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FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA – FLT
EXEGESE DE MIQUÉIAS 2.6-11
ALEXANDER DE BONA STAHLHOEFER
Metodologia Exegética do Antigo Testamento
São Bento do Sul, novembro de 2005
Este é um trabalho acadêmico que está sendo disponibilizado para pesquisa e consulta. Não é permitida a cópia do conteúdo.
Há ainda erros de digitação e correção que serão revistos no futuro. Algumas melhorias no texto serão feitas antes da
publicação do material.
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 2
FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA – FLT
EXEGESE DE MIQUÉIAS 2.6-11
Exegese elaborada no curso de Bacharelado em Teologia como requisito à disciplina de Metodologia Exegética do Antigo Testamento. Professor: Renatus Porath.
São Bento do Sul, novembro de 2005
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 3
SUMÁRIO
SUMÁRIO............................................................................................................................3 I TEXTO ........................................................................................................................4 1.1 DEFINIÇÃO DOS MÉTODOS HISTÓRICO-CRÍTICOS (MHC)..............................4 1.1.1 Limites ....................................................................................................................4 1.2 PRÉ-TEXTO ..............................................................................................................5 1.3 TEXTO INTERLINEAR ............................................................................................5 1.4 TRADUÇÃO..............................................................................................................6 1.5 CRITICA TEXTUAL.................................................................................................7 1.6 COMPARAÇÃO DAS VERSÕES .............................................................................9 II ANÁLISE LITERÁRIA............................................................................................13 2.1 DELIMITAÇÃO E CONTEXTO LITERÁRIO ........................................................13 2.1.1 Contexto Maior......................................................................................................13 2.1.2 Contexto Menor.....................................................................................................14 2.1.3 Delimitação da Perícope ........................................................................................14 2.2 FORMA E ESTRUTURA ........................................................................................15 2.2.1 Linguagem e Estilo ................................................................................................15 2.2.2 Estrutura ................................................................................................................17 2.2.3 História da Forma: Gênero, lugar vivencial e intencionalidade...............................18 2.3 CRÍTICA LITERÁRIA ............................................................................................18 2.3.1 Coesão...................................................................................................................18 2.3.2 Autoria ..................................................................................................................19 2.3.3 Contexto histórico..................................................................................................20 2.3.4 HISTÓRIA DA REDAÇÃO ..................................................................................22 III PALAVRA .................................................................................................................24 3.1 PARÁFRASE...........................................................................................................24 3.2 SÍNTESE TEOLÓGICA...........................................................................................32 3.3 ESCOPO ..................................................................................................................33 IV HERMENÊUTICA....................................................................................................34 4.1 RELEVÂNCIA DO TEXTO PARA MIM, PARA A COMUNIDADE CRISTÃ E A SOCIEDADE.......................................................................................................................34 4.2 PISTAS PARA ATUALIZAÇÃO ............................................................................35 V REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................36 ANEXO I ............................................................................................................................38
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 4
I TEXTO
1.1 DEFINIÇÃO DOS MÉTODOS HISTÓRICO-CRÍTICOS (MHC)1
Método é um conjunto de procedimentos que podem ser transmitidos, repetidos,
ensinados e aprendidos, e que permitem o acesso objetivo a um objeto de pesquisa. O termo
“histórico” faz reconhecer que os textos estudados foram compostos dentro de um contexto
histórico e possuem relação com este contexto, que possivelmente tem algo a dizer sobre o
sentido do texto. Com “crítico” refere-se ao processo de análise dos aspectos históricos do
texto: o processo de construção do texto, a identidade do autor, a época da sua composição,
sua relação com outros textos contemporâneos e sua relação com a realidade extratextual.
A partir da definição dos termos, descrevem-se os métodos histórico-críticos como
sendo métodos que buscam explicar o texto a partir de um pressuposto histórico e entender
sua intenção original. De um pressuposto crítico busca entender o texto a partir de suas
compreensões ao longo da história da sua composição.
1.1.1 Limites2
Como qualquer método de estudo, os MHC possuem limites. Há que se relacionar aqui
três limites que devem ser levados em conta no momento da exegese.
A dificuldade de estabelecer relação objetiva entre o MHC e os resultados válidos
obtidos a partir de outros métodos, principalmente no que tange as interpretações tipológicas
que o NT faz do AT e as alegóricas dos Pais da Igreja.
Há dificuldade em se obter as verdades teológicas ou de fé dos textos a partir da
aplicação dos MHC, uma vez que a obtenção destas verdades não dependem do conhecimento
histórico, nem da interpretação derivada da história.
1 Segundo Horácio, SIMIAN-YOFRE, Metodologia do Antigo Testamento. p.74-75 2 Ibid, p.75-76.
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 5
Os MHC são incapazes de trazer uma interpretação atual do texto, aproximando o
leitor atual da intenção do texto. A solução para este limite seria a utilização dos MHC como
primeiro passo da interpretação e como atualização da mensagem, passar a utilização de
métodos hermenêuticos.
1.2 PRÉ-TEXTO
A impressão que se tem é de que o profeta sofre oposição de outros profetas (falsos),
que não gostam das palavras duras que Miquéias traz, e que chegam a questionar a validade
das palavras de Miquéias (e de Deus) para àqueles que andam em retidão.
A violência, roubo e atentados contra as mulheres parecem ser atos cometidos dentro
da casa de Israel, pelo que se ira Miquéias, ordenando aos falsos profetas que não fiquem
mais em Israel, que não é lugar para o descanso deles.
Miquéias profere juízo contra os falsos profetas, que profetizam sobre vinho e bebida
forte, e entende que estes são os profetas que o povo merece.
1.3 TEXTO INTERLINEAR
al{ï!Wp+yJiy: WpJiÞT;-la; = 6a
Eles vaticinam – “Não vaticineis”
hL,aeêl' WpJiäy:-al{) = 6bα para estes - Que eles não vaticinem
`tAM)liK. gS;ÞyI al{ï= 6bβ
ultraje - afastar-se-á - não
hw"ëhy> x;Wrå ‘rc;q'h] bqoª[]y:-tyBe( rWmåa'h, = 7aα YHVH? - a paciência – perdeu - ó casa de Jacó? - que foi dito
wyl'_l'[]m; hL,aeÞ-~ai = 7aβ
suas obras? - são estas
WbyjiêyyE yr;’b'd aAlÜh] = 7bα Fazem bem - Minhas palavras – não
`%lE)Ah rv"ïY"h; ~[iÞ = 7bβ
aquele que anda? - o correto - com
~meêAqy> byEåAal. ‘yMi[; lWmªt.a,w> = 8aα
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 6
Levantou-se contra- Para um inimigo - meu povo - e ontem
!Wj+vip.T; rd,a,Þ hm'êl.f; lWMåmi = 8aβ fostes despojados de – glória - manto – de diante da
xj;B,ê ~yrIåb.[ome = 8bα
seguro - daquele que passa
`hm'(x'l.mi ybeÞWv = 8bβ guerra - aquele que virou-se da
!Wvêr.g"åT. ‘yMi[; yveÛn> = 9aα
vós expulsastes - meu povo - mulheres de
h'yg<+nU[]T;( tyBeÞmi = 9aβ de seu deleite - da casa
Wxïq.Ti h'yl,êl'[o) ‘l[;me = 9bα
Vós arrancastes - Suas crianças - Por cima
`~l'(A[l. yrIßd'h] = 9bβ para sempre - minha honra
Wkêl.W WmWqå = 10aα E ide – levantai
hx'_WnM.h; tazOà-al{ yKiî = 10aβ
o lugar de descanso - este não (é) – pois
`#r'(m.nI lb,x,îw> lBeÞx;T. ha'²m.j' rWbï[]B; = 10b que será dolosa - e destruição – danificarás – tornou-se impuro – porque
bZEëKi rq,v,äw" ‘x;Wr’ %lEïho vyaiú-Wl = 11aα
mentiu - e mentira – espírito - que caminha - se um homem
rk"+Vel;w> !yIY:ßl; ^êl. @JIåa; = 11aβ e para bebida forte - para vinho - para ti - eu profetizarei
`hZ<)h; ~['îh' @yJiÞm; hy"ïh'w> = 11b
a este - o povo - profeta - e ele será
1.4 TRADUÇÃO
6a – “Não vaticineis”. Eles vaticinam
6bα – Que eles não vaticinem para estes
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 7
6bβ – Não se afastará o ultraje3
7aα – Que foi dito, ó casa de Jacó? Perdeu a paciência YHVH?
7aβ – São estas suas obras?
7bα – Minhas palavras não fazem bem
7bβ – com aquele que anda correto?
8aα – Outrora meu povo contra um inimigo levantou-se4
8aβ – de cima (do) manto fostes despojados de glória5
8bα – daquele que passa seguro
8bβ – aquele que virou-se contra guerra.
9aα – Mulheres de meu povo vós expulsastes
9aβ – da casa de seu deleite
9bα – por cima suas crianças vós arrancastes
9bβ – minha honra para sempre.
10aα – Levantai e ide!
10aβ – pois este não (é) o lugar de descanso
10b – Por causa (de) ninharia hipotecareis (com) penhor6 cruel.
11aα – Se um homem que caminha em vento de mentira, mentiu:
11aβ – “eu profetizarei para ti para o vinho e para a bebida forte”
11b – E ele será profeta para7 este povo.
1.5 CRITICA TEXTUAL
A necessidade da crítica textual explica-se pelo desejo de chegar-se com segurança ao
texto original. Cerca de dois mil anos de tradição em manuscritos se passaram, e ao longo
deste tempo muitos erros de transmissão foram produzidos.8
A critica textual tem por objetivo reconstruir o texto danificado para chegar ao texto
pretendido pelo autor, ou então o que mais se aproxima dele. Além disto pretende-se
“determinar a história da transmissão e do desenvolvimento do texto escrito de que temos
várias formas hoje9”. Para esta crítica lança-se mão do aparato crítico da Bíblia Hebraica
3 Ultraje ou insulto. Os termos são sinônimos, entretanto prefere-se ultraje haja vista a indicação de uso de ultraje para este versículo em Luis ALONSO-SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português. p.319 4 Ler com o aparato crítico da BHS. 5 Ler com o aparato crítico da BHS. 6 Ler com a crítica textual abaixo. 7 Ler com aparato crítico da BHS. 8 Hans Walter WOLFF, Bíblia, Antigo Testamento: introdução aos escritos e aos métodos de estudo. p.89. 9 H. SIMIAN-YOFRE, Metodologia do Antigo Testamento. p.39.
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 8
Stuttgartensia e da tradução grega Septuaginta10 como fonte para obter maior clareza na
perícope.
No versículo 10b o Texto Massorético11 traz a expressão “lb,x,îw> lBeÞx;T.” cuja tradução
é “danificarás e destruição”. O termo “lBeÞx;T.” é um verbo piel imperfeito na 2ªp. masc. sg, e
o termo “lb,x,îw”> é um substantivo comum masc. sg. precedido por uma conjunção w(vav).
O editor da BHS12 propõe, como primeira possibilidade dentre quatro outras, no
indicativo “b-b” do aparato crítico do referido versículo a substituição da expressão que
encontra-se no TM por “WlB.x.t; lbox]”. Sendo assim, tem-se um substantivo masculino abs.
(lbox]), seguido de um verbo piel imperfeito na 2ªp. masc. pl. (WlB.x.t;), cuja tradução é
“hipotecareis (o) penhor/garantia”. Como segunda possibilidade o aparato crítico sugere
trocar “WlB.x.t;” por “lB;xuT.”, um verbo Pu’al imperfeito 2ªp. masc. sg., portanto a tradução
seria “penhor será arrancado”. Como terceira possibilidade, tem-se a sugestão do editor da
BHS de que seja omitida a partícula “lbox]”, uma vez que esta é possivelmente erro de
ditografia, então tem-se apenas a forma verbal “lB;xuT.”, traduzido por “será arrancado”.
Quarta possibilidade, é ater-se ao indicativo “c” do aparato crítico do versículo 10b,
sendo assim tem-se “lb,x,îw> lB;xuT.”, cuja tradução é “será destruido e destruição”. Sicre13
propõe uma nova ordenação do texto consonontal e revocalização, sendo a conjunção w(vav)
de “lb,x,îw>”, colocado como sufixo pronominal de “lB;xuT.”, revocalizando tem-se “lb,x,î
WlB.xuT.” com o que concorda parcialmente a Septuginta. A LXX traz a expressão “diefqa,rhte
fqora/|”. O termo “diefqa,rhte” é um verbo ind. aoristo passivo 2ªp. pl.14, cuja tradução é
“fostes destruídos”, o que concorda em voz , pessoa e número com a forma verbal “WlB.xuT.”
porém não no tempo. E “fqora/|” é um substantivo fem. dativo sg.15, cuja tradução é “à
destruição”. Sendo, então, a tradução: “sereis destruidos à destruição”.
Entretanto, está sendo feita opção pela primeira possibilidade, ou seja, ater-se ao
indicativo “b-b” do aparato crítico, definido-se a tradução como: “hipotecareis (o) penhor”.
Para defender esta proposição torna-se necessário seguir o que o editor da BHS propõe
no indicativo “a” do aparato crítico do versículo em questão, alterando-se “ha'²m.j'”, um verbo
10 A Septuaginta, daqui a diante denominada por LXX é datada da metade do séc. III a.C. 11 O TM é o manuscrito hebraico B19/A da Biblioteca Pública de Leningrado e é datado por volta de 1008 d.C. 12 Bíblia Hebraica Stuttgartensia 13 J. L. SICRE , A justiça social nos profetas. p.373 14 Frans L. SCHALKWIJK, Coinê: pequena gramática do grego neotestamentário. p.74 15 Ibid, p.26-27
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 9
Qal perf. Na 3ªp. fem. sg. cuja tradução é “tornou-se impuro”, por “hm'Wam. j[;m.”. O termo
“j[;m.” é um adjetivo masc. sg. abs. cuja tradução é “pequeno, pouca coisa16”, e o termo
“hm'Wam.” é um substantivo masc. sg. cuja tradução é “algo, alguma coisa17”. Definidos os
termos, a tradução que se propõe é: “alguma coisa pouca”, porém prefere-se por aproximação
de significado apropriar-se do termo alemão “Kleinigkeit18”, que vertido para o português é
“ninharia19”.
Considerando-se que ao invés da impureza20, termo que não é comum no contexto de
crítica social, tem-se como causa da hipoteca uma dívida ínfima, o que agrava a situação do
povo, então pode-se afirmar que a primeira sugestão do editor da BHS é a mais plausível
dentro do contexto de Miqueias capítulos 2 e 3.
1.6 COMPARAÇÃO DAS VERSÕES
Nesse passo as principais versões em português junto com a tradução da Bíblia
Hebraica serão colocadas lado a lado para verificar suas semelhanças e diferenças. As
traduções analisadas serão a Almeida Revista e Atualizada (ARA), Nova Versão Internacional
(NVI) e Bíblia de Jerusalém (BJ).
ARA
6 Não babujeis,
dizem eles. Não
babujeis tais coisas,
porque a desgraça
não cairá sobre nós.
7 Tais coisas
anunciadas não
alcançarão a casa de
Jacó. Está irritado o
NVI
6 “Não preguem”,
dizem seus profetas.
“Não preguem acerca
destas coisas, a
desgraça não nos
alcançará”. Ó
descendência de
Jacó,
7 é isto que está
BJ
6 Não vaticineis, eles
vaticinam, eles não
devem vaticinar
assim! O opróbrio
não se afastará.
7 Pode-se dizer isso,
casa de Israel?
Perdeu Iahweh, por
acaso a paciência?
BH
6 “Não vaticineis”.
Eles vaticinam. Que
eles não vaticinem
para estes. Não se
afastará o ultraje.
7 Que foi dito, ó casa
de Jacó? Perdeu a
paciência YHVH?
São estas suas obras?
16 “A fewness, a little” conforme W. BAUMGARTNER, L. KOEHLER, Lexicon in Veteris Testamenti libros. p.546. 17 L. ALONSO-SCHÖKEL, Dicionário bíblico Hebraico-Português. p.351. 18 Tradução proposta por H. W. WOLFF, Biblischer Kommentar Altes Testament: Dodekapropheton 4: Micha.
p.38. 19 A. J. KELLER, MICHAELIS: Minidicionário Alemão-Português: Português-Alemão. p.228 20 Como sugere J. SICRE, A justiça social nos profetas. p.373
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 10
Espírito do Senhor?
São estas as suas
obras? Sim, as
minhas palavras
fazem o bem ao que
anda retamente.
8 mas, há pouco, se
levantou o meu povo
como inimigo; além
da roupa, roubais a
capa àqueles que
passam seguros, sem
pensar em guerra.
9 Lançais fora as
mulheres de meu
povo do seu lar
querido; dos
filhinhos delas tirais
a minha glória, para
sempre.
10 Levantai-vos e
ide-vos embora,
porque não é lugar
aqui de descanso;
ide-vos por causa da
imundícia que
destrói, sim, que
destrói
dolorosamente.
11 Se houver alguém
que, seguindo o
vento da falsidade,
mentindo, diga: Eu te
sendo falado: “O
Espírito do Senhor
perdeu a paciência?
É assim que ele
age?”
“As minhas palavras
fazem bem àquele
cujos caminhos são
retos.
8 Mas, ultimamente,
como inimigos vocês
atacam o meu povo.
Além da túnica,
arrancam a capa
daqueles que passam
confiantes, como
quem volta da
guerra.
9 Vocês tiram as
mulheres do meu
povo de seus lares
agradáveis. De seus
filhos vocês
removem a minha
dignidade para
sempre.
10 Levantem-se, vão
embora! Pois este
não é o lugar de
descanso, porque ele
está contaminado, e
arruinado, sem que
haja remédio.
É este o seu modo de
agir?
Não são boas as suas
palavra com quem
caminha retamente?
8 Ontem meu povo
se levantava contra
um inimigo; de cima
da túnica, tirais o
manto daqueles que
passam em
segurança, voltando
da guerra.
9 As mulheres do
meu povo vós
expulsais cada qual
da casa que amava.
De seus filhos tirais,
para sempre, a honra
que vem de mim.
10 Levantai-vos e
ide! Não é mais
tempo de repouso!
Por tua impureza
provocas a ruína, e a
ruína será aguda.
11 Se há um homem
que corre atrás do
vento e inventa
mentira: “Eu te
vaticino por vinho e
bebida
embriagadora!”, eu
Minhas palavras não
fazem bem com
aquele que anda
correto?
8 Outrora meu povo
contra um inimigo
levantou-se, de cima
(do) manto fostes
despojados de glória,
daquele que passa
seguro, aquele que
virou-se contra
guerra.
9 Mulheres de meu
povo vós expulsastes
da casa de seu
deleite, por cima suas
crianças vós
arrancastes minha
honra para sempre.
10 Levantai e ide!
Pois este não (é) o
lugar de descanso,
por causa (de)
ninharia hipotecareis
(com) penhor cruel.
11 Se um homem
que caminha em
vento de mentira,
mentiu: “eu
profetizarei para ti
para o vinho e para a
bebida forte”. E ele
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 11
profetizarei do vinho
e da bebida forte,
será este tal o profeta
deste povo.
11 Se um mentiroso
e enganador vier e
disser: ‘Eu pregarei
para vocês fartura de
vinho e de bebida
fermentada’, ele será
o profeta deste
povo!”.
profetizaria para esse
povo.
será profeta para este
povo.
No v.6, a NVI começa com “Não preguem”, enquanto BJ e BH trazem “Não
vaticineis” e ARA traz “Não babujeis”, o verbo hebraico traz a idéia de pingar, gotejar, com o
que concorda em sentido ARA ao trazer babujar21, também é usado em Amós 7.16 como um
sinônimo de profetizar. NVI prefere colocar a segunda oração com uma função explicativa
acrescentando “seus profetas”, apesar de ARA, BJ e BH não fazerem o acréscimo, também
entendem a segunda oração como explicativa da primeira. Diferença considerável nota-se no
final deste versículo, quando NVI traz “a desgraça não nos alcançará” e ARA “a desgraça não
cairá sobre nós” enquanto que BJ traz “O opróbrio não se afastará”, que está mais próximo do
sentido pretendido pela BH: “Não se afastará o ultraje”.
No v.7 ARA e NVI apresentam diferenças quanto à compreensão da função da frase,
sendo que ARA traz “Tais coisas anunciadas não alcançarão a casa de Jacó” como uma
afirmação, NVI traz “Ó descendência de Jacó, é isto que está sendo falado:”, como introdução
ao que será dito em seguida. Enquanto que BH traz uma pergunta: “Que foi dito, ó casa de
Jacó?”, o que também faz BJ “Pode-se dizer isso, casa de Israel?”, apesar de esta última trazer
Israel, ao invés de Jacó. Tanto BH, BJ e NVI concordam que oração seguinte traz uma
pergunta: “Perdeu a paciência YHVH?”, apesar de NVI preferir “O Espírito do Senhor perdeu
a paciência?”, o que difere de ARA.
No v.8, BH traz “Outrora meu povo contra um inimigo levantou-se”, com o que
concorda BJ. ARA dá a entender que o povo é o inimigo: “se levantou o meu povo como
inimigo”, enquanto NVI prefere “como inimigos vocês atacam o meu povo”. Tanto NVI,
quanto BJ concordam em sentido na oração “de cima da túnica, tirais o manto daqueles que
passam em segurança”. BH apresenta um novo sentido haja vista as alterações propostas no
aparato crítico da BHS “De cima (do) manto fostes despojados de glória daquele que passa
21 Dizer, proferir com a boca cheia de baba, conforme W. WELSZFLOG, MICHAELIS: Moderno dicionário da
Língua Portuguesa. p.280.
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 12
seguro”. Também ARA entende o particípio ybeÞWv como “sem pensar em guerra”, o que se
aproxima mais do sentido pretendido por BH “aquele que virou-se contra guerra.”
No v.9 somente na parte final do versículo há diferenças. NVI traz “dignidade”, BH e
BJ trazem “honra”, e ARA “glória”. NVI, ARA e BH lêem “minha honra/glória”, enquanto
que BJ lê “a honra que vem de mim”.
No v.10 ARA e BJ iniciam com “Levantai-vos”, enquanto NVI traz “Levantem-se” e
BH “Levantai”. ARA e NVI acrescentam “embora” ao termo “ide”, dando a idéia de
expulsão. ARA, NVI e BH concordam com a construção “Pois este não (é) o lugar de
descanso”, enquanto BJ traz “Não é mais tempo de repouso!”. A parte final do texto é a que
apresenta maior discórdia, sendo que ARA e BJ apresentam compreensão semelhante do
texto. ARA traz “por causa da imundícia que destrói, sim, que destrói dolorosamente” e BJ
traz “Por tua impureza provocas a ruína, e a ruína será aguda”. NVI apresenta outra proposta
de tradução: “porque ele está contaminado, e arruinado, sem que haja remédio”, enquanto que
a BH, lançando-se mão da crítica textual lê “Por causa (de) ninharia hipotecareis (com)
penhor cruel”.
No v.11 ARA e BJ novamente concordam em significado, BJ traz “corre atrás do
vento e inventa mentira”, enquanto ARA traz “seguindo o vento da falsidade, mentindo”. Já
NVI apresenta outra tradução “Se um mentiroso e enganador vier e disser”, entretanto BH traz
“Se um homem que caminha em vento de mentira, mentiu:”. ARA, BJ e BH concordam com
o conteúdo da proclamação do falso profeta: “eu profetizarei para ti para o vinho e para a
bebida forte”, enquanto NVI prefere “Eu pregarei para vocês fartura de vinho e de bebida
fermentada”. Finalizando a perícope, concordam ARA, NVI e BH quanto à afirmação: “E ele
será profeta para este povo”, dando a idéia de que aquele que profetiza do vinho e da bebida
forte é o profeta merecido pelo povo, com o que não concorda BJ: “eu profetizaria para esse
povo”.
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 13
II ANÁLISE LITERÁRIA
Para a análise literária, parte-se do pressuposto de que toda pessoa possui um conjunto
determinado de características próprias e que aquilo que alguém escreve constitui uma
unidade22. Sua importância reside no fato de que ela situa afirmações isoladas dentro da
mensagem global do autor, o autor dentro de sua época, e a época em que viveu dentro da
marcha histórica.23
2.1 DELIMITAÇÃO E CONTEXTO LITERÁRIO
Como já se apontou na introdução do presente capítulo, a análise literária situa
afirmações isoladas dentro da mensagem global do autor, sendo este o objetivo principal desta
etapa da exegese. “Toda forma de expressão revela apenas um aspecto da psicologia de um
autor, e é somente em relação com o todo que as partes isoladas adquirem sua plena
significação”.24
2.1.1 Contexto Maior
O livro de Miquéias divide-se em quatro partes: I – Mq 1-3; II – Mq 4-5; III – Mq 6.1-
7.7; IV – Mq 7.8-20. Nestas partes se alternam, a grosso modo, palavras de julgamento (partes
I e III) e palavras de salvação (partes II e IV).25 A primeira parte traz após o título (1.1),
palavras de julgamento de Deus tanto para o norte como para o sul, a seguir passa-se a
denúncia de pecados concretos nos capítulos 2 e 3 intercalado por uma promessa de salvação
em 2.12-13.26 A segunda parte focaliza o tema da salvação, com o anúncio do futuro reino
universal de Javé em Sião, da vitória sobre os inimigos de Sião, um oráculo messiânico, o
22 cf. Diego ARENHOEVEL, Assim se formou a Bíblia: Para você entender o Antigo Testamento, p.45 23 cf. Id, Ibid, p.67-70 24 Id, Ibid, p.67 25 cf. R. MARTIM-ACHARD, Miquéias. in VV. AA., Os profetas e os livros proféticos, p.123 26 cf. L. ALONSO-SCHÖKEL, J. L. SICRE DIAZ, Profetas II: Ezequiel, Profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias, p.1067
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 14
papel do resto de Israel e fecha com ameaças de destruição.27 Na terceira parte a palavra de
Javé vem a Miquéias anunciando julgamento. Inicia com uma convocação para que a natureza
assista a controvérsia de Javé contra o seu povo, em seguida há o confronto de como Javé
agiu na história do seu povo e como o povo tem buscado agradar-lhe, porém a palavra de
juízo vem sobre o povo, pois Javé não se agrada de seus sacrifícios, mas quer “que pratiques a
justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus.” (6.8b). Em seguida
um ataque àqueles que se enriqueceram praticando a injustiça e uma lamentação de que não se
pode mais confiar em ninguém, nem sequer nos seus íntimos.28 A quarta parte é considerada
como uma liturgia final e contém palavras de salvação. Um hino é entoado, há confissão de
pecados, esperando castigo e restauração. No final uma invocação à misericórdia de Javé.29
2.1.2 Contexto Menor
Após o título(1.1), encontra-se no v.2 o imperativo W[m.vi (ouvi) indicando o início da
proclamação profética, o mesmo imperativo se repete em 3.1 e 6.1 indicando novas unidades.
Já no capítulo 2 encontra-se a interjeição yAhô (ai!) indicando a proclamação de juízo. No
capítulo 1 encontra-se a manifestação punitiva de Javé e sua repercussão na natureza, em
Samaria e em Judá, enquanto que nos capítulos 2 e 3 já se encontram palavras que justificam
os castigos de Javé.30 No capitulo 2 percebe-se uma quebra entre os versículos 11 e 12s. Da
discussão com os profetas passa-se repentinamente para uma promessa de salvação para o
remanescente de Israel. Esta palavra de salvação é estranha no contexto, pois está inserida
entre duas perícopes que tratam do juízo de Deus. Van der Woude, Procksch, e Aalders
entendem 2.12s como sendo palavra dos falsos profetas contrastando com as acusações de
2.6-11.31
2.1.3 Delimitação da Perícope
Apesar de que tanto o capítulo 2 quanto o 3 tratarem do mesmo tema: a justificação do
castigo, pode-se isolar a perícope de Mq 2.6-11 das demais passagens e considerá-lo uma
unidade retórica independente, apesar de não haver indícios de delimitação de unidade de
sentido na BHS, pode-se fazer esta delimitação com base na diferença de temas, pois na
perícope anterior (2.1-5) Miquéias denuncia os latifundiários e em 2.12-13 há uma palavra de
27 cf. Teodoro BALLARINI(ed.), Introdução à Bíblia: Os doze profetas, Daniel, p.78-79 28 cf. L. ALONSO-SCHÖKEL, J. L. SICRE DIAZ, Op cit, p.1068-69 29 cf. Teodoro BALLARINI(ed.), Op cit, p.78-79 30 cf. ALONSO-SCHÖKEL, J. L. SICRE DIAZ, Profetas II: Ezequiel, Profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias, p.1069 31 cf. Id, Ibid, p.1067
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salvação. Pode-se comprovar, portanto, que Mq 2.6-11 é uma unidade independente
consultando-se obras de introdução e comentários do livro de Miquéias.
2.2 FORMA E ESTRUTURA
2.2.1 Linguagem e Estilo
a) Linguagem – Miquéias utiliza-se especialmente da poesia na transmissão de seus
ditos, também se utilizou de histórias como ferramenta didática especialmente na controvérsia
em 6.1-8. Miquéias tem um gosto acentuado pelo uso de imagens, algumas menos, outras
mais desenvolvidas, também faz uso de termos concretos e até vulgares(2.6; 3.5). Freqüentes
são os jogos de palavras por assonância ou aliteração.32 O amplo uso da forma poética indica
um aprofundamento do pensamento e um polimento de expressão33, o que fica evidente em
Mq 2.6-11 com o uso dos paralelismos como recurso de mnemotécnica. Os ditos não estão
agrupados em ordem cronológica, nem de gênero, pois se encontram ao lado de palavras de
ameaça (2.1-11), promessas (2.12s); ao lado de lamentações (1.8-16), apresentam-se cenas de
processo (1.2-9), salmos (7.14-17) e uma confissão (7.18ss)34. Na perícope de Mq 2.6-11
encontra-se uma controvérsia entre o falso e o verdadeiro profetismo, sendo que se pode
delimitar a controvérsia a partir da repetição do verbo @jn nos versículos 6 e 11. Outro
recurso formal consiste na citação dos ditos dos adversários antes da acusação propriamente
dita35, a forma apaixonada dos que estão disputando mostra-se imediatamente nas curtas
sentenças, sendo que a controvérsia termina com um dito sarcastico contra os falsos profetas36
(v.11).
b) Estilo – Os paralelismos encontrados na perícope em análise são: o sinonímico,
sintético e o climático.
No paralelismo sinonímico em cada linha se expressa o mesmo pensamento em
linguagem equivalente37, tendo como paradigma A-A’. No paralelismo climático, encontrado
em versículos de três membros, há repetição de alguns termos decisivos, mas avança o
32 Teodoro BALLARINI(ed.), Introdução à Bíblia: Os doze profetas, Daniel, p.76-77 33 D. BAKER, T. D. ALEXANDER, R. J. STURZ, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias:
Introdução e comentário, p.171 34 cf. Teodoro BALLARINI(ed.), op cit, p.79 35 cf. L. ALONSO-SCHÖKEL, J. L. SICRE DIAZ, Profetas II: Ezequiel, Profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias, p.1080 36 cf. H. W. WOLFF, Biblischer Kommentar Altes Testament: Dodekapropheton 4: Micha, p.43 37 W. LASOR, Introdução ao Antigo Testamento, p. 250-51
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pensamento, tendo como paradigma (-A)-(A)-(+A). No paralelismo sintético a segunda parte
do versículo leva adiante a idéia da primeira parte, porém sem repetição de sinônimos.38
v.6a – Não vaticineis. Eles vaticinam
A
v.6bα – Que eles não vaticinem para estes
A’
v.7aα – Que foi dito, ó casa de Jacó? Perdeu a paciência YHVH?
-A
v.7aβ – São estas suas obras?
A
v.7bα – Minhas palavras não fazem bem
v.7bβ – com aquele que procede correto?
+A
v.8aβ – De cima (do) manto fostes despojados de glória
A
v.8bα – daquele que passa seguro
B
v.8bβ – aquele que virou-se da guerra.
B’
v.9aα – Mulheres de meu povo vós expulsastes
A B
v.9aβ – da casa de seu deleite
c
v.9bα – por cima suas crianças vós arrancastes
A’ B’
v.9bβ – minha honra para sempre.
C'
38 Werner H. SCHMIDT, Introdução ao Antigo Testamento, p.285
Paralelismo sinonímico
Paralelismo climático
Paralelismo sintético
Paralelismo sinonímico
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v.10 – sem paralelismos
v.11aβ – “eu profetizarei para ti
A
para o vinho e para a bebida forte”
B B’
2.2.2 Estrutura
Uma palavra de juízo contra os detentores de poder (2.1-5) resulta em uma disputa
entre o falso e verdadeiro profetismo. A disputa se apresenta em duas partes principais e um
pequeno encerramento. Primeiramente o profeta cita seus oponentes (v.6-7a), então responde
a eles (v.7b-10) e conclui com um dito sarcástico sobre os profetas que são desejados (v.11).
Estrutura de Miquéias 2.6-11 Sentenças negativas
rejeitando a
pregação de
Miquéias
v.6a “Não vaticineis...”
v.6bα “Que eles não vaticinem para estes”
v.6bβ “Não se afastará o ultraje”
6-7a Citação dos
oponentes
Perguntas dos
oponentes que
requerem resposta
negativa
v.7a “Que foi dito, ó casa de Jacó?
Perdeu a paciência YHVH?
São estas suas obras?”
Contra-pergunta v.7b “Minhas palavras não fazem bem
com aquele que procede correto?”
7b-10 Resposta de
Miquéias
Denúncias v.8aβ “De cima (do) manto fostes
despojados de glória”
v.9a “Mulheres de meu povo vós
expulsastes da casa de seu deleite”
v.9b “por cima suas crianças vós
arrancastes minha honra para sempre.”
v.10b “Por causa (de) ninharia
hipotecareis (com) penhor cruel.”
Paralelismo sintético
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11 Dito sarcástico v.11 “Se um homem que caminha em espírito de mentira... E ele
será profeta para este povo”
2.2.3 História da Forma: Gênero, lugar vivencial e intencionalidade
Para um maior entendimento da palavra profética é imprescindível que se conheça a
forma usada pelo profeta para comunicar sua mensagem, bem como o motivo pelo qual ele
usou determinada forma e com que objetivos. O método da crítica das formas procura
determinar a forma com tal precisão que se possa reconstituir o lugar vivencial. Conhecendo-
se o gênero literário pode-se conhecer o seu lugar vivencial e somente a partir deste é que se
pode entender a intencionalidade do autor.39
A mensagem de Miquéias se dá em uma alternância de palavras de juízo e salvação, há
também controvérsias, como é o caso da perícope em análise, Mq 2.6-11, neste gênero de
disputa o profeta aceita o desafio de enfrentar diretamente seus ouvintes40, neste caso os falsos
profetas. Nas disputas o profeta cita as acusações de seus oponentes e faz perguntas esperando
as respostas (cf. 2.6-7; ainda Am 3.3-6), em seguida passa a enumerar acusações contra seus
oponentes e termina com uma palavra de juízo, na perícope em análise com um sarcasmo.41 O
lugar vivencial do gênero de disputa deve ser buscado junto aos círculos sapienciais, onde “o
ouvinte é levado a formar seu próprio julgamento através de um fluxo de perguntas com a
finalidade de preparar a adesão à mensagem. Esta então é apresentada como conclusão”.42
Portanto a intenção do autor é “com suas perguntas (...) levar seus interlocutores à reflexão,
convencer seus contemporâneos do direito ou até da necessidade de sua proclamação,
conduzir à percepção correta”.43
2.3 CRÍTICA LITERÁRIA
2.3.1 Coesão
O Texto Massorético de Miquéias está muito corrompido, existem muitos termos
obscuros, de difícil tradução e até incompreensíveis. Também ocorrem repetições (3.2s; 5.7s),
explicações em forma de glosas (3.8; 5.1).44 Apesar da simetria apontada na estrutura do livro,
39 cf. Diego ARENHOEVEL, Assim se formou a Bíblia: Para você entender o Antigo Testamento, p.86 40 Werner H. SCHMIDT, Introdução ao Antigo Testamento, p.181 41 cf. síntese encontrada em H. W. WOLFF, Biblischer Kommentar Altes Testament: Dodekapropheton 4: Micha, p.43 42 H. W. WOLFF, Bíblia, Antigo Testamento, p. 96 43 Werner H. SCHMIDT, A fé do Antigo Testamento, p.376 44 cf. Teodoro BALLARINI(ed.), Introdução à Bíblia: Os doze profetas, Daniel, p.81-82
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o caráter fragmentário do livro é evidente sob uma leitura atenta. “A mudança constante de
sujeito e predicado leva a supor que cada uma das três divisões [quatro conforme a divisão ora
proposta] é um mosaico de várias profecias”45, talvez estas tenham sido proferidas durante a
atuação pública de Miquéias e posteriormente reunidas em um escrito por redator ou escola.
A perícope de Mq 2.6-11 é coesa e assim defendida pela maioria dos especialistas.
Foram levantados questionamentos por Willi-Plein que consideram o v.10b como acréscimo
pós-exilico ou exílico e por Allen que considera o mesmo trecho como sendo releitura exílica,
para com isto buscar uma explicação da utilização do conceito de “impureza”46, também
Wolff afirma que o v.10b no TM pode ser procedente do campo cúltico e tem semelhança em
estilo à uma redação deuteronomística por Amós47. Entretanto, a partir da crítica textual
defendida neste trabalho não há motivo para se considerar o v.10b como acréscimo ou
releitura.
Portanto considera-se que a unidade retórica em questão é coesa e atribuída a
Miquéias sem maiores contestações.
2.3.2 Autoria
Quase nada se conhece sobre Miquéias (mîkâ, abreviação de Mîkāyâ, quem é como
Javé48), senão aquilo que se deduz do que está registrado na sua profecia. Miquéias é
contemporâneo, mas mais novo do que Isaías, os dois profetas atuaram no Reino do Sul e ao
mesmo tempo. Tanto Is 1.1 como Mq 1.1 mencionam os mesmos três reis: Jotão, Acaz e
Ezequias49. Miquéias nasceu em Morasti (Morasti-Gat), aldeia de Judá, 35km a sudoeste de
Jerusalém, portanto na Shefelá, ambiente agrário. Nada sabemos sobre sua profissão, posição
social, alguns o tratam como “homem símples do campo” (Sellin), ou “do círculo de pequenos
camponeses e donos de rebanho” (Weiser)50, ou ainda Wolff o considera como ancião (!qez"51)
da comunidade morastita.52
Possivelmente Miquéias tenha atuado na capital Jerusalém (3.9ss). Van der Woude
afirma que é estranho que um profeta judaíta conclua sua obra falando da Samaria, portanto,
45 D. BAKER, T. D. ALEXANDER, R. J. STURZ, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias:
Introdução e comentário, p.175 46 cf. J. L. SICRE, A justiça social nos profetas, p.377 47 cf. H. W. WOLFF, Biblischer Kommentar Altes Testament: Dodekapropheton 4: Micha, p.XXVIII 48 Teodoro BALLARINI(ed), op cit, p.76 49 Werner H. SCHMIDT, Introdução ao Antigo Testamento, p.212 50 cf. J. L. SICRE, op cit, p.338 51 Ancião, chefe, autoridade. Cf. L. ALONSO-SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p.197 52 cf. H. W. WOLFF, op cit, p. XV
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para ele deve ter existido um Deutero-Miquéias responsável pelos capítulos 6-753. A maioria
dos comentaristas apóia a tese de que apenas os capítulos 1-3 (exceto 2.12s) são de autoria de
Miquéias, sendo os demais de origem controvertida.
2.3.3 Contexto histórico
Para entender uma pessoa e sua mensagem é necessário conhecer a época em que ela
viveu. Se quer-se realmente compreendê-lo precisa-se, primeiro, entender seu pano de fundo
histórico, a época, seus temores, altos e baixos. Além de conhecer a época é importante
entendê-la a partir do seu lugar na história daquele povo ou até no contexto mundial.54
Miquéias, segundo a introdução do livro, atuou durante o reinado de Jotão, Acaz e
Ezequias (Mq 1.1), aproximadamente entre os anos de 737 até cerca de 686.55 Entretanto
algumas dúvidas surgem ao se analisar este período de atuação, uma vez que as datas
propostas para os reinados de Jotão e Acaz são muito discutidas, porém a partir de outras
evidencias, como a referência a Samaria como capital (portanto antes de 722) em Mq 1.2-7 e
a referência à atuação de Miquéias no reinado de Ezequias em Jr 26.1856, pode-se afirmar com
maior certeza que a data aproximada da atuação seja 740(?) até 70057.
A situação no último terço do século VIII é a da dominação Assíria. Teglat-Falasar III,
da Assíria, havia se tornado um fator de poder de primeira ordem cujos efeitos os estados do
corredor siro-palestinense sentiriam em breve.58 Em 734 Israel e Damasco tentaram envolver
Acaz de Judá numa conspiração antiassíria, com o objetivo de livrar-se da pressão assíria,
entretanto Acaz opôs-se a proposta e enviou tributo a Teglat-Falasar III para que este o
apoiasse contra Israel e Damasco. Damasco caiu diante da Assíria em 732 sendo transformado
em província assíria, Israel perdeu os territórios de Galaad e Galiléia que foi transformado em
pequenas províncias assírias em 733, enquanto o remanescente de Israel caiu nas mãos de
uma dinastia favorável a Assíria.59
Além do tributo pago por Judá, Acaz atraiu conseqüências no campo religioso para
Judá, cf. 2Rs 16.7ss Acaz renunciou a sua liberdade e introduziu algumas inovações assírias
no templo de Jerusalém, como uma réplica do altar Assírio de Damasco. Noth interpretou o
53 cf. L. ALONSO-SCHÖKEL, J. L. SICRE DIAZ, Profetas II: Ezequiel, Profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias, p.1064 54 cf. Diego ARENHOEVEL, Assim se formou a Bíblia: Para você entender o Antigo Testamento, p.69-70 55 cf. Teodoro BALLARINI(ed), Introdução à Bíblia: Os doze profetas, Daniel, p.75 56 cf. L. ALONSO-SCHÖKEL, J. L. SICRE DIAZ, op cit, p.1064-65 57 cf. Werner H. SCHMIDT, Introdução ao Antigo Testamento, p.212 58 Herbert DONNER, História de Israel e dos povos vizinhos, p.349 59 Id, Ibid, p.352-355
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 21
fechamento do passadiço do Templo como reconhecendo que o rei de Judá não possuía mais
autoridade no Templo. O reinado de Acaz foi lembrado como um dos piores momentos de
apostasia de Judá.60
Em 727 Teglat-Falasar III morreu e foi sucedido por seu filho Salmanasar V. No ano
de 724, Oséias de Efraim (o remanescente de Israel), suspendeu o pagamento de tributos à
Assíria e começou a fazer contatos com o Egito a fim de receber cobertura política e talvez
militar. Salmanasar V prontamente procurou subjugar violentamente o movimento contra ele,
conseguiu apoderar-se de Oséias e em 722, após três anos de cerco em Samaria, esta caiu.
Efraim foi transformado em província assíria, sua elite foi deportada para a Mesopotâmia e
Média e uma nova elite foi trazida da Babilônia e Síria Central, com isto sucumbiu o reino do
Norte.61
Em 722 após um golpe de estado, Sargon II tornou-se rei da Assíria e seu reinado
durou até sua morte em 705, quando então ascendeu Senaqueribe, filho de Sargon II. Durante
o reinado de Sargon II não houve qualquer tentativa da parte de Judá em tentar um levante,
entretanto com a ascensão de Senaqueribe, Ezequias de Judá (725-697) julgou oportuno
adotar uma política antiassíria. Ezequias liderou uma coalizão antiassíria no corredor siro-
palestinense e também um reforma interna que buscava a independência. Entretanto
Senaqueribe entrou na Palestina e subjugou as cidades filistéias rebeldes e em seguida Judá e
em 701 sitiou Jerusalém que aceitou pagar pesado tributo à Senaqueribe, tendo tornado-se,
então, estado vassalo da Assíria.62
As condições econômicas e sociais em Judá eram menos que ideais sob o reinado de
Acaz e Ezequias. A nação estava empobrecida, sobretudo por haver perdido os territórios de
Edom e o porto de Asiongaber, além do tributo pesado que era pago à Assíria. Os grandes
proprietários de terra expropriavam os pobres, e estes não tinham a quem recorrer devido à
corrupção dos juízes (Is 1.21-23; 5.23; 10.1-4). Entretanto, os ricos viviam no luxo, sem
preocupar-se com a situação dos desafortunados (cf. Is 3.16-4.1; 5.11ss). Além disso, a
religião oficial parece que não ofereceu qualquer censura a estas práticas. Apoiada pelo
estado, a religião oficial não questionava suas práticas tampouco a conduta dos dirigentes do
estado. O culto sofisticado mantinha a visão de que as exigências de YHVH só seriam
60 John BRIGHT, História de Israel, p.335-36 61 Herbert DONNER, História de Israel e dos povos vizinhos, p. 361 62 Id, Ibid, p. 368-373
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 22
cumpridas com os rituais de sacrifícios. Os sacerdotes eram corruptos, oportunistas e os
profetas modelavam sua palavra pelo volume dos rendimentos.63
Neste contexto insere-se a perícope em estudo, que aponta claramente para os fatos
supramencionados de expropriação dos pobres, de um profetismo que não condena os abusos
da classe dirigente, antes se alicerça no culto oficial como suficiente para garantir o favor de
YHVH. A partir destes fatos Miquéias desenvolve sua controvérsia.
2.3.4 HISTÓRIA DA REDAÇÃO
Apesar da escassa documentação, é possível afirmar que os “oráculos proféticos foram
fixados por escrito imediatamente e logo transmitidos”. A maioria destes “oráculos” e ações
simbólicas foram colocadas por escrito quando do profeta ainda em vida, logo após a sua
pregação oral.64
O motivo pelo qual as palavras dos profetas foram colocadas por escrito foi o de que
ao se fixar a palavra ela conserva, e até intensifica, a sua virtude. “A cada leitura ou a cada
recitação, sua força é libertada de novo e se torna eficaz.”65. A formação de um livro profético
deu-se de uma forma geral em três etapas. Na primeira, a partir da união dos diferentes
discursos proféticos escritos obteve-se uma coleção de ditos, portanto não constituindo uma
composição homogênea. Numa segunda etapa da formação as coleções de escritos mais
extensos foram reunidas formando coleções maiores. O agrupamento das coleções maiores
deu origem aos livros proféticos em sua forma final.66
Desta maneira pode-se analisar a estrutura de Miquéias observando de que forma os
ditos proféticos vieram a ser agrupados formando coleções e por fim um livro. Os capítulos 1-
3 constituem uma unidade com ditos proféticos que tem uma relação entre si, sendo que, a
maioria dos estudiosos atribui sua autoria a Miquéias. Nos capítulos 4-5 também há uma
unidade temática, porém os estudiosos não atribuem sua autoria a Miquéias, portanto aqui há
indicio forte de que uma redação posterior tenha retrabalhado e talvez até atualizado a
mensagem de Miquéias, incluindo novos temas que parecessem oportunos. Em 6.1-7.7
novamente palavras de juízo atribuídas a Miquéias com forma semelhante ao primeiro bloco.
Em 7.8-20 uma liturgia final tida como acréscimo pós-exílico.67
63 John BRIGHT, História de Israel, p.336-38 64 E. SELLIN, G. FOHRER, Introdução ao Antigo Testamento, p.538 65 Id, Ibid, p.539 66 Id, Ibid, p.540-41 67 Werner H. SCHMIDT, Introdução ao Antigo Testamento, p.213
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 23
Analisando a perícope, Pixley ainda defendeu que esta “sofreu uma nova censura por
parte dos autores do livro, de seus transmissores e de seus tradutores”.68 Analisando a LXX,
Pixley chegou à conclusão de que Miquéias, nesta perícope, estava conclamando o povo à
insurreição contra os líderes e autoridades, porém o TM não conservou esta ênfase.
Entretanto, o que se pode afirmar sobre a perícope é que não se encontram nela rupturas e
cisões internas que possam indicar acréscimos, o que fica evidente é o problema de
transmissão do Texto Massorético.
A partir destes problemas de transmissão apontados, Von Rad coloca uma dúvida, com
a qual quer-se apontar para a próxima etapa deste trabalho:
“Este processo de desenvolvimento da tradição nos coloca diante dum problema hermenêutico para o
qual, aqui só podemos acenar. Se as palavras dos profetas atravessaram desta forma a história de Israel e
conservaram seu caráter de mensagem muito além da primeira proclamação, sua interpretação pelas
gerações posteriores deve ter sido elástica. Com efeito, a palavra não atinge os destinatários ulteriores
senão depois de uma adaptação de seu conteúdo. Ora, nossa exegese científica das palavras dos profetas
esforça-se por compreender o conteúdo tal qual o profeta teria transmitido. Sem renunciar a este método,
deveríamos também mostrar que esta compreensão do profeta não é mais do que uma das possibilidades
de interpretação”69.
68 Jorge PIXLEY, Miquéias o livro e Miquéias o profeta, in RIBLA Nº. 35/36, p.210 69 Gerhard VON RAD, Teologia do Antigo Testamento, vol.2., p.49-50
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 24
III PALAVRA
Todo o trabalho realizado até o momento serviu como preparação para o ponto
culminante desta análise exegética, a análise da palavra. O que se busca neste capítulo é
elucidar os conteúdos da perícope através da análise de termos e recontar o texto
parafraseando-o para que não se perca a intencionalidade da unidade retórica. A finalidade
deste capítulo é chegar ao enunciado do texto.70
As indicações da quantidade de ocorrências de termos hebraicos foram retiradas de
Gerhard LISOWSKY, Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament, exceto quando
indicada outra fonte.
3.1 PARÁFRASE
De acordo com o exposto no tópico 2.2.2, no v.6 encontram-se sentenças negativas
onde Miquéias cita as palavras de seus oponentes que rejeitam sua pregação. Na perícope em
questão o gênero é de disputa profética, entre Miquéias e outros profetas.
Os profetas (aybin" – 315 vezes, sendo 156 vezes entre os escritos proféticos e
especificamente 23 vezes nos profetas do século VIII a.C., mas bastante freqüente em
Jeremias com 95 ocorrências71) – O substantivo nābī’ aparece em textos fora da Bíblia nas
cartas de Laquis, no idioma siríaco, em árabe e etiópico, mas sempre como um empréstimo da
língua hebraica. A etimologia é incerta, o Lexicon de Gesenius faz o substantivo derivar do
verbo nāba‘, que significa borbulhar, ferver e derramar, portanto o profeta seria aquele que
extravasa em palavras. Outro grupo de estudiosos entende que o substantivo é derivado da
raiz árabe naba’a, anunciar, então o profeta seria um “porta-voz”. Albright deriva o
substantivo da raiz acadiana nabû, chamar, sendo o profeta “aquele que é chamado”. Há ainda
aqueles que defendem a tese de que o substantivo fora derivado de uma raiz semítica
70 cf. Renatus PORATH, Apontamentos sobre passos da Metodologia. Exegética do AT, p.36 71 cf. J. JEREMIAS, aybin" nabi´ Profeta in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, vol.2, col.23-24
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desconhecida.72 Tanto a forma nominal nābī’ quanto a verbal nābā’ são empregadas no
Antigo Testamento à homens que exercem diferentes formas de atividades proféticas, tanto
àqueles tomados por êxtase pelo Espírito, tanto quanto a comunicação de palavras vindas de
Javé, ou discursos sobre preceitos e conclamação à conversão, ações milagrosas, consultas e
súplicas a Javé. O entorno de Israel também conhecia profetas, há indicação de profetas de
Baal e profetas de Aserá em 1Rs 18.19, entretanto os paralelos são poucos.73
Quanto as origens e ao desenvolvimento da profecia hebraica, o substantivo plural
nebī’īm foi utilizado no período de transição entre a época dos Juízes e a dos Reis para os
grupos de iluminados extáticos que andam em bandos (1Sm 10.5,10) ou que se reúneniam em
casa para induzir o transe profético (1Sm 19.20), para tanto utilizavam música com muitos
instrumentos e dança, o comportamento de Samuel no texto supracitado parece indicar que o
culto era frenético. No período médio da monarquia, conforme a menção em 1Rs 22, existiam
na corte de Israel cerca de 400 profetas (v.6), estes estavam à disposição do rei, exerciam sua
atividade perante o rei (v.10) e eram chamados “seus profetas” (v.22).74
Característico nos profetas chamados “literários” são textos de vocação, onde são
relatados os seus chamados para profetizar por parte de Javé. Von Rad atesta que a vocação
era comunicada por uma palavra pessoal de Deus que criava no homem chamado um estado
totalmente novo, não era resultado de aptidões anteriores ou de uma escalada dentro da vida
religiosa. Este novo estado conseqüentemente produzia uma profunda mudança de vida, como
se pode inferir do relato de Am 7.14 “Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas
boiadeiro e colhedor de sicômoros. Mas o SENHOR me tirou de após o gado e o SENHOR
me disse: Vai e profetiza ao meu povo de Israel”. O vocacionado saía da sociedade,
abandonava suas garantias sociais e econômicas e passava a viver na dependência de Javé.75
Os textos de vocação também falam sobre a resistência dos profetas quanto à missão de Javé e
atestam sua legitimidade como profetas de Javé.76
Encontram-se neste período também os chamados profetas cultuais que tinham sua
atuação junto aos santuários, ao lado dos sacerdotes e levitas, além destes constata-se a
existência de profetas da corte, que exerciam um ministério perante o rei, como já explicado
anteriormente. Entre este grande grupo encontram-se aqueles que são chamados de falsos
72 cf. Robert D. CULVER, 1277a aybin" nabi´ Porta-voz, profeta in Laird R. HARRIS (org), DITAT, p.904-06 73 cf. J. JEREMIAS, aybin" nabi´ Profeta in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, col.25 74 cf. J. JEREMIAS, op cit, col.27-28 75 cf. Gerhard VON RAD, Teologia do Antigo Testamento, v.2, p.57-58 76 cf. J. JEREMIAS, op cit, col.43
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 26
profetas.77 Se for considerada como correta a interpretação de McKenzie, os profetas tão
apenas revelam a natureza e o caráter de Javé, com quem tiveram uma experiência afirmando
as implicações desta natureza e caráter no modo de agir dos homens, comparando-se com Jr
23.16-17, entende-se que os falsos profetas são aqueles que falam a partir de si mesmos e não
a partir de experiências que tiveram com Javé, portanto não possuem esta consciência da
natureza e caráter de Javé.78
Miquéias descreve no v.6 da perícope em estudo as palavras dos profetas que o
acusam. O verbo utilizado para “vaticinar, profetizar” é @jn, este encontra-se 18 vezes, sendo
5 vezes em Miquéias, todas dentro da perícope em questão. No tronco Qal o verbo significa
gotejar, destilar, escorrer79, e encontra-se em 9 das 18 ocorrencias, as demais estão no tronco
Hiphil, cujo significado é escançar, manar, vaticinar80. Em Miquéias todas as ocorrências
estão no tronco Hiphil. Analizando-se o uso da forma verbal no tronco Hiphil entre os
profetas do século VIII (específicamente aqui Miquéias e Amós) entende-se que o seu uso é
pejorativo, lembrando-se do tronco Qal entende-se que a falsa palavra profética goteja ou
pinga, daí o significado pretendido por Sicre: “arengar, fazer sermão”81. O sentido fica mais
claro ao analizar Am 7.16, onde também Amós é acusado de “fazer sermão”. É neste sentido
que Miquéias responde aos seus interlocutores, afirmando com as mesmas palavras usadas
pelos falsos profetas, que são eles que “fazem sermão”.
O v.6 continua com a afirmação de que “não se afastará o ultraje”. O substantivo
ultraje (tAM)liK.) é encontrado 31 vezes no Antigo Testamento, sendo apenas 2 vezes em
profetas do século VIII (Is 30.3; Mq 2.6). O substantivo é derivado da forma verbal ~l;K' que
significa “ser envergonhado, confundido, ferido, censurado”82, e é encontrado 38 vezes no
AT. Segundo o Dêutero-Isaías, serão confundidos e envergonhados aqueles que se
enraivecerem contra Javé (Is 41.11), porém aqueles que são ajudados por Javé não serão
envergonhados (cf. Is 50.7). Se for tomado emprestado este conceito exílico para lançar luz
sobre a perícope em questão, pode-se afirmar que os interlocutores de Miquéias entendem que
este enraivece a Javé com suas acusações contra os latifundiários e os outros profetas, uma
vez que eles entendem a palavra de Javé como sendo sempre positiva a eles e que estando
77 cf. Georg FOHRER, História da Religião de Israel, p.290 78 cf. John L. MCKENZIE, Dicionário Bíblico, p.745 79 Luis ALONSO-SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português. p.433 80 Idem 81 José L. SICRE, A justiça social nos profetas. p.368 82 John N. OSWALT, 987 ~l;K' kālam ser (estar) envergonhado, confundido, ser censurado, magoado, ferido, ruborizar. in Laird R. HARRIS (org), DITAT, p.725-26
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Javé entre eles nenhum mal sobrevirá (cf. Mq 2.7; 3.11), por isto o ultraje não se afastará de
Miquéias. Entretanto Miquéias faz esta citação justamente para demonstrar que aqueles que
envergonham Javé são os que o acusam (também conforme Mq 3.5-7).
No v.7a encontram-se três perguntas retóricas pronunciadas pelos interlocutores a
Miquéias e que exigem uma resposta negativa da parte de Miquéias. Os interlocutores
questionam Miquéias sobre o caráter das obras de Javé (wyl'_l'[]m;). Seriam as obras de Javé
juízo sobre a casa de Jacó? O substantivo “obra, feito” (ll'[]m;) é encontrado 41 vezes no AT,
sendo 11 vezes nos profetas do século VIII e 3 vezes em Miquéias (2.7, 3.4, 7.13). Nota-se
que na maioria dos casos o termo é utilizado com um sentido semelhante: a(s) obra(s) dos
homens. Com esta conotação o termo é encontrado 38 vezes. Para os profetas do século VIII
as obras dos homens são, na maioria dos casos, apresentadas como obras más (Is 1.16, 3.8;
Mq 3.4, Os 9.15), outras vezes há afirmação de que Javé julgará os homens pelas suas obras
(Os 4.9, 12.3). Apenas 3 vezes o termo é empregado para as obras de Javé (Mq 2.7, Sl 77.11,
78.7). Em Salmos o termo ll'[]m; é utilizado como sinônimo de l[;P' “fazer, obrar, realizar”83 e
hl'yli[] “ação, ato, obra, feito, conduta”84. A partir das indicações dos escritos do século VIII,
aponta-se para um entendimento do termo num sentido negativo, portanto aduz-se que os
interlocutores estariam a questionar Miquéias quanto a “se as obras de Deus seriam ruins”, o
que requer uma resposta negativa da parte de Miquéias.
O contra-ataque do profeta Miquéias inicia no v.7b com um questionamento aos seus
interlocutores: “Minhas palavras não fazem bem com aquele que procede correto?”. Quais
seriam estas palavras que fazem bem àquele que procede correto? O substantivo rb'D'
“palavra, coisa”, é encontrado 1400 vezes no AT, sendo 47 vezes nos profetas do século VIII
e especificamente 3 vezes em Miquéias (1.1, 2,7, 4.2). Este substantivo é de suma importância
para o linguajar teológico do Antigo Testamento, tendo grande relevância, sobretudo por
causa da expressão “debar YHVH”, “palavra de Javé”, que ocorre 225 vezes como termo
técnico para a revelação profética. Além da expressão construta citada, ainda encontram-se
mais de 300 vezes dābār/debārīm relacionados a Deus (e/ou Javé). Aproximadamente 225
vezes esta relação faz referência à revelação profética.85 A partir das indicações dos Salmos
podem-se verificar algumas das características da “palavra de Javé”: “é reta, e todo o seu
83 cf. Luis ALONSO-SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português. p.543. Também compare o Sl 77.11 com 77.12, onde os termos supracitados são utilizados no recurso poético conhecido como paralelismo. 84 cf. Luis ALONSO-SCHÖKEL, op cit, p.499; Também compare o Sl 78.7 com 78.11, onde o recurso de paralelismo novamente é utilizado com os termos supracitados. 85 cf. G. GERLEMAN, rb'D' dābār Palabra in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, vol.1, col.623-24
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proceder é fiel” (Sl 33.4), “Para sempre (...) está firmada a tua palavra no céu.” (Sl 119.39),
“Lâmpada para os meus pés (...) e, luz para os meus caminhos.” (Sl 119.105), ela é “verdade”
(Sl 119.160).86 Também em Dêutero-Isaías: “assim será a palavra que sair da minha boca: não
voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei.” (Is
55.11). Entretanto não se pode separar a Palavra de Javé do próprio Javé, pois ela só tem
existência a partir de Javé, um atributo divino não pode ter vida própria, pois é inerente à
própria divindade, contra a chamada hipóstase das virtudes e atributos divinos, como é
apontado acertadamente por Gerleman.87
A partir das diversas vezes em que o termo correlato “Palavra de Javé” é utilizado no
contexto de palavra profética, aliado ao prólogo de Miquéias, “Palavra do SENHOR que em
visão veio a Miquéias” (1.1), entende-se por “minhas palavras” uma fala de Javé através de
Miquéias, contra os interlocutores. A resposta da pergunta deve ser “sim”, de acordo com os
atributos da “Palavra de Javé” já citados anteriormente, que prudentemente não são negados
pelos interlocutores, entretanto como explica Alonso-Schökel e Sicre “não basta invocar o
sobrenome patriarcal nem apelar para a paciência de Deus nem supor a sua bondade ou a
própria inocência”88, requer-se que se proceda corretamente.
Como uma introdução as denúncias de Miquéias nos vv.8-10 é que se coloca o v.8aα,
onde encontra-se o substantivo ~[;, mais especificamente acrescido de sufixo da 1ª pessoa do
comum singular: yMi[;. O significado original é indicado como sendo “tio paterno”, o
significado “familiares” deve-se a uma evolução posterior, sendo assim, se subentende em ~[;;
o laço de parentesco entre os membros.89 Este substantivo encontra-se 1868 vezes no AT,
sendo 141 vezes nos profetas do século VIII e 19 vezes em Miquéias (1.2,9; 2.4,8,9,11; 3.3,5;
4.1,3,5,13; 5.6,7; 6.2,3,5,16; 7.14). Nota-se que em Miquéias o substantivo aparece 9 vezes na
forma sufixada yMi[; (1.9; 2.4,8,9; 3.3,5; 6.3,5,16), analisando as referências nota-se que 6
delas considera-se como palavras de Miquéias90, e que todas as referências apontam para
perícopes que se encontram em contextos de “palavras de julgamento”,91 entretanto não serão
analisadas neste trabalho as referências ao capítulo 6 de Miquéias por tratar-se um outro
86 cf. Earl S. KALLAND, 399 rb;D' (dābār) falar, declarar, conversar in Lair R. HARRIS(org), DITAT, p.292-97 87 cf. G. GERLEMAN, rb'D' dābār Palabra in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, vol.1, col.626 88 Luis ALONSO-SCHÖKEL, José L. SICRE DIAZ, Profetas II: Ezequiel, Profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias, p.1081 89 cf. A. R. HULST, m[;/ywGo ‘am/goy Pueblo in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, vol.1, col.374 90 cf. item 2.2.3 deste trabalho 91 cf. item 2.1.1 deste trabalho
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contexto histórico e de autoria incerta. Considera-se que, neste contexto, yMi[; refira-se a ~[;
hw"hy> “povo de Javé”, cujo significado é família ou parentela de Javé. Lohfink afirma que se
Javé escutava a voz de angustia dos seus adoradores e decidia salvá-los é porque os
considerava como membros de sua própria família. Lohfink ainda argumenta que também são
considerados familiares de Javé os pobre e oprimidos.92
Como povo pode-se definir uma comunidade de pessoas com vínculos entre si, sejam
de origem, língua, cultura ou história comuns. De um modo geral, pensa-se que na vinculação
de uma divindade com um povo, estes sejam entendidos como “povo da divindade”, portanto
se Israel é o povo que pertence a Javé, e que por este foi escolhido, logo Israel é “povo de
Javé”. Entretanto parece que este conceito foi relativizado, fazendo com que fosse obrigação
de Javé proteger, abençoar e conservar o “seu povo”. Os profetas parecem corrigir este ponto
de vista nacionalista-popular, tanto que muitas vezes ao invés de “meu povo” encontra-se a
expressão “este povo”.93 Miquéias, nos capítulo 1-3, utiliza “meu povo” referindo-se a
pessoas que sofrem ações, algumas violentas. Estas ações “são planejadas (2.1) e executadas
(2.2, 2.8-9, 3.1-3) por um sujeito social que é apresentado através de várias designações: ‘esta
tribo’ (2.3), ‘este povo’ (2.11), ‘chefes’ e ‘magistrados’ (3.1), ‘profetas’ (3.5)”.94
“Meu povo” vive em casas (2.2,9), mulheres e filhos estão próximos (2.9), ao observar
isto, Hahn entende que “meu povo” é um sujeito social ligado a terra (2.2).95
No v.8aβ inicia-se a série de acusações contra os “inimigos”, que conforme a síntese
apresentada por Hahn e descrita acima, são “esta tribo”, “este povo”, “chefes”, “magistrados”
e “profetas”. A primeira acusação que Miquéias faz é que “meu povo” foi despojado de
“glória” (rd,a,Þ/tr,D,a;) – O substantivo rd,a, aparece apenas uma vez referindo-se a manto ou
capa luxuosa, entretanto segundo o aparato crítico da BHS, deve-se entendê-lo como sendo
“glória”, uma vez que “meu povo” não encontra-se em condições de possuir tal veste luxuosa.
Além da glória “meu povo” foi despido do manto (tm;äl.f;) - A vestimenta dos homens e
mulheres hebréias no Antigo Testamento consistia basicamente de duas peças: a túnica e o
manto. A túnica era feita de lã ou linho e chegava até o tornozelo, existindo com ou sem
mangas, e era usada sobre o corpo nu. Por cima desta usava-se o manto, que também era
utilizado pelas pessoas para cobrirem-se à noite. Encontram-se em Ex 22.25 e Dt 24.13
92 cf. A. R. HULST, m[;/ywGo ‘am/goy Pueblo in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, vol.1, col.389 93 cf. A. R. HULST, op cit, col.392 94 Noli Bernardo HAHN, “Povo da Terra” e “Meu Povo” à luz de Miquéias, in Ludovico GARMUS(ed.), Estudos Bíblicos, nº.44, p.51 95 Idem
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indicações que não se deveriam retirar o manto (tm;äl.f;) de alguém devido ao fato de serem
utilizados como cobertor.96
A segunda acusação trata-se das mulheres de “meu povo”. As mulheres (hV'ai) -
substantivo que se encontra 781 vezes no AT, 20 vezes nos profetas do século VIII e em
Miquéias apenas em 2.9. Em seu significado está intimamente ligado com o substantivo
homem (vyai), tanto para indicar relação matrimonial, o elemento sexual, ou ainda como
expressão “homem e mulher” significando “um qualquer” ou também “todos”. Outras
expressões comuns onde o substantivo “mulher” é encontrado são os que tratam de família:
“filho/filha/criança”, “mulher/filhos/noras”, “mulheres/filhos”. Nota-se portanto uma relação
semântica entre “mulheres” (v.9aα) e “crianças” (v.9bα).97 Quanto à situação da mulher,
encontram-se no AT algumas indicações: a mulher é propriedade do homem que ele pode usar
para própria defesa (Gn 12.12-20, 20.2, Jz 19.24-27), no decálogo do Êxodo a mulher é
inserida dentro das propriedades (Ex 20.17), também se tem a impressão que as mulheres não
comiam junto com os homens (Ex 18.9, Rt 2.14). Na perícope em questão alguns
comentaristas indicam que estas além de pobres eram viúvas.98 A dependência da mulher de
uma relação familiar agravava-se no caso desta ser viúva, deveria vestir roupa que indicava
sua situação (Gn 38.14,19), não herdava do marido, e se ficasse sem filhos voltava à casa de
seu pai. A mulher que não tivesse um homem para assistir-lhe em seus direitos naturalmente
ficava à mercê de extorsão por parte de seus credores (2Rs 4.1, Mq 2.9a,10b), e de todo tipo
de opressão (Jó 22.9, 24.21, Ez 22.7).99
Interconectado com a mulher viúva, estão os seus filhos, ainda crianças (ll'wO[/llewO[).
Este substantivo aparece na forma ll'wO[ 9 vezes e na forma llewO[ 11 vezes. As duas formas
parecem ser intercambiáveis, e quanto ao sentido não diferem, ambas se entende como sendo
uma criança mais velha que um bebê (lW[).100 Como o substantivo utilizado para bebê é de
mesma grafia que o verbo desmamar101, entende-se que estas crianças já teriam sido
desmamadas, portanto teriam pouco mais de 3 anos de idade (2 Macabeus 7.27). As crianças
gozavam de poucos direitos, ou quase nenhum, é o que indicam textos como 2Rs 4.1 e Ne 5.5, 96 cf. John L. MCKENZIE, Dicionário Bíblico, p.958-59 97 cf. J. KÜHLEWEIN, hV'ai ’iššā Mujer in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, vol.1, col.369-372 98 cf. Luis ALONSO-SCHÖKEL, José L. SICRE DIAZ, Profetas II: Ezequiel, Profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias, p.1081; também cf. C. KEIL, F. DELITZSCH, Comentary on the Old Testament in ten volumes, vol.10, p.445; e, David BAKER, et al., Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias,
p.211-12 99 John L. MCKENZIE, Op. cit, p.969 100 cf. G. Herbert LIVINGSTONE, 1579d ll'wO[ (‘olal) criança, in Lair R. HARRIS(org), DITAT, p.1580 101 cf. G. Herbert LIVINGSTONE, 1579 lW[ (‘ul) amamentar, in Lair R. HARRIS(org), DITAT, p.1579
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onde as crianças são entregues à escravidão como penhor pela divida dos pais. O pai exercia
poder ilimitado sobre os filhos, eram os pais que escolhiam os cônjuges (Gn 21.21, Ex 21.9-
11), podiam anular um voto sagrado feito por uma filha, e também lhes era esperado que
entregassem os filhos para serem mortos, se estes fossem culpados por abusar dos genitores
(Ex 21.15-17).102 A luz destes fatos e considerando o fato de Amós ter denunciado comércio
humano (Am 1.6,9) entende-se que o “arrancastes minha honra para sempre” trata-se de ser
vendido como escravo, portanto as crianças teriam sido destituídas da honra.
No v.10 Miquéias exige que os acusados levantem-se e deixem aquele lugar, pois ele
não é lugar de descanso para eles. O lugar de descanso (hx'_WnM.) é encontrado 21 vezes no AT,
sendo 4 vezes nos profetas do século VIII (Is 28.12, 32.18, 11.10, Mq 2.10). O substantivo é
derivado da forma verbal x:Wn “descansar, estabelecer-se”103, podendo denotar tanto o local,
quanto o estado de descanso ou estabelecimento. O substantivo descreve o local que Javé
preparou para o descanso do povo em Nm 10.33, também se utiliza para o local onde o povo
estabeleceu-se de forma permanente (Dt 12.9, 1Rs 8.56), e o local escatológico de descanso
(Sl 95.11).104
A perícope é concluída com um dito sarcástico. A introdução deste (v.11aα) explica
que é mentiroso aquele que profere “profecia para o vinho e bebida forte”, sendo tal “profeta”
digno “deste povo”, não do “meu povo”. O v.11aα utiliza duas palavras para mentira: um
substantivo (rq,v,) e um verbo (bz:K'). O verbo é empregado 16 vezes no AT (1x no Qal, 2x no
Nifal, 12x no Piel, 1x no Hifil). O significado fundamental da raiz é “mentir, pronunciar uma
mentira, dizer o que não é certo, afirmar algo que não corresponde ao fato”. Partindo destes
significados se desenvolve o significado de “estar em erro”, oposto de qdec' em Jó 34.5-6, e
chega-se ao sentido de “ser infiel”, semelhante ao de rq;v'105. No vocabulário teológico do
AT, a revelação recebida por meios misteriosos de êxtase deve ser confrontada com a
revelação positiva de Javé por meio de Sua palavra, sob pena de ser tida como bz:K'.106
O substantivo rq,v, é encontrado 111 vezes no AT, sendo utilizado 6 vezes pelos
profetas do século VIII, mas é preferido por Jeremias: 38 vezes. Este substantivo designa
102 cf. João Marques BENTES, Russel Norman CHAMPLIN, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, vol.1, p.692 103 cf. Leonard J. COPPES, x:Wn (nûah) descansar, estabelecer-se in Lair R. HARRIS(org), DITAT, p.936-38 104 cf. Leonard J. COPPES, op cit, p.938 105 cf. M. A. KLOPFENSTEIN, bz:K' kzb Mentir in Ernst JENNI, Claus WESTERMANN, DTMAT, vol.2,
col.1121; também cf. Hermann J. AUSTEL, rq;v' (shāqar) enganar, ser falso in Lair R. HARRIS(org), DITAT, p.1617-18 106 cf. M. A. KLOPFENSTEIN, op cit, col.1125
Apenas para leitura – proibida reprodução – Alexander De Bona Stahlhoefer 32
palavra ou atividades falsas no sentido de não corresponderem aos fatos ou a realidade, ou
seja, seu significado em muito é semelhante ao do verbo bz:K'. A preferência de Jeremias é
clara, ele emprega várias vezes o substantivo referindo-se aos falsos profetas, como quem
“profetiza sonhos mentirosos” (Jr 23.32).107
No v.11aβ o fala-se do que profere uma profecia mentirosa (rq,v,)108 a partir do “vinho
e bebida forte”. O substantivo vinho (!yIY:) encontra-se 140 vezes no AT, destas, 12 vezes em
conjunto com “bebida forte” (rk"Ve) que por sua vez encontra-se 22 vezes. O vinho no Oriente
Médio era produzido desde a pré-história, a Bíblia menciona vinho pela primeira vez com
Noé (Gn 9.20ss). Era comum nas refeições, e também levado como parte das provisões em
viagens (Js 19.19) e nas tropas de guarnição (2Cr 1.11).109 O substantivo !yIY: também se
emprega para referir-se simbolicamente à ira de Javé (Jr 25.15), à calamidade (Sl 60.3), ao
juízo da Babilônia (Jr 51.7), à violência (Pv 4.17), e a beijos e carícias (Ct 1.2, 4.10).110
Bebida forte (rk"Ve) denota uma bebida fermetada, tal como a cerveja, não destilada, pois as
indicações apontam para que a destilação só tenha sido conhecida na Idade Média. Nem todas
as referência à bebida forte são favoráveis, fala-se da sua capacidade inebriante, juntamente
com o vinho e a bebida dos ébrios (Sl 96.13, Is 5.11,22), suscita insolência (Pv 20.1) e não
sendo bebida adequada para governantes (Pv 31.4-5). 111
Isaías critica aqueles ávidos por vinho e bebida forte mas não que não olham para obra
de Javé (Is 5.11-12), e aqueles que são poderosos para beber vinho e valentes para misturar
bebida forte mas que julgam à favor do ímpio em troca de suborno e ao justo negam a devida
justiça (Is 5.22-23).
Miquéias da mesma forma critica seus interlocutores chamando-os de “profetas para o
vinho e para a bebida forte”, como indica Mq 3.5,11, estes falsos profetas somente profetizam
por dinheiro, e “este povo” em contraste com “meu povo” são aqueles que oprimem e causam
a injustiça, portanto os profetas mercenários são os dignos “deste povo”.
3.2 SÍNTESE TEOLÓGICA
Para Miquéias o ponto central é a pregação contra os abusos cometidos pelos
poderosos, estes baseados em suas interpretações nacionalistas-populistas da tradição javista,
107 cf. Hermann J. AUSTEL, rq;v' (shāqar) enganar, ser falso in Lair R. HARRIS(org), DITAT, p.1617 108 Note a semelhança sonora entre rq,v, e rk"Ve 109 cf. John L. MCKENZIE, Dicionário Bíblico, p.965-66 110 cf. Laird R. HARRIS, !yIY: (yayin) vinho in Lair R. HARRIS(org), DITAT, p.614 111 cf. John L. MCKENZIE, op cit, p.162
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crêem que sua salvação será garantida por direito de herança, por serem “povo de Javé”,
entretanto o que fica claro na linha traditiva por traz de Miquéias é que este por estar muito
enraizado nas tradições do povo, muito mais que seus conterrâneos e contemporâneos, talvez
por ser um ancião de Morasti-Gat, apresenta em sua pregação um diálogo com a tradição
javista, e “seu modo de compreender a tradição é justamente o que o faz emergir”112.
Na perícope em questão expõe aos seus interlocutores um tema que remonta a antigas
tradições do povo de Israel, o ser povo de Javé. Miquéias faz diferença entre “meu povo” e
“este povo”, é com certa razão que Wolff entende o profeta como um ancião de “meu
povo”113, em contrapartida, os seus interlocutores, falsos profetas, são àqueles que defendem
os interesses “deste povo”, e é contra esta classe opressora que Miquéias dirige seus ataques,
apontando os pecados concretos destes, acusando-os, e afirmando que, de fato, os profetas em
que “este povo” opressor confia são os que ele merece.
3.3 ESCOPO
A perícope analisada apresenta diversos pontos da proclamação de juízo que o profeta
Miquéias faz nos capítulos 2 e 3 do livro. Na controvérsia entre os profetas falsos e Miquéias,
este responde os interlocutores com as próprias palavras destes, mostrado-lhes os seus
pecados e os da classe opressora, insiste em dizer que para eles não há descanso na terra que
Javé prometeu ao Seu povo, e que os falsos profetas são justamente os que a classe opressora
merece.
112 cf. Gerhard VON RAD, Teologia do Antigo Testamento, vol.2, p.168 113 cf. H. W. WOLFF, Biblischer Kommentar Altes Testament: Dodekapropheton 4: Micha, p.XV
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IV HERMENÊUTICA
4.1 RELEVÂNCIA DO TEXTO PARA MIM, PARA A COMUNIDADE CRISTÃ E A SOCIEDADE
O labor exegético exigido para tal empresa foi bastante grande, trabalhar por quatro
meses em uma única perícope, ainda que o livro foi lido ao todo várias vezes, é desgastante e
em alguns momentos desanimador, entretanto a simples possibilidade de entrar, ainda que de
relance, na perspectiva histórica, social e religiosa de Israel no século VIII a.C., abre-nos a
vista para uma gama de novas interpretações da realidade. Assim como Miquéias estava
profundamente enraizado nas tradições de seu povo e dela bebeu para que pudesse apresentar
uma nova perspectiva desta tradição, quer-se seguir os passos do profeta e ver-se como
alguém que deseja beber da tradição cristã que nos acompanha, e nela buscar uma nova forma
de enxergar o mundo, fazendo-se um transformador de realidades, assim como os profetas
buscaram ser. A forma com que Miquéias respondeu a seus interlocutores, sua ousadia na
denúncia de pecados concretos, motiva o obreiro cristão à “ser profeta” hoje, também
denunciando o pecado da sociedade e do sistema, questionando os “falsos profetas” da
atualidade e apresentando ao mundo o plano de Deus através de Jesus Cristo.
A comunidade cristã tem o dever de dar valor à proclamação dos profetas, cujos livros
tem sido sistematicamente negligenciados nos cultos, pregações, encontros e estudos. Temas
que a comunidade pode aprender da perícope estudada são tais como: Quem são aqueles que
correm atrás de vento de mentira fingindo serem portadores da Palavra de Deus?114 O texto de
Mt 7.15-23 ajuda a elucidar a questão, Jesus afirma que “pelos frutos os conhecereis”;
Conforme a acusação de Jesus Cristo em Mt 23.29-31, não tem a comunidade perseguido os
“verdadeiros profetas” e adornado os túmulos dos “falsos”? Os falsos profetas também se
apoiavam nas promessas que Javé fez, entretanto, estes acreditavam mais na sua própria fé do
que no Senhor que concede a fé, não seria este um desafio para a comunidade luterana?115 De
fato “o justo viverá por fé” (Rm1.17b), mas o fundamento da fé cristã esta em Jesus Cristo
114 cf. Alphonse MAILLOT, Atualidade de Miquéias: Um grande “profeta menor”, p.62 115 Id, Ibid, p.63
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(1Co 3.11), que é verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, filho daquele que nos concede a fé
através da sua Palavra (Rm 10.17). Cabe-nos como sacerdotes e serviçais (1Pe 2.9) sermos
“verdadeiros profetas”, despenseiros da multiforme graça de Deus e não aqueles que
barateiam a graça (1Pe 4.10).
A sociedade também tem a ganhar com a proclamação de Miquéias, promover a
justiça e o direito deveriam ser o ideal de todos os povos sobre a Terra. Neste sentido, também
a sociedade deve enxergar nas acusações de Miquéias temas para rever seus conceitos e
praticar aquilo para que Deus a colocou: promover a vida.
4.2 PISTAS PARA ATUALIZAÇÃO
A perícope estudada é rica em temas, tanto ao falar-se daqueles que proclamam a
vontade de Deus, quanto ao denunciar injustiças sociais.
A citação do discurso dos falsos profetas (v.6-7a) juntamente com o desfecho irônico
da perícope (v.11) apresentam o tema dos falsos profetas em contraste com o verdadeiro,
pode-se explorar nestes versículos quem seriam os falsos e os verdadeiros hoje, quando
alguém age como verdadeiro ou falso profeta, e quais seriam as ações dignas de um
verdadeiro profeta.
A resposta de Miquéias (v.7b-10) apresenta uma questão sobre a validade das
palavras de Deus, elas não seriam boas? Cabe aqui buscar uma compreensão de quais seriam
os usos corretos da Palavra de Deus e de que forma Deus age através de sua Palavra. Na
denúncia de pecados concretos temos Lei, que acusa a situação do homem enquanto pecador
destituído da sua liberdade. Estas acusações tanto poderiam levar a uma reflexão sobre quais
seriam as atitudes que a comunidade e o cristão deveriam tomar dentro da sociedade tanto
quanto para apontar o “nosso pecado” e servir de “aio” para conduzir o pecador a Cristo (Gl
3.24).
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V REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ALEXANDER, Desmond T., BAKER, David Weston, STURZ, Richard. Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias. São Paulo: Vida Nova, 2001.
2. ALONSO SCHÖKEL, Luis, SUCRE DIAZ, José L. Profetas II: Ezequiel, Profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.
3. ALONSO SCHÖKEL, Luis. Dicionário bíblico hebraico-português. 3ª. Ed. São Paulo: Paulus: 2004.
4. ARENHOEVEL, Diego. Assim se formou a Bíblia: Para você entender o Antigo Testamento. 2ª Ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1978.
5. BALLARINI, Teodoro(ed.). Introdução à Bíblia: Os doze profetas, Daniel. Petrópolis: Vozes, 1978.
6. BAUMGARTNER, Walter, KOEHLER, Ludwig. Lexicon in Veteris Testamenti libros. Leiden: E.J. Brill, 1985
7. BENTES, João Norman, CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Editora e Distribuidora Candeia, 1991. v.1
8. BIBLEWORKS L.L.C., Software BibleWorks 5.0.020w, EUA, 2001.
9. BÍBLIA. Antigo Testamento. Grego. Septuaginta. Stuttgart: Deutsche Bibelgesselschaft, 1979.
10. BÍBLIA. Antigo Testamento. Hebraico. Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 4ª. Ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesselschaft, 1997.
11. BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2003
12. BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2000.
13. BRIGHT, John. História de Israel. 7ª. Ed. São Paulo: Paulus, 2003.
14. DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. 2ª. Ed. São Leopoldo: Sinodal, Petrópolis: Vozes, 2000. v. 2
15. GARMUS, Ludovico (ed.). Estudos Bíblicos: O Povo da Terra. Nº.44. Petrópolis: Vozes, 2002.
16. Georg FOHRER. História da Religião de Israel. São Paulo: Edições Paulinas, 1982
17. HARRIS, Laird R. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998.
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18. JENNI, Ernst, WESTERMANN, Claus. Dicionário teológico manual del Antiguo Testamento. Madrid, Espanha: Ediciones Cristandad, 1998. 2 v.
19. KEIL, L. F., DELITZSCH, F. Commentary on the Old Testament in ten volumes. Grand Rapids/EUA: Eerdmans, 1980.
20. KELLER, Alfred J. MICHAELIS: Minidicionário Alemão-Português: Português-Alemão. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1996.
21. KELLEY, Page. Hebraico bíblico: uma gramática introdutória. 4ª. Ed. São Leopoldo: Sinodal, 2003.
22. KIRST, Nelson, et al. Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português. 18ª. Ed. Petrópolis: Vozes, São Leopoldo: Sinodal, 2003.
23. LASOR, William(ed.). Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999.
24. LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament. 2ª. Ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1966.
25. MAILLOT, Alphonse. Atualidade de Miquéias: um grande “profeta menor”. São Paulo: Ed. Paulinas, 1980.
26. MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. 8ª Ed. São Paulo, Paulus, 2003.
27. OWENS, John J. Analytical key to the Old Testament. Grand Rapíds, EUA: Baker Books, 1994. v. 4
28. PIXLEY, Jorge. Miquéias o livro e Miquéias o profeta, in CROATTO, J. Severino(org.). RIBLA. Petrópolis: Vozes, São Leopoldo: Sinodal, 2000. Nº. 35/36
29. PORATH, Renatus, Apontamentos sobre passos da Metodologia Exegética do AT. Material não publicado
30. SCHALKWIJK, Frans Leonard. Coinê: pequena gramática introdutória do grego neotestamentário. 8ª Ed. Patrocínio: CEIBEL, 1998.
31. SCHMIDT, Werner D. A fé do Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2004.
32. SCHMIDT, Werner D. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
33. SELLIN, Ernst, FOHRER, Georg. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Paulinas, 1977.
34. SICRE, José L. A justiça social nos profetas. São Paulo: Ed. Paulinas, 1990.
35. SIMIAN-YOFRE, Horácio. Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
36. VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1986. 2 v.
37. VV.AA., Os profetas e os livros proféticos. São Paulo: Edições Paulinas, 1992.
38. WELSZFLOG, Walter. MICHAELIS: Moderno dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
39. WOLFF, Hans Walter. Bíblia, Antigo Testamento: introdução aos escritos e aos métodos de estudo. 3ª Ed. São Paulo: Editora Teológica, 2003.
40. WOLFF, Hans Walter. Biblischer Kommentar Altes Testament: Dodekapropheton 4: Micha. Neukirchen-Vluyn/Alemanha: Neukirchener Verlag, 1982.
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ANEXO I LISTA DE VOCÁBULOS Análise de termos a partir de OWENS, John J. Analytical key to the Old Testament; e
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Termo Definição Tradução v.6 WpJiÞT;-la; Advérbio de negação, verbo hiphil
impf. Jussivo apocopado 2ªp. m.pl., raiz @jn
QAL: gotejar, pingar, escorrer. HI: Borbotar, vaticinar, escançar. (Alonso, p.433) “Não vaticineis”
!Wp+yJiy: verbo hiphil impf. 3 m. pl., raiz @jn Eles vaticinam
WpJiäy:-al{) particula negativa, verbo hiphil impf. apocopado 3ªp. m. pl, raiz @jn
Que eles não vaticinem
hL,aeêl'
preposição l, pronome demonstrativo m. pl.
Estes (Kirst, p.11) “Para estes”
Al{ï particula negativa Não (Kirst, p.107)
gS;ÞyI verbo niphal impf. 3ªp. m. sg., raiz gWs
NI: Retirar-se, afastar-se (Kirst, p.165); desertar, virar-se (Alonso, p.463) “afastar-se-á”
tAM)liK. substantivo comum fem. pl. abs. Desgraça (K, 102) Vergonha, rubor, humilhação, ultraje. (A, 319)
v.7 rWmåa'h, Particula interrogativa h], verbo qal
part. pass. m. sg. abs, raiz rm;a' QAL: Dizer (Alonso, p. 65) “Que foi dito?”
bqoª[]y:-tyBe( subst. comum m. sg. const., subst. próprio abs. (vocativo)
Ó casa de Jacó
‘rc;q'h] particula interrogativa h], verbo qal perf. 3ªp. m. sg, raiz rc;q'
QAL: ceifar, encurtar-se, abreviar-se. Fraseologia: x;Wr perder a paciência (Alonso, p.587)
x;Wrå subst. comum f. sg. abs. paciência (A, 609-10)
hw"ëhy> subst. próprio abs., Iahweh, SENHOR
hL,aeÞ-~ai Particula interrogativa, pronome demons. m. pl.
estes? (K, 12, 10)
wyl'_l'[]m; subst. comum m. pl. cons., sufixo 3ªp. m. sg.
Sua obra (K, 135)
aAlÜh] particula interrogativa h], part. negativa
Não?
yr;’b'd> subs. comum m. pl. cons., sufixo 1 c. sg.
Minhas palavras(K, 46)
WbyjiêyyE verbo hiphil impf. 3ªp. m. pl., raiz bj;y"
QAL: Ser bom, estar bem. HI: Fazer bem, beneficiar, tratar bem. (Alonso, p.275) “fazem bem”
~[iÞ preposição Com (K,181)
rv"ïY"h; artigo h, adjetivo m. sg. abs. O reto, correto (K, 97)
`%lE)Ah verbo qal part. at. m. sg. abs., raiz %l;h'
QAL: Ir, caminhar c/ prep. ~[i : proceder (Alonso, p.176-77) “aquele que procede”
v.8
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lWmªt.a,w> conjunção w, advérbio E ontem (k, 21)
yMi[; subst. comum m. sg. const., sufixo 1ªp. c. sg.
Meu povo (K, 181)
byEåAal. preposição l, verbo qal part. at. m. sg. abs., raiz by:a'
QAL: ser inimigo (Alonso, p. 45) “Para um inimigo”
~meêAqy> verbo polel impf. 3ªp. m. sg., raiz ~Wq
QAL: Levantar-se, Por-se em pé; POL: Levantar, reconstruir; Fraseologia: l – levantar-se contra. (Alonso, p.575-76)
lWMåmi preposição !mi, preposição lWm De diante da (A, 359)
hm'êl.f; subst. comum f. sg. abs. Capa, manto, veste (A, 644)
rd,a,Þ subst. comum m. sg. abs. Manto, pálio (A, 29)
!Wj+vip.T; verbo hiphil impf. 2ªp. m. pl, raiz jv;P'
QAL: Tirar, despojar-se de, desnudar-se, saquear. HI: Tirar, despojar de, desnudar (Alonso, p.550-51) “Fostes despojados de”
~yrIåb.[ome preposição !mi, verbo qal part. at. m. pl. abs., raiz rb;['
QAL: passar, cruzar, atravessar (Alonso, p.476) “daquele que passa”
xj;B,ê Advérbio Seguro, confiado (A, 98)
ybeÞWv verbo qal part. pass. m. pl. const., raiz bWv
QAL: voltar, volver, viarar-se. (Alonso, p.660) “Aquele que voltou da”
hm'(x'l.mi subst. comum f. sg. abs. Guerra
v.9 yveÛn> subst. comum f. pl. const. Mulheres de (A, 80)
‘yMi[; subst. comum m. sg., sufixo 1ªp. c. sg.
Meu povo (A, 500)
!Wvêr.g"åT. verbo piel impf. 2ªp. m. pl., raiz vr;G" QAL: expulsar, lançar, soltar; PI: Lançar, expulsar, despachar. (Alonso, p. 144-45) “Vós expulsastes”
tyBeÞmi Prep. !mi, subst. comum m. sg. const. Da casa de
h'yg<+nU[]T;( subst. comum m. pl. const., sufixo 3ªp. f. sg.
Seu deleite (A, 707)
‘l[;me preposição !mi, preposição l[ Em cima, por cima (Alonso, p.439)
h'yl,êl'[o) subst. comum m. pl. const., sufixo 3ªp. f. sg
Suas crianças
Wxïq.Ti verbo qal impf. 2ªp. m. pl., raiz xq;l' QAL: Colher, tomar, agarrar, pegar, pilhar, receber, cobrar, despojar, roubar, arrancar, levar. (Alonso, p. 346-47) “Vós arrancastes”
yrIßd'h] subst. comum m. sg. const., sufixo 1ªp. c. sg.
minha honra (A, 167)
`~l'(A[l. Prep. l, subst. comum m. sg. abs. Para sempre (A, 483)
v.10 WmWqå verbo qal imp. 2ªp. m. pl., raiz ~Wq QAL: Levantar-se, Por-se em pé
(Alonso, p.575-76) “Levantai” Wkêl.W Conj. w, verbo qal imp. 2ªp. m. pl.,
raiz %l;h' QAL: Ir, caminhar (Alonso, p.176-77) “E ide”
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yKiî conjunção Pois, que, porque (A, 312)
tazOà-al{ Part. negativa, adjetivo f. sg. abs. Este não (A, 189)
hx'_WnM.h; artigo h;, subst. comum f. sg. abs. Descanso, lugar de descanso (Alonso, p.383) “o lugar de descanso”
rWbï[]B; conjunção Porque (A, 189)
ha'²m.j' verbo qal perf. 3ªp. f. sg., raiz amej' QAL: ser/estar/tornar-se impuro, contaminado. (Alonso, p.259) “tornou-se impuro”
lBeÞx;T. verbo piel impf. 2ªp. m. sg., raiz lb;x'
QAL: (1) Atar, vincular; (2) Conceber; (3) Empenhar; (4) danificar PI: (4) Fazer estrago, danificar. (Alonso, p.201) “Tu danificarás”
lb,x,îw> Conj. w, subst comum m. sg. abs. E destruição (A, 202)
`#r'(m.nI verbo niphal part. m. sg. abs., raiz #r;m'
Ser penoso (Alonso, p.404); ser mau, ser doloso (Kirst, p.142) “que será dolosa”
v.11 vyaiú-Wl conjunção, subst. comum m. sg. abs. Se um homem(A, 339)
%lEïho verbo qal part. at. m. sg. abs., raiz %l;h'
QAL: Ir, caminhar (Alonso, p.176-77) “Que caminha”
x;Wr’ subst. comum f. sg. abs. Vento, espírito (Alonso, p.609)
rq,v,äw" conjunção w, subs. Com. m. sg. abs. E mentira (A,692)
bZEëKi verbo piel perf. 3ªp. m. sg., raiz bz:K' QAL part: Mentiroso; PI: Mentir, enganar. (Alonso, p.310) “Mentiu”
@JIåa; verbo hiphil impf. apocopado 1ªp. c. sg., raiz @j;n"
QAL: gotejar, pingar, escorrer. NI: Borbotar, vaticinar, escançar. (Alonso, p.433) HI: Profetizar, pregar (DITAT, p.1355-56) “Eu profetizarei”
^êl. preposição l, sufixo 2ªp. m. sg. Para ti
!yIY:ßl; preposição l, artigo h, subst. comum m. sg. abs.
Para o vinho
rk"+Vel;w> conjunção w, preposição l, artigo h, subst. comum m. sg. abs.
E para bebida forte
hy"ïh'w> conjunção w, verbo qal perf. consec. 3ªp. m. sg., raiz hy"h'
QAL: Ser, estar, existir (Alonso, p. 170) “E ele será”
@yJiÞm; verbo hiphil part. at. m. sg. , raiz @j;n" QAL: gotejar, pingar, escorrer. NI: Borbotar, vaticinar, escançar. (Alonso, p.433) HI: Profetizar, pregar; HI part.: profeta (DITAT, p.1355-56) “profeta”
~['îh' artigo h, subst. comum m. sg. abs. O povo
hZ<)h; artigo h, adjetivo m. sg. abs. A este