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11º Encontro Nacional de Saneamento Básico Faro, 12 a 15 de Outubro de 2004 1 INFLUÊNCIA DAS CONDIÇÕES DE AREJAMENTO NA VARIAÇÃO DO ESTADO QUASE ESTACIONÁRIO E NA EVOLUÇÃO DA PERDA DE CARGA NUM BIOFILTRO António ALBUQUERQUE (1) ; Márcia GARCIA (2) ; Fernando SANTANA (3) RESUMO O crescimento excessivo de biomassa e a acumulação de matéria sólida em suspensão, eventualmente associados à presença de bolhas de ar e de material de enchimento desfragmentado, podem potenciar a formação de zonas mal irrigadas e de volumes mortos que constituem pontos de resistência ao escoamento em biofiltros. Estas zonas contribuem para a colmatação progressiva do leito e para o aumento da perda de carga do escoamento, podendo daí resultar a diminuição da eficiência da remoção de substratos. Utilizando um biofiltro vertical de fluxo descendente, realizaram-se dois ensaios experimentais, à velocidade média de escoamento de 0,39 m h -1 , para as cargas orgânicas volúmicas médias de 51,2 g C m 3 h -1 , com o leito não arejado (ensaio E1), e de 51,4 g C m 3 h -1 , com o leito parcialmente arejado (ensaio E2), com a duração de 16,0 e 8,0 dias respectivamente. Os resultados permitiram observar que a perda de carga ocorreu, principalmente, no troço entre o topo do leito (TL) e a toma P2, onde se observou maior concentração de biomassa e mais elevado crescimento de biofilme, tendo o valor máximo (50,0 cm c.a.) sido atingido ao fim de 16,0 dias, no ensaio E1, e 8,0 dias, no ensaio E2. As condições quase estacionárias, definidas em termos de remoção de carbono orgânico, atingidas, em qualquer dos ensaios, ao segundo dia de operação, apresentaram variabilidade, após o décimo dia, na ausência de arejamento, e a partir do quinto dia de operação, na presença de arejamento, tendo sido registado, igualmente, aumento significativo da perda de carga. No primeiro caso, a alteração das condições de estabilidade foi notada quando a perda de carga atingiu 4,8 cm c.a. (3,9 cm c.a. da qual ocorreu no troço TL – P2), enquanto que, no segundo caso, se verificou para um valor acima de 5,1 cm c.a. (4,2 cm c.a. da qual ocorreu no troço TL – P2). Esta circunstância parece estar associada com o aumento da colmatação do leito, por acréscimo de zonas mal irrigadas e de volume morto, que terá provocado a diminuição da remoção de carbono. A capacidade de filtração do biofiltro foi igualmente reduzida, tendo sido registado, após os períodos de estabilidade, aumento de SST no efluente. Nestas condições, foi possível definir dois ciclos de operação distintos, nos quais o biofiltro funcionou em condições quase estacionárias, um de 10,0 dias, na ausência de arejamento, onde se verificou uma remoção média global de 13,5 g C m 3 h -1 , e outro de 5,0 dias, na presença de arejamento, ao qual correspondeu uma eliminação média global de 39,0 g C m 3 h -1 . PALAVRAS-CHAVE: Perda de carga, Condições quase estacionárias, Arejamento. (1) Engº do Ambiente e Sanitarista, Assistente no Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Universidade da Beira Interior, Covilhã ([email protected] ) (2) Colaboradora, Laboratório de Saneamento Ambiental, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Universidade da Beira Interior, Covilhã (3) Professor Catedrático, Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Monte Caparica

INFLUÊNCIA DAS CONDIÇÕES DE AREJAMENTO NA VARIAÇÃO DO ESTADO QUASE ESTACIONÁRIO E NA EVOLUÇÃO DA PERDA DE CARGA NUM BIOFILTRO

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INFLUÊNCIA DAS CONDIÇÕES DE AREJAMENTO NA VARIAÇÃO DO ESTADO QUASE ESTACIONÁRIO E NA EVOLUÇÃO DA PERDA DE CARGA NUM BIOFILTRO

António ALBUQUERQUE (1); Márcia GARCIA (2); Fernando SANTANA (3)

RESUMO O crescimento excessivo de biomassa e a acumulação de matéria sólida em

suspensão, eventualmente associados à presença de bolhas de ar e de material de enchimento desfragmentado, podem potenciar a formação de zonas mal irrigadas e de volumes mortos que constituem pontos de resistência ao escoamento em biofiltros. Estas zonas contribuem para a colmatação progressiva do leito e para o aumento da perda de carga do escoamento, podendo daí resultar a diminuição da eficiência da remoção de substratos. Utilizando um biofiltro vertical de fluxo descendente, realizaram-se dois ensaios experimentais, à velocidade média de escoamento de 0,39 m h-1, para as cargas orgânicas volúmicas médias de 51,2 g C m3 h-1, com o leito não arejado (ensaio E1), e de 51,4 g C m3 h-1, com o leito parcialmente arejado (ensaio E2), com a duração de 16,0 e 8,0 dias respectivamente. Os resultados permitiram observar que a perda de carga ocorreu, principalmente, no troço entre o topo do leito (TL) e a toma P2, onde se observou maior concentração de biomassa e mais elevado crescimento de biofilme, tendo o valor máximo (50,0 cm c.a.) sido atingido ao fim de 16,0 dias, no ensaio E1, e 8,0 dias, no ensaio E2.

As condições quase estacionárias, definidas em termos de remoção de carbono orgânico, atingidas, em qualquer dos ensaios, ao segundo dia de operação, apresentaram variabilidade, após o décimo dia, na ausência de arejamento, e a partir do quinto dia de operação, na presença de arejamento, tendo sido registado, igualmente, aumento significativo da perda de carga. No primeiro caso, a alteração das condições de estabilidade foi notada quando a perda de carga atingiu 4,8 cm c.a. (3,9 cm c.a. da qual ocorreu no troço TL – P2), enquanto que, no segundo caso, se verificou para um valor acima de 5,1 cm c.a. (4,2 cm c.a. da qual ocorreu no troço TL – P2). Esta circunstância parece estar associada com o aumento da colmatação do leito, por acréscimo de zonas mal irrigadas e de volume morto, que terá provocado a diminuição da remoção de carbono. A capacidade de filtração do biofiltro foi igualmente reduzida, tendo sido registado, após os períodos de estabilidade, aumento de SST no efluente. Nestas condições, foi possível definir dois ciclos de operação distintos, nos quais o biofiltro funcionou em condições quase estacionárias, um de 10,0 dias, na ausência de arejamento, onde se verificou uma remoção média global de 13,5 g C m3 h-1, e outro de 5,0 dias, na presença de arejamento, ao qual correspondeu uma eliminação média global de 39,0 g C m3 h-1.

PALAVRAS-CHAVE: Perda de carga, Condições quase estacionárias, Arejamento. (1) Engº do Ambiente e Sanitarista, Assistente no Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura, Universidade

da Beira Interior, Covilhã ([email protected]) (2) Colaboradora, Laboratório de Saneamento Ambiental, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura,

Universidade da Beira Interior, Covilhã (3) Professor Catedrático, Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, Faculdade de Ciências e

Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Monte Caparica

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1. INTRODUÇÃO Os filtros biológicos de leito imerso (ou biofiltros) são infra-estruturas utilizadas

para o tratamento de águas residuais, como tratamento convencional ao nível do secundário, como unidades de desbaste (em sistemas que empregam duas unidades em série), ou para a afinação da qualidade do efluente final (localizando-se, neste caso, normalmente, a jusante de um tratamento secundário). Tratam-se de sistemas que utilizam a filtração através de um meio poroso, ocorrendo a remoção de substratos por contacto da água residual com o filme biológico presente, quer nos espaços intrínsecos disponíveis, quer no meio de suporte sólido (por reacção enzimática em meio aeróbio, anóxico ou anaeróbio). O interesse destes sistemas, de acordo com Visvanathan e Nhien (1995) e Grady Jr. et al. (1999), está associado à permanência de elevada concentração de biomassa fixa no meio de enchimento, em menores volumes de reacção, apresentando menores tempos de retenção hidráulicos e idênticos tempos de residência celular comparativamente com os sistemas de biomassa me suspensão. Estas características estão associadas à utilização de material de enchimento de reduzidas dimensões (o diâmetro médio das partículas varia, normalmente, entre 2,0 e 6,0 mm), com elevada superfície específica e de porosidade variável, que permitem, por um lado, o desenvolvimento dos microrganismos e evitam, por outro lado, a colmatação rápida do meio.

Os sistemas mais utilizados caracterizam-se, essencialmente, por apresentarem um reactor biológico (biofiltro), de fluxo ascendente ou descendente, parcialmente preenchido por um leito com material de enchimento natural (e.g. argila calcinada ou areia arredondada), ou sintético (e.g. PVC ou polipropileno), de altura variável (entre 0,15 e 1,50 m), podendo incluir, ainda, um sistema de arejamento, um sistema de recirculação e um decantador final (opcional). Os sistemas com elevada capacidade de filtração podem não apresentar a unidade de decantação final, utilizando-se, para a remoção dos sólidos retidos, um sistema de lavagem, geralmente, em contracorrente.

As principais vantagens destes sistemas, além das já referidas, são, de acordo com vários autores (Metcalf e Eddy, 1991; Visvanathan e Nhien, 1995; Grady Jr. et al., 1999): a possibilidade de funcionar eficientemente a baixas temperaturas; custos de operação e manutenção comparáveis aos dispendidos em sistemas de biomassa em suspensão (e.g. lamas activadas) para a mesma dimensão de equivalentes-populacionais; implantação favorável em terrenos com inclinação acentuada ou de área reduzida; boa capacidade para absorver caudais de ponta e cargas orgânicas variáveis; exploração simples, comparativamente com outros sistemas por filtração ou por biomassa em suspensão; elevada eficiência na remoção de matéria orgânica (superior a 90,0% em termos de carbono orgânico total) e de azoto (superior a 70,0% através de nitrificação/desnitrificação); e boa capacidade de retenção de sólidos em suspensão. As principais desvantagens deste sistema são a colmatação progressiva do leito que provoca um aumento da perda de carga no sistema, obrigando a lavagens periódica do mesmo.

O estudo dos mecanismos associados à remoção de substratos que ocorrem em biofiltros tem tido um grande desenvolvimento nos últimos 25 anos. A utilização de protótipos à escala laboratorial tem permitido, em ambiente controlado, o estudo individualizado ou integrado de vários fenómenos como o transporte de massa, quer no volume disponível do meio poroso, quer no interior do biofilme ou da matriz

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sólida, e as reacções bioquímicas que conduzem à remoção de substratos. A avaliação da estabilidade do processo, associada à variação da perda de carga, em função das condições de arejamento, no tratamento de efluentes com baixas concentrações em carbono (e.g. efluentes de tratamento secundário), não tem, contudo, sido objecto de estudo.

O escoamento ideal em sistemas de tratamento por filtração é considerado, geralmente, do tipo fluxo pistão (Metcalf e Eddy, 1991; Grady Jr. et al., 1999) que pressupõe a presença do regime laminar. O escoamento em biofiltros é, no entanto, refractário à análise teórica, muito por acção dos factores que afectam a mobilidade das partículas, atrás referidos, bem como devido ao estabelecimento de zonas mal irrigadas (ou estagnadas), zonas de volume morto, do curto-circuito hidráulico e de recirculações internas, que podem influenciar a remoção de substratos.

A entrada do líquido num único ponto de distribuição pode contribuir para a colonização heterogénea do leito, com acumulação de maiores concentrações de subatratos e de biomassa nas camadas próximas da entrada, como constataram Mano (1996) e Tay e Show (1998). As condições de arejamento determinam o tipo de ambiente no filtro (aeróbio, anóxico ou anaeróbio) influenciando, portanto, a toma de substratos. Os microrganismos presentes nos biofiltros interferem nos processos físicos e químicos que determinam as condições de escoamento no meio e alteram o estado dos compostos, condicionando a distribuição, quer de solutos, quer de produtos das reacções. Entre as acções mais importantes incluem-se a transformação de substâncias orgânicas e inorgânicas, alterações na estrutura do material de enchimento devido, por exemplo, a processos corrosivos, ou por fricção, e a variação da viscosidade do líquido, que podem contribuir para a redução do volume disponível para escoamento e para o aumento da perda de carga.

O objectivo desta comunicação é avaliar a influência que as condições de arejamento podem provocar na estabilidade de um biofiltro, através da análise da variação da remoção de carbono orgânico e da concentração de sólidos suspensos totais (SST) e da evolução da perda de carga ao longo do tempo de operação. Definem-se critérios de operação de forma a garantir quer a estabilidade do sistema, quer o máximo rendimento em termos de remoção de matéria orgânica e de retenção de sólidos. O estudo pretende contribuir para a definição de melhores procedimentos de operação destes sistemas, que constituem uma boa solução de tratamento para a remoção de cargas residuais em efluentes de tratamento secundário.

2. ESTADO QUASE ESTACIONÁRIO A observação de condições de estabilidade em sistemas de tratamento é,

como referem Metcalf e Eddy (1991), um importante passo para a optimização do rendimento do sistema. A definição desta etapa pode ser, contudo, difícil de obter, muito por influência de factores que afectam a actividade dos microrganismos (e.g. tipo de substrato, temperatura, pH e disponibilidade de oxigénio dissolvido). Para mais rapidamente se atingirem as condições de estabilidade em sistemas por biofilme fixo é aconselhável, como referem Mano (1996) e Grady Jr. et al. (1999), durante a fase de arranque das instalações, proceder à colonização do leito com biomassa adaptada aos substratos a utilizar. A colonização do leito em biofiltros é, geralmente, rápida podendo a observação de condições quase estacionárias ocorrer

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numa semana, como comprovam os estudos de Mano (1996) em biofiltros à escala semi-industrial.

A estabilidade do processo é, normalmente, avaliada através da observação, em vários pontos do leito, ao longo de um período de tempo, de condições aproximadamente constantes em termos do consumo de substratos ou da produção de biomassa (Mano, 1996; Grady Jr. et al. 1999). Estas condições determinam um estado próximo do estacionário (designado na nomenclatura anglo-saxónica por steady-state) que se designou por estado quase estacionário.

3. PERDA DE CARGA EM BIOFILTROS O escoamento através de biofiltros é considerado laminar, relacionando-se a

velocidade de escoamento com a perda de carga unitária através da lei de Darcy. A carga total, considerada, de acordo com Lencastre (1996), como a energia mecânica total por unidade de peso líquido, que resulta do somatório entre as energias de posição, de pressão e cinética por unidade de peso, é praticamente coincidente com a carga, ou cota, piezométrica, podendo, esta última, ser avaliada, em determinado ponto do leito, através da medição da altura de água num piezómetro ligado a esse ponto.

O desenvolvimento da biomassa, associado à acumulação de sólidos e à desfragmentação de algum material de enchimento, provoca a colmatação progressiva do leito diminuindo a área disponível para a percolação. Aglomerados de produtos da reacção e de biomassa em fase de decaímento, que constitui o biofilme pouco activo, vão sendo removidos pela fricção provocada pelo escoamento. A acumulação de sólidos ao longo do período de operação pode, a partir de determinadas quantidades, não permitir a remoção da camada pouco activa de biofilme e, por outro lado, constituir pontos de resistência à difusão de substratos para o interior do biofilme. A remoção, quer do material sólido retido, quer do biofilme em fase de decaímento, pode realizar-se através da lavagem do leito.

Durante o escoamento no leito o líquido perde parte da sua energia, quer para o esqueleto sólido, por atrito, quer para zonas que criam resistência ao escoamento (e.g. zonas mal irrigadas). Este fenómeno traduz-se, na prática, por um aumento da pressão hidrostática devido à resistência criada ao escoamento, reflectindo a evolução da colmatação no interior do leito, designando-se geralmente por perda de carga. A variação da perda de carga ao longo de um período de operação de um biofiltro pode ser avaliada através da colocação de piezómetros em vários pontos do leito e da leitura da cota piezométrica e do nível do líquido relativamente a um ponto a jusante.

A perda de carga varia, entre outros factores, com o comprimento do leito, o tipo e características do meio de enchimento, a velocidade de escoamento, a carga orgânica aplicada e as características físico-químicas do afluente. A manutenção de condições de estabilidade no biofiltro, essencial para um bom desempenho do sistema, pode ser assegurado através da definição de períodos óptimos de funcionamento, nos quais a perda de carga não afecta significativamente a remoção de substratos ou a capacidade de filtração. A operação pode, portanto, ser realizada por ciclos, interrompidos por operações de lavagem para a remoção do material retido. O critério estabelecido para a lavagem do leito pode relacionar um valor de

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perda de carga com o grau de tratamento, ou com a qualidade do efluente desejado, evitando-se a morosidade, e diminuindo custos, associados à realização periódica de análises para a avaliação das condições de estabilidade. As obrigações actuais de tratamento exigem um bom desempenho dos sistemas, pelo que as lavagens ocorrem, em geral, para valores de perda de carga muito inferiores ao máximo tolerável (i.e. à qual corresponde a colmatação total do leito).

4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1. Instalação piloto

A instalação piloto utilizada neste estudo incluiu um biofiltro de leito imerso e fluxo descendente e um decantador, de acordo com a representação esquemática apresentada na Fig. 1. A primeira unidade destinou-se ao estudo da remoção de substratos orgânicos e a segunda à separação da fase sólida, bem como ao controlo do nível do líquido a montante do leito. O biofiltro, construído em tubo de vidro acrílico com 7,0 cm de diâmetro interno e 1,25 m de altura total, era constituído por um leito imerso de 40,5 cm de altura perfazendo um volume total de enchimento de 1,56 L. O meio de enchimento, constituído por pozolana (partículas com diâmetro médio de 4,0 mm e 1 744 m2 m-3 de superfície específica), apresentou uma porosidade média de 52,0%. Foram colocadas dez tomas, cinco destinadas à ligação de piezómetros e as restantes cinco (P1 a P5) para a colecta de amostras, espaçadas entre si de 5,0 a 10,0 cm. O nível do líquido a montante do leito (Hsl), após lavagem, era de cerca de 3,0 cm.

Figura 1 – Representação esquemática da instalação piloto

Nos ensaios com arejamento, utilizou-se um sistema constituído por uma bomba TretraTec AP150 auto-regulável, com dois canais de alimentação, e com capacidade máxima de 150,0 L h-1 de ar. O leito foi arejado a cerca de 18,5 cm do topo (entre as tomas P3 e P4) de forma a ser garantido um volume para reacção, ficando disponível, entre o ponto de entrada do arejamento e a base do leito, um volume para filtração. O sistema de arejamento foi ajustado de forma a fornecer um

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caudal de ar de aproximadamente 2,5 L min-1, que se presumiu ser suficiente para garantir a permanência de concentrações de OD superiores a 2,0 mg O2 L-1 entre o topo do leito (TL) e a toma P4. Para manter a temperatura aproximadamente constante, o leito foi envolvido por uma fita de traçagem eléctrica HBRC, com 6,0 mm de espessura, ligada a um controlador de temperatura HELIWELL EWTC102, com dois sensores, tendo-se fixado a temperatura em 20,0 ± 1,0 ºC.

4.2. Inoculo e meio de cultura O leito foi inicialmente colonizado com inóculos previamente aclimatados em

reactor semi-contínuo a partir de lamas recolhidas na linha de recirculação da ETAR de Verdelhas (Covilhã), que utiliza o sistema de lamas activadas (arejamento prolongado).

O meio de cultura líquido utilizado na aclimatação, na colonização e nos ensaios incluiu um meio mineral (soluções tampão, de sulfato de magnésio, de cloreto de cálcio, de cloreto férrico e de oligoelmentos), adaptado do utilizado por Mano (1996), uma fonte de carbono (acetato de sódio) e uma fonte de azoto (cloreto de amónio), tendo a razão C/NH4

+-N sido de aproximadamente 4,0. A solução utilizada para a alimentação do biofiltro foi mantida a 4,0 ± 0,5 ºC numa arca refrigeradora ISCO FTD 220, adaptado para funcionar como reservatório, com capacidade útil de 80,0 L, temperatura regulável e termóstato. A solução foi arejada continuamente através de duas bombas GARDENA RP 300, com capacidade para 300,0 L h-1 cada.

4.3. Modo de operação Realizaram-se dois ensaios, na ausência (ensaio E1) e na presença de

arejamento (ensaio E2), à velocidade de escoamento de 0,26 m h-1 e à carga orgânica volúmica de 51,8 g C m-3 h-1, que consistiram, essencialmente, na operação do filtro em contínuo até ter sido atingida a perda de carga máxima admissível (estimada em 50,0 cm c.a.), que se assumiu ser indicativa da colmatação do leito. Determinou-se, nos vários pontos de amostragem (P1 a P5) e à saída, diariamente, a concentração de carbono orgânico total (COT), a remoção de COT (∆C) e a variação da concentração de SST e de sólidos suspensos voláteis (SSV), tendo o pH, a temperatura e o OD sido controlados duas vezes por dia. Os níveis do líquido, em cada piezómetro e a montante do topo do leito, foram registados diariamente de forma a poder ser avaliada a perda de carga global e nos troços TL – P1, P1 – P2, P2 – P3, P3 – P4 e P4 – P5.

O pH, temperatura e OD foram medidos através de sensores adaptáveis a um medidor multiparamétrico MultiLine P4 da WTW. Para determinação de SST e de SSV seguiu-se o procedimento indicado no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 1995). O COT foi determinado através de um analisador TOC – 5000 A da Shimadzu.

No Quadro 1 apresentam-se os valores médios, e respectivos intervalos de confiança, para os parâmetros controlados à entrada do filtro, durante o período de duração de cada ensaio. Cada ensaio foi repetido uma vez, tendo-se adoptado, para a análise do estado quase estacionário, o valor médio dos resultados. A análise de perdas de cargas refere-se apenas a uma medição em cada ensaio.

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Quadro 1 – Condições de operação para a realização dos ensaios.

Ensaio

Temp. (ºC)

pH

OD (mg O2 L-1)

COT (mg C L-1)

Carga orgânica obs. 1)

(g C m-3 h-1)

E1 19,7 ± 0,2 7,20 ± 0,01 7,73 ± 0,06 41,52 ± 0,40 51,2 E2 20,2 ± 0,3 7,20 ± 0,01 7,55 ± 0,03 41,64 ± 0,30 51,4

1) Calculada em relação ao volume teórico total disponível. Os intervalos de confiança foram calculados considerando um nível de confiança de 95,0%, para 17 (ensaio E1) e 9 amostras (ensaio E2).

5. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 5.1. Evolução da perda de carga

A perda de carga do escoamento nos vários troços do leito (∆l) foi calculada através da diferença entre as cotas piezométricas medidas em dois piezómetros colocados nas secções a jusante e a montante de cada troço. A perda de carga total no leito (∆y) foi estimada pelo somatório das perdas de carga calculadas em cada troço (∆l). Nas Figuras 2 e 3 apresentam-se, para os ensaios das séries E1 e E3, respectivamente, os resultados referentes à evolução da perda de carga do escoamento ao longo do tempo, nos vários troços do leito, identificando-se a altura correspondente a cada toma (he).

Os resultados, para qualquer dos ensaios, permitem verificar que a perda de carga ocorreu, principalmente, no troço superior do leito, localizado entre o topo de enchimento e a toma P2 (8,0 cm iniciais). Neste troço observou-se, por inspecção local, uma maior concentração de biomassa. O aumento da colmatação do leito, indicado pelo aumento da perda de carga, ao longo do período de operação pode ter produzido a deficiente distribuição dos substratos o que, presumindo que o volume disponível para reacção tenha diminuído, pode ter provocado a diminuição do rendimento do tratamento. Para avaliar esta suposição relacionou-se, para os ensaios das séries E1 e E2, o rendimento do sistema, em termos de remoção de carbono orgânico (∆C), e a variação da qualidade do efluente final, em termos de SST, com a evolução da perda de carga total (∆y) para o período de duração de cada ensaio, apresentando-se os resultados nas Figuras 4 e 5.

No ensaio E1, a perda de carga máxima admitida (50,0 cm c.a.), que indica a colmatação total do leito, foi atingida ao fim de 16,0 dias, tendo sido observada uma diminuição da remoção de carbono e um aumento da concentração de SST no efluente a partir do décimo dia de operação (Figura 4), ao qual correspondeu uma perda de carga total estimada em 4,8 cm c.a. (3,9 cm c.a. da qual ocorreu no troço TL - P2).

Na presença de arejamento (ensaio E2) foram necessários 8,0 dias para a colmatação total do leito, reflectida pelo registo da perda de carga máxima tolerável, tendo sido observada diminuição na remoção de carbono, e deterioração da qualidade do efluente, a partir do quinto dia de operação (Figura 5). A perda de carga total correspondente àquele período foi de 5,1 cm c.a. (4,2 cm c.a. da qual ocorreu no troço TL - P2).

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0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0 50,0

∆l (cm)

he (

cm)

0 dias 3 dias 6 dias 9 dias 12 dias 13 dias 14 dias 15 dias 16 dias

Figura 2 – Variação da perda de carga em cada troço do leito - ensaio E1.

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35,0

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0 40,0 45,0 50,0

∆l (cm)

he (

cm)

0 dias 1 dia 2dias 3 dias 4 dias 5 dias 6 dias 7 dias 8 dias

Figura 3. – Variação da perda de carga em cada troço do leito - ensaio E2.

5.2. Variação do estado quase estacionário O pH e a temperatura apresentaram pouca variabilidade ao longo do leito, o

que é explicado pela utilização da solução tampão e da fita de traçagem eléctrica, podendo considerar-se pouco significativa a sua influência na variação do estado quase estacionário. O OD desceu de 7,73 (entrada) para 2,28 (P1) e 0,97 mg O2 L-1 (P2), na ausência de arejamento, e de 7,55 (entrada) para 2,37 (P1) e 2,51 mg O2 L-

1 (P2), na presença de arejamento.

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Tempo (d)

SST(

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L-1) e

∆C

(mg

C L

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∆y

(cm

c.a

.)

█ ∆y ♦ SST ● ∆CH sl = 7,7 cm

(lavagem)

Figura 4. – Evolução da perda de carga total, da remoção de carbono e dos SST no efluente - ensaio E1.

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Tempo (d)

SST(

mg

L-1) e

∆C

(mg

C L

-1)

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∆y

(cm

.c.a

.)

█ ∆y ♦ SST ● ∆C H sl = 8,1 cm(lavagem)

Figura 5 – Evolução da perda de carga total, da remoção de carbono e dos SST no efluente - ensaio E2.

Para a avaliação do estado quase estacionário observou-se a variação do COT e da remoção de carbono, em cada toma e à saída do biofiltro, ao longo dos períodos de duração dos ensaios, apresentando-se, a título exemplificativo, nas Figuras 6 e 7, os resultados referentes a amostras colhidas em P1, P3 e no efluente. Dado que apenas se realizou uma repetição de cada ensaio, escolheu-se, como medida de incerteza das determinações, o maior dos desvios absolutos entre o valor médio de COT observado diariamente em cada toma e os respectivos valores analíticos, tal como sugerido por Amoreira (2002).

11º Encontro Nacional de Saneamento Básico Faro, 12 a 15 de Outubro de 2004

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Pela análise das Figuras 4 e 6, e 5 e 7, pode verificar-se que o biofiltro atingiu o estado quase estacionário ao fim de aproximadamente 2,0 (ensaio E1) e 1,0 dias (ensaio E2) de operação, respectivamente. Os resultados do ensaio E1 parecem indicar um período óptimo de funcionamento entre o segundo e o nono dia, onde se observou uma eficiência média de remoção global de carbono de 26,7%, à qual correspondeu uma remoção média global de carga orgânica volúmica de 13,5 g C m-

3 h-1 (Figura 6), 88,5% da qual ocorreu no troço TL – P2. Na presença de arejamento (ensaio E2) o período óptimo de funcionamento ocorreu entre o primeiro e o quarto dia, tendo a eficiência média de remoção de carbono sido, neste período, de 77,0%, à qual correspondeu uma remoção média global de carga orgânica volúmica de 39,0 g C m-3 h-1 (Figura 7), 90,5% da qual ocorreu no troço TL – P2.

6. DISCUSSÃO A remoção de carbono orgânico com o biofiltro arejado (ensaio E2), foi sempre

superior à verificada na ausência de arejamento. O valor médio total removido, no primeiro caso (Fig. 7), no final do período de ensaio (oitavo dia) foi de 16.6 mg C L-1, valor este que nunca foi alcançado no segundo caso (Fig. 6), inclusive no período onde se observaram condições quase estacionárias (entre o segundo e o nono dia). Tendo em conta que, na presença de arejamento, o volume de leito disponível para reacção foi cerca de metade do teoricamente existente na ausência de arejamento, a ocorrência de valores mais elevados de remoção de carbono orgânico estará associada à presença de concentrações de OD superiores a 2,0 mg O2 L-1. Esta circunstância parece indicar que as condições de arejamento influenciaram mais significativamente a remoção do substrato orgânico do que o volume disponível para crescimento microbiológico e para reacção.

A deterioração da qualidade do efluente em termos de SST foi mais rápida quando o biofiltro foi arejado, tendo sido observado um acréscimo significativo daquele parâmetro no efluente a partir do quarto dia de operação (Fig. 5). Este facto poderá estar associado, por um lado, ao menor volume disponível para filtração e, por outro lado, a maior produção de sólidos, em especial nos troços superiores do leito, que terão contribuído para a colmatação rápida do meio, comparativamente com o ocorrido quando o biofiltro não foi arejado (Fig. 4).

Num outro trabalho realizado pelos autores (Albuquerque e Santana, 2004), foram avaliadas as características hidrodinâmicas do biofiltro representado na Fig. 1, na ausência de arejamento, para condições de carga orgânica e de velocidades de escoamento semelhantes. Os resultados permitiram concluir que, no troço TL – P2, ocorreu forte dispersão longitudinal, com presença de zonas mal irrigadas e de volume morto e curto-circuito hidráulico, tendo sido admitida a presença de condições de mistura.

Na ausência de arejamento, a libertação de biofilme maduro por acção da fricção causada pelo escoamento terá contribuído para a formação continua de zonas mal irrigadas e de volume morto que terão, progressivamente, colmatado o leito, situação que se manifestou pelo aumento da perda de carga, em especial a partir do décimo dia de operação (Fig. 2 e 4). Esta circunstância, além de ter provocado a diminuição da capacidade de filtração do biofiltro, reconhecida pelo aumento de SST no efluente, terá sido, conjuntamente com a limitação de OD, responsável pelo decréscimo de remoção de carbono.

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Afluente

Efluente

P1

Variação do COT e da remoção de carbono em P1 - ensaio I.1.1.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

0,3 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 11,0 12,0 13,0 14,0 15,0 16,0

Tempo (dias)

CO

T (m

g C

L-1

)0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

∆C

(mg

C L

-1)

♦ COT (Afluente) ● COT (P1) ♦ ∆C (Afl -P1)

Valor médio entre o 2º e o 9º dia: 34, mg C L-1

Eficiência média de remoção: 16,9 %

Variação do COT e da remoção de carbono em P3 - ensaio I.1.1.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

0,3 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 11,0 12,0 13,0 14,0 15,0 16,0

Tempo (dias)

CO

T (m

g C

L-1

)

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

∆C

(mg

C L

-1)

♦ COT (Afluente) ● COT (P3) ♦ ∆C (Afl - P3)

Valor médio entre o 2º e o 9º dia: 30,7 mg C L-1

Eficiência média de remoção: 25,1 %

Variação do COT e da remoção de carbono no efluente - ensaio I.1.1.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

0,3 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 11,0 12,0 13,0 14,0 15,0 16,0

Tempo (dias)

CO

T (m

g C

L-1

)

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

∆C

(mg

C L

-1)

♦ COT (Afluente) ● COT (Efluente) ♦ ∆C (Afl - Efl)

Valor médio entre o 2º e o 9º dia: 30,1 mg C L-1

Eficiência média de remoção: 26,7%

P2

P3

P4

P5

Figura 6 – Definição do estado quase estacionário - ensaio E1.

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Afluente

Efluente

P1

P2

P3

P4

P5

Variação do COT e da remoção de carbono em P1 - ensaio I.2.1.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

0,3 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0Tempo (dias)

CO

T (m

g C

L-1

)

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

∆C

(mg

C L

-1)

♦ COT (Afluente) ● COT (P1) ♦ ∆C (Afl - P1)

Valor médio entre o 1º e o 4º dia: 15,0 mg C L-1

Eficiência média de remoção: 63,5 %

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

0,3 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0Tempo (dias)

CO

T (m

g C

L-1

)

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

∆C

(mg

C L

-1)

♦ COT (Afluente) ● COT (P2) ♦ ∆C (Afl - P2)

Valor médio entre o 1º e o 4º dia: 11,3 mg C L-1

Eficiência média de remoção: 72,4 %

Variação do COT e da remoção de carbono em P3 - ensaio I.2.1.

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

0,3 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0Tempo (dias)

CO

T (m

g C

L-1

)

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

∆C

(mg

C L

-1)

♦ COT (Afluente) ● COT (Efluente) ♦ ∆C (Afl - Efl)

Valor médio entre o 1º e o 4º dia: 9,4 mg C L-1

Eficiência média de remoção: 77,0 %

Variação do COT e da remoção de carbono no efluente - ensaio I.2.1.

Figura 7 – Definição do estado quase estacionário - ensaio E2.

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A introdução de arejamento na metade superior do leito terá contribuído para o aumento das condições de mistura que, conjuntamente com a presença de elevadas concentrações de OD, terão estimulado o crescimento rápido do biofilme e o aumento da actividade microbiológica aeróbia, responsável pelo maior consumo de carbono orgânico. A fricção causada pela libertação de bolhas de ar terá, à semelhança do observado por Visvanathan e Nhien (1995), obrigado à libertação de maiores quantidades de biofilme maduro em fase de decaimento que, juntamente com os sub-produtos da reacção, terão contribuído para o aumento progressivo de zonas mal irrigadas e de volume morto, em especial a partir do quarto dia de operação, e para a colmatação do meio. Como consequência, a capacidade de filtração do biofiltro e o volume disponível para reacção terão ficado reduzidos, tendo esta situação sido manifestada pelo aumento da perda de carga e pela deterioração da qualidade do efluente final.

A maior remoção de carbono foi registada no troço TL – P2 com valores médios, nos períodos onde se admitiu a ocorrência de condições quase estacionárias, que representaram 88,5 (ensaio E1) e 90,5% (ensaio E2) dos valores globais removidos no leito. Na ausência de arejamento, tal situação terá estado relacionada com as baixas concentrações de OD observadas a partir de P1 (inferiores a 2,0 mg O2 L-1), que terão influenciado a excessiva colonização naquele troço. Na presença de arejamento, não tendo havido limitação de OD, a maior concentração de biomassa observada naquela secção terá estado mais relacionada com a limitação do volume imposto para arejamento.

Os resultados parecem, pois, indicar que a capacidade de filtração do biofiltro começou a ficar saturada a partir do décimo (biofiltro arejado) e do quinto dia (biofiltro arejado), tendo sido observado, a partir daqueles períodos, um aumento significativo da perda de carga e diminuição acentuada do rendimento em termos de remoção de carbono orgânico. Nestes termos, de forma a poder ser garantida a estabilidade do processo e a manutenção de uma boa eficiência de remoção de matéria orgânica e de sólidos em suspensão, o biofiltro deverá ser operado em ciclos com a duração de 10,0 (sem arejamento) e 5,0 dias (com arejamento). Após aqueles períodos ou sempre que a perda de carga ultrapasse os 5,0 cm c.a. deve ser realizada uma operação de lavagem em contracorrente, tal como observado nos trabalhos de Nouvion et al. (1987) e Mano (1996), e de acordo com os critérios estabelecidos por Metcalf e Eddy (1991), sugerindo-se a utilização da seguinte sequência: lavagem em contracorrente com água (30,0 a 40,0 m h-1) e ar (50,0 m h-

1) em simultâneo, seguida de lavagem com água (40,0 a 72,0 m h-1), durante cinco minutos.

Na maior parte dos trabalhos consultados observaram-se, igualmente, ciclos de operação com lavagem para valores de perda de carga substancialmente inferiores ao máximo admissível. Mano (1996), apesar de ter estabelecido um valor máximo de 1,00 m c.a., realizou lavagens para 0,48 m c.a. para manter um bom desempenho do processo de desnitrificação. Gonçalves et al. (1996) observaram a deterioração da qualidade do efluente, em termos de SST, sempre que a perda de carga se aproximava de 1,00 m c.a. (0,50 m c.a. abaixo do valor máximo estabelecido).

A maior parte dos sistemas utilizados à escala real, contrariamente ao observado em sistemas que utilizam a filtração para o tratamento de água (Metcalf e Eddy, 1991), utiliza a lavagem do leito quando este atinge a colmatação máxima ou

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com base em frequências temporais. A utilização destes critérios não pode garantir, nem a estabilidade do processo, nem a optimização do seu rendimento. A importância dos resultados deste estudo reside no facto de poderem contribuir para a definição de melhores procedimentos de operação para biofiltros.

Um dos objectivos actuais das políticas de conservação de água, apresentado em estudos como o Plano Nacional da Água e consagrado na Directiva-Quadro da Água, visa a utilização de meios, incluindo novas tecnologias, que permitam o uso eficiente da água (e.g. a reutilização de efluentes tratados). As características do efluente final obtidas neste estudo permitem admitir que, este tipo de tecnologia, desde que correctamente operado, poderá ser favoravelmente implementado para a remoção de substratos residuais e a produção de efluentes com potencial de reutilização, constituindo uma alternativa viável para o cumprimento daqueles objectivos.

7. CONCLUSÕES A utilização do biofiltro para a remoção de baixas cargas orgânicas conduziu,

nos períodos considerados de estabilidade, a eficiências médias de remoção de carbono de 26,7% (na ausência de arejamento) e de 77.0% (na presença de arejamento), tendo o estado quase estacionário sido observado ao fim de um dia, após alteração das condições de operação (i.e. lavagem do leito ou introdução de arejamento).

A operação ao longo do tempo conduziu à colmatação progressiva do leito, por aumento, presume-se, de zonas mal irrigadas e de volume morto, em especial no troço TL – P2, que foi mais rápida quando o filtro foi arejado. Esta situação terá sido responsável pela alteração do estado quase estacionário, com reflexos no aumento da perda de carga e da concentração de SST no efluente e na diminuição da remoção de carbono e da capacidade de filtração, que foram considerados mais significativos ao fim de 9,0 (biofiltro não arejado) e 4,0 dias (biofiltro arejado) de funcionamento.

A introdução de arejamento, apesar de ter contribuído para uma colmatação mais rápida do meio, conduziu, tendo em atenção os períodos óptimos de funcionamento, ao dobro da remoção de carbono orgânico, em menor volume de reacção e metade do tempo de operação (4,0 dias), relativamente ao observado quando o filtro não foi arejado. Esta circunstância estará relacionada com a maior disponibilidade de OD, em especial no troço TL – P2 onde ocorreu cerca de 90,5% da remoção de carbono, e com as condições de mistura que terão permitido maior contacto entre a biomassa e o substrato orgânico. A menor remoção de carbono observada na ausência de arejamento terá estado relacionada com a limitação de OD.

Para a manutenção das condições de estabilidade, que poderão contribuir para um bom desempenho do sistema de tratamento e a obtenção de concentrações mais baixas de sólidos e de carbono orgânico no efluente, sugere-se a operação do sistema em ciclos de 10,0 (biofiltro não arejado) e 5,0 dias (biofiltro arejado), ou sempre que a perda de carga seja superior a 5,0 cm c.a., seguidos de lavagem para a remoção do material sólido retido. A estes ciclos corresponderão remoções médias

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globais de carga orgânica volúmica de 13,5 g C m-3 h-1 (biofiltro não arejado) e 39,0 g C m-3 h-1 (biofiltro arejado).

A utilização de biofiltros para a remoção de substratos orgânicos residuais, característicos de, por exemplo, efluentes de sistemas de tratamento convencionais, parece constituir uma solução vantajosa, desde que sejam previstos critérios que incluam ciclos de operação com lavagem do leito. Estes sistemas podem, à luz dos objectivos traçados no Plano Nacional da Água para a protecção e a conservação do recurso, apresentarem-se como alternativas técnicas para, por exemplo, a produção de efluentes com potencial para serem reutilizados.

AGRADECIMENTOS Este estudo foi parcialmente financiado pelo Departamento de Engenharia Civil

da Universidade da Beira Interior e pelo subprograma Educação PRODEP III (Medida nº 5/Acção nº 5.3, concurso 4/53/PRODEP/00 – Acções de Doutoramento), a quem se agradece todo o apoio concedido.

BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE A., SANTANA F. – “Hydrodynamic behaviour of a biological packed bed under different hydraulic and organic loading”. in 2nd International Conference on Applications of Porous Media 2004 (ICAPM 2004), Évora, Portugal, 24 e 27 Maio de 2004, pp 319-327.

AMOREIRA J. - Medições e erros. Textos de apoio do Dep. de Física, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal, 2002, 32 pp. APHA - Standard methods for the examination of water and wastewater. 19ª Edição, American Public Health Association, American Water Works Association, Water Environment Federation, Washington DC, EUA, 1995, 1220 pp.

GRADY JR W., DAIGGER G., LIM H. - Biological wastewater treatment. Segunda edição, Marcel Decker, Basel, Suiça, 1999, 1076 pp.

LENCASTRE A. - Hidráulica Geral. Edição Luso-Brasileira, Lisboa, Portugal, 1996, 651 pp.

MANO, A. - Contribuição para o estudo do processo de desnitrificação em reactores biológicos de filme fixo. Tese de Doutoramento em Engenharia Sanitária, FCT, Universidade Nova de Lisboa, Monte de Caparica, Portugal, 1996, 317 pp.

METCALF & EDDY - Wastewater engineering - Treatment, disposal and reuse. Terceira edição, McGraw Hill International Editions, Nova York, EUA, 1991, 1338 pp.

NOUVION N., BLOCK J. E FAUP G. – “Effect of biomass quantity and activity on TOC removal in a fixed-bed reactor”. Water Research, V. 21, Nº. 1, 1987, pp. 35-40.

VISVANATHAN C., NHIEN T. – “Study on aerated biofilter process under high temperature conditions”. Environmental Technology, V. 16, Nº 4, 1995, pp. 301-314.