 1951 relativa ao

Estatuto dos Refugiados obriga os Estados a

prover asilo e de protecção para aqueles

que enfrentam perseguição, por motivo de

religião, raça, nacionalidade ou opinião

política. Para Goodwin-Gill (1983:1) fica

implícito o pressuposto de que “o refugiado

deve ser assistido, protegido e garantido

segurança”. Na prática, a Convenção

obriga os Estados a assegurar que nenhum

requerente de asilo é enviado de volta para

qualquer Estado onde eles estão propensos

a enfrentar o perigo de vida ou liberdade,

mesmo que o seu pedido de estatuto de

refugiado seja dada a devida consideração.

O Artigo 14 da Declaração Universal dos

Direitos Humanos (1948), refere que “todos os

indivíduos têm o direito de procurar e de

beneficiar de asilo, desde que sejam vítima

de perseguição, em outros Estado”.

O reconhecimento de um requerente de

asilo como um refugiado é uma decisão

política que depende em certa medida da

relação entre os Estados de envio e de

acolhimento. Na sociedade internacional,

há uma aceitação do direito de cada

Estado soberano de decidir por si mesmo a

quem deve ser permitida a entrada no seu

território. Assim, a questão de refugiados é

decidida pelo governo e seus tribunais. No

entanto, os instrumentos que regem os

refugiados constituem uma parte

significativa do consenso internacional sobre

o tratamento dos refugiados e estabelecem

um importante princípio universal de que a

maioria dos Estados têm vindo a aprovar, no

sentido de que as pessoas com um receio

fundado de perseguição tem o direito de

sair do seu Estado e buscar segurança

noutro onde devem adquirir o estatuto

internacional de refúgio.

Tendo em conta os aspectos acima

arrolados, constata-se que as questões

humanitárias nem sempre são respeitadas

pelos Estados de acolhimento, devido aos

imperativos nacionais, prioridades do

governo e percepção de ameaça,

vulnerabilidades ou segurança que os

movimentos populacionais proporcionam

para si. A percepção de securitização que

os governantes e as autoridades de defesa e

segurança dão aos movimentos migratórios

para os seus Estados determina a prioridade

entre as questões humanitárias em volta

desses movimentos e os imperativos de

segurança pública, nacional e do Estado,

visto que o reconhecimento de um

requerente de asilo como um refugiado é

uma decisão política do Estado que é

decidida pelo governo, tribunais e outras

autoridades relevantes. Portanto, em última

instância, cada Estado é soberano de

decidir por si mesmo a quem deve ser

permitida a entrada no seu território.

Conflitos Armados e Movimentos Migratórios Contemporâneos

Ao longo dos tempos, muitos dos

movimentos migratórios forçados de pessoas

estiveram sempre relacionados com

conflitos armados. Com o fim da Guerra Fria

e a eclosão de conflitos armados internos

violentos, grande parta da população de

Estados em conflitos foram forçados a

deslocarem-se para locais seguros. A grande

escalada de migração de refugiados de um

Estado para outro começou a suscitar

preocupações graves no domínio da

segurança humana, dos grupos e dos

Estados. O fluxo de refugiado, pela sua

própria natureza, resultante de conflito, gera

agitação e turbulência social e política nos

Estados de acolhimento. Esses movimentos

podem, por vezes, gerar instabilidade e

insegurança nos Estados de acolhimento.

7

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Muitas das vezes, isso acontece, devido aos

fluxos de refugiados, a natureza do conflito,

o nível de violência ou da repressão, bem

como as causas por que motiva o

fenómeno. Quando um Estado se torna

dispostos a ser hospedeiro de uma

população de refugiados, é provável que o

mesmo tome uma série de medidas, para

garantir que a estadia dos refugiados seja

temporária, e não se torne num potencial de

conflito e insegurança.

Em África, por exemplo, as migrações

internas e internacionais motivadas por

conflitos armados são um fenómeno antigo

e as deslocações transfronteiriças forçadas

aconteceram entre Estados vizinhos como

foram os casos Moçambique e África do Sul,

Ruanda e República Democrática do Congo

e Burkina-Faso e Costa do Marfim. Apesar

das crescentes restrições impostas às

fronteiras, deixando os migrantes numa

situação irregular, estes movimentos têm-se

mantido ou amplificado, tanto por razões

sociais e económicas, como em casos de

crise9. O continente tem, simultaneamente,

Estados de partida e de acolhimento. Certos

Estados de partida tornam-se Estados de

acolhimento, não sendo invulgar que os

Estados sejam, simultaneamente, Estados de

partida e de acolhimento para refugiados

como se verifica no Sudão ou para

trabalhadores migrantes como acontece

com a África do Sul. Os movimentos

migratórios estão a desenvolver-se e a tornar

-se mais complexos. Os destinos multiplicam-

se e os itinerários alongam-se, com um

crescente número de migrantes da África

Ocidental na África do Sul.

Fonte: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/

estatisticas/

O ano de 2014 testemunhou o

dramático aumento do deslocamento

forçado em todo o mundo causado por

guerras e conflitos, registrando níveis sem

precedentes na história recente. Há um ano,

em 2013, o ACNUR anunciou que os

deslocamentos forçados afectavam 51.2

milhões de pessoas, o número mais alto

desde a Segunda Guerra Mundial. Doze

meses depois, a cifra chegou a

impressionantes 59.5 milhões de pessoas, um

aumento de 8.3 milhões de pessoas forçadas

a fugir. Durante 2014, os conflitos e as

perseguições obrigaram uma média diária

de 42.500 mil pessoas a abandonar suas

casas e buscar proteção em outro lugar,

dentro de seus países ou fora deles.

Aproximadamente 13.9 milhões de indivíduos

tornaram-se novos deslocados, em 2014.

Entre eles, 11 milhões de deslocados dentro

de seus países, um número nunca antes

registrado, e 2.9 milhões de novos

refugiados.

Dos 59.5 milhões de pessoas deslocadas

forçadamente até 31 de Dezembro de 2014,

19.5 milhões eram refugiados (14.4 milhões

sob mandato do ACNUR e 5.1 milhões

registrados pela UNRWA), 38.2 milhões de

deslocados internos e 1.8 milhão de

solicitantes de refúgio. Além disso, calcula-se

que a apátrida tenha afetado pelo menos

10 milhões de pessoas em 2014, ainda que os

dados dos governos e comunicados ao

ACNUR se limitem a 3.5 milhões de apátridas

em 77 Estados. A Síria é o país que gerou o

maior número tanto de deslocados internos

(7.6 milhões de pessoas) quanto de

refugiados (3.88 milhões). Em seguida estão

Afeganistão (2.59 milhões de refugiados) e

Somália (1.1 milhão de refugiados). Os

Estados e regiões em desenvolvimento

acolhem 86% dos refugiados no mundo: 12.4

milhões de pessoas, o número mais alto em

mais de duas décadas.

Um aspecto importante a ter em conta

é o facto de devido aos conflitos armados,

muitos refugiados e deslocados abandonam

as suas casas e a sua terra e atravessam

fronteiras, em busca de melhores condições

de vida e segurança. Enquanto uns fogem

para locais, relativamente, próximos, na

esperança de poderem regressar

rapidamente, o que faz com que não sejam

abrangidos pela Convenção de Genebra

de 1951, outro cruzam as fronteiras de seus

Estados e vão para outros Estados. Os que

Número de Pessoas Deslocadas Por Guerra

Ano Quantidade de

Deslocados

2005 37.5 Milhões

2006 39.5 Milhões

2007 42.7 Milhões

2008 42.0 Milhões

2009 43.3 Milhões

2010 43.7 Milhões

2011 42.5 Milhões

2012 45.2 Milhões

2013 51.2 Milhões

2014 59.2 Milhões

8

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

CAIXA: Protocolo Relativo ao Estatuto

dos Refugiados

Com o tempo e a emergência de novas

situações geradoras de conflitos e perseguições,

tornou-se crescente a necessidade de

providências que colocasse os novos fluxos de

refugiados sob a proteção das provisões da

Convenção. Assim, um Protocolo relativo ao

Estatuto dos Refugiados foi preparado e

submetido à Assembleia Geral das Nações

Unidas em 1966. Na Resolução 2198 (XXI) de 16

de dezembro de 1966, a Assembleia tomou nota

do Protocolo e solicitou ao Secretário-Geral que

submetesse o texto aos Estados para que o

ratificassem. O Protocolo foi assinado pelo

Presidente da Assembleia Geral e o Secretário-

Geral no dia 31 de janeiro de 1967 e transmitido

aos governos. Entrou em vigor em 4 de outubro

de 1967. Com a ratificação do Protocolo, os

países foram levados a aplicar as provisões da

Convenção de 1951 para todos os refugiados

enquadrados na definição da carta, mas sem

limite de datas e de espaço geográfico. Embora

relacionado com a Convenção, o Protocolo é

não ultrapassam fronteiras, não beneficiam

de estatuto, direitos e garantias de

protecção internacional previstas nas

convenções e protocolos que refem os

movimentos migratórios internacionais e

ficam reféns do princípio da soberania

nacional dos Estados. Este aspecto dificulta

a chegada da assistência e protecção

externas.

Movimentos Migratórios Contemporâneos e as Questões de

Segurança

Desde o fim da Guerra Fria, nos anos

1990, a desagregação de Estados Imperiais

e eclosão das chamadas “Novas Guerras”,

uma série de eventos em vários Estados têm

forçado os estudiosos a dar importância ao

estudo das migrações internacionais, nos

Estudos das Relações Internacionais. As

movimentações de alemães orientais para o

Ocidente, através da Áustria e da Hungria, a

instabilidade política em vários Estados da

África, Ásia e América Latina, os conflitos e

limpeza étnicas e religiosas, os movimentos

étnicos nos Balcãs, a ascensão de grupos

políticos extremistas, entre outros, têm

contribuído para o crescente interesse pelo

estudo dos movimentos populacionais

contemporâneos. Estes fenómenos fizeram

como que fosse desenvolvido o

reconhecimento da relação entre

migrações e a segurança nacional e

internacional. Assim, os movimentos

migratórios afiguram-se como um problema

de segurança dos indivíduos, bem como dos

Estados. Este debate enquandra-se nas

discussões alargadas10 dos Estudos de

Segurança.

Para fazer face a todos os tipos de

migrações, acima mencionadas, os Estados

desdobram-se no processo de controlo das

suas fronteiras, um elemento importante

para a salvaguarda da sua soberania que é

considerada como a característica

definidora de um Estado em nosso sistema

internacional. Tradicionalmente, os Estados

têm operado um sistema de controlo de

fronteiras, com as políticas específicas a

respeito de quem pode entrar, por quanto

tempo e em que condições ao seu território.

No que diz respeito à migração livre ou

voluntária, os Estados têm a plena

autoridade para decidir quem eles vão

aceitar como operadores ou imigrantes. Os

Estados tomam suas decisões com base em

uma variedade de critérios, incluindo o

trabalho e as competências necessários

para as suas economias, as semelhanças

culturais e étnicas com os migrantes que

chegam, entre outros. Mas quando se trata

de movimentos involuntários ou de

refugiados, existem algumas restrições sobre

a autoridade de um Estado, de acordo com

as obrigações impostas pela Convenção de

1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados.

Uma inevitável consequência a longo

prazo dos movimentos internacionais de

população, livres ou forçadas é a criação

de comunidades de minorias étnicas nos

Estados receptores. Na maioria dos Estados

de acolhimento, tornou-se claro que uma

vez que a migração tem lugar, por qualquer

motivo, e se destina a ser permanente ou

temporária, invariavelmente resulta em pelo

menos, alguns imigrantes se tornarem

cidadãos do Estado de acolhimento,

criando assim minorias culturais, linguísticas,

religiosas e, possivelmente, uma minoria

racialmente distintas. A existência e

desenvolvimento dessas comunidades têm

um impacto substancial na segurança, tanto

no sentido tradicional de segurança do

Estado contra a violência, guerra e conflito,

bem como a segurança no sentido mais

amplo da estabilidade social e prosperidade

económica e política interna dos Estados,

bem como sobre a relação dos Estados de

acolhimento com os Estados de onde essas

pessoas são originárias.

9

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Desde os acontecimentos de 11 de

Setembro de 2001, nos EUS, até ao fluxo de

refugiados para a União Europeia depois da

queda de Muhamar Khadfi e a eclosão da

guerra na Síria, reafirmou-se a relação entre

a migração internacional, em geral e

questões de segurança, em particular.

Quando se descobriu que os autores dos

atentados de 11 de Setembro de 2011 eram

imigrantes temporários ou ilegais, os EUA

começaram a tratar o seu serviço de

migração como parte de seu aparato de

segurança nacional e as políticas públicas

de segurança interna passaram a

contemplar matérias relacionadas com o

controlo e gestão dos movimentos

populacionais, visto que percebeu-se que a

migração pode representar uma ameaça

para as pessoas e os governos, tanto dos

Estados de envio, para os de acolhimento,

bem como para as relações entre estes dois

Estados (Bali, 2008:471).

Na relação entre migrações e conflitos

armados, um dos fenómenos que pode

ocorrer é o facto de as migrações terem a

potencialidade de transformar os conflitos

intra-estatais em conflitos internacionais e

poderem causar a propagação do conflito

étnico e agitação civil de um Estado para

outro. Assim, as migrações podem criar

algumas situações de conflito, incluindo a

guerra em grande escala entre Estados. As

migrações podem desempenhar um papel

no sentido de facilitar a ocorrência de várias

formas de violência política desde a guerra,

passando por revoluções e golpes de Estado

e até o terrorismo.

As comunidades migrantes tendem a

manter uma forte ligação com seus Estados

de origem. Muitas das vezes essas

comunidades envolvem-se numa série de

actividades sociais, económicas e políticas

dirigidas a seu Estado de origem. Eles usam

todos os meios à sua disposição para

influenciar os acontecimentos no seu Estado

e aproveitam o facto de estarem fora do seu

Estado de origem, pelo facto de não serem

sujeitos à sua jurisdição. Aceitação de

migrantes, num Estado, tem efeitos sociais,

político e económicos de longa duração,

visto que estes têm um potencial de

transformar sociedades homogêneas em

multiculturais e multiétnicas, através da

introdução de padrões sociais e culturais

diferentes. Os migrantes têm a

potencialidade de transformar Nações-

Estado em Estados-Nações, num momento

em que este tipo de organização social tem

dominado a grande maioria das

comunidades no sistema internacional

contemporâneo, onde verifica-se a

formação e reprodução de um “sistema

cultural e social de base territorial” (Zolberg,

1981:6), onde os seus membros são

congregados, tendo em conta a partilha de

uma história, língua, religião e cultura

comum, que os une em uma unidade

integrada coesa com um senso pertença e

partilha de uma nação.

Neste contexto, os movimentos

migratórios podem se tornar numa ameaça

para a coesão social e a estabilidade, se os

migrantes ou comunidades minoritárias são

vistos como um fardo social e económico na

sociedade. Os migrantes podem ser

percebidos como um perigo, visto que são

encarados como portadores de padrões

sociais não aceitáveis que pervertem a

sociedade. Os migrantes são percebidos

com hóstis à coesão étnica, cultural e

religiosa, visto que afiguram-se como uma

ameaça para a cultura e o modo de vida

das pessoas no Estado de destino. Quanto a

este aspecto Giddens (2012:470) refere, por

exemplo, que “a cada onda de imigração,

mudava a configuração religiosa do Reino

Unido”. Isto tende a acontecer quando um

grande número chega em um curto período

de tempo e procuram integrar-se no modo

de vida do Estado anfitrião. Desta feita, a

extensão e a natureza da integração de

uma comunidade migrante têm impactos

naquilo que Waever et al. (1993:17-40)

descreveram como “segurança societal”11,

entendida como a coesão societal ao nível

intra-estatal, entendida como salvaguarda

da identidade social e cultural das

populações e dos grupos sociais/étnicos

minoritários, bem como dos seus direitos

um instrumento independente cuja ratificação

não é restrita aos Estados signatários da

Convenção de 1951. A Convenção e o

Protocolo são os principais instrumentos

internacionais estabelecidos para a proteção

dos refugiados e seu conteúdo é altamente

reconhecido internacionalmente. A Assembleia

Geral tem frequentemente chamado os

Estados a ratificar esses instrumentos e

incorporá-los à sua legislação interna. A

ratificação também tem sido recomendada

por várias organizações, tal como o Conselho

da União Europeia, a União Africana e a

Organização dos Estados Americanos.

Fonte: www.acnur.org

10

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

políticos e do seu bem-estar económico.

Ao fortalecer um grupo de refugiados, o

Estado receptor pode perder a sua

capacidade de lidar de forma

independente com o grupo e como o

Estado de origem. Para além disso, os

refugiados tentarão influenciar as políticas

do Estado anfitrião em relação ao Estado de

envio (Weiner, 1995:139). Isso aconteceu

com os governos árabes que apoiaram os

palestinos, os paquistaneses que apoiaram a

Mujahidin, no Afeganistão e para os indianos

que apoiavam os tâmeis, no Sri Lanka. O

caso da Grã-Bretanha têm mostrado que

não é preciso um grande número de

refugiados, para terem um impacto negativo

na segurança nacional e interna do Estado

de acolhimento. A Grã-Bretanha tinha dado

refúgio a um pequeno número de altos

clérigos islâmicos carismáticos e influente

quando os mesmos procuraram escapar de

regimes repressivos do Oriente Médio. Entre

estes líderes encontra-se o Sheik Mohammed

Omar Bakhri, fundador do movimento

estudantil islâmico Al-Mohajiroun que

radicalizou jovens muçulmanos britânicos;

Abu Hamza, o veterano da guerra afegão e

extremista que converteu a Mesquita

Finsbury Park num paraíso islâmicos e um

centro de recrutamento para a Al-Qaeda;

Abu Quatada, clérigo que já foi nomeado

como líder espiritual da Al-Qaeda na Europa,

cujos discursos influenciou vários homens-

bomba europeus, incluindo Zacharias

Moussavi, envolvido nos ataques de 11 de

Setembro de 2001, e Richard Reid,

conhecido como “o terrorista do sapato”.

Esses clérigos extremistas ajudaram a

radicalizar muitos jovens muçulmanos

britânicos; recrutaram e enviaram

muçulmanos britânicos para lutar na Bósnia

e Chechénia; providenciaram viagens para

treinamento de terroristas no Afeganistão e

outros pontos de treino. Muitos deles

contribuíram, directa ou indirectamente,

para a radicalização de jovens que fizeram

explodir a rede de transportes de Londres,

em 7 de Jde 2005. A maioria dos envolvidos

no ataque contra as Torres do World Trade

Center, Madrid, Londres eram migrantes

temporários ou requerentes de asilo,

estudantes ou grupos que desenvolviam

actividades de negócios. A maioria deles era

de origem imigrante.

Não há dúvidas que “a maioria dos

Estados europeus foi profundamente

modificada pela imigração durante o Séc.

XX” (Giddens, 2012:475). Estas modificação

que não só ocorrerem nos Estados europeus

vão desde os padrões de vida, raça e

grupo. Esses movimentos levaram a

existência de numerosos grupos com

configuração multicultural. Os padrões da

migração global criaram um sistema

produzido por meio de interacções desde

níveis micros, dominados por indivíduos, até

níveis macros dominados por Estados. Desta

feita, a população humana não tem como

senão interagir e minsturarem-se moldando a

composição multiétinicas das sociedades

em vários pontos do globo. Essa situação

cria sempre uma situação de ameaça e

vulnerabilidade da coesão social,

identidade e unidade dos grupos, criando o

dilema das etnicidades e a insegurança

societal.

Mais do que a segurança societal, o

fluxo de migrantes, na Europa, ressuscita o

problema do terrorismo e grupos extremistas

que manifestão abertamente a sua posição

contra o acolhimento de pessoas em seus

territórios. Não obstante ao potencial de

ameaça e vulnerabilidade que os migrantes

que chegam a europa representam, devido

a possibilidade da sua ligação com o Estado

Islâmico e outros movimentos terroristas, nem

todos têm essa ligação e muitos necessitam

mesmo de asilo, porque fogem de locais de

conflito armado e sofrem perseguição

devido à sua raça, religião, nacionalidade,

entre outros aspectos nos locais onde se

encontravam a viver. Não se pode descartar

que o conflito na Síria continua sendo o

maior motivador da onda migratória para a

União Europeia, mas a violência constante,

no Afeganistão, Eritreia e Nigéria, bem como

a pobreza no Kosovo também têm levado

pessoas dessas regiões a procurar asilo em

Estados europeus. Portanto, qualquer

generalização com vista a hostilizar os

migrantes pode levar a erro, porque

enquanto os imperativos de segurança

ganham destaque, há situações de

emergência humanitária concretas.

Considerações Finais

Os movimentos migratórios aumentaram

de intensidade nos últimos tempos devido a

eclosão de conflito armados e a dinâmica

da globalização. Até que o mundo esteja

11

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

livre de repressão, conflito, instabilidade

política e desigualdade económica, é certo

que os movimentos de população vai

continuar. Num mundo cada vez mais

globalizado, com fácil acesso à informação,

a comunicação instantânea e viagens mais

baratas, o número de pessoas em

movimento só pode aumentar. Não há

nenhuma parte do globo que não é afecta

pela migração e que esteja despreocupada

com o seu impacto. As migrações refletem a

natureza desigual e volátil do Sistema

Internacional e traz consigo as clivagens e

instabilidade do mundo dos pobres para

ribalta, adicionando a sensação de

privação, de instabilidade e violência do

mundo em desenvolvimento, o que levanta

questões relacionadas aos direitos humanos,

o direito internacional, soberania do Estado,

entre outras.

Os movimentos migratórios

contemporâneos lançam a discussão sobre

a natureza dividida do mundo

contemporâneo. Enquanto a maioria dos

pontos como África, América Latina e Ásia

existe uma considerável insegurança,

violência, conflito, repressão e privação, em

contrapartida, Europa, América do Norte e

algumas outras áreas, como Japão,

Austrália e Nova Zelândia, as pessoas

desfrutam de prosperidade, abundância e

riqueza. Tais contrastes são o elemento

marcante das divisões do mundo actual e

contribuem de forma significativa para a

massificação de movimentos migratórios. Os

movimentos migratórios mostram que os

Estados Ocidentais ricos não podem optar e

manter seu isolamento e permanecer

intocados pela privação e instabilidade do

mundo em desenvolvimento.

No entanto, não seria apropriado ou

realista constatar que a melhoria da

segurança para os Estados seria restringir

drasticamente a migração. Em primeiro

lugar, isso não lida com o facto de

migrações e suas consequências; seria

fortemente sinalizador que os Estados

encaram a migração e os migrantes como

um problema, o que tornaria mais difícil de

alcançar níveis indesejáveis de integração

dos imigrantes, criando insegurança social;

os movimentos migratórios trazem benefícios

económicos e outros; num mundo

globalizado, as sociedades de mercado

aberto, livre vai precisar de movimentos

migratórios, para acomodar a demanda

por habilidades e trabalho e para criar o

ambiente de intercâmbio cultural,

criatividade, empreendedorismo, troca de

experiências, entre outros empresarial possa

florescer.

Portanto, uma política de imigração

equilibrada, com base nas necessidades

económicas, sociais e culturais, com regras

justas e transparentes é a chave para a

gestão da migração na era

contemporânea. Isto tem de ser combinada

com políticas que permitam oportunidades

para comunidades migrantes

desenvolverem, através de estímulos para a

sua integração, o que implica o seu

acolhimento, respeito dos seus próprios

direitos, interesses e prosperidade, sem por

em causa os objectivos e os interesses

nacionais do Estado acolhedor. Para além

disso, há necessidade de se criar

mecanismos para que os movimento

migratórios sejam ordenados e os Estados

devem ponderar entre as questões

humanitárias e os imperativos de segurança,

sem colocar em causa a sua soberania, seus

objectivos e interesses nacionais.

Notas e Referências Bibliográficas 1 A segurança pública é a função dos Estados que

consistem em garantir a protecção dos cidadãos,

organizações e instituições contra ameaças ao seu

bem-estar e a prosperidade de suas comunidades.

Em termos práticos, trata-se de um conjunto de

actividades com vista a manter a lei e ordem, bem

como a salvaguarda para que os cidadãos possam

conviver, trabalhar, produzir e se divertir, protegendo

-os dos riscos e ameças a que estão expostos. 2 Por segurança nacional, entende-se aqui uma

condição relativa de proteção colectiva e individual

dos membros de uma sociedade contra ameaças

plausíveis à sua sobrevivência e autonomia. Nesse

sentido, o termo refere-se a uma dimensão vital da

existência no contexto moderno de sociedades

complexas, delimitadas por Estados nacionais de base

territorial. A segurança nacional consiste em assegurar,

em todos os lugares, a todo momento e em todas as

circunstâncias, a integridade do território, a protecção

da população e a preservação dos interesses

nacionais contra todo tipo de ameaça e agressão

(Cépik, 2001:2-3). 3 www.priberam.pt/dlpo/migra%C3%A7%C3%A3o,

consultado em 14-12-2015. 4 Êxodo rural: deslocação da população do campo

para a cidade; migração urbano-rural: deslocação

da população da cidade para o campo; migração

urbano-urbana: deslocação de uma cidade para

outra; migração pendular: deslocação de uma

cidade para outra a fim de trabalhar, retornando no

12

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

final do dia; migração sazonal: deslocação de uma

cidade para outro num determinado período do ano. 5 Imigração: caracterizada pela entrada de indivíduos

ou grupos num determinado Estado. Emigração:

caracterizada pela saída de indivíduos ou grupos de

seu Estado de origem para se estabelecer em outro. 6 Jubilut, Liliana Lyra e Apolinario, Silvia Menicucci. O.

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no Âmbito da Migração, Rev. Direito GV , Vol.6, Nº.1,

PP. 275-294. 7 Filho, José Carlos Carvalho (2011), “Uma Visão

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Santos, Santos. 8 http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/09/

seis-perguntas-para-entender-crise-humanitaria-de-

refugiados-na-europa.html 9 http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/

scripts/redirect.cgi?redirect=EFpZpAEEpkDmePRBDe 10 A tradicional visão de segurança está ligada

essencialmente à existência de inimigos e à

ameaças de natureza militar contra o Estado. Na

visão alargada, introduzida pela Escola de

Copenhaga – Conflict and Peace Research Institute

de Copenhaga, no final da década de 1990, a

segurança é vista tendo em conta cinco sectores ou

categorias: militar, económica, social, política e

ambiental. 11 Em Estados europeus como Grã-Bretanha, França

e Dinamarca, a comunidade muçulmana

estabelecida ao longo do tempo é substancial e

actualmente, à luz da guerra global ao terror, tem

sido vista como uma fonte de ameaça. Há cerca de

20 milhões de muçulmanos na Europa. França é o

Estado que tem os maiores números, entre 5-6

milhões, o que representa entre 8-9% de sua

população. Os muçulmanos constituem 5% da

população da maioria dos outros Estados da Europa

Ocidental.

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13

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

O Dilema da Necessidade e do Medo da Imigração na Europa Ocidental

Calton Cadeado

Docente do ISRI e Pesquisador do CEEI/ISRI

Departamento de Paz e Segurança

Introdução

A Europa Ocidental está a registar,

de forma crescente, um declíneo

numérico na população. Isto

significa que a “Europa, no seu

todo, possui 728 milhões de pessoas. Mas, as

previsões das Nações Unidas indicam que,

em 2050, este número vai baixar para 557 ou

635 milhões. O número baixo significa que as

mulheres vão, em média, ter 1.6 filhos. O

segundo número assume que as mulheres

terão, em média, 2.1 filhos, em

2050” (Friedman, 2009: 52). Com efeito,

dados de 2007, das Nações Unidas, revelam

que 10 países da União Europeia (UE) estão,

efectivamente, a registar um declínio de

população, desde 1981. Trata-se da Hungria

(1981), da Bulgária (1986), da Estónia (1990),

de Latvia (1990), da Roménia (1991), da

Lituânia (1992), da República Checa (1995),

da Polónia (1997), da Alemanha (2006) e da

Eslovénia (2008) (Jackson and Howe, 2011:

589).

Ademais, os dados de 2007, das Nações

Unidas, indicam que, em 1950, Alemanha

estava em sétimo lugar na lista dos países

mais populosos do mundo. Mas, em 2005,

Alemanha passou para o décimo quarto

lugar e, em 2050, prevê-se que não faça

parte dos países mais populosos. A França

estava em décimo segundo lugar, em 1950.

Mas, em 2005, passou para o vigésimo

sétimo lugar e, em 2050, prevê-se que

também não faça parte dos países mais

populosos. A Itália estava, em 1950, situada

no décimo lugar. Em 2005 passou para o

trigésimo nono lugar e, para o ano 2050, as

previsões indicam que não vai fazer parte

da lista dos países mais populosos. Por último,

o Reino Unido estava na nona posição, em

1950, em 2005 passou para trigésima

segunda posição e, segundo as previsões,

em 2050, o Reino Unido também não fará

pare da lista dos países mais populosos do

mundo (Jackson and Howe, 2011: 593).

Em consequência, o declínio de

população está a criar múltiplas implicações

negativas, principalmente, do ponto de vista

económico e geopolítico. Em termos

económicos, alguns países da UE estão a

viver incertezas devido ao problema da

escassez de mão de obra barata em idade

activa para trabalhar. Em termos

geopolíticos, os países desenvolvidos [da

Europa Ocidental] estão preocupados, pois

tem a diminuição e/ ou perda de prestígio e

de influência no xadrez político-económico

global. Um cenário mais pessimista coloca o

declínio populacional como uma ameaça a

segurança pública, económica, societal e

de Estado.Esta realidade tem a ver com as

previsões de enfraquecimento do Produto

Interno Bruto (PIB); a diminuição de capital

humano nos sectores de defesa e de

segurança; e o surgimento de tensões sócio-

políticas no interior dos países desenvolvidos,

particularmente no seio da UE (Jackson e

Howe, 2011:591-593, Friedman, 2009: 52,

Adler, 2009: 99).

Assim, o declínio demográfico e as suas

múltiplas implicações negativas vão, a longo

prazo, obrigar a Europa a concentrar-se mais

em agendas endógenas do que com

assuntos exógenos, principalmente se não

forem de interesse nacional supremo – a

sobrevivência do Estado. Além disso, a curto

prazo, a procura de soluções para conter o

declínio populacional obriga a Europa

Ocidental a colocar a demografia como um

dos assuntos de topo da agenda política

individual e colectiva. Acima de tudo, os

14

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

números do declínio populacional revelam

que a Europa Ocidental está consciente de

que precisa de população para garantir a

vitalidade económica, para assegurar a

sobrevivência de alguns Estados e para

manuter o poder na esfera político-

económica global.

Segundo a Adler (2009: 98), “para

impedir a diminuição de população em

idade de trabalhar, na Europa Ocidental,

seria necessário duplicar ou triplicar o nível

de imigração”. Esta é uma opção exógena

que reflecte, de certa forma, o

reconhecimento da dificuldade em mobilizar

os jovens e os adultos, particularmente do

meio urbano e da classe média, para terem

mais filhos. A causa desta dificuldade reside

no facto de a realidade empírica mostrar

que ter e sustentar filhos, no meio urbano

europeu, representa um custo económico

que muitos não são capazes de suportar

(Friedman, 2009: 54-59), quanto mais não

seja pelo elevado peso que o estado social

está a ter com o boom de reformados que

se regista um pouco por toda a UE1. Por

outro lado, a opção pela imigração é,

igualmente, o reconhecimento de que os

imigrantes podem contribuir para conter, em

primeiro lugar, o problema da escassez de

mão de obra e, em segundo lugar, significa

confirmar a importância do imigrante nas

taxas de natalidade da Europa Ocidental,

principalmente dos árabes e dos

muçulumanos, de África e do Médio Oriente.

Entretanto, na Europa Ocidental,

particularmente na UE, a imigração é um

assunto politicamente controverso. A

controvérsia é exteriorizada pelos debates

políticos, académicos e de senso comum,

na comunicação social e revelam,

claramente, a existência de duas

perspectivas divergentes que expressam o

dilema entre a necessidade e o medo de

imigrantes. Por um lado, estão os liberais, os

defensores do aprofundamento da

diversidade e do multiculturalismo na UE.

Estes são, de certa forma, optimistas em

relação à imigração. Neste grupo conta

significativamente a opinião do sector

económico-empresarial que se ressente da

escassez de mão de obra barata, bem

como de indivíduos e de partidos políticos

que possuem um histórico de imigração. Por

outro lado, estão os conservadores, os

defensores da preservação da identidade

europeia e, por conseguinte, são pessimistas

em relação a imigração. Neste grupo que

ganhou expressão no seio da classe política

e na comunicação social.

Apesar das divergências, os liberais e os

conservadores reconhecem a

inevitabilidade das migrações,

particularmente a inevitabilidade da

imigração para a UE, devido à vários

motivos, dentre os quais os múltiplos efeitos

positivos dos processos da globalização e as

necessidades reais de população. Além

disso, ambas perspectivas não negam e

nem escondem os receios da imigração,

sobretudo, quando se registam fluxos

elevados de imigrantes de origem àrabe e

muçulumana, de África e do Médio Oriente.

Este receio foi anteriormente apresentado

por vários académicos, com destaque para

Samuel Huntington.

Com efeito, em 1996, Huntington disse

que “os ocidentais temem que estão a ser

invadidos, não por exércitos e tanques de

guerra, mas, por imigrantes que falam outras

línguas, adoram outros Deuses, pertencem a

outras culturas e temem que os imigrantes

vão retirar postos de emprego, vão ocupar

suas terras, viver [confortavelmente], na

base do seu sistema de segurança social

[sem ter comtribuido para o efeito] e vão

ameaçar o seu modus vivendi” (Huntington,

1996: 200). Nesta altura, a Europa Ocidental

estava a registar um crescente afluxo de

imigrantes, sobretudo da Europa do Leste,

facto que alimentou o dilema entre a

necessidade e o medo da imigração. Mas,

este problema foi, de certa forma,

minimizado com a adesão de alguns países

da Europa do Leste, do antigo bloco do

Leste, à UE, prevalecendo o problema dos

imigrantes de África e do Médio Oriente.

A mais recente onda de imigração de

África e do Médio Oriente, por via do Mar

Mediterrâneo, para a UE e para a“Zona

Euro”, veio reacender o dilema entre a

necessidade e o medo de imigrantes. Neste

contexto, de Janeiro a Dezembro de 2015

chegaram ao espaço europeu cerca de

906. 587 pessoas provenientes da Síria (51%);

do Afeganistão (20%); do Iraque (7%); da

Eritreia (4%); do Pakistão (2%); da Nigéria

(2%); da Somália (2%); do Sudão (1%); da

Gâmbia (1%) e do Mali (1%). Estes números

poderiam ser mais elevados se não tivessem

havido mortos e desaparecidos, cujas

estimativas chegam a cerca de 3550

(UNHCR, 2015). Esta realidade gerou, na 15

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

opinião pública europeia, uma mistura de

sentimentos de compaixão e de retórica

ambígua, por vezes, agressiva. A título de

exemplo, os liberais expressaram um

sentimento de comoção que foi acentuada

pela ampla difusão de imagens do menino

sírio, Aylan Kurdi, de 3 anos de idade, que

apareceu morto, por afogamento, nas

águas do Mar Mediterrâneo. Em sentido

oposto, os conservadores exprimiram a sua

hostilidade pública com manifestações de

rua mas, foi, sobretudo, a imagem da

camarawoman, húngara, Petra Lázsló, do

canal de televisão N1TV , rasteirando um

imigrante sírio que carregava consigo, no

colo, a sua filha menor de idade, que

revelaram a agressividade contra os

imigrantes. Por um lado, o Vaticano, através

do Papa Francisco, expressou o apelo para

acolher imigrantes. Estados como, por

exemplo, Reino Unido, Portugal, Alemanha e

Áustria aceitaram estabelecer quotas de

acolhimento de imigrantes em função da

robustez económica, do nível de

desemprego e do número de população de

cada estado. Famílias, por exemplo, na

Islándia, precionaram o seu governo a

acolher imigrantes. Por outro lado, países

como, por exemplo, Hungria, França,

Espanha e Itália colocaram reservas ao

sistema de quotas para acolher o afluxo de

imigrantes. Em casos extremos, foi visto uma

mobilização de forças militares, ameaças de

fechar fronteiras, bem como tensões e

violência nas fronteiras da Grécia, da Sérvia

e da Macedónia.

Portanto, na UE está a enfrentar uma

crise migratória que ocupa um lugar de topo

na agenda política e de segurança

individual, dos estados e da Europa

Ocidental. Acima de tudo, o dilema entre a

necessidade e o medo de imgrantes,

principalmente árabe e muçulumano, de

África e do Médio Oriente, tornou, mais do

que nunca, a securitização da imigração um

assunto que vai, a curto e médio prazo,

aparecer com regularidade, na agenda

política da Europa Ocidental.

1. Securitização

Securitização é um conceito introduzido

nos estudos de segurança internacional pela

Escola de Copenhaga, particularmente, por

Ole Weaver, nos anos 1980. Nesta altura, os

estudos de segurança estavam a enfrentar

um debate, sempre actual, entre a visão

restrita e a visão alargada de segurança.

Por um lado, a visão restrita, realista,

assumia a segurança um assunto

eminentemente centrado nas ameaças

militares externas contra os Estados. Neste

contexto, o realismo coloca a defesa da

integridade territorial, da soberania e da

independência contra ameaças militares de

Estados para Estados como o epicentro da

segurança. Nesta abordagem, a guerra é a

principal ameaça e a segurança do Estado

é vista como pré-condição para a

segurança dos indivíduos. Por outro lado, a

visão alargada de segurança, na qual se

enquada a teoria da securitização, defende

a necessidade de inclusão de actores não

estatais e, sobretudo, ameaças não militares

na abordagem de segurança2. Esta

abordagem procura demonstrar que a

protecção de actores não estatais é tão

importante quanto a protecção do Estado.

Além disso, a securitização alerta para o

facto de existirem, de forma crescente e

difusa, ameaças não militares tão potentes

quanto as ameaças militares. Com efeito, na

teoria de securitização, o indivíduo pode ser,

simultaneamente, vitima de ameaças e

fonte de ameaça contra a segurança militar

e não militar (Williams, 2013: 1-12; Collins,

2013: 1-9, Buzan e Hansen, 2009: 8-20). A

título de exemplo, grupos terroristas como o

Estado Islámico e o Boko Haram, doenças

endémicas como HIV/SIDA e Ébola podem

ser ameaças existenciais, não militares reais

e perigosas, para a sobrevivência de

indivíduos e de estados, a curto, médio ou

longo prazo.

Assim, a securitização é um processo

intersubjectivo e socialmente construido,

através do qual um determinado assunto

não militar é reconhecido como uma

ameaça existencial contra um determinado

grupo de indivíduos e ou estados, bem

como contra os seus valores centrais

(Charret, 2009: 13). Este processo consiste,

essencialmente, em convencer a elite

dirigente do Estado e o público em geral

sobre a magnitude de uma determinada

ameaça, principalmente não militar, a ponto

de exigir a tomada de medidas

extraordinárias e urgentes. Este processo é

feito pelo(s) agente(s) securizador(es),

através de uma acção discursiva que passa,

em primeiro lugar, por politizar a ameaça. 16

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Em seguida, a ameaça é gerida dentro dos

padrões normais de funcionamento do topo

dirigente da máquina governativa estatal. E,

por último a ameaça politizada é elevada a

dimensão de segurança, requerendo

acções extraordinárias e urgentes (Emmers,

2013:132-134). Isto significa que a ameaça é

percebida como algo real e existencial, pois,

de contrário, a ameaça não é matéria de

debate público frequente e, por

conseguinte, não adquire sensibilidade para

requer medidas, nem urgentes, nem

extraordinárias.

Portanto, a securitização constitui,

simultaneamente, um mecanismo e uma

condição importante para o agente

securitizador colocar certas pessoas, certos

assuntos ou entidades não militares na

categoria de ameaça existencial. Neste

contexto, a teoria de securitização salienta o

papel preponderante dos agentes

securizadores, sobretudo as elites e o poder

do acto discursivo para colocar a ameaça

não militar como uma ameaça existencial.

Isto é de tal forma importante em

sociedades democratas, abertas, pois se a

magnitude da ameaça não fôr percebida

como existencial, os cidadãos não vão

consentir sacrifícios que legitimem a

securitização, nem, tão pouco, a tomada de

medidas extraordinárias e urgetes para se

fazer face à ameaça (Emmers, 2013). Por

outras palavras, a securitização salienta o

poder da linguagem de segurança para

justificar medidas extraordinarias e urgentes,

pois psicologicamente qualquer indivíduo ou

comunidade está disposto a consentir

sacrifícios para fazer face a uma ameaça

que ponha em causa a sua existência/

sobrevivência como pessoa ou como

comunidade.

1.1. Securitização da Imigração na Europa Ocidental

Na Europa Ocidental, a imigração é um

assunto permanentemente politizado e

securitizado como uma necessidade e como

uma ameaça não-militar. Neste contexto, a

politização da imigração ocupa um lugar

destacado no topo da agenda política.

Prova disso é que a questão da imigração é,

inevitavelmente, um assunto de disputas

eleitorais.

A título de exemplo, partidos de extrema

direita estão a granhar um espaço

privilegiado na vida política de alguns países

da Europa Ocidental. Este espaço

privilegiado tem a ver com posicionamentos

públicos, nacionalistas, por exemplo, em

relação a oposição a imigração. Os casos

mais salientes encontram-se “na Alemanha,

onde o Partido Republicano obteve 7% de

votos nas eleições europeias de 1989 e 2%

nas eleições nacionais de 1990. Na França,

onde a Frente Nacional que foi

negligenciada, em 1981, subiu a sua

percentagem de votos para 9.6% em 1988 e,

a partir dai, estabilizou-se nos 12% a 15% nas

eleições regionais e nas eleições

parlamentares. Em 1995, dois candidatos

nacionalistas obtiveram 19.9% de votos e a

Frente Nacional elegeu Presidentes para

algumas Câmaras Municipais, incluindo

Toulon e Nice3. Na Itália, os votos para o MSI/

National Alliance subiram de cerca de 5%,

em 1980, para 10% a 15%, nos princípios da

década de 1990. Na Bélgica, o Bloco

Flamingo/ Frente Nacional cresceu para 9%

nas eleições locais. Em Antuérpia, o bloco

obteve 28% de votos4. Na Austria, nas

eleições gerais, os votos para o Partido da

Liberdade subiram de menos de 1%, em

1986, para 15%, em 1990 e cerca de 23% em

1994” (Huntington, 1996: 201).

Ademais, países europeus estão a criar

estruturas políticas domésticas e supra-

nacionais, para lidar com a questão de

imigração, de refugiados e de requerentes

de asílo. Este acto revela o nível de

importância política que é conferida a

imigração. Com efeito, no Reino Unido existiu

um Minister Of State (Minister for Immigra-

tion); no Luxenburgo existe um Ministry of For-

eign and European Affairs and Ministry of Im-

migration and Asylum; e na Dinamarca existe

Ministry of Immigration, Integration and Hous-

ing5. No âmbito da integração Europeia, foi

criada a European Agency for Management

of Operational Cooperation at External Bor-

ders of the Members States of European Un-

ion (FRONTEX) e a European Asylum Support

Office (EASO) para lidar com a protecção

do espaço Shengan contra todos tipos de

ameaças, inclusive migratórias. Por último, os

Estados da UE reunem-se regularmente ao

nível ministerial bilateral e multilateral,

inclusive ao nível de cimeira de chefes de

estado e de governo, para discutir o assunto

de imigração. A cimeira de Valletta, de 11-

12 de Novembro de 2015, em Malta, é um 17

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

exemplo. Além deste, existem exemplos de

reuniões bilaterais e multilaterais entre

membros da UE e de África e da UE e do

Médio Oriente cuja imigração é,

regularmente, um dos assuntos de agenda.

Em alguns casos, países da UE como França

e Espanha usaram a cooperação em

matéria de imigração como um

condicionalismo para ajuda pública ao

desenvolvimento.

Em relação a securitização, a imigração

é uma ameaça que está a ser articulada no

debate público político-académico como

uma ameaça existencial de natureza

identitária, económica e política6. Em

resposta, os Estados estão a reforçar os

poderes das entidades nacionais e supra-

nacionais que lidam com o controle

fronteiriço no Espaço Shengan. Além disso,

na cimeira de Malta, a UE aprovou fundos

equivalentes a 1.8 biliões de Euros para lidar

com a imigração africana. Em relação a

imigração proveniente do Médio Oriente,

principalmente da Síria, a UE aprovou um

apoio de cerca de 4 biliões de Euros para

ajudar a Turquia a conter a imigração. A UE

aprovou, igualmente, a intervenção de uma

frota naval multinacional nas águas do Mar

Mediterrâneo para controlar a imigração

ilegal e casos de crime transnacional que

configuram contrabando e/ ou tráfico de

pessoas.

Portanto, a imigração está no topo da

agenda política europeia e está a ser

abordada numa linguagem de segurança.

Isto significa que a Europa Ocidental está

alarmada com a ameaça da imigração.

Este alarmismo sofre oscilações em função

de ondas migratórias que desafiam a

capacidade de resposta individual e

colectiva como a que se regista desde 2014.

Desde esta altura, os níveis de importância

política e de alerta de segurança

reforçaram a percepção de ameaça de

imigração, hoje, mas, sobretudo, com o

peso da ameaça existencial, amanhã, isto é,

a médio e a longo prazo.

2. O Dilema Entre a Necessidade e o Medo da Imigração

2.1. A Necessidade da Imigração

Historicamente, a Europa sempre

precisou de imigrantes. Primeiro foram os

imigrantes, por via da escravatura, que

foram usados nos diversos sectores

económicos para produzir riqueza e para

trabalhos de saneamento do meio. Depois,

os imigrantes foram usados como efectivo

militar que combateu, por exemplo, nas

guerras mundiais. A França é o país europeu

que mais usou soldados africanos nos teatros

de guerra na Europa, cerca de 450.000 na

primeira guerra mundial (Koller, 2014:2). O

cenário repetiu-se na segunda guerra

mundial. Nestas guerras, a Europa sofreu

perdas significativas de população e sentiu,

novamente, necessidade económica de

recorrer a imigrantes. No entanto, o

ambiente de guerra fria não foi

suficientemente favorável ao investimento

na imigração. Neste contexto, a imigração

era demasiadamente selectiva e para

propósitos político e económicos7.

Na actualidade, a redução e o

envelhecimento da população estão a

tornar a imigração uma opção mais

económica, pois a redução de mão de obra

constitui uma ameaça a vitalidade da

economia de países europeus que tem

ambições de liderança mundial. Neste

contexto, a imigração é um assunto de

segurança económica em alguns países da

UE como, por exemplo, a Alemanha e a

França, onde os níveis de fecundidade ou

de filhos por mulher citua-se na faixa de 1 a 2

filhos (Friedman, 2009: 52).

No caso de Portugal, da Grécia e da

Itália, o problema reside no facto de serem

países tradicionalmente emigrantes. A título

de exemplo, em 2014, Portugal registou

cerca de 110 000 pessoas que enveredaram

pela emigração para vários pontos do

mundo8. Esta realidade, associada ao

envelhecimento da população, está a

lançar um sinal de alerta à vitalidade

económica devido a perda de força de

trabalho, de contribuintes para sustentar o

welfare state e de pessoas para garantirem

a sobrevivência de comunidades9.

Em resposta, países da Europa Ocidental

como Alemanha, Finlândia, França e Suécia,

estão a oferecer incentivos financeiros e/ou

redução de custos com cuidados materno-

infantís para as pessoas terem filhos. Esta

opção política responde, em parte, o

reconhecimento do elevado custo

económico de criar filhos nos centros

urbanos e os prejuízos que a maternidade

cria a projecção profissional de muitas 18

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

mulheres.

Contudo, nesta altura, a necessidade de

incentivos a natalidade torna-se mais

reforçada devido a opção pela

homossexualidade que, mesmo sem

estatísticas oficiais, constitui uma população

significativa. Os Estados da Europa

Ocidental, no global, respeitam esta opção

sexual em cumprimento dos seus valores

liberais. Ao mesmo tempo, reconhecem, de

certa forma, que a homossexualidade

constitui uma preocupação populacional,

pois não contribui para o rejuvenescimento

da mão de obra necessária para manter a

identidade; sustentar a vitalidade

económica; garantir a sobrevivência do

estado; e promover a projecção de poder

mundial. Em muitos casos, casais

homossexuais estão a fazer adopção de

crianças no estrangeiro, o que revela uma

forma de imigração que tem canais formais

rígidos e circuitos ilegais, que configuram

crime organizado transnacional10.

Assim, a Europa Ocidental precisa de

população. Neste momento, a Europa

Ocidental está igualmente a responder esta

necessidade de população com imigração

selectiva. Os exemplos expressivos desta

selectividade encontram-se nas áreas de

desporto e de ciência que servem para

manter o prestígio mundial e a vitalidade

económica.

Nestes casos, no futebol, no atletismo,

nas ciências aplicadas, imigrantes são

naturalizados e recebem nacionalidade em

tempo recorde para representar seleções

nacionais europeias ou fazer parte de

equipas de pesquisa e desenvolvimento.

Estes imigrantes estão sujeitos a políticas

bastante nacionalistas em matéria de

nacionalidade de tal forma que todos filhos

de imigrantes, independentemente do local

de nascimento ou origem dos projenitores,

passam a ser cidadãos do país de

acolhimento.

Portanto, a Europa Ocidental precisa de

população e de imigração por uma questão

de sobrevivência a longo prazo. Além disso,

a Europa Ocidental precisa de população

imigrante por causa da segurança

económica que se traduz, essencialmente,

na manutenção ou crescimento da

vitalidade da economia a curto, médio e

longo prazo.

2.2. Medo da Imigração

A imigração é retratada como um mal,

com efeito desestabilizador na ordem

pública e na segurança dos estados da

Europa Ocidental, a longo prazo. Neste

contexto, a Europa Ocidental não esconde

o medo da ameaça demográfica que a

imigração, sobretudo árabe, muçulumana,

de África e do Médio Oriente representam

para a segurança.

Com efeito, a Europa Ocidental teme

que a imigração possa representar uma

ameação não militar contra a segurança

societal, contra a segurança económica e

contra a segurança política. Por outras

palavras, estão em jogo considerações de

natureza identitária, pois a Europa Ocidental

teme que a imigração possa constituir factor

cultural, religioso e racial de arabização, de

islamização e de “africanização”. Além

disso, estão em jogo considerações

económicas, principalmente o desemprego

dos “donos da terra” e, acima de tudo,

considerações políticas sobre o controle do

poder a longo prazo.

2.2.1. Medo Identitário

O medo identitário tem uma expressão

significativa na percepção segundo a qual

os árabes e muçulumanos de África e do

Médio Oriente são tendencialmente

propensos a fazer muitos filhos. Esta

realidade é sustentada por dados

estatísticos que indicam que a “a

população muçulumana da Europa

Ocidental conta com 15 a 18 milhões de

indivíduos. As maiores percentagens de

muçulumanos, entre 6% a 8%, encontram-se

em França (5 milhões) e nos países Baixos

(cerca de 1 milhão), seguidos pelos países

com percentagens entre 4% a 6 %:

Alemanha (3.5 milhões), Dinamarca

(300000), Áustria (500000) e Suiça (350000). O

Reino Unido e a Itália também têm

populações muçulumanas relativamente

importantes (1.8 milhões e 1 milhão,

respectivamente), mas numa proporção

menor relativamente ao total (3% e 1.7%). Se

os esquemas de imigração actuais

perdurarem e se a taxa de fecundidade

superior à média dos residentes

muçulumanos se confirmar, a Europa

Ocidental poderá contar com 25 a 30

19

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

milhões de muçulumanos em 2025” (Adler,

2009:105). Nestes termos, a entrada da

Turquia na UE é vista como um factor de

expansão do islamismo e, por conseguinte,

uma ameaça para a Europa Ocidental.

Com efeito, o crescimento numérico

indica que, a longo prazo, ninguém pode

ignorar a possibilidade de em alguns países,

as maiorias (os “donos” da terra) tornarem-se

minoria. Neste caso, os descendentes de

imigrantes, ainda que possuidores de

nacionalidade do país de acolhimento

podem estabelecer vínculos identitários com

os locais de proveniência, principalmente os

árabes e muçulumanos. Estes grupos

identitários são conhecidos por serem

conservadores na preservação e na

expansão dos seus valores culturais e

religiosos. Por seu turno, os europeus são,

globalmente, liberais na sua filosofia de vida,

mas também apresentam sinais claros de

conservadorismo na preservação dos seus

valores culturais e religiosos.

Em consequência, as comunidades

imigrantes árabes e muçulumanas

enfrentam problemas de integração e

afirmação social, na Europa Ocidental. Na

maioria dos casos, registam-se comunidades

que não aderem e nem promovem a

miscegenação e sofrem de exclusão social,

pois a sociedade europeia assume uma

postura defensiva. Por conseguinte, os

imigrantes vivem em “comunidades a

parte”. O exemplo mais expressivo desta

realidade são os turcos, na Alemanha. Neste

país, os alemães frequentam discotecas

turcas, mas não convivem profundamente

nas comunidades turcas. A nível político é

possível ver alemães que atingiram posições

políticas de relevo, mas não se sentem

profundamente integrados. Os argelinos e os

senegaleses, na França, são, igualmente,

exemplos deste problema. Entretanto, a

França é um exemplo de miscegenação

que, por vezes, é difícil de digerir. Os cabo-

verdianos, em Portugal, são uma

comunidade imigrante significativa, alguns

são descendentes de mais do que uma

geração que, apesar de esforços políticos,

reclamam da qualidade de integração

social. Em consequência vivem no mundo “a

parte”. Os países nórdicos é mais facil

visualizar abertura política, mas é muito difícil

sentir a miscegenação ou a integração. Prva

disso, é difícil ver comunidades

numericamente significativas de negros,

árabes e muçulumanos a assumirem

posições de direcção no topo de empresas

estratégicas ou universidades. Portugal só

em 2015 teve a primeira mulher negra, de

descendência africana, a assumir posição

de ministra. Esta postura defensiva

representa o medo de que a minoria árabe

e muçulumana de África e do Médio

oriente, amanha poderá se tornar maioria e

proceder a arabização e a islamização da

Europa.

Em termos de segurança, os europeus

estão permanentemente preocupados e,

ocasionalmente alarmados com os números

de imigrantes. A preocupação revela o nível

de politização, pois ainda é possível

controlar os números pelo lado económico

que serve de inibidor nas opções de

natalidade. Isto faz acreditar que, mesmo os

árabes e muçulumanos de África e do

Médio Oriente, uma vez no espaço urbano

europeu serão moldados pelo contexto

económico caro a terem menos filhos. O

alarmismo tem a ver com o facto de que

nunca se deve subestimar uma ameaça,

principalmente pela incerteza. Neste caso,

os governos europeus que estão a registar

declínios acentuados de população e um

crescimento númerico significativo de

imigração árabe e muçulumana de África e

do Médio Oriente não têm garantias de que

os cidadãos europeus vão adoptar posturas

pró-natalistas para permanecerem sempre

maioria nos seus espaços e assegurarem a

prservação da identidade cultural, religiosa

e racial a curto, médio e longo prazo.

2.2.2. Medo Político

O medo polítco da imigração tem uma

forte componente de controle do poder.

Neste caso, a preocupação de fundo é

quem controla o poder? A maioria ou a

minoria? Qual é a identidade dos que vão

controlar o poder político se a Europa

Ocidental continuar a registar declínio

acentuado de população e não conseguir

controlar a imigração? Este é um medo

irreal, a curto prazo. Este irrealismo pode ser

sustentado pelo facto de Estados Unidos da

América (EUA) serem, assumidamente, um

país de imigracão, mas, nem por isso, o

controle do poder está ameaçado.

Entretanto, no caso da Europa

Ocidental, o cenário é diferente na

20

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

perspectiva de segurança a longo prazo e

não está a ser sub-estimado, pois enfrenta

um declínio populacional real. Acima de

tudo, geograficamente a Europa Ocidental

não apresenta, em termos de segurança a

mesma protecção natural que os EUA

dispões através do Ocenao Atlântico. Isto

equivale a dizer que a Eurpa Ocidental está

localizado num ponto com relativas

facilidades de acesso dos imigrantes de

África e do Médio Oriente.

Na história política mundial houve casos

de problemas político-eleitorais que

degeneraram em instabilidade por causa do

nacionalismo a volta de certas

candidaturas. Esta preocupação é,

essencialmente, uma tentativa de

salvaguardar o controle do poder contra

potenciais candidatos com origens

estrangeiras ou até agendas de longo prazo.

A Europa monárquica é exemplo destas

lutas pelo controle de poder político com

base na identidade nacionalista. Na história

actual, muitos países da Eurpa Ocidental

temem que uma eventual entrada da

Turquia na UE pode representar uma

ameaça política.

Politicamente, a Europa Ocidental teme

que esteja em curso uma política de

exportação de população. este medo não

é desprovido de fundamento, pois esta

política foi aplicada pelos europeus na

colonização. os russos aplicaram a mesma

política na antiga União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS). Hoje, a Europa

Ocidental não ignora as ameaças que são

proferidas por discursos inflamatórios de

líderes árabes e muçulumanos de grupos

terroristas geograficamente associados ao

Médio Oriente. Hoje, a Europa Ocidental

não ignora, igualmente, o facto de estar a

ser um espaço democrático onde,

paradoxalmente, estão a crescer números

de cidadão adolescentes e jovens que

expressarem simpatias por discursos radicais

e desencadeam acções operativas

terroristas.

Com efeito, em termos numéricos, os

países da Europa Ocidental temem que a

arabização e a islamização por via da

imigração constitua um mecanismo de

controle político. Isto significa que grupos

terroristas podem ameaçar ou usar o terror

para controlar politicamente o

comportamento de alguns estados

europeus. Neste caso, a Europa Ocidental

tem fundamentos para estar alarmada com

a imigração, pois os casos cotemporâneos

de ataques terroristas que ocorreram no seu

espaço tiveram directa ou indirectamente

um involvimento de imigrantes, por exemplo,

marroquinos. Na Espanha são reportados, de

forma regular, casos de detenção de

suspeitos de pertencerem a grupos

terroristas. Os ataques terroristas que

aconteceram a 11.de Março de 2004 em

Madrid, a 07 de Julho de 2005, em Londres e

a 13 de Novembro de 2015, em Paris,

também teveram a participação de

imigrantes e até de nacionais que fazem

parte de células terroristas, nomeadamente

Al Qaida e Estado Islámico.

O medo da imigração é justificado, pois

as estatístcas da UNHCR (2015) indicam 61%

homens, 23% são crianças e 15% mulheres.

Este número significativo de imigrantes

homens que, geralmente, tem dificuldades

de integração vivem num “mundo a parte”,

sentem a exclusão e tornam-se vulneráveis a

descontentamentos. Em casos extremos, os

descontentamentos foram expressos

violentamente, como aconteceu com

descendentes de argelinos nos subúrbios de

França, em 2005. Em Portugal, os

descendentes de cabo-verdianos, por

exemplo, são conheidos pelo problema de

criminalidade.

Conclusão

A necessidade e o medo de imigração

representa um dilema de curto, médio e

longo prazo na Europa Ocidental. Este

dilema ganhou um estatuto político e de

segurança que vai colocar em

permanentemente desafio a capacidade

da Europa Ocidental promover imigração

para respeitar os valores liberais e de

multiculturalismo, mas sem colocar em risco

a sobrevivência individual e colectiva. Hoje,

esta realidade está profundamente ligada a

associação que está a ser feita entre o islão

e o terrorismo.

Notas e Referências Bibliográficas 1 Segundo a European Commission (2014: 2), as

projecções indicam que a proporção de pessoas jovens

(0-14 anos), na UE e na zona Euro vai permanecer, de

certa forma, constante, até 2060, enquanto as proporção

de pessoas com idades entre os 14 e 64 anos de idade vai

ser substancialmente pequena, diminuindo de 66% para

57%. A percentagem de pessoas de 65 anos ou mais vai

21

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

subir de 18% para 28%. A percentagem de pessoas com

mais de 80 anos de idade vai, igualmente, subir de 5%

para 12% tornando-se quase igual ao número de

população jovem. 2 Esta forma de ver as ameaças tem a ver com a

abordagem sectorializada de segurança, que foi

introduzida pela Escola de Copenhaga. Segundo esta

escola, a segurança pode ser vista na dimensão militar,

política, económica, societal e ambiental. As ameaças

podem ser militares, políticas, económicas, sociais e

ambientais 3 Estas duas cidades tem uma importância política, militar

e económica na França. Por um lado, estas duas cidades

representam uma percentagem significativa das mais

povoadas da França. Toulon alberba um porto mlitar e

Nice é conhecido por estar perto do principado de

Mónaco e pelo seu valor turistico. 4 Antuérpia é, politicamente, considerada a segunda

maior cidade da Bélgica e economicamente bastante

significativa pela sua associação aos diamantes. 5 Internamente, os estados da UE avançaram

significativamente na criação de instituições académicas

e pesquisas exclusivamente dedicadas a estudar a

imigração. A Alemanha é um exemplo significativo do

quanto a (i)migração é um objecto de estudo

permanente, pois representa um dos principais países de

topo na lista de destinos de preferência dos imigrantes

provenientes do Médio Oriente, particularmente da

Turquia. 6 A Europa é o o continente que apresenta um elevado

número de instituições Think-tank, de pesquisa ligada a

imigração. Alemnaha é um dos países que se destacam

na exitência deste tipo de instituições de carácter

governamental e não governamental. 7 Em termos políticos, a imigração servia para efeitos de

propaganda e, em termos económicos, era usada para

mão de obra no processo de industrialização que estava

a crescer a um rítmo acelerado na Europa. 8 Alexandra Campos, in “Jornal Público” de 28.10.15. 9 Em Portugal o caso é mais grave, pois há evidências

Escolas estão a fechar devido a falta ou ao número

bastente reduzido de crianças para estudar. Além disso,

há aldeias que estão a ficar despovoadas 10 No entanto, a adopção está longe de ser um

mecanismo robusto para satisfazer as necessidades

populacionais, económicas, identitárias e políticas.

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22

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Reflexões Sobre Migrações Internacionais: Causas e Objectivos

Um Olhar Comparativo Entre a Europa e África Austral

Jossias Filipe

Pesquisador do CEEI/ISRI

Departamento de Economia e Desenvolvimento

N uma altura em que parecia estar

tudo ditto e tudo sabido sobre o

fenómeno migração, somos

confrontados com,

aparentemente, uma nova situação

calamitosa deste fenómeno que nos obriga

a parar e pensar se, de facto, sabe-se o

suficiente sobre ele, suas causas e

objectives. Num passado recente, parecia

que tal, nas condições em que era visto e

analisado por diferentes especialistas, era

uma coisa dos pobres e dos países pobres,

uma vez que a ênfase era sempre dada

para o movimento campo-cidade ou

transfronteiriço motivado pela procura de

melhores condições de vida.

Hoje, observando, sem esforço, ao que

se passa no mundo, voltamos ao princípio e

verificamos que, afinal, ainda há muito por

dizer sobre este fenómeno. O que é difícil é

saber o que dizer, que não sido já dito por

outros. Porquê, para quem e para quê dizer

o que ainda é possível e necessário dizer

sobre as migrações.

“Água mole em pedra dura, tanto bate

até que fura” é um ditado popular que

acreditamos que, nalgum momento produz

efeitos visíveis. Existem vários lugares, no

mundo, onde pedras de tamanhos e

formatos bizarros comprovam o velho

ditado. Esse facto, coloca-nos o desafio de

acreditar ou não, na possibilidade de os

politicos, governantes e gestores da coisa

pública, começarem a equacionarem e

considerarem a possibilidade da eliminação

das causas e factores que põem milhões em

movimento sem temer nem medir os perigos

que esse movimento acarreta.

Dizia, no começo deste artigo, que tudo

ou quase tudo, sobre as migrações, já tinha

sido dito. As causas, os tipos e os objectivos

das migrações, quase toda a gente

conhece. Vamos ser, por isso, repetitivos,

superficiais e incômodos para todos aqueles

que muito dominam esta matéria, mas

achamos por bem trazer, de novo o assunto

para experimentar uma análise comparativa

do que está a acontecer na Europa, com o

que tem estado a acontecer na África

Austral.

A Europa vive, hoje, um pesadelo. Está

confrontada com aquilo que, normalmente,

lia nos jornais e via nas televisões como

sendo algo normal e característico dos país

pobres de África, Ásia e América Latina,

onde, produto da incompetência e

corrupção dos governantes daquelas áreas

geográficas, as populacões, empobrecidas

e ameaçadas de morte pelas convulções

políticas e guerras, punham-se em

movimento à procura de segurança e

melhores condições de vida noutras

paragens.

Verdade ou não, o facto é que a

Europa é, hoje, uma dessas paragens que,

com dificuldades e desafios que custam,

nalgumas vezes, a própria vida, se procura

alcançar e, dezenas de milhares de pobres

já lá estão, ameaçando o sossego, a

tranquilidade e o bem estar daqueles que

viam ou ouviam falar do fenómeno como

sendo coisa dos outros e de muito longe.

Desse longe, já lá vai o tempo em que as

pessoas pensavam que o mundo terminava

onde a sua vista conseguia alcançar, no

horizonte.

Hoje, o horizonte das pessoas e do

migrante, em especial, não é, somente, o

que a sua vista consegue alcançar. As

pessoas sabem que por detrás do que se

consegue ver, no horizonte, existe vida e

melhor do que a que elas vivem, no seu

habitat. O seu sonho de melhorar as suas

condições de vida, já não é a cidade

23

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

capital da sua provincia ou do seu país, é

onde a televisão, as conversas de amigos e

as informações de jornais e revistas dizem

haver uma vida diferente e melhor.

No mundo globalizado em que vivemos,

o cinema e a televisão colocaram o mundo

ao alcance de todos. Permitimo-nos

exagerar no dizer que, as pessoas vivem,

hoje, num mundo sem fronteiras, onde o luxo

e a miséria são mostrados sem limitações,

onde as informações chegam a todos e

estimulam consumos, geram sonhos e criam

expectativas de uma vida melhor, em muita

gente. Associando tudo isto às causas reais

de uma boa parte das migrações

conhecidas, não resta outra alternativa a

uma boa parte dos migrantes, senão partir

para algures.

É lugar comum que, a natureza

humana, no geral, indica que o homem

tenta sempre procurar soluções dos seus

problemas, onde a sua cabeça indicar ser

possível encontrá-las, mesmo sabendo que

outros têm saido desses sítios à procura de

soluções dos seus, noutros lugares. É assim

que se justificam as ondas de imigrantes

desesperados do Médio Oriente e do norte

de África que pressionam os países do sul da

Europa, nomeadamente, Espanha, Itália e

Grécia, para que os deixem passar para o

centro e norte da Europa, onde pensam que

as condições sejam as melhores.

A Organização Internacional para as

Migrações1 indica que, de Janeiro a Agosto

de 2015, mais de 350 mil estrangeiros ilegais

foram detectados nas fronteiras da UE,

ultrapassando os 280.000 detectados em

2014. São contabilizadas em centenas de

milhares os migrantes que procuram a União

Europeia nos últimos anos2, numa tentativa

de busca de segurança e melhores

condições de vida. Enquanto isso, dos países

da União Europeia e por motivos similares

(busca de melhores condições de vida

noutros sítios), várias dezenas de milhares de

europeus deixam os seus países,

anualmente. O caso português3 é ilucidativo,

para se perceber a dimensão do fenómeno

e das causas prováveis.

Actualmente, os conflitos na Síria, no

Iraque e no Afeganistão, e a violência na

Eritreia, depois da instabilidade provocada

pela primavera Árabe, nos países do norte

de África, são dados como sendo os

principais motores da migração para a

Europa que tem transformado o Mar

Mediterrâneo numa auténtica vala comum4.

Os que temem o Mediterrâneo, arriscam e

tentam a perigosa rota dos Balcãs

Ocidentais, através da Bulgária, Roménia e

Hungria, na esperança de chegar a

Alemanha e outros países do Norte da União

Europeia. Desses movimentos, os dados da

OIM indica que, um total de 350 mil

migrantes chegou, este ano, nas fronteiras

da UE, dos quais, mais de 230 mil chegaram

pela Grécia, quase 115 mil pela Itália e

cerca de 2.100 pela Espanha. Dissemos tudo

isto para tentar recordar que, as migrações

do passado(do século XVI, até pelo menos

as primeiras décadas do século XX), eram,

essencialmente, no sentido Europa para

outras regiões do globo.

Hoje, com a transformação do mundo

numa aldeia global, os maiores fluxos

migratórios ocorrem no sentido inverso.

A pobreza e as guerras, tal como o dissemos,

são os principais motivos desses movimentos

migratórios. O mesmo acontece na África

Austral onde a história está repleta de

exemplos de movimentos ascendentes, a

partir da África do Sul, mas que, nos últimos

tempos, o movimento é descendente e de

grandes quantidades de pessoas que

procuram, aparentemente, melhorar sa suas

condições de vida e um bem estar, naquele

país. É lugar comum que, os factores que

propulsionam a dinâmica migratória, na

região, incluem as guerras que fustigaram

quase todos os países, até há bem pouco

tempo, as desigualdades socioeconômicas

que se vivem em cada um e entre os países

e o desemprego estrutural e conjuntural que

cresce em todos os países da região, como

um todo.

Ocorre-nos recordar que, quando, em

1994, o apartheid foi abolido na África do Sul

e os bantustões5 reintegrados na unidade

territorial sul-africana, o país parecia ressurgir

como o paraíso ou a terra prometida, onde

a paz e o bem estar seriam proporcionados

para todos. Mas, as desigualdades criadas

pelo apartheid foram tão abismais de tal

forma que, segundo análises e dados

divulgados, na ocasião, seriam necessárias

várias décadas de esforço titânico para

aproximar uns dos outros, em termos de

direitos para se conseguir introduzir níveis de

paridade nos sistemas de saúde, educação,

habitação e pensões para toda a

sociedade multirracial sul africana6.

Consciente desta realidade e do desafio 24

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

que isso representava, o governo de Nelson

Mandela decidiu e anunciou, publicamente,

que a prioridade do governo, nos anos

seguintes, seria dada à reconstrução da

sociedade sul-africana, com vista a poder

enfrentar a pesada herança do apartheid.

Para isso, um programa7 de reconstrução e

desenvolvimento seria posto em marcha. Foi

uma decisão que animou os sul africanos,

pondo-os a olhar o futuro com esperança,

ao mesmo tempo que os africanos de quase

todo o continente, olhavam para a África

do Sul como o El Dourado. A partir daí, todos

os caminhos iam dar à África do Sul.

Nos países da região, eram muitas e

dinámicas as transformações que se

sucediam, permitindo e abrindo caminho

para que uma grande avalanche de gente

fosse dar à África do Sul. Só a título de

exemplo, no Zimbabwe, onde a

independência, tinha deixado ficar para

trás, por força dos acordos de Lencaster

House, a questão da redistribuição da terra,

um dos grandes objectivos da luta de

libertação Nacional e pilar principal da

independência do território, cumprida que

tinha sido, em dobro, a clausula de

Lencaster House que proibia ao governo do

Zimbambwe de mexer com as questões de

propriedade da terra, Mugabe introduziu, à

força, o Fast Track Land Reform Programe

(reforma agrária), em Julho de 2000.

Como consequência imediata, uma

grande quantidade de farmas abandonou o

processo produtivo, levando a que, cerca

de 90% das terras da agricultura comercial,

que faziam do Zimbabwe o celeiro de África,

fossem expropriadas dos seus antigos donos

(brancos) e redistribuidos pelos novos donos

(negros). Os farmeiros brancos agastaram-se

com a posição e determinação do governo

e tentaram desacatar as ordens. Tal facto

enfureceu os nativos que instalaram uma

onda de violência que transformou os

campos de produção em campos de

batalha de tal ferocidade que, nalguns

casos, ultrapassou a dos anos da Guerra de

libertação. A partir daquele momento, o

Zimbabwe passou a viver momentos

dramáticos na sua história económica.

As farmas deixaram de produzir, os

bancos fecharam as portas ao

financiamento da agricultura e, por

arrastamento, a indústria e o comércio,

também, foram, grandemente afectados,

atirando, em muito pouco tempo, mais de

80% da populção activa, para o

desemprego. Agregando esta realidade à

decição de 1998, de colocar o exército a

intervir na operação RDC em apoio a

Joseph Kabila, a situação económica do

país colapsou.

A fome e a pobreza agravaram-se e no

horizonte da maioria dos zimbabweanos

apareceram dois caminhos. 1.O que levava

para o exterior, apontando a África do Sul

como principal destino, para além de

Moçambique e Botswana (foram para a

África do Sul milhões de zimbabweanos). 2. E

o que indicava os grandes centros urbanos

do país, numa migração campo-cidade,

onde o comércio informal permitia alguma

sobrevivência. Milhares de camponeses

invadiram os centros urbanos do país à

procura de melhores condições de vida.

Os arredores das grandes cidades

encheram-se de gente que, não tendo

nenhumas condições para suportar a vida

da cidade, ergueu autênticos e enormes

bairros de lata e cartão, num processo

acelerado de ruralização das cidades. O

primeiro caminho produziu, em muito pouco

tempo, a maior comunidade de imigrantes

na África do Sul, enquanto o segundo levou,

uma multidão de desempregados a

deambular pelas grandes cidades,

desenvolvendo pequenos e grandes

negócios informais no interior e nas

proximidades dos centros urbanos.

Em 2002, a União Europeia contestou a

transparência e o resultado das eleições

realizadas em Março e vencidas pelo ZANU-

PF e Robert Mugabe. Como consequência

agregada à condenação pública da

reforma agrária e da forma como esta

estava sendo materializada, decidiu aplicar

pesadas sansões contra o Zimbabwe,

considerando intolerável a violação dos

direitos humanos praticada pelo regime de

Robert Mugabe. No essencial, o objectivo

era enfraquecer o governo do presidente

Mugabe até levá-lo à resignação, para dar

lugar à oposição que era, aliás, seu alido,

inclusive, na contestação dos resultados

eleitorais. Mas as sanções não atingiram só o

governo. O país e o povo inteiro ficou

empobrecido. Mugabe não cedeu e, em

2005, o governo do Zimbabwe desencadeou

a chamada Operação Murambatsvina.

A interpretação que é dada pelos

falantes do Shona indica que se tratava da

operação limpeza, sendo, no essencial, 25

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

uma acção de retirada compulsiva das

cidades, dos populares que tinham

ocupado as ruas para desenvolverem o seu

negócio, e dos recém-construidos bairros de

lata e cartão, onde moravam, obrigando-os

a regressarem para as suas zonas de origem.

A violência com que foi conduzida esta

operação levou a debandada de muitos

zimbabweanos8 que se viram obrigados a

deixar as cidades, de volta para a sua

pobreza no campo, ou, para os corajosos e

capazes, para o caminho da emigração.

Mais uma vez, a África do Sul surgiu como

primeiro destino e, centenas de milhares de

zimbabweanos foram para lá parar.

Observadores atentos consideram que, com

a violência da reforma agrária, com a

imposição das sansões pelo Ocidente e com

a operação murambatsvina, veio o

desinvestimento e a fuga de capitais. A

situação económica do país que, na época,

já estava mal, agravou-se

consideravelmente.

A moeda zimbabweana que nascera

forte, em 1980, mergulhou num precipício de

desvalorização de que não se conhece, no

mundo, um termo de comparação9. Produto

disso, os que pareciam ser menos pobres,

viram a pobreza aproximar-se deles sem

nada poderem fazer. Os pobres, esses viam

a morte a aproximar-se lenta mas

decididamente para os tomar. São estes

ameaçados de morte que, tentando

sobreviver, emigraram para África do Sul,

Botswana e Moçambique. Para eles, o que

contava era o viver um dia de cada vez, o

que passava por não escolher o trabalho

que lhes podesse dar esse pedaço de pão.

Para eles qualquer trabalho era trabalho

incluindo o vender o que em condições

normais, não se devia vender.

Quando, em 2007, a bolha do Lemman

Brothers rebenta, nos EUA, os seus efeitos

foram sentidos em todo o mundo. Na África

do Sul a grande maioria das empresas sentiu

os efeitos da crise financeira que se instalou

e uma das medidas adoptadas para

atenuar a situação, foi o despedimento dos

trabalhdores. Muitos sul africanos foram para

o desemprego. Na época, uma avalanche

de imigrantes zimbabweanos deambulava

pelo país, procurando trabalho como quem

procura um pedaço de pão em lata de lixo.

Foi a salvação de muitas empresas que,

praticamente, obtiveram, em substituição

dos despedidos, uma mão de obra, quase

gratis. Aqui se estabeleceram e tentaram

sobreviver. Sãos estes pobres que foram

atacados, violentados e mortos por outros

pobres, acusados de roubar os seus

empregos em 2008. São estes necessitados

que, em 2015, o rei dos ZULU, Goodwill

Zwelithini acusou-os de surripiar as

oprtunidades dos filhos da terra, facto que

provocou a onda dos ataques xenófobos

que foram reportados na África do Sul em

Abril e condenados pelo mundo.

O que queremos deixar claro é que, as

nossas constatações indicam que, numa

situação ou noutra, de toda a África Austral

para África do Sul, ou do norte de África ou

Médio Oriente para a Europa, as motivações

e objetivos das migrações são as mesmas, e

parece-nos, também, que as soluções estão

nas mesmas mãos.

A pobreza não acabará enquanto as

guerras forem negócio de milhões para uns.

Como é de domínio de todos, a guerra

produz morte e as pessoas, no geral, têm

medo de morrer. Fugir da guerra significa

procurar refúgio e segurança. Significa

mudar de lugar. Significa migrar. Aquilo que

já se sabe é que o melhor sítio para se

esconder da guerra é o local onde ela é

preparada e de onde ela é levada a cabo.

Fugir da pobreza significa procurar melhores

condições de vida em outro lugar. Significa

migrar. Para as dus situações, a Europa e a

África do Sul são esses lugares. Se, para

alguns, a África do Sul já não o é, pelo

menos já o foi e, por essa via, conquistou o

estatuto. Como consequência disso, milhões

de estrangeiros, legais e ilegais, procuram

aquele país como El Dourado. É claro que

concordamos com quem discorde conosco,

porque outras causas e outros objectivos

existem que justificam as migrações para a

Europa e para a África do Sul.

É lugar comum que, no passado

recente, as migrações internacionais foram

motivadas e estimuladas pelas várias crises

políticas e económicas que o mundo viveu e

os especialistas já reportaram. Actualmente,

sabemos todos que, os ricos vão se tornando

cada vez mais ricos e os pobres cada vez

mais pobres. O que os ricos não sabem é

que os pobres já sabem porque é que são e

se mantêm pobres enquanto os ricos se

desenvolvem na riqueza, muitas vezes

subtraída aos pobres.

Não vamos, aqui, discutir as teorias de

distribuição de riqueza. É uma matéria 26

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

complexa para a qual, mesmo tendo uma

opinião, não se terá consensus nos próximos

tempos. Queremos, isso sim, repetir o que

todos sabem, dizendo que, a riqueza não

chega aos mais pobres e estes não

percebem as razões e as regras, se é que

existem, das gritantes desigualdades nas

sociedades em que vivem. Quando ouvem

falar dos níveis e rítimos de crescimento

econômico nos vários estudos que são feitos

e publicados sobre e nos seus países, vêm

sempre miragens de mudanças substanciais

nas suas vidas.

Infelizmente, o tempo passa e o que

muda é o grau da pobreza que sempre

aumenta e atinge um número cada vez

maior. A desnutrição, a falta de acesso à

água potável, à educação adequada, à

saúde, à habitação e as desigualdades no

acesso às oportunidades de emprego ou de

trabalho, são as características visíveis dessa

pobreza que estimula a vontade de emigrar

ou a violência que se vive nos vários países e

que já começa a ultrapassar os níveis do

tolerável. Dizem muitos e parece ser verdade

que os governos parecem não quererem

priorizar a solução do problema da pobreza

extrema que os países enfrentam. Os

politicos perdem muito tempo a

degladearem-se, ao invés de concentrarem

o seu saber, as suas energias e recursos para

o desenvolvimento das pessoas e países.

O neoliberalismo, que se instalou no

mundo, defende, em nome da liberdade do

mercado, da democracia e da propriedade

privada, que os recursos naturais, ainda

disponíveis, sejam de usufruto de muito

poucos, porque, segundo os ditames da

racionalidade e sustentabilidade, eles

devem continuar disponíveis para que os

muito poucos, capazes e não interessados

pelo bem estar de muitos, possam continuar

a controlar a maior parte possível da vida

social com o objectivo de maximizar os seus

benefícios individuais. É que, de acordo com

as ideias e iniciativas neoliberais que

defendem, no âmbito da prossecução e

desenvolvimento de políticas de Mercado

livre, é preciso incentivar o

empreendedorismo privado para permitir o

alargamento da escolha do consumidor,

premiando a responsabilidade pessoal e a

iniciativa empresarial nas actividades

económicas, reduzindo ou eliminando,

consequentemente, a forte intervenção dos

estados e governos, que, na sua maioria, são

considerados incompetentes,

excessivamente burocráticos e parasitários,

que não são capazes de fazer nada bem

feito, mesmo quando bem-intencionados.

Por outro lado, as novas tecnologias,

introduzidas no processo de produção,

contribuem para o aumento do

desemprego estrutural fazendo disparar o

índice da população desocupada, nos

países subdesenvolvidos, onde o índice de

crescimento populacional é elevado, factor

que perpectua os níveis da pobreza e a

quantidade dos pobres. É desta forma que

são produzidos os milhões dos que,

estatística e verdadeiramente, vivem com

menos de um dólar por dia.

Por que não equacionar a cooperação

envolvendo as populações e tendo em

conta as suas necessidades básicas e as

suas diferenças sócio-culturais, a par da

vontade dos governos de combater a

pobreza? Não temos dúvida de que isso

permitiria a participação destas nas

actividades em que, sendo elas a

determinar as suas prioridades e formas de

resolver os seus problemas, sairia toda a

gente a ganhar, incrementar-se-ia o

desenvolvimento e o combate contra a

pobreza poderia mostrar os seus resultados

concretos em pouco tempo, numa

coexistência harmoniosa entre o tradicional

e o moderno. Aliando isso à sua

monetarização, criar-se-iam vários pólos de

desenvolvimento de mercados que fariam

prosperar todas as empresas produtivas e as

de prestação de serviços, nas quais, os

empresários seriam eles próprios, num

processo dinâmico de criação de riqueza,

do melhoramento da qualidade de vida das

pessoas e do desenvolvimento de cada

local.

Ao nível da África Austral, a filosofia da

NEPAD pressupõe isso mesmo e a ideia da

integração regional, também.

Consideramos, por isso, possível viver

tranquilo e harmoniosamente numa

comunidade multiétnica e multirrácica,

fazendo valer o dito segundo o qual, a

África do Sul é uma nação arco iris onde as

cores convivem harmoniosamente ,

proporcionando à natureza um espectáculo

maravilhoso e uma lição de vida que

parece que os humanos se recusam a

aprender. “CORES DIFERENTES, TODAS

JUNTAS, FAZEM DO ARCO IRIS A COISA MAIS

BONITA DA NATUREZA”. Significa que, se as 27

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

pessoas, tolerantemente, conseguissem viver

numa comunidade multiétnica e

multirrácica, a humanidade e o planeta não

teriam os problemas com que se debatem

hoje.

Os politicos têm que crer na

possibilidade e na necessidade do convívio

de todos e querer que as pessoas tenham o

que precisam para viver em paz, uns com os

outros. O desenvolvimento dos meios de

transporte e de comunicação das últimas

décadas facilitou o conhecimento da

realidade mundial que permite o movimento

de pessoas para regiões mais distantes de

suas terras de origem. Na África do Sul, são

várias centenas de milhares de estrangeiros,

idos de várias partes do mundo, que

procuram segurançã e melhores condições

de vida, não obstante a realidade

encontrada esteja, algumas vezes, muito

longe da imaginada. Os ataques xenófobos

que os imigrantes sofreram em Março e Abril

de 2015, nas cidades de Durban e

Joanesburgo, são bem ilustrativos dessa

realdade adversa. Enquanto isso, a invasão

de imigrantes que a Europa está a sofrer,

neste momento, é uma procura de melhores

condições de vida e segurança que as

pessoas não têm nos seus países, por causas

das guerras, levadas a cabo, inclusive, pela

Europa.

O que os migrantes não sabiam é que,

nalgumas vezes, iriam confrontar-se com

manifestações de rejeição em vários países

da Europa como uma realidade para a qual

deverão adaptar-se ou lutar contra. Os

desafios enfrentados pelos imigrantes na

Europa e na África do Sul, são similares.

Exigem que as instituições das Nações

Unidas que se ocupam pelas questões das

migrações estejam muito atentas para

garantir o respeito pelos direito humanos.

Não falei nem vou falar de xenophobia, mas

é uma realidade de que não se deve

ignorer. Vai-se falar dela com muita

frequência nos próximos tempos.

Notas e Referências

1 No seu relatório de 2015. 2 O número de imigrantes que chegaram ilegalmente

ao território europeu diminuiu 49 %, em 2012 em

relação ao ano anterior, tendo o total das chegadas

ficado, pela primeira vez, abaixo dos cem mil desde

2008, refere o relatório “Annual Risk Analysis 2013” da

Frontex, agência das fronteiras externas da União

Europeia. Enquanto em 2011 um total de 141 mil

imigrantes foram detectados a tentar entrar

ilegalmente em território europeu pelas fronteiras da

UE, esse número diminuiu para 72 mil em 2012. 3 Na sequência da crise económica de 2008, a

intervenção da Troika (2011) e a tomada do poder por

um governo de direita (junho de 2011), assistiu-se em

Portugal a uma verdadeira debandada. O novo

governo (PSD/CDS-PP) tratou logo de apelar aos

portugueses para emigrarem. A 31/10/2011, o

secretário de estado do desporto, no Brasil, dirigiu-se

nesse sentido aos jovens portugueses. O primeiro-

ministro, numa entrevista ao jornal Correio da Manhã

(Dezembro) fez esta recomendação a todos os

portugueses. Os números desta debandada são

impressionantes: 2011 emigraram 101 mil; 2012 saíram

121 mil; 2013 partiram 128 mil; 2014 foram 135 mil; Para

2015 espera-se um valor muito superior. 4 Dados divulgados, pela Organização Internacional

para Migração, revelam que 2.373 migrantes e

refugiados morreram nos oito primeiros meses de 2015,

na tentativa de atravessar o Mar Mediterrâneo para

chegar à Europa. Em 2014, do fim de agosto até o fim

de dezembro, mais de 1,2 mil imigrantes morreram no

Mar Mediterrâneo, perfazendo mais de 3,5 mil

migrantes mortos na tentavam chegar a países como a

Itália, Grécia e Espanha pelo Mediterrâneo, segundo a

OIM. O número de mortos registrado no mesmo

período em 2014 foi 2.081. 5 Transkei, Bophuthatswana, Venda, Ciskei, Gazankulu,

KaNgwane, KwaNdebele, KwaZulu, Lebowa e

QwaQwa eram territories, supostamente independents,

onde o regime do apartheid tinha confinado os pretos

em função da sua lingua e cultura. Aos natives e

habitants destes territories, o regime do apartheid

retirara, desde 1971, a cidadania sul Africana. Só em

1994 é que estes cidadãos deixaram de ser estrangeiros

na sua própria terra. 8 Centro de Estudos Internacionais 2/2002: Guerra e

conflitos violentos em África, citando James Barber:

South Africa in the Post-Cold World, p. 20. 7 Reconstruction and Development Programme (RDP). 8 Dados publicados indicam que foram directamente

afectadas por esta violência,cerca de 700 000 pessoas,

e perto de 2 500 000, indirectamente. 9A inflação atingiu os 500000000000% (quinhentos mil

milhões por cento),em 2008.

28

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Introdução

E ste artigo foca as dinâmicas das

transições pós-soviéticas nas

Repúblicas centro-asiáticas,

servindo-se da transitologia como

instrumento analítico. O argumento central

é o de que as cinco Repúblicas centro-

asiáticas foram alvo de um longo processo

de transição, marcado por diferentes ritmos

e desenvolvimentos, desde o colapso da

União Soviética. Tais processos deram

origem a diferentes Estados do ponto de

vista económico, político e social, não

obstante terem como ponto de partida um

legado (soviético) relativamente

homogéneo.

De acordo com Juho Korhonen, “a

transitologia não é uma ferramenta ideal ou

objetiva para analisar a mudança pós-

socialista, mas, ao invés, dela

resultante” (2012: 73). A natureza ideológica

da queda do comunismo na Eurásia criou

um certo espaço cultural, que foi e continua

a ser definido por raízes históricas e

estruturais dialéticas, por um lado, e pela

situação contingente entre os processos

dentro das Ciências Sociais e o espaço

político dos países pós-socialistas, por outro

lado. À luz destas observações, Korhonen

conclui a propósito da transitologia que,

antes de mais, “a sua singularidade não

reside na novidade da queda do

comunismo, (…) mas na sua deslocação

específica a partir dos sistemas de

pensamento predominantes, emulando

uma logica interna contraditória” (2012: 75).

Uma vasta quantidade de artigos científicos

e monografias tem focado “os processos

multifacetados por meio dos quais os

regimes comunistas têm vindo a evoluir

rumo às democracias multipartidárias

(transição política)”, e “a privatização da

esfera económica com o objetivo de

dissolver o modelo de planeamento

centralizado e de criar um setor financeiro

baseado na propriedade privada de

recursos (transição económica)" (Petsinis,

2010: 301).

Em alternativa à observação

participante e não participante, técnicas de

difícil aplicação ao presente objeto de

estudo, recorreu-se à entrevista

semiestruturada. O trabalho de campo

Dinâmicas das Transições Pós-Soviéticas nas Repúblicas Centro-Asiáticas

Paulo Duarte

Especialista em Relações Internacionais

Doutorando na Université Catholique de Louvain

Este artigo foca as dinâmicas das transições pós-soviéticas nas Repúblicas centro-asiáticas, servindo-se da transitologia como instrumento analítico. O argumento central é o de que as cinco Repúblicas centro-asiáticas foram alvo de um longo processo de transição, marcado por diferentes ritmos e desenvolvimentos, desde o colapso da União Soviética. Tais processos deram origem a diferentes Estados do ponto de vista económico, político e social, não obstante terem como ponto de partida um legado (soviético) relativamente homogéneo. Em alternativa à observação participante e não participante, técnicas de difícil aplicação ao presente objeto de estudo, recorreu-se à entrevista semiestruturada. O trabalho de campo baseou-se em entrevistas conduzidas predominantemente na Ásia Central. O método qualitativo – através da análise hermenêutica – é a metodologia na qual se alicerça a presente investigação.

29

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

baseou-se em entrevistas conduzidas

predominantemente na Ásia Central. O

método qualitativo – através da análise

hermenêutica – é a metodologia na qual se

alicerça a presente investigação. A

propósito da entrevista semiestruturada,

Ghiglione refere que “o entrevistador

conhece todos os temas sobre os quais tem

de obter reações por parte do inquirido,

mas a ordem e a forma como os irá

introduzir são deixadas ao seu critério” (2001:

64). Contudo, alguns dos entrevistados na

Ásia Central solicitaram o anonimato ou, em

alguns casos, pediram para serem citados

como especialistas locais. Eles serão

nomeados ao longo da presente

dissertação da seguinte forma: Especialista

I1 e Especialista II2.

Acreditamos que a entrevista

semiestruturada é o método que melhor se

adequa ao problema de pesquisa na

medida em que ela privilegia o

conhecimento local, isto é, o saber baseado

na experiência no terreno, por parte de

indivíduos que residem na área ou áreas

sobre as quais se debruça a presente

investigação. Optou-se por recorrer a

especialistas de organizações não

governamentais que operam no terreno,

bem como a funcionários de Embaixadas

de países terceiros nas Repúblicas centro-

asiáticas, entre outros. Em outros casos, os

entrevistados eram da nacionalidade da

República centro-asiática em questão.

Pensamos assim que esta amálgama de

entrevistados é suscetível de oferecer um

ponto de vista diversificado sobre a

temática a analisar. Além disso, o contraste

entre a entrevista a funcionários de

Embaixadas vs a entrevista a habitantes

locais proporciona, por um lado, um olhar

de terceiros, isto é de pessoas externas à

região, acerca da mesma, juntamente com

um olhar dos próprios centro-asiáticos sobre

a realidade geográfica, cultural,

económica, política e social onde residem.

A conjuntura nas cinco Repúblicas Centro-Asiáticas

O Cazaquistão

No entendimento de Zhanat

Kurmanov3 (2011), “o Cazaquistão é um

Estado-modelo, „líder‟ regional”, que tem

atraído investimento estrangeiro, devido ao

seu “potencial energético e mineral”, por

um lado, mas também, fruto de uma

“política externa pragmática”, por meio da

qual o país tem procurado estabelecer

“uma boa parceria com outros Estados

regionais e externos à região” (como é o

caso dos Estados Unidos). Com experiência

no terreno, Michael Carter4 (2011), ex-diretor

do maior banco de investimento do

Cazaquistão (Visor Capital) sublinha que “o

ambiente de negócios no país é bastante

positivo”, sendo que na região (o

especialista inclui, também, aqui a Rússia) é,

segundo Carter, provavelmente “o melhor”.

Após a independência, em 1991, “o

Cazaquistão foi um dos primeiros e mais

vigorosos reformadores entre as Repúblicas

da antiga União Soviética” (Consultancy

Development Centre, 2012: 3). Com efeito,

nos primeiros anos da transição, o Estado

liberalizou os preços, reduziu as distorções

comerciais, e facilitou a privatização de

pequenas e médias empresas,

estabelecendo condições apelativas para o

investimento estrangeiro no setor mineral e

petrolífero (Kazakhstan Country Brief, 2006).

Segundo Zhanat Kurmanov (2011), um dos

fatores que leva as várias potências a

interessarem-se pelo Cazaquistão (além dos

recursos naturais e energéticos), é o clima

de estabilidade, a médio e longo prazo, que

o país oferece aos investidores.

No entendimento de Richard Pomfret,

“o petróleo desempenhou um papel

fundamental no desenvolvimento

económico e político cazaque”, pese

embora o regime se tenha tornado “mais

autocrático” e o sistema “mais

corrupto” (2010: 9). A reforma económica

estagnou em meados da década de 90,

sendo que, em 1995, os índices de transição

do European Bank for Reconstruction and

Development (EBRD) posicionavam o

Cazaquistão atrás quer do Uzbequistão,

quer do Quirguistão. Embora, como informa

o The Washington Times (1999), a economia

cazaque tivesse contraído

significativamente nos anos que se seguiram

à independência, tal revés não demoveu,

contudo, a atenção dos investidores

externos, pois, já nesse período o Governo

possuía uma das políticas económicas mais

vanguardistas da Comunidade de Estados

Independentes. Nos anos 1996-97, a

economia começou a crescer, apesar de 30

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

ter sido gravemente afetada pela crise russa

de 1998 (Katz e Kasera, 2007). A partir de

1999, a situação económica do país havia

regressado à normalidade.

O Cazaquistão recuperou bem da

recessão económica que afetou o país no

primeiro semestre de 2009 (Asia Report

nº183, 2010). Durante a crise, “o Produto

Interno Bruto cazaque registara uma taxa

de crescimento de apenas 1,2%”, tendo o

país mergulhado na recessão “desde a

queda acentuada dos preços do petróleo e

das matérias-primas” (Banco Mundial, 2013:

para.1). A economia cazaque está entre as

10 economias mundiais que mais rápido têm

crescido, de acordo com o Fundo

Monetário Internacional (World Economic

Outlook, 2012). Segundo Roman Mogilevski5

(2012), “no Cazaquistão, tudo é

extremamente caro”, sendo que “a

qualidade dos produtos e serviços nem

sempre está em conformidade com os seus

preços”, embora este especialista centro-

asiático admita que tal tendência tem

vindo a ser combatida pelo Governo

cazaque, visto que “o país já foi bastante

prejudicado por causa dos altos preços”.

De acordo com Emílio Rui Vilar6

(2011), “o Cazaquistão é o país com as

maiores reservas petrolíferas da Ásia

Central”. Por outro lado, é a República que

detém “as maiores reservas minerais”,

designadamente, “minerais raros”, e,

“devido à sua extensão - desde as costas

do Mar Cáspio até à fronteira com a China -

é um Estado com uma posição estratégica

muito relevante” (Vilar, 2011). Além disso,

como sublinha o autor, até ao presente,

“não tem havido registo de conflitualidade

de origem religiosa”, ao invés do que se tem

verificado em outros países, como é o caso

do Uzbequistão, Quirguistão, ou, mesmo, do

Turquemenistão (Vilar, 2011). Na prática, “o

Cazaquistão tem beneficiado de uma

estabilidade política considerável, que,

todavia, poderá deixar de existir uma vez

que a sucessão do Presidente Nazarbayev

permanece uma grande incógnita” (Vilar,

2011). Não obstante esta estabilidade

política de que fala E. Rui Vilar, um outro

autor, Ariel Cohen, chama a atenção para

o facto de, desde meados dos anos 90, o

Cazaquistão ter vindo a ser “alvo de críticas

por parte do Ocidente”, entre as quais, que

“a liderança do país estaria a fazer regredir

o progresso democrático alcançado nos

primeiros anos de independência” (2008:

38).

No Cazaquistão, “o regime permanece

autocrático e os dissidentes são punidos”,

embora o Presidente Nazarbayev tenha

vindo a ser alvo de “crescentes pressões

para prestar contas sobre si mesmo e sobre

a sua entourage” (Pomfret, 2010: 17). Os

escândalos de corrupção minam o

Governo, especialmente o caso

„Kazakhgate’, relacionado com uma conta

bancária escondida na Suíça, na qual o

Presidente terá depositado mais de um

bilião de dólares em lucros provenientes do

setor petrolífero (Global Witness, 2004). De

acordo com Radio Free Europe/Radio

Liberty, “depois de vários anos de disputas

legais, julgamentos adiados e esforços, por

parte do Presidente Nazarbayev, em

controlar as repercussões políticas destes, o

escândalo multimilionário de corrupção,

„Kazakhgate‟, chegou ao fim (em agosto de

2010)” (2010: para.1).

Meruert Makhmatova7 (2011),

especialista cazaque e diretora do Public

Policy Research Center, em Almaty, refere

que o seu instituto efetuou, em tempos, um

estudo no qual concluiu que “os membros

da sociedade civil no Cazaquistão são, na

sua grande maioria, corruptos”; por outro

lado, “95% dos cazaques acreditam que a

sociedade civil é corrupta”. Estes resultados

surpreenderam a autora pela negativa,

devido às dimensões consideráveis que o

fenómeno adquiriu. Embora os níveis de

corrupção, no Cazaquistão, sejam elevados

(segundo a Transparency International 2012,

o país ocupa a 133ª posição no Corruption

Perceptions Index, cabendo à Somália o

último lugar, isto é, a 174ª posição), “os

lucros provenientes dos recursos petrolíferos,

bem como a própria distribuição destes, faz

com que as pessoas estejam relativamente

satisfeitas com o status quo” (Esengul8,

2012). Contudo, tal pode ser problemático

na medida em que, como sublinha Bohdan

Krawchenko9 (2012),“um monopólio político

tende a conduzir a um monopólio

económico, em que certos grupos

controlam determinados setores da

economia”, o que é extremamente nefasto

“para as metas económicas e para a

criação de empregos”.

A oposição tem sido conduzida por

“poderosas figuras políticas” que

“desertaram do Governo” (muitas vezes, em 31

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

resposta à “centralização do poder na

família do Presidente”) e por “homens de

negócios, que lucraram com as

privatizações dos anos 90”, e pretendem,

agora, “reforçar o „Estado de Direito‟, de

forma a proteger os seus ganhos” (Kusainov,

2003: para.15). Até ao presente, Nazarbayev

tem sido capaz de equilibrar os interesses

das várias fações que competem pelo

controlo de ativos imobiliários e industriais

(The Telegraph, 2011). Os „pesos pesados‟

da indústria e negócios no plano doméstico

cazaque começaram a manifestar

descontentamento face ao declínio da sua

influência, à medida que a Governo de

Nazarbayev reivindicava um maior controlo

económico, ao mesmo tempo que acolhia

o investimento estrangeiro nas indústrias

mais importantes (Wandel e Kozgobarova,

2009).

Segundo Ariel Cohen, “mesmo com a

sua autoridade reforçada, Nazarbayev não

destruiu a vida política do país, ao contrário

do que sucedeu em alguns Estados vizinhos,

tais como o Turquemenistão, ou o

Uzbequistão” (2008: 38). Por outro lado,

Nazarbayev também não permitiu que os

conflitos internos crescessem, ao invés do

que aconteceu no Tajiquistão, “que foi alvo

de uma Guerra Civil (1992-1997), na qual

cerca de 100 000 pessoas perderam a vida,

e, aproximadamente, um milhão de

indivíduos se tornaram refugiados e

deslocados no interior do

país” (Toshmuhammadov, 2004: 12-13).

Acrescente-se, ainda, que nenhuma

revolução derrubou o regime cazaque,

contrariamente ao que ocorreu, por

exemplo, no Quirguistão, em 2005. Para

Michael Carter (2011), Nazarbayev tem

investido numa clara política de autonomia

relativamente às grandes potências

interessadas no Cazaquistão, por meio da

qual o Presidente “procura colher os

maiores benefícios possíveis face aos

diferentes atores”. A este respeito, Carter

(2011) carateriza Nazarbayev, do ponto de

vista geopolítico, como sendo “um dos

líderes mais impressionantes dos últimos 30

anos, na forma como procura alcançar os

seus objetivos”. Não é descabido afirmar

aqui que o fator „personalidade‟ tem

desempenhado um papel preponderante

na transição política, económica e social do

Cazaquistão face à dos outros Estados da

região. Com efeito, a forma como

Nazarbayev tem definido e redefinido os

interesses do país e forjado, no fundo, a

identidade cazaquistaneza é

absolutamente notável. Utilizando a

terminologia de Hollis e Smith (1990), a

personalidade deste líder tem-se sobreposto

ao papel das „burocracias domésticas‟, à

„estrutura‟ do „Estado‟, mas também aos

imperativos da conjuntura regional e/ou

„internacional‟. Por outras palavras,

adotando uma postura „bottom-up’, isto é

de cima para baixo, a variável „indivíduo‟

adquire um peso extraordinário na

conjugação com os restantes „níveis de

análise‟ de Hollis e Smith (1990), como que

se sobrepondo ao „sistema‟ e, de certa

forma, moldando-o em conformidade com

as necesssidades e interesses do próprio

processo de construção do Estado.

A sociedade civil cazaque tem

experienciado um rápido desenvolvimento.

No período de 1995 a 2005, o número de

organizações não governamentais

aumentou de 400 para 5000 (Giffen, Earle e

Buxton, 2005). Embora muitas destas estejam

envolvidas em atividades culturais e

comunitárias, algumas têm vindo a

empenhar-se na promoção do Estado de

Direito, e em iniciativas de democratização,

muitas vezes auxiliadas por financiamento

estrangeiro e por figuras da oposição

cazaque, economicamente poderosas

(Cummings, 2005; Roberts, 2012). Também

no período de 1995 a 2005, se verificaram

mudanças profundas nos mídia cazaques,

havendo mais de 2000 órgãos de

comunicação a publicar no país, auxiliados

por várias forças políticas, incluindo a

oposição radical (Nazarbayev, 2005).

Depois de vários anos de instabilidade e

reformas administrativas, o Cazaquistão

ganhou governabilidade e ordem pública.

O Governo conseguiu realizar uma série de

reformas, revigorando a atividade

empresarial e reavivando muitos setores da

economia (Isaacs, 2010). Por outro lado, no

que respeita à situação dos direitos

humanos no Cazaquistão, Doris Bradbury10

(2011) acredita que, aqui, o balanço não é

tão grave comparativamente aos outros

países da região, embora sublinhe “a falta

de democracia e de verdade nos meios de

comunicação”. Não obstante, Michael

Carter (2011) estima que é mais fácil ser-se

jornalista no Cazaquistão do que “na Rússia,

China, Quirguistão, Uzbequistão, 32

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Turquemenistão, Tajiquistão, Afeganistão ou

Paquistão”.

O Quirguistão

Como refere João Soares11 (2011), “o

Quirguistão - curiosamente, o país mais

pequeno da Ásia Central - é o único que,

apesar dos altos e baixos, e reviravoltas

várias que tem sofrido, tem levado a cabo

um processo de relativa transição

democrática”. Em outubro de 1991, Askar

Akayev foi eleito o primeiro Presidente do

país. Enquanto ex-membro da liderança

soviética, Akayev viria a ser percebido

como “o novo líder mais democrático da

Ásia Central” (Escobar, 2005). Akayev

instituiu eleições multipartidárias e procedeu

a reformas económicas, “prometendo

transformar o país na „Suíça‟ da Ásia

Central” (Olcott, 2005: 41). Com efeito, o

Presidente estabeleceu a democracia

multipartidária e procurou o apoio de várias

organizações intergovernamentais, tais

como o Fundo Monetário Internacional ou o

Banco Mundial (Davis, 2011). Como fora

reconhecido por vários observadores, o

Quirguistão viria a converter-se,

efetivamente, na ´Suíça‟ da Ásia Central e

“Akayev fora saudado como um defensor

de uma atmosfera aberta e liberal” (BBC

News, 2005: para. 3).

Porém, o desenrolar dos

acontecimentos ditaria uma erosão

contínua das normas democráticas. Nas

eleições dos anos seguintes, a OSCE registou

várias irregularidades ao nível da votação,

passando, por exemplo, por tentativas de

suborno de eleitores, fraudes no

apuramento dos resultados, parcialidade

dos meios de comunicação estatais, e

aprisionamento de candidatos da oposição

(OSCE, 2000). As eleições presidenciais de

julho de 2005 ditaram a vitória fácil de

Bakiyev, com mais de 88% dos votos (Sari,

2012). Embora os observadores

internacionais tenham notado melhorias

consideráveis no processo eleitoral,

registaram-se, ainda, várias irregularidades.

Efetivamente, como reconhece Tiago Lopes

“apesar das altas expetativas face ao novo

regime, Bakiyev não só adiou o caminho da

liberalização como, efetivamente,

enveredou pela direção oposta” (2012: 3).

Ao longo da década de 90, o

desenvolvimento de uma sociedade

democrática no Quirguistão processou-se

em relativa sintonia com a democratização

de muitos Estados da Europa Central e de

Leste, na sequência da dissolução da União

Soviética (Engvall, 2011). Ao contrário das

outras Repúblicas centro-asiáticas que

experienciaram um período „pós-totalitário‟,

segundo a classificação de regimes de Linz

e Stepan (1996), o então recém-

independente Quirguistão era conhecido

como uma “ilha de democracia” (Lopes,

2012: 3). O país provou ser, como nota

Johan Engvall, “uma das antigas Repúblicas

soviéticas menos preparadas para se tornar

um Estado independente” (2011: 18). Por

outro lado, para os quirguizes, o colapso da

União Soviética resultou na “independência

que ninguém queria” (Engvall, 2011: 18). O

facto de o então recém-independente

Quirguistão ser, do ponto de vista teórico,

uma entidade política autónoma, possuía,

contudo, pouco significado prático, uma

vez que Moscovo havia controlado as

estruturas políticas e económicas da

República quirguize durante sete décadas

(Eshimkanov et al, 1995). Por conseguinte, o

Presidente Akayev tinha, diante de si, a

difícil tarefa de gerar instituições e políticas

capazes de resistir de forma independente

(Spector, 2004; Husky, 2004).

Segundo Eugene Huskey,

“contrariamente à tendência verificada em

outras Repúblicas centro-asiáticas, o

Presidente Akayev não poderia fazer do

Partido Comunista a base do seu apoio

institucional” (2002: 75). Por outro lado,

“embora os Presidentes Islam Karimov e

Saparmurat Niyazov tivessem herdado as

instituições tradicionais do poder intactas,

Akayev, tal como Boris Yeltsin, foi

confrontado com a necessidade de edificar

uma nova estrutura de autoridade

política” (Huskey, 2002: 75). Apesar de, no

início da governação, Akayev (1994) ter

aparentado possuir uma visão democrática

sincera para o Quirguistão, e de ter

promovido, de forma enérgica, o país

enquanto alternativa democrática na Ásia

Central, os últimos anos da década de 90

foram os do começo do “deslize

autoritário” (Aiyp, 1998: 60-61). Como refere

Chinara Esengul (2012), “Akayev e Bakiyev

priorizaram os seus próprios interesses, não

tendo realizado qualquer esforço para por

termo à corrupção”. 33

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

Enquanto Akayev permaneceu no

poder, era, de certa forma, difícil estimar

até que ponto a família presidencial

influenciava a economia. No entanto, a

situação tornou-se relativamente clara

depois da Revolução das Tulipas, quando

uma comissão reuniu uma lista, primeiro, de

42 empresas e, mais tarde, de 178 empresas

alegadamente propriedade, ou, em parte,

controladas pela família Akayev (Kimmage,

2005). As três maiores fontes de receitas - o

ouro, a hidroeletricidade e o apoio externo -

converteram-se nas principais bases de

corrupção sob Akayev. Num contexto em

que as elites políticas pensavam,

fundamentalmente, nos seus próprios

interesses, “Akayev acabou por não

conseguir inverter esta tendência”, até que,

por fim, se rendeu, também ele, aos seus

objetivos pessoais e familiares (Esengul,

2012). Os fatores políticos domésticos

acabaram por levar a melhor, ao

contribuírem para desviar Akayev do

caminho das reformas democráticas. Com

efeito, a força dos clãs e a corrupção

generalizada, no Quirguistão, foram as

verdadeiras causas que levaram Akayev a

concentrar e consolidar o poder no

Executivo (Fiacconi, 2012).

No entendimento de Chinara Esengul

(2012), “o Quirguistão da atualidade não é,

de todo, gerido com base em políticas

sólidas”. Por outro lado, “qualquer assunto é

politizado, sendo que um aspeto da

politização consiste na divisão entre o Norte

e o Sul”, que serve de instrumento para se

chegar ao poder (Esengul, 2012). Contudo,

a autora acredita que os quirguizes estão

“cansados” de “jogos políticos” e da

“instabilidade” gerada pelo “apetite do

poder”, por parte dos políticos, sendo que,

consequentemente, “a divisão Norte-Sul já

não pode mais ser instrumentalizada”, tendo

perdido o seu vigor nos últimos cinco ou 10

anos (Esengul, 2012). Por outro lado, “o

pensamento político é, atualmente, mais

forte do que há cerca de uma década”, o

que explica, segundo esta especialista, que

as pessoas já não sejam “tão facilmente

persuadidas e/ou manipuladas” (Esengul,

2012).

A Revolução das Tulipas foi,

inicialmente, percebida como um protesto

genuinamente popular contra as más

práticas da família Akayev (Escobar, 2005).

Apesar de Bakiyev ter sido eleito Presidente,

com uma vitória esmagadora, em julho de

2005, o primeiro ano depois da revolução foi

marcado por uma situação em que

nenhum grupo, muito menos um indivíduo,

foi capaz de consolidar o poder político

(Freedom House, 2012). As elites com

experiência em negócios, política, ou com

ligação a redes criminosas, constituíram

várias alianças (Artman, 2013). Não

obstante, houve pouca cooperação entre

elas, e a incapacidade de estas se

neutralizarem entre si era, na prática, fonte

de um certo equilíbrio de poder. De acordo

com Shairbek Juraev, “o impulso que levou

à queda do impopular regime de Askar

Akayev, em 2005, foi, porém, incapaz de

conduzir a uma maior

democratização” (2010: 5). Com efeito, “a

democracia permanece um conceito

alheio à cultura política doméstica

quirguize”; embora existam, atualmente,

“muitas instituições democráticas no

Quirguistão”, estas não se repercutem,

necessariamente, num “reforço dos valores

políticos liberais”; a Revolução das Tulipas

suscitou uma mudança “no governante”,

mas “não no desenvolvimento do

país” (Juraev, 2010: 5).

Depois de dois anos (de 2005 a 2007)

marcados por um equilíbrio delicado,

Bakiyev conseguiu aniquilar a competição e

estabelecer-se enquanto número um.

Bakiyev instituiu, contudo, uma cleptocracia

desenfreada. Ele e a sua família

aproveitaram-se, com efeito, dos

mecanismos e da lógica existentes na era

Akayev, levando-os a um patamar ainda

mais extremo. Segundo Johan Engvall,

“Bakiyev era ainda mais apegado ao

sistema de „venda‟ de cargos

governamentais do que Akayev” (2011: 58).

Na verdade, embora Akayev tenha

começado a construir um tal sistema,

Bakiyev tornou-o operacional” (Engvall,

2011: 58).

Sob a liderança de Bakiyev, o

Quirguistão caminhava, de forma veloz,

numa direção incerta e perigosa, minada

pela corrupção, nepotismo e, inclusive, pelo

crime, o qual era estritamente organizado a

partir do topo (Marat, 2005, 2008). O poder

político estava, em grande parte,

concentrado nas mãos dos seus familiares

próximos e, em menor grau, no resto da sua

família (Marat, 2005, 2008). Tal como Roza

Otunbaeva, havia notado antes de suceder 34

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

a Bakiyev, “atualmente, há cinco Bakiyevs a

trabalhar na Casa Branca”, nos escalões

superiores do poder, (…) Já nem falo dos

numerosos familiares que ocuparam todos

os andares da Casa Branca” (Cit. por

Engvall, 2011: 58).

À semelhança da Revolução das

Tulipas, a queda do regime Bakiyev, em abril

de 2010, alimentou a esperança de um

romper com o passado, e embarcar num

novo caminho de progresso e

desenvolvimento (Gawrich et al, 2010).

Contudo, o otimismo inicial seria,

rapidamente, substituído pelo desespero

após o grave distúrbio de junho de 2010,

quando, de acordo com as estatísticas

oficiais, vários tumultos étnicos no sul do

Quirguistão causaram 470 mortos e

desalojaram mais de mil pessoas (Kyrgyzstan

Inquiry Commission, 2010). Depois desta

tragédia, a 27 de junho de 2010, foi

aprovada, em referendo, uma nova

constituição, que instituiu um sistema político

semiparlamentar. As subsequentes eleições

parlamentares ocorreram a 10 de outubro

de 2010, tendo, na prática, sido as primeiras

eleições, na Ásia Central, a ser consideradas

„livres e justas‟ pelos observadores

internacionais (OSCE/ODIHR, 2010).

Voltando à terminologia de Hollis e

Smith, importa aqui esclarecer que

enquanto a „personalidade‟, isto é, a

„variável indivíduo‟ se sobrepôs ao „sistema‟

no caso atrás referido do Cazaquistão, a

lógica é, todavia, inversa, no caso do

Quirguistão. Ou seja, Akayev começou por

querer incutir ideais democráticos no

Quirguistão, mas quer ele, quer o seu

sucessor foram vencidos pelo peso da

burocracia doméstica e do próprio sistema,

propícios à corrupção e ao nepotismo. Não

quer dizer que estes não existam no

Cazaquistão, contudo, Nazarbayev não

colocou inicialmente a fasquia tão alta, ao

contrário de Akayev, que estava disposto a

instaurar uma cultura democrática num país

onde as sementes - quiçá fruto de um longo

passado autoritário e consideravelmente

burocrático (o homo sovieticus) - não

encontrariam terreno fértil à germinação da

democracia. Ao invés do Cazaquistão,

onde a lógica deve ser lida „de baixo para

cima‟ (pois o indivíduo sobrepôs-se às

estruturas envolventes), no Quirguistão, o

sistema venceu o indivíduo, num processo

„top-down’ (de cima para baixo).

O atual Presidente, Almazbek

Atambayev, tem procurado combater o

flagelo da corrupção. A este respeito, Jim

Nichol informa que “em meados de

dezembro de 2011, o Presidente Atambayev

decretou a criação de uma unidade

anticorrupção”, afirmando que esta

organização seria composta por “pessoas

honestas, determinadas em combater a

corrupção de alto nível que existe em todas

as esferas do Governo” (2012: 6). Por sua

vez, Chinara Esengul (2012) acrescenta que

“vários ex-parlamentares, bem como

antigos e, inclusive, novos juízes têm vindo a

ser presos”. Atambayev iniciou “um

combate sério à corrupção”, até ao

presente “bem-sucedido”, o que significa

que o Presidente é capaz de implementar

as suas políticas, não só na capital, como

também ao nível regional (Esengul, 2012).

De acordo com Chinara Esengul (2012),

“gradualmente, tem vindo a ser edificado

um poder estável. No entanto, esta

investigadora alerta para a importância de

se “diferenciar entre o que é restaurar o

poder com o objetivo de se tornar a

governação exequível”, que é o que

Atambayev tem procurado fazer, na

opinião da autora, de “autoritarismo”, cuja

natureza “é diferente” (Esengul, 2012).

Um especialista local (Especialista I,

2012), explica que o Governo quirguiz tem

procurado, de forma célere, “resolver os

problemas relativos ao défice”, com o

objetivo de manter a dívida pública baixa”,

o que lhe permite “continuar a receber

fundos internacionais”. Neste sentido, “o

Governo recorre aos dadores: o Fundo

Monetário Internacional, o Banco

Eurasiático”, de modo a obter o “máximo

de assistência possível” (Especialista I, 2012).

Embora o Quirguistão se tenha

candidatado oficialmente à União

Aduaneira, (que agrupa a Rússia, o

Cazaquistão e a Bielorrússia), autores como

Chinara Esengul (2012) acreditam que o

país é mais beneficiado se não pertencer a

esta. Para Markus Kaiser12 (2012), “estar fora

da União Aduaneira implica não mais poder

comerciar com o Cazaquistão e com a

Rússia”; por sua vez, aderir àquela levanta

“o problema das importações provenientes

da China”. Na verdade, a não-adesão à

União Aduaneira permite ao Quirguistão

continuar a beneficiar, em larga medida, da

chamada “economia paralela” (que, no 35

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

caso quirguiz, “é de 50%”, segundo Chinara

Esengul, 2012), por meio da qual “os

produtos chineses entram no país, numa

primeira fase, sendo, depois, reexportados

para a Rússia, Cazaquistão, entre outros”.

Caso o Quirguistão adira à União

Aduaneira, passaria a haver um controlo

alfandegário e, consequentemente, um

imposto sobre os produtos chineses, o que

prejudicaria, de forma considerável, os

negociantes quirguizes, que tanto

dependem deste comércio com a vizinha

China. Quer uma, quer outra escolhas são,

ambas, “indesejáveis”, sendo que a opção

ideal “seguir adiante”, não é, contudo,

possível, “porque a União Aduaneira existe”,

e inclusive, confere “um certo poder e

margem de manobra à Rússia de Putin”

face aos Estados da região (Markus Kaiser,

2012). Como explica Chinara Esengul (2012),

“embora o maior parceiro comercial do

Quirguistão seja, desde há muito, a Rússia,

nos últimos anos, porém, a China tem-se

revelado, na prática, o principal parceiro

comercial dos quirguizes”.

Consequentemente, a posição do Governo

quirguiz tem consistido em “manter-se

politicamente do lado da Rússia, Quirguistão

e Bielorrússia”, embora, do ponto de vista

económico, tenha vindo a solicitar a

compreensão destes face à sua “relação

preferencial com a China” (Esengul, 2012).

De acordo com um especialista local,

que solicitou o anonimato, o Quirguistão

depara-se com uma “situação complexa”,

pois “não tem, praticamente, o que

exportar, ao contrário dos cazaques, dos

turquemenos ou dos uzbeques” (Especialista

II, 2012). Por outro lado, os quirguizes não

podem voltar-se, apenas, para um ator.

Neste sentido, recorrem à Rússia, à China,

entre outros, dependendo, com efeito, da

“boa vontade dos estrangeiros” para

sobreviver (Especialista II, 2012).

Se há algum modelo que os quirguizes

gostariam de seguir, é o do Cazaquistão

(Especialista II, 2012). Existe, curiosamente,

“um maior respeito por Nazarbayev no

Quirguistão, do que no Cazaquistão”: a

imagem de um homem forte, as decisões

que ele toma, colhem, de facto, a simpatia

de um número significativo de quirguizes

(Especialista II, 2012). Contudo, a liderança

política no Quirguistão é assaz fraca e

instável, pouco ou nada comparável, por

conseguinte, ao caso do Cazaquistão.

Portanto, para gerir o país, “o Governo tem

de buscar um consenso”, sendo este, na

prática, “muito difícil de alcançar” no

Quirguistão (Especialista II, 2012). E não se

trata, apenas, de dificuldade de consenso

entre os cinco principais partidos políticos

quirguizes, pois dentro de cada um deles é,

ainda, preciso contar com a existência de

várias fações rivais entre si. Acrescente-se,

por outro lado, o facto de, frequentemente,

os políticos privilegiarem os seus objetivos

individuais, em detrimento dos interesses dos

partidos que representam. Neste sentido,

“os próprios partidos tornam-se

ingovernáveis”, sendo, na prática,

“altamente complexo prever como é que

eles se irão comportar ou

evoluir” (Especialista II, 2012). Tudo isto

explica que qualquer tentativa de levar a

cabo um bom trabalho seja,

consideravelmente, difícil (Especialista II,

2012).

O Uzbequistão

Embora a evolução dos

acontecimentos, no Quirguistão, possa ter

alimentado uma grande expetativa de

democratização para aquele país, no

período que se seguiu à independência das

Repúblicas centro-asiáticas, o mesmo não

se verificou em relação ao Uzbequistão

(Burton, 2004). A análise da transição do

Uzbequistão para um Estado pós-soviético,

foca, por necessidade, e, quase

exclusivamente, a figura de Islam Karimov,

mais concretamente, os fatores que o

levaram a concentrar o poder nas suas

mãos (Melvin, 2000). Ao contrário da maioria

das antigas Repúblicas soviéticas, nas quais

os Governos se tornaram, apesar do

autoritarismo, “mais „democráticos‟ e menos

capazes de controlar a oposição social”, a

estrutura política do Uzbequistão e o seu

nível de controlo governamental,

permanecem, “praticamente, inalteráveis

desde a era soviética” (INS Resource

Information Center, 1994: 1; Adams, 2005;

Lopes, 2011).

Islam Karimov, o primeiro e único

Presidente uzbeque desde o colapso da

União Soviética, é um comunista tecnocrata

de formação, escolhido por Gorbachev

para liderar a República uzbeque durante a

era da Perestroika (Gleason, 1997). Mais

36

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

novo do que Gorbachev, “Karimov era visto

como o seu apparatchik no

Uzbequistão” (Plater-Zyberk, 2003: 3).

Quando Gorbachev foi nomeado

Presidente do Presidium do Soviete Supremo

da URSS, Islam Karimov foi designado para

uma posição semelhante no Uzbequistão.

Por outro lado, “quando Gorbachev

transferiu os poderes decisórios dos órgãos

do Partido Comunista para as estruturas

estatais, Karimov, com o beneplácito de

Moscovo, fez o mesmo ao nível da

República” (Plater-Zyberk, 2003: 3). Portanto,

temos aqui um caso em que Karimov

começa por ser fruto das „estruturas‟, o tal

apparatchik de Gorbachev, mas

progressivamente vai invertendo a lógica

„top-down’, de que nos falam Hollis e Smith

(1990), para ser ele a sobrepor-se a essas

estruturas até chegar ao „sistema‟ e,

curiosamente, acabar por se sobrepor a ele

também, senão mesmo, confundir-se com

este. De facto, quer o Uzbequistão, quer o

Turquemenistão (como se verá mais à

frente) são os dois casos-extremo na Ásia

Central, no sentido em que o indivíduo

modela as estruturas literalmente à sua

„imagem e semelhança‟, governando

praticamente sem limites, e conferindo,

inclusivamente, ao sistema contornos de

excentricidade, como foi o caso de Niyazov

no Turquemenistão (e, em menor grau, do

seu sucessor Berdymuhammedov).

Na sequência do referendo acerca da

independência (“uma mera formalidade,

visto que a União Soviética havia

colapsado”), que trouxe Karimov ao poder,

em 1991, este reprimiu, agressivamente,

toda a oposição política (Commission on

Security and Cooperation in Europe, 1991:

1). Karimov fora eleito, através de uma

“maioria esmagadora”, Presidente do país

(Commission on Security and Cooperation in

Europe, 1991: 1). Depois de ter eliminado os

rivais reformistas dentro do seu próprio

partido, no início de 1992, e após o então

Vice-Presidente Shukrullo Mirsaidov ter

pedido a demissão, Karimov forçou os

líderes do Birlik e do Erk ao exílio (“tendo os

seus seguidores sido silenciados”), e

aniquilou, efetivamente, os partidos (Polity IV

Country Report Uzbekistan, 2010: 2). Desde

então, “apenas os partidos da oposição

„pró-governo‟ (por estranho que possa

parecer) têm sido autorizados a disputar as

eleições” (Quillen, 2006: 41).

As eleições, no Uzbequistão, são

acontecimentos cuidadosamente

orquestrados que, pouco ou nada,

proporcionam em termos de escolha

eleitoral genuína (Merritt, 2004; Lopes, 2012).

Desde a independência do país, em 1991,

até ao presente, nenhumas eleições foram

consideradas livres e justas pela

Organização para a Segurança e

Cooperação (OSCE) na Europa. Por

exemplo, no que respeita à eleição

parlamentar de 2009, o relatório final da

OSCE referia que a organização “nunca

levou a cabo uma verdadeira e completa

missão de observação eleitoral, no

Uzbequistão, devido à inexistência de

condições mínimas para a realização de

eleições democráticas” (OSCE/ODIHR

Election Assessment Mission Final Report,

2010: 1).

A falta de oportunidades políticas tem

gerado apatia nos eleitores uzbeques, ainda

que os números oficiais do Governo refiram,

com frequência, que a participação

eleitoral é superior a 90% (Olimov e

Fayzullaev, 2011). O ramo executivo domina

os ramos legislativo e judicial. Por

conseguinte, “o Parlamento faz pouco mais

do que servir como „carimbo‟ à vontade do

Presidente”; da mesma forma, “o sistema

judicial funciona como mecanismo para

reprimir os oponentes do

Presidente” (Pannier, 2012: 597). Apesar de o

Uzbequistão possuir o maior exército da Ásia

Central, as autoridades uzbeques

consagram mais atenção e recursos

financeiros às forças de segurança internas,

pois consideram as ameaças domésticas

como sendo mais graves para a

manutenção do regime, do que as que

provêm do exterior (Peyrouse, 2010). O novo

ambiente geopolítico na Ásia Central, na

sequência do 11 de setembro de 2001,

trouxe uma esperança renovada à

realização de reformas várias no

Uzbequistão. Não obstante, apesar dos

crescentes esforços diplomáticos, o país tem

resistido a uma política de abertura face ao

Ocidente (Hall, 2007).

O caráter ditatorial do Governo de

Karimov deve-se, fundamentalmente, a

fatores domésticos, entre os quais se

destaca a política de clãs (The Daily Star,

2011; Malashenko, 2012). Embora o

Uzbequistão seja um dos países mais

homogéneos da Ásia Central - 80% da sua 37

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

população é composta por uzbeques; os

restantes 20% incluem russos (5.5%), tajiques

(5%), cazaques (3%), e outros - à

semelhança da maioria dos Estados da

região, a identidade nacional é

complicada pela interação de clãs e etnias

(World Fact Book, 2012). Como nota Collins,

“o regime de clientelismo na Ásia Central

está, em grande parte, ligado à tradição da

política de clãs (klannovaya

politika)” (2002:16). Esta é, com efeito, um

fator importante nas decisões de política

doméstica do Uzbequistão (Collins, 2004).

Acrescente-se que a disputa de influência

entre os clãs mais importantes

desempenhou um papel fundamental na

ascensão de Karimov ao poder, pouco

depois do colapso da União Soviética

(Kangas, 2002; Saidazimova, 2005).

Apesar de Karimov exercer,

oficialmente, o controlo do país, a realidade

é que o poder está dividido entre vários clãs

importantes (Fedorov, 2012). É a

competição entre o clã de Tashkent e o de

Samarkand (os dois mais poderosos) que

determina a situação política no

Uzbequistão e, no entendimento de Collins,

“limita a capacidade de Karimov consolidar

o seu regime autoritário” (2004: 251). A

relação entre o Presidente e os vários clãs é

de natureza simbiótica (Fedorov, 2012). Por

um lado, se os clãs dependem do

patrocínio do Presidente para acederem

aos recursos e à riqueza, Karimov, por sua

vez, necessita do apoio dos clãs para se

manter no poder. Segundo Frederick Starr, o

Presidente Karimov compreendeu que abrir

as portas do Parlamento a determinadas

figuras “poderia fornecer um contrapeso às

contínuas aspirações dos clãs, famílias, e

magnatas” (2006: 20). Tal veio, na verdade,

reforçar o poder do Parlamento, embora

Karimov entenda esse reforço como “um

pequeno preço a pagar se isso contribuir,

na prática, para aumentar a sua margem

de manobra face aos poderosos clãs e

famílias que o colocaram no poder” (Starr,

2006: 20). No entanto, o Presidente tem

procurado enfraquecer a influência dos

clãs, como atesta, aliás, o testemunho de

um ex-Embaixador britânico no Uzbequistão,

Craig Murray. Segundo este, “existem várias

pessoas que costumavam pertencer à

oligarquia… Existiam algumas centenas de

famílias muito ricas que, realmente,

beneficiavam do sistema. Esse círculo

tornou-se cada vez menor à medida que

Karimov o foi restringindo à sua família

direta” (Radio Free Europe/Radio Liberty,

2006: para. 6).

A influência do Islão na política

doméstica uzbeque é importante, embora,

em geral, não possa ser considerada causa

da repressão da oposição política de

Karimov (Poujol, 2005; Olimova e Tolipov,

2011; Khalid, 2003; Karagiannis, 2006). Os

partidos políticos de orientação religiosa

foram proibidos pela Constituição uzbeque

no final de 1991 (Human Rights Watch,

2010). No entanto, especialistas como

Alexey Malashenko acreditam que, de

futuro, “Tashkent terá de prestar mais

atenção à tomada de poder por parte de

correntes islamitas, em vários países”, bem

como ao “aumento do impacto geral do

fator islâmico na política

internacional” (2012: 7). Não é de excluir,

por conseguinte, a possibilidade de o

Governo uzbeque vir a adotar uma

estratégia “mais pragmática” face à

oposição islamita, reconhecendo, não

obstante, a existência de uma „ala

moderada‟”no seio desta (Malashenko,

2012: 7).

No que à economia diz respeito, o

Presidente Karimov tem elogiado o sucesso

económico do Uzbequistão, de forma a

reforçar a imagem do regime, quer a nível

interno, quer no estrangeiro (Uzbekistan

National News Agency, 2012). No âmbito de

uma missão de avaliação económica no

Uzbequistão, em novembro de 2011, o

Fundo Monetário Internacional (FMI)

sublinhou o início de um crescimento

robusto no país, a partir de meados da

década de 2000. De acordo com o FMI, “o

PIB do Uzbequistão aumentou [ao longo dos

últimos seis anos], a um ritmo de 8.5%

anualmente”, o que é “superior à média de

crescimento para a Ásia Central” (Press

Release, 2011: para. 2). O Governo uzbeque

publicou estas e outras estatísticas

semelhantes nos meios de comunicação,

controlados pelo Estado, no sentido de

demonstrar a prosperidade económica do

país, comparativamente a muitos outros

países do mundo, e desacreditar o

descontentamento face ao regime. Não

obstante, um especialista local (Especialista

II, 2012) sublinha que “embora tenha sido,

outrora, o entreposto mais rico da Ásia

Central, uma fonte cultural, com o maior 38

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

aglomerado de população [da região], o

Uzbequistão é, hoje, um “Estado falhado”.

Na base desta constatação, este

especialista aponta alguns motivos. Por um

lado, “o poder e a influência do

Cazaquistão aumentaram

consideravelmente” (Especialista II, 2012).

Por outro lado, “os uzbeques não têm

aproveitado, de forma eficiente, os recursos

de que dispõem”, e, uma vez que “cada

um dos seus vizinhos é um inimigo do

passado”, o Uzbequistão “não desenvolveu

a rede de gasodutos da forma mais

desejável e proveitosa” (Especialista II,

2012). Por conseguinte, em tudo isto existe

“um misto de nacionalismo e paranóia”,

bem como “dois Estados bastante isolados:

o Uzbequistão e o

Turquemenistão” (Especialista II, 2012).

O Turquemenistão

Segundo Jim Nichol, “quando o

Turquemenistão conquistou a

independência, na sequência da

dissolução da União Soviética, no fim de

1991, o antigo Presidente da República e

chefe do Partido Comunista turquemeno,

Saparmurat Niyazov, permaneceu no

poder” (2012: 1). Este viria a ser, depois,

reeleito Presidente em 1992, quase por

unanimidade, sendo que um referendo, em

1994, alargou o seu mandato até 2002

(Associated Press, 1992; Freedom House,

2011). Em dezembro de 1999 “o Khalk

Maslakhaty (órgão legislativo supremo)

modificou a Constituição de forma a

conferir a Niyazov o estatuto de Presidente

vitalício” (Norman, 2007: 30). Porém, já a

Constituição de maio de 1992 havia

concedido poderes esmagadores a

Niyazov, enquanto Chefe de Estado e de

Governo (BTI Turkmenistan Country Report,

2012).

A governação de Niyazov uma foi das

mais autoritárias do mundo, tendo o seu

regime sido altamente corrupto e

responsável por graves violações dos direitos

humanos. Não surpreende, portanto, que

Freedom House (2012), uma organização

não governamental, tenha classificado o

país como “o pior dos piores” do mundo em

termos de liberdades políticas e civis, entre

Estados como o Sudão, a Coreia do Norte e

o Uzbequistão. Por outro lado, o regime

restringiu, fortemente, o contato dos seus

cidadãos com o estrangeiro. A este respeito,

como sublinha Slavomír Horák, “a

singularidade do Turkmenbashy, e a cultura

política que este fundou, assentavam num

isolacionismo tanto ao nível doméstico,

como externo”, os quais, aliás, ainda hoje se

mantêm (2012: 371). No entanto, a

exportação de petróleo e gás natural

haviam, efetivamente, sido os únicos setores

em que o Turquemenistão se esforçara por

um maior envolvimento internacional.

Todavia, como referem Slavomír Horák e Jan

Šír, “mesmo nesta área (energética) em que

Niyazov estava disposto a cooperar com o

estrangeiro, Moscovo detinha os trunfos,

controlando, na prática, todas as rotas de

gás natural provenientes do

Turquemenistão” (2009: 45).

De acordo com Slavomír Horák, o

Turquemenistão tem sido entendido “como

um dos regimes mais peculiares do espaço

pós-soviético, e um dos mais próximos do

ideal totalitário”, reunindo as caraterísticas

da ideologia de Estado omnipresente, do

aparelho de Estado altamente repressivo,

do controlo do poder por um único partido,

do domínio total sobre os meios de

comunicação e a economia, concentrados

em torno da figura hegemónica do

Presidente (2012: 372). A nível institucional, o

antigo Presidente Saparmurat Niyazov

detinha todas as competências-chave no

Turquemenistão, tendo, inclusive, criado

uma espécie de „reino‟ para si próprio (Ash,

2006). Com efeito, Niyazov rebatizou o mês

de janeiro em homenagem a si próprio, e o

de abril em homenagem à sua mãe; proibiu

o ballet, o uso de dentes de ouro, e a

música gravada; ordenou a construção de

um lago em pleno deserto e uma estância

de esqui em colinas sem neve, na fronteira

com o Irão (BBC News, 2006).

Niyazov viria a falecer, de forma

inesperada, em dezembro de 2006, tendo

sido sucedido por Gurbanguly

Berdymukhamedov, eleito Presidente no

início de 2007 (The New York Times, 2006). A

campanha presidencial de 2007, e o seu

resultado, assemelhavam-se a um guião

bem escrito, que realçava as tradições

políticas turquemenas e os padrões

estabelecidos pelo Turkmenbashy (OSCE,

2007). Como constata Tiago Lopes, “as

eleições no Turquemenistão parecem-se

mais a um concurso de desfile do que a um 39

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

ato político realmente significativo

(…)” (2011: 9). Elas “não são percebidas

como um mecanismo para captar a

vontade da sociedade civil”; ao invés, “são

encenadas para fortalecer a liderança já

estabelecida, através de atos públicos

(quase) unânimes e

homogeneizados” (Lopes, 2011: 9). No seu

discurso de tomada de posse, a 14 de

fevereiro de 2007, Gurbanguly

Berdymukhamedov comprometeu-se a

continuar a fornecer gás natural,

eletricidade, sal, gasolina, pão subsidiado e

habitação à população, e a apoiar a

política externa do antigo Governo

(Financial Times, 2007). Efetivamente, como

atesta Roman Mogilevski (2012), os

turquemenos beneficiam de “eletricidade

barata, bem como de gasolina quase

gratuita”, e, “se a conjuntura económica

lhes continuar a ser favorável, tal é suscetível

de se prolongar por muito tempo”.

De acordo com Slavomír Horák e Jan Šír,

“o novo regime político, no Turquemenistão,

necessitou de apenas um ano para

estabilizar completamente”: neste curto

período de tempo, “o Presidente

Berdymukhamedov consolidou a sua

posição enquanto líder supremo do país”,

tendo eliminado “todos os seus potenciais

rivais” no seio das “elites

turquemenas” (2009: 94). Por outro lado,

segundo Horák e Šír, “se compararmos a

base do poder dos dois Presidentes”,

verificaremos que “o novo Presidente confia

mais em indivíduos da sua região natal, e na

sua família” (2009: 94). Estas pessoas

obtiveram “uma série de cargos e funções”,

embora “não necessariamente os mais

importantes”, no próprio Governo, bem

como no seio da vasta burocracia estatal

(Horák e Šír, 2009: 94).

Para especialistas como Alex Norman,

existem alguns sinais de que com

Berdymukhamedov “a mudança pode

acontecer” (2007: 35). A este respeito, o

sucessor de Niyazov prometeu reformas

sociais significativas, ao afirmar querer ser

Presidente de um Estado democrático,

onde as pessoas ricas vivem e trabalham (Al

Jazeera News, 2007). Regressando, ainda, a

Norman, “esta aparente mudança na

ideologia social representa uma evolução

considerável face ao antigo regime, que se

orgulhava do isolacionismo, da supressão

da diferença e dos dissidentes” (2007: 35).

Não obstante, estes eventuais sinais de

mudança não convencem Roman

Mogilevski (2012), para quem o

Turquemenistão atual permanece uma

espécie de “mais do mesmo”, embora

“numa vertente mais soft”. Como explica o

especialista, “os turquemenos nunca se

comparam com países que não

conhecem”, sendo “raros” os que “visitaram

a Europa ou a Rússia”; eles comparam-se,

ao invés, “à forma como os uzbeques

vivem”; eles “têm conhecimento que nós

[quirguizes] vivemos em clima de

permanente turbulência e regozijam-se de

não passarem pelo mesmo” (Mogilevski,

2012). De certa forma, “os turquemenos

beneficiam de estabilidade”. No que à

política externa diz respeito, Chinara Esengul

(2012) não acredita que Berdymukhamedov

opere mudanças substanciais face ao

regime precedente. Contudo, uma das

poucas diferenças a salientar reside na

essência da autoridade. Ou seja, o regime

de Berdymukhamedov carece de “um

patrocínio externo forte” (Horák e Šír, 2009:

16). Com efeito, “enquanto Niyazov foi

estabelecido e, depois, protegido, também,

por Moscovo, especialmente no início da

sua governação, Berdymukhamedov conta,

sobretudo, com uma base de apoio

doméstica” (Horák e Šír, 2009: 16; Peyrouse,

2012).

Segundo Denison, a governação de

Niyazov ficou marcada por “um culto de

personalidade francamente ridículo”, e pela

“promoção implacável de uma nação

forjada, literalmente, à sua própria

imagem”, os quais contribuíram para erodir

“os símbolos visíveis da herança soviética no

Turquemenistão” (2003: 59). Todavia, após a

morte de Niyazov, o Presidente

Berdymukhamedov tem-se revelado, ao

mesmo tempo, pragmático e cauteloso,

vindo a desmontar, gradualmente, os velhos

conceitos ideológicos, sem causar grandes

ruturas. Neste sentido, “são preservados

elementos-chave e instituições do antigo

regime, suscetíveis de reforçar a ideologia

do regime atual” (United States Commission

on International Religious Freedom, 2009:

para. 39). O que distingue, principalmente, a

governação de Berdymukhamedov da do

seu antecessor, reside, no entanto, na

menor ênfase atribuída ao culto da

personalidade (Edgar, 2004). De facto, por

ora, Berdymukhamedov parece pouco 40

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

interessado em “evocar a natureza divina

da presidência, ou outras manifestações

extremas do culto da

personalidade” (United States Commission

on International Religious Freedom, 2009:

para. 39).

Berdymukhamedov “eliminou as

práticas mais excêntricas ligadas ao culto

da personalidade do anterior Chefe de

Estado” (Olcott, 2011: 6), demolindo, por

exemplo, algumas das estátuas de Niyazov,

embora o “manual espiritual” do antigo

líder, o Rukhnama, continue a ser de leitura

obrigatória nas escolas (Bohr, 2010: 544).

Para se distanciar, progressivamente, da era

Turkmenbashy, o atual Governo procurou

desenvolver uma nova ideologia. De facto,

Berdymukhamedov inventou o conceito de

“Era de Grande Renascimento” (Beýik

Galkynys) do Turquemenistão, na sequência

da “Idade de Ouro dos Turquemenos”,

promovida pelo Türkmenbaşy (U.S.

Department of State, 2011: 12). O culto da

personalidade do Presidente

Berdymukhamedov tem vindo,

gradualmente, a tornar-se o alicerce da

nova ideologia turquemena (à semelhança

do que acontecia, também, com o seu

antecessor) (IDASQ, 2010). Ele, o “grande

reformador”, tem, desde então, sido

oficialmente denominado de “Pai Fundador

e Líder da Era do Grande

Renascimento” (Horák e Šír, 2009: 6). Depois

de ter assumido o poder,

Berdymukhamedov adotou um “título

honorífico - Arkadag - ou seja, „protetor‟,

que pressupõe a missão de preservar a

identidade turquemena” (Goudsmits, 2012:

6). Tal conceção da política, mesclada com

caraterísticas de idolatria religiosa e de

missão salvífica, ajuda a compreender por

que é que o Turquemenistão tem sido

entendido como “o pior cenário de

desenvolvimento [no espaço] pós-

soviético” (Norman, 2007: 19).

No entendimento de Horák e Šír, “o

culto de Berdymukhamedov é inevitável na

presente atmosfera de subserviência ao

líder da República” e, em geral, “à

instituição da liderança (serdarçylyk) na

sociedade turquemena” (Horák e Šír, 2009:

41). Com efeito, a cultura política no

Turquemenistão favorece o culto da

personalidade enquanto fator de validação

e legitimação do regime no poder (Hiro,

2009). Para Slavomír Horák, “o caráter de um

líder permite moldar a cultura política,

especialmente quando esse líder é o „Pai

Fundador‟ de um país recém-

independente” (2012: 372). É, em geral,

“expetável que os sucessores do primeiro

líder se comportem de forma semelhante

aos seus antecessores”, muitas vezes,

“apenas com pequenas alterações no

estilo, devido à existência de diferenças no

contexto social” (Horák, 2012: 372). Por

conseguinte, os contornos bizarros e

excêntricos que restam do culto do

Turkmenbashy ainda são importantes para

Berdymukhamedov, uma vez que ao serem

totalmente abolidos, poderiam causar

graves ruturas na sociedade (Coleman,

2013). Daí Horák e Šír estimarem que

“Berdymukhamedov não será, certamente,

tão excêntrico como o seu antecessor”, mas

irá, contudo, “permanecer relutante face a

um reformar demasiado do sistema atual,

uma vez que, ele próprio, beneficia das suas

principais caraterísticas” (2009: 95). Resta

saber até que ponto o Presidente

turquemeno está disposto a adotar mais

medidas repressivas para preservar o atual

clima de estabilidade. O que é claro, no

entanto, é que não será possível alterar, no

imediato, a mentalidade quer da elite, quer

da sociedade turquemenas (Peyrouse,

2012).

Horák e Šír estimam que “serão

necessárias, pelo menos, uma ou duas

gerações para uma eventual liberalização

do regime”, e que o “Turquemenistão

atravessará um período difícil, no qual um

sistema político autoritário é suscetível de

prevalecer (ainda) durante algum

tempo” (2009: 95). Essa é, também, a

opinião do jornalista Arkady Dubnov, um dos

especialistas mais reputados acerca da Ásia

Central, que considera que a era

Berdymukhammedov tenderá a manter-se

por muito tempo ainda (NewEurasia, 2012).

Alexey Malashenko admite que “o

entendimento de Dubnov é o mais

acertado, pois a sociedade turquemena

ainda não está preparada para protestos

em massa” (2012: 10). Contudo, uma visão

oposta é partilhada, por exemplo, pela

norte-americana Crude Accountability,

segundo a qual, “mais cedo ou mais tarde o

Governo de Berdymukhammedov

confrontar-se-á com os problemas que

levaram os regimes de Ben Ali, Mubarak e

Khadafi ao colapso” (2010: 36). A questão, 41

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

segundo Alexey Malashenko, é se os

acontecimentos irão tomar “o cenário -

mais suave - o da Tunísia”, ou se tenderão a

seguir “o caminho da Líbia” e “evoluir para

uma guerra civil” (2012: 10). Ora, para este

especialista, “em termos de organização, a

sociedade turquemena assemelha-se mais

à sociedade líbia”, embora os líbios vivam

num “ambiente geopolítico completamente

diferente” do dos turquemenos

(Malashenko, 2012: 10).

O Turquemenistão tem permanecido à

margem dos processos políticos e culturais

mundiais desde há décadas, pelo que

“uma hipotética revolução não seria

suscetível de alterar, radicalmente, os

valores dominantes e a cultura política [no

país]” (Malashenko, 2012: 10). Desta forma,

para Malashenko, “o „sol de

Berdymukhammedov‟, e o „sol da ditadura‟

tenderão, na verdade, a brilhar ainda

durante um tempo

considerável” (Malashenko, 2012: 10). Por

conseguinte, para Horák e Šír, “a evolução

para uma forma de autocracia menos

severa é possível, apenas, numa perspetiva

de longo prazo”, sendo que “a

democratização não parece ser uma

opção realista com os quadros atuais, que

muito dificilmente tenderão a prescindir do

poder de que dispõem” (2009: 95). Segundo

Alexey Malashenko, “Berdymukhammedov

pressente que não será, provavelmente, um

segundo Turkmenbashi” e, em todo o caso,

“não tenciona sê-lo, preferindo cultivar a

imagem de um „déspota liberal‟” (2012: 5).

Uma outra questão que importa

salientar, aqui, é a da identidade nacional,

uma vez que esta tem servido de pretexto, e

simultaneamente, conferido legitimidade às

políticas isolacionistas e autocráticas quer

de Niyazov, quer de Berdymukhammedov

(Horák, 2012). Tendo a identidade

turquemena sido “essencialmente edificada

sob a liderança soviética, através de uma

fórmula artificial, com uma orientação pró-

Moscovo”, uma das primeiras inovações [de

Niyazov] foi renovar a “ênfase nos laços

primordiais que ligam os turquemenos

étnicos, muitas vezes, a governantes míticos

bem conhecidos na história e folclore

turquemenos” (Denison, 2009: 1173). Na

prática, “a identidade, ou, para sermos

precisos, a falta de um perfil identitário

consolidado no Turquemenistão, originado

pela desunião tribal do país, tem sido um

dos determinantes mais influentes para

explicar o sistema político centralizado e

repressivo, bem como a sua extraordinária

resistência” (Matveeva, 1999: 32). Como

explica Tiago Lopes, “a idolatria do

Presidente, que se assemelha a um

semideus vivo, é percebida como o melhor

mecanismo para garantir a lealdade, a

estabilidade e o conformismo, em vez de se

confiar em instituições voláteis, como as

eleições, que se baseiam na livre vontade e

na capacidade de depor líderes que

possuem um vínculo mítico com o passado,

e uma importante missão no

presente” (2011: 11). Não surpreende, por

conseguinte, que “a manutenção de uma

presidência semidivina” se baseie num “jogo

duplo”, que “requer políticas inteligentes

para homogeneizar os cinco clãs do

Turquemenistão, sem, contudo, os unir

demasiado” (Lopes, 2011: 11).

Abordemos agora, de forma sucinta, a

transição da economia turquemena. Para

Roman Mogilevski (2012), “o Turquemenistão

é [geograficamente] um grande país, com

poucos habitantes e vastos recursos

naturais”. Embora fosse, do ponto de vista

histórico, uma das Repúblicas mais pobres

da ex-URSS, o Turquemenistão experienciou

um crescimento rápido no final da era

soviética, baseado na exportação de

algodão e de gás natural (Coleman, 2013).

A construção do canal de Karakum,

iniciada na década de 50, contribuiu para

um aumento significativo da superfície dos

campos de algodão (Kim, 2012). Nos anos

80, o setor do gás natural foi modernizado,

tendo a sua produção progredido de forma

célere. A transição dos preços soviéticos

para os preços mundiais proporcionou

maiores ganhos comerciais ao

Turquemenistão do que a qualquer outro

Estado pós-soviético (Tarr, 1994). Porém, “a

infraestrutura herdada orientou as

exportações energéticas exclusivamente

para a Comunidade de Estados

Independentes, sendo que, devido a um tal

monopsónio, depressa se verificariam

atrasos nos pagamentos” (Pomfret, 2010:

12). O Turquemenistão ainda chegou a

cortar o fornecimento de gás natural a

clientes devedores, entre março de 1997 e

janeiro de 1999 (Turkmenistan - Country

Watch Review, 2013).

A economia turquemena permaneceu,

no essencial, por reformar. O recurso a 42

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

“políticas agrícolas repressivas”, aliadas a

uma pobre gestão, levaram a

produtividade do setor algodoeiro a cair

muito mais do que no vizinho Uzbequistão, e

a uma diminuição acentuada das receitas

de exportação, ao longo dos anos

90” (Pomfret 2008: 1). Por sua vez, o setor

energético turquemeno esteve sob

apertado controlo presidencial, tendo a

produção de gás natural sofrido uma

redução bastante significativa durante a

década de 90. Por outro lado, pouco ou

nada foi feito com vista à exploração do

potencial das reservas offshore do país

(EBRD Transition Report Update, 2009).

Apesar de os dados económicos

relativos ao Turquemenistão serem os menos

confiáveis de qualquer economia em

transição, é, porém, claro para qualquer

observador que as condições económicas

do país sofreram uma deterioração

considerável - “muito aquém, inclusive, das

restantes Repúblicas centro-asiáticas” -

depois da independência, especialmente

fora da capital (Crude Accountability, 2009:

8). Embora R. Mogilevski (2012) reconheça

que o Turquemenistão dispõe do potencial

para ter um padrão de vida idêntico ao do

Cazaquistão (que é apontado como

modelo regional), na prática, “[os

turquemenos] vivem uma vida mais pobre”,

sendo que “a médio prazo”, o autor

acredita que “a situação tem tendência a

manter-se”.

O Tajiquistão

As duas décadas de independência do

Tajiquistão têm sido marcadas por violência,

pobreza, liderança autocrática, e

vulnerabilidade estratégica (Heathershaw,

2011; Hodizoda, 2010; Heathershaw e

Roche, 2011; Markowitz, 2012; Roche, 2010).

O inverno de 1992 foi caraterizado por uma

acesa Guerra Civil, que é, muitas vezes,

entendida como “uma disputa inter-regional

por poder e recursos” (Ewoh, Nazarova e Hill,

2012: 2) entre o Governo, dominado pelo

Kulyabi, um clã tradicional do Tajiquistão, e

pelo United Tajikistan Opposition (Brown,

1997; Atkin, 1997; Baev, 2007). A Guerra Civil,

de 1992 a 1997, foi, segundo Anna

Matveeva, “o conflito mais letal do espaço

pós-soviético, à exceção da

Chechénia” (2009: 168). Durante os

combates foram destruídas estradas, pontes

e outras infraestruturas, sendo que muito

está, ainda, por reparar. Em 1994, as Nações

Unidas intervieram, facilitando as

negociações de paz até 1998, ano em que

foi assinado um acordo por ambas as partes

(GlobalSecurity.org, November 1, 2010).

A partir de 1997, as políticas

governamentais aparentaram ser bastante

liberais. Segundo Richard Pomfret, “o

Governo cortejou as instituições financeiras

internacionais, tendo seguido, em grande

medida, as suas recomendações, embora a

concretização destas políticas tenha sido

fraca, particularmente no fim dos anos 90,

quando o Governo central não controlava,

ainda, a totalidade do território

nacional” (2010: 11). No pós-setembro de

2001, o Presidente Rahmon tornou-se mais

assertivo na repressão da oposição interna

(Human Rights Watch, World Report 2013).

Com efeito, segundo Jim Nichol, “desde o

fim da Guerra Civil, em 1997, o Presidente

tem vindo a reforçar o seu regime

autoritário, e a marginalizar a

oposição” (2012: 2).

No poder desde 1992, “o Presidente

Emomali Rahmon, antigo comunista da era

soviética, que privilegia o secularismo e um

executivo forte, permanece popular entre a

maior parte da população, à exceção dos

islamitas, de uma minoria jovem, e dos

intelectuais” (Foroughi, 2012: 535). O apoio

popular ao Presidente baseia-se no

“pragmatismo”, mas também no

reconhecimento de que “apesar dos

problemas socioeconómicos do país, hoje o

Tajiquistão goza de um nível de segurança e

paz, completamente diferentes (para

melhor, naturalmente) dos do tempo da

Guerra Civil” (Foroughi, 2012: 535). Para

Anna Matveeva, “dado o historial ambíguo

do regime tajique pós-guerra”, devemos

questionar-nos sobre “o nível real de

legitimidade de que este beneficia entre a

população” (2009: 167). A especialista

começa, então, por explicar que “num

ambiente marcado por eleições falsas,

meios de comunicação não-livres, e receio

do aparato de segurança, é difícil ter-se a

certeza do que a população

pensa” (Matveeva, 2009: 167). Por outro

lado, o temor da Guerra Civil ainda está

muito presente na memória das pessoas. O

regime é “digno de confiança” por “ter

terminado a guerra, proporcionado 43

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

estabilidade e, inclusive, um crescimento

económico modesto” (Matveeva, 2009:

167). Como tal, não obstante “a insatisfação

generalizada face ao Presidente, à sua

política, à corrupção do Governo e ao

desperdício de dinheiro”, seria “demasiado

redutor” concluir que “o regime é

ilegítimo” (Matveeva, 2009: 167). Com

efeito, após cinco anos de guerra, os

tajiques estão seriamente empenhados em

consolidar e estabilizar as instituições.

O Presidente Rahmon tem, de forma

bem-sucedida, sabido aproveitar o

nacionalismo e, até certo ponto, a religião

como forma de conquistar eleitores, manter

o poder e assegurar a estabilidade

(Foroughi, 2012: 535). Descritas como “uma

paródia” pelo líder do Partido Comunista da

oposição, as eleições parlamentares de

2010, no Tajiquistão, demonstraram a

ausência de progresso na adoção das

normas democráticas, cerca de duas

décadas depois da independência

(Hamrabaeva e Olimova, 2010). O

Parlamento Europeu e a OSCE, que haviam

enviado 279 observadores eleitorais para o

Tajiquistão - ainda que alguns argumentem

que tal fora um desperdício de recursos,

com um custo estimado de 2 a 3 milhões de

dólares - relataram, mais tarde, que as

votações não cumpriram muitos dos […]

padrões internacionais estabelecidos para

as eleições democráticas (OSCE/ODIHR

Election Observation Mission Final Report,

2010). Em 2011, o sistema multipartidário

tajique revelou-se, em grande parte,

superficial, uma “ilusão democrática”

destinada ao consumo de ocidentais

ingénuos (Sodiqov, 2011).

Nos últimos anos, o Governo tajique tem

procurado neutralizar os seus oponentes

islamitas (inclusive os que operam de modo

legal), criando leis com o objetivo de limitar

e controlar as atividades dos grupos

religiosos, e, sobretudo, para “conter o

crescimento do Islão radical” (Mukhtorova,

2012: para. 1). A intensificação da

islamofobia, no Tajiquistão, tem sido alvo de

duras críticas por parte da comunidade

islâmica, que acredita que tais medidas

antirreligiosas e imprudentes apenas

gerarão revolta, como se verificou, por

exemplo, no caso da Tunísia ou do Egipto

(Iran English Radio, 2011). Entre outros

aspetos, o Governo designou 2009 como o

ano do Imomi Azam (o Grande Imã), e, em

2011, estabeleceu planos para construir “a

maior mesquita da Ásia Central”,

financiada, sobretudo, pelo Qatar, com um

custo de “100 milhões de dólares”, e

capacidade para “115 000 fiéis” (EurasiaNet,

2011: 2).

Os anos de guerra e a expansão do

narcotráfico prejudicaram o

desenvolvimento da sociedade civil (Ewoh,

Nazarova e Hill, 2012). Por sua vez, a

performance económica, na década de 90,

foi desastrosa (UNESCO, 2012-2013). A falta

de oportunidades económicas conduziu a

uma forte emigração, sobretudo para a

Rússia. Porém, o facto de as remessas dos

emigrantes tajiques se apresentarem,

essencialmente, sob a forma de numerário,

não-declarado, “é difícil estimar o quanto

estas contribuem para as receitas” do seu

país de origem (Justino e Shemyakina, 2012:

11).

O Tajiquistão difere, entre outros

aspetos, dos seus vizinhos centro-asiáticos

na medida em que não possui largas

reservas de gás natural e/ou petróleo,

devendo, por conseguinte, basear-se na sua

própria economia e no auxílio de terceiros

para sobreviver (Blakkisrud e Shahnoza,

2010). Apesar do consistente crescimento

económico anual, desde 1997, a

desigualdade de rendimentos, no

Tajiquistão, continuou a aumentar, com

tendência a aproximar-se dos níveis pré-

soviéticos (World Bank, 2011). Embora o

crescimento médio anual do Produto

Interno Bruto, durante o período de 2007 a

2011, tenha sido de 6,5%, este feito,

aparentemente impressionante, é fruto de

um crescimento económico sem

desenvolvimento, e de um capitalismo sem

democracia (The Economist, 2011). O

crescimento económico do país deve-se,

não às políticas macroeconómicas

recomendadas pelo Fundo Monetário

Internacional que, no entanto, foram

seguidas, mas, principalmente, às

importantes remessas enviadas pelos

trabalhadores tajiques (“na maioria, não-

qualificados”) que residem no estrangeiro e

“ajudam a nação a

sobreviver” (Abdrakhmanov, 2007: 29). Por

outro lado, “um número não identificado de

cidadãos tajiques vive das receitas

provenientes do tráfico de estupefacientes,

o que significa que a República depende,

em grande parte, da economia paralela, 44

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

para o seu progresso

económico” (Abdrakhmanov, 2007: 29).

Contudo, note-se que “já durante os

tempos soviéticos, o narcotráfico assumia

proporções consideráveis no

Tajiquistão” (Esengul, 2012).

Como refere Payam Foroughi, “o

Tajiquistão permanece altamente

dependente da Rússia - embora numa

relação errática - em praticamente tudo,

desde o emprego, até, por exemplo, às

importações (cerca de 90%) de

combustíveis”, enquanto Moscovo, por sua

vez, dispõe de autorização do Governo

tajique para fazer do país “uma base para

os seus 5 500 soldados” (2012: 536).

Em termos de política externa,

Dushanbe persegue objetivos puramente

pragmáticos, ao convidar os atores

geopolíticos a participar nos projetos

económicos domésticos. De facto, segundo

Kirill Nourzhanov, “mesmo um país fraco,

como o Tajiquistão, possui uma série de

metas a alcançar num sistema anárquico”,

sendo que “o teor geral do seu discurso de

política externa é, claramente,

realista” (2012: 365). No geral, como observa

Askar Abdrakhmanov, “o Tajiquistão

constitui um fenómeno bastante

interessante”, um exemplo de “uma política

doméstica pragmática” e de “uma política

externa com um rumo equilibrado”, que

“deveria receber mais atenção” (2007: 37).

Notas Finais

Traçou-se um perfil, não exaustivo é

certo, mas que, na medida do possível,

facilitasse a compreensão das realidades

sociais, políticas e económicas de cada um

dos Estados que compõem a região.

Verificou-se que todas estas Repúblicas que

integram a região comungam de um

presente relativamente recente (cerca de

duas décadas de independência)

enquanto Estados autónomos, pese embora

tenham diferido quanto ao rumo das suas

políticas, autoritarismo, desenvolvimento, e

forma de lidar com os desafios resultantes

do colapso da União Soviética.

Embora localizadas num mesmo espaço

regional, as várias unidades, neste caso, os

Estados que a compõem, estão longe de

formar um todo homogéneo suscetível, à

partida, de facilitar a compreensão dos

processos e realidades políticas,

económicas e culturais a um qualquer

curioso pela região. Ao invés, elas tendem a

confundir um espírito impreparado e

ingénuo que possa querer vislumbrar

realidades e mundividências semelhantes

em Estados que seguiram caminhos

diferentes, findo o fator agregador, isto é, a

União Soviética. Por outro lado, e segundo

esta ordem de ideias, sublinhe-se que

“qualquer consideração geral em matéria

de política sobre a Ásia Central deve tomar

em conta a natureza dos regimes no poder,

bem como os interesses específicos de

cada um deles” (Esengul, 2012). Se, por um

lado, é demasiado evidente que o papel

da liderança é importante, por outro, a

relação pessoal entre cada um dos líderes

não deixa, também ela, de ser

fundamental.

Num espaço onde nada está definido e

tudo se joga, persiste uma certa nostalgia

geral, mais ou menos evidente, no Homo

Sovieticus (fruto de uma mesma cultura e

dotado de uma personalidade singular)

face aos tempos de ouro em que ele não

tinha de se preocupar com nada, visto que

o „sistema‟ se encarregava de tudo.

Contrariamente ao passado, os

„emancipados‟ centro-asiáticos estão, hoje,

entregues a si próprios, filhos da Ásia

Central, uma sub-região desprovida de

acesso ao oceano, mercê da „boa

vontade‟ da cooperação dos Estados

vizinhos, entre os quais uma Rússia e uma

China, para acederem ao resto do mundo.

E, é interessante notar como os próprios têm

consciência da sua posição de

dependência face a esta „boa vontade‟

alheia, como atesta o desabafo de Meruert

Makhmatova (2011), investigadora

cazaque: “não somos jogadores principais,

mas parte do jogo”. Contudo, uma parte

importante, capaz, também ela,

paradoxalmente, de frustrar as ambições

das potências externas, em resultado do seu

poder funcional. Atente-se, por exemplo, na

singularidade da política uzbeque, umas

vezes pró-russa, outras contra, o que faz de

Karimov um parceiro imprevisível,

dependendo dos interesses que melhor

convêm ao Uzbequistão.

Em suma, as Repúblicas centro-asiáticas

são, hoje, marcadas por diferentes tipos de

transformações políticas, económicas e

sociais, diferentes ritmos, diferentes 45

CEEI/ISRI, MENSAL, Ano XXIII, N˚ 04

conceções sobre o significado do devir

histórico. Elas convergem na vontade de

maximizar os benefícios decorrentes dos

grandes e pequenos jogos regionais, mas

demonstram muita incapacidade em

estabelecer estratégias comuns e cooperar

para a resolução dos grandes e pequenos

problemas regionais.

Notas e Referências Bibliográficas

1 O especialista em questão exerce funções no contexto da

diplomacia norte-americana no Cazaquistão. 2 O especialista em questão exerce funções no contexto da

diplomacia norte-americana no Quirguistão. 3 Kurmanov, Zhanat (2011). Entrevista pessoal. Almaty. O

autor é um reputado economista no Cazaquistão. 4 Carter, Michael (2011). Entrevista pessoal. Almaty. 5 Mogilevski, Roman (2012). Entrevista Pessoal. Bishkek. O

autor é um conceituado investigador quirguiz. 6 Vilar, Emílio (2011). Entrevista Pessoal. Lisboa. O autor é ex-

Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian. 7 Makhmatova, Meruert (2011). Entrevista Pessoal. Almaty. 8 Esengul, Chinara (2012). Entrevista Pessoal. Bishkek. A autora

é uma conceituada investigadora quirguize. 9 Krawchenko, Bohdan (2012). Entrevista Pessoal. Bishkek. O

autor é Diretor da University of Central Asia. 10 Bradbury, Doris (2011). Entrevista Pessoal. Almaty. Ex-

Diretora da American Chamber of Commerce no

Cazaquistão. 11 Soares, João (2011). Entrevista Pessoal. Lisboa. Alto

Representante da OSCE para a Região do Cáucaso. 12 Kaiser, Markus (2012). Entrevista Pessoal. Bishkek. Professor

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O “Mensal” é um boletim informativo do CEEI/

ISRI – Centro de Estudos Estratégicos e

Internacionais do Instituto Superior de Relações

Internacionais que se destina a servir de fórum

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