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Inclusão Digital: Uma solução educacional, tecnológica ou
social?
Guilherme B. Franca1, Keyla E. N. Alicrim1
1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – Campus Irecê
CEP 44.900-000 – Irecê – BA - Brasil
{franca,alicrim} [email protected],
Abstract. Educational project of basic computing for primary schools in Brazil
with the aim of providing digital inclusion to basic education students.
Resumo. Projeto educacional de informática básica para escolas de ensino
básico do Brasil com o objetivo de proporcionar inclusão digital a estudantes
do ensino fundamental.
1. Introdução
Com o surgimento da era da informação, diversos recursos existentes no mundo
real ganharam uma versão digitalizada: jornais, revistas, telefone, TV, e mais
recentemente, até mesmo o dinheiro. Mas além de todos os recursos que prometem
deixar a vida humana mais prática, os problemas também adentraram o ciberespaço, e a
desigualdade social se refletiu nesse novo mundo em um grande processo de exclusão
digital. Através do estudo da exclusão digital e inclusão digital promovida durante o
processo educacional do Brasil, o objetivo desse trabalho é propor um modelo
educacional de informática básica, que promova inclusão digital através do conceito dos
“5Cs” de Bradbook e Fisher (2004).
2. Um estudo da desigualdade digital no Brasil
“Hoje, as redes digitais são instituições sociais, integradas ao dia-a-dia
contemporâneo” (WELLMAN, 2001). Portanto, quando um cidadão não tem acesso às
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), não se trata de ele simplesmente não
ter acesso a uma tecnologia, e sim a uma instituição social, resultando, portanto, em
exclusão social. (LOPES, 2007)
Em 2002, Elizabeth Gomes, então Assessora da Presidência da Anatel, em seu
trabalho “Exclusão Digital: Um problema tecnológico ou social?” disse: “A conhecida
desigualdade registrada entre pobres e ricos entra agora na era digital e ameaça se
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expandir com a mesma rapidez das tecnologias de comunicação.” O principal problema
dessa exclusão, é que a tecnologia, principalmente a internet, se tornou algo
indispensável. A limitação do acesso a esses recursos impede que pessoas consigam
emprego, façam inscrição para um vestibular ou tenham uma barreira em seus estudos.
A internet por exemplo, surgiu de pesquisas estatais, e apesar de hoje ser tratada como
um meio “universalizado” por, tecnicamente, não possuir um dono, é dominada pelas
grandes empresas de tecnologia. O encolhimento dos investimentos globais para a
inovação e o foco nas privatizações tiveram caráter decisivo no processo de exclusão
digital que se formara.
Para Gomes, o potencial da internet vai além da praticidade. Ela pode cumprir
também um papel social, provendo informações àqueles que tiveram esse direito negado
ou negligenciado, e com isso, permitindo maiores graus de mobilidade social e
econômica. Um dos exemplos desse poder social da internet foi o compartilhamento de
informações durante manifestações, como a Primavera Árabe e as Manifestações de
Junho de 2013 no Brasil. Informações “censuradas” pela grande mídia para defender
seus interesses particulares, foram livremente compartilhadas na rede, o que contribuiu
para a mobilização de novos adeptos. (GOMES, 2002)
Com o grande avanço nas tecnologias de transmissão de internet, como evolução
dos cabos e meios sem fio como roteadores e satélites, houve um grande aumento no
número de usuários da internet ao redor do mundo. No Brasil, 51% dos cidadãos com
mais de 10 anos de idade possuíam acesso à internet em 2013. Entre os principais
fatores que contribuíram para o marco inédito estão o aumento exponencial no uso de
celulares para conexão com a rede e a multiplicação de equipamentos portáteis, como
notebooks e tablets.
O número de usuários da internet do país é expressivo e importante. Se
olharmos de 2008 para cá, o salto foi de quase um terço da população para
mais da metade dela. No entanto, é preciso chamar atenção para algumas
disparidades que permanecem: a distância entre o acesso em determinadas
classes sociais e regiões ainda é muito grande. E ela vem se mantendo, não
diminuindo. (OYADOMARI apud JANSEN, 2013)
Apesar de o Brasil possuir um número alto de pessoas com acesso à internet, a
nona edição da pesquisa TIC Domicílios, de 2013, divulgada pelo Centro de Estudos
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sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br) mostra que esse
acesso ainda é concentrado em determinadas classes sociais e regiões.
Nas classes A e B, a proporção de casas com acesso à internet é de 98% e 80%,
respectivamente. Na classe C esse número cai para apenas 39% e para 8% nas classes D
e E, o que comprova a relação entre a exclusão digital e a desigualdade social. A
internet também está predominantemente presente nas áreas urbanas, com 48% das
residências conectadas, contra 15% nas áreas rurais. E se analisarmos as regiões, a
internet está em 51% das residências na região sudeste, enquanto chega a apenas 26%
no Norte e 30% no Nordeste. (Cetic.br)
O fato de mais da metade da população brasileira ser internauta não significa
que o Brasil está cada vez mais conectado como um todo. [...] E o governo
tem de desenvolver políticas públicas efetivas para a diminuição dessas
diferenças. (OYADOMARI apud JANSEN, 2013).
O projeto “Banda Larga Para Todos” pretende levar conexão de internet de alta
velocidade a pelo menos 90% das residências brasileiras, através da implantação de
cabos de fibra ótica pelo Governo Federal, com o objetivo de diminuir o preço do
serviço e aumentar a competitividade entre pequenas e grandes empresas provedoras de
internet. O projeto “Computador para Todos”, de 2005, pretendia aumentar o acesso das
classes mais baixas ao computador, através da venda de uma configuração básica com
software livre a um baixo preço. Mas simplesmente abaixar os preços – apesar de ajudar
– não passa perto de resolver a questão da exclusão. A inclusão digital vai além de ser
apenas um processo de compra e venda de hardware e software. Para que o cidadão seja
considerado incluso no meio digital, ele precisa de “habilidades que vão de tarefas
básicas, como escrever e-mails e reconhecer um spam, a atividades complexas, como
pesquisar de maneira eficaz, acessar serviços e produzir um vídeo e transmitir via web”
(ASSUMPÇÃO e MORI, 2006).
Um parceiro importante no combate à exclusão digital é a educação. A
educação é um processo e a inclusão digital é um elemento essencial deste
processo. Instituições de ensino, tanto públicas como particulares, devem
contribuir para o aprendizado e interação dos cidadãos com as novas
tecnologias, sendo para isso necessária a atuação governamental e da própria
sociedade. Atualmente, o termo sociedade do conhecimento, ou da
informação, vem sendo usado para designar uma nova forma de sociedade,
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onde o recurso mais importante é o capital intelectual, que é cada vez mais
exigido de quem deseja conseguir um emprego (SILVA-FILHO, 2003).
Segundo Almeida e Paula (2005), atualmente, a internet é essencial também
durante o processo de inclusão. O intenso surgimento de tecnologias, teorias e
informações inviabiliza a atualização do indivíduo apenas por meios tradicionais como
cursos, escolas ou imprensa. Esse ponto é coberto pela internet graças ao grande volume
de informações disponíveis na rede. Por esse motivo, a limitação da internet a apenas
uma parcela da população contribui para o aprofundamento da desigualdade sócio
digital.
3. Surgimento da internet no Brasil
Inicialmente no Brasil, o acesso à Internet era restrito a professores, estudantes e
funcionários de universidades e instituições de pesquisa. Em 1977, As Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Laboratório Nacional de
Computação Científica (LNCC) conectaram-se a instituições nos Estados Unidos. Após
conseguirem acesso a essas redes, a FAPESP e o LNCC incentivaram outras instituições
do país a fazerem o mesmo. As entidades conectavam-se utilizando recursos próprios e
pagando à EMBRATEL as tarifas normais pela utilização de circuitos de comunicação
de dados. O critério utilizado para selecionar onde se conectar, normalmente foi em
função da distância. Com o tempo, ficou clara a necessidade de um projeto para
fomentação de um backbone nacional.
Em 1990, o Ministério da Ciência e Tecnologia lança a Rede Nacional de
Pesquisa (RNP), com o objetivo é implantar uma moderna infraestrutura de serviços
Internet, com abrangência nacional. Sua missão básica era disseminar o uso da Internet
no Brasil, especialmente para fins educacionais e sociais.
A partir de 1995, usuários fora das instituições acadêmicas passaram a também
poder obter acesso à Internet, por meio da oferta privada. O Ministério das
Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia decidiram lançar um esforço
comum de implantação de uma rede Internet global e integrada, abrangendo todo tipo de
uso. Surgiu, então, o backbone nacional de uso misto (comercial e acadêmico),
resultante da expansão e reconfiguração do backbone de uso puramente acadêmico. A
partir desse momento, começou uma grande expansão do número de computadores com
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acesso à internet fora das instituições de ensino, além do surgimento de um grande
número de aplicações. O surgimento e expansão da internet a partir da região sudeste do
Brasil contribuiu para a grande concentração da rede nessa região atualmente.
4. Pilares da inclusão digital
Bradbook e Fisher (2004) sugerem aspectos importantes para o desenvolvimento
do tema inclusão digital. São eles:
a) Conexão: refere-se ao modo como as pessoas têm acesso aos dispositivos de
tecnologia da informação e à Internet;
b) Capacidade: significa as habilidades em informática que um indivíduo tem e
que podem melhorar sua qualidade de vida e sua empregabilidade;
c) Contexto: é o motivo do uso da tecnologia por parte do usuário;
d) Confiança e Motivação: são fatores chaves para que as políticas possam se
dirigir às pessoas que falharam ao tentar descobrir qualquer razão pessoal para
utilizar a tecnologia;
e) Continuidade: diz respeito a como fazer com que as pessoas que já tiveram
algum contato com a tecnologia da informação continuem melhorando e
utilizando as informações adquiridas.
A conexão pode ser domiciliar ou comunitária. Para um processo de inclusão
amplo e barato, com o auxílio do Estado, a conexão comunitária se torna a melhor
opção, pois além de garantir o acesso imediato às tecnologias, permite o
compartilhamento de atividades comunitárias, ajudando diretamente no processo de
digitalização da comunidade. Além da criação de infocentros, é necessário que exista
um projeto de diversificação que permita o acesso de mais tipos de pessoas,
principalmente no que se refere a faixa etária. Também é preciso que exista um
processo educacional que motive as pessoas ao uso da tecnologia e ao interesse pela
informação.
A conexão domiciliar pode, e deve, ser expandida através de políticas públicas
de acesso e manutenção das redes domiciliares. A constante queda no custo das
tecnologias de transmissão de dados sem fio as tornam uma das melhores soluções para
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garantir acesso amplo a internet, com velocidade razoável e preço baixo. Propostas
como o já citado projeto “Banda Larga para Todos” do governo brasileiro também
podem contribuir para a queda dos preços dos pacotes de internet.
Também é importante notar que o Marco Civil da Internet contribui diretamente
com a parte econômica através da garantia da neutralidade da rede, assegurando que o
usuário não precise pagar mais pelo acesso pleno à internet. Além disso, a garantia do
respeito à liberdade de expressão, direitos humanos, pluralidade e finalidade social da
rede, permitem que o usuário tenha mais tranquilidade e segurança em relação aos
conteúdos publicados na internet. Porém, também existem críticas em relação à
importância do Marco Civil para a inclusão digital. Para Gonçalves (2013), o conceito
de neutralidade da rede não existe na prática, e no marco o mesmo é diretamente
atrelado à inclusão digital como direito fundamental. Por conta disso, seria necessário
maior rigor na atuação da lei de neutralidade para garantir os direitos propostos no
Marco Civil.
Quanto aos aparelhos utilizados para intermediar a conexão usuário x internet, a
expansão dos smartphones e tablets garantem um meio barato e eficaz de se conseguir
acesso, mas ainda existem limitações a outros recursos como edição multimídia e
formatação de documentos, tornando necessário o uso de um computador pessoal
padrão. O acesso a esse último pode ser aumentado através da queda de preços,
principalmente com uso de software livre, que é gratuito.
Além disso, governos e cooperativas podem realizar projetos para reciclar
computadores, visto que os computadores descartados, na maioria das vezes, possuem
peças em pleno funcionamento. Esses computadores reaproveitados podem ser
distribuídos a população carente em caráter emergencial, permitindo que essas tenham
acesso à internet.
A capacidade do usuário pode ser responsabilidade do governo e de escolas
privadas, que devem garantir os instrumentos necessários para que a população seja
incluída na sociedade da informação. A inclusão de uma disciplina de informática
básica no ensino público fundamental, com conceitos básicos de história da
computação, aplicativos de escritório, internet e redes, assegura que o usuário tenha os
conhecimentos mínimos para que não esteja à margem da sociedade digital. Esse
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conhecimento básico deve ser complementado através do acesso à internet, como
descrito no último parágrafo. “É preciso ter acesso à informação, saber buscá-la e
encontrá-la, dominar seu uso, organizá-la e entender suas formas de organização, e,
sobretudo, utilizá-la apropriada, adequada e eficazmente” (SPITZ, 1999).
O contexto se refere a utilidade que a tecnologia da informação tem na vida das
pessoas. É preciso que haja um forte motivo que torne a tecnologia relevante ao usuário,
como, por exemplo, a praticidade em calcular notas no Excel para um professor. Não
adianta apresentar a ele um editor de imagens profissional, pois ele não veria a
informática sendo utilizada a seu favor. (ALMEIDA e PAULA, 2005)
Experiências frustradas podem fazer com que as pessoas desistam da
informática, por isso é necessário que haja confiança por parte do usuário e motivação
no processo educacional, seja na escola ou nos telecentros. É preciso que o aprendizado
ocorra de forma prática e intuitiva, para evitar ao máximo problemas com as tecnologias
utilizadas. Aplicativos inteligentes conseguem facilmente manter o usuário motivado, a
partir de linguagem amigável e praticidade no processo de adaptação.
E por último, é preciso que o processo de inclusão digital permita a continuidade
do aprendizado, permitindo que o indivíduo se aprofunde cada vez mais nos
conhecimentos de tecnologia da informação. A internet tem papel essencial nesse
processo, devido ao grande volume de informações disponíveis, além da praticidade
para encontrá-las. Aplicar os conhecimentos não deve ser difícil após um processo
inicial de educação sobre a internet e demais tecnologias, permitindo que o usuário
possa aprender sem ajuda de terceiros.
5. A informática na educação
É muito comum que os projetos de inclusão digital, principalmente os
governamentais, foquem na redução de preços, principalmente em dispositivos de
hardware, o que permite que classes sociais mais baixas possam ter acesso a
computadores; e na expansão da estrutura de redes de internet, para levar o acesso a
mais pontos do território por preços mais baixos. Porém, o processo educacional
essencial para que haja uma inclusão plena, segundo os aspectos propostos por
Bradbook e Fisher (2004), muitas vezes é negligenciado. Com o objetivo de promover
um processo contínuo e completo de inclusão digital, é necessário que existam
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investimentos para tal na área da educação, com dois pontos principais de atuação:
Ensino de informática básica no Ensino Fundamental, com foco infantil, e projetos
educacionais para adultos e idosos.
O objetivo desse curso de informática básica seria não só permitir o aprendizado
do uso computador em suas operações básicas, mas também ampliar o conhecimento
dos alunos em áreas da informática como redes, arquitetura de computadores e
programação, através de um ensino prático, permitindo que esses tenham as capacidades
necessárias para executar diversas tarefas do cotidiano dentro da área de informática.
Com a praticidade da internet e demais tecnologias da informação/comunicação,
é comum que as pessoas tenham acesso regular sem um alto grau de instrução nessa
área. Porém, esse desconhecimento sobre o funcionamento das tecnologias aumenta o
risco de golpes na internet, além dos problemas com vírus e spywares. Logo, é
necessário que a educação de informática básica vá além da teoria, lecionando
informações úteis do cotidiano digital.
O uso de ferramentas como blogs, jornais e diários eletrônicos podem ser
utilizados no processo educacional para garantir a inclusão digital e social dos alunos,
pois não só permitem o uso prático dos recursos dessas mídias, como também fazem
com que os alunos consigam absorver informações básicas de programação web.
Serviços públicos de blogs e microblogs, como o tumblr, Wordpress ou Blogger, são
muito utilizados por jovens, e exigem o uso constante de HTML e CSS. Essas
ferramentas, comuns no cotidiano das crianças e adolescentes, podem ser utilizadas
como apoio para o ensino dos conteúdos relacionados a linguagens utilizadas na
internet, assim como a estruturação de design para sites.
Mas além dos conhecimentos de programação referentes a internet, é importante
que exista entendimento sobre o papel social da internet e o uso da mesma como meio
de integração. É necessário que o aluno não aprenda apenas a fazer pesquisas na
internet, mas que também saiba filtrar e analisar criticamente as informações
encontradas, com o objetivo de evitar fraudes.
Também é possível usar a internet como meio de interação, através de fóruns de
discussão. Dentro do contexto do ensino de informática básica, o uso dos mesmos é
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indispensável para que o indivíduo consiga trocar ideias e informações, socializando e
gerando novos conhecimentos.
Conhecimentos básicos de redes e arquitetura de computadores também são
necessários no cotidiano. É interessante que exista um ensino voltado para aspectos
práticos dessa área. Os alunos devem aprender sobre cada dispositivo, interno e externo
do computador, conhecendo suas funções e aprendendo como montá-los
adequadamente. É necessário ensinar sobre as diferentes topologias de rede, e como
fazer a montagem das mesmas, assim como a instalação e manutenção de roteadores e
cabeamento, garantindo um conhecimento prático em relação as redes de computadores.
O principal objetivo do ensino de redes na educação básica é instruir os alunos a
possuírem os conhecimentos necessários para fazer a montagem e manutenção de
pequenas redes domiciliares, poupando economicamente a família das despesas
relativas a esses serviços.
É possível mesclar várias áreas de conhecimento da informática, como
arquitetura de computadores, sistemas operacionais e programação em projetos de
robótica. O projeto “KickRobot”, da Universidade Federal do Rio Grande Sul,
promoveu inclusão digital em escolas públicas do mesmo estado através da chamada
“robótica educativa”. Segundo Cesar e Bonilla (2007), a robótica educativa é “O
ambiente de aprendizagem onde professores e alunos planejam, discutem e executam
montagem, automação e controle de dispositivos mecânicos que podem ser controlados
pelo computador”. Através do projeto KickRobot, os alunos puderam construir sistemas
robóticos compostos de hardware e software, motivados pelo resultado final do projeto,
o que fez com que os mesmos obtivessem um bom desempenho no aprendizado dessas
áreas.
A robótica educativa, ou robótica pedagógica, vem sendo utilizada como
técnica de aprendizado que permite o desenvolvimento de atividades, como
ferramenta que estimula a criatividade dos alunos devido a sua natureza
dinâmica, interativa e até mesmo lúdica, além de servir de motivador para
estimular o interesse dos alunos no ensino tradicional. (GOMES, BARONE,
OLIVO, 2008)
O uso da robótica educativa permite que os alunos desenvolvam o raciocínio e a
lógica na construção de algoritmos, além de tornar acessíveis os princípios de ciência e
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tecnologia. Além disso, devido sua grande natureza dinâmica, interativa e lúdica, junto
ao seu potencial em multidisciplinaridade, a robótica educativa pode ser uma boa opção
para estudar outros conteúdos dos ensinos fundamental e médio.
É aplicado o conhecimento de microeletrônica (peças eletrônicas do robô),
engenharia mecânica (projeto de peças mecânicas do robô), física cinemática
(movimento do robô), matemática (operações quantitativas), inteligência
artificial (operação com proposições) e outras ciências. (CESAR, BONILLA,
2007)
Quanto aos professores necessários para ministrar as aulas dos conteúdos da área
de informática, a utilização dos profissionais da área das universidades é uma boa
opção, pois além de permitir que haja envolvimento entre a universidade e a
comunidade no processo de inclusão digital, é uma forma de contribuir com estágios na
área de educação no ensino superior.
Por serem centros de excelência na produção e difusão do conhecimento, as
universidades federais e outras instituições de ensino público têm um papel
de grande importância nos processos de inclusão sócio digital. Os
profissionais da área de tecnologia da informação têm uma alta
responsabilidade no processo de inclusão sócio digital, pois possuem um
maior conhecimento sobre o mundo digital. Ao mesmo tempo, estes
profissionais representam uma parcela ínfima da população com acesso a
tecnologias de ponta, formando assim uma elite digital. Na era dos bits, a
desigualdade social agora é fortalecida por aqueles que têm ou não têm
acesso à informação, está nas mãos dos profissionais de TI as ferramentas e o
saber necessários que podem contribuir para a diminuição dessa
desigualdade. (ABDALLA et al, 2005)
6. O papel do software livre
Para um estudo eficaz de sistemas operacionais no ensino público, uma boa
opção é o foco em softwares livres, como o Linux. Por ser livre, é muito mais fácil que
os alunos consigam observar a estrutura do sistema operacional, podendo até receber
dados básicos de programação a partir do estudo do mesmo. É possível trabalhar os
conhecimentos de softwares de escritório, aplicativos e internet a partir do próprio
Linux. Além disso, é mais acessível para as instituições de ensino, já que não existe
licença proprietária no sistema operacional, visto que a tecnologia e infraestrutura
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necessárias para empregar computadores na educação pode ser de alto custo, podendo
inviabilizar a adoção do projeto inclusivo, e esse custo pode aumentar em até três vezes
com o uso de sistemas operacionais proprietários. (ROCHA, 2012)
O projeto Onda Digital, criado e aplicado em 2004, foi um curso de informática
básica de 32 horas, que promovia aulas para 40 jovens carentes da cidade de Salvador.
Esse projeto utilizou em suas aulas diversos aplicativos livres rodando no sistema
operacional Debian GNU/Linux. Segundo Abdalla, Gama, Pinheiro, Rodarte e Santos,
os criadores do projeto, “prender-se a modelos proprietários pode ser atraente a curto
prazo, mas a dependência gerada por estes modelos podem atrofiar o alcance e abreviar
o tempo de vida destes projetos”. A dependência citada por eles se refere aos termos
presentes nas licenças e contratos de manutenção dos softwares proprietários, que
limitam o potencial existente para os mesmos no âmbito educacional. Após as aulas
usando o Debian, os alunos do Onda Digital foram orientados a utilizar o Windows,
com o objetivo de mostrar ao aluno que o aprendizado recebido através do Linux
também o habilita a usar software proprietário, o que ajuda a “acabar com a ilusão de
que ensinar informática baseada em software livre torna o aprendiz excluído do
mercado de trabalho.” (ABDALLA, et al, 2005)
O uso de softwares livres mantém a coerência social do projeto, já que não existe
limitação na distribuição e consequentemente permite que os conhecimentos do projeto
educacional possam ser levados a outros ambientes pelos próprios alunos. Outro ponto
importante da adesão desse tipo de softwares é a ajuda constante da grande comunidade
de software livre, o que reduz as chances dos projetos serem descontinuados.
7. Observações finais
Para que um processo pleno de inclusão digital seja alcançado, é necessário que
todos os pontos propostos por Bradbook e Fisher(2004) sejam cumpridos. Quanto a
conexão à internet, é preciso que haja um intenso processo de democratização para que
a mesma se expanda de forma homogênea no Brasil. O governo pode obter eficácia
nesse campo através dos programas de acesso à computadores e internet, como o Plano
Nacional de Banda Larga (PNBL) e Banda Larga para Todos. O acesso à internet
também contribui para a continuidade do uso dos recursos tecnológicos, pois a grande
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renovação de informações na rede coloca o usuário constantemente diante de novas
possibilidades na área de informática.
Já os campos de Capacidade, Contexto, Confiança e Motivação, são dependentes
de um processo de alfabetização digital, pois esses se relacionam às informações
adquiridas pelo usuário que o guiam acerca das tecnologias da informação e
comunicação. Tanto o governo, empresas privadas da educação e as ONGs com o
propósito de incluir digitalmente, devem pensar em um projeto educacional eficaz que
garanta as competências necessárias aos indivíduos beneficiados. Existe um grande
interesse, por parte do governo, principalmente, em criar projetos de inclusão digital,
mas esses acabam atingindo apenas o campo referente a conexão, enquanto a educação
digital, essencial para garantir a inclusão consistente, é esquecida. Incluir na educação
pública fundamental uma disciplina de informática básica, com as áreas de
conhecimento citadas anteriormente nesse trabalho, é o principal ponto para garantir que
as informações referentes às tecnologias alcancem o máximo de pessoas possível.
8. Considerações Finais
O essencial seria implantar em escolas, projetos de 'alfabetização' digital para
crianças e adolescentes, estimulado pela expansão de banda larga de internet, em
contato com órgãos públicos que garantiriam computadores novos (mas ainda assim não
desconsiderando a produção de lixo eletrônico, visando o cuidado com o meio
ambiente), construção e aprimoramento de salas e laboratórios condicionados ao
proceder com os projetos.
Em lugares menos urbanizados, mas ainda em ambiente escolar, a contratação
(pela prefeitura ou secretarias estaduais), de profissionais que poderão proporcionar o
aprendizado através de minicursos ou programas de apoio do básico ao avançado,
direcionados tanto a jovens com baixa renda quanto para adultos e idosos.
Em locais de difícil acesso como comunidades indígenas e quilombolas,
investimento em projetos que quebrem a vulnerabilidade social através da inclusão
digital e implantem nas comunidades profissionais qualificados com entendimento
básico da linguagem e cultura indígena e quilombolas, para fornecer no mínimo uma
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base do uso das tecnologias, e que possam garantir o fornecimento de conexão gratuita
com a internet.
Disponibilidade de empresas nas áreas tecnológicas, para relação paralela de
troca, com instituições que disponibilizem instrumentos digitais em troca de publicidade
e remuneração aos profissionais da área destinados a lidar com as causas para
abatimento da exclusão digital, dentro da perspectiva de uma gestão com
responsabilidade social.
Integração dos processos de formação educacional que podem regredir a
realidade da exclusão digital, com instituições que forneçam algum tipo de bolsa não
apenas para motivar os alunos ou participantes do projeto, mas também para que
continuem pertencendo ao meio tecnológico estando em casa, com equipamento
próprio, e para aqueles que tiveram uma maior facilidade de aprendizagem e estiverem
disponíveis para ensinar, o oferecimento de remuneração para monitoria.
Não se trata mais de inclusão digital apenas, os itens inclusivos se tornam um
importante ícone no processo de formação social do cidadão.
9. Resultados
A implantação da disciplina de informática garante um processo eficaz de
inclusão digital, pois mesmo que o indivíduo não possua computador e internet em sua
residência, ele possui o conhecimento necessário para utilizar de serviços como lan
houses e infocentros. Como observado no projeto Onda Digital, 22 alunos, de uma
turma de 40, chegaram ao final do projeto, e apresentaram uma grande evolução no uso
do computador, principalmente na atuação com software livre, que foi bem aceito pelos
alunos do projeto. É importante ressaltar que alguns desses alunos nunca tiveram
contato com um computador anteriormente, e por isso demonstraram uma evolução um
pouco menor em comparação a aqueles que já tiveram contato anteriormente.
Porém, é preciso que haja um estímulo para a permanência dos alunos no ensino
da disciplina, já que 18 desistiram do curso. Porém, é importante ressaltar que o Onda
Digital foi um curso a parte do ensino fundamental, diferente da proposta desse
trabalho. A inclusão da disciplina de informática básica no ensino básico público e
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privado provavelmente aumentaria a frequência devido as normas da instituição de
ensino.
10. Trabalhos futuros
A partir dos estudos deste trabalho, aponta-se a necessidade de novos projetos e
estudos sobre a inclusão digital X exclusão digital na região de Irecê, com o intuito de
buscar Conexão, Capacidade, Contexto, Confiança e Continuidade e enfrentar as
dificuldades que excluem parte da população do acesso digital. Assim, é possível não só
diagnosticar melhor o contexto como aprimorar um modelo educacional de informática
básica, que promova inclusão digital através do conceito dos “5Cs” de Bradbook e
Fisher (2004) e que envolva discentes e docentes do IFBA campus Irecê.
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