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/ ~ COMPOSIÇÃO DO HABITAT E USO DO ESPAÇO POR UOLAEMUS LUTZAE (SAURIA: TROpmURIDAE) EM UMA ÁREA DE RESTINGA * CARLOS FREDERICO DUARTE DA ROCHA Setorde Ecologia -Instituto de Biologia UlÚversidade do Estado do Rio deJaneiro -UERJ RuaSão FranciscoXavier 524, Maracanã, 20550, Rio de Janeiro (Com 4 figuras) RESUMO Neste estudo a distribuição de uma população de Liolaemus lutzae foi estu- dada e relacionada com a distribuição de vegetação e detritos, indicando conside- rável associação espacial. Essa associação parece ser devido a vegetação consti- tuir abrigo e alimentação e os detritos, abrigo e sítios de forrageio e termorregula- ção. Palavras-clwve: Habitat, Distribuição, Lagartos, Vegetação de Restinga, Liolaemus lutzae . ABSTRACT Habitat Composition and Use of Space for Liolaemus lutzae (Sauria: Tropiduridae) in a Restinga Area Habitat resources strongly influence the distribution patterns of lizard populations. In this study one of the Liolaemus lutzae population's distribution was studied and related with the distribution of vegetation and detritus, Índicating considerable spatial association. This association is probably due to the significance of vegetation in providing food and shelter and the detritus as shelter and foragÍng and thermorregulatÍng sites. Key words: Habitat, Distribution, Lizard, RestÍnga Vegetation, Liolaemus lutzae . 1971) entre outros organismos. Áreas com maior diversidade por volume de plantas em geral possuem maior riqueza de espécies, en- quanto áreas com reduzida cobertura e diver- sidade vegetal são relativamente pobres em espécies desses organismos (Pianka, 1966, 1977; Pianka e Huey, 1971). As razões para essa redução no número de espécies deve-se entre outras a que áreascom reduzida cobertu- ra vegetal constituem áreas abertas nas quais a INTRODUÇÃO A heterogeneidade espacial tem sido de- monstrada como importante fafor influencian- do a diversidade de espécies de lagartos (Pianka, 1966, 1977) e aves (Pianka e Huey, Recebido em 9 de dezembro de 1986 Aceito em 7 de junho de 1991 Distribuído em 30 de novembro de 1991 *Subsidiado com verba de auxllio h Pesquisa CNPq N2 402266/84 Rev. Brasil. Biol.. 51(4):839-846 839

COMPOSIÇÃO DO HABITAT E USO DO ESPAÇO POR LIOLAEMUS LUTZAE (SAURIA: TROPIDURIDAE) EM UMA ÁREA DE RESTINGA

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COMPOSIÇÃO DO HABITAT E USO DO ESPAÇO POR UOLAEMUSLUTZAE (SAURIA: TROpmURIDAE) EM UMA ÁREA DE RESTINGA *

CARLOS FREDERICO DUARTE DA ROCHASetor de Ecologia -Instituto de Biologia UlÚversidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ

Rua São Francisco Xavier 524, Maracanã, 20550, Rio de Janeiro

(Com 4 figuras)

RESUMO

Neste estudo a distribuição de uma população de Liolaemus lutzae foi estu-dada e relacionada com a distribuição de vegetação e detritos, indicando conside-rável associação espacial. Essa associação parece ser devido a vegetação consti-tuir abrigo e alimentação e os detritos, abrigo e sítios de forrageio e termorregula-

ção.Palavras-clwve: Habitat, Distribuição, Lagartos, Vegetação de Restinga,

Liolaemus lutzae .

ABSTRACT

Habitat Composition and Use of Space for Liolaemus lutzae(Sauria: Tropiduridae) in a Restinga Area

Habitat resources strongly influence the distribution patterns of lizardpopulations. In this study one of the Liolaemus lutzae population's distributionwas studied and related with the distribution of vegetation and detritus, Índicatingconsiderable spatial association. This association is probably due to thesignificance of vegetation in providing food and shelter and the detritus as shelterand foragÍng and thermorregulatÍng sites.

Key words: Habitat, Distribution, Lizard, RestÍnga Vegetation, Liolaemuslutzae .

1971) entre outros organismos. Áreas commaior diversidade por volume de plantas emgeral possuem maior riqueza de espécies, en-quanto áreas com reduzida cobertura e diver-sidade vegetal são relativamente pobres emespécies desses organismos (Pianka, 1966,1977; Pianka e Huey, 1971). As razões paraessa redução no número de espécies deve-seentre outras a que áreas com reduzida cobertu-ra vegetal constituem áreas abertas nas quais a

INTRODUÇÃOA heterogeneidade espacial tem sido de-

monstrada como importante fafor influencian-do a diversidade de espécies de lagartos(Pianka, 1966, 1977) e aves (Pianka e Huey,

Recebido em 9 de dezembro de 1986Aceito em 7 de junho de 1991Distribuído em 30 de novembro de 1991*Subsidiado com verba de auxllio h Pesquisa

CNPq N2 402266/84

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qiientemente encontrado sob detritos trazidospelas marés ou sob a ,regetação, onde tambémescava suas tocas.

Neste trabalho estudou-se a composiçãodo habitat de L. lutzae na Restinga de Barrade Maricá e sua influência na determinação dadistribuição da população na área.

MA TERIAL E MÉTODOS

Área de EstudoO estudo foi desenvolvido na área de

praia da Rest.Ínga de Barra de Maricá,22 °57'50"S e 43 °50'4Q"W, que se localiza aaproximadamente 38 Krn a leste da cidade doRio de Janeiro. Segundo o sistema de Kõppen,o clima da região é classificado como do tipoAw, com verão quente e chuvoso e invernoseco (Franco et al., 1984), com a temperaturamédia anual variando entre 22 e 24 °C e a pre-cipitação média anual entre 1.000 e 1.35Ornm(Nimer, 1972).

O solo da área de praia é composto de99% de areia Ínconsolidada sendo o conteúdode nutrientes muito baixo (Henriques etal., 1984). A vegetação nessa área é do tipoherbáceo, resistente à salinidade e sujeita àconstante ação das marés, constituindo umacomunidade de hal6fitas, na qual predominamas famílias Amaranthaceae, Convolvulaceae,Gramineae e Leguminosae. Sobre a areia écomum encontrar-se grande quantidade de de-tritos depositados pela ação das marés ou poração antr6pica.

pressão de predação torna-sc um importantefator (Greene, 1982), além da baixa diversida-de de microhabitats que reduz a oferta de re-cursos para um maior número de espécies.

Na restinga da Barra de Maricá ocorremoito espécies de lagartos (Araújo, 1984). Des-sas, apenas uma (Liolaemus lutzae), ocupa aárea de dunas e praia de restinga (Rocha,1988). A área de praia da restinga de Barra deMaricá é uma área aberta com baixa riqueza ediversidade de vegetação herbácea (Silva eSomner, 1984; Rocha, 1985a) sujeita a eleva-da insolação e temperatura ao longo do dia(Rocha, 1988). Nas áreas mais interiores darestinga tanto a riqueza quando a diversidadevegetal aumentam consideravelmente (Silva eSomner, 1984) e outras sete espécies de la-gartos são encontradas (Araújo, 1984).

L. lutzae é uma espécie críptica sobre aareia da praia e que enterra-se rapidamentequando perseguido (Rocha, 1985b). Rocha(1988) mostrou como L. lutzae regula sua ati-vidade horária, a utilização de detritos por es-sa espécie como abrigos diurnos e a importân-cia de ajustes comportamentais que provavel-mente permitem a espécie viver em um am-biente com temperaturas críticas nas horasmais quentes do dia. Em outro estudo (Rocha,1989), o autor mostrou que essa espécie, inde-pendente do pequeno tamanho corporal, incluina dieta algumas das espécies vegetais daárea, provavelmente como forma de compen-sar a baixa oferta de artr6podos nesse am-biente. Para sobreviver em uma área aberta,com baixa oferta de microhabitats e abrigoscomo a área de praia da restinga da Barra deMaricá, provavelmente L. lutzae deve se asso-ciar a fatores que diminuam o risco de preda-ção e a menor heterogeneidade ambiental. Esteestudo foi conduzido para avaliar a composi-ção do habitat de L. lutzae e como a espéciefaz uso do espaço, reduzindo os problemas as-sociados a viver neste tipo de ambiente.

Uolaemus lutzae é um lagarto aren(cola,endêmico das áreas de praia das restingas doRio de Janeiro localizadas entre a Restinga daMarambaia ao sul (23°05'S, 44°00'W) CaboFrio (22 °53'S, 42 °00'W) ao norte do Estado(Vanzolini e Ab' Saber, 1968). Nessas áreas ohabitat de L. lutzae em geral restringe-se àspraias arenosas colonizadas por vegetaçãoherbácea até o limite com a zona arbustiva(Rocha, 1985). Esse lagarto pode ser fre-

MetodologiaO projeto foi desenvolvido em uma área

de 500 metros de extensão de praia. por 60metros da linha da praia (linha inicial de colo-nização vegetal) para o interior. totalizandouma área de aproximadamente 30.000m2. Afim de se facilitar a localização dentro damesma. foram colocados marcos. com metra-gem a intervalos regulares de 50 metros. Oestudo de campo foi executado durante os me-ses de fevereiro. março e abril de 1985. no pe-ríodo de chuvas.

Durante cada excursão de campo. a áreafoi intensivamente vasculhada entre 5:00 e17:00h à procura dos lagartos. Quando um la-garto era avistado. era efetuada a sua capturacom a mão. e medido o comprimento rostro-anal. A posição inicial do lagarto (primeiro

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ra vegetal e o número de lagal1os t; entre. ~média de cobertura por detritos e o número dc

lagartos a cada 2 metros desde a lilrlla de praiaaté o limitc intcrior onde capturoU-!;cJ;lgartos.Adicionalmente foi feita correlação entre ocomprimento rostro-anal dos lagartos e a dis-trmcla cl11 mct.ros da sua posição original à li-

nh:1 clc nraia.

RESULTADOSNa área de praia da Restinga de narra de

Maricá foi assinalada a ocorrência de 15 espé-cies vegetais, pertencentes a 11 famílias. ATabela I mostra as espécies e respectivas fre-qiiências de ocorrência na área estudada, e a

TABELAI

Espécies vegetais e respectivas freqfiências de ocorrênciana área de praia da Restin!!a de Barra de Maricá -RJ

FreqiiênciaFamffia

Cactacea::

Convolvulaceae

Convol vulace:le

Amaranthace:le

A maranthace:le

Gramine:le

Gramineae

CypcraceaeVerbenace:le

MolluginaceaeRubiaccac

Rubiace:le

Leguminoseae

EuphorbiaceacI"auraceae

3.340.7

6.839.094.933.981.445.873.315.347.5

5.125.4

Espécie

Céreus pernambucencislpomoea /jttoralislpomoea pes-caprae (* )

PhyOoxerus portulacoidesA/temantllera maritima

Sporobolus virginicusPanicwn race1noslUnRe1nirea maritima

Stachtarpheta sp.Monugo verticilataBorreria capitataMjtracarpus erchlemiiCanavalia obtusifolia

EupllOrbia hyssopifoliaCassvtlIQ filirormis (*)--(*) Embora não tenha ocorrido em nenhuma das parcelas dostransectos. Ipomoea pes-caprae e CassytlIG filiformis foram

coletadas na área de praia da Restinga.

Fig. IA, G) as porcentagens médias de co-bertura sobre o solo por cada espécie, a cada 2metros entre a linha de praia e o limite interiorestudado (60 metros). Phylloxerus portulacoi-des e Canavalia obtusifolia foram as menosfrequentes (6.8 e 5.1% respectivamente), ocor-rendo apenas nos 6 primeiros metros junto alinha de praia (Fig. lE, G), mas em geral ofe-receram maior cobertura ao solo que qualquerdas outras espécies (Fig. IA, G). Alternanthe-ra maritima e Ipomoea litorallis tiveram fre-quências similares (39.0 e 40.7% respectiva-mente -Tabela I), tendo tido ambas em geralbaixo percentual médio de cobertura sobre osolo ( 1.0 a 2.0%, Fig. lB, A). I. litorallisoccrreu do décimo metro a partir da linhas de

ponto de avistaJnento) era registrada utilizm1-do-se o sistema de eixos cartesianos no qu31 oeixo "x" correspondia a distânci3 do ponto deavistamento do lagarto à linh3 de praia, e o ei-xo "y" desse ponto ao metro zero. O COlJ1pri-mento rostro-anal dos lagartos foi correlacio-"n3do com a dist[mcia entre o ponto ,dc avista-mento e a linha de praia.

O habitat de Liolaemus iutzae foi estu-dado em dois aspectos: a) Vegetação da prai3;e b) Material resultado de deposição (detritos).

O Estudo da vegetação da praia abran-geu aspectos qualitativos e quantitativos. Anível qualitativo, realizou-se um levantamentodas espécies vegetais ocorrentes na área. Foramfeitas excicatas, posteriormente identificadasno Museu Nacional do Rio de Janeiro. A nívelquantitativo, estudou-se a cobertura vegetal ea freqiiência de ocorrência por cada espécie.No sentido oceano-lagoa, partindo-se da faixainicial de ocorrência de vegetação (linha depraia) e até o limite de 60 metros, foram reali-zados três transectos de banda, com banda de1 metro. Dentro de cada transecto, a cada 2metros (parcela) era assinalada a ocorrência decada espécie e estimada percentagem de co-bertura sobre o solo. Dessa forma, cada tran-secto possuía 30 parcelas de 2x2 de lado.

A partir dos dados obtidos nos 3 tran-sectoS (transformados para raiz do arco-seno)calculou-se a média de cobertura por cada es-pécie a cada 2 metros no sentido oceano-lagoaaté o limite de 60 metros. Foi calculada tam-bém a porcentagem média vegetal total a cada2 metros. A freqiiência de ocorrência por cadaespécie foi estimada a partir da razão entre onúmero de parcelas em que ocorreu, sobre o.total de parcelas amostradas (90).

Na análise do material resultado de de-posição (detritos), aproveitando-se os 3 tran-sectos de banda utilizados no estudo fitosso-ciol6gico, em cada parcela 2x2 no sentidooceano-Iagoa foi também estimada a cuberiurado solo por detritos (em cm2). Os resultadosobtidos nos 3 transectos fôram expressos deacordo com a média de cobertura por detritosa cada intervalo de 2 metros. Ao se percorrer aárea de Estudo, quando um lagarto era encon-trado sob detrito, as dimensões deste últimoeram medidas e calculada a sua área em cm2.'o comprimento róstro-anal dos lagartos foicorrelacionado com a área do detrito. Foi feitaanálise de re~ressão entre a média de cobertu-

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Fig. IA, G -Porcentagem média de cobertura .vegetal por dez espécies a cada 2 metros na área de Praia da Restinga deBarra de Maricá-RJ.

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843COMPOSIÇÃO DO HABITAT E DISTRIBUIÇÃO DE LAGARTOS

praia até o limite interior da área estudada(metro 60). A. marítíma ocorreu desde a linhade praia, mas deixou de ocorrer por volta dometro 30 em direção ao interior (Fig. 1B). Asespécies mais frequentes foram Sporobolusvírgínicus, Remírea marítima e Mollugo verti-cílata (94.9; 81.4 e 73.3% respectivamente)Tabela I, contudo em geral apresentaram baixaporcentagem média de cobertura sobre o solo

(Fig. 1F, G). A porcentagem média total decobertura vegetal (Fig. 2), foi maior nos 6primeiros metros da linha de praia para o inte-rior, situando-se em tomo de 30 a 50%. Apartir desse ponto, manteve-se em geral entre4.0 e 11.0% (Fig. 2)..A área (em cm2) de cobertura vegetal acada 2 metros da praia para o interior, e a fre~qiiência de lagartos capturados nos mesmos

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.10 20 30 40 50 --60metros

Fig. 4- Porcentagem média de cobertura por detrito a cada 2 melros nos primeiros 60 melros da praia para o interior naárea de praia da Restinga de Barra de Maricá-RJ.

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populaçõcs de lagarto dos dI;:Sl;:llOS, dl;:mons-U"OU uma relação positiva cntre a diversidadedc espécies de lagartos e a diversidade de mi-crohabitats (hcterogeneidade ambiental), dasárcas que estudou. 2) O padrão de coloraçãodc L. ltltza{! críptico sobre a areia da praia e ofato de que áreas abertas cm geral oferecemmaior risco à predação (Greene, 1982), suge-rcm que a pressão de predação na área devaser elevada, e que os predadores em geral de-vem se utilizar da visão para localização doslagartos. Um dos fatores que Pianka (1973)sugeriu para explicar a grande riqueza de es-pécies de lagartos que os desertos australianossuportam, foi a possível reduzida pressão depredação por cobras, aves e mamíferos na-quele continente. Magnanini (1964) relata apredação de L. lutzae por duas diferentes es-pécies de aves (Falco fuscocaenllescensc Guira guira) na área da praia da Restinga deJacarepagua -RJ. Em duas ocasiões (1984 e1985) na área equivalente da Restinga de Bar-ra de Maricá foram captur&das cobras (Liophismiliaris). Quando espécimes de L. lutzae fo-ram oferecidos no laborat6rio a duas cobrasdaqucla espécie, mas dc área diferente, todosos lagartos foram predados, o que sugere queaquela cobra deva ser predadora de L. lutzaena área de praia. Assim, a pressão de predaçãopor esses vertebrados em uma área aberta co-mo a de praia de restinga, deve influenciar nadiversidade de espécies de lagartos. Contudo,não é provável que apenas um destes fatoresseja responsável isoladamente por essa baixariqueza de espécies de lagarto, mas sim acomposição e interação entre eles.

Dessa forma, seria de se esperar que naárea de praia, a população de L. lutzae, em ge-ral, se associasse a fatores que minimizassemos riscos da predação, e a menor heterogenei-dade ambienta!. A análise dos dados obtidosneste trabalho sugere que isto deva estar ocor-rendo, pois os lagartos foranl capturados maisfrequentemente em certos setores da praia. Arelação significativa entre a porcentagem mé-dia de cobcrtura vegetal e a freqilência de la-gartos, indica que na área estudada os lagartosestejam em geral mais associados ads setoresem que é maior a cobertura vegetal. Aos pri-meiros 6 metros (da linha de praia para o inte-rior) correspondem as maiores porcentagensde cobertura vegetal. Similarmente, a área on-de foram capturados 52.7% dos lagartos cor-

intervalos at~ o limitc ondc foram capturados(mctro 38; Fig. 3), estão significativru11enterelacionados (p < 0.001; r= 0.64; n = 19).

Material Resultado de Deposição ( detritos)A Fig. 4 most1.a as m~dias de CObC11u-

ra por detritos a cada 2 metros da linha dcpraia em direção ao interior, até o limitc de 60metros da área estudada. A porccntagem mé-dia de cobcrtura foi máxima (entre 3.0 e 3.5%)nos primeiros 8 metros, e diminuiu a partirdesse ponto até atingir valores mínimos(0.3%) pr6ximo ao metro 32. Contudo, entreos metros 14 e 18, e 26 e 28 houve aumentona porcentagem de cobertura por detritos,atingindo em ambos os casos aproximada-mente 2,5% (Fig. 4). Não ocorreram detritosap6s o metro 32 (da linha de praia para o inte-rior) (Fig. 4). A relação entre a média de co-bertura por detritos (em cm2) a cada 2 metrosda praia para o interior, e a freqiiência de la-gartos capturados nos equivalentes intervalosaté o limite' onde foram capturados lagartos(metro 38), foi positiva significante e(p < 0.001; r= 0.76; n = 19). Não houve re-lação si~nificativa entre a área dos detritos(em cm2) e o tamanho rostro-anal dos lagartos(em mm) (r = 0.27; n = 350).

Não houve correlação significativa (r =0.27; n = 350) entre o comprimento rostro-anal e a distância (em metros) do ponto de,avistamento inicial do lagarto à linha de praia.

DISCUSSÃO

Habitat e Ritmo de Atividade

Liolaemus lutzae é a única espécie delargarto que ocorre na área de praia da Restin-ga de llarra de Maricá (Araújo, 1984; Rocha,1985), e alguns fatores relacionados ao habitatparecem estar atuando para que isto ocorra. I)A heterogeneidade ambiental ~ menor nessaárea que em áreas mais interiores da restinga.Neste trabalho, em uma área plana de30.000m2, apenas 15 espécies vegetais, e to-das de porte herbáceo, enquanto nas áreas in-teriores (interdunas com moitas esparsadas,duna primária com moitas densas), a diversi-dade de estratos e esp6cies vegetais aumentasignificativamente (Silva e Somner, 1984).Nessas últimas áreas em geral 7 outras espé-cies de lagartos podem ser encontradas (A-raúJo, 1984). Pianka (1966. 1977) estudando

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845COr.1POSIÇÃO DO I1AIlITAT E DISTRIBUIÇÃO DE LAGARTOS

rcspopde aos primeiros S metros. As espéciesque oferecem maior cobcrtu.ra sobre o solo(Phylloxerus portulocoídes e CO11a\.'olía obtu-sifolía) concentram-se entre os metros 2 e 4,intervalo em que ocorreu a maior freqiiênciade capturas (16.6%). É provável que a vegeta-ção atue minimizando a exposição aos preda-dores, aInenizando as temperaturas mais ele-vadas (uma vez que impede em parte a insola-ção direta do solo), e aumentando a disponibi-lidade de recursos alimentares. Essa maiordisponibilidade deve-se, primeiro ao fato demaior número de artr6podos (presas poten-ciais) estarem em geral mais associados à ve-getação que a áreas sem vegetação, e em se-gundo por algumas espécies vegetais da área(Phylloxerus portulacoides, Alternantheramarítima e Ipomoea lítorallís e I. pes-caprae)fazerem parte da dieta de L. lutzae (Rocha,1985b). Os dados indicam que há uma asso-ciação espacial entre os lagartos e P. portula-coídes. Similarmente, A. marítíma teve seulimite de ocorrência pr6ximo ao metro 30 (emdireção ao interior), enquanto o limite decapturas de L. lutzae foi por volta do metro38, o que da mesma forma sugere uma certaassociação espacial. Tal fato não se obsel;"Vaclaramente para os lagartos e I. lítorallís. Istoprovavelmente se deve a que, embora consu-mida seletivamente em relação às várias outrasespécies vegetais que Ocorrem na área mas nãosão ingeridas, esta espécie apresenta uma den-sidade muito pequena além de se distribuir deforma muito imprevizível (Rocha, 1985b).Dessa forma, a proximidade com a área que avegetação é mais densa, ou com aquela que éconsumida como alimento, além de proporcio-fiar maior disponibilidade de recursos alimen-tares, deve diminuir a necessidade de locomo-ção em busca de sítios de forrageamento, porconseguinte diminuindo a exposição a preda-dores.

ciação dos lagartos em geral também aos de-tritos. Stewart (1984) relata que em áreasaber~s da costa norte da Calif6mia, o lagartoGerrhonotus coeruleus forrageia entre detritose vegetação esparsa e termorregula-se sob osdetritos. Muitos dos L. lutzae quando encon-trados sob os detritos, estavam apenas com acabeça e parte da cauda fora da areia. Essasobservações associadas à condição senta-e-es-pera de sua estratégia de caça de artr6podossugerem que os detritos devam constituir sítiosde forrageamento onde permanecem com a ca-beça pronta para abocanhar as presas que semovimentem à sua frente. Assim, a permanên-cia durante o período de atividade sob os de-tritos deve ser vantajosa pelos menores riscosde predação, e por provavelmente representa-'rem sítios de forrageio e termorregulação.Provavelmente a minimização ao grau de ex-posição a predadores deve ser muito impor-tante na área, e detritos podem constituir umabrigo mais efetivo que a vegetação. Além domais, há uma coincidência entre o limite deocorrência de detritos e o limite de captura doslagartos. Por isso, mesmo em ár:eas da praiaonde a cobertura vegetal passou a ser baixa(aproximadamente ap6s o metro 8), a ocorrên-cia de detritos permite ainda a ocorrência delagartos. Além do mais, observações no campoindicam que a abertura de inúmeras tocas si-tua-se sob os detritos. Isto pode ser importantepor reduzir os riscos de predação quando oslagartos iniciam atividades pela manhã e pos-suem o metabolismo ainda baixo.

Não houve correlação significativa entrea área dos detritos (em cm2) e o tamanho doslagartos, o que sugere que adultos e jovensutilizem os detritos indiscriminadamente, nãohave~do aparentemente divisão desse recursopor tamanho.

Também não houve significância na cor-relação entre o tamanho dos lagartos e a dis-tância do ponto de captura à linha de praia.Tal fato sugere que os mesmos se distribuamno habitat de forma independente ao tamanhoque possuam. habitando jovens e adultos in-discrirninadamente um mesmo setor da praia.

Os dados obtidos sugerem que ambas asvariáveis estudadas (vegetação e detritos) in-fluenciam o padrão de distribuição de L. lut-zae na área de praia. Provavelmente, tanto apossibilidade de ocorrência dessa espécie naárea de praia quanto sua distribuição no habi-

De fonna similar, a relação entre a por-centagem média de cobertura por detritos ea freqiiência de lagartos capturados no inter-valo equivalente de 2 metros da praia para ointerior foi significante, o que indica estaremos lagartos em geral tarnbém associados a áreacom maior densidade de detritos. Além disso,o número de lagartos encontrados sob detritosfoi significantemente maior (aproximadamente90%) que o número de lagartos capturados fo-ra dos mesmos. Esses dados sugerem a asso-

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tat é resultado da interação entre a ocorrência

de vegetação e detritos.

Agradecimentos -Femando H.A. Vale e Paulo Car-vallio gentilmente apoiaram a tarefa dos transectos no campo.Drs. J.R. Almeida e R. Cerqueira contribufram em vários as-pectos. Helena G. Dergallo e Alexandre F.D. Araújo colabo-raram de diversas fom1as sempre oferecendo importantes su-gestões. Paulo R.S. Moutinllo. Cláudia de B. A. Ramos eMonique Van Sluys revezaram-se me auxiliando em inúme-ras ocasiões.

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