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SOUZA, Antonio Carlos Santana de. Explicações causais e finalistas. O estruturalismo
diacrônico em face da mudança linguística. Sentido das interpretações “TELEOLÓGICAS.”
In: Pereira, Danglei de Castro; Rodrigues, Marlon Leal. Língua e Literatura I: questões
teóricas e práticas. São Paulo: Nelpa, 2010. pp. 175-2061.
SUMÁRIO
I - Introdução.
1) Reflexão sobre a história do homem e sua cultura à luz da filosofia de G. Vico.
2) Saussure e a mudança linguística: Incômoda herança para o estruturalismo diacrônico.
II - Os “herdeiros” de Saussure em face da mudança linguística.
1) O círculo de Praga - CLP - Antecedentes Históricos.
2) O estruturalismo e a mudança linguística: os equívocos e os danos do positivismo na
metodologia estruturalista.
3) O duplo equívoco do estruturalismo.
III - Causalismo em face da filosofia de Kant e de Aristóteles.
1) Immanuel Kant: mundo da liberdade X mundo da necessidade.
2) Aristóteles e o conceito de causas.
3) Princípio do “Menor esforço” ou Economia?
4) A negligência do Estruturalismo para com o processo histórico.
IV - A concepção “Teleológica” da mudança linguística.
1) O que é Teleologia?
2) Leis gerais das mudanças linguísticas.
V - Conclusão.
1Baseado principalmente na obra de: COSERIU, Eugênio - Sincronia, diacronia e história: o problema da
mudança linguística; Cap. VI.
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Introdução
1 - Reflexão sobre a história do homem e a sua cultura à luz da filosofia de G. Vico.
Há, pois, uma oposição fundamental, na história do espírito humano, entre o
simbolismo, que apresenta um caráter de descontinuidade, e o conhecimento, marcado pela
continuidade. E que resulta isso? Que as duas categorias, a do significante e a do significado,
se constituíram simultânea e solidariamente como dois blocos complementares; mas que o
conhecimento, o processo intelectual que permite identificar, uns em relação aos outros, certos
aspectos do significante e certos aspectos do significado - e, mesmo, escolher, no conjunto do
significado, as partes que apresentam as melhores relações de conveniência mútua - o
processo só se pôs em marcha muito lentamente
Não obstante o fundamento implícito nesta citação, seja o descompasso
existente entre a percepção do mundo e a sua possibilidade de expressão pelo homem, as
palavras sublinhadas evocam por ocasião de idéias, outras palavras e conceitos pertinentes a
este trabalho, que permitem como recurso didático, pensar-se num hipotético observador
situado num ponto privilegiado do tempo histórico, de onde lhe seja possível a um movimento
da cabeça, examinar os fatos de ambos os lados do seu referencial, comparando-os
criticamente.
É mister que se faça uma enumeração dessas evocações e, evidentemente, a
justificativa indispensável que esclareça o presente recurso didático, antes advertindo que a
seqüência enumerativa não tem necessariamente valor hierarquizante.
1º) A “História do espírito humano”.
Pelo conteúdo semântico remete, por um lado, às atitudes filosóficas típicas
como “o homem é a medida de todas as coisas”, possuídos de espírito, de inteligência e
consciência, o que o faz muito diferente de, por exemplo, de um urso ou de uma pedra. Por
outro lado guiaria o olhar “daquele” observador para o passado. Sabe-se que Levi-Strauss, o
fundador do estruturalismo antropológico, em pleno século XX, fundamentou-se na filosofia
de Giambattista Vico, que em fins do século XVII, numa crítica franca ao pensamento
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cartesiano, apresentara ao mundo uma história dos povos em que se distingue três idades:
divina, heróica e civil, que caracterizam-se por uma evolução gradual dos valores culturais
humanos, do primitivismo animalesco ao racionalismo civilizado; da mímese a
sistematização, conforme quadro a seguir:
IDADE IDADE IDADE
DIVINA HERÓICA CIVIL
NATUREZA crua, ferina: severa, poética racional, inteligente,
gigantes, homens- modesta, benigna
bestas
PSICOLOGIA sentidos memória, fantasia razão
RELIGIÃO selvagem, idolátrica olímpica: deuses, providencial, racional
semideuses, heróis Deus único
COSTUMES temerosos, pios severos, coléricos oficiosos
susceptíveis
DIREITO sagrado cavalheiresco convencionado
REGIME teocrático: aristocrático: popular: republicano
rei-sacerdote senhores feudais e/ou monárquico
JURISPRUDÊNCIA mística: auspícios, aristocrática: legal
oráculos valor dos “auctores”
LINGUAGEM mimética: “por atos e analógica: “universais racional: “universais
gestos”, “quase toda fantásticos”, “tanto lógicos”, “quase toda
muda “pouquíssimo articulada quanto articulada pouquíssimo
articulada muda” muda
ESCRITA hieróglifos sémata de Homero; signos confeccionais:
imrese da Idade Média letras, números
Houve uma idade primordial em que a linguagem era quase muda, gestos e
atos: tempo de deuses ctônicos, de gigantes, de homens-bestas. Dentre aqueles atos e gestos, a
maioria visava à interação social, mas não se tendo ainda formado sequer os universais
fantásticos, representava-se pelo desenho a intenção das mensagens. Assim, a primeira escrita
foi icônica, “ut pictura poësis”, feita de hieróglifos, sagrados grifos.
Vieram depois os tempos heróicos, já não mais imersos na terrível e sacra
naturalidade. Articulam-se as palavras-frases, símbolos das relações entre o homem e o seu
ambiente. Ao mesmo tempo (e Vico destaca a simultaneidade), inventa-se a escrita simbólica,
que não é puramente imitativa, mas já um produto da atribuição comunitária de sentido a
certas formas ligadas por traços de afinidade, a certos significados. É um grau de abstração
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ainda não puramente lógico, mas mediado por “significações análogas”, as únicas que
propiciam o aparecimento das figuras poéticas.
“Por exemplo, a imagem de “três espigas” ou de “três atos de ceifar”,
significava naturalmente: “três anos”. Naturalmente, diz Vico, é força de expressão, pois quer
dizer aqui: natural e socialmente. Do todo de alimentos colhido pela comunidade, escolheu-se
um dado particular (uma espiga) e atribuiu-se à sua imagem, ao traço inscrito, um significado
que se pôde comunicar a todos: o significado de “um ano”. Para afugentar qualquer sombra de
mistério os homens da terceira idade começaram a escrever sob a figura a legenda, a inscrição
que se pretende clara e unívoca: chegou a etapa avançada da abstração, o alfabeto fonético. Os
traços, outrora icônicos, passam a letras. Vico propõe como invenções correlatas, a escrita
alfabética e a fixação de uma nomenclatura da realidade.”
Vê-se que os homens evoluíram da idade do Mito e da poesia, para a idade das
convenções e do pensamento estruturado e isto adquire uma forte coloração ideológica no
discurso do professor Bosi2 que, não cabe no espírito deste trabalho, como se nota a seguir:
“Começa-se a ter consciência da palavra como um 'ente' graficamente isolável. O nome vira
coisa, a voz vira letra.
Foram estes, portanto os cursos ou percursos da escrita:
hieroglífica (mímese, abstração)
analógica (mímese mais abstração)
alfabética ou “convencionada” ou “epistolar” (abstração)
Chegados os ricorsi da história, os homens pobres, que não puderam nos signos
institucionais dos escribas (homens analfabetos), assinalavam seus nomes em cruz, voltando
ao modo de explicar-se da figura. A cruz é a cruz e é a marca do homem dominado”.
2º) “Significado, significante, relação signo/sistema”.
Lévi-Straus era ainda criança quando Ferdinand Saussure faleceu, não sem
antes ter inaugurado a idéia de Língua como sistema, fundando o estruturalismo lingüístico e
2Bosi, Alfredo. “Uma leitura de Vico”; IN: O ser e o tempo da poesia; São Paulo; Cultrix, 1990
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com ele a Linguística moderna, que o lingüista genebrino queria fosse parte integrante de uma
ciência mais ampla - a Semiologia.
Quando faleceu, em 1913, Saussure deixou nas mãos de algum de seus
discípulos - entre eles Charles Bally e A. Sechelaye - além das idéias do Curso de Linguística
Geral, publicado em 1916, a difícil missão de desenvolver e aperfeiçoar algo que só fora
esboçado.
3º) “Escolher” - Ainda que possa evocar a idéia saussuriana de “arbitrariedade do signo”,
preferimos pensar aqui numa componente vital na relação homem/cultura: a liberdade.
Esta é uma unanimidade no discurso filosófico de todos os tempos,
evidentemente com gradações ideológicas diversas.
4º) “Simbolismo” - Mitos são símbolos, signos confundem-se com símbolos. A palavra aqui
efetua uma ponte entre valores do pensamento mítico e os valores do pensamento
convencionado.
5º) Finalmente, Tempo e Mutação que apesar de não estarem grafadas na citação, emergem do
texto com vigor expressivo em “história do espírito humano” e “o processo só se põe em
marcha muito lentamente”.
É supérfluo dizer que o tempo tudo muda, ou que tudo muda o tempo. Está na
literatura, está na música, de todos os autores, de todos os tempos.
A despeito do caráter formal que se espera de um trabalho de cunho científico
como o nosso, não se pode prescindir de beleza poética do mais eficiente orador do período
barroco luso-brasileiro, acerca da ação do tempo:
Sermão do Mandato3
O primeiro remédio que dizíamos, é o tempo. Tudo gasta, tudo digere, tudo acaba.
Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a coração de cera? São as afeições com
3Vieira, Padre Antonio. Vieira: Sermões. Rio de Janeiro; Agir, 1975. pp. 53
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as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São
como as linhas, que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas,
tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há
amor tão robusto que a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o
desarma o tempo. Afrouxa-se o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já
não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e
foge. A razão natural de toda esta diferença é porque o tempo tira a novidade às cousas,
descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as
mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não
amar, e o ter amado muito, de amar menos.
Apesar de não falar da língua, o Padre Antônio Vieira, certamente sabia que a
língua deve mudar para não morrer. Apenas estava a exemplo dos filósofos gregos mais
preocupados com a forma, que com o conteúdo estético.
É só a partir do século XIX que se adquire consciência de que a mutabilidade
das línguas é fenômeno universal que se processa de modo contínuo e com regularidade.
Mas, e a linguística, ou mais precisamente, a ciência fundada por Saussure,
como se ouve em face do problema da mudança linguística?
2 - Saussure e a mudança linguística: incômoda herança para o estruturalismo diacrônico.
Quando Saussure começava a sua vida científica, travava-se nos meios
acadêmicos da Europa intensa batalha entre as teses cientificistas de Schleicher e dos Neo-
gramáticos e as teorias que se podem classificar em oposição, como idealistas, de Schuchardt,
Gillierón e Karl Vossler, posteriormente.
Saussure, cujo grande mérito foi sistematizar a língua, reconhecendo as
relações língua/pensamento, e estabelecendo diferença entre língua e fala (langue/ parole), tem
todavia na questão da língua com o tempo o item mais polêmico de sua teoria.
Com efeito, apesar de reconhecer que “é na fala que se acha o germe de todas
as modificações”, Saussure não a considera nos estudos da língua, porquanto acha que a fala
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enquanto manifestação individual e responsável por inovações só deve ser observada quando,
na forma de uma inovação, é adotada pela comunidade.
Esta atitude é representada esquematicamente assim:
língua sincronia
Linguagem
fala diacronia
Mas é na relação sincronia/diacronia que se estabelece a polêmica.
Saussure cria uma das ciências dos “estados” da língua ou linguística estática,
em oposição a uma linguística evolutiva, também designados respectivamente Sincronia e
Diacronia.
A grande crítica a concepção saussuriana, é no que se concerne a dicotomia
entre sincronia e diacronia, na noção atômica de “estados” de língua e analogicamente a sua
concepção dicotomizada de sistema como algo imutável.
Os “Herdeiros” de Saussure em face da mudança Linguística
1 - O Círculo Lingüístico de Praga/CLP - Antecedentes Históricos
Referir-se ao estruturalismo não significa falar somente no Círculo Lingüístico
de Praga, por quanto houve uma outra corrente estruturalista importante na Europa, cujo
integrante mais notável; foi o dinamarquês Luis Hjelmslev - a Glossemática que interpretava
as línguas como objetos matemáticos.
Este trabalho limita-se à atuação do CLP, por ser realmente uma das mais
importantes, senão a mais importante agremiação de estudiosos da Língua, no século atual.
O CLP, nasceu em 06 de Outubro de 1926, tendo como fundadores três
lingüístas russos: Roman Jakobson, Nicolai Trubetzkoy e Serge Karcevsky(aluno de
Saussure), com o apoio do tcheco Vilém Mathesius, sem o qual não teria sido possível o
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destaque alcançado pela Escola. Graças à sua capacidade organizadora o CLP pode constituir-
se num amplo foro de debates por onde passaram os mais importantes estudiosos da época:
Mukarovsky, W. Doroszewsky L. Tesniere, L. Brun, A. Martinet, E. Benveniste, K. Bühler, e
outros.
Pode-se dizer que o CLP nasceu sob o signo da Fonologia. Efetivamente foi
este o enfoque fundamental de seus trabalhos desde o primeiro congresso internacional de
Haia, em 1928.
Não obstante, a formação intelectual dos membros eram várias. Karcevsky fora
discípulo de Saussure, N. Trubetzkoy era etmógrafo, lingüísta e filósofo com uma história de
intensa luta político-ideológica na Universidade de Moscou, após um estágio em Leipzig onde
predominava o pensamento neogramático.
E Roman Jakobson? Foi sem dúvida o mais importante lingüísta da Escola,
não só pela sua cultura, mas também pela intensa atividade científica que desenvolveu pelo
mundo. Se para muitos N. Trubetzkoy foi o mais importante, o mais sábio estudioso do
círculo, é R. Jakobson quem lhe arrebata o título, visto que com a morte daquele em 1938, a
eclosão da guerra, e a conseqüente fuga de Jakobson, este inicia a sua peregrinação que
culminou nos Estados Unidos da América nos anos 40.
R. Jakobson, que tinha formação poética e fora responsável pela criação do
Círculo Lingüístico de Moscou em 1915, teve ao longo de sua produtiva carreira,
oportunidade de rever muitos pontos obscuros de suas teorias dos anos 20.
2 - O estruturalismo e a mudança linguística - os equívocos e os danos do positivismo na
metodologia estruturalista.
Conhecendo-se a história do CLP, a competência do seus integrantes, estranha-
se que alguém possa por em dúvida a sua competência para enfrentar a questão da mudança
linguística. No entanto é o que faz A. Pagliaro - Segundo E. Coseriu, “um dos mais argutos e
profundos lingüístas de nossa época, que une a uma vastíssima erudição uma fundamentação
filosófica absolutamente fora de comum e uma acertada compreensão crítica do valor dos
enfoques mais diversos”.
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Coseriu lembra que o propósito de dedicar-se ao estudo diacrônico foi o tema
dos membros do Círculo já no Congresso de 1928 em Haia. Vaiação, portanto, não lhe falta.
Devemos ressaltar que os lingüístas de Praga ao longo dos doze anos que
durou o CLP, adotaram a doutrina saussuriana mais como um instrumento que lhes permitisse
combater os dogmas dos neogramáticos, do que como objeto propriamente exclusivo do seu
mais profundo interesse. As três primeiras teses do conjunto de nove desenvolvidas pelo
grupo manifestam este intuito.
Contra o neogramáticos, que para muitos teve a sua importância, pesa o
espírito cientificista vigente à época. O enorme avanço das ciências naturais e das ciências
sociais(sociologia e psicologia) aliadas as teorias deterministas de Hipolyte Taine e ao
positivismo de August Comte, impregnavam toda a área do conhecimento científico.
Serafim da Silva Neto4 fala da “perniciosa influência do prestigio das ciências
naturais” que concebia a língua como um vegetal, ou um animal, um organismo que nascia,
crescia e morria. Acentua, ainda a “febre” de reconstrução teóricas de antigas fases
linguísticas nos moldes do que fez Franz Bopp com o indo-europeu:
“(...) Esta última tendência - que lembrava a facilidade com que Darwin,
Haeckel, Cuvier e outros, recompunham animais pré-históricos - teve como mais alto
representante Schleicher. Este sábio alemão (que chegara a estudar Botânica), levou tão a
sério a reconstrução, que escreveu uma fábula em indo-europeu! Chamava-se Avis Akvasaka,
a ovelha e os cavalos. A tanto chega a ingenuidade dos sábios! (...)
A situação agravou-se ainda mais com o advento no último quartel do século
XIX, da escola chamada dos gramáticos a qual exagerava tanto o cientificismo que quase se
transformava em matemática o estudo das línguas. Postulam-se leis fonéticas que se julgam
tão rigorosas como as leis físicas e químicas. Osthof chegou mesmo a dizer numa frase que se
tornou célebre, que as leis fonéticas agem cegamente, com cega necessidade”.
Avalia-se, portanto, o quanto era difícil fazer uma ciência isenta naquele
ambiente, ainda mais se considerarmos que afastar-se ao extremo seria cair na ideologia
4Neto, Serafim da Silva. “A renovação da filollogia Românica no Sec. XX”; IN: Língua, Cultura e Civilização;
Rio de Janeiro; Acadêmica, 1960.
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idealista, por muitos aspectos incoerentes, mormente a noção de estrutura e sistema que os
idealistas não adotavam. Estas concepções positivistas foram grande entrave no
desenvolvimento das teorias estruturalistas.
Efetivamente, persistiu entre os estruturalistas, como efeito residual da
concepção historicista, uma terminologia confusa e equivocada. Os estruturalistas diacrônicos
como se não soubessem que as mudanças linguísticas só podem ser entendidas em termos
funcionais e culturais, insistiam em identificar o conceito de “causa” com o de “condição” da
mudança e o de tendência para o “equilíbrio dos sistemas”.
Assim, expressões como “causa eficiente”, “causa final”, “fatores internos” e
“fatores externos”, são usados no sistema historicista. Traduzem a idéia de sistema autóctone,
imutável, em luta contra agentes externos. Mesmo um lingüísta como A. Martinet, segundo
Coseriu - “Bastante cauteloso nas suas expressões, pensa que o estruturalismo encontrou pelo
menos alguma das causas da mudança fônica”.
3- O Duplo Equívoco do Estruturalismo
Dois equívocos típicos das atitudes causalistas complicaram o trabalho do
estruturalismo diacrônico:
1) O não discernimento entre os três níveis do problema da mudança, a saber: universal,
genérico e histórico.
2)A “Teimosia” em se buscar causas de um fenômeno que nem sequer admite essa
causalidade.
E. Coseriu adverte para o fato de que essa obsessão causalista, confunde-se
facilmente com os princípios físicos válidos para as ciências naturais, mas que, entretanto, não
servem para as ciências do homem. Querer assimilar o caráter de exatidão das ciências ditas
exatas, às ciências do homem, é pretender torná-las com isto, falsas ciências.
Distingue-se ainda com certa dose de humor, o que ele chama as “três atitudes
causalistas típicas”:
a) “Corajosa” - pretende já ter encontrado as causas externas das mudanças linguísticas, ou
eventualmente, a sua causa principal ou única.
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b) “Prudente” - 'admite que as causas das mudanças são desconhecidas ou são desconhecidas
por enquanto.
c) “Conciliadora” - afirma que algumas das causas da mudança linguística não são conhecidas
e outras são desconhecidas e outras são desconhecidas por enquanto, mas poderão
eventualmente ser descobertas mediante posteriores investigações (...).
Como se depreende da explanação de E. Coseriu, nenhuma das três atitudes
consegue êxito na procura dessas causas porque elas simplesmente não existem.
Para fundamentar e esclarecer estas incongruências, E. Coseriu volta-se para a
filosofia de Kant e de Aristóteles.
O Causalismo em Face da Filosofia de Kant e de Aristóteles
1 - Immanuel Kant: Mundo da Liberdade X Mundo da Necessidade
Como já mencionamos anteriormente, a liberdade é uma unanimidade
filosófica. Todavia, no que concerne ao homem e sua cultura, ninguém supera a escola
idealista alemã. Mesmo num confronto com os sábios gregos a despeito destes serem fontes
de inspiração, os filósofos alemães têm a seu favor a circunstância preciosa de serem
monoteístas, cristãos, portanto, muito mais comprometidos com as questões do homem de
hoje.
A “Building” alemã ainda que inspirada no francês J. J. Rousseau é
considerada como o renascimento filosófico, uma revolução que vai de Kant a Hegel o
idealismo alemão.
É precisamente Kant5 para quem a lei moral supõe a liberdade, a imortalidade
e a existência de Deus, quem fornece na dicotomia liberdade/necessidade, subsídios para se
superar a fundamentação causalista:
“O juízo de gosto distingui-se do juízo lógico no fato de que o último subsume
uma representação a conceitos do objeto, enquanto o primeiro não subsume absolutamente a
5Kant, Immanuel. “Crítica da faculdade do juízo estético”; IN: Crítica da faculdade do juízo; Rio de Janeiro/São
Paulo; Forense, 1993
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um conceito, porque do contrário a necessária aprovação universal poderia ser imposta através
de provas. Não obstante, ele é semelhante ao juízo lógico no fato de que ele afirma uma
universalidade e necessidade... Mas não seguindo conceitos do objeto, conseqüentemente
apenas subjetiva (...) a condição subjetiva de todos os juízos é a própria faculdade de julgar ou
a faculdade do juízo utilizada com respeito a uma representação pela qual um objeto é dado
esta faculdade requer a concordância de duas faculdades de representação, a saber da
faculdade da imaginação (...) e do entendimento (...) Ora, visto que aqui não se encontra
nenhum conceito de objeto como fundamento do juízo, assim ele somente pode consistir na
subsunção da própria faculdade da imaginação (...) a condição de que o entendimento em
geral chegue da intuição a conceitos. Isto é, visto que a liberdade da faculdade da imaginação
(...) a condição de que o entendimento em geral chegue da intenção a conceitos. Isto é, visto
que a liberdade da faculdade da imaginação consiste no fato de esta esquematiza sem
conceitos, assim o juízo do gosto tem que assentar sobre uma simples sensação das faculdades
reciprocamente vivicantes da imaginação em sua conformidade a leis, portanto sobre um
sentimento que permite ajuizar o objeto segundo a conformidade final da representação(pela
qual um objeto é dado), à promoção da faculdade de conhecimento em seu livre jogo; e o
gosto enquanto faculdade de juízo subjetiva contém um princípio da subsunção, mas não das
intuições ou apresentações (isto é, da faculdade da imaginação) sob a faculdade dos conceitos
(isto é, entendimento), na medida em que a primeira em sua liberdade concorda com a
segunda em sua conformidade a leis (...).
(...) O mesmo precisa ser dito do sublime e belo na figura humana, onde não
temos de recorrer a conceitos de fins, enquanto fundamentos determinantes do juízo e em
vista dos quais todos os seus membros existem, nem deixar a concordância com eles influir
sobre o nosso (então não mais puro) juízo estético, embora o fato de que não os contradigam
certamente seja uma condição necessária também da complacência estética. A conformidade a
fins estética e a conformidade a leis da faculdade do juízo em sua liberdade. A complacência
no objeto depende da relação na qual queremos colocar a faculdade da imaginação, desde que
ela entretenha por si própria o ânimo em livre ocupação. Se contrariamente alguma outra
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coisa, seja ela sensação sensorial, ou conceito do entendimento determina o juízo, então ela na
verdade é conforme a leis mas não o juízo de uma livre faculdade do juízo. (...)”
Coseriu ressalta, então, que as atitudes causalistas e as confusões que elas
implicam é mister opor a distinção Kantiana entre “Mundo da Necessidade”, ou seja a
necessidade que os falantes têm de inserir novos elementos na língua que facilitem a
expressão de seus pensamentos e, “Mundo da Liberdade”, que diz respeito ao grau de
liberdade de que os indivíduos dispõem para introduzirem estes elementos e modificar a
língua.
Assim, uma concepção realmente positiva sobre a linguagem, deve observar e
jamais esquecer que a linguagem pertence ao domínio da liberdade e da finalidade e que por
isso os fatos lingüísticos não podem ser interpretados e explicados em termos causais.
É vital distinguir-se entre os fatos naturais e fatos culturais e entre as ciências
físicas e as ciências humanas. Isto porque aos fenômenos culturais corresponde buscar uma
necessidade interior ou finalidade, enquanto que os fenômenos da natureza corresponde
buscar uma necessidade exterior ou causalidade.
Esta diferença é de tal maneira nítida que, CH. C. Fries - um bloomfieldiano
convicto - afirma que “não se pode admitir que a ciência linguística esteja completa enquanto
os lingüístas não reconhecerem a diferença entre a sua ciência e as ciência naturais”. Fries
sublinha que estudar os fatos físicos da linguagem, não é estudar a linguagem. Isso só seria
possível dentro de uma comunidade linguística, observando-se os fatos da linguagem, porque
não existe linguagem que não seja a de um falante em ato de expressão; portanto, é preciso
entender a humanidade de linguagem. Ele atribuiu ainda a dinâmica das línguas ao esforço
inteligente de analisar a experiência:
“O reconhecimento de novas relações, novas semelhanças, novas diferenças,
estão continuamente se registrando em desvios do uso da linguagem”.
Para Coseriu, não há nenhuma razão para que se considere objetivo
(intersubjetivo) apenas o que é sensível, porque a sensação é puramente subjetiva e o sensível
não se realiza senão como sentido por alguém, assim como que é pensado se realiza como
pensado por alguém, o pensado é tão comunicável quanto o que é sentido.
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Se “o falar” é uma atividade livre e finalista não sujeita a causas externas ou
naturais, então igualmente livre e imune a estas causas é a mudança que outra coisa não é que
o próprio “fazimento” da língua através do falar.
2 - Aristóteles e o Conceito de Causas
O conceito geral de causa - tudo aquilo pelo qual alguma coisa é produzida
(chega a ser), é modificada ou é anulada (deixa de ser) - é expandido pelo grande filósofo
grego Aristóteles em quatro definições:
A - Aquilo que faz ou produz algo (motor próximo ou causa eficiente);
B - Aquilo com o qual se faz alguma coisa (matéria ou causa material);
C - A idéia daquilo que se faz (essência ou causa formal);
D - Aquilo em vista do qual se faz alguma coisa (causa final).
Assim, a finalidade (causa final) é uma causa que só pode ocorrer se o motor
próximo (o agente falante) é um ente dotado de liberdade e intencionalidade. Neste sentido,
não há nada contraditório em se afirmar que a mudança linguística tem causas, considerando-
se as quatro motivações aristotélicas: o fato lingüístico novo é feito por alguém (causa
eficiente), com alguma coisa (causa material) com a idéia do que faz (causa formal) e é feito
para alguma coisa (causa final).
As mudanças linguísticas costumam ocorrer em certas condições, mas não
ocorrem por elas. Os fatos lingüísticos existem porque os falantes criam para alguma coisa e
não são nem produtos duma necessidade física exterior aos próprios falantes, nem
“consequências necessárias e iniludidas dum estado de língua anterior”.
De acordo com o que foi afirmado depreende-se que é do homem, do
individual, que nascem os elementos da língua e assim a língua é que é a consequência da fala
e não o contrário.
Mattoso Câmara, observa em Princípios de Linguística Geral:
“Há paralelamente no discurso (isto é, no uso individual de uma língua para
fins de expressão) uma criação individual assente nos elementos de linguagem não
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reconhecidos e sistematizados pela tradição da língua, qual em português, num exemplo entre
cem, o alongamento, das vogais ou consoantes para efeito de ênfase”.
Portanto, a fala não é mera combinação de elementos pré-existentes, como
teorizava Saussure, e seus seguidores, mas fator primordial de renovação da língua, visto que
estes elementos não reconhecidos pela tradição constituem-se em agentes de autêntica criação.
A língua - o sistema adquirido de sinais é simultaneamente condição e
impedimento para a expressão do homem pela palavra. Se é verdade que o homem não
consegue fazer-se entender convenientemente senão utilizando-se da convenção linguística do
grupo de que faz parte, não é menos verdade que limitando-se a isso, exprimirá apenas os
conceitos que encontrou no meio social em que vive e jamais idéias e sentimentos brotados da
sua própria psique”.
Princípio do “Menor Esforço” ou Economia?
A. Martinet, afirma que o que se chama de harmonia dos sistemas fonológicos
não é outra coisa senão uma estabilidade conseguida por meio da utilização mais econômica
dos tipos articulatórios pertinentes, o que Saussure pensando no esforço articulatório,
chamava de “Lei do Menor Esforço”, admitindo que ela poderia elucidar a causa da mudança
linguística.
Essa idéia é falsa na medida que caracterizava o falante como um preguiçoso.
Na verdade, o falante armado de sua inteligência criadora faz todos os esforços necessários
para alcançar a sua finalidade expressiva e comunicativa enquanto o ouvinte aprende a língua
de que necessita. E isto é uma economia instrumental, o que não significa, necessariamente,
muitas vezes optar pelo mais cômodo, ou prático.
Coseriu atribui a F. Scerbó a primazia no interpretar acertadamente a questão
da economia como um princípio da inteligência prática, não obstante em si a linguagem não
tenha finalidade prática cognoscitiva (significativa), sendo segundo a definição aristotélica,
“logos semântico”.
Tampouco, tem necessariamente finalidade prática o falar mesmo que possa tê-
la, dado que conforme o caso pode ser logos apofônico, fantástico ou pragmático. Mas a
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utilização de uma “língua” (saber lingüístico) é um ato de índole prática, como o é a utilização
de qualquer técnica. Também tem caráter prático a “criação” de um modo de língua em vista
de futuros atos expressivos, isto é, a adoção de uma criação propriamente dita.
Deste ponto de vista reconhece-se que em relação a mudança, a liberdade
linguística utiliza eficientemente a língua e mantém a sua eficiência, podendo, portanto:
1) criar um modo novo dentro do que é permitido pelo sistema, como por exemplo as palatais
latino-vulgares;
2) abandonar aquilo que se revela praticamente inútil do ponto de vista funcional, como é o
caso do ensurdecimento do z, em espanhol;
3) reforçar aquilo que é funcionalmente necessário como s > x, em espanhol.
O princípio do menor esforço entendido como princípio de economia
instrumental, é no fundo um princípio finalista. Entretanto, dadas as suas conotações
mecanicistas convém substituí-lo por um princípio geral da necessidade expressiva. É
inegável que a lei do menor esforço induzirá a maioria a aceitar os moldes já prontos e a
repetir, com certa vivacidade, às vezes, juízos transmitidos pelas gerações passadas. Na
língua, o que é distintivo deve distinguir, o que significativo deve ser distinguido e deve
significar. Se um outro não cumpre o seu papel, deve ser modificado ou substituído. Por isso
mesmo o espírito original tem que enfrentar e vencer o material já gasto, por muito usado, ora
valorizando termos foscos, ora realizando por meio de combinacões imprevistas e audaciosas,
a aproximação do conceito até então tidos como incomunicáveis.
Portanto, a mudança linguística tem uma causa eficiente que é a liberdade
linguística e uma razão universal que é o final da idade expressiva dos falantes. No plano
histórico, trata-se de uma finalidade determinada que atua em circunstâncias históricas
determinadas.
O homem é a causa, o artífice do discurso e este um ato fruto da atividade
consciente de ser espiritual e não um fenômeno limitado pelas fronteiras do mundo natural. A
história da língua, a língua como evolução, a língua-organismo, elaborações da mente humana
não podem ser consideradas organismos a maneira de animais, como fizeram os nossos
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antepassados quanto ver nelas apenas um fato social, porque assim agindo se estará como que,
metaforicamente, representando um drama sem atores.
É claro que, lembrando que se deve distinguir na ciência da linguagem dois
aspectos - o evolutivo e o criador - se aceite com os devidos cuidados que o cientista ávido de
aplicar nas evoluções linguísticas a concepção mecanicista e com isso nelas impingir uma
“dose de lógica”, realize seu intento no estudo dos fatos recuados no tempo que se podem
entrelaçar por nexos obrigatórios de causas e efeito. Segundo Coseriu, o lingüísta diante
desses fatos que foram atos, mas os quais por abstração subtraiu a causa eficiente - o homem -
pode correlaciona-los, uns com os outros. E dirá, por exemplo, que um p intervocálico se
abrandou em b na passagem do latim para o português, muito embora se saiba que foi o
sujeito falante a causa eficiente de tal transformação. Na linguagem como criação tem-se ao
invés de algo que se passível de explicação esta será em função do ente que gerou e não de
antecedentes cronológicos filtrados pela ótica reducionista de alguns lingüístas.
Para estudá-lo não se recorre a estrutura social e sim a riqueza psicológica do
ser humano. A questão elucidadora que se coloca, é ao invés de “por que” causal, o “para que”
finalista: com que finalidade o falante dispondo de determinado sistema e estando em tais e
quais circunstâncias históricas mudaria A em B, abandonaria o elemento C, criaria o elemento
D, etc... .
Assim se deve fazer e assim foi feito, sempre que se colocou o problema de
uma mudança particular, no essencial acertadamente.
Claro está, com isto, que a finalidade enquanto “causalidade” subjetiva, não
pode ser conhecida ou reconhecida senão subjetivamente, mediante a uma experiência prévia,
por não se tratar de um fato exteriormente comprovável. Deve-se colocar, portanto, o
problema em cada caso particular, não em termos de “porque ocorreu tal mudança”, mas “para
que ela ocorreu?”. Isto porque as novas exigências expressivas fazem necessária a mudança,
mas o princípio determinante, a razão da mudança é sempre a finalidade e não o estado de
coisas com que ela se defronta.
A Negligência do Estruturalismo para com o Processo Histórico
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Se por um lado o estruturalismo teve a grande virtude de demonstrar que as
mudanças são condicionadas pelo sistema funcional da língua e a interdependência dinâmica
entre os níveis fonético, mórfico e sintático, mostrou-se em parte o processo de criação da
língua, de outro perdeu a chance de desfazer os equívocos que já foram mencionados
exatamente por insistir nos mesmos erros:
1) Confundir o problema geral das mudanças e o problema racional das mutabilidade
linguística, isto é, não discernir entre genérico e universal;
2) Cometer um erro metodológico ao supor que as mudanças linguísticas ocorrem de maneira
necessária. A fonologia restringiu-se ao campo das condições para a mudança da língua,
ignorando as manifestações da liberdade linguística do falante: em outras palavras, inverteu a
ordem dos fatos entre plano da liberdade e o plano da necessidade.
Com esta inversão, volta-se àquele determinismo do sistema autoctone que
contém em si todas as “causas necessárias” para o seu desenvolvimento harmônico sujeito a
apenas as “ameaças” exteriores, correndo-se o risco de se incorrer no que Coseriu chama de
miragens e exemplifica citando a discussão metodológica entre A. Martinet e Rui Menéndez
Pidal: Martinet pretendeu explicar funcionalmente o fenômeno da distribuição de l e λ nos
dialetos hispânicos ao que Menéndez mostra que aquele era um fenômeno que remontava ao
“lambdacismo” dialetal, portanto já existente há muito tempo.
Na discussão que se seguiu, Pidal repelindo o “axioma estruturalista”, segundo
o qual toda mudança deveria ser explicada, primeiro “internamente”, propõe que o primeiro se
procure a explicação histórica e só depois se apele para as razões estruturais.
Eugênio Coseriu não concorda com esta última observação, ponderando que o
axioma estruturalista deveria ser simplesmente repelido, visto que em um sentido e em outro,
implica uma oposição absurda entre tradição e sistema. “A língua não é primeiro sistema e
depois tradição ou vice-versa, mas é, ao mesmo tempo, e a todo instante tradição sistemática
ou sistema tradicional. E na medida que se desconhecendo um fenômeno da língua
desconhece-se não só um fato histórico rico, mas também um fato sistemático, parte-se de um
sistema hipotético, e não dum sistema historicamente real, cujas modificações se deseja
explicar.”
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Mas o grande embaraço para o estruturalismo, foi o processo histórico da
mudança, por dois fatores:
1) Considerar só a materialidade dos fatos lingüísticos, esquecendo-se dos falantes que na
verdade são os atores do processo;
2) considerar a mudança apenas esquematicamente entre dois sistemas definidos, identifica a
mudança (difusão de uma inovação), com a mutação (substituição de uma estrutura por outra),
negligenciando todo o processo intermediário ou que convivem as duas estruturas, a velha e a
nova.
É como se um pai visse o filho logo ao nascer e só voltasse a vê-lo depois de
vinte anos. Seriam estranhos. Assim, se pode, portanto, traduzir a relação de estruturalismo
com o processo histórico da mudança linguística.
A Concepção Teleológica da Mudança Linguística
1 - O que é Teleologia?
A concepção teleológica considerada a mais radical tentativa de superar na
própria visão da língua a antinomia saussuriana (diacronia/sincronia), causou certo incômodo
pela imprecisão terminológica que portava o que traduzindo as declarações de N. Trubetzkoy
e R. Jacobson, tornou-se no pensar de E. Coseriu, realmente ambíguo. Já em 1928, em Haya,
afirmavam os estruturalistas em vez do problema tradicional das causas “deve-se colocar o
problema da finalidade das mudanças fônicas”
E contra a tese saussuriana de que a língua não premedita nada, afirmou-se que
pelo menos certas mudanças linguísticas tem a intenção de exercer uma ação sobre o sistema.
Sustentava-se ainda que para superar as posições dos neogramáticos, era necessário abandonar
o mecanicismo e interpretar o conceito da lei fonética, teleologicamente.
Depois se expressou Trubetzkoy, dizendo que a evolução do sistema
fonológico está governada em qualquer momento dada pela tendência para um fim. Se não se
admite a existência desse elemento teleológico, torna-se impossível explicar a evolução
fonológica.
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As divergências surgiram dentro do próprio estruturalismo com Martinet que
afirmava o pensamento saussuriano de que “a língua não premedita nada”. Para Coseriu a
concepção teleológica no sentido de finalidade (própria de todo ato individual de adoção de
um modo lingüístico) é perfeitamente aceitável. O problema é que não parece ser este o
sentido atribuído pelos lingüístas de Praga. Ora soa como finalidade, ora como tendência, ora
como intenção.
Teleologia: conjunto das especulações que se aplicam a noção de finalidade e causas finais6.
A outra idéia fala na intenção que as mudanças exerceriam sobre o sistema. Admitindo-se que
esta seja uma metáfora para designar os falantes, ainda assim não se pode comprovar
objetivamente esse fato.
Os falantes não exercem pressão sobre o sistema, apenas modificam-na de
acordo com suas necessidades expressivas. Cabe aqui definir sistema como:
a) Sistema Interior - conjunto de possibilidades linguísticas, de modos técnicos, de que dispõe
cada falante
b) Sistema Exterior - a língua dos demais
A mudança natural é o resultado de muitos atos de adoção que se realizam no
mesmo sentido, e não um propósito de atuar sobre a língua.
Coseriu constata agora que, considerar teleologia como tendência para a
harmonia dos sistemas é péssimo, pois voltar-se-ia com isto a concepção do sistema
intrinsecamente estático, confirmado neste caso ao invés de superar a antinomia saussuriana
(diacronia/sincronia).
Para Trubetzkoy, a noção de tendência das línguas é igualmente teleológica.
Nesse caso, raciocina Coseriu: “Se essa finalidade objetiva fosse um fato real, ela implicaria
efetivamente a superação(para o futuro) da antinomia sincronia/diacronia, pois em todo
momento a língua 'tenderia a ser' outra coisa diferente do que é. Essa finalidade não existe. A
língua como fato objetivo, como técnica histórica do falar não tende e não pode tender a
nada.”
6Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse; Rio de Janeiro; Ed. Lasrousse do Brasil, 1979
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Immanuel Kant, afirma que o juízo teleológico em sua forma legítima só se
refere a natureza. E um recurso do homem na sua necessidade de refletir, de supor uma ordem
em face do desconhecido. No mundo cultural isso não faz sentido. O homem não necessita
supor uma misteriosa e indemonstrável finalidade objetiva exterior naquilo que ele mesmo faz
livremente.
E assim Coseriu chega a conclusão de que essa finalidade objetiva e a noção
de tendência da língua, é essencialmente teleológica, mas por isso mesmo também causal e
anti-finalista; não supera o mecanicismo causalista e sim o supera quando:
a) a causalidade exterior é substituída por uma finalidade também exterior;
b) se são atribuídas tendências às línguas.
No fundo, apesar da terminologia renovada, é um modo novo de se apresentar
a velha concepção das línguas como organismos naturais.
As afirmações teleológicas só tem validade objetiva quando expressam o que é
universal e o que é genérico acerca de um objeto:
a) no âmbito universal quando se afirma uma característica essencial da língua;
b) no que é genérico expressam possibilidades;
c) no plano particular, apenas comprovam algo que já ocorre no momento.
Objetivamente tem o valor de comprovação e não de previsão.
Por isso, conclui Coseriu, as afirmações teleológicas que se referem a história
particular de uma língua são meras comprovações. Se pretendem ser explicações não passarão
de tautologias ou carecerão de sentido.
2- Leis Gerais das Mudanças Linguísticas
Um problema estreitamente vinculado a tecnologia, é o problema das leis
gerais das mudanças linguísticas. Os estudiosos que tentaram estabelecer estas leis se
queixaram da sua deficiência, como Meillet: “(...) As leis pois, existem e a sua busca deve
continuar. Mas elas apresentam o defeito de não serem leis de necessidades.” Coseriu adverte
Meillet e ele percebe o tipo de leis que tem a mão. Apenas deveria saber que é necessário
informar-se, pois que não se trata de deficiência, mas sim de índole.
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As leis genéricas das mudanças linguísticas são necessariamente leis de
possibilidades. Este é o seu aspecto de necessidade, pois é algo que depende uma lei
realmente necessária: a lei da liberdade de linguagem. Elas não explicam as mudanças, são
leis de “como” e não “porque” as mudanças linguísticas não tem causas no sentido naturalista.
As únicas leis necessárias no caso da linguagem, são àquelas que enunciam
uma necessidade racional:
- Toda língua falada muda;
- Toda mudança é difusão de uma inovação;
- Toda adoção linguística é um ato finalista;
- Toda língua apresenta uma estrutura fônica e gramatical, etc... .
Para Coseriu, o que se deve estudar no plano empírico - importância das
condições da mudança - é precisamente:
a) Como costuma atuar a liberdade linguística em determinadas condições;
b) Quais são os modos e as normas desse fazer humano que é a linguagem.
Ninguém sabe exatamente como mudam as línguas e isso em grande parte
porque muito frequentemente a atenção se concentrou no falso problema do porquê.
Finalizando, Coseriu adverte sobre a miragem da identificação entre saber e
prever, outra herança do positivismo comtiano. As própria ciências físicas, diz ele, não
prevêem o particular, mas estabelecem leis gerais de necessidade empírica. Assim, o caráter
de necessidade das leis físicas permite a tarefa prática de “prever”, isto é, aplicar o que é geral
ao que é particular. Mas nenhuma ciência permite deduzir do genérico o que é próprio dos
indivíduos. Muito menos, nas ciências do homem, onde a ocorrência depende da liberdade.
No índice de conhecimento lingüístico, inadequação não é a impossibilidade,
mas a aspiração de superar a linguagem. Essa impossibilidade não é empírica, é contingente,
mas racional e, portanto, insuperável. Ela não se deve a nenhuma “imperfeição” da linguística,
mas a própria natureza do objeto investigado.
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Conclusão
É inegável que os desacertos do estruturalismo diacrônico devem-se,
principalmente, as influências ao meio científico no qual floresceu extremamente desfavorável
para as ciências do homem. Entretanto, as suas formulações no que representaram de acertos e
o mesmo de equívocos, certamente foi uma contribuição fundamental para a ciência da
linguagem.