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DIREITO PENAL - ESQUEMA DE RESOLUÇÃO DE CASOS PRÁTICOS Esquema de Resolução de Casos Práticos de Crimes Dolosos ConsumadosACÇÃO 1) Há movimentos reflexos? a. SIM → não há acção penalmente relevante → termina b. NÃO → há acção penalmente relevante → ponto 2. b. 2) Há vis absoluta? a. SIM → não há acção penalmente relevante → termina b. NÃO → há acção penalmente relevante → ponto 2. b. 3) Há estado de inconsciência? a. SIM → não há acção penalmente relevante → termina

DIREITO PENAL

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DIREITO PENAL - ESQUEMA DE RESOLUÇÃO DE CASOS PRÁTICOS

Esquema de Resolução de Casos Práticos de Crimes Dolosos ConsumadosACÇÃO

1) Há movimentos reflexos?

a. SIM → não há acção penalmente relevante → termina

b. NÃO → há acção penalmente relevante → ponto 2. b.

2) Há vis absoluta?

a. SIM → não há acção penalmente relevante → termina

b. NÃO → há acção penalmente relevante → ponto 2. b.

3) Há estado de inconsciência?

a. SIM → não há acção penalmente relevante → termina

b. NÃO → há acção penalmente relevante → ponto 2. b.

TIPICIDADE

4) TIPO OBJECTIVO

a. Exclusão da tipicidade

SIM → termina

NÃO → ponto 4) b. ou c.

i. Consentimento (art. 38.º)

1. Disponibilidade e pessoalidade do BJ

2. Actualidade

3. Capacidade: > 16 anos e discernimento para avaliar o sentido e alcance

4. Não contrariedade aos bons costumes

5. Expresso (manifestado externamente)

6. Abrangência (acção + resultado típico)

7. Vontade livre (“livre, sério e esclarecido”)

8. Conhecido pelo agente

ii. Adequação Social e risco permitido (cf. 4 c. iii. 1.)

1. Actividades desportivas; práticas culturalmentecondicionadas, poder de correcção dos pais; acçõesde salvamento

2. Leges artis (profissões médicas) e condução

b. Crimes de mera actividade → ponto 5)

c. Crimes de resultado

i. Crimes omissivos (10.º, n.º 2, CP)

1. Há posição de garante?

SIM → ponto 4) c. i. 2.

NÃO → termina (ou tentativa…)

a. Domínio ou controlo de uma fonte de perigo

i. Ingerência (≠ 200.º, n.º 2)

ii. Relações de propriedade/posse

iii. Vigilância de pessoas

b. Assunção institucional (com base em relações sociais juridicamente reconhecidas) de posição de protecção

i. Vínculo jurídico que estabelece deveres de solidariedade

ii. Estreitas relações de vida (“comunidade de vida”, dependência existencial)

iii. Relação de confiança – assunção voluntária e efectiva de custódia de um determinado BJ (Figueiredo Dias – inclui a comunidade de perigo VS ASD – reconduz a comunidade de perigo à obrigação de auxílio, art. 200.º)

NOTA: monopólio dos bens de salvamento – só é fonte de dever de auxílio (200.º CP), não de posição de garante

2. Há capacidade de agir?

SIM → ponto 4) c. ii.

NÃO → termina

a. Capacidade humana geral de agir

+

b. Capacidade individual para o cumprimento do dever

ii. Causalidade (relação necessária entre dois fenómenos explicável por uma lei natural)

SIM → ponto 4) c. iii.

NÃO → ponto 5) a. [se for punível a tentativa]

iii. Imputação objectiva do resultado à conduta → Conexão de risco?

SIM → ponto 5);

NÃO → ponto 5) a. [se for punível a tentativa]

1. Criação ou agravação de perigo juridicamente desaprovado idóneo a causar o resultado previsto na norma?

a. Adequação social? (cf. 6) b.)

b. Risco permitido? (cf. 6) b.)

2. Competência do autor pelo risco

a. Intervenção de terceiros ou da vítima?

b. Causa virtual – irrelevante

3. Materialização do risco no resultado

a. Causalidade alternativa?

i. Ambos comportamentos idóneos a produzir o resultado não se determinando qual produziu → há imputação objectiva quanto a todos os agentes

ii. Ambos comportamentos inidóneos a produzir o resultado → não há imputação objectiva

b. Crimes omissivos: comportamento lícito alternativo? se preenchidos os requisitos (se não haveria diminuição do risco de produção do resultado com a conduta lícita → CLA é relevante →termina

4. Resultado incluído na esfera de protecção da norma

5) TIPO SUBJECTIVO (13.º CP)

a. DOLO

“conhecimento (elemento cognitivo) e vontade (elemento volitivo) de realização da factualidade (elementos objectivos) subjacente a um tipo de crime”

SIM → ponto 6) (necessária a análise de requisitosda tentativa, se excluída a imputação objectiva)

NÃO → ponto 5. b. (se punível a título negligente)

i. Elemento cognitivo: co-consciência; abrange elementos descritivos e normativos; significado social dos conceitos (“valoração paralela na esfera do leigo” Kaufmann)

ii. Actualidade (exclusão do dolo subsequente e antecedente)

iii. Formas de dolo (14.º CP)

1. Directo ou de primeiro grau (14.º, n.º 1)

• “Querer finalisticamente dirigido (intenção) à realização do facto típico”

• Realização do facto típico é o acontecimento queo autor visa realizar (mesmo que não tenha a certeza que o realizará) e é a consequência principal da acção

2. Necessário ou de segundo grau (14.º, n.º 2)

• Representação da realização do facto típico comoconsequência secundária, mas possível da sua conduta.

3. Eventual (14.º, n.º 3)

• Representação da possibilidade de realização do facto típico; elemento volitivo → conformação com a realização

• Conformação → “fórmula positiva”: identificar o elemento de atitude do agente: haverá dolo eventual se o agente tiver dito para si, no momento da realização, “haja o que houver, eu actuo” → negligência consciente

iv. Dolo alternativo

• Crime verificado = crime que o agente pretendia cometer → punição pelo crime verificado consumado

• Crime verificado ≠ crime que o agente pretendia cometer → punição pelo crime não verificado na forma tentada + crime verificado negligente

• Não verificação de qualquer crime → punição pelocrime que o agente pretendia cometer na forma tentada

v. Elementos subjectivos específicos/intenções (ex.º intenção de apropriação no furto, …) – excedem o tipo objectivo ≠ do dolo específico

vi. Relevância do erro (casos em que não há conhecimento – falsa representação – de elemento objectivo do tipo; falta o elemento cognitivo: art. 16.º, n.º 1):

1. Erro-ignorância → 16.º, n.º 1 e 3→ ponto 5) b. (se aplicável)

2. Erro-suposição → tentativa → ponto 6)

3. Erro-suposição + erro ignorância → tentativa + negligência (16.º, n.º 1 e 3) em concurso efectivo→ ponto 6)

4. Erro sobre a identidade do objecto/pessoa – irrelevante, não é elemento do tipo → ponto 6)

5. Aberratio ictus (não é erro intelectual, é errode execução, não põe em causa o dolo; estão dois objectos em causa) → tentativa + negligência em concurso efectivo

vii. Desvio do processo causal (imputação objectiva + erro; só está um objecto em causa)

1. A divergência é de tal modo essencial que afasta a conexão do risco? O resultado já não é materialização do primeiro risco? SIM → não há imputação do resultado, punição por tentativa (eventualmente em concurso com crime negligente);

NÃO → irrelevância do erro quanto ao resultado causado pelo processo causal efectivo.

viii. Situações análogas ao erro sobre o processo causal

1. O processo causal verificado não é o processo causal representado (é anterior)

a. Consumação antecipada (o acto que causa o resultado é acto de execução do crime verificado, por isso não há desvio essencial que leve à quebrada conexão de risco) → punição pelo crime doloso cometido

VS

b. JAKOBS → tentativa + crime negligente

2. O processo causal verificado não é o processo causal representado (é posterior – casos de encobrimento) → punição pelos dois crimes tentados(ex.º homicídio tentado + ocultação de cadáver tentada)

3. Dolus generalis:

a. Quando o agente quer realizar um tipo atingindoum qualquer objecto, indiferentemente de qual → punição pelos crimes efectivamente cometidos

b. Quando o agente sabe que há vários processos causais que podem conduzir ao resultado e actua pelas duas formas para garantir o resultado (ex.º machadada e afogamento) → punição pelo crime consumado que é abrangido pelo dolo

b. NEGLIGÊNCIA – 15.º CP (só quando expressamente prevista a punibilidade – art. 13.º)

SIM → 6)

NÃO → termina

[…]

c. NOTA: CRIMES AGRAVADOS PELO RESULTADO

i. Verificação de dois resultados, um menos grave e um mais grave

ii. Art. 18.º CP

iii. Nos casos em que está expressamente previsto,aplica-se o crime agravado pelo resultado, em vez da punição por concurso efectivo do crime doloso edo crime negligente

iv. Tem que existir um nexo de risco típico entre o resultado abrangido pelo dolo (o dolo relativo aeste resultado tem que abranger já as circunstâncias que fundamentam o risco típico que causa o resultado agravante) e o que excede o dolo→ a imputação a título de negligência está praticamente afirmada

v. Tem que existir imputação subjectiva a título de negligência do resultado agravante (se for doloso → estamos perante um crime doloso quanto aoresultado mais grave)

ILICITUDE

6) CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO

SIM → termina

NÃO → ponto 7)

a. TIPO OBJECTIVO

i. Legítima defesa (art. 32.º)

1. Agressão (acção humana)

a. Actual (art. 22.º CP)

b. Agressão ilícita

c. A interesses juridicamente protegidos do próprio ou de terceiro

2. Proporcionalidade entre o bem que se defende e o bem que se agride

3. Proporcionalidade entre os meios utilizados para repelir a agressão e as características da agressão, meios disponíveis para defesa, características do defendente e do agressor (art. 33.º → se não existir → pena especialmente atenuada ou isenção de pena)

ii. Direito de necessidade? (34.º)

1. Perigo (não proveniente de acção humana)

a. Actual

b. A interesses juridicamente protegidos do próprio ou de terceiro

2. Adequação da acção de necessidade para remoção do perigo (BJ em causa; intensidade do perigo)

3. Alínea a): exclusão das “acções ilícitas na causa”, salvo para salvaguarda de interesse de terceiro

4. Alínea b): superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado (BJ afectado e forma de afectação)

5. Alínea c): razoabilidade da imposição ao lesadodo sacrifício do seu interesse, face à natureza ouvalor do interesse ameaçado

iii. Conflito de deveres (36.º CP)

1. Situação de perigo para 2 BJ

2. Agente obrigado (dever de agir) a remover o perigo que ameaça aqueles 2 BJ

3. Impossibilidade de o agente cumprir ambos os deveres, só consegue cumprir um sacrificando o outro

4. Dever cumprido de valor igual ou superior ao dever preterido

5. Os critérios aqui são menos apertados que no DN, porque no DN não há uma obrigação de agir. No DN há uma faculdade, uma permissão concedida pela OJ para agir.

6. Casos de conflito de “dever de não agir” (porque este resulta na criação de um perigo) e dever de agir → não são conflito de deveres, mas há analogia.

iv. Outras causas de exclusão da ilicitude

1. Detenção em flagrante delito (255.º e 256.º CPP)

a. Flagrante delito:

i. “crime que se está cometendo ou acabou de cometer” (art. 256.º, n.º 1, CPP)

ii. “agente for, logo após o crime, perseguido porqualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar” (art. 256.º, n.º 1, CPP)

b. Pode ser efectuada por qualquer pessoa se não puder ser chamada em tempo útil autoridade judiciária ou entidade policial, devendo entregar o detido imediatamente à autoridade (art. 255.º n.º 1, al. b), e n.º 2)

2. Estado de necessidade defensivo

[…]

3. Acção directa

[…]

4. […]

b. TIPO SUBJECTIVO

i. Conhecimento – art. 38.º, n.º 4, aplicável a todas as causas de justificação

ii. Erro (falsa representação) sobre os elementos objectivos das causas de justificação

1. O agente pensa que se verificam, mas não se verificam → 16.º, n.º 2 → exclui o dolo

2. O agente ignora que se verificam os elementos objectivos do tipo justificador → 38.º, n.º 4 → regime da tentativa

iii. Elemento volitivo (actuar com intenção de repelir agressão actual e ilícita; para afastar perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos; para cumprir dever)

CULPA

7) […]

PUNIBILIDADE

IntroduçãoO Direito Penal é um ramo do Direito construído em torno da análise decondutas humanas, com o objectivo de encontrar o denominador comum nasvárias condutas que podem ser qualificadas como “crime”. Para tal, oDireito Penal recorre à construção de um sistema científicoestruturado em diferentes fases de análise da mesma realidade,progressivamente mais profundas e próximas do agente e dacensurabilidade do seu facto. Esquematizando, é como se o juristapenal analizasse os factos do crime - simbolizados como um pedaço dooceano dentro de um aquário gigante - a partir de um elevadorpanorâmico que vai subindo ao longo do aquário. O que o jurista vê ésempre o mesmo - sempre o mesmo pedaço do oceano, mas a suaperspectiva vai mudando, até ao final: a imagem global do facto.É importante que, na resolução do caso prático, se siga o caminhotraçado pela doutrina, para que não se cometam erros desnecessários.Sempre que a conduta do agente não suscite problemas quanto a algumdos pressupostos, deverão ser sucintos e limitar-se a dar comocomprovada a verificação do mesmo. Como se trata de um caso prático,não há lugar para derivações teóricas em abstracto. Apenas deverãopassar para uma análise teoria e socorrer-se da doutrina quando surjaalgum problema concreto no caso, face a algum pressuposto. Uma vez queem Direito Penal não existem respostas de “sim” ou “não”, deverãojustificar sempre qualquer resposta a um problema concreto, cujasolução não vos pareça tão óbvia ou simples e, sempre, quando hajadivergência doutrinária. Justifiquem sempre que tenham dúvidas quandoà solução que defendem, pois mesmo que a resposta esteja errada, oprocesso de raciocínio e argumentação é sempre valorizado. Quandotenham que optar por uma solução entre muitas, a valorização é dada àtomada de posição sobre o problema concreto e não à mera enunciação dedoutrinas. Devem justificar cuidadosamente a vossa opção, sem recorrerem excesso a argumentos de autoridade. Sejam coerentes, sistemáticos erigorosos com os termos que utilizam. Expressões como “ele não teveculpa”, “não teve intenção”, “foi obrigado”, etc., podem dizer muitascoisas ou nada de penalmente relevante, por isso devem ser evitadas.Memorizem os termos técnicos e utilizem-nos: o domínio da técnicapenal é também um objectivo da disciplina e objecto de valorização.

1. Análise prévia dos factos

Para iniciar a resolução, deverão seleccionar os agentes passíveis deresponsabilização penal, sendo aconselhável que comecem pelo maiscomplexo. Devem seguir estas regras básicas: Começar pelos agentesresponsáveis a título de autoria (autor material, autor mediato, co-autores); Determinar primeiro a responsabilidade penal dos autores esó depois, numa lógica de dependência, a dos participantes(instigadores e cúmplices); Por força do princípio da acessoriedade,para que se possa atribuir responsabilidade penal aos participantes, énecessário que o autor pratique um facto típico e ilícito, sendo,depois, irrelevante o que se conclua ao nível da culpa e punibilidade.

2. Conceito Penal de Acção (Comportamento humano voluntário)

Identificar se se trata de acção ou omissão; tratando-se de acção,comprovar se, no caso, se verifica o limiar mínimo de voluntariedadeque permite concluir por uma acção penalmente relevante; Trata-se deuma análise feita pela negativa, através da exclusão dos casos em quenão existe voluntariedade (coação física, actos reflexos,sonambulismo, hipnose, estados de inconsciência, automatismos – quandosejam involuntários por falta de previsibilidade do facto quedespoleta a reacção automatizada); Mesmo não havendo voluntariedade,podem ter que verificar se não se trata de actio ou omitio libera inagendo; Caso não haja voluntariedade, a resolução termina por aqui,por força do efeito em cascata dos pressupostos da responsabilidadepenal; Caso haja acção voluntária, cumpre analisar-se o tipo penal; Emcasos de fronteira podem ter que analisar os critérios de distinçãoentre acção e omissão: natureza do dever, criação ou não diminuição dorisco, processos de salvamento, etc. Tratando-se de uma omissão, oprocesso é idêntico, sendo necessário saber se havia capacidade deacção – excluída nas mesmas situações acima referidas, sempre que oagente estava fisicamente impossibilitado de agir ou em estados deinconsciência – para que haja omissão voluntária.

3. Tipicidade

O primeiro passo a dar é descobrir qual o tipo ou tipos penais emcausa, face à conduta praticada pelo agente. Deverão, portanto, tentarenquadrar a conduta do agente num ou mais tipos penais. É a partir deum tipo em concreto (um dos crimes previstos no CP), que se podeanalisar este pressuposto da responsabilidade penal.

Tipo objectivo: Escolhido o tipo, passa-se à verificação do mesmo: devem identificartodos os elementos do tipo relevantes para saber se estes se verificamna conduta do agente, pela seguinte ordem:a) Tipo de sujeito: verificar se se trata de crimes específicos,próprios ou impróprios, para saber se o agente em questão pode ser,tipicamente, um agente do crime. Tratando-se de crime específicopróprio, se o agente não corresponder à descrição típica, haveráimpunidade, salvo se, em caso de comparticipação, for aplicável o art.28.º do CP;b) Tipo de vítima: Cumpre também verificar se o tipo é dirigido contracategorias especiais de vítimas e, sendo-o, se há correspondência como caso. Por outro lado, é neste momento que verificam se existe acordoque exclui o tipo;c) Tipo de conduta: Ainda para a verificação do tipo objectivo, há quesaber se se trata de um crime de execução vinculada ou livre, pois, noprimeiro caso, a conduta do agente tem que corresponder exactamente àdescrição típica. Mais, deverão sempre determinar se se trata de umcrime de resultado (dano ou perigo), caso em que terão que analisar onexo de imputação objectiva;d) Modo de realização do facto: Por fim, devem verificar se a condutafoi realizada por acção ou omissão (caso em que devem qualificar aomissão) isoladamente ou em comparticipação e qual foi o tipo deautoria. Tratando-se de co-autoria, deverão analisar os co-autores emconjunto, no âmbito do tipo objectivo. Tratando-se de autoria mediata,a verificação do tipo é também conjunta com a análise do agente queserve de instrumento.

Omissão: É no âmbito do tipo objectivo que analisam a relevância típica daomissão. Desde logo, têm que determinar se se trata de uma omissão

pura ou impura. Para tal, recorrem ao artigo 10.º n.º 2 do CP paraverificarem os seguintes pressupostos:a) Dever de garante: Para que seja uma omissão impura, o agente temque ter um dever especial de agir (dever de garante). Devem encontraruma fonte de posição de garante e justificá-la face ao caso concreto;b) Possibilidade individual de acção: Deverão também determinar se oagente poderia ter agido no caso concreto (saber se este reuniacapacidades mínimas para realizar a acção devida).

Nexo de imputação objectiva: Deverão escolher umas das teorias (causalidade adequada ou teoria dorisco), fundamentar minimamente e manter-se coerentes ao longo daresolução. Caso se trate de co-autoria, devem referir o problema doco-domínio do facto e, tratando-se da distinção entre autoria mediatae instigação do “domínio da vontade” v. mera determinação. Estando emcausa a distinção entre autoria e cumplicidade, têm que referir asteorias sobre o contributo causal do cúmplice e o problema daessencialidade da contribuição. É neste momento que, em definitivo,qualificam o tipo de participação do agente.

Exclusão do NIO: Também aqui podem partir de uma delimitação negativa, verificando seestão perante um dos casos em que se exclui o NIO:a) Riscos permitidos (adequação social, tolerância social, etc.);b) Auto-colocação em risco e consentimento que excluem o risco; c)Comportamento lícito alternativo v. causa virtual;d) Âmbito de protecção da norma e esfera de riscos;e) Interrupção do nexo causal v. desvio do processo causal;f) Aberratio ictus (execução falhada, a qual conduz à punição pelamera tentativa).

Tentativa: Quando excluem o nexo de imputação objectiva pelas razões indicadas eme) e f) ou porque, simplesmente, o resultado não se verificou, eexiste dolo directo ou necessário, devem concluir pela tentativa(possível ou impossível, consoante os casos). Havendo dolo eventual,terão que discutir a compatibilidade entre a tentativa e DE, uma vezque esta é polémica na doutrina.

Tentativa Impossível: Quando o objecto do crime não exista ou não se encontre acessível ou quando exista inidoneidade do meio, têm que aplicar o art. 23.º n.º 3 do CP para saber se a tentativa impossível é punida, sendo impune quando a impossibilidade ou inidoneidade sejam manifestas. 

Participação e tentativa: Devem ter cuidado na distinção entre participação numa tentativa(instigação ou cumplicidade no facto de um autor que apenas tenta, semalcançar a consumação) e tentativa de participação (tentativa deinstigar um autor que não chega a determinar-se para a prática do

crime ou tentativa de prestar auxílio quando o mesmo acaba por não terqualquer relevância para a prática do crime).

Imputação objectiva da omissão: Tratando-se de omissão devem ainda ver se havia uma acção que, no casoconcreto, para aquele agente, fosse apta a diminuir ou eliminar orisco de produção do resultado (Teoria do Risco) ou adequada a evitara produção do resultado (Causalidade Adequada).

Imputação subjectiva:Devem começar por verificar se existiu elemento intelectual do dolo(uma vez que, havendo elemento intelectual, o problema coloca-se maisno plano da distinção entre DE e Negligência Consciente). Para saberse houve elemento intelectual, devem excluir qualquer possibilidade deerro do tipo (art. 16.º n.º 1 do CP).

Tipo de dolo: Não havendo erro, e estando verificado o elemento intelectual, passampara o elemento volitivo e para a qualificação do dolo como directo,necessário ou eventual.

Elementos subjectivos especiais: Para além da qualificação do dolo, uma vez que pode tratar-se um tipoque possua elementos subjectivos especiais (p.e., furto), devem ver seestes existiram na conduta do agente.

DE e NC: Quando haja dúvidas sobre a consistência do elemento volitivo, têm queanalisar a distinção entre DE e NC, escolhendo uma das teoriascompatíveis com o art. 14.º n.º 3 e justificando a opção tomada comrecurso aos critérios apontados pela doutrina. Importante: o facto deo agente ter actuado não é critério de distinção!!!.

Participação e duplo dolo: Não existe instigação nem cumplicidade negligente, pelo que, quantoaos participantes, têm que verificar se existe o duplo dolo (dolo dotipo e dolo da participação).

Negligência: Caso não haja elemento volitivo, quer porque não simplesmente este nãose verifica, tenha havido erro ou porque optaram pela NC, cumpreanalisar o art. 15.º, optar pelo tipo de negligência e justificar aviolação de deveres de cuidado por parte do agente. Punição danegligência: Para além da comprovação de que houve violação dosdeveres de cuidado, por força do art. 13.º do CP, têm ainda queverificar se a negligência é alvo de punição no caso concreto.

4. Ilicitude 

Verificado o tipo, cumpre analisar se a conduta é ilícita. Embora nãose trate de mera delimitação negativa, devem começar por verificar senão existe uma causa de justificação. Começam sempre pela legítimadefesa e só, falhando esta, passam para as restantes (art. 34.º,Legítima Defesa Preventiva, Estado de Necessidade Defensivo, art.36.º, cumprimento de dever, exercício de direito, acção directa,etc.). Num outro plano, devem sempre verificar se houve consentimentoda vítima e, havendo, se este obedece aos requisitos previstos no art.38.º do CP.2 Apenas haverá exclusão da ilicitude se todos ospressupostos e requisitos das causas de justificação estiveremverificados. &ão há exclusão da ilicitude, designadamente, se houver:a) Erro do art. 16.º n.º 2 do CP;3b) Excesso (art. 33.º CP);c) Falta de elementos subjectivos das causas de justificação (art.38.º n.º 4 CP).Verificando-se a existência de uma causa de justificação, devemponderar os casos de participação. O princípio da acessoriedade (art.29.º CP) permite que a exclusão da ilicitude se estenda aosparticipantes (instigador e cúmplice) mas não aos co-autores.

5. Culpa 

Não sendo possível afastar a ilicitude, cumpre ainda verificar se aconduta do agente lhe é censurável, ao nível da culpa. Em primeirolugar, têm que determinar se o agente é imputável nos termos dos arts.19.º e 20.º do CP. Caso haja inimputabilidade nos termos do art. 20.ºn.º 1, podem ainda ter que verificar se não se trata de uma actio ouomitio libera in causa, nos termos do art. 20.º n.º 4 do CP. Nãohavendo pré-ordenação, podem ainda aplicar o art. 295.º, caso se tratede embriaguez ou intoxicação. Havendo imputabilidade, resta verificarse não existe uma causa de exclusão da culpa: art. 35.º, conflito dedeveres desculpante, erro do 16.º n.º 2, erro do 17.º, excesso do 33.ºn.º 2, cláusula geral de inexigibilidade, etc.

6. Punibilidade Por fim, mesmo havendo culpa, pode ficar excluída a punibilidade, emcasos especiais, como acontece quando há desistência, art. 24.º CP;Sendo punível a conduta, devem resolver os problemas de concurso(aparente e real), explicando porque que crime é que cada agente deveser punido.

António, cobrador da Carris, foi assaltado em plena viagem de eléctrico.Com efeito, de repente sentiu um forte puxão pela correia da mala de mão emque guardava o dinheiro, que o fez desequilibrar-se e cair, largando a mala naqueda. Só que, tendo sido atacado pelas costas dentro do eléctrico apinhadode gente, não teve tempo nem possibilidade de ver o ladrão. Não obstante, aorecobrar o equilíbrio, imediatamente notou que alguém saltara, com algumaprecipitação, do eléctrico em andamento e se lançara numa corrida pela ruaacima que mais parecia ser uma fuga. Julgando ter descoberto o assaltante,António pendurou-se no corrimão da porta e, segurando uma pistola quetrazia consigo, disparou dois tiros quase simultâneos sobre o dito corredor,Bento, sendo sua intenção fazê-lo parar, por forma a recuperar a mala dodinheiro. Com o primeiro dos tiros atingiu uma das pernas do desafortunadopassageiro corredor mas, com o segundo atingiu, por falta de pontaria, umaterceira pessoa, Carlos, causando-lhe a morte. Por acaso, essa terceira pessoaera o verdadeiro ladrão que, segundos antes descera já do eléctrico para seafastar, com aparente tranquilidade, com a mala do dinheiro escondia debaixodo casaco.

Aprecie a responsabilidade criminal de António. António tem uma acção (dar dois tiros) penalmente

relevante, porque é um comportamento humano dominado pelavontade: António não actuou coagido (no âmbito de umacoacção física ou “vis absoluta”); também não actuou no âmbito

de nenhum movimento reflexo, nem de sonambulismo ouqualquer outro estado de inconsciência.

A acção de António é um comportamento humano dominadopela vontade que produz uma alteração objectiva no mundoexterior.

De seguida vai-se verificar se essa acção é ou nãotípica, isto é, se a conduta de António preenche, objectivae subjectivamente, o tipo. Mas qual tipo?

Aquilo que se identifica imediatamente nesta situação éque António quer atingir Bento, dispara dois tiros que lhesão dirigidos e atinge Bento, mas também atinge Carlos.

Seria mais fácil se houvesses apenas um tiro; mas houvedois tiros, ou seja, pode dizer-se que houve duas acções:

-         Um tiro dirigido a Bento, que atinge Bento;-         Outro tiro dirigido a Bento, que atinge

Carlos.Portanto, tem-se que dividir esta responsabilidade

penal, na medida em que António pratica factos penalmenterelevantes em dois objectos.

Por outro lado, identifica-se aqui também desde logo umasituação de “aberratio ictus”, em que o agente visualiza umobjecto e atinge outro, não porque tenha confundido osobjectos mas precisamente por uma ineficiente execução.

Assim,Em relação a Bento e dentro do primeiro disparo:A intenção do agente era pará-lo para assim conseguir

reaver a mala. Podemos portanto dizer que o agente tem umdolo de ofensas corporais (art. 143º CP).

Assim, vamos verificar se uma primeira acção o tipo doart. 143º CP está preenchido.

Elementos objectivos:Há um agente, António.Há uma conduta – pegar na arma e disparar – que

corresponde à conduta descrita no tipo, que é ofendercorporalmente outra pessoa.

O resultado típico é o ferimento, a própria ofensa sofridapor Bento na perna.

Há imputação objectiva – firma-se facilmente o nexo decausalidade, porque é previsível que de um tiro ocorra umferimento na perna – objectivamente o tipo do art. 143º CPestá preenchido.

Elemento subjectivo:

Há dolo, o dolo (de tipo) é conhecer e querer oselementos objectivos de um tipo.

O agente conheceu e quis aquilo que fez: o agenteconheceu e quis disparar a arma para ferir o ladrão; oagente quer aquele resultado típico que previamenteconheceu. Portanto, há dolo.

Objectiva e subjectivamente o tipo está preenchidoEm relação ao segundo disparo:O agente quer atingir Bento e atinge Carlos. Temos aqui

uma situação, já identificada de “aberratio ictus”.A regra geral[1] será punir agente em concurso efectivo

por uma tentativa, é um facto negligente:-         Tentativa em relação ao objecto que o agente

visou, mas não atingiu;-         É um facto negligente em relação ao objecto

que o agente não visualizou, mas que efectivamenteatingiu.

Aplicando esta solução modelar à nossa hipótese,teríamos então um concurso efectivo de:

-         Tentativa de ofensas corporais em relação aBento – art. 143º CP;

-         Homicídio negligente em relação a Carlos –art. 137º CP.

Relativamente à tentativa, temos que provar que oselementos do facto tentado estão presentes.

Em primeiro lugar, a tipicidade do facto tentado vemprevista no art. 22º CP. Ai se diz que há tentativa quandoo agente pratica actos de execução de um crime que decidiucometer sem que o resultado típico se chegue a verificar.

Assim:O agente praticou actos de execução constitutivos do

tipo legal de crime (art. 2º/2-a CP), na medida em quedisparou a arma, sendo sua intenção ferir Bento[2], mas oresultado típica ofensa corporal – não se chegou a consumar(verificou-se outro objecto).

Neste sentido temos provada e firmada a tentativa doart. 143º CP.

Quanto ao art. 137º CP:[3]

Vai-se pressupor que há imputação objectiva porque oagente violou o dever de cuidado que lhe era exigível, deque ele era capaz, ele devia-se certificar se a suapontaria era suficientemente boa para, com o eléctrico em

movimento e estando rodeado de pessoas, não atingir outrapessoa.

Não tendo observado esses deveres de cuidado, não hádúvida nenhuma que a morte de Carlos lhe pode ser imputada.

Assim temos:-         Art. 143º CP, mais tentativa do art. 143º CP

(em relação a Bento); e-         Art. 137º CP (em relação a Carlos).Uma vez identificados e firmados os tipos, sabemos que a

tipicidade indicia a ilicitude.Vai-se então ver, dentro destas categoria dogmática da

teoria do facto punível que é a ilicitude, se há ou nãocausas de justificação ou de exclusão da ilicitude, parapodermos concluir se o facto, além de típico, é tambémilícito.

Sabemos da matéria de facto que António, quando disparacontra Bento, tem intenção de o parar porque estáconvencido que Bento é o ladrão.

Por outras palavras, António pensa que está a actuar emlegítima defesa quando na realidade não está, porque paraisso era necessário que Bento tivesse praticado umaagressão.

Temos então uma situação em que o agente actuacom “animus defendendi” (elemento subjectivo da causa dejustificação), mas em que avalia mal a realidade porquejulga que esta excluiria a ilicitude do seu facto.

Ou seja, o agente está em erro sobre um pressuposto defacto de uma causa de justificação, que é uma situaçãosubsumível ao art. 16º/2 CP, erro sobre uma circunstânciaque a exigir excluiria a ilicitude do facto.

Assim, em relação a Bento:Os factos típicos que António praticou foram o do art.

143º CP (primeiro disparo) mais tentativa do art. 143º(segundo disparo).

Mas quando os praticou António está em erro sobre umpressuposto de facto de uma causa de justificação. Se oregime de relevância desse erro nos é dado pelo n.º 2 doart. 16º CP, então exclui-se o dolo.

Nos termos do n.º 3 do art. 16º CP ressalva-se apunibilidade por negligência nos termos gerais.

Então:

Em relação às ofensas corporais consumadas (primeirodisparo) o agente poderá ser responsabilizado por ofensascorporais negligentes, nos termos do art. 148º CP.

Em relação à tentativa de ofensas corporais (segundodisparo):

As tentativas em Direito Penal são sempre dolosas, nãohá tentativa negligente. Por isso não é possível punir umatentativa negligente, porque é uma figura que a lei nãoconhece.

Assim, quanto a este facto o agente não temresponsabilidade criminal.

E mesmo que tivesse, por força do preceituado no art.23º CP uma tentativa só é punível se ao crime, a serconsiderado, corresponder uma pena superior a três anos.Como o crime do art. 143º CP tem uma moldura penal de atétrês anos, também por uma razão de punibilidade o agentenão seria unido.

Mas desde logo porque a tentativa é sempre dolosa, nãohá tentativas negligentes em Direito Penal, o agente nãoseria responsabilizado.

Assim, podemos concluir que a responsabilidade penal deAntónio para com Bento será de ofensas corporaisnegligentes nos termos do art. 148º CP, por remissão do n.º3 do art. 16º CP.[4]

Em relação a Carlos:O agente praticou o facto típico de homicídio negligente

(art. 137º CP).Se o facto é típico, vamos ver se também é ilícito, uma

vez que sabemos que a tipicidade indicia a ilicitude.Simplesmente, esse juízo de ilicitude pode ser quebrado porcontra-norma, por causas de exclusão da ilicitude ou dejustificação, que vêm aprovar o facto.

Recapitulando a matéria de facto nos temos que António,por força de uma “aberratio ictus”, mata Carlos, que narealidade tinha sido o verdadeiro ladrão.

Será que existe aqui alguma causa de justificação quevenha a excluir a ilicitude do facto típico?

Na realidade Carlos tinha sido o ladrão. Donde, poderáconfigurar-se aqui uma situação de legítima defesa. Vamosentão verificar se os elementos objectivos e subjectivos dalegítima defesa estão preenchidos.

Art. 32º CP:

Por parte de Carlos verifica-se a existência de umaagressão. Agressão, para efeitos de legítima defesa, é todoo comportamento humano que contraria a ordem jurídica e queo defendente não é obrigado a suportar.

No caso concreto essa agressão ofende bens de naturezapatrimonial de terceiro.

É uma agressão ilícita porque é contrária à lei (conceitode ilicitude formal), que neste caso consubstancia desdelogo um tipo legal de crime que é o furto (ou,virtualmente, roubo, porque houve violência para asubtracção).

É uma agressão actual: há já uma consumação formal, masainda não há uma consumação material.

Há várias teses sobre a consumação do crime de furto,nomeadamente a que é defendida pelo prof. EduardoCorreia segundo a qual, não obstante ter havido subtracçãoda coisa móvel objecto do facto (consumação formal do crimede furto, desde que o agente preencha o elemento subjectivoespecifico do art. 203º CP que é a intenção de apropriaçãoilegítima para si ou para terceiro da coisa furtada), só háde alguma forma verdadeira consumação material do crimequando em relação ao objecto do facto o agente detém paracom ele uma certa “posse pacífica”, em que ele se pode comportarcomo verdadeiro detentor ou titular da coisa furtada.

Ora, neste caso da hipótese ainda não há essa possepacífica[5].

Assim:É uma agressão actual e ilícita, que ofende interesses

de natureza patrimonial de terceiro, sendo esses interessesdignos de tutela jurídico-penal.

Vai-se agora ver se o meio é necessário.Em primeiro lugar, a adequação do meio afere-se no caso

concreto; o meio necessário para repelir a agressão actuale ilícita tem que ser o meio menos gravoso para o agressor,mas tem que ser simultaneamente um meio eficaz.

Uma arma de fogo em determinadas circunstâncias é ummeio adequado para repelir a agressão – se (X) está naiminência de uma agressão à sua vida e se utiliza uma armade fogo para repelir essa agressão, o meio é adequado,ainda que seja previsível a morte do agressor.

Em segundo lugar, a utilização de uma arma de fogo,mesmo que seja para salvaguardar bens de natureza

patrimonial, desde que dirigida a um órgão não vital doagressor, é também um meio adequado.

Portanto, a arma de fogo em si nada nos diz quando aomeio ser ou não ser adequado. A legítima defesa (aocontrário do direito de necessidade), não assenta numaideia de ponderação de interesses: não tem de haver umasensível superioridade entre o bem que se defende e o bemque se lesa com a defesa.

Daí que se compreenda que o agente, para salvaguardar oseu património (propriedade), possa ferir o ladrão. Eninguém diz que o agente está em excesso de legítima defesapor excesso do meio empregue.

Da mesma forma que para salvaguardar a sua honra ou asua autodeterminação sexual o agente possa lesar a vida doagressor. Não deixa de estar a actuar em legítima defesa.Na legítima defesa a necessidade do meio não joga com anatureza dos interesses em causa.

Assim, meio necessário será aquele, dentro dos meios queo agente tem à sua disposição, o meio de eficácia maissuave, ou seja, aquele cujas consequências são menosgravosas para o agressor. Mas meio simultaneamente eficaz.

Então, entre uma pedra, um pau e uma arma de fogo, omeio certamente mais suave será a pedra ou mesmo o pau. Maspoderá não ser um meio eficaz, tudo depende dascircunstâncias do caso concreto.

Na hipótese, atendendo às circunstâncias, parece que sepode afirmar que o meio utilizado foi um meio necessário.

Assim, uma vez verificada a existência de todos oselementos objectivos da legítima defesa, vai-se agoraanalisar o elemento objectivo desta causa de justificaçãoque é o “animus defendendi”, consciência e vontade que pessoatem de se defender.

António não sabe que Carlos é o ladrão, portanto ele nãotem consciência da agressão. Sendo assim, ele não pode terquerido repelir a agressão. Logo, falta o elementosubjectivo da justificação.

Então, que o facto é ilícito ninguém dúvida, uma vez quefalta um elemento da causa de justificação. Sendo o factoilícito, como é que vamos responsabilizar o agente?

O que o agente fez, o resultado, no fim de contas foibem feito, porque Carlos era o ladrão. Mas a acção deAntónio, porque não sabia que Carlos era o ladrão, é

desvaliosa. Quando existe desvalor na acção, mas não existedesvalor no resultado, temos a punibilidade por factotentado.

Então aplica-se analogicamente, mesmo à legítima defesa,o n.º 4 do art. 38º CP e pune-se o agente por factotentado.

Vimos também em sede própria que relativamente a estaquestão a Doutrina não é unânime:

-         Há quem considere, em relação a todas ascausas de justificação que, quando estão presentes oselementos objectivos e tão só falta o elementosubjectivo, se aplica a punibilidade por factotentado;

-         Na perspectiva de outros autores, há quedistinguir:

·        Se as causas de justificação têm, emrelação ao elemento subjectivo, uma bipartiçãoestrutural em que é possível distinguir oelemento intelectual e o elemento volitivo, ouseja, consciência da agressão e vontade de sedefender, a falta do elemento subjectivo importaa punição por facto doloso consumado;

·        Quando as causas de justificação quanto aoelemento subjectivo pressupõem apenas o elementointelectual, que é o conhecimento da situaçãoobjectiva da justificação (de que é exemplo oconsentimento, previsto no art. 38º CP), a faltado elemento subjectivo importa a punição porfacto tentado.

-         Há ainda outros autores que negam a existênciade elementos subjectivos nas causas de justificação;e, negando-os, os factos estão justificados desde quese encontrem preenchidos os elementos subjectivos

Adoptando agora a primeira solução e aplicando à nossahipótese analogicamente o n.º 4 do art. 38º CP, temos entãoque o agente seria punido, relativamente a Carlos, porfacto tentado, mas o facto praticado pelo agente foi ohomicídio negligente.

Ora, a tentativa é sempre dolosa, não há tentativasnegligentes em Direito Penal. Portanto, o agente não seriaresponsabilizado juridico-penalmente por este facto.

Mas mais ainda e isto é que é importante[6]: ajustificação nos factos negligentes prescinde sempre doelemento subjectivo da justificação, sob pena de os factosnegligentes nunca poderem ser justificados.

O que é que se quer dizer com isso?Se António está na iminência de ver a sua integridade

corporal lesada e, para repelir essa agressão, pega napasta e dá com ela na cabeça da pessoa que o vai ofendercorporalmente, António, do ponto de vista jurídico-penaltem uma acção penalmente relevante que é típica: preencheos elementos objectivos do crime de ofensas corporais, bemcomo os elementos subjectivos porque actuou com dolo,conheceu e quis ferir o seu agressor.

O facto é típico mas está justificado pela intervençãodesta causa de justificação, porque estão preenchidos oselementos objectivos da legítima defesa: António actuou comconsciência de que estava perante a iminência dessaagressão.

Agora, o que é que acontece se António está na iminênciade ser alvo de uma agressão e distraidamente atira a pastaao ar, porque está a brincar com ela, e depois a pasta caina cabeça daquela pessoa que estava na iminência de ofendercorporalmente António?

Do ponto de vista jurídico-penal António pratica umcrime de ofensas corporais negligentes, porque quandopartiu a cabeça àquela pessoa não conheceu nem quis aqueleresultado, isso resultou de uma falta de cuidado.

Logo, repare-se:Se na primeira situação, em que o agente dolosamente

quer partir a cabeça ao seu agressor, o facto estájustificado[7].

Nesta segunda situação, e que há um facto negligente, emque há um desvalor do resultado mas não há um desvalor daacção, o facto tem de estar necessariamente justificado. Seo facto doloso está justificado, o facto negligente que émenos desvalioso também tem de estar justificado,presidindo-se do elemento subjectivo da justificação, daconsciência que o agente tinha de que estava na iminênciade ser vítima de uma ofensa corporal.

Se fosse necessário esse elemento, nunca poderia haverjustificação de factos negligentes, porque o agente parater consciência de que estava perante a iminência de uma

agressão, para repelir essa agressão tinha de sempre deactuar querendo repelir essa agressão. E portanto, tinhasempre de actuar dolosamente.

-         Se os factos dolosos são justificados – e paraesses é preciso a existência do elemento subjectivo dajustificação;

-         Os factos negligentes são justificados,prescindindo-se do elemento subjectivo dajustificação.

Portanto, na nossa hipótese, como se trata de um factonegligente (homicídio negligente) prescinde-se do elementosubjectivo da justificação.

Donde, como o agente objectivamente está perante umasituação de legítima defesa, o facto por ele praticado estajustificado.

[1] Só excepcionalmente, nas situações de “aberratio ictus”, e quando a matéria de facto nospermitir concluir isso, é que nós punimos o agente em concurso efectivo por umatentativa do facto em relação ao objecto visado, em concurso com um facto consumado comdolo eventual em relação ao objecto atingido.

Mas isto apenas nos acasos em que a lei seja de molde a permitir-nos concluir que emrelação ao objecto não representado mas atingido pelo agente houve ainda a possibilidadede dolo eventual.[2] Decisão de cometimento do crime – elemento subjectivo[3] Embora não tenha sido ainda estudada a tipicidade do facto negligente vamos pressupô-la.[4] Esta remissão não é automática, tendo que ser analisada caso a caso.[5] Para quem considera o crime de furto como um crime de estado vê assim a questãoresolvida para efeitos de legítima defesa.Desta forma, indo por um ou por outro caminho, está justificada a actualidade daagressão para efeitos de legítima defesa.[6] É uma especialidade dos crimes negligentes[7] Num facto doloso podemos distinguir entre desvalor da acção e desvalor do resultado