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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Mestrado em História Social ANA PAULA DA ROCHA SERRANO De frente para a imagem: O Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil Contemporâneo 1960 a 1979 NITERÓI 2013

De frente para a imagem: - Universidade Federal Fluminense

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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia

Mestrado em História Social

ANA PAULA DA ROCHA SERRANO

De frente para a imagem: O Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil Contemporâneo

1960 a 1979

NITERÓI

2013

ANA PAULA SERRANO

De frente para a imagem: O Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil Contemporâneo

1960 a 1979

Orientadora: Prof. Dr. Ana Maria Mauad Andrade Essus

Niterói 2013

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História Social.

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

S487 Serrano, Ana Paula.

De frente para a imagem: o Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil contemporâneo – 1960 a 1979 / Ana Paula Serrano. – 2013.

297 f. ; il. Orientador: Ana Maria Mauad Andrade Essus.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2013.

Bibliografia: f. 286-294.

1. Fotojornalismo. 2. Prêmio Esso de jornalismo (Brasil). 3. História contemporânea. 4. Fotografia. 5. Imprensa. I. Essus, Ana Maria Mauad Andrade. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título. CDD 070.49

ANA PAULA SERRANO

De frente para a imagem:

O Prêmio Esso e o fotojornalismo no Brasil Contemporâneo 1960 a 1979

Aprovada em: 12/04/2013

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________________ Profª. Drª. Ana Maria Mauad Andrade Essus – Orientadora

Universidade Federal Fluminense

______________________________________________________________________ Profª Drª Letícia Cantarela Matheus

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

_____________________________________________________________________ Profª. Drª. Silvana Louzada da Silva

Universidade Federal Fluminense

Niterói 2013

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História Social.

Agradecimentos

A lista das pessoas que participaram da minha trajetória acadêmica e de alguma maneira

contribuíram para a realização deste trabalho de pesquisa é gigantesca e, certamente,

não caberiam todos nesse agradecimento. Assim, espero conseguir nas poucas palavras

adiante contemplar a todos aqueles que participaram dessa jornada e foram

fundamentais para que ela resultasse nessa dissertação.

Em primeiro lugar, como não poderia ser diferente, devo agradecer a minha orientadora,

Profª Ana Maria Mauad, mas também a Aninha, querida, grande amiga que já posso

afirmar ser de longa data, e parte importante da inspiração para esse a realização desse

trabalho. Obrigada de verdade, pela força, pelas parcerias de trabalho, pela atenção e

dedicação com sua aluna e, sobretudo, pelo incentivo que deu aquela pressãozinha

necessária para que eu saísse da inércia e resolvesse, finalmente, enfrentar o mestrado.

Sem dúvida, foram nossas conversas, seus conselhos e a "herança intelectual" que me

motivaram a continuar na atividade acadêmica.

Logo em seguida, e nem por isso menos importante, tenho que citar o Marcelo, meu

companheiro de todas as horas - e algumas horas foram bem longas - que me

acompanhou e apoiou durante todo o processo. Agradecer a ele é um lugar comum, mas

é importante dizer, agora que posso avaliar o quadro completo, que foram dele as

palavras que de alguma maneira produziram a incentivo necessário para começar tudo

isso. Desculpe se dei trabalho, mas a culpa é sua e obrigada pela paciência nos

momentos de crise, por me aturar ao longo desse processo que nem sempre foi fácil e

até pelo suporte nas tarefas domésticas e nos assuntos extras que resolveu enquanto eu

estava imersa no mundo da dissertação. Obrigada, sobretudo, por ser um interlocutor

incansável dos meus devaneios, das idéias filosóficas e historiográficas que tanto nos

acompanharam durante esse tempo.

Dedico também este trabalho aos meus pais - Marina da Rocha e Paulo Renato Serrano

- e ao seus esforços que proporcionaram, da melhor maneira que puderam, a chance de

me manter estudando. Ambos, cada um ao seu modo, são os responsáveis diretos por

essa trajetória. Agradeço a eles por seguiram confiando na pessoa que me tornaria e por

valorizarem desde sempre a necessidade de estudar e adquirir conhecimento.

Aos professores Hebe Mattos, Mariza Soares e Paulo Knauss, assim como à Marisis de

Oliveira e a todos os amigos do LABHOI, os quais seria impossível citar nominalmente

sem esquecer de nenhum, já que faço parte desse espaço de pesquisa, trabalho e um

pouco de diversão a tanto tempo que tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com

diferentes "gerações" de bolsistas. Tenho muito carinho e gratidão pelo LABHOI e por

todos que nele estiveram, sem exceções, Sou grata por tudo o que me proporcionou

tanto acadêmica quanto pessoalmente, desde que eu ainda era uma estudante de

graduação recém-chegada à Universidade.

Aos colegas de faculdade, tanto os que conheci na graduação, dos quais alguns se

tornaram amigos pra vida toda, quanto os que encontrei ao entrar no mestrado e com os

quais pude compartilhar idéias e dividir um pouco da ansiedade e angústia de ter um

trabalho de pesquisa para concluir. Foi em contato com eles que pude relaxar um pouco

mais e compreender que haviam mais pessoas desesperadas no mundo além de mim.

Em especial ao pessoal da imagem, Lucas de Menezes, Moema Alves, Raquel Reis e os

agregados ao grupo da imagem Débora Daniel e Thiago Alves.

À Silvana Louzada, pela generosidade com material que me possibilitou aperfeiçoar

este trabalho e pelas críticas que foram de grande valia para o andamento da pesquisa.

Enfim, não quero me alongar além disso, então segue o agradecimento geral a todos que

participaram do longo processo de construção deste trabalho e que contribuíram direta

ou indiretamente para minha trajetória até aqui.

Resumo

Este trabalho analisa a relação entre o Prêmio Esso e o seu papel na consolidação do

fotojornalismo brasileiro nas décadas de 1960 e 70. O Prêmio Esso de Jornalismo é um

programa institucional, criado pela companhia petrolífera em 1955 com o objetivo de

julgar e premiar os melhores trabalhos veiculados na imprensa nacional ao longo de um

ano. Desde 1961 a fotografia vem sendo considerada uma categoria específica para

premiação contando, inclusive, com júri especializado composto por fotógrafos atuantes

e reconhecidos. Analisa-se a estreita relação entre Prêmio Esso e o fotojornalismo no

Brasil contemporâneo, ao se reconhecer a importante influência que a premiação

exerceu na consolidação de uma linguagem fotográfica própria ao fotojornalismo; e

indicar que criação de um concurso especializado demonstra o crescimento do interesse

da imprensa pela imagem como suporte de informação. Paralelamente, avalia-se que, o

prestígio e o reconhecimento proporcionado aos fotógrafos laureados com um Esso,

foram importantes para o fortalecimento da categoria profissional dentro da hierarquia

das redações. Destaca-se, por fim, a contribuição do Premio Esso para a conformação

de protocolos visuais que definem o que é hoje uma "boa" fotografia para os propósitos

da imprensa.

Palavras-chave: Fotojornalismo Brasileiro; Prêmio Esso; História Contemporânea,

Fotografia; Imprensa

Abstract

The work analyses the relationship between the Esso Award and its role on the

consolidation of the Brazilian photojournalism during the decades 1960 and 1970. The

Esso Journalism Award is an institutional program, created by the oil company in 1955,

to judge and reward the best productions of the national press all over the year. Since

1961 photography has been considered a specific category for reward counting with a

special committee which members were recruited among well-known photographers.

The close relationship between Esso Award and Brazilian photojournalism is understood

through the important influence of this prize upon the development and consolidation of

a proper language for photographs in daily press. It is also suggested that the creation of

such a prize reflects a growing demand for images as information from the press. In

parallel, it is evaluated that the prestige and the recognition given for the Esso rewarded

photographers were important for the consolidation of this professional category

considering the newsroom’ s hierarchy. Finally, it is stressed the contribution of the Esso

Award for the conformation of the visuals protocols for what is current considered

nowadays as ‘the best’ photography for press purposes.

Key words: Brazilian photojournalism; Esso Award; Contemporary History; photography; press

Sumário

Introdução ..................................................................................................................... 12Capítulo 1 A fotografia ganha o Esso ........................................................................ 21

1.1. A Esso e o Prêmio ........................................................................................... 231.2. A fotografia no Prêmio Esso ........................................................................... 48

Capítulo 2 De frente para a imagem .......................................................................... 772.1. A série: imagens vencedoras .......................................................................... 822.2. O olho da História ........................................................................................ 1042.3. Drama e Denúncia ........................................................................................ 1282.4. Momento Fotográfico ................................................................................... 1532.5. Ironia e Política ............................................................................................. 1762.6. A poética do acontecimento .......................................................................... 2022.7. De frente para a imagem ............................................................................... 222

Capítulo 3 Fotógrafo, fotografado, fotografia: trajetória de uma imagem vencedora. 224

3.1. Erno Schneider: o fotógrafo ......................................................................... 2293.2. Jânio Quadros: o presidente de pés trocados ................................................ 2403.3. Qual é o Rumo? – A fotografia que virou notícia ......................................... 249

Conclusão .................................................................................................................... 284Bibliografia .................................................................................................................. 290Anexo - Tabela com os dados das imagens pesquisadas .......................................... 299

Lista de Ilustrações

Figura 1: Anúncio do Prêmio Esso de Jornalismo de 1971. ___________________________________ 12Figura 2: Acontecimento em Aragarças, fotografia de Campanella Neto para a Revista Mundo Ilustrado - Voto de Louvor no Prêmio Esso de Reportagem, 1960 _______________________________________ 21Figura 3: Uma tragédia brasileira: os paus-de-arara, Mário de Morais e Ubiratan Lemos, O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. __________________________________________________________________ 44Figura 4: Notícia divulgada no Jornal do Brasil em 23/07/1960, página 9. ________________________ 50Figura 5: Notícia divulgada na Folha de São Paulo em 24 de julho de 1960, página 8. ______________ 52Figura 6: Correio da Manhã, 5 de janeiro de 1966. __________________________________________ 64Figura 7: Primeira página do JB de 10 de maio de 1963. _____________________________________ 69Figura 8: Jornal do Brasil de 10 de maio de 1963, página 8. ___________________________________ 70Figura 9: Jornal O Estado de São Paulo, 11 de julho de 1965, página 38. ________________________ 97Figura 10: Amarildo: depois, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa na edição de 1963 do Prêmio Esso. _______________________________________________________________________ 99Figura 11: Primeira Página do Jornal do Brasil de 7 de junho de 1962. __________________________ 99Figura 12: Reprodução do jornal O Estado de São Paulo, 7 de junho de 1962, página 21. ___________ 100Figura 13: Fotografia feita por Campanella Neto da prisão dos revoltosos de Aragarças, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1960. _____________________________________________________________ 110Figura 14: Detalhe da capa de O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963 _________________ 116Figura 15: Primeira página do jornal O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963. ___________ 117Figura 16: "Morte no Senado", fotografia de Efraim Frajmund para O Estado de São Paulo vencedora do Prêmio Esso de 1964. _______________________________________________________________ 118Figura 17: Como o pai de Collor matou senador a tiros, Folha de São Paulo, 23 de setembro de 1989, página B - 4. ______________________________________________________________________ 123Figura 18: Morto em Serviço, fotografia de Joveraldo Lemos de Souza, Menção Honrosa Especial no Prêmio Esso de 1965. _______________________________________________________________ 126Figura 19: Não Matem meu Cachorro, Revista Manchete de dezembro de 1959. _________________ 129Figura 20: Fotografia de Sérgio Jorge, vencedora do Prêmio Esso de 1961. _____________________ 131Figura 21: Sérgio Jorge fotografando Fernando e Piloto, depois do resgate do cachorro. ___________ 136Figura 22: Sérgio Jorge recebendo o primeiro Prêmio Esso de Fotojornalismo. ___________________ 136Figura 23: Choro do Abandono, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1965. ____________________________________________________________________________ 138Figura 24: Jornal O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1965, página 10. _______________________ 140Figura 25: Revolta dos Bombeiros em São Paulo, Reginaldo Manente, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1962. ____________________________________________________________________________ 144Figura 26: Barcelona, 5 de julho de 1982, fotografia de Reginaldo Manente, Prêmio Esso em 1982 ___ 145Figura 27: As Tragédias de Janeiro, fotografia de Antonio Andrade para a revista Fatos e Fotos, vencedora do Prêmio Esso de 1967. _____________________________________________________________ 147Figura 28: 1966. ___________________________________________________________________ 151Figura 29: 1696. ___________________________________________________________________ 151Figura 30: Carlos Mesquita, Menção Honrosa no Esso de 1982. ______________________________ 151Figura 31: Jorge William, 1998. _______________________________________________________ 151Figura 32: Ricardo Leoni, Jardim Botânico, 1998. _________________________________________ 152Figura 33: Custódio Coimbra, 1998. ____________________________________________________ 152Figura 34: Sérgio Borges, Avenida Brasil, 2001 ___________________________________________ 152Figura 35: Fábio Guimarães, Baixada Fluminense, 2009. ____________________________________ 152Figura 36: Mirandinha Quebra a Perna, de Domício Pinheiro, Prêmio Esso de 1975. ______________ 155Figura 37: O Estado de São Paulo, 26 de novembro de 1974, página 37. ________________________ 158Figura 38: No fim, fratura exposta, Álvaro Costa para Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1981. ___ 161Figura 39: Queda, de Pietro Fantappiè, para O Globo, Menção Honrosa no Esso de 1965. __________ 162Figura 40: Jornal O Globo de 8 de maio de 1965, página não identificada. ______________________ 164

Figura 41: Incêndio no Edifício Joelma, Antônio Carlos Piccino (Soneca), O Globo, Prêmio Esso em 1974. ____________________________________________________________________________ 167Figura 42: Jornal O Globo de 2 de fevereiro de 1974, primeira página. _________________________ 171Figura 43: Incêndio no Edifício Joelma, Pedro Martinelli, O Globo, 2 de fevereiro 1974, página 5. __ 172Figura 44: Brasil no Golfe Internacional, por Manoel Gomes da Costa para o Correio da Manhã, Premio Esso em 1966. _____________________________________________________________________ 177Figura 45: Como subir fazendo força, Luiz Pinto, Tribuna da Imprensa de 25 de fevereiro de 1965, Mensção Honrosa no Prêmio Esso de 1965. ______________________________________________ 182Figura 46: Tribuna da Imprensa, 26 de fevereiro de 1965, primeira página. ______________________ 185Figura 47: Visita do Ministro Sylvio Frota à Cidade de Osório, Antônio Luiz Benck Vargas, O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, Prêmio Esso na categoria Regional Sul em 1977 _______________ 192Figura 48: Capa do jornal O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977. _______________________ 194Figura 49: Reportagem de O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, página 35. _____________ 195Figura 50: A liberdade da motocicleta, de Evandro Teixeira, publicada no Jornal do Brasil de 18 de setembro de 1965. __________________________________________________________________ 199Figura 51: Qualquer Semelhança..., de Carlos Menandro para o Jornal de Brasília, Prêmio Esso em 1986.

_________________________________________________________________________________ 202Figura 52: O Rei se curva ante a dor que todo o Brasil sentiu, Alberto Ferreira para o Jornal do Brasil, Prêmio Esso de 1963. _______________________________________________________________ 204Figura 53: Jornal do Brasil, 3 de junho de 1962, página 18B. _________________________________ 208Figura 54: Jornal do Brasil, 5 de junho de 1962, Caderno B, primeira página. ____________________ 210Figura 55: Mané contrito: Pelé fora de combate, Sérgio Gomes, Jornal dos Sports, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1963. _______________________________________________________________ 213Figura 56: Projeto da Anistia é intocável, Jorge Araújo de Carvalho, Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1979. ____________________________________________________________________________ 216Figura 57: Primeira Página do Jornal Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979. _________________ 217Figura 58: "Qual o Rumo?", fotografia de Erno Schneider vencedora do Prêmio Esso de Fotografia de 1962. ____________________________________________________________________________ 224Figura 59: Folha de São Paulo, 21 de abril de 1961. ________________________________________ 251Figura 60: Jornal do Brasil, 21 de abril de 1961. ___________________________________________ 252Figura 61: Fotografia de Jânio Quadros e Arturo Frondizi publicada na capa do Jornal do Brasil de 21 de abril de 1961. ______________________________________________________________________ 253Figura 62: Primeira página do Jornal do Brasil de 23 de agosto de 1961. ________________________ 257Figura 63: Primeira página do Caderno B, Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1961. ________________ 259Figura 64: Entrega do Prêmio Esso de Fotografia em 1962. O fotógrafo Erno Schneider com a Condessa Pereira Carneiro - dona do Jornal do Brasil - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo. ____ 266Figura 65 - Primeira página do Jornal do Brasil de 14 de abril de 1962. ________________________ 267Figura 66: Reportagem do Jornal do Brasil em 14 de abril de 1962, p. 4. _______________________ 269Figura 67: Erno carregado em comemoração à vitória do Prêmio Esso - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo. ________________________________________________________________ 271Figura 68: Reprodução da página do site www.premioesso.com.br. Acessado em 11/05/2012. _______ 274Figura 69: Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, 2011 ________________________________ 278Figura 70: Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, foto de Vitor Silva, Jornal do Brasil, 2011 _ 278Figura 71: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Luiz Carlos Murauskas, FolhaPress, 2012 _ 278Figura 72: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Sérgio Lim, FolhaPress, 2011 __________ 278Figura 73: Dunga, técnico da seleção brasileira em 2010, foto do Correio Braziliense _____________ 279Figura 74: Dilma Roussef, presidente do Brasil, foto de Carlos Moura, Correio Braziliense, 2011 ____ 279

12

Figura 1: Anúncio do Prêmio Esso de Jornalismo de 1971.

O objetivo deste trabalho é refletir sobre o fotojornalismo contemporâneo no Brasil a

partir do Prêmio Esso de Fotografia. A hipótese central a ser desenvolvida é a de que a

criação e manutenção de um concurso especializado, patrocinado pela empresa

petrolífera Esso, voltado para o fotojornalismo constituiu-se como um dos aspectos que,

em conjunto com outros fatores como a modernização da empresa jornalística, as

mudanças de fundo tecnológico e a valorização do fotógrafo, influenciaram a

consolidação da fotografia na imprensa diária no Brasil.

Para compreender os processos históricos que apoiaram a consolidação da atividade

fotográfica na imprensa contemporânea do Brasil o recorte cronológico da pesquisa

compreende os períodos de 1960 a 1979. A partir desse recorte, que abarca a primeira

participação de uma fotografia no prêmio até o início do processo de abertura política

no Brasil, as imagens que venceram o Prêmio Esso de Fotojornalismo são analisadas,

buscando compreender os critérios que levaram umas a serem escolhidas em detrimento

de outras.

Introdução

13

Primeiramente, a própria criação de uma categoria específica para julgar e premiar

exclusivamente fotografias, na edição de 1961 do concurso, já revela o reconhecimento

de um movimento crescente de inserção da imagem técnica em espaços cada vez mais

privilegiados nos jornais diários. Movimento este que tem na década de 1950 um

importante ponto de inflexão da relação da linguagem fotográfica com o texto1

Ao mesmo tempo, pode-se considerar que o prêmio, ao organizar, reconhecer e difundir

uma ideia de fotografia de imprensa excepcional - digna de ser homenageada - também

contribuiu para a formação do fotojornalismo como campo de atuação, tanto em relação

a notabilidade e distinção conferida aos seus vencedores quanto na configuração de uma

linguagem própria que distingue a fotografia de imprensa das demais, difundindo

protocolos de visualidade e compartilhando práticas consideradas superiores, o que irá

ter também um papel no processo construção da identidade do fotojornalista e de sua

prática profissional.

, embora

as fotografias àquele momento já figurassem em profusão nas Revistas Ilustradas,

começariam nessa época a fazer parte também do cotidiano dos jornais diários.

O primeiro capítulo do trabalho se dedica a falar sobre o Prêmio Esso e a sua

importância para reconhecimento profissional do fotojornalista. O conjunto de fontes

utilizado nessa parte da pesquisa contou com depoimentos de fotógrafos que atuaram na

imprensa no recorte proposto pela pesquisa - 1960 a 1979 - e com jornais da época. A

utilização dos depoimentos procura compreender as práticas e experiências

compartilhadas e o universo profissional de atuação desses fotógrafos (formação, acesso

aos equipamentos, entrada na profissão, tratamento dispensado aos fotógrafos), bem

como inferir acerca das mudanças que ocorrem na imprensa diária que levam a uma

valorização do fotógrafo e, claro, a participação do Prêmio nesse cenário. A maior parte

das entrevistas utilizadas estão depositadas no LABHOI (Laboratório de História Oral e

Imagem) da Universidade Federal Fluminense e foram realizadas no âmbito de projetos

de pesquisa ligados à memória do fotojornalismo no Brasil contemporâneo2

1 LOUZADA, Silvana. Prata da Casa. Fotógrafos e Fotografia no Rio de Janeiro (1950 – 1960). Tese de Doutorado, Niterói, 2009, p. 13.

.

2 Tais projetos tem como objetivo incorporar, na pesquisa histórica sobre o fotojornalismo contemporâneo, narrativas sobre a prática fotográfica traduzidas em memórias de vida e relatos de profissão por meio das fontes orais. São eles: O Olho da História: fotojornalismo, cultura e memória nacional no Brasil Contemporâneo (1945-1964) (CNPq 2000-2002), Memórias do Contemporâneo: narrativas e imagens do fotojornalismo no Brasil do século XX (CNPq 2005-2008), Através da Imagem: história e memória do fotojornalismo no Brasil contemporâneo (CNPq 2002-2004) e O olhar engajado: prática fotográfica e os sentidos da história, Brasil 1960-1990, (CNPq 2011-2014).

14

As fontes textuais, pesquisadas em jornais e revistas serviram como base para

compreender um pouco da história do prêmio, a motivação de sua criação; a memória

construída pela Esso em torno dele; as regras para competição e, de alguma maneira, a

importância que os veículos de comunicação dispensavam ao concurso. Os trabalhos

acadêmicos sobre o Prêmio Esso são poucos e em quase 100% dos casos tem como foco

a premiação destinada aos jornalistas, com destaque para a tese de Marcio Castilho "Um

patrimônio dos próprios jornalistas: o Prêmio Esso, a identidade profissional e as

relações entre imprensa e Estado (1964-1978)". Existem ainda três livros sobre o

programa institucional da Esso, cuja publicação foi patrocinada pela própria companhia,

de caráter memorialista e que procuram reforçar a relação de compromisso que a Esso

estabelece com a imprensa nacional ao editar uma premiação reconhecida e conceituada

de interesse de toda a classe profissional. São edições comemorativas dos 25, 40 e 50

anos do Prêmio Esso, lançados em 1980, 1995 e 2005 , respectivamente.

Em virtude disso, a primeira parte do capítulo 1 traz um pouco da história do Prêmio

Esso, considerando a atuação da empresa no Brasil, a sua estreita relação com a

imprensa e a publicidade, enfim, buscado compor um quadro do contexto histórico que

levou uma multinacional petrolífera instalada no Brasil desde 1917 a criar e promover

de um programa institucional destinado a julgar e premiar os profissionais de imprensa

no país.

O Prêmio Esso de Jornalismo, originalmente chamado de Prêmio Esso de Reportagem,

foi criado em 1955, como um programa da empresa que objetivava homenagear os

jornalistas que mais se destacassem no cenário profissional ao longo de um ano -

intervalo em que se realizavam as edições do concurso. A ideia de criar um concurso

voltado para a classe jornalística estava, na época, profundamente vinculado a uma

tentativa da empresa de se reaproximar desses profissionais, além de fazer um trabalho

de valorização de sua marca, consideravelmente depreciada, em virtude das acusações

destinar verbas publicitárias à imprensa em troca da veiculação de reportagens de seu

interesses na disputa pela questão do petróleo. O prêmio, então, foi pensado para

associar à marca Esso valores positivos como compromisso, imparcialidade,

objetividade e isenção, caros que eram a nova e moderna imprensa que vinha se

delineando como horizonte no contexto dos anos 1950.

No bojo da disputa sobre a questão do petróleo, em que a Standart Oil (Esso do Brasil)

estava diretamente envolvida representando os interesses estrangeiros, a companhia foi

15

acusada de tentar manipular os órgãos de imprensa para que produzissem notícias

contrárias a proposta nacionalista, defendida pelo governo Vargas. Instaurou-se

inclusive uma CPI em 1947 para apurar as relações escusas que a empresa mantinha

com determinados grupos de comunicação financiando através de verbas publicitárias a

veiculação de notícias favoráveis aos seus interesses. Ao final desse processo a imagem

da empresa encontrava-se muito desgastada, e, com o sucesso da proposta nacionalista,a

marca não inspirava mais confiança, especialmente entre os donos de jornais e revistas,

já que muitos veículos foram investigados pelo governo na CPI.

Assim, em 1955, dois anos após a criação da Petrobras, e por iniciativa do jornalista

Ney Peixoto do Valle, que se inspirou no Pulitzer - programa mantido pela Universidade

de Columbia nos Estados Unidos - uma versão abrasileirada do prêmio destinado a

reconhecer os melhores trabalhos jornalísticos do país é criada pela Esso, sendo

organizado em uma parceria habilmente constituída com a ABI (Associação Brasileira

de Imprensa) - presidida à época por Hebert Moses. Devido ao descrédito em relação a

petrolífera a chancela da ABI foi uma maneira encontrada pelo próprio Ney Peixoto do

Valle de conferir credibilidade ao programa institucional da Esso e minar a desconfiança

que parte da classe jornalística tinha em relação à empresa. Todo o processo de

organização, seleção da comissão julgadora e premiação ficou a cargo da ABI, que

institui a grande marca do concurso divulgada até hoje pela companhia: "ter jornalista,

julgando e premiando outro colega jornalista". Era uma conquista que simbolizava o

reconhecimento do bom trabalho feito por seus pares, ou seja, referendado pelo grupo

ao qual você pertence.

Na edição do Esso de 1960, uma fotografia aparece como intrusa na relação dos

homenageados. Na ausência de uma premiação específica, a imagem “Acontecimento

em Aragarças”, do fotógrafo Campanella Neto, da Revista Mundo Ilustrado, recebe um

Voto de Louvor da comissão julgadora pela relevância e expressividade da cena, ao

melhor estilo fotojornalismo heroico - testemunha ocular da história, que retrata o

momento da prisão de alguns participantes de uma rebelião, promovida por oficiais da

Aeronáutica, contrária ao governo de Juscelino Kubistchek e a sucessão presidencial

que ocorreria no ano seguinte quando assumiu Jânio Quadros

16

Campanella Neto, em um depoimento publicado no livro “50 anos do Prêmio Esso de

Jornalismo”3, diz que além de agradecer a Deus em primeiro lugar, deve tudo o que

conseguiu profissionalmente à Esso e ao título que recebeu pelo reconhecimento do seu

trabalho. Como ele outros fotógrafos afirmam essa importância do Prêmio para suas

trajetórias profissionais, avaliam que a homenagem e a distinção conferida pela vitória

num concurso que era cobiçado por todo jornalista foi um elemento que catapultou

carreiras e transformou o papel dos fotógrafos consagrados dentro das relações

hierárquicas estabelecidas nas redações dos jornais. Se antes, como diz o fotógrafo Erno

Schneider, o redator se considerava o dono do fotógrafo4

O Esso potencializa, e por isso constitui-se como fator importante, essa alteração na

escala de valores entre redator e fotógrafo, ao conferir ao profissional da imagem um

título de distinção, que reconhece seu mérito profissional e é compartilhado pela

comunidade de jornalistas como válido. Tal reconhecimento serve como um fator de

equilíbrio na balança da valoração que pendia para o lado dos responsáveis pelo texto,

cuja habilidade com as letras num país de iletrados lhes conferia a distinção social e

profissional

, com a nova configuração do

jornalismo e com a valorização da imagem como suporte de informação, o fotógrafo

começa a ganhar espaço, reivindicar melhores salários, condições de trabalho e maior

autonomia para exercer sua prática. O fotojornalismo começa a se constituir como

campo profissional dentro do reduto do texto - o jornal diário - e a partir de então a

expansão é inevitável.

5

Esse é o caso de Erno Schneider, que após a vitória no Esso de 1962, passa a usar seu

prestígio para melhorar a condição de trabalho do fotógrafo de imprensa. Trabalhando

. O fotógrafo, que na maioria dos casos não dispunha de capital cultural

acumulado formalmente em instituições de ensino, tampouco provinha das classes mais

abastadas da sociedade, ganhava com o título concedido pelo Prêmio Esso o capital

simbólico que os distingue dos demais e aumenta seu peso na disputa hierárquica dentro

das redações. O fotógrafo consagrado com o Esso entra na redação de outro maneira e

irá compartilhar seu espaço de trabalho com redatores que nunca ganharam prêmios de

distinção - e o Esso é o topo a ser atingido nesse quesito - e talvez nunca os ganhe.

3 Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo. Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 12. 4 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida à Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF). 5 LOUZADA, Op. Cit., p. 76.

17

no Jornal do Brasil, à época - que era também o reduto do fotojornalismo no Rio e o

posto de trabalho mais cobiçado pelos fotógrafos e aspirantes - passa a ser disputado por

outros veículos, pois ter profissionais consagrados em seus quadros e vislumbrar a

chance de ganhar um Esso também tornara-se objetivo dos jornais e revistas, ávidos por

atestar suas qualidades perante os concorrentes. Erno vai para o Correio da Manhã e

confirma seu prestígio com o pioneirismo da fundação de uma editoria de fotografia no

jornal em questão, sendo ele o primeiro fotógrafo a ocupar o cargo de editor de

fotografia no país6

A partir dos conceitos de campo, distinção e capital simbólico desenvolvidos pelos

sociólogo francês Pierre Bourdier

. Vários fotógrafos se referem a atuação de Erno junto às empresas

como uma referência no processo de valorização do fotojornalista, citando conquistas

como a melhoria de salários (os fotógrafos que foram trabalhar com Erno no jornal O

Globo ganhavam mais que os redatores), o investimento em equipamentos mais

modernos e portáteis; e a atenuação da hierarquia que preconizava o redator em

detrimento do fotógrafo. A imagem é o novo paradigma da imprensa diária, pois além

de comunicar, vende jornal e isso é imprescindível para o sucesso das empresas

jornalísticas no país.

7

O Esso contribuiu com a mudança na relação profissional do fotógrafo, mas também

influenciou no processo que estabeleceu a fotografia jornalística como linguagem. Esse

é o tema do segundo capítulo. Nessa parte, o foco recai sobre as imagens vencedoras do

Esso, que serão analisadas segundo a abordagem histórico-semiótica

, configura-se o argumento desenvolvido nesse fase

do trabalho. Defende-se que a distinção conferida pela conquista de um Esso representa

um capital simbólico que foi utilizado para promover uma reconfiguração na hierarquia

das redações, se não invertendo a lógica que privilegiava o redator, pelo menos

equiparando às posições entre este e os profissionais da imagem, no campo jornalístico.

8, com destaque

para a noção de foto-ícone:fotografias que pela conjugação de expressividade, conteúdo

e contexto ganham uma face pública e se relacionam com a noção de acontecimento

histórico9

6 MAUAD, Ana Maria. Memórias do contemporâneo, a trajetória de Erno Schneider em foco. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/27/07.html, acessado em janeiro de 2013.

.

7 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 8 MAUAD, Ana Maria. Poses e flagrantes: Ensaios sobre História e Fotografia. Niteroi: EdUFF, 2008. 9 MAUAD, Ana Maria. Foto-ícones, a História por detrás das imagens: Considerações sobre a narratividade das imagens técnicas, 2006.

18

A abordagem procura reconhecer sobre qual tipo de fotografia de imprensa era

concedido o atributo de extraordinário, que lhe afiançaria título de distinção em relação

a todas as outras publicadas em jornais e revistas naquele ano. O que fazia dessas

imagens especiais, sem contudo perder a dimensão da informação? Pois elas não eram

fotografias amadoras, artísticas ou publicitárias, tinham o propósito da notícia, de

organizar e figurar uma visão de mundo, e ainda transmitir uma mensagem. Serão

levados em consideração, portanto, os critérios de julgamento que selecionavam

algumas imagens em detrimento de outras, refletindo sobre em que medida as

características valorizadas pelas comissões julgadoras do Prêmio Esso criaram

protocolos visuais legitimadores e definidores do fotojornalismo como linguagem.

A análise será feita com uma série de imagens arrolada na lista que relaciona os

premiados do concurso promovido pela Esso, entre os anos de 1961 e 1979. O que

constitui um conjunto de 42 imagens, englobando as vencedoras do prêmio principal e

as agraciadas com menções honrosas, votos de louvor ou, ainda, homenagens nas

categorias regionais - a partir de 1966 o prêmio muda sua configuração e cria categorias

regionais de premiação, com comissões julgadoras por estado.

A série é bastante heterogênea, com temáticas diferentes, composições distintas, planos

e enquadramentos variados e enfocando aspectos diferentes dos recursos fotográficos

disponíveis, tanto em termos de técnica quanto de assunto. Ou seja, ora são mais

plásticas e dinâmicas, ora mais estáticas e dramáticas, ou ainda, em alguns casos

valorizam o furo, a presença do fotógrafo documentando um acontecimento histórico e

em outros apelam a subjetividade. Incluindo-se as fotografias irônicas, que recorrem a

figuras de linguagem e, ainda, as que valorizam o flagrante e são podem ser

consideradas a representação típica da fotografia na era do instantâneo.

O terceiro e último capítulo deste trabalho toma uma única imagem vencedora do

Prêmio Esso e tece uma análise acerca de três dimensões da mensagem fotográfica: o

fotógrafo, o fotografado e a fotografia. Essa abordagem está pautada na investigação da

trajetória "de vida" da imagem10

10 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha – sugestões para um estudo histórico. Tempo, Niterói, v.7, n. 13, p.131-151. 2002.

,e objetiva refletir acerca da fotografia de imprensa

como objeto da cultura material e seu papel na configuração do espaço público. Ou seja,

quais seriam as implicações da publicação de uma imagem cuja função é noticiar fatos

na forma de ver e agir dos sujeitos sociais que interagem com ela e participam de seu

19

circuito? Pensando ainda na fotografia como objeto pertencente à cultura material, como

a sua existência é condicionada por diversos fatores que podem levá-la a nunca tornar-

se pública11

A fotografia escolhida para essa abordagem é a imagem "Qual o Rumo?", do fotógrafo

Erno Schneider, publicada de uma forma inusitada no Jornal do Brasil e vencedora do

Prêmio Esso de 1962. A escolha dessa fotografia é significativa, pois ela pode ser

considerada um marco no que diz respeito as transformações que levaram a fotografia

aos espaços privilegiados dentro dos diários de notícias. Na edição do Esso de 1962,

pela primeira vez um jornal diário tem seu trabalho fotográfico reconhecido como

vitorioso e a partir do prestígio alcançado por Erno com a conquista, sua atuação dentro

do campo reconfigura a correlação de forças entre profissionais da imagem e do texto

dentro das redações. Além disso, a fotografia do presidente Jânio Quadros com os pés

apontando para direções opostas - que fica meses perdida em algum fundo de arquivo, e

vem a público no exato momento em que as contradições (ou a falta de rumo) de seu

governo se agudizam profundamente, levando a renúncia do mandato presidencial - é

certamente uma das mais famosas feitas no âmbito do fotojornalismo nacional e

também uma das mais citadas. Não são poucas as imagens de políticos retratados na

mesma situação de Quadros, parafraseando a fotografia de Erno, que tornou-se um

ícone de tropeço e indefinição política, e resgatando sua história e atualizando seus

significados.

. Quais as apropriações possíveis e como a cada interação sua significação

se transforma? Em suma, quantas imagens cabem em uma fotografia?

A fotografia não foi publicada para noticiar um assunto, embora a conjuntura houvera

sido extremamente favorável. “Qual o Rumo?” é ela mesma a notícia, na primeira

página do Jornal do Brasil de 23 de agosto de 1961. A fotografia veio à publico em uma

exposição de fotojornalismo promovida pelo Jornal do Brasil como uma das iniciativas

de valorização da atividade - que tornara-se o carro-chefe do periódico e era, tanto

quanto outros assuntos, pauta para diversas páginas didáticas e de auto-promoção, que

falavam sobre a apuração técnica e estética das imagens veiculadas pelo JB. Muitos

fotógrafos, em depoimento confirmam essa vocação do JB para a linguagem

fotográfica, que estava em "outro nível", "era brincadeira" - "não tinha para ninguém".

O valor conferido a imagem, a busca pela "foto diferente", exclusiva, original e

11 EDWARDS, E. & HART, J. Introduction: Photographs as objects. In.: "Photoghaphs Objects Histories". Londres: Routledge, 2009, pp. 1-14.

20

expressiva, refletia também nos fotógrafos do jornal, que estavam entre os mais

prestigiados no cenário do fotojornalismo à época, além de ser um posto cobiçado pelos

demais.

O sucesso da imagem foi tanto, e, é claro, estava tão em sintonia com a conjuntura

política e social do país, que, como afirma Erno - seu autor - toda semana era roubada

da exposição e uma equipe tinha que ir repô-la12

Ao desmontar o ato fotográfico e inserir na análise a dimensão da experiência procurou-

se refletir sobre a importância da imagem técnica na configuração de uma cultura visual

ligada ao fotojornalismo. Ao mesmo tempo, investigar se e como essas imagens são

capazes de adensar temporalidades e espaços distintos em um único objeto, distanciando

a fotografia do conceito de representação do real. Pois, se a fotografia registra uma

acontecimento ela também constrói vários deles e através da sua existência e trajetória

promove encontros capazes de conformar olhares, enquadrar memórias e ser um agente

nos processos de produção de sentido da história.

. Além disso, não fosse o sucesso da

exposição a fotografia poderia não ter sido publicada - como foi, na primeira página do

segundo caderno do JB do dia 23 de agosto de 1961 - e, assim sendo, não poderia ser

inscrita para concorrer ao Esso e o resto da história poderia ser completamente

diferente.

12 SCHNEIDER, Erno. Entrevista, 2008, concedida à pesquisadora Silvana Louzada.

21

Figura 2: Acontecimento em Aragarças, fotografia de Campanella Neto para a Revista Mundo Ilustrado - Voto de Louvor no Prêmio Esso de Reportagem, 1960

Quando o repórter Mário de Morais13

Este capítulo busca fazer uma abordagem acerca das motivações que levaram uma

empresa multinacional instalada no Brasil desde 1912 – a Standard Oil of New Jersey –

a criar um concurso voltado para a imprensa e seus profissionais. Para tanto, dois

períodos são de fundamental importância na tentativa de compreender a atuação da Esso

no Brasil. O primeiro está delimitado entre o final da década de 1930 e a metade da

década de 1940, em que, possibilitado pelo estreitamento das relações Brasil-Estados

Unidos, sob a tutela do Estado Novo e da “Política da Boa Vizinhança”, ocorre a

desmaiou de emoção porque leu em “O Jornal”

que havia sido o primeiro ganhador do Prêmio Esso de Reportagem com uma matéria,

capa da revista O Cruzeiro, sobre a viagem de migrantes nordestinos nos caminhões

paus-de-arara, o Brasil era o país do futuro e a certeza que começava a se delinear em

toda a sociedade era a dos rumos aos quais a modernidade levaria. O ano era 1956, o

presidente Juscelino Kubitschek e seus “50 anos em 5” simbolizavam a promessa,

voltada para o futuro, de modernização. Ao mesmo tempo se configurava como um

indicador das transformações sociais, advindas do processo de desenvolvimento

iniciado nos anos do Estado Novo, que modificou os padrões econômicos e sociais.

13 Mário de Morais, à exceção da maioria dos fotógrafos nasceu em uma importante família de juristas do Rio de Janeiro, e começou a fotografar para poder fazer coberturas internacionais na revista O Cruzeiro. Atuou como fotógrafo, formando dupla com Ubiratan Lemos, na produção da matéria "Uma tragédia brasileira", consagrada com o primeiro Prêmio Esso de Reportagem em 1955, que combinava texto e fotografia para narrar a viagem de um caminhão pau-de-arara do Nordeste até a Baixada Fluminense no Rio de Janeiro.

Capítulo 1

A fotografia

ganha o Esso

22

entrada no país de empresas americanas de grande porte. Ávidas por expandir as

maravilhas do American Way of Life, por meio da conquista do mercado latino-

americano, essas empresas ingressam no Brasil e constroem suas bases juntamente com

agências de publicidade privadas, como a McCann-Erickson, e agências governamentais

norte-americanas como o Office of Coordinator of Inter-America Affairs. Esses atores

tiveram uma participação bastante ativa junto à imprensa nacional ao longo de seu

processo de modernização14

O segundo período a ser destacado, está demarcado nos anos após a Segunda Guerra,

mais especificamente entre o fim da década de 1940 e o início da década seguinte, e traz

no seu bojo uma questão que mobilizou todo o país à época: o projeto de nacionalização

da exploração do petróleo. De um lado, figuravam os interesses da empresa estrangeira,

a fim de garantir as reservas brasileiras de extração de petróleo e, ao mesmo tempo,

expandir o mercado consumidor do produto aos países do Sul da América, de outro, o

projeto nacionalizante do governo Vargas, que se empenhou na mobilização social com

a campanha “O Petróleo é Nosso”, visando ao monopólio estatal da exploração de

petróleo no Brasil. Diante da conjuntura do período, alguns dos principais órgãos de

imprensa do país, comprometidos com o aporte de recursos publicitários das

multinacionais, dentre elas da Standard do Brasil, posicionaram-se ora omitindo notícias

relacionadas ao tema, ora contrariando a proposta de nacionalização do governo e, em

alguns casos, disferindo ataques pessoais a figura do presidente Getúlio Vargas.

.

A partir disto, este capítulo procura traçar um panorama da história da Standard Oil

Company, contextualizando a sua atuação no Brasil nas décadas de 1940 e 50, tendo em

vista as motivações que a levaram a criar o Prêmio Esso. Neste período, por intermédio

da parceria com a agência publicitária McCann-Ericksson, as relações da empresa com

a imprensa nacional se estreitaram e forneceram suporte, financeiro essencialmente, a

modernização do setor. Além disso, a investigação acerca da trajetória da empresa no

país fornece subsídios para compreensão da nova tônica da propaganda institucional

implementada pela Esso, concretizada com a criação do Prêmio de Jornalismo.

Finalmente, este capítulo procura contar a história da premiação destacando o momento

em que a fotografia passa a contar com uma categoria específica dentro do concurso, 14 MONTEIRO, Erica Gomes Daniel. Quando a Guerra é um negócio: a cooperação das empresas privadas norte-americanas nos projetos desenvolvidos pelo governo F.D. Roosevelt para a América Latina no contexto da II Guerra Mundial, Tese de doutorado apresentada ao PPGHS, sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Fico.

23

julgada segundo critérios próprios e, sobretudo, analisada por uma comissão julgadora

formada também por fotógrafos profissionais. Deste a menção honrosa concedida, em

1960, a “Acontecimento em Aragarças”, fotografia de Campanella Neto para a revista

Mundo Ilustrado, passando por fotografias marcantes, como “Qual o Rumo?” de Erno

Schneider para o Jornal do Brasil – analisada no capítulo 4 – até a publicação de

coletâneas como os livros que trazem a memória dos 40 e 50 anos do Prêmio Esso, a

relação deste com o fotojornalismo constitui-se como um fator relevante no processo de

valorização profissional do fotógrafo de imprensa. Além disso, também se caracterizou

como um elemento indicador das tendências que, discutidas ao longo do processo de

consolidação do fotojornalismo brasileiro, balizariam os parâmetros definidores da boa

fotografia jornalística. De um modo recíproco, tanto a expansão da fotografia no

periodismo diário motivou a criação de um concurso especializado, quanto as imagens

vencedoras inseriram no circuito do fotojornalismo novos critérios para se pensar a

própria fotografia de imprensa.

1.1. A Esso e o Prêmio

O status de uma das maiores empresas do mundo conferido a Esso começa a ser

esboçado 1870, quando o americano John Davison Rockefeller e mais quatro sócios

fundam a Standard Oil Co.. Criada no contexto do capitalismo monopolista, numa

época em que o desenvolvimento das técnicas e tecnologias da indústria estavam sendo

forjadas por idéias advindas da racionalização do trabalho e do cientificismo positivo, a

companhia assume, rapidamente, o controle das transações que envolviam extração,

refino e distribuição de petróleo nos EUA. Em 1890, o grupo Rockfeller já havia

consolidado o seu monopólio sobre o produto que daria a tônica do século XX, com a

concentração de 30 corporações e uma abrangência no mercado que pode ser observada

no quadro abaixo.

Transporte Mais de ¾ do petróleo de Ohio, Pensilvânia e Indiana

Refino Refinava o equivalente a ¾ do óleo cru do país inteiro

Vagões de trem Tinha 50% dos vagões cisternas do país, especiais para o transporte do petróleo

Abastecimento Era responsável pelo fornecimento de 9/10 dos lubrificantes

24

ferroviários

Frota Tinha 75 vapores e 19 veleiros adaptados para servir como petroleiros

Tabela 1 – A Esso em Números. Fonte: Daniel Yergin - Historia del Petróleo, 1992, pág. 146

A rápida ascensão de John D. Rockfeller no mundo dos negócios acompanhou o

avassalador processo industrializante, que após Guerra de Secessão transformou não só

os hábitos como também a paisagem dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo em que, na

virada do século XIX para o XX, os ares da industrialização eram responsáveis pela

crescente urbanização e modernidade, também expuseram suas contradições e

trouxeram com suas mazelas a atmosfera necessária para o desenvolvimento do que foi

chamado movimento progressista, cujas preocupações serão institucionalizadas através

do New Deal. Em meio a isso tudo, diante da pressão exercida por uma opinião pública,

incipiente, porém mobilizada, o então presidente Theodor Roosevelt, em 1906, inicia

um processo judicial contra a Standard Oil Co. sob a acusação ferir o Sherman Antitrust

Ac15t, através da concentração de empresas sob uma única marca. Em 1911, o grande

monopólio de Rockfeller se pulveriza por determinação da Suprema Corte Federal

diante da ratificação da sentença proferida em 1909 que acusava a empresa da formação

de truste16

O poderio do empresário no setor petrolífero continuaria a ser exercido, agora sob

diversas e distintas fachadas, dentre as quais a da Standard Oil of New Jersey (mais

tarde Exxon), que foi a empresa escolhida para ser a marca que levaria para a América

Latina, incluindo o Brasil, os benefícios do progresso e do bem estar, difundindo o

American Way of Life e alinhando-se à propaganda da política da Boa Vizinhança. No

entanto a questão que toma corpo à época tem uma estreita relação com a manutenção

do controle das possíveis reservas de petróleo do restante da América, tendo em vista a

estagnação da descoberta de novos poços nos Estados Unidos. Junto com outras seis

majors do petróleo – BP, Royal Dutch/Shell, Chevron, Texaco, Gulf e Mobil – a

Standard Oil of New Jersey compôs o mundialmente influente grupo das Sete Irmãs.

.

15 A Lei Antitruste Americana foi formulada pelo senador John Sherman e aprovada pelo congresso americano em 1890. A nova legislação visava à regulação do mercado empresarial e ao estímulo da competição, impedindo a crescente expansão da formação de trustes - empresas que monopolizam determinado setor do mercado e devido a sua estrutura financeira e seu tamanho conseguem ditar as regras de compra e venda de mercadorias. 16 WEY, Hebe. O Processo de Relações Públicas. São Paulo: Summus, 1983.

25

A instalação da Standard Oil of New Jersey no Brasil foi autorizada pelo presidente

Hermes da Fonseca, através de um decreto assinado em 17 janeiro de 1912. Embora

suponha certa incongruência a representante de uma indústria de petróleo de porte

mundial fincar bases em um país que mal possuía estradas e automóveis, adotando o

nome de Standard Oil Company of Brazil a empresa iniciou suas atividades, pioneiras

no país, com a comercialização de “kerozene” e “gazolina” vendidos em tambores ou

tonéis. Mais tarde lançou-se na produção de outros produtos químicos como inseticidas

domésticos, produtos agrícolas, aditivo para lubrificantes, dentre outros17

Desde sua chegada ao Brasil a empresa americana Standard Oil participou e

influenciou, juntamente com outras multinacionais, diversas esferas da sociedade

brasileira. Introduziu mudanças que vão desde as necessidades de consumo, atrelando

desenvolvimento de tecnologias e propaganda, até as transformações que permearam as

comunicações e a difusão da informação através de sua ativa participação junto à

imprensa nacional. Dos anos que sucederam a instalação da empresa da família

Rockfeller no país, o período correspondente ao primeiro governo de Getúlio Vargas

serão de fundamental importância para a análise das relações entre o empresa, imprensa

e propaganda.

.

O primeiro governo Vargas, em especial a década de 1940, é de substancial importância

para a história nacional por caracterizar-se como um período de intensas mudanças que,

dentre tantos símbolos criados, fundou a idéia de revolução da sociedade brasileira.

Após 1930, o Brasil deixaria de ser a república capitaneada pela aristocracia rural e

caminharia rumo ao desenvolvimento industrial e a modernização. A ascensão de Vargas

ao poder em 1934 e a instituição do Estado Novo em 1937, corroborariam e

acentuariam essa perspectiva, personificando, na figura do líder da chamada

“Revolução”, a imagem de país do futuro.

À abordagem que se seguirá não cabe discutir os pormenores da Revolução de 1930,

refletindo acerca de seu legado para uns transformador e para outros continuístas.

Tampouco faz parte dessa proposta ocupar-se em empreender um estudo aprofundado 17 Sobre a história da Standard Oil: SCHIFFRIN, Anya e TSALIK, Svetlana (orgs.). Reportando o Petróleo: Um Guia Jornalístico sobre Energia e Desenvolvimento. Revenue Watch, Open Society Institute. Disponível em: http://www.revenuewatch.org/reports/072305po.pdf Acessado em: junho/2006. e SILVA, Ademir Brandão. Gestão ambiental na indústria: uma avaliação do comportamento dos setores químico e petroquímico com relação aos passivos ambientais e os problemas causados em torno da Baía de Guanabara. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 2001. Disponível em: http://portalteses.cict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00004203&lng=pt&nrm=iso. Acessado em: junho/2006.

26

do governo exercido por Vargas. No entanto, afim de melhor elucidar a trajetória da

Esso no Brasil, torna-se imprescindível mapear, ao longo do período, os setores em que

a atuação da empresa foi responsável por transformações nos padrões até então

vigentes. Assim como, também se torna relevante entrecruzar essas informações com os

pressupostos introduzidos pela Política da Boa Vizinhança, que impuseram diretrizes

novas no que tange os hábitos e costumes no Brasil18

Pelos rumos da política econômica do governo Vargas, é possível observar a

preocupação com a reestruturação do sistema produtivo brasileiro, de modo a diminuir a

dependência do modelo agrário exportador, inflado pelos latifúndios cafeicultores, e

investir num projeto de industrialização que pudesse ancorar, através da criação de

indústrias de base, o futuro da produção fabril nacional, até o momento, representada

pela incipiente empresa de produção de bens de consumo. Tal tarefa, embora ganhasse

destaque como alternativa para o desenvolvimento econômico frente a grande crise

mundialmente difundida pela quebra da bolsa de Nova York, esbarrava na própria

fragilidade do sistema econômico vigente, uma vez que dependia dos dividendos

gerados pela exportação de café, ao mesmo tempo em que necessitava desestimular sua

produção.

.

A chamada “industrialização restringida”, como ficou conhecido o processo de

desenvolvimento do setor, dada sua dependência do antigo sistema econômico, durante

o governo Vargas, foi levada a cabo através da forte intervenção do Estado junto aos

instrumentos econômicos à sua disposição. O governo Vargas criou o Departamento I

(também chamado D. I) para gerir a implantação da indústria de bens de produção e

atuou ele próprio como regulador econômico visando a manutenção das divisas geradas

pela agricultura cafeeira, através da compra dos estoques retidos pelo próprio governo

federal. Além disso, fomentou, através da manipulação das taxas de câmbio, o

investimento na indústria e operou sua própria transformação em investidor nos

empreendimentos produtivos de infra-estrutura.

As mudanças do período pós-30 dinamizaram o processo de industrialização brasileira e

alteraram o quadro dos setores produtivos, fazendo com que

18 MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Graal, 1985, p. 24. e OLIVEIRA, Francisco de. Crítica a Razão Dualista & Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 30.

27

as indústrias de base – metalúrgica, mecânica, de material elétrico e

de transporte – dobraram sua participação no total do valor

adicionado da indústria, enquanto que as tradicionais – textêis,

vestuário, calçados, alimentos e bebidas – tiveram sua participação

diminuída com relação a 1919.19

Outros aspectos a serem considerados dizem respeito ao estreitamento das relações

entre Brasil e Estados Unidos, através do que se convencionou denominar Política de

Boa Vizinhança. Tais aspectos serão abordados neste trabalho a partir da premissa que a

agenda política instaurada pelo governo do presidente norte-americano Franklin Delano

Roosevelt serviu como um canal para o desenvolvimento da capacidade de intervenção

das multinacionais, entre elas a Standard Oil, no Brasil. Assim sendo, não está sendo

colocado em questão qualquer tipo de relação direta entre os pressupostos levados à

tona pela Polícia da Boa Vizinhança e a criação do Prêmio Esso, até porque a cada um

cabe uma temporalidade distinta com conjunturas também distintas.

Desse modo, a demanda norte-americana por ampliar seu raio de influência – quer pela

força quer pela diplomacia – nas Américas, além de refletir uma perspectiva

característica dos desdobramentos da II Grande Guerra, também está em consonância

com a pretensão empresarial de alargamento das fronteiras do consumo de massa. A

concretização dessas idéias se deu mediante ao investimento e mobilização de um

contingente bastante significativo de recursos, os quais concentraram esforços na

conformação das potencialidades apresentadas pelo mercado consumidor brasileiro,

veiculando, através da propaganda, uma fórmula já testada com sucesso nos Estados

Unidos: o American Way of Life. Diante do desfile dos ícones da cultura norte-

americana que aportaram na América Latina, aos poucos os hábitos e costumes da

sociedade brasileira, ligados, desde então, aos traços culturais europeus (colonizadores e

colonos) foram se modificando e se afinando ao estilo “americano” de vida20

19 MENDONÇA, Sônia Regina de, op. cit., p. 33.

. Como

afirma Moniz Bandeira "as fontes da cultura européia praticamente desapareceram (...)

20 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes ensaios sobre história e fotografia. Niterói: Editora da UFF, 2008, p. 151.

28

Bye, bye-bye, good-bye, big, boy, black-out, night-club, money e outras expressões

entraram na linguagem do cotidiano"21

Os recursos mobilizados para promover a internalização do modo de vida norte-

americano atuaram nos mais diversos formatos de comunicação, tais como, imprensa,

propaganda e entretenimento, contando com a audiência e o poder de formar opinião de

veículos como o rádio, jornais e revistas e o cinema. Pode-se dizer que a criação do

Office of Coordinator of Inter-America Affairs, também conhecido como Bureau

Interamericano, no governo de Frank Delano Roosevelt, foi um dos pilares da Política

de Boa Vizinhança que mediava as relações econômicas e culturais entre Brasil e

Estados Unidos na década de 1940. O órgão, presidido por Nelson A. Rockfeller (neto

do fundador da Standard Oil, John D. Rockfeller), afiançava as ações empreendidas

pelos vizinhos do norte no Brasil e América Latina de modo a garantir adesão destes "à

causa liberal diante da expansão do nazi-facismo ao mesmo tempo que criava uma

reserva de mercado para os produtos norte-americanos durante a Segunda Guerra

Mundial"

.

22

O apelo ao consumo e a invasão dos novos e modernos produtos no mercado brasileiro

foi responsável também pela reformulação do formato e da veiculação da propaganda,

introduzindo novas fórmulas e dispositivos no campo da publicidade. Para tal,

contribuíram em muito a vinda para o país das grandes agências de publicidade norte-

americanas, dentre as quais destacam-se a J. W. Thompson e a McCann-Erickson.

Sendo que, a última, pela ligação que possuía com a Standard Oil, será de fundamental

importância nos rumos tomados pela empresa no Brasil.

. Não é por acaso, que nesta época, a propaganda, assim como seus veículos

tenham sofrido o primeiro grande salto quantitativo e qualitativo no país, e, começa a

ser esboçado a de associação empresa-imprensa-propaganda que irá se consolidar e

aperfeiçoar em seus meios e métodos, principalmente após a chegada da televisão.

Harrison McCann e Alfred Erickson, funcionários da Standard Oil, se desligaram da

companhia para fundar em Nova York, em 1912, a McCann-Erickson. Após o

desligamento da Standard, McCann e Erickson, através da empresa fundada,

continuaram responsáveis pela propaganda da marca nos Estados Unidos. A agência de

publicidade chega ao Brasil em 1935, atraída pelas possibilidades de atuação no novo

21 BANDEIRA, Moniz. Presença do Estados Unidos no Brasil: Dois séculos de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973, p. 310. 22 MAUAD, Op. Cit., 2009, p. 197.

29

mercado em expansão, mas também pela segurança da associação comercial

estabelecida com a petrolífera norte-americana, a qual permaneceu como sua única

cliente em toda América do Sul durante muito tempo.

A participação da McCann-Erickson junto a Standard Oil of Brazil irá muito além da

criação de campanhas publicitárias. A agência vai atuar como um escritório de relações

públicas e ser peça importante nos investimentos feitos pela companhia de difusão das

diretrizes da Política da Boa Vizinhança, através de intervenções na imprensa e no

rádio. O outro componente desse consórcio, que envolvia a agência de publicidade e a

empresa multinacional foi a United Press, agência de notícias considerada o principal

meio de fomento para a imprensa dedicada às diretrizes do pan-americanismo ianque.

Os dois maiores exemplos dessa tríplice parceria à época são a Revista Seleções do

Reader's Digest, a Revista Visão e o famoso noticiário Repórter Esso.

Além de marcar o período áureo da transmissão radiofônica do Brasil, O Repórter Esso,

tornou-se, ao longo da década de 1940, o grande modelo de veiculação de notícias, pois

seu formato, sintético e objetivo, influenciou não só o radiojornalismo, como também a

imprensa. Além disso, o noticiário radiofônico foi o principal instrumento utilizado na

repercussão da ideologia favorável a aproximação entre a América do Norte e a outra

América, seguindo as diretrizes dos países aliados durante a Segunda Guerra,

preconizada pelos Estados Unidos. Tanto que, sua estreia em 1941, coincide com a

entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, após o ataque da base de Perl Harbor e

à ascensão da audiência do Repórter Esso corresponde a trajetória que levou a

consolidação das relações entre Estados Unidos e Brasil.

A abrangência do noticiário era considerável e os índices de audiência expressivos.

Depois da sua estreia em 28 de agosto de 1941, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o

programa ampliou sua participação sendo transmitido também a partir da Rádio Record

em São Paulo. No ano seguinte, mais três emissoras se juntaram a rede de notícias

patrocinada pela Esso: a Rádio Inconfidência, em Belo Horizonte, Minas Gerais; a

Rádio Clube, de Recife, Pernambuco; e a Rádio Farroupilha, em Porto Alegre, no Rio

Grande do Sul. Além do Brasil, O Repórter Esso também era retransmitido para 14

países da América do Sul e Central por 59 estações de rádio. Quase dez anos depois, o

noticiário adaptou seu formato a um novo meio de comunicar, a televisão. O Seu

Repórter Esso, estreou na TV Tupi do Rio de Janeiro no dia 4 de maio de 1952, onde

permaneceu até 1970. Além do Rio de Janeiro, outras emissoras de televisão no país,

30

como a TV Difusora de São Paulo e a TV Itacolomi de Belo Horizonte, passaram a

transmitir o programa de notícias23

Outro aspecto, que torna o Repórter que se pretendeu “testemunha ocular da história”

objeto de relevância no âmbito da pesquisa desenvolvida neste trabalho, deve-se ao fato

de ter sido o mesmo um dos primeiros e mais eficientes produto da associação empresa-

imprensa-propaganda, marcando, ao mesmo tempo, o interesse e a influência da Esso no

setor das comunicações e da imprensa, o que virá a ser um elemento importante na

criação do prêmio destinado à categoria. Segundo afirma Luciano Klöckner, a

participação da empresa de combustível no programa de rádio não se resumia somente

ao anúncio de seus produtos.

.

A estratégia de associar o nome da empresa a um programa de notícias, transmitido em

emissoras de rádio populares e de âmbito nacional, fazia parte de uma estrutura

publicitária muito utilizada pelas grandes corporações estrangeiras que se instalaram no

Brasil no período e era fruto da parceria entre estas e agências de publicidade24. Tal

estrutura envolvia uma preocupação detalhada com a audiência, normas que buscavam

sempre a padronização e a oferta de notícias seguindo a lógica da venda de mercadorias

que, no caso do Repórter Esso, foi montada para dar suporte ao programa de notícias,

servindo para criar um formato jornalístico que inspirasse imparcialidade e credibilidade

aos ouvintes25

A sugestão de criar um noticiário radiofônico partiu da McCann-Erickson e a supervisão

da agência na redação e edição das matérias que iriam ao ar foi precisa e objetiva: tinha

clara a perspectiva de fazer com que, através dos artifícios da propaganda, a

popularidade e idoneidade que o noticiário representava fosse identificada na imagem

de seu patrocinador. Klöckner afirma que a agência de publicidade era responsável por

manter o padrão de qualidade do noticiário, estabelecendo as regras que deveriam ser

seguidas pelos envolvidos na produção e veiculação do Repórter Esso. Essas regras

visavam reforçar o caráter imparcial do noticioso e normatizar o seu formato,

destacando-se os princípios de "credibilidade, exatidão, pontualidade e vibração na voz

dos locutores"

.

26

23 KLÖCKNER, Luciano. O Repórter Esso: a síntese radiofônica mundial que fez história. Porto Alegre: EDPUC, 2008, p 49-54.

.

24 JUNG, Milton. Jornalismo de rádio. São Paulo: Contexto, 2005, p. 30. 25 KLÖCKNER, Luciano. Op. Cit, 2008, p. 55-61. 26 Idem, p. 56.

31

A McCann-Erickson também foi responsável, juntamente com a United Press, pela

edição um manual, adaptado de uma versão em espanhol, contendo os principais

conceitos e diretrizes que determinaram o formato e marcaram o estilo do programa de

notícias patrocinado pela Esso. Intitulado "Instruções básicas para a produção do

Repórter Esso no radio: orientação geral e sugestões para as estações de rádio, locutores

e a United Press", o manual:

"exigia redação sintética, sem adjetivos e comentários, evitando

notícias longas. A seleção de notícias deveria levar em conta o

interesse coletivo: despertando o interesse do público. Os textos

deveriam ser reduzidos, se todas as notícias fossem consideradas

importantes, adequando-as à área-tempo."27

Como já foi ressaltado, os desdobramentos da década de 1940 no Brasil são importantes

tanto pela análise da trajetória através da qual se deu o desenvolvimento da Esso

Petróleo do Brasil quanto no que diz respeito às mudanças nos campos de imprensa e

propaganda, que aportaram no país juntamente com a entrada das multinacionais,

especialmente as norte-americanas. Com elas a Standard Oil Company of Brazil, mais

tarde Esso, e seu famoso noticiário que instaurou e consolidou a parceria empresa,

imprensa e propaganda. Através do Repórter Esso, posteriormente, serão concebidas as

estratégias de divulgação e promoção das idéias que se coadunam com os interesses da

petrolífera no que diz respeito à sua oposição ao projeto de nacionalização do petróleo

brasileiro, empreendido a partir do governo de Getúlio Vargas. Em meio ao processo de

disputas políticas em torno da questão do petróleo e da normatização de sua exploração

surge mais um programa institucional que aproximou a Esso à imprensa e seus

profissionais: o Prêmio Esso de Reportagem.

Com a década de 1950, teve início o segundo mandato do presidente Getúlio Vargas,

que realizou em quatro anos um governo conturbado sob diversos aspectos, mas,

essencialmente, dentro do campo político. Tais desdobramentos políticos colocaram em

posições antagônicas o governo e as grandes corporações – especialmente a Esso e

outras petrolíferas - naquela que seria a questão do início da década de 1950: a

implantação das políticas de exploração e uso do petróleo no Brasil. Em meio a disputas

27 Idem, p. 57.

32

e crises em torno da questão do petróleo, em 1953, a Petrobras foi criada por Vargas.

Pouco depois, o presidente sucumbe à pressão política e se suicida no fatídico episódio

de agosto do ano seguinte. Da referida década, precisamente no ano de 1955, também

faz parte a realização da primeira edição do Prêmio Esso ou Esso's boy como ficou

conhecido nas redações dos profissionais de imprensa

Mesmo que, inicialmente, os postos transnacionais da Standard Oil of New Jersey

tenham se restringido a criar mercado consumidor para alguns derivados simples de

petróleo, a iminência e a atmosfera tensionada que antecedeu e perdurou durante da

Primeira Guerra, as necessidades da industrialização em expansão e todos os elementos

que compunham a conjuntura internacional no início do século, dotaram o processo de

expansão da petrolífera pelos países da América do Sul de perspectivas de manter

nesses países reservas de petróleo, garantindo a concessão da exploração do bem

material de maior valor comercial e logístico dos “tempos modernos”. Deste modo, a

atuação da empresa no Brasil não diferiu, de modo geral, em intenções e ações das

empreendidas nos vizinhos da parte sul do continente, contando, segundo afirma a

bibliografia sobre o tema28

Um dos muitos exemplos dessa prática ocorreu no Brasil, em 1932, quando o Ministério

da Agricultura contratou o geólogo lituano, especialista em pesquisa de petróleo, Victor

Oppenheim para emitir um parecer decisivo sobre a viabilidade da exploração de

petróleo em terras brasileiras. Apesar dos rumores, que desde 1933 afirmavam a

existência de petróleo na Bahia, o laudo do especialista atestava que o investimento na

prospecção não era viável, visto que a pesquisa comprovara inexistência de petróleo na

região do Recôncavo Baiano (cidade de Lobato). À época, foi grande a especulação

sobre o acumpliciamento entre o técnico e as grandes companhias estrangeiras de

petróleo na omissão de dados, pois em novembro de 1938 a cidade de Lobato começou

a operar seu primeiro poço. E, ainda assim, somente dois meses depois, em janeiro de

1939, foi divulgada a primeira notícia nos jornais.

, com pesquisas de prospecção direcionadas a confirmar a

existência de possíveis jazidas e, visando garantir a manutenção inexplorada de

reservas, a omissão de resultados.

Não pertence ao escopo desta pesquisa fazer uma incursão aprofundada na questão que

sucedeu a disputa pelo controle do usufruto do petróleo no Brasil, até mesmo pela

28 COUTINHO, Lorival e SILVEIRA, Joel. O petróleo do Brasil: traição e vitória. Rio de Janeiro: Livraria Editora Coelho Branco, 1957.

33

complexidade do debate que se alargaria até 1953 com a criação da Petrobrás. A

abordagem dessa temática está pautada, principalmente, no tratamento dispensado pela

imprensa nacional ao desenrolar dos fatos. Mais do que isso, do atuante papel do tripé

empresa-imprensa-propaganda, o qual tratou de investir em uma articulação publicitária

e jornalística com o intuito de conformar na opinião pública a ideia de que a intervenção

de uma companhia estrangeira – a Standard Oil foi a mais proeminente neste aspecto –

na exploração de petróleo no Brasil traria muito mais benefícios ao país do que o

monopólio estatal, difamado pela maior parte dos meios de comunicação29

Tendo isso em vista, pode-se analisar com maior clareza a participação da Esso na

defesa de seus interesses e do futuro de seus negócios no Brasil, lembrando que o país

representava tanto a potencialidade de extração como um vasto e promissor mercado,

ainda inexplorado, dos subprodutos e derivados do petróleo. A disputa entre os campos

nacionalista e estrangeiro na questão do petróleo foi permeada pelos ingredientes de

uma agitada história de bastidores do poder. Do lado das multinacionais, contou com a

pressão exercida em diversas instâncias, que vão desde as manobras políticas junto à

câmara e ao senado até o arremedo de linhas na imprensa acerca das vantagem do

combustível que movia a humanidade. Do lado do governo de Vargas, agora sem os

poderes de censura abolidos com o fim do Estado Novo, as alianças políticas, inclusive

as suprapartidárias, e intensa propaganda institucional nacionalista – com o slogan “o

petróleo é nosso” - através da rádio estatal, caracterizavam a tentativa de aprovação do

monopólio do Estado sobre o controle do usufruto do petróleo.

.

Os tempos de modernidade e democracia pós-guerra que caracterizaram a década de

1950, também foram o período em que se assistiu a intensificação da participação dos

empresários e suas grandes corporações no controle dos meios de comunicação. Esses

são resultados do trabalho Free and a Responsible Press, desenvolvido em Harvard, o

qual aponta para a conclusão de que a sociedade americana apresentava um preocupante

quadro de concentração dos meios de comunicação do pensamento30

29 Apesar da pressão exercida por boa parte da imprensa ao defender os interesses das companhias estrangeiras na questão do petróleo, a disputa era polarizada e alguns jornais como A Noite, Correio da Noite, O Radical e Última Hora eram favoráveis à postura nacionalista. RIBEIRO, Ana Paula Goulart, Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, UFRJ, 2000.

. No Brasil, em um

cenário em que a maioria das grandes corporações são estrangeiras, a relação que estas

estabeleciam com a imprensa não poderiam ser diferentes e o principal mecanismo de

pressão sobre o conteúdo veiculado pelos meios de comunicação era o publicitário, ou

30 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977, pp. 459-468.

34

seja, os altos rendimentos provenientes dos anúncios dessas empresas nos jornais, de

certa forma asseguravam a manutenção da cumplicidade entre os participantes deste

negócio. É importante destacar que a conjuntura imposta nesse contexto é a da transição

da imprensa artesanal à industrial, caracterizada por Werneck Sodré, a qual ao mesmo

tempo em que apresenta os problemas decorrentes da crise do setor, lança as bases do

modelo de jornalismo que irá prevalecer a partir de então.

Neste período a propaganda institucional e os gastos com publicidade da Esso e outras

empresas do ramo crescem em quantidade e em recursos, bem como o número de

agências de publicidade através das quais as corporações financiavam os veículos de

imprensa. O Brasil passou a ter na década de 1950 cerca de 300 mil agências

publicitária, o que é um número expressivo frente às 50 mil que existiam na década

anterior31

Restringindo o foco sobre a companhia Esso Brasileira de Petróleo, essa perspectiva se

estende, uma vez que, além de atuar através dos investimentos publicitários, a

petrolífera intensifica sua participação junto aos meios de comunicação vinculando sua

marca a eles. Deste modo a intervenção da empresa na produção e conteúdo dos

programas que patrocina será feita de maneira direta, e, mesmo a parceria com a agência

McCann-Erickson e a United Press Associations (UPA), não irá garantir a“isenção” e

“imparcialidade” na transmissão alardeada por seus produtores.

.

O mais emblemático exemplo dessa atuação – o noticiário radiofônico O Repórter Esso,

que em 1952, é complementado por sua versão televisiva O Seu Repórter Esso – foi um

dos principais veículos através do qual a companhia multinacional pôde amplificar suas

intenções e interesses. No entanto, ao contrário do que se imagina, com base na

credibilidade conquistada pelo Repórter ao longo dos anos em que esteve no ar e no

sucesso de sua fórmula dinâmica e telegráfica, por decisão da própria Esso, a presença

de reportagens acerca da questão da exploração do petróleo no Brasil foi praticamente

nula durante todo o processo que iria resultar na criação de Petrobrás em 1953. De

acordo com Luciano Klöckner, a estratégia da multinacional no que diz respeito ao

assunto que mobilizou o país durante o início dos anos 1950, correspondeu à supressão

do mesmo das pautas dos principais programas de notícias do país. A posição assumida

nos noticiários patrocinados pela Esso, contrastava com a perspectiva adotada pela

31 RIBEIRO, Ana Paula Goulart, Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 1950. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, UFRJ, 2000.

35

Rádio Nacional – pertencente ao governo – que teve em 1952 uma produção de matérias

muito superior aos outros anos. Na pesquisa estatística feita por Klöckner, no atípico

ano, justamente devido ao envolvimento da Rádio na campanha “O Petróleo é Nosso”,

foram redigidas 749.554 linhas ou o equivalente a 8.245.094 palavras contra 533.309

linhas em 1951; 636.472 linhas em 1953; 637.661 em 1954; e, em 1954, 678.647

linhas32

Na outra frente aberta pela Standard do Brasil para conter o crescimento da intensa

campanha do governo a favor do monopólio estatal da exploração do petróleo, está o

abastecimento dos principais jornais brasileiros com receitas provenientes de

publicidade. Mas, como publicidade no contexto da comunicação empresarial não

significa apenas o anúncio do produto a ser comercializado destacado no jornal em

espaço destinado a esse fim, matérias como “Petróleo – o fabuloso morador do subsolo”

e “Petróleo – uma epopéia do mundo contemporâneo”

.

33

A crise política esboçada no processo de nacionalização do petróleo se intensificou com

o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954. No entanto, antes disso, em 1953, foi

criada a estatal Petrobrás para gerir, em regime de monopólio, a exploração do petróleo

em solo brasileiro. Muito além da empresa, a Petrobrás, erigiu-se e constituiu-se ao

longo dos anos posteriores como mais um dos símbolos nacionais, talvez o último, do

governo Vargas.

, ambas publicadas no Diário

de Notícias, ressaltavam a importância da experiência agregada pela indústria

petrolífera estrangeira na extração e refino do produto e, ao mesmo tempo, a

contribuição que esta experiência poderia representar para o Brasil. Além da propaganda

divulgada como notícia, a disputa nas páginas dos jornais era munida de ataques a

figura do presidente Getúlio Vargas e ao seu plano nacionalizante, aumentando a

pressão sobre a turbulência política que já se anunciava.

Dos saldos da disputa em torno da questão do petróleo nacional, um deles, em

particular, se insere de modo substancial neste trabalho corroborando o que até então foi

explicitado acerca da influência exercida pela Esso junto aos meios de comunicação.

Em 1957, sob o comando do deputado Luthero Vargas (filho de Getúlio Vargas),

instaurou-se na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar de Inquérito para

32 KLÖCKNER, Luciano. Op. cit., 2008, p. 61. 33 RABELO, Genival. A Guerra continua.. Revista Brasil Semanal. São Paulo, ano I, nº 17, janeiro de 1966, p. 4.

36

investigar a atuação da Standard Oil e da companhia inglesa Shell na política e na

imprensa nacionais, apurando a vinculação entre contratos de publicidade, a publicação

de matérias do interesse dos anunciantes e também a omissão dos assuntos que

pudessem ser prejudiciais a imagem e às intenções desses anunciantes. Em suma, o teor

do relatório procura dar conta de elucidar e punir aquilo que foi considerado pelos

relatores como uma espécie de censura interna das redações, exercida pelo poder

econômico de grandes empresas estrangeiras.

O período de maior destaque nesta investigação é justamente o início dos anos de 1950,

em que, devido à disputa política pelo petróleo e a grande demanda de informação e

interesses em jogo, a associação empresa-imprensa-propaganda torna-se mais evidente e

volumosa. Um outro fator que mobilizou a CPI nesta direção foram as palavras finais de

Vargas, deixadas em sua carta-testamento, culpando as “aves de rapina” e as “forças e

interesses contra o povo” do desgaste político do qual resultou seu suicídio. A

contrapropaganda representada pela carta e a vitória da campanha “O Petróleo é

Nosso”, ambas de caráter nacionalista, muniram a classe política associada a tal ideário

do entorno necessário a um engajamento direcionado a pressionar as multinacionais

estrangeiras, que até então concentravam amplos poderes no quadro da política

brasileira.

As conclusões elaboradas no relatório da Comissão comprovam a ligação entre a Esso e

a McCann-Erikson desde 1935, quando a última veio se instalar no Brasil, e a

distribuição de verbas destinadas a publicidade quase que exclusivamente aos veículos

que se posicionavam contra a nacionalização do petróleo. Os trechos a seguir

demonstram essa perspectiva:

A opinião popular pode também ser bastante influenciada através

da propaganda. Os modernos métodos dessa propaganda, acessíveis

preferencialmente ao poder econômico, continuem, sem dúvida,

poderosa arma de ação política, capaz de influir de maneira

decisiva nas deliberações do poder público [...] e as lacunas legais

37

possibilitam aos grupos econômicos o exercício da efetiva censura

no noticiário do meios de divulgação.34

Como grandes clientes, as distribuidoras exercem forçosamente

notável influência sobre as agências de publicidade, levando-as

também a seguir os mesmos critérios na colocação das verbas de

outros clientes. Esse efeito de arrastamento canaliza a maior

parcela da importância total gasta em publicidade, mais de 9

milhões de cruzeiros em 1957, para órgãos de divulgação dispostos

a colaborar na defesa dos interesses dos trustes, e subtraindo a

viabilidade econômica aos que persistam em posição de

independência.35

De um balanço final da CPI emergem os dados acerca das atividades desenvolvidas pela

Standard, as quais envolviam 25 milhões ao ano para cobrir gastos com publicidade e

uma verba de 17 milhões de cruzeiros destinada ao setor de relações públicas da

empresa. E, ainda, a participação da companhia, através da McCann-Erickson, em

grandes jornais no Rio de Janeiro e em São Paulo como: o Correio da Manhã, Diário da

Noite, O Globo, Tribuna da Imprensa, O Dia, Jornal do Brasil, Luta Democrática, O

Estado de São Paulo, Diário de São Paulo, A Gazeta, Folha da Manhã, dentre outros,

todos defensores da participação estrangeira na questão do petróleo. As duas exceções

levantadas por Luciano Klöckner, foram a Última Hora e o Correio Paulistano, que

mesmo sendo de tendência nacionalista anunciavam os produtos da empresa.

A criação da Petrobrás, em 1953, significou a predominância da vertente nacionalista na

questão do petróleo. Neste contexto, a imagem institucional de empresas como Esso

Standard do Brasil36

34 Diário Oficial do Congresso Nacional, 1959, p. 794.

, com matriz nos Estados Unidos e atuando de modo global em

setores diferenciados e em diversos países, teve um considerável desgaste junto a

opinião pública. Mesmo que essa opinião pública estivesse, no seu ainda incipiente

35 Idem, p. 798. 36 A companhia mudou seu nome no Brasil, em 1953, de Standard Oil Company of Brazil para Esso Standard do Brasil, possivelmente, pela associação da marca ao noticiário Repórter Esso, que representava credibilidade e também um grande sucesso de audiência.

38

processo de formação em países como o Brasil, os setores de relações públicas e

comunicação empresarial já se desenvolviam e a preocupação com a imagem da

empresa já se configurava como pauta na agenda de seus donos. Assim, em meio a

pressões políticas, denúncias de favorecimento e cooptação da imprensa e a necessidade

de manter uma imagem institucional positiva a companhia irá ser aproximar os

profissionais formadores de opinião atuando muito além do marketing e da publicidade

convencionais.

A criação do Prêmio Esso de Reportagem em 1955 vem responder a uma demanda,

comercial e publicitária, que preza pela construção de uma imagem de instituição

comprometida com interesses maiores do que sua lucratividade. Como estratégia de

marketing empresarial, o investimento de recursos e esforços na criação de uma

premiação que prestigiava o desempenho dos profissionais de imprensa funcionou como

uma contrapropaganda das acusações e estereótipos criados em torno das multinacionais

ligadas ao petróleo, as quais fomentaram a campanha contra o governo tentando minar

prerrogativas nacionalizantes para a exploração do produto. A Standard

fundamentalmente, pois foi uma liderança significativa neste processo, com

interferências diretas, propaganda agressiva e com um certo controle que exercia sobre a

produção e propagação da informação, em virtude do Repórter Esso.

Nessa esfera de transformações e modernidade surge o Prêmio Esso – ainda chamado de

Reportagem – com a pretensão de reconhecer e consagrar a qualidade do jornalismo

brasileiro e promover a afirmação dos veículos de imprensa como difusores de

informação. Afinal, a escolha feita pela petrolífera para a implementação de sua

campanha institucional foi inspirada no Pulitzer Prizes, promovido pela Universidade

de Columbia, nos Estados Unidos, um dos mais importantes e tradicionais prêmios que

julga a excelência de trabalhos jornalísticos, além de outras categorias relacionadas a

educação e letras. Por outro lado, a concessão dos títulos inaugurada pela Esso,

julgando a qualidade e competência daqueles que trabalham no campo jornalístico,

sedimenta as bases construídas em torno do ofício e confere a imprensa um estímulo ao

constante aperfeiçoamento, renovação de linguagem e expansão, como veículo de

propagação de informação.

Quando o prêmio retira o Reportagem do nome, e passa a se chamar Prêmio Esso de

Jornalismo – logo no segundo ano de sua existência – reitera os propósitos de sua

criação, ao que competia abranger toda a organização dos meios de imprensa, de modo

39

que abarcasse e agregasse o conjunto das atividades específicas responsáveis pelo

interesse último do jornalismo: a informação. A nova nomenclatura, mesmo inscrita no

campo da representação, expressa, de acordo com a terminologia empregada, a mudança

do foco da parte para o todo, ou seja, da notícia para os que são responsáveis por sua

existência como tal. Essa tendência pode ser percebida na criação de categorias

específicas ao longo das edições do prêmio, concorrendo para a ampliação e

diversificação da lista dos contemplados. É assim que em 1957 – ano da segunda edição

do evento – publicações que circulavam fora do eixo Rio-São Paulo, irão ter espaço em

duas subdivisões regionais para a divulgação de seus trabalhos.

Por sugestão do jornalista Ney Peixoto do Valle - jornalista que deixa o jornal Diário

Carioca para trabalhar na Esso na década de 1950 - surge o Prêmio Esso de Reportagem

em 1955, com uma proposta até então inovadora de homenagear os melhores trabalhos

jornalísticos publicados na imprensa nacional. Com o programa institucional a Esso

procurava desfazer a imagem negativa que ficara associada a sua marca e ao mesmo

tempo incorporar a ela novos valores como os de credibilidade e imparcialidade. Por ser

uma companhia multinacional, com interesses comerciais evidentes e um histórico não

muito favorável, a empresas adotou como estratégia a não intervenção na escolha e

julgamento dos trabalhos inscritos, buscou a parceira e a chancela da ABI (Associação

Brasileira de Imprensa) – presidida à época por Herbert Moses – para conferir isenção e

garantir a aceitabilidade do concurso nas redações. Além disso, de modo a minar a

desconfiança quanto a uma possível interferência da Esso nos resultados, delegou a

outros jornalistas a tarefa de fazer a seleção da reportagem que mais se destacou na

imprensa nacional no período de um ano, de acordo com as edições do evento.

A intenção de promover uma aproximação com a classe jornalística; a ideia de se

constituir como um incentivo à imprensa de qualidade e a própria noção de qualidade

jornalística forjada com base nos pressupostos da objetividade e imparcialidade; além

da preocupação em desfazer a negatividade em torno da imagem institucional da Esso,

associando-a a valores positivos e democráticos como credibilidade e isenção, está

presente em toda a comunicação da empresa sobre o Prêmio, das motivações para a

criação do concurso às memórias publicadas em livros. Nos textos e depoimentos de

patrocinadores, organizadores e julgadores do prêmio Esso é possível identificar como

essa memória em torno da contribuição da empresa para a evolução do jornalismo

brasileiro e do compromisso da mesma em organizar um prêmio “independente”,

40

“transparente” e “democrático”37

No depoimento de seu idealizador:

, foi construída, se reitera no discurso que comemora a

longevidade do programa e se atualiza ao incorporar à premissa inicial de homenagear

os jornalistas e à liberdade de imprensa as novas mídias e realidades no cenário

profissional contemporâneo.

“Entrei para a Esso com a missão de fazer uma maior aproximação

entre a empresa e os jornalistas”

Eu jamais fui perguntado, por quem quer que seja da Esso sobre

quem ia vencer [...] Nunca houve veto nem pedido; nem de

jornalista, nem da Esso.”38

Mais tarde quando o prêmio já havia se consolidado como referência para a classe

jornalística.

“Nós sentíamos que a imprensa brasileira começava a avançar.

Entrava em uma nova era, que iria projetá-la e situá-la num plano

de igualdade com as mais avançadas de todo o mundo. Tudo não

passaria de uma questão de tempo, que era cada vez menor, para

que se chegasse a esse ponto ótimo. Era uma forma de a Esso

mostrar que estava sensibilizada e motivada diante deste salto de

qualidade da imprensa. É um caminho para homenagearmos esse

esforço, que só viria a beneficiar a cultura brasileira.”39

E nos livros comemorativos dos 25, 40 e 50 anos de premiação, respectivamente:

37 Adjetivos usados pelo jornalista Ruy Portilho, atual coordenador do Prêmio Esso para descrever as características do concurso. Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 10. 38 Depoimento de Ney Peixoto do Valle. Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 14. 39 Declaração do então presidente da Esso Brasileiro de Petróleo, William Jackson no Correio Braziliense, 30 de novembro de 1978.

41

“Desde os primeiros anos, o Prêmio Esso caracterizou-se pelo

rigoroso critério na escolha da qualidade jornalística das

reportagens e pela isenção de preconceitos políticos e econômicos.

(...) Uma premiação aceita e respeitada pelas mais diversas

correntes de opinião, sem objeções de caráter fundamental. Nasceu

com a marca irreprovável da seriedade, para transformar-se num

patrimônio dos próprios jornalistas”40

“A aproximação e a convivência com jornalistas, proporcionadas

pelo Repórter Esso, levaram os dirigentes da Companhia, em

meados da década de 50, a conhecer muito de perto a atividade da

Imprensa. A sensibilidade daqueles meus antecessores indicou que o

jornalismo começava a se profissionalizar e a crescer junto com o

país; e, nesse sentido, necessitava de apoio, o que uma empresa

como a Esso, então já há mais de 40 anos no Brasil, podia

perfeitamente fornecer como uma de suas contribuições à

sociedade.”

41

“A presença do Prêmio se consolidou na cultura da empresa porque

representou o acolhimento de um princípio que muito respeitamos:

acreditamos que, quando recebemos livremente informações da

Imprensa, o que sustenta e permite essa liberdade são os pilares de

uma sociedade democrática.

42

A nota divulgada na imprensa sobre a premiação traz nas informações esse caráter de

imparcialidade e isenção. Além disso, outro aspecto se destaca no texto que é o interesse

da companhia de atribuir um caráter nacional ao Prêmio, ideia de Ney Peixoto do Valle,

de ampliar para fora do eixo Rio-São Paulo a oportunidade dos jornalistas mostrarem

seus trabalhos ao se inscreverem no concurso.

40 LUZ, Olavo e BORGES, Manoel (org.). 25 anos de imprensa no Brasil – Prêmio Esso de Jornalismo. 1980, p. 21. 41 MIRANDA, Guilherme J. Duncan e PORTILHO, Ruy (org.). Prêmio Esso: 40 anos do melhor em jornalismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995, p. 4. 42 Texto de Edurado Lopes, Diretor de Assuntos Corporativos da Esso em Uma História Escrita por Vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006, p. 7.

42

Prêmio para a melhor reportagem do ano

“Encerrar-se-á no próximo dia 30 o prazo para o recebimento de

reportagens concorrentes ao Prêmio Esso de Reportagem,

patrocinado e organizado pela Associação Brasileira de Imprensa

A melhor reportagem publicada de 1º de janeiro a 30 de novembro

do corrente ano será premiada com Cr$ 50.000,00, podendo cada

jornalista

.

de qualquer ponto do país

Os comprovantes de publicação (recortes de jornais ou revistas)

deverão ser enviados em duplicata à secretaria da A.B.I., rua

Araújo – Porto Alegre, 71 – Rio de Janeiro.

concorrer com no máximo 3

reportagens.

O regulamento do concurso estipula que poderão concorrer ao

prêmio reportagens que tenham sido publicadas pela primeira vez

no corrente ano, em qualquer jornal ou revista editados no país. Em

caso de terem sido publicadas sem assinatura ou com pseudônimo, o

diretor do respectivo órgão atestará a identidade do autor.”43

Assim, em 1955, o Prêmio Esso de Reportagem, inspirado no Pulitzer americano e

“adaptado a realidade brasileira”, foi concedido pela primeira vez aos repórteres Mário

de Moares e Ubiratan de Lemos, da revista O Cruzeiro. A comissão julgadora,

corroborando a estratégia de se apresentar como uma iniciativa isenta de interferências

por parte da empresa patrocinadora, era composta apenas por jornalistas “em atividade e

altamente conceituados”

(grifo

nosso)

44

43 Folha da Manhã, 10 de novembro de 1955.

na profissão. Nesta primeira edição contava com cinco

integrantes de diferentes instituições: Hebert Moses (Presidente da ABI), Alves Pinheiro

(O Globo), Otto Lara Resende (Manchete), Danton Jobim (Diário Carioca) e Antônio

Callado (Correio da Manhã).

44 William Jackson, presidente da Esso Brasileiro de Petróleo.

43

“Naquele mesmo mês, outubro de 55 Amádio (José Amádio, diretor

de redação de O Cruzeiro) colocou na gaveta uma matéria que

Mário de Morais e Ubiratan de Lemos suaram a camisa para fazer

[...]. Mário voltou com tifo e caiu de cama por três meses. Ubiratan

ficou n apressão, mas nada de Amádio publicar. ‘Ele tinha horror a

coisa de pobre’, diz Mário. No fechamento da edição de 22 de

outubro de 55, faltou uma matéria paga que a sucursal de São

Paulo deveria mandar. A reportagem finalmente saiu.”45

A matéria que venceu a primeira edição do Prêmio Esso, intitulada “Uma tragédia

brasileira: os paus-de-arara”, foi publicada em 22 de outubro de 1955 na revista O

Cruzeiro, que na época era um sucesso editorial e fazia parte do grupo das grandes

tiragens. A produção e publicação da reportagem na revista foram tão ou mais difíceis

que a conquista do primeiro Esso, uma vez que todo o processo dependia dos repórteres

e para conseguir a matéria Mário e Ubiratan viajaram 2,3 mil quilômetros

acompanhando durante 11 dias a viagem de 102 nordestinos do interior de Pernambuco

até a baixada fluminense em um caminhão “pau-de-arara”. Mário contou em entrevista

ao Jornal da ABI como foi o processo de criação e produção da matéria.

“Bolei a matéria “Os paus-de-arara constroem o Rio”, numa época

de um desenvolvimento imobiliário monstruoso na cidade em que

quase 100% do pessoal que trabalhava nas construções era

nordestino. Combinamos que eu fotografaria e ele (Ubiratan de

Lemos) escreveria. Quando um dos trabalhadores me disse que

minhas fotos não iam mostrar nada perto do que era a viagem num

pau-de-arara, apresentamos a idéia no O Cruzeiro. Saímos daqui

disfarçados, num caminhão, e, após 11 dias de uma viagem em que

vimos muitos desastres e tragédias, chegamos a Campina Grande,

onde o Ubiratan encontrou um locutor que era seu amigo. O

bestalhão contou para ele o que estávamos fazendo e o cara

anunciou na rádio a nossa presença. Resultado: os agenciadores de

pau-de-arara contrataram matadores para acabar com a gente, 45 CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas: David Nasse e O Cruzeiro. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001, p. 326.

44

antes que denunciássemos aquele comércio. Tivemos que fugir para

Salgueiro, em Pernambuco, acompanhando um caixeiro-viajante.

Para completar, peguei tifo na viagem. O Ubiratan inscreveu nossa

reportagem no Prêmio Esso sem eu saber de nada. Foi um júri

fabuloso, que tinha, entre outros, Herbert Moses, Antônio Callado e

Otto Lara Resende. Concorreram 200 matérias e fomos os

vencedores. Estava no barbeiro, em Vila Isabel, quando peguei ‘O

Jornal’ e vi na primeira página que dois repórteres do Cruzeiro

tinham ganhado o Prêmio Esso. Quando vi nossos nomes, desmaiei.

Fui levado para casa, onde já estavam o Ubiratan e uma equipe da

revista. Foi uma grande festa.”46

Figura 3: Uma tragédia brasileira: os paus-de-arara, Mário de Morais e Ubiratan Lemos, O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955.

Apesar de certa implicância que o idealizador do Prêmio Esso - Ney Peixoto do Valle -

confessava ter pelo estrelismo da revista de Chateaubriand, é interessante notar que a

primeira reportagem homenageada foi justamente da publicação mais importante

46 Jornal da ABI, nº 303 – novembro-dezembro de 2005, pp. 7-8.

45

pertencente aos Diários Associados, grupo de imprensa que combateu veementemente a

posição nacionalista na disputa que envolvia a produção e exploração do petróleo

brasileiro, ou seja, defendendo um ponto de vista alinhado com os interesses de grupos

como a Esso. Sem contar que foi por iniciativa do próprio Assis Chateaubriand que o

Repórter Esso migrou do rádio para a televisão, o que demonstra a proximidade do

grupo dirigido pelo empresário com a companhia petrolífera. Ainda assim, não se pode

afirmar com precisão que houve uma participação direta da empresa na escolha da

reportagem, visto que a revista O Cruzeiro era de fato uma publicação de grande

circulação, muito popular e reconhecida por sua excelência editoral.

A primeira cerimônia de entrega do Prêmio Esso aconteceu no mezanino da Mesbla, no

Rio de Janeiro, num almoço promovido pela Esso ao qual poucas pessoas

compareceram e mesmo dentre os representantes da Esso apenas o gerente geral de

vendas, Walter Hostmann, estava presente. Os almoços em que “havia mais garçons nos

salões do que participantes da solenidade”47

É comum no discurso memorialista da Esso a ideia de que o prêmio não foi bem aceito

pela classe de jornalistas no início e que a empresa se esforçou para minar uma

desconfiança generalizada. Tal prerrogativa se confirma pela descrição da primeira

cerimônia de entrega, contando com pouco mais de 15 pessoas e no depoimento do

idealizador do prêmio ao dizer que foi preciso um esforço para convencer os jornalistas

a participaram do concurso. Segundo Marcio Castilho, o "número reduzido de

nos anos 1950 foram sendo substituídos e

os esforços de Ney Peixoto do Valle para convencer os colegas da idoneidade do Prêmio

Esso o tornaram a principal premiação especializada em imprensa no país nos anos

posteriores. Se na primeira edição apenas uma reportagem havia sido escolhida entre

outras duzentas para figurar como a melhor do ano de 1955, posteriormente foram

criadas divisões regionais de inscrição, de modo a nacionalizar o concurso, o prêmio

também contou com o incremento de categorias que refletiram as mudanças advindas

das novas mídias que foram sendo incorporadas ao modo de produzir notícias, com o

desenvolvimento tecnológico e a modernização da imprensa, como é o caso da

fotografia.

47 Uma história escrita por vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo, p. 8.

46

participantes demonstrava o desinteresse inicial e o descrédito de grande parte dos

jornalistas em relação ao concurso criado por Ney Peixoto do Valle"48

Ressalta-se, contudo, que tais construções de memória tomam como referência as

condições da ocasião em que são criadas e, no caso, do Prêmio Esso foram produzidas

no âmbito da comemoração dos seus 50 anos de existência, momento em que se

celebrou a longevidade e o sucesso da iniciativa pioneira. Sendo assim, a visão de um

concurso rejeitado no começo, que consegue crescer e se tornar referência, coaduna com

uma perspectiva que valoriza o esforço da companhia para contribuir com a qualidade

da imprensa nacional. Sem dúvida, ao tomar como referência o porte e os expressivos

números do concurso (participantes e premiação) quando este completou 50 anos, as

cerca de 200 inscrições recebidas em 1955 soam modestas. No entanto, ter 200

concorrentes na primeira edição de um concurso é um montante considerável,

especialmente no contexto do jornalismo na época. Além disso, o prêmio oferecido pela

companhia, Cr$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros) equivalia a cerca de 22 salários

mínimos em 1955

.

49

Um aspecto relevante acerca do prêmio recai sobre a classe profissional escolhida para

ser agraciada com a menção. Apesar da tese de cooptação da classe jornalística ser

emblemática e quase uma associação imediata, parece mais coerente, não optar pela

linearidade de raciocínio e tentar relacionar a escolha dos profissionais da imprensa a

uma perspectiva que busca manter associações já estabelecidas e consagradas

anteriormente. Assim, como a pressão por parte da sociedade e, principalmente, por

parte da classe política, acerca do monopólio de corporações sobre os meios de

comunicação do pensamento vinha sendo intensificada, no Brasil e no restante do

mundo

.

50

48 CASTILHO, Marcio. "Patrimônio dos Próprios Jornalistas": o Prêmio Esso, a identidade profissional e as relações entre imprensa e Estado (1964-1978). Tese de Doutorado em Comunicação - UFRJ, 2010, pp. 45-46.

, a Esso tentou, através do prêmio que concedia, manter o vínculo com as

redações dos jornais e, em parte a influência sobre o veículo, estabelecendo as

categorias de excelência dentro da profissão. O processo que engendra tais relações, é

importante destacar, é uma via de mão dupla, ou seja, embora seja alimentada pelos

49 O valor levantado se encontra na Série Histórica do Salário Minimo, disponível em: http://www5.jfpr.jus.br/ncont/salariomin.pdf, acessado em setembro de 2012. 50 Na mesma época , sob o governo de Dwigth Eisenhower, a Standard respondia a processo nos Estados Unidos pelos mesmos motivos apurados no Brasil durante a CPI para investigar as atividades políticas dos grupos petrolíferos no país.

47

recursos do grupo empresarial, conta também com a deferência dos jornais e de suas

redações.

Dentro desta perspectiva, é preciso ponderar a afirmação de que o Prêmio Esso se

estruturou em função da necessidade da empresa de manter a imprensa subordinada a

seus interesses, sob o risco de incorrer em análises meramente especulativas. Isso se dá

por dois motivos fundamentais: primeiro, porque no mundo empresarial as relações

estabelecidas de modo “não-oficial”, não costumam deixar rastros tão óbvios, depois

porque amarrar a imprensa aos interesses de um único grupo corporativo, apesar deste

ser um dos grandes no cenário internacional, desconsidera a conjuntura brasileira da

década de 1950, em que o projeto desenvolvimentista do governo JK, estimula a

instalação das indústrias multinacionais no país, o que de certo modo dilui a influência e

a participação desses grupos nas fatias do mercado publicitário. Por outro lado, como

bem afirma o jornalista Alberto Dines,

Prêmios de jornalismo (...) são ações de relações públicas,

promoções de empresas ou de grupos de interesses. Marketing. Isto

não pode ser esquecido nem minimizado. Sobretudo quando se trata

de prêmios em dinheiro.(...) Além da propaganda gratuita, o

patrocinador do galardão ganha uma espécie de habeas-corpus

prolongado. Isto não tem preço. Nenhum profissional ou veículo

ousará criticar uma empresa ou entidade que se mostra tão

generosa com a imprensa.51

A parte a campanha voltada para o marketing institucional promovida pela Esso, o

desenvolvimento da imprensa brasileira ocorrido ao longo da década de 1940 e

consolidado com a abertura política possibilitada pelo fim do Estado Novo, foi um fator

de peso no processo que levou à origem da premiação, já que os aportes de capital

propiciados pela publicidade – principalmente das indústrias multinacionais –

viabilizaram novos rumos para o setor que envolviam a profissionalização de pessoal; a

racionalização dos processos de produção publicação e circulação da notícia e um perfil

gestor voltado para os parâmetros empresariais, em detrimento da falta de organização e

51 DINES, Alberto. Prêmio, polêmica e conflito de interesses. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/jd231220031.htm Acessado em: maio/2012.

48

planejamento das oficinas artesanais de imprensa. Além disso, tais mudanças inscrevem

o periodismo nacional nos padrões internacionais de jornalismo e refletem uma nova

fase da imprensa, voltada para o consumo de notícias, extremamente afinada com a

visão de comunicação em massa que emergia no período em questão.

Portanto, a tentativa de mapear as relações entre o prêmio e a imprensa, do mesmo

modo como só pode ser empreendida através de uma análise da conjuntura do

jornalismo nacional quando da sua criação, também não devem perder de vista os

interesses políticos e econômicos da corporação petrolífera responsável direta pela

criação do concurso, e, indireta – através da McCann, ao longo dos primeiros anos – de

sua gestão.

Por fim, uma premissa que ficará fora de análise aprofundada neste trabalho, é a de que

o Prêmio Esso de Reportagem foi um representante primitivo – e pode ter sido a

primeira iniciativa de expressão no Brasil – do que atualmente denomina-se marketing

cultural. Essa vertente no marketing empresarial, diz respeito justamente à promoção de

uma marca através da organização de eventos culturais ou divulgação de atividades

desse tipo, mesmo que, o setor contemplado pelo evento não tenha relação direta com os

produtos da empresa patrocinadora.

1.2. A fotografia no Prêmio Esso

O Prêmio Esso, é importante destacar, desde sua primeira edição em 1956 sofreu

modificações que na maioria das vezes refletiu o progresso técnico e tecnológico dos

meios de comunicação. Assim sendo, na edição de 1960, o primeiro fotojornalista

consagrado pelo programa da empresa recebeu um “Voto de Louvor” improvisado pela

fotografia "Acontecimento em Aragarças" (Figura 2), de Campanella Neto, publicada na

revista Mundo Ilustrado. Já no ano seguinte, foi criada pela organização do evento uma

categoria específica para a fotografia, que pela primeira vez passou a contemplar seus

vencedores com uma premiação em dinheiro.

Embora seja possível inferir que a inclusão da fotografia na relação de categorias do

Prêmio Esso tenha tido um respaldo inicial no desenvolvimento decorrente da

modernização experimentada pela imprensa no início da década de 1950, também é

possível dizer que a premiação exerceu influência na trajetória de formação e

consolidação do fotojornalismo nacional. A análise pretendida busca uma abordagem

49

que aponte as convergências existentes entre o fotojornalismo e o Prêmio Esso,

preconizando a perspectiva inter-relacional, em que, tanto se atribui valor – e por isso se

oferece prêmio – a fotografia pelo seu desenvolvimento e inserção na imprensa quanto

esta se aperfeiçoa e profissionaliza diante do incentivo e dos padrões consagrados nas

obras premiadas.

Dentro da perspectiva apontada, o Prêmio Esso vai ser um programa importante na

constituição do fotojornalismo como linguagem no Brasil. A primeira fotografia a ser

destacada pelo prêmio, "Acontecimento em Aragraças" (Figura 2), de Campanella Neto,

despontou na relação de premiados do ano de 1960 de modo singular, uma vez que foi

prestigiada sem que formalmente existisse o concurso de fotografias, recebendo, na falta

de um título oficial, o Voto de Louvor daquela edição. Tal feito, por sua espontaneidade,

expressa o reconhecimento atribuído ao trabalho fotográfico de imprensa, refletindo a

ascensão e a importância da utilização dessa linguagem dentro do panorama no

jornalismo na época. O ensaio de 1960, também será um estímulo a inauguração do

Prêmio Esso de Fotografia no ano seguinte, a primeira categoria da lista de premiações

a particularizar uma das esferas da atividade jornalística e empreender um julgamento

especializado sobre ela.

Assim, no ano de 1960 nos jornais de grande circulação do país, a Esso, novamente em

parceria com a ABI, anuncia que na edição daquele ano do prêmio os fotógrafos seriam

contemplados com um prêmio em dinheiro.

50

Figura 4: Notícia divulgada no Jornal do Brasil em 23/07/1960, página 9.

A consolidação da iniciativa de contemplar a fotografia de imprensa com a criação do

Prêmio Esso de Fotografia em 1961 é um indício da importância que o fotojornalismo

vinha assumindo no contexto do jornalismo diário. Nesta mesma edição do Esso, os

fotógrafos Nicolau Drei, da Revista Manchete e Henry Ballot, de O Cruzeiro, formam a

primeira comissão avaliadora específica para o julgamento das fotografias. A reunião de

fotógrafos de grande importância no cenário da imprensa, como Ed Keffel (O Cruzeiro),

Dilson Martins e Alberto Ferreira (Jornal do Brasil), Ernesto Santos (Tribuna da

Imprensa), Paulo Reis (Última Hora), dentre outros, nas comissões julgadoras foi

mantida durante alguns anos na composição do prêmio. A participação de profissionais

do ramo nessas comissões ratifica a perspectiva apontada do reconhecimento que vinha

sendo prestado ao fotojornalismo e reflete um crescimento do mercado nesta área com a

inserção de fotojornalistas na imprensa diária.

51

Na Folha de São Paulo de 24 de julho de 1960, uma matéria mais detalhada trazia os

pormenores do concurso e anunciava a criação de novas categorias tanto regionais

quanto a de fotografia. A mesma reportagem falava sobre a cerimônia em que se deu o

anúncio, na qual "representantes da Esso Brasileira de Petróleo acentuavam a

preocupação da empresa em estimular o jornalismo no Brasil, através do Prêmio Esso

e de outras iniciativas pioneiras."52

A notícia informava os detalhes da criação da categoria específica para julgar a melhor

fotografia de imprensa:

"A Esso instituiu esse ano um prêmio de Cr$ 50 mil para a melhor

fotografia publicada na imprensa brasileira. A premiação será feita

com o envio em duplicata da reportagem em que foi impressa a foto,

além de uma cópia da fotografia com o tamanho de 18x24. A

Comissão Julgadora será a mesma que apreciará o concurso de

reportagem acrescida de elementos de reconhecida competência no

setor de jornalismo fotográfico. Serão levadas em consideração

fatores como técnicas de fotografia, dramaticidade, oportunidade,

esforço do fotógrafo, ineditismo, reprodução, etc.

Cada concorrente poderá participar com no máximo três

reportagens.”53

(grifo nosso)

52 Folha de São Paulo, 24 de julho de 1960, p. 8 53 Idem.

52

Figura 5: Notícia divulgada na Folha de São Paulo em 24 de julho de 1960, página 8.

É interessante notar que a lista de critérios definidores da fotografia merecedora do

prêmio, ainda que vagos, atendem a características que fazem parte dos pilares do

fotojornalismo ocidental, tributário dos fotógrafos da geração heróica, em que cuja

filosofia estavam presentes a valorização do instantâneo, o efeito-verdade, a carga

emocional que adensa na imagem os dramas do sujeito fotografado. Além desses, o

prêmio também privilegia a relação entre imagem e informação, características de uma

foto jornalística eficiente54

54 GURAM, Milton. Linguagem fotográfica e Informação. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.

, que se aproxima do perfil da imprensa que se moderniza na

sua busca pelo conteúdo objetivo, crível e impactante.

53

Essa visão da Esso sobre a fotografia de imprensa e a importância do prêmio que

patrocina se coaduna com o discurso da empresa em relação ao seu compromisso com o

aperfeiçoamento do jornalismo no Brasil, apresentado como um dos argumentos para a

instituição do prêmio para reportagens em texto de modo geral. Tal perspectiva será

utilizada posteriormente, nas memórias construídas pela Esso sobre o seu prêmio,

seguindo dois pressupostos. Em um deles é ressaltado a atenção destinada pela

companhia à modernização do jornalismo ao identificar a necessidade premente na

década de 1960 – como se não houvesse fotografia na imprensa antes disso – de criar

uma categoria para contemplar o fotojornalismo. Na outra ponta a Esso imputa a si o

mérito pela consolidação, através do prêmio, de um legado que se tornaria patrimônio

dos fotógrafos e da fotografia de imprensa.

“Nos anos 1960, os avanços da tecnologia de impressão, a

modernização das câmeras e a aplicação de critérios estéticos na

avaliação das imagens fotográficas, favoreceram a valorização do

fotojornalismo, fenômeno que o Prêmio Esso imediatamente

identificou. A partir de um exemplo de reportagem fotográfica, de

autoria de Campanella Neto sobre a rebelião em Aragarças contra o

governo JK, ocorreu uma mudança importante, com a criação em

1961, do Prêmio Esso de Fotografia.55

Em que pese o fato que as memórias são enquadradas

56

55 Uma história escrita por vencedores, p. 8.

em função das impressões que

os grupos formam de si e, deste modo, a versão institucionalizada da contribuição da

Esso para a imprensa nacional deixe escapar as divergências sobre o concurso, o

período correspondente ao início do Prêmio Esso de Fotografia configura-se como um

período profícuo para a inscrição da imagem no jornalismo. Tanto pela ampliação

quantitativa, devido à modernização das câmeras e ao barateamento da impressão,

quanto sob o aspecto técnico e estético, com a expansão dos profissionais atuando e as

transformações advindas da reformulação gráfica dos jornais.

56 POLLAK,, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, 1989, p. 3-15. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278/1417, acessado em junho/2012.

54

Segundo Silvana Louzada, nas primeiras décadas do século XX a fotografia de

imprensa se ocupava em retratar o aspecto sensacionalista das cenas que adornavam os

textos, atendendo "a curiosidade mórbida do leitor, ilustrando reportagens sobre

dramas, tragédias e crimes de repercussão"57

“Com o título ‘A morte deve apenas sugerir sua presença’, o jornal

explica: ‘Era apenas um assaltante, morto durante um duelo com o

detective (sic) Perpétuo. Fotografar o morto seria coisa corriqueira,

desde que não fosse para um jornal em que fotos chocantes não são

publicadas, criando um problema para os registros de crime e

desastres’.”

. A fórmula – presente, ainda que

atualizada, em uma vertente atual de jornalismo popular – que privilegia o sofrimento

humano e a exibição pública de cadáveres ensanguentados vai cedendo lugar para uma

fotografia de imprensa que preza a sofisticação e se destaca das demais pelo conceito

diferenciado que faz de si, a partir do final dos anos 1950. É o caso, como afirma

Louzada, do Jornal do Brasil após a reforma gráfica que irá lançar o periódico a outro

patamar no que diz respeito ao fotojornalismo, contribuindo para angariar um novo tipo

de público e distinguir o veículo dos outros jornais à época. Em sua linha editorial de

identificação com a classe média carioca evita publicar imagens relacionadas a

violência, dramas humanos e outras temáticas de apelo popular e, na concepção do

jornal, sensacionalista. Ao retratar a tragédia, dispensa a exibição de sangue ou corpos

nas primeiras páginas e informa ao leitor que o faz deliberadamente. No lugar usa do

artifício da sugestão, suprimindo a encenação do fato em si e fazendo-o presente através

da linguagem metafórica; o resto fica com a subjetividade do leitor.

58

Tendo em vista a crescente valorização da fotografia nos jornais diários ao longo da

década de 1950, bem como o aumento do interesse do leitor pela informação visual, a

criação do Prêmio Esso de fotografia pode ser considerada um ponto de chegada dentro

de um processo que já vinha se desenrolando e expandido desde o início do século XX

com as primeiras iniciativas de publicação de fotografias e com o fenômeno das

Revistas Ilustradas. No entanto, no início da década de 1960 – ano da criação do prêmio

57 LOUZADA, Silvana Prata da Casa: fotógrafos e fotografia no Rio de Janeiro (1950-1960). Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, 2009, p. 37. 58 Jornal do Brasil, 22 de agosto de 1961, caderno B apud LOUZADA, 2009, Op. Cit., p.224.

55

para fotografia – nas redações ainda era mantida uma relação assimétrica entre o

investimento das empresas de jornalismo em imagens técnicas para figurar suas páginas

e o tratamento dispensado aos fotógrafos. E, nesse sentido, o Esso pode também ser

considerado um ponto de partida, embora não o único, que contribuiu para diminuir a

diferença entre o redator e o fotógrafo na hierarquia dos profissionais de imprensa.

É importante destacar, que a contribuição do Prêmio Esso para a valorização do

fotógrafo e para a consolidação da fotografia na imprensa diária, se dá no âmbito de um

processo maior e de uma conjuntura favorável que inclui outros aspectos históricos

como: as reformas no JB, o espaço privilegiado que a fotografia vinha ocupando nas

páginas dos principais jornais, a criação de editorias de fotografia e a fundação das

associais de profissionais da imagem que encamparam a luta por direitos trabalhistas e

equiparação profissional dentro das redações.

A hipótese defendida neste trabalho é de que a importância do Prêmio Esso de

Fotografia no processo que consolidou uma nova experiência fotográfica no jornalismo

diário no Brasil reside em três característicos de concursos de uma maneira geral que

influenciaram de maneira positiva das demandas reivindicadas pelos repórteres

fotográficos no contexto das disputas em torno da valorização de sua profissão. O

primeiro aspecto é o reconhecimento, o prestígio alcançado pelo fotógrafo ao receber

uma homenagem em virtude de um trabalho considerado de excelência por colegas de

profissão.

Outro fator reside no fato de o Esso, de alguma maneira, mesmo que de forma implícita

e diluída na prática diária da fotografia de imprensa, estimula ainda mais uma

competição que já era acirrada no cotidiano da profissão. Os fotógrafos, não só passam

a perseguir como tentam superar, os parâmetros que balizam a excelência

fotojornalística presentes na fotografia agraciada com o prêmio. Sobre o aspecto

competitivo, ainda se pode considerar que, numa escala maior, essa disputa também se

dá entre as empresas de jornalismo que desejam o prêmio como símbolo de distinção e

atestado de qualidade técnica em relação aos outros veículos.

Além disso, a criação de um espaço de consagração, que ao menos anualmente, reune e

integra os profissionais que atuam no mesmo ramo de fotografia pode ser entendida

como mais um aspecto relevante na valorização do fotógrafo. O momento do prêmio, da

seleção à entrega é também um momento de celebração entre pares, que atualiza as

conquistas e memórias do exercício diário da profissão. Sendo assim, todo o em torno

56

relacionado à premiação como a formação de comissões julgadoras especializada, os

profissionais que se inscrevem para participar, as expectativas e especulação a acerca

dos favoritos e o momento de revelar quem venceu e quem será homenageado são

elementos importantes na constituição da identidade do fotógrafo de imprensa, pois

agrupa pessoas e demarca características próprias de uma área de atuação específica que

se encontra, no início dos anos 1960, em disputa por mais espaço e por reconhecimento

dentro das esferas com as quais se relaciona.

O reconhecimento e o prestígio que vêm junto com o Prêmio Esso para aqueles que o

venceram é um fator que grande importância para a afirmação do profissional de

imagem dentro das redações, até então gerenciadas e chefiadas pelos profissionais da

escrita. A discrepância entre o jornalista e o fotógrafo está presente não apenas nas

relações cotidianas de trabalho, mas também sob o ponto de vista formal, ou seja, na

letra da lei, na tipificação do fotógrafo como profissional “auxiliar” da redação e na

ausência de instâncias de formação profissional59

O tratamento dado aos fotógrafos nas redações dos jornais é reclamação recorrente de

diversos profissionais que atuaram no período. Muitos se queixam, especialmente, da

hierarquia que concedia privilégios aos jornalista responsável pelo texto e destinava ao

fotógrafo um papel subalterno em relação ao primeiro. Em depoimentos colhidos com

diversos fotógrafos que atuaram neste período esta situação de inferioridade é sempre

relatada.

.

O fotógrafo Luiz Pinto em entrevista fala sobre as condições de trabalho do fotógrafo e

da diferença de tratamento nas redações:

“os laboratórios sempre foram botados por baixo de escada, no

fundo, no fundo de jornal, sempre foi assim. Nunca teve ar

refrigerado...”

“Porque fora o Cruzeiro e a Manchete, que o gabarito era outro, os

jornais sempre tiveram esse preconceito com o fotógrafo. Que

naquela época... hoje não, que é mais respeitável, mas naquela

59 LOUZADA, Silvana. 2009, Op. Cit, pp. 72-76.

57

época, quando ia se apresentar, o repórter dizia assim, ‘aqui é o

meu fotógrafo’. Sempre foi assim.”60

A mesma situação é relatada por Clóvis Scarpino:

61

“O fotógrafo era pra buscar (coisas). ‘Vai lá limpar esse cinzeiro

aqui.’, ‘Vai lá jogar esse cafezinho lá fora.’, ‘Vai lá fazer isso.’

Fotógrafo era tratado assim...”

O fotógrafo era visto como um simples executor, cujo trabalho capturar imagens que

pudessem adornar o texto dos redatores. Essa diferença residia, sobretudo, na distinção

simbólica do domínio da palavra escrita conferida aos profissionais do texto, sendo os

fotógrafos sequer considerados jornalistas. Em contrapartida, bater uma foto era

trabalho para os iletrados, o universo da ‘despalavra’, e podia ser desempenhado por

qualquer um. Segundo Marialva Barbosa:

“Os jornalistas faziam parte grupo de executores que constituíram

um mercado lingüístico unificado e dominado pela língua oficial,

capitaneados quer pelo título escolar, quer pela performance

lingüística como sujeito falante, de tal forma que através de

instituições, onde o jornal se insere, houvesse a imposição do

reconhecimento da língua dominante.”62

A questão também aparece na fala de Luiz Pinto e, nela é possível perceber a relação

entre a baixa escolaridade e a imagem associada ao fotógrafo de um profissional

inferior, com menos competência em relação ao jornalista por não dispor de formação

cultural:

60 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03 de maio de 2002. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. 61 ENTREVISTA a Everaldo Lima d’Alverga. Julho de 2001. Disponível em http://www.evirt.com.br/entrevista/scarpino.htm 62 BARBOSA, Marialva. Imprensa, poder e público. Niterói, tese de Doutorado em História, UFF, 1996, p. 7.

58

“Olha, o fotógrafo sempre foi considerado como ainda é, na

verdade. O fotógrafo sempre foi considerado um analfabeto, um

semi-analfabeto...”

“Os fotógrafos sempre foram mal vistos. Porque normalmente, essa

é que é a verdade, a maioria dos fotógrafos tem Q.I. baixo. Q.I.

baixo que eu digo é não ter estudo. Não fala outros idiomas, não

tem estudo, e o que safa é a comunicação, é o dia-a-dia, você vai

aprendendo”63

A baixa escolaridade entre os profissionais da fotografia e a origem humilde é um dado

comum segundo a pesquisadora Silvana Louzada. Em sua tese, que analisa o período de

1950 a 1960, apurou que em relação a escolaridade “mais da metade da elite do

fotojornalismo (56%) tem nível mínimo de formação”

64 e em relação a condição social

“80% têm origem familiar muito modesta”65

Nesse sentido, diferentemente da profissão de jornalista, cuja regulamentação data de

1938, com a restrição da prática à qualificação em nível superior e o investimento na

criação dos primeiros cursos de Jornalismo nas universidades, à categoria dos

fotógrafos não contava com nenhum tipo de canal destinado a educação

profissionalizante formal. Sequer as escolas superiores de Jornalismo dispunham de

disciplinas que compreendessem a foto-reportagem em seus currículos, relegando a

formação do repórter fotográfico aos investimentos pessoais que envolviam desde

assinaturas de revistas estrangeiras especializadas até o aprendizado através de estágios,

geralmente não remunerados, em estúdios fotográficos, tentando desenvolver na prática

as técnicas e preceitos do fotojornalismo.

e muitos ainda vêm do interior e do meio

rural. O trabalho como fotógrafo para boa parte desse grupo era encarado como uma

oportunidade para “mudar de vida”, ou seja, ascender socialmente.

Por este viés, também se pode inferir acerca dificuldades encontradas pelos fotógrafos

para ingressar nas equipes dos jornais, já que todo o processo de contratação, na falta de

63 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03/05/2002, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF). 64 LOUZADA, Op. Cit, 2009, p. 68 65 Idem, p. 65.

59

uma referência formalmente instituída, envolvia, ou a indicação por parte de fotógrafos

mais experientes ou a disposição para se lançar, por conta própria, na profissão, pois a

chance de contratação muitas vezes dependia da mostra de algum trabalho, fazendo com

que a responsabilidade de comprovar sua competência recaísse sobre o interessado.

Essa situação é recorrente nas trajetórias de vários fotojornalistas dessa geração. Um

desses exemplos, o fotógrafo Flávio Damm, relata a concentração de esforços que teve

que reunir para iniciar sua carreira. Buscando conhecimento em revistas, freqüentando

redações dos jornais e conversando com outros fotógrafos, onde acabou conhecendo o

alemão Ed Kefflel, a quem pediu um emprego no estúdio fotográfico para ter acesso a

Enciclopédia (de fotografia) e adquirir experiência para o trabalho.

“Aí, eu já com 14 anos, eu consegui comprar uma máquina

fotográfica muito barata, uma Kodak Baby Brownie , filme 127 e

comecei a fazer fotografia. Negativos que eu tenho até hoje. Dali eu

evoluí e realmente me... Aí eu comecei a me envolver com... Fui à

redação de jornal, procurei, é, procurei fotógrafos pra entender,

pedir né, pra freqüentar laboratório e comecei a conhecer a

mecânica. Comecei a ler. Aí, logo em seguida comecei a estudar

inglês. decorei oitocentas palavras em oitenta dias, um método

chamado de “safa-onça” da língua inglesa. E, tive acesso a livros.

E acabei indo trabalhar na revista do O Globo . Eu era

universitário. Quer dizer, eu era pré-universitário e a revista do O

Globo, eu descobri, havia um alemão lá chamado Keffel que foi meu

mestre. Depois foi meu colega de O Cruzeiro . O Ed Keffel , o

homem dos discos voadores. Porque fotografou os discos voadores.

O Keffel era fotógrafo da, da Revista do O Globo e eu então pedi

um emprego lá no estúdio e fui lavar cópia, pra poder estar perto da

enciclopédia, que era o único... Era, era o, a publicação que eu

sabia que...” 66

66 DAMM, Flávio. Entrevista a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 24/04/2003, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF).

60

Muitos vinham para a "cidade grande" tentar a sorte na profissão, pedindo emprego nas

redações das revistas e grandes jornais que estavam concentrados no eixo Rio-São

Paulo, como é o caso de Luiz Pinto:

“Aí em cinqüenta e cinco, meu pai tinha falecido, eu vim tentar a

vida no Rio, eu vim embora pro Rio. [...] Sozinho. Na cara e na

coragem. Eu tinha...vinte anos. Vim pro Rio com vinte e um, mais ou

menos. [...] Eu fui lá pra Manchete, lá no Frei Caneca, do lado do

presídio. Lá eu fui pedir emprego. Só que quando eu cheguei na

Manchete, eu olhei e conhecia o Gervásio Batista de nome, que é o

grande repórter fotográfico desse país. Aí o baiano veio, disse: ‘pois

não.’ Eu disse: ‘Olha, o negócio é o seguinte, amigo, eu sou de

Belém de Pará, me chamo Luiz Pinto, sou repórter fotográfico...’,

ele disse: ‘o quê?’, ‘eu sou repórter fotográfico’, ele deu uma

gargalhada. ‘Repórter fotográfico, do Pará? Ah, você desembarcou

no campo de São Cristóvão, que é o que dirá’. Eu disse, ‘não, nego,

eu vim de avião, vim pela Panair do Brasil’. Ele disse, ‘o quê? Um

pau-de-arara moderno. Você é repórter fotográfico?’, ‘Sou’. ‘Que

que você quer?’, ‘quero trabalhar aqui’. Ele disse: ‘ah, quer ser

repórter fotográfico e quer trabalhar aqui. [...] Aí chamou... o Zé

Carlos, o Zé Carlos Oliveira . ‘Zé Carlos Oliveira, vem cá, vem cá,

Zé Carlos. Me leva esse repórter fotográfico contigo’ [...] Ele disse:

‘me leva esse repórter fotográfico pra fazer uma entrevista com

Simeão Leal, chefe do gabinete do Ministério da Educação.’ Disse:

‘Olha, garoto, cuidado, seu repórter fotográfico, a matéria é

importante, hem?’. Fechou. [...] Olha, fiz umas fotos [...] o Otto lá

disse: ‘repórter fotográfico, tá empregado’. Eu fiquei cinqüenta e

cinqüenta e cinco, cinqüenta e seis, cinqüenta e sete. Na

Manchete.”67

67 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03/05/2002, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF)..

61

A criação do Prêmio Esso de fotografia em 1960 é um elemento novo na correlação de

forças entre fotógrafos e redatores na disputa pelos espaços privilegiados dentro da

redação. Se, do lado dos profissionais de imagem as demandas visam a melhoria das

condições de trabalho e a conquista de mais autonomia na publicação de conteúdo – era

comum neste contexto ser do chefe de redação e não do fotógrafo a escolha das fotos

que sairiam no jornal. Para os profissionais do texto a questão era manter as coisas tal

como elas estavam, garantindo a diferenciação entre os grupos, ampliando as restrições

para o acesso ao cargo de jornalista e promovendo a distinção dos que dominam a

palavra escrita.

Ganhar o Prêmio Esso de Fotografia é motivo de orgulho para o fotógrafo, concede a

ele uma homenagem que o destaca dos demais e o reconhecimento que não tem dentro

das relações de trabalho ao qual está submetido. De certo modo, esse reconhecimento é

um fator de equilíbrio dentro da hierarquia dos jornais, pois representa um capital

simbólico68

Segundo Bourdieu, a distinção é código concedido pelo capital cultural que para ser

válido é preciso ser compartilhado e aceito por um grupo

que redime o fotógrafo da sua falta de escolaridade, imputando a ele

maiores condição para reivindicar suas demandas. Se dentro da redação seu papel era

até então secundário e subordinado, agora que o seu trabalho foi elevado ao nível do

extraordinário, cria-se um elemento de distinção autorizado pelo prestígio que o Esso

dispõe entre os jornalistas de modo geral.

69. Diante disso, a consagração

representada pela conquista de um Prêmio Esso institui um símbolo compreendido no

âmbito do jornalismo que pode ser entendido a partir da “lógica da diferença, do desvio

diferencial, constituindo assim distinção significante”70

68 O conceito de capital simbólico está sendo utilizado segundo a definição de Pierre Bourdier e diz respeito ao reconhecimento prestado a determinado indivíduo pelo grupo social ao qual ele pertence e que pode ser capitalizado dentro do sistema de relações de poder.

. Até porque, no início dos anos

de 1960, o Esso já era considerado o mais prestigiado concurso especializado do ramo,

cobiçado por repórteres e pelas empresas de comunicação que os empregam. Nessas

circunstâncias, muitos fotógrafos consagrados passam a dividir a redação com

jornalistas que nunca ganharam ou ganhariam um Esso e isso marca uma diferença

considerável na importância de um e outro para o dono do jornal.

69 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 70 Idem, p. 144.

62

Outra característica importante do prêmio é a associação do nome do fotógrafo à

imagem vencedora, o que o transforma de técnico meramente executor, cuja função é

auxiliar a redação, para autor de um trabalho que tem a capacidade de informar através

da linguagem visual. Essa prerrogativa é um indício que o estigma do fotógrafo-

executor começa a ser modificado e a dimensão autoral de seu trabalho valorizada,

sendo ele, portanto, visto como sujeito que atua e tem um papel relevante no processo

de produção da notícia.

Alguns dos fotógrafos que venceram o Esso expressam a importância do mesmo para

suas trajetórias profissionais, especialmente no que diz respeito ao que se pode

conseguir a partir da vitória. Além disso, também está presente nos discursos a

satisfação e o orgulho de ter sido homenageado com uma premiação que era referência

para o jornalismo nacional à época, e que, além de tudo se constituía como um símbolo

de competência referendado por toda a classe.

“Com relação ao ‘Prêmio Esso’, eu só tenho, primeiro, a agradecer

a Deus; em segundo lugar, à Esso, porque ela me proporcionou

nome, me proporcionou muita glória. E isso se perpetua... Eu

consegui tudo que eu queria”71

O depoimento de Campanella Neto, primeiro fotógrafo agraciado com um Voto de

Louvor pela sua imagem na edição de 1960, traz com clareza a questão de como o

prêmio proporcionou para o vencedor bens intangíveis como “nome” e “glória”, os

quais puderam ser convertidos na satisfação de se ter conseguido tudo o que queria. O

prêmio impulsionou a carreira de diversos profissionais da imagem e ajudou a mudar a

imagem do fotógrafo.

Ainda assim, é importante destacar, sempre há divergências e a ponderação, em relação

à época em que o prêmio ainda estava começando, é feita pelo próprio Luiz Pinto:

“Ué, você vê pelos prêmios, agora que tá melhorando. Você vê a

injustiça que o Esso faz do prêmio? Não viu? [...] Há anos. Quem

71 Uma história escrita por vencedores, 2006, Op. Cit, p. 12.

63

vai pros Estados Unidos é o repórter. Fotógrafo não vai nem pra

Nova Iguaçu.72

Para os fotógrafos que ganharam o prêmio Esso, especialmente nesse contexto de

afirmação da profissão dentro do modelo hierárquico que privilegiava o repórter, o

capital simbólico acumulado pelo reconhecimento da classe jornalística pôde ser

revertido em conquistas tanto no âmbito do cotidiano do jornal quanto nas questões de

fundo trabalhista como aumento de salário, melhores condições de trabalho para o

fotógrafo, equipamento de melhor qualidade, maior autonomia na escolha das imagens

que seriam publicadas, dentre outras coisas.

Um dos melhores exemplos da importância do Esso na equiparação de posições dentro

das instâncias do jornal é o fotógrafo Erno Schneider, que venceu a edição de 1962 do

prêmio com a fotografia “Qual o Rumo?”, publicada no Jornal do Brasil em 1961. A

imagem do então presidente Jânio Quadros com os pés apontando para direções opostas

ficou muito famosa e pode ser considerada uma das mais conhecidas dentre das

fotografias jornalísticas já publicadas. Além disso, ela contou com diversas atualizações

e foi apropriada em contextos distintos, sendo constantemente citada por outras

fotografias.

A trajetória de Erno e de sua foto que entrou para história serão abordadas com detalhes

no capítulo 4 deste trabalho. No entanto vale ressaltar nesta altura a iniciativa do

fotógrafo em empreender modificações significativas na estrutura do processo de

publicação de notícias no que diz respeito à imagem e seus profissionais. Após a

conquista do prêmio, o prestígio alcançado e o reconhecimento da qualidade de seu

trabalho atestaram o que já começava a ser delineado – especialmente no JB, que a essa

altura já passara por sua reforma gráfica – pela crescente importância da fotografia na

constituição do jornal diário: a relevância do papel do fotógrafo como um dos atores no

processo de produção e veiculação da informação jornalística.

Erno Schneider inaugura no Brasil o cargo de editor de fotografia quando vai para o

Correio da Manhã em 1964. Promove mudanças que privilegiam a fotografia no jornal

e trabalha pela ampliação de direitos e valorização do fotógrafo nas redações por onde

passou, inclusive, comprando briga com chefes de redação. No período em que a

72 Idem.

64

editoria de fotografia está sob o comando de Erno, o Correio recebe um Prêmio Esso de

Fotografia, em 1966, com a imagem "Brasil no Golfe Internacional". Detalhe curioso é

que a fotografia em questão, feita pelo Manuelzinho, como era conhecido o fotógrafo

Manoel Gomes da Costa, foi publicada duas vezes apenas pela proeminência de sua

composição visual, visto que em nenhuma das ocasiões a imagem vinha acompanhada

de uma notícia. No dia 5 de janeiro de 1966, ela compunha uma página que adotava um

padrão semelhante ao feito pelo JB, que informava visualmente os lances dos "Melhores

Momentos do Esporte do Ano que Passou". Quase toda a página era ocupada por cinco

fotografias, as quais traziam um ponto de vista inusitado ou plasticamente documentado

de determinado acontecimento esportivo, que bem poderia se chamar os melhores

momentos fotográficos do esporte. No fim do mesmo ano - 31 de dezembro - mais uma

coletânea com as melhores fotografias do ano traz a imagem feita por Manoel,

indicando que ela havia sido contemplada Prêmio Esso.

Figura 6: Correio da Manhã, 5 de janeiro de 1966.

65

Quando vai para o jornal O Globo, um dos grandes no país, em 1974, depois de já haver

recusado um convite da empresa, Erno se depara com dois grandes problemas: a

péssima editoria gráfica do jornal e a hierarquia nas redações. Em seu relato fala sobre

como o tratamento dispensado ao fotógrafo:

“‘Meu fotógrafo?!’ Teu fotógrafo uma ova! Tinha um chefe de

reportagem lá no Globo, não me lembro o nome dele, [...] que disse

‘Erno, tu está usando meus fotógrafos...’ e eu rebati: ‘Como é que é?

Teus fotógrafos!? Você já tem fotógrafo? Eu não sabia. Fotógrafo

quem tem é o Roberto Marinho. Agora, quem, por enquanto, está

mandando neles lá (na fotografia), sou eu’. Aí, ele foi reclamar pro

Rogério (Marinho) e o Rogério deu um esporro. Foi demitido. Pela

primeira vez eu senti culpa depois. Ele foi demitido por minha

causa”73

E sobre como, a partir da competência que seu nome representava na imprensa,

conseguiu levar para O Globo uma equipe inteira de fotógrafos – que do contrário iriam

ficar sem emprego, já que o Correio da Manhã fechou logo em seguida –, ganhando

salários acima da média e valorizando a profissão:

“’Olha, eu vou trazer cinco fotógrafos’. ‘Não...puxa vida! Vou

pagar quanto pra eles?’. Nunca esqueço. Os fotógrafos do Globo

ganhavam um salário mínimo do, da, da, do sindicato, né? 260

reais, se não me... Nunca esqueço. ‘Tá, mas eu vou querer 1200 pra

cada um... dos fotógrafos’. Nossa senhora! (risos) Na redação acho

que ninguém ganhava isso. Mas claro, pra ir, levar a turma... 260

pau... Valorizou...”74

A importância de Erno para o fotojornalismo é reconhecida até mesmo por seus colegas

de profissão, uma vez que em várias entrevistas com fotógrafos que foram seus

73 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. 74 Idem.

66

contemporâneos a sua atuação na conquista de melhores condições de trabalho é

lembrada, como no depoimento de Luiz Pinto que trabalhou com ele no Correio da

Manhã e foi um dos que migrou para O Globo:

“Mas o salário só foi aumentando no país, se deve, se o jornalista

hoje ganha bem, deve-se ao Erno Schneider. Que fotógrafo sempre

ganhou mal. Repórter fotográfico.”75

Como já foi dito antes, e é importante salientar, o Prêmio Esso não pode ser considerado

isoladamente para a compreensão do processo que levou à valorização do

fotojornalismo. Tampouco pode ser analisado sob uma perspectiva de causa e

consequência, pois não foi devido a ele, exclusivamente, que os fotógrafos ganharam

prestígio nas redações. A premiação constitui-se, contudo, em um importante elemento

de distinção, inserido no bojo das transformações da imprensa, que pôde ser

capitalizado para a afirmação da importância do fotógrafo diante da preponderância da

fotografia como forma de expressão nos jornais. Uma prova de que o prêmio não é a

única via para o reconhecimento na profissão é o célebre fotógrafo Evandro Teixeira,

que fez parte da geração de fotojornalistas que fizeram do Jornal do Brasil uma

referência em termos de fotografia. Evandro, embora nunca tenha recebido um Esso na

vida e é um dos mais prestigiados profissionais do país, tendo, inclusive, sua trajetória

como fotojornalista documentada em um filme recente, chamado "Evandro Teixeira –

Instantâneos de Realidade" de 2004, além de ter sido homenageado pela Escola de

Samba Unidos da Tijuca no carnaval carioca de 2007

76

Outra característica relevante do Prêmio Esso é o estímulo a competitividade, que de

certo modo está relacionada com a premissa explicitada pelo patrocinador do concurso,

da criação de um programa institucional destinado a investir no desenvolvimento e

aperfeiçoamento do jornalismo – incluindo o fotojornalismo – nacional. Nesse cenário,

ganhar um prêmio que reverencia o seu trabalho, homenageia a sua competência e é

referendado por toda a classe jornalística pode ser visto como um incentivo para os

.

75 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad em 03/05/2002, depositada no Laboratório de História Oral e Imagem do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (LABHOI-UFF). 76 LOUZADA, Silvana, 2009. Op. Cit., p. 106.

67

fotógrafos de imprensa – atuantes ou não – buscarem melhores imagens que serão

convertidas em melhores chances que concorrer e talvez ganhar tal reconhecimento.

Essa relação não deve ser simplificada e nem se traduz como uma competição

declarada, em que todos disputam abertamente uns com os outros o melhor click.

Entretanto, no fazer do dia a dia, nos riscos ao quais se expõe, nos enquadramentos

escolhidos e até nas fotografias “acidentais”, descobertas apenas depois da sua

revelação, o fotojornalista vislumbra em sua subjetividade a recompensa pelo esforço e

pelo trabalho bem feito, que passa a ter um referencial de excelência e pode ser

materializado através da conquista meritória de um prêmio de tamanho prestígio.

Tendo isso em vista, pode-se apreender que o fotógrafo que recebe o prêmio passa a

figurar como uma referência dentro da profissão e sua imagem vitoriosa representa os

critérios, julgados por outros fotógrafos é bom destacar, da boa reportagem fotográfica.

Tanto um quanto outro servem de inspiração para outros profissionais que almejam o

mesmo tipo de reconhecimento profissional. As imagens vencedoras balizam não

apenas um atestado de qualidade que se quer alcançar como também os parâmetros de

excelência a serem superados. Assim, o fotojornalismo como um todo se rediscute como

linguagem e atualiza as suas formas de se expressar seguindo tendências que se

alternam e estão em disputa na constituição do campo.

Não se pode esquecer também de um outro fator que caminha junto com a

competitividade e a distinção conferida pelo prêmio: a difusão e o estímulo ao ingresso

na profissão. A imagem mítica criada em torno da atividade fotojornalística associada à

natureza heroica do fotógrafo do campo de batalha que arrisca a própria vida pela

melhor imagem77 é reafirmada pelos ditames da competição cujos critérios,

especialmente no início, estão muito ligados à concepção de fotojornalismo que valoriza

aspectos como “dramaticidade, oportunidade, esforço do fotógrafo, ineditismo”78

Se ao fotógrafo que recebe o Prêmio de Melhor Fotografia do Ano são destinadas as

honrarias e homenagens pelo trabalho bem feito, para o jornal que veiculou a imagem

vencedora fica a propaganda positiva e a chancela de qualidade que o distingue dos

.Com

isso, o fotojornalismo ganha mais um símbolo para investi-lo de glamour e prestígio,

que contribui para difundir a atividade e angaria novos fotógrafos ou entusiastas da

fotografia para os quadros da profissão.

77 Idem, p. 94. 78 Folha de São Paulo, 24 de julho de 1960, p. 8.

68

outros grupos de comunicação. Sendo assim, analisando o fator competição em outra

escala, o Esso também movimenta disputas de outra natureza: entre as empresas de

jornalismo, cujo objetivo é o consumo de informações e a obtenção de lucro. Para esses

grupos empresariais ter em sua equipe um profissional que ganha um prêmio importante

no meio jornalístico é também uma propaganda de suas qualidades, o que contribui para

a obtenção de maior destaque e credibilidade ante seus pares e leitores.

São muitos os veículos que dão nas suas primeiras páginas a notícia de que venceram o

prêmio Esso, citando o feito como motivo de orgulho dos seus quadros profissionais,

bem como de atestado do investimento do jornal em qualidade editorial e modernização

para a satisfação do público leitor. O Jornal do Brasil, sendo o veículo que mais venceu

o Prêmio Esso em diversas categorias, habitualmente noticiava sua superioridade como

na primeira página do dia 10 de maio de 1963, a qual traz a fotografia, feita por Alberto

Ferreira, vencedora da edição de 1962 com a legenda “Esta é a foto de Alberto Ferreira,

vencedora do Prêmio Esso: a solidão e a dor de Pelé”. Ao lado da imagem o lead para

a matéria, que continuava na página 8, com o título “JB ganha 6 prêmios de fotografia”.

Embora o texto do resumo tenha sido redigido em tom de imparcialidade fica evidente

que o destaque dado ao fato, além da autopromoção, se sobressai em relação aos outros

assuntos, pois a matéria – foto mais texto – ocupa cerca de 30% da primeira página em

relação às notícias. No mesmo dia as capas de outros jornais eram dedicadas ao

aumento oferecido pelo governo do funcionalismo público e à liberação médica de Pelé

para participar de uma partida da seleção.

69

Figura 7: Primeira página do JB de 10 de maio de 1963.

Na continuação da matéria na página 8 o redator descreve uma a uma as seis menções

recebidas pelo jornal na edição de 1962 do Prêmio Esso, ressalta o fato de o veículo ter

sido bicampeão do prêmio tanto na categoria principal quanto no concurso de fotografia

e ainda ter levado prêmios inéditos em seções criadas pela primeira vez naquela edição

70

como equipe esportiva. A reportagem vem com uma fotografia da comemoração da

equipe esportiva na redação, com direito a “champanha” e com a exaltação dos

profissionais que foram os responsáveis pela conquista, citando nominalmente cada um

deles e incorporando no texto pequenos depoimentos dos autores dos trabalhos

vencedores.

Como um veículo que primava pela qualidade gráfica de sua publicação e gostava de

ostentar sua superioridade fotográfica, o JB agregava com o Esso o reconhecimento

público de todo o setor jornalístico das qualidades que defendia e do estilo diferenciado

que marcou a publicação após as reformas do final dos anos 1950. Por outro lado, como

uma empresa que depende de público e anunciantes para se manter ativa, uma conquista

como a do Prêmio Esso de Jornalismo também cria uma associação positiva de sua

marca com os valores do “bom” jornalismo apregoados pelos patrocinadores e

organizadores do concurso, reforçando aspectos preconizados pelo novo tipo de

imprensa que se pretendia conformar, como a credibilidade, o impacto, o furo de

reportagem, dentre outros.

Figura 8: Jornal do Brasil de 10 de maio de 1963, página 8.

71

No caso específico da foto vencedora de Alberto Ferreira, o texto traz uma informação

interessante a respeito da auto-imagem que o jornal fazia acerca da distinção de sua

própria produção fotográfica e da sua superioridade em relação aos demais, ao destacar

que além de o veículo ser “bicampeão no prêmio nacional de fotografia”, a imagem e o

texto publicados no Caderno B foram também veiculados – tendo o texto sido transcrito

– em jornais e revistas da Europa. Ou seja, o mérito circunscrito a conquista do Esso

ratifica o prestígio ainda maior que é o reconhecimento internacional.

Outro aspecto a ser ressaltado trata da vinculação entre a fotografia e o fotógrafo, já que

Alberto Ferreira é relacionado nominalmente no texto valorizando o aspecto autoral da

imagem. Na reportagem, o fotógrafo afirma que “considera o prêmio como a mais

brilhante etapa da sua carreira”, embora “o dinheiro, ele dará à mãe, porque acha que

ela o usará melhor”, preferindo “guardar para si a emoção do momento em que soube

da vitória”79

O reconhecimento profissional do fotógrafo de imprensa e a competição entre os jornais

e revistas pelo título que excelência, se considerados reciprocamente, geram ainda mais

um fator que merece destaque na abordagem proposta. Se o Prêmio Esso passa a ser

cobiçado pelos chefes de redação e donos de empresas jornalísticas de todo o país, esses

grupos também passam a querer em seus quadros profissionais fotógrafos agraciados

com um Esso. Sob essa perspectiva, então, na medida em que a importância da

premiação aumenta para o setor jornalístico, os fotógrafos consagrados com a

homenagem principal ou com menções honrosas também se valorizam, pois ganham

projeção e propostas de trabalho. Se acontecer como no caso de Erno Schneider, que

leva para O Globo toda a equipe do Correio da Manhã com salários acima da média,

toda a categoria sai ganhando e o reconhecimento individual transforma-se em benefício

coletivo.

. Essa fala confirma a hipótese da importância do prêmio como um

elemento de distinção que projeta a carreira do fotógrafo e é motivo de orgulho para o

mesmo. O jornal que o emprega também reconhece a qualidade de seu funcionário ao

abrir espaço nas suas páginas e promover uma inversão de papéis em que o jornalista ou

fotógrafo torna-se notícia, sendo prestigiado enquanto ator no processo que leva a

empresa ao reconhecimento público. No ano anterior, Erno Schneider, que havia

conquistado o prêmio de fotografia na ocasião, teve até mesmo sua foto publicada na

primeira página do Jornal do Brasil que anunciava a vitória.

79 Jornal do Brasil, 10 de maio de 1963, p. 8.

72

Ainda nesta questão pode-se inferir que a mobilização das empresas de comunicação

para a obtenção de um prêmio de qualidade também contribui para o aprimoramento da

fotografia de imprensa no que concerne ao investimento na produção de imagens

consideradas “boas”, passíveis de receberem um prêmio. Isso se reflete, além do

investimento em recursos humanos, em melhorias técnicas e estruturais como a

qualidade do equipamento, a condição de trabalho do fotógrafo, os laboratórios de

revelação e reprodução, as editorias de fotografia e outros fatores que ampliaram a

participação das imagens no jornalismo diário.

Por fim, o terceiro fator objeto de análise neste capítulo diz respeito à contribuição do

Prêmio Esso na construção da identidade do fotojornalismo nacional. Uma das

características interessantes de uma premiação como esta, abrangente e legitimada por

boa parcela da classe jornalística, é o agrupamento de profissionais em torno das

questões técnicas, estéticas e de linguagem que irão caracterizar o fotojornalismo e

diferenciá-lo de outros campos da atividade fotográfica. As etapas da premiação e o seu

entorno promovem um encontro de pessoas interessadas em um mesmo tema para

discutir e refletir sobre suas práticas e seus conceitos. Desde o fotógrafo ou editor que

vê uma fotografia como potencial candidata a ganhar o prêmio, até a escolha da imagem

vencedora estão em jogo disputas em torno da constituição do fotojornalismo como um

campo. O que se reflete na escolha da comissão julgadora, na reunião desta para a

seleção das melhores imagens, na expectativa dos concorrentes e nas especulações sobre

quem irá levar o Esso daquele ano.

Cria-se assim um circuito que envolve os atores do processo de produção da notícia

através de imagens, uma ocasião propícia para se pensar naquilo que se considera uma

“boa” fotografia de imprensa, que caminha paralelamente com as demandas e questões

em torno da identidade do fotojornalismo. O que o distingue do fotoclubismo, da

fotográfica artística ou da fotografia amadora. É bom ressaltar que questão identitária

não está sendo pensada aqui como um processo evolutivo, tampouco como um caminho

para chegar a um consenso que contemple todas as demandas do fotojornalismo. Mas

como um espaço de disputas, que embora procure balizar os pressupostos da atividade

está em constante transformação e sofre influências de diversas tendências que vão

sendo incorporadas e mescladas de acordo com outros fatores como a subjetividade do

fotógrafo, a linha editorial do jornal ou da revista, o tipo de público que espera atingir e

a conjuntura histórica e os regimes de visualidade vigentes. De modo que a influência

73

do Esso na constituição da atividade fotojornalística opera com todos esses elementos

ajudando a agrupar atores do processo e consolidar, através das imagens vencedoras,

uma memória do fotojornalismo nacional. Memória esta acionada e atualizada a cada

novo ato de rememorar, como em exposições, homenagens e livros comemorativos dos

aniversários em datas simbólicas, além do material informativo sobre a história do

prêmio disponibilizado pela empresa na internet.

No que concerne ao agrupamento, é importante destacar, a formação de um circuito que

faz com que profissionais já reconhecidos avalizem o trabalho de outros, tornando-os

também respeitados dentro do meio. Alguns vencedores do Esso passam a compor

comissões julgadoras nas edições posteriores. É dentro desse grupo, que na primeira

década de premiação não é muito grande e nem envolve muitos nomes diferentes, que

estarão sendo formuladas as principais questões acerca da constituição da profissão. Um

movimento interessante que ocorre nas primeiras edições do concurso de fotografia na

década de 1960 é a participação cada vez maior de jurados provenientes de jornais

diários, em detrimento de fotógrafos de revistas ilustradas80

Por outro lado, no período em que se dá a inauguração do Prêmio Esso de Fotografia as

iniciativas de associativismo profissional vinham se desenrolando como uma forma de

fortalecer a categoria na disputa por demandas trabalhistas, mas também como centros

de difusão da atividade fotográfica e espaço de compartilhamento de saberes a respeito

da prática. A ARFOC/RJ – Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos

do Rio de Janeiro – foi fundada em 1946; a Associação Brasileira de Fotografia, em

1951, assim como outras iniciativas em outros estados do país. Silvana Louzada afirma

que a constituição das associações de fotografia estava mais relacionada ao estatuto

artístico da imagem fotográfica que ao ethos do repórter fotográfico. A autora,

entretanto ressalta que o fotógrafo de imprensa gravita entre a técnica e a arte e a

. Essa transferência

demonstra a configuração de uma tendência associada a novos padrões visuais que

vinham sendo construídos com a ampliação do espaço da fotografia no jornalismo

diário.

80 Nas primeiras edições do Prêmio Esso de Fotografia as comissões reuniram um total de 5 fotojornalistas que atuavam em jornais diários e 3 das revistas ilustradas, sendo que dois deles - Nicolau Drei, da Manchete e Henri Ballot, de O Cruzeiro - formavam a primeira comissão de julgadores especializados em fotografia na edição de 1961. A formação de comissões específicas para fotografia ocorreu até 1965, posteriormente as formações de julgadores se dividiam em categorias regionais.

74

construção de uma identidade profissional se dará a partir da distinção conquistada ao

longo do processo de valorização da imagem na imprensa diária81

Além disso, o Esso atua também no que diz respeito a difusão dos critérios definidores

da excelência fotojornalística, uma vez que projeta não só o fotógrafo como também a

fotografia para fora da esfera local. A imagem publicada no jornal como parte de uma

informação noticiosa tem a abrangência definida pelos espaços em que o jornal circula

tanto geograficamente quanto de acordo com o grupo que constitui o público leitor

daquela publicação. Quando ganha o prêmio ela se desvincula de sua função noticiosa e

se resignifica ao representar uma concepção de linguagem merecedora de um destaque

frente outras milhares de imagens publicadas diariamente. Transcende seu caráter

indiciário e a mensagem que veicula para se configurar como um símbolo da fotografia

de imprensa desejada. Nesse processo expande sua abrangência para além do seu

circuito original, ganha notabilidade e atinge novos públicos, dentre os quais fotógrafos,

interessados no desenvolvimento e na projeção profissional. Nesse sentido, a divulgação

e o destaque da imagem é um importante canal de aprendizado da linguagem, o

aprender observando o outro, especialmente quando esse outro obteve sucesso e dentro

de um contexto em que a formação profissional do fotógrafo não contava com escolas

ou instituições de ensino formais da profissão.

.

A monumentalização da fotografia premiada, bem como a definição de critérios de

valoração que contribuem para o desenvolvimento de uma linguagem fotográfica de

imprensa são aspectos que perpassam a construção de uma memória do fotojornalismo e

através dessa memória engendra os processos de afirmação da identidade. O Esso faz

parte desse processo ao promover a reunião de grupos de fotógrafos que estão atuando

na construção das regras balizadoras do campo de atuação de seus pares, em um

momento em que tais definições garantiriam a afirmação e consolidação da profissão,

bem como o tipo de inserção que essas profissionais teriam nas redações em que

trabalhavam.

A construção de uma linguagem própria do fotojornalismo e o reconhecimento dessa

distinção pelo prêmio contribuem para a reforçar o sentimento de pertencimento a um

grupo específico, ao mesmo tempo em que unifica a memória desse grupo82

81 LOUZADA, 2009. Op. Cit., p. 79.

. Montar

82 POLLACK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: "Revista Estudos Históricos". Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15, p. 9.

75

uma galeria de imagens vencedoras ao longo de diversas edições do prêmio Esso reflete

também a história da própria constituição do fotojornalismo como atividade

profissional. As divergências, aproximações e os fragmentos desses embates pela

memória da categoria, deste modo, podem ser representados pelas fotografias

homenageadas com o prêmio.

Esse destaque propiciado pelo Esso ajuda a investir a reportagem fotográfica de uma

importância que permite a ela se estabelecer como re-significadora do real, preterindo a

função de apêndice do texto do redator. Não obstante, através dos parâmetros

valorizados nas fotografias vencedoras foram sendo estabelecidas uma série de

referências, as quais caracterizavam o bom trabalho fotográfico e, por conseqüência

contribuíram na formação profissional de diversos fotojornalistas. A relevância dessas

referências para o ofício do fotojornalista está no fato delas se apresentarem como uma

leitura de mundo autorizada por aqueles que de algum modo iniciaram a trajetória da

fotografia na imprensa e foram reconhecidos por isso.

Se a origem do fotojornalismo brasileiro se deu via Revistas Ilustradas, ainda na década

de 1940, a etapa de disputas pela em torno das melhorias das condições de trabalho da

classe profissional ocorrerá ao longo dos anos 1960, avalizada por conquistas pontuais,

para as quais o Prêmio Esso trouxe contribuições significativas. Todos esses elementos

irão convergir para o fortalecimento em torno das tentativas de associativismo da classe

profissional, buscando ampliar as perspectivas de qualificação formal para campo e

legitimar a inscrição atividade no jornalismo, preterindo a identificação recorrente do

repórter fotográfico como um componente alheio aos pressupostos do setor e investindo

numa participação integrada dentro da organização dos meios de imprensa. Nessa

trajetória de consolidação, outra importante contribuição do Prêmio Esso foi a

associação nominativa entre a imagem vencedora e seu autor. Assim, a fotografia era

avaliada e selecionada, mas quem recebia o prestígio por sua qualidade era o fotógrafo

responsável por sua captura, apontando para uma perspectiva contrária a ideia da

imagem técnica objetiva, puramente mecânica.

Em certa medida, os avanços conquistados pela fotografia no jornalismo diário

acompanharam a trajetória seguida pela categoria dentro do contexto do Prêmio Esso, já

que a partir da escolha de 1962 a grande maioria das imagens premiadas saiu das

páginas dos jornais, assim como os fotógrafos designados para compor o júri da

categoria. Não só o prêmio, mas a conjuntura social da década de 1960, marcaram a

76

trajetória do fotojornalismo brasileiro, por possibilitarem sua inscrição definitiva, como

linguagem dotada de caráter informacional, nos meios de imprensa, agregando valor aos

jornais e revistas e ampliando sua difusão.

O estabelecimento da categoria que contempla o fotojornalismo no Prêmio Esso e a

afirmação da atividade dentro dos meios de imprensa, teceram, no correr da década de

1960, uma trajetória paralela de valoração. Deste modo, assim como o aparecimento de

uma fotografia na lista de premiados de um concurso voltado para a imprensa reflete o

desenvolvimento do fotojornalismo nacional, principalmente no que diz respeito a uma

evolução qualitativa dos profissionais da área, o reconhecimento do campo e o incentivo

que representava a disputa e consagração através do Prêmio Esso de Fotografia

fomentou a busca constante de patamares de excelência cada vez mais elevados, na

formulação de novas perspectivas e paradigmas que nortearam toda uma geração de

fotojornalistas a empreenderem esforços na constituição de uma identidade própria,

associada aos desdobramentos das reivindicações sobre valorização da profissão. Por

intermédio do prestígio agregado pelo prêmio, o trabalho dos repórteres fotográficos

ganhou em qualidade, quantidade e, fundamentalmente, valor.

77

O foco desta parte do trabalho recai sobre as imagens consagradas com aquela que era

nas décadas de 1960 e 1970 – recorte cronológico proposto para essa pesquisa – a

premiação mais significativa para o jornalismo nacional, sendo prestigiada por boa parte

da classe dos que nele atuava: o Prêmio Esso. A abordagem proposta procura identificar

nas fotografias premiadas os protocolos visuais que mais se destacaram ao longo de 20

anos de concurso e fazer uma relação desses protocolos com a constituição do

fotojornalismo brasileiro na contemporaneidade.

As imagens vencedoras do Esso tornaram-se ícones de qualidade fotojornalística, as

quais representam tanto a realização de um trabalho excepcional como a competência de

quem o realizou. Assim sendo, essas imagens, destacadas de sua função de reportar uma

notícia, não apenas referenciam o motivo fotografado, mas também evidenciam

parâmetros definidores do fotojornalismo como campo de atuação e como linguagem,

destacando atributos valorizados pelos profissionais que selecionam as fotografias

merecedoras de um título de distinção frente as demais. Em última instância, esses

critérios são relevantes no que diz respeito a relação que essas fotografias estabelecem

com a conformação de uma cultura visual ligada ao fotojornalismo, ao criar e difundir

Capítulo 2

De frente para a

imagem

78

protocolos de visualidade. Estes, por sua vez, se repetem em outras imagens e fazem

com que uma fotografia jornalística seja associada a transmissão da notícia e

reconhecida como tal por quem a vê, fundando uma espécie de identidade que distingue

o fotojornalismo dos demais tipos de práticas fotográficas.

A análise das imagens que ganharam o Prêmio Esso procura responder a questões que

evidenciem os critérios de julgamento que levaram umas fotografias e não outras ao

sucesso. Uma vez que elas tinham como propósito a notícia, atendiam a necessidade de

figurar e ordenar uma informação visual e ao mesmo tempo conformar e difundir uma

visão de mundo. Neste sentido cabe indagar: o que distinguia as fotografias que

ganhavam o prêmio Esso?

A metodologia adotada se apoia na perspectiva histórico semiótica83

"as imagens são históricas [e] dependem das variáveis técnicas e

estéticas do contexto histórico que as produziram e das diferentes

visões de mundo que concorrem no jogo das relações sociais. Nesse

sentido, as fotografias guardam, na sua superfície sensível, a marca

indefectível do passado que as produziu e consumiu. [...] Aí reside a

competência daquele que analisa imagens do passado: no problema

proposto e na construção do objeto"

para compreender

a mensagem fotográfica veiculada pelas fotografias vencedoras, avaliando se os signos

comunicativos expressados pela informação visual, associadas ao estudo do contexto

histórico em que a fotografia circulou, foram preservadas. De acordo com a Mauad:

84

Para que as imagens falem, o uso da semiologia nessa abordagem vai ao encontro de

uma perspectiva em que ela serve como ferramenta relacionada aos processos de

comunicação, significação e produção de sentido nas sociedades. Assim, busca-se fazer

uma leitura das imagens que permita decifrá-la como signo, tentando compreender os

códigos visuais que são operados através da linguagem e convencionados socialmente

com a intenção de transmitir uma mensagem. Tal análise considera a fotografia tanto na

dimensão do conteúdo quanto da expressão. Ou seja, por um lado procura observar e

colher dados acerca do motivo retratado na imagem e por outro investiga as opções

83 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes. pp. 29-56. 84 Idem, p.41.

79

técnicas e estéticas empregadas para a compor a organização espacial dos objetos e

pessoas em cena, tais como a iluminação, o enquadramento, a nitidez, entre outros que

caracterizam os aspectos formais da imagem fotográfica85

Contudo, é importante não perder de vista que as formas de ver e comunicar são dotadas

de historicidade e, portanto, engendradas através da cultura, entendida aqui como um

campo de disputa em torno da capacidade de significar o mundo, e de acordo com as

práticas e representações sociais dos sujeitos históricos em determinada época. Por esse

motivo, a associação entre semiótica e contexto histórico é fundamental para

complexificar a análise das fotografias em questão, procurando também inferir acerca

das suas relações de produção, publicação e circulação.

.

Em virtude da natureza heterogênea da coleção, optou-se por uma ficha de análise que

contemple aspectos da imagem relacionados ao sistema de produção de notícias. Deste

modo, as unidades de análise foram utilizadas para dar conta das informações que

envolviam o Prêmio Esso e a produção de notícias, tais como o veículo em que a

fotografia foi publicada, prêmio que recebeu na ocasião, espaço no jornal ou revista que

ocupou, seção temática que cobriu, dentre outros (Anexo I). O corpus fotográfico é

composto por 42 fotografias e circunscrito pela participação das mesmas na lista de

premiados do Esso. Estas imagens são significativas, pois fazem parte de um

selecionado, ou seja, dentre todas as imagens publicadas na imprensa nos anos

analisados, representam o que foi escolhido como o melhor do fotojornalismo. Sendo

assim, tornaram-se ícones não apenas dos acontecimentos que noticiaram, mas também

das práticas e formas de visualizar o mundo tidas como superiores por um grupo de

pessoas que tinham a prerrogativa de julgar e premiar tais imagens.

A análise das imagens pauta-se, portanto, na noção de foto-ícone, fotografias que pela

conjugação de expressividade, conteúdo e contexto ganham uma face pública e se

relacionam com a noção de acontecimento histórico86

85 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha – sugestões para um estudo histórico. Tempo, Niterói, v.7, n. 13, p.131-151, 2002, p. 134.

. As foto-ícones são imagens que

ganham notoriedade e sentido a partir da capacidade de condensamento do tempo, ou

seja de representar uma síntese do momento em que foi capturada. No caso das

fotografias e imprensa, especialmente as que foram consagradas com um Esso, a

86 MAUAD, Ana M. Foto-ícones, a história por detrás das imagens? Considerações sobre a narratividade das imagens técnicas. In: RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.). Imagens da História. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 33-66.

80

iconicidade da imagem se relaciona com a capacidade de adensar em um único

fragmento os diversos aspectos que orbitam em torno do acontecimento noticiado - tais

como os sentimentos envolvidos, a dramaticidade, a conjuntura histórica, a causa e o

efeito - assumindo com ele uma relação metonímica de referenciar o todo a partir da

parte: o fragmento instantâneo capturado pela câmera. Assim, a imagem que atinge o

leitor nas páginas de um jornal ou revista permite uma leitura não apenas do visível e

passível de ser apreendido através dos sentidos, mas também do não-visível, que

transcende a superfície da foto e "como num flash recupera o fato sendo a ponta de um

iceberg - a presentificação do vivido."87

Entretanto, como aponta a análise do historiador Ulpiano Menezes que, para

compreender os significados que estão envolvidos na trajetória de sucesso da fotografia

"Miliciano republicano abatido" feita por Robert Capa durante a Guerra Civil

Espanhola, bem como os motivos que levam essa imagem a se perenizar como símbolo

de um contexto histórico específico, é necessário um exercício metodológico que amplie

o escopo da investigação histórica em que as fontes visuais são privilegiadas. Para o

autor, ao serem consideradas ícones de determinado grupo social, as fotografias

oferecem ao pesquisador pistas relevantes acerca dos sujeitos históricos que as

destacaram como tal. desse modo essas fontes visuais

"não devem se constituir como objetos de investigação em si, mas

vetores para a investigação de aspectos relevantes na organização,

no funcionamento e na transformação de uma sociedade"88

Tendo isso em vista, o caminho escolhido para a análise da série de fotografias

vencedoras do Prêmio Esso de Fotografia foi a criação de uma tipologia das imagens

que permita identificar os atributos fotográficos mais valorizados pelas comissões

julgadoras para a escolha de determinada imagem como merecedora de um título de

distinção frente a outras. Os tipos de imagem premiadas serão organizados em blocos

que serão analisados à luz das características destacadas nas fotografias e tecendo uma

relação entre estas e o contexto em que foram veiculadas e selecionadas pela premiação.

.

87 Idem, p. 2. 88 MENEZES, Ulpiano. Op. Cit., 2002, p. 150.

81

A partir desta análise, busca-se inferir sobre como determinados protocolos de

visualidade que concorrem para a constituição do fotojornalismo no Brasil

contemporâneo são valorizados e apropriados como sinônimo que competência e

qualidade fotojornalística. Além disso, esta abordagem procura mapear a recorrência

desses protocolos em outras imagens, tanto em edições posteriores do concurso, como

nas páginas de jornais e revistas identificadas com um tipo de fotografia associada ao

fotojornalismo por quem as observa.

Para montar essa tipologia, foi organizado um quadro com todas as fotografias

relacionadas na lista de premiados do Esso, as quais constituem-se como unidades de

análise. Este quadro reúne dados de identificação e autoria da imagem; veículo em que

foi publicada; informações sobre sua participação no Prêmio Esso, como ano em que foi

homenageada, título de consagração ou valor em dinheiro pago como prêmio e

comissão julgadora. Além disso, cada imagem foi classificada de acordo com as

características que mais se destacam quanto a expressão e ao conteúdo, indexando-as

através de descritores.

A partir da classificação estabelecida no quadro geral, as fotografias que possuíam

aspectos em comum foram agrupadas e os protocolos visuais que se repetiram foram

utilizados como delimitador dos blocos de análise. Os critérios utilizados na

classificação das imagens estão relacionados a dois fatores: as concepções de ver e

representar identificadas com o fotojornalismo contemporâneo, advindas das vertentes

que pensaram e organizaram os parâmetros que definem o campo de produção de

imagens de imprensa; e os aspectos divulgados pela organização do concurso

promovido pela Esso como critérios para a seleção das melhores fotografias.

No que diz respeito as concepções que nortearam a constituição do fotojornalismo

contemporâneo como atividade, estão em jogo questões técnicas e estéticas que

distinguem a fotografia de imprensa dos outros tipos de fotografia e configuram os

pressupostos da atividade, tais como: efeito-verdade, noticialiadade e impacto da

informação visual, engajamento do olhar e denúncia social, função documental da

imagem, relação com formas artísticas, etc.

Já os critérios utilizados pelo prêmio para julgar os trabalhos inscritos foram levantados

a partir de jornais do período estudado que traziam notícias sobre a chamada para

inscrições no Prêmio Esso com informações sobre as regras e a organização do

concurso. Dentre esses fatores, considerados importantes na escolha da melhor

82

fotografia, foram levantados: técnica fotográfica, dramaticidade, senso de oportunidade,

esforço do fotógrafo, ineditismo, repercussão, elementos de informação jornalística,

etc.89

Antes porém de considerar a tipologia das imagens e analisar os protocolos visuais em

suas especificidades, se faz necessário uma incursão pela série completa das imagens

vencedoras, destacando os pontos de aproximação entre suas unidades fotográficas e

algumas características do conjunto tomado como objeto. Essa incursão se baseia numa

apuração quantitativa dos dados relativos as imagens premiadas.

.

2.1. A série: imagens vencedoras

A série de imagens analisada é composta pelas fotografias citadas na lista que relaciona

os premiados do concurso promovido pela Esso entre os anos de 1961 e 1979. O que

constitui um conjunto de 42 imagens, englobando as vencedoras do prêmio principal e

as agraciadas com menções honrosas, votos de louvor ou, ainda, homenagens nas

categorias regionais - a partir de 1966 o prêmio muda sua configuração e cria categorias

regionais de premiação, com comissões julgadoras por estado.

Como já foi dito uma das suas principais características é a heterogeneidade, com

temáticas diferentes, composições distintas, planos e enquadramentos variados e

enfocando aspectos diferentes dos recursos fotográficos disponíveis, tanto em termos de

técnica quanto de assunto. Outro fator é a variação dos profissionais premiados, já que

dificilmente um ganhador se repetia nos anos posteriores. Ou seja, ora são mais

plásticas e dinâmicas, ora mais estáticas e dramáticas, ou ainda, em alguns casos

valorizam o furo, a presença do fotógrafo documentando um fato histórico no ato de seu

acontecimento e em outros apelam a subjetividade. Tem ainda as irônicas, que recorrem

a figuras de linguagem e as que valorizam o flagrante.

Apesar disso, alguns aspectos do conjunto conferem um nexo que aproxima essas

fotografias além do fato de todas elas terem sido destacadas em um concurso

especializado. Por outro lado, as informações que dizem respeito ao locus de sua

produção fornecem pistas sobre que tipo de fotojornalismo vinha sendo encarado como

89 Jornais consultados: Jornal do Brasil (23/07/1960, p.9), Folha de São Paulo (24/07/1960, p. 10, 31/10/1961, p. 10) e O Estado de São Paulo (2/11/1961, p.12, 3/11/1963, p. 24, 20/08/1971, p. 18, 25/08/1977, p. 40 )

83

superior, quais são os redutos de sua produção, como utilizam a linguagem visual e qual

é o alcance geográfico de sua atuação.

O primeiro quadro diz respeito às temáticas abordadas pelas fotografias, entendendo

tema aqui de acordo com os critérios de organização e divisão próprio dos jornais para

categorizarem seus assuntos. Na tabela abaixo é apresentada uma relação dos temas

mais abordados pelas imagens consagradas com um Esso.

Temas Fotografias %

Esporte 14 34%

Política Nacional 9 22%

Tragédia 4 10%

Cotidiano 3 7%

Denúncia 3 7%

Acidente 3 7%

Política Internacional 2 5%

Não Identificado90 2 5%

Denúncia / Esporte 1 2%

Total geral 42 100%

Tabela 2:Distribuição temática das fotografias homenageadas no Prêmio Esso (Prêmio Principal, Menções Honrosas e Prêmios Regionais)

Pelo quadro é possível notar que o esporte é o tema mais presente nas imagens da série,

seguido pela temática relacionada a política nacional, sendo que esses dois tipos de

cobertura em conjunto representam 56% das fotografias premiadas.

A cobertura esportiva na imprensa nacional está intimamente ligada à constituição

fotojornalismo, uma vez que consegue corporificar, através da visualidade, uma parte da

experiência que envolve os acontecimentos esportivos, além de funcionar como "prova,

memória e emoção atualizada"91

90 As fotografias que constam na tabela como tema não identificado não foram encontradas na pesquisa. São "O último salto", de Nelson Elias para a Última Hora (São Paulo), "Discípulos de Hipócrates" de Neville Makins para o Diário de São Paulo e "Betoneira Mergulha no Viaduto", de Milton Soares para A Gazeta (São Paulo). Todas elas não possuem registro visual ou informações precisas da origem nos materiais utilizados como fonte, pois não aparecem nem no site da premiação, nem nos livros editados em comemoração aos 40 e 50 anos do prêmio.

. No Brasil, o sucesso das editorias esportivas ainda se

associa com a mobilização despertada pela pelo futebol, construído como símbolo e

91 LOUZADA, Op. Cit., 2009, p. 134.

84

paixão nacional, entre os interlocutores dos jornais e revistas. Considere-se ainda que

entre 1960 e 1979, o time selecionado que representava o país do futebol disputou

quatro Copas do Mundo, das quais saiu vitorioso em duas ocasiões: no bicampeonato

em 1962 e no tri em 1970. Assim das 14 fotografias cuja temática é o esporte, 12 delas,

ou seja 86%, estão relacionadas ao futebol, 1 retrata a queda de um atleta do salto com

vara e a outra é uma inusitada imagem de uma tacada de golfe.

Algumas características da fotografia esportiva consagrada pelo Esso são recorrentes no

conjunto analisado e, ao mesmo tempo, revelam alguns dados acerca do tipo de

abordagem valorizada na competição. O primeiro desses traços é a propensão para

expressar aquilo que é inusitado nos eventos esportivos, em detrimento dos

acontecimentos habituais de uma partida de futebol, por exemplo.Em quase todas as

ocasiões o motivo fotografo tem relação com o futebol, mas está alheio aos lances que

de uma partida que são amplamente documentados em fotografias que vão se

instituindo como padrão nas páginas da seção de esportes dos jornais. No caso das

imagens vencedoras, o destaque não está na vitória de um time - ou da seleção como no

caso de 1962 - ou na fotografia do tira-teima que evidencia um erro de arbitragem e

causa polêmica, ou na pose burocrática e alinhada dos times em disputa, nem mesmo na

clássica fotografia do gol ou de sua comemoração. O fotógrafo mira naquilo que se

torna notícia pela excepcionalidade, que raramente ocorre e que consegue ser capturado

com perfeição no instante exato do acontecimento. A impressão que se tem é que o

acontecimento retratado exerce um vínculo tamanho com os critérios de noticialidade

que poderia migrar das restritas páginas da seção esportiva - as quais trazem as

informações de sempre - e figurar sem problemas na primeira página com destaque.

Na edição de 1963 do Esso, por exemplo, todas as fotografias premiadas tinham como

referente a campanha vitoriosa da seleção brasileira na Copa do Chile no ano anterior.

Entretanto, ao contrário do que se pode imaginar, elas não mostram a vitória, os lances,

os gols, a comemoração ou a comoção nacional. O assunto das imagens, de todas as três

fotografias relacionadas naquele ano, é a contusão que Pelé - o jogador mais importante

do time na ocasião - sofre no segundo jogo da competição contra a Tchecoslováquia,

ainda o segundo do campeonato, e que o afastaria do restante da competição. Foi a

coroação de uma das maiores frustrações da história dos mundiais desde a derrota de

1950, quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo que sediava na final para o Uruguai.

85

Se 1963, a dor de Pelé e o mundial do Chile estão representados em profusão na

premiação, curiosamente em 1970, ano da conquista do mundial no México, o futebol

não figura na relação das fotografias premiadas, embora tenha sido destacado como

Melhor Trabalho Esportivo a reportagem da Revista Manchete intitulada "A epopéia do

Tri", assinada por Ney Bianchi. A revista trazia, além das páginas com texto e muitas

fotos, uma edição sonora composta por um vinil compacto com "As grandes vozes da

Copa", em que a narração dos jogos da seleção poderia ser ouvida e rememorada.

A massiva audiência concedida às fotografias da dor de Pelé em 1963 é uma mostra do

segundo aspecto desse conjunto temático. Tal aspecto é um tanto quanto peculiar e que

de certo modo está relacionado ao primeiro pela questão da valorização do

extraordinário. Ao contrário do que se poderia imaginar, o conteúdo da maior parte das

imagens de esporte premiadas tem como mote principal o fracasso e a derrota. A

comemoração o êxito profissional não tiveram sucesso nas edições do Esso em que a

editoria de esportes se destacou, pois os assuntos mais abordados são derrotas

históricas, violência em campo e fora dele, agressão de juiz, lesões e contusões, torcida

caindo de arquibancada, entre outros que embora estejam fora da normalidade não

impressionam pela demonstração das emoções de alegria e satisfação características

desse tipo de evento.

Finalmente, um outro recurso muito prestigiado é o flagrante, ou seja, a captura do

instante decisivo do acontecimento que resulta em um efeito de congelamento do

tempo. Portanto, a tônica dessas imagens revelam o momento em a ação é interrompida

e perenizada pelo clique preciso do fotógrafo, registrando toda a plasticidade decorrente

da dinâmica de corpos em movimento e produzindo um tipo de estética que se tornou

recorrente no que diz respeito à editoria esportiva de fotografia.

Logo após o esporte, a política surge como tema privilegiado na relação de fotografias

premiadas como Esso. Não obstante o fato de que o período analisado nessa pesquisa

seja caracterizado como um momento de grande instabilidade política na história

recente brasileira, compreendendo inclusive 15 anos de regime de exceção, a política

nacional esteve presente no concurso em questão. De todas as imagens capturadas pelos

fotógrafos premiados, nove delas estão relacionadas com fatos ligados a episódios ou

figuras políticas, sendo que quatro conquistaram o prêmio principal.

86

Os anos 1960 e 1970 no Brasil foram marcados por uma crise política que se instaurou

com a renúncia de Jânio Quadros em 196192

A instauração da ditadura civil-militar no país desencadeou uma série de medidas de

repressão, cassação de mandatos parlamentares, suspensão de direitos políticos, decretos

de estado de sítio, dentre outros atos arbitrários, objetivando a contenção dos

"elementos subversivos" e a manutenção da suposta da ordem pública. As Forças

Armadas assumiram, então, o controle do governo, “manobrando a sociedade civil,

através da censura, da repressão e do terrorismo estatal, para promover os interesses

da elite dominante, assegurando-lhe condições de supremacia em face do social”

e vai se intensificar ao longo dos anos

posteriores com uma série de divergências sucessórias que irá resultar no golpe de 1964.

É um período conturbado da História recente do país tencionado por golpes,

contragolpes e tentativas frustradas de chegar ao poder através de intervenções que

estavam a margem da legalidade.

93

Uma das faces do controle interno promovido pelos militares era o combate aos

inimigos da nação, personificados nas figuras de políticos, intelectuais, artistas e

membros da sociedade cujas ideias ou atuação tendessem às doutrinas políticas

identificadas com a esquerda ou com o comunismo. Dentro dessa lógica, a propaganda

positiva das realizações do governo e a supressão das arbitrariedades e dos aspectos

negativos do regime dos noticiários, constituíram-se como importantes estratégias de

manobrar politicamente as verdades e a opinião pública através do controle ostensivo ao

acesso a informação. Deste modo, a imprensa e os meios de comunicação ou tiveram

uma atuação colaboracionista

Em

nome da segurança nacional, permeada pela histeria anticomunista, vigorou por longos

anos no país um regime político que uniu terror, censura e propaganda.

94

92 REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e Sociedade: as reconstruções da memória. In: 40 anos do golpe: ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004, pp. 119-139, p. 120.

, compactuando com o regime autoritário, ou foram

alvos de medidas de repressão que resultou na autocensura por uma questão de

sobrevivência. Ou ainda foram perseguidos e pressionados por caso insistissem em

repercutir ideias, notícias e pontos de vista que se opusessem às diretrizes impostas pelo

poder. Nesse processo, alguns ficaram pelo caminho, sucumbindo à pressão, como

demonstra o emblemático caso do Correio da Manhã, que optou por manter uma linha

93 BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In: FERREIRA, Jorge, DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.13-42, p. 21. 94 KUSHNIR, Beatriz. Entre censores e jornalistas: colaboração e imprensa no pós-1964. In: 40 anos do golpe: ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004, pp. 80-90.

87

editorial oposicionista, e, embora tivesse uma das maiores tiragens do Rio de Janeiro,

seu um sucesso de público era inversamente proporcional às verbas publicitárias que

conseguia angariar devido a fuga dos anunciantes que, pressionados pela conjuntura

política, deixaram de publicar propaganda no jornal. O Correio, não resistiu e em 11 de

março de 1969 entra na Justiça com um pedido de concordata preventiva, que resultou

no arrendamento do jornal e posterior falência em 197495

Não é objetivo deste trabalho trazer um panorama detalhado do período, mas é

importante destacar que com o recrudescimento das políticas repressivas os veículos de

comunicação, mesmo os que antes haviam se alinhado aos militares e apoiado o golpe

em 1964, tiveram o seu direito a liberdade de imprensa restringido, sofreram um forte

impacto, passando a atuar dentro das margens impostas pelas lei de imprensa (Lei nº

5.250), sancionada por Castelo Branco em 9 de fevereiro de 1967 e lei de censura prévia

(Decreto-lei nº 1.077), de 26 de janeiro de 1970

.

96. A lei de censura prévia estabelecia,

dentre outras coisas, que o conteúdo veiculado pelos jornais e revistas deveria ser

enviado aos órgãos censores do governo, para uma avaliação do teor do conteúdo, antes

de serem publicados, o que em muitos dos casos inviabilizava a circulação da notícia ou

por excesso de cortes ou por atraso na devolução dos materiais. Em casos extremos, as

redações dos órgãos de imprensa eram permanentemente vigiadas por censores in loco,

que fiscalizavam as ações de jornalistas suspeitos e acompanhavam - vetando as

matérias "suspeitas" parcial ou em sua totalidade quando necessário - todo o processo

de produção da notícia, como foi o caso da Tribuna da Imprensa97

De modo a garantir sua existência muitos veículos acabaram se submetendo às

determinações do regime e promoveram uma autocensura de seus conteúdos. Esse foi o

caso da Folha de São Paulo, que segundo seu editor-chefe à época Boris Casoy afirma

"por uma questão de sobrevivência, o Grupo Folha não tinha censor. Tinha decidido

não enfrentar o regime. Fez autocensura."

.

98

95 MARCONI, Paulo. A Censura Política na Imprensa Brasileira (1968-1978). São Paulo: Editora Global, 1980, pp. 42-46.

De acordo com Marcio Castilho

96 KUSHNIR, Beatriz. Op. Cit., p. 97 CASTILHO, Marcio. "Patrimônio dos Próprios Jornalistas": o Prêmio Esso, a identidade profissional e as relações entre imprensa e Estado (1964-1978). Tese de Doutorado. 2010. p. 84. 98 CASOY, Boris. Entrevista à Beatriz Kushnir em 18/03/1999 APUD KUSHNIR, Beatriz. Op. Cit., 2004, p. 86.

88

"a autocensura representava, portanto, uma acordo tácito entre

Estado, dirigentes de jornais e produtores de notícias. Parte da

imprensa seguia assim sua tradição histórica de compactuar com o

poder vigente."99

Mesmo em face das adversidades impostas pela conjuntura política experimentada no

período, a fotografia cuja temática era política nacional nunca deixou de aparecer na

relação de homenageados do Prêmio Esso. Foram 9 imagens no total, sendo que nos

anos mais críticos, caracterizados pelo recrudescimento das medidas autoritárias, o

conteúdo político é esvaziado da premiação principal e as imagens com essa temática

que se destacaram conquistam Menções Honrosas ou títulos em categorias regionais

100

Esse tipo de fotografia será analisada em detalhes posteriormente, mas é importante no

momento ressaltar que apesar do pouco destaque as questões políticas participaram do

Esso, através das fotografias, nos difíceis anos em que a exceção foi a regra no país.

Mais ainda relevam um traço marcante da cultura política nacional que é a relação entre

as formas de representação do poder e sua desconstrução através do humor como forma

de manifestar criticamente as opiniões acerca da política e, sobretudo, dos seus

personagens.

,

com destaque a região Sul, que fora do eixo Rio-São Paulo teve dois fotógrafos

premiados com imagens sobre o tema política nacional, sendo que uma dessas

fotografias - Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório, de Luiz Vargas Benk -

será analisada posteriormente neste capítulo. O importante desse conjunto é destacar

que os protocolos visuais dessas imagens manifestam uma interessante característica

comum: salvo algumas exceções, as imagens recorrem a recursos de linguagem para

transmitir a mensagem que desejam, ou seja se valem da metáfora, da ironia, da

inversão, dentre outros, para compor visualmente e de maneira sutil uma determinada

informação, que especialmente nesse período, em virtude das circunstâncias, não

poderiam circular de modo literal.

Outro dado relevante diz respeito aos veículos de imprensa mais vitoriosos quando o

assunto é Prêmio Esso. Se entre os profissionais a repetição de vitórias era exceção,

99 CASTILHO, Marcio. Op. Cit., 2010, p. 84. 100 As categorias regionais surgiram no Prêmio Esso em 1966, dividindo-se em três grupos: Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Somente a partir de 1977 passaram a utilizar a mesma divisão regional do país, considerando então, Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

89

mesmo se levando em conta as menções honrosas e votos de louvor, entre as empresas

de jornalismo a concentração era a regra e se manifestava tanto geográfica quanto

institucionalmente. Nas tabelas abaixo a relação de jornais e revistas que mais

receberam o Prêmio Principal de Fotografia e outros tipos de reconhecimento como

Votos de Louvor, Menções Honrosas e Prêmios Regional.

Veículos Prêmios %

JORNAL DO BRASIL 5 26%

O ESTADO DE S. PAULO 2 11%

O GLOBO 2 11%

FATOS & FOTOS 2 11%

FOLHA DE S. PAULO 2 11%

CORREIO DO POVO 1 5%

REVISTA VEJA 1 5%

REVISTA MANCHETE 1 5%

DIÁRIO DE SÃO PAULO 1 5%

CORREIO DA MANHÃ 1 5%

DIÁRIO DO PARANÁ 1 5%

Total geral 19 100%

Tabela 3: Jornais e Revistas que ganharam o Prêmio Esso de Fotografia

Veículos Homenagens %

O ESTADO DE S. PAULO 6 27%

TRIBUNA DA IMPRENSA 3 14%

O GLOBO 2 9%

JORNAL DOS SPORTS 2 9%

FOLHA DO NORTE (BELÉM) 1 5%

JORNAL DO BRASIL 1 5%

O ESTADO DO PARANÁ 1 5%

90

ÚLTIMA HORA 1 5%

DIÁRIO DE MINAS 1 5%

CORREIO DO POVO 1 5%

ÚLTIMA HORA (São Paulo) 1 5%

MUNDO ILUSTRADO 1 5%

O ESTADO (Santa Catarina) 1 5%

Total geral 22 100%

Tabela 4: Jornais e Revistas agraciados com Votos de Louvor, Menções Honrosas e Prêmios Regionais

A partir desses quadros é possível inferir que o Jornal do Brasil foi o veículo que mais

recebeu o prêmio principal dado a melhor fotografia do ano entre 1960 e 1979,

mantendo ainda uma vantagem numérica razoável para o segundo colocado.

Considerando outros títulos que não o prêmio principal o destaque recai sobre o jornal

O Estado de São Paulo que no somatório de prêmio e outras homenagens ainda

ultrapassa o Jornal do Brasil em número de vezes que foi listado no rol de vencedores

do Esso. Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro e O Estado de São Paulo, em São Paulo

polarizam a conquistas de títulos na categoria fotojornalismo do principal concurso

especializado do país e juntos revelam a concentração da região Sudeste e do eixo Rio-

São Paulo na configuração das listas de vencedores do concurso.

Além deles se destacam também O Globo e a Folha de São Paulo, que junto com os

primeiros formam o grupo de empresas de comunicação hegemônico no campo do

jornalismo no período, assumindo, portanto, o papel de formadores de opinião tanto

local como nacionalmente101. Os quatro grandes do jornalismo nacional repetem, com

variação de posição entre eles, no concurso destinado à fotografia, a concentração do

quadro apresentado na disputa pelo Prêmio Esso de Jornalismo, categoria principal,

voltada para a reportagem escrita102. O destaque da premiação é o Jornal do Brasil que

é o veículo mais vitorioso nas duas instâncias no período pesquisado. E, a exceção é a

Tribuna da Imprensa, um jornal menor e sem representatividade nacional103

101 CASTILHO, Marcio, Op. Cit., p. 271.

, o qual

conquistou três menções honrosas, todas em uma única edição do prêmio no ano de

1965, sendo que uma delas foi concedida em caráter especial porque o fotógrafo

Joveraldo Lemos morreu enquanto atuava.

102 Idem. 103 Idem, p.

91

A concentração geográfica fica também evidente nas relações de jurados dos prêmios de

fotografia. Durante os anos em que a categoria fotografia contou com uma comissão

julgadora específica composta por fotógrafos profissionais - de 1961 a 1966 -, todos os

escalados para compô-la pertenciam a veículos ou do Rio de Janeiro ou de São Paulo,

sendo que há nos primeiros anos uma preponderância do Rio de Janeiro nessas

comissões, devido a participação de fotógrafos das Revistas Ilustradas que estavam

sediadas, em sua maioria, na cidade do Rio. Esse dado demonstra como, inicialmente, a

centralidade econômica da região Sudeste, especialmente no eixo Rio-São Paulo, estava

relacionada com a produção de notícias, tanto visual como na forma de texto. Os jornais

de grande circulação, que encampavam os projetos de modernização, associados a nova

etapa do capitalismo brasileiro, nos quais a fotografia possuía um lugar privilegiado104

A primeira imagem fora desse eixo de produção de notícias a ser premiada com um

prêmio principal do Esso será "Cena de Selvageria" de Mário Nunes do Nascimento

para o jornal Diário do Paraná. A fotografia, que traz uma cena de abuso policial, será

premiada na edição de 1976, ou seja, somente 15 anos após a criação do concurso de

fotografia. Em outras categorias que não a principal, outros estados foram contemplados

com títulos desde as primeiras edições do Prêmio, como é o caso da imagem "Incidente

no Campo de Futebol", do fotógrafo Jacob Rafael Soares, da Folha do Norte (Belém),

Voto de Louvor no Esso de 1962.

,

tinham suas sedes nos dois centros econômicos do país.

Tal perspectiva, que coloca o sudeste como centro no processo de consolidação do

fotojornalismo na imprensa diária nacional, se coaduna com a trajetória de diversos

fotógrafos que fizeram parte dessa primeira geração de fotojornalistas que participaram

desse processo. Em vários depoimentos surge a questão da saída de seus estados de

origem para tentar a sorte nas grandes capitais do país como ponto de inflexão de suas

carreiras, uma vez que a conquista de uma vaga em jornais e revistas de São Paulo e do

Rio de Janeiro, sobretudo, representavam tanto o sucesso na profissão quanto a

possibilidade de ascensão social.

O Rio de Janeiro se constituía, à época, como um dos principais centros de produção de

notícias, de onde a informação era irradiada para o restante do país. Ficavam no Rio de

Janeiro as principais revistas nacionais e os jornais de grande circulação, dentre eles o

104 LOUZADA, Silvana, 2009, Op. Cit., p. 54.

92

Jornal do Brasil que irá iniciar na década de 1960 um dos mais importantes períodos

para o fotojornalismo nacional.

A preponderância do Jornal do Brasil em relação aos outros veículos em número de

Essos conquistados, especialmente no período estudado, é reflexo do investimento do

periódico na fotografia como forma de expressão privilegiada na configuração do jornal.

Processo esse que teve sua culminância com o movimento que ficou conhecido como as

reformas do JB e se desenrolou no final dos anos de 1950 sob a batuta de Amílcar de

Castro, tornando do Jornal do Brasil uma referência no fotojornalismo nacional. Como

reduto do fotojornalismo, o diário carioca se transformou em um espaço de trabalho

privilegiado para seus fotógrafos e posto almejado por aspirantes ao ingresso na

profissão, trazendo mudanças paradigmáticas no tratamento visual da informação -

desde a diagramação do jornal ao investimento em um fotojornalismo diferenciado - e

no processo de produção de notícias.

Embora a utilização inovadora da fotografia no jornalismo diário já houvesse se

consolidado como estratégia de sucesso nas páginas de Última Hora desde 1951, ano de

fundação do jornal, foi no JB que o fotojornalismo diário atingiu seu ápice. Através das

páginas do Jornal do Brasil, emergiu no cenário jornalístico nacional um tipo de

fotografia diferente105, que relacionava eficiência jornalística e "bom gosto"106

" O JB, portanto, constrói um espaço que institui as competências

necessárias a seus agentes para se apresentarem com detentores de

um capital cultural diferenciado e mais elevado que o dos demais

periódicos. Mais do que uma questão puramente estética, há aqui a

filiação a um determinado habitus que se distingue do tradicional

no mercado e procura se fortalecer em uma determinada classe

social, mais alta, por meio de uma fotografia que, além de 'artística'

. Segundo

a pesquisadora Silvana Louzada:

105 Utiliza-se, neste caso, a expressão do fotógrafo Erno Schneider, que atuou no Jornal do Brasil, e fala em seu depoimento que para obter sucesso como fotógrafo no jornal era preciso fazer uma foto diferente, uma foto que não se veria publicada em nenhum outro jornal. 106 LOUZADA, Silvana. Op. Cit., 2009 (passim).

93

quer se colocar como mais autêntica e, em termos 'culturais',

hierarquicamente superior."107

Esse padrão JB que reúne técnica e estética refinadas é reiterado pelas sucessivas

vitórias que a seus fotógrafos conquistam no concurso promovido pela Esso. O jornal

recebe os prêmios de 1962, novamente em 1963, 1965, 1971 e 1977. Em que pese a

própria trajetória de sucesso fotojornalístico do jornal, o tipo de fotografia publicada no

JB se constituiu como uma espécie de referência para as fotografias vencedoras das

edições do prêmio. Ao longo de toda a série fotográfica é possível identificar a

preferência das comissões julgadoras pela imagem que, sem prescindir do seu valor

jornalístico, consegue aliar atributos artísticos e uma preocupação estética na

composição da foto.

Nesse sentido, temos uma série de imagens em que não se vêem representados os

antigos bonecos que compunham visualmente a notícia nas páginas de jornal sem lhe

acrescentar informação relevante. Tampouco aparece o didatismo das imagens do jornal

Última Hora, com fotografias organizadas de modo que a compreensão da mensagem

visual fosse sendo apreendida pelo seu espectador - compreendido como sujeito de

pouca instrução, proveniente dos extratos mais baixos da sociedade - na medida em que

se familiarizasse com a linguagem, promovendo uma pedagogia do olhar108

No caso do jornal O Estado de São Paulo, se somarmos todas as vezes que conquistou

algum título na premiação em questão são 8 citações contra 6 do Jornal do Brasil que

seria o segundo colocado. Tal dado representa uma quantidade significativa de

. No que

concerne aos motivos captados pelas lentes dos fotógrafos, se de algum modo, tem-se

uma gama variada de assuntos entre as imagens vitoriosas, no sentido contrário, ou seja

procurando pelo que não se tem, é possível inferir que a representação visual da notícia

consagrada por essas comissões julgadoras excluem, nos anos que esta pesquisa

abrangeu, a estética sensacionalista que expõe corpos ensanguentados, violação de

cadáveres e espólios de tragédias que chocam por seu caráter explícito e as fotografias

da seção policial dos jornais, que passaram a compor, em profusão, o rol de premiadas a

partir dos anos 1990.

107 Idem, p. 262. 108 Idem, p. 273.

94

consagrações, visto que a utilização de fotografias não era prática comum nas páginas

do diário paulista na época.

O Estado de São Paulo é um dos jornais mais tradicionais do estado e o foi dos

pioneiros único que conseguiu se manter entre os grandes veículos de comunicação. Sua

fundação data de 1875, quando circulava com o nome A Província de São Paulo, título

alterado posteriormente quando da Proclamação da República. Segundo Oscar Pilagallo,

o jornal representava os interesses e a voz de uma nova elite paulista que ascendia no

país, os cafeicultores. Estes, embora detivesse poder econômico ficavam à margem da

política e das relações privilegiadas com o governo, que no momento estava sediado no

Rio de Janeiro, capital do Império e depois da República até 1960109

A fama e o tamanho do jornal justificariam o sucesso do veículo na história do Prêmio

Esso, não fosse o fato de o Estado ser um jornal de perfil conservador, que mantinha o

"modelo do velho jornal diário, pesado e pouco atraente"

. Deste modo, A

Província surgiu com a intenção de fazer com que as demandas dessa nova classe

econômica, especialmente no que diz respeito ao abolicionismo, ecoassem para além

das fronteiras do estado.

110. O jornal privilegiava a

informação escrita em detrimento das fotografias, que ficavam reduzidas à primeira

página e em pouca quantidade. O seu padrão visual consistia em mais de 40 páginas

compostas por blocos de texto separados em colunas por fios verticais e o seu processo

de modernização, "com a adoção de um novo conceito gráfico, ocorreu de forma

bastante lenta, depois da reforma empreendida pela maioria dos jornais

concorrentes."111

O Estado também obteve sucesso na categoria principal do concurso, o que é atribuído,

por Castilho a manutenção da influência do veículo durante o período da ditadura, em

que conquistou três prêmios principais. No caso da fotografia, outros fatores podem ser

considerados para explicar o desempenho favorável na competição mais importante do

jornalismo nacional.

.

Como foi dito anteriormente, o Esso premiou um número bastante variado de

fotojornalistas, num movimento oposto ao dos grupos de comunicação. Entretanto, o

jornal O Estado de São Paulo foi o único veículo que teve em seus quadros, no período

109 PILAGALLO, Oscar. História da Imprensa Paulista. São Paulo: Três Estrelas, 2012. 110 CASTILHO, Op. Cit., p. 111 Idem, p. 279.

95

pesquisado, fotógrafos consagrados mais de uma vez com a homenagem. Foram eles,

Domício Pinheiro com um prêmio principal e um voto de louvor e Reginaldo Manente

com duas Menções Honrosas e um Voto de Louvor. Reginaldo Manente ainda recebeu

em 1982 - fora do escopo da pesquisa, portanto - um Prêmio Principal pela fotografia

"Barcelona, 5 de julho de 1982", que retrata a tristeza de um menino torcedor com a

desclassificação da Seleção Brasileira da Copa do Mundo da Espanha, naquele ano.

Juntos os dois repórteres fotográficos concentram quatro das oito homenagens recebidas

- 50 por cento - pelo referido periódico no período.

Além disso, o Grupo Estado era uma empresa de comunicação formada por outros

jornais e publicações jornalísticas, que tinha o jornal diário como carro-chefe de sua

atuação. Esse dado é relevante, pois outros veículos do grupo, como a Edição de

Esportes e o Jornal da Tarde, destacaram-se justamente pela inovação gráfica e pelas

mudanças no perfil editorial que se distanciavam do jornalismo tradicional. A Edição de

Esportes, por exemplo, surgiu em 1964 e circulava à noite aos domingos, com a

cobertura esportiva do fim de semana. O jornal suplementar foi uma maneira encontrada

para suprir a necessidade desse tipo de cobertura, já que o Estado não circulava às

segundas-feiras. O novo formato experimentado na Edição de Esportes foi concebido

por Mino Carta e funcionou como uma espécie de laboratório para o que depois viria ser

o Jornal da Tarde - comandado pelo próprio Mino -, embora os dois tenham circulado

simultaneamente por alguns anos112

Nos dois veículos a fotografia era amplamente utilizada para compor visualmente as

notícias e foi das páginas desses dois periódicos que saíram boa parte dos prêmios

conquistados pela equipe do Grupo Estado. Esse é o caso por exemplo das fotografias

que conquistaram menções honrosas na edição de 1965 do prêmio. No livro

comemorativo dos 50 anos do Prêmio Esso e no site do evento o jornal "O Estado de

São Paulo" aparece com duas Menções Honrosas, ambas conquistadas com fotografias,

sendo uma delas um conjunto com duas imagens com o título "O Choro do Abandono".

No site a série é descrita da seguinte forma:

. A Edição de Esportes conquistou um Prêmio Esso

em 1965, na categoria informação esportiva, por uma reportagem sobre o futebol no

interior de São Paulo de autoria de Hamilton de Almeida e Tão Gomes Pinto.

112 "Edição de Esportes", Jornal da Tarde, 28/1/1991, pág. 14B.

96

"Dois momentos de grande emoção, transformados em flagrantes,

embora em situações bastante diferentes, resumem a expressão do

sentimento incontido: o choro do abandono."

Não há referências sobre os acontecimentos que retrataram ou sobre algo que ajude a

elucidar os critérios que levaram tais fotografias a receberem tal destaque, mesmo se

levando em conta que em 1965 foram o ano em que o maior número de fotografias foi

homenageado - 7 no total. A pesquisa sobre essas imagens, confirma a autoria do

fotógrafo Reginaldo Manente, que como já foi dito trabalhava para o grupo Estado, mas

não foi possível constatar que elas tenham sido publicadas no principal jornal do grupo,

tal como está indicado nas informações sobre o concurso divulgadas pelos

organizadores posteriormente. Em 11 de julho de 1965 O Estado de São Paulo publica

uma matéria sobre a "Distinção das fotos do 'Estado'"(Figura 9), a qual falava

justamente sobre as menções do veículo no Prêmio Esso daquele ano, com as

fotografias "Torcida que Perdeu", de Domício Pinheiro e "O choro do abandono". A

reportagem ocupa 4 colunas da página e traz duas das imagens do periódico destacadas

na competição.

No texto, que não está assinado, a distinção conferida pelo prêmio é evidenciada logo

no início ao destacar que "entre as setenta e uma fotografias que concorram ao X

Prêmio Esso de Reportagem dois trabalhos esportivo dos fotógrafos do 'Estado'

mereceram menções honrosas do juri do certame."113 Adiante a matéria fala sobre a

ocasião em que as fotografias premiadas foram publicadas e os acontecimentos que

justificaram essa publicação. A fotografia de Domício Pinheiro, segundo a reportagem,

saiu na "Edição Esportiva" de 21 de setembro de 1964 e foi republicada em 8 colunas na

edição diária de 22 de setembro de 1964, narrando os fatos que envolviam o

rompimento da estrutura de proteção dos torcedores na arquibancada do estádio,

fazendo com que eles caíssem. Já a imagem de Manente foi veiculada 30 de novembro

de 1964, apenas na "Edição Esportiva. De acordo com o texto a fotografia "serviu como

ilustração para a reportagem 'Campeões são homens fora de série', na qual se apontam

as falhas da Confederação Brasileira de Desportos".114

113 O Estado de São Paulo, 11 de junho de 1965, p. 38.

Ao se referir à ilustração o texto

está informando exatamente a função da imagem na notícia, já que o atleta que chora na

114 Idem.

97

fotografia é um corredor dos Estados Unidos que chega em segundo lugar numa prova

de atletismo. A ideia do choro do abandono dos esportivas brasileiros presente no título

da reportagem, recebe como reforço uma fotografia, provavelmente de arquivo, que

ilustra o título sem fazer nenhuma referência ao acontecimento que veicula.

Figura 9: Jornal O Estado de São Paulo, 11 de julho de 1965, página 38.

98

Em pelo menos uma vitória creditada ao jornal O Estado de São Paulo a fotografia

relacionada na listagem dos premiados não foi publicada em suas páginas na ocasião

dos fatos que reportaram. Essa imagem é "Amarildo: depois" (Figura 10), do fotógrafo

Reginaldo Manente, que era empregado do grupo de comunicação ao qual O Estado de

São Paulo pertencia.

A fotografia de Reginaldo Manente foi feita em 7 de junho de 1962, na Copa do Mundo

do Chile, após a final do jogo Brasil e Espanha, e mostra um close do jogador Amarildo

em prantos após a vitória da seleção brasileira. Apesar da vitória, a emoção de Amarildo

se justificava no momento, pois sobre ele pesara a enorme responsabilidade de

substituir, nada mais, nada menos, que Pelé - o grande ídolo da torcida e jogador mais

importante da seleção naquele mundial - que havia se contundido no jogo anterior. A

substituição, embora inevitável, gerou questionamentos e o descrédito em relação a

Amarildo foi imediato, perdurando até o final daquele jogo, que pelo menos para o

atacante brasileiro, foi decisivo. Depois, no encerramento da partida, o choro de

Amarildo era de alívio, não só dele, mas de toda a nação de torcedores que agora

confiavam no substituo e poderiam respirar um pouco mais aliviados rumo ao que seria

o bicampeonato mundial do Brasil, mesmo sem mais nenhuma atuação de Pelé. O

resultado do jogo e as notícias da partida saíram em vários jornais, mas a história de

Amarildo, que jogou "uma batalha de 71 minutos consigo mesmo" e "sob o signo da

ausência de Pelé"115

Figura 11

e a foto de Manente deram uma primeira página no Jornal do

Brasil ( ), com a manchete "Amarildo classifica o Brasil".

O regulamento do Prêmio Esso previa que a inscrição dos trabalhos fotográficos deveria

constar das fotografias e de um recorte do jornal ou revista com a matéria em que ela

havia sido publicada. No entanto, nesse caso, não foram recortes do jornal O Estado de

São Paulo que serviram para a comprovação da publicação e ainda assim, é ele quem

aparece como vitorioso na relação de veículos premiados.

115 Jornal do Brasil, 7 de junho de 1962, capa.

99

Figura 10: Amarildo: depois, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa na edição de 1963 do Prêmio Esso.

Figura 11: Primeira Página do Jornal do Brasil de 7 de junho de 1962.

100

Figura 12: Reprodução do jornal O Estado de São Paulo, 7 de junho de 1962, página 21.

No mesmo dia o jornal O Estado de São Paulo publica na sua seção de esportes uma

notícia sobre a vitória do Brasil, com os principais lances do jogo e um resumo dos

acontecimentos (Figura 12). A reportagem traz muitas fotografias, mas não a de

Manente, que não é publicada nem nos dias posteriores. No JB ela sai creditada a UPI

radiofoto, ou seja, da agência internacional de notícias United Press International.

É importante sublinhar, tanto do caso do Jornal do Brasil quanto em relação ao jornal O

Estado de São Paulo, que ambos também são veículos que contaram com um grande

número de representantes e de participações nas comissões julgadoras do Prêmio Esso

101

no período pesquisado. O Jornal do Brasil com 9 julgadores e 15 participações e O

Estado de São Paulo com 4 julgadores e 8 participações.

Não cabe no escopo dessa pesquisa perscrutar as possíveis contradições das estatísticas

do concurso, detalhando as motivações que levaram a divulgação do resultado de

privilegiando determinados aspectos em relação a outros. Também não se pode afirmar

que houveram tentativas de manipulação ou influência direta das empresas de

comunicação nos resultados, embora os resultados do concurso nem sempre fossem um

consenso no meio jornalístico, como afirma Marcio Castilho:

"o capital específico, aquele que repousa sobre o reconhecimento

dos pares, está permanentemente sujeito a contestações no interior

do campo. É comum surgirem críticas e denúncias de 'proteção' [...]

contra certos grupos e organizações jornalísticas."116

Entretanto vale destacar através dessas revelações que a importância do Prêmio Esso

para o meio reside também na disputa entre as empresas de comunicação pela distinção

que o espaço de consagração confere frente aos demais veículos, os quais são também

concorrentes. Importa menos o fato estatístico em si e mais a significação do prêmio

para essas empresas, para as quais importava o status de poder serem identificadas com

um dos mais cobiçados prêmios do meio. Deste modo mesmo que o reconhecimento

não fosse alcançado diretamente, através de suas páginas, o fato de ter em seus quadros

profissionais que alcançaram o mérito de conquistar um Esso é motivo de destaque e se

configura como uma chance de associar ao nome o veículo ou da marca de seu grupo a

chancela de qualidade identificada com a premiação.

Finalmente, é possível observar através da análise do corpus fotográfico que

compreende todas as imagens vencedoras do Prêmio Esso de Fotografia que elas

legitimam o projeto do instantâneo como atributo essencial do fotojornalismo, ao

premiarem imagens cujo valor está na espontaneidade da captura e no senso de

oportunidade do fotógrafo. As imagens dessa série têm como característica comum o

fato de serem instantâneos, ou seja, foram feitas em meio a dinâmica dos

acontecimentos e perenizadas através da capacidade do fotógrafo de destacar do caos

116 CASTILHO, Marcio. Op. Cit., 2010, p.

102

em que os fatos se desenrolam uma informação visual significativa e ordenada que

confere inteligibilidade e sentido ao que noticia.

A possibilidade do registro instantâneo surge na fotografia com o desenvolvimento dos

meios técnicos e tecnológicos de fixação da imagem e encontra no fotojornalismo o

motivo perfeito para se enquadrar, tal como afirma Ledo:

"Desde el interior de la prática periodística la foto se organiza en

torno de la instantánea, a la velocidade para fijar la acción,

velocidade que se perpetuará en los procesos de transmisión y de

reprodución, se organiza en torno dos géneros informativos y de

opinón de la cultura del diário."117

O compromisso com a verdade dos fatos e a da objetividade estão na raiz de sua

utilização, associados aos ditames da atividade jornalística apregoados pelos meios de

comunicação, para os quais o empirismo da fotografia equacionava com perfeição a

representação de imparcialidade, credibilidade e isenção. Entretanto, com as

transformações na linguagem fotográfica ao longo do século XX, ao caráter testemunhal

da fotografia se agregam outros valores como o engajamento do olhar e a própria

desconstrução do valor documental da imagem técnica. Assim, a velocidade de fixação

da ação e a agilidade propiciada pelos equipamentos, serão utilizados como vetores das

ideias e visões de mundo de seus autores - os fotojornalistas - servido também como

veículo para a denúncia social, o descortinamento de realidades distantes e o ativismo

político

118

No caso das fotografias premiadas analisadas nesta pesquisa, a instantaneidade é a

tônica, mesmo quando as imagens não possuem a instabilidade das formas que

representa o dinamismo da ação em curso. Em suma, a valorização do instantâneo

marca também os termos que distinguem o fotojornalismo das outras formas de

fotografar, dando destaque a imagens não posadas e que não tenham indícios visíveis de

que tenham sido encenadas

.

119

117 LEDO, Margarita. LEDO, Margarita. Documentalismo Fotográfico: éxodos e identidad. Cátedra, 1998, p. 75.

.

118 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes. p. ? 119 Silvana Louzada aborda a questão da encenação fotográfica nos periódicos do início do século XX no Brasil, em que as condições técnicas inviabilizavam a produção do instantâneo. A autora apresenta

103

Vale ressaltar dois aspectos em relação a questão do instantâneo nas fotografias do Esso.

Um primeiro ponto diz respeito a noção de fotografia posada, pois o entendimento de

pose para a fotografia pressupõe um movimento deliberado do fotografado de tomar

uma posição e esperar pelo clique do fotógrafo, que também no jogo de sentidos

implícito na ação espera pelo melhor arranjo determinado por seu motivo e após uma

breve espera que é ao sinal que tudo está ordenado conforme deveria aciona seu

dispositivo. Entretanto, embora esse tipo de fotografia não seja o padrão do

fotojornalismo, isso não exclui a possibilidade da negociação da pose entre os sujeitos

envolvidos na dinâmica dos acontecimentos. Tanto pelo familiaridade, adquirida pela

experiência prévia, do fotógrafo a respeito do seu motivo, já que é comum que

fotojornalistas sejam designados para acompanhar figuras públicas em diversas ocasiões

ou cubram pautas específicas durante tempo suficiente para conseguir fazer uma leitura

antecipada do desenvolvimento das ações. Quanto pela relação que o fotografado

estabelece com a mídia de um modo geral e que determina seu comportamento frente às

câmeras, deixando-se fotografar de tal ou qual maneira de acordo com as contingências

e com o benefício que determinada imagem pública - perenizada pela fotografia - irá lhe

arrendar120

Ana Maria Mauad fala sobre a negociação da pose em fotografias que se tornaram

ícones do fotojornalismo político e que retratam personalidades públicas flagradas em

posições estratégicas que na composição das imagens conotam determinadas

característica que constroem o imaginário político em torno desses personagens. É o

caso da fotografia de Flávio Damm que mostra Juscelino Kubitscheck como o

"Presidente Voador", numa pose "arranjada, planejada e armada em parceria com o

objeto do desejo fotográfico"; do flagrante do presidente Jânio Quadros feito por Erno

Schneider, que conhecia o presidente pois o acompanhava; e do instantâneo em que

Milton Guram, pela familiaridade com os alvos da imagem, espera o momento exato

para registrar uma "Afetuosa União" entre Tancredo Neves e Ulisses Guimarães. Ainda

que se filiassem ao modelo do instantâneo, os três registros demonstram que no ato de

esperar e na mediação do fotografo com o mundo que o cerca, sobressai a capacidade do

profissional de estar no momento certo e na hora certa para tomar da realidade a

imagem providencial.

.

algumas situações em que por mais que a evidência da pose e da montagem da cena se revelasse através da imagem, a legenda atribuía a fotografia o caráter instantâneo. 120 MAUAD, Ana Maria, 2008, Op. Cit.

104

Um outro ponto a se levantado é que não se está pondo em discussão nessa abordagem a

autenticidade do registro, ou seja, não se busca inferir de modo comprobatório que as

imagens de fato foram capturadas no momento da ação. A análise se baseia na

observação dos atributos que estão presentes na imagem, pois foram os mesmos

aspectos considerados para fazer um juízo que a levasse à consagração. Mesmo que o

fotógrafo tenha falsamente encenado uma situação para dar a impressão de

espontaneidade, ela se apresentou como um instantâneo e foi selecionada entre as

demais por essa característica, pressupondo que a integridade do registro esteja pautado

pelo "pacto ético, envolvendo o autor da imagem e seu veiculador, que lhe dá

credibilidade, mais que a análise técnica do profissional ou do documento"121

Os tópicos seguinte abordam os principais protocolos visuais destacados no Prêmio

Esso de Fotojornalismo a partir da análise das imagens vencedoras. As fotografias

escolhidas fazem parte do conjunto de trabalhos que ganharam o premio principal de

fotografia ou receberam outros títulos de consagração no concurso. Embora os tipos de

fotografia premiada misturem diversos tipos de influências ou concepções acerca do

fotojornalismo, a seleção das imagens, bem como a forma de agrupá-las, procurou focar

nos elementos privilegiados pelo fotógrafo e que se inscrevem na forma e conteúdo das

imagens.Do mesmo modo, as categorias criadas - distribuídas nos blocos - tem

finalidade analítica, foram pensadas a partir da recorrência de determinados protocolos

no âmbito das imagens fotográficas veiculadas na imprensa.

. Sendo

assim, para a esta análise, o problema da autenticidade torna-se um falso problema, pois

não altera o fato que foi premiada e que seus atributos lhe conferiam determinado valor

compartilhado no meio em que circulou.

2.2. O olho da História

O Olho da História foi a expressão cunhada por Mathew Brady, chefe da equipe

fotográfica que entre 1862 e 1865 registrou as cenas da Guerra Civil americana, para

demonstrar a grandeza que o aparato técnico de capturar imagens através da luz

representava. Assim se para Brady a câmera fotográfica é o Olho da História, o operador

do dispositivo é a testemunha ocular dessa História, que pode ser contada, a partir do

século XX, através das imagens técnicas122

121 MENESES, Ulpiano, 2002,. Op. Cit., p. 148.

.

122 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes. p. 31.

105

Ancorada na noção de realismo fotográfico está a gênese do fotojornalismo que

encontrou na pretensa veracidade da imagem técnica um meio crível de legitimar a

objetividade e a imparcialidade – valores que emergem com moderna imprensa

ocidental – junto ao público leitor. A partir dessa concepção, o fotógrafo, cuja missão é

registrar os fatos, é o elemento chave dessa equação que une o espectador e

acontecimento, é o profissional que imbuído de coragem e perspicácia está sempre

pronto no momento e hora certos para fazer a tomada de um fragmento da história

através de sua câmera, que se converte, portanto, no olho coletivo de toda a

humanidade, capaz de revelar, de dar a ver ao mundo os momentos cruciais em que o

desenrolar dos acontecimentos altera o curso de sua história.

No que diz respeito ao Prêmio Esso, essa concepção de fotojornalismo se reflete em

algumas das imagens que venceram o concurso e são os objetos de investigação desse

tópico do trabalho. São fotografias que tem seu caráter indicial impregnado na

superfície da imagem, pois revelam não só o fato em si, mas a filosofia do estávamos ali

e fizemos o registro da História que passou diante dos nossos olhos. Então, aliando

proximidade com o real, valor documental e esforço do fotógrafo em superar os riscos

da situação ao qual fica exposto para fazer a fotografia, essas imagens estão vinculadas

a um fotojornalismo testemunhal e são valorizadas tanto por seu conteúdo, que se

associa a uma concepção de dimensão histórica do acontecimento, quanto pelo

comprometimento do profissional em fazer a foto independente das condições em que

se encontre.

A primeira imagem dessa galeria é também a primeira fotografia reconhecida com um

Voto de Louvor pela comissão julgadora do Prêmio Esso de 1960 - "Acontecimento em

Aragarças" (Figura 13). Ela é uma típica representante da fase heróica do fotojornalismo

e mereceu destaque por seu caráter de testemunha de uma sucessão de acontecimentos

espetaculares, envolvendo oficiais ligados às Forças Armadas no Brasil que se opunham

ao governo, rebeldes civis que apoiavam a causa e o próprio fotógrafo Campanella

Neto123

123 Francisco Campanella Neto (1931-2006), mineiro de Pouso Alegre, ficou conhecido como o “pai do Prêmio Esso de Fotojornalismo”, por ser o primeiro fotógrafo de imprensa a ser homenageado pelo concurso promovido pela Esso. Tendo começado cedo na profissão como revelador na Fotóptica de São Paulo, Campanella Neto mudou-se para o Rio com 19 anos e atuou nas revistas Noite Ilustrado e Mundo Ilustrado, onde foi editor de fotografia; no jornal A Noite e no Jornal do Brasil, onde ocupou o cargo de subchefe do setor de fotografia. Criou com Indalécio Wanderley, Ubiratan de Lemos e Gervásio Batista a agência de fotografia Staff Press – segunda do gênero no Brasil – a qual foi vendida para o JB em 1964.

, em um dos episódios singulares da história recente do país.

106

O ano era 1959, o contexto político no país não era de estabilidade, contra o presidente

Juscelino Kubitscheck se insurgiam os partidários da UDN, liderados por Carlos

Lacerda, apoiados por uma parcela dos militares. O desenvolvimento dos "50 anos em

5" havia deixado como saldo uma elevada dívida pública, que gerou dificuldades

financeiras e inflacionárias. No final do governo JK, a insatisfação e pressão dos

opositores vinha através dos jornais por meio de denúncias de escândalos e mau uso do

dinheiro público. O furo de reportagem flagrado por Campanella Neto, publicado na

revista Mundo Ilustrado, foi o desfecho malogrado de um episódio produzido como fato

político pela oposição udenista, articulado em conjunto com um grupo de oficiais da

Aeronáutica, com objetivo de desestabilizar o governo e a frente formada entre PSD e

PTB que lançaria o marechal Henrique Teixeira Lott - então ministro da Guerra - como

candidato a sucessão presidencial.

Em 3 de dezembro daquele ano oficiais da Aeronáutica, sob o comando do então

tenente-coronel João Paulo Burnier, retiram dos hangares da base aérea do Galeão três

aeronaves militares C-47 e decolam com destino a Aragarças, em Goiás. Os militares

faziam parte de um movimento sedioso que partiu de dentro dos quartéis,especialmente

da Aeronáutica, e a exemplo do que havia ocorrido alguns anos antes em Jacareacanga,

no interior do Pará, instaurou uma rebelião contra o governo de Juscelino Kubitschek,.

Dessa vez, a cidade de Aragarças - limite dos estados de Mato-Grosso e Goiás, que hoje

pertence ao estado de Tocantins- funcionou base e quartel-general do movimento,

considerado "revolucionário" pelos insurgentes. O objetivo do levante, de acordo com o

manifesto divulgado pelos militares envolvidos, era apelar aos

"nossos companheiros de armas de terra, mar e ar, a fim de que se

unam em tôrno dos nossos ideais, nesta gloriosa jornada

revolucionária, a fim de depor os responsáveis por êste estado de

coisas, homens débeis, incapazes e corruptos, que norteiam seus

atos pelo interesse do seu egoísmo em detrimento dos superiores

interesses da pátria."124

Em 2005, o fotógrafo foi homenageado com uma placa de prata na abertura da exposição comemorativa dos 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.

124 Manifesto Revolucionário atribuído aos insurgentes e publicado pelo Jornal do Brasil em 4 de dezembro de 1959.

107

Paralelamente, o fotógrafo Campanella Neto embarca no avião ConstellationPP-PCR da

Panair com destino a cidade Belém, no Pará, enviado pela revista Mundo Ilustrado, para

fazer uma reportagem no local. O que o Campanella não poderia prever era que seria

personagem de um episódio até então inédito no Brasil e no mundo: o fotógrafo, assim

como os outros passageiros daquele vôo, foi vítima do primeiro sequestro de aeronave

comercial que se tem notícia na história da aviação. Conforme noticia o Jornal do

Brasil do dia 4 de dezembro de 1959:

"O Constellation PP-PCR da Panair do Brasil foi seqüestrado na

madrugada, em pleno vôo, com seus 38 passageiros e 8 tripulantes

por dois oficiais do Exército, que o forçaram a aterrar no Aeroporto

de Aragarças.

Em Aragarças o avião foi recebido pelos tripulantes

revolucionários. Os oficiais que forçaram o Constellation a mudar

sua rota são o coronel Luís Mendes e o Major Tarcísio, ambos do

Estado-Maior das Fôrças Armadas. A pista de Aragarças - como

aconteceu em Jacareacanga - foi obstruída com barris e outros

objetos após a descida do avião, cujos passageiros estão passando

bem."125

Logo abaixo o jornal traz uma lista dos tripulantes e passageiros que estavam a bordo da

aeronave sequestrada e entre os nomes da relação de passageiros está o do fotógrafo

com a identificação profissional: "Francisco Campanella Neto (fotógrafo da revista

Mundo Ilustrado)"

126

125 Jornal do Brasil, 4 de dezembro de 1959, p. 4.

. Na mesma parte da reportagem o texto ainda afirma que o

repórter do Jornal do Brasil Luís Guttemberg viajaria no lugar de Campanella e por isso

o nome do jornalista estaria na lista de passageiros divulgada pela Panair, apesar do

mesmo se encontrar no Rio de Janeiro. E segue dando uma nota da Panair do Brasil

sobre o incidente e relatando detalhes, informados ao jornal através de um telegrama, de

como "os passageiros informaram 'como oficiais da FAB' os elementos que, de arma em

126 Idem.

108

punho, obrigaram o comandante a mudar o rumo, ordenando que pousasse em

Aragarças."127

A cobertura que Campanella Neto faria no Pará deu lugar a outra matéria, publicada na

revista Mundo Ilustrado em dezembro de 1959, que o colocaria na lista de profissionais

de imprensa premiados pela Esso em seu concurso já tradicional àquela época. Por ter

tido a oportunidade de conquistar reconhecimento, como fotógrafo, mesmo participando

de um concurso que julgava apenas trabalhos escritos, inaugurando o que no ano

seguinte seria uma categoria específica para premiar fotografias da imprensa,

Campanella agregou ao título recebido o rótulo de "Pai do Prêmio Esso de

Fotojornalismo". Prêmio recebido por uma reportagem que quase não foi feita, visto que

ele embarcou no avião substituindo um colega.

.

Em que pese a semelhança entre esta história e um roteiro cinematográfico com todos os

elementos de um filme de ação e aventura, outro fato notório no episódio, que

provavelmente ajudou a compor o quadro que levou a fotografia e seu autor a

consagração, é a audaciosa participação do fotógrafo sequestrado no desfecho

surpreendente dos acontecimentos. Segundo matéria do jornal Paparazzi, da Associação

de Repórteres Fotográficos do Rio de Janeiro, foi através de informações passadas por

Campanella Neto que as tropas militares leais ao governo puderam intervir e debelar a

rebelião, prendendo alguns dos insurgente e provocando a fuga de outros.

Uma vez retidos em Aragarças, os passageiros e a tripulação do Constallation foram

mantidos em um hotel fazenda próximo ao campo de pouso da base da FAB, privados

de manter contato com qualquer ponto do país e sob forte vigilância. Mesmo assim:

"Campanella conseguiu driblar a vigilância dos soldados e enviar

três telegramas de uma cidade vizinha, para seu editor-chefe, Joel

Silveira, para o presidente do Senado e para o marechal Lott, então

ministro da Guerra – no avião também viajava o corpo

127 Idem.

109

embalsamado de um tenente da Aeronáutica, sobrinho de Lott,

acompanhado da viúva."128

A notícia da denúncia do esconderijo em que estavam os passageiros do vôo da Panair

chegou aos integrantes da rebelião através do rádio, pelo Repórter Esso, ao que só

restou a Campanella, descoberto como autor da denúncia, "sair de fininho" e ir se

esconder no mato, de onde viu e registrou a movimentação dos aviões C-47 da FAB,

que decolaram em fuga para o exterior levando como refém o senador Remi Archer,

outro passageiro do vôo comercial.

O fotógrafo que, mesmo estando em situação de perigo e quase ficando sem filme, não

parou de documentar o que via, manteve seu senso de dever profissional e ao mesmo

tempo a consciência de que presenciava um furo de reportagem exclusivo, um fato

histórico do qual somente ele poderia conseguir um registro visual. Campanella estava

próximo quando um piloto envolvido recebeu voz de prisão do comandante da operação

e lembra do desfecho dos Acontecimentos em Aragarças como o ápice de um enredo

heróico.

"Ele [o piloto] começou a atirar, deu um cavalo-de-pau, tentou

arremeter de novo, bateu nos galões atirados para impedir a fuga e

o avião começou a pegar fogo e a explodir munição. Era o

Vietnã!"129

É interessante destacar na fala do fotojornalista que o processo de rememoração da

cobertura dos acontecimentos termina na imagem da guerra. "Era o Vietnã!", é a

expressão encerra a narrativa e confere sentido às ações mirabolantes que presenciou e

das quais também foi personagem, o que é motivo de orgulho e entusiasmo. Ao associar

a rendição dos rebeldes com o Vietnã, Campanella evoca a figura mítica do fotógrafo de

imprensa que vai para o "front" de batalha com a câmera na mão para registrar o

desenrolar da História.

128 PAPARAZZI, jornal da Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro,ARFOC/Rio. Perfil de Campanella Neto. Rio de Janeiro: Julho/Agosto de 2001, no. 82, pág. 6-8. 129 Idem.

110

Muito tempo depois, na abertura da exposição fotográfica que comemorou os 50 anos

do Prêmio Esso, Campanella Neto foi homenageado com uma placa de prata por ter

sido o primeiro representante do fotojornalismo a ser reconhecido por seu trabalho na

premiação. Na ocasião falou novamente sobre como a situação inusitada que se

envolveu fez parte de sua trajetória.

"Esta aventura está entre as melhores recordações da minha vida e

a criação do Prêmio Esso foi um grande reconhecimento ao meu

trabalho. De vez em quando, acordo à noite pensando naqueles

momentos e confesso que ainda sinto arrepios. Foi naquele vôo que

testemunhei talvez o primeiro seqüestro de avião de passageiros do

mundo. Estávamos em pleno vôo, quando os militares rebeldes

tomaram de assalto o avião, desviando-o para Aragarças. Graças à

minha habilidade e calma, consegui registrar diversos flagrantes da

rebelião até a rendição dos rebeldes."130

Figura 13: Fotografia feita por Campanella Neto da prisão dos revoltosos de Aragarças, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1960.

130 Depoimento de Campanela Neto, sobre os fatos registrados em Aragarças, na abertura da exposição fotográfica em comemoração aos 50 anos do Prêmio Esso. Disponível em: http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=1162, acessado em setembro/2012.

111

Após a intervenção militar enviada a rebelião foi contida e o saldo da operação rendeu a

foto que foi reconhecida como digna de um Voto de Louvor no Esso de 1960. A imagem

mostra alguns dos envolvidos sendo presos, com as expressões de desespero e

conduzidos por soldados armados em um campo ermo.

Observando sua expressão - os componentes que dependem da técnica empregada no

ato fotográfico - é possível identificar uma preocupação com a captura do movimento,

da ação impetrada pelo motivo alvejado no momento em que a fotografia foi feita. A

imagem denota a espontaneidade e o dinamismo da ação retratada pelo o fotógrafo ao

fazer a tomada. O corte em uma das margens revela um enquadramento imperfeito,

sugere ter sido feito enquanto a cena transcorre, com as pessoas que participam da ação

se deslocando aleatoriamente, indiferentes a presença do fotógrafo. Isso pode ser

observado através da posição de duas pessoas na margem esquerda da fotografia, cujas

imagens aparecem cortadas, além da posição do que possivelmente seria um homem

sendo capturado, do qual somente os braços estendidos estão à mostra. Esta análise do

enquadramento se baseia no visível e considera que o corte da imagem seja

correspondente original inscrito no negativo. Não está sendo colocado em questão a

possibilidade de a fotografia ter sofrido cortes posteriores, pois para fazer a inscrição no

concurso, além dos recortes com a reportagem era necessário também enviar cópias da

imagem original.

O enquadramento diagonal da fotografia, obtido com um posicionamento da câmera

num suposto vértice do campo visual alcançado, amplia a sensação de profundidade da

imagem reforçando o efeito tridimensional. Utilizando a geometricidade da perspectiva

para esquadrinhar linhas que divergem do primeiro plano a fotografia esboça uma ideia

de deslocamento da ação na direção de quem a observa. Além disso, outro elemento que

contribui para a percepção de dinamismo é a pouca nitidez que produz um efeito de

desfocagem do segundo plano, de modo que os detalhes das pessoas e objetos em cena,

como o rosto do soldado que conduz o grupo, não seja identificável.

Todos esses elementos são valorizados no flagrante e contribuem para torná-lo um

típico representante da concepção de fotografia direta, tomada de assalto no calor dos

acontecimentos, que inscreve em sua superfície a autoridade do testemunho, do

"estávamos ali", presenciando e registrando os fatos. O momento captado por

Campanella Neto está diretamente relacionado à vocação oportunista do repórter

fotográfico, que está presente, com sua máquina de imagens, no momento certo e na

112

hora certa para relevar os fatos, trazer aos olhos do observador final a vivência daquele

momento, suprindo a ausência do mesmo.

A fotografia faz parte de um conjunto de imagens que foram publicadas como uma

reportagem na revista Mundo Ilustrado. O periódico pertencia ao grupo de comunicação

que também era dono do Diário de Notícias, o qual fazia acirrada oposição ao governo

de Juscelino Kubitschek, simpatizando com a ação dos militares antigovernistas. Esse

dado evidencia outro aspecto dessa imagem fotográfica: a construção visual do sentido

dos acontecimento baseado em uma posição política ou ideológica. Ao atentar para o

conteúdo da imagem é possível perceber a narrativa que transcorre implícita ao registro

puro e simples do fato tal qual ele aconteceu. Dos personagens envolvidos na cena de

destacam o soldado, paramentado com suas vestimentas militares, impassível e de arma

em punho; e os rebeldes presos, com roupas civis, esquálidos e com o desespero na face

que completam o quadro de dramaticidade.

Tendo em vista a posição política adotada pela da revista que publicou a fotografia131

A parte a questão ideológica, as fotografias e a reportagem de Campanella Neto sobre o

levante em Aragarças também tiveram grande repercussão por terem sido produzidas

com exclusividade a partir do local dos fatos. O fotógrafo, foi o único representante da

imprensa a cobrir o episódio in loco, quase como um correspondente de guerra, pois

embora os acontecimentos não caracterizem a rebelião como tal, a representação que se

construiu da atitude do repórter e de sua participação nos fatos certamente aproximou

,

os códigos visuais construídos pela imagem reforçam uma desproporção de forças entre

o soldado que representa o poder do governo e de suas forças enviadas para reprimir o

movimento e os presos, que representam os insurgentes, sem defesa, sendo levados

dramaticamente para a prisão. O elemento central da composição é o homem que está

em destaque no primeiro plano e cuja expressão de sofrimento e desespero do rosto é

um dos poucos elementos que são perceptíveis com nitidez, evidenciando a posição

assumida por quem publicou a fotografia: ao lado dos revoltosos.

131 A publicação semanal Mundo Ilustrado, lançada em janeiro de 1956 pelo Mundo Gráfico e Editora, tinha como objetivo atingir um público popular com variedades, política e ampla cobertura de eventos sociais como o carnaval do Rio de Janeiro. Embora a revista tenha saudado o presidente Juscelino no seu editorial de estreia, a posição política da mesma não manteve o apoio até o final do mandato, publicando críticas à sua administração. FERREIRA, Marieta de Moraes e DIAS, Cláudia Cristina. Os anos JK no acervo da Biblioteca Nacional. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/1283.pdf, acessado em fevereiro de 2013.

113

Aragarças - no interior do país - do Vietnã e contribuiu para a conquista do

reconhecimento profissional através do Esso.

A segunda tomada destacada nesta parte do trabalho também representa o

fotojornalismo de ação e foi feita e veiculada como um furo de reportagem. A fotografia

em questão é "Morte no Senado" (Figura 15), feita por Raymond Efraim Frajmund132

O episódio aconteceu na tarde do dia 4 de dezembro de 1963, em meio a uma sessão

parlamentar no Senado Federal. Silvestre Péricles (PTB) e Arnon de Mello (UDN) - pai

do ex-presidente Fernando Collor de Mello - eram ambos senadores, representantes do

estado de Alagoas no legislativo brasileiro e mantinham um pelo outro inimizade

decorrente de rixas políticas regionais. Além de serem parlamentares e nutrirem

desafeto mútuo, os dois políticos também mantinham o histórico de violência e

autoritarismo característico da forma de atuação política dos grupos familiares

poderosos nas cercanias mais distantes do país. Tanto que, com as juras de morte

trocadas, ambos se apresentam para uma sessão de trabalho no Senado com armas na

cintura e discurso preparado para o enfrentamento que até então havia sido apenas

verbal.

para o jornal O Estado de São Paulo que foi vencedora do Prêmio Esso de 1964. A

imagem, como o título enuncia, retrata o exato momento em que o senador suplente

José Kairala é atingido por um tiro efetuado por Arnon de Mello, também representante

da casa, que tinha como alvo o senador Silvestre Péricles, desafeto político do atirador.

Às três da tarde, foi dada a palavra na sessão a Arnon de Mello, que iniciou o discurso

em que pretendia refutar as acusações que lhe haviam sido feitas pelo senador e

desavença política Silvestre Péricles, ocasião em que este o havia ameaçado de morte.

"Naquele momento, o sr. Silvestre Péricles ainda conversava com o senador Arthur

Virgílio, ambos distantes 4 metros do orador"133

132 Raymond Efraim Frajmund nasceu em uma família de judeus na Polônia em 1927 e foi uma das vítimas do holocausto promovido pelo regime nazista alemão. Em 1942, na Bélgica, onde Raymond cresceu, foi capturado pelas tropas de Hitler e enviado a Auschwitz, no Transporte 21, com outros 1.552 prisioneiros. O descontentamento em continuar a viver na Europa fez com que o polonês viesse para o Brasil em 1953. Em 1960, aceita o convite de Claudio Abramo para ir trabalhar na sucursal de Brasília – para onde nenhum outro profissional queria ir – do jornal O Estado de São Paulo. O contrato que deveria durar apenas um ou dois meses foi se estendendo e Raymond nunca mais saiu da capital federal, cobrindo desde o início da vida da cidade – quando a construção ainda estava sendo finalizada – até os acontecimentos da política. . O fotógrafo deixou a profissão e tornou-se empresário em 1970, dois anos depois da invasão da Universidade de Brasília pelas forças do regime ditatorial brasileiro.

. O orador, que segundo o jornal, estava

visivelmente tomado de emoções, "preveniu que desejava falar de frente para o seu

133 O Estado de São Paulo, 05 de dezembro de 1963, primeira página.

114

desafeto, que por sua vez aproximou-se da tribuna"134. Arnon então desferiu contra seu

oponente xingamentos e insultos, ao que Péricles respondeu partindo para cima do

parlamentar que o provocava, dedo em riste, apontando para o rival e gritando

"Crápula". Arnon de Mello, então, saca a arma da cintura e dispara contra Péricles,

causando pânico entre os presentes no recinto que tentam se proteger "buscando abrigo

sob as filas de poltronas"135

"o sr. Silvestre Péricles atirou-se ao chão, com presteza e, segundo

depoimento do sr. João Agripino - rastejou entre duas fileiras, arma

em punho, como que buscando mira e sempre resguardando o corpo

contra novos tiros."

. Enquanto isso,

136

Em meio a confusão e ao pânico outro disparo é feito por Arnon de Mello e, enquanto

uns corriam para se resguardar e outros senadores e guardas do senado tentavam

imobilizar o atirador, o senador José Kairala caiu ferido pelo tiro que atingiu seu ventre.

Kairala era suplente e representava o estado do Acre, havia assumido o cargo seis meses

antes substituindo o senador José Guiomard. Naquele dia foi à plenária para cumprir seu

último dia de trabalho e havia levado consigo a esposa grávida e os três filhos, em

virtude da ocasião.

O conflito e o desfecho trágico também ficou registrado no Diário do Congresso

Nacional de 4 de dezembro de 1963, que relata os acontecimentos:

"O SR. ARNON DE MELLO: Sr. Presidente, permita V.Exa. que eu

faça o meu discurso olhando na direção do Sr. Senador Silvestre

Péricles de Góis Monteiro, que ameaçou me matar, hoje, ao

começar meu discurso.

(Estampidos. Tumulto)

134 Jornal do Brasil, 05 de dezembro de 1963, primeira página. 135 O Estado de São Paulo, 05 de dezembro de 1963, primeira página. 136 Idem.

115

O SR. PRESIDENTE: Os guardas retirem do plenário o Sr. Senador

Silvestre Péricles. Solicito que façam o mesmo com o Sr. Senador

Arnon de Melo. A sessão está suspensa.

(Pausa. Tumulto) (...)

Lamentavelmente, tenho a comunicar aos Srs. Senadores que está

ferido o Sr. Senador José Kairala. O plenário tomará conhecimento

da extensão do ferimento recebido por aquele Senador. (...)

A sessão é suspensa às 15 horas e 5 minutos e reaberta às 16 horas

e 5 minutos.

O SR. PRESIDENTE: Está reaberta a sessão. Esta presidência

comunica que efetuou a prisão dos Srs. Senadores Arnon de Melo e

Silvestre Péricles, fazendo-os recolher, o primeiro, ao Quartel-

General da Aeronáutica e, o segundo, ao Quartel-General do

Exército em Brasília."137

O senador do Acre José Kairala, tentando ajudar a conter os envolvidos acabou sendo

alvejado e, mesmo tendo sido levado às pressas para o Hospital Distrital de Brasília, não

resistiu ao ferimento do projétil que perfurara algumas artérias, veias e o intestino, e

faleceu horas depois do ocorrido. Os senadores Arnon de Melo e Silvestre Péricles,

acusados e detidos pela confusão, foram soltos horas depois graças ao habeas corpus

concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Em virtude da prerrogativa da imunidade

parlamentar os dois envolvidos não foram a julgamento em instâncias comuns do

judiciário e foram absolvidos de todas as acusações, retornando às atividades

parlamentares e dando prosseguimento a suas trajetórias políticas tradicionalmente

mantidas através dos laços familiares. Arnon é o pai de Fernando Collor de Mello, que

se elegeu presidente da República em 1990; foi deposto do cargo em 1992 e atualmente,

tal como houvera sido o pai, é senador da República. Já Silvestre Péricles de Góis

137 Diário do Congresso Nacional, 4 de dezembro de 1963, APUD, Uma História Escrita por Vencedoras: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo. Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2005.

116

Monteiro teve vários irmãos atuantes na política e se manteve como senador de 1959 a

1967.

A notícia, um assassinato na mais alta câmara legislativa do país, saiu na primeira

página do dia 5 de dezembro daquele ano em todos os grandes jornais do país: Jornal

do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, sendo o último o

veículo no qual a fotografia vencedora de Raymond Efraim Frajmund foi publicada. Na

edição de O Estado de São Paulo do dia 5 a capa do jornal (Figura 15) traz a imagem do

"Momento Fatal", conforme informa a legenda, em destaque no topo da página, com a

manchete "Senador atira no rival e mata suplente pelo Acre em plena sessão" ao lado e a

notícia relatando o episódio. No crédito da imagem principal não consta o nome do

fotógrafo Efraim Frajmund, apenas a indicação genérica do órgão que a divulgou:

"Fotografia da sucursal de Brasília". No entanto, contrariando o padrão mais

conservador e textual do jornal Estado, a composição desta primeira página teve boa

parte de seu espaço ocupado pela sequência de fotografias que registram todo o

desenrolar da ação que culminou com a morte do Senador, e nestas sim, o crédito e a

indicação da origem das imagens estão atribuídas nominalmente ao fotógrafo.

Figura 14: Detalhe da capa de O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963

As fotografias, mesmo a principal, não possuem nitidez suficiente para que o

entendimento da ação possa ser percebido apenas através da imagem. Não é possível

identificar visualmente a identidade dos envolvidos ou o que de fato está acontecendo

no recinto fotografado. Na imagem destacada no topo da página é possível observar

117

apenas alguns aspectos do acontecimento, como por exemplo, a maioria das cadeiras da

planária vazias e pessoas concentradas nos cantos do quadro indicando um movimento

de dispersão. Outras pessoas ainda aparecem se deslocando abaixadas, como se

estivessem fugindo e se protegendo de algo que vem em suas direções, mas está fora do

campo visual. No centro da fotografia aparece um borrão esbranquiçado que encobre o

que possivelmente seria um dos microfones das bancadas.

Figura 15: Primeira página do jornal O Estado de São Paulo de 5 de dezembro de 1963.

118

Figura 16: "Morte no Senado", fotografia de Efraim Frajmund para O Estado de São Paulo vencedora do Prêmio Esso de 1964.

Como a imagem não é clara, a legenda que vem logo abaixo dela se encarrega que

elucidar o que acontece no flagrante registrado, identificando as pessoas e construindo,

com apoio da sequência de fotos que está no final da página, a narrativa visual dos

fatos:

"O momento fatal

A fumação proveniente do segundo tiro disparado pelo senador

Arnon de Melo começa a dissolver-se enquanto o sr. José Kairala,

atingido mortalmente, debruça-se sobre a mesa (ao fundo, à

direita), Os dois desafetos, nesse momento, perseguiam-se

mutuamente, protegidos pelas poltronas."138

No trecho acima, pode-se sublinhar a importância dada ao fato de a "fumação" ainda

estar presente quando o registro capturado pelo fotógrafo, uma vez que a ela, o elemento

central da fotografia, é conferida uma conotação de evidência do disparo efetuado. A

imagem não mostra o atirador, tampouco o momento em que o tiro atinge o alvo, e, mal

é possível distinguir na ação o baleado caído entre as cadeiras, ou seja, o instante

(grifo nosso)

138 O Estado de São Paulo, 5 de dezembro de 1963, primeira página.

119

capturado por Efraim não é "o momento fatal" como anuncia o texto, mas sim um

momento depois do fato em si. A única coisa que agrega todas peças do enredo sugerido

pela imagem, e reforçado pelo texto da legenda, é a fumaça, esta sim presente no

momento da captura como vestígio do tiro que atinge o senador que cai.

No texto da mesma legenda, ainda vale ressaltar outro detalhe que promove uma

determinada construção do sentido da imagem como prova documental dos fatos. Ao

afirmar que o senador é "atingido mortalmente" o texto dá a entender que o tiro foi fatal,

que o atingido morreu na hora e, mais ainda, que o repórter fotográfico conseguiu

capturar em flagrante o momento trágico. Ainda que o óbito do senador José Kairala já

fosse fato consumado no momento em que o jornal é impresso para a publicação, na

fotografia o senador aparece ferido apenas, visto que foi encaminhado para o hospital

onde de fato faleceu.

No que diz respeito a morfologia da imagem, a pouca nitidez demonstra limitação dos

recursos técnicos disponíveis em relação a velocidade da ação. O equipamento que

Frajmund utilizava era a sua "velha e confortável Leika C-3139 (sic), que era leve e

cabia no bolso"140, sem utilizar o flash, pois nesse dia ele "dispensou a pesada tralha de

fotógrafo que costumava carregar"141. O enquadramento imperfeito e a suposta posição

do fotógrafo também sugerem que o flagrante foi feito em meio a dinâmica dos

acontecimentos. Pelo ângulo diagonal da fotografia, tendo as cadeiras de voltadas para

frente, a posição de Frajmund era na lateral do recinto, provavelmente em uma área

destinada a imprensa, próximo a tribuna de onde partiram os tiros, que não foi

enquadrada na imagem. Por estar sem o equipamento completo, o autor relata ter tido

que apoiar a sua Leica na barriga para poder "torcer manualmente o botão que gira a

bobina do filme"142

O fotojornalista trabalhava em Brasília, na sucursal o jornal Estado e cobria a rotina

parlamentar, sendo a plenária do senado um de seus locais habituais de atuação.Segundo

ele, em entrevista à Folha de São Paulo, "toda Brasília sabia que aquela sessão no

entre cada um dos disparos, da câmera neste caso.

139 A Leica C3 é uma câmera moderna lançada em 2002 pela Leica. Provavelmente, no depoimento o fotógrafo estava fazendo referência a câmera da Leica modelo IIIC. Sobre a Leica: http://en.leica-camera.com/culture/history/leica_products/ e http://pt.wikipedia.org/wiki/Leica_Camera, acessado em maio de 2013. 140 Entrevista de Raymond Efraim Frajmund para Folha de São Paulo de 23 de setembro de 1989, p. B-4. 141 Folha de São Paulo, 23 de setembro de 1989, p. B-4. 142 Idem.

120

Congresso podia pegar fogo."143

De modo semelhante a fotografia de Campanella Neto, "Morte no Senado" premia o

furo de reportagem e a preponderância do fotojornalismo testemunhal como ferramenta

atuante no processo de produção da notícia. A repercussão dos fatos que ocorreram no

senado em 4 de dezembro de 1963 foi imensa, pois fazia parte do universo de situações

extraordinárias que retiraram da normalidade o cotidiano político da capital federal.

Além disso, as fotografias ganham notabilidade também por seu ineditismo e

exclusividade, pois Raymond foi o único repórter que conseguiu fazer a documentação

visual dos fatos e, consequentemente o Estado, o único jornal a conseguir mostrar, de

dentro do senado, os acontecimentos que resultaram na notícia. Todos os outros veículos

publicaram fotografias anunciando a notícia nas suas primeiras páginas, mas elas

figuravam outros aspectos que orbitaram o acontecimento em si, como fotografias do

atirador e seu oponente sendo encaminhados para fora do congresso, o baleado sendo

socorrido já fora do recinto onde houvera sido atingido e dos médicos que trabalharam

para salvar a vida do Senador atingido.

Apesar disso, quase não compareceu na plenária

àquela ocasião, pois estava com dores de cabeça e assim como toda imprensa, não

esperava que algo tão extraordinário iria acontecer. Foi convencido por um amigo de

jornal a ir e se dirigiu para o congresso sem muita expectativa, tanto que abriu mão do

equipamento, carregando consigo apenas uma pequena câmera. Com a experiência,

conhecimento da casa, da conjuntura e dos personagens e um pouco de sorte - por ter

decidido ir àquela sessão - conseguiu fazer as fotografias consagradas com um Prêmio

Esso em 1963 e com um Prêmio Mergenthaler, concedido pela Sociedade

interamericana de Imprensa, em 1964.

O Esso de 1964, ao conceder a Efraim Frajmund, o título de melhor fotografia do ano,

também valoriza o esforço do fotógrafo em se manter firme, registrando o que se

passava, em meio ao tumulto decorrente do estopim de tiros dentro de um ambiente

fechado. Enquanto parlamentares e guardas corriam e se abaixavam para proteger suas

vidas, o fotojornalista foi o único a ficar de pé, não deixou o local e permaneceu

trabalhando, disparando sua câmera - sem flash - enquanto avançava o filme e toda a

confusão se desenrolava. Mesmo em risco, preferiu fazer a foto, realizando a máxima do

fotojornalismo heróico. Prova de dedicação e empenho reconhecidos pela comissão

julgadora do Esso como uma prática digna de nota.

143 Idem.

121

Não obstante ter sido alçada a categoria de ícone das boas práticas do fotojornalismo,

essa fotografia ainda tem agregado ao seu histórico um outro fator que merece destaque.

Se as imagens, particularmente as que são veiculadas na imprensa, podem ser mais do

que simples representações da realidade e, assim como as pessoas, atuarem como

sujeitos nos processos de produção de sentido das sociedades, esta fotografia em

particular voltou ao cenário político nacional tempos depois para atuar em outro

episódio.

Quando foi publicada pela primeira vez, a sequência de fotografias que revelavam um

caso de morte no Senado nacional eram a prova de que de Arnon de Mello atirou contra

Silvestre Péricles, acertando por engano José Kairala, que nada tinha com a rixa entre os

dois. De acordo com a pesquisa do livro comemorativo dos 50 anos do Prêmio Esso, as

12 fotografias feitas por Frajmund foram inclusive utilizadas judicialmente, como

provas, no processo em que Arnon de Mello alegou ter agido em nome da autodefesa144

A Folha de São Paulo - que fez uma cobertura da campanha de 1989 pautada matérias

negativas a respeito do candidato alagoano - publicou na edição de 23 de setembro

daquele ano uma reportagem que reconstituía os fatos de 1963 através das imagens

feitas por Frajmund. A reportagem foi assinada por Marcelo Tas e o texto expressa

muito mais uma reverência ao fotógrafo pelo furo do que um ataque explícito a figura

de Collor. Entretanto, embora o texto só relate os fatos, mantendo o tom de objetividade

e imparcialidade, as imagens publicadas em sequência, com legendas, setas e recursos

gráficos, sugerem a leitura a ser feita para o entendimento da ação, e a manchete "Como

o pai de Collor matou senador a tiros" (

.

Vinte e cinco anos depois, a descendência familiar de um dos envolvidos fez com que a

história do assassinato e as fotografias que o revelam recebessem nova apropriação,

fazendo-as retornar às páginas dos jornais para significar outro fato político: uma

matéria da Folha de São Paulo recorre ao episódio na seção destinada à cobertura da

campanha eleitoral de 1989, em que o filho de Arnon de Mello - Fernando Collor de

Mello - concorreu a presidência da República.

Figura 17) indicam o caminho a ser seguido

pelo leitor para que chegue sozinho a uma conclusão óbvia: tal pai, tal filho, ou seja, o

candidato Fernando Collor de Mello é herdeiro de uma tradição política de violência e

arbitrariedades.

144 Uma História Escrita por Vencedores, Op. Cit,. p. 37.

122

O conteúdo político da notícia está implícito e visa construir uma imagem negativa do

postulante ao cargo de presidente. Faz isso promovendo através do resgate da história de

1963 uma associação o então candidato Fernando Collor de Melo à figura de seu pai

Arnon de Mello e ao atos de violência e desmando impetrados por ele no exercício de

seu mandato como senador. Na forma de construção dessa reportagem as imagens de

Frajmund cumprem um papel fundamental, pois é a através da narrativa visual dos

acontecimentos que se dá o nexo entre o relato escrito imparcial e o argumento

subentendido, são as fotografias que conduzem o leitor a concluir que ter um pai que

mata um colega de trabalho não é um bom histórico para um candidato a presidente.

123

Figura 17: Como o pai de Collor matou senador a tiros, Folha de São Paulo, 23 de setembro de 1989, página B - 4.

O terceiro flagrante é uma fotografia que apareceu na lista de premiados do Esso como

uma exceção, foi a única que ganhou um título de distinção no concurso sem ter sido

publicada em nenhum veículo. A imagem em questão foi feita pelo fotógrafo da Tribuna

124

da Imprensa Joveraldo Lemos de Souza145

Figura 18

e está relacionada à trágica morte de seu

autor. Pouco depois de registrar a formação da esquadrilha da fumaça em pleno vôo a

aeronave em que estava o repórter fotográfico caiu na Baia de Guanabara matando tanto

ele quanto o piloto. A fotografia, intitulada "Morto em Serviço", ( ) foi

recuperada dos destroços do acidente e recebeu uma Menção Honrosa Especial no

Prêmio Esso de 1965.

30 de janeiro de 1965, nas praias do Flamengo e Botafogo estavam sendo realizados os

festejos da Noite do Rio-Mar, evento promovido pelo governo do estado da Guanabara -

comandado por Carlos Lacerda - dentro das comemorações o IV Centenário da cidade

do Rio de Janeiro, "em homenagem aos feitos históricos de Estácio de Sá"146

Os festejos começaram às 17 horas e 10 minutos e milhares de pessoas se reuniram para

assistir a apresentação do grupo, que partiu em cinco aviões North American do tipo T6,

do Santos Dumont em direção a enseada de Botafogo. A bordo do avião-capitânea PP

61600 da Esquadrilha da Fumaça, pilotado pelo tenente Luís Edmundo Peixoto

Albernaz, estava o repórter fotográfico da Tribuna da Imprensa Joveraldo Lemos de

Souza, "pronto para fotografar os lances mais emocionantes da acrobacia"

. A festa

contaria com diversas atrações, e dentre elas estava prevista uma apresentação do

grupamento militar da Aeronáutica conhecido como Esquadrilha da Fumaça, divisão de

pilotos que fazem demonstrações acrobáticas com aviões de pequeno porte e cuja marca

registrada é o rastro de fumaça que deixam após sua passagem.

147

"A cobertura da festa seria feita pelo fotógrafo Luis Pinto, mas

Joveraldo pediu para substituí-lo, alegando que não gostara das

fotos que batera quando, há 11 dias, viajara num dos aviões da

de dentro

da cabine. De acordo com a notícia publicada pelo Jornal do Brasil de 31 de janeiro de

1965:

145 A carreira de repórter fotográfico de Joveraldo Lemos foi curta, devido a um triste episódio que tirou sua vida enquanto trabalhava na cobertura da Festa Rio-Mar, promovida pela prefeitura do Rio de Janeiro, em 1965. Joveraldo pediu para substituir Luiz Pinto na cobertura e estava a bordo de um dos aviões da esquadrilha da fumaça que fazia uma apresentação para o público do evento quando o piloto perdeu o controle da aeronave e caiu no mar. Uma das fotografias feitas durante a exibição, que mostra a esquadrilha em formação, foi recuperada dos destroços do acidente e, através dela, os organizadores do Prêmio Esso homenagearam Joveraldo Lemos com uma Menção Honrosa Especial na edição de 1965. Joveraldo havia entrado como repórter fotográfico na Tribuna da Imprensa cinco anos antes do acidente fatal. Além disso, dividia suas atividades de fotojornalista com um cargo no Serviço Fotográfico do Ministério da Guerra, que ocupou durante 15 anos. 146 Jornal do Brasil, 23 de janeiro de 1965, p. 5. 147 Folha de São Paulo, 1 de fevereiro de 1965, p. 6.

125

Esquadrilha da Fumaça. Joveraldo entraria de férias esta

semana."148

O avião em que estava o fotógrafo iniciou uma manobra de looping quase sobre o

palanque oficial, mas não conseguiu concluí-la com êxito. Diante de todos os

espectadores do evento fez uma descida excessiva e não conseguiu retomar a tempo de

ascender e finalizar a volta. A aeronave caiu na Baía de Guanabara, em frente ao Morro

da Viúva, "desaparecendo numa cortina de água, da qual logo se destacaram partes da

asa esquerda e o motor."

149

Os dois ocupantes do T-6 morreram no desastre e Joveraldo, que trabalhava na Tribuna

da Imprensa havia 5 anos, deixou a esposa e dois filhos. A notícia publicada no Jornal

do Brasil fala sobre as vítimas do acidente e destaca a morte do repórter fotográfico

como uma consequência de sua obstinação no trato da notícia. Com o subtítulo

"Perfeição leva à morte", faz uma referência a iniciativa do profissional de conseguir as

melhores imagens, o que resultou na interrupção trágica de sua vida. A reportagem

ainda informa que durante as buscas, o fotógrafo Luiz Pinto, que foi substituído pelo o

colega de jornal no vôo para a cobertura da festa, sofreu uma crise de nervos no cais e

teve que ser atendido pelos médicos do local.

ao que submergiu. Logo em seguida, as festividades foram

suspensas pelas autoridades locais e o resgate dos tripulantes da aeronave começaram.

Uma das fotografias feitas antes da queda, enquanto o fotógrafo registrava as acrobacias

e a formação das aeronaves a bordo do T-6 foi recuperada e esse detalhe inesperado do

trágico acidente resultou na homenagem concedida ao fotojornalista no Prêmio Esso de

1965. Surpreendentemente, os negativos do filme utilizado naquele dia foram

encontrados junto aos destroços do avião posteriormente e algumas das fotos que ele

continha puderam ser relevadas.

148 Jornal do Brasil, 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 1965, p. 10. 149 Idem.

126

Figura 18: Morto em Serviço, fotografia de Joveraldo Lemos de Souza, Menção Honrosa Especial no Prêmio Esso de 1965.

De início um aspecto chama a atenção na fotografia de Joveraldo Lemos. Ela possui

marcas impressas no suporte em que foi revelada, evidenciando a deterioração do

negativo que continha seu registro. As falhas na imagem deixam a mostra traços da sua

biografia enquanto objeto, inscrito em uma materialidade própria, já é o vestígio que

sobreviveu ao destino trágico da qual é testemunha. Além disso, tais traços reforçam o

vínculo que ela estabeleceu com o referente, produzindo uma exacerbação de seu

caráter indicial, visto que o resultado de sua permanência está inscrito em sua superfície

visual tanto quanto o motivo que o fotógrafo buscava deliberadamente. Deste modo, ela

não figura apenas a ousadia de uma esquadra de demonstração de habilidades aéreas

como sugere seu conteúdo, mas também, o acidente que acometeu piloto e fotógrafo,

revelado através das marcas impressas no papel.

Os elementos presentes na imagem mostram, em um único plano, quatro dos cinco

aviões da Esquadrilha da Fumaça que partiram do Santos Dumont para a apresentação

daquele dia. As aeronaves estão voando perfiladas e esse conjunto é o que se destaca na

fotografia, que tem ao fundo apenas a representação uniforme do céu. A fotografia é

feita de dentro da cabine do avião e produz um efeito de tomada em primeira pessoa, ou

seja, a lente registra a cena a partir da perspectiva do fotógrafo, levando quem observa a

mesma posição em que ele estava no momento em que fez a captura da imagem. Nesse

caso, em nome da disposição de oferecer ao interlocutor da imagem um ângulo

127

inusitado e diferente das manobras da Esquadrilha, vistas não de baixo para cima, como

observador em terra, mas a mesma altura, a partir do ponto de vista do piloto. Talvez,

não é possível precisar, o fotógrafo estivesse buscando mobilizar em quem olha as

sensações de estar a bordo e compartilhar da mesma experiência.

A Menção Honrosa Especial concedida a Joveraldo Lemos de Souza no Prêmio Esso de

1965 representa uma homenagem póstuma ao profissional, em uma ocasião oportuna,

da qual a fotografia que sobreviveu ao acidente foi apenas um símbolo adicional. A

cerimônia de premiação de 1965 contou com uma exposição das últimas fotografias

feitas por Joveraldo a bordo do avião da Esquadrilha da Fumaça e sua esposa recebeu

uma placa de prata como homenagem o marido morto em serviço. Os méritos da

fotografia, como trabalho realizado, portanto, estão aquém do seu valor enquanto

relíquia. Apesar disso, ela foi relacionada nesta pesquisa por consubstanciar as

prerrogativas que norteiam o fotojornalismo abordadas neste tópico, representando o

valor atribuído a presença do fotógrafo como testemunha de uma história, disposto a

superar os riscos por uma boa fotografia.

Os três exemplos relacionados, nesta parte do trabalho, constituem um tipo de fotografia

muito valorizada no universo do fotojornalismo, mesmo nos dias de hoje: a de caráter

testemunhal. Destacam-se nessas imagens algumas características que estão inseridas no

bojo do processo de constituição do fotojornalismo, como a aproximação com a

realidade e a verdade dos fatos, atrelada a uma noção de presença residual daquilo que

foi, ou seja, da relação que a imagem estabelece com seu referente. Tomando o período

pesquisado como parâmetro, essas características revelam ainda, as práticas e

experiências de ver e fotografar compartilhadas entre os profissionais da imagem,

sobretudo, quando se considera as referências que serviram de inspiração para essa

geração de fotojornalistas e que chegam ao Brasil através de publicações como a Life, a

Look e a Paris Match.

Além disso, é importante ressaltar a valorização do senso de oportunidade e

profissionalismo dos fotógrafos ao fazerem o registro fotográfico, mesmo em condições

adversas, em meio a dinâmica dos acontecimentos. A fotografia como índice, objeto

material que reporta ao passado e aos fatos, e o mítica heróica que confere ao fotógrafo

de imprensa o rótulo de testemunha ocular da história. Esses são os ingredientes que

forjaram algumas das imagens responsáveis pela conformação um tipo de narrativa

visual dos acontecimentos e que por isso foram reconhecidas.

128

2.3. Drama e Denúncia

A dramaticidade era um dos critérios relevantes na lista de atributos que uma fotografia

de imprensa precisava ter para ser escolhida como destaque no Prêmio Esso. A

capacidade de comover a audiência está diretamente relacionada a sensibilidade do

fotógrafo em captar a esfera de tensão, ou emoção, que envolve o acontecimento que

imobiliza, imprimindo na fotografia uma forma de ver o mundo e representar o outro,

vislumbrando o lado humano da notícia. Mais do que isso, essas imagens foram

prestigiadas por serem capazes de construir entre fotografado e público uma relação que

cause no segundo um sentimento de identidade com o primeiro, que o faça se

sensibilizar com a dor do outro e assim, mobilizar-se em uma causa considerada justa.

De diferentes maneiras, essas imagens consagraram uma concepção de fotografia cuja

marca é o engajamento do olhar do fotógrafo que alia ao domínio da técnica uma

composição estética que evidencie as tensões e contradições do mundo em que vive.

Tributário do movimento documentalista americano da década de 1930150 por um lado e

de uma perspectiva universalista da fotografia proeminente no pós-guerra151

A primeira imagem a ser destacada retrata o drama e o desespero de um menino para

salvar seu cachorro em uma sequência de fotografias que narram uma batalha. "Não

Matem meu Cachorro" (

de outro,

esse olhar engajado está representado em muitas fotografias premiadas no Prêmio Esso

e ajudou a criar protocolos, até mesmo do ponto de vista formal, que definiram uma

categoria fotojornalística ligada a denúncia social. Algumas dessas imagens, que

conjugam comoção e mobilização, serão abordadas neste tópico.

Figura 20), inaugurou o Prêmio Esso de Fotojornalismo, em

1961 quando o concurso passou a contar com uma premiação específica para julgar

fotografias de imprensa. Ela foi feita pelo fotógrafo Sérgio Jorge152

Figura 19

e fez parte de uma

reportagem publicada na Revista Manchete de dezembro de 1959 ( ) que

abordava a questão dos animais abandonados nas ruas, em face da crueldade das

150 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes, 2008, pp. 176-183 151 STIMTSOM, Blake. The Pivot of the world: photography and its nation. London: The MIT Press, 2006, p. 20. 152 Sérgio Jorge nasceu em 1937, em São Paulo, na cidade de Amparo e iniciou na fotografia com 13 anos de idade. Autodidata, trabalhou no jornal O Dia e na Gazeta Esportiva, antes de começar a fazer reportagens free-lance para a sucursal da revista Manchete em São Paulo em 1960. Depois de receber o prêmio da Esso, Sérgio foi contratado por Oscar Bloch para fazer parte do quadro permanente da Editora. Além disso, foi um dos coordenadores da área fotográfica da Editora Abril – de 1971 a 1974 – onde criou o Estúdio Abril. Em 1975 montou estúdio próprio onde trabalha até hoje com fotografia publicitária e institucional.

129

políticas públicas sanitárias que recolhiam esses animais e lhes dava como destino o

extermínio em câmaras de gás.

Figura 19: Não Matem meu Cachorro, Revista Manchete de dezembro de 1959.

A partir da história do menino Fernando, que luta com o homem da carrocinha para

defender o seu animal a reportagem fala sobre o recolhimento de cachorros e gatos nas

ruas pelo órgão de Limpeza Pública, revelando que os bichos eram capturados, pelos

homens da "carrocinha", como se fossem lixo urbano. Posteriormente, os animais

aprisionados iam para um depósito publico, onde eram alimentados por dois dias,

"enquanto aguardavam recursos legais que os livrassem da sentença na famigerada

cela nº 13"153

A crueldade das técnicas de controle da profileração de animais e de combate à doenças

como a raiva empregadas na época são fruto de um descompasso entre os hábitos locais

e cotidianos dos moradores da cidade e o projeto modernizante de crescimento

acelerado que implicava em medidas de sanitarização e limpeza urbana empreendidas

de maneira arbitrária por órgãos governamentais. Muitas eram as pessoas que

. Aqueles que não eram resgatados por seus donos, o que implicava em

dispor de recursos financeiros para pagamento de multas além de um longo percurso até

o depósito da prefeitura, eram sacrificados em câmaras de gás.

153 Uma História Escrita por Vencedores. Op. Cit., p. 26.

130

repugnavam a carrocinha e seus homens que laçavam e aprisionavam bichos indefesos

que rondavam pelas ruas da cidade. A repugnância pela crueldade contrastava com o

sentimento de compaixão que algumas pessoas nutriam pelos animais, o que as levava a

desenvolverem formas de resistência a atuação desses órgãos sanitários, como é o caso

do menino retratado pela Revista Manchete que tenta de todo modo impedira a ação do

funcionário da prefeitura na tentativa de capturar seu cachorro Piloto.

Além da história contada a partir do ponto de vista de um menino que está na iminência

de perder seu bicho de estimação, as fotografias utilizadas para compor a reportagem

reforçam os componentes dramáticos presentes na situação ao criarem uma narrativa

que demarca os seus personagens e promove uma polarização os lados da disputa em

tono da questão, ou seja, constroem o sentido da abordagem através da representação do

bem contra o mal. Em uma sequência de três fotografias, impressas em página dupla e

complementada por um pequeno texto no final da segunda página, o drama de

Fernando, Piloto - o cão - e seu algoz introduz a reportagem e demarca o

posicionamento da publicação em favor do direito dos animais e sua responsabilidade

em discutir o tema e denunciar a crueldade.

Tudo isso ainda é reforçado pela composição gráfica das páginas, em que os elementos

de texto completam o sentido conotado pelas imagens. O título da matéria ocupa um

quarto da primeira página e imprime em enormes letras vermelhas e em caixa alta um

apelo imperativo e dramático: "Não Matem Meu Cachorro!". O vermelho do título

contrasta com todos os outros elementos da página que estão em preto e branco e

confere o destaque ao que se subentende como sendo o próprio grito do menino que

personifica um dos lados do combate. No topo da primeira página ainda um pequeno

subtítulo enuncia o que está por vir: "Drama em São Paulo".

No que diz respeito a fotografia que ganhou o Prêmio Esso em 1961 pode-se dizer que

ela por si só consegue representar o drama e ao mesmo tempo construir uma narrativa

da ação em que Fernando luta com seu oponente para salvar o cachorro Piloto. O

instante flagrado por Sérgio Jorge transmite a impressão de movimento, em que é

possível perceber a existência de um momento anterior e a iminência de um porvir,

embora traga também o suspense pela incerteza do que pode ter acontecido após o

clique. Por mais que a fotografia vencedora faça parte de uma sequência narrativa, ao

tomá-la isoladamente essa sensação de continuidade no tempo e no espaço pelo

movimento dos objetos em cena pode ser observada em sua superfície visual.

131

Figura 20: Fotografia de Sérgio Jorge, vencedora do Prêmio Esso de 1961.

O apelo a dramaticidade é a principal característica da fotografia de Sérgio Jorge, uma

vez que o profissional consegue sincronizar forma e conteúdo para expressar de modo

impactante toda a tensão que envolve o momento fotografado. A composição dos

planos, o enquadramento, a participação das pessoas e a disposição dos objetos em cena

conduzem o espectador a uma batalha notadamente desproporcional, em que a imagem

dialoga com a metáfora da luta do mais forte, que oprime e abusa de seu poder, contra o

mais fraco, que resiste apesar da desvantagem. Ou ainda, ampliando a perspectiva para

uma narrativa épica, opera com a referência bíblica de Davi contra Golias, reforçando o

componente dramático da cena, ratificando e repudiando a crueldade contra os animais

e vislumbrando um desfecho em que o "bem" vence o "mal" e a justiça prevalece,

apesar da aparente adversidade.

Observado os aspectos formais o enquadramento e a disposição dos planos da cena

acentuam diferença de tamanho entre o menino e o laçador da carrocinha. A tomada

feita em contra-plongé - de baixo para cima - e em diagonal, em que as linhas da

imagem convergem a partir do primeiro plano para um ponto em perspectiva. O

enquadramento está levemente inclinado em virtude da topografia da rua e do tipo de

posição presumida do fotógrafo. Esses fatores dão centralidade a figura do homem da

132

carrocinha, que se destaca no primeiro plano, produzindo também o efeito de

desproporção que agiganta a rudeza do homem da carrocinha do plano próximo em face

ao desespero miúdo do menino dono do cachorro, que se distancia na composição da

imagem.

Além disso, a nitidez da imagem permite que se faça uma leitura precisa dos detalhes da

fotografia o que coloca em evidência a expressão corporal dos personagens em cena. O

menino tem o desespero estampado no rosto, está sem sapatos, no meio da rua, parece

gritar e chorar, puxa a corda do laçador contra si e inclina seu corpo para baixo,

buscando mais forças do que é capaz na tentativa de resistir ao aprisionamento do cão.

Já o homem do primeiro plano é a própria representação da maldade, esta de pé,

segurando com força a corda com a qual havia laçado o animal, e, no exato momento

em que é flagrado, ele está mirando a câmera com os olhos de soslaio, a expressão do

seu rosto esboça um leve sorriso sem dentes, dando a impressão de estar tomado pela

satisfação ao agarrar o animal e dar cabo da sua tarefa de recolhê-lo.

Mesmo que o flagrante da expressão de crueldade do rosto do homem tenha sido

conseguida através da contingência, já que o fotógrafo disparou sua câmera em

sequência, é ele quem encerra o sentido que simboliza o tipo de mobilização que a

matéria esta tentando produzir, sendo peça fundamental na leitura que procura

deslegitimar e denunciar as medidas públicas arbitrárias de controle de animais. As

outras pessoas na fotografia também tem seu papel na representação do drama, pois

olham admiradas, mas ainda assim inertes a situação de Fernando e seu cão, que, por

sua vez, sintetiza a tensão da disputa, clicado com o corpo todo contorcido em pleno ar.

A fotografia em questão manifesta um certo tipo de posicionamento em relação a

práticas consideradas cruéis contra os animais que encontrava respaldo em uma parcela

da sociedade, embora a abordagem dessa temática não encontrasse muita repercussão na

imprensa à época. No livro "Anarquistas Graças Adeus" a escritora Zélia Gattai relata as

batalhas que ela e sua mãe, defensora incondicional dos animais, travavam com os

famigerados laçadores da carrocinha. Na narrativa de um episódio que muito se

assemelha com a história fotografada por Sérgio Jorge, a autora conta:

"Eu detestava os 'homens da carrocinha'. (...) Quando os via

acuando um cão – dois e três homens, armados de laços, contra

pobre e indefeso animal – sentia ódio dos covardes. Muitas vezes

133

agarrava-me ao bichinho, sem jamais tê-lo visto antes, para evitar

que fosse laçado.

Uma vez, enquanto os laçadores, distraídos no afã de alcançar sua

presa correndo em disparada, distanciaram-se deixando a

carrocinha repleta e desprotegida, Tito, um amigo e eu

aproveitamos a ocasião para, num abrir e fechar de olhos, abrir a

porta da jaula, soltando os cães, que nos acompanharam em

desabalada carreira. Temendo ser perseguida, olhei para trás e

divisei um cãozinho, todo aparvalhado, sem saber que rumo tomar,

onde meter- se. Voltei rapidamente e agarrei-o a tempo de impedir

que fosse laçado novamente pelos homens encolerizados.

Esbravejando, eles avançavam em minha direção, dispostos a

arrebatar-me o animal:

– Este cachorro é meu! – gritei, chorando, o animalzinho apertado

contra o peito. – Ninguém leva o meu cachorro!

As pessoas paradas em torno da disputa tomavam minha defesa,

não escondendo sua animosidade contra os “inimigos”, que não

tiveram outra alternativa senão desistir. Eu já era sua conhecida de

aventuras passadas e por isso me detestavam. Se pudessem me

laçavam também, como aos cães."154

A pauta sobre o problema dos animais abandonados produzida pela Revista Manchete

foi sugerida pelo fotógrafo Sérgio Jorge que na época fazia serviços como free-lance

para a sucursal da revista em São Paulo. O pedido de uma matéria sobre a vacina do

Instituto Pasteur contra o cachorro-louco tinha vindo da sede do semanário no Rio de

Janeiro e na reunião de preparação das reportagens foi a partir de uma experiência

pessoal da infância do fotógrafo que a matéria "Não Matem meu Cachorro" foi

concebida. Foi, portanto, no momento em que a memória, o instinto e a sensibilidade do

olhar do profissional entraram em ação que a reportagem, a fotografia e o impulso para

.

154 ZATTAI, Zelia. Anarquistas Graças a Deus. Rio de Janeiro: Editora Record, 1983, pp. 48-49.

134

a mobilização em torno de uma causa puderam ser concretizada, como ele mesmo

conta:

"Eu pedi uma parte [na reunião de pauta] e falei, olha... Quando eu

tinha 8 anos, eu tinha um cachorrinho chamado Lulu. Eu tava

sentado na porta de casa, passou a carrocinha e, laçaram meu

cachorro e puseram na carrocinha. Era carrocinha mesmo - puxada

à cavalo, né... Um engradado, que nem uma gaiola e um monte de

cachorro lá. Eu comecei a chorar, gritar... Meu pai, que estava no

escritório, saiu, viu e foi lá falar com o laçador. Ele me devolveu o

cachorro, o Lulu. Fiquei contente, aquela coisa, então isso

aconteceu comigo. Será que também não acontece isso em São

Paulo? Com a carrocinha?"155

Com a pauta aceita pela sede da revista no Rio o fotógrafo dirigiu-se para o depósito da

Prefeitura e conseguiu autorização para acompanhar a ronda da carrocinha pelos bairros

da cidade de São Paulo. Foi o que fez o repórter fotográfico durante três dias, em que

conseguiu inúmeras imagens, documentou a rotina dos laçadores, as histórias dos

"cachorros vadios" e o desprestígio que o serviço de limpeza possuía junto a população

que manifestava seu repúdio jogando pedras nas carrocinhas ou xingando os laçadores.

Ainda assim não estava satisfeito, porque "estava esperando uma coisa muito melhor,

uma coisa mais humana".

156

A reportagem causou comoção no público e teve uma repercussão estrondosa, tanto do

Rio de Janeiro como em São Paulo. Além do ineditismo na abordagem do tema, chamou

a atenção das pessoas para a maneira arcaica e cruel que caracterizavam os

O que aconteceu no último instante da cobertura, no bairro

da Freguesia do Ó, quando o laçador da carrocinha agarrou Piloto, o cãozinho de

Fernando que, segundo Sérgio, "veio, pegou, se enrolou no meio do laço querendo

defender o cachorro". Da batalha resultaram seis fotos, que saíram em quatro páginas

na Manchete, documentando a captura, o aprisionamento e o desespero do garoto, que

mesmo tendo chorado e brigado não conseguiu dissuadir os homens da carrocinha de

levá-lo embora.

155 Entrevista com o fotógrafo Sérgio Jorge para o site Foto.doc, disponível em http://vimeo.com/30366389, acessado em setembro de 2012. 156 Idem.

135

procedimentos de controle da população de animais de rua da capital paulista,

encontrando eco, inclusive, na indignação de boa parte da sociedade que não se

conformava com a política das carrocinhas. As denúncias da reportagem introduziu no

Brasil a discussão sobre o direito dos animais, bandeira que na época não era

representativa e a partir da história contada visualmente por Sérgio, incluiu na agenda

das políticas públicas a adoção de métodos mais humanizados para a erradicação da

raiva e para a questão do recolhimento de animais abandonados.

"Foi uma repercussão impressionante. Nas bancas de jornais de São

Paulo, os caras abriam a revista, né. E, coladas na banca. No rio a

mesma coisa."157

E, como toda boa história de final feliz, dois dia após a publicação da revista, com o

tremendo sucesso que tinha sido, Sérgio foi chamado pelo diretor Justino Martins e

praticamente intimado a achar o cachorro para fazer uma nova reportagem com o

desfecho da história. Encontrou o animal no depósito da prefeitura ainda vivo, tomou

um táxi até a Freguesia do Ó à procura do dono do cão. Ao encontrar Fernando levou o

menino ao depósito para reaver seu amigo.

"Chegamos lá, de fato, o moleque chegou, já veio cachorro... Au, au,

au. Fiz umas fotos dele feliz, mandei pra Manchete que saiu de novo

publicada."158

157Idem.

158Idem

136

Figura 21: Sérgio Jorge fotografando Fernando e Piloto, depois do resgate do cachorro.

Por iniciativa do jornalista Arnaldo Niskier159

, a reportagem e as fotografias de Sérgio

foram enviadas para o concurso da Esso, que premiaria o fotojornalismo pela primeira

vez naquela edição de 1961. A imagem do menino que luta para salvar seu animal de

estimação foi premiada e Sérgio, que trabalhava apenas como free-lancer, foi convidado

por Oscar Bloch para fazer parte do quadro permanente de fotojornalistas da Revista

Manchete.

Figura 22: Sérgio Jorge recebendo o primeiro Prêmio Esso de Fotojornalismo.

159 Arnaldo Niskier, jornalista e escritor, era, na época diretor do Grupo Bloch de comunicação.

137

A conquista do Prêmio Esso foi uma demonstração da qualidade da fotografia de Sérgio

Jorge, que se valeu dos recursos estéticos para sensibilizar e mobilizar seus

interlocutores. Mas a consagração nacional foi amplificada pelo reconhecimento

internacional, pois segundo o autor das imagens ela foi publicada em pelo menos trinta

e seis jornais e revistas de todo mundo e a reportagem foi traduzida em diversas línguas.

As fotografias foram veiculadas em publicações de renome, as quais eram ícones do

padrão de fotoreportagem que inspirou diversos periódicos nacionais, como a Life, a

Paris Match e o jornal Sunday Times. Um detalhe importante de se ressaltar é que em

algumas dessas matérias feitas ao redor do mundo o que sobressai, no lugar do drama

animal, é a qualidade da abordagem visual, fazendo com que o trabalho do fotógrafo

virasse notícia.

A fotografia seguinte também se filia a um tipo de abordagem que se vale do aspecto

emocional como forma privilegiada de documentação, inserindo outras variáveis na

composição da notícia jornalística, como por exemplo, o deslocamento do fato em si

para das pessoas que nele estão envolvidas e que sofrem em decorrência dos problemas

e mazelas sociais veiculadas pelas páginas dos jornais. Essa imagem será abordada

porque segue um padrão estético relativamente comum ao fotojornalismo que procura

evidenciar e denunciar a dor do outro, utilizando a aproximação através do close e a

força da expressão dos rostos para construir o sentido da mensagem.

Uma mulher, aparentemente pobre, chorando dolorosamente e uma criança que está em

seu colo tentando enxugar suas lágrimas são destacadas da paisagem pela fotografia que

foi consagrada com uma Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1965. A menção

correspondia a uma série composta por duas imagens do mesmo fotógrafo, intitulada "O

Choro do Abandono" (Figura 23) e seu autor, o fotógrafo Reginaldo Manente160

160 Nascido na Mooca em São Paulo, Reginaldo Manente se considera o "fotógrafo das emoções". O título faz juz a uma trajetória no fotojornalismo marcada por imagens em que dramaticidade e o choro davam o tom, pelo menos no que diz respeito a vitoriosa história do fotógrafo no Prêmio Esso. Manente teve seu trabalho consagrado em quatro ocasiões no concurso promovido pela Esso de fotografia, fazendo com que ele fosse o profissional que mais acumulou prêmios na categoria. Atuou como fotógrafo de imprensa no jornal O Estado de São Paulo e no JT - Jornal da Tarde - pertencente ao mesmo grupo.

é o

profissional que mais foi lembrado pelo concurso, com três homenagens e um prêmio

principal. Ao longo dos trinta anos em atuou como repórter fotográfico para o jornal O

Estado de São Paulo, cobriu diversas editorias como esporte, cidade e cotidiano, mas,

ao menos no que diz respeito ao Prêmio Esso, a sua fotografia tem uma assinatura: o

choro.

138

Figura 23: Choro do Abandono, fotografia de Reginaldo Manente, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1965.

A força dessa imagem está na carga de dramaticidade que ela contém e na sutileza de

seus detalhes, pois a cena retratada revela o sofrimento marcado pela expressão da

mulher, que chora, mas não copiosamente, parece tentar engolir seu choro, quase um

lamento de quem sofre de maneira dolorosa ainda que contida;como se isso não

bastasse, ela carrega no colo uma criança pequena, que não é possível afirmar ser sua

filha, e, que num gesto singelo e comovente enxuga às lágrimas da mulher com um

pedaço de sua roupa. A sensação de quem observa é de desalento e desesperança, além

da dor, numa tomada de extrema sensibilidade e percepção do fotógrafo para captar o

viés humano da tragédia social da qual ambas são personagens. A comoção é imediata,

mesmo que não se saiba o que de fato causou o mal que faz a mulher sofrer, reforçada

pela inversão de papéis que a imagem de uma criança consolando um adulto representa.

O acontecimento por trás da fotografia foi uma ação de despejo ocorrida em São Paulo,

na favela Matão de Paula Souza, no bairro do Brás, denunciando uma das mazelas

sociais que atinge os grandes centros urbanos de vários lugares do país. De um lado a

formação de cortiços, favelas e comunidades, em que pessoas que não dispõem de

recursos se instalam, na maior parte das vezes em condições degradantes, e vivem suas

vidas à revelia de qualquer tipo de assistência social e alheias as políticas públicas

básicas que se constituem como direito de todo cidadão. De outro as ações de despejo

movidas por governos ou proprietários privados, que em tese teriam com objetivo

139

remover pessoas que ocupam irregularmente áreas da cidade, mas são sempre marcadas

por atos de violência e arbitrariedade, amplificando o sofrimento pela miséria e

evidenciando a questão da desigualdade social.

No caso da moradora retratada por Manente não foi diferente. A fotografia em questão

compõe a notícia que fala sobre o "Despejo que atinge 5 mil pessoas" na zona sul da

São Paulo devido a uma ação empreendida pelo sr. Manoel Cordeiro dos Santos -

identificado como proprietário do terreno - com vias a reintegração de posse para a

realização de um loteamento na área.

"Perto de cinco mil pessoas residentes na favela do Matão de Paula

Souza, a cerca de 500 metros da avenida Regente Feijó, na Água

Rasa, estão ameaçados de despejo, porque o proprietário do

terreno, sr. Manoel Cordeiro dos Santos, vai lotear toda a área, que

tem cerca de 200 metros quadrados.

De acordo com os moradores, a cerca de 15 dias surgiu na favela

um oficial de justiça, acompanhado de dois soldados da Força

Pública e avisou os favelados de que o local teria que ser evacuado,

pois o proprietário do terreno iria proceder o loteamento."161

A notícia foi publicada na página 10 de O Estado de São Paulo em 15 de maio de 1965

(

Figura 24), sendo o texto em duas colunas e a fotografia em três no topo da página. A

reportagem não está assinada, tampouco a fotografia é creditada ao seu autor, como era

comum no periódico em questão162

161 Jornal O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1965, p. 10.

. A redação do texto é segue o padrão comum ao

jornalismo que prescinde de emitir opiniões ou juízo de valor e tende a relatar os fatos

de maneira objetiva e imparcial, como neste caso em que há a polarização dos lados

envolvidos e o jornal, portanto, procura apresentar a versão de ambos.

162 Nas edições do Estado de São Paulo utilizadas nessa pesquisa, boa parte das matérias e fotografias não continham a referência nominal ao seu autor.

140

Figura 24: Jornal O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1965, página 10.

141

No entanto, em alguns trechos da reportagem do despejo em Matão de Paula Souza o

jornal revela sutilmente assumir uma posição em favor dos moradores que serão

despejados. Essa tendência pode ser vista em algumas partes do texto em que o redator

descreve a favela, destacando a longevidade da ocupação e a condição das pessoas que

ali vivem. É interessante notar que ao se referir aos ocupantes o texto usa expressões

como residente e habitantes, reforçando o pertencimento das pessoas ao lugar.

"A favela tem cerca de 800 barracos, e uma população de cinco mil

pessoas, algumas ali residentes há oito e nove anos. [...] Seus

habitantes, paupérrimos vivem de biscates e de materiais ainda

aproveitáveis que recolhem de um depósito de lixo das

proximidades."163

Em contraste, logo em seguida, é feita a denuncia da pressão e da violência a que os

"favelados" vêm sendo submetidos, apesar da garantia feita pelo representante do dono

do terreno de que os barracos "já existentes serão respeitados até que se providencie a

remoção das famílias"

(grifo nosso)

164

"[...] os moradores da favela dizem estar sendo continuamente

pressionados para abandonar o terreno. o sr. Alonso Cavalcanti,

residente na favela a dez meses, declarou que anteontem receberam

dos soldados da Força Pública um ultimato para abandonar o

terreno até as 12 horas de hoje; caso contrário os barracos seriam

incendiados, 'com gente dentro ou não'."

. Por intermédio da Força Pública - o que corresponderia hoje à

Polícia Militar - os interesses do dono do terreno foram privilegiados em detrimento da

população, já que tais forças de segurança valeram-se da força e de ameaças para

amedrontar os moradores e forçar a sua saída. Precedido pelo subtítulo "Ultimato" o

texto relata:

165

A fotografia, então, confere à reportagem a chave de leitura que explicita a posição

assumida de maneira sutil pelo texto. Não há outras imagens da ação de despejo, apenas

163 Jornal O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1965, p. 10. 164 Idem. 165 Idem.

142

essa que ilustra a reportagem e tem uma função no encadeamento que se pretende dar

aos fatos, pois não os mostra tal como eles são. A imagem introduz a matéria a partir de

um ponto de vista, construindo uma interpretação baseada no que representa a pobreza e

o sofrimento da mulher e de sua filha. Para isso, apela à emoção, busca no leitor a

capacidade de se comover com a dor daquela que é despejado, amplificada até a

intimidade através do close que aproxima e revela o seu choro. Na diagramação da

notícia o efeito de proximidade é ainda mais valorizado, já que ela aparece cortada a

partir das margens destacando apenas a expressão da mulher e a criança que a consola.

Assim, o eixo de sentido é deslocado do direito sobre a propriedade privada para a

situação de opressão e tristeza que envolve a perda da moradia. Isso está claro na

legenda utilizada na fotografia, inclusive: "O temor do desabrigo".

Em consonância com a imagem, a dimensão humana do acontecimento também fica

evidente na ressalva feita pelo redator no seguinte trecho da reportagem:

"Disse também o sr. Aloisio Francisco dos Santos que uma das

moradoras da favela teve uma crise nervosa quando, apesar de

grávida, foi expulsa de sua casa pelos policiais, que anunciavam

que iam derrubar o barraco."166

Escalado para cobrir o despejo na favela Matão de Paula Souza para o jornal O Estado

de São Paulo, Reginaldo Manente percebeu a fotografia antes de fazê-la e ao ver a cena

da mulher chorando com a criança em meio à confusão da remoção dos moradores

conseguiu registrar o episódio a partir de sua própria convicção de que o drama

daquelas pessoas merecia ser contado. A expressão facial que denota bastante tristeza e

desamparo também sensibilizou o profissional, que afirmou:

(grifo nosso)

"Posso dizer com segurança que este foi meu momento mais forte na

minha vida de fotógrafo.Esta mulher da foto já havia sido despejada

anteriormente.No auge do desespero tentou suicídio, atendo fogo no

álcool que jogou sobre o corpo.Daí seu pescoço todo cheio de

cicatrizes.Fiquei sabendo disso muito tempo depois, mas a força das

166 Idem.

143

lágrimas da mulher e o gesto da criança, tentando conte-las, me

arrebatou."167

Sob o aspecto do fotojornalismo e do protocolo visual que encerra, essa fotografia

possui características que a associam a uma concepção de atuação profissional, em que

o engajamento do fotógrafo é uma atitude que determina o lugar social de onde fala e as

causas que defende. Uma dessas características é documentar os fatos não em seu senso

estrito, mas a partir de um ponto de vista que recorta e significa o acontecimento. Neste

caso, por exemplo, no lugar de fazer o registro da ação de despejo em si, o fotógrafo

procurou deliberadamente encontrar um outro ângulo da tragédia social que revelasse a

sua dimensão humana, pois segundo ele "era mais importante mostrar o sentimento do

despejado do que os policiais destruindo as casas."

168

Outro traço da imagem é a relação de identificação que tenta estabelecer entre o

espectador e o fotografado, ou seja, o fotógrafo surge como mediador de realidades

distintas, mas que nem por isso deixam de encontrar semelhanças. Tal efeito é obtido

através do close, da aproximação com o motivo e da nitidez que revelam os detalhes da

expressão facial da mulher e do gesto corporal da criança, o que particulariza o

sofrimento e se converte em espelho ao humanizá-las. A partir desta perspectiva, se é

possível distinguir seus rostos e as marcas de suas expressões, é também possível lhes

conferir uma identidade - apesar de não terem nomes - e certa dignidade que se opõe ao

estereótipo constituído por um perfil sociológico genérico. Ela não é apenas pobre,

favelada e despejada, mas um ser humano antes de tudo tal como aqueles que irão ver

sua foto no jornal.

Foi o próprio fotógrafo quem tomou a iniciativa de inscrever a imagem no Prêmio Esso

de 1965 por "entender a força desta foto"169

167 Entrevista concedida por Reginaldo Manente, à autora, por e-mail em 3 de setembro de 2012.

. Junto com ela enviou mais três trabalhos -

número máximo permitido pelas regras do evento - pois aquele havia sido um ano muito

produtivo. De acordo com as informações publicadas no livro sobre os 50 anos da

premiação, Manente recebeu uma Menção Honrosa pelo conjunto de duas fotografias,

descritas como "O Choro do Abandono", que incluía a imagem da Ação de Despejo.

Não há registro de como a escolha foi feita, ou porque as duas imagens foram

168 Idem. 169 Idem.

144

escolhidas como uma série, uma vez que o autor dos trabalhos confirma que as

inscreveu individualmente.

Manente diz que não ficou claro até hoje se recebeu o prêmio pelo conjunto da obra ou

se por alguma fotografia em especial. Entretanto, mesmo sem a certeza dos critérios que

envolveram a consagração da imagem, ela é portadora de um tipo de composição

estética cuja recorrência em outras edições do prêmio demonstra o valor conferido a

dramaticidade e esta forma específica de representá-la.

Curiosamente essa forma de humanizar o drama foi uma marca de Manente no histórico

da competição, pois em todas as vezes que o fotógrafo foi laureado suas imagens

mostravam em close - de muito perto - o sofrimento ou a emoção incontida de uma

pessoa através da expressão de choro em seu rosto. Além da imagem abordada neste

tópico, também foram consagradas "Revolta dos bombeiros em São Paulo" (Figura 25),

Voto de Louvor em 1962, por ocasião de uma greve por melhores salários; o choro de

Amarildo, já citado no tópico 2.1 e a fotografia da "Tragédia de Sarriá" (Figura 26),

vencedora do Esso em 1982, que flagra um menino chorando a derrota do Brasil na

Copa do Mundo, recorrem ao mesmo tipo de composição estética para transmitir a

mensagem. A única exceção, em termos de close e não de choro, é a fotografia que

compõe, junto com a foto acima, a série "Choro do Abandono", a qual mostra um atleta

chorando no pódio (Figura ).

Figura 25: Revolta dos Bombeiros em São Paulo, Reginaldo Manente, Voto de Louvor no Prêmio Esso de 1962.

145

Figura 26: Barcelona, 5 de julho de 1982, fotografia de Reginaldo Manente, Prêmio Esso em 1982

A próxima fotografia reúne em seu conteúdo drama e tragédia, dois temas frequentes

nos noticiários de uma maneira geral devido a excepcionalidade e a capacidade de

impactar o leitor. Ao mesmo tempo são abordagens que se complementam, já que o

rescaldo das catástrofes sempre oferece os dramas pessoais e o sofrimento dos

envolvidos, assim como os resgates bem sucedidos e aqueles que conseguiram escapar,

num misto de pesar e esperança característicos desse tipo cobertura jornalística. A

imagem em questão foi feita na cobertura das enchentes de janeiro de 1967, uma das

piores catástrofes naturais da história do Rio de Janeiro, abrangendo diversas cidades do

interior e da região metropolitana - incluindo a capital - e que só foi superada em

número de vítimas pela a tragédia ocorrida em 2011 na região serrana do mesmo estado.

Publicada na edição 314 da revista Fatos e Fotos em 04 de fevereiro de 1967, a

fotografia de Antônio Andrade170

170 Baiano de Castro Alves Antonio Andrade (1927-2000) veio para o Rio de Janeiro em 1944 para se alistar. Acabou entrando, em 1949, para a Imprensa Popular, jornal ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), à época perseguido pelo governo Dutra. Depois de uma passagem pelo jornal O Globo e pela Tribuna da Imprensa, em 1955, vai trabalhar no Jornal do Brasil no período em que ocorria as reformas do diário. Em 1960 volta para a Tribuna no cargo de editor de fotografia e posteriormente vai para a

mostra um grupo de pessoas que tenta fazer o resgate

146

de uma mulher grávida em meio à correnteza formada pelas águas que transformaram as

ruas da Tijuca - bairro mais atingido da cidade - em verdadeiros rios, que desceram

torrencialmente da parte montanhosa da região (Figura 27). A imagem fez parte da

cobertura do acontecimento veiculada através da reportagem "As tragédias de Janeiro" e

se destacou no Prêmio Esso daquele ano pela forma como transmite a dramaticidade do

episódio171

Embora a dramaticidade seja uma característica evidente na fotografia em questão, ela

difere das duas outras analisadas neste bloco, pois se vale de um protocolo visual

distinto para figurar essa dramaticidade relacionada ao acontecimento jornalístico.

Assim, em seu conteúdo não estão presentes nem a dualidade do bom e do mau, como

foi o caso de "Não matem meu cachorro"; e nem a personificação do sofrimento tomado

a partir do recorte que particulariza o sujeito, tal como "Choro do Abandono". A leitura

que se pode fazer desta fotografia é a que ela encerra um drama coletivo, expressado

pelo foco na experiência de uma situação dramática e pelos elementos de forma e

conteúdo que provocam no espectador uma impressão de presença, ou seja, a sensação

de estar em meio ao alagamento sentindo a aflição de um momento como o capturado

por Andrade. Outra especificidade desta imagem é o fato das pessoas não poderem ser

identificadas, mas representarem de maneira genérica e totalizante todos aqueles que

foram atingidos pelas chuvas no Rio de Janeiro naquela ocasião.

.

Revista Manchete. Além do Prêmio Esso, Recebeu também uma menção honrosa no concurso World Press Photo em 1968. 171 Uma História escrita por vencedores, p. 51.

147

Figura 27: As Tragédias de Janeiro, fotografia de Antonio Andrade para a revista Fatos e Fotos, vencedora do Prêmio Esso de 1967.

No dia 23 de janeiro de 1967 um temporal característico dos meses de verão no Rio de

Janeiro transformou-se em uma catástrofe natural com um saldo de mais de 200 mortos,

além de milhares de desabrigados e enormes prejuízos materiais em vários pontos do

estado. Na época, exatamente após "1 ano e 12 dias das enchentes de 66", conforme

noticiou o Jornal do Brasil, a quantidade de vítimas e a proporção da destruição fez com

esta se convertesse na maior tragédia envolvendo chuvas da história do Rio de Janeiro.

"Há um ano e 12 dias das enchentes de 66, um novo temporal matou

ontem acima de 200 pessoas no Rio e na Baixada Fluminense,

durante uma madrugada de chuvas que deixaram a cidade sem água

e sem luz, cuja normalização ainda não está à vista, e de

desmoronamentos que bloquearam a Via Dutra num percurso de

100 quilômetros."172

Apesar do caos ter sido vivenciado em todo o estado, uma das regiões mais castigadas

pela violência das águas foi o bairro da Tijuca, na cidade do Rio, lugar em que a foto de

Antônio Andrade foi feita. Os relatos do Jornal do Brasil que circulou no dia seguinte à

tragédia demonstram que a destruição provocada pela chuva atingiu proporções maiores

172 Jornal do Brasil, 24 de janeiro de 1967, primeira página.

148

do que o imaginado. A notícia diz que na parte alta do bairro "as águas carregaram pela

rua Conde de Bonfim cêrca de 20 automóveis e caminhões e mais 19 ônibus"173, sendo

este fato caracterizado pelo jornal como um dos "mais dramáticos das chuvas [...] com

efeitos que ultrapassam os das de janeiro do ano passado"174

Fala ainda sobre a inundação de toda a parte baixa do bairro e alguns trechos de São

Cristóvão, devido ao "entupimento das galerias pluviais e transbordamento do Rio

Maracanã, práticamente em toda sua extensão"

.

175

A tragédia das chuvas no Rio de Janeiro em 1967 foi amplamente noticiada e ocupou as

páginas dos jornais de grande circulação no país durante alguns dias. No início de

fevereiro, a revista Fatos e Fotos produziu uma edição com uma espécie de balanço da

catástrofe, ao estilo das reportagens que caracterizam o editorial de algumas publicações

semanais informativas como a revista em questão, ou seja, sem prescindir de reportar os

fatos, mas fazendo uma cobertura mais ampla após o desfecho de um acontecimento já

bastante noticiado pela imprensa diária. No caso desta matéria, enfatiza a dramaticidade

dos eventos e retrata o saldo da tragédia através de depoimentos, opiniões e muitas

imagens, visivelmente privilegiadas no arranjo espacial das páginas.

. O resultado da tragédia na região

deixou 12 pessoas mortas; ônibus e carros arremessados dentro do rio; águas que

cobriam o telhado das casas; ruas destruídas e construções arrastadas pela correnteza; e

a revolta dos moradores do bairro que tiveram enormes prejuízos ao perderem suas

casas e seus pertences.

A série de fotografias documentava fragmentos da tragédia revelando ora a devastação,

ora a situação caótica e os transtornos e também o drama das pessoas atingidas. No

entanto, a maior parte das imagens denota a intensidade da tragédia a partir do que ela

foi, ou seja, mostram o rastro da destruição provocado pela chuva. Ainda que sejam

cenas impactantes e dramáticas, valorizadas por impressões em páginas duplas, são o

depois dos fatos, são os carros e ônibus cobertos de água, pessoas tentando resgatar

pertences, ruas em que não se vê o chão, destroços e entulho acumulado pela correnteza.

A fotografia de Antônio Andrade é uma das poucas que consegue captar instantes de

tensão e dramaticidade durante o desastre, em um resgate, fazendo do próprio fotógrafo

personagem não visível do acontecimento que noticia. Tanto quanto as pessoas

173 Idem. 174 Idem. 175 Idem.

149

retratadas, ele também estava em meio à chuva torrencial, provavelmente ilhado com

outros espectadores como a pessoa com um guarda-chuva que assiste a cena atrás o

muro, e mesmo assim fez seu trabalho de documentar a situação, demonstrando o senso

de profissionalismo do fotojornalista.

A fotografia enquadra em um plano principal uma situação de resgate em meio às águas

da enchente. Através dos elementos visíveis da cena nota-se que dela participam tanto

homens uniformizados, com capacetes na cabeça, como se pertencessem a alguma força

pública de segurança, quanto pessoas trajando roupas comuns, provavelmente

moradores do bairro que colaboraram na tentativa de resgate. Pode-se ainda inferir se

tratar de uma tentativa de resgate de alguém que não consegue resistir à força da

correnteza, visto que as pessoas que estão na parte de baixo da imagem aparentam

sustentar alguém enquanto se esforçam para segurar uma corda. Nesse momento, seus

corpos estão praticamente ao nível do chão,são circundados pela água que corre com

violência formando ondulações agitadas no entorno, e, os troncos e cabeças levemente

suspensos indicam um esforço para evitar o afogamento. Ao mesmo tempo, outras

pessoas puxam essa corda, improvisada pela defesa civil para ajudar na travessia das

ruas alagadas, em direção contrária a movimentação das águas. Ao fundo da imagem

estão um muro, um portão de onde a água jorra e uma placa que demonstram ser o local

uma rua alagada. Um pontilhado branco cobrindo toda fotografia também evidencia que

no momento em que foi feita a chuva ainda era constante e caía em grande volume.

Além disso, embora não seja possível identificar as pessoas, as informações sobre a foto

apontam como alvo da operação de resgate uma mulher grávida que ficou com água até

a sua cintura sem conseguir escapar, o que sem dúvida, aumenta o grau de

dramaticidade do registro.

Dramaticidade que também se intensifica por alguns recursos que o fotógrafo consegue

empregar na imagem, como a impressão de espacialidade e movimento. O ângulo e o

enquadramento sugerem que foi feita de cima para baixo e em diagonal, pois ela

apresenta uma leve inclinação da margem esquerda para a direita, destacando o fluxo

das águas no sentido contrário a posição presumida do fotógrafo. Tal angulação é

reforçada pelo modo como as pessoas em cena estão posicionadas – do mais baixo para

o mais alto – formando um triângulo que aprofunda a perspectiva e também divide a

imagem em uma sequência de três estágios que provoca a impressão de movimento.

150

A inclinação da fotografia e a proximidade do motivo conferem ainda mais

dramaticidade ao momento, uma vez que sobrevaloriza a violência das águas, que

correm na direção de quem observa a imagem, ao mesmo tempo, cria certa tensão

devido à dificuldade e persistência das pessoas em resistir. O contraste entre claro e

escuro dos tons em preto e branco revelam também um efeito que faz com que o objeto

bidimensional produza uma impressão de profundidade e volume, especialmente porque

revela a agitação e força da água formando ondas na sua trajetória descendente e

criando uma grande turbulência ao se chocar e circundar as pernas e corpos das pessoas.

No que diz respeito ao conteúdo, é interessante perceber uma presunção de movimento

dos elementos retratados na imagem, dando a impressão de se tratar de uma ação

dinâmica, que pressupõe uma narrativa, ou seja, um antes e um depois dos quais só

restou a captura de um único fragmento. Assim, a fotografia impressiona por possuir

certa estabilidade transitória e um suspense latente, propiciado pela desconfortável

sensação de incerteza em relação ao seu desfecho. Teria ou não a mulher grávida sido

salva da correnteza? Mais um elemento, também sob o aspecto do seu conteúdo,

contribuindo para ampliar o componente dramático. Além disso, tomando a cobertura

feita pela revista como um todo, em meio a diversas fotografias de destruição, ou seja,

do resultado da tragédia consumada, está é uma das poucas que tem como objeto a

resistência da população às águas e a situação catastrófica, convertendo-se também

numa representação do sentimento de superação da tragédia, da possibilidade de uma

salvação em meio às perdas e de esperança diante do caos.

Como já foi dito, a tragédia e o drama ocupam frequentemente as páginas de jornais e

revistas, dado ao potencial jornalístico que encerram. Acrescente a esse quadro a chuva

e o rio de Janeiro e tais temas se transformam quase em clichê, produzindo no âmbito

do fotojornalismo carioca certa leitura semelhante desse tipo de tragédia. Se em 1967 a

catástrofe climática registrada já era recorrente, posteriormente, ao longo de sucessivos

anos ela se tornou “Uma velha conhecida dos fotógrafos”, conforme noticiou o

fotojornalista André Teixeira em outro janeiro, dessa vez de 2011, dias após a “chuva

que devastou a Serra Fluminense”176

176 “Uma velha conhecida dos fotógrafos”. Reportagem de André Teixeira, para o blog FotoGlobo, diponível em :

. A fotografia de Antônio Andrade, que transporta o

espectador para as “Tragédias” daquele Janeiro, apesar de ser tão extraordinária quando

o episódio que retratou, tendo sido reconhecida por isso,passa a fazer parte, portanto, de

http://oglobo.globo.com/blogs/fotoglobo/posts/2011/01/15/uma-velha-conhecida-dos-fotografos-356872.asp, acessado em: setembro/2012.

151

uma coleção de imagens rotineiras na imprensa carioca, as que retratam as chuvas, a

calamidade e do descaso, também sucessivo, das autoridades.

A seguir, uma série fotográfica das “Tragédias de Janeiro”, que dialogam com a imagem

de Andrade em temática, composição e dramaticidade, fornece uma mostra parcial do

que tem sido a cobertura das chuvas no Rio ao longo dos anos. Uma dessas imagens,

inclusive, de Carlos M. Mesquita da Silva para o Jornal do Brasil conquistou Menção

Honrosa na edição do Prêmio Esso de 1982 (Figura 30), marcando o retorno do tema ao

concurso. As outras foram colhidas por André Teixeira no arquivo do Globo, algumas

estão sem o crédito devido, como alerta o autor, mas ainda assim revelam “como a vida

dos fotógrafos [...] nunca foi moleza, principalmente no verão...”177

.

Figura 28: 1966.

Figura 29: 1696.

Figura 30: Carlos Mesquita, Menção Honrosa no Esso de 1982.

Figura 31: Jorge William, 1998.

177 Idem.

152

Figura 32: Ricardo Leoni, Jardim Botânico, 1998.

Figura 33: Custódio Coimbra, 1998.

Figura 34: Sérgio Borges, Avenida Brasil, 2001

Figura 35: Fábio Guimarães, Baixada Fluminense, 2009.

O drama em tempos distintos e a partir de perspectivas diversas esteve representado no

Prêmio Esso ao longo de toda a sua trajetória, valorizando o lado humano da notícia. Tal

como esses três fragmentos apresentados, a capacidade de comover o espectador e

sensibilizá-lo pela dor do outro faz parte dos protocolos visuais utilizados pelo

fotojornalismo para produzir sentido, o que está ligado a uma espécie de função social

da imprensa em denunciar as desigualdades e do próprio engajamento do profissional

em atuar como agenciador desse sentido. Portanto, a consagração com um prêmio de

importância singular dentro do jornalismo - considere-se o fato de que o primeiro Esso

de Fotojornalismo foi concedido para uma fotografia cujo assunto girava em torno da

humanização da notícia - é mais um indicador de como tal perspectiva é valorizada e

atualizada dentro do campo.

153

2.4. Momento Fotográfico

Parafraseando a famosa expressão "O Momento Decisivo" do fotógrafo Henri Cartier-

Bresson, este tópico tem como objetivo falar das fotografias que foram reconhecidas por

sua capacidade de conjugar forma e conteúdo em um arranjo espacial único que

representam a irrupção do acontecimento no tempo contínuo178. Tais fotografias são

resultado do trabalho do profissional que espera, recupera na memória as imagens que

lhe servem como repertório, pressente o acontecimento, escolhe sua posição e num

clique preciso sincroniza movimento e foto. Nesta parte do trabalho serão analisadas

três fotografias que se destacam por compartilhar desse pressuposto que valoriza o

senso de oportunidade do fotógrafo, a sua intuição e precisão técnica para capturar uma

imagem que parece "congelar o tempo". Tal como afirmou Cartier-Bresson expressam

"o novo tipo de plasticidade, produto das linhas instantâneas tecida pelo movimento do

objeto"179

Esse momento singular, irreproduzível e irrepetível em sua essência, já que não resiste à

passagem do tempo, produz um tipo de imagem que, por sua vez,revela um aspecto do

acontecimento, único, dentre tantos possíveis. Produz fotografias vencedoras apenas

pelo fato de existirem, já que encerram um ponto de vista de um tempo-espaço que já

não existe mais. Imobiliza aquilo que Cartier-Bresson classificou como o "instante no

qual todos os elementos que se movem ficam em equilíbrio"

.

180

Os dois primeiros flagrantes são esportivos, modalidade fotográfica que busca

constantemente pelos momentos decisivos que possam ser imortalizados e rememorados

pelos torcedores e fãs do esporte. O efeito de parar o tempo e transformá-lo em imagem

estão presente nas fotografias "Mirandinha quebra a perna" (

.

Figura 36), de Domício

Pinheiro181 Figura 39 para O Estado de São Paulo e "Queda" ( ), de Pietro Fantappiè182

178 BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História. In.: Obras Escolhidas, vol 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.

,

para O Globo. A primeira ganhou o prêmio principal de fotografia e a segunda

179 CARTIER-BRESSON, Henri. O momento decisivo. Bloch Edições, nº 6, Rio de Janeiro: Bloch Editores, pp. 19-25. Disponível em: http://ciadefoto.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/03/Momento-Decisivo-Bresson.pdf, acessado em agosto/2012. 180 Idem. 181 Domício Pinheiro (1922-1998) começou sua carreira no Rio de Janeiro, atuando na Folha Carioca e em Última Hora, mas foi em São Paulo que se afirmou como fotojornalista e construiu uma carreira de sucesso, especialmente na cobertura esportiva trabalhou para o grupo Estado de 1954 a 1989. 182 Pietro Fantappiè atuou como fotógrafo do jornal O Globo na editoria esportiva. Participou de coberturas de Copa do Mundo como a do Chile em 1962, acompanhando a seleção brasileira desde na campanha que resultou no bicampeonato mundial.

154

conquistou uma Menção Honrosa nas edições de 1975 e 1965 do Prêmio Esso,

respectivamente.

O título da fotografia de Domício Pinheiro não poderia ser mais literal, já que expressa

exatamente aquilo que o fotógrafo registrou visualmente: a fratura sofrida pelo jogador

Mirandinha durante uma partida de futebol. A imagem não deixa dúvidas quanto a

gravidade do incidente que quebrou a perna do jogador, capturando o exato momento

em que a canela de Mirandinha se choca com o joelho do adversário e se dobra,

concretizando a lesão.

Sebastião Miranda da Silva, o Mirandinha, era o artilheiro do São Paulo Futebol Clube

no Campeonato Paulista de 1974, tinha apenas 22 anos e já havia sido convocado para

disputar a Copa do Mundo da Alemanha pela seleção brasileira. O atleta começou a

jogar futebol no interior paulista, em São José do Rio Preto, de onde saiu para fazer a

alegria dos torcedores são-paulinos com muitos gols e dar continuidade a uma carreira

considerada promissora. A grave contusão sofrida na disputa de bola e registrada por

Domício Pinheiro, obrigou Mirandinha a fazer cinco cirurgias e o afastou dos campos

de futebol por três longos, minando precocemente as chances de obter o sucesso

esperado como jogador de futebol. Depois da fratura, o atleta nunca mais conseguiu se

estabelecer em grandes clubes, jogou nos Estados Unidos e México e encerrou a carreira

em times de pouca expressão no Brasil na década de 1980.

No dia 24 de novembro de 1974 o time do São Paulo enfrentou, em São José do Rio

Preto, a equipe do América local, em uma partida válida pelo Campeonato Paulista

daquele ano. O São Paulo obteve uma boa vitória por 3 a 0 sobre o time local, como a

muito tempo conseguia no Interior, mas, conforme noticiou o jornal O Estado de São

Paulo, aquela partida terminou com "uma triste vitória"183

"Assim que os juiz Roberto Nunes Morgado deu a partida por

encerrada, os jogadores do São Paulo saíram de campo

cabisbaixos, preocupados com o futuro de Mirandinha, o goleador

.

183 O Estado de São Paulo, 26 de novembro de 1974, p. 37.

155

contundido que havia iniciado a vitória aos 8 minutos do segundo

tempo."184

Doze minutos após abrir o placar do jogo a favor do seu time Mirandinha entrou em

uma dividida de bola com o zagueiro do América, Baldini. Tentando conseguir o

segundo gol que lhe tornaria artilheiro da competição, o atacante girou o corpo e chutou

com força, mirando a bola que havia sido levemente desviada por Baldini. Sem ter

chance de reação, o chute mal fadado acertou em cheio o joelho do zagueiro e quebrou a

perna do atacante no mesmo instante do choque.

Especialista em coberturas esportivas, o repórter fotográfico Domício Pinheiro, que

trabalhava para o grupo Estado, estava atento ao jogo e conseguiu fazer com precisão a

fotografia do lance em que ocorre a contusão do jogador do São Paulo. A imagem de

Pinheiro impressiona pela nitidez e precisão com que capta o momento exato em que a

canela de Mirandinha se dobra ao meio, formando um ângulo de 90º graus contra o

joelho de Baldini.

Figura 36: Mirandinha Quebra a Perna, de Domício Pinheiro, Prêmio Esso de 1975.

184 Idem.

156

A partida e a vitória do São Paulo ficaram em segundo plano no noticiário esportivo

daquela semana, que deu destaque a grave contusão do jogador. Após o acidente,

Mirandinha foi substituído e o jogo prosseguiu, mas o fotojornalista Domício Pinheiro,

ao perceber que o lance crucial da partida abara de acontecer, deixa de cobrir a partida e

passa a acompanhar o trabalho da equipe médica, desde o momento em que ele é

socorrido em campo até o atendimento prestado no hospital para onde ele foi

encaminhado. Os acontecimentos que se desenrolaram depois da fratura resultou em

uma sequência de imagens que mostram a dor do jogador caído em campo após a

contusão; o desespero dos companheiros em campo, ao perceberem a gravidade da

lesão; o médico do São Paulo recolocando a perna do jogador no lugar; Mirandinha

desmaiado na maca ao ser socorrido; e o raio-x feito no hospital comprovando a

extensão da fratura que quebrou dois ossos da perna do jogador.

A fotografia da contusão de Mirandinha saiu no Jornal da Tarde em 25 de novembro de

1974 e foram republicadas na terça-feira, 26 de novembro, em O Estado de São Paulo -

na época o jornal não circulava às segundas. No JT a imagem foi publicada em

destaque, ocupando quase a totalidade da primeira página do jornal, sendo o elemento

central da composição gráfica da página. A capa da publicação praticamente se

confunde com a fotografia, a qual foi impressa ampliada e com cortes nas margens que

incluem no quadro apenas parte do corpo de Mirandinha e de Baldini, enfatizando a

perna fraturada do primeiro, que no arranjo ocupa o centro da página, para onde se

dirige a atenção do leitor. Observando a diagramação da capa é possível perceber que

além do destaque conferido ao assunto, a fotografia impactante também faz parte da

notícia e recebe o crédito por sua excepcionalidade. O jornal traz na sua manchete,

impressa no topo da primeira página, antes mesmo do nome da publicação, o texto

"FOTO: Mirandinha quebra a perna", o qual está enunciando o assunto através do seu

registro visual, denotando também o valor e a qualidade da imagem produzida pelo

veículo, tão impressionante quanto o acontecimento que documenta.

O Estado de São Paulo publicou a mesma imagem na sua sessão esportiva,

acompanhada da manchete "São Paulo fica seis meses sem os gols de Mirandinha". A

reportagem com fotos ocupa mais da metade da página 37 (Figura 37) e traz o resumo

dos principais lances da partida, o momento da contusão e uma cobertura mais ampla

com foco no jogador e na lesão sofrida por ele. A matéria conta com informações

médicas sobre o tipo de fratura sofrida, depoimentos do zagueiro Baldini, da mãe do

157

atacante contundido e dos companheiros de clube, além de uma composição de imagens

feitas com as fotografias da partida. Essa sequência fotográfica, que vai do topo da

página até o final da notícia, narra visualmente os lances do fatídico confronto, desde o

momento em que Mirandinha faz o primeiro gol, até o raio-x que constata a gravidade

de sua fratura. É interessante notar como a fotografia foi utilizada como recurso de

linguagem nesse arranjo gráfico do Estado, pois elas estabelecem um diálogo com o

texto ao reproduzir a mesma sequência de fatos reportados por escrito, seguindo a

mesma ordem do encadeamento da notícia, mas sintetizando todo o acontecimento. A

composição traz uma narrativa visual do jogo com começo, meio e fim e pode ser

acompanhada pelo leitor apenas através das imagens, cuidadosamente arrumadas para

produzir esse efeito. A sequência ainda usa como recurso uma disposição de imagens

com tamanhos diferenciados de acordo com a relevância do momento registrado, dentro

no contexto da história que narra, fazendo com que a fotografia do lance em que

Mirandinha quebra a perna, portanto, seja a maior da composição.

158

Figura 37: O Estado de São Paulo, 26 de novembro de 1974, página 37.

159

O fator impacto é sem dúvida um componente essencial do registro colhido por

Domício Pinheiro na partida em que Mirandinha quebra a perna. No entanto, outros

elementos visuais também concorrem para o sucesso da imagem e seu destaque no

Prêmio Esso de 1975. Desses elementos, muitos tornaram importantes parâmetros na

definição de uma boa fotografia de imprensa, especialmente as que retratam lances

esportivos, como o fato de imobilizar o movimento e interromper a ação dos elementos

em cena no momento preciso de seu ápice. O próprio Pinheiro consagrou-se nesse ramo

de fotojornalismo e ficou conhecido por sua habilidade em "pegar o gol", ou seja,

capturar com sua câmera o instante crucial de uma partida de futebol. Ao mesmo tempo,

Domício era conhecido no meio como uma espécie de imã para a notícia. Dizia-se que

por onde ele passava algo surpreendente acontecia; ou uma fotografia espetacular ou um

momento trágico. Por isso, ganhou o apelido de "toque-toque", já que quando

pronunciavam seu nome os colegas tinham o costume de bater três vezes na madeira185

Nesse flagrante pode-se ressaltar também como os atributos técnicos contribuem para

tornar a fotografia merecedora de um prêmio que consagre sua qualidade, tais como a

nitidez, o enquadramento e a proximidade. O fotógrafo conseguiu documentar a fratura

de Mirandinha não apenas no momento e hora exatos, demonstrando sincronia, rapidez

e reflexo, mas conseguiu fazê-lo com extrema precisão e habilidade técnica, cujo

resultado é uma imagem que agrega ao valor informativo a plasticidade das formas que

revela.

.

A fotografia é nítida e muito próxima do lance, tanto que coloca no primeiro plano,

como bastante clareza, o choque entre o atacante e o zagueiro que dividem a mesma

bola, sendo possível perceber cada detalhe da ação que ocasionou a fratura. A expressão

facial dos jogadores denota o vigor de suas investidas conjuntas em direção a bola, pois

tanto o rosto de Mirandinha quando o de Baldini estão retesados, demonstrando a força

empregada e, ao mesmo tempo estão concentrados no alvo em comum. Os olhos de

ambos apontam para baixo, miram a bola, que está saindo do alcance e ainda se

encontra no ar ao ser rechaçada pelo zagueiro. Na posição dos corpos dos jogadores se

pode perceber o desenrolar do movimento, através dos músculos contraídos e dos

braços estendidos à procura do equilíbrio para a conclusão da ação. E, a canela esquerda

de Mirandinha encontrando no ar o joelho de Baldini, que retém uma parte da perna do

185 "Domício Pinheiro, fatídico fotógrafo esportivo", em http://cacellain.com.br/blog/?p=5921, acessado em fevereiro de 2013.

160

jogador enquanto a outra continua num curso inercial, após partir-se completamente.

Todos esses elementos reforçam a impressão de movimento interrompido pela captura

da câmera que a imagem possui, pois seus elementos pressupõem uma continuidade, um

antes e um depois que não estão na fotografias mas que são perceptíveis pela

composição do instantâneo.

Outro aspecto que chama atenção é o enquadramento simétrico da imagem, cujo

posicionamento do motivo principal coincide com o centro do quadro que compõe a

fotografia. Apesar dela ter sido publicada com cortes nos jornais, na reprodução original

os dois jogadores aparecem em destaque no primeiro plano da cena, perfeitamente

centralizados no retângulo, com os dois terços das margens alinhados em simetria. A

precisão do enquadramento torna-se ainda mais valorizada em virtude da velocidade

com que o lance transcorre, o que requer do fotógrafo um domínio considerável da

técnica - além da experiência - pra que numa fração de segundos consiga encaixar

corretamente no quadro os elementos dinâmicos da ação, produzindo uma fotografia em

que o equilíbrio e harmonia das formas são pontos altos.Ainda vale destacar que no

plano posterior um jogador do América assiste ao lance e aparece na imagem muito bem

focalizado e é possível notar em seu rosto o esboço de uma expressão de incredulidade,

comprovada nas imagens feitas na sequência por Domício.

Uma fratura com essa gravidade em um jogo de futebol não é uma situação das mais

corriqueiras. Mais raro ainda é um fotojornalista conseguir registrar com tanta acuidade

o momento decisivo em que esta ação ocorre. No entanto, o valor fojornalístico desse

tipo de imagem, que produz o efeito de congelamento do tempo, de captura do lance

crucial, é evidenciado tanto pela sua recorrência na imprensa esportiva quanto pela

participação no Prêmio Esso. Em 1981, a canela do jogador do Corinthians João Alves,

fraturada ao ser atingida pelo goleiro do Flamengo, é o tema da fotografia "No fim,

fratura exposta" (Figura 38), de Álvaro Costa da Folha de São Paulo.

161

Figura 38: No fim, fratura exposta, Álvaro Costa para Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1981.

A fotografia de Costa foi vencedora do Prêmio Esso de Fotojornalismo naquele ano,

marcando o retorno da temática ao concurso e confirmando a notabilidade desse tipo de

protocolo visual, o qual já havia consagrado a imagem de Domício Pinheiro anos atrás.

As duas fotos possuem uma semelhança bem acentuada e dialogam entre si sob diversos

aspectos. Primeiro por serem ambas impressionantes, depois por retratarem seus

motivos com bastante nitidez e com simetria no enquadramento; coincidentemente, os

personagens em cena também são os mesmos - o jogador fraturado, o adversário que

divide o lance e um jogador que observa a ação em segundo plano; e por fim por

conseguirem capturar com precisão técnica e estética, em meio à dinâmica dos

movimentos, o instante decisivo do acontecimento que figuram.

A fotografia seguinte (Figura 39), também esportiva, conquistou uma Menção Honrosa

na edição do Prêmio Esso de 1965 e foi feita por Pietro Fantappiè para o jornal O Globo

durante a cobertura de um treino de atletismo no estádio Célio de Barros no Rio de

Janeiro. A imagem é um flagrante da performance malograda de um atleta masculino do

salto com vara durante uma queda, proporcionada pela quebra da vara que o projetava

no ar.

162

Figura 39: Queda, de Pietro Fantappiè, para O Globo, Menção Honrosa no Esso de 1965.

O repórter fotográfico do jornal O Globo estava no estádio Célio de Barros - hoje parte

do complexo do Maracanã - no momento da queda de um atleta que treinava. Assim,

conseguiu imobilizar com sua câmera o instante em que o corpo do atleta paira no ar

antes de atingir o solo. O episódio ocorreu na véspera da abertura do Campeonato Sul-

Americano de Atletismo de 1965, realizado no Rio de Janeiro de 8 a 16 de maio do

mesmo ano. O esportista retratado na imagem é o brasileiro Cleomenes Cunha, que

finalizava sua preparação para a competição na qual participaria, dentre outras

modalidades do atletismo, da prova do salto com vara.

Essa imagem foi publicada com destaque, ocupando quase metade de uma das páginas

que falava sobre o evento esportivo, no jornal O Globo de 8 de maio de 1965, mas a

163

notícia da queda do atleta brasileiro no treino não foi dada em nenhum outro veículo do

dia, o que sugere que no veículo de origem foi o caráter inusitado da fotografia o fator

de peso na produção da notícia. Mesmo no Globo o incidente só é narrado visualmente,

visto que todo o assunto da reportagem gira em torno do campeonato, ou seja, é a

presença de uma fotografia diferente que faz com que a queda do atleta seja algo a ser

noticiado. Em um quadro mais abaixo a reportagem ainda traz outra imagem do atleta se

lamentando do ocorrido com o seu técnico - "professor" Osvaldo Gonçalves. Essa

abordagem se assemelha à maneira como o Jornal do Brasil criava matérias para

publicar uma foto considerada muito boa, como contam alguns fotojornalistas que

trabalharam na redação do jornal. Tal fato também é corroborado pela legenda colocada

na imagem ao destacar o inusitado flagrante feito pelo fotógrafo.

Durante o treinamento final da equipe do Brasil, que a partir de

hoje começará a disputar o certame sul-americano no Estádio Célio

de Barros, houve um acidente com o saltador de vara Cleomenes

Cunha. A vara partiu-se em dois - como se vê no sensacional

flagrante do nosso companheiro Pietro Fantappiè - caindo o atleta

de cabeça, mas felizmente são e salvo, no tanque de areia.186

186 Legenda da fotografia "A Queda", jornal O Globo, 8 de maio de 1965.

(grifo

nosso)

164

Figura 40: Jornal O Globo de 8 de maio de 1965, página não identificada.

A principal característica da imagem é a composição que cria um arranjo espacial

inusitado e consegue capturar a ação no seu transcorrer, de modo que o corpo do

saltador fica paralisado no ar, na iminência da queda, já se posicionando para atenuar o

choque certeiro com o chão. O efeito valorizado aqui também é o congelamento do

165

tempo, a paralisia, a imobilidade que grava na superfície da imagem fotográfica a

singularidade de um instante, que no caso, inscreve-se em uma ação cuja característica

fundamental é a irrestibilidade, ou seja, o atleta continuará caindo e atingirá o solo,

mesmo que tais instantes não tenham sido capturados. Assim sendo, a fotografia em

questão, ao mesmo tempo que congela o instante, multiplica o tempo e, implicitamente,

contém uma narrativa, porque representa em sua superfície visível a continuidade da

ação ao qual o atleta está submetido. A partir desta única imagem, graças a natureza

instável das suas formas e ao parco equilíbrio de seu elemento principal, o interlocutor é

capaz de deduzir o desfecho da ação sem necessariamente ver o que aconteceu depois

da foto.

A imagem de Fantappiè evidencia a ação com nitidez, especialmente no primeiro plano

em que estão focalizados o atleta, o sarrafo e os pedaços da vara partida. Mais ao fundo,

mas ainda com foco suficiente, estão alguns curiosos que provavelmente assistiam ao

treino e permaneceram impassíveis à queda. Alguns jogadores de futebol no gramado ao

lado do equipamento de salto e poucas pessoas na arquibancada completam a cena que

começa a perder o foco a partir das árvores que aparecem atrás da arquibancada. O

enquadramento, ao contrário da fotografia de Domício Pinheiro, não está centralizado e

o corte da margem esquerda tira do campo visual a trave que sustenta um dos lados do

sarrafo e parte do próprio sarrafo que formaria com ele um vértice, tal como se pode

perceber no lado oposto da fotografia. Esse corte e a leve inclinação da haste superior

sugere que o fotógrafo estava posicionado na diagonal e não de frente para o

equipamento esportivo, fazendo com que o registro perdesse a simetria. Além disso, o

corte ressalta a ausência de uma parte dos elementos da cena, em que cujas linhas

desenhadas pelo conjunto das traves e do sarrafo emoldurariam o corpo do atleta em

suspensão. Tal composição também dá a entender que a velocidade da ação tomou o

fotógrafo de assalto e talvez o tenha feito preterir esse aspecto formal em função da

concretização do ato fotográfico.

Ainda assim, Fantappiè conseguiu registrar com propriedade o episódio enquanto este

se desenrolava, produzindo uma fotografia "diferente", em que o momento flagrado é

inesperado, contínuo e foge da normalidade. O clique do fotógrafo também cria uma

imagem inusitada sob o aspecto de sua composição estética, uma vez que os elementos

presentes na fotografia se alinham em um equilíbrio instável, decorrentes da interrupção

do fluxo da ação original do atleta - a execução do salto - e da posterior queda,

166

explicitados pela representação gráfica dos pormenores do movimento, gerando um

efeito de muita plasticidade. Isso se dá no destaque do corpo do atleta pairando no ar,

completamente solto, com um do braços esticados em uma posição que busca

instintivamente retomar o equilíbrio perdido de forma abrupta e ao mesmo tempo

preparar o corpo para minimizar os efeitos do choque iminente. As pernas afastadas e

desalinhadas, os pés que pendem para lados opostos, além do detalhe da contração dos

músculos também revelam a desestabilização do saltador, o qual aparece na imagem

enquadrado pelo equipamento esportivo que objetivava superar. A rapidez com que se

deu a ação pode ser deduzida pela presença de parte da vara, que serviu como alavanca

para projetar o atleta para o alto, em uma de suas mãos como resquício de uma

continuidade interrompida. Já a certeza e o motivo dessa interrupção são dados pelo

pedaço da vara que ficou pra trás, seguindo uma trajetória própria, depois de lançar o

atleta e se romper.

Tomando as imagens analisadas até aqui, além de terem em comum aspectos formais e

protocolos estéticos também corroboram a perspectiva apontada na parte 2.1 deste

capítulo sobre o tipo de fotografia premiada pelo concurso promovido pela Esso no que

diz respeito a editoria esportiva. Ambas se destacam por flagrar os acontecimentos que

fugiram da rotina da atividade esportiva, ou seja, privilegiando o inusitado, entendendo

este como a razão de ser do fato noticioso. No mais, os instantâneos, apesar de

vitoriosos enquanto registros, baseiam-se no fracasso de seus personagens para capturar

um aspecto extraordinário da realidade.

Um corpo que cai, esse é também o assunto da próxima fotografia vencedora do Esso. A

imagem foi feita por Antonio Carlos Piccino187 - conhecido por seus colegas como

Soneca188

187 Paulista, Antônio Carlos Piccino (1950-1989) teve sua carreira de fotojornalista abreviada, aos 38 anos, por um enfarte súbito. Tendo começado na extinta Revista O Cruzeiro, Piccino fez carreira em São Paulo como fotógrafo da sucursal do jornal O Globo no estado por 16 anos. Além do Esso, também ganhou um Prêmio Vladimir Herzog em 1982, pela fotografia “Cena Final da Rua Candarai”, publicada na Revista Veja e obteve reconhecimento internacional ao ser o primeiro brasileiro a ter uma fotografia escolhida como melhor do mundo pelo concurso promovido pela United Press International – UPI, em 1976.

- para o jornal O Globo durante a cobertura de uma das maiores tragédias

urbanas ocorridas na capital paulista, cuja repercussão foi nacional: O incêndio no

edifício Joelma em 1 de fevereiro de 1974. À semelhança em relação ao protocolo

visual que encerra se associa o componente dramático presente em toda a cobertura

desse acontecimento e representado com precisão plástica nesse flagrante de Piccino.

188 Coluna "Datas", Veja, 1 de novembro de 1989 - Edição nº 1103, p. 101.

167

Figura 41: Incêndio no Edifício Joelma, Antônio Carlos Piccino (Soneca), O Globo, Prêmio Esso em 1974.

Na manhã do dia 1 de fevereiro de 1974 a capital paulista parou para acompanhar

atônita a um dos mais terríveis episódios de sua história. Naquela fatídica sexta-feira,

por volta de 8 e meia, no Edifício Joelma, na esquina da Avenida Nove de Julho - uma

das mais movimentadas da cidade - com a rua Santo Antônio, teve início um incêndio

que rapidamente tomou conta de todo o prédio. O edifício havia sido inaugurado a

apenas três anos, era uma construção moderna com 7 andares de garagem e um total de

25 pavimentos, do quais 18 eram ocupados pela sede do Banco Crefisul de

Investimentos. Entretanto, um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado no 12º

andar deu início as chamas que se propagaram e destruíram 18 andares da construção.

Segundo o noticiário da época haviam cerca de mil pessoas no prédio no momento em

que o incêndio começou, sendo a maioria delas funcionários da Crefisul, e o saldo das

vítimas indica que aproximadamente 200 pessoas morreram na tragédia e mais de 500

ficaram feridas, marcando a memória de toda uma geração da cidade que acompanhou o

drama daquele dia.

Na época, em uma cidade que crescia em ritmo acelerado os arranha-céus, símbolos da

imponência e da superação dos limites da engenharia, se multiplicavam em número e

tamanho, sinalizando o progresso e a modernidade que ajudaram a construir a

168

identidade de São Paulo. No entanto, o desafio urbanístico de se constituir como capital

econômica do Brasil não incluiu como premissa o planejamento, tampouco a

consolidação de um sistema eficiente de prevenção de crises na cidade. As forças de

segurança pública para prevenção e contenção de catástrofes era falho, o Corpo de

Bombeiros não tinha estrutura e o órgão de Defesa Civil sequer contavam com um

ordenamento e legislação nacional tal qual existe hoje, atuando de forma esparsa e

pontual diante que as calamidades públicas tornavam-se fatos consumados189. No

tocante a legislação sobre procedimentos de segurança em prédios e construções a

realidade também primava pela desregulamentação e pelo o descaso das autoridades

com a proteção da população que ficava "a mercê dos desastres"190

Prova disso foi a repetição, na mesma cidade e em condições muito semelhantes, de

uma tragédia de igual teor mas com menores proporções ocorrida dois anos antes,

ratificando a reincidência das tragédias como praxe nos noticiários brasileiros até os

dias atuais. Os paulistas ainda tinham na memória o desastre no Edifício Andraus,

localizado na Avenida São João, que foi destruído por um incêndio em 24 de fevereiro

de 1972, deixando 12 mortos e 330, quando uma nova tragédia anunciada se abateu

sobre a cidade, desvelando o lado obscuro do crescimento descontrolado, conforme

revela o Jornal do Brasil no editorial "Segurança Queimada" publicado no 2 de

fevereiro.

, conforme consta no

histórico da própria Defesa Civil paulista.

"S. Paulo e Rio parecem condenados aos incêndios de grandes

proporções, com lances trágicos que o número de vítimas acentua.

O incêndio é um acontecimento periódico, envolvendo prédios novos

e instalações modernas. Mal a opinião pública arquiva com emoção

o desastre de Andraus, na Capital paulista, e eis que o fogo irrompe

no Edifício Joelma, quando este abrigava cerca de mil pessoas.[...]

A sucessão desse tipo de sinistro põe em dúvida a suficiência da 189 Segundo a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil " No Estado de São Paulo a Defesa Civil teve suaorigem após os resultados desastrosos decorrentes das intensas chuvas ocorridas em Caraguatatuba (1967) e dos incêndios dos Edifícios Andraus (1972) e Joelma (1974) que ceifaram inúmeras vidas devido à falta de rápida coordenação dos órgãos públicos e integração com a comunidades."Disponível em: http://www.defesacivil.sp.gov.br/v2010/portal_defesacivil/conteudo/institucional.html#, acessado em: setembro/2012. 190 Histórico da Defesa Civil de São Paulo. http://www.defesacivil.sp.gov.br/v2010/portal_defesacivil/conteudo/institucional.html#, acessado em: setembro/2012.

169

legislação, ou então a eficácia de seu cumprimento. [...] Verifica-se,

porém, ao primeiro exame, que as leis de segurança nos prédios em

construção datam relativamente dos últimos anos. [...] Por que,

então, os incêndios ocorrem com certa frequencia e se propagam de

maneira rápida? Os dispositivos de segurança exigidos pela

legislação estão aquém da expectativa? Quais os motivos que

impedem seu uso em casos de emergência?"191

A mesma indignação com a recorrência da tragédia, a indiferença das autoridades e a

preocupação com a falta de segurança em instalações edificadas vêm à tona na

cobertura da Folha de São Paulo do mesmo dia. No topo da página 6, em destaque,

aparece um enunciado da temática que prevalecer na página - "O perigo de viver em

São Paulo, sentido minuto a minuto" -, abaixo as reportagens já enfatizam o teor das

críticas nas manchetes: "Prepare-se para tudo: você entre num prédio e sua vida corre

perigo" e "Andraus, uma triste lição que não serviu para nada".

"Se você mora num edifício de apartamentos ou trabalha em um

grande prédio de escritórios no centro de São Paulo, esteja

preparado para tudo."

Alerta a reportagem, que prossegue em tom alarmista e com uma leve ironia.

"Porque se houver um incêndio, existem 99 possibilidades, contra

uma, de que seu prédio não esteja dentro das chamadas 'normas

técnicas de segurança', necessárias para dar aos ocupantes o

mínimo de tranquilidade quanto as possibilidades de uma saída

segura e pacífica."192

O incêndio no Edifício Joelma marcou a cidade de São Paulo pela memória coletiva da

experiência traumática e pela discussão que suscitou acerca da necessidade de rever a

legislação preventiva em vigor, baseada em um código de obras dos anos 1930, bem

191 Jornal do Brasil, 2 de fevereiro de 1974, p. 6. 192 Folha de São Paulo, 2 de fevereiro de 1974, p. 8.

170

como a reestruturação do Corpo de Bombeiros, que protagonizou momentos de extremo

profissionalismo e coragem no resgate às vítimas, mesmo com parcas condições de

trabalho e equipamento inadequado.

O acontecimento repercutiu nacionalmente e teve uma cobertura massiva de toda mídia

- escrita e televisionada - que acompanhou e registrou cada detalhe da tragédia, desde as

incertezas iniciais até o drama e comoção de seu desfecho. A fotografia de Antônio

Carlos Piccini, vencedora do Esso de 1974, é apenas uma dos inúmeros retratos do

desastre, que também gerou uma extensa documentação fotográfica publicada em

jornais e revistas de todo o país. As imagens do fogo, do caos e das pessoas envolvidas

circularam amplamente e reproduzem a grandiloquência do enorme edifício em chamas

em tomadas panorâmicas; a fuga desesperada das pessoas, que se atropelavam nas

escadas Magirus dos bombeiros; a espera aflita dos que aguardavam o resgate do

helicóptero no telhado do prédio; a evidência da morte e a morte explicitada em pilhas

de corpos carbonizados. Todas elas possuem forte apelo dramático e conseguem

capturar o ambiente de tensão que envolve um episódio traumático com essas

proporções.

Tudo isso leva a reflexão sobre os porquês desse único flagrante ter sido escolhido para

figurar entre os mais relevantes do fotojornalismo nacional diante, sobretudo, da

expressiva repercussão do fato e da quantidade de imagens de todos os tipos produzida

sobre ele. É importante destacar que apenas a imagem de Piccini recebeu homenagem

no concurso em 1974, levando o título de melhor fotografia, contrariando a tônica que

vinha marcando a competição no âmbito do fotojornalismo: a distribuição de títulos

secundários, além do prêmio principal, a outras imagens concorrentes que possuíam

atributos meritórios. Só para citar um exemplo, a edição do Prêmio Esso do ano de 1963

laureou com menções honrosas mais duas fotografias além da vitoriosa na categoria

principal, todas elas sobre a cobertura da Copa de 1962, assunto que, assim como o caso

do Joelma em 1974, parou o país e mobilizou toda a imprensa, especialmente na

cobertura fotográfica.

Nos jornais pesquisados193

193 Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e O Globo, todos do dia 2 de fevereiro de 1974.

para avaliar a dimensão da cobertura do acontecimento é

possível perceber que a imagem está bastante presente na composição das páginas e

como suporte de informação que junto com o texto produzem o sentido da notícia.

171

Todos eles ocuparam a maior parte de seus cadernos com o episódio, fazendo uma

abordagem ampla dos acontecimentos, incluindo outros aspectos da tragédia além do

fato do incêndio em si. Além disso, todas as capas tem mais da metade de sua área

ocupada por fotografias. A fotografia vencedora, inclusive, ocupa aproximadamente

25% da extensão da primeira página do jornal O Globo, (Figura 42) com a legenda "Na

trajetória para a morte, um corpo cruza o espaço diante do edifício em chamas",

compondo com outra imagem da tragédia quase toda a composição da capa.

Figura 42: Jornal O Globo de 2 de fevereiro de 1974, primeira página.

172

Deste modo, é interessante avaliar quais foram os critérios que justificaram a predileção

da comissão julgadora por uma fotografia específica, em detrimento de tantos outros

registros, ou seja, quais são os quesitos e qualidades da imagem que a torna especial e

digna de ser destacada frente a tantas outras concorrentes com igual componente

dramático e semelhantes até mesmo na abordagem que flagra uma vítima em queda-

livre, (Figura 43) como a tomada feita por Pedro Martinelli também para O Globo.

Figura 43: Incêndio no Edifício Joelma, Pedro Martinelli, O Globo, 2 de fevereiro 1974, página 5.

Um dos atributos qualitativos fundamentais desta fotografia é o arranjo espacial dos

seus elementos no quadro, promovendo a imobilização do momento crucial de uma

ação que sintetiza o acontecimento trágico. Ela possui significados múltiplos em que

estão representados os vários aspectos de um desastre, como a causa, o ambiente, o

drama, o resgate e o desespero, todos reforçados pela proximidade e nitidez com que

foram retratados. Além disso, a forma como a cena impactante foi obtida pelo fotógrafo,

que conseguiu recortar de todas as imagens possíveis aquela cuja composição transmite

a quem observa uma noção muito precisa do que aconteceu no Joelma naquela manhã

de sexta-feira, potencializa seu caráter memorialístico e se incorpora ao imaginário da

tragédia.

173

Justamente por isso, por esse instantâneo decisivo, a imagem de Piccini é um dos

exemplos que se coadunam com o protocolo de visualidade explorado nesta parte do

capítulo, mesmo sendo detentora outros atributos marcantes como a dramaticidade.

Apesar de retratar com propriedade o desespero de alguém que considera se atirar no

vazio uma alternativa para tentar salvar a própria vida em uma situação limite, a

fotografia se vale da sincronia, visão e habilidade do profissional para conjugar em sua

mensagem componentes formais que valorizam a ação em curso, a apropriação de um

fragmento do tempo e os instantes finais que precedem a morte eminente.

Os elementos enquadrados denotam uma continuidade presumível do movimento

impetrado pela vítima que se jogou do prédio buscando escapar das chamas, assim

como induz a conclusão da fatalidade no desfecho da ação.No plano afastado da

imagem a solidez e imobilidade do prédio em chamas contrastam com instabilidade do

corpo que cai no vazio, destacado no plano mais próximo.Estão presentes na cena,

ainda, o fogo consumindo as instalações no edifício e muita fumaça no canto superior

esquerdo da fotografia, a escada Magirus, utilizada pelos bombeiros no resgate, uma

pessoa que assiste a queda do parapeito do edifício, numa posição em que várias vítimas

ficaram a espera de socorro. Todos esses elementos fazem parte do contexto da tragédia

de diferentes maneiras - evidenciam a causa e a consequência, representam os

personagens envolvidos e os dramas pessoais, aludem a solidariedade e ao socorro

prestado às vítimas - e ajudam a contar sinteticamente a história do incêndio do edifício

Joelma.

Pensando na composição gráfica da fotografia é importante destacar algumas

características que denotam a precisão e apuração técnica do fotógrafo, apesar da

dificuldade de capturar, em uma fração de segundos, um movimento em plena

execução. O primeiro fator relevante é a disposição das linhas e formas que produzem

uma geometria simétrica no espaço emoldurado pela câmera e o divide verticalmente

em duas partes, tendo o corpo que cai no vazio como referência medial. Esta impressão

de geometricidade é acentuada pelo desenho da fachada do prédio, em que os vãos das

janelas formam figuras quadriláteras a partir de linhas e colunas que se cruzam

perpendicularmente, como em um tabuleiro de xadrez.

Outro recurso presente é o efeito da gradação, introduzido pela variação do mais claro

para o mais escuro da esquerda para a direita, de baixo para cima, formando uma

diagonal que divide a imagem em dois momentos, ou em duas circunstâncias do

174

episódio, as quais se intensificam em força visual no sentido mais usual de leitura.

Quem observa a fotografia,parte do canto inferior esquerdo, em que a fachada do prédio

apresenta sua cor original, sem ter sido atingido pelo fogo,ainda servindo de refúgio

contra as chamas e a fumaça e nutrindo a possibilidade de um resgate.Ao percorrer a

imagem, no entanto, a atenção vai sendo dirigida paraa devastação provocada pelo fogo,

que consome o interior do edifício e pode ser visto através das janelas. Na medida em

que a imagem vai se tornando cada vez mais escura, com mais intensidade representa o

grau da destruição, culminando com a fachada completamente enegrecida e tomada pela

fumaça no vértice superior direito.

De todos os atributos da imagem, dois deles são fundamentais para compreender sua

trajetória bem sucedida, são eles a proximidade e a nitidez. Esses recursos são

responsáveis por fazer com que o corpo em queda e os detalhes do momento sejam

percebidos com extrema clareza por quem olha o vôo fatal interrompido pelo clique da

câmera. A aproximação, provavelmente obtida com uma lente objetiva de longo alcance,

conecta o espectador à vítima, que mesmo não tendo o rosto identificável está tão perto

na imagem, que parece ter o corpo descolado do restante da fotografia, nítido,

perfeitamente delineado e com alguns detalhes visíveis. Sabe-se que é um homem, calça

escura e camisa de botão, cabelo curto e voando em queda-livre. Ao contrário do atleta

que cai na figura (Figura 39) anterior, a resposta corporal deste personagem à queda

denota uma certa leveza, aparentemente seus braços abertos e estendidos não

procuraram restaurar o equilíbrio e se preparar para o choque, assim como as pernas

flexionadas e separadas, parecem ser deslocados apenas pela atuação da gravidade; a

impressão transmitida pela imagem é a de um corpo que se deixa cair sem oferecer

resistência, talvez conformado,já descrente na possibilidade de sobreviver, ou talvez

apenas esperando o desfecho da situação, não é possível precisar. Além disso, a

unicidade da representação, que enfatiza uma única vítima do acontecimento, faz

também imaginar os aspectos não visíveis da imagem, como os motivos que levaram a

decisão, os momentos finais da breve história dessa pessoa, que salta para a morte certa,

e, talvez, compartilhar com ela, através dessa fração imóvel dos fatos parte da sua

angústia e desespero.

A imagem de um corpo completamente solto, livre, pairando no vazio é impactante,

embora não se possa mensurar a repercussão da fotografia de Piccini, especialmente

tendo em vista a profusão de registros gerados pelo episódio em questão. No entanto,

175

comparando a foto de Piccini com a de Pedro Martinelli (Figura 43), por exemplo, é

possível notar como, apesar de ambas procurarem uma abordagem semelhante, as

características técnicas e estéticas descritas acima conferem a primeira uma diferença

qualitativa que reflete a habilidade e senso de oportunidade do fotógrafo, bem como a

intensidade com que representa um fato tão marcante na história da cidade de São

Paulo. A foto de Martinelli também recorta do acontecimento um corpo em queda, mas

distante para quem observa, que vê uma sombra se deslocando para baixo em direção a

fumaça tendo outros prédios ao fundo. Além disso seu enquadramento sugere o

acionamento rápido do dispositivo, como se o repórter tivesse sido surpreendido pela

ação, enquanto a tomada de Piccini pressupõe uma espera do fotógrafo, a previsão de

um fato passível de ser fotografado.

No arranjo conseguido por Antônio Carlos Piccini, parece que o mundo parou por um

instante para que se deixasse fotografar num ordenamento único, em que os elementos,

todos e cada um, estão presentes, devidamente alinhados e balanceados, expressando

um equilíbrio momentâneo fruto da perícia do profissional, mas também capaz de

resumir o acontecimento traumático e acionar uma memória viva, quase presente, em

que as sensações do episódio são transmitidas ao espectador. É como cada aspecto

especial das imagens registradas naquele dia pudessem ser adensadas em um único

registro, conferindo, pois, à fotografia analisada o reconhecimento de seu valor

fotojornalístico através da concessão do Prêmio Esso de 1973.

Nos três exemplos acima estão presentes algumas das características que definiram um

tipo de fotografia de imprensa muito comum até hoje nas páginas de jornais e revistas, a

saber, aquela que imobiliza uma ação. À habilidade técnica do fotografo se conjuga

precisão e reflexos rápidos para interromper e perenizar o movimento. Essas imagens

privilegiam a dinâmica presente em um acontecimento, e destacam do tempo contínuo

uma fração de segundos que significa toda ação. Até mesmo por essa característica,

inscrevem na superfície visível uma ideia de encadeamento que permite ao espectador

presumir o antes e depois da imagem, agregando mais de um tempo ao instante

congelado pela câmera. Assim, foram reconhecidas e tornaram-se ícones e referência da

capacidade da fotografia jornalística em capturar o instante crucial dos acontecimentos.

176

2.5. Ironia e Política

As duas imagens selecionadas para compor este bloco destacam a fotografia jornalística

cujo tema é a política nacional. No entanto, tendo em vista o recorte cronológico

proposto pela pesquisa, a maior parte das edições do Prêmio Esso desse período

ocorreram durante os anos de regime militar no Brasil - de 1964 a 1979. Nesse contexto

é preciso ressaltar que as restrições à liberdade de imprensa fizeram com que a

premiação oferecida pela petrolífera aos profissionais dessa área sofresse um

esvaziamento do conteúdo político. Isso se refletiu na totalidade das reportagens

premiadas na categoria principal, como afirma Marcio Castilho.

"A baixa representatividade de matérias na esfera política no

resultado da premiação está associada ao fato de a atuação da

imprensa estar mediada pelo controle governamental através de

mecanismos como a censura prévia e a autocensura, dentre outros

instrumentos de coerção e intimidação.194

Na mesma linha, o jornalista Ruy Portilho - atualmente um dos organizadores do

concurso - defende que a ausência de temas políticos na premiação durante a ditadura

reflete a situação experimentada por toda a imprensa no período:

"

"Não houve entraves na época da ditadura, mas houve pressões. A

Esso, como grande empresa multinacional, era respeitada. Eles

queriam de alguma forma controlar a premiação, mas já tinham

cerceado a imprensa de tal maneira que não havia margem para

uma matéria de denúncia ser premiada.195

Do mesmo modo como as reportagens premiadas no contexto de censura apresentavam

um deslocamento do foco para outras temáticas mais amenas e aparentemente não-

censuráveis, em alguma medida,o Prêmio Esso de Fotojornalismo seguiu essa tendência

ao não conceder, entre 1965 e 1978 o título de melhor fotografia do ano a registros cuja

mensagem pudesse conter elementos considerados de cunho político ou ofensivo às

"

194 CASTILHO, Marcio, Op. Cit., p. 114. 195 Disponível em: http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=1175, acessado em julho/2012.

177

prerrogativas impostas pelo Estado. Foram privilegiados nesta série os assuntos ligados

ao cotidiano, aos dramas e tragédias nas cidades e, em larga escala, à cobertura

esportiva, incluindo a inusitada fotografia de um tacada de golfe mal-fadada (Figura

44), feita por Manoel Gomes da Costa para o Correio da Manhã e premiada em 1966.

Figura 44: Brasil no Golfe Internacional, por Manoel Gomes da Costa para o Correio da Manhã, Premio Esso em 1966.

Por figurar a "oportunidade de um excelente flagrante de muita beleza plástica"196 a

imagem poderia até ter algum destaque, mas apenas para ser mais uma no rol dos

flagrantes que captam o inesperado. Entretanto, as restrições provenientes de uma

conjuntura política desfavorável - em 1966 o Prêmio Esso de Jornalismo sequer foi

concedido, pois a comissão julgou que nenhuma reportagem apresentada era

merecedora do prêmio máximo do concurso197

196 Uma história escrita por vencedores. Op. cit., p. 48.

- e a representatividade pífia do golfe no

cenário esportivo nacional, fazem com que a consagração desse registro se assemelhe

bem mais aos poemas de Camões de O Estado de São Paulo ou as tarjas pretas da

Tribuna da Imprensa utilizadas estrategicamente para ocupar o espaço das matérias

vetadas pelos órgãos censores.

197 CASTILHO, Marcio. Op. Cit.

178

As representantes "subversivas" selecionadas para esta análise, portanto, aparecem na

lista do Esso contempladas em categorias secundárias e, ainda assim, trazendo o

conteúdo político de maneira indireta, através da leitura dos códigos subjacentes

representados visualmente. Uma delas é "Como subir fazendo força" (Figura 45), de

Luiz Pinto198

Figura 47

para a Tribuna da Imprensa, que recebeu Menção Honrosa na edição de

1965 e a outra "Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório" ( ), do

fotógrafo Antônio Luiz Benck Vargas199

O cerceamento das liberdades individuais, impetrados pelos órgãos de controle do

Estado durante a ditadura, restringiu a livre circulação das notícias e das informações

veiculadas através da imprensa. Apesar de algumas estratégias criativas e de

manifestações pontuais de editores e jornalistas que buscavam fazer resistência às

condições impostas pelo regime e evidenciar a insatisfação da imprensa com censura

, publicada em O Estado de São Paulo,

vencedora na categoria Regional Sul do concurso de 1977. Antes, porém de falar das

imagens que conseguiram driblar os ditames da ditadura e figurar no Esso, vale fazer

um brevíssimo parêntese para falar da relação entre a imprensa a censura e o

fotojornalismo durante a ditadura no Brasil.

200

198 Luiz Pinto (1933-2006) era paraense, de Belém, nascido em uma família com tradição na fotografia. O pai era dono da Foto Nazaré - em Belém - e chefe do departamento fotográfico do jornal Província do Pará, dos Diários Associados. Luiz Pinto iniciou sua carreira na imprensa no jornal Província do Pará em 1948. Na capital paraense também trabalhou no jornal O Liberal até 1955, quando veio para o Rio de janeiro tentar conseguir um emprego em algum dos grandes grupos de comunicação que tinham sede da então capital federal. Ao chegar ao Rio de Janeiro, tentou “a sorte” indo pedir emprego na Revista Manchete, onde foi contratado e permaneceu até 1957. Passou ainda por outros veículos como Diário Carioca, Última Hora, Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa e O Globo.

,

por padrão as matérias consideradas inconvenientes ou contrárias aos interesses da

nação eram suprimidas ou reescritas pelos censores. Acontece que no âmbito do

fotojornalismo, o caráter subjetivo da imagem aliado a certa incompetência dos

responsáveis pela fiscalização do conteúdo a ser publicado, concedia a esse tipo de

199 Antônio Luiz Benck Vargas tem um trabalho expressivo no fotojornalismo, especialmente no que diz respeito a cobertura de temas políticos na década de 1970. Uma de suas obras mais famosas é a trilogia "Pátria", que mostra em três tomadas o protesto de uma jovem em um enfrentamento entre estudantes e policiais durante a ditadura militar no Brasil. As imagens foram exibidas na Primeira Mostra Latino-Americana de Fotografia, realizada no México em 1978, fazendo com que o fotógrafo brasileiro fosse reconhecimento internacionalmente. Benck Vargas também obteve o Segundo Lugar, com o prêmio "Francisco Salomon", na categoria de fotografia do Concurso Ari de Jornalismo no. 49 do Jornal da Tarde em 1978. 200 Um desses casos foi a edição do JB publicada no dia seguinte a instauração do AI-5, que sofre cortes na redação mas foi remontada na oficina para marcar a posição do jornal contrária ao ato. A capa anunciava no canto superior direito "Ontem foi o dia dos cegos" e no canto superior esquerdo trazia o quadro da meteorologia informando que "Nuvens negras ameaçam o país. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos." Jornal do Brasil, 14 de dezembro de 1968 APUD CASTILHO, Marcio. Op. Cit., p. 131.

179

registro uma pequena vantagem em relação ao texto - mais literal e cuja decodificação o

censor estava mais habituado - quando eram submetidos à censura. Tanto esta situação,

quanto as táticas do fotógrafo para se esquivar dos cortes e efetivar a transmissão da

mensagem, são explicitadas em uma fala do fotógrafo Evandro Teixeira:

"Acontecia uma coisa curiosa: o pessoal do texto sofria mais do que

a gente, porque para os censores era mais fácil entender - e mutilar

- um texto do que ver uma foto numa folha de contato. A gente fazia

uns contatos meio escuros, assim o sensor não conseguia ter uma

leitura exata das imagens e acabava deixando passar. No dia

seguinte, quando via publicada, é que vinham p... da vida,

ameaçando prender, censurar. Aí tínhamos que sumir por uns

dias."201

É interessante destacar que não apenas era apenas através do exercício de uma

linguagem sutil e intrincada que a fotografia de imprensa buscava se esgueirar da

atuação da censura e revelar os fatos, mas também contando com a obstinação e o

engajamento do fotógrafo, que mesmo colocando sua vida e sua liberdade em risco, ou

ficando sob suspeição, tentava contornar as arbitrariedades dos órgãos repressores para

fazer valer o seu ponto de vista, bem como manter o compromisso do fotojornalismo

com a denúncia, a fiscalização e o desvelamento das veleidades do governo, quando

este atenta contra os interesses da população. Compromisso este que, aliás, também

esteve na ordem do dia do discurso da imprensa como um todo, apoiando a construção

de seu lugar de autoridade e legitimando seu papel social de vigilância, mas que foi

enfraquecido e, por vezes esquecido pelos que se omitiram ou colaboraram, com o

recrudescimento das políticas de repressão e censura colocadas em curso pelo regime

militar.

O engajamento dos repórteres fotográficos permitiu com que o fotojornalismo se

constituísse no período como um importante canal de difusão das informações "não-

oficiais", que de algum modo expressavam uma estratégia de resistência desses

profissionais contra o regime de caráter autoritário vigente. A importância dessas

201 TEIXEIRA, Evandro. "Meu negócio é fotojornalismo. Entrevista concedida em 07/10/2005 à revista PhotoMagazine. Disponível em: http://photos.uol.com.br/materias/ver/54087, acessado em julho/2012.

180

imagens reside no fato de que registram "acontecimentos que de outra maneira seriam

ignorados ou desmentidos pelas devidas autoridades do governo"202, contribuindo,

portanto, para que uma parte obscurecida dos fatos pudesse chegar ao leitor, já que

"uma fotografia poderia desmascarar a versão dos fatos emitidas por um general, um

governador ou até mesmo um presidente da República"203

Em comparação com os outros protocolos visuais escolhidos como referência para a

análise das imagens do Esso, este é o único que não diz respeito apenas à linguagem e

aos recursos técnicos utilizados para retratar um dado da realidade, mas também recorta

a abordagem por um assunto específico: a política. Com isso não se pretende afirmar

que a ironia é um elemento exclusivo das fotografias que representam tal tema, pelo

contrário, outros flagrantes premiados possuem o sentido ancorado no mesmo tipo de

recurso retórico, aproveitando a possibilidade de dupla interpretação da imagem e, na

maior parte das vezes, só se realizando por completo através do diálogo com o texto que

confronta a informação visual.

.

A opção pelo recorte temático, entretanto, se justifica a partir de duas premissas. A

primeira entende as fotografias que associam política e ironia como um meio

relativamente eficaz de contornar a censura e oferecer, dentro dos limites da época,

resistência a ela, representando um esforço do profissional e do veículo para fazer com

que a informação circulasse, mesmo que esta fosse contrária às determinações da ordem

autoritária vigente. Deste modo, o destaque conferido pelo prêmio era uma forma de

bonificar tais iniciativas, reverberando, num espaço privilegiado de celebração e reunião

de pares, a insatisfação da categoria com a ausência de liberdade de imprensa. Vale

ressaltar que, apesar da relativa baixa de temas políticos nos trabalhos premiados no

período, as cerimônias de homenagem e entrega dos prêmios constituíam-se como

verdadeiros palanques para os discursos emblemáticos dos vencedores, que repudiavam

a repressão e a censura imposta pelo regime, bem como reafirmavam a noção do

comprometimento do jornalista com valores democráticos e com a defesa da liberdade

de expressão204

Por outro lado, a escolha temática está pautada na importância do humor como traço

característico das formas de representação pública do poder e dos poderosos na cultura

.

202 OLIVEIRA, Gil Vicente. Fotojornalismo Subversivo: 1968 revisto pelas lentes do Correio da Manhã. Revista Acervo do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 11, nº 1-2, pp. 117-136, jan/dez 1998, p. 126. 203 Idem. 204 CASTILHO, Marcio. Op. Cit., pp. 137-146.

181

política nacional. Nesse sentido, as fotografias de imprensa podem ser consideradas

como um dos suportes que contribuíram, juntamente com outros tipos de discurso, para

a inscrição da ironia, da galhofa e da inversão de sentidos no imaginário político

brasileiro. As imagens homenageadas no mais importante concurso jornalístico do país

dão conta desses aspectos e trazem consigo a marca irreverente da crítica mordaz, que

promove a desconstrução do poder através da ridicularização dos políticos e da

deslegitimação da reverência em que seus privilégios se sustentam. Mesmo com o fim

da censura e a redemocratização do país esse tipo de representação não perdeu força e

se firmou como um protocolo visual típico das editorias políticas em diversos veículos,

como uma espécie de ‘troco’ simbólico mediante ao qual a insatisfação da sociedade

com descaso dispensado pelas autoridades públicas encontra correspondência.

Após esse breve parêntese, a primeira imagem a ser destacada neste ponto é a fotografia

intitulada “Como Subir Fazendo Força” (Figura 45), publicada em 1965, pelo jornal

Tribuna da Imprensa, homenageada com uma Menção Honrosa no Prêmio Esso do

mesmo ano. O flagrante do então presidente Marechal Humberto Castello Branco

“fazendo força” – literal e metaforicamente – para subir foi capturado pelo fotógrafo

paraense Luiz Pinto, durante uma cerimônia oficial realizada na Vila Militar, no Rio de

Janeiro, em 25 de fevereiro de 1965. A cobertura para a qual o fotógrafo foi enviado

dizia respeito a uma comemoração promovida pelas Forças Armadas por ocasião do

aniversário da tomada de Monte Castelo, na Itália, uma das investidas ofensivas que

contou com a participação dos soldados brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial.

No dia seguinte ao evento – 26 de fevereiro – a Tribuna deu a fotografia na sua primeira

página com grande destaque, já que a mesma ocupava quase 50% do espaço disponível

no jornal (Figura 46). A imagem traz claramente um tom jocoso, mostrando o então

presidente da República em uma situação constrangedora e contrariando todos os

protocolos que envolviam a representação de uma figura pública daquela natureza.

Juntem-se a isso os limites de uma conjuntura política de restrição de liberdade e a o

fato de se ser o retratado um militar de alta patente e se pode presumir que a dimensão

da afronta se amplia consideravelmente.

182

Figura 45: Como subir fazendo força, Luiz Pinto, Tribuna da Imprensa de 25 de fevereiro de 1965, Mensção Honrosa no Prêmio Esso de 1965.

Se visualmente a fotografia opera com a ridicularização de uma autoridade pública

proeminente dentro das instâncias superiores da política nacional, a construção do

sentido duplo da mensagem expressa em imagem é complementada e reforçada através

da legenda que, estrategicamente, elucida a verdadeira intenção de sua publicação.

"Como subir fazendo força", não apenas explicita a ironia contida na informação não-

textual, como também significa a fotografia, fazendo transparecer, através da

conjugação de diferentes tipos de discurso, a crítica à maneira como os militares

assumiram o comando do país e aos rumos que a intervenção estava tomando.

Não deixa de ser curioso notar que o teor crítico da mensagem tenha sido obra da

editoria de um veículo de reconhecido perfil conservador como a Tribuna da Imprensa,

em cujo histórico está o apoio tácito ao projeto autoritário impetrado pelos militares em

1964, sob o rótulo de “revolução”. O jornal - de propriedade do udenista Carlos Lacerda

até 1961 - era o canal privilegiado do político para disferir seus ataques em oposição aos

governos de base trabalhista, desde o segundo mandato de Getúlio Vargas. A crítica

oposicionista e a virulência eram característicos tanto dos discursos inflamados de

Lacerda quanto nas linhas impressas no diário que dirigia. Foi assim com Vargas,

Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros e, após a renúncia do último, ainda mais

contundente com a ascensão do vice João Goulart ao cargo de mandatário da nação.

183

Acontece neste caso, que o termo conservador deve ser pensado à luz das contingências

do período e do entendimento de que os militares no poder não tinham intenção de fazer

a transição para um regime democrático esperado àquela altura, depois da contenção

dos rumos indesejados o governo Jango. Assim, o pacto firmado 1964 reuniu pelos

diversos setores da sociedade civil, inclusive a imprensa205

Um dia antes da publicação da fotografia analisada a questão da permanência do regime

militar à força, bem como a falta de mobilização em torno de um novo pleito

presidencial já figuravas nas páginas da Tribuna. A matéria de capa do jornal, intitulada

"Presidente à força", falava sobre o "mais poderosos e arbitrário esquema depressão

jamais montado"

, em defesa de uma suposta

legalidade estava sendo quebrado unilateralmente pelos militares que não davam

demonstrações de que iriam deixar o poder ou convocar uma nova eleições, o que

estava previstas para acontecer em 1965. A posição assumida pela Tribuna neste

contexto - nessa época o jornal era dirigida por Nascimento Brito - não difere da de

outros jornais que apoiaram a intervenção militar no início por entende-la como medida

necessária, embora anti-democrática. Posteriormente esses mesmos veículos

questionaram a manutenção do governo nas mãos das Forças Armadas e, sobretudo, o

recrudescimento da repressão e o cerceamento das liberdades individuais e de imprensa.

206

205 Os principais jornais do país apoiaram o golpe de 31 de março de 1964 e pediram a saída de Jango do poder, e mesmo antes, assumiram uma linha editorial de oposição ao governo João Goulart e as medidas empreendidas por ele no que diz respeito principalmente à questão social. As chamadas "reformas de base", questionadas por sua tendência socialista e consideradas extremistas, não foram recebidas com entusiasmo por diversas instâncias da sociedade civil, dentre elas a Igreja Católica, os empresários e as Forças Armadas, que juntos articularam e apoiaram a intervenção autoritária. No que diz respeito à imprensa, a exceção dentre os grandes foi o jornal Última Hora que apoiou a continuidade do governo Jango como forma de manter o regime democrático.ABREU, Alzira Alves de, A participação da imprensa na queda do governo João Goulart. In.: 1964-2004: 40 anos do Golpe - Ditadura Militar e Resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004, pp. 16-25 e REIS FILHO, Daniel Aarão. Op. Cit., p. 120-127.

no Congresso, para garantir a eleição do deputado Bilac Pinto para

o cargo de Presidente da Câmara. Esse editorial já sinalizada uma mudança no discurso

que foi consumado na reportagem do dia seguinte e que seria a tônica do jornal dali em

diante. Deve-se ainda pesar, para a compreensão dessa rápida adesão da Tribuna da

Imprensa à defesa fervorosa dos colorários da democracia, o fato de os udenistas terem

sido alijados das principais decisões políticas após o golpe que ajudaram a consolidar,

além do fato de Carlos Lacerda - governador do Estado da Guanabara na época - ter

visto minadas suas chances que concorrer para o cargo de presidente da República ao

qual aspirava naquele ano.

206 Tribuna da Imprensa, 25 de fevereiro de 1965, primeira página.

184

A crítica implícita na imagem de capa da Tribuna da Imprensa do dia 26 de fevereiro,

portanto, torna-se evidente no conteúdo da reportagem escrita, para a qual a foto foi

habilmente selecionada. De um lado a manchete da notícia tinha grande destaque na

página - "Castelo Enquadra Supremo" - e fornecia o subsídio necessários para a leitura

da mensagem fotográfica. De outro, a legenda "Como subir fazendo força"conectava as

informações visual e verbal para a produção de um nexo que relacionava as medidas

tomadas pelo executivo para enfraquecer o judiciário e ampliar a base de seu poder ao

ato simbólico de "subir" fazendo força, seja no jipe ou na política. Em suma, todos os

elementos estão dispostos de modo a conduzir o leitor ao caminho interpretativo

condizente com o posicionamento que o jornal assumira naquele momento, a saber, a

denúncia da ilegalidade que constituía a manutenção do governo militar no país.

185

Figura 46: Tribuna da Imprensa, 26 de fevereiro de 1965, primeira página.

Ainda na capa, o resumo da coluna escrita pelo dono do jornal, Hélio Fernandes,

impressa à esquerda da imagem, confirmava a insatisfação do veículo com os rumos da

186

política nacional e a ruptura da articulação gestada para colocar os militares no poder. O

texto afirma:

"E, para ganhar a mesa da Câmara, a Revolução deformada,

traída, desgastada pela inflação e pelo farasaísmoconsultécnico

tinha mesmo que se exceder nesses espúris – tanto mais que este

governo não tinha e não tem comando político."

Essa primeira página, assim como a fotografia de Luiz Pinto, constrói um sentido para

os acontecimentos que vinham se desenrolando e configurando o que seria conhecido

como "golpe dentro do golpe", ou a recusa das Forças Armadas de encerrar o governo

que começou "transitório" e convocar novas eleições para o executivo. Sua importância

ainda reside no fato de marcar uma mudança de direção da linha editorial da Tribuna da

Imprensa, que passa a ser um dos veículos contumazes na crítica ao regime e, por isso,

também um dos mais fiscalizados, já que esteve durante um longo período com os

censores atuando dentro da sua redação207

Do ponto de vista da imagem e dos significados que assume para a construção de um

sentido para os fatos, a fotografia de Luiz Pinto pode ser lida a partir de duas chaves

interpretativas complementares, em que uma está relacionada ao apelo ao ridículo e a

outra à crítica política, demonstrando, pois, a polissemia da imagem técnica e das

diversas apropriações a que ela esta sujeita. Nesse sentido a utilização desta fotografia

dentro de uma composição que reúne outros tipos de texto torna-se imprescindível para

a sua compreensão e a análise intertextual ajuda a elucidar os elementos que a fizeram

merecedora de um destaque no concurso da Esso.

.

Essa é uma típica fotografia que depende de contexto para que sua mensagem atinja o

espectador da maneira presumida, ou seja, os aspectos visíveis não são conta de explicar

o conteúdo da imagem sozinhos. O efeito irônico e o teor crítico, por sua vez. só se

realizam a partir de um certo conhecimento prévio de quem a observa acerca do

personagem retratado e da conjuntura histórica em que se deu sua publicação.

Cumpridas essas condições, em primeiro lugar, pode-se perceber como o flagrante de

Luiz Pinto promove uma desconstrução de uma certa imagem do poder quando expõe

207 CASTILHO, Marcio. Op. cit., p. 84.

187

uma figura pública ao ridículo. A situação de Castello Branco, que devido a sua baixa

estatura se esforça para subir em um veículo militar, flagrada pelo fotógrafo, no

mínimo, rompe com as estratégias fotográficas clássicas de representação personalista

do poder, em que o líder é retratado de forma altiva e imponente, quase que como se o

poder emanasse dele e uma áurea mítica o envolvesse. Aqui a posição constrangedora

coloca por terra a reverência com que as autoridades públicas esperam ser tratadas,

fazendo justamente o oposto, mostrando o desconforto e a dificuldade de um desses

representantes para realizar uma ação corriqueira como subir em um carro.

O fotógrafo enquadra os elementos em um plano próximo, mostrando todo o corpo de

Castelo Branco, mas apenas parte do jipe que tem a frente destacada. A angulação é

perpendicular em relação ao chão e diagonal a partir dos objetos retratados, ou seja, a

imagem parece estar na altura dos olhos de quem observa, com o fotógrafo posicionado

lateralmente em relação a cena que observava. Em função disso, ocorre uma

desproporção entre o tamanho do jipe e da pessoa, através da qual se transmite uma

impressão de o primeiro ser muito maior que o último, evidenciando ainda mais baixa

estatura do presidente. Enfim, fazendo uma comparação com uma tipologia de imagens

que buscam valorizar o poder e os poderosos, nesta imagem os recursos técnicos

empregados visam desconstruir essa noção. O plano mais fechado e horizontal, por

exemplo, aponta para o traço menos nobre e para a dificuldade, colocando a figura

pública mais importante do país em pé de igualdade com os outros cidadãos, em

detrimento de uma tomada à distância de baixo para cima que reforçaria uma ideia de

superioridade do retratado.

Zombar das personalidades públicas, especialmente políticos, era uma das coisas que o

fotojornalista Luiz Pinto admitia gostar de fazer no exercício de sua profissão. Em uma

entrevista, inclusive, conta que apesar de ter "comido o pão que o diabo amassou" na

Tribuna da Imprensa, ali "se fazia jornalismo" e rememora o início de sua pitoresca

relação com o presidente Castelo Branco, que mandava o prender constantemente, mas

foi importante para o seu crescimento profissional. Quando perguntado sobre qual era o

presidente de quem se lembrava melhor ele respondeu:

"Castelo Branco, é claro, que foi quem me lançou...

[...]

188

Apesar de tudo, eu comecei na imprensa em cima do Castelo

Branco, essas fotos do Castelo aí. [...]. Foi aí que eu fui ganhando

nome na imprensa no Rio, na imprensa nacional."208

A relação difícil com a ditadura e o espólio das fotografias que ridicularizavam as

autoridades, contudo, também fazem parte das memórias do fotógrafo, mesmo que de

maneira contraditória. Quando fala de um período complicado de sua trajetória em que

era escalado para fazer a cobertura política durante a ditadura militar ele afirma que o

tipo de fotografia que o projetou também o tornou visado pelos órgãos de repressão do

governo. Ainda assim, e emoção e o desafio do trabalho, nessas lembranças aproximam

sua vivência de uma certa noção heróica de estar lá no momento em que as coisas

acontecem, como fica explícito nos trechos abaixo.

"E na Tribuna eu peguei a pior fase que foi na Revolução. Então,

toda semana eu era preso, espancado, é... virou festa” Era jogado

no xadrez... toda semana! Depois o Castelo Branco mandava me

devolver. Foi muito bom!"209

"eu ia fotografar o Castelo no Santos Dumont eu ia preso, quando

eu ia fotografar o Castelo no Galeão, eu ia preso, ia fotografar não

sei quem “ah, vai em cana”. Eu dormia em xadrez, era espancado,

metia um carro encima da vítima, moto, atropelava, tudo, a gente

não desistia não."

210

Não obstante a ironia se baseie no humor para levar uma determinada leitura da

realidade às pessoas, seu outro componente essencial é a crítica, geralmente, ácida a

determinado aspecto dessa realidade. Tendo isso em vista, o outro elemento simbólico

que nela se consubstancia é condenação do modo como o Marechal Castelo Branco foi

conduzido ao cargo da maior representatividade da nação, assim como, e

principalmente, as manobras da alta cúpula militar vinham para assegurar sua

208 PINTO, Luiz. 2002, Op. Cit. 209 PINTO, Luiz. Entrevista concedida a Mauro Amoroso em 13 de agosto de 2005. Depositada no Laboratório de História Oral e Imagem, UFF 210 PINTO, Luiz. 2002, Op. Cit.

189

permanência no poder, rompendo com o acordo previamente estabelecido. A sutileza da

informação subentendida se torna ainda mais sofisticada quando se tem em vista que

imagem e legenda, neste caso, dialogam diretamente com outro texto da época,

atribuído ao próprio Castelo Branco, o qual dizia que "se os se os militares tomam o

poder pela força, nele pela força permanecem e dele a força sairão."211 Ao parafrasear

o discurso do presidente "Como subir fazendo força" está referenciada pela conjuntura

histórica que a produziu, sendo utilizada no jornal de forma irônica para denunciar o

descumprimento da última parte do acordo, ou seja, que os militares deixariam o poder

tão logo a ordem fosse estabelecida212

O Prêmio Esso é outro capítulo da história desta imagem, já que ela não ganhou o título

de melhor fotografia do ano na edição de 1965, mas sim uma Menção Honrosa pela

importância do registro. Destaca-se também pelo valor simbólico atribuído à metáfora

que expunha a figura pública que personificava todas as arbitrariedades contra as quais

boa parte da classe jornalística intentava lutar, representado nesta tomada em uma

condição ridícula e humilhante, o que, além de tudo, subvertia a ordem imposta pela

ditadura.

.

No entanto, um dado importante diz respeito a comissão julgadora da categoria

fotográfica daquele ano, da qual fazia parte o fotojornalista Ernesto Santos - chefe de

Luiz Pinto e fotógrafo da Tribuna da Imprensa. Na ocasião, o Prêmio Esso de

Fotojornalismo foi concedido a Kaoru Higuchi, do Jornal do Brasil, pela fotografia do

presidente francês Charles De Gaulle em visita ao Brasil, chamada "Braços Abertos para

o Novo Mundo". Além disso, outros seis fotografias foram homenageadas por mérito

com Menções Honrosas, dentre elas a de Luiz Pinto e outra da Tribuna da Imprensa,

feita por Joveraldo Lemos, morto em serviço, na ocasião em que a imagem fora feita

(Figura 18).

A participação de membros de veículos premiados nas comissões julgadoras do Esso

não era incomum, visto que os prêmios se concentravam entre os grandes órgãos de

comunicação, assim como os jornalistas e fotógrafos de renome. No entanto, 1965 foi

um ano atípico, em que muitas fotografias foram citadas na relação de vencedores,

incluindo algumas situações em que não se entende os critérios utilizados no

211 Uma história escrita por vencedores. Op. cit., p. 45. 212 Sobre a fotografia de Luis Pinto ver GAMA, Elisabeth. "Como subir fazendo força": memórias de um passado imperfeito. Primeiros Escritos, nº 14, abril de 2010. Disponível em: http://www.labhoi.uff.br/node/1394, acessado em setembro de 2012.

190

julgamento, como a junção em série das fotografias de Reginaldo Manente sobre temas

tão distintos e que não foram inscritas em conjunto.

O fotógrafo laureado Luiz Pinto, que se define como "brigão" e dono de uma

personalidade um tanto quanto irreverente, inclui a menção recebida no Esso na lista de

conquistas que foram importantes na sua trajetória, mas credita o fato de sua foto não ter

sido a melhor do ano à participação do chefe na comissão julgadora.

"Ganhei menção honrosa nessa aqui, foi aquela foto do Castelo...

Mas interessante disso aqui, porque... eram treze jurados, e o

presidente do júri era o meu chefe, o Ernesto Santos. Como ficou

empatado, ele decidiu. Depois ele disse pra mim assim: 'eu não

decidi por você porque senão depois pegava mal pra mim, porque

sou seu chefe'.

Era tão boa que eles criaram menção honrosa na época, né?

Mas sacanagem, né? Porque era meu chefe. Não tem nada a ver, pô,

a foto é boa..."213

As informações do fotógrafo não correspondem aos dados sobre a premiação, já que a

comissão de fotografia de 1965 era constituída por três fotojornalistas - Ernesto Santos

da Tribuna da Imprensa, Paulo Reis, da Última Hora, e Demócrito Bezerra, da

Associação de Repórteres Fotográficos do RJ - e mesmo o número de julgadores no

total somavam onze integrantes. Tampouco o título de Menção Honrosa foi criado por

causa da fotografia em questão, nos concursos anteriores já era praxe concederem

homenagens simbólicas (sem prêmio em dinheiro) para trabalhos cuja qualidade não

condizia com o título principal, mas cujo mérito justificava a menção

214

213 PINTO, Luiz, 2002, Op. Cit.

.

214 Segundo Ruy Portilho, organizador do concurso atualmente, nas edições mais recentes do Prêmio Esso a prática de conceder Menções Honrosas e Votos de Louvor foi vetada pelo regulamento, justamente para não diluir a conquista do prêmio principal e forçar a comissão julgadora a um consenso sobre o melhor trabalho.

191

Contudo, o interessante no depoimento do fotógrafo são os mecanismos discursivos e a

forma como constrói as suas memórias para promover a valorização do próprio

trabalho, em face da conquista de um prêmio secundário. De um lado utiliza um tom

levemente desdenhoso, que coloca em xeque a validade do concurso - o qual ele não

ganhou porque o chefe era o presidente da banca -, mesmo sendo o Esso um programa

respeitado por seus pares. Por outro, completa o argumento ao se considerar o vencedor

por direito daquela edição e criando outros símbolos de distinção em substituição ao

prêmio principal, como o fato de terem criado a Menção devido à qualidade de sua

fotografia.

Por fim, não cabe aqui fazer um julgamento sobre os motivos que levaram uma ou outra

fotografia ao prêmio principal, já que se está considerando todas as que foram

consagradas. Do mesmo modo, não se trata que colocar em dúvida a idoneidade dos

julgadores, mas de contextualizar certas escolhas que dizem respeito ao período

histórico analisado buscando uma compreensão mais ampla sobre ele. Assim, tendo em

vista o exposto, um caminho possível para a análise é de que o esvaziamento político do

Prêmio Esso não se configura como uma atitude deliberada da organização ou dos

membros das comissões em virtude das pressões decorrentes de um regime político

autoritário, como uma observação mais superficial poderia supor. Existiram

adversidades, as quais se intensificaram com o recrudescimento das políticas de

repressão e censura, impedindo inclusive, a circulação de textos e imagens com

conteúdo vetado pelas determinações do governo. Mas, a fotografia analisada, por

exemplo, tinha conteúdo político, poderia ser considerada "subversiva" por ridicularizar

o presidente da República, e ainda assim foi publicada em um jornal de boa circulação,

participou de um concurso importante e teve sua qualidade reconhecida. O fato de não

ter sido a melhor fotografia não significa que a mensagem que tenta transmitir não

encontre correspondência nas aspirações e desejos de outros profissionais de imprensa

privados de exercerem seu trabalho com liberdade.

A próxima fotografia a fazer parte dessa abordagem é "Visita do Ministro Sylvio Frota à

cidade de Osório" (Figura 47), feita pelo fotojornalista Antônio Luiz Benck Vargas e

veiculada pelo O Estado de São Paulo. Ela retrata um desfile militar ocorrido em

Osório, no Rio Grande do Sul, cidade natal do então Ministro do Exército do governo

Geisel, Sylvio Frota e ganhou o Prêmio Esso em 1977 como melhor trabalho

jornalístico da categoria Regional Sul. Detalhe interessante é que a vitória não se deu no

192

concurso especializado em fotojornalismo, mas na disputa setorizada por regiões em

que concorriam trabalhos de diversas naturezas, tanto no formato de texto quanto de

imagem.

À primeira vista, a imagem parece ser apenas mais uma representação visual de uma

cerimônia oficial militar que conta com a de exibição diversas divisões das Forças

Armadas. Mesmo no que diz respeito aos seus aspectos técnicos não se observa o

emprego de nenhum recurso especial ou a demonstração de habilidades específicas

valorizadas em um profissional de fotojornalismo. Chama a atenção, no centro da

imagem, um cavalo que aparece cavalgando sozinho, sem um cavaleiro montado sobre

ele, mas ainda assim, ao mirá-la de relance no rol das fotografias premiadas com o Esso,

sua aparência relativamente comum faz com que passe despercebido ou talvez que se

pense nos motivos que fizeram estar ali.

Figura 47: Visita do Ministro Sylvio Frota à Cidade de Osório, Antônio Luiz Benck Vargas, O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, Prêmio Esso na categoria Regional Sul em 1977

A aparência superficial esconde, no entanto, uma série significados que para serem

desvendados se faz necessário ter em vista tanto as circunstâncias de sua publicação

quanto o apoio de outro texto que explique os elementos presentes na imagem. Esta é

uma fotografia em que o sentido pode ser construído de diversas maneiras, mas que só

pode ser entendida como uma representação irônica de determinada conjuntura política

193

ao colocá-la no contexto histórico que engloba tanto a sua produção e circulação, quanto

o momento em que foi premiada.

A relação da imagem com outros textos começa pelo título, uma vez que este destaca a

visita do Ministro do Exército, mas o ministro não aparece na fotografia, ou seja, sua

presença é apenas sugerida, mas não pode ser confirmada a partir das informações

visuais. Outro dado que está enunciado mas não tem correspondência na imagem é a

localização e a data do evento, pois não há nada que indique que a cena retratada se

passe de fato na cidade referida e no ano de 1977. A fotografia traz um panorama do

deslocamento de um grupo que se supõe militar pela presença de homens montados à

cavalo uniformizados e paramentados com lanças e bandeiras ao estilo militar, as quais

remontam a um período antigo, pois não se assemelham a vestimentas militares

modernas. No entanto, a presença do tanque de guerra insere o registro no século XX,

ao menos. A nuvem de poeira que se formou com a passagem das tropas e a quantidade

de pessoas e objetos em cena dão a impressão de se tratar de uma invasão ou uma

investida de guerra com objetivos militares. E no centro da imagem um cavalo sem

cavaleiro se destaca na fotografia.

As informações contidas na imagem não trazem elementos necessários para que se

consiga captar as circunstâncias em que ela foi realizada. Recorrendo a publicação da

fotografia, originalmente feita pelo jornal O Estado de São Paulo em 15 de maio de

1977, os detalhes do acontecimento pro trás da foto podem ser elucidados. A fotografia

saiu em dois espaços distintos do jornal e com um formato diferente em cada um deles.

Na primeira página da edição ela aparece inteira, logo abaixo do cabeçalho em quatro

colunas e cerca de um terço de extensão na vertical, com o crédito para o repórter

fotográfico Antonio Vargas (Figura 48). Embora a fotografia esteja destacada o assunto

ao qual se refere não, pois não há título impactante e a manchete que está ao seu lado

fala sobre cubanos da Líbia. O layout desta primeira página é um pouco truncado,

denotando pouca preocupação com o arranjo dos elementos e o projeto gráfico de modo

geral. Abaixo da imagem uma chamada para a reportagem na página 35 traz o resumo

dos fatos ocorridos em Osório:

"Grupos da cavalaria montada e mecanizada fazem demonstrações,

durante a visita do ministro do Exército, gen. Sylvio Frota, e do

194

governador Sinval Guazzelli, à cidade de Osório, no interior

gaúcho."

Figura 48: Capa do jornal O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977.

Na página 35 o registro visual acompanha uma notícia enviada ao diário pela sucursal

do Rio Grande do Sul, cujo título é "Frota vê em Osório a festa da Cavalaria" (Figura

49). A matéria não está assinada, a informação de autoria indica apenas ter sido

195

transmitida pelo correspondente do jornal a partir da sucursal de Porto Alegre. O texto é

objetivo e imparcial, constituindo-se de um relato sobre a ida do ministro do Exército do

governo Geisel à cidade onde nasceu o Marechal Osório para presidir a festa da

Cavalaria215

local.

Figura 49: Reportagem de O Estado de São Paulo de 15 de maio de 1977, página 35.

"O ministro do Exército, general Sylvio Frota, presidiu ontem em

Osório, a 106 quilômetros de Porto Alegre, as comemorações do dia

da Cavalaria. Acompanhado do governador Sinval Guazelli, do

comandante do III Exército, general Belfort Bethlem, e de outras

autoridades, o ministro observou por duas horas e meia,

demonstrações de pára-quedistas, e de grupos de cavalaria

motorizada e mecanizada."216

O texto é quase todo telegráfico ao reportar os fatos que ocorreram nas comemorações e

a agenda do ministro na região, mas discretamente afirma em uma passagem que os

jornalistas foram impedidos de ouvir a conversa entre o ministro e outros presentes por

vários agentes de segurança, o que dadas as restrições impostas pelo regime pode ser

considerada uma crítica feita de maneira sutil pelo redator, usando o estilo objetivo de

reportar característico da linguagem jornalística.

215 O Dia da Cavalaria é uma data comemorativa em homenagem às tropas militares que atuam montadas a cavalo. A festividade é celebrada no dia 10 de maio, por esta ser a data de nascimento do Marechal Osório, combatente na Guerra do Paraguai e patrono das cavalarias brasileiras. 216 O Estado de São Paulo, 15 de maio de 1977, p. 35.

196

"Logo após o encerramento das demonstrações, o ministro do

Exército conversou com o com o ex-comandante do III Exército,

general Oscar Luis da Silva, mas os jornalistas foram impedidos de

saber do assunto por vários agentes de segurança. 'Não adianta

nada que o general não falará com vocês', afirmavam

insistentemente os agentes de segurança"217

Outra hipótese possível é que parte do texto tenha sido vetada para a publicação,

restando apenas esse fragmento que faz referência ao cerceamento da liberdade de

imprensa. Tal suposição é reforçada pela imagem e pela composição gráfica da peça,

pois a caixa que delimita a matéria ocupa seis colunas no topo da página 35 do jornal,

sendo que três dessas colunas são compostas pela fotografia, a manchete foi impressa

nas outras três e abaixo desta o texto ocupou apenas cerca de uma coluna e meia. O

espaço sobressalente foi preenchido com outra notícia que não tem nenhuma relação

com a primeira, caracterizando um possível arranjo para cobrir a falta do material que

não pode ser publicado, prática comum nos jornais submetidos aos vetos dos censores.

Na página interna, a fotografia está cortada e acompanha a reportagem com a seguinte

legenda: "O Dia da Cavalaria foi comemorado na fazenda onde nasceu o marechal

Osório". O modo como ela organiza a matéria é mais um indício de que ela tenha sido o

resquício de uma reportagem de teor crítico, que não foi vetada pela incapacidade de

quem a analisou de compreender a mensagem. A imagem está impressa com destaque

em três colunas - mais do que o texto, portanto -, sendo o primeiro elemento na ordem

de leitura da matéria, ou seja, ela introduz a reportagem. A opção feita neste caso foi o

corte em que se realça o cavalo sem cavaleiro, mas em nenhum momento este fato

inusitado é citado na reportagem.

Toda a formatação da reportagem evidencia a imagem em detrimento do texto, desde

sua aparição em um lugar de destaque como a primeira página desacompanhada de um

título que justificasse a importância do acontecimento que ela representa, até a maneira

como está disposta na composição espacial da notícia, levando a crer que o objetivo da

notícia era trazer a fotografia e seu tom irônico para as páginas do periódico. Se um

texto literal não poderia ou de fato não foi veiculado devido ao seu potencial subversivo

217 Idem.

197

a imagem marca um posicionamento de forma menos óbvia e portanto passível de

escapar do crivo dos responsáveis pelos cortes.

Se houve uma parcela de reportagem cortada, ou por agentes externos ou pelos próprios

editores do jornal promovendo uma autocensura, não foi possível comprovar com as

fontes primárias coletadas nesta pesquisa. Entretanto, a força da imagem e a consciência

de se tratar de um registro visual cuja insinuação não poderia passar desapercebido

fizeram com que fosse publicada - com destaque na primeira página - junto a uma

notícia praticamente irrelevante e, consequentemente, pudesse concorrer ao Esso

naquele ano.

Por tudo o que foi exposto, conclui-se que o mote da reportagem é dado pela imagem,

ou seja, um cavaleiro que cai do cavalo na festa que celebra o dia da cavalaria, nada

mais irônico e com uma série de alusões que vão além da situação inusitada em si. A

visita do ministro, enunciada no título não passa de um subterfúgio para aquilo que está

dito sutilmente através da linguagem visual. O humor provem da transformação de um

enredo que se pretende épico em uma situação típica das comédias pastelão, destituindo

a cerimônia oficial de homenagens a personalidades públicas de sua pompa e galhardia.

Para isso a percepção arguta do fotógrafo constrói uma áurea de grandeza em torno do

evento através da utilização de uma estética pictorialista que, em termos de recursos

técnicos trabalha com uma perspectiva panorâmica, a orientação em paisagem e o

alongamento da imagem decorrente da angulação da objetiva, reforçando a

grandiloquencia da cena. Sob o aspecto temático, algumas informações contidas na

imagem remontam às representações clássicas de batalhas presentes na iconografia

histórica brasileira. Atributos como o estilo das vestimentas dos soldados; o excesso de

pessoas e objetos enquadrados, causando impressão de aglomeração; a poeira em

suspensão; e a presença dos cavalos acionam os mecanismos associativos do espectador

transportando-o às grandes obras da pintura nacional que retratam de forma grandiosa

episódios famosos da História do Brasil.

Uma vez montado o cenário e assimilada o repertório de nobreza do espetáculo, a

expectativa suscitada em quem observa a fotografia sucumbe à presença do inesperado

cavalo sem cavaleiro, que segue desgovernado, indiferente às determinações

protocolares da cerimônia. Ao deslocar o foco da atenção para a situação inusitada o

fotógrafo surpreende a audiência e opera com a subversão da ordem preestabelecida,

produzindo uma inversão de sentido calcada na desconstrução da esfera de solenidade e

198

reverência típica dos eventos de rememoração que atuam como uma das instâncias de

representação e reafirmação do poder. O que também se aplica às homenagens

destinadas a enaltecer figuras de autoridade tais como o Ministro do Exército, uma vez

que é o cavalo que rouba a cena na festa da cavalaria – detalhe, aliás, bastante

apropriado para corroborar a ironia da situação - e não o ilustre ministro que vai visitar a

cidade interiorana,o fato com apelo noticioso, bem como motivo que confere à imagem

seu caráter excepcional.

Além disso, a figura do animal errante, avesso à submissão, faz uma alusão à liberdade,

simbolizando a rebeldia daquele que não se deixa dominar e pode escolher o próprio

rumo. As metáforas empregadas na fotografia estão na ordem do dia dentro do contexto

de restrições que configurou o período de exceção no país, sendo que aquilo que não

pode ser dito abertamente ganha novos e sutis contornos no fragmento capturado por

Benck. Em outra referência contemporânea ao registro produzido por Antônio Benck

Vargas é possível encontrar essas temáticas representadas de maneira semelhante. Uma

fotografia de Evandro Teixeira, feita em 1965, durante a cobertura da visita do Grão-

Duque de Luxemburgo ao Rio de Janeiro, dialoga com a cavalaria registrada pelo

fotógrafo gaúcho tanto no que diz respeito a mensagem quanto a forma de expressão218

218 FERRER, Monica Villares. Arte fotografica e liberdade de expressão : um dialogo entre Brasil e Cuba (1960-1990). Dissertação de Mestrado em História da Arte - Universidade Estadual de Campinas, 2010, p. 85.

.

"A liberdade da motocicleta" foi o sugestivo título dado pelo Jornal do Brasil a imagem

de Teixeira quando da sua publicação na capa do dia 18 de setembro. Junto a ela um

pequeno texto redigido com nos moldes da objetividade jornalística, mas com evidente

tom irônico, confere a informação visual um novo significado, elevando o fato

corriqueiro ao posto de manchete de primeira página.

199

Figura 50: A liberdade da motocicleta, de Evandro Teixeira, publicada no Jornal do Brasil de 18 de setembro de 1965.

"Uma pequena derrapagem da motocicleta e o garboso batedor da

comitiva do Grão-Duque de Luxemburgo, Cabo Costa, da

Aeronáutica, viu-se na situação caótica do gaúcho intrépido, mas

desequilibrado: caiu e girou sobre si mesmo, enquanto a

motocicleta seguiu o seu caminho de completa liberdade por mais

de 100 metros, até dar no meio-fio em frente à Escola de

Enfermeiras Ana Neri, no aterro do Botafogo. O batedor Costa,

além do rodopio, nada mais sofreu, mas a motocicleta, vítima de

uma liberdade para a qual não estava preparada, incendiou-se no

fim de sua jornada e ficou totalmente destruída."219

Em ambos os casos a mensagem fotográfica vai além do simples fato de reportar,

construindo ela mesmo a notícia, sendo ainda, um suporte eficiente para burlar a

censura e fazer valer um ponto de vista. Teixeira e Benck conseguiram enquadrar, com a

sensibilidade de um olhar que rejeita o óbvio e crê na fotografia como um instrumento

de criação, aspectos do cotidiano de um modo singular. O último traduziu, através do

exercício de sua profissão, os anseios de liberdade e exercício da vontade da sociedade

e, sobretudo da imprensa, num período de adversidade como foi a ditadura militar no

219 Jornal do Brasil, 18 de Setembro de 1965, primeira página.

200

Brasil. O Esso é consequência simbólica dessa agenda, defendida pelo fotojornalista, e

tão cara àqueles que tiveram revogado seu direito à expressão. O fato de a fotografia ter

sido premiada com exclusividade - recortada do texto, portanto - em uma categoria não

específica confirma a perspectiva apontada acima e atesta a força expressiva de sua

representação. Além, é claro, de funcionar como válvula de escape para os julgadores do

prêmio, diante da escassez de reportagens que tecessem abordagens críticas à realidade

política nacional.

A participação restrita da temática política nacional no Prêmio Esso fez também com

que esses poucos momentos em que se pode conceder mérito à obras de caráter

"subversivo" fossem apropriados como indicadores positivos do compromisso da Esso

com os valores democráticos, através da associação de uma imagem de resistência ao

regime autoritário à história do concurso promovido pela petrolífera. A maneira como a

memória do Prêmio Esso foi sendo construída, tanto na linha do tempo das edições,

montada no espaço virtual, quanto nos livros comemorativos tende a valorizar a defesa

da liberdade de imprensa como marca do programa e isso pode ser percebido ao analisar

as informações fornecidas pelo material disponibilizado pela Esso acerca da fotografia

de Benck Vargas. No site, a seguinte descrição acompanha a fotografia:

"No desfile da tropa, em Osório, no Rio Grande do Sul, em

homenagem ao Ministro do Exercito Sylvio Frota, durante o

Governo do Presidente Ernesto Geisel, o cavaleiro caiu. Mas o

cavalo prosseguiu sua marcha, imponente e indiferente ao

contratempo."220

Em um dos livros comemorativos da premiação a leitura da fotografia em questão a

conecta a outro fato histórico, distante no tempo da data de sua realização. Nessa

abordagem se destaca a queda do cavaleiro como uma alusão à demissão do general

Sylvio Frota do ministério do Exército pelo presidente Geisel, atribuindo a essa

interpretação a qualidade que levou o fotógrafo à conquista do Prêmio Regional. No

entanto, a fotografia não foi publicada nesse contexto e o episódio da demissão do

ministro ocorreu em outubro de 1977, portanto, meses depois do registro e veiculação

da imagem. Tal demonstração de polissemia, já que a versatilidade da mensagem fez

220 Disponível em: http://www.premioesso.com.br, acessado em setembro de 2012.

201

com que ela pudesse ser apropriada para representar acontecimentos distantes

temporalmente, não deixa contribuir como elemento legitimador de sua qualidade.

Tendo isso em vista, é possível que a interpretação fornecida pela Esso, mesmo estando

em desacordo factual, não esteja completamente desvinculada do julgamento que levou

a fotografia a consagração. As comissões julgadoras se reuniam no final do ano para a

análise dos trabalhos e a crise no ministério mais importante da ditadura teve ampla

cobertura na imprensa em geral, já que a história envolvia pretensões golpistas, teorias

conspiratórias e comandantes de alta patente. Assim sendo, o acontecimento, com seu

elevado potencial jornalístico, pode ter sido levado em consideração na hora de escolher

o trabalho que venceria o concurso da categoria regional.

Por último, é necessário destacar nas fotografias de Luiz Pinto e Antonio Benck Vargas

o recurso a figura de linguagem como forma expressão visual, sendo esta uma

característica que não depende apenas da habilidade técnica do profissional, mas

também da capacidade de percepção do mundo e das mensagens que estão implícitas

nos personagens e contextos que orbitam em torno dos fatos. É a subjetividade do

fotógrafo, impregnada das aspirações, concepções e motivações pessoais que o torna

capaz de ordenar os elementos dispersos em uma forma única e repleta de significados.

Nestes dois casos específicos, o senso de humor irônico, em que o riso e a crítica se

reforçam mutuamente, aproxima as imagens e as filiam a um tipo de fotografia que se

inscreveu na cultura política nacional como forma típica de representação do poder.

Mesmo com a abertura política e o fim da censura, fazer graça às custas de autoridades

públicas proeminentes, especialmente as emplumadas, e desconstruir ícones de poder

passou a fazer parte do exercício profissional dos fotojornalistas políticos. É o caso, por

exemplo, do Prêmio Esso da categoria em 1986, "Qualquer semelhança..." (Figura 51).

A conclusão, deixada em aberto pela reticência no título da fotografia se realiza

plenamente no encontro com a imagem.

202

Figura 51: Qualquer Semelhança..., de Carlos Menandro para o Jornal de Brasília, Prêmio Esso em 1986.

2.6. A poética do acontecimento

Nesta parte do trabalho duas fotografias se destacam a partir de uma perspectiva que

valoriza o acontecimento sob o ponto de vista poético, ou seja, pequenas sutilezas da

informação noticiosa que não são puramente factuais, mas imprimem a leitura certo

lirismo que os torna símbolos de um episódio veiculado pela imprensa. Em ambas é

possível notar a preocupação do fotógrafo em procurar fugir do óbvio, ou daquilo que se

considera habitual em uma fotografia jornalística, fazendo ao mesmo tempo uma

abordagem artística acerca do fato a ser narrado visualmente. São fragmentos que

valorizam o detalhe, a plasticidade e a subjetividade para enfatizar aspectos que vão

além da notícias e passariam desapercebidos não fosse a intervenção precisa do

fotógrafo. Assim, deslocam o foco da realidade dura, sem contudo perder a dimensão do

acontecimento noticioso, para produzir uma poesia visual, cujos significados múltiplos

abarcam diversos aspectos do fato que narram.

Dois trabalhos premiados fazem parte desta análise. O primeiro, Prêmio Esso de 1963, é

a fotografia "O rei se curva diante da dor que todo o país sentiu" (Figura 52), de Alberto

Ferreira221 Figura para o Jornal do Brasil e o segundo "Projeto da Anistia é Intocável" (

221 Alberto Ferreira (1932-2007) nasceu em Campina Grande, na Paraíba, e veio para o Rio de Janeiro interessado em uma carreira de goleiro de futebol, no entanto o sucesso profissional veio através do

203

56), do fotojornalista Jorge Araújo de Carvalho222

A fotografia de Alberto Ferreira mostra o jogador Pelé, sozinho, levemente curvado e

levando as mãos a coxa esquerda, sentindo dor devido a uma distensão muscular. O ano

é 1962, o evento a Copa do Mundo de Futebol no Chile, a partida Brasil e

Tchecoslováquia. Apesar de enfrentar um time qualificado, a seleção brasileira era

favorita no confronto. Em campo o escrete capitaneado por Pelé contava com

Garrincha, Nilton Santos, Pepe, dentre outros jogadores que já haviam se sagrado

campeões em 1958, no mundial da Suécia. No Brasil a expectativa pela conquista do

bicampeonato mundial era grande, nutrida pela paixão dos brasileiros pelo futebol e,

sobretudo, pela superioridade do time formado por grandes jogadores. Os jornais

destacavam com entusiasmo a escalação do time brasileiro formado pelos atuais

campeões mundiais.

, publicada na Folha de São Paulo e

consagrada na edição de 1979 do concurso. É curioso perceber nessas imagens que

apesar de abordar temáticas tão distintas - uma esportiva e outra política - elas

compartilham algumas características expressivas, especialmente no que diz respeito a

subjetividade da mensagem que transmitem. Ambas se apresentam como obras em que a

produção de sentido depende da interação com o espectador, que irá significar a

mensagem de acordo com o conhecimento prévio dos fatos que elas abordam. Outro

ponto de aproximação é o fato de constituírem-se como imagem-símbolo, ou ainda um

foto-ícone, dada a capacidade mimetizar diversos aspectos do acontecimento e sintetizá-

lo. Grosso modo, consumam o ditado que diz que "uma imagem vale mais do que mil

palavras", e por isso se destacaram como trabalho fotográfico excepcional.

trabalho como fotojornalista. Iniciou como auxiliar de fotografia na Revista da Semana e em 1958 ingressou no Jornal do Brasil, veículo ao qual dedicou toda sua carreira. Alberto foi o editor de fotografia do JB e acompanhou boa parte da trajetória vitoriosa do veículo no que diz respeito ao fotojornalismo. Uma das suas mais imagens mais famosas é a que capta o exato momento em que Pelé dá um chute de bicicleta numa partida entre Brasil e Bélgica no Maracanã no ano de 1965. O ex-jogador da seleção afirma que, com a foto da bicicleta, Alberto Ferreira se redimiu da fotografia feita no Chile em 1962 e que recebeu o Prêmio Esso. 222 Baiano, de Salvador, Jorge Araújo atua como repórter fotográfico do diário Folha de São Paulo desde 1973. Em sua carreira participou da cobertura de quatro Copas do Mundo (1978, 1982, 1986 e 1998) além de outros eventos esportivos. Também atuou na editoria de política, acompanhando presidentes em viagens presidenciais e manifestações populares, como o ato na Praça da Sé, cujo registro lhe valeu o Prêmio Esso de 1979. Além do Esso, Araújo também ganhou quatro Prêmios Vladmir Herzog de Anistia e Direitos Humanos; venceu o Nikon Photo Contest Internacional, no Japão, em 1992. Além da bem-sucedida carreira como fotógrafo, Jorge Araújo de Carvalho atua, desde 1993, como empresário no ramo de confecção de roupas e acessórios projetados para fotojornalistas.

204

Figura 52: O Rei se curva ante a dor que todo o Brasil sentiu, Alberto Ferreira para o Jornal do Brasil, Prêmio Esso de 1963.

Milhões de torcedores acompanhavam as partidas através do rádio e recuperavam os

melhores lances e os resultados nas páginas dos jornais - a televisão não era o veículo

massificado que se tornaria referência nas transmissões esportivas. Nas ruas e casas o

entusiasmo, o clima de otimismo e a relevância do futebol para o brasileiro mobilizava a

população, como na estreia em 31 de maio quando

"a partir das 16 horas, atenções se voltaram para a irradiação do

jôgo parando praticamente todas as atividades, inclusive em

Brasília, onde o Presidente da República e o Primeiro-Ministro

suspenderam seus despachos para acompanhar a partida."223

A confiança do torcedor na repetição do feito de 1958 na Suécia era plena, como

demonstra uma pesquisa encomendada pelo Jornal do Brasil e publicada alguns dias

antes da estreia da seleção no mundial.

De acordo com a décima primeira pesquisa de opinião do diário, publicada em resumo

na primeira página do jornal com o título "Pelé & Cia. estão bem na pesquisa JB", "os

223 Jornal do Brasil, 31 de maio de 1962, primeira página.

205

cariocas acreditam que a seleção brasileira levará o bicampeonato mundial de futebol,

em Santiago do Chile, segundo confessaram 83% das pessoas ouvidas"224. Os

resultados da consulta ainda revelaram que logo à frente de Garrincha, jogador bem

quisto especialmente entre os cariocas, Pelé era considerado o "maior valor individual

da seleção brasileira"225

O Brasil estreou na Copa do Mundo de 1962 com uma vitória de dois a zero sobre a

seleção do México. Antes da partida, Pelé havia sentido febre e dores na virilha

esquerda, que pensou ser resultado de um mal-jeito na perna. Tendo sido medicado a

tempo, entrou em campo e liderou a vitória marcando o segundo gol e dando o passe

para o primeiro, mas deixando a comissão técnica apreensiva com as constantes dores

físicas que já eram um problema antes mesmo da viagem. Uma vitória que custou a

chegar, apenas no final do jogo, e confirmada com dificuldade também deixou torcida e

imprensa preocupadas, já que não era exatamente o desempenho esperado.

, afirmando a importância do atacante e as esperanças nele

depositadas para o bom desempenho da seleção. O jogador na época já era tido como

um dos melhores do mundo por seu desempenho excepcional na Copa de 1958 e pela

boa fase que experimentava no Santos, clube em que atuava e que o revelou. O rótulo de

"Rei" já havia sido incorporado ao seu nome pela imprensa esportiva e ele era, sem

dúvida, uma estrela de abrangência internacional entre os selecionados.

No dia 2 de junho o Brasil entrava em campo novamente tendo como seu segundo

adversário a Tchecoslováquia, que era um time vigoroso, definido como "uma máquina

lenta, mas sólida em campo"226

224 Jornal do Brasil, 27 e 28 de maio de 1962, primeira página.

. Tudo corria bem, o Brasil começou a partida com o

mesmo time que vencera o México e demonstrava superioridade e tranquilidade diante

da dura marcação adversária. Durante o primeiro tempo dominava o jogo, neutralizando

o ataque Tcheco e jogando com harmonia no setor ofensivo, conseguindo boas

oportunidades que não se concretizaram em gols. Aos 28 minutos do primeiro tempo o

inesperado acontece, Pelé se machuca e o dramático lance que marcaria aquela partida

converteu-se rapidamente em manchete, ganhando todo destaque da cobertura

jornalística e caracterizando o "Pior Momento" do jogo e da campanha do Brasil na

Copa, como anunciou o JB.

225 Idem, p. 25. 226 Jornal do Brasil, 31 de maio de 1962, Caderno B, p. 6.

206

No ataque, o jogador Vavá lança a bola a frente esperando a projeção de Pelé, que

"chuta violentamente contra o gol dos tchecos"227, mas a bola bate na trave. Depois do

chute forte Pelé cai em campo, vencido pela dor na virilha que o impede de continuar na

partida com o mesmo desempenho. Os médicos entram em campo para a avaliação, mas

o diagnóstico de distensão no músculo da coxa esquerda era preocupante, pois já

naquele momento sabia-se da gravidade da lesão e da possibilidade de o jogador ficar

fora da Copa do Mundo em definitivo. Na época, as regras do futebol não previam a

substituição de um jogador por outro - seja pela necessidade tática ou por contusão.

Pelé, então, retornou para o jogo após o atendimento, permanecendo até o final, mas não

podia jogar da mesma maneira, imobilizado que estava pela dor. O drama do atacante

"desarvorou o time por alguns instantes"228

A manchete do JB do domingo seguinte indica a preocupação com o futuro da seleção

na copa sem seu principal jogador. "Brasil sem Pelé até as finais" era o título estampado

em letras grandes no topo da primeira página da edição de 3 de junho. Logo abaixo uma

fotografia que mostra o atacante em ação com o título "Pelé Parou, Brasil Empatou" e a

legenda telegráfica informando um resumo dos acontecimentos da partida em três

tempos que ressaltam a importância do melhor jogador do mundo, o drama e a

consequência da contusão, e o consolo de um empate em condições adversas:

, mas este conseguiu se recompor e segurar

o placar em zero a zero garantindo ao menos o empate contra a Tchecoslováquia,

mesmo com Pelé apenas fazendo número em campo, uma vez que não tinha forças nem

para caminhar.

"Pelé em ação, entre três tchecos. Depois se contundiu e apenas fêz

número. Mesmo com dez, Brasil sustentou 0x0.".

A reportagem interna (Figura 53) traz os detalhes do jogo e o acompanhamento das

notícias sobre o destino de Pelé na competição, mantendo o tom consternado e

apreensivo sobre a atuação do time sem Pelé. Logo no início da página, o destaque do

enunciado introduz o tema que seria a tônica da notícia: "Pelé fora da Copa até as

quartas de final". Em seguida, um resumo informava que a lesão sofrida por Pelé era

grave, gerando preocupação na comissão técnica e no médico da seleção, que previa um

227 Jornal do Brasil, 3 de junho de 1962, p. 18B. 228 Idem.

207

afastamento longo para a recuperação. Duas fotografias ao lado, mostram lances da

partida em que os jogadores brasileiros se esforçavam para compensar a falta do

atacante e chegar ao gol da vitória. A confirmação do prognóstico pessimista, de que a

recuperação total de Pelé o deixaria fora da competição até as finais, foi o balde da água

fria que frustrou todas as expectativas de uma campanha bem sucedida, tal como se via

nas reportagens, pesquisas e matérias feitas pouco antes do início do torneio. Um único

lance dramático, tirou ao mesmo tempo o jogador da competição e a confiança de

torcedores e da própria imprensa esportiva na eficiência da equipe desfalcada para a

conquista da Copa no Chile.

"Pelé ficará afastado do jogo contra a Espanha e das quartas de

final, se o Brasil chegar até lá se êle, e só voltará para a semi final

se recuperar-se de distensão que sofreu na virilha, aos 28 minutos

do jôgo de ontem contra os tchecos.

O Dr. Hilton Gosling, que examinou Pelé no vestiário, mostrava-se

seriamente preocupado com o estado do jogador e, depois deste

primeiro exame, deu um prazo mínimo de dez dias para uma total

recuperação".229

229 Idem.

208

Figura 53: Jornal do Brasil, 3 de junho de 1962, página 18B.

209

A primeira página do Caderno B do dia 5 de junho (Figura 54) era composta pelo

momento circunspecto do Rei sozinho, suportando a sua dor que encontrava

correspondência na decepção dos milhões de torcedores brasileiros outrora certos de

que a seleção traria mais um "caneco" para casa. O primeiro elemento da página,

ocupando quase que a metade do espaço da mesma, era o instante dramático, ao passo

que singelo, fotografado por Alberto Ferreira e que lhe renderia o Prêmio Esso de

Fotojornalismo. O título da fotografia, disposto logo abaixo e também enfatizado por

letras grandes em caixa alta, atribui sentido imagem, ao mesmo tempo em que sugere

um caminho para a leitura baseado na percepção da metáfora representada pela cena: "O

Rei se curva ante a dor que o Brasil todo sentiu". A relação texto e foto faz com que as

duas formas de expressão de complementem mutuamente, no entanto, como numa típica

montagem do JB, a qualidade fotográfica ganha destaque, sendo acompanhada de "um

texto que agrega informação totalmente subjetiva à foto"230

230 LOUZADA, Silvana. Op. Cit., 2009, p. 252.

, e visa assegurar a sua

compreensão.

210

Figura 54: Jornal do Brasil, 5 de junho de 1962, Caderno B, primeira página.

Devido a esse caráter explicativo, que promove um diálogo com a imagem e ao mesmo

tempo reforça seu aspecto excepcional, vale transcrever uma parte do texto de Cláudio

Mello e Souza, editor do Caderno B e, segundo Nelson Rodrigues, "torcedor passional

211

e ululante"231

"De repente, Pelé curvou-se sôbre si mesmo e o Brasil deixou de ser

o grande favorito da Copa. Até aquêle instante a seleção brasileira

impunha a um adversário teimoso uma implacável soberania. No

meio do campo, o rei usava todos os podêres do talento e todos os

ardis de sua imaginação para provar que era o mais forte. A trave

do adversário, no entanto, respondia irritantemente que não. A

vitória, caprichosa e esquiva, só se contenta com a perfeição, e

Pelé, depois de ver sua vontade desobedecida - a trave devolvera a

bola que êle mandara para o gol - deixou de ser perfeito. Um

músculo sentiu e a dor varou-lhe o corpo, com a mesma intensidade

com que a angústia trespassou 70 milhões de confiantes.

, publicado em conjunto do registro fotográfico de Alberto Ferreira. Nele

os elementos não visíveis são explicitados para o leitor, o qual consegue ter a dimensão

da força semântica que se converte em capacidade expressiva da imagem e da

sofisticação de sua abordagem, traduzindo visualmente não apenas a informação mas,

sobretudo, as emoção contida no episódio.

A partir daquele instante, os jogadores brasileiros passaram a lutar

contra um adversário e uma ausência. Pelé, retirado para uma das

laterais de campo era um homem batido pela impotência e pela

solidão. A bola esquecida dêle, femininamente volúvel, passava-se

aos pés dos outros, e Mané ficou com o encargo de ser ele mesmo e

de ser Pelé. Que terríveis momentos de angústia para um rei, com a

batalha a desenvolver-se à sua frente e com toda a vontade de luta

sufocada dentro do corpo, e revelada pelas contrações de dor, que o

instinto da bola provocava."232

"Agora é sem Pelé" sentenciava o artigo logo após, e, sem ele os rumos do Brasil na

competição eram incertos, concluía. Nas linhas que sucedem as fotografias o leitor

acompanha os momentos do jogo que tirou Pelé da Copa a partir de um ponto de vista

231 Crônica: O meu amigo Claudio de Mello e Souza de Nelson Rodrigues, Jornal dos Sports, 15 de junho de 1962. 232 Jornal do Brasil, 5 de junho de 1962, Caderno B, primeira página.

212

poético. O texto não é informativo, no sentido jornalístico do termo, pois não oferece a

quem lê uma visão objetiva que cumpre apenas o papel de reportar os fatos, mas sim

uma crônica que culmina no instante dramático representado visualmente pela

fotografia, contrastando, inclusive, com a reportagem sobre o fato publicada um dia

antes no mesmo jornal. O trecho transcrito evidencia a impotência do jogador,conhecido

por sua soberania nos gramados, diante do esgotamento do corpo, o que se traduz

metaforicamente na imagem pelo gesto de se curvar, fazendo uma alusão ao sinal de

reverência prestado tipicamente aos representantes da nobreza.

Neste caso, é a inversão manifestada pelo fato de ser o rei a estar curvado o elemento

que produz o sentido da mensagem. De presença inquestionável em campo, dotado dos

de "poderes" e "ardis" para fazer sucumbir o adversário e gozando do respeito e

admiração dos seus oponentes, a trajetória ascendente de Pelé é interrompida

abruptamente – como sugere a expressão "de repente" - pela contusão, quando ele então

se curva, submetendo-se a dor. Logo no início do texto a afirmação contundente de que

a ausência do rei dava fim ao favoritismo do Brasil na competição, emprega um

movimento linguístico interessante em relação a imagem ao transferir da lesão para o

gesto de se curvar o momento em que o drama atinge seu ápice, organizando o

acontecimento em torno da fotografia. À ascensão sucede a queda, que na leitura

promovida pelo JB não está localizada no momento em que o jogador se machuca, mas

no instante em que sua expressão corporal demonstra a sua rendição à dor. Instante esse

captado com precisão e sensibilidade pelo o fotógrafo que conseguiu traduzir o

sentimento de dor para significar a extensão desta aos "70 milhões de confiantes". A

imagem cumpre então seu papel se substituir metonimicamente tudo o que já havia sido

escrito, falado ou visto acerca do episódio, é um ícone e simultaneamente um símbolo

da dor tanto física quanto emocional, evidenciando a angústia da impotência diante dela.

A fotografia se pretende definitiva, suficiente em si mesma por conter todos os

elementos da narrativa dramática condensados em um único registro: a majestade de

Pelé, os seja, a alcunha que afirmava seu talento como jogador; a contusão, evidenciada

pelo movimento de levar as mãos a coxa esquerda dolorida; e a expectativa dos milhões

de torcedores que como ele sentiram a desilusão da sua saída precoce do mundial de

futebol. A imagem foi feita no âmbito da partida entre Brasil e Tchecoslováquia e diz

respeito a contusão sofrida por Pelé naquele jogo, mas isso não quer dizer que mostre

literalmente os acontecimentos que levaram àquela situação. Pelo contrário, ao invés

213

disso, aposta na subjetividade do leitor ao construir uma representação destinada a

comover e a fazer com que o este espectador, de fato se angustie e sinta o clima de

decepção que pairou sobre o país após aquela notícia.

Fazendo uma comparação com a fotografia de Sérgio Gomes (Figura 55), feita para o

Jornal dos Sports, sobre o mesmo assunto e que mereceu uma Menção Honrosa no Esso

que consagrou a imagem de Alberto Ferreira, pode-se ver a diferença de abordagem.

Enquanto a foto de Ferreira espera agregar tudo o que está implícito no episódio em um

único ponto - o rei do futebol se curvando sozinho no gramado -, a de Gomes está

pautada no visível, pois possui vários elementos e pessoas em cena para mostrar o

momento da contusão, a preocupação de jogadores e médicos e a dramaticidade do

episódio, representada pela expressão de incredulidade de Garrincha, que, contrito

parece torcer para que o companheiro possa sair daquela situação.

Figura 55: Mané contrito: Pelé fora de combate, Sérgio Gomes, Jornal dos Sports, Menção Honrosa no Prêmio Esso de 1963.

No que diz respeito aos aspectos estéticos a fotografia analisada conta com a utilização

de recursos que reforçam a ideia da valorização da plasticidade no lugar da informação,

fazendo valer a máxima do JB de que uma boa fotografia merece ser publicada, mesmo

que para isso tenha que se criar uma matéria em torno dela233

233 LOUZADA, Silvana. Op. Cit., p. 254.

. Uma dessas

características, por exemplo, é o enquadramento usando a regra dos terços que coloca o

motivo captado próximo à margem esquerda da imagem, quase saindo da fotografia,

214

considerando o sentido da leitura. Além dele, apenas o gramado, o que transmite uma

sensação de vazio e imensidão, aprofundando o sentimento de solidão e melancolia de

uma maneira poética. Mesmo a sequência dos elementos da cena contribuem para esse

efeito, pois o olhar percorre toda a extensão de grama até encontrar a figura do jogador

curvado no fim da imagem, o que se baseia em um senso de narratividade do

acontecimento ajustado para ampliar a dramaticidade até atingir o clímax.

No texto, esse efeito produzido pela imagem encontra um correspondente, também

metafórico, na passagem que diz que o rei estava batido, solitário, abandonado até

mesmo pela bola, a companheira íntima que, femininamente volúvel, passou aos pés dos

outros jogadores, quase uma traição. Destaca, assim, a dor psicológica de ter a batalha

se desenrolado a sua frente e estar preso no corpo que não mais corresponde ao desejo

de lutar. Lança mão ainda de expressar a ironia do destino, já que foi o chute, portanto a

bola, o motivo de o rei estar vencido.

A imagem do craque cabisbaixo e consternado por não poder mais jogar estende o

tamanho da desilusão do estádio de Salsalito - onde aconteceu - para todo uma nação de

torcedores que nem nos piores pensamentos imaginavam a seleção brasileira sem a

presença de Pelé e viam na ausência dele a saída precoce do Brasil da Copa. A dimensão

desse sentimento de frustração é tão grande que talvez sua referência icônica só poderia

dar conta de traduzi-lo através da supressão, ou seja, de uma fotografia onde menos é

mais, conseguindo transformar um único homem e um único gesto na única maneira de

dizer o não dizível. Para se ter uma ideia da intensidade do tombo basta observar a

altura da queda, evidenciada em alguns artigos da editoria esportiva publicados antes da

partida entre Brasil e Espanha, na qual o jogador Amarildo substituiria Pelé. Neles é

possível identificar que o tratamento dispensado ao rei do futebol o alçava a categoria

de sobre-humano, de cuja genialidade a seleção ficou órfã.

"A seleção brasileira sem Pelé sempre foi uma hipótese falada,

considerada possível, mas jamais admitida. Uma coisa que se diz,

mas em que não se acredita. E quem, por acaso, tocou nesse

assunto, foi imediatamente tachado - ou melhor, acusado - de

pessimista. Pelé se tornou tão grande, e sua afinidade com a seleção

215

tão íntima que a grandeza de ambos parecia a todos os brasileiros

indissociável."234

"Pensemos também na situação privilegiada de Amarildo, que vai

tentar quebrar o mito que Pelé representa desde 1958. Amarildo,

hoje à tarde poderá fazer Pelé voltar a condição de craque - um

craque admirável, e não um talismã..."

235

A fotografia de Alberto Ferreira foi bolada, como muitos fotógrafos dessa geração

costumam dizer quando querem indicar que há intenção deliberada de produzir

determinado sentido através da imagem. O fotógrafo tomou sua posição, observou a

dinâmica do jogo, esperou e enquadrou seu motivo com o objetivo de construir uma

significação para aquele momento a partir da experiência visual. Neste caso, arquitetada

para uma metáfora que expressasse a dor e a impotência do rei diante dela, assim como

a incredulidade e consternação dos seus súditos, adoradores do futebol, que viam na

fotografia a imagem de suas próprias expectativas sendo frustradas pela saída prematura

de Pelé da Copa do Mundo de 1962. A redenção veio, afinal, pelos pés de Amarildo -

atacante do Botafogo à época - culminando com a conquista de mais um campeonato,

mas a imagem que marcou aquele mundial não foram as poses da vitória, mas sim a

perda do principal jogador do time, retratada com extrema sensibilidade por Alberto

Ferreira. A fotografia comoveu a audiência e representou com acuidade as emoções

presentes na ocasião, agregando à sua superfície visual tanto o sentimento de frustração

e descrédito iniciais quanto servindo como emblema da superação dos outros jogadores

que apesar de estarem sem Pelé sagraram-se campeões.

Do futebol para a política a segunda fotografia (Figura 56) analisada neste tópico foi

contemplada com o Prêmio Esso de fotojornalismo em 1979, ano da abertura política e

do início da redemocratização no país. Ela pertence ao fotógrafo Jorge Araújo de

Carvalho e foi publicada na Folha de São Paulo no mesmo ano, pouco antes de o

governo militar sancionar a lei de Anistia, em 28 de agosto. Sua principal característica,

assim como o flagrante anterior, é captar, traduzir e simbolizar o espírito de uma

234 Coluna de Fernando Horácio, Jornal do Brasil de 6 de junho de 1962, p. 13. 235 Crônica da seção O homem e a fábula de José Carlos Oliveira, Jornal do Brasil, 6 de junho de 1962, Caderno B, primeira página.

216

determinada conjuntura em um único fragmento, abarcando mais informações do que

sua face visível apresenta.

Figura 56: Projeto da Anistia é intocável, Jorge Araújo de Carvalho, Folha de São Paulo, Prêmio Esso em 1979.

A imagem em questão saiu na capa da Folha no dia 22 de agosto de 1979 com o título

"Projeto da anistia é intocável" em destaque no topo da página. O corte feito na imagem

para a composição da página valoriza a presença da pomba conferindo ênfase ao

primeiro plano da fotografia ao centralizar o motivo da imagem na ave pousada na

faixa. A mesma centralidade pode ser observada no que diz respeito ao arranjo da

fotografia em relação às margens da página, utilizando três das cinco colunas que

compõem o layout. Na foto, logo abaixo do título, uma multidão de manifestantes

reunidos em prol da aprovação de projeto de Anistia que fosse mais amplo do que a

proposta editada pelo governo aparece no segundo plano da imagem, a qual reserva o

destaque do plano mais próximo a uma pomba branca pousada sobre uma das faixas

utilizadas na manifestação. A legenda sob a imagem explica o contexto em que ela foi

feita: "Durante as manifestações na praça da Sé, a pomba branca pousa na faixa que

pede a aprovação, hoje, de uma anistia mais generosa.".

217

Figura 57: Primeira Página do Jornal Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979.

A cobertura que contextualiza a publicação da fotografia é a votação da lei de Anistia

pelo Congresso e a disputa em torno de quão amplo seria o indulto aos que foram presos

ou exilados por questões políticas durante o período da ditadura. Manifestações

218

aconteceram em todo o país pedindo a anistia, não sem conflitos e repressão, embora o

movimento de distensão política já fosse uma realidade e aos poucos as liberdades

individuais e de imprensa fossem sendo reconstituídas no país. Na disputa entre o

executivo e o legislativo, esta ainda polarizada entre as propostas da Arena e do MDB,

estavam em pauta projetos distintos de anistia. Enquanto do lado parlamentar o MDB

tentava acrescentar ao projeto de lei emenda do deputado Djalma Marinho (Arena-RN),

que tornava a anistia mais ampla, a Arena se mantinha inflexível no apoio ao

substitutivo formulado pelo deputado Ernani Sátiro (Arena-PB), que era relator da

comissão mista formada para discutir o projeto de Anistia. A proposta de Sátiro, que

previa restrições na concessão da anistia de acordo com o crime cometido, se articulava

com os interesses do governo, que, inclusive, já havia sinalizado, como mostra a

reportagem da Folha, que o projeto do relator era o único a ser consentido pelo

executivo.

"Na véspera da votação pelo Congresso, hoje, uma clara recomendação do Governo" era

o sub-título que enunciava o resumo publicado na primeira página sobre os temas da

reportagem. Abaixo o texto apresenta a recomendação do governo e confere a tônica do

discurso.

"O Palácio do Planalto informou ontem aos líderes arenistas que,

'se a emenda do deputado Djalma Marinho, tornando a ampla a

anistia, for aprovada, o presidente veta o projeto'.

Essa mesma informação foi transmitida, de forma indireta, pelo

ministro da Comunicação Social, Said Farhat, aos repórteres, ao

afirmar que 'o presidente tem interesse em ver aprovado o projeto

como saiu da comissão com as emendas do relator', e ao

acrescentar que 'o governo já transigiu o que foi possível'."236

De acordo com a publicação editada em comemoração aos 50 anos do Prêmio Esso de

Jornalismo, o destaque conferido a imagem se baseia no simbolismo que a pomba

branca pousada na faixa da estendida pelos manifestantes representa dento do contexto

político de protestos e luta por liberdade no país. Ela seria um fragmento sintético das

236 Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979, primeira página.

219

mudanças pelas quais o Brasil vinha passando e da perspectiva de abertura política e,

sobretudo, da participação popular nesse processo, já que desvela a multidão em apoio à

causa. O Prêmio é o reconhecimento do senso de oportunidade do fotógrafo e do

impacto da imagem que agrega os principais elementos que configuravam o espírito de

uma época e o clima em torno de determinado acontecimento histórico. Deste modo,

"mais do que um flagrante feliz, a fotografia de Jorge Araújo de

Carvalho, tomada na manifestação pública realizada na capital

paulista em agosto de 1979, documenta o clima político que então

se espalhava pelo país. Apesar dos obstáculos, a luta pela

redemocratização avançava e a sociedade brasileira voltava a se

mobilizar em torno de bandeiras políticas. Exigia-se então que os

presos políticos fossem libertados, que os exilados retornassem ao

País, que os cassados recuperassem plenamente seus direitos. A

Anistia deveria ser ampla, geral e irrestrita."237

Entretanto, a despeito de como essa a imagem foi e tem sido apropriada para significar a

adesão popular e a frente conjunta pela anistia ampla e irrestrita, alguns elementos da

reportagem apontam para um sentido diverso. A manchete que abre a matéria na capa do

jornal, por exemplo, que foi associada à imagem levando a crer que seu sentido seja a

impossibilidade de deter o movimento em prol da anistia, refere-se na verdade ao

discurso governista de que o projeto avalizado pelo Planalto não poderia ser alterado

sob pena do veto presidencial, sendo intocável, pois, o projeto editado pelo governo, ou

a versão do relator Sátiro, que se configurava como um substituto abrandado de igual

teor.

Nada impede também de ser esta uma diagramação feita pelo jornal como estratégia

deliberada para apresentar uma opinião contrária à proposta governista e em favor da

anistia sem restrições, visto que a reportagem completa traz diversas notícias sobre a

repressão violenta às manifestações populares pela anistia em diversos estados do país,

como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e o próprio Distrito Federal. A página 5

tem no topo o enunciado "Em todo o País, concentrações pela anistia irrestrita" que

abarca todas as notícias publicadas no espaço sobre a pressão popular durante a

237 Uma história escrita por vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo, Op. Cit., p. 85.

220

tramitação da lei. Bem como, na página de opinião do diário alguns colunistas abordam

a questão do apoio a ampliação da anistia de maneira mais explícita, sendo que, em

quase todos os artigos surge como tema a necessidade de o legislativo atuar com

independência frente ao executivo, condenando as medidas coercitivas do Planalto junto

aos parlamentares arenistas e a tentativa dos líderes desse partido de "fecharem a

questão" com o voto acumpliciado no substitutivo Sátiro. Na coluna de Brasília,

assinada por R.L.

"A temperatura do Congresso sobre a cada minuto, sob o estímulo

emocional da votação da anistia. Uma votação que desde já se sabe

destinada a escolher entre o projeto do Governo, que é ruim, e o

substitutivo Ernani Sátiro, que é menos ruim. [...] O impasse

institucional criado por um parlamento que não parlamenta aflora

com toda a sua força na tramitação de matérias de alta densidade

política [...] E embora muitos representantes da Arena estejam

dispostos a aprovar o aperfeiçoamento como os consubstanciados

na emenda Djalma Marinho, a máquina biônica está aí para

transformar em lei tudo o que o seu mestre quiser."238

O registro do ato na praça de Sé que reuniu cerca de 5 mil pessoas, feito por Jorge

Araújo, passa então a funcionar como elemento de coesão e síntese dos acontecimentos

noticiados ao longo de todo o jornal. Na maior parte das reportagens o destaque são as

manifestações populares e os atos públicos realizados em diversas partes do país em

prol do projeto mais amplo de anistia. O povo nas ruas, tal como exposto pela imagem

da capa, é o tema do periódico no dia em questão, contrapondo, ainda, a participação

massiva da sociedade à insensibilidade e imobilidade dos congressistas que, de acordo

com o jornal, pouco fizeram para reverter o quadro imposto pelo executivo.

Analisando a fotografia sob o ponto de vista formal, pode-se dizer que é uma tomada

geral, aberta que mostra uma multidão de rostos indistintos. No primeiríssimo plano é o

detalhe da pomba branca pousada na faixa de protesto que faz com que a imagem se

transforme em um registro carregado de significados que dialogam com a conjuntura

histórica em que foi produzida, inclusive com uma certa visualidade do período em que

238 "Conversa entre surdos". Folha de São Paulo, 22 de agosto de 1979, p. 2.

221

o protagonismo do povo foi valorizado através de imagens que enquadram multidões

em panoramas.

O arranjo da fotografia confere a ela seu caráter poético, uma vez que tem-se a

impressão de que os elementos presentes na superfície visual se alinharam

caprichosamente em um momento singular do tempo e do espaço para produzir um

registro singelo e peculiar de um momento de embate e tensão. Sem dúvida, o olho

clínico do fotógrafo também é um elemento importante nessa equação, pois conseguiu

captar esse equilíbrio de formas e seus significados mesmo estando na cobertura

jornalística de um evento cuja dinâmica sugere o desordenamento e tumulto. Na

mensagem fotográfica o peso da pomba pousada em uma das faixas de protesto

descortina a multidão que protesta em favor da anistia e da inclusão dos presos políticos

na cobertura da lei. A partir daí, diversas leituras podem ser encontradas nas nuances e

entrelinhas da imagem de Araújo; desde um referência à vontade de paz e liberdade -

devido a associação entre a imagem da pomba branca e esses valores - em

contraposição aos anos anteriores de violência e opressão impostos pela ditadura até

uma alusão ao prenúncio de novos tempos sinalizado pelo gesto de desvelar os eventos

daquele dia, ou seja, é uma pomba branca que anuncia uma projeção para um futuro

diferente, em que a democracia pudesse prevalecer e construído através da participação

popular, fazendo com que a imagem possa também simbolizar a esperança. Ressalta-se,

ainda que o fato efeito especular distorcido da fotografia faz com que a mensagem na

faixa seja lida ao contrário, o que destaca a premência do visual em relação ao verbal

como forma de superar o realismo noticioso.

Outro ponto a ser destacado é a atuação do fotógrafo Jorge Araújo e seu

comprometimento com a luta contra a ditadura e pela redemocratização no país. O

modo de ver o mundo do repórter e seu engajamento também estão presentes na

imagem que registrou na praça da Sé e o consagrou com um Esso em 1979. Araújo é um

fotojornalista reconhecido por suas fotografias de caráter social e político e além do

Esso em 1979 foi também foi contemplado três vezes com o Prêmio Vladimir Herzog

de Anistia e Direitos Humanos, sendo um prêmio principal de fotografia, em 1982, por

"Amélia e os quatro filhos"; e duas Menções Honrosas, em 1984 pela fotografia "A

colônia feminina do Juqueri", que retrata o pátio do manicômio Juqueri em São Paulo; e

222

em 1996 pelo trabalho "Pará sofre intervenção branca", mostrando o enterro de sem-

terras mortos nos confrontos com a polícia em Eldorado dos Carajás239

O reconhecimento conferido pela comissão julgadora do Prêmio Esso ao fotógrafo

Jorge Araújo e à fotografia "O Projeto da Anistia é Intocável" também representam a

mobilização da imprensa em torno do projeto de liberdade de expressão e pelo fim do

cerceamento promovido pelo Estado aos meios de comunicação. Como já foi dito, as

cerimônias de premiação do concurso promovido pela Esso foram lugares públicos em

que os jornalistas puderam expressar sua indignação para com a situação que se

configurava no país. A veiculação de uma imagem, na primeira página de um jornal de

grande circulação, em que o povo é protagonista e manifesta seu direito de exercer

pressão política tanto demonstra uma maior autonomia dos meios de imprensa frente ao

processo de distensão política, quanto adensa os diversos dignificados que esse período

representou na história recente do país, carregando consigo não apenas uma informação

visual, mas também as bandeiras de luta e os símbolos que determinada sociedade em

determinado tempo quis expressar.

.

2.7. De frente para a imagem

Ao transitar pelas fotografias premiadas e analisar como elas transcenderam sua

condição inicial de suporte de informação de uma cobertura jornalística para serem

apontadas como exemplos do que se considera o melhor em matéria de fotografia de

imprensa, pode-se perceber que a constituição do fotojornalismo no Brasil

contemporâneo se fez de maneira plural e dialogando com diversas influências tanto no

cenário internacional, através do legado de fotógrafos consagrados como os membros da

Magnum ou o time renomado da Life, quanto no cotidiano da profissão em que a troca

de experiências e compartilhamento de boas práticas circulavam entre os profissionais

da imagem.

Nesse sentido, os critérios de escolha do Esso e as características valorizadas nas

fotografias premiadas contribuíram para a divulgação desses parâmetros que

configurariam determinados protocolos visuais que até os dias de hoje, mesmo com

mudanças tecnológicas significativas no campo da fotografia, estão presentes nas

páginas de revistas e de jornais, compondo matérias jornalísticas, sendo o elemento de 239 No currículo disponível no site FolhaPress consta que o fotógrafo Jorge Araújo foi vencedor por cinco vezes do Prêmio Vladmir Herzog, além de ter conquistado dois Prêmios Nikon. No entanto, na relação de vencedores disponibilizada pela organização do concurso o nome do fotógrafo aparece três vezes.

223

impacto que se destaca nas primeiras páginas e até mesmo introduzindo e sintetizando o

conteúdo textual das notícias. Nas mais diversas editorias, seja esportiva, política ou de

cotidiano, uma boa fotografia é capaz de despertar no leitor impressões que podem

causar identificação, indignação, estranheza, ou seja, através da imagem o

fotojornalismo é capaz de comunicar.

Os protocolos visuais analisados nesta pesquisa são, de alguma maneira, tributários da

atuação dos fotógrafos no cotidiano da notícia e das formas de ver desses sujeitos

sociais, que operam seus dispositivos técnicos e constroem através deles uma

informação visual. Desse modo, esses são trabalhos significativos, foto-ícones, que

revelam não apenas um acontecimento ou um tempo através de sua superfície visual,

mas também podem ser considerados signos representativos que balizaram e ajudaram a

consolidar uma identidade para o fotojornalismo nacional. Ao mesmo tempo, tais

imagens aproximam fotógrafo e leitor, que contemplam um acontecimento sob a mesma

perspectiva, mediando a relação entre seus olhares.

Tendo isso em vista, o capítulo que segue buscará através do exercício metodológico de

investigar a trajetória "de vida" de uma fotografia - desde antes de sua produção,

passando por sua publicação e pelas as diversas apropriações que ela sofreu -

acompanhar as transformações pelas quais o objeto fotográfico passa de acordo com as

diversas interações sofridas e do contato com sujeitos sociais distintos. A fotografia

escolhida para essa tarefa é "Qual o Rumo?", de Erno Schneider, retratando o presidente

Jânio Quadros com os pés apontando para direções opostas. Tendo como referência a

noção de que o objeto fotográfico vai além da sua superfície visual e de que através da

dimensão da experiência é possível investigar a relação entre o sujeito que olha e a

fotografia, buscando compreender seus usos, apropriações e resignificações, bem como

desvendar o circuito social em que ela circulou.

224

Figura 58: "Qual o Rumo?", fotografia de Erno Schneider vencedora do Prêmio Esso de Fotografia de 1962.

O que faz uma fotografia de imprensa ser premiada? O enquadramento da imagem, a

plasticidade dos objetos em cena, o motivo fotografado, a pessoa ou ocasião

documentada em flagrante, ou ainda a experiência do fotógrafo ao capturar o exato

momento de um acontecimento. Mais além, o que acontece com essa imagem depois

que ela recebe um título de excelência reconhecido por todo o meio fotojornalístico?

Este capítulo tem como objetivo analisar, a partir da trajetória de uma imagem

vencedora do Prêmio Esso de Fotografia, as diversas significações que uma fotografia

de imprensa pode assumir desde o momento em que é capturada, passando pelas

apropriações decorrentes de seus usos por diferentes suportes e canais de comunicação,

até a sua recepção, buscando captar o intercâmbio entre o olhar do fotógrafo e do

espectador240

240 BELTING, Hans. Antropologia de la Imagen. Buenos Aires: Kats, 2009, p. 276-277.

. Busca-se refletir sobre o papel ocupado pela fotografia nos processos de

conformação do olhar na configuração do espaço público. Ressalta-se na análise que, os

regimes de visualidade são dotados de historicidade e que o aprendizado de ler o mundo

por meio de imagens técnicas se dá na dialética entre as formas de ver inscritas no

processo de produção e consumo de imagens, ou seja, no intercâmbio entre o fotógrafo

e o espectador.

Capítulo 3 Fotógrafo, fotografado,

fotografia: trajetória de uma

imagem vencedora.

225

A imagem utilizada para tal análise é uma fotografia publicada no Jornal do Brasil em

1961 e de autoria do fotógrafo Erno Schneider. A fotografia retrata a figura do então

presidente da República Jânio Quadros flagrado no exato instante em que a posição dos

seus pés faz com que apontem um para o outro, em posição trocada, num movimento ao

mesmo tempo cômico e constrangedor. Essa imagem inusitada foi a vencedora do

Prêmio Esso de Fotografia do ano de 1962 e acabou se tornando conhecida como uma

metáfora do período confuso que caracterizou o governo de Jânio Quadros nos sete

meses em que esteve à frente do país.

No que diz respeito ao arcabouço teórico utilizado, por se tratar de um trabalho que se

valerá de fontes visuais para o desenvolvimento da investigação histórica, alguns

pressupostos concernentes à análise de imagens também deverão ser considerados. A

perspectiva adotada procura superar o entendimento da fotografia como reflexo ou

representação do real, ideia muito difundida ao longo de toda a história da fotografia

como meio de expressão. Ou seja, uma imagem capturada mecanicamente por um

dispositivo técnico como a câmera escura, supostamente, seria ela própria um fragmento

incontestável da realidade tal qual aconteceu. Especialmente quando associado à

imprensa ilustrada, o estatuto da verdade fotográfica e sua identificação com o

“testemunho da história” foi importante para a constituição de uma pretensa noção de

imparcialidade e isenção muito apreciada até hoje por alguns meios de informação241

Recentemente, alguns estudos de matriz interdisciplinar, influenciados, sobretudo, pela

chamada “virada antropológica”, sobre as sociedades pós-coloniais vêm explorando a

utilização de fotografias no campo das ciências sociais a partir de novas perspectivas, as

quais trazem também uma revisão do próprio estatuto da imagem, e sua preponderância,

como fonte e objeto de conhecimento. Essa concepção busca valorizar a materialidade

da fotografia como um elemento passível de ser analisado e tão relevante para a

apreensão de seus significados como sua superfície visual, tendo em vista que na maior

parte dos estudos que utilizam a fotografia como fonte, atribui-se um valor maior ao que

ela retrata, em detrimento da sua dimensão como objeto, pertencente a uma cultura

material que está em constante movimento.

.

242

241 Sobre o debate acerca do realismo fotográfico ver: BARTHES, Roland. A Câmera Clara. Lisboa: Edições 70, 1989 e DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Lisboa: Veja 1992.

242 EDWARDS, E. & HART, J. Photoghaphs Objects Histories. Londres: Routledge, 2009 e BELTING, Hans. Antropologia de la Imagen. Buenos Aires: Kats, 2009.

226

Muito além de tratar da dimensão material da fotografia sob o viés da indicialidade do

registro fotográfico, essa perspectiva visa a ampliar o escopo das abordagens para uma

busca por vestígios da experiência humana em sua relação com as fotografias. Na

introdução do livro “Photographs Objects Histories”, E. Edwards e J. Hart explicam

essa abordagem da seguinte forma:

“Photographs as both images and physical objects that exist in time

and space and thus in social and cultural experience. [...] These

characteristics cannot be reduced to an abstract status as a

commodity, not or set of meanings or ideologies that take the image

as their pretext. Instead, they occupy spaces, move into different

spaces, following lines of passage and usage that project them

throught the world.”243

Uma outra contribuição teórica relevante para esta investigação é a de Hans Belting no

livro "Antropología de la Imagen", especialmente no capítulo “A transparência do

meio”, cujo tema é a relação entre sujeito, meio e imagem no registro fotográfico.

Conforme o autor enuncia as imagens transitam entre os diferentes meios e “desmontam

su campamento em cada medio nuevo que se estabelece em la história de las imagenes,

antes de mudarse al siguiente medio

244

Esses elementos teóricos, que de certo modo são complementares, permitem avaliar e

distribuir melhor o peso que o conteúdo das fotografias assume na análise pretendida.

Além de inserir a dimensão da experiência como um elemento fundamental para a

compreensão dos desdobramentos culturais, sociais e políticos implicados nas

”. Desse modo, a fotografia não deve ser

concebida apenas como um meio transparente dotado da função de veicular imagens

tomadas da realidade, mas talvez como um artefato físico que encerra em si tanto uma

imagem externa, apreendida pelo dispositivo técnico, quanto uma imagem interna fruto

das imagens mentais que caracterizam a subjetividade do autor e do espectador da

fotografia. Através de diversos exemplos, Belting, procura demonstrar que na interação

entre todas essas variáveis o caráter mediador da fotografia pode ser transcendido,

resultando na liberdade da imagem em relação ao seu meio.

243 EDWARDS, E. & HART, J. Photoghaphs Objects Histories. Londres: Routledge, 2009, p. 1. 244 BELTING, op. cit., p. 265.

227

transformações pelas quais passou a imprensa e o fotojornalismo. Experiência entendida

a partir do ponto de vista do sujeito produtor – o fotógrafo – que espera, escolhe,

enquadra e se relaciona com o motivo fotografado de acordo com sua motivação

“pessoal, social, cultural, ideológica e tecnológica”245

A metodologia empregada consiste em tentar buscar elementos que permitam traçar

uma trajetória “de vida” da imagem analisada, entrecruzando dados do fotógrafo que a

produziu, do conteúdo que é representado pela imagem e de sua circulação através de

distintos suportes de informação. Nesse sentido, não só as trajetórias de vida de alguns

dos personagens desses acontecimentos passarão a ser alvo da investigação, mas

também, na medida do possível, informações que tragam evidências da recepção,

circulação e consumo dessas fotografias nos diversos espaços públicos nos quais atuou.

A partir desses três elementos – fotógrafo, fotografado e fotografia – se pretende

compreender a importância dos processos de criação, seleção e consumo de uma

imagem técnica na formação de uma cultura visual ligada ao fotojornalismo e a

veiculação de imagens pelo jornalismo diário no Brasil no período contemporâneo

. Mas também vislumbrada a

partir de outras formas de experimentar a imagem jornalística e das diversas

resignificações que pode ela assumir a cada interação, seja com o dono do jornal, o

redator, o jurado de um prêmio ou mesmo o leitor.

246

A opção por essa metodologia está pautada na perspectiva de poder ampliar o escopo de

análise sobre a fotografia considerando, tanto a sua dimensão visual, quanto as suas

propriedades de objeto físico pertencente à cultura material, as interações com a

subjetividade do fotógrafo e as formas que ela assume ao transitar entre os meios em

que foi veiculada. Uma das principais motivações para o emprego deste método é a

possibilidade incluir na pesquisa o campo da experiência fotográfica como um elemento

central da investigação, relacionando-o com a esfera da representação. No lugar de

considerar apenas a imagem como produto, sobrepesando o motivo fotografado, o

objeto passa a ser visto numa cadeia processual que envolve diversos sujeitos e

acontecimentos responsáveis pela interação dessa imagem com o mundo. Além disso,

.

245 SOUSA, Jorge Pedro. Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental. Chapecó: Grifos; Florianopólis: Letras Contemporâneas, 2000, p. 9. 246 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha – sugestões para um estudo histórico. Tempo, Niterói, v.7, n. 13, p.131-151. 2002 e MAUAD, Ana M. Foto-ícones, a história por detrás das imagens? Considerações sobre a narratividade das imagens técnicas. In: RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.). Imagens da História. São Paulo: Hucitec, 2008, v. 1, p. 33-66.

228

ao inserir a subjetividade, tanto o fotógrafo quanto o espectador da fotografia, como

uma das variáveis consideradas nesta abordagem espera-se fazer uma reflexão acerca

dos conceitos de autenticidade, verossimilhança e realidade na fotografia jornalística247

Outro ponto a ser destacado é a opção de trabalhar com uma imagem que foi premiada

em um concurso especializado como o Prêmio Esso, cujos jurados responsáveis pela

concessão do título de Melhor Fotografia são também fotógrafos e jornalistas. No

momento em que uma fotografia é selecionada para participar de um concurso e,

sobretudo depois que se torna vencedora, de algum modo já ocorre uma resignificação

dessa imagem, originalmente escolhida para transmitir a notícia. Ou seja, o que

acontece nesse processo que descola a imagem do jornal ou da revista – em que foi

publicada para transmitir uma notícia apoiada em um texto jornalístico – e a leva a

representar os parâmetros de excelência fotográfica, já é por si só uma mudança

relevante na sua forma e no seu conteúdo. Como se ela estivesse, para usar a referência

de Belting, desmontando seu acampamento na página do jornal ou da revista e o

montando novamente, não apenas em um novo meio, mas também numa outra teia de

significação.

.

Nessa nova configuração a fotografia vencedora se torna elemento balizador do que

seria uma fotografia de imprensa passível de ser premiada por outros fotógrafos,

ajudando a criar também os conceitos que irão nortear e influenciar a forma de fazer

fotografia dentro de um regime de visualidade dotado de historicidade e relacionado a

uma cultura visual de formação e reformulação das técnicas, tecnologias e linguagens

que ocorre no bojo das mudanças no fotojornalismo brasileiro. Segundo Derrick Price,

muito da noção do seria uma boa fotografia acabou sendo convencionada, inclusive, a

partir da opinião de jurados de concursos especializados248

247 MAUAD, Ana Maria. Poses e Flagrantes: ensaios sobre história e fotografia. Niterói: Editora da UFF, 2008 e MAUAD, Ana Maria. O olhar engajado: fotografia contemporânea e as dimensões políticas da cultura visual. ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte, v. 10, n. 16, janeiro/junho de 2008. Disponível em:

.

http://www.artcultura.ppghis.inhis.ufu.br/viewarticle.php?id=227. Acessado em 05/05/2012. E sobre a trajetória de vida de fotógrafos e suas práticas fotográficas ver: MAUAD, Ana Maria. Memórias do contemporâneo, a trajetória de Erno Schneider em foco. Revista Studium, nº 27. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/27/07.html. Acessado em 12/03/2012. e MAUAD, Ana Maria. Milton Guran, a fotografia em três tempos. Revista Studium, nº 28. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/28/01.html. Acessado em 12/03/2012. 248 PRICE, Derrick. “Surveyors and surveyed: Photoghaphy out and about”. In.: WELLS, Liz. Photography: A Critical Introduction. London/New York: Routledge, 2001, p. 74.

229

Sem dúvida, esse processo não pode ser pensado estaticamente, pelo viés da

constituição de modelos, tampouco por uma tentativa de delimitar a evolução linear do

fotojornalismo brasileiro, até porque as fotografias vencedoras do Esso são bastante

diversas e foram julgadas de acordo com critérios e interesses que não são apenas

técnicos ou estéticos, mas também sociais, culturais e políticos. Entretanto, é possível

cogitar que os resultados dos prêmios suscitem discussões e debates dentro do próprio

meio profissional acerca dos méritos, dos critérios de escolha e das características que

levaram uma e não outra fotografia à consagração.

Esses debates, portanto, são também uma peça importante na constituição de uma forma

de ver tributária de uma identidade e um conjunto de saberes compartilhados que irão

distinguir o fotojornalismo – e especificamente o fotojornalismo no Brasil

contemporâneo – de outras modalidades de fotografia. Na medida em que proporcionam

uma visão voltada para dentro sobre a experiência de fotografar e o fazer o do fotógrafo

de imprensa ajudam a formatar e a dar corpo às características próprias deste campo de

atuação, de modo que se pode imaginar algum repórter, ao revelar uma de suas imagens,

dizendo que aquela fotografia mereceria o prêmio por tais e tais características.

Todos esses elementos estão ligados pela existência de uma imagem que consubstancia

essas inter-relações e que ao mesmo tempo não é capaz de encerrá-las dentro de uma

fotografia. A cada nova interação entre imagem e sujeito são constituídas outras

imagens, fruto de apropriações distintas que conjugam a subjetividade com as

experiências prévias de quem as vê. A partir de então, e nesse espaço também devem ser

consideradas as relações de poder responsáveis por publicizar ou ocultar fotografias, as

formas de compreensão do mundo através de imagens técnicas mantém-se em constante

movimento.

3.1. Erno Schneider: o fotógrafo

Erno Schneider nasceu na cidade de Feliz, no Rio Grande do Sul em 22 de outubro de

1935. Proveniente de uma família numerosa, começou a fotografar ainda jovem,

fazendo fotos de família e dos irmãos depois que adquiriu uma câmera do tipo

American Box, chamada na época de caixãozinha. Segundo Erno, o gosto pela

fotografia surgiu naturalmente a partir do contato com a atividade de registrar imagens

230

cotidianas, o que o levou aos 17 anos a trabalhar no estúdio de fotografia do italiano

Jeremias.

O período do estúdio é apontado como uma fase importante de aprendizado da

profissão, principalmente no que diz respeito as atividades no laboratório com a

revelação das fotografias. Tal como a maioria dos repórteres fotográficos que iniciaram

suas carreiras no mesmo período, Erno aprendeu as bases da profissão de fotógrafo com

outro profissional mais experiente como numa relação de mestre e aprendiz. Como não

existia nenhuma escola formal que ensinasse a fotografar, associação profissional ou

mesmo um conjunto de parâmetros que regulamentassem a profissão de fotógrafo, as

relações de formação e trabalho se davam de modo informal fazendo com que a maior

parte dos fotógrafos aprendessem na prática das regras e procedimentos do ofício.

Logo em seguida, Erno inicia sua carreira na imprensa trabalhando de maneira informal

para o jornal Pioneiro, em Caxias do Sul-RS. As fotos que ele fazia, de alguns

acontecimentos locais, eram publicadas eventualmente no jornal. Ao se mudar para

Porto Alegre, em 1952, volta a trabalhar em estúdio de fotografia por algum tempo e

depois realiza o sonho de trabalhar em um jornal compondo a equipe Clarim de 1955 a

58, um diário recém-fundado por Leonel Brizola, no qual Erno cobria a parte de

esportes.

Mais uma vez, é no primeiro contato profissional com o fotojornalismo que Erno

começa a desenvolver-se como fotógrafo. Quando foi contratado pelo Clarim não tinha

muita experiência e com a ajuda dos companheiros de trabalho foi aprendendo a lidar

com as vicissitudes e dificuldades da profissão de fotojornalista.

“Aprendi mais foi com Amilton, o Amilton era... […] chefe de

redação. [...] E o Amilton sempre me... Dava força, né? Não faz

assim, faz assim, não tô sabendo de nada... Primeiro você faz a foto

e depois pergunta se pode fazer, não me esqueço. Faz primeiro e

depois, aquele negócio, faz... Fazia logo e...”249

249 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.

231

Diante das dificuldades técnicas impostas pelos parcos recursos tecnológicos dos

equipamentos, eram a malícia ou os pequenos truques como passar saliva no flash para

que a luz não estourasse que faziam com que o trabalho pudesse ser realizado. Em

outras situações, uma certa intuição, como conta no episódio das partidas de futebol,

buscava sempre o melhor posicionamento possível para a realização de uma fotografia

“certinha”, que tinha que ser feita de perto porque a lente era normal e não dispunha de

teleobjetiva, com uma Rolleiflex e apenas 12 chapas e “ainda tinha que economizar”.

“'Oh o urubu lá, aonde ele vai sai gol'. O Amilton me pagava, me

dava cigarro... Naquele tempo eu até fumava de vez em quando e o

Contursi: 'Pô, vou te pagar um almoço se você ficar no gol do

Grêmio'. Então era briga os dois, era, era briga. Mas, eu, eu não

tinha que ficar no gol... Toda hora me dava um palpite; eu mudava

de lado e era batata, esperava mais um pouco pro gol. Aí, tal, daqui

a pouco eu ia para o outro lado, os caras faziam um gol. [...] Com

aquela fama de urubu. Aonde eu ia, os caras faziam um gol.

(risos).”250

A trajetória de Erno continua com a sua vinda para o Rio de Janeiro, em 1960, com o

objetivo de trabalhar em um dos grandes jornais do país. Assim, depois de uma rápida

passagem pelo Diário da Noite, é contratado pelo Jornal do Brasil, um dos maiores

veículos de comunicação de esfera nacional naquele momento e cuja maior marca foi a

renovação colocada em curso a partir de uma grande reforma promovida no final dos

anos 1950, a qual transformou os padrões do jornalismo diário no país.

As reformas do JB é reconhecida como um dos marcos na imprensa nacional, pois

representa uma grande transformação no formato e no conteúdo das publicações. A

partir dela se inicia um processo – hoje sabidamente sem volta – de crescimento

qualitativo e, sobretudo, quantitativo da presença de imagens no jornalismo diário.

Fatores ligados ao desenvolvimento tecnológico e organizacional dentro de estrutura da

empresa jornalística, em conjunto com inovações relacionadas à formatação e

diagramação dos cadernos do jornal, foram determinantes para uma grande virada que

250 Idem.

232

levou a fotografia, e consequentemente o fotógrafo, a ter um espaço privilegiado nas

redações.

Durante o período em que esteve no JB Erno Schneider se encaixou perfeitamente aos

parâmetros de qualidade e inovação preconizados pela editoria do periódico. Segundo o

fotógrafo:

“Na época o jornal, era... Era covardia, né? Sobre matéria de

fotografia. Tu sempre tinha que trazer uma foto diferente dos outros.

Isso aí... Era mole, pra mim era mole. [...] Cê faz uma entrevista...

Fazer uma foto tua de frente... Eu fazia de lado, de costas, depois da

entrevista [...] Apostavam sempre numa foto diferente dos outros

jornais.”251

Não à toa o Jornal do Brasil foi o veículo que mais venceu o Prêmio Esso na categoria

fotografia ao longo dos anos de sua existência. A valorização da imagem na

diagramação das páginas e o investimento no fotojornalismo contribuíram tanto quanto

o próprio desenvolvimento técnico para a valorização dos profissionais e para a

consolidação da linguagem fotográfica na imprensa diária.

E foi enquanto trabalhava no Jornal do Brasil que o fotógrafo capturou com sua

Rolleiflex, a imagem do presidente Jânio Quadros que ficou marcada de maneira icônica

como a síntese do período em que governou o país. A fotografia que é objeto desta

análise foi publicada em 1961 com o título “Qual é o Rumo?” e foi contemplada com o

Prêmio Esso de Fotografia na edição de 1962 do concurso. Na ocasião, era a segunda

vez que o prêmio contava com uma categoria específica para fotografia de imprensa e a

primeira vez que um jornal diário recebia o título de melhor imagem, abrindo assim

uma série que posteriormente consolidaria as fotografias dos jornais como as maiores

vencedoras da premiação.

Ao lembrar o episódio, Erno conta como conseguiu a imagem que projetou sua carreira

como fotojornalista de uma maneira simples e direta. De certo modo, atribui ao acaso a

realização da mais famosa de suas fotografias.

251 Idem.

233

“Um clique, num clique. [...] A imprensa toda foi pra lá, os

uruguaios, argentinos, brasileiros... (pausa) O Janinho andando e

eu do lado, com Rolleiflex, heim, essa só deu uma. Se tivesse

máquina de hoje tinha feito o filme todo. O Jânio foi andando... Tô

do lado dele, sempre, de olho, sempre de olho no Dines. Naquele

tempo era engraçado, não sei, eu acho que eu tava do lado dele...

De Rolleiflex... Eu tava bem ao lado dele, acompanhando. De

repente deu uma confusão, estourou um... Um barulho deu uma...

Todo mundo olhou pra trás. Ele virou e eu clack, plá, só deu aquela,

só fiz uma.”252

Em outra entrevista, concedida ao Fantástico em 2002 o fotógrafo também conta como

fez a famosa imagem.

“Enquanto o Jânio ia encontrar o Frondizi na ponte, no meio da

ponte, eu resolvi ir a pé. Eu tava andando, acompanhando ele do

lado. De repente, deu um tumulto. Um tumulto muito grande. O

Jânio levou um susto e se virou. Na hora eu vi que ele tava todo

estranho, todo torto. Eu senti que tinha uma foto diferente. Aí eu fiz

o click. Foi um só também.”253

A reticência do fotógrafo sobre não ter certeza de onde estava no momento exato, o

relato da confusão, do barulho são elementos de sua fala que, independente de como

tenha ocorrido a situação, criam uma memória narrativa cuja gradação dos episódios

proporciona para quem ouve uma espécie de suspense, culminando no “clack, plá” da

câmera. Tudo isso só corrobora a ideia de que a fotografia foi um achado, um grande

golpe de sorte.

Tendo isso em vista, é importante destacar que Erno é tributário de uma geração de

fotógrafos para os quais os registros dos fatos tal qual eles aconteceram é o motivo

principal da existência do repórter fotográfico. Sua perspectiva tende sempre a encontrar

252 Idem. 253 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida ao programa Fantástico em 2002. Trecho disponível em: http://www.senado.gov.br/BLOG/posts/um-instante-na-historia.aspx. Acessado em: março/2012.

234

no senso de oportunidade e na rapidez da execução do “clique” os parâmetros

definidores da boa fotografia de imprensa. Fazer a imagem e depois ver o que acontece

é quase um desígnio ao qual você é impelido, uma vez que a “primeira página” reside

no flagrante e depois do acontecimento não existe mais a fotografia.

“Acho que é isso aí é bater a foto, bater a foto, não tem

escapatória... A gente está para registrar a História, não está para

mudar, né? A gente registra... Olhar tudo. Fotógrafo tem que saber

olhar tudo.”254

Não obstante, mesmo partindo desse ponto de vista, bastante relacionado ao realismo

fotográfico, existe implícita uma noção de autoria e atuação do fotógrafo como produtor

da imagem estreitamente ligada à técnica e a sensibilidade que se poderia chamar de

“saber olhar”. Estar na hora certa no momento certo, bem posicionado, com o total

domínio da câmera, saber fazer o melhor enquadramento do motivo de modo que o furo

de reportagem aconteça são características do fotógrafo que lhe asseguram a autoridade

sobre a produção da narrativa visual acerca dos acontecimentos. E por isso, com o

prestígio alcançado em sua carreira, principalmente após o prêmio, Erno foi um dos

profissionais que mais se engajou nas reivindicações pelos diretos autorais e pela

melhoria das condições de trabalho dos repórteres fotográficos

255

Essa visão de fotografia como registro da História e do fotógrafo como “testemunha

ocular” dessa História que passa, mas precisa se contada, vai ao encontro de um dos

principais movimentos norteadores da fotografia de imprensa no mundo todo: são os

pioneiros do fotojornalismo mundial, cuja missão era não somente descortinar o mundo

em imagens técnicas, mas também mobilizar o espectador e formar a opinião pública a

respeito dos fatos registrados.

.

Essa tendência começa a se delinear nos anos de 1930 e está no bojo das discussões

acerca da constituição da fotografia como linguagem, relacionadas também ao seu

sistema próprio de códigos, seu valor como forma de expressão, como suporte de

254 SCHNEIDER, Erno. Entrevista concedida a Ana Maria Mauad e Silvana Louzada em 08/05/2003. Depositada no Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. 255 LOUZADA, 2009, Op. Cit., pp. 100-101.

235

informação e a sua função política e social dentro de um contexto em que é portadora de

um sentido para os fatos que observa e mediadora entre o sujeito que produz a imagem e

o sujeito que a vê. Além disso, está também ancorada na definição do papel do

fotógrafo, sua relação com a imagem e nos parâmetros éticos e políticos da fotografia

documental. Seria ele apenas o “apertador do botão” que vai capturar um dado da

realidade, ou seria ele um agente no processo de transformação da realidade através das

imagens de mundo que produz? Essa discussão permeou os principais debates sobre o

tema e ainda hoje produz abordagens diferenciadas acerca das noções de realismo,

verdade e representação.

A geração do fotojornalismo heróico que incluía em seus quadros nomes como Robert

Capa, David Seymor, Henri Cartier-Bresson, George Rodger, Maria Eisner, dentre

outros, fizeram parte do movimento dos “concerned photographers”, que engajados na

missão de documentar o mundo viam a si próprios como mediadores entre o público

espectador e os fatos e ideias de sua época. Assim valorizavam “o flagrante, e o efeito

de realidade suscitado pelas tomadas não posadas como marca de distinção do seu

estilo fotográfico”256

O engajamento, a visão humanista e a vinculação com temas de caráter social,

distanciam essa geração de fotógrafos dos pressupostos da fotografia oitocentista,

vinculada a noção positiva e moderna da objetividade irrefutável da imagem técnica.

Entretanto, ainda eram características marcantes deste estilo de fotografia, o realismo, a

imparcialidade, o compromisso com a informação e o registro do extraordinário, como

exemplifica Belting com o caso da exposição “The family of man”, organizada na

década de 1950 por Edward Steinchen. A exposição tinha como objetivo ser o ápice da

fotografia objetiva, demonstrando a verdade e a realidade em imagens do mundo, com

as quais pregava a confiança em uma solidariedade mundial da humanidade

.

257

Margarida Ledo define essa geração da Laica – câmera de pequeno porte, fácil de ser

transportada e que prescindia do uso do flash muito comum entre esses fotógrafos –

. Belting

lembra ainda que esse compromisso com a verdade também era compartilhado pelos

fotógrafos da Magnum, agência fundada em 1947 pelos principais fotojornalistas da

época.

256 MAUAD, Ana Maria. Op. Cit., 2008, p. 180. 257 BELTING, Op. Cit., pp. 281-282.

236

como os responsáveis pela associação da fotografia de imprensa com a credibilidade, o

qual se encaixou perfeitamente com o discurso da imparcialidade jornalística, ajudando,

portanto, a criar a linguagem que diferencia o texto informativo da imprensa de outras

maneiras de contar histórias.258

Ao mesmo tempo em que se começam estabelecer formas de ler o mundo através das

imagens que eram veiculadas em revistas e jornais, o desenvolvimento de uma espécie

de pedagogia do olhar permitia ao leitor decodificar a linguagem visual e relacioná-la ao

conteúdo informativo da notícia seguindo uma formatação preestabelecida. Essa

configuração é o que permite ao leitor identificar e associar à fotografia vista elementos

não visíveis, da ordem do simbólico ou da representação que são importantes quando se

pensa na conformação do olhar do espectador e, sobretudo, no poder exercido e nos

interesses mobilizados por aqueles que têm o papel de definir qual imagem será tornada

pública nas páginas de um grande veículo de comunicação. Incluído, ainda, a

responsabilidade do fotógrafo sobre os motivos capturados, uma vez que o

fotojornalismo, define Robert Capa, é “una profesión que estuvo siempre atravesada

por la facilidade de la espectacularización, sobremanera em los temas shock”

259

Será que foi apenas o acaso? O golpe de sorte do fotógrafo que nos legou a fotografia

que melhor representou o espírito do personagem fotografado? Em parte, a fração de

segundos entre a abertura do obturador e o registro da realidade material a qual objetiva

pode ser um evento completamente aleatório, e certamente, preso à lógica do tempo que

o impede de se repetir. No entanto, talvez seja possível refletir sobre em que medida as

intenções pessoais, a subjetividade, ou seria melhor, a sensibilidade do fotógrafo

contribuíram para congelar aquele momento específico na perenidade do objeto

fotográfico.

.

A fotografia – na sua execução e posteriormente quando é observada – pode ser

considerada como um suporte único de temporalidades sobrepostas, no qual estão

imbricados diferentes tipos de relação entre as dimensões do espaço e do tempo. É

assim, ao mesmo tempo, o objeto capaz eternizar um instante e a imagem capaz de

acionar mecanismos de rememoração e associação que condensam tempos e

experiências distintas, os quais confluem para um mesmo ponto. De um lado está a

258 LEDO, Margarita. Op. Cit., p. 86. 259 Idem, p.86.

237

captura da imagem e as escolhas feitas pelo fotógrafo ao enquadrar, focalizar e destacar

seu motivo no momento do ato fotográfico, o que corresponde ao instante, a percepção

do acontecimento. De outro tem-se a atualização da imagem retratada pela esfera da

recepção, que está vinculada ao caráter subjetivo do observador e pode se realizar no

entrecruzamento de diversas temporalidades que operam nos mecanismos de

rememoração e associação que são próprios do sujeito que observa a fotografia.

A partir de uma teoria mais clássica e de caráter realista da fotografia, a máquina

fotográfica – como é próprio de todas as máquina – é um mecanismo que opera uma

transformação. Assim, por exemplo, Roland Barthes descreve em “A Câmera Clara” que

o alvo da fotografia é a transformação do tempo em espaço e do espaço em tempo, pois

através de seus instrumentos técnicos é capaz de inscrever um dado da realidade – ou

um determinado espaço – em um tempo passado que se configura como o “isto foi” no

momento em que é capturado – o agora-passado260

Tendo isso em vista, e tecendo uma análise a partir do ponto de vista do fotógrafo, uma

outra abordagem acerca da imagem fotográfica pode ser apontada ao se desmontar o ato

de sua produção. Quando o fotógrafo espera o melhor momento para registrar a

fotografia, entre o olho que mira e o dedo que captura, são feitas associações que

inscreverão na imagem traços de subjetividade que tornam o instante representado

singular e heterogêneo, irreprodutível em sua essência. Por mais que em seu suporte

físico a fotografia possa ser reproduzida infinitamente, jamais se repetirão as condições

específicas da irrupção daquele acontecimento em nenhum momento novamente. É

onde a se funda a diferença entre reprodução e imagem descrita por Benjamin em

“Pequena história da fotografia”. “Nesta, a unicidade e a durabilidade se associam tão

intimamente como, na reprodução, a transitoriedade e a reprodutibilidade.”

. Entretanto, se mirarmos os dois

momentos distintos do ato fotográfico e os confrontarmos com o pensamento do

filósofo alemão Walter Benjamin, a dimensão da fotografia assume uma nova

perspectiva, especialmente no que diz respeito a experiência do tempo vivido e a seu

retorno como um tempo do passado representado numa imagem e, ainda, a junção desse

passado com uma proposta de futuro tanto na etapa da percepção e captura quanto na da

recepção.

261

260 BARTHES, Roland. A Câmera Clara. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 135.

Dentro

261 BENJAMIN, Walter. “Pequena história da fotografia”. IN.: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996, p. 101.

238

dessas associações subjetivas estão as escolhas do fotógrafo, as quais se manifestam em

correlação com outros tantos fragmentos de imagens, que podemos associar ao que

Bérgson identificou como “memória”, sem o que a fotografia seria apenas reação

motora262

Benjamin encontrou no ato fotográfico um fenômeno que caracteriza com relativa

precisão a sua ideia de acontecimento, pois é pela espera do fotógrafo que se define a

fotografia moderna. Assim, contrariando o predomínio do instante científico

responsável pela precisão e aceleração do tempo, a câmera fotográfica pode se

configurar como um dispositivo de retardamento do tempo, ou a “máquina de

esperar”

.

263

Para Maurício Lissovsky, a espera determina tanto a singularidade da fotografia quanto

sua relação com o acontecimento, uma vez que essa duração, na qual opera a memória,

é indeterminada e se fundamenta na expectativa do porvir e ocorre na iminência do

choque, completamente sujeita a indefinição do tempo. Paradoxalmente, a fotografia

instantânea inaugura o momento em que a máquina fotográfica pôde inventar-se como

um dispositivo de retardamento

.De acordo com essa abordagem, é no intervalo entre a escolha do motivo a

ser fotografado e a imagem retratada, ou seja, a espera, que atua a duração, enquanto

memória.

264

Tendo isso em vista, o momento do clique que registra a fotografia mais famosa de Erno

Schneider não seria apenas a realização de um ato físico – quase involuntário – de

“apertar o botão” ao sabor da contingência, mas sim o resultado do acúmulo contínuo

uma série de experiências prévias, vivenciadas pelo fotógrafo no exercício cotidiano da

fotografia de imprensa e na educação do olhar. Esses recursos são acionados enquanto o

fotógrafo espera e, na expectativa do acontecimento, ele busca o melhor

. Isso quer dizer que também se tornou um dispositivo

técnico a serviço de quem o opera e não mais um aparato subordinado a condições

especificas de luminosidade, tempo de exposição, imobilidade do motivo fotografado, o

que, sem dúvida, limitava o seu funcionamento e as opções do fotógrafo. O posterior

desenvolvimento tecnológico das câmeras contribuiu ainda mais para transformação que

coloca em primeiro plano a espera e a escolha do operador como elementos definidores

da imagem.

262 BERGSON, Henri. Matéria e Memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 263 LISSOVSKY, Maurício. A máquina de esperar. In: GONDAR, Jô; BARRENECHEA, Miguel Angel (orgs.). Memória e Espaço: trilhas do contemporâneo. Rio de Janeiro, 2003, p. 17. 264 Idem, p. 17.

239

posicionamento, pressente que algo está para acontecer e fica atento aos detalhes que

definiram a futura imagem, culminando na captura265

Em sua entrevista, Erno dá algumas pistas de como esse processo que agrega

contingência, subjetividade e experiência ocorre no ato fotográfico. Ao ser perguntado

se imaginava a foto antes dela se realizar ele responde:

.

“geralmente quando eu saía, eu já imaginava. [...] Primeiro

imaginar a imagem, né? Vou tentar... (pausa) Fazer assim... Se

tivesse uma pauta, aí, eu já saía imaginando, né? Na hora, tu chega

no local e pode mudar o local...”266

Do mesmo modo, na narrativa em que relembra o percurso que fez até a realização da

imagem do presidente Jânio Quadros, diz que vai acompanhando de lado, olhando para

um e outro, como se estivesse alheio a confusão de repórteres e fotógrafos que se

instaurava no local, mas de certo modo esperando o momento oportuno para acionar a

câmera.

Erno também conta como o fotógrafo aprende e trabalha na busca pela melhor imagem.

Diz em vários momentos que o é preciso “olhar tudo”, referindo-se tanto a cena a ser

fotografada quanto as fotografias que já foram feitas, no sentido de se manter atendo ao

que ocorre.

Conjunção de habilidade e experiência que na definição de Erno traduz-se como prática.

Indispensável ao fotógrafo, mas não compartilhável tampouco passível de ser ensinada,

ao menos formalmente. A prática do operador da câmera define o momento exato, o

enquadramento a adequação formal perfeita ao assunto da esfera do simbólico que se

pretende registrar. Nesse espaço os conceitos de mundo do sujeito investem na imagem

capturada a sua escrita única e pessoal267

265 MAUAD, Ana Maria. Os fatos e suas fotos: dispositivos modernos na produção do acontecimento na contemporaneidade. Revista Z Cultural, Ano IV - Número 1 - Dezembro 2007/Março 2008. Disponível em:

.

http://www.pacc.ufrj.br/z/ano4/1/anamauad.htm. Acessado em: abril/2012. 266 SCHNEIDER, 2003, Erno, Op. Cit. 267 Sobre a trajetória de Erno Schneider ver: MAUAD, Ana Maria. Memórias do contemporâneo, a trajetória de Erno Schneider em foco. Revista Studium, nº 27. Disponível em: http://www.studium.iar.unicamp.br/27/07.html. Acessado em 12/03/2012.

240

“A prática. Geralmente a prática, né? E, atualizar você tem... O

ângulo do fotógrafo. Aí cada um é cada um, né? Isso aí você não

ensina pra ninguém. Isso aí se pode dar umas idéias, agora, ensinar

sensibilidade ao fotógrafo? Isso você não passa pra ninguém,

depende de cada um. Como em tudo, né? Tudo... Cê chega num

lugar, você sente uma coisa, se você não consegue transmitir...”268

3.2. Jânio Quadros: o presidente de pés trocados

Como repórter fotográfico Erno buscava fatos e situações que produzissem imagens

com potencial jornalístico, privilegiando assim características como o flagrante, a

novidade, o extraordinário dentro de um universo de possibilidades e motivos

fotografáveis. Nesta parte do trabalho a proposta é apresentar um quadro das

circunstâncias em que a fotografia “Qual o rumo?” foi realizada e buscar através desse

panorama inferir acerca do motivo enquadrado pela lente de Erno Schneider. Assim, a

partir de uma análise baseada nos aspectos formais e semânticos, entender a relação

simbólica entre o personagem Jânio Quadros e a sua imagem fixada pela câmera.

Do ponto de vista histórico os pés trocados que apontam para sentidos opostos

produzem, no âmbito da linguagem visual, a mais completa e sintética representação da

figura retratada, podendo ser considerada uma expressão icônica do controverso

personagem que expõe. Tanto a personalidade quanto o governo de Jânio Quadros como

presidente constituem uma parte sui generis da História republicana do Brasil. Se

tivessem que ser definidos em uma única palavra essa poderia ser contradição, de onde,

por sua vez deriva a personalidade insólita do personagem. De qualquer ângulo que se

observe – sob o aspecto político, diplomático, econômico ou das pitorescas medidas

para garantir a manutenção dos bons costumes – a singularidade que marcou a

passagem Quadros pela presidência da República passou ao largo das convenções de

política e conduta associadas à normalidade.

Logo no início do governo tomou medidas alheias às demandas governamentais como

proibir a realização de provas turfísticas em dias úteis, as rinhas de briga de galo, a

propaganda comercial em casas de espetáculo ou cinemas, os desfiles de misses com

maiôs “cavados” e o uso de lança-perfumes nos bailes de carnaval.Disciplinou o 268 SCHNEIDER, 2003, Erno, Op. Cit.

241

funcionamento de jogos de cartas em sedes de clubes ou entidades; e regulamentou a

participação de menores em programas de rádio e televisão dentre outras questões de

caráter completamente arbitrário, cuja finalidade era promover um saneamento moral no

país. Esse conjunto de iniciativas um tanto quanto peculiares garantiram a fama do

homem público e o material necessário para a criação da caricatura do político

extravagante no imaginário nacional.

Tudo isso, inserido numa conjuntura global potencialmente explosiva, conturbada pelas

pressões e distensões constantes da disputa entre as duas superpotências que

polarizavam o mundo em blocos de poder de matrizes políticas opostas. Em 1961, ano

que Jânio esteve à frente do executivo, alguns episódios críticos entre os Estados

Unidos e a União Soviética instauraram crises duradouras que levaram o mundo a crer

na iminência de um conflito sem proporções, elevando ainda mais a tensão, a

expectativa e histeria nos países onde os corolários da bipolarização faziam eco.

A ascensão política meteórica de Jânio Quadros já é um primeiro indício da

singularidade do período que se seguiria. Em pouco mais de uma década construiu uma

carreira que teve início com o cargo de vereador da cidade de São Paulo, para o qual foi

eleito em 1947 e o levou de político desconhecido ao cargo máximo da República em

1961. Antes disso já obtivera votações expressivas para nas candidaturas para deputado

estadual – eleição em que foi o candidato mais votado em 1950 – e prefeito de São

Paulo, posição que abdicou para concorrer às eleições para o governo do estado de São

Paulo em 1954, disputando o cargo com o famoso político Adhemar de Barros e

vencendo por uma diferença pequena de votos269

Na presidência sucedeu Juscelino Kubitschek, após vencer a disputa eleitoral com o

marechal Henrique Teixeira Lott, que concorria pela aliança PSD-PTB. Nas eleições de

1960 também estava em jogo uma disputa em torno de propostas políticas apoiadas por

grupos distintos. De um lado estavam os getulistas (representados por Lott e associados

à continuidade do governo Kubitschek); de outro os chamados antigetulistas (agregados

em torno da figura de Jânio Quadros e contrários à política desenvolvimentista

empreendida pelo governo antecessor).

.

269 Ver mais informações sobre Jânio Quadros em “Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro, Pós 1930 – CPDOC/FGV” disponível na versão online e: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acessado em: abril/2012.

242

A campanha janista ao cargo de presidente contou com amplo apoio dos partidários da

União Democrática Nacional (UDN), os quais já haviam sido derrotados em três pleitos

consecutivos anteriormente. Naquele ano, portanto, decidiram não lançar um candidato

próprio apostando que o estilo peculiar de fazer política de Jânio angariasse votos das

camadas mais pobres da população – o que houvera sido um fator determinante nas

disputas anteriores. Assim, os udenistas acreditaram que a mistura de carisma popular e

tendências conservadoras de Jânio poderiam ser a receita para suplantar uma sina

eleitoral que os impedia de estar à frente do projeto de Brasil.

Segundo Maria Benevides a célebre frase ‘Jânio se elege com seus defeitos e governa

com suas qualidades’, atribuída ao udenista Milton Campos explica as intenções do

partido ao apoiar um candidato praticamente anônimo na maior parte do país. Para

Campos e a UDN “os defeitos seriam [...] os recursos populistas; as qualidades seriam

a independência, a administração eficiente, a honestidade”270

O carisma de Jânio junto aos populares está intimamente relacionado ao estilo

histriônico e performático, aliado a eloquência e erudição de discursos inflamados.

Tanto que ele entrou para o folclore político nacional, sendo lembrado até hoje por seus

inúmeros factóides – criados com o intuito da autopromoção – e das situações que

remetiam à galhofa e beiravam o absurdo como usar gravatas desalinhadas com o nó

frouxo e ternos amarrotados; simular caspa espalhando talco sobre os ombros; e, claro,

andar com sanduíches de mortadela engordurados nos bolsos. A sua campanha para a

presidência foi marcada pelo célebre slogan “Varre, varre vassourinha. Varre, varre a

bandalheira”, coroada pelos broches de vassouras que os seus apoiadores usavam

pregadas às roupas. A vassoura que limparia a política nacional era a alusão que

abarcava o ápice do seu discurso oposicionista, pois trazia uma promessa moralizante

bastante afinada com os interesses das elites e da classe média e ao mesmo tempo

atacava o governo anterior, o próprio JK e os adversários que constituíam a maioria no

Congresso Nacional.

.

Uma vez na presidência, em meio à euforia udenista, governou por um período de

tempo tão meteórico quanto a sua rápida ascensão política, ficando apenas sete

conturbados meses à frente do cargo. Durante este período constituiu um corpo de

ministros provenientes em sua maioria dos quadros conservadores da UDN e 270 BENEVIDES, Maria Victoria. O Governo de Jânio Quadros. São Paulo: Brasiliense, 1981.

243

empreendeu um governo caracterizado pelo autoritarismo e pelo moralismo. No plano

econômico adotou um programa antiinflacionário baseado em medidas monetaristas e

de austeridade, desvalorizando a moeda e congelando salários. Promoveu também uma

aproximação com o Fundo Monetário Internacional (FMI), especialmente no que diz

respeito às teorias de estabilização econômica preconizadas pelo órgão.

Ainda que todas essas medidas tenham soado harmonicamente aos ouvidos do grupo

político que o apoiara e que estava interessado em um programa de governo liberal-

conservador e privatista, foram na verdade as contradições, as ambiguidades e o

comportamento imprevisível de Jânio Quadros que conferiram notoriedade ao seu

mandato. Como descreve Benevides:

“Entre as contradições do governo Jânio Quadros destaca-se a

intrigante conjugação entre a defesa ativa de uma política externa

"de grandeza" e a adoção de um estilo provinciano e mesquinho no

trato da coisa pública. No estadista da autodeterminação dos povos

disfarçava-se, ora mais visível, ora mais superado, o prefeito dos

limites bairristas de Vila Maria. A ‘política dos bilhetinhos’271

revela o tacanho autoritarismo de um governo que erigiu como

norma o controle burocrático personificado, baixado aos mínimos

pormenores, em toda e qualquer área da administração pública,

mas também nos mais diversos aspectos da vida social.”272

Dentre as questões controversas do período janista a mais polêmica e que, sem dúvida,

amplificou o desgaste político que o levou a renuncia, foi a sua tentativa de posicionar o

Brasil de forma independente no âmbito da política internacional. Fazia parte desta

plataforma a aproximação comercial e diplomática com países socialistas, incluindo a

União Soviética; o estabelecimento de uma relação cooperativa com Cuba, apoiando a

autodeterminação de seu povo; o estreitamento dos vínculos com os países da América

271 Uma prática burocrática, herdada do mandato como governador de São Paulo e inspirada pelo primeiro-ministro inglês Winston Churchill, de utilizar memorandos para fazer a comunicação direta com seus subordinados foi apelidada de “política dos bilhetinhos” do presidente. Essa prática sinalizava a onipresença do governante e sua atuação direta na resolução dos problemas administrativos, mas acabou também se constituindo como uma anedota que exprime a excentricidade de Jânio 272 BENEVIDES, Op. cit., p. ???

244

Latina, sobretudo a Argentina, com o objetivo de fortalecer todo o bloco frente à

hegemonia norte-americana.

Tal posicionamento evidenciou a impossibilidade de conciliação entre um programa

econômico conservador tipicamente alinhado à “direita” e a adoção de uma política

externa independente com tendências esquerdizantes e cujos desdobramentos geraram

os fatos que serviram de combustível para a crítica generalizada empreendida pelos

diversos setores da sociedade descontentes com o governo e com seu representante,

minando por completo a base política que o havia ajudado a se eleger. Dentre os grupos

que formaram a oposição a Jânio destacam-se a imprensa tradicional, alinhada

historicamente à defesa dos interesses do bloco ocidental e capitalista no contexto da

Guerra Fria e os antigos aliados da UDN, especialmente através do ataque lacerdista,

que se sentiram traídos no cerne de sua ideologia política.

O ápice da política externa independente de Jânio Quadros, que também seria o prelúdio

de sua renúncia ao cargo de presidente pela ampla reação negativa que desencadeou, foi

a condecoração do ex-guerrilheiro argentino Ernesto “Che” Guevara – naquele

momento Ministro de Economia de Cuba – com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do

Cruzeiro do Sul em 18 de agosto de 1961.

Che Guevara estava de passagem pelo Brasil após sua participação na Conferência de

Punta del Leste e o gesto de Jânio excedeu os limites toleráveis no campo do simbólico

num momento em que seus antigos aliados já estavam reticentes em relação as diretrizes

políticas que vinha assumindo. A reação foi imediata. Imprensa, militares, clérigos e

políticos ligados às correntes mais conservadoras lançaram-se a um ataque intenso e

constante ao presidente e seu governo que combinava o acirramento do anticomunismo

visceral dos militares, com as suspeitas dos católicos, o temor das classes médias e,

evidentemente, os interesses econômicos do grande capital273

Alguns militares inconformados com o episódio devolvem suas condecorações; Carlos

Lacerda, em resposta, condecora o líder cubano anticastrita Manuel Antonio Verona no

Palácio das Laranjeiras e faz um pronunciamento televisivo denunciando uma tentativa

de golpe do governo envolvendo Guevara; e a imprensa, representada pelos grandes

grupos de comunicação aliados aos interesses estadunidenses, perde definitivamente a

.

273 BENEVIDES, Op. cit.

245

empatia pelo político – antes um expoente da autopromoção midiática – e amplifica a

pressão sobre o governo face à repercussão extremamente negativa do episódio.

Trecho do pronunciamento do Governador da Guanabara Carlos Lacerda na TV Rio em 24 de agosto de 1961

“Por trás da condecoração dada ilegalmente a esse aventureiro

internacional, a esse apátrida especialista em oprimir a pátria

alheia, que coisas se escondem, que aventuras, que tramas da

madrugada, que torvas conversas, que sinistras combinações!”274

Grã-Cruz para um Agitador Internacional – O Globo

“Atingiu o limite da capacidade do povo brasileiro suportar

agressões a outorga ao Sr. Ernesto Guevara, vulgo Che – ex-

cidadão argentino que renegou sua pátria para servir à causa do

bolchevismo na frente avançada de Cuba –, da Ordem Nacional do

Cruzeiro do Sul em seu mais elevado grau. A visita desse senhor ao

Brasil já era difícil de engolir. Admitia-se que ele viesse a convite

próprio, apenas referendado pelo nosso governo, que não tivera

saída. Entretanto, o presidente transformou o agitador profissional,

o inimigo da democracia, que acaba de renegá-la em Punta del

Este, esse desalinhado promotor de vários escândalos

internacionais, em hóspede bem-vindo, merecedor das maiores

homenagens. Não sabemos como os dignos ministros da Guerra e

da Marinha – não falemos do ministro do Exterior –, que fazem

parte do Conselho da Ordem, podem haver concordado com a

indefensável deferência ao sócio de Fidel Castro”.275

O episódio Che Guevara, tamanha a sua importância no desfecho antecipado do

mandato de Jânio Quadros expõe a tênue linha que mantinha em equilíbrio a correlação

de forças naquele momento político. Além disso, demonstra o papel e, sobretudo, as

escolhas da imprensa na condução dos fatos que noticia, uma vez que fica evidente

274 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2004, p. 408. 275 ARNT, R. Jânio Quadros – O Prometeu da Vila Matilde. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 175

246

neste caso a relação entre a atuação dos meios de comunicação e o aprofundamento do

isolamento político de Jânio Quadros.

Tanto que a fotografia publicada no Jornal do Brasil e analisada neste trabalho figura

como um exemplo da intensidade com que a condecoração de Guevara atingiu o

noticiário nacional. Até hoje circulam controvérsias acerca da ocasião em que a

fotografia foi feita e alguns textos sobre ela trazem a informação que foi realizada na

cobertura da visita de Che ao Brasil. Esta informação equivocada está posta inclusive no

livro comemorativo dos 50 anos do Prêmio Esso, em uma breve contextualização

histórica acerca do fato associado a cada imagem vencedora o texto afirma que “O

flagrante foi batido no fim da cerimônia de condecoração do líder Che Guevara

(19/08/1961) e poucos dias antes de sua explosiva renúncia”276

Na verdade, a fotografia de Erno Schneider foi registrada por sua câmera em 20 de abril

de 1961, quatro meses antes de ser publicada, no dia 23 de agosto de 1961. O evento

por trás da imagem foi uma visita do então presidente da argentina Arturo Frondizi para

um encontro que ocorreu entre os dias 20 e 23 de abril e cujo objetivo era estabelecer

acordos de cooperação entre os dois países no que tange ao livre comércio e circulação

de mercadorias entre fronteiras, o estabelecimento do tratado de amizade e não agressão

entre Brasil e Argentina e ao posicionamento do bloco latino-americano frente ao

cenário político internacional. Ao final do encontro os dois presidentes assinam o

Tratado de Amizade e Consulta entre Brasil e Argentina, documento que estabelecia os

trâmites gerais da diplomacia entre as duas nações.

.

No dia 20 de abril de 1961 o presidente do Brasil, Jânio Quadros, iria receber o

presidente argentino Frondizi na ponte da cidade gaúcha de Uruguaiana, fronteira com

Passos de los Libres. Este evento abriria o encontro entre as missões diplomáticas dos

dois países e como Erno diz em sua entrevista, toda a imprensa estava presente. Em

meio a uma confusão que ocorre no local Jânio se vira de maneira contorcida e Erno

captura o instante que eternizaria o presidente “sem rumo”.

Curiosamente, poucos dias antes de sua passagem pelo Brasil e do encontro com

Quadros, Che Guevara havia estado com Frondizi na Argentina – que também adotava o

princípio de uma política externa independente – para discutir o apoio dos países da

276 Uma História Escrita por Vencedores, Op. Cit, p. 29.

247

América Latina a ilha cubana face ao conflito com os Estados Unidos. Assim como viria

a ocorrer no caso brasileiro, no país vizinho, o fato rendeu ao seu presidente um saldo

negativo diante dos setores conservadores da sociedade argentina e da conjuntura

política internacional que pressionava todo o bloco a uma aliança com os EUA contra o

comunismo. Alguns autores estabelecem uma relação entre o desgaste da imagem de

Frondizi a partir do episódio com a crise instaurada no país que desencadeou o golpe

militar e o destituiu do governo poucos meses depois, em 29 de março de 1962.

De modo geral a notícia sobre esse encontro foi veiculada de maneira tímida nos jornais

da época. Aparece em notícias curtas e sem destaque, na maior parte das vezes nas

páginas internas e sem fotografia. O Jornal do Brasil publica uma imagem dos dois

presidentes abraçados na capa do dia 21, mas faz uma matéria de tom apenas

informativo na página interna. A Folha de São Paulo destaca o encontro nos dias 20 e

21 em matérias pequenas, envidas por correspondentes e também sem fotografia

associada.

A imagem capturada por Erno Schneider não poderia sintetizar melhor todos os

conflitos e as contradições da curta experiência democrática entremeada por dois

períodos de ditadura. Não só simboliza com rara exatidão a personalidade confusa de

Jânio Quadros e das incoerências de seu mandato como também expressa com certa

previsão as incertezas que estariam por vir.

A metáfora visual que Erno nos proporciona através de sua fotografia encontra um

correspondente verbal na descrição em que Maria Benevides apresenta um retrato

assertivo o que foi a personalidade de Jânio Quadros e as subsequentes controvérsias de

seu governo.

“O estadista altivo que se opõe à aventura do Presidente Kennedy

na invasão a Cuba (Baía dos Porcos, abril de 1961) aceita a

imposição de regras rigorosas pelo FMI. O presidente que

condecora o líder revolucionário Guevara, ordena a repressão às

manifestações de estudantes em Recife, por ocasião de conferência

da mãe do próprio ‘Che’. Empossado a Presidência, vai à televisão

248

e reafirma sua firme defesa da iniciativa privada; no dia seguinte

envia um projeto sobre os abusos do poder econômico.”277

O enquadramento centralizado da figura de Jânio Quadros com os pés trocados

transmite uma série de representações que transcendem a simples exposição dos fatos,

vinculando-se a uma leitura ampliada e textual da imagem que agrega a sua síntese

visual, as aspirações e tensionamentos sociais do contexto histórico em que é

construída. O período em que Jânio Quadros governou o país foi marcado justamente

pela desorientação política, que de certo modo se confundia com a personalidade

confusa do presidente, com seu jeito histriônico e atrapalhado. Compõe assim, a

significação visual de uma conjuntura permeada pela falta de um caminho político

coerente, ao mesmo tempo em que a incerteza do devir se avolumava diante da crise

política instaurada no início da década, a qual culminaria no golpe militar de 1964.

Toda a relevância representativa da fotografia de Erno Schneider não ofusca seus

atributos estéticos no reconhecimento que se presta a esse trabalho. O desequilíbrio

expressado semanticamente é reiterado pela precisão na captura do equilíbrio

momentâneo das linhas e formas no espaço e no tempo. Assim, a imagem produzida

encerra um dos princípios fundamentais do fotojornalismo, teorizado pelo fotógrafo

francês Henri Cartier-Bresson, um dos pioneiros no desenvolvimento do ofício:

“Uma fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fração de

segundos, da significação de um fato e de uma organização rigorosa

das formas percebidas visualmente que exprimem esse fato.”278

Forma e conteúdo conjugados para a tarefa de produzir um sentido para o

acontecimento, uma “construção social da realidade” que, todavia, não se esgota numa

única interpretação, sendo constantemente re-significada por leituras “construídas

socialmente”

279

277 BENEVIDES, Op cit.

em torno do que é visto. Uma dimensão mais autoral da fotografia

começa a ser esboçada dentro das discussões basilares do fotojornalismo brasileiro,

278 Cadernos de Jornalismo e Comunicação, nov-dez, 1970, p. 127. 279 SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo Performativo – o serviço de fotonotícia da agência lusa de informação. Santigo de Compostela, 1997. Tese (Doutorado em Ciências da Informação) Universidade de Santiago de Compostela. Santigo de Compostela. 1997. Disponível em: http://bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-fotojornalismo-tese.html. Acessado em: abril/2012.

249

principalmente porque este é o momento de constituição profissional da categoria, cuja

geração pioneira forma-se através da prática do ofício. A necessidade de uma reflexão

conjunta sobre seus fundamentos e de um direcionamento enquanto classe se

intensifica, e, caminha em paralelo a uma discussão voltada para dentro, no bojo do

processo de consolidação profissional, a reivindicação externa dos interesses dos

repórteres fotográficos junto aos órgãos de imprensa dos quais são empregados.

3.3. Qual é o Rumo? – A fotografia que virou notícia

A fotografia feita por Erno Schneider foi a público em uma exposição de fotojornalismo

promovida pelo JB em 1961. Sua notoriedade foi tanta que saiu da primeira página do

Jornal do Brasil e do suplemento Caderno B - onde foi publicada - para a consagração

como melhor fotografia do Prêmio Esso no ano de 1962. Nesse movimento, não apenas

o assunto retratado pela imagem, mas o seu próprio status como fotografia ganha novos

contornos que a descolam de seu suporte característico inicial. Do momento em que foi

capturada até a vitória no Esso, diversos fatores fizeram com que a imagem quase se

perdesse por completo, conforme conta Erno280

Memórias que não são apenas dos acontecimentos do conturbado ano de 1961 e dos

desdobramentos políticos que um governo malogrado pôde engendrar diante da falência

institucional e do desequilíbrio das forças políticas. Mas memórias relacionadas à

trajetória de um fotógrafo de imprensa; da configuração dos parâmetros que iriam

ajudar a construir um estilo de fotojornalismo no joranlismo diário no Brasil; da

conformação de um modo de ver a imagem nas páginas do jornal, compartilhado por

fotógrafos e leitores em uma dinâmica recíproca; e também, da consolidação da

fotografia na imprensa que entraria em um caminho sem volta, no qual a imagem

ganharia espaços cada vez mais privilegiados na diagramação do jornal, ao ponto de ser

quase imprescindível face ao desenvolvimento técnico que permitiu a sua expansão e ao

enraizamento de uma cultura apegada ao visual.

, e entre idas e vindas a fotografia foi

capaz de migrar através de diversos contextos e suportes que a investem de novas

nuances e atualizam tanto os significados do motivo fotografado como seu formato

enquanto objeto capaz de reter esses significados e essas memórias.

280 Esses fatos sobre a trajetória da fotografia de Jânio Quadros são revelados pelo próprio fotógrafo no vídeo “Erno Schneider - A História num click”, produzido pelo LABHOI no âmbito do projeto “Imagens Contemporâneas: prática fotográfica e os sentidos da história na imprensa ilustrada (1930-1970)”, dirigido e roteirizado por Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel.

250

Tendo isso em vista, esta última parte do trabalho visa refletir acerca do terceiro

elemento que compõe esta abordagem: a fotografia. Para esse enfoque, a perspectiva a

ser adotada é a de tratar a fotografia não apenas pelo seu conteúdo visual, mas pela sua

transitoriedade enquanto objeto que se fixa a diferentes suportes, formatos e contextos

ao longo de sua existência, atualizando em cada um deles seu significado e sua

significação. Após uma incursão nos aspectos que definem sua autoria e no cenário que

possibilitou a sua concepção, buscar os vários caminhos que percorreu apresenta-se

como etapa da tentativa de compreender a trajetória da imagem.

Para além do caráter indicial da fotografia, esta abordagem está pautada na

materialidade performativa do objeto que carrega consigo uma imagem capturada

mecanicamente de um aspecto da realidade. Nesse sentido, podemos estabelecer duas

faces dessa materialidade expressas através de uma “biografia social” da imagem e de

uma “biografia social” da fotografia. Entanto a primeira está relacionada aos formatos

através dos quais uma imagem é veiculada – jornal, folheto, livro, etc –, implicando em

diferentes formas materiais dessa imagem, a segunda diz respeito ao objeto em si que

pode ou não ser modificado fisicamente tanto quanto se move no espaço e no tempo281

Em conjunto, e complementando-se um ao outro, os dois aspectos biográficos da

fotografia influenciam diretamente os seus atributos de valor e uso, ou seja, ultrapassar

ou não as barreiras do privado, ser publicada em um grande veículo de comunicação ou

ser guardada em um arquivo, estar em um álbum de família ou em um livro de

memórias, todos esses aspectos definem os modos como uma fotografia interfere nas

realidades que alcança desde o momento da sua captura instantânea até cada interação

propiciada pelas infinitas reproduções a que está sujeita. E nessa trajetória, os vestígios

deixados por uma fotografia podem determinar o potencial histórico de uma imagem e

os seus efeitos sociais, culturais e políticos.

.

“… that are important but their social effects as they construct and

influence the field of social action in ways that would not have

281 EDWARDS, E. & HART, 2009, Op. Cit., p. 5.

251

occurred if they did not exist, or, in the case of photography, if they

did not exist in this or that specific format.282

O percurso através da trajetória da fotografia “Qual o Rumo?” procura evidenciar o seu

potencial artístico, informativo e representacional, contemplando as implicações

decorrentes das diversas maneiras em que foi utilizada, bem como a relevância da

consagração com o Prêmio Esso em 1962 para as transformações experimentadas pelo

fotojornalismo no bojo da modernização da empresa de comunicação e das

reivindicações relacionadas à valorização do repórter fotográfico e da fotografia de

imprensa.

A primeira questão acerca da trajetória da fotografia em foco está localizada na relação

entre imagem e imprensa, ou entre a sua captura e a sua publicação. De acordo com

Erno Schneider, seu autor, a fotografia foi feita por ocasião do encontro entre os

presidentes do Brasil e da Argentina – Jânio Quadros e Arturo Frondizi – na cidade de

Uruguaiana. O instante retratado precede a recepção do argentino pelo brasileiro sobre a

ponte local - que inclusive pode ser vista no fundo da imagem - e aconteceu no dia 20

de abril de 1961. Os jornais da época noticiaram o encontro no dia seguinte e de

maneira discreta, seguindo em linhas gerais os padrões informativos de construção da

notícia na imprensa. Naquele momento, o mandato de Jânio ainda estava no início e as

restrições em relação aos rumos da política que tentava empreender não estavam na

pauta.

Figura 59: Folha de São Paulo, 21 de abril de 1961.

282 Idem, p. 4.

252

A Folha de São Paulo fez uma chamada na capa do jornal de 21 de abril de 1961 e uma

reportagem na página 2, ambas sem fotos. A reportagem é construída narrando os

acontecimentos desde os preparativos para a chegada de Frondizi até os principais

pontos que seriam discutidos no encontro entre os presidentes, passando pela descrição

do cerimonial protocolar da diplomacia na recepção ao argentino e por assuntos mais

gerais sobre a vinda do chefe de estado vizinho.

Figura 60: Jornal do Brasil, 21 de abril de 1961.

253

O Jornal do Brasil faz também uma chamada de capa do jornal (Figura 60) e uma

matéria na página 3 sobre o encontro na edição do dia 21 de abril. O padrão informativo

da notícia é semelhante ao que foi produzido pela Folha, tecendo um comentário geral

sobre a realização do encontro. Entretanto o tom da reportagem do JB tende a ser mais

positivo, uma vez que celebra o estreitamento das relações entre Brasil e Argentina

como um resultado satisfatório da realização do encontro de maneira mais contundente.

Outro diferencial do JB é a imagem publicada na capa da edição que mostra os dois

presidentes com um resumo da notícia na legenda.

Figura 61: Fotografia de Jânio Quadros e Arturo Frondizi publicada na capa do Jornal do Brasil de 21 de abril de 1961.

A fotografia impressa na primeira página do Jornal do Brasil chama a atenção para a

união e amizade entre os países (Figura 61). O “caloroso abraço” retratado na imagem

254

traz a noção de estreitamento de laços e simboliza a cordialidade e aproximação entre os

chefes de estado dos dois países. O crédito da imagem é da Associated Press, logo, foi

adquirida através de uma agência de notícias. É provável que na ocasião a fotografia de

Erno não estivesse disponível, uma vez que o fotógrafo estava cobrindo o evento em

Uruguaiana. Na época a velocidade de transmissão de fotografias favorecia a

distribuição pelas agâncias, uma vez que, segundo Louzada, os fotógrafos de agência

revelavam o material no local e remetiam uma única imagem por rádio que era

redistribuída para os jornais via Radiofoto. Já o fotojornalista que trabalhava para os

jornais tinha como recurso enviar os negativos para a sede da empresa através de

passageiros em vôos comerciais283

Em que pese as questões de ordem prática, o retrato de Jânio Quadros não figurou nas

páginas do JB nem mesmo no dias 22 e 23 de abril de 1961, que deram continuidade ao

encontro dos presidentes. Portanto, é interessante notar, neste caso, não a imagem

veiculada pelo Jornal do Brasil para ilustrar e compor a reportagem, mas o fato de a

fotografia de Erno Schneider não ter sido utilizada pelo jornal em nenhum momento.

Assim sendo, o primeiro traço marcante da história da fotografia “Qual o Rumo?” não é

a sua publicação na primeira página do jornal como se poderia imaginar, mas sim o

exato oposto da sua não publicação.

.

Não é possível afirmar com precisão os motivos que nortearam a opção de não tornar

pública uma imagem do presidente de pés trocados. A despeito disso, é possível inferir

acerca da importância desse fato para tentar compreender outros aspectos relacionados

às disputas em torno da informação e a influência das imagens na mobilização de

códigos de significação que estão intimamente associados ao texto jornalístico escrito

na produção de um sentido em que a mensagem será transmitida. Afinal, qual é a razão

de se publicar uma fotografia em detrimento de outras? Qual é o critério que faz com

que se arquive uma fotografia? E, sobretudo, por que e quando desarquivá-la para vir a

público?

Talvez porque até naquele momento a forma histriônica de Jânio Quadros produzisse

somente anedotas políticas e fatos pitorescos, tornando-o alvo preferido de chargistas e

comediantes abastecidos por suas medidas extra-governamentais e sua personalidade

insólita. Naquele momento ele ainda era o Jânio cuja habilidade de autopromoção e a 283 LOUZADA, Silvana, 2009, Op. Cit., p. 264.

255

vocação para criar mídia em torno de si casava perfeitamente com os interesses da

imprensa em gerar notícias. Talvez também porque no contexto em que a reportagem

estava pautada o desconcerto do presidente fizesse um contraponto dissonante com a

celebração da amizade e da cooperação mútua entre os países vizinhos. Ou ainda,

porque o editor responsável não deu importância devida para o sentido da imagem – no

contexto em questão ela poderia nem fazer tanto sentido – e não apreendeu dela a

eficiência informativa necessária para fazê-la figurar nas páginas do jornal.

Independente da intenção de publicá-la no futuro ou não – o que poderia inclusive

inviabilizar sua participação no Prêmio Esso – a fotografia de Erno ficou oculta até o

momento ocasionalmente oportuno em que a exacerbação das contradições do governo

de Jânio gerou um fato clímax impactante correspondente a força semântica da imagem

em questão. Esse momento culminante foi a condecoração de Ernesto “Che” Guevara

com a Ordem do Cruzeiro do Sul, em agosto daquele mesmo ano. O acontecimento

acabou por se tornar o prelúdio da renúncia de Jânio, devido a todo simbolismo presente

na associação da figura de Che com o sinistro e o perigo comunista, e, acentuou de

maneira insustentável o desequilíbrio político no qual o governo de Quadros se apoiava.

No dia 23 de agosto de 1961 a edição do Jornal do Brasil trazia na primeira página

(Figura 62) o presidente da República com os pés enviesados indicando caminhos

opostos, tal qual fora o desenrolar de seus atos na presidência que se por um lado se

alinhava com a UDN e a direita conservadora, por outro tendia a uma postura associada

à ideologia da esquerda. A fotografia simboliza visualmente o aprofundamento das

contradições do governo de Jânio Quadros ao conceder uma honraria de mérito a Che

Guevara. O que é reforçado pela legenda “Qual o rumo?”, que de certo modo indica

uma chave de sentido para decodificar a imagem associando-a ao desequilíbrio, a

incerteza e a insegurança.

Ao contrário do que se poderia imaginar a imagem não estava servindo para ilustrar

nenhuma matéria que falasse a respeito de Jânio ou dos últimos e turbulentos

acontecimentos que envolviam seu governo. A fotografia falava de si própria e de seu

sucesso na I Exposição Nacional de Fotojornalismo, organizada pelo Jornal do Brasil

para prestigiar as melhores imagens que o jornal havia veiculado até então. É uma meta-

fotografia em que estão visíveis um painel da exposição com a fotografia feita por Erno

256

Schneider no plano de fundo e dois expectadores que a observavam no primeiro plano.

Com o título “Rumo de Jânio é a atração”, o texto que acompanha a imagem explica:

“Uma foto intitulada Qual o Rumo? e na qual o Presidente Jânio

Quadros foi fixado pela câmera de Erno Schneider com as pernas

traçadas, uma para a direita, outra para a esquerda, revelou-se a

principal atração da I Exposição Nacional de Fotojornalismo,

ontem inaugurada no Aeroporto Santos Dumont, com 78 trabalhos

de fotógrafos da equipe do JORNAL DO BRASIL [...]”284

284 Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1961, primeira página.

.

257

Figura 62: Primeira página do Jornal do Brasil de 23 de agosto de 1961.

A iniciativa de promover uma mostra de imagens de imprensa da exposição foi a

oportunidade perfeita para que o próprio Erno tornasse pública sua fotografia até então

inédita. Ele mesmo lembrou-se da imagem e recorreu ao arquivo do JB para enviá-la à

mostra que foi instalada em diversos aeroportos pelo Brasil.

258

“A foto do Jânio não foi publicada, só foi copiada depois que eu

voltei lá da viagem. Depois que eu voltei eu falei, pô, mas eu fiz uma

foto legal lá, fui no arquivo e procurei. Aí que eu achei a foto do

Jânio. Aí fiz uma ampliação e ao mesmo tempo o Jornal do Brasil

resolveu fazer uma exposição dos fotógrafos do jornal, uma mostra

de fotos em todos os aeroportos do Brasil”285

A fotografia foi o centro das atenções de toda mostra, pois estava profunda e

oportunamente referenciada pela conjuntura política experimentada pela sociedade

naquele momento. Curiosamente, três dias após a inauguração da exposição, em 25 de

agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência. O sucesso foi instantâneo e

amplificado pela abrangência da circulação propiciada posteriormente pelo jornal.

Como comenta Erno:

.

“A foto do Jânio toda semana sumia, roubavam, sei lá. Aí a gente

copiava de novo. Aí virou notícia. Ela saiu publicada no Caderno

B”286

285 SCHNEIDER, Erno, 2008, Op. Cit..

.

286 Idem.

259

Figura 63: Primeira página do Caderno B, Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1961.

No entanto, trata-se de uma fotografia feita quatro meses antes, que está na sua origem

associada a um acontecimento completamente diferente do fato que noticiou, inscrita

temporalmente em um contexto histórico em que as relações do presidente com a

imprensa estavam mais para aproximação do que para o embate, que foi arquivada e

resgatada para veicular uma notícia pelo seu valor semântico e não por seu status de

testemunho dos fatos tal como eles aconteceram. Sem dúvida, essa é uma nova

abordagem que utiliza a fotografia na imprensa diária como linguagem autônoma em

relação ao fato noticiado, desobrigando-a do compromisso com a “realidade objetiva” e

de retratar apenas o flagrante como prova objetiva e incontestável do texto no qual ela

está ancorada.

Tanto a exposição quanto o destaque posterior dado a fotografia “Qual o rumo?”,

estampados na capa de um jornal de grande circulação em detrimento de matérias

ligadas à ordem do dia da política nacional, evidenciam o valor diferenciado que a

260

imagem assume dentro da lógica institucional do JB à época, que contrariando os

parâmetros vigentes na imprensa diária no tocante a relação imagem e texto, escrevia

matérias ancoradas em suas fotografias, desde que elas fossem consideradas

expressivas287

Neste sentido, a valorização do trabalho dos fotógrafos como Erno contribuiu tanto para

a consolidação de uma nova experiência do leitor ao vislumbrar imagens cotidianas com

apelo à subjetividade quanto para o aprimoramento e desenvolvimento de uma prática

fotográfica na imprensa que valorizasse este aspecto plástico e subjetivo. Para Silvana

Louzada essa característica distinguia o JB de outros veículos de notícias e estava

relacionada a um habitus que constrói e influencia o gosto, sendo este o momento em

que “o jornal se afirma frente ao público de maior poder aquisitivo, associando a

fotografia que publica a um gosto diferenciado o ‘bom gosto’”.

. Nos dias que precederam a inauguração da exposição o jornal fez uma

série de capas no Caderno B com as fotografias que compunham a mostra, sinalizando

essa diferença de tratamento dada pelo veículo à utilização do recurso gráfico para a

composição de notícias e fundando uma nova identidade baseada nessa premissa.

288

De certo modo a imagem da capa do JB, embora tenha sido veiculada no bojo das

reportagens que promoveram o ataque que desestabilizou por completo o mandato de

Jânio Quadros, traz na composição estética da figura torta e atrapalhada um humor

quase pastelão que confere a ela um aspecto transgressor, que destoa do quadro geral

quando confrontada com a cobertura alarmista e virulenta promovida por outros jornais

de grande circulação como O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, que

apoiados no ataque lacerdista manifestavam-se contra o presidente Jânio Quadros.

O Estado de São Paulo do dia 20 de agosto de 1961 escreve em seu editorial uma crítica

veemente ao que classifica como “imoderado desejo de distribuir a três por dois

crachás, fitas, fitinhas e rosetas a quantos perambulem pelas cercanias do Palácio da

Alvorada”. Ao lado do editorial, na mesma página três, publicou uma matéria de três

colunas com o título: Lacerda ameaça romper com Quadros e renunciar: a crise é

contornada pelo presidente. Nela o jornal descreve o descontentamento do governador

Carlos Lacerda e de sua preocupação com as medidas adotadas pelo governo Quadros

no que diz respeito à política externa do país.

287 LOUZADA, Silvana., Op. Cit., 2009, p. 257. 288 Idem, p. 263.

261

“Acima de tudo preocupa-se – segundo afirmativas por ele próprio

feitas – com o desenvolvimento da política externa do sr. Jânio

Quadros, a qual já teria deixado de ser independente para tornar-se

contrária, ou pelo menos, inconveniente ao mundo não socialista.

Não é mais, segundo o sr. Lacerda, uma política de neutralidade, de

interesse do País, mas uma verdadeira opção em favor do bloco

comunista. A mensagem do presidente ao ‘premier’ Kruchev e

principalmente a atribuição da mais alta condecoração brasileira a

‘Che’ Guevara, no instante em que o delegado cubano se recusou a

assinar a Carta de Punta Del Este, se afiguram ao sr. Carlos

Lacerda, como uma clara definição antiamericana, uma violenta

guinada para a esquerda que contraria a linha tradicional da

política brasileira e não pode mais ser engolida em silêncio, mas

reclama uma cruzada de esclarecimento e de reação.”289

Na mesma linha a Folha de São Paulo traz uma reportagem articulada em torno da

oposição feita por Lacerda sob o título: Lacerda (após reunião com Jânio) ameaça

renunciar, e com o subtítulo: Política Externa, a opinião do governador da Guanabara

a esse respeito “absurda, perigosa e contraria o interesse nacional”. Nela, Lacerda

acrescenta considerar um “perigoso exagero, as manifestações de amizade e

confraternização ultimamente freqüentes”, referindo-se especialmente às condecorações

do aeronauta russo Yuri Gagarin

290

“tão distante assim se encontra aquela nação dos ideais e

procedimentos panamericanos, que surpresa teria havido, isso sim,

se seu nome figurasse entre os dos signatários do documento que

oficializa a Aliança Para o Progresso. Não assinando a Carta, Che

e de Che Guevara. Ainda falando sobre a política

externa do governo Jânio, Lacerda diz que “mereceria o repúdio do partido (UDN)”. E

em seu editorial:

289 Jornal O Estado de São Paulo, 20 de agosto de 1961, p. 3. 290 O cosmonauta russo é o tema de uma das imagens homenageadas no Prêmio Esso de 1962. Feita por Carlos Leonan da Tribuna da Impensa, a fotografia Gagarin, recebeu um Voto de Louvor na mesma edição do concurso que consagrou o trabalho de Erno Schneider.

262

Guevara, foi coerente. Mais coerente teria sido se nem

comparecesse à reunião. Não pretendia o representante cubano

falar a linguagem dos outros países da América (...) o que foi afinal

o sr. Guevara fazer em Punta Del Este, a não ser tentar fomentar

dissensões (...) Cuba foi transformada hoje inequivocamente em

cabeça de ponte do comunismo no continente (...).”291

Em O Globo de 22 de agosto de 1961 a agressividade da cobertura é ainda mais

evidente e direta:

“Assim já é demais, colocar no peito do falso cubano e autêntico

comunista o emblema da Cruz de Cristo é um acinte que não

expressa a vontade da nação... uma agressão aos sentimentos e

ideais do povo brasileiro”292

Provavelmente, a posterior confusão envolvendo a foto “Qual o rumo?”, que associava a

condecoração de Che Guevara ao episódio que possibilitou sua captura é fruto dessa

publicação, em que cuja proximidade de datas – fato e publicação – levam a uma ilação

baseada na correspondência entre texto e imagem típica do jornalismo. Isso é possível

graças a uma maneira de compreender os ditames do jornalismo imputando a linguagem

verbal um sobrevalor que a torna fonte primária do nexo em torno do acontecimento,

ficando a imagem, por sua vez, aquém de sua dimensão autônoma enquanto linguagem

e servindo como o elemento gráfico que apenas comprova ou ilustra o texto escrito.

Essa perspectiva começa a se alterar justamente com o movimento originado nas

disputas em torno da valorização do fotógrafo e da mobilização dos profissionais de

imagem em torno não só das reivindicações trabalhistas, mas também da afirmação das

questões identitárias e da construção dos parâmetros de uma linguagem fotográfica.

A parte isso, é importante refletir sobre alguns outros aspectos relacionados e essa

distensão que separa o ato fotográfico de sua primeira aparição pública. Uma diz

291 Folha de São Paulo, 20 de agosto de 1961, p. 3. 292 Jornal O Globo, 22 de agosto de 1961, p 5.

263

respeito a questão das esferas públicas e privadas293

Uma vez pensando a respeito da fotografia pública e, automaticamente, devemos pensar

que concerne a alguém a responsabilidade de torná-la pública, tem-se que somente

pública ela pode se constituir como um elemento que irá influenciar o campo das

práticas e representações sociais

e sua influência na trajetória do

objeto fotográfico, ou melhor, na definição de quem – sujeito ou instituição – pode

determinar a permanência desse objeto oculto, restrito ou público, em ampla circulação.

Para isso concorrem instituições de acervo, arquivos pessoais ou de colecionadores,

álbuns de família e, sobretudo, a imprensa com suas escolhas e estratégias formais,

políticas ou ideológicas capazes de fazer circular ou não as fotografias registradas com a

finalidade noticiosa. Neste caso o exemplo da fotografia de Erno é emblemático, uma

vez que ela poderia ter ficado arquivada, por circunstâncias ou correlação de forças

distintas, não se tornando, portanto, pública.

294. Deste modo, ela se define não apenas por sua

materialidade, ou como um vestígio legado para evidenciar um acontecimento do

passado, mas sobretudo com um objeto que pertence e define a cultura política295

Outro aspecto a ser considerado é a produção de sentido através das imagens,

especialmente as imagens técnicas, e o discurso em torno de um pretenso realismo. A

imagem capturada por Erno exemplifica muito bem a conjugação de texto e contexto

que se amparam mutuamente e permitem operar uma teia associativa e relacional de

significados, sensações e representações na construção de um sentido para o aquilo que

se vê. A principal chave de interpretação para a imagem em questão, e talvez até para a

definição de sua trajetória de sucesso, está intimamente relacionada com a conjuntura

de

determinada sociedade. Ao mesmo tempo em que pauta as demandas e aspirações dos

sujeitos históricos, enquadra memórias, mobiliza sentimentos e se torna um agente

potencial das transformações sociais, demonstrando que é capaz de conter

temporalidades distintas e diversas histórias por traz de sua enganadora objetividade

indiciária.

293 A noção de esfera pública está sendo apropriada das proposições de Habermas. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 294 MAUAD, Ana Maria. "Itinerários da memória - práticas fotográficas, trajetórias profissionais e os sentidos da história". Revista Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2012. Disponível em: http://nuevomundo.revues.org/63139, acessado em outubro/2012. 295 Sobre o conceito de cultura política ver: AZEVEDO, Cecília; ROLLEMBERG, Denise; KNAUSS, Paulo; BICALHO, Maria Fernanda; QUADRAT, Samantha (orgs.). Cultura política; memória e historiografia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

264

histórica de instabilidade política e crise institucional associadas ao governo e à

personalidade de Jânio Quadros, bem como de suas decisões insólitas e da contradição

inconciliável entre um programa governamental conservador e uma política externa

independente. Sem o contexto histórico em que foi veiculada, certamente a apropriação

e o impacto do retrato de Quadros com os pés trocados seria outro. Nessa mesma linha,

ainda é preciso levar em consideração que o entendimento da mensagem contida na

fotografia, e portanto sua eficiência enquanto texto jornalístico296

Por fim, também vale a pena destacar uma característica da fotografia “Qual o rumo?”

relacionada a apropriação do tempo pela imagem fotográfica, que pode ser observada na

diferença entre as datas de sua produção e publicação. Mais do que se prender ao

flagrante e ao momento de sua captura, a imagem de Jânio consegue transcender ao

aspecto instantâneo e perdurar no tempo eternizando, como foto-ícone

, depende da

decodificação da metáfora que contém, o que está relacionado ao capital cultural prévio

de quem observa e consegue efetuar o reconhecimento do personagem e da conjuntura

representados pela imagem.

297

A imagem de Jânio, flagrado numa situação adversa, adere à comicidade ao transpor

para o visual a metáfora da contradição levada ao extremo com a condecoração de um

guerrilheiro cubano em pleno contexto da Guerra Fria. De fato, foi essa a imagem de

“Jânio que ficou na retina”

, as principais

questões do período em que foi produzida. Tanto que permitiu a dilatação do instante ao

ser apropriada em um tempo distinto do de sua produção, denotando também a sua

capacidade polissêmica.

298

296 Milton Guram define o fotojornalismo como uma vertente da fotografia, para a qual a eficiência da imagem em transmitira a informação jornalística é o fator que irá determinar a qualidade do trabalho “Para nós foto boa é foto eficiente.” (grifo do autor). GURAM, Milton. Linguagem fotográfica e Informação. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.

e entrou para o imaginário popular não apenas como

memória do fato que lhe serviu de pretexto para publicação, mas como uma síntese do

personagem que enquadrou. Portanto, a fotografia de Erno transpõe os limites do jornal

e da notícia que ajudou a ilustrar ao ser reapropriada e resignifica de diversas maneiras

ao longo de sua existência. Seu próximo acampamento será em 1962 quando recebe o

297 MAUAD, Ana Maria, 2009, Op. Cit. 298 Título do artigo de Ana Maria Mauad para Revista de História da Biblioteca Nacional, disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/o-janio-que-ficou-na-retina. Acessado em: abril/2012.

265

Prêmio Esso de melhor fotografia e transforma novamente a história do fotógrafo e a

sua própria história.

Felizmente, a conjugação de fatores que levou a imagem do arquivo à exposição e da

exposição para a primeira página do Caderno B do dia 23 de agosto de 1961 concedeu a

Erno Schneider o direito de inscrevê-la no Prêmio Esso de Fotografia no ano seguinte.

De acordo com as regras do concurso para concorrer ao prêmio o material enviado à

comissão julgadora – reportagens ou fotografias – deveria, necessariamente, ter sido

publicado por algum veículo de imprensa.

“Aí (depois da publicação no jornal) a foto virou notícia, o jornal

publicou, só podia inscrever no Prêmio Esso se o jornal publicasse

a foto, aí como o jornal tinha publicado eu peguei a foto e inscrevi

ela no Prêmio Esso”299

A premiação específica para fotografia havia sido criada no ano anterior, sinalizando

para o crescimento da utilização e da importância das imagens na produção de notícias.

Na ocasião a imagem “Não matem meu cachorro” feita pelo fotógrafo Sergio Jorge para

a Revista Manchete ganhou o prêmio de melhor fotografia tendo em sua composição o

retrato de um menino desesperado diante da captura de seu cachorro pela carrocinha.

Aspectos como o flagrante, a sobreposição de planos e o apelo visual a comoção

destacam-se na imagem e valorizam a sensação de “congelamento do tempo” fixado

pela câmera do fotógrafo.

.

Em 1962 o Prêmio Esso de Fotografia contemplaria com 80 mil cruzeiros o vencedor da

competição e a inscrição devia ser “feita mediante a remessa de três recortes da

reportagem publicada com a indicação do jornal ou revista que a divulgou, data e local

de publicação, diretamente à Associação Brasileira de Relações Públicas.”300

299 SCNHEIDER, Erno. Op. Cit., 2008.

. Os

fotógrafos Ed Keffel da revista O Cruzeiro e Dílson Martins do Jornal do Brasil, ambos

reconhecidos pelo trabalho que desempenhavam, formavam a comissão julgadora do

concurso para a categoria fotografia, a qual contava com um júri específico e composto

por fotógrafos.

300 Folha de São Paulo, 31 de outubro de 1961, p. 9.

266

No dia 23 de maio do ano seguinte, na cerimônia de premiação em um almoço oferecido

pelos organizadores do prêmio na Guanabara – atual estado do Rio de Janeiro – Erno

Schneider recebia das mãos da Condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil, o

diploma com o Prêmio Esso de Fotografia (Figura 64). Na mesma ocasião o Jornal do

Brasil ainda ganhou o Prêmio Principal com a reportagem “Fraude eleitoral” de José

Gonçalves Fontes e um Destaque Especial pela matéria de Carlos Pinto, “No território

do Piuns”.

Figura 64: Entrega do Prêmio Esso de Fotografia em 1962. O fotógrafo Erno Schneider com a Condessa Pereira Carneiro - dona do Jornal do Brasil - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo.

A escolha da fotografia “Qual o rumo?” como melhor fotografia de imprensa foi

veiculada pelo Jornal do Brasil do dia 14 de abril de 1962 (Figura 65). Uma matéria de

capa, com a manchete que enfatizava a repetição da vitória do JB, trazia a imagem do

presidente Jânio Quadros “numa posição equívoca”, a chamada para a matéria completa

e as fotografias dos vencedores: José Fontes e Erno Schneider. A chamada dava

destaque para os prêmios e os vencedores.

JB vence Prêmio Esso novamente

267

“O repórter José Gonçalves Fontes e o fotógrafo Erno Schneider, do

Jornal do Brasil, conquistaram ontem os Prêmios Esso de

Reportagem e Fotografia, respectivamente, o primeiro com a série

de reportagens sôbre a fraude eleitoral, e o segundo com a foto

intitulada Qual o Rumo, em que o ex-presidente Jânio Quadros

aparece numa posição equívoca.301

Figura 65 - Primeira página do Jornal do Brasil de 14 de abril de 1962.

A matéria da página 4 (Figura 66) relatava com detalhes as etapas do concurso, a

expectativa da equipe, a conquista de seus profissionais e a comemoração. É

interessante notar como na notícia, apesar da auto-afirmação da excelência do jornal

estar subentendida, os créditos para os profissionais – repórter e fotógrafo –

responsáveis pelo feito não só é mantido como valorizado. Logo no início do artigo o

301 Jornal do Brasil, 14 de abril de 1961, primeira página.

268

redator afirma que o Prêmio foi trazido para o jornal por dois de seus profissionais,

valorizando-os e atribuindo ao trabalho deles o destaque que o veículo havia recebido.

Destaca-se ainda, no texto, o fato de o jornal ganhar pela primeira vez o Prêmio de

Fotografia, o que viria a acontecer muitas vezes nos anos posteriores. Seguem alguns

trechos interessantes da reportagem:

“O repórter José Gonçalves Fontes e o fotógrafo Erno Schneider

trouxeram ontem para o JORNAL DO BRASIL o Prêmio Esso de

Reportagem de 1961 e o Primeiro Prêmio de Fotografia do maior

concurso jornalístico do País. O repórter Carlos Pinto, também da

equipe JB, obteve destaque especial com seu trabalho No Território

dos Piuns.302

302 Jornal do Brasil, 14 de abril de 1961, p. 4.

269

Figura 66: Reportagem do Jornal do Brasil em 14 de abril de 1962, p. 4.

A reportagem segue com uma pequena biografia dos vencedores:

“O gaucho Erno Schneider, de 27 anos foi premiado com a foto

intitulada Qual o Rumo?, em que o ex-Presidente Jânio Quadros

aparece com os pés em ângulo reto e a cabeça voltada para

trás.”303

O reconhecimento pela vitória com os cumprimento da autoridade máxima do país:

303 Idem, p.4.

270

“Durante uma hora, a redação parou ontem para festejar a vitória

de José Gonçalves Fontes e Erno Schneider, que fizeram do

JORNAL DO BRASIL bicampeão do Prêmio Esso. [...] O Presidente

da República através do Chefe de seu Gabinete Civil, professor

Hermer Lima, telefonou de Brasília ao Chefe de Reportagem,

jornalista Carlos Lemos, para congratular-se pela expressiva vitória

do JORNAL DO BRASIL.304

As etapas do concurso e o prêmio:

“Cerca de 170 séries de reportagens e 47 fotos participaram do

concurso, cuja comissão julgadora, presidida pelo jornalista

Prudente de Morais Neto, reuniu-se várias vezes [...] O primeiro

colocado no concurso de fotos, Erno Schneider, ganhará Cr$ 80

mil.305

A expectativa e a comemoração:

“Fumando cigarro após cigarro, o repórter José Gonçalves Fontes

esperava na redação o resultado do concurso, enquanto o fotógrafo

Erno Schneider, que ‘adoecera’ de repente, se encontrava em casa,

na expectativa do desfecho. Confirmada a vitória, em meio à intensa

expectativa, motivada sobretudo pela onda de boatos, Fontes e Erno

(arrancado do leito pelos colegas) receberam um banho de

champanha e foram cumprimentados por todo o pessoal da

casa.306

304 Idem.

305 Idem. 306 Idem.

271

Figura 67: Erno carregado em comemoração à vitória do Prêmio Esso - Autor Desconhecido - Acervo pessoal do fotógrafo.

O Prêmio Esso de Fotografia, que pela primeira vez era concedido a uma imagem

veiculada em um jornal diário, atestava não só a superioridade do fotojornalismo do JB

como o reconhecimento e a qualidade de seus profissionais. A fotografia premiada

adquire um status diferenciado em relação às demais e se torna o sinônimo de

excelência fotográfica que contribui para a delimitação dos critérios de qualidade dentro

do próprio campo. É preciso lembrar ainda que o reconhecimento conferido pela

premiação torna-se ainda mais significativa pela escolha ter sido feita por outros

fotógrafos especializados e consagrados, ou seja, uma confirmação da superioridade de

um trabalho desenvolvido atestada por seus próprios pares.

Este destaque coloca a fotografia que quase não foi de Erno em um outro lugar

simbólico, tanto em termos de significação quanto de valoração. Por um lado, a

272

trajetória desta fotografia é entrecruzada pela conquista do Prêmio Esso de 1962 e entra

para a memória do próprio concurso, assim como para uma galeria de imagens

lembradas por sua excepcionalidade. Esse movimento novamente desloca, ao mesmo

tempo em que afirma, o nexo de sentido da imagem – das contradições do ex-presidente

Jânio Quadros e do seu mandato – para a fotografia em si, com sua eficiência

jornalística e qualidade estética que lhe proporcionaram a vitória em um concurso

especializado. Uma evidência disso é a atualização da conquista do prêmio empreendida

pelas diversas citações que a imagem recebeu posteriormente e as referências da

fotografia “Qual o Rumo?” que atrelam a imagem ao prêmio de 1962, mencionando este

como sua característica principal, o que de certo modo, transpõe a eternização do

instante fotográfico para o objeto fotográfico consubstanciado na fotografia.

No entanto, poucas dessas referências – as únicas encontradas foram a da tese de

doutorado de Silvana Louzada, Prata da Casa: Fotógrafos e Fotografia no Rio de Janeiro

(1950 – 1960) e o vídeo “Erno Schneider - A História num click”, produzido pelo

LABHOI por Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel – recuperam o fato de que a origem

pública da fotografia em questão seguiu um caminho sui generis se comparada a outras

fotografias de imprensa. Ela própria se tornou notícia, sendo esta, inclusive, a razão

primordial de sua publicação no jornal e, consequentemente, de ter recebido do Prêmio

Esso. Esta informação não está presente na maior parte do material encontrado e oculta

um dado relevante acerca de sua trajetória que é o seu destaque e sucesso advindos do

reconhecimento público – dentre o público em geral e não somente entre pessoas

especializadas em fotografia – do seu aspecto inusitado e diferente do comum, através

dos visitantes da exposição de fotojornalismo promovida pelo JB. O constante “sumiço”

da fotografia é um indício desse reconhecimento.

Ainda em relação a materialidade desta fotografia é importante registrar mais um dado

que diz respeito ao seu suporte original. Na época era comum os fotógrafos editarem o

próprio material e o próprio Erno, por reconhecer a importância do material que havia

produzido, fez uma cópia ampliada quando voltou da viagem. A cópia foi para

exposição algum tempo depois e o negativo da fotografia sumiu e nunca mais foi

encontrado, relevando mais uma contingência favorável a existência da imagem

enquanto fotografia.

273

“... quando eu voltei ampliei logo. Por sinal até o negativo

desapareceu. Se eu não tivesse feito uma cópia, se não tivesse

havido aquela exposição...307

Disto podemos apreender que a relevância da fotografia como objeto antecede a sua

dimensão imagética, pois foi a partir das escolhas e da sucessão de acontecimentos que

a levaram até a exposição de fotojornalismo que a imagem pode estar em contato com

interlocutores que ressaltaram a expressividade do seu conteúdo, especialmente na

conjuntura política vivenciada à época.

Como ganhadora do Prêmio Esso “Qual o Rumo?” assume um lugar de destaque no rol

das imagens que foram escolhidas para figurar entre as melhores produzidas pelo

fotojornalismo nacional. Assim sendo, devido a importância e abrangência do concurso,

o prêmio lhe concede uma chancela de estar fora do considerado ordinário, um patamar

acima, excepcional. Embora tal característica já tivesse sido observada pelo seu autor e

por outras pessoas que puderam vê-la na mostra fotográfica ou no jornal, é partir do

Esso que a fotografia passa a ser objeto dotado de uma memória específica que promove

uma associação com a excelência profissional e com a superioridade informativa e

estética.

Essa memória ligada ao concurso e aos seus vencedores potencializa sua qualidade e a

transforma quando a transpõe para outros formatos. Além disso, confere a ela outros

usos e sentidos atrelados a rememoração das edições do Prêmio Esso, da relevância e

seriedade da competição. Os principais exemplos dessas novas faces estão no material

editado posteriormente com o patrocínio da empresa petrolífera para divulgar, certificar,

atualizar e, sobretudo, valorizar o seu compromisso e credibilidade junto à classe

jornalística.

Dentre essas publicações podemos destacar o material digital disponível na internet, no

sítio www.premioesso.com.br, destinado a divulgação do prêmio, com informações

acerca das futuras edições do concurso, datas e regulamento para participação. Outra

parte do espaço virtual possui um caráter memorialístico, contando com uma linha,

organizada cronologicamente, separada por décadas e com hiperlinks para cada ano. Os

hiperlinks apontam para páginas que contém um quadro geral dos vencedores daquele 307 SCHNEIDER, Erno. Entrevista, 2008, concedida à pesquisadora Silvana Louzada.

274

ano, a premiação recebida, as respectivas comissões julgadoras, e no caso das

fotografias, uma reprodução digital das que foram contempladas com o prêmio ou

receberam voto de louvor.

A fotografia de Erno Schneider encontra-se publicada no sítio (Figura 68), na página

referente ao ano de 1962 com a seguinte descrição:

“O ex-Presidente Jânio Quadros, que condecorara o ex-guerrilheiro

cubano "Che Guevara" , ainda não havia definido a política externa

do País e as dúvidas eram grandes quanto aos rumos a serem

seguidos pela Nação.”

Figura 68: Reprodução da página do site www.premioesso.com.br. Acessado em 11/05/2012.

Outros produtos referentes ao Prêmio Esso de Jornalismo são os livros “Prêmio Esso:

40 Anos do melhor em Jornalismo” e “Prêmio Esso de Jornalismo – Uma história

escrita por vencedores” encomendados pela própria companhia petrolífera em

comemoração aos 40 e 50 anos do concurso. Ambos possuem teor informativo e

memorialista relacionado à celebração da existência do prêmio e à reafirmação de sua

importância para o meio jornalístico. Por isso, concentram-se em narrar uma história de

275

sucesso tanto da premiação e quanto de seus vencedores, adotando uma perspectiva

cronológica linear, com tendência a sinalizar uma evolução do concurso e da imprensa

como um todo. A narrativa não deixa de fazer uma associação entre a iniciativa da Esso

em homenagear jornalistas e fotógrafos que se destacaram na área com o

desenvolvimento e crescimento do jornalismo no país. A grande máxima desses livros,

que justifica o sucesso do concurso promovido pela Esso, é a frase do jornalista Rui

Portilho que diz que o prêmio foi uma iniciativa de ter “jornalista julgando e premiando

um colega jornalista”308

O primeiro dos livros comemorativos editados pela Esso é mais sucinto e traz apenas

uma reprodução da fotografia “Qual o Rumo?” com as mesmas informações contidas no

sítio do Prêmio. Já a segunda publicação, feita em virtude dos 50 anos de realização do

concurso – um traço de longevidade tradicionalmente considerado um marco temporal e

bastante propício às celebrações –, traz além da relação de vencedores, uma parte

dedicada a testemunhos de jornalistas e fotógrafos que tiveram alguma ligação com o

prêmio. As reportagens e fotografias vencedoras das categorias Prêmio Principal e

Fotografia vêm com um texto explicativo. Nele são apresentados o contexto histórico do

acontecimento e a correspondência entre notícia e fato ou reportada na matéria escrita

ou retratada na fotografia.

.

Entretanto, no caso da fotografia analisada, o texto não só faz uma contextualização

histórica pautada na centralidade da figura do presidente Jânio Quadros como atribui à

fotografia uma ocasião distinta da que ela de fato aconteceu. O episódio da visita do

presidente argentino Arturo Frondizi ao Brasil, que propiciou a tomada da imagem, não

está contemplado e as circunstâncias que determinaram a publicação da fotografia

também não. Pelo contrário, o livro faz uma correspondência entre a foto e a

condecoração de “Che” Guevara, atribuindo ao acontecimento tanto a produção como a

veiculação da imagem.

Portanto, todas em todas essas apropriações o sentido da história produzido pela

fotografia altera completamente a sua trajetória enquanto objeto, embora esteja em

todos os momentos relacionados de alguma maneira ao contexto em que ela circulou. A

atualização de sua memória destaca o elemento que centraliza a atenção do expectador

na imagem: os pés trocados. E faz uma associação ao episódio que carrega em 308 Entrevista concedida por Ruy Portilho, um dos atuais organizadores do evento, ao site Photosyntesis.

276

simbolismo a mesma intensidade que a desarmonia visual dos pés desalinhados

expressa: a condecoração de Che e a extrapolação, no campo do simbólico, das

contradições do personagem figurado.

A expressividade desse personagem associado à conjuntura política e social conturbada

aciona os mecanismos de interpretação, reforçados pela legenda e pelos textos

descritivos que servem como guia para a leitura da fotografia, que se projetam nas

imagens mentais309

Por outro lado a construção do sentido está sendo operada semanticamente pela

exacerbação da contradição, ou seja, a imagem expressa visualmente a síntese do ano de

1961 e do que foi o governo de Jânio Quadros. Neste sentido, a recuperação da

condecoração do guerrilheiro cubano emerge como pano de fundo jornalístico ideal para

aquilo que está representado na imagem. Seria este o ápice da eficiência fotojornalística,

não fosse o fato de que o ato fotográfico, a publicação da imagem e a notícia não estão

relacionados entre si. Tal associação é feita em todas as descrições textuais da fotografia

presentes no material referente ao Prêmio Esso, mesmo que de forma apenas sugestiva

como é o caso do texto do site e do primeiro livro editado em comemoração aos 40 anos

do prêmio.

do expectador. Estas, por um lado, estão voltadas para o

“congelamento do tempo”, visto que a geometria da imagem fixada produz um efeito de

interrupção pelo clique da câmera, ou seja, ela possui um dinamismo e uma narrativa

intrínsecos expressos pela percepção do movimento espontâneo de Jânio Quadros

descontinuado pela irrupção do fotógrafo. Tal movimento é reforçado constantemente,

nos textos explicativos, pela associação da imagem ao flagrante, à sugestão do

instantâneo e da fixação do tempo em uma única fração de segundos.

No caso do livro 50 anos de Prêmio Esso, a configuração do texto que apoia a leitura da

fotografia sugere a realização de um trabalho de pesquisa sobre a imagem. Esta pesquisa

no entanto se mostra falha no que concerne à história da fotografia e as condições em

que ela foi obtida, pois afirma de maneira incisiva e com o tom de “verdade” uma

informação equivocada. Ainda assim, pode-se considerar que a apropriação da imagem

de um tempo por outro acaba por reforçar a sua polissemia e a existência de um sentido

visual compartilhado capaz que produzir interpretações diferentes a cada interação.

309 BELTING, Hans. Op. cit., p. 265.

277

Embora o Prêmio Esso possa ser considerado o ápice na trajetória da fotografia "Qual o

rumo?", sua força expressiva é tamanha que tornou-se um ícone que ao longo da história

política do Brasil foi utilizada como referência visual para indefinição política, ou seja,

a foto-metáfora que encerra o princípio dos tropeços e contradições dos homens no

poder. Tanto, que o recurso retórico de expor uma figura pública com os pés trocados,

tal como Quadros flagrado por Erno em 1961, tornou-se uma espécie de padrão de

composição fotográfico utilizado - e até perseguido - por fotojornalistas, em outras

circunstâncias e com outros personagens. As fotografias abaixo demonstram tal

apropriação do formato inaugurado por Jânio.

278

Figura 69: Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, 2011

Figura 70: Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, foto de Vitor Silva, Jornal do Brasil, 2011

Figura 71: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Luiz Carlos Murauskas, FolhaPress, 2012

Figura 72: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, foto de Sérgio Lim, FolhaPress, 2011

279

Figura 73: Dunga, técnico da seleção brasileira em 2010, foto do Correio Braziliense

Figura 74: Dilma Roussef, presidente do Brasil, foto de Carlos Moura, Correio Braziliense, 2011

Todas essas imagens foram publicadas parafraseando a fotografia feita por Erno

Schneider em 1961 e de certo modo rememoram e atualizam a sua história ao fazer uma

apropriação de sua composição para criar um jogo de sentidos que remetem à ideia de

contradição muito similar à conjuntura política do governo Quados e capturada com

tamanha precisão semântica pelo fragmento visual feito pelo fotógrafo gaúcho. No caso

dos exemplos acima, o reflexo da obra de Erno nos trabalhos posteriores é sempre

lembrado, trazendo à tona novamente a imagem vencedora de 1962, sua consagração na

linha do tempo do Prêmio Esso e seu papel na memória do fotojornalismo nacional. É o

caso, por exemplo, da reportagem "Kassab repete pose histórica de Jânio Quadros em

foto", publicada pela Folha de São Paulo em 25 de janeiro de 2012, a qual traz as

fotografias do prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (Figura 71 e Figura 72) "posando"

no famoso movimento "não sei para onde vou", imortalizado por Jânio Quadros. Na

reportagem os fatos políticos de 1961 são relembrado e associados, ressalvando-se o

fato de se tratar de um caso de menor proporção, com a indefinição política de Kassab

ao fundar um partido sem definir as alianças políticas e o alinhamento ideológico310

310 "Kassab repete pose histórica de Jânio Quadros em foto", Folha de São Paulo, 25 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1039332-kassab-repete-pose-historica-de-janio-quadros-em-foto.shtml, acessado em dezembro/2012.

.

280

A edição do Esso de 1962, com a vitória da fotografia “Qual o rumo?”, será importante

também por um outro fator que diz respeito ao prestígio conseguido por Erno Schneider

– seu autor – e a importância desse reconhecimento para sua carreira e para a

mobilização em torno das demandas profissionais e autorais da classe de fotojornalistas.

Este foi o ano em que a primeira fotografia de um diário foi consagrada com o prêmio

principal da categoria fotográfica, abrindo a série do jornal com a trajetória mais

vitoriosa da categoria – o Jornal do Brasil – e projetou o fotógrafo Erno Schneider, que

viria a ser um dos mais importantes do setor no jornalismo brasileiro, cuja carreira

primou não só pela qualidade técnica como também por uma participação ativa nas

disputas em torno da valorização profissional do fotojornalismo.

Aproveitando a conjuntura favorável e munido do prestígio adquirido pelo prêmio, Erno

foi responsável por mudanças significativas no tratamento dado à fotografia e ao

fotógrafo nos órgãos de imprensa por onde trabalhou, reivindicando melhorias nas

condições de trabalho. Estavam na pauta das conquistas dessa época questões como o

aumento dos salários, investimento na modernização de equipamentos e o alteração na

estrutura vigente nas redações, que privilegiava o jornalista de texto em detrimento do

fotógrafo. Como relata o próprio Erno311

“Antes havia uma hierarquia, o repórter dizia: 'esse aqui é o meu

fotógrafo' ou 'bate uma chapa aqui'. Naquele tempo tinha essa

mania, o fotógrafo tinha que fazer o que o repórter mandava.

Antigamente o repórter era do dono do fotógrafo.”

:

312

Com as mudanças alcançadas o fotógrafo passa a ter seu trabalho valorizado e sua

presença nas redações torna-se cada vez mais constante, inclusive, influenciando na

tomada de decisões. Um dos exemplos dessa nova postura foram as mudanças

promovidas no jornal Correio da Manhã, iniciada com a contratação de Erno Schneider.

O fotógrafo chega ao Correio

313

311 SCHNEIDER, Erno, 2003, Op. Cit..

em 1964, assume o cargo de editor de fotografia e

investe esforços no sentido da valorização da reportagem fotográfica, o que não deixou

312 Idem. 313 O Correio da Manhã, durante muitos anos foi a referência de jornalismo no Rio de Janeiro e na década de 1950 perde terreno para o Jornal do Brasil que começa a se impor como um dos mais importantes jornais do país.

281

de significar vencer resistências impostas pelas antigas práticas hierarquizadas dentro

das “chefias” e redações. Assim, houve incremento no salário dos fotógrafos, as antigas

câmeras Rolleiflex foram substituídas pelas japonesas Pentax e Nikon, a função de

laboratorista foi instituída - desobrigando o fotógrafo da revelação das fotos - e novas

metodologia de trabalho, integrando o profissional da fotografia com a equipe de

redação, foram estabelecidas. A partir das mudanças, o Correio da Manhã

experimentaria uma das etapas mais enriquecedoras e significativas do fotojornalismo

brasileiro, com um papel atuante na crítica ao regime militar314

O reconhecimento do trabalho de Erno Schneider vai ter um peso muito significativo

nessa conjuntura de afirmação da fotografia dentro do periodismo nacional,

especialmente no caso dos jornais diários. Por intermédio do fotógrafo conquistas

importantes puderam ser efetivadas, propiciando melhorias reais no trabalho do

fotojornalista e nas relações profissionais estabelecidas dentro das redações. Dentro de

outra vertente, procede uma disputa em torno da autonomia da linguagem fotográfica

inscrita da imprensa diária, desdobrando-se em questionamentos que perpassam pela

própria conceituação e constituição textual da imagem e na interdependência desta com

os outros elementos que compõem o formato do jornal. A hierarquia do texto escrito e a

atuação do fotógrafo como uma peça alheia ao processo de produção da notícia serão

colocadas em xeque, consumando, nas publicações que investiram na reformulação

visual e na diferenciação fotográfica – casos do Jornal do Brasil e Correio da Manhã –

o processo inserção participativa e decisória do fotógrafo na dinâmica da composição do

jornal, destacando a autoria e a subjetividade semântica das imagens publicadas.

.

É um resultado do processo que se configura, a criação das editorias voltadas para a

fotografia, que valoriza o trabalho em equipe e a reunião, numa espécie de conselho

editorial, dos fotógrafos para decidir quais fotos seriam publicadas e como elas

figurariam, dispostas no jornal publicado. Assim, o poder de decidir sobre resultado

final do trabalho do repórter fotográfico passaria das mãos do diagramador e paginador

para um controle mais efetivo daquele que era o responsável pela sua elaboração inicial.

Também não se pode desconsiderar que a fotografia de Erno Schneider, constitui-se, no

momento em que é consagrada com a premiação, numa referência dentro do campo do

314 OLIVEIRA, Gil Vicente. Imagens Subversivas: Regime Militar e o Fotojornalismo do Correio da Manhã (1964-1969). Dissertação de Mestrado, 1996. Orientador: Ana Maria Mauad.

282

fotojornalismo em seu processo de formulação dos paradigmas que iriam nortear a

prática no Brasil. Neste sentido, foi investida da característica vislumbrada pela

categoria, de idealização do trabalho do repórter fotográfico, por reunir os principais

corolários do fotojornalismo moderno.

À qualidade técnica apresentada, em consonância com os limites do período em que foi

realizada, associa-se uma força semântica que aproxima a fotografia em questão de uma

perspectiva simbólica, influenciando nos conceitos fundantes de sua autonomia como

linguagem. Não se deixa de valorizar a utilização técnica de recursos, materiais ou não,

para se alcançar patamares mais elevados na referência da boa fotografia, mas o uso

desses recursos começa a ser pensado como instrumento numa construção, em que pese

a subjetividade do fotógrafo, na significação do mundo que enquadra. Assim, a técnica

vai perdendo um caráter de fim em si mesma e passa a fazer parte de uma prática

reflexiva, que pretende afirmar sua identidade lingüística, transcendendo os limites do

realismo absoluto e da objetividade purista arraigada à concepção de imagem técnica.

A partir de fotógrafos como Erno Schneider e de fotografias como “Qual o rumo” a

década de 1960 caracterizaria uma etapa da trajetória do fotojornalismo brasileiro, em

que a influência primeira dos fotógrafos estrangeiros, os quais fizeram escola na

Revistas Ilustradas vai, aos poucos, cedendo lugares a novas reflexões e pretensões,

sem, contudo, romper definitivamente com a contribuição deixada por estes. É um

período no qual a busca pela valorização profissional vai não só agrupar os fotógrafos

em torno de associações corporativas como vai desconstruir os pressupostos dos

pioneiros do ofício e reagrupá-los reflexivamente, incorporando atualizações e

subjetividades no processo de construção de uma identidade fotojornalística.

Em “Qual o Rumo?” imagem e personagem se retroalimentam na construção de um

símbolo do pitoresco, do risível, de uma crônica do absurdo, contada pelas hábeis mãos

do fotógrafo que sente a presença da foto antes mesmo dela acontecer. Confuso,

atrapalhado, desalinhado, descomposto, enfim, incoerente na forma e no conteúdo de

um projeto de nação, seja ele reivindicado pela esquerda ou direita, produzindo tão

somente a comédia de costumes e um final solitário e ainda assim incerto. Todos

flagrantes fixados pelo fotógrafo e sua câmera.

283

Se toda fotografia é uma escolha num universo de infinitas escolhas possíveis315

, a sua

existência por si só já a torna uma vencedora. A fotografia “Qual o Rumo?” analisada

nesse capítulo, a parte o fato que ganhou um prêmio em reconhecimento de sua

excepcionalidade, pode ser considerada uma vencedora várias vezes, já que as diversas

vicissitudes pela qual passou poderiam legar a ela o esquecimento completo. A

abordagem feita até aqui, procura refletir sobre o papel das imagens técnicas na

conformação de um espaço público, através dos seus processos de produzir sentido e

subjetivar o mundo, dotando a fotografia de um papel que não se relaciona apenas com

a esfera das representações, mas também da produção desse espaço, através das

interações que estão em jogo a cada interlocução, desde o ato fotográfico até o olhar do

espectador. Ao traçar a trajetória de uma única imagem a partir das três dimensões

propostas – fotógrafo, fotografado e fotografia – este capítulo procurou contribuir para

essa reflexão analisando as várias imagens inscritas em uma única fotografia e as muitas

temporalidades que ela é capaz de encerrar. O contexto de sua produção, o fotógrafo

como mediador autorizado a capturar uma impressão de mundo e o espectador que a

cada olhar reelabora a fotografia conferindo a ela um novo sentido, são elementos que

conferem a imagem técnica seu caráter múltiplo e polissêmico, permitindo que um

único fragmento congelado de um tempo passado seja resignificado em diversas

imagens e que essas imagens sejam capaz de mobilizar sentimentos, memórias e ações

que ao mesmo tempo que narram, constroem a História.

315 MAUAD, Ana. Op. Cit., 2008, p. 25.

284

Quando finalizamos um trabalho, vem à tona todo o processo que levou a sua

concretização.Pensar em concluir uma dissertação parece despertar, ao mesmo tempo,

uma consciência de tudo o que fez com ela chegasse a este ponto. Desde as primeiras

ideias e da motivação para escolher o fotojornalismo contemporâneo como tema até as

idas e vindas do processo de pesquisa que, às vezes, tomam rumos inesperados e

fornecem respostas diferentes às questões que fazemos. Sendo assim, esta conclusão

acaba por se tornar também uma reflexão, que busca dar conta de sintetizar as hipóteses

defendidas e de pensar sobre a trajetória percorrida para chegar neste momento.

Como pesquisadora, vivendo em um mundo que valoriza e às vezes preconiza a

visualidade, o interesse pela ascensão e amplificação da imagem como veículo de

comunicação na contemporaneidade foi um dos principais motivos que influenciaram a

minha pesquisa. A escolha do Prêmio Esso como elemento balizador da investigação

surgiu de questões levantadas a partir do contato com depoimentos de fotógrafos que

fizeram parte de uma das primeiras gerações de fotojornalistas do país. Nessas

entrevistas foi possível observar a recorrência de falas que diziam respeito ao processo

de valorização da atividade de fotojornalista e da importância do Prêmio Esso como

forma de reconhecimento profissional. Mas, qual foi o papel do Prêmio na constituição

do fotojornalismo contemporâneo brasileiro?

Por um lado, a premiação instituiu um espaço de consagração importante - até então

inexistente - que reconhecia a qualidade técnica e estética do trabalho dos repórteres

fotográficos e valorizava a fotografia como suporte de informação, conferindo-lhe um

lugar de destaque no âmbito do jornalismo. Ganhar um título como o Esso, reconhecido

pela comunidade jornalística e cobiçado pelos que nela atuavam, representava, sem

dúvida, um símbolo de distinção que contribuiu para minorar a diferença entre fotógrafo

e redator dentro da hierarquia das redações. Sem contar, que o fato de um fotógrafo e

seu trabalho serem contemplados num concurso especializado, inicialmente voltado

para o jornalismo, deixa claro a mensagem de que ambos - profissional e imagem -

Conclusão

285

também são parte importante, e não apenas um apêndice, no processo de produção e

circulação de notícias. É importante destacar, ainda, que para alguns fotojornalistas o

prêmio significava, além de um motivo de orgulho e satisfação pessoal, um divisor de

águas da carreira, alçando-os a um time privilegiado de profissionais que foram

agraciados com umtítulo desta importância.

O prêmio de fotografia recebido pelo fotógrafo Erno Schneider em 1962, pela fotografia

"Qual o Rumo?",é um dos melhores exemplos da contribuição do Esso para um

fotojornalista e para fotografia de imprensa como um todo. Além de ser o primeiro

concedido a uma imagem veiculada num jornal diário - o Jornal do Brasil -, o prêmio é

citado pelo próprio Erno e por seus colegas de profissão como um fator importante para

toda a classe de fotógrafos de imprensa, tanto pelo reconhecimento do trabalho autoral

quanto pela valorização atrelada a conquista pessoal, o que foi fator importante para a

mobilização desses profissionais na reivindicação das demandas trabalhistas que

estavam em pauta naquele momento.

Não se pode deixar de dizer que, a criação de um prêmio específico para fotografia,

dentro de um concurso de jornalismo é também reflexo do crescimento desta forma de

expressão dentro dos jornais no período. Outros fatores portanto, introduzidos com mais

força a partir da década de 1950, foram também importantes para que a imagem

alcançasse espaços cada vez mais privilegiados dentro das redações. Fatores esses, que

vão desde a diagramação e a ordem de publicação das matérias até grandes reformas

estruturais, passando pela profissionalização de pessoal e pela racionalização

empresarial das etapas que constituíam a publicação e circulação dos jornais. Essas

mudanças concederam à fotografia um papel de destaque nas páginas que

tradicionalmente tinham a função de reportar a palavra como principal meio de

informação e o Prêmio Esso ratificou tal perspectiva, chancelando a relevância da

fotografia com uma categoria específica de premiação.

Por outro lado, oEsso também trouxe uma contribuição importante sob o ponto de vista

da conformação de uma linguagem fotojornalística, que ajudou a forjar uma identidade

ligada a produção visual de notícias. Em um momento que o fotojornalismo se firmava

no cenário da imprensa, as imagens selecionadas pelas comissão julgadora do concurso

se apresentaram como ícones da excelência profissional dentro dos padrões

internacionais da fotografia de imprensa. Sendo assim, ajudaram a conceber e divulgar

os critérios e as práticas compartilhadas pelos melhores profissionais da imagem para

286

aliar técnica e estética na produção de registros fotográficos cuja função precípua é

informar.

Ao longo dessa trajetória de pesquisa, pude observar atentamente asfotografias

premiadas ou homenageadas com títulos secundários no concurso promovido pela Esso

e pensar sobre o que essas imagens dizem. E a resposta, ainda que incipiente pode ser:

É atribuído valor a fotografia diferente; fora do convencional, não são imagens literais,

pelo contrário, usam planos e ângulos inusitados, compõem formas pouco usuais.

Valorizam o fotógrafo, pois premiam o seu senso de oportunidade, o clique no momento

certo, mas também a sua capacidade de imprimir sua sensibilidade, subjetividade e

visão de mundo na imagem da qual é autor, ou seja, ele não é apenas um instrumento

que reporta o que vê (como um espelho do real), tem a capacidade de olhar o mundo,

significá-lo através de sua prática e mediar a relação que o espectador terá com ele. Ao

mesmo tempo, valorizam a notícia pois em alguns casos, sobretudo, parece que todo o

acontecimento, e os aspectos que orbitam em torno dele, como a dramaticidade, a

conjuntura histórica, a causa e o efeito, cabem dentro de uma única fotografia, que

extrapola os limites do fato e transcende o assunto em si, tornando-se uma representação

icônica de todo um momento histórico e de uma forma de ver e pensar o mundo: a foto-

ícone.

Não são mais os bonecos ou as fotos posadas para ilustrar a notícia, são as imagens

utilizadas nos jornais como suporte de informação, acrescentando ao texto escrito um

abordagem visual, do acontecimento que é narrado. Do mesmo modo, não são

fotografias utilizadas como provas dos fatos tais como eles aconteceram, seguindo

pressupostos positivistasque sobrevalorizam a técnica como fator determinante para

obtenção da imagem, enfatizando uma objetividade científica que autoriza a imagem a

ser evidência incontestável de uma determinada realidade material. O que não quer

dizer que o estatuto da verdade fotográfica não seja apropriado pelos veículos de

comunicação que se instituem como lugar autorizado a difusão de verdades e, elegem os

valores como objetividade, racionalidade e imparcialidade, como centrais ao projeto de

comunicar ao qual a fotografia se adequou com perfeição.

Entretanto, as imagens não revelam seus fatos em uma primeira olhada, é preciso

contextualizar o seu processo de produção e circulação para desvendar seus códigos de

significação para que a compreensão da mensagem possa se realizar. No mais, também

287

é possível notar que, no caso das imagens premiadas com o Esso, não há o didatismo

que procurou educar e introduzir o leitor de jornais médio ao universo da visualidade316

Resumindo, as imagens que venceram o Prêmio Esso têm um aspecto em comum: elas

se filiam ao projeto moderno de fotografia, embora consigam superar a ideia da

fotografia como prova documental dos fatos. Assim como estão pautadas na noção de

instantâneo, pois são valorizadas e reconhecidas pela capacidade de representar o

momento decisivo, descrito por Cartier-Bresson no seu texto de 1955

.

317

Ao mesmo tempo, não são apenas objetividade e racionalidade os critérios que levavam

uma fotografia e seu autor a ganhar uma reverência como o Esso, mas também a sua

composição estética. O que nos leva a considerar que apesar manterem seu

compromisso com a função de informar, também se vinculam ao estatuto da arte e que é

na interseção desses dois universos que as vencedoras se encontram. Técnica e estética,

na capacidade de comunicar - na eficiência

. É no equilíbrio

entre forma e conteúdo, na plasticidade que captura toda a dinâmica do movimento do

mundo e o sintetiza em uma única impressão que está a sua singularidade e

excepcionalidade. As imagens adensam espaços e tempos no fragmento fotográfico, por

isso conseguem simbolizar com tanta força os acontecimentos que noticiam

visualmente.

318

Assim, através da análise das imagens vencedoras do Prêmio Esso este trabalho

procurou abordar o contexto de produção e o modo como essas fotografias circularam

até entrarem para o rol das melhores fotografias do jornalismo nacional. Percorrendo

seu circuito e trazendo-a novamente à página do jornal ou revista que a tornou pública,

foi possível perceber que os critérios de seleção estabelecidos pelo concurso para julgar

a competência de cada trabalho se desdobram em protocolos visuais que representam

tendências daquilo que se considera uma boa fotografia de imprensa. Esses protocolos,

ajudaram a consolidar as práticas fotográficas mais valorizadas e construir, em conjunto

em transmitir uma informação - e na

composição visual - no ordenamento estético dos objetos em cena - em que a presença

do fotógrafo se deixa revelar, na desconstrução do documento-verdade através da

mediação do olhar do sujeito de sua produção.

316A referência utilizada é a abordagem de Silvana Louzada sobre as fotografias de Última Hora que promoveram uma espécie de pedagogia do olhar através da composição inovadora de suas páginas. LOUZADA, Silvana, Op. Cit., 2009, p. 127. 317CARTIER-BRESSON, Henri. O momento decisivo. Bloch Edições, nº 6, Rio de Janeiro: Bloch Editores, pp. 19-25. Disponível em: http://ciadefoto.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/03/Momento-Decisivo-Bresson.pdf, acessado em agosto/2012. 318O conceito de foto eficiente foi apropriado do trabalho de Milton Guram em GURAM, Milton. Linguagem fotográfica e Informação. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999.

288

com outros fatores, uma identidade para o fotojornalismo, estabelecendo uma série de

códigos que possibilitam reconhecer uma fotografia de imprensa quando se vê.

Por fim, o último capítulo, procurou investigar a relação entre os sujeitos sociais

envolvidos no circuito em que uma fotografia circulou e a "biografia" desta imagem

enquanto objeto. Através do exercício metodológico de desmontar o ato fotográfico e

buscar as diversas interações pelas quais passa uma imagem ao longo se sua existência,

a pesquisa possibilitou inserir na análise a dimensão da experiência. Para tanto, uma das

imagens vencedoras do Prêmio Esso foi selecionada como objeto específico de análise:

a fotografia feita por Erno Schneider, "Qual o Rumo?".A partir dela, e trabalhando com

o entrecruzamento de fontes de diversas naturezas - imagens, jornais, entrevistas - foi

possível acompanhar a trajetória de uma imagem desde antes do clique do fotógrafo,

passando por sua publicação e consagração com o Prêmio Esso.

No caso desta imagem especificamente foi interessante percorrer todo esse processo,

especialmente porque, apesar dela ser um das imagens mais famosas do fotojornalismo

nacional, quase não se tornou pública, tendo em vista a série de vicissitudes pelas quais

passou. Quase sumiu por completo nos arquivos do Jornal do Brasil, quase não foi

publicada no jornal, e por pouco não poderia ter sido inscrita no concurso da Esso, o

que impossibilitaria a conquista do Prêmio que a consagrou.

Outro ponto explorado nessa parte da pesquisa foram as constantes e distintas

apropriações pelas quais passa uma fotografia ao longo de sua existência, e como são

essas resignificações que a transformam em um objeto de interesse para a compreensão

do passado. Retomando a expressão utilizada por Belting319

A cada interação um novo sentido, como pode atestar a memória construída em torno

dela, que atribui erroneamente sua produção à cobertura feita por ocasião do encontro

do presidente Jânio Quadros com o guerrilheiro argentino Che Guevara

, "Qual o Rumo?", montou e

desmontou seu acampamento várias vezes, sendo exibida pela primeira vez em uma

exposição sobre fotojornalismo, para então tornar-se notícia nas páginas do Jornal do

Brasil e migrar para a galeria das melhoras fotografias do jornalismo nacional ao

receber o Prêmio Esso.

320

319 BELTING, op. cit., p. 265.

. Sem contar

que o título de melhor fotografia de 1962 não encerrou a trajetória de "Qual o Rumo?",

visto que ela se tornou um ícone, lembrado em diversas ocasiões como sinônimo de

320No livro editado em comemoração aos 50 anos do Prêmio Esso, o texto que traz informações sobre as fotografias vencedoras afirma que Erno fez a fotografia durante o evento em que Quadros e Guevara se encontraram. Uma história escrita por vencedores: 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo.

289

tropeço e indefinição política, assim como sendo utilizada como referência irônica ao

representar personalidades públicas na mesma situação constrangedora em que Jânio foi

flagrado. Tudo isso, corrobora a perspectiva de que é na interação com os sujeitos

sociais de um tempo que uma fotografia se realiza como objeto histórico e se torna um

vestígio cujo significado auxilia na compreensão do passado. Deste modo, é refletindo

sobre usos e práticas comuns a uma determinada sociedade que podemos ver através de

imagens como elas são capazes de construir os sentidos da história.

290

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Vídeos

“Erno Schneider - A História num click”, produzido pelo LABHOI no âmbito do projeto

“Imagens Contemporâneas: prática fotográfica e os sentidos da história na imprensa

ilustrada (1930-1970)”, dirigido e roteirizado por Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel.

Disponível em: http://ufftube.uff.br/video/MXGBG4SD7RB2/Erno-Schneider-1--A-

Hist%C3%B3ria-num-click, acessado em dezembro/2012.

"Prata da casa". produzido por Silvana Louzada, 2009. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=j2BNL7AbwnM e

https://www.youtube.com/watch?v=I8ZLUY3PqOA, acessado em julho/2012.

Anexo - Tabela com os dados das imagens pesquisadas

Ano Fotógrafo Título da Fotografia Veiculo Data de Publicação Título Prêmio Tema

1960 Campanela Neto Acontecimentos em aragarças Mundo Ilustrado fevereiro de 1960 Voto de Louvor -

Política Nacional

1961 Sérgio Jorge Não matem meu cachorro Revista Manchete dezembro de 1959 Melhor Fotografia Cr$ 50 mil Denúncia

1962 Jacob Rafael Soares Incidente no campo de futebol

Folha do Norte (Belém) 24 de julho de 1971

Voto de Louvor - Esporte

1962 Erno Schneider Qual o rumo? Jornal do Brasil 23 de agosto de 1962 Melhor Fotografia Cr$ 80 mil

Política Nacional

1962 Antônio Lúcio O episódio do santa maria O Estado de S. Paulo 01 de fevereiro de 1961

Voto de Louvor -

Política Internacional

1962 Reginaldo Manente A revolta dos bombeiros de são paulo O Estado de S. Paulo 15 de janeiro de 1961

Voto de Louvor - Denúncia

1962 Carlos Leonan Gagarin Tribuna da Imprensa agosto de 1961 Voto de Louvor - Cotidiano

1963 Alberto Ferreira O rei se curva ante a dor que o brasil todo sentiu Jornal do Brasil 5 de junho de 1962

Melhor Fotografia Cr$ 120 mil Esporte

1963 Sérgio Gomes Mané contrito: pelé fora de combate Jornal dos Sports 5 de junho de 1962

Menção Honrosa - Esporte

1963 Reginaldo Manente Amarildo: depois O Estado de S. Paulo 7 de junho de 1962 Menção Honrosa - Esporte

1964 Efraim Frajmund Morte no senado O Estado de S. Paulo 5 de dezembro de 1963

Melhor Fotografia Cr$ 200 mil

Política Nacional

1964 Wilson Duarte Até o impossível para marcar pelé O Globo 14 de abril de 1963 Menção Honrosa - Esporte

1965 Kaoru Higuchi Braços abertos para o novo mundo Jornal do Brasil

14 de outubro de 1964

Melhor Fotografia Cr$ 500 mil

Política Internacional

1965 Reginaldo Manente O choro do abandono O Estado de S. Paulo 15 de maio de 1965 Menção Honrosa -

Denúncia / Esporte

1965 Domício Pinheiro Torcida que perdeu O Estado de S. Paulo 22 de setembro de 1964

Menção Honrosa - Esporte

1965 Pietro Fantappiè Queda O Globo 8 de maio de 1965 Menção Honrosa - Esporte

1965 Luiz Pinto Como subir fazendo força Tribuna da Imprensa 26 de fevereiro de 1965

Menção Honrosa -

Política Nacional

1965 Joveraldo Lemos de Souza Morto em serviço Tribuna da Imprensa

Menção Honrosa Especial - Tragédia

1965 Joaquim Pinto Ribeiro Leão volta, goleia e reza Última Hora 18 de maio de 1964

Menção Honrosa - Esporte

1966 Manoel Gomes da Costa Brasil no golf internacional Correio da Manhã

05 de janeiro de 1966/31 de dezembro de 1966

Melhor Fotografia Cr$ 700 mil Esporte

1967 Antônio Andrade As tragédias de janeiro Fatos & Fotos 04 de fevereiro de 1967

Melhor Fotografia Cr$ 800 mil Tragédia

1968 Gil Passarelli De repente, a violência Folha de S. Paulo 27 de outubro de 1967

Melhor Fotografia Cr$ 1 mil

Política Nacional

1968 Edison Jansen 1º E 2º TEMPO O Estado do Paraná 15 maio de 1968 Regional

Cr$ 700 mil (Regional Grupo 4)

Política Nacional

1968 Nelson Elias O último salto Última Hora (São Paulo)

Menção Honrosa -

Não Informado

1969 Neville Makins Discípulos de hipócrates Diário de São Paulo Melhor Fotografia Cr$ 2 mil

Não Informado

1970 Darcy Trigo Herman kahn Revista Veja 19 de novembro de 1969

Melhor Fotografia Cr$ 2 mil Cotidiano

1971 Theodomiro Lopes Ferreira

ITABIRA, CIDADE DA MALDIÇÃO (Conjunto de Fotos) Diário de Minas

09, 10 ou 11 de novembro de 1970 Regional

Cr$ 2 mil (Prêmio de Imprensa Regional Região 2) Cotidiano

1971 Alberto Jacob O quase atropelamento Jornal do Brasil 18 de fevereiro de 1971

Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Acidente

1971 Hélio Augusto Ornellas Pelé vibra como torcedor Jornal dos Sports 20 de julho de 1971

Hors Concours* - Esporte

1972 Gaston Guglielmi Ilo fora do campeonato O Estado (Santa Catarina) 21 de agosto de 1972 Regional

Cr$ 2 mil (Prêmio de Imprensa Regional Região 4) Esporte

1972 José Santos Nilton santos agride armando marques O Globo

19,20 ou 21 de dezembro de 1971

Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Esporte

1973 Vlademir Barbosa O drama que parou o centro de recife Fatos & Fotos abril de 1974

Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Tragédia

1974 Antônio Carlos Piccino Incêndio do edifício joelma O Globo

2 de fevereiro de 1974

Melhor Fotografia Cr$ 5 mil Tragédia

1975 Domício Pinheiro Mirandinha quebra a perna O Estado de S. Paulo 25 e 26 de novembro de 1974

Melhor Fotografia Cr$ 7 mil Esporte

1976 José Abrahan Diaz A queda Correio do Povo Não identificado Regional

Cr$ 5 mil (Regional Centro-Oeste-Sul) Acidente

1976 Mário Nunes Nascimento Cena de selvageria Diário do Paraná 31 de julho de 1976

Melhor Fotografia

Cr$ 10 mil + Diploma Denúncia

1976 Rubem Barbosa Brigadeiro eduardo gomes Jornal do Brasil 1 de julho de 1976 Menção Honrosa -

Política Nacional

1977 Ronaldo Theobald Roberto no estádio da portuguesa Jornal do Brasil 16 de maio de 1977 Melhor Fotografia

Cr$ 10 mil + Diploma Esporte

1977 Antônio Luiz Benck Vargas

Visita do ministro sylvio frota à cidade de osório (fotografia) O Estado de S. Paulo 15 de maio de 1977 Regional

Cr$ 5 mil + Diploma (Regional Sul)

Política Nacional

1978 João Carlos Rangel Grave acidente na festa da cavalaria Correio do Povo 14 de maio de 1978

Melhor Fotografia

Cr$ 15 mil + Diploma Acidente

1979 Jorge Araújo de Carvalho Projeto da anistia é intocável Folha de S. Paulo 22 de agosto de 1979

Melhor Fotografia

Cr$ 20 mil + Diploma

Política Nacional

* A inscrição foi realizada por sua filha, por desejo do autor,antes da sua morte