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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Mestrado em História Social
ANA PAULA DA ROCHA SERRANO
De frente para a imagem: O Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil Contemporâneo
1960 a 1979
NITERÓI
2013
ANA PAULA SERRANO
De frente para a imagem: O Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil Contemporâneo
1960 a 1979
Orientadora: Prof. Dr. Ana Maria Mauad Andrade Essus
Niterói 2013
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História Social.
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
S487 Serrano, Ana Paula.
De frente para a imagem: o Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil contemporâneo – 1960 a 1979 / Ana Paula Serrano. – 2013.
297 f. ; il. Orientador: Ana Maria Mauad Andrade Essus.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2013.
Bibliografia: f. 286-294.
1. Fotojornalismo. 2. Prêmio Esso de jornalismo (Brasil). 3. História contemporânea. 4. Fotografia. 5. Imprensa. I. Essus, Ana Maria Mauad Andrade. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título. CDD 070.49
ANA PAULA SERRANO
De frente para a imagem:
O Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil Contemporâneo 1960 a 1979
Aprovada em: 12/04/2013
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________ Profª. Drª. Ana Maria Mauad Andrade Essus – Orientadora
Universidade Federal Fluminense
______________________________________________________________________ Profª Drª Letícia Cantarela Matheus
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_____________________________________________________________________ Profª. Drª. Silvana Louzada da Silva
Universidade Federal Fluminense
Niterói 2013
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História Social.
Agradecimentos
A lista das pessoas que participaram da minha trajetória acadêmica e de alguma maneira
contribuíram para a realização deste trabalho de pesquisa é gigantesca e, certamente,
não caberiam todos nesse agradecimento. Assim, espero conseguir nas poucas palavras
adiante contemplar a todos aqueles que participaram dessa jornada e foram
fundamentais para que ela resultasse nessa dissertação.
Em primeiro lugar, como não poderia ser diferente, devo agradecer a minha orientadora,
Profª Ana Maria Mauad, mas também a Aninha, querida, grande amiga que já posso
afirmar ser de longa data, e parte importante da inspiração para esse a realização desse
trabalho. Obrigada de verdade, pela força, pelas parcerias de trabalho, pela atenção e
dedicação com sua aluna e, sobretudo, pelo incentivo que deu aquela pressãozinha
necessária para que eu saísse da inércia e resolvesse, finalmente, enfrentar o mestrado.
Sem dúvida, foram nossas conversas, seus conselhos e a "herança intelectual" que me
motivaram a continuar na atividade acadêmica.
Logo em seguida, e nem por isso menos importante, tenho que citar o Marcelo, meu
companheiro de todas as horas - e algumas horas foram bem longas - que me
acompanhou e apoiou durante todo o processo. Agradecer a ele é um lugar comum, mas
é importante dizer, agora que posso avaliar o quadro completo, que foram dele as
palavras que de alguma maneira produziram a incentivo necessário para começar tudo
isso. Desculpe se dei trabalho, mas a culpa é sua e obrigada pela paciência nos
momentos de crise, por me aturar ao longo desse processo que nem sempre foi fácil e
até pelo suporte nas tarefas domésticas e nos assuntos extras que resolveu enquanto eu
estava imersa no mundo da dissertação. Obrigada, sobretudo, por ser um interlocutor
incansável dos meus devaneios, das idéias filosóficas e historiográficas que tanto nos
acompanharam durante esse tempo.
Dedico também este trabalho aos meus pais - Marina da Rocha e Paulo Renato Serrano
- e ao seus esforços que proporcionaram, da melhor maneira que puderam, a chance de
me manter estudando. Ambos, cada um ao seu modo, são os responsáveis diretos por
essa trajetória. Agradeço a eles por seguiram confiando na pessoa que me tornaria e por
valorizarem desde sempre a necessidade de estudar e adquirir conhecimento.
Aos professores Hebe Mattos, Mariza Soares e Paulo Knauss, assim como à Marisis de
Oliveira e a todos os amigos do LABHOI, os quais seria impossível citar nominalmente
sem esquecer de nenhum, já que faço parte desse espaço de pesquisa, trabalho e um
pouco de diversão a tanto tempo que tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com
diferentes "gerações" de bolsistas. Tenho muito carinho e gratidão pelo LABHOI e por
todos que nele estiveram, sem exceções, Sou grata por tudo o que me proporcionou
tanto acadêmica quanto pessoalmente, desde que eu ainda era uma estudante de
graduação recém-chegada à Universidade.
Aos colegas de faculdade, tanto os que conheci na graduação, dos quais alguns se
tornaram amigos pra vida toda, quanto os que encontrei ao entrar no mestrado e com os
quais pude compartilhar idéias e dividir um pouco da ansiedade e angústia de ter um
trabalho de pesquisa para concluir. Foi em contato com eles que pude relaxar um pouco
mais e compreender que haviam mais pessoas desesperadas no mundo além de mim.
Em especial ao pessoal da imagem, Lucas de Menezes, Moema Alves, Raquel Reis e os
agregados ao grupo da imagem Débora Daniel e Thiago Alves.
À Silvana Louzada, pela generosidade com material que me possibilitou aperfeiçoar
este trabalho e pelas críticas que foram de grande valia para o andamento da pesquisa.
Enfim, não quero me alongar além disso, então segue o agradecimento geral a todos que
participaram do longo processo de construção deste trabalho e que contribuíram direta
ou indiretamente para minha trajetória até aqui.
Resumo
Este trabalho analisa a relação entre o Prêmio Esso e o seu papel na consolidação do
fotojornalismo brasileiro nas décadas de 1960 e 70. O Prêmio Esso de Jornalismo é um
programa institucional, criado pela companhia petrolífera em 1955 com o objetivo de
julgar e premiar os melhores trabalhos veiculados na imprensa nacional ao longo de um
ano. Desde 1961 a fotografia vem sendo considerada uma categoria específica para
premiação contando, inclusive, com júri especializado composto por fotógrafos atuantes
e reconhecidos. Analisa-se a estreita relação entre Prêmio Esso e o fotojornalismo no
Brasil contemporâneo, ao se reconhecer a importante influência que a premiação
exerceu na consolidação de uma linguagem fotográfica própria ao fotojornalismo; e
indicar que criação de um concurso especializado demonstra o crescimento do interesse
da imprensa pela imagem como suporte de informação. Paralelamente, avalia-se que, o
prestígio e o reconhecimento proporcionado aos fotógrafos laureados com um Esso,
foram importantes para o fortalecimento da categoria profissional dentro da hierarquia
das redações. Destaca-se, por fim, a contribuição do Premio Esso para a conformação
de protocolos visuais que definem o que é hoje uma "boa" fotografia para os propósitos
da imprensa.
Palavras-chave: Fotojornalismo Brasileiro; Prêmio Esso; História Contemporânea,
Fotografia; Imprensa
Abstract
The work analyses the relationship between the Esso Award and its role on the
consolidation of the Brazilian photojournalism during the decades 1960 and 1970. The
Esso Journalism Award is an institutional program, created by the oil company in 1955,
to judge and reward the best productions of the national press all over the year. Since
1961 photography has been considered a specific category for reward counting with a
special committee which members were recruited among well-known photographers.
The close relationship between Esso Award and Brazilian photojournalism is understood
through the important influence of this prize upon the development and consolidation of
a proper language for photographs in daily press. It is also suggested that the creation of
such a prize reflects a growing demand for images as information from the press. In
parallel, it is evaluated that the prestige and the recognition given for the Esso rewarded
photographers were important for the consolidation of this professional category
considering the newsroom’ s hierarchy. Finally, it is stressed the contribution of the Esso
Award for the conformation of the visuals protocols for what is current considered
nowadays as ‘the best’ photography for press purposes.
Key words: Brazilian photojournalism; Esso Award; Contemporary History; photography; press
Sumário
Introdução ..................................................................................................................... 12Capítulo 1 A fotografia ganha o Esso ........................................................................ 21
1.1. A Esso e o Prêmio ........................................................................................... 231.2. A fotografia no Prêmio Esso ........................................................................... 48
Capítulo 2 De frente para a imagem .......................................................................... 772.1. A série: imagens vencedoras .......................................................................... 822.2. O olho da História ........................................................................................ 1042.3. Drama e Denúncia ........................................................................................ 1282.4. Momento Fotográfico ................................................................................... 1532.5. Ironia e Política ............................................................................................. 1762.6. A poética do acontecimento .......................................................................... 2022.7. De frente para a imagem ............................................................................... 222
Capítulo 3 Fotógrafo, fotografado, fotografia: trajetória de uma imagem vencedora. 224
3.1. Erno Schneider: o fotógrafo ......................................................................... 2293.2. Jânio Quadros: o presidente de pés trocados ................................................ 2403.3. Qual é o Rumo? – A fotografia que virou notícia ......................................... 249
Conclusão .................................................................................................................... 284Bibliografia .................................................................................................................. 290Anexo - Tabela com os dados das imagens pesquisadas .......................................... 299
Lista de Ilustrações
Figura 1: Anúncio do Prêmio Esso de Jornalismo de 1971. ___________________________________ 12Figura 2: Acontecimento em Aragarças, fotografia de Campanella Neto para a Revista Mundo Ilustrado - Voto de Louvor no Prêmio Esso de Reportagem, 1960 _______________________________________ 21Figura 3: Uma tragédia brasileira: os paus-de-arara, Mário de Morais e Ubiratan Lemos, O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. __________________________________________________________________ 44Figura 4: Notícia divulgada no Jornal do Brasil em 23/07/1960, página 9. ________________________ 50Figura 5: Notícia divulgada na Folha de São Paulo em 24 de julho de 1960, página 8. ______________ 52Figura 6: Correio da Manhã, 5 de janeiro de 1966. __________________________________________ 64Figura 7: Primeira página do JB de 10 de maio de 1963. _____________________________________ 69Figura 8: Jornal do Brasil de 10 de maio de 1963, página 8. ___________________________________ 70Figura 9: Jornal O Estado de São Paulo, 11 de julho de 1965, página 38. ________________________ 97Figura 10: Amarildo: depois, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa na edição de 1963 do Prêmio Esso. _______________________________________________________________________ 99Figura 11: Primeira Página do Jornal do Brasil de 7 de junho de 1962. __________________________ 99Figura 12: Reprodução do jornal O Estado de São Paulo, 7 de junho de 1962, página 21. ___________ 100Figura 13: Fotografia feita por Campanella Neto da prisão dos revoltosos de Aragarças, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1960. _____________________________________________________________ 110Figura 14: Detalhe da capa de O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963 _________________ 116Figura 15: Primeira página do jornal O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963. ___________ 117Figura 16: "Morte no Senado", fotografia de Efraim Frajmund para O Estado de São Paulo vencedora do Prêmio Esso de 1964. _______________________________________________________________ 118Figura 17: Como o pai de Collor matou senador a tiros, Folha de São Paulo, 23 de setembro de 1989, página B - 4. ______________________________________________________________________ 123Figura 18: Morto em Serviço, fotografia de Joveraldo Lemos de Souza, Menção Honrosa Especial no Prêmio Esso de 1965. _______________________________________________________________ 126Figura 19: Não Matem meu Cachorro, Revista Manchete de dezembro de 1959. _________________ 129Figura 20: Fotografia de Sérgio Jorge, vencedora do Prêmio Esso de 1961. _____________________ 131Figura 21: Sérgio Jorge fotografando Fernando e Piloto, depois do resgate do cachorro. ___________ 136Figura 22: Sérgio Jorge recebendo o primeiro Prêmio Esso de Fotojornalismo. ___________________ 136Figura 23: Choro do Abandono, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1965. ____________________________________________________________________________ 138Figura 24: Jornal O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1965, página 10. _______________________ 140Figura 25: Revolta dos Bombeiros em São Paulo, Reginaldo Manente, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1962. ____________________________________________________________________________ 144Figura 26: Barcelona, 5 de julho de 1982, fotografia de Reginaldo Manente, Prêmio Esso em 1982 ___ 145Figura 27: As Tragédias de Janeiro, fotografia de Antonio Andrade para a revista Fatos e Fotos, vencedora do Prêmio Esso de 1967. _____________________________________________________________ 147Figura 28: 1966. ___________________________________________________________________ 151Figura 29: 1696. ___________________________________________________________________ 151Figura 30: Carlos Mesquita, Menção Honrosa no Esso de 1982. ______________________________ 151Figura 31: Jorge William, 1998. _______________________________________________________ 151Figura 32: Ricardo Leoni, Jardim Botânico, 1998. _________________________________________ 152Figura 33: Custódio Coimbra, 1998. ____________________________________________________ 152Figura 34: Sérgio Borges, Avenida Brasil, 2001 ___________________________________________ 152Figura 35: Fábio Guimarães, Baixada Fluminense, 2009. ____________________________________ 152Figura 36: Mirandinha Quebra a Perna, de Domício Pinheiro, Prêmio Esso de 1975. ______________ 155Figura 37: O Estado de São Paulo, 26 de novembro de 1974, página 37. ________________________ 158Figura 38: No fim, fratura exposta, Álvaro Costa para Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1981. ___ 161Figura 39: Queda, de Pietro Fantappiè, para O Globo, Menção Honrosa no Esso de 1965. __________ 162Figura 40: Jornal O Globo de 8 de maio de 1965, página não identificada. ______________________ 164
Figura 41: Incêndio no Edifício Joelma, Antônio Carlos Piccino (Soneca), O Globo, Prêmio Esso em 1974. ____________________________________________________________________________ 167Figura 42: Jornal O Globo de 2 de fevereiro de 1974, primeira página. _________________________ 171Figura 43: Incêndio no Edifício Joelma, Pedro Martinelli, O Globo, 2 de fevereiro 1974, página 5. __ 172Figura 44: Brasil no Golfe Internacional, por Manoel Gomes da Costa para o Correio da Manhã, Premio Esso em 1966. _____________________________________________________________________ 177Figura 45: Como subir fazendo força, Luiz Pinto, Tribuna da Imprensa de 25 de fevereiro de 1965, Mensção Honrosa no Prêmio Esso de 1965. ______________________________________________ 182Figura 46: Tribuna da Imprensa, 26 de fevereiro de 1965, primeira página. ______________________ 185Figura 47: Visita do Ministro Sylvio Frota à Cidade de Osório, Antônio Luiz Benck Vargas, O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, Prêmio Esso na categoria Regional Sul em 1977 _______________ 192Figura 48: Capa do jornal O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977. _______________________ 194Figura 49: Reportagem de O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, página 35. _____________ 195Figura 50: A liberdade da motocicleta, de Evandro Teixeira, publicada no Jornal do Brasil de 18 de setembro de 1965. __________________________________________________________________ 199Figura 51: Qualquer Semelhança..., de Carlos Menandro para o Jornal de Brasília, Prêmio Esso em 1986.
_________________________________________________________________________________ 202Figura 52: O Rei se curva ante a dor que todo o Brasil sentiu, Alberto Ferreira para o Jornal do Brasil, Prêmio Esso de 1963. _______________________________________________________________ 204Figura 53: Jornal do Brasil, 3 de junho de 1962, página 18B. _________________________________ 208Figura 54: Jornal do Brasil, 5 de junho de 1962, Caderno B, primeira página. ____________________ 210Figura 55: Mané contrito: Pelé fora de combate, Sérgio Gomes, Jornal dos Sports, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1963. _______________________________________________________________ 213Figura 56: Projeto da Anistia é intocável, Jorge Araújo de Carvalho, Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1979. ____________________________________________________________________________ 216Figura 57: Primeira Página do Jornal Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979. _________________ 217Figura 58: "Qual o Rumo?", fotografia de Erno Schneider vencedora do Prêmio Esso de Fotografia de 1962. ____________________________________________________________________________ 224Figura 59: Folha de São Paulo, 21 de abril de 1961. ________________________________________ 251Figura 60: Jornal do Brasil, 21 de abril de 1961. ___________________________________________ 252Figura 61: Fotografia de Jânio Quadros e Arturo Frondizi publicada na capa do Jornal do Brasil de 21 de abril de 1961. ______________________________________________________________________ 253Figura 62: Primeira página do Jornal do Brasil de 23 de agosto de 1961. ________________________ 257Figura 63: Primeira página do Caderno B, Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1961. ________________ 259Figura 64: Entrega do Prêmio Esso de Fotografia em 1962. O fotógrafo Erno Schneider com a Condessa Pereira Carneiro - dona do Jornal do Brasil - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo. ____ 266Figura 65 - Primeira página do Jornal do Brasil de 14 de abril de 1962. ________________________ 267Figura 66: Reportagem do Jornal do Brasil em 14 de abril de 1962, p. 4. _______________________ 269Figura 67: Erno carregado em comemoração à vitória do Prêmio Esso - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo. ________________________________________________________________ 271Figura 68: Reprodução da página do site www.premioesso.com.br. Acessado em 11/05/2012. _______ 274Figura 69: Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, 2011 ________________________________ 278Figura 70: Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, foto de Vitor Silva, Jornal do Brasil, 2011 _ 278Figura 71: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Luiz Carlos Murauskas, FolhaPress, 2012 _ 278Figura 72: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Sérgio Lim, FolhaPress, 2011 __________ 278Figura 73: Dunga, técnico da seleção brasileira em 2010, foto do Correio Braziliense _____________ 279Figura 74: Dilma Roussef, presidente do Brasil, foto de Carlos Moura, Correio Braziliense, 2011 ____ 279
12
Figura 1: Anúncio do Prêmio Esso de Jornalismo de 1971.
O objetivo deste trabalho é refletir sobre o fotojornalismo contemporâneo no Brasil a
partir do Prêmio Esso de Fotografia. A hipótese central a ser desenvolvida é a de que a
criação e manutenção de um concurso especializado, patrocinado pela empresa
petrolífera Esso, voltado para o fotojornalismo constituiu-se como um dos aspectos que,
em conjunto com outros fatores como a modernização da empresa jornalística, as
mudanças de fundo tecnológico e a valorização do fotógrafo, influenciaram a
consolidação da fotografia na imprensa diária no Brasil.
Para compreender os processos históricos que apoiaram a consolidação da atividade
fotográfica na imprensa contemporânea do Brasil o recorte cronológico da pesquisa
compreende os períodos de 1960 a 1979. A partir desse recorte, que abarca a primeira
participação de uma fotografia no prêmio até o início do processo de abertura política
no Brasil, as imagens que venceram o Prêmio Esso de Fotojornalismo são analisadas,
buscando compreender os critérios que levaram umas a serem escolhidas em detrimento
de outras.
Introdução
13
Primeiramente, a própria criação de uma categoria específica para julgar e premiar
exclusivamente fotografias, na edição de 1961 do concurso, já revela o reconhecimento
de um movimento crescente de inserção da imagem técnica em espaços cada vez mais
privilegiados nos jornais diários. Movimento este que tem na década de 1950 um
importante ponto de inflexão da relação da linguagem fotográfica com o texto1
Ao mesmo tempo, pode-se considerar que o prêmio, ao organizar, reconhecer e difundir
uma ideia de fotografia de imprensa excepcional - digna de ser homenageada - também
contribuiu para a formação do fotojornalismo como campo de atuação, tanto em relação
a notabilidade e distinção conferida aos seus vencedores quanto na configuração de uma
linguagem própria que distingue a fotografia de imprensa das demais, difundindo
protocolos de visualidade e compartilhando práticas consideradas superiores, o que irá
ter também um papel no processo construção da identidade do fotojornalista e de sua
prática profissional.
, embora
as fotografias àquele momento já figurassem em profusão nas Revistas Ilustradas,
começariam nessa época a fazer parte também do cotidiano dos jornais diários.
O primeiro capítulo do trabalho se dedica a falar sobre o Prêmio Esso e a sua
importância para reconhecimento profissional do fotojornalista. O conjunto de fontes
utilizado nessa parte da pesquisa contou com depoimentos de fotógrafos que atuaram na
imprensa no recorte proposto pela pesquisa - 1960 a 1979 - e com jornais da época. A
utilização dos depoimentos procura compreender as práticas e experiências
compartilhadas e o universo profissional de atuação desses fotógrafos (formação, acesso
aos equipamentos, entrada na profissão, tratamento dispensado aos fotógrafos), bem
como inferir acerca das mudanças que ocorrem na imprensa diária que levam a uma
valorização do fotógrafo e, claro, a participação do Prêmio nesse cenário. A maior parte
das entrevistas utilizadas estão depositadas no LABHOI (Laboratório de História Oral e
Imagem) da Universidade Federal Fluminense e foram realizadas no âmbito de projetos
de pesquisa ligados à memória do fotojornalismo no Brasil contemporâneo2
1 LOUZADA, Silvana. Prata da Casa. Fotógrafos e Fotografia no Rio de Janeiro (1950 – 1960). Tese de Doutorado, Niterói, 2009, p. 13.
.
2 Tais projetos tem como objetivo incorporar, na pesquisa histórica sobre o fotojornalismo contemporâneo, narrativas sobre a prática fotográfica traduzidas em memórias de vida e relatos de profissão por meio das fontes orais. São eles: O Olho da História: fotojornalismo, cultura e memória nacional no Brasil Contemporâneo (1945-1964) (CNPq 2000-2002), Memórias do Contemporâneo: narrativas e imagens do fotojornalismo no Brasil do século XX (CNPq 2005-2008), Através da Imagem: história e memória do fotojornalismo no Brasil contemporâneo (CNPq 2002-2004) e O olhar engajado: prática fotográfica e os sentidos da história, Brasil 1960-1990, (CNPq 2011-2014).
14
As fontes textuais, pesquisadas em jornais e revistas serviram como base para
compreender um pouco da história do prêmio, a motivação de sua criação; a memória
construída pela Esso em torno dele; as regras para competição e, de alguma maneira, a
importância que os veículos de comunicação dispensavam ao concurso. Os trabalhos
acadêmicos sobre o Prêmio Esso são poucos e em quase 100% dos casos tem como foco
a premiação destinada aos jornalistas, com destaque para a tese de Marcio Castilho "Um
patrimônio dos próprios jornalistas: o Prêmio Esso, a identidade profissional e as
relações entre imprensa e Estado (1964-1978)". Existem ainda três livros sobre o
programa institucional da Esso, cuja publicação foi patrocinada pela própria companhia,
de caráter memorialista e que procuram reforçar a relação de compromisso que a Esso
estabelece com a imprensa nacional ao editar uma premiação reconhecida e conceituada
de interesse de toda a classe profissional. São edições comemorativas dos 25, 40 e 50
anos do Prêmio Esso, lançados em 1980, 1995 e 2005 , respectivamente.
Em virtude disso, a primeira parte do capítulo 1 traz um pouco da história do Prêmio
Esso, considerando a atuação da empresa no Brasil, a sua estreita relação com a
imprensa e a publicidade, enfim, buscado compor um quadro do contexto histórico que
levou uma multinacional petrolífera instalada no Brasil desde 1917 a criar e promover
de um programa institucional destinado a julgar e premiar os profissionais de imprensa
no país.
O Prêmio Esso de Jornalismo, originalmente chamado de Prêmio Esso de Reportagem,
foi criado em 1955, como um programa da empresa que objetivava homenagear os
jornalistas que mais se destacassem no cenário profissional ao longo de um ano -
intervalo em que se realizavam as edições do concurso. A ideia de criar um concurso
voltado para a classe jornalística estava, na época, profundamente vinculado a uma
tentativa da empresa de se reaproximar desses profissionais, além de fazer um trabalho
de valorização de sua marca, consideravelmente depreciada, em virtude das acusações
destinar verbas publicitárias à imprensa em troca da veiculação de reportagens de seu
interesses na disputa pela questão do petróleo. O prêmio, então, foi pensado para
associar à marca Esso valores positivos como compromisso, imparcialidade,
objetividade e isenção, caros que eram a nova e moderna imprensa que vinha se
delineando como horizonte no contexto dos anos 1950.
No bojo da disputa sobre a questão do petróleo, em que a Standart Oil (Esso do Brasil)
estava diretamente envolvida representando os interesses estrangeiros, a companhia foi
15
acusada de tentar manipular os órgãos de imprensa para que produzissem notícias
contrárias a proposta nacionalista, defendida pelo governo Vargas. Instaurou-se
inclusive uma CPI em 1947 para apurar as relações escusas que a empresa mantinha
com determinados grupos de comunicação financiando através de verbas publicitárias a
veiculação de notícias favoráveis aos seus interesses. Ao final desse processo a imagem
da empresa encontrava-se muito desgastada, e, com o sucesso da proposta nacionalista,a
marca não inspirava mais confiança, especialmente entre os donos de jornais e revistas,
já que muitos veículos foram investigados pelo governo na CPI.
Assim, em 1955, dois anos após a criação da Petrobras, e por iniciativa do jornalista
Ney Peixoto do Valle, que se inspirou no Pulitzer - programa mantido pela Universidade
de Columbia nos Estados Unidos - uma versão abrasileirada do prêmio destinado a
reconhecer os melhores trabalhos jornalísticos do país é criada pela Esso, sendo
organizado em uma parceria habilmente constituída com a ABI (Associação Brasileira
de Imprensa) - presidida à época por Hebert Moses. Devido ao descrédito em relação a
petrolífera a chancela da ABI foi uma maneira encontrada pelo próprio Ney Peixoto do
Valle de conferir credibilidade ao programa institucional da Esso e minar a desconfiança
que parte da classe jornalística tinha em relação à empresa. Todo o processo de
organização, seleção da comissão julgadora e premiação ficou a cargo da ABI, que
institui a grande marca do concurso divulgada até hoje pela companhia: "ter jornalista,
julgando e premiando outro colega jornalista". Era uma conquista que simbolizava o
reconhecimento do bom trabalho feito por seus pares, ou seja, referendado pelo grupo
ao qual você pertence.
Na edição do Esso de 1960, uma fotografia aparece como intrusa na relação dos
homenageados. Na ausência de uma premiação específica, a imagem “Acontecimento
em Aragarças”, do fotógrafo Campanella Neto, da Revista Mundo Ilustrado, recebe um
Voto de Louvor da comissão julgadora pela relevância e expressividade da cena, ao
melhor estilo fotojornalismo heroico - testemunha ocular da história, que retrata o
momento da prisão de alguns participantes de uma rebelião, promovida por oficiais da
Aeronáutica, contrária ao governo de Juscelino Kubistchek e a sucessão presidencial
que ocorreria no ano seguinte quando assumiu Jânio Quadros
16
Campanella Neto, em um depoimento publicado no livro “50 anos do Prêmio Esso de
Jornalismo”3, diz que além de agradecer a Deus em primeiro lugar, deve tudo o que
conseguiu profissionalmente à Esso e ao título que recebeu pelo reconhecimento do seu
trabalho. Como ele outros fotógrafos afirmam essa importância do Prêmio para suas
trajetórias profissionais, avaliam que a homenagem e a distinção conferida pela vitória
num concurso que era cobiçado por todo jornalista foi um elemento que catapultou
carreiras e transformou o papel dos fotógrafos consagrados dentro das relações
hierárquicas estabelecidas nas redações dos jornais. Se antes, como diz o fotógrafo Erno
Schneider, o redator se considerava o dono do fotógrafo4
O Esso potencializa, e por isso constitui-se como fator importante, essa alteração na
escala de valores entre redator e fotógrafo, ao conferir ao profissional da imagem um
título de distinção, que reconhece seu mérito profissional e é compartilhado pela
comunidade de jornalistas como válido. Tal reconhecimento serve como um fator de
equilíbrio na balança da valoração que pendia para o lado dos responsáveis pelo texto,
cuja habilidade com as letras num país de iletrados lhes conferia a distinção social e
profissional
, com a nova configuração do
jornalismo e com a valorização da imagem como suporte de informação, o fotógrafo
começa a ganhar espaço, reivindicar melhores salários, condições de trabalho e maior
autonomia para exercer sua prática. O fotojornalismo começa a se constituir como
campo profissional dentro do reduto do texto - o jornal diário - e a partir de então a
expansão é inevitável.
5
Esse é o caso de Erno Schneider, que após a vitória no Esso de 1962, passa a usar seu
prestígio para melhorar a condição de trabalho do fotógrafo de imprensa. Trabalhando
. O fotógrafo, que na maioria dos casos não dispunha de capital cultural
acumulado formalmente em instituições de ensino, tampouco provinha das classes mais
abastadas da sociedade, ganhava com o título concedido pelo Prêmio Esso o capital
simbólico que os distingue dos demais e aumenta seu peso na disputa hierárquica dentro
das redações. O fotógrafo consagrado com o Esso entra na redação de outro maneira e
irá compartilhar seu espaço de trabalho com redatores que nunca ganharam prêmios de
distinção - e o Esso é o topo a ser atingido nesse quesito - e talvez nunca os ganhe.
3 Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo. Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 12. 4 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida à Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF). 5 LOUZADA, Op. Cit., p. 76.
17
no Jornal do Brasil, à época - que era também o reduto do fotojornalismo no Rio e o
posto de trabalho mais cobiçado pelos fotógrafos e aspirantes - passa a ser disputado por
outros veículos, pois ter profissionais consagrados em seus quadros e vislumbrar a
chance de ganhar um Esso também tornara-se objetivo dos jornais e revistas, ávidos por
atestar suas qualidades perante os concorrentes. Erno vai para o Correio da Manhã e
confirma seu prestígio com o pioneirismo da fundação de uma editoria de fotografia no
jornal em questão, sendo ele o primeiro fotógrafo a ocupar o cargo de editor de
fotografia no país6
A partir dos conceitos de campo, distinção e capital simbólico desenvolvidos pelos
sociólogo francês Pierre Bourdier
. Vários fotógrafos se referem a atuação de Erno junto às empresas
como uma referência no processo de valorização do fotojornalista, citando conquistas
como a melhoria de salários (os fotógrafos que foram trabalhar com Erno no jornal O
Globo ganhavam mais que os redatores), o investimento em equipamentos mais
modernos e portáteis; e a atenuação da hierarquia que preconizava o redator em
detrimento do fotógrafo. A imagem é o novo paradigma da imprensa diária, pois além
de comunicar, vende jornal e isso é imprescindível para o sucesso das empresas
jornalísticas no país.
7
O Esso contribuiu com a mudança na relação profissional do fotógrafo, mas também
influenciou no processo que estabeleceu a fotografia jornalística como linguagem. Esse
é o tema do segundo capítulo. Nessa parte, o foco recai sobre as imagens vencedoras do
Esso, que serão analisadas segundo a abordagem histórico-semiótica
, configura-se o argumento desenvolvido nesse fase
do trabalho. Defende-se que a distinção conferida pela conquista de um Esso representa
um capital simbólico que foi utilizado para promover uma reconfiguração na hierarquia
das redações, se não invertendo a lógica que privilegiava o redator, pelo menos
equiparando às posições entre este e os profissionais da imagem, no campo jornalístico.
8, com destaque
para a noção de foto-ícone:fotografias que pela conjugação de expressividade, conteúdo
e contexto ganham uma face pública e se relacionam com a noção de acontecimento
histórico9
6 MAUAD, Ana Maria. Memórias do contemporâneo, a trajetória de Erno Schneider em foco. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/27/07.html, acessado em janeiro de 2013.
.
7 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 8 MAUAD, Ana Maria. Poses e flagrantes: Ensaios sobre História e Fotografia. Niteroi: EdUFF, 2008. 9 MAUAD, Ana Maria. Foto-ícones, a História por detrás das imagens: Considerações sobre a narratividade das imagens técnicas, 2006.
18
A abordagem procura reconhecer sobre qual tipo de fotografia de imprensa era
concedido o atributo de extraordinário, que lhe afiançaria título de distinção em relação
a todas as outras publicadas em jornais e revistas naquele ano. O que fazia dessas
imagens especiais, sem contudo perder a dimensão da informação? Pois elas não eram
fotografias amadoras, artísticas ou publicitárias, tinham o propósito da notícia, de
organizar e figurar uma visão de mundo, e ainda transmitir uma mensagem. Serão
levados em consideração, portanto, os critérios de julgamento que selecionavam
algumas imagens em detrimento de outras, refletindo sobre em que medida as
características valorizadas pelas comissões julgadoras do Prêmio Esso criaram
protocolos visuais legitimadores e definidores do fotojornalismo como linguagem.
A análise será feita com uma série de imagens arrolada na lista que relaciona os
premiados do concurso promovido pela Esso, entre os anos de 1961 e 1979. O que
constitui um conjunto de 42 imagens, englobando as vencedoras do prêmio principal e
as agraciadas com menções honrosas, votos de louvor ou, ainda, homenagens nas
categorias regionais - a partir de 1966 o prêmio muda sua configuração e cria categorias
regionais de premiação, com comissões julgadoras por estado.
A série é bastante heterogênea, com temáticas diferentes, composições distintas, planos
e enquadramentos variados e enfocando aspectos diferentes dos recursos fotográficos
disponíveis, tanto em termos de técnica quanto de assunto. Ou seja, ora são mais
plásticas e dinâmicas, ora mais estáticas e dramáticas, ou ainda, em alguns casos
valorizam o furo, a presença do fotógrafo documentando um acontecimento histórico e
em outros apelam a subjetividade. Incluindo-se as fotografias irônicas, que recorrem a
figuras de linguagem e, ainda, as que valorizam o flagrante e são podem ser
consideradas a representação típica da fotografia na era do instantâneo.
O terceiro e último capítulo deste trabalho toma uma única imagem vencedora do
Prêmio Esso e tece uma análise acerca de três dimensões da mensagem fotográfica: o
fotógrafo, o fotografado e a fotografia. Essa abordagem está pautada na investigação da
trajetória "de vida" da imagem10
10 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha – sugestões para um estudo histórico. Tempo, Niterói, v.7, n. 13, p.131-151. 2002.
,e objetiva refletir acerca da fotografia de imprensa
como objeto da cultura material e seu papel na configuração do espaço público. Ou seja,
quais seriam as implicações da publicação de uma imagem cuja função é noticiar fatos
na forma de ver e agir dos sujeitos sociais que interagem com ela e participam de seu
19
circuito? Pensando ainda na fotografia como objeto pertencente à cultura material, como
a sua existência é condicionada por diversos fatores que podem levá-la a nunca tornar-
se pública11
A fotografia escolhida para essa abordagem é a imagem "Qual o Rumo?", do fotógrafo
Erno Schneider, publicada de uma forma inusitada no Jornal do Brasil e vencedora do
Prêmio Esso de 1962. A escolha dessa fotografia é significativa, pois ela pode ser
considerada um marco no que diz respeito as transformações que levaram a fotografia
aos espaços privilegiados dentro dos diários de notícias. Na edição do Esso de 1962,
pela primeira vez um jornal diário tem seu trabalho fotográfico reconhecido como
vitorioso e a partir do prestígio alcançado por Erno com a conquista, sua atuação dentro
do campo reconfigura a correlação de forças entre profissionais da imagem e do texto
dentro das redações. Além disso, a fotografia do presidente Jânio Quadros com os pés
apontando para direções opostas - que fica meses perdida em algum fundo de arquivo, e
vem a público no exato momento em que as contradições (ou a falta de rumo) de seu
governo se agudizam profundamente, levando a renúncia do mandato presidencial - é
certamente uma das mais famosas feitas no âmbito do fotojornalismo nacional e
também uma das mais citadas. Não são poucas as imagens de políticos retratados na
mesma situação de Quadros, parafraseando a fotografia de Erno, que tornou-se um
ícone de tropeço e indefinição política, e resgatando sua história e atualizando seus
significados.
. Quais as apropriações possíveis e como a cada interação sua significação
se transforma? Em suma, quantas imagens cabem em uma fotografia?
A fotografia não foi publicada para noticiar um assunto, embora a conjuntura houvera
sido extremamente favorável. “Qual o Rumo?” é ela mesma a notícia, na primeira
página do Jornal do Brasil de 23 de agosto de 1961. A fotografia veio à publico em uma
exposição de fotojornalismo promovida pelo Jornal do Brasil como uma das iniciativas
de valorização da atividade - que tornara-se o carro-chefe do periódico e era, tanto
quanto outros assuntos, pauta para diversas páginas didáticas e de auto-promoção, que
falavam sobre a apuração técnica e estética das imagens veiculadas pelo JB. Muitos
fotógrafos, em depoimento confirmam essa vocação do JB para a linguagem
fotográfica, que estava em "outro nível", "era brincadeira" - "não tinha para ninguém".
O valor conferido a imagem, a busca pela "foto diferente", exclusiva, original e
11 EDWARDS, E. & HART, J. Introduction: Photographs as objects. In.: "Photoghaphs Objects Histories". Londres: Routledge, 2009, pp. 1-14.
20
expressiva, refletia também nos fotógrafos do jornal, que estavam entre os mais
prestigiados no cenário do fotojornalismo à época, além de ser um posto cobiçado pelos
demais.
O sucesso da imagem foi tanto, e, é claro, estava tão em sintonia com a conjuntura
política e social do país, que, como afirma Erno - seu autor - toda semana era roubada
da exposição e uma equipe tinha que ir repô-la12
Ao desmontar o ato fotográfico e inserir na análise a dimensão da experiência procurou-
se refletir sobre a importância da imagem técnica na configuração de uma cultura visual
ligada ao fotojornalismo. Ao mesmo tempo, investigar se e como essas imagens são
capazes de adensar temporalidades e espaços distintos em um único objeto, distanciando
a fotografia do conceito de representação do real. Pois, se a fotografia registra uma
acontecimento ela também constrói vários deles e através da sua existência e trajetória
promove encontros capazes de conformar olhares, enquadrar memórias e ser um agente
nos processos de produção de sentido da história.
. Além disso, não fosse o sucesso da
exposição a fotografia poderia não ter sido publicada - como foi, na primeira página do
segundo caderno do JB do dia 23 de agosto de 1961 - e, assim sendo, não poderia ser
inscrita para concorrer ao Esso e o resto da história poderia ser completamente
diferente.
12 SCHNEIDER, Erno. Entrevista, 2008, concedida à pesquisadora Silvana Louzada.
21
Figura 2: Acontecimento em Aragarças, fotografia de Campanella Neto para a Revista Mundo Ilustrado - Voto de Louvor no Prêmio Esso de Reportagem, 1960
Quando o repórter Mário de Morais13
Este capítulo busca fazer uma abordagem acerca das motivações que levaram uma
empresa multinacional instalada no Brasil desde 1912 – a Standard Oil of New Jersey –
a criar um concurso voltado para a imprensa e seus profissionais. Para tanto, dois
períodos são de fundamental importância na tentativa de compreender a atuação da Esso
no Brasil. O primeiro está delimitado entre o final da década de 1930 e a metade da
década de 1940, em que, possibilitado pelo estreitamento das relações Brasil-Estados
Unidos, sob a tutela do Estado Novo e da “Política da Boa Vizinhança”, ocorre a
desmaiou de emoção porque leu em “O Jornal”
que havia sido o primeiro ganhador do Prêmio Esso de Reportagem com uma matéria,
capa da revista O Cruzeiro, sobre a viagem de migrantes nordestinos nos caminhões
paus-de-arara, o Brasil era o país do futuro e a certeza que começava a se delinear em
toda a sociedade era a dos rumos aos quais a modernidade levaria. O ano era 1956, o
presidente Juscelino Kubitschek e seus “50 anos em 5” simbolizavam a promessa,
voltada para o futuro, de modernização. Ao mesmo tempo se configurava como um
indicador das transformações sociais, advindas do processo de desenvolvimento
iniciado nos anos do Estado Novo, que modificou os padrões econômicos e sociais.
13 Mário de Morais, à exceção da maioria dos fotógrafos nasceu em uma importante família de juristas do Rio de Janeiro, e começou a fotografar para poder fazer coberturas internacionais na revista O Cruzeiro. Atuou como fotógrafo, formando dupla com Ubiratan Lemos, na produção da matéria "Uma tragédia brasileira", consagrada com o primeiro Prêmio Esso de Reportagem em 1955, que combinava texto e fotografia para narrar a viagem de um caminhão pau-de-arara do Nordeste até a Baixada Fluminense no Rio de Janeiro.
Capítulo 1
A fotografia
ganha o Esso
22
entrada no país de empresas americanas de grande porte. Ávidas por expandir as
maravilhas do American Way of Life, por meio da conquista do mercado latino-
americano, essas empresas ingressam no Brasil e constroem suas bases juntamente com
agências de publicidade privadas, como a McCann-Erickson, e agências governamentais
norte-americanas como o Office of Coordinator of Inter-America Affairs. Esses atores
tiveram uma participação bastante ativa junto à imprensa nacional ao longo de seu
processo de modernização14
O segundo período a ser destacado, está demarcado nos anos após a Segunda Guerra,
mais especificamente entre o fim da década de 1940 e o início da década seguinte, e traz
no seu bojo uma questão que mobilizou todo o país à época: o projeto de nacionalização
da exploração do petróleo. De um lado, figuravam os interesses da empresa estrangeira,
a fim de garantir as reservas brasileiras de extração de petróleo e, ao mesmo tempo,
expandir o mercado consumidor do produto aos países do Sul da América, de outro, o
projeto nacionalizante do governo Vargas, que se empenhou na mobilização social com
a campanha “O Petróleo é Nosso”, visando ao monopólio estatal da exploração de
petróleo no Brasil. Diante da conjuntura do período, alguns dos principais órgãos de
imprensa do país, comprometidos com o aporte de recursos publicitários das
multinacionais, dentre elas da Standard do Brasil, posicionaram-se ora omitindo notícias
relacionadas ao tema, ora contrariando a proposta de nacionalização do governo e, em
alguns casos, disferindo ataques pessoais a figura do presidente Getúlio Vargas.
.
A partir disto, este capítulo procura traçar um panorama da história da Standard Oil
Company, contextualizando a sua atuação no Brasil nas décadas de 1940 e 50, tendo em
vista as motivações que a levaram a criar o Prêmio Esso. Neste período, por intermédio
da parceria com a agência publicitária McCann-Ericksson, as relações da empresa com
a imprensa nacional se estreitaram e forneceram suporte, financeiro essencialmente, a
modernização do setor. Além disso, a investigação acerca da trajetória da empresa no
país fornece subsídios para compreensão da nova tônica da propaganda institucional
implementada pela Esso, concretizada com a criação do Prêmio de Jornalismo.
Finalmente, este capítulo procura contar a história da premiação destacando o momento
em que a fotografia passa a contar com uma categoria específica dentro do concurso, 14 MONTEIRO, Erica Gomes Daniel. Quando a Guerra é um negócio: a cooperação das empresas privadas norte-americanas nos projetos desenvolvidos pelo governo F.D. Roosevelt para a América Latina no contexto da II Guerra Mundial, Tese de doutorado apresentada ao PPGHS, sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Fico.
23
julgada segundo critérios próprios e, sobretudo, analisada por uma comissão julgadora
formada também por fotógrafos profissionais. Deste a menção honrosa concedida, em
1960, a “Acontecimento em Aragarças”, fotografia de Campanella Neto para a revista
Mundo Ilustrado, passando por fotografias marcantes, como “Qual o Rumo?” de Erno
Schneider para o Jornal do Brasil – analisada no capítulo 4 – até a publicação de
coletâneas como os livros que trazem a memória dos 40 e 50 anos do Prêmio Esso, a
relação deste com o fotojornalismo constitui-se como um fator relevante no processo de
valorização profissional do fotógrafo de imprensa. Além disso, também se caracterizou
como um elemento indicador das tendências que, discutidas ao longo do processo de
consolidação do fotojornalismo brasileiro, balizariam os parâmetros definidores da boa
fotografia jornalística. De um modo recíproco, tanto a expansão da fotografia no
periodismo diário motivou a criação de um concurso especializado, quanto as imagens
vencedoras inseriram no circuito do fotojornalismo novos critérios para se pensar a
própria fotografia de imprensa.
1.1. A Esso e o Prêmio
O status de uma das maiores empresas do mundo conferido a Esso começa a ser
esboçado 1870, quando o americano John Davison Rockefeller e mais quatro sócios
fundam a Standard Oil Co.. Criada no contexto do capitalismo monopolista, numa
época em que o desenvolvimento das técnicas e tecnologias da indústria estavam sendo
forjadas por idéias advindas da racionalização do trabalho e do cientificismo positivo, a
companhia assume, rapidamente, o controle das transações que envolviam extração,
refino e distribuição de petróleo nos EUA. Em 1890, o grupo Rockfeller já havia
consolidado o seu monopólio sobre o produto que daria a tônica do século XX, com a
concentração de 30 corporações e uma abrangência no mercado que pode ser observada
no quadro abaixo.
Transporte Mais de ¾ do petróleo de Ohio, Pensilvânia e Indiana
Refino Refinava o equivalente a ¾ do óleo cru do país inteiro
Vagões de trem Tinha 50% dos vagões cisternas do país, especiais para o transporte do petróleo
Abastecimento Era responsável pelo fornecimento de 9/10 dos lubrificantes
24
ferroviários
Frota Tinha 75 vapores e 19 veleiros adaptados para servir como petroleiros
Tabela 1 – A Esso em Números. Fonte: Daniel Yergin - Historia del Petróleo, 1992, pág. 146
A rápida ascensão de John D. Rockfeller no mundo dos negócios acompanhou o
avassalador processo industrializante, que após Guerra de Secessão transformou não só
os hábitos como também a paisagem dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que, na
virada do século XIX para o XX, os ares da industrialização eram responsáveis pela
crescente urbanização e modernidade, também expuseram suas contradições e
trouxeram com suas mazelas a atmosfera necessária para o desenvolvimento do que foi
chamado movimento progressista, cujas preocupações serão institucionalizadas através
do New Deal. Em meio a isso tudo, diante da pressão exercida por uma opinião pública,
incipiente, porém mobilizada, o então presidente Theodor Roosevelt, em 1906, inicia
um processo judicial contra a Standard Oil Co. sob a acusação ferir o Sherman Antitrust
Ac15t, através da concentração de empresas sob uma única marca. Em 1911, o grande
monopólio de Rockfeller se pulveriza por determinação da Suprema Corte Federal
diante da ratificação da sentença proferida em 1909 que acusava a empresa da formação
de truste16
O poderio do empresário no setor petrolífero continuaria a ser exercido, agora sob
diversas e distintas fachadas, dentre as quais a da Standard Oil of New Jersey (mais
tarde Exxon), que foi a empresa escolhida para ser a marca que levaria para a América
Latina, incluindo o Brasil, os benefícios do progresso e do bem estar, difundindo o
American Way of Life e alinhando-se à propaganda da política da Boa Vizinhança. No
entanto a questão que toma corpo à época tem uma estreita relação com a manutenção
do controle das possíveis reservas de petróleo do restante da América, tendo em vista a
estagnação da descoberta de novos poços nos Estados Unidos. Junto com outras seis
majors do petróleo – BP, Royal Dutch/Shell, Chevron, Texaco, Gulf e Mobil – a
Standard Oil of New Jersey compôs o mundialmente influente grupo das Sete Irmãs.
.
15 A Lei Antitruste Americana foi formulada pelo senador John Sherman e aprovada pelo congresso americano em 1890. A nova legislação visava à regulação do mercado empresarial e ao estímulo da competição, impedindo a crescente expansão da formação de trustes - empresas que monopolizam determinado setor do mercado e devido a sua estrutura financeira e seu tamanho conseguem ditar as regras de compra e venda de mercadorias. 16 WEY, Hebe. O Processo de Relações Públicas. São Paulo: Summus, 1983.
25
A instalação da Standard Oil of New Jersey no Brasil foi autorizada pelo presidente
Hermes da Fonseca, através de um decreto assinado em 17 janeiro de 1912. Embora
suponha certa incongruência a representante de uma indústria de petróleo de porte
mundial fincar bases em um país que mal possuía estradas e automóveis, adotando o
nome de Standard Oil Company of Brazil a empresa iniciou suas atividades, pioneiras
no país, com a comercialização de “kerozene” e “gazolina” vendidos em tambores ou
tonéis. Mais tarde lançou-se na produção de outros produtos químicos como inseticidas
domésticos, produtos agrícolas, aditivo para lubrificantes, dentre outros17
Desde sua chegada ao Brasil a empresa americana Standard Oil participou e
influenciou, juntamente com outras multinacionais, diversas esferas da sociedade
brasileira. Introduziu mudanças que vão desde as necessidades de consumo, atrelando
desenvolvimento de tecnologias e propaganda, até as transformações que permearam as
comunicações e a difusão da informação através de sua ativa participação junto à
imprensa nacional. Dos anos que sucederam a instalação da empresa da família
Rockfeller no país, o período correspondente ao primeiro governo de Getúlio Vargas
serão de fundamental importância para a análise das relações entre o empresa, imprensa
e propaganda.
.
O primeiro governo Vargas, em especial a década de 1940, é de substancial importância
para a história nacional por caracterizar-se como um período de intensas mudanças que,
dentre tantos símbolos criados, fundou a idéia de revolução da sociedade brasileira.
Após 1930, o Brasil deixaria de ser a república capitaneada pela aristocracia rural e
caminharia rumo ao desenvolvimento industrial e a modernização. A ascensão de Vargas
ao poder em 1934 e a instituição do Estado Novo em 1937, corroborariam e
acentuariam essa perspectiva, personificando, na figura do líder da chamada
“Revolução”, a imagem de país do futuro.
À abordagem que se seguirá não cabe discutir os pormenores da Revolução de 1930,
refletindo acerca de seu legado para uns transformador e para outros continuístas.
Tampouco faz parte dessa proposta ocupar-se em empreender um estudo aprofundado 17 Sobre a história da Standard Oil: SCHIFFRIN, Anya e TSALIK, Svetlana (orgs.). Reportando o Petróleo: Um Guia Jornalístico sobre Energia e Desenvolvimento. Revenue Watch, Open Society Institute. Disponível em: http://www.revenuewatch.org/reports/072305po.pdf Acessado em: junho/2006. e SILVA, Ademir Brandão. Gestão ambiental na indústria: uma avaliação do comportamento dos setores químico e petroquímico com relação aos passivos ambientais e os problemas causados em torno da Baía de Guanabara. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 2001. Disponível em: http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00004203&lng=pt&nrm=iso. Acessado em: junho/2006.
26
do governo exercido por Vargas. No entanto, afim de melhor elucidar a trajetória da
Esso no Brasil, torna-se imprescindível mapear, ao longo do período, os setores em que
a atuação da empresa foi responsável por transformações nos padrões até então
vigentes. Assim como, também se torna relevante entrecruzar essas informações com os
pressupostos introduzidos pela Política da Boa Vizinhança, que impuseram diretrizes
novas no que tange os hábitos e costumes no Brasil18
Pelos rumos da política econômica do governo Vargas, é possível observar a
preocupação com a reestruturação do sistema produtivo brasileiro, de modo a diminuir a
dependência do modelo agrário exportador, inflado pelos latifúndios cafeicultores, e
investir num projeto de industrialização que pudesse ancorar, através da criação de
indústrias de base, o futuro da produção fabril nacional, até o momento, representada
pela incipiente empresa de produção de bens de consumo. Tal tarefa, embora ganhasse
destaque como alternativa para o desenvolvimento econômico frente a grande crise
mundialmente difundida pela quebra da bolsa de Nova York, esbarrava na própria
fragilidade do sistema econômico vigente, uma vez que dependia dos dividendos
gerados pela exportação de café, ao mesmo tempo em que necessitava desestimular sua
produção.
.
A chamada “industrialização restringida”, como ficou conhecido o processo de
desenvolvimento do setor, dada sua dependência do antigo sistema econômico, durante
o governo Vargas, foi levada a cabo através da forte intervenção do Estado junto aos
instrumentos econômicos à sua disposição. O governo Vargas criou o Departamento I
(também chamado D. I) para gerir a implantação da indústria de bens de produção e
atuou ele próprio como regulador econômico visando a manutenção das divisas geradas
pela agricultura cafeeira, através da compra dos estoques retidos pelo próprio governo
federal. Além disso, fomentou, através da manipulação das taxas de câmbio, o
investimento na indústria e operou sua própria transformação em investidor nos
empreendimentos produtivos de infra-estrutura.
As mudanças do período pós-30 dinamizaram o processo de industrialização brasileira e
alteraram o quadro dos setores produtivos, fazendo com que
18 MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Graal, 1985, p. 24. e OLIVEIRA, Francisco de. Crítica a Razão Dualista & Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 30.
27
as indústrias de base – metalúrgica, mecânica, de material elétrico e
de transporte – dobraram sua participação no total do valor
adicionado da indústria, enquanto que as tradicionais – textêis,
vestuário, calçados, alimentos e bebidas – tiveram sua participação
diminuída com relação a 1919.19
Outros aspectos a serem considerados dizem respeito ao estreitamento das relações
entre Brasil e Estados Unidos, através do que se convencionou denominar Política de
Boa Vizinhança. Tais aspectos serão abordados neste trabalho a partir da premissa que a
agenda política instaurada pelo governo do presidente norte-americano Franklin Delano
Roosevelt serviu como um canal para o desenvolvimento da capacidade de intervenção
das multinacionais, entre elas a Standard Oil, no Brasil. Assim sendo, não está sendo
colocado em questão qualquer tipo de relação direta entre os pressupostos levados à
tona pela Polícia da Boa Vizinhança e a criação do Prêmio Esso, até porque a cada um
cabe uma temporalidade distinta com conjunturas também distintas.
Desse modo, a demanda norte-americana por ampliar seu raio de influência – quer pela
força quer pela diplomacia – nas Américas, além de refletir uma perspectiva
característica dos desdobramentos da II Grande Guerra, também está em consonância
com a pretensão empresarial de alargamento das fronteiras do consumo de massa. A
concretização dessas idéias se deu mediante ao investimento e mobilização de um
contingente bastante significativo de recursos, os quais concentraram esforços na
conformação das potencialidades apresentadas pelo mercado consumidor brasileiro,
veiculando, através da propaganda, uma fórmula já testada com sucesso nos Estados
Unidos: o American Way of Life. Diante do desfile dos ícones da cultura norte-
americana que aportaram na América Latina, aos poucos os hábitos e costumes da
sociedade brasileira, ligados, desde então, aos traços culturais europeus (colonizadores e
colonos) foram se modificando e se afinando ao estilo “americano” de vida20
19 MENDONÇA, Sônia Regina de, op. cit., p. 33.
. Como
afirma Moniz Bandeira "as fontes da cultura européia praticamente desapareceram (...)
20 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes ensaios sobre história e fotografia. Niterói: Editora da UFF, 2008, p. 151.
28
Bye, bye-bye, good-bye, big, boy, black-out, night-club, money e outras expressões
entraram na linguagem do cotidiano"21
Os recursos mobilizados para promover a internalização do modo de vida norte-
americano atuaram nos mais diversos formatos de comunicação, tais como, imprensa,
propaganda e entretenimento, contando com a audiência e o poder de formar opinião de
veículos como o rádio, jornais e revistas e o cinema. Pode-se dizer que a criação do
Office of Coordinator of Inter-America Affairs, também conhecido como Bureau
Interamericano, no governo de Frank Delano Roosevelt, foi um dos pilares da Política
de Boa Vizinhança que mediava as relações econômicas e culturais entre Brasil e
Estados Unidos na década de 1940. O órgão, presidido por Nelson A. Rockfeller (neto
do fundador da Standard Oil, John D. Rockfeller), afiançava as ações empreendidas
pelos vizinhos do norte no Brasil e América Latina de modo a garantir adesão destes "à
causa liberal diante da expansão do nazi-facismo ao mesmo tempo que criava uma
reserva de mercado para os produtos norte-americanos durante a Segunda Guerra
Mundial"
.
22
O apelo ao consumo e a invasão dos novos e modernos produtos no mercado brasileiro
foi responsável também pela reformulação do formato e da veiculação da propaganda,
introduzindo novas fórmulas e dispositivos no campo da publicidade. Para tal,
contribuíram em muito a vinda para o país das grandes agências de publicidade norte-
americanas, dentre as quais destacam-se a J. W. Thompson e a McCann-Erickson.
Sendo que, a última, pela ligação que possuía com a Standard Oil, será de fundamental
importância nos rumos tomados pela empresa no Brasil.
. Não é por acaso, que nesta época, a propaganda, assim como seus veículos
tenham sofrido o primeiro grande salto quantitativo e qualitativo no país, e, começa a
ser esboçado a de associação empresa-imprensa-propaganda que irá se consolidar e
aperfeiçoar em seus meios e métodos, principalmente após a chegada da televisão.
Harrison McCann e Alfred Erickson, funcionários da Standard Oil, se desligaram da
companhia para fundar em Nova York, em 1912, a McCann-Erickson. Após o
desligamento da Standard, McCann e Erickson, através da empresa fundada,
continuaram responsáveis pela propaganda da marca nos Estados Unidos. A agência de
publicidade chega ao Brasil em 1935, atraída pelas possibilidades de atuação no novo
21 BANDEIRA, Moniz. Presença do Estados Unidos no Brasil: Dois séculos de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973, p. 310. 22 MAUAD, Op. Cit., 2009, p. 197.
29
mercado em expansão, mas também pela segurança da associação comercial
estabelecida com a petrolífera norte-americana, a qual permaneceu como sua única
cliente em toda América do Sul durante muito tempo.
A participação da McCann-Erickson junto a Standard Oil of Brazil irá muito além da
criação de campanhas publicitárias. A agência vai atuar como um escritório de relações
públicas e ser peça importante nos investimentos feitos pela companhia de difusão das
diretrizes da Política da Boa Vizinhança, através de intervenções na imprensa e no
rádio. O outro componente desse consórcio, que envolvia a agência de publicidade e a
empresa multinacional foi a United Press, agência de notícias considerada o principal
meio de fomento para a imprensa dedicada às diretrizes do pan-americanismo ianque.
Os dois maiores exemplos dessa tríplice parceria à época são a Revista Seleções do
Reader's Digest, a Revista Visão e o famoso noticiário Repórter Esso.
Além de marcar o período áureo da transmissão radiofônica do Brasil, O Repórter Esso,
tornou-se, ao longo da década de 1940, o grande modelo de veiculação de notícias, pois
seu formato, sintético e objetivo, influenciou não só o radiojornalismo, como também a
imprensa. Além disso, o noticiário radiofônico foi o principal instrumento utilizado na
repercussão da ideologia favorável a aproximação entre a América do Norte e a outra
América, seguindo as diretrizes dos países aliados durante a Segunda Guerra,
preconizada pelos Estados Unidos. Tanto que, sua estreia em 1941, coincide com a
entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, após o ataque da base de Perl Harbor e
à ascensão da audiência do Repórter Esso corresponde a trajetória que levou a
consolidação das relações entre Estados Unidos e Brasil.
A abrangência do noticiário era considerável e os índices de audiência expressivos.
Depois da sua estreia em 28 de agosto de 1941, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o
programa ampliou sua participação sendo transmitido também a partir da Rádio Record
em São Paulo. No ano seguinte, mais três emissoras se juntaram a rede de notícias
patrocinada pela Esso: a Rádio Inconfidência, em Belo Horizonte, Minas Gerais; a
Rádio Clube, de Recife, Pernambuco; e a Rádio Farroupilha, em Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul. Além do Brasil, O Repórter Esso também era retransmitido para 14
países da América do Sul e Central por 59 estações de rádio. Quase dez anos depois, o
noticiário adaptou seu formato a um novo meio de comunicar, a televisão. O Seu
Repórter Esso, estreou na TV Tupi do Rio de Janeiro no dia 4 de maio de 1952, onde
permaneceu até 1970. Além do Rio de Janeiro, outras emissoras de televisão no país,
30
como a TV Difusora de São Paulo e a TV Itacolomi de Belo Horizonte, passaram a
transmitir o programa de notícias23
Outro aspecto, que torna o Repórter que se pretendeu “testemunha ocular da história”
objeto de relevância no âmbito da pesquisa desenvolvida neste trabalho, deve-se ao fato
de ter sido o mesmo um dos primeiros e mais eficientes produto da associação empresa-
imprensa-propaganda, marcando, ao mesmo tempo, o interesse e a influência da Esso no
setor das comunicações e da imprensa, o que virá a ser um elemento importante na
criação do prêmio destinado à categoria. Segundo afirma Luciano Klöckner, a
participação da empresa de combustível no programa de rádio não se resumia somente
ao anúncio de seus produtos.
.
A estratégia de associar o nome da empresa a um programa de notícias, transmitido em
emissoras de rádio populares e de âmbito nacional, fazia parte de uma estrutura
publicitária muito utilizada pelas grandes corporações estrangeiras que se instalaram no
Brasil no período e era fruto da parceria entre estas e agências de publicidade24. Tal
estrutura envolvia uma preocupação detalhada com a audiência, normas que buscavam
sempre a padronização e a oferta de notícias seguindo a lógica da venda de mercadorias
que, no caso do Repórter Esso, foi montada para dar suporte ao programa de notícias,
servindo para criar um formato jornalístico que inspirasse imparcialidade e credibilidade
aos ouvintes25
A sugestão de criar um noticiário radiofônico partiu da McCann-Erickson e a supervisão
da agência na redação e edição das matérias que iriam ao ar foi precisa e objetiva: tinha
clara a perspectiva de fazer com que, através dos artifícios da propaganda, a
popularidade e idoneidade que o noticiário representava fosse identificada na imagem
de seu patrocinador. Klöckner afirma que a agência de publicidade era responsável por
manter o padrão de qualidade do noticiário, estabelecendo as regras que deveriam ser
seguidas pelos envolvidos na produção e veiculação do Repórter Esso. Essas regras
visavam reforçar o caráter imparcial do noticioso e normatizar o seu formato,
destacando-se os princípios de "credibilidade, exatidão, pontualidade e vibração na voz
dos locutores"
.
26
23 KLÖCKNER, Luciano. O Repórter Esso: a síntese radiofônica mundial que fez história. Porto Alegre: EDPUC, 2008, p 49-54.
.
24 JUNG, Milton. Jornalismo de rádio. São Paulo: Contexto, 2005, p. 30. 25 KLÖCKNER, Luciano. Op. Cit, 2008, p. 55-61. 26 Idem, p. 56.
31
A McCann-Erickson também foi responsável, juntamente com a United Press, pela
edição um manual, adaptado de uma versão em espanhol, contendo os principais
conceitos e diretrizes que determinaram o formato e marcaram o estilo do programa de
notícias patrocinado pela Esso. Intitulado "Instruções básicas para a produção do
Repórter Esso no radio: orientação geral e sugestões para as estações de rádio, locutores
e a United Press", o manual:
"exigia redação sintética, sem adjetivos e comentários, evitando
notícias longas. A seleção de notícias deveria levar em conta o
interesse coletivo: despertando o interesse do público. Os textos
deveriam ser reduzidos, se todas as notícias fossem consideradas
importantes, adequando-as à área-tempo."27
Como já foi ressaltado, os desdobramentos da década de 1940 no Brasil são importantes
tanto pela análise da trajetória através da qual se deu o desenvolvimento da Esso
Petróleo do Brasil quanto no que diz respeito às mudanças nos campos de imprensa e
propaganda, que aportaram no país juntamente com a entrada das multinacionais,
especialmente as norte-americanas. Com elas a Standard Oil Company of Brazil, mais
tarde Esso, e seu famoso noticiário que instaurou e consolidou a parceria empresa,
imprensa e propaganda. Através do Repórter Esso, posteriormente, serão concebidas as
estratégias de divulgação e promoção das idéias que se coadunam com os interesses da
petrolífera no que diz respeito à sua oposição ao projeto de nacionalização do petróleo
brasileiro, empreendido a partir do governo de Getúlio Vargas. Em meio ao processo de
disputas políticas em torno da questão do petróleo e da normatização de sua exploração
surge mais um programa institucional que aproximou a Esso à imprensa e seus
profissionais: o Prêmio Esso de Reportagem.
Com a década de 1950, teve início o segundo mandato do presidente Getúlio Vargas,
que realizou em quatro anos um governo conturbado sob diversos aspectos, mas,
essencialmente, dentro do campo político. Tais desdobramentos políticos colocaram em
posições antagônicas o governo e as grandes corporações – especialmente a Esso e
outras petrolíferas - naquela que seria a questão do início da década de 1950: a
implantação das políticas de exploração e uso do petróleo no Brasil. Em meio a disputas
27 Idem, p. 57.
32
e crises em torno da questão do petróleo, em 1953, a Petrobras foi criada por Vargas.
Pouco depois, o presidente sucumbe à pressão política e se suicida no fatídico episódio
de agosto do ano seguinte. Da referida década, precisamente no ano de 1955, também
faz parte a realização da primeira edição do Prêmio Esso ou Esso's boy como ficou
conhecido nas redações dos profissionais de imprensa
Mesmo que, inicialmente, os postos transnacionais da Standard Oil of New Jersey
tenham se restringido a criar mercado consumidor para alguns derivados simples de
petróleo, a iminência e a atmosfera tensionada que antecedeu e perdurou durante da
Primeira Guerra, as necessidades da industrialização em expansão e todos os elementos
que compunham a conjuntura internacional no início do século, dotaram o processo de
expansão da petrolífera pelos países da América do Sul de perspectivas de manter
nesses países reservas de petróleo, garantindo a concessão da exploração do bem
material de maior valor comercial e logístico dos “tempos modernos”. Deste modo, a
atuação da empresa no Brasil não diferiu, de modo geral, em intenções e ações das
empreendidas nos vizinhos da parte sul do continente, contando, segundo afirma a
bibliografia sobre o tema28
Um dos muitos exemplos dessa prática ocorreu no Brasil, em 1932, quando o Ministério
da Agricultura contratou o geólogo lituano, especialista em pesquisa de petróleo, Victor
Oppenheim para emitir um parecer decisivo sobre a viabilidade da exploração de
petróleo em terras brasileiras. Apesar dos rumores, que desde 1933 afirmavam a
existência de petróleo na Bahia, o laudo do especialista atestava que o investimento na
prospecção não era viável, visto que a pesquisa comprovara inexistência de petróleo na
região do Recôncavo Baiano (cidade de Lobato). À época, foi grande a especulação
sobre o acumpliciamento entre o técnico e as grandes companhias estrangeiras de
petróleo na omissão de dados, pois em novembro de 1938 a cidade de Lobato começou
a operar seu primeiro poço. E, ainda assim, somente dois meses depois, em janeiro de
1939, foi divulgada a primeira notícia nos jornais.
, com pesquisas de prospecção direcionadas a confirmar a
existência de possíveis jazidas e, visando garantir a manutenção inexplorada de
reservas, a omissão de resultados.
Não pertence ao escopo desta pesquisa fazer uma incursão aprofundada na questão que
sucedeu a disputa pelo controle do usufruto do petróleo no Brasil, até mesmo pela
28 COUTINHO, Lorival e SILVEIRA, Joel. O petróleo do Brasil: traição e vitória. Rio de Janeiro: Livraria Editora Coelho Branco, 1957.
33
complexidade do debate que se alargaria até 1953 com a criação da Petrobrás. A
abordagem dessa temática está pautada, principalmente, no tratamento dispensado pela
imprensa nacional ao desenrolar dos fatos. Mais do que isso, do atuante papel do tripé
empresa-imprensa-propaganda, o qual tratou de investir em uma articulação publicitária
e jornalística com o intuito de conformar na opinião pública a ideia de que a intervenção
de uma companhia estrangeira – a Standard Oil foi a mais proeminente neste aspecto –
na exploração de petróleo no Brasil traria muito mais benefícios ao país do que o
monopólio estatal, difamado pela maior parte dos meios de comunicação29
Tendo isso em vista, pode-se analisar com maior clareza a participação da Esso na
defesa de seus interesses e do futuro de seus negócios no Brasil, lembrando que o país
representava tanto a potencialidade de extração como um vasto e promissor mercado,
ainda inexplorado, dos subprodutos e derivados do petróleo. A disputa entre os campos
nacionalista e estrangeiro na questão do petróleo foi permeada pelos ingredientes de
uma agitada história de bastidores do poder. Do lado das multinacionais, contou com a
pressão exercida em diversas instâncias, que vão desde as manobras políticas junto à
câmara e ao senado até o arremedo de linhas na imprensa acerca das vantagem do
combustível que movia a humanidade. Do lado do governo de Vargas, agora sem os
poderes de censura abolidos com o fim do Estado Novo, as alianças políticas, inclusive
as suprapartidárias, e intensa propaganda institucional nacionalista – com o slogan “o
petróleo é nosso” - através da rádio estatal, caracterizavam a tentativa de aprovação do
monopólio do Estado sobre o controle do usufruto do petróleo.
.
Os tempos de modernidade e democracia pós-guerra que caracterizaram a década de
1950, também foram o período em que se assistiu a intensificação da participação dos
empresários e suas grandes corporações no controle dos meios de comunicação. Esses
são resultados do trabalho Free and a Responsible Press, desenvolvido em Harvard, o
qual aponta para a conclusão de que a sociedade americana apresentava um preocupante
quadro de concentração dos meios de comunicação do pensamento30
29 Apesar da pressão exercida por boa parte da imprensa ao defender os interesses das companhias estrangeiras na questão do petróleo, a disputa era polarizada e alguns jornais como A Noite, Correio da Noite, O Radical e Última Hora eram favoráveis à postura nacionalista. RIBEIRO, Ana Paula Goulart, Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, UFRJ, 2000.
. No Brasil, em um
cenário em que a maioria das grandes corporações são estrangeiras, a relação que estas
estabeleciam com a imprensa não poderiam ser diferentes e o principal mecanismo de
pressão sobre o conteúdo veiculado pelos meios de comunicação era o publicitário, ou
30 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977, pp. 459-468.
34
seja, os altos rendimentos provenientes dos anúncios dessas empresas nos jornais, de
certa forma asseguravam a manutenção da cumplicidade entre os participantes deste
negócio. É importante destacar que a conjuntura imposta nesse contexto é a da transição
da imprensa artesanal à industrial, caracterizada por Werneck Sodré, a qual ao mesmo
tempo em que apresenta os problemas decorrentes da crise do setor, lança as bases do
modelo de jornalismo que irá prevalecer a partir de então.
Neste período a propaganda institucional e os gastos com publicidade da Esso e outras
empresas do ramo crescem em quantidade e em recursos, bem como o número de
agências de publicidade através das quais as corporações financiavam os veículos de
imprensa. O Brasil passou a ter na década de 1950 cerca de 300 mil agências
publicitária, o que é um número expressivo frente às 50 mil que existiam na década
anterior31
Restringindo o foco sobre a companhia Esso Brasileira de Petróleo, essa perspectiva se
estende, uma vez que, além de atuar através dos investimentos publicitários, a
petrolífera intensifica sua participação junto aos meios de comunicação vinculando sua
marca a eles. Deste modo a intervenção da empresa na produção e conteúdo dos
programas que patrocina será feita de maneira direta, e, mesmo a parceria com a agência
McCann-Erickson e a United Press Associations (UPA), não irá garantir a“isenção” e
“imparcialidade” na transmissão alardeada por seus produtores.
.
O mais emblemático exemplo dessa atuação – o noticiário radiofônico O Repórter Esso,
que em 1952, é complementado por sua versão televisiva O Seu Repórter Esso – foi um
dos principais veículos através do qual a companhia multinacional pôde amplificar suas
intenções e interesses. No entanto, ao contrário do que se imagina, com base na
credibilidade conquistada pelo Repórter ao longo dos anos em que esteve no ar e no
sucesso de sua fórmula dinâmica e telegráfica, por decisão da própria Esso, a presença
de reportagens acerca da questão da exploração do petróleo no Brasil foi praticamente
nula durante todo o processo que iria resultar na criação de Petrobrás em 1953. De
acordo com Luciano Klöckner, a estratégia da multinacional no que diz respeito ao
assunto que mobilizou o país durante o início dos anos 1950, correspondeu à supressão
do mesmo das pautas dos principais programas de notícias do país. A posição assumida
nos noticiários patrocinados pela Esso, contrastava com a perspectiva adotada pela
31 RIBEIRO, Ana Paula Goulart, Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, UFRJ, 2000.
35
Rádio Nacional – pertencente ao governo – que teve em 1952 uma produção de matérias
muito superior aos outros anos. Na pesquisa estatística feita por Klöckner, no atípico
ano, justamente devido ao envolvimento da Rádio na campanha “O Petróleo é Nosso”,
foram redigidas 749.554 linhas ou o equivalente a 8.245.094 palavras contra 533.309
linhas em 1951; 636.472 linhas em 1953; 637.661 em 1954; e, em 1954, 678.647
linhas32
Na outra frente aberta pela Standard do Brasil para conter o crescimento da intensa
campanha do governo a favor do monopólio estatal da exploração do petróleo, está o
abastecimento dos principais jornais brasileiros com receitas provenientes de
publicidade. Mas, como publicidade no contexto da comunicação empresarial não
significa apenas o anúncio do produto a ser comercializado destacado no jornal em
espaço destinado a esse fim, matérias como “Petróleo – o fabuloso morador do subsolo”
e “Petróleo – uma epopéia do mundo contemporâneo”
.
33
A crise política esboçada no processo de nacionalização do petróleo se intensificou com
o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954. No entanto, antes disso, em 1953, foi
criada a estatal Petrobrás para gerir, em regime de monopólio, a exploração do petróleo
em solo brasileiro. Muito além da empresa, a Petrobrás, erigiu-se e constituiu-se ao
longo dos anos posteriores como mais um dos símbolos nacionais, talvez o último, do
governo Vargas.
, ambas publicadas no Diário
de Notícias, ressaltavam a importância da experiência agregada pela indústria
petrolífera estrangeira na extração e refino do produto e, ao mesmo tempo, a
contribuição que esta experiência poderia representar para o Brasil. Além da propaganda
divulgada como notícia, a disputa nas páginas dos jornais era munida de ataques a
figura do presidente Getúlio Vargas e ao seu plano nacionalizante, aumentando a
pressão sobre a turbulência política que já se anunciava.
Dos saldos da disputa em torno da questão do petróleo nacional, um deles, em
particular, se insere de modo substancial neste trabalho corroborando o que até então foi
explicitado acerca da influência exercida pela Esso junto aos meios de comunicação.
Em 1957, sob o comando do deputado Luthero Vargas (filho de Getúlio Vargas),
instaurou-se na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar de Inquérito para
32 KLÖCKNER, Luciano. Op. cit., 2008, p. 61. 33 RABELO, Genival. A Guerra continua.. Revista Brasil Semanal. São Paulo, ano I, nº 17, janeiro de 1966, p. 4.
36
investigar a atuação da Standard Oil e da companhia inglesa Shell na política e na
imprensa nacionais, apurando a vinculação entre contratos de publicidade, a publicação
de matérias do interesse dos anunciantes e também a omissão dos assuntos que
pudessem ser prejudiciais a imagem e às intenções desses anunciantes. Em suma, o teor
do relatório procura dar conta de elucidar e punir aquilo que foi considerado pelos
relatores como uma espécie de censura interna das redações, exercida pelo poder
econômico de grandes empresas estrangeiras.
O período de maior destaque nesta investigação é justamente o início dos anos de 1950,
em que, devido à disputa política pelo petróleo e a grande demanda de informação e
interesses em jogo, a associação empresa-imprensa-propaganda torna-se mais evidente e
volumosa. Um outro fator que mobilizou a CPI nesta direção foram as palavras finais de
Vargas, deixadas em sua carta-testamento, culpando as “aves de rapina” e as “forças e
interesses contra o povo” do desgaste político do qual resultou seu suicídio. A
contrapropaganda representada pela carta e a vitória da campanha “O Petróleo é
Nosso”, ambas de caráter nacionalista, muniram a classe política associada a tal ideário
do entorno necessário a um engajamento direcionado a pressionar as multinacionais
estrangeiras, que até então concentravam amplos poderes no quadro da política
brasileira.
As conclusões elaboradas no relatório da Comissão comprovam a ligação entre a Esso e
a McCann-Erikson desde 1935, quando a última veio se instalar no Brasil, e a
distribuição de verbas destinadas a publicidade quase que exclusivamente aos veículos
que se posicionavam contra a nacionalização do petróleo. Os trechos a seguir
demonstram essa perspectiva:
A opinião popular pode também ser bastante influenciada através
da propaganda. Os modernos métodos dessa propaganda, acessíveis
preferencialmente ao poder econômico, continuem, sem dúvida,
poderosa arma de ação política, capaz de influir de maneira
decisiva nas deliberações do poder público [...] e as lacunas legais
37
possibilitam aos grupos econômicos o exercício da efetiva censura
no noticiário do meios de divulgação.34
Como grandes clientes, as distribuidoras exercem forçosamente
notável influência sobre as agências de publicidade, levando-as
também a seguir os mesmos critérios na colocação das verbas de
outros clientes. Esse efeito de arrastamento canaliza a maior
parcela da importância total gasta em publicidade, mais de 9
milhões de cruzeiros em 1957, para órgãos de divulgação dispostos
a colaborar na defesa dos interesses dos trustes, e subtraindo a
viabilidade econômica aos que persistam em posição de
independência.35
De um balanço final da CPI emergem os dados acerca das atividades desenvolvidas pela
Standard, as quais envolviam 25 milhões ao ano para cobrir gastos com publicidade e
uma verba de 17 milhões de cruzeiros destinada ao setor de relações públicas da
empresa. E, ainda, a participação da companhia, através da McCann-Erickson, em
grandes jornais no Rio de Janeiro e em São Paulo como: o Correio da Manhã, Diário da
Noite, O Globo, Tribuna da Imprensa, O Dia, Jornal do Brasil, Luta Democrática, O
Estado de São Paulo, Diário de São Paulo, A Gazeta, Folha da Manhã, dentre outros,
todos defensores da participação estrangeira na questão do petróleo. As duas exceções
levantadas por Luciano Klöckner, foram a Última Hora e o Correio Paulistano, que
mesmo sendo de tendência nacionalista anunciavam os produtos da empresa.
A criação da Petrobrás, em 1953, significou a predominância da vertente nacionalista na
questão do petróleo. Neste contexto, a imagem institucional de empresas como Esso
Standard do Brasil36
34 Diário Oficial do Congresso Nacional, 1959, p. 794.
, com matriz nos Estados Unidos e atuando de modo global em
setores diferenciados e em diversos países, teve um considerável desgaste junto a
opinião pública. Mesmo que essa opinião pública estivesse, no seu ainda incipiente
35 Idem, p. 798. 36 A companhia mudou seu nome no Brasil, em 1953, de Standard Oil Company of Brazil para Esso Standard do Brasil, possivelmente, pela associação da marca ao noticiário Repórter Esso, que representava credibilidade e também um grande sucesso de audiência.
38
processo de formação em países como o Brasil, os setores de relações públicas e
comunicação empresarial já se desenvolviam e a preocupação com a imagem da
empresa já se configurava como pauta na agenda de seus donos. Assim, em meio a
pressões políticas, denúncias de favorecimento e cooptação da imprensa e a necessidade
de manter uma imagem institucional positiva a companhia irá ser aproximar os
profissionais formadores de opinião atuando muito além do marketing e da publicidade
convencionais.
A criação do Prêmio Esso de Reportagem em 1955 vem responder a uma demanda,
comercial e publicitária, que preza pela construção de uma imagem de instituição
comprometida com interesses maiores do que sua lucratividade. Como estratégia de
marketing empresarial, o investimento de recursos e esforços na criação de uma
premiação que prestigiava o desempenho dos profissionais de imprensa funcionou como
uma contrapropaganda das acusações e estereótipos criados em torno das multinacionais
ligadas ao petróleo, as quais fomentaram a campanha contra o governo tentando minar
prerrogativas nacionalizantes para a exploração do produto. A Standard
fundamentalmente, pois foi uma liderança significativa neste processo, com
interferências diretas, propaganda agressiva e com um certo controle que exercia sobre a
produção e propagação da informação, em virtude do Repórter Esso.
Nessa esfera de transformações e modernidade surge o Prêmio Esso – ainda chamado de
Reportagem – com a pretensão de reconhecer e consagrar a qualidade do jornalismo
brasileiro e promover a afirmação dos veículos de imprensa como difusores de
informação. Afinal, a escolha feita pela petrolífera para a implementação de sua
campanha institucional foi inspirada no Pulitzer Prizes, promovido pela Universidade
de Columbia, nos Estados Unidos, um dos mais importantes e tradicionais prêmios que
julga a excelência de trabalhos jornalísticos, além de outras categorias relacionadas a
educação e letras. Por outro lado, a concessão dos títulos inaugurada pela Esso,
julgando a qualidade e competência daqueles que trabalham no campo jornalístico,
sedimenta as bases construídas em torno do ofício e confere a imprensa um estímulo ao
constante aperfeiçoamento, renovação de linguagem e expansão, como veículo de
propagação de informação.
Quando o prêmio retira o Reportagem do nome, e passa a se chamar Prêmio Esso de
Jornalismo – logo no segundo ano de sua existência – reitera os propósitos de sua
criação, ao que competia abranger toda a organização dos meios de imprensa, de modo
39
que abarcasse e agregasse o conjunto das atividades específicas responsáveis pelo
interesse último do jornalismo: a informação. A nova nomenclatura, mesmo inscrita no
campo da representação, expressa, de acordo com a terminologia empregada, a mudança
do foco da parte para o todo, ou seja, da notícia para os que são responsáveis por sua
existência como tal. Essa tendência pode ser percebida na criação de categorias
específicas ao longo das edições do prêmio, concorrendo para a ampliação e
diversificação da lista dos contemplados. É assim que em 1957 – ano da segunda edição
do evento – publicações que circulavam fora do eixo Rio-São Paulo, irão ter espaço em
duas subdivisões regionais para a divulgação de seus trabalhos.
Por sugestão do jornalista Ney Peixoto do Valle - jornalista que deixa o jornal Diário
Carioca para trabalhar na Esso na década de 1950 - surge o Prêmio Esso de Reportagem
em 1955, com uma proposta até então inovadora de homenagear os melhores trabalhos
jornalísticos publicados na imprensa nacional. Com o programa institucional a Esso
procurava desfazer a imagem negativa que ficara associada a sua marca e ao mesmo
tempo incorporar a ela novos valores como os de credibilidade e imparcialidade. Por ser
uma companhia multinacional, com interesses comerciais evidentes e um histórico não
muito favorável, a empresas adotou como estratégia a não intervenção na escolha e
julgamento dos trabalhos inscritos, buscou a parceira e a chancela da ABI (Associação
Brasileira de Imprensa) – presidida à época por Herbert Moses – para conferir isenção e
garantir a aceitabilidade do concurso nas redações. Além disso, de modo a minar a
desconfiança quanto a uma possível interferência da Esso nos resultados, delegou a
outros jornalistas a tarefa de fazer a seleção da reportagem que mais se destacou na
imprensa nacional no período de um ano, de acordo com as edições do evento.
A intenção de promover uma aproximação com a classe jornalística; a ideia de se
constituir como um incentivo à imprensa de qualidade e a própria noção de qualidade
jornalística forjada com base nos pressupostos da objetividade e imparcialidade; além
da preocupação em desfazer a negatividade em torno da imagem institucional da Esso,
associando-a a valores positivos e democráticos como credibilidade e isenção, está
presente em toda a comunicação da empresa sobre o Prêmio, das motivações para a
criação do concurso às memórias publicadas em livros. Nos textos e depoimentos de
patrocinadores, organizadores e julgadores do prêmio Esso é possível identificar como
essa memória em torno da contribuição da empresa para a evolução do jornalismo
brasileiro e do compromisso da mesma em organizar um prêmio “independente”,
40
“transparente” e “democrático”37
No depoimento de seu idealizador:
, foi construída, se reitera no discurso que comemora a
longevidade do programa e se atualiza ao incorporar à premissa inicial de homenagear
os jornalistas e à liberdade de imprensa as novas mídias e realidades no cenário
profissional contemporâneo.
“Entrei para a Esso com a missão de fazer uma maior aproximação
entre a empresa e os jornalistas”
Eu jamais fui perguntado, por quem quer que seja da Esso sobre
quem ia vencer [...] Nunca houve veto nem pedido; nem de
jornalista, nem da Esso.”38
Mais tarde quando o prêmio já havia se consolidado como referência para a classe
jornalística.
“Nós sentíamos que a imprensa brasileira começava a avançar.
Entrava em uma nova era, que iria projetá-la e situá-la num plano
de igualdade com as mais avançadas de todo o mundo. Tudo não
passaria de uma questão de tempo, que era cada vez menor, para
que se chegasse a esse ponto ótimo. Era uma forma de a Esso
mostrar que estava sensibilizada e motivada diante deste salto de
qualidade da imprensa. É um caminho para homenagearmos esse
esforço, que só viria a beneficiar a cultura brasileira.”39
E nos livros comemorativos dos 25, 40 e 50 anos de premiação, respectivamente:
37 Adjetivos usados pelo jornalista Ruy Portilho, atual coordenador do Prêmio Esso para descrever as características do concurso. Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 10. 38 Depoimento de Ney Peixoto do Valle. Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 14. 39 Declaração do então presidente da Esso Brasileiro de Petróleo, William Jackson no Correio Braziliense, 30 de novembro de 1978.
41
“Desde os primeiros anos, o Prêmio Esso caracterizou-se pelo
rigoroso critério na escolha da qualidade jornalística das
reportagens e pela isenção de preconceitos políticos e econômicos.
(...) Uma premiação aceita e respeitada pelas mais diversas
correntes de opinião, sem objeções de caráter fundamental. Nasceu
com a marca irreprovável da seriedade, para transformar-se num
patrimônio dos próprios jornalistas”40
“A aproximação e a convivência com jornalistas, proporcionadas
pelo Repórter Esso, levaram os dirigentes da Companhia, em
meados da década de 50, a conhecer muito de perto a atividade da
Imprensa. A sensibilidade daqueles meus antecessores indicou que o
jornalismo começava a se profissionalizar e a crescer junto com o
país; e, nesse sentido, necessitava de apoio, o que uma empresa
como a Esso, então já há mais de 40 anos no Brasil, podia
perfeitamente fornecer como uma de suas contribuições à
sociedade.”
41
“A presença do Prêmio se consolidou na cultura da empresa porque
representou o acolhimento de um princípio que muito respeitamos:
acreditamos que, quando recebemos livremente informações da
Imprensa, o que sustenta e permite essa liberdade são os pilares de
uma sociedade democrática.
42
A nota divulgada na imprensa sobre a premiação traz nas informações esse caráter de
imparcialidade e isenção. Além disso, outro aspecto se destaca no texto que é o interesse
da companhia de atribuir um caráter nacional ao Prêmio, ideia de Ney Peixoto do Valle,
de ampliar para fora do eixo Rio-São Paulo a oportunidade dos jornalistas mostrarem
seus trabalhos ao se inscreverem no concurso.
”
40 LUZ, Olavo e BORGES, Manoel (org.). 25 anos de imprensa no Brasil – Prêmio Esso de Jornalismo. 1980, p. 21. 41 MIRANDA, Guilherme J. Duncan e PORTILHO, Ruy (org.). Prêmio Esso: 40 anos do melhor em jornalismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995, p. 4. 42 Texto de Edurado Lopes, Diretor de Assuntos Corporativos da Esso em Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 7.
42
Prêmio para a melhor reportagem do ano
“Encerrar-se-á no próximo dia 30 o prazo para o recebimento de
reportagens concorrentes ao Prêmio Esso de Reportagem,
patrocinado e organizado pela Associação Brasileira de Imprensa
A melhor reportagem publicada de 1º de janeiro a 30 de novembro
do corrente ano será premiada com Cr$ 50.000,00, podendo cada
jornalista
.
de qualquer ponto do país
Os comprovantes de publicação (recortes de jornais ou revistas)
deverão ser enviados em duplicata à secretaria da A.B.I., rua
Araújo – Porto Alegre, 71 – Rio de Janeiro.
concorrer com no máximo 3
reportagens.
O regulamento do concurso estipula que poderão concorrer ao
prêmio reportagens que tenham sido publicadas pela primeira vez
no corrente ano, em qualquer jornal ou revista editados no país. Em
caso de terem sido publicadas sem assinatura ou com pseudônimo, o
diretor do respectivo órgão atestará a identidade do autor.”43
Assim, em 1955, o Prêmio Esso de Reportagem, inspirado no Pulitzer americano e
“adaptado a realidade brasileira”, foi concedido pela primeira vez aos repórteres Mário
de Moares e Ubiratan de Lemos, da revista O Cruzeiro. A comissão julgadora,
corroborando a estratégia de se apresentar como uma iniciativa isenta de interferências
por parte da empresa patrocinadora, era composta apenas por jornalistas “em atividade e
altamente conceituados”
(grifo
nosso)
44
43 Folha da Manhã, 10 de novembro de 1955.
na profissão. Nesta primeira edição contava com cinco
integrantes de diferentes instituições: Hebert Moses (Presidente da ABI), Alves Pinheiro
(O Globo), Otto Lara Resende (Manchete), Danton Jobim (Diário Carioca) e Antônio
Callado (Correio da Manhã).
44 William Jackson, presidente da Esso Brasileiro de Petróleo.
43
“Naquele mesmo mês, outubro de 55 Amádio (José Amádio, diretor
de redação de O Cruzeiro) colocou na gaveta uma matéria que
Mário de Morais e Ubiratan de Lemos suaram a camisa para fazer
[...]. Mário voltou com tifo e caiu de cama por três meses. Ubiratan
ficou n apressão, mas nada de Amádio publicar. ‘Ele tinha horror a
coisa de pobre’, diz Mário. No fechamento da edição de 22 de
outubro de 55, faltou uma matéria paga que a sucursal de São
Paulo deveria mandar. A reportagem finalmente saiu.”45
A matéria que venceu a primeira edição do Prêmio Esso, intitulada “Uma tragédia
brasileira: os paus-de-arara”, foi publicada em 22 de outubro de 1955 na revista O
Cruzeiro, que na época era um sucesso editorial e fazia parte do grupo das grandes
tiragens. A produção e publicação da reportagem na revista foram tão ou mais difíceis
que a conquista do primeiro Esso, uma vez que todo o processo dependia dos repórteres
e para conseguir a matéria Mário e Ubiratan viajaram 2,3 mil quilômetros
acompanhando durante 11 dias a viagem de 102 nordestinos do interior de Pernambuco
até a baixada fluminense em um caminhão “pau-de-arara”. Mário contou em entrevista
ao Jornal da ABI como foi o processo de criação e produção da matéria.
“Bolei a matéria “Os paus-de-arara constroem o Rio”, numa época
de um desenvolvimento imobiliário monstruoso na cidade em que
quase 100% do pessoal que trabalhava nas construções era
nordestino. Combinamos que eu fotografaria e ele (Ubiratan de
Lemos) escreveria. Quando um dos trabalhadores me disse que
minhas fotos não iam mostrar nada perto do que era a viagem num
pau-de-arara, apresentamos a idéia no O Cruzeiro. Saímos daqui
disfarçados, num caminhão, e, após 11 dias de uma viagem em que
vimos muitos desastres e tragédias, chegamos a Campina Grande,
onde o Ubiratan encontrou um locutor que era seu amigo. O
bestalhão contou para ele o que estávamos fazendo e o cara
anunciou na rádio a nossa presença. Resultado: os agenciadores de
pau-de-arara contrataram matadores para acabar com a gente, 45 CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas: David Nasse e O Cruzeiro. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001, p. 326.
44
antes que denunciássemos aquele comércio. Tivemos que fugir para
Salgueiro, em Pernambuco, acompanhando um caixeiro-viajante.
Para completar, peguei tifo na viagem. O Ubiratan inscreveu nossa
reportagem no Prêmio Esso sem eu saber de nada. Foi um júri
fabuloso, que tinha, entre outros, Herbert Moses, Antônio Callado e
Otto Lara Resende. Concorreram 200 matérias e fomos os
vencedores. Estava no barbeiro, em Vila Isabel, quando peguei ‘O
Jornal’ e vi na primeira página que dois repórteres do Cruzeiro
tinham ganhado o Prêmio Esso. Quando vi nossos nomes, desmaiei.
Fui levado para casa, onde já estavam o Ubiratan e uma equipe da
revista. Foi uma grande festa.”46
Figura 3: Uma tragédia brasileira: os paus-de-arara, Mário de Morais e Ubiratan Lemos, O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955.
Apesar de certa implicância que o idealizador do Prêmio Esso - Ney Peixoto do Valle -
confessava ter pelo estrelismo da revista de Chateaubriand, é interessante notar que a
primeira reportagem homenageada foi justamente da publicação mais importante
46 Jornal da ABI, nº 303 – novembro-dezembro de 2005, pp. 7-8.
45
pertencente aos Diários Associados, grupo de imprensa que combateu veementemente a
posição nacionalista na disputa que envolvia a produção e exploração do petróleo
brasileiro, ou seja, defendendo um ponto de vista alinhado com os interesses de grupos
como a Esso. Sem contar que foi por iniciativa do próprio Assis Chateaubriand que o
Repórter Esso migrou do rádio para a televisão, o que demonstra a proximidade do
grupo dirigido pelo empresário com a companhia petrolífera. Ainda assim, não se pode
afirmar com precisão que houve uma participação direta da empresa na escolha da
reportagem, visto que a revista O Cruzeiro era de fato uma publicação de grande
circulação, muito popular e reconhecida por sua excelência editoral.
A primeira cerimônia de entrega do Prêmio Esso aconteceu no mezanino da Mesbla, no
Rio de Janeiro, num almoço promovido pela Esso ao qual poucas pessoas
compareceram e mesmo dentre os representantes da Esso apenas o gerente geral de
vendas, Walter Hostmann, estava presente. Os almoços em que “havia mais garçons nos
salões do que participantes da solenidade”47
É comum no discurso memorialista da Esso a ideia de que o prêmio não foi bem aceito
pela classe de jornalistas no início e que a empresa se esforçou para minar uma
desconfiança generalizada. Tal prerrogativa se confirma pela descrição da primeira
cerimônia de entrega, contando com pouco mais de 15 pessoas e no depoimento do
idealizador do prêmio ao dizer que foi preciso um esforço para convencer os jornalistas
a participaram do concurso. Segundo Marcio Castilho, o "número reduzido de
nos anos 1950 foram sendo substituídos e
os esforços de Ney Peixoto do Valle para convencer os colegas da idoneidade do Prêmio
Esso o tornaram a principal premiação especializada em imprensa no país nos anos
posteriores. Se na primeira edição apenas uma reportagem havia sido escolhida entre
outras duzentas para figurar como a melhor do ano de 1955, posteriormente foram
criadas divisões regionais de inscrição, de modo a nacionalizar o concurso, o prêmio
também contou com o incremento de categorias que refletiram as mudanças advindas
das novas mídias que foram sendo incorporadas ao modo de produzir notícias, com o
desenvolvimento tecnológico e a modernização da imprensa, como é o caso da
fotografia.
47 Uma história escrita por vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo, p. 8.
46
participantes demonstrava o desinteresse inicial e o descrédito de grande parte dos
jornalistas em relação ao concurso criado por Ney Peixoto do Valle"48
Ressalta-se, contudo, que tais construções de memória tomam como referência as
condições da ocasião em que são criadas e, no caso, do Prêmio Esso foram produzidas
no âmbito da comemoração dos seus 50 anos de existência, momento em que se
celebrou a longevidade e o sucesso da iniciativa pioneira. Sendo assim, a visão de um
concurso rejeitado no começo, que consegue crescer e se tornar referência, coaduna com
uma perspectiva que valoriza o esforço da companhia para contribuir com a qualidade
da imprensa nacional. Sem dúvida, ao tomar como referência o porte e os expressivos
números do concurso (participantes e premiação) quando este completou 50 anos, as
cerca de 200 inscrições recebidas em 1955 soam modestas. No entanto, ter 200
concorrentes na primeira edição de um concurso é um montante considerável,
especialmente no contexto do jornalismo na época. Além disso, o prêmio oferecido pela
companhia, Cr$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros) equivalia a cerca de 22 salários
mínimos em 1955
.
49
Um aspecto relevante acerca do prêmio recai sobre a classe profissional escolhida para
ser agraciada com a menção. Apesar da tese de cooptação da classe jornalística ser
emblemática e quase uma associação imediata, parece mais coerente, não optar pela
linearidade de raciocínio e tentar relacionar a escolha dos profissionais da imprensa a
uma perspectiva que busca manter associações já estabelecidas e consagradas
anteriormente. Assim, como a pressão por parte da sociedade e, principalmente, por
parte da classe política, acerca do monopólio de corporações sobre os meios de
comunicação do pensamento vinha sendo intensificada, no Brasil e no restante do
mundo
.
50
48 CASTILHO, Marcio. "Patrimônio dos Próprios Jornalistas": o Prêmio Esso, a identidade profissional e as relações entre imprensa e Estado (1964-1978). Tese de Doutorado em Comunicação - UFRJ, 2010, pp. 45-46.
, a Esso tentou, através do prêmio que concedia, manter o vínculo com as
redações dos jornais e, em parte a influência sobre o veículo, estabelecendo as
categorias de excelência dentro da profissão. O processo que engendra tais relações, é
importante destacar, é uma via de mão dupla, ou seja, embora seja alimentada pelos
49 O valor levantado se encontra na Série Histórica do Salário Minimo, disponível em: http://www5.jfpr.jus.br/ncont/salariomin.pdf, acessado em setembro de 2012. 50 Na mesma época , sob o governo de Dwigth Eisenhower, a Standard respondia a processo nos Estados Unidos pelos mesmos motivos apurados no Brasil durante a CPI para investigar as atividades políticas dos grupos petrolíferos no país.
47
recursos do grupo empresarial, conta também com a deferência dos jornais e de suas
redações.
Dentro desta perspectiva, é preciso ponderar a afirmação de que o Prêmio Esso se
estruturou em função da necessidade da empresa de manter a imprensa subordinada a
seus interesses, sob o risco de incorrer em análises meramente especulativas. Isso se dá
por dois motivos fundamentais: primeiro, porque no mundo empresarial as relações
estabelecidas de modo “não-oficial”, não costumam deixar rastros tão óbvios, depois
porque amarrar a imprensa aos interesses de um único grupo corporativo, apesar deste
ser um dos grandes no cenário internacional, desconsidera a conjuntura brasileira da
década de 1950, em que o projeto desenvolvimentista do governo JK, estimula a
instalação das indústrias multinacionais no país, o que de certo modo dilui a influência e
a participação desses grupos nas fatias do mercado publicitário. Por outro lado, como
bem afirma o jornalista Alberto Dines,
Prêmios de jornalismo (...) são ações de relações públicas,
promoções de empresas ou de grupos de interesses. Marketing. Isto
não pode ser esquecido nem minimizado. Sobretudo quando se trata
de prêmios em dinheiro.(...) Além da propaganda gratuita, o
patrocinador do galardão ganha uma espécie de habeas-corpus
prolongado. Isto não tem preço. Nenhum profissional ou veículo
ousará criticar uma empresa ou entidade que se mostra tão
generosa com a imprensa.51
A parte a campanha voltada para o marketing institucional promovida pela Esso, o
desenvolvimento da imprensa brasileira ocorrido ao longo da década de 1940 e
consolidado com a abertura política possibilitada pelo fim do Estado Novo, foi um fator
de peso no processo que levou à origem da premiação, já que os aportes de capital
propiciados pela publicidade – principalmente das indústrias multinacionais –
viabilizaram novos rumos para o setor que envolviam a profissionalização de pessoal; a
racionalização dos processos de produção publicação e circulação da notícia e um perfil
gestor voltado para os parâmetros empresariais, em detrimento da falta de organização e
51 DINES, Alberto. Prêmio, polêmica e conflito de interesses. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/jd231220031.htm Acessado em: maio/2012.
48
planejamento das oficinas artesanais de imprensa. Além disso, tais mudanças inscrevem
o periodismo nacional nos padrões internacionais de jornalismo e refletem uma nova
fase da imprensa, voltada para o consumo de notícias, extremamente afinada com a
visão de comunicação em massa que emergia no período em questão.
Portanto, a tentativa de mapear as relações entre o prêmio e a imprensa, do mesmo
modo como só pode ser empreendida através de uma análise da conjuntura do
jornalismo nacional quando da sua criação, também não devem perder de vista os
interesses políticos e econômicos da corporação petrolífera responsável direta pela
criação do concurso, e, indireta – através da McCann, ao longo dos primeiros anos – de
sua gestão.
Por fim, uma premissa que ficará fora de análise aprofundada neste trabalho, é a de que
o Prêmio Esso de Reportagem foi um representante primitivo – e pode ter sido a
primeira iniciativa de expressão no Brasil – do que atualmente denomina-se marketing
cultural. Essa vertente no marketing empresarial, diz respeito justamente à promoção de
uma marca através da organização de eventos culturais ou divulgação de atividades
desse tipo, mesmo que, o setor contemplado pelo evento não tenha relação direta com os
produtos da empresa patrocinadora.
1.2. A fotografia no Prêmio Esso
O Prêmio Esso, é importante destacar, desde sua primeira edição em 1956 sofreu
modificações que na maioria das vezes refletiu o progresso técnico e tecnológico dos
meios de comunicação. Assim sendo, na edição de 1960, o primeiro fotojornalista
consagrado pelo programa da empresa recebeu um “Voto de Louvor” improvisado pela
fotografia "Acontecimento em Aragarças" (Figura 2), de Campanella Neto, publicada na
revista Mundo Ilustrado. Já no ano seguinte, foi criada pela organização do evento uma
categoria específica para a fotografia, que pela primeira vez passou a contemplar seus
vencedores com uma premiação em dinheiro.
Embora seja possível inferir que a inclusão da fotografia na relação de categorias do
Prêmio Esso tenha tido um respaldo inicial no desenvolvimento decorrente da
modernização experimentada pela imprensa no início da década de 1950, também é
possível dizer que a premiação exerceu influência na trajetória de formação e
consolidação do fotojornalismo nacional. A análise pretendida busca uma abordagem
49
que aponte as convergências existentes entre o fotojornalismo e o Prêmio Esso,
preconizando a perspectiva inter-relacional, em que, tanto se atribui valor – e por isso se
oferece prêmio – a fotografia pelo seu desenvolvimento e inserção na imprensa quanto
esta se aperfeiçoa e profissionaliza diante do incentivo e dos padrões consagrados nas
obras premiadas.
Dentro da perspectiva apontada, o Prêmio Esso vai ser um programa importante na
constituição do fotojornalismo como linguagem no Brasil. A primeira fotografia a ser
destacada pelo prêmio, "Acontecimento em Aragraças" (Figura 2), de Campanella Neto,
despontou na relação de premiados do ano de 1960 de modo singular, uma vez que foi
prestigiada sem que formalmente existisse o concurso de fotografias, recebendo, na falta
de um título oficial, o Voto de Louvor daquela edição. Tal feito, por sua espontaneidade,
expressa o reconhecimento atribuído ao trabalho fotográfico de imprensa, refletindo a
ascensão e a importância da utilização dessa linguagem dentro do panorama no
jornalismo na época. O ensaio de 1960, também será um estímulo a inauguração do
Prêmio Esso de Fotografia no ano seguinte, a primeira categoria da lista de premiações
a particularizar uma das esferas da atividade jornalística e empreender um julgamento
especializado sobre ela.
Assim, no ano de 1960 nos jornais de grande circulação do país, a Esso, novamente em
parceria com a ABI, anuncia que na edição daquele ano do prêmio os fotógrafos seriam
contemplados com um prêmio em dinheiro.
50
Figura 4: Notícia divulgada no Jornal do Brasil em 23/07/1960, página 9.
A consolidação da iniciativa de contemplar a fotografia de imprensa com a criação do
Prêmio Esso de Fotografia em 1961 é um indício da importância que o fotojornalismo
vinha assumindo no contexto do jornalismo diário. Nesta mesma edição do Esso, os
fotógrafos Nicolau Drei, da Revista Manchete e Henry Ballot, de O Cruzeiro, formam a
primeira comissão avaliadora específica para o julgamento das fotografias. A reunião de
fotógrafos de grande importância no cenário da imprensa, como Ed Keffel (O Cruzeiro),
Dilson Martins e Alberto Ferreira (Jornal do Brasil), Ernesto Santos (Tribuna da
Imprensa), Paulo Reis (Última Hora), dentre outros, nas comissões julgadoras foi
mantida durante alguns anos na composição do prêmio. A participação de profissionais
do ramo nessas comissões ratifica a perspectiva apontada do reconhecimento que vinha
sendo prestado ao fotojornalismo e reflete um crescimento do mercado nesta área com a
inserção de fotojornalistas na imprensa diária.
51
Na Folha de São Paulo de 24 de julho de 1960, uma matéria mais detalhada trazia os
pormenores do concurso e anunciava a criação de novas categorias tanto regionais
quanto a de fotografia. A mesma reportagem falava sobre a cerimônia em que se deu o
anúncio, na qual "representantes da Esso Brasileira de Petróleo acentuavam a
preocupação da empresa em estimular o jornalismo no Brasil, através do Prêmio Esso
e de outras iniciativas pioneiras."52
A notícia informava os detalhes da criação da categoria específica para julgar a melhor
fotografia de imprensa:
"A Esso instituiu esse ano um prêmio de Cr$ 50 mil para a melhor
fotografia publicada na imprensa brasileira. A premiação será feita
com o envio em duplicata da reportagem em que foi impressa a foto,
além de uma cópia da fotografia com o tamanho de 18x24. A
Comissão Julgadora será a mesma que apreciará o concurso de
reportagem acrescida de elementos de reconhecida competência no
setor de jornalismo fotográfico. Serão levadas em consideração
fatores como técnicas de fotografia, dramaticidade, oportunidade,
esforço do fotógrafo, ineditismo, reprodução, etc.
Cada concorrente poderá participar com no máximo três
reportagens.”53
(grifo nosso)
52 Folha de São Paulo, 24 de julho de 1960, p. 8 53 Idem.
52
Figura 5: Notícia divulgada na Folha de São Paulo em 24 de julho de 1960, página 8.
É interessante notar que a lista de critérios definidores da fotografia merecedora do
prêmio, ainda que vagos, atendem a características que fazem parte dos pilares do
fotojornalismo ocidental, tributário dos fotógrafos da geração heróica, em que cuja
filosofia estavam presentes a valorização do instantâneo, o efeito-verdade, a carga
emocional que adensa na imagem os dramas do sujeito fotografado. Além desses, o
prêmio também privilegia a relação entre imagem e informação, características de uma
foto jornalística eficiente54
54 GURAM, Milton. Linguagem fotográfica e Informação. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.
, que se aproxima do perfil da imprensa que se moderniza na
sua busca pelo conteúdo objetivo, crível e impactante.
53
Essa visão da Esso sobre a fotografia de imprensa e a importância do prêmio que
patrocina se coaduna com o discurso da empresa em relação ao seu compromisso com o
aperfeiçoamento do jornalismo no Brasil, apresentado como um dos argumentos para a
instituição do prêmio para reportagens em texto de modo geral. Tal perspectiva será
utilizada posteriormente, nas memórias construídas pela Esso sobre o seu prêmio,
seguindo dois pressupostos. Em um deles é ressaltado a atenção destinada pela
companhia à modernização do jornalismo ao identificar a necessidade premente na
década de 1960 – como se não houvesse fotografia na imprensa antes disso – de criar
uma categoria para contemplar o fotojornalismo. Na outra ponta a Esso imputa a si o
mérito pela consolidação, através do prêmio, de um legado que se tornaria patrimônio
dos fotógrafos e da fotografia de imprensa.
“Nos anos 1960, os avanços da tecnologia de impressão, a
modernização das câmeras e a aplicação de critérios estéticos na
avaliação das imagens fotográficas, favoreceram a valorização do
fotojornalismo, fenômeno que o Prêmio Esso imediatamente
identificou. A partir de um exemplo de reportagem fotográfica, de
autoria de Campanella Neto sobre a rebelião em Aragarças contra o
governo JK, ocorreu uma mudança importante, com a criação em
1961, do Prêmio Esso de Fotografia.55
Em que pese o fato que as memórias são enquadradas
”
56
55 Uma história escrita por vencedores, p. 8.
em função das impressões que
os grupos formam de si e, deste modo, a versão institucionalizada da contribuição da
Esso para a imprensa nacional deixe escapar as divergências sobre o concurso, o
período correspondente ao início do Prêmio Esso de Fotografia configura-se como um
período profícuo para a inscrição da imagem no jornalismo. Tanto pela ampliação
quantitativa, devido à modernização das câmeras e ao barateamento da impressão,
quanto sob o aspecto técnico e estético, com a expansão dos profissionais atuando e as
transformações advindas da reformulação gráfica dos jornais.
56 POLLAK,, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, 1989, p. 3-15. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278/1417, acessado em junho/2012.
54
Segundo Silvana Louzada, nas primeiras décadas do século XX a fotografia de
imprensa se ocupava em retratar o aspecto sensacionalista das cenas que adornavam os
textos, atendendo "a curiosidade mórbida do leitor, ilustrando reportagens sobre
dramas, tragédias e crimes de repercussão"57
“Com o título ‘A morte deve apenas sugerir sua presença’, o jornal
explica: ‘Era apenas um assaltante, morto durante um duelo com o
detective (sic) Perpétuo. Fotografar o morto seria coisa corriqueira,
desde que não fosse para um jornal em que fotos chocantes não são
publicadas, criando um problema para os registros de crime e
desastres’.”
. A fórmula – presente, ainda que
atualizada, em uma vertente atual de jornalismo popular – que privilegia o sofrimento
humano e a exibição pública de cadáveres ensanguentados vai cedendo lugar para uma
fotografia de imprensa que preza a sofisticação e se destaca das demais pelo conceito
diferenciado que faz de si, a partir do final dos anos 1950. É o caso, como afirma
Louzada, do Jornal do Brasil após a reforma gráfica que irá lançar o periódico a outro
patamar no que diz respeito ao fotojornalismo, contribuindo para angariar um novo tipo
de público e distinguir o veículo dos outros jornais à época. Em sua linha editorial de
identificação com a classe média carioca evita publicar imagens relacionadas a
violência, dramas humanos e outras temáticas de apelo popular e, na concepção do
jornal, sensacionalista. Ao retratar a tragédia, dispensa a exibição de sangue ou corpos
nas primeiras páginas e informa ao leitor que o faz deliberadamente. No lugar usa do
artifício da sugestão, suprimindo a encenação do fato em si e fazendo-o presente através
da linguagem metafórica; o resto fica com a subjetividade do leitor.
58
Tendo em vista a crescente valorização da fotografia nos jornais diários ao longo da
década de 1950, bem como o aumento do interesse do leitor pela informação visual, a
criação do Prêmio Esso de fotografia pode ser considerada um ponto de chegada dentro
de um processo que já vinha se desenrolando e expandido desde o início do século XX
com as primeiras iniciativas de publicação de fotografias e com o fenômeno das
Revistas Ilustradas. No entanto, no início da década de 1960 – ano da criação do prêmio
57 LOUZADA, Silvana Prata da Casa: fotógrafos e fotografia no Rio de Janeiro (1950-1960). Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, 2009, p. 37. 58 Jornal do Brasil, 22 de agosto de 1961, caderno B apud LOUZADA, 2009, Op. Cit., p.224.
55
para fotografia – nas redações ainda era mantida uma relação assimétrica entre o
investimento das empresas de jornalismo em imagens técnicas para figurar suas páginas
e o tratamento dispensado aos fotógrafos. E, nesse sentido, o Esso pode também ser
considerado um ponto de partida, embora não o único, que contribuiu para diminuir a
diferença entre o redator e o fotógrafo na hierarquia dos profissionais de imprensa.
É importante destacar, que a contribuição do Prêmio Esso para a valorização do
fotógrafo e para a consolidação da fotografia na imprensa diária, se dá no âmbito de um
processo maior e de uma conjuntura favorável que inclui outros aspectos históricos
como: as reformas no JB, o espaço privilegiado que a fotografia vinha ocupando nas
páginas dos principais jornais, a criação de editorias de fotografia e a fundação das
associais de profissionais da imagem que encamparam a luta por direitos trabalhistas e
equiparação profissional dentro das redações.
A hipótese defendida neste trabalho é de que a importância do Prêmio Esso de
Fotografia no processo que consolidou uma nova experiência fotográfica no jornalismo
diário no Brasil reside em três característicos de concursos de uma maneira geral que
influenciaram de maneira positiva das demandas reivindicadas pelos repórteres
fotográficos no contexto das disputas em torno da valorização de sua profissão. O
primeiro aspecto é o reconhecimento, o prestígio alcançado pelo fotógrafo ao receber
uma homenagem em virtude de um trabalho considerado de excelência por colegas de
profissão.
Outro fator reside no fato de o Esso, de alguma maneira, mesmo que de forma implícita
e diluída na prática diária da fotografia de imprensa, estimula ainda mais uma
competição que já era acirrada no cotidiano da profissão. Os fotógrafos, não só passam
a perseguir como tentam superar, os parâmetros que balizam a excelência
fotojornalística presentes na fotografia agraciada com o prêmio. Sobre o aspecto
competitivo, ainda se pode considerar que, numa escala maior, essa disputa também se
dá entre as empresas de jornalismo que desejam o prêmio como símbolo de distinção e
atestado de qualidade técnica em relação aos outros veículos.
Além disso, a criação de um espaço de consagração, que ao menos anualmente, reune e
integra os profissionais que atuam no mesmo ramo de fotografia pode ser entendida
como mais um aspecto relevante na valorização do fotógrafo. O momento do prêmio, da
seleção à entrega é também um momento de celebração entre pares, que atualiza as
conquistas e memórias do exercício diário da profissão. Sendo assim, todo o em torno
56
relacionado à premiação como a formação de comissões julgadoras especializada, os
profissionais que se inscrevem para participar, as expectativas e especulação a acerca
dos favoritos e o momento de revelar quem venceu e quem será homenageado são
elementos importantes na constituição da identidade do fotógrafo de imprensa, pois
agrupa pessoas e demarca características próprias de uma área de atuação específica que
se encontra, no início dos anos 1960, em disputa por mais espaço e por reconhecimento
dentro das esferas com as quais se relaciona.
O reconhecimento e o prestígio que vêm junto com o Prêmio Esso para aqueles que o
venceram é um fator que grande importância para a afirmação do profissional de
imagem dentro das redações, até então gerenciadas e chefiadas pelos profissionais da
escrita. A discrepância entre o jornalista e o fotógrafo está presente não apenas nas
relações cotidianas de trabalho, mas também sob o ponto de vista formal, ou seja, na
letra da lei, na tipificação do fotógrafo como profissional “auxiliar” da redação e na
ausência de instâncias de formação profissional59
O tratamento dado aos fotógrafos nas redações dos jornais é reclamação recorrente de
diversos profissionais que atuaram no período. Muitos se queixam, especialmente, da
hierarquia que concedia privilégios aos jornalista responsável pelo texto e destinava ao
fotógrafo um papel subalterno em relação ao primeiro. Em depoimentos colhidos com
diversos fotógrafos que atuaram neste período esta situação de inferioridade é sempre
relatada.
.
O fotógrafo Luiz Pinto em entrevista fala sobre as condições de trabalho do fotógrafo e
da diferença de tratamento nas redações:
“os laboratórios sempre foram botados por baixo de escada, no
fundo, no fundo de jornal, sempre foi assim. Nunca teve ar
refrigerado...”
“Porque fora o Cruzeiro e a Manchete, que o gabarito era outro, os
jornais sempre tiveram esse preconceito com o fotógrafo. Que
naquela época... hoje não, que é mais respeitável, mas naquela
59 LOUZADA, Silvana. 2009, Op. Cit, pp. 72-76.
57
época, quando ia se apresentar, o repórter dizia assim, ‘aqui é o
meu fotógrafo’. Sempre foi assim.”60
A mesma situação é relatada por Clóvis Scarpino:
61
“O fotógrafo era pra buscar (coisas). ‘Vai lá limpar esse cinzeiro
aqui.’, ‘Vai lá jogar esse cafezinho lá fora.’, ‘Vai lá fazer isso.’
Fotógrafo era tratado assim...”
O fotógrafo era visto como um simples executor, cujo trabalho capturar imagens que
pudessem adornar o texto dos redatores. Essa diferença residia, sobretudo, na distinção
simbólica do domínio da palavra escrita conferida aos profissionais do texto, sendo os
fotógrafos sequer considerados jornalistas. Em contrapartida, bater uma foto era
trabalho para os iletrados, o universo da ‘despalavra’, e podia ser desempenhado por
qualquer um. Segundo Marialva Barbosa:
“Os jornalistas faziam parte grupo de executores que constituíram
um mercado lingüístico unificado e dominado pela língua oficial,
capitaneados quer pelo título escolar, quer pela performance
lingüística como sujeito falante, de tal forma que através de
instituições, onde o jornal se insere, houvesse a imposição do
reconhecimento da língua dominante.”62
A questão também aparece na fala de Luiz Pinto e, nela é possível perceber a relação
entre a baixa escolaridade e a imagem associada ao fotógrafo de um profissional
inferior, com menos competência em relação ao jornalista por não dispor de formação
cultural:
60 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03 de maio de 2002. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. 61 ENTREVISTA a Everaldo Lima d’Alverga. Julho de 2001. Disponível em http://www.evirt.com.br/entrevista/scarpino.htm 62 BARBOSA, Marialva. Imprensa, poder e público. Niterói, tese de Doutorado em História, UFF, 1996, p. 7.
58
“Olha, o fotógrafo sempre foi considerado como ainda é, na
verdade. O fotógrafo sempre foi considerado um analfabeto, um
semi-analfabeto...”
“Os fotógrafos sempre foram mal vistos. Porque normalmente, essa
é que é a verdade, a maioria dos fotógrafos tem Q.I. baixo. Q.I.
baixo que eu digo é não ter estudo. Não fala outros idiomas, não
tem estudo, e o que safa é a comunicação, é o dia-a-dia, você vai
aprendendo”63
A baixa escolaridade entre os profissionais da fotografia e a origem humilde é um dado
comum segundo a pesquisadora Silvana Louzada. Em sua tese, que analisa o período de
1950 a 1960, apurou que em relação a escolaridade “mais da metade da elite do
fotojornalismo (56%) tem nível mínimo de formação”
64 e em relação a condição social
“80% têm origem familiar muito modesta”65
Nesse sentido, diferentemente da profissão de jornalista, cuja regulamentação data de
1938, com a restrição da prática à qualificação em nível superior e o investimento na
criação dos primeiros cursos de Jornalismo nas universidades, à categoria dos
fotógrafos não contava com nenhum tipo de canal destinado a educação
profissionalizante formal. Sequer as escolas superiores de Jornalismo dispunham de
disciplinas que compreendessem a foto-reportagem em seus currículos, relegando a
formação do repórter fotográfico aos investimentos pessoais que envolviam desde
assinaturas de revistas estrangeiras especializadas até o aprendizado através de estágios,
geralmente não remunerados, em estúdios fotográficos, tentando desenvolver na prática
as técnicas e preceitos do fotojornalismo.
e muitos ainda vêm do interior e do meio
rural. O trabalho como fotógrafo para boa parte desse grupo era encarado como uma
oportunidade para “mudar de vida”, ou seja, ascender socialmente.
Por este viés, também se pode inferir acerca dificuldades encontradas pelos fotógrafos
para ingressar nas equipes dos jornais, já que todo o processo de contratação, na falta de
63 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03/05/2002, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF). 64 LOUZADA, Op. Cit, 2009, p. 68 65 Idem, p. 65.
59
uma referência formalmente instituída, envolvia, ou a indicação por parte de fotógrafos
mais experientes ou a disposição para se lançar, por conta própria, na profissão, pois a
chance de contratação muitas vezes dependia da mostra de algum trabalho, fazendo com
que a responsabilidade de comprovar sua competência recaísse sobre o interessado.
Essa situação é recorrente nas trajetórias de vários fotojornalistas dessa geração. Um
desses exemplos, o fotógrafo Flávio Damm, relata a concentração de esforços que teve
que reunir para iniciar sua carreira. Buscando conhecimento em revistas, freqüentando
redações dos jornais e conversando com outros fotógrafos, onde acabou conhecendo o
alemão Ed Kefflel, a quem pediu um emprego no estúdio fotográfico para ter acesso a
Enciclopédia (de fotografia) e adquirir experiência para o trabalho.
“Aí, eu já com 14 anos, eu consegui comprar uma máquina
fotográfica muito barata, uma Kodak Baby Brownie , filme 127 e
comecei a fazer fotografia. Negativos que eu tenho até hoje. Dali eu
evoluí e realmente me... Aí eu comecei a me envolver com... Fui à
redação de jornal, procurei, é, procurei fotógrafos pra entender,
pedir né, pra freqüentar laboratório e comecei a conhecer a
mecânica. Comecei a ler. Aí, logo em seguida comecei a estudar
inglês. decorei oitocentas palavras em oitenta dias, um método
chamado de “safa-onça” da língua inglesa. E, tive acesso a livros.
E acabei indo trabalhar na revista do O Globo . Eu era
universitário. Quer dizer, eu era pré-universitário e a revista do O
Globo, eu descobri, havia um alemão lá chamado Keffel que foi meu
mestre. Depois foi meu colega de O Cruzeiro . O Ed Keffel , o
homem dos discos voadores. Porque fotografou os discos voadores.
O Keffel era fotógrafo da, da Revista do O Globo e eu então pedi
um emprego lá no estúdio e fui lavar cópia, pra poder estar perto da
enciclopédia, que era o único... Era, era o, a publicação que eu
sabia que...” 66
66 DAMM, Flávio. Entrevista a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 24/04/2003, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF).
60
Muitos vinham para a "cidade grande" tentar a sorte na profissão, pedindo emprego nas
redações das revistas e grandes jornais que estavam concentrados no eixo Rio-São
Paulo, como é o caso de Luiz Pinto:
“Aí em cinqüenta e cinco, meu pai tinha falecido, eu vim tentar a
vida no Rio, eu vim embora pro Rio. [...] Sozinho. Na cara e na
coragem. Eu tinha...vinte anos. Vim pro Rio com vinte e um, mais ou
menos. [...] Eu fui lá pra Manchete, lá no Frei Caneca, do lado do
presídio. Lá eu fui pedir emprego. Só que quando eu cheguei na
Manchete, eu olhei e conhecia o Gervásio Batista de nome, que é o
grande repórter fotográfico desse país. Aí o baiano veio, disse: ‘pois
não.’ Eu disse: ‘Olha, o negócio é o seguinte, amigo, eu sou de
Belém de Pará, me chamo Luiz Pinto, sou repórter fotográfico...’,
ele disse: ‘o quê?’, ‘eu sou repórter fotográfico’, ele deu uma
gargalhada. ‘Repórter fotográfico, do Pará? Ah, você desembarcou
no campo de São Cristóvão, que é o que dirá’. Eu disse, ‘não, nego,
eu vim de avião, vim pela Panair do Brasil’. Ele disse, ‘o quê? Um
pau-de-arara moderno. Você é repórter fotográfico?’, ‘Sou’. ‘Que
que você quer?’, ‘quero trabalhar aqui’. Ele disse: ‘ah, quer ser
repórter fotográfico e quer trabalhar aqui. [...] Aí chamou... o Zé
Carlos, o Zé Carlos Oliveira . ‘Zé Carlos Oliveira, vem cá, vem cá,
Zé Carlos. Me leva esse repórter fotográfico contigo’ [...] Ele disse:
‘me leva esse repórter fotográfico pra fazer uma entrevista com
Simeão Leal, chefe do gabinete do Ministério da Educação.’ Disse:
‘Olha, garoto, cuidado, seu repórter fotográfico, a matéria é
importante, hem?’. Fechou. [...] Olha, fiz umas fotos [...] o Otto lá
disse: ‘repórter fotográfico, tá empregado’. Eu fiquei cinqüenta e
cinqüenta e cinco, cinqüenta e seis, cinqüenta e sete. Na
Manchete.”67
67 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03/05/2002, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF)..
61
A criação do Prêmio Esso de fotografia em 1960 é um elemento novo na correlação de
forças entre fotógrafos e redatores na disputa pelos espaços privilegiados dentro da
redação. Se, do lado dos profissionais de imagem as demandas visam a melhoria das
condições de trabalho e a conquista de mais autonomia na publicação de conteúdo – era
comum neste contexto ser do chefe de redação e não do fotógrafo a escolha das fotos
que sairiam no jornal. Para os profissionais do texto a questão era manter as coisas tal
como elas estavam, garantindo a diferenciação entre os grupos, ampliando as restrições
para o acesso ao cargo de jornalista e promovendo a distinção dos que dominam a
palavra escrita.
Ganhar o Prêmio Esso de Fotografia é motivo de orgulho para o fotógrafo, concede a
ele uma homenagem que o destaca dos demais e o reconhecimento que não tem dentro
das relações de trabalho ao qual está submetido. De certo modo, esse reconhecimento é
um fator de equilíbrio dentro da hierarquia dos jornais, pois representa um capital
simbólico68
Segundo Bourdieu, a distinção é código concedido pelo capital cultural que para ser
válido é preciso ser compartilhado e aceito por um grupo
que redime o fotógrafo da sua falta de escolaridade, imputando a ele
maiores condição para reivindicar suas demandas. Se dentro da redação seu papel era
até então secundário e subordinado, agora que o seu trabalho foi elevado ao nível do
extraordinário, cria-se um elemento de distinção autorizado pelo prestígio que o Esso
dispõe entre os jornalistas de modo geral.
69. Diante disso, a consagração
representada pela conquista de um Prêmio Esso institui um símbolo compreendido no
âmbito do jornalismo que pode ser entendido a partir da “lógica da diferença, do desvio
diferencial, constituindo assim distinção significante”70
68 O conceito de capital simbólico está sendo utilizado segundo a definição de Pierre Bourdier e diz respeito ao reconhecimento prestado a determinado indivíduo pelo grupo social ao qual ele pertence e que pode ser capitalizado dentro do sistema de relações de poder.
. Até porque, no início dos anos
de 1960, o Esso já era considerado o mais prestigiado concurso especializado do ramo,
cobiçado por repórteres e pelas empresas de comunicação que os empregam. Nessas
circunstâncias, muitos fotógrafos consagrados passam a dividir a redação com
jornalistas que nunca ganharam ou ganhariam um Esso e isso marca uma diferença
considerável na importância de um e outro para o dono do jornal.
69 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 70 Idem, p. 144.
62
Outra característica importante do prêmio é a associação do nome do fotógrafo à
imagem vencedora, o que o transforma de técnico meramente executor, cuja função é
auxiliar a redação, para autor de um trabalho que tem a capacidade de informar através
da linguagem visual. Essa prerrogativa é um indício que o estigma do fotógrafo-
executor começa a ser modificado e a dimensão autoral de seu trabalho valorizada,
sendo ele, portanto, visto como sujeito que atua e tem um papel relevante no processo
de produção da notícia.
Alguns dos fotógrafos que venceram o Esso expressam a importância do mesmo para
suas trajetórias profissionais, especialmente no que diz respeito ao que se pode
conseguir a partir da vitória. Além disso, também está presente nos discursos a
satisfação e o orgulho de ter sido homenageado com uma premiação que era referência
para o jornalismo nacional à época, e que, além de tudo se constituía como um símbolo
de competência referendado por toda a classe.
“Com relação ao ‘Prêmio Esso’, eu só tenho, primeiro, a agradecer
a Deus; em segundo lugar, à Esso, porque ela me proporcionou
nome, me proporcionou muita glória. E isso se perpetua... Eu
consegui tudo que eu queria”71
O depoimento de Campanella Neto, primeiro fotógrafo agraciado com um Voto de
Louvor pela sua imagem na edição de 1960, traz com clareza a questão de como o
prêmio proporcionou para o vencedor bens intangíveis como “nome” e “glória”, os
quais puderam ser convertidos na satisfação de se ter conseguido tudo o que queria. O
prêmio impulsionou a carreira de diversos profissionais da imagem e ajudou a mudar a
imagem do fotógrafo.
Ainda assim, é importante destacar, sempre há divergências e a ponderação, em relação
à época em que o prêmio ainda estava começando, é feita pelo próprio Luiz Pinto:
“Ué, você vê pelos prêmios, agora que tá melhorando. Você vê a
injustiça que o Esso faz do prêmio? Não viu? [...] Há anos. Quem
71 Uma história escrita por vencedores, 2006, Op. Cit, p. 12.
63
vai pros Estados Unidos é o repórter. Fotógrafo não vai nem pra
Nova Iguaçu.72
Para os fotógrafos que ganharam o prêmio Esso, especialmente nesse contexto de
afirmação da profissão dentro do modelo hierárquico que privilegiava o repórter, o
capital simbólico acumulado pelo reconhecimento da classe jornalística pôde ser
revertido em conquistas tanto no âmbito do cotidiano do jornal quanto nas questões de
fundo trabalhista como aumento de salário, melhores condições de trabalho para o
fotógrafo, equipamento de melhor qualidade, maior autonomia na escolha das imagens
que seriam publicadas, dentre outras coisas.
”
Um dos melhores exemplos da importância do Esso na equiparação de posições dentro
das instâncias do jornal é o fotógrafo Erno Schneider, que venceu a edição de 1962 do
prêmio com a fotografia “Qual o Rumo?”, publicada no Jornal do Brasil em 1961. A
imagem do então presidente Jânio Quadros com os pés apontando para direções opostas
ficou muito famosa e pode ser considerada uma das mais conhecidas dentre das
fotografias jornalísticas já publicadas. Além disso, ela contou com diversas atualizações
e foi apropriada em contextos distintos, sendo constantemente citada por outras
fotografias.
A trajetória de Erno e de sua foto que entrou para história serão abordadas com detalhes
no capítulo 4 deste trabalho. No entanto vale ressaltar nesta altura a iniciativa do
fotógrafo em empreender modificações significativas na estrutura do processo de
publicação de notícias no que diz respeito à imagem e seus profissionais. Após a
conquista do prêmio, o prestígio alcançado e o reconhecimento da qualidade de seu
trabalho atestaram o que já começava a ser delineado – especialmente no JB, que a essa
altura já passara por sua reforma gráfica – pela crescente importância da fotografia na
constituição do jornal diário: a relevância do papel do fotógrafo como um dos atores no
processo de produção e veiculação da informação jornalística.
Erno Schneider inaugura no Brasil o cargo de editor de fotografia quando vai para o
Correio da Manhã em 1964. Promove mudanças que privilegiam a fotografia no jornal
e trabalha pela ampliação de direitos e valorização do fotógrafo nas redações por onde
passou, inclusive, comprando briga com chefes de redação. No período em que a
72 Idem.
64
editoria de fotografia está sob o comando de Erno, o Correio recebe um Prêmio Esso de
Fotografia, em 1966, com a imagem "Brasil no Golfe Internacional". Detalhe curioso é
que a fotografia em questão, feita pelo Manuelzinho, como era conhecido o fotógrafo
Manoel Gomes da Costa, foi publicada duas vezes apenas pela proeminência de sua
composição visual, visto que em nenhuma das ocasiões a imagem vinha acompanhada
de uma notícia. No dia 5 de janeiro de 1966, ela compunha uma página que adotava um
padrão semelhante ao feito pelo JB, que informava visualmente os lances dos "Melhores
Momentos do Esporte do Ano que Passou". Quase toda a página era ocupada por cinco
fotografias, as quais traziam um ponto de vista inusitado ou plasticamente documentado
de determinado acontecimento esportivo, que bem poderia se chamar os melhores
momentos fotográficos do esporte. No fim do mesmo ano - 31 de dezembro - mais uma
coletânea com as melhores fotografias do ano traz a imagem feita por Manoel,
indicando que ela havia sido contemplada Prêmio Esso.
Figura 6: Correio da Manhã, 5 de janeiro de 1966.
65
Quando vai para o jornal O Globo, um dos grandes no país, em 1974, depois de já haver
recusado um convite da empresa, Erno se depara com dois grandes problemas: a
péssima editoria gráfica do jornal e a hierarquia nas redações. Em seu relato fala sobre
como o tratamento dispensado ao fotógrafo:
“‘Meu fotógrafo?!’ Teu fotógrafo uma ova! Tinha um chefe de
reportagem lá no Globo, não me lembro o nome dele, [...] que disse
‘Erno, tu está usando meus fotógrafos...’ e eu rebati: ‘Como é que é?
Teus fotógrafos!? Você já tem fotógrafo? Eu não sabia. Fotógrafo
quem tem é o Roberto Marinho. Agora, quem, por enquanto, está
mandando neles lá (na fotografia), sou eu’. Aí, ele foi reclamar pro
Rogério (Marinho) e o Rogério deu um esporro. Foi demitido. Pela
primeira vez eu senti culpa depois. Ele foi demitido por minha
causa”73
E sobre como, a partir da competência que seu nome representava na imprensa,
conseguiu levar para O Globo uma equipe inteira de fotógrafos – que do contrário iriam
ficar sem emprego, já que o Correio da Manhã fechou logo em seguida –, ganhando
salários acima da média e valorizando a profissão:
“’Olha, eu vou trazer cinco fotógrafos’. ‘Não...puxa vida! Vou
pagar quanto pra eles?’. Nunca esqueço. Os fotógrafos do Globo
ganhavam um salário mínimo do, da, da, do sindicato, né? 260
reais, se não me... Nunca esqueço. ‘Tá, mas eu vou querer 1200 pra
cada um... dos fotógrafos’. Nossa senhora! (risos) Na redação acho
que ninguém ganhava isso. Mas claro, pra ir, levar a turma... 260
pau... Valorizou...”74
A importância de Erno para o fotojornalismo é reconhecida até mesmo por seus colegas
de profissão, uma vez que em várias entrevistas com fotógrafos que foram seus
73 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. 74 Idem.
66
contemporâneos a sua atuação na conquista de melhores condições de trabalho é
lembrada, como no depoimento de Luiz Pinto que trabalhou com ele no Correio da
Manhã e foi um dos que migrou para O Globo:
“Mas o salário só foi aumentando no país, se deve, se o jornalista
hoje ganha bem, deve-se ao Erno Schneider. Que fotógrafo sempre
ganhou mal. Repórter fotográfico.”75
Como já foi dito antes, e é importante salientar, o Prêmio Esso não pode ser considerado
isoladamente para a compreensão do processo que levou à valorização do
fotojornalismo. Tampouco pode ser analisado sob uma perspectiva de causa e
consequência, pois não foi devido a ele, exclusivamente, que os fotógrafos ganharam
prestígio nas redações. A premiação constitui-se, contudo, em um importante elemento
de distinção, inserido no bojo das transformações da imprensa, que pôde ser
capitalizado para a afirmação da importância do fotógrafo diante da preponderância da
fotografia como forma de expressão nos jornais. Uma prova de que o prêmio não é a
única via para o reconhecimento na profissão é o célebre fotógrafo Evandro Teixeira,
que fez parte da geração de fotojornalistas que fizeram do Jornal do Brasil uma
referência em termos de fotografia. Evandro, embora nunca tenha recebido um Esso na
vida e é um dos mais prestigiados profissionais do país, tendo, inclusive, sua trajetória
como fotojornalista documentada em um filme recente, chamado "Evandro Teixeira –
Instantâneos de Realidade" de 2004, além de ter sido homenageado pela Escola de
Samba Unidos da Tijuca no carnaval carioca de 2007
76
Outra característica relevante do Prêmio Esso é o estímulo a competitividade, que de
certo modo está relacionada com a premissa explicitada pelo patrocinador do concurso,
da criação de um programa institucional destinado a investir no desenvolvimento e
aperfeiçoamento do jornalismo – incluindo o fotojornalismo – nacional. Nesse cenário,
ganhar um prêmio que reverencia o seu trabalho, homenageia a sua competência e é
referendado por toda a classe jornalística pode ser visto como um incentivo para os
.
75 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03/05/2002, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF). 76 LOUZADA, Silvana, 2009. Op. Cit., p. 106.
67
fotógrafos de imprensa – atuantes ou não – buscarem melhores imagens que serão
convertidas em melhores chances que concorrer e talvez ganhar tal reconhecimento.
Essa relação não deve ser simplificada e nem se traduz como uma competição
declarada, em que todos disputam abertamente uns com os outros o melhor click.
Entretanto, no fazer do dia a dia, nos riscos ao quais se expõe, nos enquadramentos
escolhidos e até nas fotografias “acidentais”, descobertas apenas depois da sua
revelação, o fotojornalista vislumbra em sua subjetividade a recompensa pelo esforço e
pelo trabalho bem feito, que passa a ter um referencial de excelência e pode ser
materializado através da conquista meritória de um prêmio de tamanho prestígio.
Tendo isso em vista, pode-se apreender que o fotógrafo que recebe o prêmio passa a
figurar como uma referência dentro da profissão e sua imagem vitoriosa representa os
critérios, julgados por outros fotógrafos é bom destacar, da boa reportagem fotográfica.
Tanto um quanto outro servem de inspiração para outros profissionais que almejam o
mesmo tipo de reconhecimento profissional. As imagens vencedoras balizam não
apenas um atestado de qualidade que se quer alcançar como também os parâmetros de
excelência a serem superados. Assim, o fotojornalismo como um todo se rediscute como
linguagem e atualiza as suas formas de se expressar seguindo tendências que se
alternam e estão em disputa na constituição do campo.
Não se pode esquecer também de um outro fator que caminha junto com a
competitividade e a distinção conferida pelo prêmio: a difusão e o estímulo ao ingresso
na profissão. A imagem mítica criada em torno da atividade fotojornalística associada à
natureza heroica do fotógrafo do campo de batalha que arrisca a própria vida pela
melhor imagem77 é reafirmada pelos ditames da competição cujos critérios,
especialmente no início, estão muito ligados à concepção de fotojornalismo que valoriza
aspectos como “dramaticidade, oportunidade, esforço do fotógrafo, ineditismo”78
Se ao fotógrafo que recebe o Prêmio de Melhor Fotografia do Ano são destinadas as
honrarias e homenagens pelo trabalho bem feito, para o jornal que veiculou a imagem
vencedora fica a propaganda positiva e a chancela de qualidade que o distingue dos
.Com
isso, o fotojornalismo ganha mais um símbolo para investi-lo de glamour e prestígio,
que contribui para difundir a atividade e angaria novos fotógrafos ou entusiastas da
fotografia para os quadros da profissão.
77 Idem, p. 94. 78 Folha de São Paulo, 24 de julho de 1960, p. 8.
68
outros grupos de comunicação. Sendo assim, analisando o fator competição em outra
escala, o Esso também movimenta disputas de outra natureza: entre as empresas de
jornalismo, cujo objetivo é o consumo de informações e a obtenção de lucro. Para esses
grupos empresariais ter em sua equipe um profissional que ganha um prêmio importante
no meio jornalístico é também uma propaganda de suas qualidades, o que contribui para
a obtenção de maior destaque e credibilidade ante seus pares e leitores.
São muitos os veículos que dão nas suas primeiras páginas a notícia de que venceram o
prêmio Esso, citando o feito como motivo de orgulho dos seus quadros profissionais,
bem como de atestado do investimento do jornal em qualidade editorial e modernização
para a satisfação do público leitor. O Jornal do Brasil, sendo o veículo que mais venceu
o Prêmio Esso em diversas categorias, habitualmente noticiava sua superioridade como
na primeira página do dia 10 de maio de 1963, a qual traz a fotografia, feita por Alberto
Ferreira, vencedora da edição de 1962 com a legenda “Esta é a foto de Alberto Ferreira,
vencedora do Prêmio Esso: a solidão e a dor de Pelé”. Ao lado da imagem o lead para
a matéria, que continuava na página 8, com o título “JB ganha 6 prêmios de fotografia”.
Embora o texto do resumo tenha sido redigido em tom de imparcialidade fica evidente
que o destaque dado ao fato, além da autopromoção, se sobressai em relação aos outros
assuntos, pois a matéria – foto mais texto – ocupa cerca de 30% da primeira página em
relação às notícias. No mesmo dia as capas de outros jornais eram dedicadas ao
aumento oferecido pelo governo do funcionalismo público e à liberação médica de Pelé
para participar de uma partida da seleção.
69
Figura 7: Primeira página do JB de 10 de maio de 1963.
Na continuação da matéria na página 8 o redator descreve uma a uma as seis menções
recebidas pelo jornal na edição de 1962 do Prêmio Esso, ressalta o fato de o veículo ter
sido bicampeão do prêmio tanto na categoria principal quanto no concurso de fotografia
e ainda ter levado prêmios inéditos em seções criadas pela primeira vez naquela edição
70
como equipe esportiva. A reportagem vem com uma fotografia da comemoração da
equipe esportiva na redação, com direito a “champanha” e com a exaltação dos
profissionais que foram os responsáveis pela conquista, citando nominalmente cada um
deles e incorporando no texto pequenos depoimentos dos autores dos trabalhos
vencedores.
Como um veículo que primava pela qualidade gráfica de sua publicação e gostava de
ostentar sua superioridade fotográfica, o JB agregava com o Esso o reconhecimento
público de todo o setor jornalístico das qualidades que defendia e do estilo diferenciado
que marcou a publicação após as reformas do final dos anos 1950. Por outro lado, como
uma empresa que depende de público e anunciantes para se manter ativa, uma conquista
como a do Prêmio Esso de Jornalismo também cria uma associação positiva de sua
marca com os valores do “bom” jornalismo apregoados pelos patrocinadores e
organizadores do concurso, reforçando aspectos preconizados pelo novo tipo de
imprensa que se pretendia conformar, como a credibilidade, o impacto, o furo de
reportagem, dentre outros.
Figura 8: Jornal do Brasil de 10 de maio de 1963, página 8.
71
No caso específico da foto vencedora de Alberto Ferreira, o texto traz uma informação
interessante a respeito da auto-imagem que o jornal fazia acerca da distinção de sua
própria produção fotográfica e da sua superioridade em relação aos demais, ao destacar
que além de o veículo ser “bicampeão no prêmio nacional de fotografia”, a imagem e o
texto publicados no Caderno B foram também veiculados – tendo o texto sido transcrito
– em jornais e revistas da Europa. Ou seja, o mérito circunscrito a conquista do Esso
ratifica o prestígio ainda maior que é o reconhecimento internacional.
Outro aspecto a ser ressaltado trata da vinculação entre a fotografia e o fotógrafo, já que
Alberto Ferreira é relacionado nominalmente no texto valorizando o aspecto autoral da
imagem. Na reportagem, o fotógrafo afirma que “considera o prêmio como a mais
brilhante etapa da sua carreira”, embora “o dinheiro, ele dará à mãe, porque acha que
ela o usará melhor”, preferindo “guardar para si a emoção do momento em que soube
da vitória”79
O reconhecimento profissional do fotógrafo de imprensa e a competição entre os jornais
e revistas pelo título que excelência, se considerados reciprocamente, geram ainda mais
um fator que merece destaque na abordagem proposta. Se o Prêmio Esso passa a ser
cobiçado pelos chefes de redação e donos de empresas jornalísticas de todo o país, esses
grupos também passam a querer em seus quadros profissionais fotógrafos agraciados
com um Esso. Sob essa perspectiva, então, na medida em que a importância da
premiação aumenta para o setor jornalístico, os fotógrafos consagrados com a
homenagem principal ou com menções honrosas também se valorizam, pois ganham
projeção e propostas de trabalho. Se acontecer como no caso de Erno Schneider, que
leva para O Globo toda a equipe do Correio da Manhã com salários acima da média,
toda a categoria sai ganhando e o reconhecimento individual transforma-se em benefício
coletivo.
. Essa fala confirma a hipótese da importância do prêmio como um
elemento de distinção que projeta a carreira do fotógrafo e é motivo de orgulho para o
mesmo. O jornal que o emprega também reconhece a qualidade de seu funcionário ao
abrir espaço nas suas páginas e promover uma inversão de papéis em que o jornalista ou
fotógrafo torna-se notícia, sendo prestigiado enquanto ator no processo que leva a
empresa ao reconhecimento público. No ano anterior, Erno Schneider, que havia
conquistado o prêmio de fotografia na ocasião, teve até mesmo sua foto publicada na
primeira página do Jornal do Brasil que anunciava a vitória.
79 Jornal do Brasil, 10 de maio de 1963, p. 8.
72
Ainda nesta questão pode-se inferir que a mobilização das empresas de comunicação
para a obtenção de um prêmio de qualidade também contribui para o aprimoramento da
fotografia de imprensa no que concerne ao investimento na produção de imagens
consideradas “boas”, passíveis de receberem um prêmio. Isso se reflete, além do
investimento em recursos humanos, em melhorias técnicas e estruturais como a
qualidade do equipamento, a condição de trabalho do fotógrafo, os laboratórios de
revelação e reprodução, as editorias de fotografia e outros fatores que ampliaram a
participação das imagens no jornalismo diário.
Por fim, o terceiro fator objeto de análise neste capítulo diz respeito à contribuição do
Prêmio Esso na construção da identidade do fotojornalismo nacional. Uma das
características interessantes de uma premiação como esta, abrangente e legitimada por
boa parcela da classe jornalística, é o agrupamento de profissionais em torno das
questões técnicas, estéticas e de linguagem que irão caracterizar o fotojornalismo e
diferenciá-lo de outros campos da atividade fotográfica. As etapas da premiação e o seu
entorno promovem um encontro de pessoas interessadas em um mesmo tema para
discutir e refletir sobre suas práticas e seus conceitos. Desde o fotógrafo ou editor que
vê uma fotografia como potencial candidata a ganhar o prêmio, até a escolha da imagem
vencedora estão em jogo disputas em torno da constituição do fotojornalismo como um
campo. O que se reflete na escolha da comissão julgadora, na reunião desta para a
seleção das melhores imagens, na expectativa dos concorrentes e nas especulações sobre
quem irá levar o Esso daquele ano.
Cria-se assim um circuito que envolve os atores do processo de produção da notícia
através de imagens, uma ocasião propícia para se pensar naquilo que se considera uma
“boa” fotografia de imprensa, que caminha paralelamente com as demandas e questões
em torno da identidade do fotojornalismo. O que o distingue do fotoclubismo, da
fotográfica artística ou da fotografia amadora. É bom ressaltar que questão identitária
não está sendo pensada aqui como um processo evolutivo, tampouco como um caminho
para chegar a um consenso que contemple todas as demandas do fotojornalismo. Mas
como um espaço de disputas, que embora procure balizar os pressupostos da atividade
está em constante transformação e sofre influências de diversas tendências que vão
sendo incorporadas e mescladas de acordo com outros fatores como a subjetividade do
fotógrafo, a linha editorial do jornal ou da revista, o tipo de público que espera atingir e
a conjuntura histórica e os regimes de visualidade vigentes. De modo que a influência
73
do Esso na constituição da atividade fotojornalística opera com todos esses elementos
ajudando a agrupar atores do processo e consolidar, através das imagens vencedoras,
uma memória do fotojornalismo nacional. Memória esta acionada e atualizada a cada
novo ato de rememorar, como em exposições, homenagens e livros comemorativos dos
aniversários em datas simbólicas, além do material informativo sobre a história do
prêmio disponibilizado pela empresa na internet.
No que concerne ao agrupamento, é importante destacar, a formação de um circuito que
faz com que profissionais já reconhecidos avalizem o trabalho de outros, tornando-os
também respeitados dentro do meio. Alguns vencedores do Esso passam a compor
comissões julgadoras nas edições posteriores. É dentro desse grupo, que na primeira
década de premiação não é muito grande e nem envolve muitos nomes diferentes, que
estarão sendo formuladas as principais questões acerca da constituição da profissão. Um
movimento interessante que ocorre nas primeiras edições do concurso de fotografia na
década de 1960 é a participação cada vez maior de jurados provenientes de jornais
diários, em detrimento de fotógrafos de revistas ilustradas80
Por outro lado, no período em que se dá a inauguração do Prêmio Esso de Fotografia as
iniciativas de associativismo profissional vinham se desenrolando como uma forma de
fortalecer a categoria na disputa por demandas trabalhistas, mas também como centros
de difusão da atividade fotográfica e espaço de compartilhamento de saberes a respeito
da prática. A ARFOC/RJ – Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos
do Rio de Janeiro – foi fundada em 1946; a Associação Brasileira de Fotografia, em
1951, assim como outras iniciativas em outros estados do país. Silvana Louzada afirma
que a constituição das associações de fotografia estava mais relacionada ao estatuto
artístico da imagem fotográfica que ao ethos do repórter fotográfico. A autora,
entretanto ressalta que o fotógrafo de imprensa gravita entre a técnica e a arte e a
. Essa transferência
demonstra a configuração de uma tendência associada a novos padrões visuais que
vinham sendo construídos com a ampliação do espaço da fotografia no jornalismo
diário.
80 Nas primeiras edições do Prêmio Esso de Fotografia as comissões reuniram um total de 5 fotojornalistas que atuavam em jornais diários e 3 das revistas ilustradas, sendo que dois deles - Nicolau Drei, da Manchete e Henri Ballot, de O Cruzeiro - formavam a primeira comissão de julgadores especializados em fotografia na edição de 1961. A formação de comissões específicas para fotografia ocorreu até 1965, posteriormente as formações de julgadores se dividiam em categorias regionais.
74
construção de uma identidade profissional se dará a partir da distinção conquistada ao
longo do processo de valorização da imagem na imprensa diária81
Além disso, o Esso atua também no que diz respeito a difusão dos critérios definidores
da excelência fotojornalística, uma vez que projeta não só o fotógrafo como também a
fotografia para fora da esfera local. A imagem publicada no jornal como parte de uma
informação noticiosa tem a abrangência definida pelos espaços em que o jornal circula
tanto geograficamente quanto de acordo com o grupo que constitui o público leitor
daquela publicação. Quando ganha o prêmio ela se desvincula de sua função noticiosa e
se resignifica ao representar uma concepção de linguagem merecedora de um destaque
frente outras milhares de imagens publicadas diariamente. Transcende seu caráter
indiciário e a mensagem que veicula para se configurar como um símbolo da fotografia
de imprensa desejada. Nesse processo expande sua abrangência para além do seu
circuito original, ganha notabilidade e atinge novos públicos, dentre os quais fotógrafos,
interessados no desenvolvimento e na projeção profissional. Nesse sentido, a divulgação
e o destaque da imagem é um importante canal de aprendizado da linguagem, o
aprender observando o outro, especialmente quando esse outro obteve sucesso e dentro
de um contexto em que a formação profissional do fotógrafo não contava com escolas
ou instituições de ensino formais da profissão.
.
A monumentalização da fotografia premiada, bem como a definição de critérios de
valoração que contribuem para o desenvolvimento de uma linguagem fotográfica de
imprensa são aspectos que perpassam a construção de uma memória do fotojornalismo e
através dessa memória engendra os processos de afirmação da identidade. O Esso faz
parte desse processo ao promover a reunião de grupos de fotógrafos que estão atuando
na construção das regras balizadoras do campo de atuação de seus pares, em um
momento em que tais definições garantiriam a afirmação e consolidação da profissão,
bem como o tipo de inserção que essas profissionais teriam nas redações em que
trabalhavam.
A construção de uma linguagem própria do fotojornalismo e o reconhecimento dessa
distinção pelo prêmio contribuem para a reforçar o sentimento de pertencimento a um
grupo específico, ao mesmo tempo em que unifica a memória desse grupo82
81 LOUZADA, 2009. Op. Cit., p. 79.
. Montar
82 POLLACK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: "Revista Estudos Históricos". Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15, p. 9.
75
uma galeria de imagens vencedoras ao longo de diversas edições do prêmio Esso reflete
também a história da própria constituição do fotojornalismo como atividade
profissional. As divergências, aproximações e os fragmentos desses embates pela
memória da categoria, deste modo, podem ser representados pelas fotografias
homenageadas com o prêmio.
Esse destaque propiciado pelo Esso ajuda a investir a reportagem fotográfica de uma
importância que permite a ela se estabelecer como re-significadora do real, preterindo a
função de apêndice do texto do redator. Não obstante, através dos parâmetros
valorizados nas fotografias vencedoras foram sendo estabelecidas uma série de
referências, as quais caracterizavam o bom trabalho fotográfico e, por conseqüência
contribuíram na formação profissional de diversos fotojornalistas. A relevância dessas
referências para o ofício do fotojornalista está no fato delas se apresentarem como uma
leitura de mundo autorizada por aqueles que de algum modo iniciaram a trajetória da
fotografia na imprensa e foram reconhecidos por isso.
Se a origem do fotojornalismo brasileiro se deu via Revistas Ilustradas, ainda na década
de 1940, a etapa de disputas pela em torno das melhorias das condições de trabalho da
classe profissional ocorrerá ao longo dos anos 1960, avalizada por conquistas pontuais,
para as quais o Prêmio Esso trouxe contribuições significativas. Todos esses elementos
irão convergir para o fortalecimento em torno das tentativas de associativismo da classe
profissional, buscando ampliar as perspectivas de qualificação formal para campo e
legitimar a inscrição atividade no jornalismo, preterindo a identificação recorrente do
repórter fotográfico como um componente alheio aos pressupostos do setor e investindo
numa participação integrada dentro da organização dos meios de imprensa. Nessa
trajetória de consolidação, outra importante contribuição do Prêmio Esso foi a
associação nominativa entre a imagem vencedora e seu autor. Assim, a fotografia era
avaliada e selecionada, mas quem recebia o prestígio por sua qualidade era o fotógrafo
responsável por sua captura, apontando para uma perspectiva contrária a ideia da
imagem técnica objetiva, puramente mecânica.
Em certa medida, os avanços conquistados pela fotografia no jornalismo diário
acompanharam a trajetória seguida pela categoria dentro do contexto do Prêmio Esso, já
que a partir da escolha de 1962 a grande maioria das imagens premiadas saiu das
páginas dos jornais, assim como os fotógrafos designados para compor o júri da
categoria. Não só o prêmio, mas a conjuntura social da década de 1960, marcaram a
76
trajetória do fotojornalismo brasileiro, por possibilitarem sua inscrição definitiva, como
linguagem dotada de caráter informacional, nos meios de imprensa, agregando valor aos
jornais e revistas e ampliando sua difusão.
O estabelecimento da categoria que contempla o fotojornalismo no Prêmio Esso e a
afirmação da atividade dentro dos meios de imprensa, teceram, no correr da década de
1960, uma trajetória paralela de valoração. Deste modo, assim como o aparecimento de
uma fotografia na lista de premiados de um concurso voltado para a imprensa reflete o
desenvolvimento do fotojornalismo nacional, principalmente no que diz respeito a uma
evolução qualitativa dos profissionais da área, o reconhecimento do campo e o incentivo
que representava a disputa e consagração através do Prêmio Esso de Fotografia
fomentou a busca constante de patamares de excelência cada vez mais elevados, na
formulação de novas perspectivas e paradigmas que nortearam toda uma geração de
fotojornalistas a empreenderem esforços na constituição de uma identidade própria,
associada aos desdobramentos das reivindicações sobre valorização da profissão. Por
intermédio do prestígio agregado pelo prêmio, o trabalho dos repórteres fotográficos
ganhou em qualidade, quantidade e, fundamentalmente, valor.
77
O foco desta parte do trabalho recai sobre as imagens consagradas com aquela que era
nas décadas de 1960 e 1970 – recorte cronológico proposto para essa pesquisa – a
premiação mais significativa para o jornalismo nacional, sendo prestigiada por boa parte
da classe dos que nele atuava: o Prêmio Esso. A abordagem proposta procura identificar
nas fotografias premiadas os protocolos visuais que mais se destacaram ao longo de 20
anos de concurso e fazer uma relação desses protocolos com a constituição do
fotojornalismo brasileiro na contemporaneidade.
As imagens vencedoras do Esso tornaram-se ícones de qualidade fotojornalística, as
quais representam tanto a realização de um trabalho excepcional como a competência de
quem o realizou. Assim sendo, essas imagens, destacadas de sua função de reportar uma
notícia, não apenas referenciam o motivo fotografado, mas também evidenciam
parâmetros definidores do fotojornalismo como campo de atuação e como linguagem,
destacando atributos valorizados pelos profissionais que selecionam as fotografias
merecedoras de um título de distinção frente as demais. Em última instância, esses
critérios são relevantes no que diz respeito a relação que essas fotografias estabelecem
com a conformação de uma cultura visual ligada ao fotojornalismo, ao criar e difundir
Capítulo 2
De frente para a
imagem
78
protocolos de visualidade. Estes, por sua vez, se repetem em outras imagens e fazem
com que uma fotografia jornalística seja associada a transmissão da notícia e
reconhecida como tal por quem a vê, fundando uma espécie de identidade que distingue
o fotojornalismo dos demais tipos de práticas fotográficas.
A análise das imagens que ganharam o Prêmio Esso procura responder a questões que
evidenciem os critérios de julgamento que levaram umas fotografias e não outras ao
sucesso. Uma vez que elas tinham como propósito a notícia, atendiam a necessidade de
figurar e ordenar uma informação visual e ao mesmo tempo conformar e difundir uma
visão de mundo. Neste sentido cabe indagar: o que distinguia as fotografias que
ganhavam o prêmio Esso?
A metodologia adotada se apoia na perspectiva histórico semiótica83
"as imagens são históricas [e] dependem das variáveis técnicas e
estéticas do contexto histórico que as produziram e das diferentes
visões de mundo que concorrem no jogo das relações sociais. Nesse
sentido, as fotografias guardam, na sua superfície sensível, a marca
indefectível do passado que as produziu e consumiu. [...] Aí reside a
competência daquele que analisa imagens do passado: no problema
proposto e na construção do objeto"
para compreender
a mensagem fotográfica veiculada pelas fotografias vencedoras, avaliando se os signos
comunicativos expressados pela informação visual, associadas ao estudo do contexto
histórico em que a fotografia circulou, foram preservadas. De acordo com a Mauad:
84
Para que as imagens falem, o uso da semiologia nessa abordagem vai ao encontro de
uma perspectiva em que ela serve como ferramenta relacionada aos processos de
comunicação, significação e produção de sentido nas sociedades. Assim, busca-se fazer
uma leitura das imagens que permita decifrá-la como signo, tentando compreender os
códigos visuais que são operados através da linguagem e convencionados socialmente
com a intenção de transmitir uma mensagem. Tal análise considera a fotografia tanto na
dimensão do conteúdo quanto da expressão. Ou seja, por um lado procura observar e
colher dados acerca do motivo retratado na imagem e por outro investiga as opções
83 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes. pp. 29-56. 84 Idem, p.41.
79
técnicas e estéticas empregadas para a compor a organização espacial dos objetos e
pessoas em cena, tais como a iluminação, o enquadramento, a nitidez, entre outros que
caracterizam os aspectos formais da imagem fotográfica85
Contudo, é importante não perder de vista que as formas de ver e comunicar são dotadas
de historicidade e, portanto, engendradas através da cultura, entendida aqui como um
campo de disputa em torno da capacidade de significar o mundo, e de acordo com as
práticas e representações sociais dos sujeitos históricos em determinada época. Por esse
motivo, a associação entre semiótica e contexto histórico é fundamental para
complexificar a análise das fotografias em questão, procurando também inferir acerca
das suas relações de produção, publicação e circulação.
.
Em virtude da natureza heterogênea da coleção, optou-se por uma ficha de análise que
contemple aspectos da imagem relacionados ao sistema de produção de notícias. Deste
modo, as unidades de análise foram utilizadas para dar conta das informações que
envolviam o Prêmio Esso e a produção de notícias, tais como o veículo em que a
fotografia foi publicada, prêmio que recebeu na ocasião, espaço no jornal ou revista que
ocupou, seção temática que cobriu, dentre outros (Anexo I). O corpus fotográfico é
composto por 42 fotografias e circunscrito pela participação das mesmas na lista de
premiados do Esso. Estas imagens são significativas, pois fazem parte de um
selecionado, ou seja, dentre todas as imagens publicadas na imprensa nos anos
analisados, representam o que foi escolhido como o melhor do fotojornalismo. Sendo
assim, tornaram-se ícones não apenas dos acontecimentos que noticiaram, mas também
das práticas e formas de visualizar o mundo tidas como superiores por um grupo de
pessoas que tinham a prerrogativa de julgar e premiar tais imagens.
A análise das imagens pauta-se, portanto, na noção de foto-ícone, fotografias que pela
conjugação de expressividade, conteúdo e contexto ganham uma face pública e se
relacionam com a noção de acontecimento histórico86
85 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha – sugestões para um estudo histórico. Tempo, Niterói, v.7, n. 13, p.131-151, 2002, p. 134.
. As foto-ícones são imagens que
ganham notoriedade e sentido a partir da capacidade de condensamento do tempo, ou
seja de representar uma síntese do momento em que foi capturada. No caso das
fotografias e imprensa, especialmente as que foram consagradas com um Esso, a
86 MAUAD, Ana M. Foto-ícones, a história por detrás das imagens? Considerações sobre a narratividade das imagens técnicas. In: RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.). Imagens da História. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 33-66.
80
iconicidade da imagem se relaciona com a capacidade de adensar em um único
fragmento os diversos aspectos que orbitam em torno do acontecimento noticiado - tais
como os sentimentos envolvidos, a dramaticidade, a conjuntura histórica, a causa e o
efeito - assumindo com ele uma relação metonímica de referenciar o todo a partir da
parte: o fragmento instantâneo capturado pela câmera. Assim, a imagem que atinge o
leitor nas páginas de um jornal ou revista permite uma leitura não apenas do visível e
passível de ser apreendido através dos sentidos, mas também do não-visível, que
transcende a superfície da foto e "como num flash recupera o fato sendo a ponta de um
iceberg - a presentificação do vivido."87
Entretanto, como aponta a análise do historiador Ulpiano Menezes que, para
compreender os significados que estão envolvidos na trajetória de sucesso da fotografia
"Miliciano republicano abatido" feita por Robert Capa durante a Guerra Civil
Espanhola, bem como os motivos que levam essa imagem a se perenizar como símbolo
de um contexto histórico específico, é necessário um exercício metodológico que amplie
o escopo da investigação histórica em que as fontes visuais são privilegiadas. Para o
autor, ao serem consideradas ícones de determinado grupo social, as fotografias
oferecem ao pesquisador pistas relevantes acerca dos sujeitos históricos que as
destacaram como tal. desse modo essas fontes visuais
"não devem se constituir como objetos de investigação em si, mas
vetores para a investigação de aspectos relevantes na organização,
no funcionamento e na transformação de uma sociedade"88
Tendo isso em vista, o caminho escolhido para a análise da série de fotografias
vencedoras do Prêmio Esso de Fotografia foi a criação de uma tipologia das imagens
que permita identificar os atributos fotográficos mais valorizados pelas comissões
julgadoras para a escolha de determinada imagem como merecedora de um título de
distinção frente a outras. Os tipos de imagem premiadas serão organizados em blocos
que serão analisados à luz das características destacadas nas fotografias e tecendo uma
relação entre estas e o contexto em que foram veiculadas e selecionadas pela premiação.
.
87 Idem, p. 2. 88 MENEZES, Ulpiano. Op. Cit., 2002, p. 150.
81
A partir desta análise, busca-se inferir sobre como determinados protocolos de
visualidade que concorrem para a constituição do fotojornalismo no Brasil
contemporâneo são valorizados e apropriados como sinônimo que competência e
qualidade fotojornalística. Além disso, esta abordagem procura mapear a recorrência
desses protocolos em outras imagens, tanto em edições posteriores do concurso, como
nas páginas de jornais e revistas identificadas com um tipo de fotografia associada ao
fotojornalismo por quem as observa.
Para montar essa tipologia, foi organizado um quadro com todas as fotografias
relacionadas na lista de premiados do Esso, as quais constituem-se como unidades de
análise. Este quadro reúne dados de identificação e autoria da imagem; veículo em que
foi publicada; informações sobre sua participação no Prêmio Esso, como ano em que foi
homenageada, título de consagração ou valor em dinheiro pago como prêmio e
comissão julgadora. Além disso, cada imagem foi classificada de acordo com as
características que mais se destacam quanto a expressão e ao conteúdo, indexando-as
através de descritores.
A partir da classificação estabelecida no quadro geral, as fotografias que possuíam
aspectos em comum foram agrupadas e os protocolos visuais que se repetiram foram
utilizados como delimitador dos blocos de análise. Os critérios utilizados na
classificação das imagens estão relacionados a dois fatores: as concepções de ver e
representar identificadas com o fotojornalismo contemporâneo, advindas das vertentes
que pensaram e organizaram os parâmetros que definem o campo de produção de
imagens de imprensa; e os aspectos divulgados pela organização do concurso
promovido pela Esso como critérios para a seleção das melhores fotografias.
No que diz respeito as concepções que nortearam a constituição do fotojornalismo
contemporâneo como atividade, estão em jogo questões técnicas e estéticas que
distinguem a fotografia de imprensa dos outros tipos de fotografia e configuram os
pressupostos da atividade, tais como: efeito-verdade, noticialiadade e impacto da
informação visual, engajamento do olhar e denúncia social, função documental da
imagem, relação com formas artísticas, etc.
Já os critérios utilizados pelo prêmio para julgar os trabalhos inscritos foram levantados
a partir de jornais do período estudado que traziam notícias sobre a chamada para
inscrições no Prêmio Esso com informações sobre as regras e a organização do
concurso. Dentre esses fatores, considerados importantes na escolha da melhor
82
fotografia, foram levantados: técnica fotográfica, dramaticidade, senso de oportunidade,
esforço do fotógrafo, ineditismo, repercussão, elementos de informação jornalística,
etc.89
Antes porém de considerar a tipologia das imagens e analisar os protocolos visuais em
suas especificidades, se faz necessário uma incursão pela série completa das imagens
vencedoras, destacando os pontos de aproximação entre suas unidades fotográficas e
algumas características do conjunto tomado como objeto. Essa incursão se baseia numa
apuração quantitativa dos dados relativos as imagens premiadas.
.
2.1. A série: imagens vencedoras
A série de imagens analisada é composta pelas fotografias citadas na lista que relaciona
os premiados do concurso promovido pela Esso entre os anos de 1961 e 1979. O que
constitui um conjunto de 42 imagens, englobando as vencedoras do prêmio principal e
as agraciadas com menções honrosas, votos de louvor ou, ainda, homenagens nas
categorias regionais - a partir de 1966 o prêmio muda sua configuração e cria categorias
regionais de premiação, com comissões julgadoras por estado.
Como já foi dito uma das suas principais características é a heterogeneidade, com
temáticas diferentes, composições distintas, planos e enquadramentos variados e
enfocando aspectos diferentes dos recursos fotográficos disponíveis, tanto em termos de
técnica quanto de assunto. Outro fator é a variação dos profissionais premiados, já que
dificilmente um ganhador se repetia nos anos posteriores. Ou seja, ora são mais
plásticas e dinâmicas, ora mais estáticas e dramáticas, ou ainda, em alguns casos
valorizam o furo, a presença do fotógrafo documentando um fato histórico no ato de seu
acontecimento e em outros apelam a subjetividade. Tem ainda as irônicas, que recorrem
a figuras de linguagem e as que valorizam o flagrante.
Apesar disso, alguns aspectos do conjunto conferem um nexo que aproxima essas
fotografias além do fato de todas elas terem sido destacadas em um concurso
especializado. Por outro lado, as informações que dizem respeito ao locus de sua
produção fornecem pistas sobre que tipo de fotojornalismo vinha sendo encarado como
89 Jornais consultados: Jornal do Brasil (23/07/1960, p.9), Folha de São Paulo (24/07/1960, p. 10, 31/10/1961, p. 10) e O Estado de São Paulo (2/11/1961, p.12, 3/11/1963, p. 24, 20/08/1971, p. 18, 25/08/1977, p. 40 )
83
superior, quais são os redutos de sua produção, como utilizam a linguagem visual e qual
é o alcance geográfico de sua atuação.
O primeiro quadro diz respeito às temáticas abordadas pelas fotografias, entendendo
tema aqui de acordo com os critérios de organização e divisão próprio dos jornais para
categorizarem seus assuntos. Na tabela abaixo é apresentada uma relação dos temas
mais abordados pelas imagens consagradas com um Esso.
Temas Fotografias %
Esporte 14 34%
Política Nacional 9 22%
Tragédia 4 10%
Cotidiano 3 7%
Denúncia 3 7%
Acidente 3 7%
Política Internacional 2 5%
Não Identificado90 2 5%
Denúncia / Esporte 1 2%
Total geral 42 100%
Tabela 2:Distribuição temática das fotografias homenageadas no Prêmio Esso (Prêmio Principal, Menções Honrosas e Prêmios Regionais)
Pelo quadro é possível notar que o esporte é o tema mais presente nas imagens da série,
seguido pela temática relacionada a política nacional, sendo que esses dois tipos de
cobertura em conjunto representam 56% das fotografias premiadas.
A cobertura esportiva na imprensa nacional está intimamente ligada à constituição
fotojornalismo, uma vez que consegue corporificar, através da visualidade, uma parte da
experiência que envolve os acontecimentos esportivos, além de funcionar como "prova,
memória e emoção atualizada"91
90 As fotografias que constam na tabela como tema não identificado não foram encontradas na pesquisa. São "O último salto", de Nelson Elias para a Última Hora (São Paulo), "Discípulos de Hipócrates" de Neville Makins para o Diário de São Paulo e "Betoneira Mergulha no Viaduto", de Milton Soares para A Gazeta (São Paulo). Todas elas não possuem registro visual ou informações precisas da origem nos materiais utilizados como fonte, pois não aparecem nem no site da premiação, nem nos livros editados em comemoração aos 40 e 50 anos do prêmio.
. No Brasil, o sucesso das editorias esportivas ainda se
associa com a mobilização despertada pela pelo futebol, construído como símbolo e
91 LOUZADA, Op. Cit., 2009, p. 134.
84
paixão nacional, entre os interlocutores dos jornais e revistas. Considere-se ainda que
entre 1960 e 1979, o time selecionado que representava o país do futebol disputou
quatro Copas do Mundo, das quais saiu vitorioso em duas ocasiões: no bicampeonato
em 1962 e no tri em 1970. Assim das 14 fotografias cuja temática é o esporte, 12 delas,
ou seja 86%, estão relacionadas ao futebol, 1 retrata a queda de um atleta do salto com
vara e a outra é uma inusitada imagem de uma tacada de golfe.
Algumas características da fotografia esportiva consagrada pelo Esso são recorrentes no
conjunto analisado e, ao mesmo tempo, revelam alguns dados acerca do tipo de
abordagem valorizada na competição. O primeiro desses traços é a propensão para
expressar aquilo que é inusitado nos eventos esportivos, em detrimento dos
acontecimentos habituais de uma partida de futebol, por exemplo.Em quase todas as
ocasiões o motivo fotografo tem relação com o futebol, mas está alheio aos lances que
de uma partida que são amplamente documentados em fotografias que vão se
instituindo como padrão nas páginas da seção de esportes dos jornais. No caso das
imagens vencedoras, o destaque não está na vitória de um time - ou da seleção como no
caso de 1962 - ou na fotografia do tira-teima que evidencia um erro de arbitragem e
causa polêmica, ou na pose burocrática e alinhada dos times em disputa, nem mesmo na
clássica fotografia do gol ou de sua comemoração. O fotógrafo mira naquilo que se
torna notícia pela excepcionalidade, que raramente ocorre e que consegue ser capturado
com perfeição no instante exato do acontecimento. A impressão que se tem é que o
acontecimento retratado exerce um vínculo tamanho com os critérios de noticialidade
que poderia migrar das restritas páginas da seção esportiva - as quais trazem as
informações de sempre - e figurar sem problemas na primeira página com destaque.
Na edição de 1963 do Esso, por exemplo, todas as fotografias premiadas tinham como
referente a campanha vitoriosa da seleção brasileira na Copa do Chile no ano anterior.
Entretanto, ao contrário do que se pode imaginar, elas não mostram a vitória, os lances,
os gols, a comemoração ou a comoção nacional. O assunto das imagens, de todas as três
fotografias relacionadas naquele ano, é a contusão que Pelé - o jogador mais importante
do time na ocasião - sofre no segundo jogo da competição contra a Tchecoslováquia,
ainda o segundo do campeonato, e que o afastaria do restante da competição. Foi a
coroação de uma das maiores frustrações da história dos mundiais desde a derrota de
1950, quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo que sediava na final para o Uruguai.
85
Se 1963, a dor de Pelé e o mundial do Chile estão representados em profusão na
premiação, curiosamente em 1970, ano da conquista do mundial no México, o futebol
não figura na relação das fotografias premiadas, embora tenha sido destacado como
Melhor Trabalho Esportivo a reportagem da Revista Manchete intitulada "A epopéia do
Tri", assinada por Ney Bianchi. A revista trazia, além das páginas com texto e muitas
fotos, uma edição sonora composta por um vinil compacto com "As grandes vozes da
Copa", em que a narração dos jogos da seleção poderia ser ouvida e rememorada.
A massiva audiência concedida às fotografias da dor de Pelé em 1963 é uma mostra do
segundo aspecto desse conjunto temático. Tal aspecto é um tanto quanto peculiar e que
de certo modo está relacionado ao primeiro pela questão da valorização do
extraordinário. Ao contrário do que se poderia imaginar, o conteúdo da maior parte das
imagens de esporte premiadas tem como mote principal o fracasso e a derrota. A
comemoração o êxito profissional não tiveram sucesso nas edições do Esso em que a
editoria de esportes se destacou, pois os assuntos mais abordados são derrotas
históricas, violência em campo e fora dele, agressão de juiz, lesões e contusões, torcida
caindo de arquibancada, entre outros que embora estejam fora da normalidade não
impressionam pela demonstração das emoções de alegria e satisfação características
desse tipo de evento.
Finalmente, um outro recurso muito prestigiado é o flagrante, ou seja, a captura do
instante decisivo do acontecimento que resulta em um efeito de congelamento do
tempo. Portanto, a tônica dessas imagens revelam o momento em a ação é interrompida
e perenizada pelo clique preciso do fotógrafo, registrando toda a plasticidade decorrente
da dinâmica de corpos em movimento e produzindo um tipo de estética que se tornou
recorrente no que diz respeito à editoria esportiva de fotografia.
Logo após o esporte, a política surge como tema privilegiado na relação de fotografias
premiadas como Esso. Não obstante o fato de que o período analisado nessa pesquisa
seja caracterizado como um momento de grande instabilidade política na história
recente brasileira, compreendendo inclusive 15 anos de regime de exceção, a política
nacional esteve presente no concurso em questão. De todas as imagens capturadas pelos
fotógrafos premiados, nove delas estão relacionadas com fatos ligados a episódios ou
figuras políticas, sendo que quatro conquistaram o prêmio principal.
86
Os anos 1960 e 1970 no Brasil foram marcados por uma crise política que se instaurou
com a renúncia de Jânio Quadros em 196192
A instauração da ditadura civil-militar no país desencadeou uma série de medidas de
repressão, cassação de mandatos parlamentares, suspensão de direitos políticos, decretos
de estado de sítio, dentre outros atos arbitrários, objetivando a contenção dos
"elementos subversivos" e a manutenção da suposta da ordem pública. As Forças
Armadas assumiram, então, o controle do governo, “manobrando a sociedade civil,
através da censura, da repressão e do terrorismo estatal, para promover os interesses
da elite dominante, assegurando-lhe condições de supremacia em face do social”
e vai se intensificar ao longo dos anos
posteriores com uma série de divergências sucessórias que irá resultar no golpe de 1964.
É um período conturbado da História recente do país tencionado por golpes,
contragolpes e tentativas frustradas de chegar ao poder através de intervenções que
estavam a margem da legalidade.
93
Uma das faces do controle interno promovido pelos militares era o combate aos
inimigos da nação, personificados nas figuras de políticos, intelectuais, artistas e
membros da sociedade cujas ideias ou atuação tendessem às doutrinas políticas
identificadas com a esquerda ou com o comunismo. Dentro dessa lógica, a propaganda
positiva das realizações do governo e a supressão das arbitrariedades e dos aspectos
negativos do regime dos noticiários, constituíram-se como importantes estratégias de
manobrar politicamente as verdades e a opinião pública através do controle ostensivo ao
acesso a informação. Deste modo, a imprensa e os meios de comunicação ou tiveram
uma atuação colaboracionista
Em
nome da segurança nacional, permeada pela histeria anticomunista, vigorou por longos
anos no país um regime político que uniu terror, censura e propaganda.
94
92 REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e Sociedade: as reconstruções da memória. In: 40 anos do golpe: ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004, pp. 119-139, p. 120.
, compactuando com o regime autoritário, ou foram
alvos de medidas de repressão que resultou na autocensura por uma questão de
sobrevivência. Ou ainda foram perseguidos e pressionados por caso insistissem em
repercutir ideias, notícias e pontos de vista que se opusessem às diretrizes impostas pelo
poder. Nesse processo, alguns ficaram pelo caminho, sucumbindo à pressão, como
demonstra o emblemático caso do Correio da Manhã, que optou por manter uma linha
93 BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In: FERREIRA, Jorge, DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.13-42, p. 21. 94 KUSHNIR, Beatriz. Entre censores e jornalistas: colaboração e imprensa no pós-1964. In: 40 anos do golpe: ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004, pp. 80-90.
87
editorial oposicionista, e, embora tivesse uma das maiores tiragens do Rio de Janeiro,
seu um sucesso de público era inversamente proporcional às verbas publicitárias que
conseguia angariar devido a fuga dos anunciantes que, pressionados pela conjuntura
política, deixaram de publicar propaganda no jornal. O Correio, não resistiu e em 11 de
março de 1969 entra na Justiça com um pedido de concordata preventiva, que resultou
no arrendamento do jornal e posterior falência em 197495
Não é objetivo deste trabalho trazer um panorama detalhado do período, mas é
importante destacar que com o recrudescimento das políticas repressivas os veículos de
comunicação, mesmo os que antes haviam se alinhado aos militares e apoiado o golpe
em 1964, tiveram o seu direito a liberdade de imprensa restringido, sofreram um forte
impacto, passando a atuar dentro das margens impostas pelas lei de imprensa (Lei nº
5.250), sancionada por Castelo Branco em 9 de fevereiro de 1967 e lei de censura prévia
(Decreto-lei nº 1.077), de 26 de janeiro de 1970
.
96. A lei de censura prévia estabelecia,
dentre outras coisas, que o conteúdo veiculado pelos jornais e revistas deveria ser
enviado aos órgãos censores do governo, para uma avaliação do teor do conteúdo, antes
de serem publicados, o que em muitos dos casos inviabilizava a circulação da notícia ou
por excesso de cortes ou por atraso na devolução dos materiais. Em casos extremos, as
redações dos órgãos de imprensa eram permanentemente vigiadas por censores in loco,
que fiscalizavam as ações de jornalistas suspeitos e acompanhavam - vetando as
matérias "suspeitas" parcial ou em sua totalidade quando necessário - todo o processo
de produção da notícia, como foi o caso da Tribuna da Imprensa97
De modo a garantir sua existência muitos veículos acabaram se submetendo às
determinações do regime e promoveram uma autocensura de seus conteúdos. Esse foi o
caso da Folha de São Paulo, que segundo seu editor-chefe à época Boris Casoy afirma
"por uma questão de sobrevivência, o Grupo Folha não tinha censor. Tinha decidido
não enfrentar o regime. Fez autocensura."
.
98
95 MARCONI, Paulo. A Censura Política na Imprensa Brasileira (1968-1978). São Paulo: Editora Global, 1980, pp. 42-46.
De acordo com Marcio Castilho
96 KUSHNIR, Beatriz. Op. Cit., p. 97 CASTILHO, Marcio. "Patrimônio dos Próprios Jornalistas": o Prêmio Esso, a identidade profissional e as relações entre imprensa e Estado (1964-1978). Tese de Doutorado. 2010. p. 84. 98 CASOY, Boris. Entrevista à Beatriz Kushnir em 18/03/1999 APUD KUSHNIR, Beatriz. Op. Cit., 2004, p. 86.
88
"a autocensura representava, portanto, uma acordo tácito entre
Estado, dirigentes de jornais e produtores de notícias. Parte da
imprensa seguia assim sua tradição histórica de compactuar com o
poder vigente."99
Mesmo em face das adversidades impostas pela conjuntura política experimentada no
período, a fotografia cuja temática era política nacional nunca deixou de aparecer na
relação de homenageados do Prêmio Esso. Foram 9 imagens no total, sendo que nos
anos mais críticos, caracterizados pelo recrudescimento das medidas autoritárias, o
conteúdo político é esvaziado da premiação principal e as imagens com essa temática
que se destacaram conquistam Menções Honrosas ou títulos em categorias regionais
100
Esse tipo de fotografia será analisada em detalhes posteriormente, mas é importante no
momento ressaltar que apesar do pouco destaque as questões políticas participaram do
Esso, através das fotografias, nos difíceis anos em que a exceção foi a regra no país.
Mais ainda relevam um traço marcante da cultura política nacional que é a relação entre
as formas de representação do poder e sua desconstrução através do humor como forma
de manifestar criticamente as opiniões acerca da política e, sobretudo, dos seus
personagens.
,
com destaque a região Sul, que fora do eixo Rio-São Paulo teve dois fotógrafos
premiados com imagens sobre o tema política nacional, sendo que uma dessas
fotografias - Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório, de Luiz Vargas Benk -
será analisada posteriormente neste capítulo. O importante desse conjunto é destacar
que os protocolos visuais dessas imagens manifestam uma interessante característica
comum: salvo algumas exceções, as imagens recorrem a recursos de linguagem para
transmitir a mensagem que desejam, ou seja se valem da metáfora, da ironia, da
inversão, dentre outros, para compor visualmente e de maneira sutil uma determinada
informação, que especialmente nesse período, em virtude das circunstâncias, não
poderiam circular de modo literal.
Outro dado relevante diz respeito aos veículos de imprensa mais vitoriosos quando o
assunto é Prêmio Esso. Se entre os profissionais a repetição de vitórias era exceção,
99 CASTILHO, Marcio. Op. Cit., 2010, p. 84. 100 As categorias regionais surgiram no Prêmio Esso em 1966, dividindo-se em três grupos: Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Somente a partir de 1977 passaram a utilizar a mesma divisão regional do país, considerando então, Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
89
mesmo se levando em conta as menções honrosas e votos de louvor, entre as empresas
de jornalismo a concentração era a regra e se manifestava tanto geográfica quanto
institucionalmente. Nas tabelas abaixo a relação de jornais e revistas que mais
receberam o Prêmio Principal de Fotografia e outros tipos de reconhecimento como
Votos de Louvor, Menções Honrosas e Prêmios Regional.
Veículos Prêmios %
JORNAL DO BRASIL 5 26%
O ESTADO DE S. PAULO 2 11%
O GLOBO 2 11%
FATOS & FOTOS 2 11%
FOLHA DE S. PAULO 2 11%
CORREIO DO POVO 1 5%
REVISTA VEJA 1 5%
REVISTA MANCHETE 1 5%
DIÁRIO DE SÃO PAULO 1 5%
CORREIO DA MANHÃ 1 5%
DIÁRIO DO PARANÁ 1 5%
Total geral 19 100%
Tabela 3: Jornais e Revistas que ganharam o Prêmio Esso de Fotografia
Veículos Homenagens %
O ESTADO DE S. PAULO 6 27%
TRIBUNA DA IMPRENSA 3 14%
O GLOBO 2 9%
JORNAL DOS SPORTS 2 9%
FOLHA DO NORTE (BELÉM) 1 5%
JORNAL DO BRASIL 1 5%
O ESTADO DO PARANÁ 1 5%
90
ÚLTIMA HORA 1 5%
DIÁRIO DE MINAS 1 5%
CORREIO DO POVO 1 5%
ÚLTIMA HORA (São Paulo) 1 5%
MUNDO ILUSTRADO 1 5%
O ESTADO (Santa Catarina) 1 5%
Total geral 22 100%
Tabela 4: Jornais e Revistas agraciados com Votos de Louvor, Menções Honrosas e Prêmios Regionais
A partir desses quadros é possível inferir que o Jornal do Brasil foi o veículo que mais
recebeu o prêmio principal dado a melhor fotografia do ano entre 1960 e 1979,
mantendo ainda uma vantagem numérica razoável para o segundo colocado.
Considerando outros títulos que não o prêmio principal o destaque recai sobre o jornal
O Estado de São Paulo que no somatório de prêmio e outras homenagens ainda
ultrapassa o Jornal do Brasil em número de vezes que foi listado no rol de vencedores
do Esso. Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro e O Estado de São Paulo, em São Paulo
polarizam a conquistas de títulos na categoria fotojornalismo do principal concurso
especializado do país e juntos revelam a concentração da região Sudeste e do eixo Rio-
São Paulo na configuração das listas de vencedores do concurso.
Além deles se destacam também O Globo e a Folha de São Paulo, que junto com os
primeiros formam o grupo de empresas de comunicação hegemônico no campo do
jornalismo no período, assumindo, portanto, o papel de formadores de opinião tanto
local como nacionalmente101. Os quatro grandes do jornalismo nacional repetem, com
variação de posição entre eles, no concurso destinado à fotografia, a concentração do
quadro apresentado na disputa pelo Prêmio Esso de Jornalismo, categoria principal,
voltada para a reportagem escrita102. O destaque da premiação é o Jornal do Brasil que
é o veículo mais vitorioso nas duas instâncias no período pesquisado. E, a exceção é a
Tribuna da Imprensa, um jornal menor e sem representatividade nacional103
101 CASTILHO, Marcio, Op. Cit., p. 271.
, o qual
conquistou três menções honrosas, todas em uma única edição do prêmio no ano de
1965, sendo que uma delas foi concedida em caráter especial porque o fotógrafo
Joveraldo Lemos morreu enquanto atuava.
102 Idem. 103 Idem, p.
91
A concentração geográfica fica também evidente nas relações de jurados dos prêmios de
fotografia. Durante os anos em que a categoria fotografia contou com uma comissão
julgadora específica composta por fotógrafos profissionais - de 1961 a 1966 -, todos os
escalados para compô-la pertenciam a veículos ou do Rio de Janeiro ou de São Paulo,
sendo que há nos primeiros anos uma preponderância do Rio de Janeiro nessas
comissões, devido a participação de fotógrafos das Revistas Ilustradas que estavam
sediadas, em sua maioria, na cidade do Rio. Esse dado demonstra como, inicialmente, a
centralidade econômica da região Sudeste, especialmente no eixo Rio-São Paulo, estava
relacionada com a produção de notícias, tanto visual como na forma de texto. Os jornais
de grande circulação, que encampavam os projetos de modernização, associados a nova
etapa do capitalismo brasileiro, nos quais a fotografia possuía um lugar privilegiado104
A primeira imagem fora desse eixo de produção de notícias a ser premiada com um
prêmio principal do Esso será "Cena de Selvageria" de Mário Nunes do Nascimento
para o jornal Diário do Paraná. A fotografia, que traz uma cena de abuso policial, será
premiada na edição de 1976, ou seja, somente 15 anos após a criação do concurso de
fotografia. Em outras categorias que não a principal, outros estados foram contemplados
com títulos desde as primeiras edições do Prêmio, como é o caso da imagem "Incidente
no Campo de Futebol", do fotógrafo Jacob Rafael Soares, da Folha do Norte (Belém),
Voto de Louvor no Esso de 1962.
,
tinham suas sedes nos dois centros econômicos do país.
Tal perspectiva, que coloca o sudeste como centro no processo de consolidação do
fotojornalismo na imprensa diária nacional, se coaduna com a trajetória de diversos
fotógrafos que fizeram parte dessa primeira geração de fotojornalistas que participaram
desse processo. Em vários depoimentos surge a questão da saída de seus estados de
origem para tentar a sorte nas grandes capitais do país como ponto de inflexão de suas
carreiras, uma vez que a conquista de uma vaga em jornais e revistas de São Paulo e do
Rio de Janeiro, sobretudo, representavam tanto o sucesso na profissão quanto a
possibilidade de ascensão social.
O Rio de Janeiro se constituía, à época, como um dos principais centros de produção de
notícias, de onde a informação era irradiada para o restante do país. Ficavam no Rio de
Janeiro as principais revistas nacionais e os jornais de grande circulação, dentre eles o
104 LOUZADA, Silvana, 2009, Op. Cit., p. 54.
92
Jornal do Brasil que irá iniciar na década de 1960 um dos mais importantes períodos
para o fotojornalismo nacional.
A preponderância do Jornal do Brasil em relação aos outros veículos em número de
Essos conquistados, especialmente no período estudado, é reflexo do investimento do
periódico na fotografia como forma de expressão privilegiada na configuração do jornal.
Processo esse que teve sua culminância com o movimento que ficou conhecido como as
reformas do JB e se desenrolou no final dos anos de 1950 sob a batuta de Amílcar de
Castro, tornando do Jornal do Brasil uma referência no fotojornalismo nacional. Como
reduto do fotojornalismo, o diário carioca se transformou em um espaço de trabalho
privilegiado para seus fotógrafos e posto almejado por aspirantes ao ingresso na
profissão, trazendo mudanças paradigmáticas no tratamento visual da informação -
desde a diagramação do jornal ao investimento em um fotojornalismo diferenciado - e
no processo de produção de notícias.
Embora a utilização inovadora da fotografia no jornalismo diário já houvesse se
consolidado como estratégia de sucesso nas páginas de Última Hora desde 1951, ano de
fundação do jornal, foi no JB que o fotojornalismo diário atingiu seu ápice. Através das
páginas do Jornal do Brasil, emergiu no cenário jornalístico nacional um tipo de
fotografia diferente105, que relacionava eficiência jornalística e "bom gosto"106
" O JB, portanto, constrói um espaço que institui as competências
necessárias a seus agentes para se apresentarem com detentores de
um capital cultural diferenciado e mais elevado que o dos demais
periódicos. Mais do que uma questão puramente estética, há aqui a
filiação a um determinado habitus que se distingue do tradicional
no mercado e procura se fortalecer em uma determinada classe
social, mais alta, por meio de uma fotografia que, além de 'artística'
. Segundo
a pesquisadora Silvana Louzada:
105 Utiliza-se, neste caso, a expressão do fotógrafo Erno Schneider, que atuou no Jornal do Brasil, e fala em seu depoimento que para obter sucesso como fotógrafo no jornal era preciso fazer uma foto diferente, uma foto que não se veria publicada em nenhum outro jornal. 106 LOUZADA, Silvana. Op. Cit., 2009 (passim).
93
quer se colocar como mais autêntica e, em termos 'culturais',
hierarquicamente superior."107
Esse padrão JB que reúne técnica e estética refinadas é reiterado pelas sucessivas
vitórias que a seus fotógrafos conquistam no concurso promovido pela Esso. O jornal
recebe os prêmios de 1962, novamente em 1963, 1965, 1971 e 1977. Em que pese a
própria trajetória de sucesso fotojornalístico do jornal, o tipo de fotografia publicada no
JB se constituiu como uma espécie de referência para as fotografias vencedoras das
edições do prêmio. Ao longo de toda a série fotográfica é possível identificar a
preferência das comissões julgadoras pela imagem que, sem prescindir do seu valor
jornalístico, consegue aliar atributos artísticos e uma preocupação estética na
composição da foto.
Nesse sentido, temos uma série de imagens em que não se vêem representados os
antigos bonecos que compunham visualmente a notícia nas páginas de jornal sem lhe
acrescentar informação relevante. Tampouco aparece o didatismo das imagens do jornal
Última Hora, com fotografias organizadas de modo que a compreensão da mensagem
visual fosse sendo apreendida pelo seu espectador - compreendido como sujeito de
pouca instrução, proveniente dos extratos mais baixos da sociedade - na medida em que
se familiarizasse com a linguagem, promovendo uma pedagogia do olhar108
No caso do jornal O Estado de São Paulo, se somarmos todas as vezes que conquistou
algum título na premiação em questão são 8 citações contra 6 do Jornal do Brasil que
seria o segundo colocado. Tal dado representa uma quantidade significativa de
. No que
concerne aos motivos captados pelas lentes dos fotógrafos, se de algum modo, tem-se
uma gama variada de assuntos entre as imagens vitoriosas, no sentido contrário, ou seja
procurando pelo que não se tem, é possível inferir que a representação visual da notícia
consagrada por essas comissões julgadoras excluem, nos anos que esta pesquisa
abrangeu, a estética sensacionalista que expõe corpos ensanguentados, violação de
cadáveres e espólios de tragédias que chocam por seu caráter explícito e as fotografias
da seção policial dos jornais, que passaram a compor, em profusão, o rol de premiadas a
partir dos anos 1990.
107 Idem, p. 262. 108 Idem, p. 273.
94
consagrações, visto que a utilização de fotografias não era prática comum nas páginas
do diário paulista na época.
O Estado de São Paulo é um dos jornais mais tradicionais do estado e o foi dos
pioneiros único que conseguiu se manter entre os grandes veículos de comunicação. Sua
fundação data de 1875, quando circulava com o nome A Província de São Paulo, título
alterado posteriormente quando da Proclamação da República. Segundo Oscar Pilagallo,
o jornal representava os interesses e a voz de uma nova elite paulista que ascendia no
país, os cafeicultores. Estes, embora detivesse poder econômico ficavam à margem da
política e das relações privilegiadas com o governo, que no momento estava sediado no
Rio de Janeiro, capital do Império e depois da República até 1960109
A fama e o tamanho do jornal justificariam o sucesso do veículo na história do Prêmio
Esso, não fosse o fato de o Estado ser um jornal de perfil conservador, que mantinha o
"modelo do velho jornal diário, pesado e pouco atraente"
. Deste modo, A
Província surgiu com a intenção de fazer com que as demandas dessa nova classe
econômica, especialmente no que diz respeito ao abolicionismo, ecoassem para além
das fronteiras do estado.
110. O jornal privilegiava a
informação escrita em detrimento das fotografias, que ficavam reduzidas à primeira
página e em pouca quantidade. O seu padrão visual consistia em mais de 40 páginas
compostas por blocos de texto separados em colunas por fios verticais e o seu processo
de modernização, "com a adoção de um novo conceito gráfico, ocorreu de forma
bastante lenta, depois da reforma empreendida pela maioria dos jornais
concorrentes."111
O Estado também obteve sucesso na categoria principal do concurso, o que é atribuído,
por Castilho a manutenção da influência do veículo durante o período da ditadura, em
que conquistou três prêmios principais. No caso da fotografia, outros fatores podem ser
considerados para explicar o desempenho favorável na competição mais importante do
jornalismo nacional.
.
Como foi dito anteriormente, o Esso premiou um número bastante variado de
fotojornalistas, num movimento oposto ao dos grupos de comunicação. Entretanto, o
jornal O Estado de São Paulo foi o único veículo que teve em seus quadros, no período
109 PILAGALLO, Oscar. História da Imprensa Paulista. São Paulo: Três Estrelas, 2012. 110 CASTILHO, Op. Cit., p. 111 Idem, p. 279.
95
pesquisado, fotógrafos consagrados mais de uma vez com a homenagem. Foram eles,
Domício Pinheiro com um prêmio principal e um voto de louvor e Reginaldo Manente
com duas Menções Honrosas e um Voto de Louvor. Reginaldo Manente ainda recebeu
em 1982 - fora do escopo da pesquisa, portanto - um Prêmio Principal pela fotografia
"Barcelona, 5 de julho de 1982", que retrata a tristeza de um menino torcedor com a
desclassificação da Seleção Brasileira da Copa do Mundo da Espanha, naquele ano.
Juntos os dois repórteres fotográficos concentram quatro das oito homenagens recebidas
- 50 por cento - pelo referido periódico no período.
Além disso, o Grupo Estado era uma empresa de comunicação formada por outros
jornais e publicações jornalísticas, que tinha o jornal diário como carro-chefe de sua
atuação. Esse dado é relevante, pois outros veículos do grupo, como a Edição de
Esportes e o Jornal da Tarde, destacaram-se justamente pela inovação gráfica e pelas
mudanças no perfil editorial que se distanciavam do jornalismo tradicional. A Edição de
Esportes, por exemplo, surgiu em 1964 e circulava à noite aos domingos, com a
cobertura esportiva do fim de semana. O jornal suplementar foi uma maneira encontrada
para suprir a necessidade desse tipo de cobertura, já que o Estado não circulava às
segundas-feiras. O novo formato experimentado na Edição de Esportes foi concebido
por Mino Carta e funcionou como uma espécie de laboratório para o que depois viria ser
o Jornal da Tarde - comandado pelo próprio Mino -, embora os dois tenham circulado
simultaneamente por alguns anos112
Nos dois veículos a fotografia era amplamente utilizada para compor visualmente as
notícias e foi das páginas desses dois periódicos que saíram boa parte dos prêmios
conquistados pela equipe do Grupo Estado. Esse é o caso por exemplo das fotografias
que conquistaram menções honrosas na edição de 1965 do prêmio. No livro
comemorativo dos 50 anos do Prêmio Esso e no site do evento o jornal "O Estado de
São Paulo" aparece com duas Menções Honrosas, ambas conquistadas com fotografias,
sendo uma delas um conjunto com duas imagens com o título "O Choro do Abandono".
No site a série é descrita da seguinte forma:
. A Edição de Esportes conquistou um Prêmio Esso
em 1965, na categoria informação esportiva, por uma reportagem sobre o futebol no
interior de São Paulo de autoria de Hamilton de Almeida e Tão Gomes Pinto.
112 "Edição de Esportes", Jornal da Tarde, 28/1/1991, pág. 14B.
96
"Dois momentos de grande emoção, transformados em flagrantes,
embora em situações bastante diferentes, resumem a expressão do
sentimento incontido: o choro do abandono."
Não há referências sobre os acontecimentos que retrataram ou sobre algo que ajude a
elucidar os critérios que levaram tais fotografias a receberem tal destaque, mesmo se
levando em conta que em 1965 foram o ano em que o maior número de fotografias foi
homenageado - 7 no total. A pesquisa sobre essas imagens, confirma a autoria do
fotógrafo Reginaldo Manente, que como já foi dito trabalhava para o grupo Estado, mas
não foi possível constatar que elas tenham sido publicadas no principal jornal do grupo,
tal como está indicado nas informações sobre o concurso divulgadas pelos
organizadores posteriormente. Em 11 de julho de 1965 O Estado de São Paulo publica
uma matéria sobre a "Distinção das fotos do 'Estado'"(Figura 9), a qual falava
justamente sobre as menções do veículo no Prêmio Esso daquele ano, com as
fotografias "Torcida que Perdeu", de Domício Pinheiro e "O choro do abandono". A
reportagem ocupa 4 colunas da página e traz duas das imagens do periódico destacadas
na competição.
No texto, que não está assinado, a distinção conferida pelo prêmio é evidenciada logo
no início ao destacar que "entre as setenta e uma fotografias que concorram ao X
Prêmio Esso de Reportagem dois trabalhos esportivo dos fotógrafos do 'Estado'
mereceram menções honrosas do juri do certame."113 Adiante a matéria fala sobre a
ocasião em que as fotografias premiadas foram publicadas e os acontecimentos que
justificaram essa publicação. A fotografia de Domício Pinheiro, segundo a reportagem,
saiu na "Edição Esportiva" de 21 de setembro de 1964 e foi republicada em 8 colunas na
edição diária de 22 de setembro de 1964, narrando os fatos que envolviam o
rompimento da estrutura de proteção dos torcedores na arquibancada do estádio,
fazendo com que eles caíssem. Já a imagem de Manente foi veiculada 30 de novembro
de 1964, apenas na "Edição Esportiva. De acordo com o texto a fotografia "serviu como
ilustração para a reportagem 'Campeões são homens fora de série', na qual se apontam
as falhas da Confederação Brasileira de Desportos".114
113 O Estado de São Paulo, 11 de junho de 1965, p. 38.
Ao se referir à ilustração o texto
está informando exatamente a função da imagem na notícia, já que o atleta que chora na
114 Idem.
97
fotografia é um corredor dos Estados Unidos que chega em segundo lugar numa prova
de atletismo. A ideia do choro do abandono dos esportivas brasileiros presente no título
da reportagem, recebe como reforço uma fotografia, provavelmente de arquivo, que
ilustra o título sem fazer nenhuma referência ao acontecimento que veicula.
Figura 9: Jornal O Estado de São Paulo, 11 de julho de 1965, página 38.
98
Em pelo menos uma vitória creditada ao jornal O Estado de São Paulo a fotografia
relacionada na listagem dos premiados não foi publicada em suas páginas na ocasião
dos fatos que reportaram. Essa imagem é "Amarildo: depois" (Figura 10), do fotógrafo
Reginaldo Manente, que era empregado do grupo de comunicação ao qual O Estado de
São Paulo pertencia.
A fotografia de Reginaldo Manente foi feita em 7 de junho de 1962, na Copa do Mundo
do Chile, após a final do jogo Brasil e Espanha, e mostra um close do jogador Amarildo
em prantos após a vitória da seleção brasileira. Apesar da vitória, a emoção de Amarildo
se justificava no momento, pois sobre ele pesara a enorme responsabilidade de
substituir, nada mais, nada menos, que Pelé - o grande ídolo da torcida e jogador mais
importante da seleção naquele mundial - que havia se contundido no jogo anterior. A
substituição, embora inevitável, gerou questionamentos e o descrédito em relação a
Amarildo foi imediato, perdurando até o final daquele jogo, que pelo menos para o
atacante brasileiro, foi decisivo. Depois, no encerramento da partida, o choro de
Amarildo era de alívio, não só dele, mas de toda a nação de torcedores que agora
confiavam no substituo e poderiam respirar um pouco mais aliviados rumo ao que seria
o bicampeonato mundial do Brasil, mesmo sem mais nenhuma atuação de Pelé. O
resultado do jogo e as notícias da partida saíram em vários jornais, mas a história de
Amarildo, que jogou "uma batalha de 71 minutos consigo mesmo" e "sob o signo da
ausência de Pelé"115
Figura 11
e a foto de Manente deram uma primeira página no Jornal do
Brasil ( ), com a manchete "Amarildo classifica o Brasil".
O regulamento do Prêmio Esso previa que a inscrição dos trabalhos fotográficos deveria
constar das fotografias e de um recorte do jornal ou revista com a matéria em que ela
havia sido publicada. No entanto, nesse caso, não foram recortes do jornal O Estado de
São Paulo que serviram para a comprovação da publicação e ainda assim, é ele quem
aparece como vitorioso na relação de veículos premiados.
115 Jornal do Brasil, 7 de junho de 1962, capa.
99
Figura 10: Amarildo: depois, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa na edição de 1963 do Prêmio Esso.
Figura 11: Primeira Página do Jornal do Brasil de 7 de junho de 1962.
100
Figura 12: Reprodução do jornal O Estado de São Paulo, 7 de junho de 1962, página 21.
No mesmo dia o jornal O Estado de São Paulo publica na sua seção de esportes uma
notícia sobre a vitória do Brasil, com os principais lances do jogo e um resumo dos
acontecimentos (Figura 12). A reportagem traz muitas fotografias, mas não a de
Manente, que não é publicada nem nos dias posteriores. No JB ela sai creditada a UPI
radiofoto, ou seja, da agência internacional de notícias United Press International.
É importante sublinhar, tanto do caso do Jornal do Brasil quanto em relação ao jornal O
Estado de São Paulo, que ambos também são veículos que contaram com um grande
número de representantes e de participações nas comissões julgadoras do Prêmio Esso
101
no período pesquisado. O Jornal do Brasil com 9 julgadores e 15 participações e O
Estado de São Paulo com 4 julgadores e 8 participações.
Não cabe no escopo dessa pesquisa perscrutar as possíveis contradições das estatísticas
do concurso, detalhando as motivações que levaram a divulgação do resultado de
privilegiando determinados aspectos em relação a outros. Também não se pode afirmar
que houveram tentativas de manipulação ou influência direta das empresas de
comunicação nos resultados, embora os resultados do concurso nem sempre fossem um
consenso no meio jornalístico, como afirma Marcio Castilho:
"o capital específico, aquele que repousa sobre o reconhecimento
dos pares, está permanentemente sujeito a contestações no interior
do campo. É comum surgirem críticas e denúncias de 'proteção' [...]
contra certos grupos e organizações jornalísticas."116
Entretanto vale destacar através dessas revelações que a importância do Prêmio Esso
para o meio reside também na disputa entre as empresas de comunicação pela distinção
que o espaço de consagração confere frente aos demais veículos, os quais são também
concorrentes. Importa menos o fato estatístico em si e mais a significação do prêmio
para essas empresas, para as quais importava o status de poder serem identificadas com
um dos mais cobiçados prêmios do meio. Deste modo mesmo que o reconhecimento
não fosse alcançado diretamente, através de suas páginas, o fato de ter em seus quadros
profissionais que alcançaram o mérito de conquistar um Esso é motivo de destaque e se
configura como uma chance de associar ao nome o veículo ou da marca de seu grupo a
chancela de qualidade identificada com a premiação.
Finalmente, é possível observar através da análise do corpus fotográfico que
compreende todas as imagens vencedoras do Prêmio Esso de Fotografia que elas
legitimam o projeto do instantâneo como atributo essencial do fotojornalismo, ao
premiarem imagens cujo valor está na espontaneidade da captura e no senso de
oportunidade do fotógrafo. As imagens dessa série têm como característica comum o
fato de serem instantâneos, ou seja, foram feitas em meio a dinâmica dos
acontecimentos e perenizadas através da capacidade do fotógrafo de destacar do caos
116 CASTILHO, Marcio. Op. Cit., 2010, p.
102
em que os fatos se desenrolam uma informação visual significativa e ordenada que
confere inteligibilidade e sentido ao que noticia.
A possibilidade do registro instantâneo surge na fotografia com o desenvolvimento dos
meios técnicos e tecnológicos de fixação da imagem e encontra no fotojornalismo o
motivo perfeito para se enquadrar, tal como afirma Ledo:
"Desde el interior de la prática periodística la foto se organiza en
torno de la instantánea, a la velocidade para fijar la acción,
velocidade que se perpetuará en los procesos de transmisión y de
reprodución, se organiza en torno dos géneros informativos y de
opinón de la cultura del diário."117
O compromisso com a verdade dos fatos e a da objetividade estão na raiz de sua
utilização, associados aos ditames da atividade jornalística apregoados pelos meios de
comunicação, para os quais o empirismo da fotografia equacionava com perfeição a
representação de imparcialidade, credibilidade e isenção. Entretanto, com as
transformações na linguagem fotográfica ao longo do século XX, ao caráter testemunhal
da fotografia se agregam outros valores como o engajamento do olhar e a própria
desconstrução do valor documental da imagem técnica. Assim, a velocidade de fixação
da ação e a agilidade propiciada pelos equipamentos, serão utilizados como vetores das
ideias e visões de mundo de seus autores - os fotojornalistas - servido também como
veículo para a denúncia social, o descortinamento de realidades distantes e o ativismo
político
118
No caso das fotografias premiadas analisadas nesta pesquisa, a instantaneidade é a
tônica, mesmo quando as imagens não possuem a instabilidade das formas que
representa o dinamismo da ação em curso. Em suma, a valorização do instantâneo
marca também os termos que distinguem o fotojornalismo das outras formas de
fotografar, dando destaque a imagens não posadas e que não tenham indícios visíveis de
que tenham sido encenadas
.
119
117 LEDO, Margarita. LEDO, Margarita. Documentalismo Fotográfico: éxodos e identidad. Cátedra, 1998, p. 75.
.
118 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes. p. ? 119 Silvana Louzada aborda a questão da encenação fotográfica nos periódicos do início do século XX no Brasil, em que as condições técnicas inviabilizavam a produção do instantâneo. A autora apresenta
103
Vale ressaltar dois aspectos em relação a questão do instantâneo nas fotografias do Esso.
Um primeiro ponto diz respeito a noção de fotografia posada, pois o entendimento de
pose para a fotografia pressupõe um movimento deliberado do fotografado de tomar
uma posição e esperar pelo clique do fotógrafo, que também no jogo de sentidos
implícito na ação espera pelo melhor arranjo determinado por seu motivo e após uma
breve espera que é ao sinal que tudo está ordenado conforme deveria aciona seu
dispositivo. Entretanto, embora esse tipo de fotografia não seja o padrão do
fotojornalismo, isso não exclui a possibilidade da negociação da pose entre os sujeitos
envolvidos na dinâmica dos acontecimentos. Tanto pelo familiaridade, adquirida pela
experiência prévia, do fotógrafo a respeito do seu motivo, já que é comum que
fotojornalistas sejam designados para acompanhar figuras públicas em diversas ocasiões
ou cubram pautas específicas durante tempo suficiente para conseguir fazer uma leitura
antecipada do desenvolvimento das ações. Quanto pela relação que o fotografado
estabelece com a mídia de um modo geral e que determina seu comportamento frente às
câmeras, deixando-se fotografar de tal ou qual maneira de acordo com as contingências
e com o benefício que determinada imagem pública - perenizada pela fotografia - irá lhe
arrendar120
Ana Maria Mauad fala sobre a negociação da pose em fotografias que se tornaram
ícones do fotojornalismo político e que retratam personalidades públicas flagradas em
posições estratégicas que na composição das imagens conotam determinadas
característica que constroem o imaginário político em torno desses personagens. É o
caso da fotografia de Flávio Damm que mostra Juscelino Kubitscheck como o
"Presidente Voador", numa pose "arranjada, planejada e armada em parceria com o
objeto do desejo fotográfico"; do flagrante do presidente Jânio Quadros feito por Erno
Schneider, que conhecia o presidente pois o acompanhava; e do instantâneo em que
Milton Guram, pela familiaridade com os alvos da imagem, espera o momento exato
para registrar uma "Afetuosa União" entre Tancredo Neves e Ulisses Guimarães. Ainda
que se filiassem ao modelo do instantâneo, os três registros demonstram que no ato de
esperar e na mediação do fotografo com o mundo que o cerca, sobressai a capacidade do
profissional de estar no momento certo e na hora certa para tomar da realidade a
imagem providencial.
.
algumas situações em que por mais que a evidência da pose e da montagem da cena se revelasse através da imagem, a legenda atribuía a fotografia o caráter instantâneo. 120 MAUAD, Ana Maria, 2008, Op. Cit.
104
Um outro ponto a se levantado é que não se está pondo em discussão nessa abordagem a
autenticidade do registro, ou seja, não se busca inferir de modo comprobatório que as
imagens de fato foram capturadas no momento da ação. A análise se baseia na
observação dos atributos que estão presentes na imagem, pois foram os mesmos
aspectos considerados para fazer um juízo que a levasse à consagração. Mesmo que o
fotógrafo tenha falsamente encenado uma situação para dar a impressão de
espontaneidade, ela se apresentou como um instantâneo e foi selecionada entre as
demais por essa característica, pressupondo que a integridade do registro esteja pautado
pelo "pacto ético, envolvendo o autor da imagem e seu veiculador, que lhe dá
credibilidade, mais que a análise técnica do profissional ou do documento"121
Os tópicos seguinte abordam os principais protocolos visuais destacados no Prêmio
Esso de Fotojornalismo a partir da análise das imagens vencedoras. As fotografias
escolhidas fazem parte do conjunto de trabalhos que ganharam o premio principal de
fotografia ou receberam outros títulos de consagração no concurso. Embora os tipos de
fotografia premiada misturem diversos tipos de influências ou concepções acerca do
fotojornalismo, a seleção das imagens, bem como a forma de agrupá-las, procurou focar
nos elementos privilegiados pelo fotógrafo e que se inscrevem na forma e conteúdo das
imagens.Do mesmo modo, as categorias criadas - distribuídas nos blocos - tem
finalidade analítica, foram pensadas a partir da recorrência de determinados protocolos
no âmbito das imagens fotográficas veiculadas na imprensa.
. Sendo
assim, para a esta análise, o problema da autenticidade torna-se um falso problema, pois
não altera o fato que foi premiada e que seus atributos lhe conferiam determinado valor
compartilhado no meio em que circulou.
2.2. O olho da História
O Olho da História foi a expressão cunhada por Mathew Brady, chefe da equipe
fotográfica que entre 1862 e 1865 registrou as cenas da Guerra Civil americana, para
demonstrar a grandeza que o aparato técnico de capturar imagens através da luz
representava. Assim se para Brady a câmera fotográfica é o Olho da História, o operador
do dispositivo é a testemunha ocular dessa História, que pode ser contada, a partir do
século XX, através das imagens técnicas122
121 MENESES, Ulpiano, 2002,. Op. Cit., p. 148.
.
122 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes. p. 31.
105
Ancorada na noção de realismo fotográfico está a gênese do fotojornalismo que
encontrou na pretensa veracidade da imagem técnica um meio crível de legitimar a
objetividade e a imparcialidade – valores que emergem com moderna imprensa
ocidental – junto ao público leitor. A partir dessa concepção, o fotógrafo, cuja missão é
registrar os fatos, é o elemento chave dessa equação que une o espectador e
acontecimento, é o profissional que imbuído de coragem e perspicácia está sempre
pronto no momento e hora certos para fazer a tomada de um fragmento da história
através de sua câmera, que se converte, portanto, no olho coletivo de toda a
humanidade, capaz de revelar, de dar a ver ao mundo os momentos cruciais em que o
desenrolar dos acontecimentos altera o curso de sua história.
No que diz respeito ao Prêmio Esso, essa concepção de fotojornalismo se reflete em
algumas das imagens que venceram o concurso e são os objetos de investigação desse
tópico do trabalho. São fotografias que tem seu caráter indicial impregnado na
superfície da imagem, pois revelam não só o fato em si, mas a filosofia do estávamos ali
e fizemos o registro da História que passou diante dos nossos olhos. Então, aliando
proximidade com o real, valor documental e esforço do fotógrafo em superar os riscos
da situação ao qual fica exposto para fazer a fotografia, essas imagens estão vinculadas
a um fotojornalismo testemunhal e são valorizadas tanto por seu conteúdo, que se
associa a uma concepção de dimensão histórica do acontecimento, quanto pelo
comprometimento do profissional em fazer a foto independente das condições em que
se encontre.
A primeira imagem dessa galeria é também a primeira fotografia reconhecida com um
Voto de Louvor pela comissão julgadora do Prêmio Esso de 1960 - "Acontecimento em
Aragarças" (Figura 13). Ela é uma típica representante da fase heróica do fotojornalismo
e mereceu destaque por seu caráter de testemunha de uma sucessão de acontecimentos
espetaculares, envolvendo oficiais ligados às Forças Armadas no Brasil que se opunham
ao governo, rebeldes civis que apoiavam a causa e o próprio fotógrafo Campanella
Neto123
123 Francisco Campanella Neto (1931-2006), mineiro de Pouso Alegre, ficou conhecido como o “pai do Prêmio Esso de Fotojornalismo”, por ser o primeiro fotógrafo de imprensa a ser homenageado pelo concurso promovido pela Esso. Tendo começado cedo na profissão como revelador na Fotóptica de São Paulo, Campanella Neto mudou-se para o Rio com 19 anos e atuou nas revistas Noite Ilustrado e Mundo Ilustrado, onde foi editor de fotografia; no jornal A Noite e no Jornal do Brasil, onde ocupou o cargo de subchefe do setor de fotografia. Criou com Indalécio Wanderley, Ubiratan de Lemos e Gervásio Batista a agência de fotografia Staff Press – segunda do gênero no Brasil – a qual foi vendida para o JB em 1964.
, em um dos episódios singulares da história recente do país.
106
O ano era 1959, o contexto político no país não era de estabilidade, contra o presidente
Juscelino Kubitscheck se insurgiam os partidários da UDN, liderados por Carlos
Lacerda, apoiados por uma parcela dos militares. O desenvolvimento dos "50 anos em
5" havia deixado como saldo uma elevada dívida pública, que gerou dificuldades
financeiras e inflacionárias. No final do governo JK, a insatisfação e pressão dos
opositores vinha através dos jornais por meio de denúncias de escândalos e mau uso do
dinheiro público. O furo de reportagem flagrado por Campanella Neto, publicado na
revista Mundo Ilustrado, foi o desfecho malogrado de um episódio produzido como fato
político pela oposição udenista, articulado em conjunto com um grupo de oficiais da
Aeronáutica, com objetivo de desestabilizar o governo e a frente formada entre PSD e
PTB que lançaria o marechal Henrique Teixeira Lott - então ministro da Guerra - como
candidato a sucessão presidencial.
Em 3 de dezembro daquele ano oficiais da Aeronáutica, sob o comando do então
tenente-coronel João Paulo Burnier, retiram dos hangares da base aérea do Galeão três
aeronaves militares C-47 e decolam com destino a Aragarças, em Goiás. Os militares
faziam parte de um movimento sedioso que partiu de dentro dos quartéis,especialmente
da Aeronáutica, e a exemplo do que havia ocorrido alguns anos antes em Jacareacanga,
no interior do Pará, instaurou uma rebelião contra o governo de Juscelino Kubitschek,.
Dessa vez, a cidade de Aragarças - limite dos estados de Mato-Grosso e Goiás, que hoje
pertence ao estado de Tocantins- funcionou base e quartel-general do movimento,
considerado "revolucionário" pelos insurgentes. O objetivo do levante, de acordo com o
manifesto divulgado pelos militares envolvidos, era apelar aos
"nossos companheiros de armas de terra, mar e ar, a fim de que se
unam em tôrno dos nossos ideais, nesta gloriosa jornada
revolucionária, a fim de depor os responsáveis por êste estado de
coisas, homens débeis, incapazes e corruptos, que norteiam seus
atos pelo interesse do seu egoísmo em detrimento dos superiores
interesses da pátria."124
Em 2005, o fotógrafo foi homenageado com uma placa de prata na abertura da exposição comemorativa dos 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.
124 Manifesto Revolucionário atribuído aos insurgentes e publicado pelo Jornal do Brasil em 4 de dezembro de 1959.
107
Paralelamente, o fotógrafo Campanella Neto embarca no avião ConstellationPP-PCR da
Panair com destino a cidade Belém, no Pará, enviado pela revista Mundo Ilustrado, para
fazer uma reportagem no local. O que o Campanella não poderia prever era que seria
personagem de um episódio até então inédito no Brasil e no mundo: o fotógrafo, assim
como os outros passageiros daquele vôo, foi vítima do primeiro sequestro de aeronave
comercial que se tem notícia na história da aviação. Conforme noticia o Jornal do
Brasil do dia 4 de dezembro de 1959:
"O Constellation PP-PCR da Panair do Brasil foi seqüestrado na
madrugada, em pleno vôo, com seus 38 passageiros e 8 tripulantes
por dois oficiais do Exército, que o forçaram a aterrar no Aeroporto
de Aragarças.
Em Aragarças o avião foi recebido pelos tripulantes
revolucionários. Os oficiais que forçaram o Constellation a mudar
sua rota são o coronel Luís Mendes e o Major Tarcísio, ambos do
Estado-Maior das Fôrças Armadas. A pista de Aragarças - como
aconteceu em Jacareacanga - foi obstruída com barris e outros
objetos após a descida do avião, cujos passageiros estão passando
bem."125
Logo abaixo o jornal traz uma lista dos tripulantes e passageiros que estavam a bordo da
aeronave sequestrada e entre os nomes da relação de passageiros está o do fotógrafo
com a identificação profissional: "Francisco Campanella Neto (fotógrafo da revista
Mundo Ilustrado)"
126
125 Jornal do Brasil, 4 de dezembro de 1959, p. 4.
. Na mesma parte da reportagem o texto ainda afirma que o
repórter do Jornal do Brasil Luís Guttemberg viajaria no lugar de Campanella e por isso
o nome do jornalista estaria na lista de passageiros divulgada pela Panair, apesar do
mesmo se encontrar no Rio de Janeiro. E segue dando uma nota da Panair do Brasil
sobre o incidente e relatando detalhes, informados ao jornal através de um telegrama, de
como "os passageiros informaram 'como oficiais da FAB' os elementos que, de arma em
126 Idem.
108
punho, obrigaram o comandante a mudar o rumo, ordenando que pousasse em
Aragarças."127
A cobertura que Campanella Neto faria no Pará deu lugar a outra matéria, publicada na
revista Mundo Ilustrado em dezembro de 1959, que o colocaria na lista de profissionais
de imprensa premiados pela Esso em seu concurso já tradicional àquela época. Por ter
tido a oportunidade de conquistar reconhecimento, como fotógrafo, mesmo participando
de um concurso que julgava apenas trabalhos escritos, inaugurando o que no ano
seguinte seria uma categoria específica para premiar fotografias da imprensa,
Campanella agregou ao título recebido o rótulo de "Pai do Prêmio Esso de
Fotojornalismo". Prêmio recebido por uma reportagem que quase não foi feita, visto que
ele embarcou no avião substituindo um colega.
.
Em que pese a semelhança entre esta história e um roteiro cinematográfico com todos os
elementos de um filme de ação e aventura, outro fato notório no episódio, que
provavelmente ajudou a compor o quadro que levou a fotografia e seu autor a
consagração, é a audaciosa participação do fotógrafo sequestrado no desfecho
surpreendente dos acontecimentos. Segundo matéria do jornal Paparazzi, da Associação
de Repórteres Fotográficos do Rio de Janeiro, foi através de informações passadas por
Campanella Neto que as tropas militares leais ao governo puderam intervir e debelar a
rebelião, prendendo alguns dos insurgente e provocando a fuga de outros.
Uma vez retidos em Aragarças, os passageiros e a tripulação do Constallation foram
mantidos em um hotel fazenda próximo ao campo de pouso da base da FAB, privados
de manter contato com qualquer ponto do país e sob forte vigilância. Mesmo assim:
"Campanella conseguiu driblar a vigilância dos soldados e enviar
três telegramas de uma cidade vizinha, para seu editor-chefe, Joel
Silveira, para o presidente do Senado e para o marechal Lott, então
ministro da Guerra – no avião também viajava o corpo
127 Idem.
109
embalsamado de um tenente da Aeronáutica, sobrinho de Lott,
acompanhado da viúva."128
A notícia da denúncia do esconderijo em que estavam os passageiros do vôo da Panair
chegou aos integrantes da rebelião através do rádio, pelo Repórter Esso, ao que só
restou a Campanella, descoberto como autor da denúncia, "sair de fininho" e ir se
esconder no mato, de onde viu e registrou a movimentação dos aviões C-47 da FAB,
que decolaram em fuga para o exterior levando como refém o senador Remi Archer,
outro passageiro do vôo comercial.
O fotógrafo que, mesmo estando em situação de perigo e quase ficando sem filme, não
parou de documentar o que via, manteve seu senso de dever profissional e ao mesmo
tempo a consciência de que presenciava um furo de reportagem exclusivo, um fato
histórico do qual somente ele poderia conseguir um registro visual. Campanella estava
próximo quando um piloto envolvido recebeu voz de prisão do comandante da operação
e lembra do desfecho dos Acontecimentos em Aragarças como o ápice de um enredo
heróico.
"Ele [o piloto] começou a atirar, deu um cavalo-de-pau, tentou
arremeter de novo, bateu nos galões atirados para impedir a fuga e
o avião começou a pegar fogo e a explodir munição. Era o
Vietnã!"129
É interessante destacar na fala do fotojornalista que o processo de rememoração da
cobertura dos acontecimentos termina na imagem da guerra. "Era o Vietnã!", é a
expressão encerra a narrativa e confere sentido às ações mirabolantes que presenciou e
das quais também foi personagem, o que é motivo de orgulho e entusiasmo. Ao associar
a rendição dos rebeldes com o Vietnã, Campanella evoca a figura mítica do fotógrafo de
imprensa que vai para o "front" de batalha com a câmera na mão para registrar o
desenrolar da História.
128 PAPARAZZI, jornal da Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro,ARFOC/Rio. Perfil de Campanella Neto. Rio de Janeiro: Julho/Agosto de 2001, no. 82, pág. 6-8. 129 Idem.
110
Muito tempo depois, na abertura da exposição fotográfica que comemorou os 50 anos
do Prêmio Esso, Campanella Neto foi homenageado com uma placa de prata por ter
sido o primeiro representante do fotojornalismo a ser reconhecido por seu trabalho na
premiação. Na ocasião falou novamente sobre como a situação inusitada que se
envolveu fez parte de sua trajetória.
"Esta aventura está entre as melhores recordações da minha vida e
a criação do Prêmio Esso foi um grande reconhecimento ao meu
trabalho. De vez em quando, acordo à noite pensando naqueles
momentos e confesso que ainda sinto arrepios. Foi naquele vôo que
testemunhei talvez o primeiro seqüestro de avião de passageiros do
mundo. Estávamos em pleno vôo, quando os militares rebeldes
tomaram de assalto o avião, desviando-o para Aragarças. Graças à
minha habilidade e calma, consegui registrar diversos flagrantes da
rebelião até a rendição dos rebeldes."130
Figura 13: Fotografia feita por Campanella Neto da prisão dos revoltosos de Aragarças, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1960.
130 Depoimento de Campanela Neto, sobre os fatos registrados em Aragarças, na abertura da exposição fotográfica em comemoração aos 50 anos do Prêmio Esso. Disponível em: http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=1162, acessado em setembro/2012.
111
Após a intervenção militar enviada a rebelião foi contida e o saldo da operação rendeu a
foto que foi reconhecida como digna de um Voto de Louvor no Esso de 1960. A imagem
mostra alguns dos envolvidos sendo presos, com as expressões de desespero e
conduzidos por soldados armados em um campo ermo.
Observando sua expressão - os componentes que dependem da técnica empregada no
ato fotográfico - é possível identificar uma preocupação com a captura do movimento,
da ação impetrada pelo motivo alvejado no momento em que a fotografia foi feita. A
imagem denota a espontaneidade e o dinamismo da ação retratada pelo o fotógrafo ao
fazer a tomada. O corte em uma das margens revela um enquadramento imperfeito,
sugere ter sido feito enquanto a cena transcorre, com as pessoas que participam da ação
se deslocando aleatoriamente, indiferentes a presença do fotógrafo. Isso pode ser
observado através da posição de duas pessoas na margem esquerda da fotografia, cujas
imagens aparecem cortadas, além da posição do que possivelmente seria um homem
sendo capturado, do qual somente os braços estendidos estão à mostra. Esta análise do
enquadramento se baseia no visível e considera que o corte da imagem seja
correspondente original inscrito no negativo. Não está sendo colocado em questão a
possibilidade de a fotografia ter sofrido cortes posteriores, pois para fazer a inscrição no
concurso, além dos recortes com a reportagem era necessário também enviar cópias da
imagem original.
O enquadramento diagonal da fotografia, obtido com um posicionamento da câmera
num suposto vértice do campo visual alcançado, amplia a sensação de profundidade da
imagem reforçando o efeito tridimensional. Utilizando a geometricidade da perspectiva
para esquadrinhar linhas que divergem do primeiro plano a fotografia esboça uma ideia
de deslocamento da ação na direção de quem a observa. Além disso, outro elemento que
contribui para a percepção de dinamismo é a pouca nitidez que produz um efeito de
desfocagem do segundo plano, de modo que os detalhes das pessoas e objetos em cena,
como o rosto do soldado que conduz o grupo, não seja identificável.
Todos esses elementos são valorizados no flagrante e contribuem para torná-lo um
típico representante da concepção de fotografia direta, tomada de assalto no calor dos
acontecimentos, que inscreve em sua superfície a autoridade do testemunho, do
"estávamos ali", presenciando e registrando os fatos. O momento captado por
Campanella Neto está diretamente relacionado à vocação oportunista do repórter
fotográfico, que está presente, com sua máquina de imagens, no momento certo e na
112
hora certa para relevar os fatos, trazer aos olhos do observador final a vivência daquele
momento, suprindo a ausência do mesmo.
A fotografia faz parte de um conjunto de imagens que foram publicadas como uma
reportagem na revista Mundo Ilustrado. O periódico pertencia ao grupo de comunicação
que também era dono do Diário de Notícias, o qual fazia acirrada oposição ao governo
de Juscelino Kubitschek, simpatizando com a ação dos militares antigovernistas. Esse
dado evidencia outro aspecto dessa imagem fotográfica: a construção visual do sentido
dos acontecimento baseado em uma posição política ou ideológica. Ao atentar para o
conteúdo da imagem é possível perceber a narrativa que transcorre implícita ao registro
puro e simples do fato tal qual ele aconteceu. Dos personagens envolvidos na cena de
destacam o soldado, paramentado com suas vestimentas militares, impassível e de arma
em punho; e os rebeldes presos, com roupas civis, esquálidos e com o desespero na face
que completam o quadro de dramaticidade.
Tendo em vista a posição política adotada pela da revista que publicou a fotografia131
A parte a questão ideológica, as fotografias e a reportagem de Campanella Neto sobre o
levante em Aragarças também tiveram grande repercussão por terem sido produzidas
com exclusividade a partir do local dos fatos. O fotógrafo, foi o único representante da
imprensa a cobrir o episódio in loco, quase como um correspondente de guerra, pois
embora os acontecimentos não caracterizem a rebelião como tal, a representação que se
construiu da atitude do repórter e de sua participação nos fatos certamente aproximou
,
os códigos visuais construídos pela imagem reforçam uma desproporção de forças entre
o soldado que representa o poder do governo e de suas forças enviadas para reprimir o
movimento e os presos, que representam os insurgentes, sem defesa, sendo levados
dramaticamente para a prisão. O elemento central da composição é o homem que está
em destaque no primeiro plano e cuja expressão de sofrimento e desespero do rosto é
um dos poucos elementos que são perceptíveis com nitidez, evidenciando a posição
assumida por quem publicou a fotografia: ao lado dos revoltosos.
131 A publicação semanal Mundo Ilustrado, lançada em janeiro de 1956 pelo Mundo Gráfico e Editora, tinha como objetivo atingir um público popular com variedades, política e ampla cobertura de eventos sociais como o carnaval do Rio de Janeiro. Embora a revista tenha saudado o presidente Juscelino no seu editorial de estreia, a posição política da mesma não manteve o apoio até o final do mandato, publicando críticas à sua administração. FERREIRA, Marieta de Moraes e DIAS, Cláudia Cristina. Os anos JK no acervo da Biblioteca Nacional. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1283.pdf, acessado em fevereiro de 2013.
113
Aragarças - no interior do país - do Vietnã e contribuiu para a conquista do
reconhecimento profissional através do Esso.
A segunda tomada destacada nesta parte do trabalho também representa o
fotojornalismo de ação e foi feita e veiculada como um furo de reportagem. A fotografia
em questão é "Morte no Senado" (Figura 15), feita por Raymond Efraim Frajmund132
O episódio aconteceu na tarde do dia 4 de dezembro de 1963, em meio a uma sessão
parlamentar no Senado Federal. Silvestre Péricles (PTB) e Arnon de Mello (UDN) - pai
do ex-presidente Fernando Collor de Mello - eram ambos senadores, representantes do
estado de Alagoas no legislativo brasileiro e mantinham um pelo outro inimizade
decorrente de rixas políticas regionais. Além de serem parlamentares e nutrirem
desafeto mútuo, os dois políticos também mantinham o histórico de violência e
autoritarismo característico da forma de atuação política dos grupos familiares
poderosos nas cercanias mais distantes do país. Tanto que, com as juras de morte
trocadas, ambos se apresentam para uma sessão de trabalho no Senado com armas na
cintura e discurso preparado para o enfrentamento que até então havia sido apenas
verbal.
para o jornal O Estado de São Paulo que foi vencedora do Prêmio Esso de 1964. A
imagem, como o título enuncia, retrata o exato momento em que o senador suplente
José Kairala é atingido por um tiro efetuado por Arnon de Mello, também representante
da casa, que tinha como alvo o senador Silvestre Péricles, desafeto político do atirador.
Às três da tarde, foi dada a palavra na sessão a Arnon de Mello, que iniciou o discurso
em que pretendia refutar as acusações que lhe haviam sido feitas pelo senador e
desavença política Silvestre Péricles, ocasião em que este o havia ameaçado de morte.
"Naquele momento, o sr. Silvestre Péricles ainda conversava com o senador Arthur
Virgílio, ambos distantes 4 metros do orador"133
132 Raymond Efraim Frajmund nasceu em uma família de judeus na Polônia em 1927 e foi uma das vítimas do holocausto promovido pelo regime nazista alemão. Em 1942, na Bélgica, onde Raymond cresceu, foi capturado pelas tropas de Hitler e enviado a Auschwitz, no Transporte 21, com outros 1.552 prisioneiros. O descontentamento em continuar a viver na Europa fez com que o polonês viesse para o Brasil em 1953. Em 1960, aceita o convite de Claudio Abramo para ir trabalhar na sucursal de Brasília – para onde nenhum outro profissional queria ir – do jornal O Estado de São Paulo. O contrato que deveria durar apenas um ou dois meses foi se estendendo e Raymond nunca mais saiu da capital federal, cobrindo desde o início da vida da cidade – quando a construção ainda estava sendo finalizada – até os acontecimentos da política. . O fotógrafo deixou a profissão e tornou-se empresário em 1970, dois anos depois da invasão da Universidade de Brasília pelas forças do regime ditatorial brasileiro.
. O orador, que segundo o jornal, estava
visivelmente tomado de emoções, "preveniu que desejava falar de frente para o seu
133 O Estado de São Paulo, 05 de dezembro de 1963, primeira página.
114
desafeto, que por sua vez aproximou-se da tribuna"134. Arnon então desferiu contra seu
oponente xingamentos e insultos, ao que Péricles respondeu partindo para cima do
parlamentar que o provocava, dedo em riste, apontando para o rival e gritando
"Crápula". Arnon de Mello, então, saca a arma da cintura e dispara contra Péricles,
causando pânico entre os presentes no recinto que tentam se proteger "buscando abrigo
sob as filas de poltronas"135
"o sr. Silvestre Péricles atirou-se ao chão, com presteza e, segundo
depoimento do sr. João Agripino - rastejou entre duas fileiras, arma
em punho, como que buscando mira e sempre resguardando o corpo
contra novos tiros."
. Enquanto isso,
136
Em meio a confusão e ao pânico outro disparo é feito por Arnon de Mello e, enquanto
uns corriam para se resguardar e outros senadores e guardas do senado tentavam
imobilizar o atirador, o senador José Kairala caiu ferido pelo tiro que atingiu seu ventre.
Kairala era suplente e representava o estado do Acre, havia assumido o cargo seis meses
antes substituindo o senador José Guiomard. Naquele dia foi à plenária para cumprir seu
último dia de trabalho e havia levado consigo a esposa grávida e os três filhos, em
virtude da ocasião.
O conflito e o desfecho trágico também ficou registrado no Diário do Congresso
Nacional de 4 de dezembro de 1963, que relata os acontecimentos:
"O SR. ARNON DE MELLO: Sr. Presidente, permita V.Exa. que eu
faça o meu discurso olhando na direção do Sr. Senador Silvestre
Péricles de Góis Monteiro, que ameaçou me matar, hoje, ao
começar meu discurso.
(Estampidos. Tumulto)
134 Jornal do Brasil, 05 de dezembro de 1963, primeira página. 135 O Estado de São Paulo, 05 de dezembro de 1963, primeira página. 136 Idem.
115
O SR. PRESIDENTE: Os guardas retirem do plenário o Sr. Senador
Silvestre Péricles. Solicito que façam o mesmo com o Sr. Senador
Arnon de Melo. A sessão está suspensa.
(Pausa. Tumulto) (...)
Lamentavelmente, tenho a comunicar aos Srs. Senadores que está
ferido o Sr. Senador José Kairala. O plenário tomará conhecimento
da extensão do ferimento recebido por aquele Senador. (...)
A sessão é suspensa às 15 horas e 5 minutos e reaberta às 16 horas
e 5 minutos.
O SR. PRESIDENTE: Está reaberta a sessão. Esta presidência
comunica que efetuou a prisão dos Srs. Senadores Arnon de Melo e
Silvestre Péricles, fazendo-os recolher, o primeiro, ao Quartel-
General da Aeronáutica e, o segundo, ao Quartel-General do
Exército em Brasília."137
O senador do Acre José Kairala, tentando ajudar a conter os envolvidos acabou sendo
alvejado e, mesmo tendo sido levado às pressas para o Hospital Distrital de Brasília, não
resistiu ao ferimento do projétil que perfurara algumas artérias, veias e o intestino, e
faleceu horas depois do ocorrido. Os senadores Arnon de Melo e Silvestre Péricles,
acusados e detidos pela confusão, foram soltos horas depois graças ao habeas corpus
concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Em virtude da prerrogativa da imunidade
parlamentar os dois envolvidos não foram a julgamento em instâncias comuns do
judiciário e foram absolvidos de todas as acusações, retornando às atividades
parlamentares e dando prosseguimento a suas trajetórias políticas tradicionalmente
mantidas através dos laços familiares. Arnon é o pai de Fernando Collor de Mello, que
se elegeu presidente da República em 1990; foi deposto do cargo em 1992 e atualmente,
tal como houvera sido o pai, é senador da República. Já Silvestre Péricles de Góis
137 Diário do Congresso Nacional, 4 de dezembro de 1963, APUD, Uma História Escrita por Vencedoras: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo. Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2005.
116
Monteiro teve vários irmãos atuantes na política e se manteve como senador de 1959 a
1967.
A notícia, um assassinato na mais alta câmara legislativa do país, saiu na primeira
página do dia 5 de dezembro daquele ano em todos os grandes jornais do país: Jornal
do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, sendo o último o
veículo no qual a fotografia vencedora de Raymond Efraim Frajmund foi publicada. Na
edição de O Estado de São Paulo do dia 5 a capa do jornal (Figura 15) traz a imagem do
"Momento Fatal", conforme informa a legenda, em destaque no topo da página, com a
manchete "Senador atira no rival e mata suplente pelo Acre em plena sessão" ao lado e a
notícia relatando o episódio. No crédito da imagem principal não consta o nome do
fotógrafo Efraim Frajmund, apenas a indicação genérica do órgão que a divulgou:
"Fotografia da sucursal de Brasília". No entanto, contrariando o padrão mais
conservador e textual do jornal Estado, a composição desta primeira página teve boa
parte de seu espaço ocupado pela sequência de fotografias que registram todo o
desenrolar da ação que culminou com a morte do Senador, e nestas sim, o crédito e a
indicação da origem das imagens estão atribuídas nominalmente ao fotógrafo.
Figura 14: Detalhe da capa de O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963
As fotografias, mesmo a principal, não possuem nitidez suficiente para que o
entendimento da ação possa ser percebido apenas através da imagem. Não é possível
identificar visualmente a identidade dos envolvidos ou o que de fato está acontecendo
no recinto fotografado. Na imagem destacada no topo da página é possível observar
117
apenas alguns aspectos do acontecimento, como por exemplo, a maioria das cadeiras da
planária vazias e pessoas concentradas nos cantos do quadro indicando um movimento
de dispersão. Outras pessoas ainda aparecem se deslocando abaixadas, como se
estivessem fugindo e se protegendo de algo que vem em suas direções, mas está fora do
campo visual. No centro da fotografia aparece um borrão esbranquiçado que encobre o
que possivelmente seria um dos microfones das bancadas.
Figura 15: Primeira página do jornal O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963.
118
Figura 16: "Morte no Senado", fotografia de Efraim Frajmund para O Estado de São Paulo vencedora do Prêmio Esso de 1964.
Como a imagem não é clara, a legenda que vem logo abaixo dela se encarrega que
elucidar o que acontece no flagrante registrado, identificando as pessoas e construindo,
com apoio da sequência de fotos que está no final da página, a narrativa visual dos
fatos:
"O momento fatal
A fumação proveniente do segundo tiro disparado pelo senador
Arnon de Melo começa a dissolver-se enquanto o sr. José Kairala,
atingido mortalmente, debruça-se sobre a mesa (ao fundo, à
direita), Os dois desafetos, nesse momento, perseguiam-se
mutuamente, protegidos pelas poltronas."138
No trecho acima, pode-se sublinhar a importância dada ao fato de a "fumação" ainda
estar presente quando o registro capturado pelo fotógrafo, uma vez que a ela, o elemento
central da fotografia, é conferida uma conotação de evidência do disparo efetuado. A
imagem não mostra o atirador, tampouco o momento em que o tiro atinge o alvo, e, mal
é possível distinguir na ação o baleado caído entre as cadeiras, ou seja, o instante
(grifo nosso)
138 O Estado de São Paulo, 5 de dezembro de 1963, primeira página.
119
capturado por Efraim não é "o momento fatal" como anuncia o texto, mas sim um
momento depois do fato em si. A única coisa que agrega todas peças do enredo sugerido
pela imagem, e reforçado pelo texto da legenda, é a fumaça, esta sim presente no
momento da captura como vestígio do tiro que atinge o senador que cai.
No texto da mesma legenda, ainda vale ressaltar outro detalhe que promove uma
determinada construção do sentido da imagem como prova documental dos fatos. Ao
afirmar que o senador é "atingido mortalmente" o texto dá a entender que o tiro foi fatal,
que o atingido morreu na hora e, mais ainda, que o repórter fotográfico conseguiu
capturar em flagrante o momento trágico. Ainda que o óbito do senador José Kairala já
fosse fato consumado no momento em que o jornal é impresso para a publicação, na
fotografia o senador aparece ferido apenas, visto que foi encaminhado para o hospital
onde de fato faleceu.
No que diz respeito a morfologia da imagem, a pouca nitidez demonstra limitação dos
recursos técnicos disponíveis em relação a velocidade da ação. O equipamento que
Frajmund utilizava era a sua "velha e confortável Leika C-3139 (sic), que era leve e
cabia no bolso"140, sem utilizar o flash, pois nesse dia ele "dispensou a pesada tralha de
fotógrafo que costumava carregar"141. O enquadramento imperfeito e a suposta posição
do fotógrafo também sugerem que o flagrante foi feito em meio a dinâmica dos
acontecimentos. Pelo ângulo diagonal da fotografia, tendo as cadeiras de voltadas para
frente, a posição de Frajmund era na lateral do recinto, provavelmente em uma área
destinada a imprensa, próximo a tribuna de onde partiram os tiros, que não foi
enquadrada na imagem. Por estar sem o equipamento completo, o autor relata ter tido
que apoiar a sua Leica na barriga para poder "torcer manualmente o botão que gira a
bobina do filme"142
O fotojornalista trabalhava em Brasília, na sucursal o jornal Estado e cobria a rotina
parlamentar, sendo a plenária do senado um de seus locais habituais de atuação.Segundo
ele, em entrevista à Folha de São Paulo, "toda Brasília sabia que aquela sessão no
entre cada um dos disparos, da câmera neste caso.
139 A Leica C3 é uma câmera moderna lançada em 2002 pela Leica. Provavelmente, no depoimento o fotógrafo estava fazendo referência a câmera da Leica modelo IIIC. Sobre a Leica: http://en.leica-camera.com/culture/history/leica_products/ e http://pt.wikipedia.org/wiki/Leica_Camera, acessado em maio de 2013. 140 Entrevista de Raymond Efraim Frajmund para Folha de São Paulo de 23 de setembro de 1989, p. B-4. 141 Folha de São Paulo, 23 de setembro de 1989, p. B-4. 142 Idem.
120
Congresso podia pegar fogo."143
De modo semelhante a fotografia de Campanella Neto, "Morte no Senado" premia o
furo de reportagem e a preponderância do fotojornalismo testemunhal como ferramenta
atuante no processo de produção da notícia. A repercussão dos fatos que ocorreram no
senado em 4 de dezembro de 1963 foi imensa, pois fazia parte do universo de situações
extraordinárias que retiraram da normalidade o cotidiano político da capital federal.
Além disso, as fotografias ganham notabilidade também por seu ineditismo e
exclusividade, pois Raymond foi o único repórter que conseguiu fazer a documentação
visual dos fatos e, consequentemente o Estado, o único jornal a conseguir mostrar, de
dentro do senado, os acontecimentos que resultaram na notícia. Todos os outros veículos
publicaram fotografias anunciando a notícia nas suas primeiras páginas, mas elas
figuravam outros aspectos que orbitaram o acontecimento em si, como fotografias do
atirador e seu oponente sendo encaminhados para fora do congresso, o baleado sendo
socorrido já fora do recinto onde houvera sido atingido e dos médicos que trabalharam
para salvar a vida do Senador atingido.
Apesar disso, quase não compareceu na plenária
àquela ocasião, pois estava com dores de cabeça e assim como toda imprensa, não
esperava que algo tão extraordinário iria acontecer. Foi convencido por um amigo de
jornal a ir e se dirigiu para o congresso sem muita expectativa, tanto que abriu mão do
equipamento, carregando consigo apenas uma pequena câmera. Com a experiência,
conhecimento da casa, da conjuntura e dos personagens e um pouco de sorte - por ter
decidido ir àquela sessão - conseguiu fazer as fotografias consagradas com um Prêmio
Esso em 1963 e com um Prêmio Mergenthaler, concedido pela Sociedade
interamericana de Imprensa, em 1964.
O Esso de 1964, ao conceder a Efraim Frajmund, o título de melhor fotografia do ano,
também valoriza o esforço do fotógrafo em se manter firme, registrando o que se
passava, em meio ao tumulto decorrente do estopim de tiros dentro de um ambiente
fechado. Enquanto parlamentares e guardas corriam e se abaixavam para proteger suas
vidas, o fotojornalista foi o único a ficar de pé, não deixou o local e permaneceu
trabalhando, disparando sua câmera - sem flash - enquanto avançava o filme e toda a
confusão se desenrolava. Mesmo em risco, preferiu fazer a foto, realizando a máxima do
fotojornalismo heróico. Prova de dedicação e empenho reconhecidos pela comissão
julgadora do Esso como uma prática digna de nota.
143 Idem.
121
Não obstante ter sido alçada a categoria de ícone das boas práticas do fotojornalismo,
essa fotografia ainda tem agregado ao seu histórico um outro fator que merece destaque.
Se as imagens, particularmente as que são veiculadas na imprensa, podem ser mais do
que simples representações da realidade e, assim como as pessoas, atuarem como
sujeitos nos processos de produção de sentido das sociedades, esta fotografia em
particular voltou ao cenário político nacional tempos depois para atuar em outro
episódio.
Quando foi publicada pela primeira vez, a sequência de fotografias que revelavam um
caso de morte no Senado nacional eram a prova de que de Arnon de Mello atirou contra
Silvestre Péricles, acertando por engano José Kairala, que nada tinha com a rixa entre os
dois. De acordo com a pesquisa do livro comemorativo dos 50 anos do Prêmio Esso, as
12 fotografias feitas por Frajmund foram inclusive utilizadas judicialmente, como
provas, no processo em que Arnon de Mello alegou ter agido em nome da autodefesa144
A Folha de São Paulo - que fez uma cobertura da campanha de 1989 pautada matérias
negativas a respeito do candidato alagoano - publicou na edição de 23 de setembro
daquele ano uma reportagem que reconstituía os fatos de 1963 através das imagens
feitas por Frajmund. A reportagem foi assinada por Marcelo Tas e o texto expressa
muito mais uma reverência ao fotógrafo pelo furo do que um ataque explícito a figura
de Collor. Entretanto, embora o texto só relate os fatos, mantendo o tom de objetividade
e imparcialidade, as imagens publicadas em sequência, com legendas, setas e recursos
gráficos, sugerem a leitura a ser feita para o entendimento da ação, e a manchete "Como
o pai de Collor matou senador a tiros" (
.
Vinte e cinco anos depois, a descendência familiar de um dos envolvidos fez com que a
história do assassinato e as fotografias que o revelam recebessem nova apropriação,
fazendo-as retornar às páginas dos jornais para significar outro fato político: uma
matéria da Folha de São Paulo recorre ao episódio na seção destinada à cobertura da
campanha eleitoral de 1989, em que o filho de Arnon de Mello - Fernando Collor de
Mello - concorreu a presidência da República.
Figura 17) indicam o caminho a ser seguido
pelo leitor para que chegue sozinho a uma conclusão óbvia: tal pai, tal filho, ou seja, o
candidato Fernando Collor de Mello é herdeiro de uma tradição política de violência e
arbitrariedades.
144 Uma História Escrita por Vencedores, Op. Cit,. p. 37.
122
O conteúdo político da notícia está implícito e visa construir uma imagem negativa do
postulante ao cargo de presidente. Faz isso promovendo através do resgate da história de
1963 uma associação o então candidato Fernando Collor de Melo à figura de seu pai
Arnon de Mello e ao atos de violência e desmando impetrados por ele no exercício de
seu mandato como senador. Na forma de construção dessa reportagem as imagens de
Frajmund cumprem um papel fundamental, pois é a através da narrativa visual dos
acontecimentos que se dá o nexo entre o relato escrito imparcial e o argumento
subentendido, são as fotografias que conduzem o leitor a concluir que ter um pai que
mata um colega de trabalho não é um bom histórico para um candidato a presidente.
123
Figura 17: Como o pai de Collor matou senador a tiros, Folha de São Paulo, 23 de setembro de 1989, página B - 4.
O terceiro flagrante é uma fotografia que apareceu na lista de premiados do Esso como
uma exceção, foi a única que ganhou um título de distinção no concurso sem ter sido
publicada em nenhum veículo. A imagem em questão foi feita pelo fotógrafo da Tribuna
124
da Imprensa Joveraldo Lemos de Souza145
Figura 18
e está relacionada à trágica morte de seu
autor. Pouco depois de registrar a formação da esquadrilha da fumaça em pleno vôo a
aeronave em que estava o repórter fotográfico caiu na Baia de Guanabara matando tanto
ele quanto o piloto. A fotografia, intitulada "Morto em Serviço", ( ) foi
recuperada dos destroços do acidente e recebeu uma Menção Honrosa Especial no
Prêmio Esso de 1965.
30 de janeiro de 1965, nas praias do Flamengo e Botafogo estavam sendo realizados os
festejos da Noite do Rio-Mar, evento promovido pelo governo do estado da Guanabara -
comandado por Carlos Lacerda - dentro das comemorações o IV Centenário da cidade
do Rio de Janeiro, "em homenagem aos feitos históricos de Estácio de Sá"146
Os festejos começaram às 17 horas e 10 minutos e milhares de pessoas se reuniram para
assistir a apresentação do grupo, que partiu em cinco aviões North American do tipo T6,
do Santos Dumont em direção a enseada de Botafogo. A bordo do avião-capitânea PP
61600 da Esquadrilha da Fumaça, pilotado pelo tenente Luís Edmundo Peixoto
Albernaz, estava o repórter fotográfico da Tribuna da Imprensa Joveraldo Lemos de
Souza, "pronto para fotografar os lances mais emocionantes da acrobacia"
. A festa
contaria com diversas atrações, e dentre elas estava prevista uma apresentação do
grupamento militar da Aeronáutica conhecido como Esquadrilha da Fumaça, divisão de
pilotos que fazem demonstrações acrobáticas com aviões de pequeno porte e cuja marca
registrada é o rastro de fumaça que deixam após sua passagem.
147
"A cobertura da festa seria feita pelo fotógrafo Luis Pinto, mas
Joveraldo pediu para substituí-lo, alegando que não gostara das
fotos que batera quando, há 11 dias, viajara num dos aviões da
de dentro
da cabine. De acordo com a notícia publicada pelo Jornal do Brasil de 31 de janeiro de
1965:
145 A carreira de repórter fotográfico de Joveraldo Lemos foi curta, devido a um triste episódio que tirou sua vida enquanto trabalhava na cobertura da Festa Rio-Mar, promovida pela prefeitura do Rio de Janeiro, em 1965. Joveraldo pediu para substituir Luiz Pinto na cobertura e estava a bordo de um dos aviões da esquadrilha da fumaça que fazia uma apresentação para o público do evento quando o piloto perdeu o controle da aeronave e caiu no mar. Uma das fotografias feitas durante a exibição, que mostra a esquadrilha em formação, foi recuperada dos destroços do acidente e, através dela, os organizadores do Prêmio Esso homenagearam Joveraldo Lemos com uma Menção Honrosa Especial na edição de 1965. Joveraldo havia entrado como repórter fotográfico na Tribuna da Imprensa cinco anos antes do acidente fatal. Além disso, dividia suas atividades de fotojornalista com um cargo no Serviço Fotográfico do Ministério da Guerra, que ocupou durante 15 anos. 146 Jornal do Brasil, 23 de janeiro de 1965, p. 5. 147 Folha de São Paulo, 1 de fevereiro de 1965, p. 6.
125
Esquadrilha da Fumaça. Joveraldo entraria de férias esta
semana."148
O avião em que estava o fotógrafo iniciou uma manobra de looping quase sobre o
palanque oficial, mas não conseguiu concluí-la com êxito. Diante de todos os
espectadores do evento fez uma descida excessiva e não conseguiu retomar a tempo de
ascender e finalizar a volta. A aeronave caiu na Baía de Guanabara, em frente ao Morro
da Viúva, "desaparecendo numa cortina de água, da qual logo se destacaram partes da
asa esquerda e o motor."
149
Os dois ocupantes do T-6 morreram no desastre e Joveraldo, que trabalhava na Tribuna
da Imprensa havia 5 anos, deixou a esposa e dois filhos. A notícia publicada no Jornal
do Brasil fala sobre as vítimas do acidente e destaca a morte do repórter fotográfico
como uma consequência de sua obstinação no trato da notícia. Com o subtítulo
"Perfeição leva à morte", faz uma referência a iniciativa do profissional de conseguir as
melhores imagens, o que resultou na interrupção trágica de sua vida. A reportagem
ainda informa que durante as buscas, o fotógrafo Luiz Pinto, que foi substituído pelo o
colega de jornal no vôo para a cobertura da festa, sofreu uma crise de nervos no cais e
teve que ser atendido pelos médicos do local.
ao que submergiu. Logo em seguida, as festividades foram
suspensas pelas autoridades locais e o resgate dos tripulantes da aeronave começaram.
Uma das fotografias feitas antes da queda, enquanto o fotógrafo registrava as acrobacias
e a formação das aeronaves a bordo do T-6 foi recuperada e esse detalhe inesperado do
trágico acidente resultou na homenagem concedida ao fotojornalista no Prêmio Esso de
1965. Surpreendentemente, os negativos do filme utilizado naquele dia foram
encontrados junto aos destroços do avião posteriormente e algumas das fotos que ele
continha puderam ser relevadas.
148 Jornal do Brasil, 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 1965, p. 10. 149 Idem.
126
Figura 18: Morto em Serviço, fotografia de Joveraldo Lemos de Souza, Menção Honrosa Especial no Prêmio Esso de 1965.
De início um aspecto chama a atenção na fotografia de Joveraldo Lemos. Ela possui
marcas impressas no suporte em que foi revelada, evidenciando a deterioração do
negativo que continha seu registro. As falhas na imagem deixam a mostra traços da sua
biografia enquanto objeto, inscrito em uma materialidade própria, já é o vestígio que
sobreviveu ao destino trágico da qual é testemunha. Além disso, tais traços reforçam o
vínculo que ela estabeleceu com o referente, produzindo uma exacerbação de seu
caráter indicial, visto que o resultado de sua permanência está inscrito em sua superfície
visual tanto quanto o motivo que o fotógrafo buscava deliberadamente. Deste modo, ela
não figura apenas a ousadia de uma esquadra de demonstração de habilidades aéreas
como sugere seu conteúdo, mas também, o acidente que acometeu piloto e fotógrafo,
revelado através das marcas impressas no papel.
Os elementos presentes na imagem mostram, em um único plano, quatro dos cinco
aviões da Esquadrilha da Fumaça que partiram do Santos Dumont para a apresentação
daquele dia. As aeronaves estão voando perfiladas e esse conjunto é o que se destaca na
fotografia, que tem ao fundo apenas a representação uniforme do céu. A fotografia é
feita de dentro da cabine do avião e produz um efeito de tomada em primeira pessoa, ou
seja, a lente registra a cena a partir da perspectiva do fotógrafo, levando quem observa a
mesma posição em que ele estava no momento em que fez a captura da imagem. Nesse
caso, em nome da disposição de oferecer ao interlocutor da imagem um ângulo
127
inusitado e diferente das manobras da Esquadrilha, vistas não de baixo para cima, como
observador em terra, mas a mesma altura, a partir do ponto de vista do piloto. Talvez,
não é possível precisar, o fotógrafo estivesse buscando mobilizar em quem olha as
sensações de estar a bordo e compartilhar da mesma experiência.
A Menção Honrosa Especial concedida a Joveraldo Lemos de Souza no Prêmio Esso de
1965 representa uma homenagem póstuma ao profissional, em uma ocasião oportuna,
da qual a fotografia que sobreviveu ao acidente foi apenas um símbolo adicional. A
cerimônia de premiação de 1965 contou com uma exposição das últimas fotografias
feitas por Joveraldo a bordo do avião da Esquadrilha da Fumaça e sua esposa recebeu
uma placa de prata como homenagem o marido morto em serviço. Os méritos da
fotografia, como trabalho realizado, portanto, estão aquém do seu valor enquanto
relíquia. Apesar disso, ela foi relacionada nesta pesquisa por consubstanciar as
prerrogativas que norteiam o fotojornalismo abordadas neste tópico, representando o
valor atribuído a presença do fotógrafo como testemunha de uma história, disposto a
superar os riscos por uma boa fotografia.
Os três exemplos relacionados, nesta parte do trabalho, constituem um tipo de fotografia
muito valorizada no universo do fotojornalismo, mesmo nos dias de hoje: a de caráter
testemunhal. Destacam-se nessas imagens algumas características que estão inseridas no
bojo do processo de constituição do fotojornalismo, como a aproximação com a
realidade e a verdade dos fatos, atrelada a uma noção de presença residual daquilo que
foi, ou seja, da relação que a imagem estabelece com seu referente. Tomando o período
pesquisado como parâmetro, essas características revelam ainda, as práticas e
experiências de ver e fotografar compartilhadas entre os profissionais da imagem,
sobretudo, quando se considera as referências que serviram de inspiração para essa
geração de fotojornalistas e que chegam ao Brasil através de publicações como a Life, a
Look e a Paris Match.
Além disso, é importante ressaltar a valorização do senso de oportunidade e
profissionalismo dos fotógrafos ao fazerem o registro fotográfico, mesmo em condições
adversas, em meio a dinâmica dos acontecimentos. A fotografia como índice, objeto
material que reporta ao passado e aos fatos, e o mítica heróica que confere ao fotógrafo
de imprensa o rótulo de testemunha ocular da história. Esses são os ingredientes que
forjaram algumas das imagens responsáveis pela conformação um tipo de narrativa
visual dos acontecimentos e que por isso foram reconhecidas.
128
2.3. Drama e Denúncia
A dramaticidade era um dos critérios relevantes na lista de atributos que uma fotografia
de imprensa precisava ter para ser escolhida como destaque no Prêmio Esso. A
capacidade de comover a audiência está diretamente relacionada a sensibilidade do
fotógrafo em captar a esfera de tensão, ou emoção, que envolve o acontecimento que
imobiliza, imprimindo na fotografia uma forma de ver o mundo e representar o outro,
vislumbrando o lado humano da notícia. Mais do que isso, essas imagens foram
prestigiadas por serem capazes de construir entre fotografado e público uma relação que
cause no segundo um sentimento de identidade com o primeiro, que o faça se
sensibilizar com a dor do outro e assim, mobilizar-se em uma causa considerada justa.
De diferentes maneiras, essas imagens consagraram uma concepção de fotografia cuja
marca é o engajamento do olhar do fotógrafo que alia ao domínio da técnica uma
composição estética que evidencie as tensões e contradições do mundo em que vive.
Tributário do movimento documentalista americano da década de 1930150 por um lado e
de uma perspectiva universalista da fotografia proeminente no pós-guerra151
A primeira imagem a ser destacada retrata o drama e o desespero de um menino para
salvar seu cachorro em uma sequência de fotografias que narram uma batalha. "Não
Matem meu Cachorro" (
de outro,
esse olhar engajado está representado em muitas fotografias premiadas no Prêmio Esso
e ajudou a criar protocolos, até mesmo do ponto de vista formal, que definiram uma
categoria fotojornalística ligada a denúncia social. Algumas dessas imagens, que
conjugam comoção e mobilização, serão abordadas neste tópico.
Figura 20), inaugurou o Prêmio Esso de Fotojornalismo, em
1961 quando o concurso passou a contar com uma premiação específica para julgar
fotografias de imprensa. Ela foi feita pelo fotógrafo Sérgio Jorge152
Figura 19
e fez parte de uma
reportagem publicada na Revista Manchete de dezembro de 1959 ( ) que
abordava a questão dos animais abandonados nas ruas, em face da crueldade das
150 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes, 2008, pp. 176-183 151 STIMTSOM, Blake. The Pivot of the world: photography and its nation. London: The MIT Press, 2006, p. 20. 152 Sérgio Jorge nasceu em 1937, em São Paulo, na cidade de Amparo e iniciou na fotografia com 13 anos de idade. Autodidata, trabalhou no jornal O Dia e na Gazeta Esportiva, antes de começar a fazer reportagens free-lance para a sucursal da revista Manchete em São Paulo em 1960. Depois de receber o prêmio da Esso, Sérgio foi contratado por Oscar Bloch para fazer parte do quadro permanente da Editora. Além disso, foi um dos coordenadores da área fotográfica da Editora Abril – de 1971 a 1974 – onde criou o Estúdio Abril. Em 1975 montou estúdio próprio onde trabalha até hoje com fotografia publicitária e institucional.
129
políticas públicas sanitárias que recolhiam esses animais e lhes dava como destino o
extermínio em câmaras de gás.
Figura 19: Não Matem meu Cachorro, Revista Manchete de dezembro de 1959.
A partir da história do menino Fernando, que luta com o homem da carrocinha para
defender o seu animal a reportagem fala sobre o recolhimento de cachorros e gatos nas
ruas pelo órgão de Limpeza Pública, revelando que os bichos eram capturados, pelos
homens da "carrocinha", como se fossem lixo urbano. Posteriormente, os animais
aprisionados iam para um depósito publico, onde eram alimentados por dois dias,
"enquanto aguardavam recursos legais que os livrassem da sentença na famigerada
cela nº 13"153
A crueldade das técnicas de controle da profileração de animais e de combate à doenças
como a raiva empregadas na época são fruto de um descompasso entre os hábitos locais
e cotidianos dos moradores da cidade e o projeto modernizante de crescimento
acelerado que implicava em medidas de sanitarização e limpeza urbana empreendidas
de maneira arbitrária por órgãos governamentais. Muitas eram as pessoas que
. Aqueles que não eram resgatados por seus donos, o que implicava em
dispor de recursos financeiros para pagamento de multas além de um longo percurso até
o depósito da prefeitura, eram sacrificados em câmaras de gás.
153 Uma História Escrita por Vencedores. Op. Cit., p. 26.
130
repugnavam a carrocinha e seus homens que laçavam e aprisionavam bichos indefesos
que rondavam pelas ruas da cidade. A repugnância pela crueldade contrastava com o
sentimento de compaixão que algumas pessoas nutriam pelos animais, o que as levava a
desenvolverem formas de resistência a atuação desses órgãos sanitários, como é o caso
do menino retratado pela Revista Manchete que tenta de todo modo impedira a ação do
funcionário da prefeitura na tentativa de capturar seu cachorro Piloto.
Além da história contada a partir do ponto de vista de um menino que está na iminência
de perder seu bicho de estimação, as fotografias utilizadas para compor a reportagem
reforçam os componentes dramáticos presentes na situação ao criarem uma narrativa
que demarca os seus personagens e promove uma polarização os lados da disputa em
tono da questão, ou seja, constroem o sentido da abordagem através da representação do
bem contra o mal. Em uma sequência de três fotografias, impressas em página dupla e
complementada por um pequeno texto no final da segunda página, o drama de
Fernando, Piloto - o cão - e seu algoz introduz a reportagem e demarca o
posicionamento da publicação em favor do direito dos animais e sua responsabilidade
em discutir o tema e denunciar a crueldade.
Tudo isso ainda é reforçado pela composição gráfica das páginas, em que os elementos
de texto completam o sentido conotado pelas imagens. O título da matéria ocupa um
quarto da primeira página e imprime em enormes letras vermelhas e em caixa alta um
apelo imperativo e dramático: "Não Matem Meu Cachorro!". O vermelho do título
contrasta com todos os outros elementos da página que estão em preto e branco e
confere o destaque ao que se subentende como sendo o próprio grito do menino que
personifica um dos lados do combate. No topo da primeira página ainda um pequeno
subtítulo enuncia o que está por vir: "Drama em São Paulo".
No que diz respeito a fotografia que ganhou o Prêmio Esso em 1961 pode-se dizer que
ela por si só consegue representar o drama e ao mesmo tempo construir uma narrativa
da ação em que Fernando luta com seu oponente para salvar o cachorro Piloto. O
instante flagrado por Sérgio Jorge transmite a impressão de movimento, em que é
possível perceber a existência de um momento anterior e a iminência de um porvir,
embora traga também o suspense pela incerteza do que pode ter acontecido após o
clique. Por mais que a fotografia vencedora faça parte de uma sequência narrativa, ao
tomá-la isoladamente essa sensação de continuidade no tempo e no espaço pelo
movimento dos objetos em cena pode ser observada em sua superfície visual.
131
Figura 20: Fotografia de Sérgio Jorge, vencedora do Prêmio Esso de 1961.
O apelo a dramaticidade é a principal característica da fotografia de Sérgio Jorge, uma
vez que o profissional consegue sincronizar forma e conteúdo para expressar de modo
impactante toda a tensão que envolve o momento fotografado. A composição dos
planos, o enquadramento, a participação das pessoas e a disposição dos objetos em cena
conduzem o espectador a uma batalha notadamente desproporcional, em que a imagem
dialoga com a metáfora da luta do mais forte, que oprime e abusa de seu poder, contra o
mais fraco, que resiste apesar da desvantagem. Ou ainda, ampliando a perspectiva para
uma narrativa épica, opera com a referência bíblica de Davi contra Golias, reforçando o
componente dramático da cena, ratificando e repudiando a crueldade contra os animais
e vislumbrando um desfecho em que o "bem" vence o "mal" e a justiça prevalece,
apesar da aparente adversidade.
Observado os aspectos formais o enquadramento e a disposição dos planos da cena
acentuam diferença de tamanho entre o menino e o laçador da carrocinha. A tomada
feita em contra-plongé - de baixo para cima - e em diagonal, em que as linhas da
imagem convergem a partir do primeiro plano para um ponto em perspectiva. O
enquadramento está levemente inclinado em virtude da topografia da rua e do tipo de
posição presumida do fotógrafo. Esses fatores dão centralidade a figura do homem da
132
carrocinha, que se destaca no primeiro plano, produzindo também o efeito de
desproporção que agiganta a rudeza do homem da carrocinha do plano próximo em face
ao desespero miúdo do menino dono do cachorro, que se distancia na composição da
imagem.
Além disso, a nitidez da imagem permite que se faça uma leitura precisa dos detalhes da
fotografia o que coloca em evidência a expressão corporal dos personagens em cena. O
menino tem o desespero estampado no rosto, está sem sapatos, no meio da rua, parece
gritar e chorar, puxa a corda do laçador contra si e inclina seu corpo para baixo,
buscando mais forças do que é capaz na tentativa de resistir ao aprisionamento do cão.
Já o homem do primeiro plano é a própria representação da maldade, esta de pé,
segurando com força a corda com a qual havia laçado o animal, e, no exato momento
em que é flagrado, ele está mirando a câmera com os olhos de soslaio, a expressão do
seu rosto esboça um leve sorriso sem dentes, dando a impressão de estar tomado pela
satisfação ao agarrar o animal e dar cabo da sua tarefa de recolhê-lo.
Mesmo que o flagrante da expressão de crueldade do rosto do homem tenha sido
conseguida através da contingência, já que o fotógrafo disparou sua câmera em
sequência, é ele quem encerra o sentido que simboliza o tipo de mobilização que a
matéria esta tentando produzir, sendo peça fundamental na leitura que procura
deslegitimar e denunciar as medidas públicas arbitrárias de controle de animais. As
outras pessoas na fotografia também tem seu papel na representação do drama, pois
olham admiradas, mas ainda assim inertes a situação de Fernando e seu cão, que, por
sua vez, sintetiza a tensão da disputa, clicado com o corpo todo contorcido em pleno ar.
A fotografia em questão manifesta um certo tipo de posicionamento em relação a
práticas consideradas cruéis contra os animais que encontrava respaldo em uma parcela
da sociedade, embora a abordagem dessa temática não encontrasse muita repercussão na
imprensa à época. No livro "Anarquistas Graças Adeus" a escritora Zélia Gattai relata as
batalhas que ela e sua mãe, defensora incondicional dos animais, travavam com os
famigerados laçadores da carrocinha. Na narrativa de um episódio que muito se
assemelha com a história fotografada por Sérgio Jorge, a autora conta:
"Eu detestava os 'homens da carrocinha'. (...) Quando os via
acuando um cão – dois e três homens, armados de laços, contra
pobre e indefeso animal – sentia ódio dos covardes. Muitas vezes
133
agarrava-me ao bichinho, sem jamais tê-lo visto antes, para evitar
que fosse laçado.
Uma vez, enquanto os laçadores, distraídos no afã de alcançar sua
presa correndo em disparada, distanciaram-se deixando a
carrocinha repleta e desprotegida, Tito, um amigo e eu
aproveitamos a ocasião para, num abrir e fechar de olhos, abrir a
porta da jaula, soltando os cães, que nos acompanharam em
desabalada carreira. Temendo ser perseguida, olhei para trás e
divisei um cãozinho, todo aparvalhado, sem saber que rumo tomar,
onde meter- se. Voltei rapidamente e agarrei-o a tempo de impedir
que fosse laçado novamente pelos homens encolerizados.
Esbravejando, eles avançavam em minha direção, dispostos a
arrebatar-me o animal:
– Este cachorro é meu! – gritei, chorando, o animalzinho apertado
contra o peito. – Ninguém leva o meu cachorro!
As pessoas paradas em torno da disputa tomavam minha defesa,
não escondendo sua animosidade contra os “inimigos”, que não
tiveram outra alternativa senão desistir. Eu já era sua conhecida de
aventuras passadas e por isso me detestavam. Se pudessem me
laçavam também, como aos cães."154
A pauta sobre o problema dos animais abandonados produzida pela Revista Manchete
foi sugerida pelo fotógrafo Sérgio Jorge que na época fazia serviços como free-lance
para a sucursal da revista em São Paulo. O pedido de uma matéria sobre a vacina do
Instituto Pasteur contra o cachorro-louco tinha vindo da sede do semanário no Rio de
Janeiro e na reunião de preparação das reportagens foi a partir de uma experiência
pessoal da infância do fotógrafo que a matéria "Não Matem meu Cachorro" foi
concebida. Foi, portanto, no momento em que a memória, o instinto e a sensibilidade do
olhar do profissional entraram em ação que a reportagem, a fotografia e o impulso para
.
154 ZATTAI, Zelia. Anarquistas Graças a Deus. Rio de Janeiro: Editora Record, 1983, pp. 48-49.
134
a mobilização em torno de uma causa puderam ser concretizada, como ele mesmo
conta:
"Eu pedi uma parte [na reunião de pauta] e falei, olha... Quando eu
tinha 8 anos, eu tinha um cachorrinho chamado Lulu. Eu tava
sentado na porta de casa, passou a carrocinha e, laçaram meu
cachorro e puseram na carrocinha. Era carrocinha mesmo - puxada
à cavalo, né... Um engradado, que nem uma gaiola e um monte de
cachorro lá. Eu comecei a chorar, gritar... Meu pai, que estava no
escritório, saiu, viu e foi lá falar com o laçador. Ele me devolveu o
cachorro, o Lulu. Fiquei contente, aquela coisa, então isso
aconteceu comigo. Será que também não acontece isso em São
Paulo? Com a carrocinha?"155
Com a pauta aceita pela sede da revista no Rio o fotógrafo dirigiu-se para o depósito da
Prefeitura e conseguiu autorização para acompanhar a ronda da carrocinha pelos bairros
da cidade de São Paulo. Foi o que fez o repórter fotográfico durante três dias, em que
conseguiu inúmeras imagens, documentou a rotina dos laçadores, as histórias dos
"cachorros vadios" e o desprestígio que o serviço de limpeza possuía junto a população
que manifestava seu repúdio jogando pedras nas carrocinhas ou xingando os laçadores.
Ainda assim não estava satisfeito, porque "estava esperando uma coisa muito melhor,
uma coisa mais humana".
156
A reportagem causou comoção no público e teve uma repercussão estrondosa, tanto do
Rio de Janeiro como em São Paulo. Além do ineditismo na abordagem do tema, chamou
a atenção das pessoas para a maneira arcaica e cruel que caracterizavam os
O que aconteceu no último instante da cobertura, no bairro
da Freguesia do Ó, quando o laçador da carrocinha agarrou Piloto, o cãozinho de
Fernando que, segundo Sérgio, "veio, pegou, se enrolou no meio do laço querendo
defender o cachorro". Da batalha resultaram seis fotos, que saíram em quatro páginas
na Manchete, documentando a captura, o aprisionamento e o desespero do garoto, que
mesmo tendo chorado e brigado não conseguiu dissuadir os homens da carrocinha de
levá-lo embora.
155 Entrevista com o fotógrafo Sérgio Jorge para o site Foto.doc, disponível em http://vimeo.com/30366389, acessado em setembro de 2012. 156 Idem.
135
procedimentos de controle da população de animais de rua da capital paulista,
encontrando eco, inclusive, na indignação de boa parte da sociedade que não se
conformava com a política das carrocinhas. As denúncias da reportagem introduziu no
Brasil a discussão sobre o direito dos animais, bandeira que na época não era
representativa e a partir da história contada visualmente por Sérgio, incluiu na agenda
das políticas públicas a adoção de métodos mais humanizados para a erradicação da
raiva e para a questão do recolhimento de animais abandonados.
"Foi uma repercussão impressionante. Nas bancas de jornais de São
Paulo, os caras abriam a revista, né. E, coladas na banca. No rio a
mesma coisa."157
E, como toda boa história de final feliz, dois dia após a publicação da revista, com o
tremendo sucesso que tinha sido, Sérgio foi chamado pelo diretor Justino Martins e
praticamente intimado a achar o cachorro para fazer uma nova reportagem com o
desfecho da história. Encontrou o animal no depósito da prefeitura ainda vivo, tomou
um táxi até a Freguesia do Ó à procura do dono do cão. Ao encontrar Fernando levou o
menino ao depósito para reaver seu amigo.
"Chegamos lá, de fato, o moleque chegou, já veio cachorro... Au, au,
au. Fiz umas fotos dele feliz, mandei pra Manchete que saiu de novo
publicada."158
157Idem.
158Idem
136
Figura 21: Sérgio Jorge fotografando Fernando e Piloto, depois do resgate do cachorro.
Por iniciativa do jornalista Arnaldo Niskier159
, a reportagem e as fotografias de Sérgio
foram enviadas para o concurso da Esso, que premiaria o fotojornalismo pela primeira
vez naquela edição de 1961. A imagem do menino que luta para salvar seu animal de
estimação foi premiada e Sérgio, que trabalhava apenas como free-lancer, foi convidado
por Oscar Bloch para fazer parte do quadro permanente de fotojornalistas da Revista
Manchete.
Figura 22: Sérgio Jorge recebendo o primeiro Prêmio Esso de Fotojornalismo.
159 Arnaldo Niskier, jornalista e escritor, era, na época diretor do Grupo Bloch de comunicação.
137
A conquista do Prêmio Esso foi uma demonstração da qualidade da fotografia de Sérgio
Jorge, que se valeu dos recursos estéticos para sensibilizar e mobilizar seus
interlocutores. Mas a consagração nacional foi amplificada pelo reconhecimento
internacional, pois segundo o autor das imagens ela foi publicada em pelo menos trinta
e seis jornais e revistas de todo mundo e a reportagem foi traduzida em diversas línguas.
As fotografias foram veiculadas em publicações de renome, as quais eram ícones do
padrão de fotoreportagem que inspirou diversos periódicos nacionais, como a Life, a
Paris Match e o jornal Sunday Times. Um detalhe importante de se ressaltar é que em
algumas dessas matérias feitas ao redor do mundo o que sobressai, no lugar do drama
animal, é a qualidade da abordagem visual, fazendo com que o trabalho do fotógrafo
virasse notícia.
A fotografia seguinte também se filia a um tipo de abordagem que se vale do aspecto
emocional como forma privilegiada de documentação, inserindo outras variáveis na
composição da notícia jornalística, como por exemplo, o deslocamento do fato em si
para das pessoas que nele estão envolvidas e que sofrem em decorrência dos problemas
e mazelas sociais veiculadas pelas páginas dos jornais. Essa imagem será abordada
porque segue um padrão estético relativamente comum ao fotojornalismo que procura
evidenciar e denunciar a dor do outro, utilizando a aproximação através do close e a
força da expressão dos rostos para construir o sentido da mensagem.
Uma mulher, aparentemente pobre, chorando dolorosamente e uma criança que está em
seu colo tentando enxugar suas lágrimas são destacadas da paisagem pela fotografia que
foi consagrada com uma Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1965. A menção
correspondia a uma série composta por duas imagens do mesmo fotógrafo, intitulada "O
Choro do Abandono" (Figura 23) e seu autor, o fotógrafo Reginaldo Manente160
160 Nascido na Mooca em São Paulo, Reginaldo Manente se considera o "fotógrafo das emoções". O título faz juz a uma trajetória no fotojornalismo marcada por imagens em que dramaticidade e o choro davam o tom, pelo menos no que diz respeito a vitoriosa história do fotógrafo no Prêmio Esso. Manente teve seu trabalho consagrado em quatro ocasiões no concurso promovido pela Esso de fotografia, fazendo com que ele fosse o profissional que mais acumulou prêmios na categoria. Atuou como fotógrafo de imprensa no jornal O Estado de São Paulo e no JT - Jornal da Tarde - pertencente ao mesmo grupo.
é o
profissional que mais foi lembrado pelo concurso, com três homenagens e um prêmio
principal. Ao longo dos trinta anos em atuou como repórter fotográfico para o jornal O
Estado de São Paulo, cobriu diversas editorias como esporte, cidade e cotidiano, mas,
ao menos no que diz respeito ao Prêmio Esso, a sua fotografia tem uma assinatura: o
choro.
138
Figura 23: Choro do Abandono, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1965.
A força dessa imagem está na carga de dramaticidade que ela contém e na sutileza de
seus detalhes, pois a cena retratada revela o sofrimento marcado pela expressão da
mulher, que chora, mas não copiosamente, parece tentar engolir seu choro, quase um
lamento de quem sofre de maneira dolorosa ainda que contida;como se isso não
bastasse, ela carrega no colo uma criança pequena, que não é possível afirmar ser sua
filha, e, que num gesto singelo e comovente enxuga às lágrimas da mulher com um
pedaço de sua roupa. A sensação de quem observa é de desalento e desesperança, além
da dor, numa tomada de extrema sensibilidade e percepção do fotógrafo para captar o
viés humano da tragédia social da qual ambas são personagens. A comoção é imediata,
mesmo que não se saiba o que de fato causou o mal que faz a mulher sofrer, reforçada
pela inversão de papéis que a imagem de uma criança consolando um adulto representa.
O acontecimento por trás da fotografia foi uma ação de despejo ocorrida em São Paulo,
na favela Matão de Paula Souza, no bairro do Brás, denunciando uma das mazelas
sociais que atinge os grandes centros urbanos de vários lugares do país. De um lado a
formação de cortiços, favelas e comunidades, em que pessoas que não dispõem de
recursos se instalam, na maior parte das vezes em condições degradantes, e vivem suas
vidas à revelia de qualquer tipo de assistência social e alheias as políticas públicas
básicas que se constituem como direito de todo cidadão. De outro as ações de despejo
movidas por governos ou proprietários privados, que em tese teriam com objetivo
139
remover pessoas que ocupam irregularmente áreas da cidade, mas são sempre marcadas
por atos de violência e arbitrariedade, amplificando o sofrimento pela miséria e
evidenciando a questão da desigualdade social.
No caso da moradora retratada por Manente não foi diferente. A fotografia em questão
compõe a notícia que fala sobre o "Despejo que atinge 5 mil pessoas" na zona sul da
São Paulo devido a uma ação empreendida pelo sr. Manoel Cordeiro dos Santos -
identificado como proprietário do terreno - com vias a reintegração de posse para a
realização de um loteamento na área.
"Perto de cinco mil pessoas residentes na favela do Matão de Paula
Souza, a cerca de 500 metros da avenida Regente Feijó, na Água
Rasa, estão ameaçados de despejo, porque o proprietário do
terreno, sr. Manoel Cordeiro dos Santos, vai lotear toda a área, que
tem cerca de 200 metros quadrados.
De acordo com os moradores, a cerca de 15 dias surgiu na favela
um oficial de justiça, acompanhado de dois soldados da Força
Pública e avisou os favelados de que o local teria que ser evacuado,
pois o proprietário do terreno iria proceder o loteamento."161
A notícia foi publicada na página 10 de O Estado de São Paulo em 15 de maio de 1965
(
Figura 24), sendo o texto em duas colunas e a fotografia em três no topo da página. A
reportagem não está assinada, tampouco a fotografia é creditada ao seu autor, como era
comum no periódico em questão162
161 Jornal O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1965, p. 10.
. A redação do texto é segue o padrão comum ao
jornalismo que prescinde de emitir opiniões ou juízo de valor e tende a relatar os fatos
de maneira objetiva e imparcial, como neste caso em que há a polarização dos lados
envolvidos e o jornal, portanto, procura apresentar a versão de ambos.
162 Nas edições do Estado de São Paulo utilizadas nessa pesquisa, boa parte das matérias e fotografias não continham a referência nominal ao seu autor.
141
No entanto, em alguns trechos da reportagem do despejo em Matão de Paula Souza o
jornal revela sutilmente assumir uma posição em favor dos moradores que serão
despejados. Essa tendência pode ser vista em algumas partes do texto em que o redator
descreve a favela, destacando a longevidade da ocupação e a condição das pessoas que
ali vivem. É interessante notar que ao se referir aos ocupantes o texto usa expressões
como residente e habitantes, reforçando o pertencimento das pessoas ao lugar.
"A favela tem cerca de 800 barracos, e uma população de cinco mil
pessoas, algumas ali residentes há oito e nove anos. [...] Seus
habitantes, paupérrimos vivem de biscates e de materiais ainda
aproveitáveis que recolhem de um depósito de lixo das
proximidades."163
Em contraste, logo em seguida, é feita a denuncia da pressão e da violência a que os
"favelados" vêm sendo submetidos, apesar da garantia feita pelo representante do dono
do terreno de que os barracos "já existentes serão respeitados até que se providencie a
remoção das famílias"
(grifo nosso)
164
"[...] os moradores da favela dizem estar sendo continuamente
pressionados para abandonar o terreno. o sr. Alonso Cavalcanti,
residente na favela a dez meses, declarou que anteontem receberam
dos soldados da Força Pública um ultimato para abandonar o
terreno até as 12 horas de hoje; caso contrário os barracos seriam
incendiados, 'com gente dentro ou não'."
. Por intermédio da Força Pública - o que corresponderia hoje à
Polícia Militar - os interesses do dono do terreno foram privilegiados em detrimento da
população, já que tais forças de segurança valeram-se da força e de ameaças para
amedrontar os moradores e forçar a sua saída. Precedido pelo subtítulo "Ultimato" o
texto relata:
165
A fotografia, então, confere à reportagem a chave de leitura que explicita a posição
assumida de maneira sutil pelo texto. Não há outras imagens da ação de despejo, apenas
163 Jornal O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1965, p. 10. 164 Idem. 165 Idem.
142
essa que ilustra a reportagem e tem uma função no encadeamento que se pretende dar
aos fatos, pois não os mostra tal como eles são. A imagem introduz a matéria a partir de
um ponto de vista, construindo uma interpretação baseada no que representa a pobreza e
o sofrimento da mulher e de sua filha. Para isso, apela à emoção, busca no leitor a
capacidade de se comover com a dor daquela que é despejado, amplificada até a
intimidade através do close que aproxima e revela o seu choro. Na diagramação da
notícia o efeito de proximidade é ainda mais valorizado, já que ela aparece cortada a
partir das margens destacando apenas a expressão da mulher e a criança que a consola.
Assim, o eixo de sentido é deslocado do direito sobre a propriedade privada para a
situação de opressão e tristeza que envolve a perda da moradia. Isso está claro na
legenda utilizada na fotografia, inclusive: "O temor do desabrigo".
Em consonância com a imagem, a dimensão humana do acontecimento também fica
evidente na ressalva feita pelo redator no seguinte trecho da reportagem:
"Disse também o sr. Aloisio Francisco dos Santos que uma das
moradoras da favela teve uma crise nervosa quando, apesar de
grávida, foi expulsa de sua casa pelos policiais, que anunciavam
que iam derrubar o barraco."166
Escalado para cobrir o despejo na favela Matão de Paula Souza para o jornal O Estado
de São Paulo, Reginaldo Manente percebeu a fotografia antes de fazê-la e ao ver a cena
da mulher chorando com a criança em meio à confusão da remoção dos moradores
conseguiu registrar o episódio a partir de sua própria convicção de que o drama
daquelas pessoas merecia ser contado. A expressão facial que denota bastante tristeza e
desamparo também sensibilizou o profissional, que afirmou:
(grifo nosso)
"Posso dizer com segurança que este foi meu momento mais forte na
minha vida de fotógrafo.Esta mulher da foto já havia sido despejada
anteriormente.No auge do desespero tentou suicídio, atendo fogo no
álcool que jogou sobre o corpo.Daí seu pescoço todo cheio de
cicatrizes.Fiquei sabendo disso muito tempo depois, mas a força das
166 Idem.
143
lágrimas da mulher e o gesto da criança, tentando conte-las, me
arrebatou."167
Sob o aspecto do fotojornalismo e do protocolo visual que encerra, essa fotografia
possui características que a associam a uma concepção de atuação profissional, em que
o engajamento do fotógrafo é uma atitude que determina o lugar social de onde fala e as
causas que defende. Uma dessas características é documentar os fatos não em seu senso
estrito, mas a partir de um ponto de vista que recorta e significa o acontecimento. Neste
caso, por exemplo, no lugar de fazer o registro da ação de despejo em si, o fotógrafo
procurou deliberadamente encontrar um outro ângulo da tragédia social que revelasse a
sua dimensão humana, pois segundo ele "era mais importante mostrar o sentimento do
despejado do que os policiais destruindo as casas."
168
Outro traço da imagem é a relação de identificação que tenta estabelecer entre o
espectador e o fotografado, ou seja, o fotógrafo surge como mediador de realidades
distintas, mas que nem por isso deixam de encontrar semelhanças. Tal efeito é obtido
através do close, da aproximação com o motivo e da nitidez que revelam os detalhes da
expressão facial da mulher e do gesto corporal da criança, o que particulariza o
sofrimento e se converte em espelho ao humanizá-las. A partir desta perspectiva, se é
possível distinguir seus rostos e as marcas de suas expressões, é também possível lhes
conferir uma identidade - apesar de não terem nomes - e certa dignidade que se opõe ao
estereótipo constituído por um perfil sociológico genérico. Ela não é apenas pobre,
favelada e despejada, mas um ser humano antes de tudo tal como aqueles que irão ver
sua foto no jornal.
Foi o próprio fotógrafo quem tomou a iniciativa de inscrever a imagem no Prêmio Esso
de 1965 por "entender a força desta foto"169
167 Entrevista concedida por Reginaldo Manente, à autora, por e-mail em 3 de setembro de 2012.
. Junto com ela enviou mais três trabalhos -
número máximo permitido pelas regras do evento - pois aquele havia sido um ano muito
produtivo. De acordo com as informações publicadas no livro sobre os 50 anos da
premiação, Manente recebeu uma Menção Honrosa pelo conjunto de duas fotografias,
descritas como "O Choro do Abandono", que incluía a imagem da Ação de Despejo.
Não há registro de como a escolha foi feita, ou porque as duas imagens foram
168 Idem. 169 Idem.
144
escolhidas como uma série, uma vez que o autor dos trabalhos confirma que as
inscreveu individualmente.
Manente diz que não ficou claro até hoje se recebeu o prêmio pelo conjunto da obra ou
se por alguma fotografia em especial. Entretanto, mesmo sem a certeza dos critérios que
envolveram a consagração da imagem, ela é portadora de um tipo de composição
estética cuja recorrência em outras edições do prêmio demonstra o valor conferido a
dramaticidade e esta forma específica de representá-la.
Curiosamente essa forma de humanizar o drama foi uma marca de Manente no histórico
da competição, pois em todas as vezes que o fotógrafo foi laureado suas imagens
mostravam em close - de muito perto - o sofrimento ou a emoção incontida de uma
pessoa através da expressão de choro em seu rosto. Além da imagem abordada neste
tópico, também foram consagradas "Revolta dos bombeiros em São Paulo" (Figura 25),
Voto de Louvor em 1962, por ocasião de uma greve por melhores salários; o choro de
Amarildo, já citado no tópico 2.1 e a fotografia da "Tragédia de Sarriá" (Figura 26),
vencedora do Esso em 1982, que flagra um menino chorando a derrota do Brasil na
Copa do Mundo, recorrem ao mesmo tipo de composição estética para transmitir a
mensagem. A única exceção, em termos de close e não de choro, é a fotografia que
compõe, junto com a foto acima, a série "Choro do Abandono", a qual mostra um atleta
chorando no pódio (Figura ).
Figura 25: Revolta dos Bombeiros em São Paulo, Reginaldo Manente, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1962.
145
Figura 26: Barcelona, 5 de julho de 1982, fotografia de Reginaldo Manente, Prêmio Esso em 1982
A próxima fotografia reúne em seu conteúdo drama e tragédia, dois temas frequentes
nos noticiários de uma maneira geral devido a excepcionalidade e a capacidade de
impactar o leitor. Ao mesmo tempo são abordagens que se complementam, já que o
rescaldo das catástrofes sempre oferece os dramas pessoais e o sofrimento dos
envolvidos, assim como os resgates bem sucedidos e aqueles que conseguiram escapar,
num misto de pesar e esperança característicos desse tipo cobertura jornalística. A
imagem em questão foi feita na cobertura das enchentes de janeiro de 1967, uma das
piores catástrofes naturais da história do Rio de Janeiro, abrangendo diversas cidades do
interior e da região metropolitana - incluindo a capital - e que só foi superada em
número de vítimas pela a tragédia ocorrida em 2011 na região serrana do mesmo estado.
Publicada na edição 314 da revista Fatos e Fotos em 04 de fevereiro de 1967, a
fotografia de Antônio Andrade170
170 Baiano de Castro Alves Antonio Andrade (1927-2000) veio para o Rio de Janeiro em 1944 para se alistar. Acabou entrando, em 1949, para a Imprensa Popular, jornal ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), à época perseguido pelo governo Dutra. Depois de uma passagem pelo jornal O Globo e pela Tribuna da Imprensa, em 1955, vai trabalhar no Jornal do Brasil no período em que ocorria as reformas do diário. Em 1960 volta para a Tribuna no cargo de editor de fotografia e posteriormente vai para a
mostra um grupo de pessoas que tenta fazer o resgate
146
de uma mulher grávida em meio à correnteza formada pelas águas que transformaram as
ruas da Tijuca - bairro mais atingido da cidade - em verdadeiros rios, que desceram
torrencialmente da parte montanhosa da região (Figura 27). A imagem fez parte da
cobertura do acontecimento veiculada através da reportagem "As tragédias de Janeiro" e
se destacou no Prêmio Esso daquele ano pela forma como transmite a dramaticidade do
episódio171
Embora a dramaticidade seja uma característica evidente na fotografia em questão, ela
difere das duas outras analisadas neste bloco, pois se vale de um protocolo visual
distinto para figurar essa dramaticidade relacionada ao acontecimento jornalístico.
Assim, em seu conteúdo não estão presentes nem a dualidade do bom e do mau, como
foi o caso de "Não matem meu cachorro"; e nem a personificação do sofrimento tomado
a partir do recorte que particulariza o sujeito, tal como "Choro do Abandono". A leitura
que se pode fazer desta fotografia é a que ela encerra um drama coletivo, expressado
pelo foco na experiência de uma situação dramática e pelos elementos de forma e
conteúdo que provocam no espectador uma impressão de presença, ou seja, a sensação
de estar em meio ao alagamento sentindo a aflição de um momento como o capturado
por Andrade. Outra especificidade desta imagem é o fato das pessoas não poderem ser
identificadas, mas representarem de maneira genérica e totalizante todos aqueles que
foram atingidos pelas chuvas no Rio de Janeiro naquela ocasião.
.
Revista Manchete. Além do Prêmio Esso, Recebeu também uma menção honrosa no concurso World Press Photo em 1968. 171 Uma História escrita por vencedores, p. 51.
147
Figura 27: As Tragédias de Janeiro, fotografia de Antonio Andrade para a revista Fatos e Fotos, vencedora do Prêmio Esso de 1967.
No dia 23 de janeiro de 1967 um temporal característico dos meses de verão no Rio de
Janeiro transformou-se em uma catástrofe natural com um saldo de mais de 200 mortos,
além de milhares de desabrigados e enormes prejuízos materiais em vários pontos do
estado. Na época, exatamente após "1 ano e 12 dias das enchentes de 66", conforme
noticiou o Jornal do Brasil, a quantidade de vítimas e a proporção da destruição fez com
esta se convertesse na maior tragédia envolvendo chuvas da história do Rio de Janeiro.
"Há um ano e 12 dias das enchentes de 66, um novo temporal matou
ontem acima de 200 pessoas no Rio e na Baixada Fluminense,
durante uma madrugada de chuvas que deixaram a cidade sem água
e sem luz, cuja normalização ainda não está à vista, e de
desmoronamentos que bloquearam a Via Dutra num percurso de
100 quilômetros."172
Apesar do caos ter sido vivenciado em todo o estado, uma das regiões mais castigadas
pela violência das águas foi o bairro da Tijuca, na cidade do Rio, lugar em que a foto de
Antônio Andrade foi feita. Os relatos do Jornal do Brasil que circulou no dia seguinte à
tragédia demonstram que a destruição provocada pela chuva atingiu proporções maiores
172 Jornal do Brasil, 24 de janeiro de 1967, primeira página.
148
do que o imaginado. A notícia diz que na parte alta do bairro "as águas carregaram pela
rua Conde de Bonfim cêrca de 20 automóveis e caminhões e mais 19 ônibus"173, sendo
este fato caracterizado pelo jornal como um dos "mais dramáticos das chuvas [...] com
efeitos que ultrapassam os das de janeiro do ano passado"174
Fala ainda sobre a inundação de toda a parte baixa do bairro e alguns trechos de São
Cristóvão, devido ao "entupimento das galerias pluviais e transbordamento do Rio
Maracanã, práticamente em toda sua extensão"
.
175
A tragédia das chuvas no Rio de Janeiro em 1967 foi amplamente noticiada e ocupou as
páginas dos jornais de grande circulação no país durante alguns dias. No início de
fevereiro, a revista Fatos e Fotos produziu uma edição com uma espécie de balanço da
catástrofe, ao estilo das reportagens que caracterizam o editorial de algumas publicações
semanais informativas como a revista em questão, ou seja, sem prescindir de reportar os
fatos, mas fazendo uma cobertura mais ampla após o desfecho de um acontecimento já
bastante noticiado pela imprensa diária. No caso desta matéria, enfatiza a dramaticidade
dos eventos e retrata o saldo da tragédia através de depoimentos, opiniões e muitas
imagens, visivelmente privilegiadas no arranjo espacial das páginas.
. O resultado da tragédia na região
deixou 12 pessoas mortas; ônibus e carros arremessados dentro do rio; águas que
cobriam o telhado das casas; ruas destruídas e construções arrastadas pela correnteza; e
a revolta dos moradores do bairro que tiveram enormes prejuízos ao perderem suas
casas e seus pertences.
A série de fotografias documentava fragmentos da tragédia revelando ora a devastação,
ora a situação caótica e os transtornos e também o drama das pessoas atingidas. No
entanto, a maior parte das imagens denota a intensidade da tragédia a partir do que ela
foi, ou seja, mostram o rastro da destruição provocado pela chuva. Ainda que sejam
cenas impactantes e dramáticas, valorizadas por impressões em páginas duplas, são o
depois dos fatos, são os carros e ônibus cobertos de água, pessoas tentando resgatar
pertences, ruas em que não se vê o chão, destroços e entulho acumulado pela correnteza.
A fotografia de Antônio Andrade é uma das poucas que consegue captar instantes de
tensão e dramaticidade durante o desastre, em um resgate, fazendo do próprio fotógrafo
personagem não visível do acontecimento que noticia. Tanto quanto as pessoas
173 Idem. 174 Idem. 175 Idem.
149
retratadas, ele também estava em meio à chuva torrencial, provavelmente ilhado com
outros espectadores como a pessoa com um guarda-chuva que assiste a cena atrás o
muro, e mesmo assim fez seu trabalho de documentar a situação, demonstrando o senso
de profissionalismo do fotojornalista.
A fotografia enquadra em um plano principal uma situação de resgate em meio às águas
da enchente. Através dos elementos visíveis da cena nota-se que dela participam tanto
homens uniformizados, com capacetes na cabeça, como se pertencessem a alguma força
pública de segurança, quanto pessoas trajando roupas comuns, provavelmente
moradores do bairro que colaboraram na tentativa de resgate. Pode-se ainda inferir se
tratar de uma tentativa de resgate de alguém que não consegue resistir à força da
correnteza, visto que as pessoas que estão na parte de baixo da imagem aparentam
sustentar alguém enquanto se esforçam para segurar uma corda. Nesse momento, seus
corpos estão praticamente ao nível do chão,são circundados pela água que corre com
violência formando ondulações agitadas no entorno, e, os troncos e cabeças levemente
suspensos indicam um esforço para evitar o afogamento. Ao mesmo tempo, outras
pessoas puxam essa corda, improvisada pela defesa civil para ajudar na travessia das
ruas alagadas, em direção contrária a movimentação das águas. Ao fundo da imagem
estão um muro, um portão de onde a água jorra e uma placa que demonstram ser o local
uma rua alagada. Um pontilhado branco cobrindo toda fotografia também evidencia que
no momento em que foi feita a chuva ainda era constante e caía em grande volume.
Além disso, embora não seja possível identificar as pessoas, as informações sobre a foto
apontam como alvo da operação de resgate uma mulher grávida que ficou com água até
a sua cintura sem conseguir escapar, o que sem dúvida, aumenta o grau de
dramaticidade do registro.
Dramaticidade que também se intensifica por alguns recursos que o fotógrafo consegue
empregar na imagem, como a impressão de espacialidade e movimento. O ângulo e o
enquadramento sugerem que foi feita de cima para baixo e em diagonal, pois ela
apresenta uma leve inclinação da margem esquerda para a direita, destacando o fluxo
das águas no sentido contrário a posição presumida do fotógrafo. Tal angulação é
reforçada pelo modo como as pessoas em cena estão posicionadas – do mais baixo para
o mais alto – formando um triângulo que aprofunda a perspectiva e também divide a
imagem em uma sequência de três estágios que provoca a impressão de movimento.
150
A inclinação da fotografia e a proximidade do motivo conferem ainda mais
dramaticidade ao momento, uma vez que sobrevaloriza a violência das águas, que
correm na direção de quem observa a imagem, ao mesmo tempo, cria certa tensão
devido à dificuldade e persistência das pessoas em resistir. O contraste entre claro e
escuro dos tons em preto e branco revelam também um efeito que faz com que o objeto
bidimensional produza uma impressão de profundidade e volume, especialmente porque
revela a agitação e força da água formando ondas na sua trajetória descendente e
criando uma grande turbulência ao se chocar e circundar as pernas e corpos das pessoas.
No que diz respeito ao conteúdo, é interessante perceber uma presunção de movimento
dos elementos retratados na imagem, dando a impressão de se tratar de uma ação
dinâmica, que pressupõe uma narrativa, ou seja, um antes e um depois dos quais só
restou a captura de um único fragmento. Assim, a fotografia impressiona por possuir
certa estabilidade transitória e um suspense latente, propiciado pela desconfortável
sensação de incerteza em relação ao seu desfecho. Teria ou não a mulher grávida sido
salva da correnteza? Mais um elemento, também sob o aspecto do seu conteúdo,
contribuindo para ampliar o componente dramático. Além disso, tomando a cobertura
feita pela revista como um todo, em meio a diversas fotografias de destruição, ou seja,
do resultado da tragédia consumada, está é uma das poucas que tem como objeto a
resistência da população às águas e a situação catastrófica, convertendo-se também
numa representação do sentimento de superação da tragédia, da possibilidade de uma
salvação em meio às perdas e de esperança diante do caos.
Como já foi dito, a tragédia e o drama ocupam frequentemente as páginas de jornais e
revistas, dado ao potencial jornalístico que encerram. Acrescente a esse quadro a chuva
e o rio de Janeiro e tais temas se transformam quase em clichê, produzindo no âmbito
do fotojornalismo carioca certa leitura semelhante desse tipo de tragédia. Se em 1967 a
catástrofe climática registrada já era recorrente, posteriormente, ao longo de sucessivos
anos ela se tornou “Uma velha conhecida dos fotógrafos”, conforme noticiou o
fotojornalista André Teixeira em outro janeiro, dessa vez de 2011, dias após a “chuva
que devastou a Serra Fluminense”176
176 “Uma velha conhecida dos fotógrafos”. Reportagem de André Teixeira, para o blog FotoGlobo, diponível em :
. A fotografia de Antônio Andrade, que transporta o
espectador para as “Tragédias” daquele Janeiro, apesar de ser tão extraordinária quando
o episódio que retratou, tendo sido reconhecida por isso,passa a fazer parte, portanto, de
http://oglobo.globo.com/blogs/fotoglobo/posts/2011/01/15/uma-velha-conhecida-dos-fotografos-356872.asp, acessado em: setembro/2012.
151
uma coleção de imagens rotineiras na imprensa carioca, as que retratam as chuvas, a
calamidade e do descaso, também sucessivo, das autoridades.
A seguir, uma série fotográfica das “Tragédias de Janeiro”, que dialogam com a imagem
de Andrade em temática, composição e dramaticidade, fornece uma mostra parcial do
que tem sido a cobertura das chuvas no Rio ao longo dos anos. Uma dessas imagens,
inclusive, de Carlos M. Mesquita da Silva para o Jornal do Brasil conquistou Menção
Honrosa na edição do Prêmio Esso de 1982 (Figura 30), marcando o retorno do tema ao
concurso. As outras foram colhidas por André Teixeira no arquivo do Globo, algumas
estão sem o crédito devido, como alerta o autor, mas ainda assim revelam “como a vida
dos fotógrafos [...] nunca foi moleza, principalmente no verão...”177
.
Figura 28: 1966.
Figura 29: 1696.
Figura 30: Carlos Mesquita, Menção Honrosa no Esso de 1982.
Figura 31: Jorge William, 1998.
177 Idem.
152
Figura 32: Ricardo Leoni, Jardim Botânico, 1998.
Figura 33: Custódio Coimbra, 1998.
Figura 34: Sérgio Borges, Avenida Brasil, 2001
Figura 35: Fábio Guimarães, Baixada Fluminense, 2009.
O drama em tempos distintos e a partir de perspectivas diversas esteve representado no
Prêmio Esso ao longo de toda a sua trajetória, valorizando o lado humano da notícia. Tal
como esses três fragmentos apresentados, a capacidade de comover o espectador e
sensibilizá-lo pela dor do outro faz parte dos protocolos visuais utilizados pelo
fotojornalismo para produzir sentido, o que está ligado a uma espécie de função social
da imprensa em denunciar as desigualdades e do próprio engajamento do profissional
em atuar como agenciador desse sentido. Portanto, a consagração com um prêmio de
importância singular dentro do jornalismo - considere-se o fato de que o primeiro Esso
de Fotojornalismo foi concedido para uma fotografia cujo assunto girava em torno da
humanização da notícia - é mais um indicador de como tal perspectiva é valorizada e
atualizada dentro do campo.
153
2.4. Momento Fotográfico
Parafraseando a famosa expressão "O Momento Decisivo" do fotógrafo Henri Cartier-
Bresson, este tópico tem como objetivo falar das fotografias que foram reconhecidas por
sua capacidade de conjugar forma e conteúdo em um arranjo espacial único que
representam a irrupção do acontecimento no tempo contínuo178. Tais fotografias são
resultado do trabalho do profissional que espera, recupera na memória as imagens que
lhe servem como repertório, pressente o acontecimento, escolhe sua posição e num
clique preciso sincroniza movimento e foto. Nesta parte do trabalho serão analisadas
três fotografias que se destacam por compartilhar desse pressuposto que valoriza o
senso de oportunidade do fotógrafo, a sua intuição e precisão técnica para capturar uma
imagem que parece "congelar o tempo". Tal como afirmou Cartier-Bresson expressam
"o novo tipo de plasticidade, produto das linhas instantâneas tecida pelo movimento do
objeto"179
Esse momento singular, irreproduzível e irrepetível em sua essência, já que não resiste à
passagem do tempo, produz um tipo de imagem que, por sua vez,revela um aspecto do
acontecimento, único, dentre tantos possíveis. Produz fotografias vencedoras apenas
pelo fato de existirem, já que encerram um ponto de vista de um tempo-espaço que já
não existe mais. Imobiliza aquilo que Cartier-Bresson classificou como o "instante no
qual todos os elementos que se movem ficam em equilíbrio"
.
180
Os dois primeiros flagrantes são esportivos, modalidade fotográfica que busca
constantemente pelos momentos decisivos que possam ser imortalizados e rememorados
pelos torcedores e fãs do esporte. O efeito de parar o tempo e transformá-lo em imagem
estão presente nas fotografias "Mirandinha quebra a perna" (
.
Figura 36), de Domício
Pinheiro181 Figura 39 para O Estado de São Paulo e "Queda" ( ), de Pietro Fantappiè182
178 BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História. In.: Obras Escolhidas, vol 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.
,
para O Globo. A primeira ganhou o prêmio principal de fotografia e a segunda
179 CARTIER-BRESSON, Henri. O momento decisivo. Bloch Edições, nº 6, Rio de Janeiro: Bloch Editores, pp. 19-25. Disponível em: http://ciadefoto.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/03/Momento-Decisivo-Bresson.pdf, acessado em agosto/2012. 180 Idem. 181 Domício Pinheiro (1922-1998) começou sua carreira no Rio de Janeiro, atuando na Folha Carioca e em Última Hora, mas foi em São Paulo que se afirmou como fotojornalista e construiu uma carreira de sucesso, especialmente na cobertura esportiva trabalhou para o grupo Estado de 1954 a 1989. 182 Pietro Fantappiè atuou como fotógrafo do jornal O Globo na editoria esportiva. Participou de coberturas de Copa do Mundo como a do Chile em 1962, acompanhando a seleção brasileira desde na campanha que resultou no bicampeonato mundial.
154
conquistou uma Menção Honrosa nas edições de 1975 e 1965 do Prêmio Esso,
respectivamente.
O título da fotografia de Domício Pinheiro não poderia ser mais literal, já que expressa
exatamente aquilo que o fotógrafo registrou visualmente: a fratura sofrida pelo jogador
Mirandinha durante uma partida de futebol. A imagem não deixa dúvidas quanto a
gravidade do incidente que quebrou a perna do jogador, capturando o exato momento
em que a canela de Mirandinha se choca com o joelho do adversário e se dobra,
concretizando a lesão.
Sebastião Miranda da Silva, o Mirandinha, era o artilheiro do São Paulo Futebol Clube
no Campeonato Paulista de 1974, tinha apenas 22 anos e já havia sido convocado para
disputar a Copa do Mundo da Alemanha pela seleção brasileira. O atleta começou a
jogar futebol no interior paulista, em São José do Rio Preto, de onde saiu para fazer a
alegria dos torcedores são-paulinos com muitos gols e dar continuidade a uma carreira
considerada promissora. A grave contusão sofrida na disputa de bola e registrada por
Domício Pinheiro, obrigou Mirandinha a fazer cinco cirurgias e o afastou dos campos
de futebol por três longos, minando precocemente as chances de obter o sucesso
esperado como jogador de futebol. Depois da fratura, o atleta nunca mais conseguiu se
estabelecer em grandes clubes, jogou nos Estados Unidos e México e encerrou a carreira
em times de pouca expressão no Brasil na década de 1980.
No dia 24 de novembro de 1974 o time do São Paulo enfrentou, em São José do Rio
Preto, a equipe do América local, em uma partida válida pelo Campeonato Paulista
daquele ano. O São Paulo obteve uma boa vitória por 3 a 0 sobre o time local, como a
muito tempo conseguia no Interior, mas, conforme noticiou o jornal O Estado de São
Paulo, aquela partida terminou com "uma triste vitória"183
"Assim que os juiz Roberto Nunes Morgado deu a partida por
encerrada, os jogadores do São Paulo saíram de campo
cabisbaixos, preocupados com o futuro de Mirandinha, o goleador
.
183 O Estado de São Paulo, 26 de novembro de 1974, p. 37.
155
contundido que havia iniciado a vitória aos 8 minutos do segundo
tempo."184
Doze minutos após abrir o placar do jogo a favor do seu time Mirandinha entrou em
uma dividida de bola com o zagueiro do América, Baldini. Tentando conseguir o
segundo gol que lhe tornaria artilheiro da competição, o atacante girou o corpo e chutou
com força, mirando a bola que havia sido levemente desviada por Baldini. Sem ter
chance de reação, o chute mal fadado acertou em cheio o joelho do zagueiro e quebrou a
perna do atacante no mesmo instante do choque.
Especialista em coberturas esportivas, o repórter fotográfico Domício Pinheiro, que
trabalhava para o grupo Estado, estava atento ao jogo e conseguiu fazer com precisão a
fotografia do lance em que ocorre a contusão do jogador do São Paulo. A imagem de
Pinheiro impressiona pela nitidez e precisão com que capta o momento exato em que a
canela de Mirandinha se dobra ao meio, formando um ângulo de 90º graus contra o
joelho de Baldini.
Figura 36: Mirandinha Quebra a Perna, de Domício Pinheiro, Prêmio Esso de 1975.
184 Idem.
156
A partida e a vitória do São Paulo ficaram em segundo plano no noticiário esportivo
daquela semana, que deu destaque a grave contusão do jogador. Após o acidente,
Mirandinha foi substituído e o jogo prosseguiu, mas o fotojornalista Domício Pinheiro,
ao perceber que o lance crucial da partida abara de acontecer, deixa de cobrir a partida e
passa a acompanhar o trabalho da equipe médica, desde o momento em que ele é
socorrido em campo até o atendimento prestado no hospital para onde ele foi
encaminhado. Os acontecimentos que se desenrolaram depois da fratura resultou em
uma sequência de imagens que mostram a dor do jogador caído em campo após a
contusão; o desespero dos companheiros em campo, ao perceberem a gravidade da
lesão; o médico do São Paulo recolocando a perna do jogador no lugar; Mirandinha
desmaiado na maca ao ser socorrido; e o raio-x feito no hospital comprovando a
extensão da fratura que quebrou dois ossos da perna do jogador.
A fotografia da contusão de Mirandinha saiu no Jornal da Tarde em 25 de novembro de
1974 e foram republicadas na terça-feira, 26 de novembro, em O Estado de São Paulo -
na época o jornal não circulava às segundas. No JT a imagem foi publicada em
destaque, ocupando quase a totalidade da primeira página do jornal, sendo o elemento
central da composição gráfica da página. A capa da publicação praticamente se
confunde com a fotografia, a qual foi impressa ampliada e com cortes nas margens que
incluem no quadro apenas parte do corpo de Mirandinha e de Baldini, enfatizando a
perna fraturada do primeiro, que no arranjo ocupa o centro da página, para onde se
dirige a atenção do leitor. Observando a diagramação da capa é possível perceber que
além do destaque conferido ao assunto, a fotografia impactante também faz parte da
notícia e recebe o crédito por sua excepcionalidade. O jornal traz na sua manchete,
impressa no topo da primeira página, antes mesmo do nome da publicação, o texto
"FOTO: Mirandinha quebra a perna", o qual está enunciando o assunto através do seu
registro visual, denotando também o valor e a qualidade da imagem produzida pelo
veículo, tão impressionante quanto o acontecimento que documenta.
O Estado de São Paulo publicou a mesma imagem na sua sessão esportiva,
acompanhada da manchete "São Paulo fica seis meses sem os gols de Mirandinha". A
reportagem com fotos ocupa mais da metade da página 37 (Figura 37) e traz o resumo
dos principais lances da partida, o momento da contusão e uma cobertura mais ampla
com foco no jogador e na lesão sofrida por ele. A matéria conta com informações
médicas sobre o tipo de fratura sofrida, depoimentos do zagueiro Baldini, da mãe do
157
atacante contundido e dos companheiros de clube, além de uma composição de imagens
feitas com as fotografias da partida. Essa sequência fotográfica, que vai do topo da
página até o final da notícia, narra visualmente os lances do fatídico confronto, desde o
momento em que Mirandinha faz o primeiro gol, até o raio-x que constata a gravidade
de sua fratura. É interessante notar como a fotografia foi utilizada como recurso de
linguagem nesse arranjo gráfico do Estado, pois elas estabelecem um diálogo com o
texto ao reproduzir a mesma sequência de fatos reportados por escrito, seguindo a
mesma ordem do encadeamento da notícia, mas sintetizando todo o acontecimento. A
composição traz uma narrativa visual do jogo com começo, meio e fim e pode ser
acompanhada pelo leitor apenas através das imagens, cuidadosamente arrumadas para
produzir esse efeito. A sequência ainda usa como recurso uma disposição de imagens
com tamanhos diferenciados de acordo com a relevância do momento registrado, dentro
no contexto da história que narra, fazendo com que a fotografia do lance em que
Mirandinha quebra a perna, portanto, seja a maior da composição.
159
O fator impacto é sem dúvida um componente essencial do registro colhido por
Domício Pinheiro na partida em que Mirandinha quebra a perna. No entanto, outros
elementos visuais também concorrem para o sucesso da imagem e seu destaque no
Prêmio Esso de 1975. Desses elementos, muitos tornaram importantes parâmetros na
definição de uma boa fotografia de imprensa, especialmente as que retratam lances
esportivos, como o fato de imobilizar o movimento e interromper a ação dos elementos
em cena no momento preciso de seu ápice. O próprio Pinheiro consagrou-se nesse ramo
de fotojornalismo e ficou conhecido por sua habilidade em "pegar o gol", ou seja,
capturar com sua câmera o instante crucial de uma partida de futebol. Ao mesmo tempo,
Domício era conhecido no meio como uma espécie de imã para a notícia. Dizia-se que
por onde ele passava algo surpreendente acontecia; ou uma fotografia espetacular ou um
momento trágico. Por isso, ganhou o apelido de "toque-toque", já que quando
pronunciavam seu nome os colegas tinham o costume de bater três vezes na madeira185
Nesse flagrante pode-se ressaltar também como os atributos técnicos contribuem para
tornar a fotografia merecedora de um prêmio que consagre sua qualidade, tais como a
nitidez, o enquadramento e a proximidade. O fotógrafo conseguiu documentar a fratura
de Mirandinha não apenas no momento e hora exatos, demonstrando sincronia, rapidez
e reflexo, mas conseguiu fazê-lo com extrema precisão e habilidade técnica, cujo
resultado é uma imagem que agrega ao valor informativo a plasticidade das formas que
revela.
.
A fotografia é nítida e muito próxima do lance, tanto que coloca no primeiro plano,
como bastante clareza, o choque entre o atacante e o zagueiro que dividem a mesma
bola, sendo possível perceber cada detalhe da ação que ocasionou a fratura. A expressão
facial dos jogadores denota o vigor de suas investidas conjuntas em direção a bola, pois
tanto o rosto de Mirandinha quando o de Baldini estão retesados, demonstrando a força
empregada e, ao mesmo tempo estão concentrados no alvo em comum. Os olhos de
ambos apontam para baixo, miram a bola, que está saindo do alcance e ainda se
encontra no ar ao ser rechaçada pelo zagueiro. Na posição dos corpos dos jogadores se
pode perceber o desenrolar do movimento, através dos músculos contraídos e dos
braços estendidos à procura do equilíbrio para a conclusão da ação. E, a canela esquerda
de Mirandinha encontrando no ar o joelho de Baldini, que retém uma parte da perna do
185 "Domício Pinheiro, fatídico fotógrafo esportivo", em http://cacellain.com.br/blog/?p=5921, acessado em fevereiro de 2013.
160
jogador enquanto a outra continua num curso inercial, após partir-se completamente.
Todos esses elementos reforçam a impressão de movimento interrompido pela captura
da câmera que a imagem possui, pois seus elementos pressupõem uma continuidade, um
antes e um depois que não estão na fotografias mas que são perceptíveis pela
composição do instantâneo.
Outro aspecto que chama atenção é o enquadramento simétrico da imagem, cujo
posicionamento do motivo principal coincide com o centro do quadro que compõe a
fotografia. Apesar dela ter sido publicada com cortes nos jornais, na reprodução original
os dois jogadores aparecem em destaque no primeiro plano da cena, perfeitamente
centralizados no retângulo, com os dois terços das margens alinhados em simetria. A
precisão do enquadramento torna-se ainda mais valorizada em virtude da velocidade
com que o lance transcorre, o que requer do fotógrafo um domínio considerável da
técnica - além da experiência - pra que numa fração de segundos consiga encaixar
corretamente no quadro os elementos dinâmicos da ação, produzindo uma fotografia em
que o equilíbrio e harmonia das formas são pontos altos.Ainda vale destacar que no
plano posterior um jogador do América assiste ao lance e aparece na imagem muito bem
focalizado e é possível notar em seu rosto o esboço de uma expressão de incredulidade,
comprovada nas imagens feitas na sequência por Domício.
Uma fratura com essa gravidade em um jogo de futebol não é uma situação das mais
corriqueiras. Mais raro ainda é um fotojornalista conseguir registrar com tanta acuidade
o momento decisivo em que esta ação ocorre. No entanto, o valor fojornalístico desse
tipo de imagem, que produz o efeito de congelamento do tempo, de captura do lance
crucial, é evidenciado tanto pela sua recorrência na imprensa esportiva quanto pela
participação no Prêmio Esso. Em 1981, a canela do jogador do Corinthians João Alves,
fraturada ao ser atingida pelo goleiro do Flamengo, é o tema da fotografia "No fim,
fratura exposta" (Figura 38), de Álvaro Costa da Folha de São Paulo.
161
Figura 38: No fim, fratura exposta, Álvaro Costa para Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1981.
A fotografia de Costa foi vencedora do Prêmio Esso de Fotojornalismo naquele ano,
marcando o retorno da temática ao concurso e confirmando a notabilidade desse tipo de
protocolo visual, o qual já havia consagrado a imagem de Domício Pinheiro anos atrás.
As duas fotos possuem uma semelhança bem acentuada e dialogam entre si sob diversos
aspectos. Primeiro por serem ambas impressionantes, depois por retratarem seus
motivos com bastante nitidez e com simetria no enquadramento; coincidentemente, os
personagens em cena também são os mesmos - o jogador fraturado, o adversário que
divide o lance e um jogador que observa a ação em segundo plano; e por fim por
conseguirem capturar com precisão técnica e estética, em meio à dinâmica dos
movimentos, o instante decisivo do acontecimento que figuram.
A fotografia seguinte (Figura 39), também esportiva, conquistou uma Menção Honrosa
na edição do Prêmio Esso de 1965 e foi feita por Pietro Fantappiè para o jornal O Globo
durante a cobertura de um treino de atletismo no estádio Célio de Barros no Rio de
Janeiro. A imagem é um flagrante da performance malograda de um atleta masculino do
salto com vara durante uma queda, proporcionada pela quebra da vara que o projetava
no ar.
162
Figura 39: Queda, de Pietro Fantappiè, para O Globo, Menção Honrosa no Esso de 1965.
O repórter fotográfico do jornal O Globo estava no estádio Célio de Barros - hoje parte
do complexo do Maracanã - no momento da queda de um atleta que treinava. Assim,
conseguiu imobilizar com sua câmera o instante em que o corpo do atleta paira no ar
antes de atingir o solo. O episódio ocorreu na véspera da abertura do Campeonato Sul-
Americano de Atletismo de 1965, realizado no Rio de Janeiro de 8 a 16 de maio do
mesmo ano. O esportista retratado na imagem é o brasileiro Cleomenes Cunha, que
finalizava sua preparação para a competição na qual participaria, dentre outras
modalidades do atletismo, da prova do salto com vara.
Essa imagem foi publicada com destaque, ocupando quase metade de uma das páginas
que falava sobre o evento esportivo, no jornal O Globo de 8 de maio de 1965, mas a
163
notícia da queda do atleta brasileiro no treino não foi dada em nenhum outro veículo do
dia, o que sugere que no veículo de origem foi o caráter inusitado da fotografia o fator
de peso na produção da notícia. Mesmo no Globo o incidente só é narrado visualmente,
visto que todo o assunto da reportagem gira em torno do campeonato, ou seja, é a
presença de uma fotografia diferente que faz com que a queda do atleta seja algo a ser
noticiado. Em um quadro mais abaixo a reportagem ainda traz outra imagem do atleta se
lamentando do ocorrido com o seu técnico - "professor" Osvaldo Gonçalves. Essa
abordagem se assemelha à maneira como o Jornal do Brasil criava matérias para
publicar uma foto considerada muito boa, como contam alguns fotojornalistas que
trabalharam na redação do jornal. Tal fato também é corroborado pela legenda colocada
na imagem ao destacar o inusitado flagrante feito pelo fotógrafo.
Durante o treinamento final da equipe do Brasil, que a partir de
hoje começará a disputar o certame sul-americano no Estádio Célio
de Barros, houve um acidente com o saltador de vara Cleomenes
Cunha. A vara partiu-se em dois - como se vê no sensacional
flagrante do nosso companheiro Pietro Fantappiè - caindo o atleta
de cabeça, mas felizmente são e salvo, no tanque de areia.186
186 Legenda da fotografia "A Queda", jornal O Globo, 8 de maio de 1965.
(grifo
nosso)
164
Figura 40: Jornal O Globo de 8 de maio de 1965, página não identificada.
A principal característica da imagem é a composição que cria um arranjo espacial
inusitado e consegue capturar a ação no seu transcorrer, de modo que o corpo do
saltador fica paralisado no ar, na iminência da queda, já se posicionando para atenuar o
choque certeiro com o chão. O efeito valorizado aqui também é o congelamento do
165
tempo, a paralisia, a imobilidade que grava na superfície da imagem fotográfica a
singularidade de um instante, que no caso, inscreve-se em uma ação cuja característica
fundamental é a irrestibilidade, ou seja, o atleta continuará caindo e atingirá o solo,
mesmo que tais instantes não tenham sido capturados. Assim sendo, a fotografia em
questão, ao mesmo tempo que congela o instante, multiplica o tempo e, implicitamente,
contém uma narrativa, porque representa em sua superfície visível a continuidade da
ação ao qual o atleta está submetido. A partir desta única imagem, graças a natureza
instável das suas formas e ao parco equilíbrio de seu elemento principal, o interlocutor é
capaz de deduzir o desfecho da ação sem necessariamente ver o que aconteceu depois
da foto.
A imagem de Fantappiè evidencia a ação com nitidez, especialmente no primeiro plano
em que estão focalizados o atleta, o sarrafo e os pedaços da vara partida. Mais ao fundo,
mas ainda com foco suficiente, estão alguns curiosos que provavelmente assistiam ao
treino e permaneceram impassíveis à queda. Alguns jogadores de futebol no gramado ao
lado do equipamento de salto e poucas pessoas na arquibancada completam a cena que
começa a perder o foco a partir das árvores que aparecem atrás da arquibancada. O
enquadramento, ao contrário da fotografia de Domício Pinheiro, não está centralizado e
o corte da margem esquerda tira do campo visual a trave que sustenta um dos lados do
sarrafo e parte do próprio sarrafo que formaria com ele um vértice, tal como se pode
perceber no lado oposto da fotografia. Esse corte e a leve inclinação da haste superior
sugere que o fotógrafo estava posicionado na diagonal e não de frente para o
equipamento esportivo, fazendo com que o registro perdesse a simetria. Além disso, o
corte ressalta a ausência de uma parte dos elementos da cena, em que cujas linhas
desenhadas pelo conjunto das traves e do sarrafo emoldurariam o corpo do atleta em
suspensão. Tal composição também dá a entender que a velocidade da ação tomou o
fotógrafo de assalto e talvez o tenha feito preterir esse aspecto formal em função da
concretização do ato fotográfico.
Ainda assim, Fantappiè conseguiu registrar com propriedade o episódio enquanto este
se desenrolava, produzindo uma fotografia "diferente", em que o momento flagrado é
inesperado, contínuo e foge da normalidade. O clique do fotógrafo também cria uma
imagem inusitada sob o aspecto de sua composição estética, uma vez que os elementos
presentes na fotografia se alinham em um equilíbrio instável, decorrentes da interrupção
do fluxo da ação original do atleta - a execução do salto - e da posterior queda,
166
explicitados pela representação gráfica dos pormenores do movimento, gerando um
efeito de muita plasticidade. Isso se dá no destaque do corpo do atleta pairando no ar,
completamente solto, com um do braços esticados em uma posição que busca
instintivamente retomar o equilíbrio perdido de forma abrupta e ao mesmo tempo
preparar o corpo para minimizar os efeitos do choque iminente. As pernas afastadas e
desalinhadas, os pés que pendem para lados opostos, além do detalhe da contração dos
músculos também revelam a desestabilização do saltador, o qual aparece na imagem
enquadrado pelo equipamento esportivo que objetivava superar. A rapidez com que se
deu a ação pode ser deduzida pela presença de parte da vara, que serviu como alavanca
para projetar o atleta para o alto, em uma de suas mãos como resquício de uma
continuidade interrompida. Já a certeza e o motivo dessa interrupção são dados pelo
pedaço da vara que ficou pra trás, seguindo uma trajetória própria, depois de lançar o
atleta e se romper.
Tomando as imagens analisadas até aqui, além de terem em comum aspectos formais e
protocolos estéticos também corroboram a perspectiva apontada na parte 2.1 deste
capítulo sobre o tipo de fotografia premiada pelo concurso promovido pela Esso no que
diz respeito a editoria esportiva. Ambas se destacam por flagrar os acontecimentos que
fugiram da rotina da atividade esportiva, ou seja, privilegiando o inusitado, entendendo
este como a razão de ser do fato noticioso. No mais, os instantâneos, apesar de
vitoriosos enquanto registros, baseiam-se no fracasso de seus personagens para capturar
um aspecto extraordinário da realidade.
Um corpo que cai, esse é também o assunto da próxima fotografia vencedora do Esso. A
imagem foi feita por Antonio Carlos Piccino187 - conhecido por seus colegas como
Soneca188
187 Paulista, Antônio Carlos Piccino (1950-1989) teve sua carreira de fotojornalista abreviada, aos 38 anos, por um enfarte súbito. Tendo começado na extinta Revista O Cruzeiro, Piccino fez carreira em São Paulo como fotógrafo da sucursal do jornal O Globo no estado por 16 anos. Além do Esso, também ganhou um Prêmio Vladimir Herzog em 1982, pela fotografia “Cena Final da Rua Candarai”, publicada na Revista Veja e obteve reconhecimento internacional ao ser o primeiro brasileiro a ter uma fotografia escolhida como melhor do mundo pelo concurso promovido pela United Press International – UPI, em 1976.
- para o jornal O Globo durante a cobertura de uma das maiores tragédias
urbanas ocorridas na capital paulista, cuja repercussão foi nacional: O incêndio no
edifício Joelma em 1 de fevereiro de 1974. À semelhança em relação ao protocolo
visual que encerra se associa o componente dramático presente em toda a cobertura
desse acontecimento e representado com precisão plástica nesse flagrante de Piccino.
188 Coluna "Datas", Veja, 1 de novembro de 1989 - Edição nº 1103, p. 101.
167
Figura 41: Incêndio no Edifício Joelma, Antônio Carlos Piccino (Soneca), O Globo, Prêmio Esso em 1974.
Na manhã do dia 1 de fevereiro de 1974 a capital paulista parou para acompanhar
atônita a um dos mais terríveis episódios de sua história. Naquela fatídica sexta-feira,
por volta de 8 e meia, no Edifício Joelma, na esquina da Avenida Nove de Julho - uma
das mais movimentadas da cidade - com a rua Santo Antônio, teve início um incêndio
que rapidamente tomou conta de todo o prédio. O edifício havia sido inaugurado a
apenas três anos, era uma construção moderna com 7 andares de garagem e um total de
25 pavimentos, do quais 18 eram ocupados pela sede do Banco Crefisul de
Investimentos. Entretanto, um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado no 12º
andar deu início as chamas que se propagaram e destruíram 18 andares da construção.
Segundo o noticiário da época haviam cerca de mil pessoas no prédio no momento em
que o incêndio começou, sendo a maioria delas funcionários da Crefisul, e o saldo das
vítimas indica que aproximadamente 200 pessoas morreram na tragédia e mais de 500
ficaram feridas, marcando a memória de toda uma geração da cidade que acompanhou o
drama daquele dia.
Na época, em uma cidade que crescia em ritmo acelerado os arranha-céus, símbolos da
imponência e da superação dos limites da engenharia, se multiplicavam em número e
tamanho, sinalizando o progresso e a modernidade que ajudaram a construir a
168
identidade de São Paulo. No entanto, o desafio urbanístico de se constituir como capital
econômica do Brasil não incluiu como premissa o planejamento, tampouco a
consolidação de um sistema eficiente de prevenção de crises na cidade. As forças de
segurança pública para prevenção e contenção de catástrofes era falho, o Corpo de
Bombeiros não tinha estrutura e o órgão de Defesa Civil sequer contavam com um
ordenamento e legislação nacional tal qual existe hoje, atuando de forma esparsa e
pontual diante que as calamidades públicas tornavam-se fatos consumados189. No
tocante a legislação sobre procedimentos de segurança em prédios e construções a
realidade também primava pela desregulamentação e pelo o descaso das autoridades
com a proteção da população que ficava "a mercê dos desastres"190
Prova disso foi a repetição, na mesma cidade e em condições muito semelhantes, de
uma tragédia de igual teor mas com menores proporções ocorrida dois anos antes,
ratificando a reincidência das tragédias como praxe nos noticiários brasileiros até os
dias atuais. Os paulistas ainda tinham na memória o desastre no Edifício Andraus,
localizado na Avenida São João, que foi destruído por um incêndio em 24 de fevereiro
de 1972, deixando 12 mortos e 330, quando uma nova tragédia anunciada se abateu
sobre a cidade, desvelando o lado obscuro do crescimento descontrolado, conforme
revela o Jornal do Brasil no editorial "Segurança Queimada" publicado no 2 de
fevereiro.
, conforme consta no
histórico da própria Defesa Civil paulista.
"S. Paulo e Rio parecem condenados aos incêndios de grandes
proporções, com lances trágicos que o número de vítimas acentua.
O incêndio é um acontecimento periódico, envolvendo prédios novos
e instalações modernas. Mal a opinião pública arquiva com emoção
o desastre de Andraus, na Capital paulista, e eis que o fogo irrompe
no Edifício Joelma, quando este abrigava cerca de mil pessoas.[...]
A sucessão desse tipo de sinistro põe em dúvida a suficiência da 189 Segundo a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil " No Estado de São Paulo a Defesa Civil teve suaorigem após os resultados desastrosos decorrentes das intensas chuvas ocorridas em Caraguatatuba (1967) e dos incêndios dos Edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974) que ceifaram inúmeras vidas devido à falta de rápida coordenação dos órgãos públicos e integração com a comunidades."Disponível em: http://www.defesacivil.sp.gov.br/v2010/portal_defesacivil/conteudo/institucional.html#, acessado em: setembro/2012. 190 Histórico da Defesa Civil de São Paulo. http://www.defesacivil.sp.gov.br/v2010/portal_defesacivil/conteudo/institucional.html#, acessado em: setembro/2012.
169
legislação, ou então a eficácia de seu cumprimento. [...] Verifica-se,
porém, ao primeiro exame, que as leis de segurança nos prédios em
construção datam relativamente dos últimos anos. [...] Por que,
então, os incêndios ocorrem com certa frequencia e se propagam de
maneira rápida? Os dispositivos de segurança exigidos pela
legislação estão aquém da expectativa? Quais os motivos que
impedem seu uso em casos de emergência?"191
A mesma indignação com a recorrência da tragédia, a indiferença das autoridades e a
preocupação com a falta de segurança em instalações edificadas vêm à tona na
cobertura da Folha de São Paulo do mesmo dia. No topo da página 6, em destaque,
aparece um enunciado da temática que prevalecer na página - "O perigo de viver em
São Paulo, sentido minuto a minuto" -, abaixo as reportagens já enfatizam o teor das
críticas nas manchetes: "Prepare-se para tudo: você entre num prédio e sua vida corre
perigo" e "Andraus, uma triste lição que não serviu para nada".
"Se você mora num edifício de apartamentos ou trabalha em um
grande prédio de escritórios no centro de São Paulo, esteja
preparado para tudo."
Alerta a reportagem, que prossegue em tom alarmista e com uma leve ironia.
"Porque se houver um incêndio, existem 99 possibilidades, contra
uma, de que seu prédio não esteja dentro das chamadas 'normas
técnicas de segurança', necessárias para dar aos ocupantes o
mínimo de tranquilidade quanto as possibilidades de uma saída
segura e pacífica."192
O incêndio no Edifício Joelma marcou a cidade de São Paulo pela memória coletiva da
experiência traumática e pela discussão que suscitou acerca da necessidade de rever a
legislação preventiva em vigor, baseada em um código de obras dos anos 1930, bem
191 Jornal do Brasil, 2 de fevereiro de 1974, p. 6. 192 Folha de São Paulo, 2 de fevereiro de 1974, p. 8.
170
como a reestruturação do Corpo de Bombeiros, que protagonizou momentos de extremo
profissionalismo e coragem no resgate às vítimas, mesmo com parcas condições de
trabalho e equipamento inadequado.
O acontecimento repercutiu nacionalmente e teve uma cobertura massiva de toda mídia
- escrita e televisionada - que acompanhou e registrou cada detalhe da tragédia, desde as
incertezas iniciais até o drama e comoção de seu desfecho. A fotografia de Antônio
Carlos Piccini, vencedora do Esso de 1974, é apenas uma dos inúmeros retratos do
desastre, que também gerou uma extensa documentação fotográfica publicada em
jornais e revistas de todo o país. As imagens do fogo, do caos e das pessoas envolvidas
circularam amplamente e reproduzem a grandiloquência do enorme edifício em chamas
em tomadas panorâmicas; a fuga desesperada das pessoas, que se atropelavam nas
escadas Magirus dos bombeiros; a espera aflita dos que aguardavam o resgate do
helicóptero no telhado do prédio; a evidência da morte e a morte explicitada em pilhas
de corpos carbonizados. Todas elas possuem forte apelo dramático e conseguem
capturar o ambiente de tensão que envolve um episódio traumático com essas
proporções.
Tudo isso leva a reflexão sobre os porquês desse único flagrante ter sido escolhido para
figurar entre os mais relevantes do fotojornalismo nacional diante, sobretudo, da
expressiva repercussão do fato e da quantidade de imagens de todos os tipos produzida
sobre ele. É importante destacar que apenas a imagem de Piccini recebeu homenagem
no concurso em 1974, levando o título de melhor fotografia, contrariando a tônica que
vinha marcando a competição no âmbito do fotojornalismo: a distribuição de títulos
secundários, além do prêmio principal, a outras imagens concorrentes que possuíam
atributos meritórios. Só para citar um exemplo, a edição do Prêmio Esso do ano de 1963
laureou com menções honrosas mais duas fotografias além da vitoriosa na categoria
principal, todas elas sobre a cobertura da Copa de 1962, assunto que, assim como o caso
do Joelma em 1974, parou o país e mobilizou toda a imprensa, especialmente na
cobertura fotográfica.
Nos jornais pesquisados193
193 Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e O Globo, todos do dia 2 de fevereiro de 1974.
para avaliar a dimensão da cobertura do acontecimento é
possível perceber que a imagem está bastante presente na composição das páginas e
como suporte de informação que junto com o texto produzem o sentido da notícia.
171
Todos eles ocuparam a maior parte de seus cadernos com o episódio, fazendo uma
abordagem ampla dos acontecimentos, incluindo outros aspectos da tragédia além do
fato do incêndio em si. Além disso, todas as capas tem mais da metade de sua área
ocupada por fotografias. A fotografia vencedora, inclusive, ocupa aproximadamente
25% da extensão da primeira página do jornal O Globo, (Figura 42) com a legenda "Na
trajetória para a morte, um corpo cruza o espaço diante do edifício em chamas",
compondo com outra imagem da tragédia quase toda a composição da capa.
Figura 42: Jornal O Globo de 2 de fevereiro de 1974, primeira página.
172
Deste modo, é interessante avaliar quais foram os critérios que justificaram a predileção
da comissão julgadora por uma fotografia específica, em detrimento de tantos outros
registros, ou seja, quais são os quesitos e qualidades da imagem que a torna especial e
digna de ser destacada frente a tantas outras concorrentes com igual componente
dramático e semelhantes até mesmo na abordagem que flagra uma vítima em queda-
livre, (Figura 43) como a tomada feita por Pedro Martinelli também para O Globo.
Figura 43: Incêndio no Edifício Joelma, Pedro Martinelli, O Globo, 2 de fevereiro 1974, página 5.
Um dos atributos qualitativos fundamentais desta fotografia é o arranjo espacial dos
seus elementos no quadro, promovendo a imobilização do momento crucial de uma
ação que sintetiza o acontecimento trágico. Ela possui significados múltiplos em que
estão representados os vários aspectos de um desastre, como a causa, o ambiente, o
drama, o resgate e o desespero, todos reforçados pela proximidade e nitidez com que
foram retratados. Além disso, a forma como a cena impactante foi obtida pelo fotógrafo,
que conseguiu recortar de todas as imagens possíveis aquela cuja composição transmite
a quem observa uma noção muito precisa do que aconteceu no Joelma naquela manhã
de sexta-feira, potencializa seu caráter memorialístico e se incorpora ao imaginário da
tragédia.
173
Justamente por isso, por esse instantâneo decisivo, a imagem de Piccini é um dos
exemplos que se coadunam com o protocolo de visualidade explorado nesta parte do
capítulo, mesmo sendo detentora outros atributos marcantes como a dramaticidade.
Apesar de retratar com propriedade o desespero de alguém que considera se atirar no
vazio uma alternativa para tentar salvar a própria vida em uma situação limite, a
fotografia se vale da sincronia, visão e habilidade do profissional para conjugar em sua
mensagem componentes formais que valorizam a ação em curso, a apropriação de um
fragmento do tempo e os instantes finais que precedem a morte eminente.
Os elementos enquadrados denotam uma continuidade presumível do movimento
impetrado pela vítima que se jogou do prédio buscando escapar das chamas, assim
como induz a conclusão da fatalidade no desfecho da ação.No plano afastado da
imagem a solidez e imobilidade do prédio em chamas contrastam com instabilidade do
corpo que cai no vazio, destacado no plano mais próximo.Estão presentes na cena,
ainda, o fogo consumindo as instalações no edifício e muita fumaça no canto superior
esquerdo da fotografia, a escada Magirus, utilizada pelos bombeiros no resgate, uma
pessoa que assiste a queda do parapeito do edifício, numa posição em que várias vítimas
ficaram a espera de socorro. Todos esses elementos fazem parte do contexto da tragédia
de diferentes maneiras - evidenciam a causa e a consequência, representam os
personagens envolvidos e os dramas pessoais, aludem a solidariedade e ao socorro
prestado às vítimas - e ajudam a contar sinteticamente a história do incêndio do edifício
Joelma.
Pensando na composição gráfica da fotografia é importante destacar algumas
características que denotam a precisão e apuração técnica do fotógrafo, apesar da
dificuldade de capturar, em uma fração de segundos, um movimento em plena
execução. O primeiro fator relevante é a disposição das linhas e formas que produzem
uma geometria simétrica no espaço emoldurado pela câmera e o divide verticalmente
em duas partes, tendo o corpo que cai no vazio como referência medial. Esta impressão
de geometricidade é acentuada pelo desenho da fachada do prédio, em que os vãos das
janelas formam figuras quadriláteras a partir de linhas e colunas que se cruzam
perpendicularmente, como em um tabuleiro de xadrez.
Outro recurso presente é o efeito da gradação, introduzido pela variação do mais claro
para o mais escuro da esquerda para a direita, de baixo para cima, formando uma
diagonal que divide a imagem em dois momentos, ou em duas circunstâncias do
174
episódio, as quais se intensificam em força visual no sentido mais usual de leitura.
Quem observa a fotografia,parte do canto inferior esquerdo, em que a fachada do prédio
apresenta sua cor original, sem ter sido atingido pelo fogo,ainda servindo de refúgio
contra as chamas e a fumaça e nutrindo a possibilidade de um resgate.Ao percorrer a
imagem, no entanto, a atenção vai sendo dirigida paraa devastação provocada pelo fogo,
que consome o interior do edifício e pode ser visto através das janelas. Na medida em
que a imagem vai se tornando cada vez mais escura, com mais intensidade representa o
grau da destruição, culminando com a fachada completamente enegrecida e tomada pela
fumaça no vértice superior direito.
De todos os atributos da imagem, dois deles são fundamentais para compreender sua
trajetória bem sucedida, são eles a proximidade e a nitidez. Esses recursos são
responsáveis por fazer com que o corpo em queda e os detalhes do momento sejam
percebidos com extrema clareza por quem olha o vôo fatal interrompido pelo clique da
câmera. A aproximação, provavelmente obtida com uma lente objetiva de longo alcance,
conecta o espectador à vítima, que mesmo não tendo o rosto identificável está tão perto
na imagem, que parece ter o corpo descolado do restante da fotografia, nítido,
perfeitamente delineado e com alguns detalhes visíveis. Sabe-se que é um homem, calça
escura e camisa de botão, cabelo curto e voando em queda-livre. Ao contrário do atleta
que cai na figura (Figura 39) anterior, a resposta corporal deste personagem à queda
denota uma certa leveza, aparentemente seus braços abertos e estendidos não
procuraram restaurar o equilíbrio e se preparar para o choque, assim como as pernas
flexionadas e separadas, parecem ser deslocados apenas pela atuação da gravidade; a
impressão transmitida pela imagem é a de um corpo que se deixa cair sem oferecer
resistência, talvez conformado,já descrente na possibilidade de sobreviver, ou talvez
apenas esperando o desfecho da situação, não é possível precisar. Além disso, a
unicidade da representação, que enfatiza uma única vítima do acontecimento, faz
também imaginar os aspectos não visíveis da imagem, como os motivos que levaram a
decisão, os momentos finais da breve história dessa pessoa, que salta para a morte certa,
e, talvez, compartilhar com ela, através dessa fração imóvel dos fatos parte da sua
angústia e desespero.
A imagem de um corpo completamente solto, livre, pairando no vazio é impactante,
embora não se possa mensurar a repercussão da fotografia de Piccini, especialmente
tendo em vista a profusão de registros gerados pelo episódio em questão. No entanto,
175
comparando a foto de Piccini com a de Pedro Martinelli (Figura 43), por exemplo, é
possível notar como, apesar de ambas procurarem uma abordagem semelhante, as
características técnicas e estéticas descritas acima conferem a primeira uma diferença
qualitativa que reflete a habilidade e senso de oportunidade do fotógrafo, bem como a
intensidade com que representa um fato tão marcante na história da cidade de São
Paulo. A foto de Martinelli também recorta do acontecimento um corpo em queda, mas
distante para quem observa, que vê uma sombra se deslocando para baixo em direção a
fumaça tendo outros prédios ao fundo. Além disso seu enquadramento sugere o
acionamento rápido do dispositivo, como se o repórter tivesse sido surpreendido pela
ação, enquanto a tomada de Piccini pressupõe uma espera do fotógrafo, a previsão de
um fato passível de ser fotografado.
No arranjo conseguido por Antônio Carlos Piccini, parece que o mundo parou por um
instante para que se deixasse fotografar num ordenamento único, em que os elementos,
todos e cada um, estão presentes, devidamente alinhados e balanceados, expressando
um equilíbrio momentâneo fruto da perícia do profissional, mas também capaz de
resumir o acontecimento traumático e acionar uma memória viva, quase presente, em
que as sensações do episódio são transmitidas ao espectador. É como cada aspecto
especial das imagens registradas naquele dia pudessem ser adensadas em um único
registro, conferindo, pois, à fotografia analisada o reconhecimento de seu valor
fotojornalístico através da concessão do Prêmio Esso de 1973.
Nos três exemplos acima estão presentes algumas das características que definiram um
tipo de fotografia de imprensa muito comum até hoje nas páginas de jornais e revistas, a
saber, aquela que imobiliza uma ação. À habilidade técnica do fotografo se conjuga
precisão e reflexos rápidos para interromper e perenizar o movimento. Essas imagens
privilegiam a dinâmica presente em um acontecimento, e destacam do tempo contínuo
uma fração de segundos que significa toda ação. Até mesmo por essa característica,
inscrevem na superfície visível uma ideia de encadeamento que permite ao espectador
presumir o antes e depois da imagem, agregando mais de um tempo ao instante
congelado pela câmera. Assim, foram reconhecidas e tornaram-se ícones e referência da
capacidade da fotografia jornalística em capturar o instante crucial dos acontecimentos.
176
2.5. Ironia e Política
As duas imagens selecionadas para compor este bloco destacam a fotografia jornalística
cujo tema é a política nacional. No entanto, tendo em vista o recorte cronológico
proposto pela pesquisa, a maior parte das edições do Prêmio Esso desse período
ocorreram durante os anos de regime militar no Brasil - de 1964 a 1979. Nesse contexto
é preciso ressaltar que as restrições à liberdade de imprensa fizeram com que a
premiação oferecida pela petrolífera aos profissionais dessa área sofresse um
esvaziamento do conteúdo político. Isso se refletiu na totalidade das reportagens
premiadas na categoria principal, como afirma Marcio Castilho.
"A baixa representatividade de matérias na esfera política no
resultado da premiação está associada ao fato de a atuação da
imprensa estar mediada pelo controle governamental através de
mecanismos como a censura prévia e a autocensura, dentre outros
instrumentos de coerção e intimidação.194
Na mesma linha, o jornalista Ruy Portilho - atualmente um dos organizadores do
concurso - defende que a ausência de temas políticos na premiação durante a ditadura
reflete a situação experimentada por toda a imprensa no período:
"
"Não houve entraves na época da ditadura, mas houve pressões. A
Esso, como grande empresa multinacional, era respeitada. Eles
queriam de alguma forma controlar a premiação, mas já tinham
cerceado a imprensa de tal maneira que não havia margem para
uma matéria de denúncia ser premiada.195
Do mesmo modo como as reportagens premiadas no contexto de censura apresentavam
um deslocamento do foco para outras temáticas mais amenas e aparentemente não-
censuráveis, em alguma medida,o Prêmio Esso de Fotojornalismo seguiu essa tendência
ao não conceder, entre 1965 e 1978 o título de melhor fotografia do ano a registros cuja
mensagem pudesse conter elementos considerados de cunho político ou ofensivo às
"
194 CASTILHO, Marcio, Op. Cit., p. 114. 195 Disponível em: http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=1175, acessado em julho/2012.
177
prerrogativas impostas pelo Estado. Foram privilegiados nesta série os assuntos ligados
ao cotidiano, aos dramas e tragédias nas cidades e, em larga escala, à cobertura
esportiva, incluindo a inusitada fotografia de um tacada de golfe mal-fadada (Figura
44), feita por Manoel Gomes da Costa para o Correio da Manhã e premiada em 1966.
Figura 44: Brasil no Golfe Internacional, por Manoel Gomes da Costa para o Correio da Manhã, Premio Esso em 1966.
Por figurar a "oportunidade de um excelente flagrante de muita beleza plástica"196 a
imagem poderia até ter algum destaque, mas apenas para ser mais uma no rol dos
flagrantes que captam o inesperado. Entretanto, as restrições provenientes de uma
conjuntura política desfavorável - em 1966 o Prêmio Esso de Jornalismo sequer foi
concedido, pois a comissão julgou que nenhuma reportagem apresentada era
merecedora do prêmio máximo do concurso197
196 Uma história escrita por vencedores. Op. cit., p. 48.
- e a representatividade pífia do golfe no
cenário esportivo nacional, fazem com que a consagração desse registro se assemelhe
bem mais aos poemas de Camões de O Estado de São Paulo ou as tarjas pretas da
Tribuna da Imprensa utilizadas estrategicamente para ocupar o espaço das matérias
vetadas pelos órgãos censores.
197 CASTILHO, Marcio. Op. Cit.
178
As representantes "subversivas" selecionadas para esta análise, portanto, aparecem na
lista do Esso contempladas em categorias secundárias e, ainda assim, trazendo o
conteúdo político de maneira indireta, através da leitura dos códigos subjacentes
representados visualmente. Uma delas é "Como subir fazendo força" (Figura 45), de
Luiz Pinto198
Figura 47
para a Tribuna da Imprensa, que recebeu Menção Honrosa na edição de
1965 e a outra "Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório" ( ), do
fotógrafo Antônio Luiz Benck Vargas199
O cerceamento das liberdades individuais, impetrados pelos órgãos de controle do
Estado durante a ditadura, restringiu a livre circulação das notícias e das informações
veiculadas através da imprensa. Apesar de algumas estratégias criativas e de
manifestações pontuais de editores e jornalistas que buscavam fazer resistência às
condições impostas pelo regime e evidenciar a insatisfação da imprensa com censura
, publicada em O Estado de São Paulo,
vencedora na categoria Regional Sul do concurso de 1977. Antes, porém de falar das
imagens que conseguiram driblar os ditames da ditadura e figurar no Esso, vale fazer
um brevíssimo parêntese para falar da relação entre a imprensa a censura e o
fotojornalismo durante a ditadura no Brasil.
200
198 Luiz Pinto (1933-2006) era paraense, de Belém, nascido em uma família com tradição na fotografia. O pai era dono da Foto Nazaré - em Belém - e chefe do departamento fotográfico do jornal Província do Pará, dos Diários Associados. Luiz Pinto iniciou sua carreira na imprensa no jornal Província do Pará em 1948. Na capital paraense também trabalhou no jornal O Liberal até 1955, quando veio para o Rio de janeiro tentar conseguir um emprego em algum dos grandes grupos de comunicação que tinham sede da então capital federal. Ao chegar ao Rio de Janeiro, tentou “a sorte” indo pedir emprego na Revista Manchete, onde foi contratado e permaneceu até 1957. Passou ainda por outros veículos como Diário Carioca, Última Hora, Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa e O Globo.
,
por padrão as matérias consideradas inconvenientes ou contrárias aos interesses da
nação eram suprimidas ou reescritas pelos censores. Acontece que no âmbito do
fotojornalismo, o caráter subjetivo da imagem aliado a certa incompetência dos
responsáveis pela fiscalização do conteúdo a ser publicado, concedia a esse tipo de
199 Antônio Luiz Benck Vargas tem um trabalho expressivo no fotojornalismo, especialmente no que diz respeito a cobertura de temas políticos na década de 1970. Uma de suas obras mais famosas é a trilogia "Pátria", que mostra em três tomadas o protesto de uma jovem em um enfrentamento entre estudantes e policiais durante a ditadura militar no Brasil. As imagens foram exibidas na Primeira Mostra Latino-Americana de Fotografia, realizada no México em 1978, fazendo com que o fotógrafo brasileiro fosse reconhecimento internacionalmente. Benck Vargas também obteve o Segundo Lugar, com o prêmio "Francisco Salomon", na categoria de fotografia do Concurso Ari de Jornalismo no. 49 do Jornal da Tarde em 1978. 200 Um desses casos foi a edição do JB publicada no dia seguinte a instauração do AI-5, que sofre cortes na redação mas foi remontada na oficina para marcar a posição do jornal contrária ao ato. A capa anunciava no canto superior direito "Ontem foi o dia dos cegos" e no canto superior esquerdo trazia o quadro da meteorologia informando que "Nuvens negras ameaçam o país. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos." Jornal do Brasil, 14 de dezembro de 1968 APUD CASTILHO, Marcio. Op. Cit., p. 131.
179
registro uma pequena vantagem em relação ao texto - mais literal e cuja decodificação o
censor estava mais habituado - quando eram submetidos à censura. Tanto esta situação,
quanto as táticas do fotógrafo para se esquivar dos cortes e efetivar a transmissão da
mensagem, são explicitadas em uma fala do fotógrafo Evandro Teixeira:
"Acontecia uma coisa curiosa: o pessoal do texto sofria mais do que
a gente, porque para os censores era mais fácil entender - e mutilar
- um texto do que ver uma foto numa folha de contato. A gente fazia
uns contatos meio escuros, assim o sensor não conseguia ter uma
leitura exata das imagens e acabava deixando passar. No dia
seguinte, quando via publicada, é que vinham p... da vida,
ameaçando prender, censurar. Aí tínhamos que sumir por uns
dias."201
É interessante destacar que não apenas era apenas através do exercício de uma
linguagem sutil e intrincada que a fotografia de imprensa buscava se esgueirar da
atuação da censura e revelar os fatos, mas também contando com a obstinação e o
engajamento do fotógrafo, que mesmo colocando sua vida e sua liberdade em risco, ou
ficando sob suspeição, tentava contornar as arbitrariedades dos órgãos repressores para
fazer valer o seu ponto de vista, bem como manter o compromisso do fotojornalismo
com a denúncia, a fiscalização e o desvelamento das veleidades do governo, quando
este atenta contra os interesses da população. Compromisso este que, aliás, também
esteve na ordem do dia do discurso da imprensa como um todo, apoiando a construção
de seu lugar de autoridade e legitimando seu papel social de vigilância, mas que foi
enfraquecido e, por vezes esquecido pelos que se omitiram ou colaboraram, com o
recrudescimento das políticas de repressão e censura colocadas em curso pelo regime
militar.
O engajamento dos repórteres fotográficos permitiu com que o fotojornalismo se
constituísse no período como um importante canal de difusão das informações "não-
oficiais", que de algum modo expressavam uma estratégia de resistência desses
profissionais contra o regime de caráter autoritário vigente. A importância dessas
201 TEIXEIRA, Evandro. "Meu negócio é fotojornalismo. Entrevista concedida em 07/10/2005 à revista PhotoMagazine. Disponível em: http://photos.uol.com.br/materias/ver/54087, acessado em julho/2012.
180
imagens reside no fato de que registram "acontecimentos que de outra maneira seriam
ignorados ou desmentidos pelas devidas autoridades do governo"202, contribuindo,
portanto, para que uma parte obscurecida dos fatos pudesse chegar ao leitor, já que
"uma fotografia poderia desmascarar a versão dos fatos emitidas por um general, um
governador ou até mesmo um presidente da República"203
Em comparação com os outros protocolos visuais escolhidos como referência para a
análise das imagens do Esso, este é o único que não diz respeito apenas à linguagem e
aos recursos técnicos utilizados para retratar um dado da realidade, mas também recorta
a abordagem por um assunto específico: a política. Com isso não se pretende afirmar
que a ironia é um elemento exclusivo das fotografias que representam tal tema, pelo
contrário, outros flagrantes premiados possuem o sentido ancorado no mesmo tipo de
recurso retórico, aproveitando a possibilidade de dupla interpretação da imagem e, na
maior parte das vezes, só se realizando por completo através do diálogo com o texto que
confronta a informação visual.
.
A opção pelo recorte temático, entretanto, se justifica a partir de duas premissas. A
primeira entende as fotografias que associam política e ironia como um meio
relativamente eficaz de contornar a censura e oferecer, dentro dos limites da época,
resistência a ela, representando um esforço do profissional e do veículo para fazer com
que a informação circulasse, mesmo que esta fosse contrária às determinações da ordem
autoritária vigente. Deste modo, o destaque conferido pelo prêmio era uma forma de
bonificar tais iniciativas, reverberando, num espaço privilegiado de celebração e reunião
de pares, a insatisfação da categoria com a ausência de liberdade de imprensa. Vale
ressaltar que, apesar da relativa baixa de temas políticos nos trabalhos premiados no
período, as cerimônias de homenagem e entrega dos prêmios constituíam-se como
verdadeiros palanques para os discursos emblemáticos dos vencedores, que repudiavam
a repressão e a censura imposta pelo regime, bem como reafirmavam a noção do
comprometimento do jornalista com valores democráticos e com a defesa da liberdade
de expressão204
Por outro lado, a escolha temática está pautada na importância do humor como traço
característico das formas de representação pública do poder e dos poderosos na cultura
.
202 OLIVEIRA, Gil Vicente. Fotojornalismo Subversivo: 1968 revisto pelas lentes do Correio da Manhã. Revista Acervo do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 11, nº 1-2, pp. 117-136, jan/dez 1998, p. 126. 203 Idem. 204 CASTILHO, Marcio. Op. Cit., pp. 137-146.
181
política nacional. Nesse sentido, as fotografias de imprensa podem ser consideradas
como um dos suportes que contribuíram, juntamente com outros tipos de discurso, para
a inscrição da ironia, da galhofa e da inversão de sentidos no imaginário político
brasileiro. As imagens homenageadas no mais importante concurso jornalístico do país
dão conta desses aspectos e trazem consigo a marca irreverente da crítica mordaz, que
promove a desconstrução do poder através da ridicularização dos políticos e da
deslegitimação da reverência em que seus privilégios se sustentam. Mesmo com o fim
da censura e a redemocratização do país esse tipo de representação não perdeu força e
se firmou como um protocolo visual típico das editorias políticas em diversos veículos,
como uma espécie de ‘troco’ simbólico mediante ao qual a insatisfação da sociedade
com descaso dispensado pelas autoridades públicas encontra correspondência.
Após esse breve parêntese, a primeira imagem a ser destacada neste ponto é a fotografia
intitulada “Como Subir Fazendo Força” (Figura 45), publicada em 1965, pelo jornal
Tribuna da Imprensa, homenageada com uma Menção Honrosa no Prêmio Esso do
mesmo ano. O flagrante do então presidente Marechal Humberto Castello Branco
“fazendo força” – literal e metaforicamente – para subir foi capturado pelo fotógrafo
paraense Luiz Pinto, durante uma cerimônia oficial realizada na Vila Militar, no Rio de
Janeiro, em 25 de fevereiro de 1965. A cobertura para a qual o fotógrafo foi enviado
dizia respeito a uma comemoração promovida pelas Forças Armadas por ocasião do
aniversário da tomada de Monte Castelo, na Itália, uma das investidas ofensivas que
contou com a participação dos soldados brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial.
No dia seguinte ao evento – 26 de fevereiro – a Tribuna deu a fotografia na sua primeira
página com grande destaque, já que a mesma ocupava quase 50% do espaço disponível
no jornal (Figura 46). A imagem traz claramente um tom jocoso, mostrando o então
presidente da República em uma situação constrangedora e contrariando todos os
protocolos que envolviam a representação de uma figura pública daquela natureza.
Juntem-se a isso os limites de uma conjuntura política de restrição de liberdade e a o
fato de se ser o retratado um militar de alta patente e se pode presumir que a dimensão
da afronta se amplia consideravelmente.
182
Figura 45: Como subir fazendo força, Luiz Pinto, Tribuna da Imprensa de 25 de fevereiro de 1965, Mensção Honrosa no Prêmio Esso de 1965.
Se visualmente a fotografia opera com a ridicularização de uma autoridade pública
proeminente dentro das instâncias superiores da política nacional, a construção do
sentido duplo da mensagem expressa em imagem é complementada e reforçada através
da legenda que, estrategicamente, elucida a verdadeira intenção de sua publicação.
"Como subir fazendo força", não apenas explicita a ironia contida na informação não-
textual, como também significa a fotografia, fazendo transparecer, através da
conjugação de diferentes tipos de discurso, a crítica à maneira como os militares
assumiram o comando do país e aos rumos que a intervenção estava tomando.
Não deixa de ser curioso notar que o teor crítico da mensagem tenha sido obra da
editoria de um veículo de reconhecido perfil conservador como a Tribuna da Imprensa,
em cujo histórico está o apoio tácito ao projeto autoritário impetrado pelos militares em
1964, sob o rótulo de “revolução”. O jornal - de propriedade do udenista Carlos Lacerda
até 1961 - era o canal privilegiado do político para disferir seus ataques em oposição aos
governos de base trabalhista, desde o segundo mandato de Getúlio Vargas. A crítica
oposicionista e a virulência eram característicos tanto dos discursos inflamados de
Lacerda quanto nas linhas impressas no diário que dirigia. Foi assim com Vargas,
Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros e, após a renúncia do último, ainda mais
contundente com a ascensão do vice João Goulart ao cargo de mandatário da nação.
183
Acontece neste caso, que o termo conservador deve ser pensado à luz das contingências
do período e do entendimento de que os militares no poder não tinham intenção de fazer
a transição para um regime democrático esperado àquela altura, depois da contenção
dos rumos indesejados o governo Jango. Assim, o pacto firmado 1964 reuniu pelos
diversos setores da sociedade civil, inclusive a imprensa205
Um dia antes da publicação da fotografia analisada a questão da permanência do regime
militar à força, bem como a falta de mobilização em torno de um novo pleito
presidencial já figuravas nas páginas da Tribuna. A matéria de capa do jornal, intitulada
"Presidente à força", falava sobre o "mais poderosos e arbitrário esquema depressão
jamais montado"
, em defesa de uma suposta
legalidade estava sendo quebrado unilateralmente pelos militares que não davam
demonstrações de que iriam deixar o poder ou convocar uma nova eleições, o que
estava previstas para acontecer em 1965. A posição assumida pela Tribuna neste
contexto - nessa época o jornal era dirigida por Nascimento Brito - não difere da de
outros jornais que apoiaram a intervenção militar no início por entende-la como medida
necessária, embora anti-democrática. Posteriormente esses mesmos veículos
questionaram a manutenção do governo nas mãos das Forças Armadas e, sobretudo, o
recrudescimento da repressão e o cerceamento das liberdades individuais e de imprensa.
206
205 Os principais jornais do país apoiaram o golpe de 31 de março de 1964 e pediram a saída de Jango do poder, e mesmo antes, assumiram uma linha editorial de oposição ao governo João Goulart e as medidas empreendidas por ele no que diz respeito principalmente à questão social. As chamadas "reformas de base", questionadas por sua tendência socialista e consideradas extremistas, não foram recebidas com entusiasmo por diversas instâncias da sociedade civil, dentre elas a Igreja Católica, os empresários e as Forças Armadas, que juntos articularam e apoiaram a intervenção autoritária. No que diz respeito à imprensa, a exceção dentre os grandes foi o jornal Última Hora que apoiou a continuidade do governo Jango como forma de manter o regime democrático.ABREU, Alzira Alves de, A participação da imprensa na queda do governo João Goulart. In.: 1964-2004: 40 anos do Golpe - Ditadura Militar e Resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004, pp. 16-25 e REIS FILHO, Daniel Aarão. Op. Cit., p. 120-127.
no Congresso, para garantir a eleição do deputado Bilac Pinto para
o cargo de Presidente da Câmara. Esse editorial já sinalizada uma mudança no discurso
que foi consumado na reportagem do dia seguinte e que seria a tônica do jornal dali em
diante. Deve-se ainda pesar, para a compreensão dessa rápida adesão da Tribuna da
Imprensa à defesa fervorosa dos colorários da democracia, o fato de os udenistas terem
sido alijados das principais decisões políticas após o golpe que ajudaram a consolidar,
além do fato de Carlos Lacerda - governador do Estado da Guanabara na época - ter
visto minadas suas chances que concorrer para o cargo de presidente da República ao
qual aspirava naquele ano.
206 Tribuna da Imprensa, 25 de fevereiro de 1965, primeira página.
184
A crítica implícita na imagem de capa da Tribuna da Imprensa do dia 26 de fevereiro,
portanto, torna-se evidente no conteúdo da reportagem escrita, para a qual a foto foi
habilmente selecionada. De um lado a manchete da notícia tinha grande destaque na
página - "Castelo Enquadra Supremo" - e fornecia o subsídio necessários para a leitura
da mensagem fotográfica. De outro, a legenda "Como subir fazendo força"conectava as
informações visual e verbal para a produção de um nexo que relacionava as medidas
tomadas pelo executivo para enfraquecer o judiciário e ampliar a base de seu poder ao
ato simbólico de "subir" fazendo força, seja no jipe ou na política. Em suma, todos os
elementos estão dispostos de modo a conduzir o leitor ao caminho interpretativo
condizente com o posicionamento que o jornal assumira naquele momento, a saber, a
denúncia da ilegalidade que constituía a manutenção do governo militar no país.
185
Figura 46: Tribuna da Imprensa, 26 de fevereiro de 1965, primeira página.
Ainda na capa, o resumo da coluna escrita pelo dono do jornal, Hélio Fernandes,
impressa à esquerda da imagem, confirmava a insatisfação do veículo com os rumos da
186
política nacional e a ruptura da articulação gestada para colocar os militares no poder. O
texto afirma:
"E, para ganhar a mesa da Câmara, a Revolução deformada,
traída, desgastada pela inflação e pelo farasaísmoconsultécnico
tinha mesmo que se exceder nesses espúris – tanto mais que este
governo não tinha e não tem comando político."
Essa primeira página, assim como a fotografia de Luiz Pinto, constrói um sentido para
os acontecimentos que vinham se desenrolando e configurando o que seria conhecido
como "golpe dentro do golpe", ou a recusa das Forças Armadas de encerrar o governo
que começou "transitório" e convocar novas eleições para o executivo. Sua importância
ainda reside no fato de marcar uma mudança de direção da linha editorial da Tribuna da
Imprensa, que passa a ser um dos veículos contumazes na crítica ao regime e, por isso,
também um dos mais fiscalizados, já que esteve durante um longo período com os
censores atuando dentro da sua redação207
Do ponto de vista da imagem e dos significados que assume para a construção de um
sentido para os fatos, a fotografia de Luiz Pinto pode ser lida a partir de duas chaves
interpretativas complementares, em que uma está relacionada ao apelo ao ridículo e a
outra à crítica política, demonstrando, pois, a polissemia da imagem técnica e das
diversas apropriações a que ela esta sujeita. Nesse sentido a utilização desta fotografia
dentro de uma composição que reúne outros tipos de texto torna-se imprescindível para
a sua compreensão e a análise intertextual ajuda a elucidar os elementos que a fizeram
merecedora de um destaque no concurso da Esso.
.
Essa é uma típica fotografia que depende de contexto para que sua mensagem atinja o
espectador da maneira presumida, ou seja, os aspectos visíveis não são conta de explicar
o conteúdo da imagem sozinhos. O efeito irônico e o teor crítico, por sua vez. só se
realizam a partir de um certo conhecimento prévio de quem a observa acerca do
personagem retratado e da conjuntura histórica em que se deu sua publicação.
Cumpridas essas condições, em primeiro lugar, pode-se perceber como o flagrante de
Luiz Pinto promove uma desconstrução de uma certa imagem do poder quando expõe
207 CASTILHO, Marcio. Op. cit., p. 84.
187
uma figura pública ao ridículo. A situação de Castello Branco, que devido a sua baixa
estatura se esforça para subir em um veículo militar, flagrada pelo fotógrafo, no
mínimo, rompe com as estratégias fotográficas clássicas de representação personalista
do poder, em que o líder é retratado de forma altiva e imponente, quase que como se o
poder emanasse dele e uma áurea mítica o envolvesse. Aqui a posição constrangedora
coloca por terra a reverência com que as autoridades públicas esperam ser tratadas,
fazendo justamente o oposto, mostrando o desconforto e a dificuldade de um desses
representantes para realizar uma ação corriqueira como subir em um carro.
O fotógrafo enquadra os elementos em um plano próximo, mostrando todo o corpo de
Castelo Branco, mas apenas parte do jipe que tem a frente destacada. A angulação é
perpendicular em relação ao chão e diagonal a partir dos objetos retratados, ou seja, a
imagem parece estar na altura dos olhos de quem observa, com o fotógrafo posicionado
lateralmente em relação a cena que observava. Em função disso, ocorre uma
desproporção entre o tamanho do jipe e da pessoa, através da qual se transmite uma
impressão de o primeiro ser muito maior que o último, evidenciando ainda mais baixa
estatura do presidente. Enfim, fazendo uma comparação com uma tipologia de imagens
que buscam valorizar o poder e os poderosos, nesta imagem os recursos técnicos
empregados visam desconstruir essa noção. O plano mais fechado e horizontal, por
exemplo, aponta para o traço menos nobre e para a dificuldade, colocando a figura
pública mais importante do país em pé de igualdade com os outros cidadãos, em
detrimento de uma tomada à distância de baixo para cima que reforçaria uma ideia de
superioridade do retratado.
Zombar das personalidades públicas, especialmente políticos, era uma das coisas que o
fotojornalista Luiz Pinto admitia gostar de fazer no exercício de sua profissão. Em uma
entrevista, inclusive, conta que apesar de ter "comido o pão que o diabo amassou" na
Tribuna da Imprensa, ali "se fazia jornalismo" e rememora o início de sua pitoresca
relação com o presidente Castelo Branco, que mandava o prender constantemente, mas
foi importante para o seu crescimento profissional. Quando perguntado sobre qual era o
presidente de quem se lembrava melhor ele respondeu:
"Castelo Branco, é claro, que foi quem me lançou...
[...]
188
Apesar de tudo, eu comecei na imprensa em cima do Castelo
Branco, essas fotos do Castelo aí. [...]. Foi aí que eu fui ganhando
nome na imprensa no Rio, na imprensa nacional."208
A relação difícil com a ditadura e o espólio das fotografias que ridicularizavam as
autoridades, contudo, também fazem parte das memórias do fotógrafo, mesmo que de
maneira contraditória. Quando fala de um período complicado de sua trajetória em que
era escalado para fazer a cobertura política durante a ditadura militar ele afirma que o
tipo de fotografia que o projetou também o tornou visado pelos órgãos de repressão do
governo. Ainda assim, e emoção e o desafio do trabalho, nessas lembranças aproximam
sua vivência de uma certa noção heróica de estar lá no momento em que as coisas
acontecem, como fica explícito nos trechos abaixo.
"E na Tribuna eu peguei a pior fase que foi na Revolução. Então,
toda semana eu era preso, espancado, é... virou festa” Era jogado
no xadrez... toda semana! Depois o Castelo Branco mandava me
devolver. Foi muito bom!"209
"eu ia fotografar o Castelo no Santos Dumont eu ia preso, quando
eu ia fotografar o Castelo no Galeão, eu ia preso, ia fotografar não
sei quem “ah, vai em cana”. Eu dormia em xadrez, era espancado,
metia um carro encima da vítima, moto, atropelava, tudo, a gente
não desistia não."
210
Não obstante a ironia se baseie no humor para levar uma determinada leitura da
realidade às pessoas, seu outro componente essencial é a crítica, geralmente, ácida a
determinado aspecto dessa realidade. Tendo isso em vista, o outro elemento simbólico
que nela se consubstancia é condenação do modo como o Marechal Castelo Branco foi
conduzido ao cargo da maior representatividade da nação, assim como, e
principalmente, as manobras da alta cúpula militar vinham para assegurar sua
208 PINTO, Luiz. 2002, Op. Cit. 209 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Mauro Amoroso em 13 de agosto de 2005. Depositada no Laboratório de História Oral e Imagem, UFF 210 PINTO, Luiz. 2002, Op. Cit.
189
permanência no poder, rompendo com o acordo previamente estabelecido. A sutileza da
informação subentendida se torna ainda mais sofisticada quando se tem em vista que
imagem e legenda, neste caso, dialogam diretamente com outro texto da época,
atribuído ao próprio Castelo Branco, o qual dizia que "se os se os militares tomam o
poder pela força, nele pela força permanecem e dele a força sairão."211 Ao parafrasear
o discurso do presidente "Como subir fazendo força" está referenciada pela conjuntura
histórica que a produziu, sendo utilizada no jornal de forma irônica para denunciar o
descumprimento da última parte do acordo, ou seja, que os militares deixariam o poder
tão logo a ordem fosse estabelecida212
O Prêmio Esso é outro capítulo da história desta imagem, já que ela não ganhou o título
de melhor fotografia do ano na edição de 1965, mas sim uma Menção Honrosa pela
importância do registro. Destaca-se também pelo valor simbólico atribuído à metáfora
que expunha a figura pública que personificava todas as arbitrariedades contra as quais
boa parte da classe jornalística intentava lutar, representado nesta tomada em uma
condição ridícula e humilhante, o que, além de tudo, subvertia a ordem imposta pela
ditadura.
.
No entanto, um dado importante diz respeito a comissão julgadora da categoria
fotográfica daquele ano, da qual fazia parte o fotojornalista Ernesto Santos - chefe de
Luiz Pinto e fotógrafo da Tribuna da Imprensa. Na ocasião, o Prêmio Esso de
Fotojornalismo foi concedido a Kaoru Higuchi, do Jornal do Brasil, pela fotografia do
presidente francês Charles De Gaulle em visita ao Brasil, chamada "Braços Abertos para
o Novo Mundo". Além disso, outros seis fotografias foram homenageadas por mérito
com Menções Honrosas, dentre elas a de Luiz Pinto e outra da Tribuna da Imprensa,
feita por Joveraldo Lemos, morto em serviço, na ocasião em que a imagem fora feita
(Figura 18).
A participação de membros de veículos premiados nas comissões julgadoras do Esso
não era incomum, visto que os prêmios se concentravam entre os grandes órgãos de
comunicação, assim como os jornalistas e fotógrafos de renome. No entanto, 1965 foi
um ano atípico, em que muitas fotografias foram citadas na relação de vencedores,
incluindo algumas situações em que não se entende os critérios utilizados no
211 Uma história escrita por vencedores. Op. cit., p. 45. 212 Sobre a fotografia de Luis Pinto ver GAMA, Elisabeth. "Como subir fazendo força": memórias de um passado imperfeito. Primeiros Escritos, nº 14, abril de 2010. Disponível em: http://www.labhoi.uff.br/node/1394, acessado em setembro de 2012.
190
julgamento, como a junção em série das fotografias de Reginaldo Manente sobre temas
tão distintos e que não foram inscritas em conjunto.
O fotógrafo laureado Luiz Pinto, que se define como "brigão" e dono de uma
personalidade um tanto quanto irreverente, inclui a menção recebida no Esso na lista de
conquistas que foram importantes na sua trajetória, mas credita o fato de sua foto não ter
sido a melhor do ano à participação do chefe na comissão julgadora.
"Ganhei menção honrosa nessa aqui, foi aquela foto do Castelo...
Mas interessante disso aqui, porque... eram treze jurados, e o
presidente do júri era o meu chefe, o Ernesto Santos. Como ficou
empatado, ele decidiu. Depois ele disse pra mim assim: 'eu não
decidi por você porque senão depois pegava mal pra mim, porque
sou seu chefe'.
Era tão boa que eles criaram menção honrosa na época, né?
Mas sacanagem, né? Porque era meu chefe. Não tem nada a ver, pô,
a foto é boa..."213
As informações do fotógrafo não correspondem aos dados sobre a premiação, já que a
comissão de fotografia de 1965 era constituída por três fotojornalistas - Ernesto Santos
da Tribuna da Imprensa, Paulo Reis, da Última Hora, e Demócrito Bezerra, da
Associação de Repórteres Fotográficos do RJ - e mesmo o número de julgadores no
total somavam onze integrantes. Tampouco o título de Menção Honrosa foi criado por
causa da fotografia em questão, nos concursos anteriores já era praxe concederem
homenagens simbólicas (sem prêmio em dinheiro) para trabalhos cuja qualidade não
condizia com o título principal, mas cujo mérito justificava a menção
214
213 PINTO, Luiz, 2002, Op. Cit.
.
214 Segundo Ruy Portilho, organizador do concurso atualmente, nas edições mais recentes do Prêmio Esso a prática de conceder Menções Honrosas e Votos de Louvor foi vetada pelo regulamento, justamente para não diluir a conquista do prêmio principal e forçar a comissão julgadora a um consenso sobre o melhor trabalho.
191
Contudo, o interessante no depoimento do fotógrafo são os mecanismos discursivos e a
forma como constrói as suas memórias para promover a valorização do próprio
trabalho, em face da conquista de um prêmio secundário. De um lado utiliza um tom
levemente desdenhoso, que coloca em xeque a validade do concurso - o qual ele não
ganhou porque o chefe era o presidente da banca -, mesmo sendo o Esso um programa
respeitado por seus pares. Por outro, completa o argumento ao se considerar o vencedor
por direito daquela edição e criando outros símbolos de distinção em substituição ao
prêmio principal, como o fato de terem criado a Menção devido à qualidade de sua
fotografia.
Por fim, não cabe aqui fazer um julgamento sobre os motivos que levaram uma ou outra
fotografia ao prêmio principal, já que se está considerando todas as que foram
consagradas. Do mesmo modo, não se trata que colocar em dúvida a idoneidade dos
julgadores, mas de contextualizar certas escolhas que dizem respeito ao período
histórico analisado buscando uma compreensão mais ampla sobre ele. Assim, tendo em
vista o exposto, um caminho possível para a análise é de que o esvaziamento político do
Prêmio Esso não se configura como uma atitude deliberada da organização ou dos
membros das comissões em virtude das pressões decorrentes de um regime político
autoritário, como uma observação mais superficial poderia supor. Existiram
adversidades, as quais se intensificaram com o recrudescimento das políticas de
repressão e censura, impedindo inclusive, a circulação de textos e imagens com
conteúdo vetado pelas determinações do governo. Mas, a fotografia analisada, por
exemplo, tinha conteúdo político, poderia ser considerada "subversiva" por ridicularizar
o presidente da República, e ainda assim foi publicada em um jornal de boa circulação,
participou de um concurso importante e teve sua qualidade reconhecida. O fato de não
ter sido a melhor fotografia não significa que a mensagem que tenta transmitir não
encontre correspondência nas aspirações e desejos de outros profissionais de imprensa
privados de exercerem seu trabalho com liberdade.
A próxima fotografia a fazer parte dessa abordagem é "Visita do Ministro Sylvio Frota à
cidade de Osório" (Figura 47), feita pelo fotojornalista Antônio Luiz Benck Vargas e
veiculada pelo O Estado de São Paulo. Ela retrata um desfile militar ocorrido em
Osório, no Rio Grande do Sul, cidade natal do então Ministro do Exército do governo
Geisel, Sylvio Frota e ganhou o Prêmio Esso em 1977 como melhor trabalho
jornalístico da categoria Regional Sul. Detalhe interessante é que a vitória não se deu no
192
concurso especializado em fotojornalismo, mas na disputa setorizada por regiões em
que concorriam trabalhos de diversas naturezas, tanto no formato de texto quanto de
imagem.
À primeira vista, a imagem parece ser apenas mais uma representação visual de uma
cerimônia oficial militar que conta com a de exibição diversas divisões das Forças
Armadas. Mesmo no que diz respeito aos seus aspectos técnicos não se observa o
emprego de nenhum recurso especial ou a demonstração de habilidades específicas
valorizadas em um profissional de fotojornalismo. Chama a atenção, no centro da
imagem, um cavalo que aparece cavalgando sozinho, sem um cavaleiro montado sobre
ele, mas ainda assim, ao mirá-la de relance no rol das fotografias premiadas com o Esso,
sua aparência relativamente comum faz com que passe despercebido ou talvez que se
pense nos motivos que fizeram estar ali.
Figura 47: Visita do Ministro Sylvio Frota à Cidade de Osório, Antônio Luiz Benck Vargas, O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, Prêmio Esso na categoria Regional Sul em 1977
A aparência superficial esconde, no entanto, uma série significados que para serem
desvendados se faz necessário ter em vista tanto as circunstâncias de sua publicação
quanto o apoio de outro texto que explique os elementos presentes na imagem. Esta é
uma fotografia em que o sentido pode ser construído de diversas maneiras, mas que só
pode ser entendida como uma representação irônica de determinada conjuntura política
193
ao colocá-la no contexto histórico que engloba tanto a sua produção e circulação, quanto
o momento em que foi premiada.
A relação da imagem com outros textos começa pelo título, uma vez que este destaca a
visita do Ministro do Exército, mas o ministro não aparece na fotografia, ou seja, sua
presença é apenas sugerida, mas não pode ser confirmada a partir das informações
visuais. Outro dado que está enunciado mas não tem correspondência na imagem é a
localização e a data do evento, pois não há nada que indique que a cena retratada se
passe de fato na cidade referida e no ano de 1977. A fotografia traz um panorama do
deslocamento de um grupo que se supõe militar pela presença de homens montados à
cavalo uniformizados e paramentados com lanças e bandeiras ao estilo militar, as quais
remontam a um período antigo, pois não se assemelham a vestimentas militares
modernas. No entanto, a presença do tanque de guerra insere o registro no século XX,
ao menos. A nuvem de poeira que se formou com a passagem das tropas e a quantidade
de pessoas e objetos em cena dão a impressão de se tratar de uma invasão ou uma
investida de guerra com objetivos militares. E no centro da imagem um cavalo sem
cavaleiro se destaca na fotografia.
As informações contidas na imagem não trazem elementos necessários para que se
consiga captar as circunstâncias em que ela foi realizada. Recorrendo a publicação da
fotografia, originalmente feita pelo jornal O Estado de São Paulo em 15 de maio de
1977, os detalhes do acontecimento pro trás da foto podem ser elucidados. A fotografia
saiu em dois espaços distintos do jornal e com um formato diferente em cada um deles.
Na primeira página da edição ela aparece inteira, logo abaixo do cabeçalho em quatro
colunas e cerca de um terço de extensão na vertical, com o crédito para o repórter
fotográfico Antonio Vargas (Figura 48). Embora a fotografia esteja destacada o assunto
ao qual se refere não, pois não há título impactante e a manchete que está ao seu lado
fala sobre cubanos da Líbia. O layout desta primeira página é um pouco truncado,
denotando pouca preocupação com o arranjo dos elementos e o projeto gráfico de modo
geral. Abaixo da imagem uma chamada para a reportagem na página 35 traz o resumo
dos fatos ocorridos em Osório:
"Grupos da cavalaria montada e mecanizada fazem demonstrações,
durante a visita do ministro do Exército, gen. Sylvio Frota, e do
194
governador Sinval Guazzelli, à cidade de Osório, no interior
gaúcho."
Figura 48: Capa do jornal O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977.
Na página 35 o registro visual acompanha uma notícia enviada ao diário pela sucursal
do Rio Grande do Sul, cujo título é "Frota vê em Osório a festa da Cavalaria" (Figura
49). A matéria não está assinada, a informação de autoria indica apenas ter sido
195
transmitida pelo correspondente do jornal a partir da sucursal de Porto Alegre. O texto é
objetivo e imparcial, constituindo-se de um relato sobre a ida do ministro do Exército do
governo Geisel à cidade onde nasceu o Marechal Osório para presidir a festa da
Cavalaria215
local.
Figura 49: Reportagem de O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, página 35.
"O ministro do Exército, general Sylvio Frota, presidiu ontem em
Osório, a 106 quilômetros de Porto Alegre, as comemorações do dia
da Cavalaria. Acompanhado do governador Sinval Guazelli, do
comandante do III Exército, general Belfort Bethlem, e de outras
autoridades, o ministro observou por duas horas e meia,
demonstrações de pára-quedistas, e de grupos de cavalaria
motorizada e mecanizada."216
O texto é quase todo telegráfico ao reportar os fatos que ocorreram nas comemorações e
a agenda do ministro na região, mas discretamente afirma em uma passagem que os
jornalistas foram impedidos de ouvir a conversa entre o ministro e outros presentes por
vários agentes de segurança, o que dadas as restrições impostas pelo regime pode ser
considerada uma crítica feita de maneira sutil pelo redator, usando o estilo objetivo de
reportar característico da linguagem jornalística.
215 O Dia da Cavalaria é uma data comemorativa em homenagem às tropas militares que atuam montadas a cavalo. A festividade é celebrada no dia 10 de maio, por esta ser a data de nascimento do Marechal Osório, combatente na Guerra do Paraguai e patrono das cavalarias brasileiras. 216 O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1977, p. 35.
196
"Logo após o encerramento das demonstrações, o ministro do
Exército conversou com o com o ex-comandante do III Exército,
general Oscar Luis da Silva, mas os jornalistas foram impedidos de
saber do assunto por vários agentes de segurança. 'Não adianta
nada que o general não falará com vocês', afirmavam
insistentemente os agentes de segurança"217
Outra hipótese possível é que parte do texto tenha sido vetada para a publicação,
restando apenas esse fragmento que faz referência ao cerceamento da liberdade de
imprensa. Tal suposição é reforçada pela imagem e pela composição gráfica da peça,
pois a caixa que delimita a matéria ocupa seis colunas no topo da página 35 do jornal,
sendo que três dessas colunas são compostas pela fotografia, a manchete foi impressa
nas outras três e abaixo desta o texto ocupou apenas cerca de uma coluna e meia. O
espaço sobressalente foi preenchido com outra notícia que não tem nenhuma relação
com a primeira, caracterizando um possível arranjo para cobrir a falta do material que
não pode ser publicado, prática comum nos jornais submetidos aos vetos dos censores.
Na página interna, a fotografia está cortada e acompanha a reportagem com a seguinte
legenda: "O Dia da Cavalaria foi comemorado na fazenda onde nasceu o marechal
Osório". O modo como ela organiza a matéria é mais um indício de que ela tenha sido o
resquício de uma reportagem de teor crítico, que não foi vetada pela incapacidade de
quem a analisou de compreender a mensagem. A imagem está impressa com destaque
em três colunas - mais do que o texto, portanto -, sendo o primeiro elemento na ordem
de leitura da matéria, ou seja, ela introduz a reportagem. A opção feita neste caso foi o
corte em que se realça o cavalo sem cavaleiro, mas em nenhum momento este fato
inusitado é citado na reportagem.
Toda a formatação da reportagem evidencia a imagem em detrimento do texto, desde
sua aparição em um lugar de destaque como a primeira página desacompanhada de um
título que justificasse a importância do acontecimento que ela representa, até a maneira
como está disposta na composição espacial da notícia, levando a crer que o objetivo da
notícia era trazer a fotografia e seu tom irônico para as páginas do periódico. Se um
texto literal não poderia ou de fato não foi veiculado devido ao seu potencial subversivo
217 Idem.
197
a imagem marca um posicionamento de forma menos óbvia e portanto passível de
escapar do crivo dos responsáveis pelos cortes.
Se houve uma parcela de reportagem cortada, ou por agentes externos ou pelos próprios
editores do jornal promovendo uma autocensura, não foi possível comprovar com as
fontes primárias coletadas nesta pesquisa. Entretanto, a força da imagem e a consciência
de se tratar de um registro visual cuja insinuação não poderia passar desapercebido
fizeram com que fosse publicada - com destaque na primeira página - junto a uma
notícia praticamente irrelevante e, consequentemente, pudesse concorrer ao Esso
naquele ano.
Por tudo o que foi exposto, conclui-se que o mote da reportagem é dado pela imagem,
ou seja, um cavaleiro que cai do cavalo na festa que celebra o dia da cavalaria, nada
mais irônico e com uma série de alusões que vão além da situação inusitada em si. A
visita do ministro, enunciada no título não passa de um subterfúgio para aquilo que está
dito sutilmente através da linguagem visual. O humor provem da transformação de um
enredo que se pretende épico em uma situação típica das comédias pastelão, destituindo
a cerimônia oficial de homenagens a personalidades públicas de sua pompa e galhardia.
Para isso a percepção arguta do fotógrafo constrói uma áurea de grandeza em torno do
evento através da utilização de uma estética pictorialista que, em termos de recursos
técnicos trabalha com uma perspectiva panorâmica, a orientação em paisagem e o
alongamento da imagem decorrente da angulação da objetiva, reforçando a
grandiloquencia da cena. Sob o aspecto temático, algumas informações contidas na
imagem remontam às representações clássicas de batalhas presentes na iconografia
histórica brasileira. Atributos como o estilo das vestimentas dos soldados; o excesso de
pessoas e objetos enquadrados, causando impressão de aglomeração; a poeira em
suspensão; e a presença dos cavalos acionam os mecanismos associativos do espectador
transportando-o às grandes obras da pintura nacional que retratam de forma grandiosa
episódios famosos da História do Brasil.
Uma vez montado o cenário e assimilada o repertório de nobreza do espetáculo, a
expectativa suscitada em quem observa a fotografia sucumbe à presença do inesperado
cavalo sem cavaleiro, que segue desgovernado, indiferente às determinações
protocolares da cerimônia. Ao deslocar o foco da atenção para a situação inusitada o
fotógrafo surpreende a audiência e opera com a subversão da ordem preestabelecida,
produzindo uma inversão de sentido calcada na desconstrução da esfera de solenidade e
198
reverência típica dos eventos de rememoração que atuam como uma das instâncias de
representação e reafirmação do poder. O que também se aplica às homenagens
destinadas a enaltecer figuras de autoridade tais como o Ministro do Exército, uma vez
que é o cavalo que rouba a cena na festa da cavalaria – detalhe, aliás, bastante
apropriado para corroborar a ironia da situação - e não o ilustre ministro que vai visitar a
cidade interiorana,o fato com apelo noticioso, bem como motivo que confere à imagem
seu caráter excepcional.
Além disso, a figura do animal errante, avesso à submissão, faz uma alusão à liberdade,
simbolizando a rebeldia daquele que não se deixa dominar e pode escolher o próprio
rumo. As metáforas empregadas na fotografia estão na ordem do dia dentro do contexto
de restrições que configurou o período de exceção no país, sendo que aquilo que não
pode ser dito abertamente ganha novos e sutis contornos no fragmento capturado por
Benck. Em outra referência contemporânea ao registro produzido por Antônio Benck
Vargas é possível encontrar essas temáticas representadas de maneira semelhante. Uma
fotografia de Evandro Teixeira, feita em 1965, durante a cobertura da visita do Grão-
Duque de Luxemburgo ao Rio de Janeiro, dialoga com a cavalaria registrada pelo
fotógrafo gaúcho tanto no que diz respeito a mensagem quanto a forma de expressão218
218 FERRER, Monica Villares. Arte fotografica e liberdade de expressão : um dialogo entre Brasil e Cuba (1960-1990). Dissertação de Mestrado em História da Arte - Universidade Estadual de Campinas, 2010, p. 85.
.
"A liberdade da motocicleta" foi o sugestivo título dado pelo Jornal do Brasil a imagem
de Teixeira quando da sua publicação na capa do dia 18 de setembro. Junto a ela um
pequeno texto redigido com nos moldes da objetividade jornalística, mas com evidente
tom irônico, confere a informação visual um novo significado, elevando o fato
corriqueiro ao posto de manchete de primeira página.
199
Figura 50: A liberdade da motocicleta, de Evandro Teixeira, publicada no Jornal do Brasil de 18 de setembro de 1965.
"Uma pequena derrapagem da motocicleta e o garboso batedor da
comitiva do Grão-Duque de Luxemburgo, Cabo Costa, da
Aeronáutica, viu-se na situação caótica do gaúcho intrépido, mas
desequilibrado: caiu e girou sobre si mesmo, enquanto a
motocicleta seguiu o seu caminho de completa liberdade por mais
de 100 metros, até dar no meio-fio em frente à Escola de
Enfermeiras Ana Neri, no aterro do Botafogo. O batedor Costa,
além do rodopio, nada mais sofreu, mas a motocicleta, vítima de
uma liberdade para a qual não estava preparada, incendiou-se no
fim de sua jornada e ficou totalmente destruída."219
Em ambos os casos a mensagem fotográfica vai além do simples fato de reportar,
construindo ela mesmo a notícia, sendo ainda, um suporte eficiente para burlar a
censura e fazer valer um ponto de vista. Teixeira e Benck conseguiram enquadrar, com a
sensibilidade de um olhar que rejeita o óbvio e crê na fotografia como um instrumento
de criação, aspectos do cotidiano de um modo singular. O último traduziu, através do
exercício de sua profissão, os anseios de liberdade e exercício da vontade da sociedade
e, sobretudo da imprensa, num período de adversidade como foi a ditadura militar no
219 Jornal do Brasil, 18 de Setembro de 1965, primeira página.
200
Brasil. O Esso é consequência simbólica dessa agenda, defendida pelo fotojornalista, e
tão cara àqueles que tiveram revogado seu direito à expressão. O fato de a fotografia ter
sido premiada com exclusividade - recortada do texto, portanto - em uma categoria não
específica confirma a perspectiva apontada acima e atesta a força expressiva de sua
representação. Além, é claro, de funcionar como válvula de escape para os julgadores do
prêmio, diante da escassez de reportagens que tecessem abordagens críticas à realidade
política nacional.
A participação restrita da temática política nacional no Prêmio Esso fez também com
que esses poucos momentos em que se pode conceder mérito à obras de caráter
"subversivo" fossem apropriados como indicadores positivos do compromisso da Esso
com os valores democráticos, através da associação de uma imagem de resistência ao
regime autoritário à história do concurso promovido pela petrolífera. A maneira como a
memória do Prêmio Esso foi sendo construída, tanto na linha do tempo das edições,
montada no espaço virtual, quanto nos livros comemorativos tende a valorizar a defesa
da liberdade de imprensa como marca do programa e isso pode ser percebido ao analisar
as informações fornecidas pelo material disponibilizado pela Esso acerca da fotografia
de Benck Vargas. No site, a seguinte descrição acompanha a fotografia:
"No desfile da tropa, em Osório, no Rio Grande do Sul, em
homenagem ao Ministro do Exercito Sylvio Frota, durante o
Governo do Presidente Ernesto Geisel, o cavaleiro caiu. Mas o
cavalo prosseguiu sua marcha, imponente e indiferente ao
contratempo."220
Em um dos livros comemorativos da premiação a leitura da fotografia em questão a
conecta a outro fato histórico, distante no tempo da data de sua realização. Nessa
abordagem se destaca a queda do cavaleiro como uma alusão à demissão do general
Sylvio Frota do ministério do Exército pelo presidente Geisel, atribuindo a essa
interpretação a qualidade que levou o fotógrafo à conquista do Prêmio Regional. No
entanto, a fotografia não foi publicada nesse contexto e o episódio da demissão do
ministro ocorreu em outubro de 1977, portanto, meses depois do registro e veiculação
da imagem. Tal demonstração de polissemia, já que a versatilidade da mensagem fez
220 Disponível em: http://www.premioesso.com.br, acessado em setembro de 2012.
201
com que ela pudesse ser apropriada para representar acontecimentos distantes
temporalmente, não deixa contribuir como elemento legitimador de sua qualidade.
Tendo isso em vista, é possível que a interpretação fornecida pela Esso, mesmo estando
em desacordo factual, não esteja completamente desvinculada do julgamento que levou
a fotografia a consagração. As comissões julgadoras se reuniam no final do ano para a
análise dos trabalhos e a crise no ministério mais importante da ditadura teve ampla
cobertura na imprensa em geral, já que a história envolvia pretensões golpistas, teorias
conspiratórias e comandantes de alta patente. Assim sendo, o acontecimento, com seu
elevado potencial jornalístico, pode ter sido levado em consideração na hora de escolher
o trabalho que venceria o concurso da categoria regional.
Por último, é necessário destacar nas fotografias de Luiz Pinto e Antonio Benck Vargas
o recurso a figura de linguagem como forma expressão visual, sendo esta uma
característica que não depende apenas da habilidade técnica do profissional, mas
também da capacidade de percepção do mundo e das mensagens que estão implícitas
nos personagens e contextos que orbitam em torno dos fatos. É a subjetividade do
fotógrafo, impregnada das aspirações, concepções e motivações pessoais que o torna
capaz de ordenar os elementos dispersos em uma forma única e repleta de significados.
Nestes dois casos específicos, o senso de humor irônico, em que o riso e a crítica se
reforçam mutuamente, aproxima as imagens e as filiam a um tipo de fotografia que se
inscreveu na cultura política nacional como forma típica de representação do poder.
Mesmo com a abertura política e o fim da censura, fazer graça às custas de autoridades
públicas proeminentes, especialmente as emplumadas, e desconstruir ícones de poder
passou a fazer parte do exercício profissional dos fotojornalistas políticos. É o caso, por
exemplo, do Prêmio Esso da categoria em 1986, "Qualquer semelhança..." (Figura 51).
A conclusão, deixada em aberto pela reticência no título da fotografia se realiza
plenamente no encontro com a imagem.
202
Figura 51: Qualquer Semelhança..., de Carlos Menandro para o Jornal de Brasília, Prêmio Esso em 1986.
2.6. A poética do acontecimento
Nesta parte do trabalho duas fotografias se destacam a partir de uma perspectiva que
valoriza o acontecimento sob o ponto de vista poético, ou seja, pequenas sutilezas da
informação noticiosa que não são puramente factuais, mas imprimem a leitura certo
lirismo que os torna símbolos de um episódio veiculado pela imprensa. Em ambas é
possível notar a preocupação do fotógrafo em procurar fugir do óbvio, ou daquilo que se
considera habitual em uma fotografia jornalística, fazendo ao mesmo tempo uma
abordagem artística acerca do fato a ser narrado visualmente. São fragmentos que
valorizam o detalhe, a plasticidade e a subjetividade para enfatizar aspectos que vão
além da notícias e passariam desapercebidos não fosse a intervenção precisa do
fotógrafo. Assim, deslocam o foco da realidade dura, sem contudo perder a dimensão do
acontecimento noticioso, para produzir uma poesia visual, cujos significados múltiplos
abarcam diversos aspectos do fato que narram.
Dois trabalhos premiados fazem parte desta análise. O primeiro, Prêmio Esso de 1963, é
a fotografia "O rei se curva diante da dor que todo o país sentiu" (Figura 52), de Alberto
Ferreira221 Figura para o Jornal do Brasil e o segundo "Projeto da Anistia é Intocável" (
221 Alberto Ferreira (1932-2007) nasceu em Campina Grande, na Paraíba, e veio para o Rio de Janeiro interessado em uma carreira de goleiro de futebol, no entanto o sucesso profissional veio através do
203
56), do fotojornalista Jorge Araújo de Carvalho222
A fotografia de Alberto Ferreira mostra o jogador Pelé, sozinho, levemente curvado e
levando as mãos a coxa esquerda, sentindo dor devido a uma distensão muscular. O ano
é 1962, o evento a Copa do Mundo de Futebol no Chile, a partida Brasil e
Tchecoslováquia. Apesar de enfrentar um time qualificado, a seleção brasileira era
favorita no confronto. Em campo o escrete capitaneado por Pelé contava com
Garrincha, Nilton Santos, Pepe, dentre outros jogadores que já haviam se sagrado
campeões em 1958, no mundial da Suécia. No Brasil a expectativa pela conquista do
bicampeonato mundial era grande, nutrida pela paixão dos brasileiros pelo futebol e,
sobretudo, pela superioridade do time formado por grandes jogadores. Os jornais
destacavam com entusiasmo a escalação do time brasileiro formado pelos atuais
campeões mundiais.
, publicada na Folha de São Paulo e
consagrada na edição de 1979 do concurso. É curioso perceber nessas imagens que
apesar de abordar temáticas tão distintas - uma esportiva e outra política - elas
compartilham algumas características expressivas, especialmente no que diz respeito a
subjetividade da mensagem que transmitem. Ambas se apresentam como obras em que a
produção de sentido depende da interação com o espectador, que irá significar a
mensagem de acordo com o conhecimento prévio dos fatos que elas abordam. Outro
ponto de aproximação é o fato de constituírem-se como imagem-símbolo, ou ainda um
foto-ícone, dada a capacidade mimetizar diversos aspectos do acontecimento e sintetizá-
lo. Grosso modo, consumam o ditado que diz que "uma imagem vale mais do que mil
palavras", e por isso se destacaram como trabalho fotográfico excepcional.
trabalho como fotojornalista. Iniciou como auxiliar de fotografia na Revista da Semana e em 1958 ingressou no Jornal do Brasil, veículo ao qual dedicou toda sua carreira. Alberto foi o editor de fotografia do JB e acompanhou boa parte da trajetória vitoriosa do veículo no que diz respeito ao fotojornalismo. Uma das suas mais imagens mais famosas é a que capta o exato momento em que Pelé dá um chute de bicicleta numa partida entre Brasil e Bélgica no Maracanã no ano de 1965. O ex-jogador da seleção afirma que, com a foto da bicicleta, Alberto Ferreira se redimiu da fotografia feita no Chile em 1962 e que recebeu o Prêmio Esso. 222 Baiano, de Salvador, Jorge Araújo atua como repórter fotográfico do diário Folha de São Paulo desde 1973. Em sua carreira participou da cobertura de quatro Copas do Mundo (1978, 1982, 1986 e 1998) além de outros eventos esportivos. Também atuou na editoria de política, acompanhando presidentes em viagens presidenciais e manifestações populares, como o ato na Praça da Sé, cujo registro lhe valeu o Prêmio Esso de 1979. Além do Esso, Araújo também ganhou quatro Prêmios Vladmir Herzog de Anistia e Direitos Humanos; venceu o Nikon Photo Contest Internacional, no Japão, em 1992. Além da bem-sucedida carreira como fotógrafo, Jorge Araújo de Carvalho atua, desde 1993, como empresário no ramo de confecção de roupas e acessórios projetados para fotojornalistas.
204
Figura 52: O Rei se curva ante a dor que todo o Brasil sentiu, Alberto Ferreira para o Jornal do Brasil, Prêmio Esso de 1963.
Milhões de torcedores acompanhavam as partidas através do rádio e recuperavam os
melhores lances e os resultados nas páginas dos jornais - a televisão não era o veículo
massificado que se tornaria referência nas transmissões esportivas. Nas ruas e casas o
entusiasmo, o clima de otimismo e a relevância do futebol para o brasileiro mobilizava a
população, como na estreia em 31 de maio quando
"a partir das 16 horas, atenções se voltaram para a irradiação do
jôgo parando praticamente todas as atividades, inclusive em
Brasília, onde o Presidente da República e o Primeiro-Ministro
suspenderam seus despachos para acompanhar a partida."223
A confiança do torcedor na repetição do feito de 1958 na Suécia era plena, como
demonstra uma pesquisa encomendada pelo Jornal do Brasil e publicada alguns dias
antes da estreia da seleção no mundial.
De acordo com a décima primeira pesquisa de opinião do diário, publicada em resumo
na primeira página do jornal com o título "Pelé & Cia. estão bem na pesquisa JB", "os
223 Jornal do Brasil, 31 de maio de 1962, primeira página.
205
cariocas acreditam que a seleção brasileira levará o bicampeonato mundial de futebol,
em Santiago do Chile, segundo confessaram 83% das pessoas ouvidas"224. Os
resultados da consulta ainda revelaram que logo à frente de Garrincha, jogador bem
quisto especialmente entre os cariocas, Pelé era considerado o "maior valor individual
da seleção brasileira"225
O Brasil estreou na Copa do Mundo de 1962 com uma vitória de dois a zero sobre a
seleção do México. Antes da partida, Pelé havia sentido febre e dores na virilha
esquerda, que pensou ser resultado de um mal-jeito na perna. Tendo sido medicado a
tempo, entrou em campo e liderou a vitória marcando o segundo gol e dando o passe
para o primeiro, mas deixando a comissão técnica apreensiva com as constantes dores
físicas que já eram um problema antes mesmo da viagem. Uma vitória que custou a
chegar, apenas no final do jogo, e confirmada com dificuldade também deixou torcida e
imprensa preocupadas, já que não era exatamente o desempenho esperado.
, afirmando a importância do atacante e as esperanças nele
depositadas para o bom desempenho da seleção. O jogador na época já era tido como
um dos melhores do mundo por seu desempenho excepcional na Copa de 1958 e pela
boa fase que experimentava no Santos, clube em que atuava e que o revelou. O rótulo de
"Rei" já havia sido incorporado ao seu nome pela imprensa esportiva e ele era, sem
dúvida, uma estrela de abrangência internacional entre os selecionados.
No dia 2 de junho o Brasil entrava em campo novamente tendo como seu segundo
adversário a Tchecoslováquia, que era um time vigoroso, definido como "uma máquina
lenta, mas sólida em campo"226
224 Jornal do Brasil, 27 e 28 de maio de 1962, primeira página.
. Tudo corria bem, o Brasil começou a partida com o
mesmo time que vencera o México e demonstrava superioridade e tranquilidade diante
da dura marcação adversária. Durante o primeiro tempo dominava o jogo, neutralizando
o ataque Tcheco e jogando com harmonia no setor ofensivo, conseguindo boas
oportunidades que não se concretizaram em gols. Aos 28 minutos do primeiro tempo o
inesperado acontece, Pelé se machuca e o dramático lance que marcaria aquela partida
converteu-se rapidamente em manchete, ganhando todo destaque da cobertura
jornalística e caracterizando o "Pior Momento" do jogo e da campanha do Brasil na
Copa, como anunciou o JB.
225 Idem, p. 25. 226 Jornal do Brasil, 31 de maio de 1962, Caderno B, p. 6.
206
No ataque, o jogador Vavá lança a bola a frente esperando a projeção de Pelé, que
"chuta violentamente contra o gol dos tchecos"227, mas a bola bate na trave. Depois do
chute forte Pelé cai em campo, vencido pela dor na virilha que o impede de continuar na
partida com o mesmo desempenho. Os médicos entram em campo para a avaliação, mas
o diagnóstico de distensão no músculo da coxa esquerda era preocupante, pois já
naquele momento sabia-se da gravidade da lesão e da possibilidade de o jogador ficar
fora da Copa do Mundo em definitivo. Na época, as regras do futebol não previam a
substituição de um jogador por outro - seja pela necessidade tática ou por contusão.
Pelé, então, retornou para o jogo após o atendimento, permanecendo até o final, mas não
podia jogar da mesma maneira, imobilizado que estava pela dor. O drama do atacante
"desarvorou o time por alguns instantes"228
A manchete do JB do domingo seguinte indica a preocupação com o futuro da seleção
na copa sem seu principal jogador. "Brasil sem Pelé até as finais" era o título estampado
em letras grandes no topo da primeira página da edição de 3 de junho. Logo abaixo uma
fotografia que mostra o atacante em ação com o título "Pelé Parou, Brasil Empatou" e a
legenda telegráfica informando um resumo dos acontecimentos da partida em três
tempos que ressaltam a importância do melhor jogador do mundo, o drama e a
consequência da contusão, e o consolo de um empate em condições adversas:
, mas este conseguiu se recompor e segurar
o placar em zero a zero garantindo ao menos o empate contra a Tchecoslováquia,
mesmo com Pelé apenas fazendo número em campo, uma vez que não tinha forças nem
para caminhar.
"Pelé em ação, entre três tchecos. Depois se contundiu e apenas fêz
número. Mesmo com dez, Brasil sustentou 0x0.".
A reportagem interna (Figura 53) traz os detalhes do jogo e o acompanhamento das
notícias sobre o destino de Pelé na competição, mantendo o tom consternado e
apreensivo sobre a atuação do time sem Pelé. Logo no início da página, o destaque do
enunciado introduz o tema que seria a tônica da notícia: "Pelé fora da Copa até as
quartas de final". Em seguida, um resumo informava que a lesão sofrida por Pelé era
grave, gerando preocupação na comissão técnica e no médico da seleção, que previa um
227 Jornal do Brasil, 3 de junho de 1962, p. 18B. 228 Idem.
207
afastamento longo para a recuperação. Duas fotografias ao lado, mostram lances da
partida em que os jogadores brasileiros se esforçavam para compensar a falta do
atacante e chegar ao gol da vitória. A confirmação do prognóstico pessimista, de que a
recuperação total de Pelé o deixaria fora da competição até as finais, foi o balde da água
fria que frustrou todas as expectativas de uma campanha bem sucedida, tal como se via
nas reportagens, pesquisas e matérias feitas pouco antes do início do torneio. Um único
lance dramático, tirou ao mesmo tempo o jogador da competição e a confiança de
torcedores e da própria imprensa esportiva na eficiência da equipe desfalcada para a
conquista da Copa no Chile.
"Pelé ficará afastado do jogo contra a Espanha e das quartas de
final, se o Brasil chegar até lá se êle, e só voltará para a semi final
se recuperar-se de distensão que sofreu na virilha, aos 28 minutos
do jôgo de ontem contra os tchecos.
O Dr. Hilton Gosling, que examinou Pelé no vestiário, mostrava-se
seriamente preocupado com o estado do jogador e, depois deste
primeiro exame, deu um prazo mínimo de dez dias para uma total
recuperação".229
229 Idem.
209
A primeira página do Caderno B do dia 5 de junho (Figura 54) era composta pelo
momento circunspecto do Rei sozinho, suportando a sua dor que encontrava
correspondência na decepção dos milhões de torcedores brasileiros outrora certos de
que a seleção traria mais um "caneco" para casa. O primeiro elemento da página,
ocupando quase que a metade do espaço da mesma, era o instante dramático, ao passo
que singelo, fotografado por Alberto Ferreira e que lhe renderia o Prêmio Esso de
Fotojornalismo. O título da fotografia, disposto logo abaixo e também enfatizado por
letras grandes em caixa alta, atribui sentido imagem, ao mesmo tempo em que sugere
um caminho para a leitura baseado na percepção da metáfora representada pela cena: "O
Rei se curva ante a dor que o Brasil todo sentiu". A relação texto e foto faz com que as
duas formas de expressão de complementem mutuamente, no entanto, como numa típica
montagem do JB, a qualidade fotográfica ganha destaque, sendo acompanhada de "um
texto que agrega informação totalmente subjetiva à foto"230
230 LOUZADA, Silvana. Op. Cit., 2009, p. 252.
, e visa assegurar a sua
compreensão.
210
Figura 54: Jornal do Brasil, 5 de junho de 1962, Caderno B, primeira página.
Devido a esse caráter explicativo, que promove um diálogo com a imagem e ao mesmo
tempo reforça seu aspecto excepcional, vale transcrever uma parte do texto de Cláudio
Mello e Souza, editor do Caderno B e, segundo Nelson Rodrigues, "torcedor passional
211
e ululante"231
"De repente, Pelé curvou-se sôbre si mesmo e o Brasil deixou de ser
o grande favorito da Copa. Até aquêle instante a seleção brasileira
impunha a um adversário teimoso uma implacável soberania. No
meio do campo, o rei usava todos os podêres do talento e todos os
ardis de sua imaginação para provar que era o mais forte. A trave
do adversário, no entanto, respondia irritantemente que não. A
vitória, caprichosa e esquiva, só se contenta com a perfeição, e
Pelé, depois de ver sua vontade desobedecida - a trave devolvera a
bola que êle mandara para o gol - deixou de ser perfeito. Um
músculo sentiu e a dor varou-lhe o corpo, com a mesma intensidade
com que a angústia trespassou 70 milhões de confiantes.
, publicado em conjunto do registro fotográfico de Alberto Ferreira. Nele
os elementos não visíveis são explicitados para o leitor, o qual consegue ter a dimensão
da força semântica que se converte em capacidade expressiva da imagem e da
sofisticação de sua abordagem, traduzindo visualmente não apenas a informação mas,
sobretudo, as emoção contida no episódio.
A partir daquele instante, os jogadores brasileiros passaram a lutar
contra um adversário e uma ausência. Pelé, retirado para uma das
laterais de campo era um homem batido pela impotência e pela
solidão. A bola esquecida dêle, femininamente volúvel, passava-se
aos pés dos outros, e Mané ficou com o encargo de ser ele mesmo e
de ser Pelé. Que terríveis momentos de angústia para um rei, com a
batalha a desenvolver-se à sua frente e com toda a vontade de luta
sufocada dentro do corpo, e revelada pelas contrações de dor, que o
instinto da bola provocava."232
"Agora é sem Pelé" sentenciava o artigo logo após, e, sem ele os rumos do Brasil na
competição eram incertos, concluía. Nas linhas que sucedem as fotografias o leitor
acompanha os momentos do jogo que tirou Pelé da Copa a partir de um ponto de vista
231 Crônica: O meu amigo Claudio de Mello e Souza de Nelson Rodrigues, Jornal dos Sports, 15 de junho de 1962. 232 Jornal do Brasil, 5 de junho de 1962, Caderno B, primeira página.
212
poético. O texto não é informativo, no sentido jornalístico do termo, pois não oferece a
quem lê uma visão objetiva que cumpre apenas o papel de reportar os fatos, mas sim
uma crônica que culmina no instante dramático representado visualmente pela
fotografia, contrastando, inclusive, com a reportagem sobre o fato publicada um dia
antes no mesmo jornal. O trecho transcrito evidencia a impotência do jogador,conhecido
por sua soberania nos gramados, diante do esgotamento do corpo, o que se traduz
metaforicamente na imagem pelo gesto de se curvar, fazendo uma alusão ao sinal de
reverência prestado tipicamente aos representantes da nobreza.
Neste caso, é a inversão manifestada pelo fato de ser o rei a estar curvado o elemento
que produz o sentido da mensagem. De presença inquestionável em campo, dotado dos
de "poderes" e "ardis" para fazer sucumbir o adversário e gozando do respeito e
admiração dos seus oponentes, a trajetória ascendente de Pelé é interrompida
abruptamente – como sugere a expressão "de repente" - pela contusão, quando ele então
se curva, submetendo-se a dor. Logo no início do texto a afirmação contundente de que
a ausência do rei dava fim ao favoritismo do Brasil na competição, emprega um
movimento linguístico interessante em relação a imagem ao transferir da lesão para o
gesto de se curvar o momento em que o drama atinge seu ápice, organizando o
acontecimento em torno da fotografia. À ascensão sucede a queda, que na leitura
promovida pelo JB não está localizada no momento em que o jogador se machuca, mas
no instante em que sua expressão corporal demonstra a sua rendição à dor. Instante esse
captado com precisão e sensibilidade pelo o fotógrafo que conseguiu traduzir o
sentimento de dor para significar a extensão desta aos "70 milhões de confiantes". A
imagem cumpre então seu papel se substituir metonimicamente tudo o que já havia sido
escrito, falado ou visto acerca do episódio, é um ícone e simultaneamente um símbolo
da dor tanto física quanto emocional, evidenciando a angústia da impotência diante dela.
A fotografia se pretende definitiva, suficiente em si mesma por conter todos os
elementos da narrativa dramática condensados em um único registro: a majestade de
Pelé, os seja, a alcunha que afirmava seu talento como jogador; a contusão, evidenciada
pelo movimento de levar as mãos a coxa esquerda dolorida; e a expectativa dos milhões
de torcedores que como ele sentiram a desilusão da sua saída precoce do mundial de
futebol. A imagem foi feita no âmbito da partida entre Brasil e Tchecoslováquia e diz
respeito a contusão sofrida por Pelé naquele jogo, mas isso não quer dizer que mostre
literalmente os acontecimentos que levaram àquela situação. Pelo contrário, ao invés
213
disso, aposta na subjetividade do leitor ao construir uma representação destinada a
comover e a fazer com que o este espectador, de fato se angustie e sinta o clima de
decepção que pairou sobre o país após aquela notícia.
Fazendo uma comparação com a fotografia de Sérgio Gomes (Figura 55), feita para o
Jornal dos Sports, sobre o mesmo assunto e que mereceu uma Menção Honrosa no Esso
que consagrou a imagem de Alberto Ferreira, pode-se ver a diferença de abordagem.
Enquanto a foto de Ferreira espera agregar tudo o que está implícito no episódio em um
único ponto - o rei do futebol se curvando sozinho no gramado -, a de Gomes está
pautada no visível, pois possui vários elementos e pessoas em cena para mostrar o
momento da contusão, a preocupação de jogadores e médicos e a dramaticidade do
episódio, representada pela expressão de incredulidade de Garrincha, que, contrito
parece torcer para que o companheiro possa sair daquela situação.
Figura 55: Mané contrito: Pelé fora de combate, Sérgio Gomes, Jornal dos Sports, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1963.
No que diz respeito aos aspectos estéticos a fotografia analisada conta com a utilização
de recursos que reforçam a ideia da valorização da plasticidade no lugar da informação,
fazendo valer a máxima do JB de que uma boa fotografia merece ser publicada, mesmo
que para isso tenha que se criar uma matéria em torno dela233
233 LOUZADA, Silvana. Op. Cit., p. 254.
. Uma dessas
características, por exemplo, é o enquadramento usando a regra dos terços que coloca o
motivo captado próximo à margem esquerda da imagem, quase saindo da fotografia,
214
considerando o sentido da leitura. Além dele, apenas o gramado, o que transmite uma
sensação de vazio e imensidão, aprofundando o sentimento de solidão e melancolia de
uma maneira poética. Mesmo a sequência dos elementos da cena contribuem para esse
efeito, pois o olhar percorre toda a extensão de grama até encontrar a figura do jogador
curvado no fim da imagem, o que se baseia em um senso de narratividade do
acontecimento ajustado para ampliar a dramaticidade até atingir o clímax.
No texto, esse efeito produzido pela imagem encontra um correspondente, também
metafórico, na passagem que diz que o rei estava batido, solitário, abandonado até
mesmo pela bola, a companheira íntima que, femininamente volúvel, passou aos pés dos
outros jogadores, quase uma traição. Destaca, assim, a dor psicológica de ter a batalha
se desenrolado a sua frente e estar preso no corpo que não mais corresponde ao desejo
de lutar. Lança mão ainda de expressar a ironia do destino, já que foi o chute, portanto a
bola, o motivo de o rei estar vencido.
A imagem do craque cabisbaixo e consternado por não poder mais jogar estende o
tamanho da desilusão do estádio de Salsalito - onde aconteceu - para todo uma nação de
torcedores que nem nos piores pensamentos imaginavam a seleção brasileira sem a
presença de Pelé e viam na ausência dele a saída precoce do Brasil da Copa. A dimensão
desse sentimento de frustração é tão grande que talvez sua referência icônica só poderia
dar conta de traduzi-lo através da supressão, ou seja, de uma fotografia onde menos é
mais, conseguindo transformar um único homem e um único gesto na única maneira de
dizer o não dizível. Para se ter uma ideia da intensidade do tombo basta observar a
altura da queda, evidenciada em alguns artigos da editoria esportiva publicados antes da
partida entre Brasil e Espanha, na qual o jogador Amarildo substituiria Pelé. Neles é
possível identificar que o tratamento dispensado ao rei do futebol o alçava a categoria
de sobre-humano, de cuja genialidade a seleção ficou órfã.
"A seleção brasileira sem Pelé sempre foi uma hipótese falada,
considerada possível, mas jamais admitida. Uma coisa que se diz,
mas em que não se acredita. E quem, por acaso, tocou nesse
assunto, foi imediatamente tachado - ou melhor, acusado - de
pessimista. Pelé se tornou tão grande, e sua afinidade com a seleção
215
tão íntima que a grandeza de ambos parecia a todos os brasileiros
indissociável."234
"Pensemos também na situação privilegiada de Amarildo, que vai
tentar quebrar o mito que Pelé representa desde 1958. Amarildo,
hoje à tarde poderá fazer Pelé voltar a condição de craque - um
craque admirável, e não um talismã..."
235
A fotografia de Alberto Ferreira foi bolada, como muitos fotógrafos dessa geração
costumam dizer quando querem indicar que há intenção deliberada de produzir
determinado sentido através da imagem. O fotógrafo tomou sua posição, observou a
dinâmica do jogo, esperou e enquadrou seu motivo com o objetivo de construir uma
significação para aquele momento a partir da experiência visual. Neste caso, arquitetada
para uma metáfora que expressasse a dor e a impotência do rei diante dela, assim como
a incredulidade e consternação dos seus súditos, adoradores do futebol, que viam na
fotografia a imagem de suas próprias expectativas sendo frustradas pela saída prematura
de Pelé da Copa do Mundo de 1962. A redenção veio, afinal, pelos pés de Amarildo -
atacante do Botafogo à época - culminando com a conquista de mais um campeonato,
mas a imagem que marcou aquele mundial não foram as poses da vitória, mas sim a
perda do principal jogador do time, retratada com extrema sensibilidade por Alberto
Ferreira. A fotografia comoveu a audiência e representou com acuidade as emoções
presentes na ocasião, agregando à sua superfície visual tanto o sentimento de frustração
e descrédito iniciais quanto servindo como emblema da superação dos outros jogadores
que apesar de estarem sem Pelé sagraram-se campeões.
Do futebol para a política a segunda fotografia (Figura 56) analisada neste tópico foi
contemplada com o Prêmio Esso de fotojornalismo em 1979, ano da abertura política e
do início da redemocratização no país. Ela pertence ao fotógrafo Jorge Araújo de
Carvalho e foi publicada na Folha de São Paulo no mesmo ano, pouco antes de o
governo militar sancionar a lei de Anistia, em 28 de agosto. Sua principal característica,
assim como o flagrante anterior, é captar, traduzir e simbolizar o espírito de uma
234 Coluna de Fernando Horácio, Jornal do Brasil de 6 de junho de 1962, p. 13. 235 Crônica da seção O homem e a fábula de José Carlos Oliveira, Jornal do Brasil, 6 de junho de 1962, Caderno B, primeira página.
216
determinada conjuntura em um único fragmento, abarcando mais informações do que
sua face visível apresenta.
Figura 56: Projeto da Anistia é intocável, Jorge Araújo de Carvalho, Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1979.
A imagem em questão saiu na capa da Folha no dia 22 de agosto de 1979 com o título
"Projeto da anistia é intocável" em destaque no topo da página. O corte feito na imagem
para a composição da página valoriza a presença da pomba conferindo ênfase ao
primeiro plano da fotografia ao centralizar o motivo da imagem na ave pousada na
faixa. A mesma centralidade pode ser observada no que diz respeito ao arranjo da
fotografia em relação às margens da página, utilizando três das cinco colunas que
compõem o layout. Na foto, logo abaixo do título, uma multidão de manifestantes
reunidos em prol da aprovação de projeto de Anistia que fosse mais amplo do que a
proposta editada pelo governo aparece no segundo plano da imagem, a qual reserva o
destaque do plano mais próximo a uma pomba branca pousada sobre uma das faixas
utilizadas na manifestação. A legenda sob a imagem explica o contexto em que ela foi
feita: "Durante as manifestações na praça da Sé, a pomba branca pousa na faixa que
pede a aprovação, hoje, de uma anistia mais generosa.".
217
Figura 57: Primeira Página do Jornal Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979.
A cobertura que contextualiza a publicação da fotografia é a votação da lei de Anistia
pelo Congresso e a disputa em torno de quão amplo seria o indulto aos que foram presos
ou exilados por questões políticas durante o período da ditadura. Manifestações
218
aconteceram em todo o país pedindo a anistia, não sem conflitos e repressão, embora o
movimento de distensão política já fosse uma realidade e aos poucos as liberdades
individuais e de imprensa fossem sendo reconstituídas no país. Na disputa entre o
executivo e o legislativo, esta ainda polarizada entre as propostas da Arena e do MDB,
estavam em pauta projetos distintos de anistia. Enquanto do lado parlamentar o MDB
tentava acrescentar ao projeto de lei emenda do deputado Djalma Marinho (Arena-RN),
que tornava a anistia mais ampla, a Arena se mantinha inflexível no apoio ao
substitutivo formulado pelo deputado Ernani Sátiro (Arena-PB), que era relator da
comissão mista formada para discutir o projeto de Anistia. A proposta de Sátiro, que
previa restrições na concessão da anistia de acordo com o crime cometido, se articulava
com os interesses do governo, que, inclusive, já havia sinalizado, como mostra a
reportagem da Folha, que o projeto do relator era o único a ser consentido pelo
executivo.
"Na véspera da votação pelo Congresso, hoje, uma clara recomendação do Governo" era
o sub-título que enunciava o resumo publicado na primeira página sobre os temas da
reportagem. Abaixo o texto apresenta a recomendação do governo e confere a tônica do
discurso.
"O Palácio do Planalto informou ontem aos líderes arenistas que,
'se a emenda do deputado Djalma Marinho, tornando a ampla a
anistia, for aprovada, o presidente veta o projeto'.
Essa mesma informação foi transmitida, de forma indireta, pelo
ministro da Comunicação Social, Said Farhat, aos repórteres, ao
afirmar que 'o presidente tem interesse em ver aprovado o projeto
como saiu da comissão com as emendas do relator', e ao
acrescentar que 'o governo já transigiu o que foi possível'."236
De acordo com a publicação editada em comemoração aos 50 anos do Prêmio Esso de
Jornalismo, o destaque conferido a imagem se baseia no simbolismo que a pomba
branca pousada na faixa da estendida pelos manifestantes representa dento do contexto
político de protestos e luta por liberdade no país. Ela seria um fragmento sintético das
236 Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979, primeira página.
219
mudanças pelas quais o Brasil vinha passando e da perspectiva de abertura política e,
sobretudo, da participação popular nesse processo, já que desvela a multidão em apoio à
causa. O Prêmio é o reconhecimento do senso de oportunidade do fotógrafo e do
impacto da imagem que agrega os principais elementos que configuravam o espírito de
uma época e o clima em torno de determinado acontecimento histórico. Deste modo,
"mais do que um flagrante feliz, a fotografia de Jorge Araújo de
Carvalho, tomada na manifestação pública realizada na capital
paulista em agosto de 1979, documenta o clima político que então
se espalhava pelo país. Apesar dos obstáculos, a luta pela
redemocratização avançava e a sociedade brasileira voltava a se
mobilizar em torno de bandeiras políticas. Exigia-se então que os
presos políticos fossem libertados, que os exilados retornassem ao
País, que os cassados recuperassem plenamente seus direitos. A
Anistia deveria ser ampla, geral e irrestrita."237
Entretanto, a despeito de como essa a imagem foi e tem sido apropriada para significar a
adesão popular e a frente conjunta pela anistia ampla e irrestrita, alguns elementos da
reportagem apontam para um sentido diverso. A manchete que abre a matéria na capa do
jornal, por exemplo, que foi associada à imagem levando a crer que seu sentido seja a
impossibilidade de deter o movimento em prol da anistia, refere-se na verdade ao
discurso governista de que o projeto avalizado pelo Planalto não poderia ser alterado
sob pena do veto presidencial, sendo intocável, pois, o projeto editado pelo governo, ou
a versão do relator Sátiro, que se configurava como um substituto abrandado de igual
teor.
Nada impede também de ser esta uma diagramação feita pelo jornal como estratégia
deliberada para apresentar uma opinião contrária à proposta governista e em favor da
anistia sem restrições, visto que a reportagem completa traz diversas notícias sobre a
repressão violenta às manifestações populares pela anistia em diversos estados do país,
como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e o próprio Distrito Federal. A página 5
tem no topo o enunciado "Em todo o País, concentrações pela anistia irrestrita" que
abarca todas as notícias publicadas no espaço sobre a pressão popular durante a
237 Uma história escrita por vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo, Op. Cit., p. 85.
220
tramitação da lei. Bem como, na página de opinião do diário alguns colunistas abordam
a questão do apoio a ampliação da anistia de maneira mais explícita, sendo que, em
quase todos os artigos surge como tema a necessidade de o legislativo atuar com
independência frente ao executivo, condenando as medidas coercitivas do Planalto junto
aos parlamentares arenistas e a tentativa dos líderes desse partido de "fecharem a
questão" com o voto acumpliciado no substitutivo Sátiro. Na coluna de Brasília,
assinada por R.L.
"A temperatura do Congresso sobre a cada minuto, sob o estímulo
emocional da votação da anistia. Uma votação que desde já se sabe
destinada a escolher entre o projeto do Governo, que é ruim, e o
substitutivo Ernani Sátiro, que é menos ruim. [...] O impasse
institucional criado por um parlamento que não parlamenta aflora
com toda a sua força na tramitação de matérias de alta densidade
política [...] E embora muitos representantes da Arena estejam
dispostos a aprovar o aperfeiçoamento como os consubstanciados
na emenda Djalma Marinho, a máquina biônica está aí para
transformar em lei tudo o que o seu mestre quiser."238
O registro do ato na praça de Sé que reuniu cerca de 5 mil pessoas, feito por Jorge
Araújo, passa então a funcionar como elemento de coesão e síntese dos acontecimentos
noticiados ao longo de todo o jornal. Na maior parte das reportagens o destaque são as
manifestações populares e os atos públicos realizados em diversas partes do país em
prol do projeto mais amplo de anistia. O povo nas ruas, tal como exposto pela imagem
da capa, é o tema do periódico no dia em questão, contrapondo, ainda, a participação
massiva da sociedade à insensibilidade e imobilidade dos congressistas que, de acordo
com o jornal, pouco fizeram para reverter o quadro imposto pelo executivo.
Analisando a fotografia sob o ponto de vista formal, pode-se dizer que é uma tomada
geral, aberta que mostra uma multidão de rostos indistintos. No primeiríssimo plano é o
detalhe da pomba branca pousada na faixa de protesto que faz com que a imagem se
transforme em um registro carregado de significados que dialogam com a conjuntura
histórica em que foi produzida, inclusive com uma certa visualidade do período em que
238 "Conversa entre surdos". Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979, p. 2.
221
o protagonismo do povo foi valorizado através de imagens que enquadram multidões
em panoramas.
O arranjo da fotografia confere a ela seu caráter poético, uma vez que tem-se a
impressão de que os elementos presentes na superfície visual se alinharam
caprichosamente em um momento singular do tempo e do espaço para produzir um
registro singelo e peculiar de um momento de embate e tensão. Sem dúvida, o olho
clínico do fotógrafo também é um elemento importante nessa equação, pois conseguiu
captar esse equilíbrio de formas e seus significados mesmo estando na cobertura
jornalística de um evento cuja dinâmica sugere o desordenamento e tumulto. Na
mensagem fotográfica o peso da pomba pousada em uma das faixas de protesto
descortina a multidão que protesta em favor da anistia e da inclusão dos presos políticos
na cobertura da lei. A partir daí, diversas leituras podem ser encontradas nas nuances e
entrelinhas da imagem de Araújo; desde um referência à vontade de paz e liberdade -
devido a associação entre a imagem da pomba branca e esses valores - em
contraposição aos anos anteriores de violência e opressão impostos pela ditadura até
uma alusão ao prenúncio de novos tempos sinalizado pelo gesto de desvelar os eventos
daquele dia, ou seja, é uma pomba branca que anuncia uma projeção para um futuro
diferente, em que a democracia pudesse prevalecer e construído através da participação
popular, fazendo com que a imagem possa também simbolizar a esperança. Ressalta-se,
ainda que o fato efeito especular distorcido da fotografia faz com que a mensagem na
faixa seja lida ao contrário, o que destaca a premência do visual em relação ao verbal
como forma de superar o realismo noticioso.
Outro ponto a ser destacado é a atuação do fotógrafo Jorge Araújo e seu
comprometimento com a luta contra a ditadura e pela redemocratização no país. O
modo de ver o mundo do repórter e seu engajamento também estão presentes na
imagem que registrou na praça da Sé e o consagrou com um Esso em 1979. Araújo é um
fotojornalista reconhecido por suas fotografias de caráter social e político e além do
Esso em 1979 foi também foi contemplado três vezes com o Prêmio Vladimir Herzog
de Anistia e Direitos Humanos, sendo um prêmio principal de fotografia, em 1982, por
"Amélia e os quatro filhos"; e duas Menções Honrosas, em 1984 pela fotografia "A
colônia feminina do Juqueri", que retrata o pátio do manicômio Juqueri em São Paulo; e
222
em 1996 pelo trabalho "Pará sofre intervenção branca", mostrando o enterro de sem-
terras mortos nos confrontos com a polícia em Eldorado dos Carajás239
O reconhecimento conferido pela comissão julgadora do Prêmio Esso ao fotógrafo
Jorge Araújo e à fotografia "O Projeto da Anistia é Intocável" também representam a
mobilização da imprensa em torno do projeto de liberdade de expressão e pelo fim do
cerceamento promovido pelo Estado aos meios de comunicação. Como já foi dito, as
cerimônias de premiação do concurso promovido pela Esso foram lugares públicos em
que os jornalistas puderam expressar sua indignação para com a situação que se
configurava no país. A veiculação de uma imagem, na primeira página de um jornal de
grande circulação, em que o povo é protagonista e manifesta seu direito de exercer
pressão política tanto demonstra uma maior autonomia dos meios de imprensa frente ao
processo de distensão política, quanto adensa os diversos dignificados que esse período
representou na história recente do país, carregando consigo não apenas uma informação
visual, mas também as bandeiras de luta e os símbolos que determinada sociedade em
determinado tempo quis expressar.
.
2.7. De frente para a imagem
Ao transitar pelas fotografias premiadas e analisar como elas transcenderam sua
condição inicial de suporte de informação de uma cobertura jornalística para serem
apontadas como exemplos do que se considera o melhor em matéria de fotografia de
imprensa, pode-se perceber que a constituição do fotojornalismo no Brasil
contemporâneo se fez de maneira plural e dialogando com diversas influências tanto no
cenário internacional, através do legado de fotógrafos consagrados como os membros da
Magnum ou o time renomado da Life, quanto no cotidiano da profissão em que a troca
de experiências e compartilhamento de boas práticas circulavam entre os profissionais
da imagem.
Nesse sentido, os critérios de escolha do Esso e as características valorizadas nas
fotografias premiadas contribuíram para a divulgação desses parâmetros que
configurariam determinados protocolos visuais que até os dias de hoje, mesmo com
mudanças tecnológicas significativas no campo da fotografia, estão presentes nas
páginas de revistas e de jornais, compondo matérias jornalísticas, sendo o elemento de 239 No currículo disponível no site FolhaPress consta que o fotógrafo Jorge Araújo foi vencedor por cinco vezes do Prêmio Vladmir Herzog, além de ter conquistado dois Prêmios Nikon. No entanto, na relação de vencedores disponibilizada pela organização do concurso o nome do fotógrafo aparece três vezes.
223
impacto que se destaca nas primeiras páginas e até mesmo introduzindo e sintetizando o
conteúdo textual das notícias. Nas mais diversas editorias, seja esportiva, política ou de
cotidiano, uma boa fotografia é capaz de despertar no leitor impressões que podem
causar identificação, indignação, estranheza, ou seja, através da imagem o
fotojornalismo é capaz de comunicar.
Os protocolos visuais analisados nesta pesquisa são, de alguma maneira, tributários da
atuação dos fotógrafos no cotidiano da notícia e das formas de ver desses sujeitos
sociais, que operam seus dispositivos técnicos e constroem através deles uma
informação visual. Desse modo, esses são trabalhos significativos, foto-ícones, que
revelam não apenas um acontecimento ou um tempo através de sua superfície visual,
mas também podem ser considerados signos representativos que balizaram e ajudaram a
consolidar uma identidade para o fotojornalismo nacional. Ao mesmo tempo, tais
imagens aproximam fotógrafo e leitor, que contemplam um acontecimento sob a mesma
perspectiva, mediando a relação entre seus olhares.
Tendo isso em vista, o capítulo que segue buscará através do exercício metodológico de
investigar a trajetória "de vida" de uma fotografia - desde antes de sua produção,
passando por sua publicação e pelas as diversas apropriações que ela sofreu -
acompanhar as transformações pelas quais o objeto fotográfico passa de acordo com as
diversas interações sofridas e do contato com sujeitos sociais distintos. A fotografia
escolhida para essa tarefa é "Qual o Rumo?", de Erno Schneider, retratando o presidente
Jânio Quadros com os pés apontando para direções opostas. Tendo como referência a
noção de que o objeto fotográfico vai além da sua superfície visual e de que através da
dimensão da experiência é possível investigar a relação entre o sujeito que olha e a
fotografia, buscando compreender seus usos, apropriações e resignificações, bem como
desvendar o circuito social em que ela circulou.
224
Figura 58: "Qual o Rumo?", fotografia de Erno Schneider vencedora do Prêmio Esso de Fotografia de 1962.
O que faz uma fotografia de imprensa ser premiada? O enquadramento da imagem, a
plasticidade dos objetos em cena, o motivo fotografado, a pessoa ou ocasião
documentada em flagrante, ou ainda a experiência do fotógrafo ao capturar o exato
momento de um acontecimento. Mais além, o que acontece com essa imagem depois
que ela recebe um título de excelência reconhecido por todo o meio fotojornalístico?
Este capítulo tem como objetivo analisar, a partir da trajetória de uma imagem
vencedora do Prêmio Esso de Fotografia, as diversas significações que uma fotografia
de imprensa pode assumir desde o momento em que é capturada, passando pelas
apropriações decorrentes de seus usos por diferentes suportes e canais de comunicação,
até a sua recepção, buscando captar o intercâmbio entre o olhar do fotógrafo e do
espectador240
240 BELTING, Hans. Antropologia de la Imagen. Buenos Aires: Kats, 2009, p. 276-277.
. Busca-se refletir sobre o papel ocupado pela fotografia nos processos de
conformação do olhar na configuração do espaço público. Ressalta-se na análise que, os
regimes de visualidade são dotados de historicidade e que o aprendizado de ler o mundo
por meio de imagens técnicas se dá na dialética entre as formas de ver inscritas no
processo de produção e consumo de imagens, ou seja, no intercâmbio entre o fotógrafo
e o espectador.
Capítulo 3 Fotógrafo, fotografado,
fotografia: trajetória de uma
imagem vencedora.
225
A imagem utilizada para tal análise é uma fotografia publicada no Jornal do Brasil em
1961 e de autoria do fotógrafo Erno Schneider. A fotografia retrata a figura do então
presidente da República Jânio Quadros flagrado no exato instante em que a posição dos
seus pés faz com que apontem um para o outro, em posição trocada, num movimento ao
mesmo tempo cômico e constrangedor. Essa imagem inusitada foi a vencedora do
Prêmio Esso de Fotografia do ano de 1962 e acabou se tornando conhecida como uma
metáfora do período confuso que caracterizou o governo de Jânio Quadros nos sete
meses em que esteve à frente do país.
No que diz respeito ao arcabouço teórico utilizado, por se tratar de um trabalho que se
valerá de fontes visuais para o desenvolvimento da investigação histórica, alguns
pressupostos concernentes à análise de imagens também deverão ser considerados. A
perspectiva adotada procura superar o entendimento da fotografia como reflexo ou
representação do real, ideia muito difundida ao longo de toda a história da fotografia
como meio de expressão. Ou seja, uma imagem capturada mecanicamente por um
dispositivo técnico como a câmera escura, supostamente, seria ela própria um fragmento
incontestável da realidade tal qual aconteceu. Especialmente quando associado à
imprensa ilustrada, o estatuto da verdade fotográfica e sua identificação com o
“testemunho da história” foi importante para a constituição de uma pretensa noção de
imparcialidade e isenção muito apreciada até hoje por alguns meios de informação241
Recentemente, alguns estudos de matriz interdisciplinar, influenciados, sobretudo, pela
chamada “virada antropológica”, sobre as sociedades pós-coloniais vêm explorando a
utilização de fotografias no campo das ciências sociais a partir de novas perspectivas, as
quais trazem também uma revisão do próprio estatuto da imagem, e sua preponderância,
como fonte e objeto de conhecimento. Essa concepção busca valorizar a materialidade
da fotografia como um elemento passível de ser analisado e tão relevante para a
apreensão de seus significados como sua superfície visual, tendo em vista que na maior
parte dos estudos que utilizam a fotografia como fonte, atribui-se um valor maior ao que
ela retrata, em detrimento da sua dimensão como objeto, pertencente a uma cultura
material que está em constante movimento.
.
242
241 Sobre o debate acerca do realismo fotográfico ver: BARTHES, Roland. A Câmera Clara. Lisboa: Edições 70, 1989 e DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Lisboa: Veja 1992.
242 EDWARDS, E. & HART, J. Photoghaphs Objects Histories. Londres: Routledge, 2009 e BELTING, Hans. Antropologia de la Imagen. Buenos Aires: Kats, 2009.
226
Muito além de tratar da dimensão material da fotografia sob o viés da indicialidade do
registro fotográfico, essa perspectiva visa a ampliar o escopo das abordagens para uma
busca por vestígios da experiência humana em sua relação com as fotografias. Na
introdução do livro “Photographs Objects Histories”, E. Edwards e J. Hart explicam
essa abordagem da seguinte forma:
“Photographs as both images and physical objects that exist in time
and space and thus in social and cultural experience. [...] These
characteristics cannot be reduced to an abstract status as a
commodity, not or set of meanings or ideologies that take the image
as their pretext. Instead, they occupy spaces, move into different
spaces, following lines of passage and usage that project them
throught the world.”243
Uma outra contribuição teórica relevante para esta investigação é a de Hans Belting no
livro "Antropología de la Imagen", especialmente no capítulo “A transparência do
meio”, cujo tema é a relação entre sujeito, meio e imagem no registro fotográfico.
Conforme o autor enuncia as imagens transitam entre os diferentes meios e “desmontam
su campamento em cada medio nuevo que se estabelece em la história de las imagenes,
antes de mudarse al siguiente medio
244
Esses elementos teóricos, que de certo modo são complementares, permitem avaliar e
distribuir melhor o peso que o conteúdo das fotografias assume na análise pretendida.
Além de inserir a dimensão da experiência como um elemento fundamental para a
compreensão dos desdobramentos culturais, sociais e políticos implicados nas
”. Desse modo, a fotografia não deve ser
concebida apenas como um meio transparente dotado da função de veicular imagens
tomadas da realidade, mas talvez como um artefato físico que encerra em si tanto uma
imagem externa, apreendida pelo dispositivo técnico, quanto uma imagem interna fruto
das imagens mentais que caracterizam a subjetividade do autor e do espectador da
fotografia. Através de diversos exemplos, Belting, procura demonstrar que na interação
entre todas essas variáveis o caráter mediador da fotografia pode ser transcendido,
resultando na liberdade da imagem em relação ao seu meio.
243 EDWARDS, E. & HART, J. Photoghaphs Objects Histories. Londres: Routledge, 2009, p. 1. 244 BELTING, op. cit., p. 265.
227
transformações pelas quais passou a imprensa e o fotojornalismo. Experiência entendida
a partir do ponto de vista do sujeito produtor – o fotógrafo – que espera, escolhe,
enquadra e se relaciona com o motivo fotografado de acordo com sua motivação
“pessoal, social, cultural, ideológica e tecnológica”245
A metodologia empregada consiste em tentar buscar elementos que permitam traçar
uma trajetória “de vida” da imagem analisada, entrecruzando dados do fotógrafo que a
produziu, do conteúdo que é representado pela imagem e de sua circulação através de
distintos suportes de informação. Nesse sentido, não só as trajetórias de vida de alguns
dos personagens desses acontecimentos passarão a ser alvo da investigação, mas
também, na medida do possível, informações que tragam evidências da recepção,
circulação e consumo dessas fotografias nos diversos espaços públicos nos quais atuou.
A partir desses três elementos – fotógrafo, fotografado e fotografia – se pretende
compreender a importância dos processos de criação, seleção e consumo de uma
imagem técnica na formação de uma cultura visual ligada ao fotojornalismo e a
veiculação de imagens pelo jornalismo diário no Brasil no período contemporâneo
. Mas também vislumbrada a
partir de outras formas de experimentar a imagem jornalística e das diversas
resignificações que pode ela assumir a cada interação, seja com o dono do jornal, o
redator, o jurado de um prêmio ou mesmo o leitor.
246
A opção por essa metodologia está pautada na perspectiva de poder ampliar o escopo de
análise sobre a fotografia considerando, tanto a sua dimensão visual, quanto as suas
propriedades de objeto físico pertencente à cultura material, as interações com a
subjetividade do fotógrafo e as formas que ela assume ao transitar entre os meios em
que foi veiculada. Uma das principais motivações para o emprego deste método é a
possibilidade incluir na pesquisa o campo da experiência fotográfica como um elemento
central da investigação, relacionando-o com a esfera da representação. No lugar de
considerar apenas a imagem como produto, sobrepesando o motivo fotografado, o
objeto passa a ser visto numa cadeia processual que envolve diversos sujeitos e
acontecimentos responsáveis pela interação dessa imagem com o mundo. Além disso,
.
245 SOUSA, Jorge Pedro. Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental. Chapecó: Grifos; Florianopólis: Letras Contemporâneas, 2000, p. 9. 246 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha – sugestões para um estudo histórico. Tempo, Niterói, v.7, n. 13, p.131-151. 2002 e MAUAD, Ana M. Foto-ícones, a história por detrás das imagens? Considerações sobre a narratividade das imagens técnicas. In: RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.). Imagens da História. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 33-66.
228
ao inserir a subjetividade, tanto o fotógrafo quanto o espectador da fotografia, como
uma das variáveis consideradas nesta abordagem espera-se fazer uma reflexão acerca
dos conceitos de autenticidade, verossimilhança e realidade na fotografia jornalística247
Outro ponto a ser destacado é a opção de trabalhar com uma imagem que foi premiada
em um concurso especializado como o Prêmio Esso, cujos jurados responsáveis pela
concessão do título de Melhor Fotografia são também fotógrafos e jornalistas. No
momento em que uma fotografia é selecionada para participar de um concurso e,
sobretudo depois que se torna vencedora, de algum modo já ocorre uma resignificação
dessa imagem, originalmente escolhida para transmitir a notícia. Ou seja, o que
acontece nesse processo que descola a imagem do jornal ou da revista – em que foi
publicada para transmitir uma notícia apoiada em um texto jornalístico – e a leva a
representar os parâmetros de excelência fotográfica, já é por si só uma mudança
relevante na sua forma e no seu conteúdo. Como se ela estivesse, para usar a referência
de Belting, desmontando seu acampamento na página do jornal ou da revista e o
montando novamente, não apenas em um novo meio, mas também numa outra teia de
significação.
.
Nessa nova configuração a fotografia vencedora se torna elemento balizador do que
seria uma fotografia de imprensa passível de ser premiada por outros fotógrafos,
ajudando a criar também os conceitos que irão nortear e influenciar a forma de fazer
fotografia dentro de um regime de visualidade dotado de historicidade e relacionado a
uma cultura visual de formação e reformulação das técnicas, tecnologias e linguagens
que ocorre no bojo das mudanças no fotojornalismo brasileiro. Segundo Derrick Price,
muito da noção do seria uma boa fotografia acabou sendo convencionada, inclusive, a
partir da opinião de jurados de concursos especializados248
247 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes: ensaios sobre história e fotografia. Niterói: Editora da UFF, 2008 e MAUAD, Ana Maria. O olhar engajado: fotografia contemporânea e as dimensões políticas da cultura visual. ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte, v. 10, n. 16, janeiro/junho de 2008. Disponível em:
.
http://www.artcultura.ppghis.inhis.ufu.br/viewarticle.php?id=227. Acessado em 05/05/2012. E sobre a trajetória de vida de fotógrafos e suas práticas fotográficas ver: MAUAD, Ana Maria. Memórias do contemporâneo, a trajetória de Erno Schneider em foco. Revista Studium, nº 27. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/27/07.html. Acessado em 12/03/2012. e MAUAD, Ana Maria. Milton Guran, a fotografia em três tempos. Revista Studium, nº 28. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/28/01.html. Acessado em 12/03/2012. 248 PRICE, Derrick. “Surveyors and surveyed: Photoghaphy out and about”. In.: WELLS, Liz. Photography: A Critical Introduction. London/New York: Routledge, 2001, p. 74.
229
Sem dúvida, esse processo não pode ser pensado estaticamente, pelo viés da
constituição de modelos, tampouco por uma tentativa de delimitar a evolução linear do
fotojornalismo brasileiro, até porque as fotografias vencedoras do Esso são bastante
diversas e foram julgadas de acordo com critérios e interesses que não são apenas
técnicos ou estéticos, mas também sociais, culturais e políticos. Entretanto, é possível
cogitar que os resultados dos prêmios suscitem discussões e debates dentro do próprio
meio profissional acerca dos méritos, dos critérios de escolha e das características que
levaram uma e não outra fotografia à consagração.
Esses debates, portanto, são também uma peça importante na constituição de uma forma
de ver tributária de uma identidade e um conjunto de saberes compartilhados que irão
distinguir o fotojornalismo – e especificamente o fotojornalismo no Brasil
contemporâneo – de outras modalidades de fotografia. Na medida em que proporcionam
uma visão voltada para dentro sobre a experiência de fotografar e o fazer o do fotógrafo
de imprensa ajudam a formatar e a dar corpo às características próprias deste campo de
atuação, de modo que se pode imaginar algum repórter, ao revelar uma de suas imagens,
dizendo que aquela fotografia mereceria o prêmio por tais e tais características.
Todos esses elementos estão ligados pela existência de uma imagem que consubstancia
essas inter-relações e que ao mesmo tempo não é capaz de encerrá-las dentro de uma
fotografia. A cada nova interação entre imagem e sujeito são constituídas outras
imagens, fruto de apropriações distintas que conjugam a subjetividade com as
experiências prévias de quem as vê. A partir de então, e nesse espaço também devem ser
consideradas as relações de poder responsáveis por publicizar ou ocultar fotografias, as
formas de compreensão do mundo através de imagens técnicas mantém-se em constante
movimento.
3.1. Erno Schneider: o fotógrafo
Erno Schneider nasceu na cidade de Feliz, no Rio Grande do Sul em 22 de outubro de
1935. Proveniente de uma família numerosa, começou a fotografar ainda jovem,
fazendo fotos de família e dos irmãos depois que adquiriu uma câmera do tipo
American Box, chamada na época de caixãozinha. Segundo Erno, o gosto pela
fotografia surgiu naturalmente a partir do contato com a atividade de registrar imagens
230
cotidianas, o que o levou aos 17 anos a trabalhar no estúdio de fotografia do italiano
Jeremias.
O período do estúdio é apontado como uma fase importante de aprendizado da
profissão, principalmente no que diz respeito as atividades no laboratório com a
revelação das fotografias. Tal como a maioria dos repórteres fotográficos que iniciaram
suas carreiras no mesmo período, Erno aprendeu as bases da profissão de fotógrafo com
outro profissional mais experiente como numa relação de mestre e aprendiz. Como não
existia nenhuma escola formal que ensinasse a fotografar, associação profissional ou
mesmo um conjunto de parâmetros que regulamentassem a profissão de fotógrafo, as
relações de formação e trabalho se davam de modo informal fazendo com que a maior
parte dos fotógrafos aprendessem na prática das regras e procedimentos do ofício.
Logo em seguida, Erno inicia sua carreira na imprensa trabalhando de maneira informal
para o jornal Pioneiro, em Caxias do Sul-RS. As fotos que ele fazia, de alguns
acontecimentos locais, eram publicadas eventualmente no jornal. Ao se mudar para
Porto Alegre, em 1952, volta a trabalhar em estúdio de fotografia por algum tempo e
depois realiza o sonho de trabalhar em um jornal compondo a equipe Clarim de 1955 a
58, um diário recém-fundado por Leonel Brizola, no qual Erno cobria a parte de
esportes.
Mais uma vez, é no primeiro contato profissional com o fotojornalismo que Erno
começa a desenvolver-se como fotógrafo. Quando foi contratado pelo Clarim não tinha
muita experiência e com a ajuda dos companheiros de trabalho foi aprendendo a lidar
com as vicissitudes e dificuldades da profissão de fotojornalista.
“Aprendi mais foi com Amilton, o Amilton era... […] chefe de
redação. [...] E o Amilton sempre me... Dava força, né? Não faz
assim, faz assim, não tô sabendo de nada... Primeiro você faz a foto
e depois pergunta se pode fazer, não me esqueço. Faz primeiro e
depois, aquele negócio, faz... Fazia logo e...”249
249 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.
231
Diante das dificuldades técnicas impostas pelos parcos recursos tecnológicos dos
equipamentos, eram a malícia ou os pequenos truques como passar saliva no flash para
que a luz não estourasse que faziam com que o trabalho pudesse ser realizado. Em
outras situações, uma certa intuição, como conta no episódio das partidas de futebol,
buscava sempre o melhor posicionamento possível para a realização de uma fotografia
“certinha”, que tinha que ser feita de perto porque a lente era normal e não dispunha de
teleobjetiva, com uma Rolleiflex e apenas 12 chapas e “ainda tinha que economizar”.
“'Oh o urubu lá, aonde ele vai sai gol'. O Amilton me pagava, me
dava cigarro... Naquele tempo eu até fumava de vez em quando e o
Contursi: 'Pô, vou te pagar um almoço se você ficar no gol do
Grêmio'. Então era briga os dois, era, era briga. Mas, eu, eu não
tinha que ficar no gol... Toda hora me dava um palpite; eu mudava
de lado e era batata, esperava mais um pouco pro gol. Aí, tal, daqui
a pouco eu ia para o outro lado, os caras faziam um gol. [...] Com
aquela fama de urubu. Aonde eu ia, os caras faziam um gol.
(risos).”250
A trajetória de Erno continua com a sua vinda para o Rio de Janeiro, em 1960, com o
objetivo de trabalhar em um dos grandes jornais do país. Assim, depois de uma rápida
passagem pelo Diário da Noite, é contratado pelo Jornal do Brasil, um dos maiores
veículos de comunicação de esfera nacional naquele momento e cuja maior marca foi a
renovação colocada em curso a partir de uma grande reforma promovida no final dos
anos 1950, a qual transformou os padrões do jornalismo diário no país.
As reformas do JB é reconhecida como um dos marcos na imprensa nacional, pois
representa uma grande transformação no formato e no conteúdo das publicações. A
partir dela se inicia um processo – hoje sabidamente sem volta – de crescimento
qualitativo e, sobretudo, quantitativo da presença de imagens no jornalismo diário.
Fatores ligados ao desenvolvimento tecnológico e organizacional dentro de estrutura da
empresa jornalística, em conjunto com inovações relacionadas à formatação e
diagramação dos cadernos do jornal, foram determinantes para uma grande virada que
250 Idem.
232
levou a fotografia, e consequentemente o fotógrafo, a ter um espaço privilegiado nas
redações.
Durante o período em que esteve no JB Erno Schneider se encaixou perfeitamente aos
parâmetros de qualidade e inovação preconizados pela editoria do periódico. Segundo o
fotógrafo:
“Na época o jornal, era... Era covardia, né? Sobre matéria de
fotografia. Tu sempre tinha que trazer uma foto diferente dos outros.
Isso aí... Era mole, pra mim era mole. [...] Cê faz uma entrevista...
Fazer uma foto tua de frente... Eu fazia de lado, de costas, depois da
entrevista [...] Apostavam sempre numa foto diferente dos outros
jornais.”251
Não à toa o Jornal do Brasil foi o veículo que mais venceu o Prêmio Esso na categoria
fotografia ao longo dos anos de sua existência. A valorização da imagem na
diagramação das páginas e o investimento no fotojornalismo contribuíram tanto quanto
o próprio desenvolvimento técnico para a valorização dos profissionais e para a
consolidação da linguagem fotográfica na imprensa diária.
E foi enquanto trabalhava no Jornal do Brasil que o fotógrafo capturou com sua
Rolleiflex, a imagem do presidente Jânio Quadros que ficou marcada de maneira icônica
como a síntese do período em que governou o país. A fotografia que é objeto desta
análise foi publicada em 1961 com o título “Qual é o Rumo?” e foi contemplada com o
Prêmio Esso de Fotografia na edição de 1962 do concurso. Na ocasião, era a segunda
vez que o prêmio contava com uma categoria específica para fotografia de imprensa e a
primeira vez que um jornal diário recebia o título de melhor imagem, abrindo assim
uma série que posteriormente consolidaria as fotografias dos jornais como as maiores
vencedoras da premiação.
Ao lembrar o episódio, Erno conta como conseguiu a imagem que projetou sua carreira
como fotojornalista de uma maneira simples e direta. De certo modo, atribui ao acaso a
realização da mais famosa de suas fotografias.
251 Idem.
233
“Um clique, num clique. [...] A imprensa toda foi pra lá, os
uruguaios, argentinos, brasileiros... (pausa) O Janinho andando e
eu do lado, com Rolleiflex, heim, essa só deu uma. Se tivesse
máquina de hoje tinha feito o filme todo. O Jânio foi andando... Tô
do lado dele, sempre, de olho, sempre de olho no Dines. Naquele
tempo era engraçado, não sei, eu acho que eu tava do lado dele...
De Rolleiflex... Eu tava bem ao lado dele, acompanhando. De
repente deu uma confusão, estourou um... Um barulho deu uma...
Todo mundo olhou pra trás. Ele virou e eu clack, plá, só deu aquela,
só fiz uma.”252
Em outra entrevista, concedida ao Fantástico em 2002 o fotógrafo também conta como
fez a famosa imagem.
“Enquanto o Jânio ia encontrar o Frondizi na ponte, no meio da
ponte, eu resolvi ir a pé. Eu tava andando, acompanhando ele do
lado. De repente, deu um tumulto. Um tumulto muito grande. O
Jânio levou um susto e se virou. Na hora eu vi que ele tava todo
estranho, todo torto. Eu senti que tinha uma foto diferente. Aí eu fiz
o click. Foi um só também.”253
A reticência do fotógrafo sobre não ter certeza de onde estava no momento exato, o
relato da confusão, do barulho são elementos de sua fala que, independente de como
tenha ocorrido a situação, criam uma memória narrativa cuja gradação dos episódios
proporciona para quem ouve uma espécie de suspense, culminando no “clack, plá” da
câmera. Tudo isso só corrobora a ideia de que a fotografia foi um achado, um grande
golpe de sorte.
Tendo isso em vista, é importante destacar que Erno é tributário de uma geração de
fotógrafos para os quais os registros dos fatos tal qual eles aconteceram é o motivo
principal da existência do repórter fotográfico. Sua perspectiva tende sempre a encontrar
252 Idem. 253 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida ao programa Fantástico em 2002. Trecho disponível em: http://www.senado.gov.br/BLOG/posts/um-instante-na-historia.aspx. Acessado em: março/2012.
234
no senso de oportunidade e na rapidez da execução do “clique” os parâmetros
definidores da boa fotografia de imprensa. Fazer a imagem e depois ver o que acontece
é quase um desígnio ao qual você é impelido, uma vez que a “primeira página” reside
no flagrante e depois do acontecimento não existe mais a fotografia.
“Acho que é isso aí é bater a foto, bater a foto, não tem
escapatória... A gente está para registrar a História, não está para
mudar, né? A gente registra... Olhar tudo. Fotógrafo tem que saber
olhar tudo.”254
Não obstante, mesmo partindo desse ponto de vista, bastante relacionado ao realismo
fotográfico, existe implícita uma noção de autoria e atuação do fotógrafo como produtor
da imagem estreitamente ligada à técnica e a sensibilidade que se poderia chamar de
“saber olhar”. Estar na hora certa no momento certo, bem posicionado, com o total
domínio da câmera, saber fazer o melhor enquadramento do motivo de modo que o furo
de reportagem aconteça são características do fotógrafo que lhe asseguram a autoridade
sobre a produção da narrativa visual acerca dos acontecimentos. E por isso, com o
prestígio alcançado em sua carreira, principalmente após o prêmio, Erno foi um dos
profissionais que mais se engajou nas reivindicações pelos diretos autorais e pela
melhoria das condições de trabalho dos repórteres fotográficos
255
Essa visão de fotografia como registro da História e do fotógrafo como “testemunha
ocular” dessa História que passa, mas precisa se contada, vai ao encontro de um dos
principais movimentos norteadores da fotografia de imprensa no mundo todo: são os
pioneiros do fotojornalismo mundial, cuja missão era não somente descortinar o mundo
em imagens técnicas, mas também mobilizar o espectador e formar a opinião pública a
respeito dos fatos registrados.
.
Essa tendência começa a se delinear nos anos de 1930 e está no bojo das discussões
acerca da constituição da fotografia como linguagem, relacionadas também ao seu
sistema próprio de códigos, seu valor como forma de expressão, como suporte de
254 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. 255 LOUZADA, 2009, Op. Cit., pp. 100-101.
235
informação e a sua função política e social dentro de um contexto em que é portadora de
um sentido para os fatos que observa e mediadora entre o sujeito que produz a imagem e
o sujeito que a vê. Além disso, está também ancorada na definição do papel do
fotógrafo, sua relação com a imagem e nos parâmetros éticos e políticos da fotografia
documental. Seria ele apenas o “apertador do botão” que vai capturar um dado da
realidade, ou seria ele um agente no processo de transformação da realidade através das
imagens de mundo que produz? Essa discussão permeou os principais debates sobre o
tema e ainda hoje produz abordagens diferenciadas acerca das noções de realismo,
verdade e representação.
A geração do fotojornalismo heróico que incluía em seus quadros nomes como Robert
Capa, David Seymor, Henri Cartier-Bresson, George Rodger, Maria Eisner, dentre
outros, fizeram parte do movimento dos “concerned photographers”, que engajados na
missão de documentar o mundo viam a si próprios como mediadores entre o público
espectador e os fatos e ideias de sua época. Assim valorizavam “o flagrante, e o efeito
de realidade suscitado pelas tomadas não posadas como marca de distinção do seu
estilo fotográfico”256
O engajamento, a visão humanista e a vinculação com temas de caráter social,
distanciam essa geração de fotógrafos dos pressupostos da fotografia oitocentista,
vinculada a noção positiva e moderna da objetividade irrefutável da imagem técnica.
Entretanto, ainda eram características marcantes deste estilo de fotografia, o realismo, a
imparcialidade, o compromisso com a informação e o registro do extraordinário, como
exemplifica Belting com o caso da exposição “The family of man”, organizada na
década de 1950 por Edward Steinchen. A exposição tinha como objetivo ser o ápice da
fotografia objetiva, demonstrando a verdade e a realidade em imagens do mundo, com
as quais pregava a confiança em uma solidariedade mundial da humanidade
.
257
Margarida Ledo define essa geração da Laica – câmera de pequeno porte, fácil de ser
transportada e que prescindia do uso do flash muito comum entre esses fotógrafos –
. Belting
lembra ainda que esse compromisso com a verdade também era compartilhado pelos
fotógrafos da Magnum, agência fundada em 1947 pelos principais fotojornalistas da
época.
256 MAUAD, Ana Maria. Op. Cit., 2008, p. 180. 257 BELTING, Op. Cit., pp. 281-282.
236
como os responsáveis pela associação da fotografia de imprensa com a credibilidade, o
qual se encaixou perfeitamente com o discurso da imparcialidade jornalística, ajudando,
portanto, a criar a linguagem que diferencia o texto informativo da imprensa de outras
maneiras de contar histórias.258
Ao mesmo tempo em que se começam estabelecer formas de ler o mundo através das
imagens que eram veiculadas em revistas e jornais, o desenvolvimento de uma espécie
de pedagogia do olhar permitia ao leitor decodificar a linguagem visual e relacioná-la ao
conteúdo informativo da notícia seguindo uma formatação preestabelecida. Essa
configuração é o que permite ao leitor identificar e associar à fotografia vista elementos
não visíveis, da ordem do simbólico ou da representação que são importantes quando se
pensa na conformação do olhar do espectador e, sobretudo, no poder exercido e nos
interesses mobilizados por aqueles que têm o papel de definir qual imagem será tornada
pública nas páginas de um grande veículo de comunicação. Incluído, ainda, a
responsabilidade do fotógrafo sobre os motivos capturados, uma vez que o
fotojornalismo, define Robert Capa, é “una profesión que estuvo siempre atravesada
por la facilidade de la espectacularización, sobremanera em los temas shock”
259
Será que foi apenas o acaso? O golpe de sorte do fotógrafo que nos legou a fotografia
que melhor representou o espírito do personagem fotografado? Em parte, a fração de
segundos entre a abertura do obturador e o registro da realidade material a qual objetiva
pode ser um evento completamente aleatório, e certamente, preso à lógica do tempo que
o impede de se repetir. No entanto, talvez seja possível refletir sobre em que medida as
intenções pessoais, a subjetividade, ou seria melhor, a sensibilidade do fotógrafo
contribuíram para congelar aquele momento específico na perenidade do objeto
fotográfico.
.
A fotografia – na sua execução e posteriormente quando é observada – pode ser
considerada como um suporte único de temporalidades sobrepostas, no qual estão
imbricados diferentes tipos de relação entre as dimensões do espaço e do tempo. É
assim, ao mesmo tempo, o objeto capaz eternizar um instante e a imagem capaz de
acionar mecanismos de rememoração e associação que condensam tempos e
experiências distintas, os quais confluem para um mesmo ponto. De um lado está a
258 LEDO, Margarita. Op. Cit., p. 86. 259 Idem, p.86.
237
captura da imagem e as escolhas feitas pelo fotógrafo ao enquadrar, focalizar e destacar
seu motivo no momento do ato fotográfico, o que corresponde ao instante, a percepção
do acontecimento. De outro tem-se a atualização da imagem retratada pela esfera da
recepção, que está vinculada ao caráter subjetivo do observador e pode se realizar no
entrecruzamento de diversas temporalidades que operam nos mecanismos de
rememoração e associação que são próprios do sujeito que observa a fotografia.
A partir de uma teoria mais clássica e de caráter realista da fotografia, a máquina
fotográfica – como é próprio de todas as máquina – é um mecanismo que opera uma
transformação. Assim, por exemplo, Roland Barthes descreve em “A Câmera Clara” que
o alvo da fotografia é a transformação do tempo em espaço e do espaço em tempo, pois
através de seus instrumentos técnicos é capaz de inscrever um dado da realidade – ou
um determinado espaço – em um tempo passado que se configura como o “isto foi” no
momento em que é capturado – o agora-passado260
Tendo isso em vista, e tecendo uma análise a partir do ponto de vista do fotógrafo, uma
outra abordagem acerca da imagem fotográfica pode ser apontada ao se desmontar o ato
de sua produção. Quando o fotógrafo espera o melhor momento para registrar a
fotografia, entre o olho que mira e o dedo que captura, são feitas associações que
inscreverão na imagem traços de subjetividade que tornam o instante representado
singular e heterogêneo, irreprodutível em sua essência. Por mais que em seu suporte
físico a fotografia possa ser reproduzida infinitamente, jamais se repetirão as condições
específicas da irrupção daquele acontecimento em nenhum momento novamente. É
onde a se funda a diferença entre reprodução e imagem descrita por Benjamin em
“Pequena história da fotografia”. “Nesta, a unicidade e a durabilidade se associam tão
intimamente como, na reprodução, a transitoriedade e a reprodutibilidade.”
. Entretanto, se mirarmos os dois
momentos distintos do ato fotográfico e os confrontarmos com o pensamento do
filósofo alemão Walter Benjamin, a dimensão da fotografia assume uma nova
perspectiva, especialmente no que diz respeito a experiência do tempo vivido e a seu
retorno como um tempo do passado representado numa imagem e, ainda, a junção desse
passado com uma proposta de futuro tanto na etapa da percepção e captura quanto na da
recepção.
261
260 BARTHES, Roland. A Câmera Clara. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 135.
Dentro
261 BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia”. IN.: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996, p. 101.
238
dessas associações subjetivas estão as escolhas do fotógrafo, as quais se manifestam em
correlação com outros tantos fragmentos de imagens, que podemos associar ao que
Bérgson identificou como “memória”, sem o que a fotografia seria apenas reação
motora262
Benjamin encontrou no ato fotográfico um fenômeno que caracteriza com relativa
precisão a sua ideia de acontecimento, pois é pela espera do fotógrafo que se define a
fotografia moderna. Assim, contrariando o predomínio do instante científico
responsável pela precisão e aceleração do tempo, a câmera fotográfica pode se
configurar como um dispositivo de retardamento do tempo, ou a “máquina de
esperar”
.
263
Para Maurício Lissovsky, a espera determina tanto a singularidade da fotografia quanto
sua relação com o acontecimento, uma vez que essa duração, na qual opera a memória,
é indeterminada e se fundamenta na expectativa do porvir e ocorre na iminência do
choque, completamente sujeita a indefinição do tempo. Paradoxalmente, a fotografia
instantânea inaugura o momento em que a máquina fotográfica pôde inventar-se como
um dispositivo de retardamento
.De acordo com essa abordagem, é no intervalo entre a escolha do motivo a
ser fotografado e a imagem retratada, ou seja, a espera, que atua a duração, enquanto
memória.
264
Tendo isso em vista, o momento do clique que registra a fotografia mais famosa de Erno
Schneider não seria apenas a realização de um ato físico – quase involuntário – de
“apertar o botão” ao sabor da contingência, mas sim o resultado do acúmulo contínuo
uma série de experiências prévias, vivenciadas pelo fotógrafo no exercício cotidiano da
fotografia de imprensa e na educação do olhar. Esses recursos são acionados enquanto o
fotógrafo espera e, na expectativa do acontecimento, ele busca o melhor
. Isso quer dizer que também se tornou um dispositivo
técnico a serviço de quem o opera e não mais um aparato subordinado a condições
especificas de luminosidade, tempo de exposição, imobilidade do motivo fotografado, o
que, sem dúvida, limitava o seu funcionamento e as opções do fotógrafo. O posterior
desenvolvimento tecnológico das câmeras contribuiu ainda mais para transformação que
coloca em primeiro plano a espera e a escolha do operador como elementos definidores
da imagem.
262 BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 263 LISSOVSKY, Maurício. A máquina de esperar. In: GONDAR, Jô; BARRENECHEA, Miguel Angel (orgs.). Memória e Espaço: trilhas do contemporâneo. Rio de Janeiro, 2003, p. 17. 264 Idem, p. 17.
239
posicionamento, pressente que algo está para acontecer e fica atento aos detalhes que
definiram a futura imagem, culminando na captura265
Em sua entrevista, Erno dá algumas pistas de como esse processo que agrega
contingência, subjetividade e experiência ocorre no ato fotográfico. Ao ser perguntado
se imaginava a foto antes dela se realizar ele responde:
.
“geralmente quando eu saía, eu já imaginava. [...] Primeiro
imaginar a imagem, né? Vou tentar... (pausa) Fazer assim... Se
tivesse uma pauta, aí, eu já saía imaginando, né? Na hora, tu chega
no local e pode mudar o local...”266
Do mesmo modo, na narrativa em que relembra o percurso que fez até a realização da
imagem do presidente Jânio Quadros, diz que vai acompanhando de lado, olhando para
um e outro, como se estivesse alheio a confusão de repórteres e fotógrafos que se
instaurava no local, mas de certo modo esperando o momento oportuno para acionar a
câmera.
Erno também conta como o fotógrafo aprende e trabalha na busca pela melhor imagem.
Diz em vários momentos que o é preciso “olhar tudo”, referindo-se tanto a cena a ser
fotografada quanto as fotografias que já foram feitas, no sentido de se manter atendo ao
que ocorre.
Conjunção de habilidade e experiência que na definição de Erno traduz-se como prática.
Indispensável ao fotógrafo, mas não compartilhável tampouco passível de ser ensinada,
ao menos formalmente. A prática do operador da câmera define o momento exato, o
enquadramento a adequação formal perfeita ao assunto da esfera do simbólico que se
pretende registrar. Nesse espaço os conceitos de mundo do sujeito investem na imagem
capturada a sua escrita única e pessoal267
265 MAUAD, Ana Maria. Os fatos e suas fotos: dispositivos modernos na produção do acontecimento na contemporaneidade. Revista Z Cultural, Ano IV - Número 1 - Dezembro 2007/Março 2008. Disponível em:
.
http://www.pacc.ufrj.br/z/ano4/1/anamauad.htm. Acessado em: abril/2012. 266 SCHNEIDER, 2003, Erno, Op. Cit. 267 Sobre a trajetória de Erno Schneider ver: MAUAD, Ana Maria. Memórias do contemporâneo, a trajetória de Erno Schneider em foco. Revista Studium, nº 27. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/27/07.html. Acessado em 12/03/2012.
240
“A prática. Geralmente a prática, né? E, atualizar você tem... O
ângulo do fotógrafo. Aí cada um é cada um, né? Isso aí você não
ensina pra ninguém. Isso aí se pode dar umas idéias, agora, ensinar
sensibilidade ao fotógrafo? Isso você não passa pra ninguém,
depende de cada um. Como em tudo, né? Tudo... Cê chega num
lugar, você sente uma coisa, se você não consegue transmitir...”268
3.2. Jânio Quadros: o presidente de pés trocados
Como repórter fotográfico Erno buscava fatos e situações que produzissem imagens
com potencial jornalístico, privilegiando assim características como o flagrante, a
novidade, o extraordinário dentro de um universo de possibilidades e motivos
fotografáveis. Nesta parte do trabalho a proposta é apresentar um quadro das
circunstâncias em que a fotografia “Qual o rumo?” foi realizada e buscar através desse
panorama inferir acerca do motivo enquadrado pela lente de Erno Schneider. Assim, a
partir de uma análise baseada nos aspectos formais e semânticos, entender a relação
simbólica entre o personagem Jânio Quadros e a sua imagem fixada pela câmera.
Do ponto de vista histórico os pés trocados que apontam para sentidos opostos
produzem, no âmbito da linguagem visual, a mais completa e sintética representação da
figura retratada, podendo ser considerada uma expressão icônica do controverso
personagem que expõe. Tanto a personalidade quanto o governo de Jânio Quadros como
presidente constituem uma parte sui generis da História republicana do Brasil. Se
tivessem que ser definidos em uma única palavra essa poderia ser contradição, de onde,
por sua vez deriva a personalidade insólita do personagem. De qualquer ângulo que se
observe – sob o aspecto político, diplomático, econômico ou das pitorescas medidas
para garantir a manutenção dos bons costumes – a singularidade que marcou a
passagem Quadros pela presidência da República passou ao largo das convenções de
política e conduta associadas à normalidade.
Logo no início do governo tomou medidas alheias às demandas governamentais como
proibir a realização de provas turfísticas em dias úteis, as rinhas de briga de galo, a
propaganda comercial em casas de espetáculo ou cinemas, os desfiles de misses com
maiôs “cavados” e o uso de lança-perfumes nos bailes de carnaval.Disciplinou o 268 SCHNEIDER, 2003, Erno, Op. Cit.
241
funcionamento de jogos de cartas em sedes de clubes ou entidades; e regulamentou a
participação de menores em programas de rádio e televisão dentre outras questões de
caráter completamente arbitrário, cuja finalidade era promover um saneamento moral no
país. Esse conjunto de iniciativas um tanto quanto peculiares garantiram a fama do
homem público e o material necessário para a criação da caricatura do político
extravagante no imaginário nacional.
Tudo isso, inserido numa conjuntura global potencialmente explosiva, conturbada pelas
pressões e distensões constantes da disputa entre as duas superpotências que
polarizavam o mundo em blocos de poder de matrizes políticas opostas. Em 1961, ano
que Jânio esteve à frente do executivo, alguns episódios críticos entre os Estados
Unidos e a União Soviética instauraram crises duradouras que levaram o mundo a crer
na iminência de um conflito sem proporções, elevando ainda mais a tensão, a
expectativa e histeria nos países onde os corolários da bipolarização faziam eco.
A ascensão política meteórica de Jânio Quadros já é um primeiro indício da
singularidade do período que se seguiria. Em pouco mais de uma década construiu uma
carreira que teve início com o cargo de vereador da cidade de São Paulo, para o qual foi
eleito em 1947 e o levou de político desconhecido ao cargo máximo da República em
1961. Antes disso já obtivera votações expressivas para nas candidaturas para deputado
estadual – eleição em que foi o candidato mais votado em 1950 – e prefeito de São
Paulo, posição que abdicou para concorrer às eleições para o governo do estado de São
Paulo em 1954, disputando o cargo com o famoso político Adhemar de Barros e
vencendo por uma diferença pequena de votos269
Na presidência sucedeu Juscelino Kubitschek, após vencer a disputa eleitoral com o
marechal Henrique Teixeira Lott, que concorria pela aliança PSD-PTB. Nas eleições de
1960 também estava em jogo uma disputa em torno de propostas políticas apoiadas por
grupos distintos. De um lado estavam os getulistas (representados por Lott e associados
à continuidade do governo Kubitschek); de outro os chamados antigetulistas (agregados
em torno da figura de Jânio Quadros e contrários à política desenvolvimentista
empreendida pelo governo antecessor).
.
269 Ver mais informações sobre Jânio Quadros em “Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro, Pós 1930 – CPDOC/FGV” disponível na versão online e: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acessado em: abril/2012.
242
A campanha janista ao cargo de presidente contou com amplo apoio dos partidários da
União Democrática Nacional (UDN), os quais já haviam sido derrotados em três pleitos
consecutivos anteriormente. Naquele ano, portanto, decidiram não lançar um candidato
próprio apostando que o estilo peculiar de fazer política de Jânio angariasse votos das
camadas mais pobres da população – o que houvera sido um fator determinante nas
disputas anteriores. Assim, os udenistas acreditaram que a mistura de carisma popular e
tendências conservadoras de Jânio poderiam ser a receita para suplantar uma sina
eleitoral que os impedia de estar à frente do projeto de Brasil.
Segundo Maria Benevides a célebre frase ‘Jânio se elege com seus defeitos e governa
com suas qualidades’, atribuída ao udenista Milton Campos explica as intenções do
partido ao apoiar um candidato praticamente anônimo na maior parte do país. Para
Campos e a UDN “os defeitos seriam [...] os recursos populistas; as qualidades seriam
a independência, a administração eficiente, a honestidade”270
O carisma de Jânio junto aos populares está intimamente relacionado ao estilo
histriônico e performático, aliado a eloquência e erudição de discursos inflamados.
Tanto que ele entrou para o folclore político nacional, sendo lembrado até hoje por seus
inúmeros factóides – criados com o intuito da autopromoção – e das situações que
remetiam à galhofa e beiravam o absurdo como usar gravatas desalinhadas com o nó
frouxo e ternos amarrotados; simular caspa espalhando talco sobre os ombros; e, claro,
andar com sanduíches de mortadela engordurados nos bolsos. A sua campanha para a
presidência foi marcada pelo célebre slogan “Varre, varre vassourinha. Varre, varre a
bandalheira”, coroada pelos broches de vassouras que os seus apoiadores usavam
pregadas às roupas. A vassoura que limparia a política nacional era a alusão que
abarcava o ápice do seu discurso oposicionista, pois trazia uma promessa moralizante
bastante afinada com os interesses das elites e da classe média e ao mesmo tempo
atacava o governo anterior, o próprio JK e os adversários que constituíam a maioria no
Congresso Nacional.
.
Uma vez na presidência, em meio à euforia udenista, governou por um período de
tempo tão meteórico quanto a sua rápida ascensão política, ficando apenas sete
conturbados meses à frente do cargo. Durante este período constituiu um corpo de
ministros provenientes em sua maioria dos quadros conservadores da UDN e 270 BENEVIDES, Maria Victoria. O Governo de Jânio Quadros. São Paulo: Brasiliense, 1981.
243
empreendeu um governo caracterizado pelo autoritarismo e pelo moralismo. No plano
econômico adotou um programa antiinflacionário baseado em medidas monetaristas e
de austeridade, desvalorizando a moeda e congelando salários. Promoveu também uma
aproximação com o Fundo Monetário Internacional (FMI), especialmente no que diz
respeito às teorias de estabilização econômica preconizadas pelo órgão.
Ainda que todas essas medidas tenham soado harmonicamente aos ouvidos do grupo
político que o apoiara e que estava interessado em um programa de governo liberal-
conservador e privatista, foram na verdade as contradições, as ambiguidades e o
comportamento imprevisível de Jânio Quadros que conferiram notoriedade ao seu
mandato. Como descreve Benevides:
“Entre as contradições do governo Jânio Quadros destaca-se a
intrigante conjugação entre a defesa ativa de uma política externa
"de grandeza" e a adoção de um estilo provinciano e mesquinho no
trato da coisa pública. No estadista da autodeterminação dos povos
disfarçava-se, ora mais visível, ora mais superado, o prefeito dos
limites bairristas de Vila Maria. A ‘política dos bilhetinhos’271
revela o tacanho autoritarismo de um governo que erigiu como
norma o controle burocrático personificado, baixado aos mínimos
pormenores, em toda e qualquer área da administração pública,
mas também nos mais diversos aspectos da vida social.”272
Dentre as questões controversas do período janista a mais polêmica e que, sem dúvida,
amplificou o desgaste político que o levou a renuncia, foi a sua tentativa de posicionar o
Brasil de forma independente no âmbito da política internacional. Fazia parte desta
plataforma a aproximação comercial e diplomática com países socialistas, incluindo a
União Soviética; o estabelecimento de uma relação cooperativa com Cuba, apoiando a
autodeterminação de seu povo; o estreitamento dos vínculos com os países da América
271 Uma prática burocrática, herdada do mandato como governador de São Paulo e inspirada pelo primeiro-ministro inglês Winston Churchill, de utilizar memorandos para fazer a comunicação direta com seus subordinados foi apelidada de “política dos bilhetinhos” do presidente. Essa prática sinalizava a onipresença do governante e sua atuação direta na resolução dos problemas administrativos, mas acabou também se constituindo como uma anedota que exprime a excentricidade de Jânio 272 BENEVIDES, Op. cit., p. ???
244
Latina, sobretudo a Argentina, com o objetivo de fortalecer todo o bloco frente à
hegemonia norte-americana.
Tal posicionamento evidenciou a impossibilidade de conciliação entre um programa
econômico conservador tipicamente alinhado à “direita” e a adoção de uma política
externa independente com tendências esquerdizantes e cujos desdobramentos geraram
os fatos que serviram de combustível para a crítica generalizada empreendida pelos
diversos setores da sociedade descontentes com o governo e com seu representante,
minando por completo a base política que o havia ajudado a se eleger. Dentre os grupos
que formaram a oposição a Jânio destacam-se a imprensa tradicional, alinhada
historicamente à defesa dos interesses do bloco ocidental e capitalista no contexto da
Guerra Fria e os antigos aliados da UDN, especialmente através do ataque lacerdista,
que se sentiram traídos no cerne de sua ideologia política.
O ápice da política externa independente de Jânio Quadros, que também seria o prelúdio
de sua renúncia ao cargo de presidente pela ampla reação negativa que desencadeou, foi
a condecoração do ex-guerrilheiro argentino Ernesto “Che” Guevara – naquele
momento Ministro de Economia de Cuba – com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do
Cruzeiro do Sul em 18 de agosto de 1961.
Che Guevara estava de passagem pelo Brasil após sua participação na Conferência de
Punta del Leste e o gesto de Jânio excedeu os limites toleráveis no campo do simbólico
num momento em que seus antigos aliados já estavam reticentes em relação as diretrizes
políticas que vinha assumindo. A reação foi imediata. Imprensa, militares, clérigos e
políticos ligados às correntes mais conservadoras lançaram-se a um ataque intenso e
constante ao presidente e seu governo que combinava o acirramento do anticomunismo
visceral dos militares, com as suspeitas dos católicos, o temor das classes médias e,
evidentemente, os interesses econômicos do grande capital273
Alguns militares inconformados com o episódio devolvem suas condecorações; Carlos
Lacerda, em resposta, condecora o líder cubano anticastrita Manuel Antonio Verona no
Palácio das Laranjeiras e faz um pronunciamento televisivo denunciando uma tentativa
de golpe do governo envolvendo Guevara; e a imprensa, representada pelos grandes
grupos de comunicação aliados aos interesses estadunidenses, perde definitivamente a
.
273 BENEVIDES, Op. cit.
245
empatia pelo político – antes um expoente da autopromoção midiática – e amplifica a
pressão sobre o governo face à repercussão extremamente negativa do episódio.
Trecho do pronunciamento do Governador da Guanabara Carlos Lacerda na TV Rio em 24 de agosto de 1961
“Por trás da condecoração dada ilegalmente a esse aventureiro
internacional, a esse apátrida especialista em oprimir a pátria
alheia, que coisas se escondem, que aventuras, que tramas da
madrugada, que torvas conversas, que sinistras combinações!”274
Grã-Cruz para um Agitador Internacional – O Globo
“Atingiu o limite da capacidade do povo brasileiro suportar
agressões a outorga ao Sr. Ernesto Guevara, vulgo Che – ex-
cidadão argentino que renegou sua pátria para servir à causa do
bolchevismo na frente avançada de Cuba –, da Ordem Nacional do
Cruzeiro do Sul em seu mais elevado grau. A visita desse senhor ao
Brasil já era difícil de engolir. Admitia-se que ele viesse a convite
próprio, apenas referendado pelo nosso governo, que não tivera
saída. Entretanto, o presidente transformou o agitador profissional,
o inimigo da democracia, que acaba de renegá-la em Punta del
Este, esse desalinhado promotor de vários escândalos
internacionais, em hóspede bem-vindo, merecedor das maiores
homenagens. Não sabemos como os dignos ministros da Guerra e
da Marinha – não falemos do ministro do Exterior –, que fazem
parte do Conselho da Ordem, podem haver concordado com a
indefensável deferência ao sócio de Fidel Castro”.275
O episódio Che Guevara, tamanha a sua importância no desfecho antecipado do
mandato de Jânio Quadros expõe a tênue linha que mantinha em equilíbrio a correlação
de forças naquele momento político. Além disso, demonstra o papel e, sobretudo, as
escolhas da imprensa na condução dos fatos que noticia, uma vez que fica evidente
274 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2004, p. 408. 275 ARNT, R. Jânio Quadros – O Prometeu da Vila Matilde. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 175
246
neste caso a relação entre a atuação dos meios de comunicação e o aprofundamento do
isolamento político de Jânio Quadros.
Tanto que a fotografia publicada no Jornal do Brasil e analisada neste trabalho figura
como um exemplo da intensidade com que a condecoração de Guevara atingiu o
noticiário nacional. Até hoje circulam controvérsias acerca da ocasião em que a
fotografia foi feita e alguns textos sobre ela trazem a informação que foi realizada na
cobertura da visita de Che ao Brasil. Esta informação equivocada está posta inclusive no
livro comemorativo dos 50 anos do Prêmio Esso, em uma breve contextualização
histórica acerca do fato associado a cada imagem vencedora o texto afirma que “O
flagrante foi batido no fim da cerimônia de condecoração do líder Che Guevara
(19/08/1961) e poucos dias antes de sua explosiva renúncia”276
Na verdade, a fotografia de Erno Schneider foi registrada por sua câmera em 20 de abril
de 1961, quatro meses antes de ser publicada, no dia 23 de agosto de 1961. O evento
por trás da imagem foi uma visita do então presidente da argentina Arturo Frondizi para
um encontro que ocorreu entre os dias 20 e 23 de abril e cujo objetivo era estabelecer
acordos de cooperação entre os dois países no que tange ao livre comércio e circulação
de mercadorias entre fronteiras, o estabelecimento do tratado de amizade e não agressão
entre Brasil e Argentina e ao posicionamento do bloco latino-americano frente ao
cenário político internacional. Ao final do encontro os dois presidentes assinam o
Tratado de Amizade e Consulta entre Brasil e Argentina, documento que estabelecia os
trâmites gerais da diplomacia entre as duas nações.
.
No dia 20 de abril de 1961 o presidente do Brasil, Jânio Quadros, iria receber o
presidente argentino Frondizi na ponte da cidade gaúcha de Uruguaiana, fronteira com
Passos de los Libres. Este evento abriria o encontro entre as missões diplomáticas dos
dois países e como Erno diz em sua entrevista, toda a imprensa estava presente. Em
meio a uma confusão que ocorre no local Jânio se vira de maneira contorcida e Erno
captura o instante que eternizaria o presidente “sem rumo”.
Curiosamente, poucos dias antes de sua passagem pelo Brasil e do encontro com
Quadros, Che Guevara havia estado com Frondizi na Argentina – que também adotava o
princípio de uma política externa independente – para discutir o apoio dos países da
276 Uma História Escrita por Vencedores, Op. Cit, p. 29.
247
América Latina a ilha cubana face ao conflito com os Estados Unidos. Assim como viria
a ocorrer no caso brasileiro, no país vizinho, o fato rendeu ao seu presidente um saldo
negativo diante dos setores conservadores da sociedade argentina e da conjuntura
política internacional que pressionava todo o bloco a uma aliança com os EUA contra o
comunismo. Alguns autores estabelecem uma relação entre o desgaste da imagem de
Frondizi a partir do episódio com a crise instaurada no país que desencadeou o golpe
militar e o destituiu do governo poucos meses depois, em 29 de março de 1962.
De modo geral a notícia sobre esse encontro foi veiculada de maneira tímida nos jornais
da época. Aparece em notícias curtas e sem destaque, na maior parte das vezes nas
páginas internas e sem fotografia. O Jornal do Brasil publica uma imagem dos dois
presidentes abraçados na capa do dia 21, mas faz uma matéria de tom apenas
informativo na página interna. A Folha de São Paulo destaca o encontro nos dias 20 e
21 em matérias pequenas, envidas por correspondentes e também sem fotografia
associada.
A imagem capturada por Erno Schneider não poderia sintetizar melhor todos os
conflitos e as contradições da curta experiência democrática entremeada por dois
períodos de ditadura. Não só simboliza com rara exatidão a personalidade confusa de
Jânio Quadros e das incoerências de seu mandato como também expressa com certa
previsão as incertezas que estariam por vir.
A metáfora visual que Erno nos proporciona através de sua fotografia encontra um
correspondente verbal na descrição em que Maria Benevides apresenta um retrato
assertivo o que foi a personalidade de Jânio Quadros e as subsequentes controvérsias de
seu governo.
“O estadista altivo que se opõe à aventura do Presidente Kennedy
na invasão a Cuba (Baía dos Porcos, abril de 1961) aceita a
imposição de regras rigorosas pelo FMI. O presidente que
condecora o líder revolucionário Guevara, ordena a repressão às
manifestações de estudantes em Recife, por ocasião de conferência
da mãe do próprio ‘Che’. Empossado a Presidência, vai à televisão
248
e reafirma sua firme defesa da iniciativa privada; no dia seguinte
envia um projeto sobre os abusos do poder econômico.”277
O enquadramento centralizado da figura de Jânio Quadros com os pés trocados
transmite uma série de representações que transcendem a simples exposição dos fatos,
vinculando-se a uma leitura ampliada e textual da imagem que agrega a sua síntese
visual, as aspirações e tensionamentos sociais do contexto histórico em que é
construída. O período em que Jânio Quadros governou o país foi marcado justamente
pela desorientação política, que de certo modo se confundia com a personalidade
confusa do presidente, com seu jeito histriônico e atrapalhado. Compõe assim, a
significação visual de uma conjuntura permeada pela falta de um caminho político
coerente, ao mesmo tempo em que a incerteza do devir se avolumava diante da crise
política instaurada no início da década, a qual culminaria no golpe militar de 1964.
Toda a relevância representativa da fotografia de Erno Schneider não ofusca seus
atributos estéticos no reconhecimento que se presta a esse trabalho. O desequilíbrio
expressado semanticamente é reiterado pela precisão na captura do equilíbrio
momentâneo das linhas e formas no espaço e no tempo. Assim, a imagem produzida
encerra um dos princípios fundamentais do fotojornalismo, teorizado pelo fotógrafo
francês Henri Cartier-Bresson, um dos pioneiros no desenvolvimento do ofício:
“Uma fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fração de
segundos, da significação de um fato e de uma organização rigorosa
das formas percebidas visualmente que exprimem esse fato.”278
Forma e conteúdo conjugados para a tarefa de produzir um sentido para o
acontecimento, uma “construção social da realidade” que, todavia, não se esgota numa
única interpretação, sendo constantemente re-significada por leituras “construídas
socialmente”
279
277 BENEVIDES, Op cit.
em torno do que é visto. Uma dimensão mais autoral da fotografia
começa a ser esboçada dentro das discussões basilares do fotojornalismo brasileiro,
278 Cadernos de Jornalismo e Comunicação, nov-dez, 1970, p. 127. 279 SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo Performativo – o serviço de fotonotícia da agência lusa de informação. Santigo de Compostela, 1997. Tese (Doutorado em Ciências da Informação) Universidade de Santiago de Compostela. Santigo de Compostela. 1997. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalismo-tese.html. Acessado em: abril/2012.
249
principalmente porque este é o momento de constituição profissional da categoria, cuja
geração pioneira forma-se através da prática do ofício. A necessidade de uma reflexão
conjunta sobre seus fundamentos e de um direcionamento enquanto classe se
intensifica, e, caminha em paralelo a uma discussão voltada para dentro, no bojo do
processo de consolidação profissional, a reivindicação externa dos interesses dos
repórteres fotográficos junto aos órgãos de imprensa dos quais são empregados.
3.3. Qual é o Rumo? – A fotografia que virou notícia
A fotografia feita por Erno Schneider foi a público em uma exposição de fotojornalismo
promovida pelo JB em 1961. Sua notoriedade foi tanta que saiu da primeira página do
Jornal do Brasil e do suplemento Caderno B - onde foi publicada - para a consagração
como melhor fotografia do Prêmio Esso no ano de 1962. Nesse movimento, não apenas
o assunto retratado pela imagem, mas o seu próprio status como fotografia ganha novos
contornos que a descolam de seu suporte característico inicial. Do momento em que foi
capturada até a vitória no Esso, diversos fatores fizeram com que a imagem quase se
perdesse por completo, conforme conta Erno280
Memórias que não são apenas dos acontecimentos do conturbado ano de 1961 e dos
desdobramentos políticos que um governo malogrado pôde engendrar diante da falência
institucional e do desequilíbrio das forças políticas. Mas memórias relacionadas à
trajetória de um fotógrafo de imprensa; da configuração dos parâmetros que iriam
ajudar a construir um estilo de fotojornalismo no joranlismo diário no Brasil; da
conformação de um modo de ver a imagem nas páginas do jornal, compartilhado por
fotógrafos e leitores em uma dinâmica recíproca; e também, da consolidação da
fotografia na imprensa que entraria em um caminho sem volta, no qual a imagem
ganharia espaços cada vez mais privilegiados na diagramação do jornal, ao ponto de ser
quase imprescindível face ao desenvolvimento técnico que permitiu a sua expansão e ao
enraizamento de uma cultura apegada ao visual.
, e entre idas e vindas a fotografia foi
capaz de migrar através de diversos contextos e suportes que a investem de novas
nuances e atualizam tanto os significados do motivo fotografado como seu formato
enquanto objeto capaz de reter esses significados e essas memórias.
280 Esses fatos sobre a trajetória da fotografia de Jânio Quadros são revelados pelo próprio fotógrafo no vídeo “Erno Schneider - A História num click”, produzido pelo LABHOI no âmbito do projeto “Imagens Contemporâneas: prática fotográfica e os sentidos da história na imprensa ilustrada (1930-1970)”, dirigido e roteirizado por Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel.
250
Tendo isso em vista, esta última parte do trabalho visa refletir acerca do terceiro
elemento que compõe esta abordagem: a fotografia. Para esse enfoque, a perspectiva a
ser adotada é a de tratar a fotografia não apenas pelo seu conteúdo visual, mas pela sua
transitoriedade enquanto objeto que se fixa a diferentes suportes, formatos e contextos
ao longo de sua existência, atualizando em cada um deles seu significado e sua
significação. Após uma incursão nos aspectos que definem sua autoria e no cenário que
possibilitou a sua concepção, buscar os vários caminhos que percorreu apresenta-se
como etapa da tentativa de compreender a trajetória da imagem.
Para além do caráter indicial da fotografia, esta abordagem está pautada na
materialidade performativa do objeto que carrega consigo uma imagem capturada
mecanicamente de um aspecto da realidade. Nesse sentido, podemos estabelecer duas
faces dessa materialidade expressas através de uma “biografia social” da imagem e de
uma “biografia social” da fotografia. Entanto a primeira está relacionada aos formatos
através dos quais uma imagem é veiculada – jornal, folheto, livro, etc –, implicando em
diferentes formas materiais dessa imagem, a segunda diz respeito ao objeto em si que
pode ou não ser modificado fisicamente tanto quanto se move no espaço e no tempo281
Em conjunto, e complementando-se um ao outro, os dois aspectos biográficos da
fotografia influenciam diretamente os seus atributos de valor e uso, ou seja, ultrapassar
ou não as barreiras do privado, ser publicada em um grande veículo de comunicação ou
ser guardada em um arquivo, estar em um álbum de família ou em um livro de
memórias, todos esses aspectos definem os modos como uma fotografia interfere nas
realidades que alcança desde o momento da sua captura instantânea até cada interação
propiciada pelas infinitas reproduções a que está sujeita. E nessa trajetória, os vestígios
deixados por uma fotografia podem determinar o potencial histórico de uma imagem e
os seus efeitos sociais, culturais e políticos.
.
“… that are important but their social effects as they construct and
influence the field of social action in ways that would not have
281 EDWARDS, E. & HART, 2009, Op. Cit., p. 5.
251
occurred if they did not exist, or, in the case of photography, if they
did not exist in this or that specific format.282
O percurso através da trajetória da fotografia “Qual o Rumo?” procura evidenciar o seu
potencial artístico, informativo e representacional, contemplando as implicações
decorrentes das diversas maneiras em que foi utilizada, bem como a relevância da
consagração com o Prêmio Esso em 1962 para as transformações experimentadas pelo
fotojornalismo no bojo da modernização da empresa de comunicação e das
reivindicações relacionadas à valorização do repórter fotográfico e da fotografia de
imprensa.
”
A primeira questão acerca da trajetória da fotografia em foco está localizada na relação
entre imagem e imprensa, ou entre a sua captura e a sua publicação. De acordo com
Erno Schneider, seu autor, a fotografia foi feita por ocasião do encontro entre os
presidentes do Brasil e da Argentina – Jânio Quadros e Arturo Frondizi – na cidade de
Uruguaiana. O instante retratado precede a recepção do argentino pelo brasileiro sobre a
ponte local - que inclusive pode ser vista no fundo da imagem - e aconteceu no dia 20
de abril de 1961. Os jornais da época noticiaram o encontro no dia seguinte e de
maneira discreta, seguindo em linhas gerais os padrões informativos de construção da
notícia na imprensa. Naquele momento, o mandato de Jânio ainda estava no início e as
restrições em relação aos rumos da política que tentava empreender não estavam na
pauta.
Figura 59: Folha de São Paulo, 21 de abril de 1961.
282 Idem, p. 4.
252
A Folha de São Paulo fez uma chamada na capa do jornal de 21 de abril de 1961 e uma
reportagem na página 2, ambas sem fotos. A reportagem é construída narrando os
acontecimentos desde os preparativos para a chegada de Frondizi até os principais
pontos que seriam discutidos no encontro entre os presidentes, passando pela descrição
do cerimonial protocolar da diplomacia na recepção ao argentino e por assuntos mais
gerais sobre a vinda do chefe de estado vizinho.
Figura 60: Jornal do Brasil, 21 de abril de 1961.
253
O Jornal do Brasil faz também uma chamada de capa do jornal (Figura 60) e uma
matéria na página 3 sobre o encontro na edição do dia 21 de abril. O padrão informativo
da notícia é semelhante ao que foi produzido pela Folha, tecendo um comentário geral
sobre a realização do encontro. Entretanto o tom da reportagem do JB tende a ser mais
positivo, uma vez que celebra o estreitamento das relações entre Brasil e Argentina
como um resultado satisfatório da realização do encontro de maneira mais contundente.
Outro diferencial do JB é a imagem publicada na capa da edição que mostra os dois
presidentes com um resumo da notícia na legenda.
Figura 61: Fotografia de Jânio Quadros e Arturo Frondizi publicada na capa do Jornal do Brasil de 21 de abril de 1961.
A fotografia impressa na primeira página do Jornal do Brasil chama a atenção para a
união e amizade entre os países (Figura 61). O “caloroso abraço” retratado na imagem
254
traz a noção de estreitamento de laços e simboliza a cordialidade e aproximação entre os
chefes de estado dos dois países. O crédito da imagem é da Associated Press, logo, foi
adquirida através de uma agência de notícias. É provável que na ocasião a fotografia de
Erno não estivesse disponível, uma vez que o fotógrafo estava cobrindo o evento em
Uruguaiana. Na época a velocidade de transmissão de fotografias favorecia a
distribuição pelas agâncias, uma vez que, segundo Louzada, os fotógrafos de agência
revelavam o material no local e remetiam uma única imagem por rádio que era
redistribuída para os jornais via Radiofoto. Já o fotojornalista que trabalhava para os
jornais tinha como recurso enviar os negativos para a sede da empresa através de
passageiros em vôos comerciais283
Em que pese as questões de ordem prática, o retrato de Jânio Quadros não figurou nas
páginas do JB nem mesmo no dias 22 e 23 de abril de 1961, que deram continuidade ao
encontro dos presidentes. Portanto, é interessante notar, neste caso, não a imagem
veiculada pelo Jornal do Brasil para ilustrar e compor a reportagem, mas o fato de a
fotografia de Erno Schneider não ter sido utilizada pelo jornal em nenhum momento.
Assim sendo, o primeiro traço marcante da história da fotografia “Qual o Rumo?” não é
a sua publicação na primeira página do jornal como se poderia imaginar, mas sim o
exato oposto da sua não publicação.
.
Não é possível afirmar com precisão os motivos que nortearam a opção de não tornar
pública uma imagem do presidente de pés trocados. A despeito disso, é possível inferir
acerca da importância desse fato para tentar compreender outros aspectos relacionados
às disputas em torno da informação e a influência das imagens na mobilização de
códigos de significação que estão intimamente associados ao texto jornalístico escrito
na produção de um sentido em que a mensagem será transmitida. Afinal, qual é a razão
de se publicar uma fotografia em detrimento de outras? Qual é o critério que faz com
que se arquive uma fotografia? E, sobretudo, por que e quando desarquivá-la para vir a
público?
Talvez porque até naquele momento a forma histriônica de Jânio Quadros produzisse
somente anedotas políticas e fatos pitorescos, tornando-o alvo preferido de chargistas e
comediantes abastecidos por suas medidas extra-governamentais e sua personalidade
insólita. Naquele momento ele ainda era o Jânio cuja habilidade de autopromoção e a 283 LOUZADA, Silvana, 2009, Op. Cit., p. 264.
255
vocação para criar mídia em torno de si casava perfeitamente com os interesses da
imprensa em gerar notícias. Talvez também porque no contexto em que a reportagem
estava pautada o desconcerto do presidente fizesse um contraponto dissonante com a
celebração da amizade e da cooperação mútua entre os países vizinhos. Ou ainda,
porque o editor responsável não deu importância devida para o sentido da imagem – no
contexto em questão ela poderia nem fazer tanto sentido – e não apreendeu dela a
eficiência informativa necessária para fazê-la figurar nas páginas do jornal.
Independente da intenção de publicá-la no futuro ou não – o que poderia inclusive
inviabilizar sua participação no Prêmio Esso – a fotografia de Erno ficou oculta até o
momento ocasionalmente oportuno em que a exacerbação das contradições do governo
de Jânio gerou um fato clímax impactante correspondente a força semântica da imagem
em questão. Esse momento culminante foi a condecoração de Ernesto “Che” Guevara
com a Ordem do Cruzeiro do Sul, em agosto daquele mesmo ano. O acontecimento
acabou por se tornar o prelúdio da renúncia de Jânio, devido a todo simbolismo presente
na associação da figura de Che com o sinistro e o perigo comunista, e, acentuou de
maneira insustentável o desequilíbrio político no qual o governo de Quadros se apoiava.
No dia 23 de agosto de 1961 a edição do Jornal do Brasil trazia na primeira página
(Figura 62) o presidente da República com os pés enviesados indicando caminhos
opostos, tal qual fora o desenrolar de seus atos na presidência que se por um lado se
alinhava com a UDN e a direita conservadora, por outro tendia a uma postura associada
à ideologia da esquerda. A fotografia simboliza visualmente o aprofundamento das
contradições do governo de Jânio Quadros ao conceder uma honraria de mérito a Che
Guevara. O que é reforçado pela legenda “Qual o rumo?”, que de certo modo indica
uma chave de sentido para decodificar a imagem associando-a ao desequilíbrio, a
incerteza e a insegurança.
Ao contrário do que se poderia imaginar a imagem não estava servindo para ilustrar
nenhuma matéria que falasse a respeito de Jânio ou dos últimos e turbulentos
acontecimentos que envolviam seu governo. A fotografia falava de si própria e de seu
sucesso na I Exposição Nacional de Fotojornalismo, organizada pelo Jornal do Brasil
para prestigiar as melhores imagens que o jornal havia veiculado até então. É uma meta-
fotografia em que estão visíveis um painel da exposição com a fotografia feita por Erno
256
Schneider no plano de fundo e dois expectadores que a observavam no primeiro plano.
Com o título “Rumo de Jânio é a atração”, o texto que acompanha a imagem explica:
“Uma foto intitulada Qual o Rumo? e na qual o Presidente Jânio
Quadros foi fixado pela câmera de Erno Schneider com as pernas
traçadas, uma para a direita, outra para a esquerda, revelou-se a
principal atração da I Exposição Nacional de Fotojornalismo,
ontem inaugurada no Aeroporto Santos Dumont, com 78 trabalhos
de fotógrafos da equipe do JORNAL DO BRASIL [...]”284
284 Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1961, primeira página.
.
257
Figura 62: Primeira página do Jornal do Brasil de 23 de agosto de 1961.
A iniciativa de promover uma mostra de imagens de imprensa da exposição foi a
oportunidade perfeita para que o próprio Erno tornasse pública sua fotografia até então
inédita. Ele mesmo lembrou-se da imagem e recorreu ao arquivo do JB para enviá-la à
mostra que foi instalada em diversos aeroportos pelo Brasil.
258
“A foto do Jânio não foi publicada, só foi copiada depois que eu
voltei lá da viagem. Depois que eu voltei eu falei, pô, mas eu fiz uma
foto legal lá, fui no arquivo e procurei. Aí que eu achei a foto do
Jânio. Aí fiz uma ampliação e ao mesmo tempo o Jornal do Brasil
resolveu fazer uma exposição dos fotógrafos do jornal, uma mostra
de fotos em todos os aeroportos do Brasil”285
A fotografia foi o centro das atenções de toda mostra, pois estava profunda e
oportunamente referenciada pela conjuntura política experimentada pela sociedade
naquele momento. Curiosamente, três dias após a inauguração da exposição, em 25 de
agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência. O sucesso foi instantâneo e
amplificado pela abrangência da circulação propiciada posteriormente pelo jornal.
Como comenta Erno:
.
“A foto do Jânio toda semana sumia, roubavam, sei lá. Aí a gente
copiava de novo. Aí virou notícia. Ela saiu publicada no Caderno
B”286
285 SCHNEIDER, Erno, 2008, Op. Cit..
.
286 Idem.
259
Figura 63: Primeira página do Caderno B, Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1961.
No entanto, trata-se de uma fotografia feita quatro meses antes, que está na sua origem
associada a um acontecimento completamente diferente do fato que noticiou, inscrita
temporalmente em um contexto histórico em que as relações do presidente com a
imprensa estavam mais para aproximação do que para o embate, que foi arquivada e
resgatada para veicular uma notícia pelo seu valor semântico e não por seu status de
testemunho dos fatos tal como eles aconteceram. Sem dúvida, essa é uma nova
abordagem que utiliza a fotografia na imprensa diária como linguagem autônoma em
relação ao fato noticiado, desobrigando-a do compromisso com a “realidade objetiva” e
de retratar apenas o flagrante como prova objetiva e incontestável do texto no qual ela
está ancorada.
Tanto a exposição quanto o destaque posterior dado a fotografia “Qual o rumo?”,
estampados na capa de um jornal de grande circulação em detrimento de matérias
ligadas à ordem do dia da política nacional, evidenciam o valor diferenciado que a
260
imagem assume dentro da lógica institucional do JB à época, que contrariando os
parâmetros vigentes na imprensa diária no tocante a relação imagem e texto, escrevia
matérias ancoradas em suas fotografias, desde que elas fossem consideradas
expressivas287
Neste sentido, a valorização do trabalho dos fotógrafos como Erno contribuiu tanto para
a consolidação de uma nova experiência do leitor ao vislumbrar imagens cotidianas com
apelo à subjetividade quanto para o aprimoramento e desenvolvimento de uma prática
fotográfica na imprensa que valorizasse este aspecto plástico e subjetivo. Para Silvana
Louzada essa característica distinguia o JB de outros veículos de notícias e estava
relacionada a um habitus que constrói e influencia o gosto, sendo este o momento em
que “o jornal se afirma frente ao público de maior poder aquisitivo, associando a
fotografia que publica a um gosto diferenciado o ‘bom gosto’”.
. Nos dias que precederam a inauguração da exposição o jornal fez uma
série de capas no Caderno B com as fotografias que compunham a mostra, sinalizando
essa diferença de tratamento dada pelo veículo à utilização do recurso gráfico para a
composição de notícias e fundando uma nova identidade baseada nessa premissa.
288
De certo modo a imagem da capa do JB, embora tenha sido veiculada no bojo das
reportagens que promoveram o ataque que desestabilizou por completo o mandato de
Jânio Quadros, traz na composição estética da figura torta e atrapalhada um humor
quase pastelão que confere a ela um aspecto transgressor, que destoa do quadro geral
quando confrontada com a cobertura alarmista e virulenta promovida por outros jornais
de grande circulação como O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, que
apoiados no ataque lacerdista manifestavam-se contra o presidente Jânio Quadros.
O Estado de São Paulo do dia 20 de agosto de 1961 escreve em seu editorial uma crítica
veemente ao que classifica como “imoderado desejo de distribuir a três por dois
crachás, fitas, fitinhas e rosetas a quantos perambulem pelas cercanias do Palácio da
Alvorada”. Ao lado do editorial, na mesma página três, publicou uma matéria de três
colunas com o título: Lacerda ameaça romper com Quadros e renunciar: a crise é
contornada pelo presidente. Nela o jornal descreve o descontentamento do governador
Carlos Lacerda e de sua preocupação com as medidas adotadas pelo governo Quadros
no que diz respeito à política externa do país.
287 LOUZADA, Silvana., Op. Cit., 2009, p. 257. 288 Idem, p. 263.
261
“Acima de tudo preocupa-se – segundo afirmativas por ele próprio
feitas – com o desenvolvimento da política externa do sr. Jânio
Quadros, a qual já teria deixado de ser independente para tornar-se
contrária, ou pelo menos, inconveniente ao mundo não socialista.
Não é mais, segundo o sr. Lacerda, uma política de neutralidade, de
interesse do País, mas uma verdadeira opção em favor do bloco
comunista. A mensagem do presidente ao ‘premier’ Kruchev e
principalmente a atribuição da mais alta condecoração brasileira a
‘Che’ Guevara, no instante em que o delegado cubano se recusou a
assinar a Carta de Punta Del Este, se afiguram ao sr. Carlos
Lacerda, como uma clara definição antiamericana, uma violenta
guinada para a esquerda que contraria a linha tradicional da
política brasileira e não pode mais ser engolida em silêncio, mas
reclama uma cruzada de esclarecimento e de reação.”289
Na mesma linha a Folha de São Paulo traz uma reportagem articulada em torno da
oposição feita por Lacerda sob o título: Lacerda (após reunião com Jânio) ameaça
renunciar, e com o subtítulo: Política Externa, a opinião do governador da Guanabara
a esse respeito “absurda, perigosa e contraria o interesse nacional”. Nela, Lacerda
acrescenta considerar um “perigoso exagero, as manifestações de amizade e
confraternização ultimamente freqüentes”, referindo-se especialmente às condecorações
do aeronauta russo Yuri Gagarin
290
“tão distante assim se encontra aquela nação dos ideais e
procedimentos panamericanos, que surpresa teria havido, isso sim,
se seu nome figurasse entre os dos signatários do documento que
oficializa a Aliança Para o Progresso. Não assinando a Carta, Che
e de Che Guevara. Ainda falando sobre a política
externa do governo Jânio, Lacerda diz que “mereceria o repúdio do partido (UDN)”. E
em seu editorial:
289 Jornal O Estado de São Paulo, 20 de agosto de 1961, p. 3. 290 O cosmonauta russo é o tema de uma das imagens homenageadas no Prêmio Esso de 1962. Feita por Carlos Leonan da Tribuna da Impensa, a fotografia Gagarin, recebeu um Voto de Louvor na mesma edição do concurso que consagrou o trabalho de Erno Schneider.
262
Guevara, foi coerente. Mais coerente teria sido se nem
comparecesse à reunião. Não pretendia o representante cubano
falar a linguagem dos outros países da América (...) o que foi afinal
o sr. Guevara fazer em Punta Del Este, a não ser tentar fomentar
dissensões (...) Cuba foi transformada hoje inequivocamente em
cabeça de ponte do comunismo no continente (...).”291
Em O Globo de 22 de agosto de 1961 a agressividade da cobertura é ainda mais
evidente e direta:
“Assim já é demais, colocar no peito do falso cubano e autêntico
comunista o emblema da Cruz de Cristo é um acinte que não
expressa a vontade da nação... uma agressão aos sentimentos e
ideais do povo brasileiro”292
Provavelmente, a posterior confusão envolvendo a foto “Qual o rumo?”, que associava a
condecoração de Che Guevara ao episódio que possibilitou sua captura é fruto dessa
publicação, em que cuja proximidade de datas – fato e publicação – levam a uma ilação
baseada na correspondência entre texto e imagem típica do jornalismo. Isso é possível
graças a uma maneira de compreender os ditames do jornalismo imputando a linguagem
verbal um sobrevalor que a torna fonte primária do nexo em torno do acontecimento,
ficando a imagem, por sua vez, aquém de sua dimensão autônoma enquanto linguagem
e servindo como o elemento gráfico que apenas comprova ou ilustra o texto escrito.
Essa perspectiva começa a se alterar justamente com o movimento originado nas
disputas em torno da valorização do fotógrafo e da mobilização dos profissionais de
imagem em torno não só das reivindicações trabalhistas, mas também da afirmação das
questões identitárias e da construção dos parâmetros de uma linguagem fotográfica.
A parte isso, é importante refletir sobre alguns outros aspectos relacionados e essa
distensão que separa o ato fotográfico de sua primeira aparição pública. Uma diz
291 Folha de São Paulo, 20 de agosto de 1961, p. 3. 292 Jornal O Globo, 22 de agosto de 1961, p 5.
263
respeito a questão das esferas públicas e privadas293
Uma vez pensando a respeito da fotografia pública e, automaticamente, devemos pensar
que concerne a alguém a responsabilidade de torná-la pública, tem-se que somente
pública ela pode se constituir como um elemento que irá influenciar o campo das
práticas e representações sociais
e sua influência na trajetória do
objeto fotográfico, ou melhor, na definição de quem – sujeito ou instituição – pode
determinar a permanência desse objeto oculto, restrito ou público, em ampla circulação.
Para isso concorrem instituições de acervo, arquivos pessoais ou de colecionadores,
álbuns de família e, sobretudo, a imprensa com suas escolhas e estratégias formais,
políticas ou ideológicas capazes de fazer circular ou não as fotografias registradas com a
finalidade noticiosa. Neste caso o exemplo da fotografia de Erno é emblemático, uma
vez que ela poderia ter ficado arquivada, por circunstâncias ou correlação de forças
distintas, não se tornando, portanto, pública.
294. Deste modo, ela se define não apenas por sua
materialidade, ou como um vestígio legado para evidenciar um acontecimento do
passado, mas sobretudo com um objeto que pertence e define a cultura política295
Outro aspecto a ser considerado é a produção de sentido através das imagens,
especialmente as imagens técnicas, e o discurso em torno de um pretenso realismo. A
imagem capturada por Erno exemplifica muito bem a conjugação de texto e contexto
que se amparam mutuamente e permitem operar uma teia associativa e relacional de
significados, sensações e representações na construção de um sentido para o aquilo que
se vê. A principal chave de interpretação para a imagem em questão, e talvez até para a
definição de sua trajetória de sucesso, está intimamente relacionada com a conjuntura
de
determinada sociedade. Ao mesmo tempo em que pauta as demandas e aspirações dos
sujeitos históricos, enquadra memórias, mobiliza sentimentos e se torna um agente
potencial das transformações sociais, demonstrando que é capaz de conter
temporalidades distintas e diversas histórias por traz de sua enganadora objetividade
indiciária.
293 A noção de esfera pública está sendo apropriada das proposições de Habermas. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 294 MAUAD, Ana Maria. "Itinerários da memória - práticas fotográficas, trajetórias profissionais e os sentidos da história". Revista Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2012. Disponível em: http://nuevomundo.revues.org/63139, acessado em outubro/2012. 295 Sobre o conceito de cultura política ver: AZEVEDO, Cecília; ROLLEMBERG, Denise; KNAUSS, Paulo; BICALHO, Maria Fernanda; QUADRAT, Samantha (orgs.). Cultura política; memória e historiografia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
264
histórica de instabilidade política e crise institucional associadas ao governo e à
personalidade de Jânio Quadros, bem como de suas decisões insólitas e da contradição
inconciliável entre um programa governamental conservador e uma política externa
independente. Sem o contexto histórico em que foi veiculada, certamente a apropriação
e o impacto do retrato de Quadros com os pés trocados seria outro. Nessa mesma linha,
ainda é preciso levar em consideração que o entendimento da mensagem contida na
fotografia, e portanto sua eficiência enquanto texto jornalístico296
Por fim, também vale a pena destacar uma característica da fotografia “Qual o rumo?”
relacionada a apropriação do tempo pela imagem fotográfica, que pode ser observada na
diferença entre as datas de sua produção e publicação. Mais do que se prender ao
flagrante e ao momento de sua captura, a imagem de Jânio consegue transcender ao
aspecto instantâneo e perdurar no tempo eternizando, como foto-ícone
, depende da
decodificação da metáfora que contém, o que está relacionado ao capital cultural prévio
de quem observa e consegue efetuar o reconhecimento do personagem e da conjuntura
representados pela imagem.
297
A imagem de Jânio, flagrado numa situação adversa, adere à comicidade ao transpor
para o visual a metáfora da contradição levada ao extremo com a condecoração de um
guerrilheiro cubano em pleno contexto da Guerra Fria. De fato, foi essa a imagem de
“Jânio que ficou na retina”
, as principais
questões do período em que foi produzida. Tanto que permitiu a dilatação do instante ao
ser apropriada em um tempo distinto do de sua produção, denotando também a sua
capacidade polissêmica.
298
296 Milton Guram define o fotojornalismo como uma vertente da fotografia, para a qual a eficiência da imagem em transmitira a informação jornalística é o fator que irá determinar a qualidade do trabalho “Para nós foto boa é foto eficiente.” (grifo do autor). GURAM, Milton. Linguagem fotográfica e Informação. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.
e entrou para o imaginário popular não apenas como
memória do fato que lhe serviu de pretexto para publicação, mas como uma síntese do
personagem que enquadrou. Portanto, a fotografia de Erno transpõe os limites do jornal
e da notícia que ajudou a ilustrar ao ser reapropriada e resignifica de diversas maneiras
ao longo de sua existência. Seu próximo acampamento será em 1962 quando recebe o
297 MAUAD, Ana Maria, 2009, Op. Cit. 298 Título do artigo de Ana Maria Mauad para Revista de História da Biblioteca Nacional, disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/o-janio-que-ficou-na-retina. Acessado em: abril/2012.
265
Prêmio Esso de melhor fotografia e transforma novamente a história do fotógrafo e a
sua própria história.
Felizmente, a conjugação de fatores que levou a imagem do arquivo à exposição e da
exposição para a primeira página do Caderno B do dia 23 de agosto de 1961 concedeu a
Erno Schneider o direito de inscrevê-la no Prêmio Esso de Fotografia no ano seguinte.
De acordo com as regras do concurso para concorrer ao prêmio o material enviado à
comissão julgadora – reportagens ou fotografias – deveria, necessariamente, ter sido
publicado por algum veículo de imprensa.
“Aí (depois da publicação no jornal) a foto virou notícia, o jornal
publicou, só podia inscrever no Prêmio Esso se o jornal publicasse
a foto, aí como o jornal tinha publicado eu peguei a foto e inscrevi
ela no Prêmio Esso”299
A premiação específica para fotografia havia sido criada no ano anterior, sinalizando
para o crescimento da utilização e da importância das imagens na produção de notícias.
Na ocasião a imagem “Não matem meu cachorro” feita pelo fotógrafo Sergio Jorge para
a Revista Manchete ganhou o prêmio de melhor fotografia tendo em sua composição o
retrato de um menino desesperado diante da captura de seu cachorro pela carrocinha.
Aspectos como o flagrante, a sobreposição de planos e o apelo visual a comoção
destacam-se na imagem e valorizam a sensação de “congelamento do tempo” fixado
pela câmera do fotógrafo.
.
Em 1962 o Prêmio Esso de Fotografia contemplaria com 80 mil cruzeiros o vencedor da
competição e a inscrição devia ser “feita mediante a remessa de três recortes da
reportagem publicada com a indicação do jornal ou revista que a divulgou, data e local
de publicação, diretamente à Associação Brasileira de Relações Públicas.”300
299 SCNHEIDER, Erno. Op. Cit., 2008.
. Os
fotógrafos Ed Keffel da revista O Cruzeiro e Dílson Martins do Jornal do Brasil, ambos
reconhecidos pelo trabalho que desempenhavam, formavam a comissão julgadora do
concurso para a categoria fotografia, a qual contava com um júri específico e composto
por fotógrafos.
300 Folha de São Paulo, 31 de outubro de 1961, p. 9.
266
No dia 23 de maio do ano seguinte, na cerimônia de premiação em um almoço oferecido
pelos organizadores do prêmio na Guanabara – atual estado do Rio de Janeiro – Erno
Schneider recebia das mãos da Condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil, o
diploma com o Prêmio Esso de Fotografia (Figura 64). Na mesma ocasião o Jornal do
Brasil ainda ganhou o Prêmio Principal com a reportagem “Fraude eleitoral” de José
Gonçalves Fontes e um Destaque Especial pela matéria de Carlos Pinto, “No território
do Piuns”.
Figura 64: Entrega do Prêmio Esso de Fotografia em 1962. O fotógrafo Erno Schneider com a Condessa Pereira Carneiro - dona do Jornal do Brasil - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo.
A escolha da fotografia “Qual o rumo?” como melhor fotografia de imprensa foi
veiculada pelo Jornal do Brasil do dia 14 de abril de 1962 (Figura 65). Uma matéria de
capa, com a manchete que enfatizava a repetição da vitória do JB, trazia a imagem do
presidente Jânio Quadros “numa posição equívoca”, a chamada para a matéria completa
e as fotografias dos vencedores: José Fontes e Erno Schneider. A chamada dava
destaque para os prêmios e os vencedores.
JB vence Prêmio Esso novamente
267
“O repórter José Gonçalves Fontes e o fotógrafo Erno Schneider, do
Jornal do Brasil, conquistaram ontem os Prêmios Esso de
Reportagem e Fotografia, respectivamente, o primeiro com a série
de reportagens sôbre a fraude eleitoral, e o segundo com a foto
intitulada Qual o Rumo, em que o ex-presidente Jânio Quadros
aparece numa posição equívoca.301
”
Figura 65 - Primeira página do Jornal do Brasil de 14 de abril de 1962.
A matéria da página 4 (Figura 66) relatava com detalhes as etapas do concurso, a
expectativa da equipe, a conquista de seus profissionais e a comemoração. É
interessante notar como na notícia, apesar da auto-afirmação da excelência do jornal
estar subentendida, os créditos para os profissionais – repórter e fotógrafo –
responsáveis pelo feito não só é mantido como valorizado. Logo no início do artigo o
301 Jornal do Brasil, 14 de abril de 1961, primeira página.
268
redator afirma que o Prêmio foi trazido para o jornal por dois de seus profissionais,
valorizando-os e atribuindo ao trabalho deles o destaque que o veículo havia recebido.
Destaca-se ainda, no texto, o fato de o jornal ganhar pela primeira vez o Prêmio de
Fotografia, o que viria a acontecer muitas vezes nos anos posteriores. Seguem alguns
trechos interessantes da reportagem:
“O repórter José Gonçalves Fontes e o fotógrafo Erno Schneider
trouxeram ontem para o JORNAL DO BRASIL o Prêmio Esso de
Reportagem de 1961 e o Primeiro Prêmio de Fotografia do maior
concurso jornalístico do País. O repórter Carlos Pinto, também da
equipe JB, obteve destaque especial com seu trabalho No Território
dos Piuns.302
302 Jornal do Brasil, 14 de abril de 1961, p. 4.
”
269
Figura 66: Reportagem do Jornal do Brasil em 14 de abril de 1962, p. 4.
A reportagem segue com uma pequena biografia dos vencedores:
“O gaucho Erno Schneider, de 27 anos foi premiado com a foto
intitulada Qual o Rumo?, em que o ex-Presidente Jânio Quadros
aparece com os pés em ângulo reto e a cabeça voltada para
trás.”303
O reconhecimento pela vitória com os cumprimento da autoridade máxima do país:
303 Idem, p.4.
270
“Durante uma hora, a redação parou ontem para festejar a vitória
de José Gonçalves Fontes e Erno Schneider, que fizeram do
JORNAL DO BRASIL bicampeão do Prêmio Esso. [...] O Presidente
da República através do Chefe de seu Gabinete Civil, professor
Hermer Lima, telefonou de Brasília ao Chefe de Reportagem,
jornalista Carlos Lemos, para congratular-se pela expressiva vitória
do JORNAL DO BRASIL.304
As etapas do concurso e o prêmio:
”
“Cerca de 170 séries de reportagens e 47 fotos participaram do
concurso, cuja comissão julgadora, presidida pelo jornalista
Prudente de Morais Neto, reuniu-se várias vezes [...] O primeiro
colocado no concurso de fotos, Erno Schneider, ganhará Cr$ 80
mil.305
A expectativa e a comemoração:
”
“Fumando cigarro após cigarro, o repórter José Gonçalves Fontes
esperava na redação o resultado do concurso, enquanto o fotógrafo
Erno Schneider, que ‘adoecera’ de repente, se encontrava em casa,
na expectativa do desfecho. Confirmada a vitória, em meio à intensa
expectativa, motivada sobretudo pela onda de boatos, Fontes e Erno
(arrancado do leito pelos colegas) receberam um banho de
champanha e foram cumprimentados por todo o pessoal da
casa.306
304 Idem.
”
305 Idem. 306 Idem.
271
Figura 67: Erno carregado em comemoração à vitória do Prêmio Esso - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo.
O Prêmio Esso de Fotografia, que pela primeira vez era concedido a uma imagem
veiculada em um jornal diário, atestava não só a superioridade do fotojornalismo do JB
como o reconhecimento e a qualidade de seus profissionais. A fotografia premiada
adquire um status diferenciado em relação às demais e se torna o sinônimo de
excelência fotográfica que contribui para a delimitação dos critérios de qualidade dentro
do próprio campo. É preciso lembrar ainda que o reconhecimento conferido pela
premiação torna-se ainda mais significativa pela escolha ter sido feita por outros
fotógrafos especializados e consagrados, ou seja, uma confirmação da superioridade de
um trabalho desenvolvido atestada por seus próprios pares.
Este destaque coloca a fotografia que quase não foi de Erno em um outro lugar
simbólico, tanto em termos de significação quanto de valoração. Por um lado, a
272
trajetória desta fotografia é entrecruzada pela conquista do Prêmio Esso de 1962 e entra
para a memória do próprio concurso, assim como para uma galeria de imagens
lembradas por sua excepcionalidade. Esse movimento novamente desloca, ao mesmo
tempo em que afirma, o nexo de sentido da imagem – das contradições do ex-presidente
Jânio Quadros e do seu mandato – para a fotografia em si, com sua eficiência
jornalística e qualidade estética que lhe proporcionaram a vitória em um concurso
especializado. Uma evidência disso é a atualização da conquista do prêmio empreendida
pelas diversas citações que a imagem recebeu posteriormente e as referências da
fotografia “Qual o Rumo?” que atrelam a imagem ao prêmio de 1962, mencionando este
como sua característica principal, o que de certo modo, transpõe a eternização do
instante fotográfico para o objeto fotográfico consubstanciado na fotografia.
No entanto, poucas dessas referências – as únicas encontradas foram a da tese de
doutorado de Silvana Louzada, Prata da Casa: Fotógrafos e Fotografia no Rio de Janeiro
(1950 – 1960) e o vídeo “Erno Schneider - A História num click”, produzido pelo
LABHOI por Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel – recuperam o fato de que a origem
pública da fotografia em questão seguiu um caminho sui generis se comparada a outras
fotografias de imprensa. Ela própria se tornou notícia, sendo esta, inclusive, a razão
primordial de sua publicação no jornal e, consequentemente, de ter recebido do Prêmio
Esso. Esta informação não está presente na maior parte do material encontrado e oculta
um dado relevante acerca de sua trajetória que é o seu destaque e sucesso advindos do
reconhecimento público – dentre o público em geral e não somente entre pessoas
especializadas em fotografia – do seu aspecto inusitado e diferente do comum, através
dos visitantes da exposição de fotojornalismo promovida pelo JB. O constante “sumiço”
da fotografia é um indício desse reconhecimento.
Ainda em relação a materialidade desta fotografia é importante registrar mais um dado
que diz respeito ao seu suporte original. Na época era comum os fotógrafos editarem o
próprio material e o próprio Erno, por reconhecer a importância do material que havia
produzido, fez uma cópia ampliada quando voltou da viagem. A cópia foi para
exposição algum tempo depois e o negativo da fotografia sumiu e nunca mais foi
encontrado, relevando mais uma contingência favorável a existência da imagem
enquanto fotografia.
273
“... quando eu voltei ampliei logo. Por sinal até o negativo
desapareceu. Se eu não tivesse feito uma cópia, se não tivesse
havido aquela exposição...307
Disto podemos apreender que a relevância da fotografia como objeto antecede a sua
dimensão imagética, pois foi a partir das escolhas e da sucessão de acontecimentos que
a levaram até a exposição de fotojornalismo que a imagem pode estar em contato com
interlocutores que ressaltaram a expressividade do seu conteúdo, especialmente na
conjuntura política vivenciada à época.
”
Como ganhadora do Prêmio Esso “Qual o Rumo?” assume um lugar de destaque no rol
das imagens que foram escolhidas para figurar entre as melhores produzidas pelo
fotojornalismo nacional. Assim sendo, devido a importância e abrangência do concurso,
o prêmio lhe concede uma chancela de estar fora do considerado ordinário, um patamar
acima, excepcional. Embora tal característica já tivesse sido observada pelo seu autor e
por outras pessoas que puderam vê-la na mostra fotográfica ou no jornal, é partir do
Esso que a fotografia passa a ser objeto dotado de uma memória específica que promove
uma associação com a excelência profissional e com a superioridade informativa e
estética.
Essa memória ligada ao concurso e aos seus vencedores potencializa sua qualidade e a
transforma quando a transpõe para outros formatos. Além disso, confere a ela outros
usos e sentidos atrelados a rememoração das edições do Prêmio Esso, da relevância e
seriedade da competição. Os principais exemplos dessas novas faces estão no material
editado posteriormente com o patrocínio da empresa petrolífera para divulgar, certificar,
atualizar e, sobretudo, valorizar o seu compromisso e credibilidade junto à classe
jornalística.
Dentre essas publicações podemos destacar o material digital disponível na internet, no
sítio www.premioesso.com.br, destinado a divulgação do prêmio, com informações
acerca das futuras edições do concurso, datas e regulamento para participação. Outra
parte do espaço virtual possui um caráter memorialístico, contando com uma linha,
organizada cronologicamente, separada por décadas e com hiperlinks para cada ano. Os
hiperlinks apontam para páginas que contém um quadro geral dos vencedores daquele 307 SCHNEIDER, Erno. Entrevista, 2008, concedida à pesquisadora Silvana Louzada.
274
ano, a premiação recebida, as respectivas comissões julgadoras, e no caso das
fotografias, uma reprodução digital das que foram contempladas com o prêmio ou
receberam voto de louvor.
A fotografia de Erno Schneider encontra-se publicada no sítio (Figura 68), na página
referente ao ano de 1962 com a seguinte descrição:
“O ex-Presidente Jânio Quadros, que condecorara o ex-guerrilheiro
cubano "Che Guevara" , ainda não havia definido a política externa
do País e as dúvidas eram grandes quanto aos rumos a serem
seguidos pela Nação.”
Figura 68: Reprodução da página do site www.premioesso.com.br. Acessado em 11/05/2012.
Outros produtos referentes ao Prêmio Esso de Jornalismo são os livros “Prêmio Esso:
40 Anos do melhor em Jornalismo” e “Prêmio Esso de Jornalismo – Uma história
escrita por vencedores” encomendados pela própria companhia petrolífera em
comemoração aos 40 e 50 anos do concurso. Ambos possuem teor informativo e
memorialista relacionado à celebração da existência do prêmio e à reafirmação de sua
importância para o meio jornalístico. Por isso, concentram-se em narrar uma história de
275
sucesso tanto da premiação e quanto de seus vencedores, adotando uma perspectiva
cronológica linear, com tendência a sinalizar uma evolução do concurso e da imprensa
como um todo. A narrativa não deixa de fazer uma associação entre a iniciativa da Esso
em homenagear jornalistas e fotógrafos que se destacaram na área com o
desenvolvimento e crescimento do jornalismo no país. A grande máxima desses livros,
que justifica o sucesso do concurso promovido pela Esso, é a frase do jornalista Rui
Portilho que diz que o prêmio foi uma iniciativa de ter “jornalista julgando e premiando
um colega jornalista”308
O primeiro dos livros comemorativos editados pela Esso é mais sucinto e traz apenas
uma reprodução da fotografia “Qual o Rumo?” com as mesmas informações contidas no
sítio do Prêmio. Já a segunda publicação, feita em virtude dos 50 anos de realização do
concurso – um traço de longevidade tradicionalmente considerado um marco temporal e
bastante propício às celebrações –, traz além da relação de vencedores, uma parte
dedicada a testemunhos de jornalistas e fotógrafos que tiveram alguma ligação com o
prêmio. As reportagens e fotografias vencedoras das categorias Prêmio Principal e
Fotografia vêm com um texto explicativo. Nele são apresentados o contexto histórico do
acontecimento e a correspondência entre notícia e fato ou reportada na matéria escrita
ou retratada na fotografia.
.
Entretanto, no caso da fotografia analisada, o texto não só faz uma contextualização
histórica pautada na centralidade da figura do presidente Jânio Quadros como atribui à
fotografia uma ocasião distinta da que ela de fato aconteceu. O episódio da visita do
presidente argentino Arturo Frondizi ao Brasil, que propiciou a tomada da imagem, não
está contemplado e as circunstâncias que determinaram a publicação da fotografia
também não. Pelo contrário, o livro faz uma correspondência entre a foto e a
condecoração de “Che” Guevara, atribuindo ao acontecimento tanto a produção como a
veiculação da imagem.
Portanto, todas em todas essas apropriações o sentido da história produzido pela
fotografia altera completamente a sua trajetória enquanto objeto, embora esteja em
todos os momentos relacionados de alguma maneira ao contexto em que ela circulou. A
atualização de sua memória destaca o elemento que centraliza a atenção do expectador
na imagem: os pés trocados. E faz uma associação ao episódio que carrega em 308 Entrevista concedida por Ruy Portilho, um dos atuais organizadores do evento, ao site Photosyntesis.
276
simbolismo a mesma intensidade que a desarmonia visual dos pés desalinhados
expressa: a condecoração de Che e a extrapolação, no campo do simbólico, das
contradições do personagem figurado.
A expressividade desse personagem associado à conjuntura política e social conturbada
aciona os mecanismos de interpretação, reforçados pela legenda e pelos textos
descritivos que servem como guia para a leitura da fotografia, que se projetam nas
imagens mentais309
Por outro lado a construção do sentido está sendo operada semanticamente pela
exacerbação da contradição, ou seja, a imagem expressa visualmente a síntese do ano de
1961 e do que foi o governo de Jânio Quadros. Neste sentido, a recuperação da
condecoração do guerrilheiro cubano emerge como pano de fundo jornalístico ideal para
aquilo que está representado na imagem. Seria este o ápice da eficiência fotojornalística,
não fosse o fato de que o ato fotográfico, a publicação da imagem e a notícia não estão
relacionados entre si. Tal associação é feita em todas as descrições textuais da fotografia
presentes no material referente ao Prêmio Esso, mesmo que de forma apenas sugestiva
como é o caso do texto do site e do primeiro livro editado em comemoração aos 40 anos
do prêmio.
do expectador. Estas, por um lado, estão voltadas para o
“congelamento do tempo”, visto que a geometria da imagem fixada produz um efeito de
interrupção pelo clique da câmera, ou seja, ela possui um dinamismo e uma narrativa
intrínsecos expressos pela percepção do movimento espontâneo de Jânio Quadros
descontinuado pela irrupção do fotógrafo. Tal movimento é reforçado constantemente,
nos textos explicativos, pela associação da imagem ao flagrante, à sugestão do
instantâneo e da fixação do tempo em uma única fração de segundos.
No caso do livro 50 anos de Prêmio Esso, a configuração do texto que apoia a leitura da
fotografia sugere a realização de um trabalho de pesquisa sobre a imagem. Esta pesquisa
no entanto se mostra falha no que concerne à história da fotografia e as condições em
que ela foi obtida, pois afirma de maneira incisiva e com o tom de “verdade” uma
informação equivocada. Ainda assim, pode-se considerar que a apropriação da imagem
de um tempo por outro acaba por reforçar a sua polissemia e a existência de um sentido
visual compartilhado capaz que produzir interpretações diferentes a cada interação.
309 BELTING, Hans. Op. cit., p. 265.
277
Embora o Prêmio Esso possa ser considerado o ápice na trajetória da fotografia "Qual o
rumo?", sua força expressiva é tamanha que tornou-se um ícone que ao longo da história
política do Brasil foi utilizada como referência visual para indefinição política, ou seja,
a foto-metáfora que encerra o princípio dos tropeços e contradições dos homens no
poder. Tanto, que o recurso retórico de expor uma figura pública com os pés trocados,
tal como Quadros flagrado por Erno em 1961, tornou-se uma espécie de padrão de
composição fotográfico utilizado - e até perseguido - por fotojornalistas, em outras
circunstâncias e com outros personagens. As fotografias abaixo demonstram tal
apropriação do formato inaugurado por Jânio.
278
Figura 69: Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, 2011
Figura 70: Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, foto de Vitor Silva, Jornal do Brasil, 2011
Figura 71: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Luiz Carlos Murauskas, FolhaPress, 2012
Figura 72: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Sérgio Lim, FolhaPress, 2011
279
Figura 73: Dunga, técnico da seleção brasileira em 2010, foto do Correio Braziliense
Figura 74: Dilma Roussef, presidente do Brasil, foto de Carlos Moura, Correio Braziliense, 2011
Todas essas imagens foram publicadas parafraseando a fotografia feita por Erno
Schneider em 1961 e de certo modo rememoram e atualizam a sua história ao fazer uma
apropriação de sua composição para criar um jogo de sentidos que remetem à ideia de
contradição muito similar à conjuntura política do governo Quados e capturada com
tamanha precisão semântica pelo fragmento visual feito pelo fotógrafo gaúcho. No caso
dos exemplos acima, o reflexo da obra de Erno nos trabalhos posteriores é sempre
lembrado, trazendo à tona novamente a imagem vencedora de 1962, sua consagração na
linha do tempo do Prêmio Esso e seu papel na memória do fotojornalismo nacional. É o
caso, por exemplo, da reportagem "Kassab repete pose histórica de Jânio Quadros em
foto", publicada pela Folha de São Paulo em 25 de janeiro de 2012, a qual traz as
fotografias do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (Figura 71 e Figura 72) "posando"
no famoso movimento "não sei para onde vou", imortalizado por Jânio Quadros. Na
reportagem os fatos políticos de 1961 são relembrado e associados, ressalvando-se o
fato de se tratar de um caso de menor proporção, com a indefinição política de Kassab
ao fundar um partido sem definir as alianças políticas e o alinhamento ideológico310
310 "Kassab repete pose histórica de Jânio Quadros em foto", Folha de São Paulo, 25 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1039332-kassab-repete-pose-historica-de-janio-quadros-em-foto.shtml, acessado em dezembro/2012.
.
280
A edição do Esso de 1962, com a vitória da fotografia “Qual o rumo?”, será importante
também por um outro fator que diz respeito ao prestígio conseguido por Erno Schneider
– seu autor – e a importância desse reconhecimento para sua carreira e para a
mobilização em torno das demandas profissionais e autorais da classe de fotojornalistas.
Este foi o ano em que a primeira fotografia de um diário foi consagrada com o prêmio
principal da categoria fotográfica, abrindo a série do jornal com a trajetória mais
vitoriosa da categoria – o Jornal do Brasil – e projetou o fotógrafo Erno Schneider, que
viria a ser um dos mais importantes do setor no jornalismo brasileiro, cuja carreira
primou não só pela qualidade técnica como também por uma participação ativa nas
disputas em torno da valorização profissional do fotojornalismo.
Aproveitando a conjuntura favorável e munido do prestígio adquirido pelo prêmio, Erno
foi responsável por mudanças significativas no tratamento dado à fotografia e ao
fotógrafo nos órgãos de imprensa por onde trabalhou, reivindicando melhorias nas
condições de trabalho. Estavam na pauta das conquistas dessa época questões como o
aumento dos salários, investimento na modernização de equipamentos e o alteração na
estrutura vigente nas redações, que privilegiava o jornalista de texto em detrimento do
fotógrafo. Como relata o próprio Erno311
“Antes havia uma hierarquia, o repórter dizia: 'esse aqui é o meu
fotógrafo' ou 'bate uma chapa aqui'. Naquele tempo tinha essa
mania, o fotógrafo tinha que fazer o que o repórter mandava.
Antigamente o repórter era do dono do fotógrafo.”
:
312
Com as mudanças alcançadas o fotógrafo passa a ter seu trabalho valorizado e sua
presença nas redações torna-se cada vez mais constante, inclusive, influenciando na
tomada de decisões. Um dos exemplos dessa nova postura foram as mudanças
promovidas no jornal Correio da Manhã, iniciada com a contratação de Erno Schneider.
O fotógrafo chega ao Correio
313
311 SCHNEIDER, Erno, 2003, Op. Cit..
em 1964, assume o cargo de editor de fotografia e
investe esforços no sentido da valorização da reportagem fotográfica, o que não deixou
312 Idem. 313 O Correio da Manhã, durante muitos anos foi a referência de jornalismo no Rio de Janeiro e na década de 1950 perde terreno para o Jornal do Brasil que começa a se impor como um dos mais importantes jornais do país.
281
de significar vencer resistências impostas pelas antigas práticas hierarquizadas dentro
das “chefias” e redações. Assim, houve incremento no salário dos fotógrafos, as antigas
câmeras Rolleiflex foram substituídas pelas japonesas Pentax e Nikon, a função de
laboratorista foi instituída - desobrigando o fotógrafo da revelação das fotos - e novas
metodologia de trabalho, integrando o profissional da fotografia com a equipe de
redação, foram estabelecidas. A partir das mudanças, o Correio da Manhã
experimentaria uma das etapas mais enriquecedoras e significativas do fotojornalismo
brasileiro, com um papel atuante na crítica ao regime militar314
O reconhecimento do trabalho de Erno Schneider vai ter um peso muito significativo
nessa conjuntura de afirmação da fotografia dentro do periodismo nacional,
especialmente no caso dos jornais diários. Por intermédio do fotógrafo conquistas
importantes puderam ser efetivadas, propiciando melhorias reais no trabalho do
fotojornalista e nas relações profissionais estabelecidas dentro das redações. Dentro de
outra vertente, procede uma disputa em torno da autonomia da linguagem fotográfica
inscrita da imprensa diária, desdobrando-se em questionamentos que perpassam pela
própria conceituação e constituição textual da imagem e na interdependência desta com
os outros elementos que compõem o formato do jornal. A hierarquia do texto escrito e a
atuação do fotógrafo como uma peça alheia ao processo de produção da notícia serão
colocadas em xeque, consumando, nas publicações que investiram na reformulação
visual e na diferenciação fotográfica – casos do Jornal do Brasil e Correio da Manhã –
o processo inserção participativa e decisória do fotógrafo na dinâmica da composição do
jornal, destacando a autoria e a subjetividade semântica das imagens publicadas.
.
É um resultado do processo que se configura, a criação das editorias voltadas para a
fotografia, que valoriza o trabalho em equipe e a reunião, numa espécie de conselho
editorial, dos fotógrafos para decidir quais fotos seriam publicadas e como elas
figurariam, dispostas no jornal publicado. Assim, o poder de decidir sobre resultado
final do trabalho do repórter fotográfico passaria das mãos do diagramador e paginador
para um controle mais efetivo daquele que era o responsável pela sua elaboração inicial.
Também não se pode desconsiderar que a fotografia de Erno Schneider, constitui-se, no
momento em que é consagrada com a premiação, numa referência dentro do campo do
314 OLIVEIRA, Gil Vicente. Imagens Subversivas: Regime Militar e o Fotojornalismo do Correio da Manhã (1964-1969). Dissertação de Mestrado, 1996. Orientador: Ana Maria Mauad.
282
fotojornalismo em seu processo de formulação dos paradigmas que iriam nortear a
prática no Brasil. Neste sentido, foi investida da característica vislumbrada pela
categoria, de idealização do trabalho do repórter fotográfico, por reunir os principais
corolários do fotojornalismo moderno.
À qualidade técnica apresentada, em consonância com os limites do período em que foi
realizada, associa-se uma força semântica que aproxima a fotografia em questão de uma
perspectiva simbólica, influenciando nos conceitos fundantes de sua autonomia como
linguagem. Não se deixa de valorizar a utilização técnica de recursos, materiais ou não,
para se alcançar patamares mais elevados na referência da boa fotografia, mas o uso
desses recursos começa a ser pensado como instrumento numa construção, em que pese
a subjetividade do fotógrafo, na significação do mundo que enquadra. Assim, a técnica
vai perdendo um caráter de fim em si mesma e passa a fazer parte de uma prática
reflexiva, que pretende afirmar sua identidade lingüística, transcendendo os limites do
realismo absoluto e da objetividade purista arraigada à concepção de imagem técnica.
A partir de fotógrafos como Erno Schneider e de fotografias como “Qual o rumo” a
década de 1960 caracterizaria uma etapa da trajetória do fotojornalismo brasileiro, em
que a influência primeira dos fotógrafos estrangeiros, os quais fizeram escola na
Revistas Ilustradas vai, aos poucos, cedendo lugares a novas reflexões e pretensões,
sem, contudo, romper definitivamente com a contribuição deixada por estes. É um
período no qual a busca pela valorização profissional vai não só agrupar os fotógrafos
em torno de associações corporativas como vai desconstruir os pressupostos dos
pioneiros do ofício e reagrupá-los reflexivamente, incorporando atualizações e
subjetividades no processo de construção de uma identidade fotojornalística.
Em “Qual o Rumo?” imagem e personagem se retroalimentam na construção de um
símbolo do pitoresco, do risível, de uma crônica do absurdo, contada pelas hábeis mãos
do fotógrafo que sente a presença da foto antes mesmo dela acontecer. Confuso,
atrapalhado, desalinhado, descomposto, enfim, incoerente na forma e no conteúdo de
um projeto de nação, seja ele reivindicado pela esquerda ou direita, produzindo tão
somente a comédia de costumes e um final solitário e ainda assim incerto. Todos
flagrantes fixados pelo fotógrafo e sua câmera.
283
Se toda fotografia é uma escolha num universo de infinitas escolhas possíveis315
, a sua
existência por si só já a torna uma vencedora. A fotografia “Qual o Rumo?” analisada
nesse capítulo, a parte o fato que ganhou um prêmio em reconhecimento de sua
excepcionalidade, pode ser considerada uma vencedora várias vezes, já que as diversas
vicissitudes pela qual passou poderiam legar a ela o esquecimento completo. A
abordagem feita até aqui, procura refletir sobre o papel das imagens técnicas na
conformação de um espaço público, através dos seus processos de produzir sentido e
subjetivar o mundo, dotando a fotografia de um papel que não se relaciona apenas com
a esfera das representações, mas também da produção desse espaço, através das
interações que estão em jogo a cada interlocução, desde o ato fotográfico até o olhar do
espectador. Ao traçar a trajetória de uma única imagem a partir das três dimensões
propostas – fotógrafo, fotografado e fotografia – este capítulo procurou contribuir para
essa reflexão analisando as várias imagens inscritas em uma única fotografia e as muitas
temporalidades que ela é capaz de encerrar. O contexto de sua produção, o fotógrafo
como mediador autorizado a capturar uma impressão de mundo e o espectador que a
cada olhar reelabora a fotografia conferindo a ela um novo sentido, são elementos que
conferem a imagem técnica seu caráter múltiplo e polissêmico, permitindo que um
único fragmento congelado de um tempo passado seja resignificado em diversas
imagens e que essas imagens sejam capaz de mobilizar sentimentos, memórias e ações
que ao mesmo tempo que narram, constroem a História.
315 MAUAD, Ana. Op. Cit., 2008, p. 25.
284
Quando finalizamos um trabalho, vem à tona todo o processo que levou a sua
concretização.Pensar em concluir uma dissertação parece despertar, ao mesmo tempo,
uma consciência de tudo o que fez com ela chegasse a este ponto. Desde as primeiras
ideias e da motivação para escolher o fotojornalismo contemporâneo como tema até as
idas e vindas do processo de pesquisa que, às vezes, tomam rumos inesperados e
fornecem respostas diferentes às questões que fazemos. Sendo assim, esta conclusão
acaba por se tornar também uma reflexão, que busca dar conta de sintetizar as hipóteses
defendidas e de pensar sobre a trajetória percorrida para chegar neste momento.
Como pesquisadora, vivendo em um mundo que valoriza e às vezes preconiza a
visualidade, o interesse pela ascensão e amplificação da imagem como veículo de
comunicação na contemporaneidade foi um dos principais motivos que influenciaram a
minha pesquisa. A escolha do Prêmio Esso como elemento balizador da investigação
surgiu de questões levantadas a partir do contato com depoimentos de fotógrafos que
fizeram parte de uma das primeiras gerações de fotojornalistas do país. Nessas
entrevistas foi possível observar a recorrência de falas que diziam respeito ao processo
de valorização da atividade de fotojornalista e da importância do Prêmio Esso como
forma de reconhecimento profissional. Mas, qual foi o papel do Prêmio na constituição
do fotojornalismo contemporâneo brasileiro?
Por um lado, a premiação instituiu um espaço de consagração importante - até então
inexistente - que reconhecia a qualidade técnica e estética do trabalho dos repórteres
fotográficos e valorizava a fotografia como suporte de informação, conferindo-lhe um
lugar de destaque no âmbito do jornalismo. Ganhar um título como o Esso, reconhecido
pela comunidade jornalística e cobiçado pelos que nela atuavam, representava, sem
dúvida, um símbolo de distinção que contribuiu para minorar a diferença entre fotógrafo
e redator dentro da hierarquia das redações. Sem contar, que o fato de um fotógrafo e
seu trabalho serem contemplados num concurso especializado, inicialmente voltado
para o jornalismo, deixa claro a mensagem de que ambos - profissional e imagem -
Conclusão
285
também são parte importante, e não apenas um apêndice, no processo de produção e
circulação de notícias. É importante destacar, ainda, que para alguns fotojornalistas o
prêmio significava, além de um motivo de orgulho e satisfação pessoal, um divisor de
águas da carreira, alçando-os a um time privilegiado de profissionais que foram
agraciados com umtítulo desta importância.
O prêmio de fotografia recebido pelo fotógrafo Erno Schneider em 1962, pela fotografia
"Qual o Rumo?",é um dos melhores exemplos da contribuição do Esso para um
fotojornalista e para fotografia de imprensa como um todo. Além de ser o primeiro
concedido a uma imagem veiculada num jornal diário - o Jornal do Brasil -, o prêmio é
citado pelo próprio Erno e por seus colegas de profissão como um fator importante para
toda a classe de fotógrafos de imprensa, tanto pelo reconhecimento do trabalho autoral
quanto pela valorização atrelada a conquista pessoal, o que foi fator importante para a
mobilização desses profissionais na reivindicação das demandas trabalhistas que
estavam em pauta naquele momento.
Não se pode deixar de dizer que, a criação de um prêmio específico para fotografia,
dentro de um concurso de jornalismo é também reflexo do crescimento desta forma de
expressão dentro dos jornais no período. Outros fatores portanto, introduzidos com mais
força a partir da década de 1950, foram também importantes para que a imagem
alcançasse espaços cada vez mais privilegiados dentro das redações. Fatores esses, que
vão desde a diagramação e a ordem de publicação das matérias até grandes reformas
estruturais, passando pela profissionalização de pessoal e pela racionalização
empresarial das etapas que constituíam a publicação e circulação dos jornais. Essas
mudanças concederam à fotografia um papel de destaque nas páginas que
tradicionalmente tinham a função de reportar a palavra como principal meio de
informação e o Prêmio Esso ratificou tal perspectiva, chancelando a relevância da
fotografia com uma categoria específica de premiação.
Por outro lado, oEsso também trouxe uma contribuição importante sob o ponto de vista
da conformação de uma linguagem fotojornalística, que ajudou a forjar uma identidade
ligada a produção visual de notícias. Em um momento que o fotojornalismo se firmava
no cenário da imprensa, as imagens selecionadas pelas comissão julgadora do concurso
se apresentaram como ícones da excelência profissional dentro dos padrões
internacionais da fotografia de imprensa. Sendo assim, ajudaram a conceber e divulgar
os critérios e as práticas compartilhadas pelos melhores profissionais da imagem para
286
aliar técnica e estética na produção de registros fotográficos cuja função precípua é
informar.
Ao longo dessa trajetória de pesquisa, pude observar atentamente asfotografias
premiadas ou homenageadas com títulos secundários no concurso promovido pela Esso
e pensar sobre o que essas imagens dizem. E a resposta, ainda que incipiente pode ser:
É atribuído valor a fotografia diferente; fora do convencional, não são imagens literais,
pelo contrário, usam planos e ângulos inusitados, compõem formas pouco usuais.
Valorizam o fotógrafo, pois premiam o seu senso de oportunidade, o clique no momento
certo, mas também a sua capacidade de imprimir sua sensibilidade, subjetividade e
visão de mundo na imagem da qual é autor, ou seja, ele não é apenas um instrumento
que reporta o que vê (como um espelho do real), tem a capacidade de olhar o mundo,
significá-lo através de sua prática e mediar a relação que o espectador terá com ele. Ao
mesmo tempo, valorizam a notícia pois em alguns casos, sobretudo, parece que todo o
acontecimento, e os aspectos que orbitam em torno dele, como a dramaticidade, a
conjuntura histórica, a causa e o efeito, cabem dentro de uma única fotografia, que
extrapola os limites do fato e transcende o assunto em si, tornando-se uma representação
icônica de todo um momento histórico e de uma forma de ver e pensar o mundo: a foto-
ícone.
Não são mais os bonecos ou as fotos posadas para ilustrar a notícia, são as imagens
utilizadas nos jornais como suporte de informação, acrescentando ao texto escrito um
abordagem visual, do acontecimento que é narrado. Do mesmo modo, não são
fotografias utilizadas como provas dos fatos tais como eles aconteceram, seguindo
pressupostos positivistasque sobrevalorizam a técnica como fator determinante para
obtenção da imagem, enfatizando uma objetividade científica que autoriza a imagem a
ser evidência incontestável de uma determinada realidade material. O que não quer
dizer que o estatuto da verdade fotográfica não seja apropriado pelos veículos de
comunicação que se instituem como lugar autorizado a difusão de verdades e, elegem os
valores como objetividade, racionalidade e imparcialidade, como centrais ao projeto de
comunicar ao qual a fotografia se adequou com perfeição.
Entretanto, as imagens não revelam seus fatos em uma primeira olhada, é preciso
contextualizar o seu processo de produção e circulação para desvendar seus códigos de
significação para que a compreensão da mensagem possa se realizar. No mais, também
287
é possível notar que, no caso das imagens premiadas com o Esso, não há o didatismo
que procurou educar e introduzir o leitor de jornais médio ao universo da visualidade316
Resumindo, as imagens que venceram o Prêmio Esso têm um aspecto em comum: elas
se filiam ao projeto moderno de fotografia, embora consigam superar a ideia da
fotografia como prova documental dos fatos. Assim como estão pautadas na noção de
instantâneo, pois são valorizadas e reconhecidas pela capacidade de representar o
momento decisivo, descrito por Cartier-Bresson no seu texto de 1955
.
317
Ao mesmo tempo, não são apenas objetividade e racionalidade os critérios que levavam
uma fotografia e seu autor a ganhar uma reverência como o Esso, mas também a sua
composição estética. O que nos leva a considerar que apesar manterem seu
compromisso com a função de informar, também se vinculam ao estatuto da arte e que é
na interseção desses dois universos que as vencedoras se encontram. Técnica e estética,
na capacidade de comunicar - na eficiência
. É no equilíbrio
entre forma e conteúdo, na plasticidade que captura toda a dinâmica do movimento do
mundo e o sintetiza em uma única impressão que está a sua singularidade e
excepcionalidade. As imagens adensam espaços e tempos no fragmento fotográfico, por
isso conseguem simbolizar com tanta força os acontecimentos que noticiam
visualmente.
318
Assim, através da análise das imagens vencedoras do Prêmio Esso este trabalho
procurou abordar o contexto de produção e o modo como essas fotografias circularam
até entrarem para o rol das melhores fotografias do jornalismo nacional. Percorrendo
seu circuito e trazendo-a novamente à página do jornal ou revista que a tornou pública,
foi possível perceber que os critérios de seleção estabelecidos pelo concurso para julgar
a competência de cada trabalho se desdobram em protocolos visuais que representam
tendências daquilo que se considera uma boa fotografia de imprensa. Esses protocolos,
ajudaram a consolidar as práticas fotográficas mais valorizadas e construir, em conjunto
em transmitir uma informação - e na
composição visual - no ordenamento estético dos objetos em cena - em que a presença
do fotógrafo se deixa revelar, na desconstrução do documento-verdade através da
mediação do olhar do sujeito de sua produção.
316A referência utilizada é a abordagem de Silvana Louzada sobre as fotografias de Última Hora que promoveram uma espécie de pedagogia do olhar através da composição inovadora de suas páginas. LOUZADA, Silvana, Op. Cit., 2009, p. 127. 317CARTIER-BRESSON, Henri. O momento decisivo. Bloch Edições, nº 6, Rio de Janeiro: Bloch Editores, pp. 19-25. Disponível em: http://ciadefoto.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/03/Momento-Decisivo-Bresson.pdf, acessado em agosto/2012. 318O conceito de foto eficiente foi apropriado do trabalho de Milton Guram em GURAM, Milton. Linguagem fotográfica e Informação. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.
288
com outros fatores, uma identidade para o fotojornalismo, estabelecendo uma série de
códigos que possibilitam reconhecer uma fotografia de imprensa quando se vê.
Por fim, o último capítulo, procurou investigar a relação entre os sujeitos sociais
envolvidos no circuito em que uma fotografia circulou e a "biografia" desta imagem
enquanto objeto. Através do exercício metodológico de desmontar o ato fotográfico e
buscar as diversas interações pelas quais passa uma imagem ao longo se sua existência,
a pesquisa possibilitou inserir na análise a dimensão da experiência. Para tanto, uma das
imagens vencedoras do Prêmio Esso foi selecionada como objeto específico de análise:
a fotografia feita por Erno Schneider, "Qual o Rumo?".A partir dela, e trabalhando com
o entrecruzamento de fontes de diversas naturezas - imagens, jornais, entrevistas - foi
possível acompanhar a trajetória de uma imagem desde antes do clique do fotógrafo,
passando por sua publicação e consagração com o Prêmio Esso.
No caso desta imagem especificamente foi interessante percorrer todo esse processo,
especialmente porque, apesar dela ser um das imagens mais famosas do fotojornalismo
nacional, quase não se tornou pública, tendo em vista a série de vicissitudes pelas quais
passou. Quase sumiu por completo nos arquivos do Jornal do Brasil, quase não foi
publicada no jornal, e por pouco não poderia ter sido inscrita no concurso da Esso, o
que impossibilitaria a conquista do Prêmio que a consagrou.
Outro ponto explorado nessa parte da pesquisa foram as constantes e distintas
apropriações pelas quais passa uma fotografia ao longo de sua existência, e como são
essas resignificações que a transformam em um objeto de interesse para a compreensão
do passado. Retomando a expressão utilizada por Belting319
A cada interação um novo sentido, como pode atestar a memória construída em torno
dela, que atribui erroneamente sua produção à cobertura feita por ocasião do encontro
do presidente Jânio Quadros com o guerrilheiro argentino Che Guevara
, "Qual o Rumo?", montou e
desmontou seu acampamento várias vezes, sendo exibida pela primeira vez em uma
exposição sobre fotojornalismo, para então tornar-se notícia nas páginas do Jornal do
Brasil e migrar para a galeria das melhoras fotografias do jornalismo nacional ao
receber o Prêmio Esso.
320
319 BELTING, op. cit., p. 265.
. Sem contar
que o título de melhor fotografia de 1962 não encerrou a trajetória de "Qual o Rumo?",
visto que ela se tornou um ícone, lembrado em diversas ocasiões como sinônimo de
320No livro editado em comemoração aos 50 anos do Prêmio Esso, o texto que traz informações sobre as fotografias vencedoras afirma que Erno fez a fotografia durante o evento em que Quadros e Guevara se encontraram. Uma história escrita por vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.
289
tropeço e indefinição política, assim como sendo utilizada como referência irônica ao
representar personalidades públicas na mesma situação constrangedora em que Jânio foi
flagrado. Tudo isso, corrobora a perspectiva de que é na interação com os sujeitos
sociais de um tempo que uma fotografia se realiza como objeto histórico e se torna um
vestígio cujo significado auxilia na compreensão do passado. Deste modo, é refletindo
sobre usos e práticas comuns a uma determinada sociedade que podemos ver através de
imagens como elas são capazes de construir os sentidos da história.
290
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Vídeos
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“Imagens Contemporâneas: prática fotográfica e os sentidos da história na imprensa
ilustrada (1930-1970)”, dirigido e roteirizado por Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel.
Disponível em: http://ufftube.uff.br/video/MXGBG4SD7RB2/Erno-Schneider-1--A-
Hist%C3%B3ria-num-click, acessado em dezembro/2012.
"Prata da casa". produzido por Silvana Louzada, 2009. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=j2BNL7AbwnM e
https://www.youtube.com/watch?v=I8ZLUY3PqOA, acessado em julho/2012.
Anexo - Tabela com os dados das imagens pesquisadas
Ano Fotógrafo Título da Fotografia Veiculo Data de Publicação Título Prêmio Tema
1960 Campanela Neto Acontecimentos em aragarças Mundo Ilustrado fevereiro de 1960 Voto de Louvor -
Política Nacional
1961 Sérgio Jorge Não matem meu cachorro Revista Manchete dezembro de 1959 Melhor Fotografia Cr$ 50 mil Denúncia
1962 Jacob Rafael Soares Incidente no campo de futebol
Folha do Norte (Belém) 24 de julho de 1971
Voto de Louvor - Esporte
1962 Erno Schneider Qual o rumo? Jornal do Brasil 23 de agosto de 1962 Melhor Fotografia Cr$ 80 mil
Política Nacional
1962 Antônio Lúcio O episódio do santa maria O Estado de S. Paulo 01 de fevereiro de 1961
Voto de Louvor -
Política Internacional
1962 Reginaldo Manente A revolta dos bombeiros de são paulo O Estado de S. Paulo 15 de janeiro de 1961
Voto de Louvor - Denúncia
1962 Carlos Leonan Gagarin Tribuna da Imprensa agosto de 1961 Voto de Louvor - Cotidiano
1963 Alberto Ferreira O rei se curva ante a dor que o brasil todo sentiu Jornal do Brasil 5 de junho de 1962
Melhor Fotografia Cr$ 120 mil Esporte
1963 Sérgio Gomes Mané contrito: pelé fora de combate Jornal dos Sports 5 de junho de 1962
Menção Honrosa - Esporte
1963 Reginaldo Manente Amarildo: depois O Estado de S. Paulo 7 de junho de 1962 Menção Honrosa - Esporte
1964 Efraim Frajmund Morte no senado O Estado de S. Paulo 5 de dezembro de 1963
Melhor Fotografia Cr$ 200 mil
Política Nacional
1964 Wilson Duarte Até o impossível para marcar pelé O Globo 14 de abril de 1963 Menção Honrosa - Esporte
1965 Kaoru Higuchi Braços abertos para o novo mundo Jornal do Brasil
14 de outubro de 1964
Melhor Fotografia Cr$ 500 mil
Política Internacional
1965 Reginaldo Manente O choro do abandono O Estado de S. Paulo 15 de maio de 1965 Menção Honrosa -
Denúncia / Esporte
1965 Domício Pinheiro Torcida que perdeu O Estado de S. Paulo 22 de setembro de 1964
Menção Honrosa - Esporte
1965 Pietro Fantappiè Queda O Globo 8 de maio de 1965 Menção Honrosa - Esporte
1965 Luiz Pinto Como subir fazendo força Tribuna da Imprensa 26 de fevereiro de 1965
Menção Honrosa -
Política Nacional
1965 Joveraldo Lemos de Souza Morto em serviço Tribuna da Imprensa
Menção Honrosa Especial - Tragédia
1965 Joaquim Pinto Ribeiro Leão volta, goleia e reza Última Hora 18 de maio de 1964
Menção Honrosa - Esporte
1966 Manoel Gomes da Costa Brasil no golf internacional Correio da Manhã
05 de janeiro de 1966/31 de dezembro de 1966
Melhor Fotografia Cr$ 700 mil Esporte
1967 Antônio Andrade As tragédias de janeiro Fatos & Fotos 04 de fevereiro de 1967
Melhor Fotografia Cr$ 800 mil Tragédia
1968 Gil Passarelli De repente, a violência Folha de S. Paulo 27 de outubro de 1967
Melhor Fotografia Cr$ 1 mil
Política Nacional
1968 Edison Jansen 1º E 2º TEMPO O Estado do Paraná 15 maio de 1968 Regional
Cr$ 700 mil (Regional Grupo 4)
Política Nacional
1968 Nelson Elias O último salto Última Hora (São Paulo)
Menção Honrosa -
Não Informado
1969 Neville Makins Discípulos de hipócrates Diário de São Paulo Melhor Fotografia Cr$ 2 mil
Não Informado
1970 Darcy Trigo Herman kahn Revista Veja 19 de novembro de 1969
Melhor Fotografia Cr$ 2 mil Cotidiano
1971 Theodomiro Lopes Ferreira
ITABIRA, CIDADE DA MALDIÇÃO (Conjunto de Fotos) Diário de Minas
09, 10 ou 11 de novembro de 1970 Regional
Cr$ 2 mil (Prêmio de Imprensa Regional Região 2) Cotidiano
1971 Alberto Jacob O quase atropelamento Jornal do Brasil 18 de fevereiro de 1971
Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Acidente
1971 Hélio Augusto Ornellas Pelé vibra como torcedor Jornal dos Sports 20 de julho de 1971
Hors Concours* - Esporte
1972 Gaston Guglielmi Ilo fora do campeonato O Estado (Santa Catarina) 21 de agosto de 1972 Regional
Cr$ 2 mil (Prêmio de Imprensa Regional Região 4) Esporte
1972 José Santos Nilton santos agride armando marques O Globo
19,20 ou 21 de dezembro de 1971
Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Esporte
1973 Vlademir Barbosa O drama que parou o centro de recife Fatos & Fotos abril de 1974
Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Tragédia
1974 Antônio Carlos Piccino Incêndio do edifício joelma O Globo
2 de fevereiro de 1974
Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Tragédia
1975 Domício Pinheiro Mirandinha quebra a perna O Estado de S. Paulo 25 e 26 de novembro de 1974
Melhor Fotografia Cr$ 7 mil Esporte
1976 José Abrahan Diaz A queda Correio do Povo Não identificado Regional
Cr$ 5 mil (Regional Centro-Oeste-Sul) Acidente
1976 Mário Nunes Nascimento Cena de selvageria Diário do Paraná 31 de julho de 1976
Melhor Fotografia
Cr$ 10 mil + Diploma Denúncia
1976 Rubem Barbosa Brigadeiro eduardo gomes Jornal do Brasil 1 de julho de 1976 Menção Honrosa -
Política Nacional
1977 Ronaldo Theobald Roberto no estádio da portuguesa Jornal do Brasil 16 de maio de 1977 Melhor Fotografia
Cr$ 10 mil + Diploma Esporte
1977 Antônio Luiz Benck Vargas
Visita do ministro sylvio frota à cidade de osório (fotografia) O Estado de S. Paulo 15 de maio de 1977 Regional
Cr$ 5 mil + Diploma (Regional Sul)
Política Nacional
1978 João Carlos Rangel Grave acidente na festa da cavalaria Correio do Povo 14 de maio de 1978
Melhor Fotografia
Cr$ 15 mil + Diploma Acidente
1979 Jorge Araújo de Carvalho Projeto da anistia é intocável Folha de S. Paulo 22 de agosto de 1979
Melhor Fotografia
Cr$ 20 mil + Diploma
Política Nacional
* A inscrição foi realizada por sua filha, por desejo do autor,antes da sua morte