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Livro Contribuicoes para a gestao de pessoas na Administracao Publica

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CONTRIBUIÇÕES PARA A

GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ORGANIZAÇÃO DE HÉLIO JANNY TEIXEIRA IVANI MARIA BASSOTTI

THIAGO SOUZA SANTOS

CONTRIBUIÇÕES PARA A

GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Copyright © 2013 dos autoresCopyright © 2013 FIA

Governador: Geraldo Alckmin

Secretário de Gestão Pública: Davi Zaia

Unidade Central de Recursos Humanos: Coordenadora: Ivani Maria Bassotti

Edição : Organização: Hélio Janny Teixeira, Ivani Maria Bassotti e Thiago Souza SantosCoordenação editorial, produção e edição: Ab Aeterno Produção Editorial Revisão: Camile Mendrot e Tatiane IvoProjeto gráfico e diagramação: Rawiski Comunicação

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Contribuições para a gestão de pessoas na administração pública / organização de Hélio Janny Teixeira, Ivani Maria Bassotti, Thiago Souza Santos. -- 1. ed. -- São Paulo : FIA/ USP, 2013.

Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-88377-07-3

1. Administração de pessoal 2. Administração pública 3. Recursos humanos I. Teixeira, Hélio Janny. II. Bassotti, Ivani Maria. III. Santos, Thiago Souza.

13-01249 CDD-354.81

Índices para catálogo sistemático:1. Gestão de pessoas no setor público : Brasil : Administração pública 354.81

Esta obra representa um pequeno exemplo da necessidade e da possibi-lidade de articular os potenciais e as energias disponíveis na sociedade para fortalecer as políticas e a gestão de pessoas no setor público. Acadêmicos (FEA-USP, EAESP- FGV, PUC, FUMEC e FIA), gestores públicos (Se-cretaria de Gestão Pública e sua Unidade Central de Recursos Humanos – UCRH) e políticos que também são gestores, como o secretário de gestão pública do estado de São Paulo, cooperaram para produção, seleção e divulgação de ideias úteis que ampliam a visão crítica e as possibilidades de aprimoramento na área de gestão de pessoas. O ambiente de liberdade e suporte mútuo permitiu a cooperação, imprescindível para a reflexão sobre problemas extremamente complexos como os tratados neste livro.

Agradecemos a preciosa colaboração de todos os autores e em especial o suporte das instituições apoiadoras desta publicação, quais sejam: a Secretaria de Gestão Pública do Governo do Estado de São Paulo (SGP), durante o mandato de Davi Zaia, e a Fundação Instituto de Administração (FIA), presidida pelo professor doutor Lindolfo Galvão Albuquerque, ambos, Zaia e Albuquerque, com longa e prestigiosa carreira dedicada à gestão de pessoas.

Agradecemos também à competente equipe da Ab Aeterno, capitaneada pela editora Camile Mendrot, que realizou os trabalhos de revisão, dia-gramação e apoio à produção do livro.

Finalmente, nossos agradecimentos a toda a equipe da UCRH–SGP, aos participantes dos cursos e do 1º Congresso sobre gestão de pessoas no setor público paulista, conduzidos pela UCRH e FIA, durante o 2º semestre de 2012 pelas interações construtivas e sugestões dadas aos professores e autores.

Os organizadores

| AGRADECIMENTOS |

| APRESENTAÇÃO |

O livro Contribuições para a gestão de pessoas na administração pública é o resultado de um trabalho realizado pela Unidade Central de Recursos Humanos (UCRH) e pela Secretaria de Gestão Pública do Estado de São Paulo, com base nas experiências vividas nos seminários e debates desenvolvidos, todos com grande participação dos servidores públicos nas discussões sobre a importância da gestão pública.

A oportunidade de trocar informações e ouvir especialistas agora está consolidada de forma mais ampla e abrangente com este livro, permitindo que o assunto aqui tratado seja do conhecimento de todos.

Entendemos que a administração pública vive um desafio constante de ganhar cada vez mais eficiência, se modernizar e valorizar o servidor público, harmonizando diversos tipos de situações, leis e procedimentos. Sendo assim, é necessário unirmos esforços para torná-la sempre melhor do ponto do vista do atendimento a população.

E uma das grandes preocupações do Governo do Estado de São Pau-lo em garantir esse bom atendimento é olhar para o profissional que o realiza, estimulando a integração dos servidores públicos e investindo em capacitações.

Diante de tudo isso, é fundamental estimular um debate ainda mais detalhado e expor ideias e propostas acerca do tema em questão. Nesse sentido, o livro é uma contribuição importante, por ser uma ferramenta consistente ao permitir que as pessoas, ao lerem, aprofundem seus conhe-cimentos e suas reflexões sobre o aperfeiçoamento da gestão pública no estado de São Paulo e em todo o país.

Davi Zaia Secretário de Gestão Pública

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

Uma palavra dos organizadores, 11 Visão sistêmica e gestão de pessoas, 29 HÉLIO JANNY TEIXEIRA

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO

Gestão de pessoas articuladapor meio de competências, 65JOEL SOUZA DUTRA

Um modelo para compreenderas possibilidades de desenvolvimentodos gestores públicos, 87HÉLIO JANNY TEIXEIRA

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO

Estilos comportamentais dos profissionais da área de gestão de pessoas: um estudo exploratório nos setores público e privado, 111ROBERTO CODA

DARLY ALCARPE CODA

MAURÍCIO SANTOS MOTTA

Relações de trabalho e gestão pública no Brasil contemporâneo, 151ARNALDO JOSÉ FRANÇA MAZZEI

NOGUEIRA

| SUMÁRIO |

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

Contratualização e gestão de pessoas na administração pública, 191HÉLIO JANNY TEIXEIRA

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO

Terceirização e gestão de pessoas no setor público, 227HÉLIO JANNY TEIXEIRA

LETICIA QUEIROZ DE ANDRADE

LUIZ PATRÍCIO CINTRA DO PRADO FILHO

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO

Mensuração de desempenho no setor público: os termos do debate, 253REGINA SILVIA PACHECO

Remuneração variável por desempenho no setor público: investigação das dificuldades e implicações para o Estado brasileiro, 275LUÍS OTÁVIO MILAGRES DE ASSIS

MÁRIO TEIXEIRA REIS NETO

Práticas inovadoras em gestão de pessoas:um estudo de caso no setor de saúde, 319LUÍS FERNANDO ASCENÇÃO GUEDES

ADORINDA LAMANA

MARIANA NUTTI DE ALMEIDA CORDON

LILIANA VASCONCELLOS GUEDES

| INTRODUÇÃO |

UMA PALAVRA DOS ORGANIZADORES

O estado de São Paulo conta com 645 municípios, num ter-ritório de 248.209,426 km² e população estimada, em 2011, de 41,5 milhões de habitantes. Nesse mesmo ano, o produto interno bruto (PIB) do estado alcançou R$ 1.326 bilhões, equivalendo a um terço do nacional. Essas dimensões se refletem também nos serviços públicos. É necessário um expressivo esforço logístico para o atendimento de 41 milhões de cidadãos. São mais de cinco mil escolas na rede pública estadual, com mais de quatro milhões de crianças atendidas diariamente e dezenas de unidades de saúde com atendimento de baixa, média e alta complexidade, administrando milhares de leitos e atendendo inúmeros pacientes todos os dias, apenas para citar duas entre muitas áreas de atuação da máquina estadual, que demandam um enorme volume de recursos, pessoal, estrutura e competências de gestão.

Para tanto, o Executivo paulista conta atualmente com 24 secretarias de estado e uma procuradoria geral, que formam a administração direta. A administração indireta compõe-se de 25 autarquias (sendo seis especiais e três universidades), 17 fundações e 20 empresas.

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A principal despesa não financeira do Estado é a relativa a pes-soal, representando 53,3% do total em 2011, um montante 10,3% superior ao do ano anterior (Governo do Estado de São Paulo, 2012, p. 5).12

A realização da despesa de pessoal em 2011, de acordo com os parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), atingiu 46,68% da Receita Corrente Líquida, considerando-se os três Poderes, situando-se, por-tanto, abaixo do limite de 60%. O Poder Executivo encontra-se abaixo do teto de 49% e do limite pru-dencial de 46,55%, apresentando relação de 40,33% em dez/11, ante 39,4% em dez/10. (Ibidem, p. 5)

O estado de São Paulo contava com aproximadamente 1,22 milhão de registros em sua folha de pagamento ao final de 2011, entre servidores ativos (740 mil), inativos e pensionistas, números que apresentam elevação em torno de 2,8% em relação a 2010 (dados referentes apenas ao Poder Executivo). No orçamento glo-bal, da ordem de R$ 140 bilhões em 2012, a despesa de pessoal é, de longe, o maior custo.

A folha de pagamento de responsabilidade do tesou-ro estadual, em 2011, totalizava R$ 49.642 milhões ou R$ 3.819 milhões ao mês, em média. Desse valor, 32% correspondiam à despesa com inativos e

1 Governo do Estado de São Paulo. (26 de outubro de 2012). Programa de Reestruturação e Ajuste

Fiscal do Estado de São Paulo. Disponível em: Secretaria da Fazenda — Governo do Estado de São

Paulo: <http://www.fazenda.sp.gov.br/operacoes_credito/ajuste_fiscal/PAF_2012-2014.PDF>.

Acesso em: 5 de janeiro de 2013.

INTRODUÇÃO | 13 |

pensionistas. O Poder Executivo absorveu 85,1% do dispêndio total e os demais Poderes, que incluem o Judiciário, o Legislativo, além do Ministério Público, absorveram os 14,9% restantes. (Ibidem, p. 5)

O investimento com pessoal do estado de São Paulo supera o orçamento da maior parte dos entes federados. No Poder Executivo, maior parte desse contingente, assim como o maior custo, está concentrada na administração direta, conforme mostrado na Tabela I.1, lembrando que, valendo as mesmas proporções verificadas no total da folha, em torno de 32% dos servidores considerados para o cálculo está entre inativos e pensionistas.

Tabela I.1. Despesa de pessoal do estado de São Paulo (ativos e inativos) no exercício de 2011, por tipo de administração

Administração direta 83,9% 74,7%

Administração indireta 16,1% 25,3%

Autarquias 5,6% 5,7%

Universidades 5,0% 11,2%

Fundações 1,6% 1,7%

Empresas 3,9% 6,7%

Total 100% 100%

PODER EXECUTIVOProporção

de servidoresProporção de gastos

Fonte: Unidade Central de Recursos Humanos – Secretaria de Gestão Pública – SP (2012).

O gasto com pessoal, apesar de atualmente estar equilibrado frente às regras previstas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, segue crescendo.

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AJUSTES NECESSÁRIOS

Em 1995, iniciou-se um pesado programa de ajuste fiscal. Até o ano de 2003, as despesas com pessoal ficaram acima ou no limite prudencial previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4/05/2000). Somente em 2004, o estado de São Paulo conseguiu cumprir a meta fiscal e ficar abaixo do referido limite. Um dado relevante a ser observado é que, de 2003 a 2011, a flutuação no número total de servidores não foi significativa. O total, considerando ativos, inativos e pensionistas, cresceu 5% nesse período; se considerarmos apenas os ativos, o aumento é de 2%, o que significa que a maior contribuição para o aumento global foi o crescimento da proporção de inativos e pensionistas, como podemos observar no Gráfico I.1.

Gráfico I.1 Flutuação do total de servidores público

Tota

l de

serv

idor

es

2003 20042005 2006 2007 2008 20092010 2011

1.400.000

1.200.000

1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

-

Total Ativo

Fonte: Unidade Central de Recursos Humanos – Secretaria de Gestão Pública – SP (2012).

INTRODUÇÃO | 15 |

Contudo, analisando-se a série histórica das despesas com pes-soal no Estado, nota-se que o custo dobrou de valor, passando de 24 bilhões/ano para 49 bilhões/ano (Gráfico I.2). Esse dado não pode ser avaliado fora do contexto, pois tal aumento tem múltiplas facetas e reflete as políticas de valorização dos servidores públicos, com revisões salariais no decorrer da primeira década do século 21.

Gráfico I.2 Série histórica da despesa de pessoal e do orçamento da administração pública paulista

Valo

res

em m

ilhõe

s de

R$

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

150.000145.000140.000135.000130.000125.000120.000115.000110.000105.000100.000

95.00090.00085.00080.00075.00070.00065.00060.00055.00050.00045.00040.00035.00030.00025.00020.00015.00010.000

5.0000

OrçamentoDespesa de pessoal

Fonte: Unidade Central de Recursos Humanos – Secretaria de Gestão Pública – SP (2012).

Apesar de ter dobrado o custo com pessoal, a arrecadação fiscal também cresceu, proporcionando à administração um orçamento

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mais robusto. Segundo a Lei nº 11.222, de 30/07/2002, que fixou a despesa do estado de São Paulo para 2003, o orçamento daquele ano ficou fixado em R$ 54.618.432.678,00. Portanto, em nove anos, de 2003 para 2011, o orçamento público paulista teve um salto de 159%, o que tem mantido uma margem de segurança significativa no que se refere ao custo com pessoal frente à despesa total do Estado (Gráfico I.2). O crescimento do gasto de pessoal não comprometeu a saúde orçamentária estadual, que se encontra em equilíbrio.

Ainda assim, a décima revisão do PAF, documento do qual retira-mos grande parte dos números apresentados — o qual é parte inte-grante de contrato de confissão e refinanciamento da dívida paulista com a União a exemplo dos que são assinados com muitos outros estados da federação —, traz, no parágrafo 33, diversos compromis-sos de controle, redução e aprimoramento da gestão dos gastos com pessoal. São compromissos de grande abrangência, talvez até maior do que se esperaria em um documento dessa natureza, valendo a pena destacar alguns como condicionantes importantes em qualquer tentativa de análise e proposição de políticas de gestão de pessoas:

33. O Estado deverá adotar ações voltadas à gestão das despesas com pessoal do Poder Executivo, a saber:1) Sistema Previdenciário:1.1 - Regime Próprio:I – aprimorar os instrumentos geradores de in-formações gerenciais relativos aos reflexos pre-videnciários de decisões inerentes à política de recursos humanos do Estado que venham a ser implantadas.

INTRODUÇÃO | 17 |

[...]3) Buscar maior eficiência das organizações públi-cas, melhorando o nível de despesa com pessoal, que no campo da gestão de recursos humanos compreende: I - planejamento da força de trabalho, compatibilizan-do os quadros de pessoal às estruturas organizacionais;II - reestruturação das classes e carreiras com carac-terísticas abrangentes e generalistas, inclusive com amplitude que se alcance o final em no mínimo 25 anos, e ascensão funcional por mérito e por competências;III - ampliação da sistemática de remuneração do Poder Executivo voltada à gestão de resultados;IV - revisão da legislação que rege vantagens pecu-niárias específicas e que sejam incompatíveis com as normas constitucionais, com o mercado de trabalho e/ou com a LRF, a exemplo do adicional de insalu-bridade e do adicional noturno;V - extinção de cargos e funções-atividades vagos e/ou considerados não adequados às novas funções do Estado;VI - implantar ferramenta que possibilite a con-solidação das leis que regem o servidor público estadual, com vistas à edição do novo estatuto do servidor público estadual;VII - expansão do processo de certificação ocupa-cional, por meio de avaliação e desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades básicas, inerentes

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ao exercício de cargos em comissão e funções ou empregos em confiança, no âmbito da administra-ção direta e autárquica;VIII - diminuição dos custos com o absenteísmo por meio de medidas de ordem legal, sobre as ações de saúde e de gestão, inclusive no que se refere às perícias médicas, por abranger o ingresso e os afastamentos de servidores, além da concessão de vantagem a título de insalubridade;IX - implementação de avaliações por competências adquiridas, para fins de progressão funcional para as classes da área meio (LC n. 1080/08), no âmbito da administração direta e autárquica;X - implementação dos concursos de promoção e pro-gressão para as classes da área saúde (LC 1.157/11), no âmbito da administração direta e autárquica.4) Outras medidas de natureza permanente e perió-dica pré-fixada ou de acordo com a necessidade com o objetivo de contenção das despesas com pessoal:I - revisão de pagamentos de complementações de aposentadorias concedidas nos termos da Lei 4.819/58II - recadastramento dos inativos e pensionistas via rede bancária oficial, com auditoria da situação cadastral, via amostragem, inclusive por meio de visitação ao beneficiário;III - realização de auditorias externas nas folhas de pagamento dos servidores ativos, inativos e pen-sionistas;IV - recadastramento anual dos servidores ativos.

INTRODUÇÃO | 19 |

5) Implantação de um sistema único de infor-mação aplicável à área de recursos humanos, inclusive com integração e/ou geração de folhas de pagamento, visando, além da racionalidade das atividades, um melhor controle sobre a despesa com pessoal. (Governo do Estado de São Paulo, 2012, pp.9-11)

Ajustes, controle permanente e aprimoramento dos gastos são medidas sempre necessárias e merecem ser elaboradas e acompa-nhadas com um enfoque estratégico, sob o risco de a máquina ser obrigada a conviver com cortes lineares no futuro, como já se viu várias vezes no passado. No entanto, a questão que im-porta é se podemos afirmar que a eficiência dos serviços públicos cresceu proporcionalmente ao aumento do custo de pessoal e do orçamento.

Assim, este é um excelente momento para ações planejadas na área de recursos humanos, até porque o custo com pessoal continua a crescer, e a perspectiva é de que essa curva apenas se acentue. Além disso, permanece uma série de questões críticas a serem consideradas para o aprimoramento da gestão de pessoas no setor público do estado de São Paulo:•  A despesa com pessoal, como maior item isolado do orça-mento estadual (41% da receita), demanda atenção compatível com a dimensão, complexidade e relevância do assunto. Rigidez de regimes de trabalho e inadequações na legislação de pessoal dificultam uma gestão eficiente e moderna de recursos humanos. O perfil da força de trabalho, em termos quantitativos, quali-tativos e de alocação, também é inadequado aos novos papéis

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que a sociedade espera do Estado, demandando providências para a sua adequação.•  Rigidez na descrição dos postos de trabalho, com carreiras baseadas em formação profissional e não em competências e em atividades a serem desempenhadas. •  Ausência de critérios adequados para a formação das lideranças médias da administração pública, o que faz que técnicos assumam funções de liderança sem possuir o perfil adequado. Desse modo, cria-se um abismo entre as políticas de recursos humanos e a sua efetivação na prática da gestão de equipes.•  Dificuldade de equilibrar critérios técnicos e políticos na es-colha de dirigentes em diversos níveis da administração pública.•  A vasta legislação que determina a gestão de recursos hu-manos, adicionado a interpretações do judiciário e dos órgãos de controle geradores de súmulas, acórdãos e enunciados, tem elevado a judicialização das questões, reduzindo as possibilidades da liderança transformadora.•  Fragmentação e complexidade da legislação sobre gestão de recursos humanos, dificultando o entendimento mais amplo por todos.Pelo exposto, há necessidade de planejamento sistêmico multi-

temporal com os seguintes propósitos: •  Melhorar a qualidade do gasto público com pessoal. •  Adequar o perfil da força de trabalho aos novos desafios.•  Formar e qualificar os profissionais.•  Empoderar, responsabilizar e motivar os funcionários.•  Difundir os valores de mérito e desempenho.•  Fortalecer as lideranças públicas.

INTRODUÇÃO | 21 |

A CONTRIBUIÇÃO DESTE TRABALHO

Soluções pontuais e imediatistas, adotadas ao longo de décadas, transformaram as políticas de recursos humanos no setor público em uma colcha de retalhos desarmônica e “engessada”, na qual se acumulam distorções em todos sentidos, quer olhemos os níveis, as funções ou os setores do governo — desde as camadas estratégicas até as operacionais, desde o recrutamento até a aposentadoria, em todos os campos em que atua. Nesse sentido, qualquer análise isolada de um cargo ou carreira, bem como as tentativas de aprimoramen-to das funções do RH, como a realização de concursos públicos, treinamentos, avaliações de desempenho, entre outras, tendem a fracassar e a padecer do mesmo mal.

Novas soluções, com mais criatividade e inovação — esta última, palavra tão repetida que está sendo esvaziada de sentido tanto no setor público quanto no privado — são urgentes. E tais soluções só podem ser efetivadas com a melhor compreensão dos problemas, seus contex-tos e componentes e da interdependência entre as possíveis soluções.

Nesse contexto, deve-se necessariamente pensar em soluções que partam de enfoque sistêmico, como apresentamos no Capítulo 1. Na sequência, o Capítulo 2 aprofunda as possibilidades da adoção de abordagens mais sistêmicas na prática, ao discutir a gestão de pessoas articulada por meio de competências. Mas deve-se evitar tanto o tecnicismo como a inocência. As mudanças na gestão pú-blica não envolvem apenas questões técnicas e administrativas, mas também conflitos, conforme discutido no Capítulo 5, que aborda as relações de trabalho no setor público.

Introduzir mudanças na administração pública representa sempre ir de encontro a interesses estabelecidos, num contexto com múlti-plos atores e posições divergentes, ou seja, os processos de mudança

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são sempre sócio-técnico-políticos. Cada grupo visualizará o “siste-ma” e seus componentes conforme suas posições e interesses. Ignorar esse aspecto da natureza da administração pública e supervalorizar soluções simplistas é meio caminho para a frustração. Além disso, mesmo quando todos querem resolver os problemas com posturas amplas e construtivas, há uma armadilha adicional: o próprio cére-bro humano — uma máquina geradora de equívocos, imprecisões e generalizações indevidas. Pior, não percebemos claramente nossas próprias limitações e somos atraídos por conclusões que nos con-fortem e satisfaçam nossas necessidades.

É comum na área pública a existência de princípios e leis re-levantes que marcam o sentido dos trabalhos nas diversas áreas da administração. A Lei nº 8.666, de 21/06/1993 representa um marco para a área de licitações. O artigo 37 da Constituição Fe-deral de 1988 direciona a gestão de pessoas, estabelecendo, por exemplo, a obrigatoriedade do concurso público. Todos sabem, no entanto, que apesar de sua abrangência e alto grau de detalhe com que consegue tratar as licitações públicas, a Lei nº 8.666, de 21/06/1993 não apresenta e nem propõe um sistema integrado de gestão de suprimentos. Também os concursos públicos, essenciais e bem-vindos, não significam uma política de recursos humanos, apenas parte: recrutamento e seleção. Um concurso público, isola-do das estratégias organizacionais e das demais dimensões da gestão de pessoas, não trará grandes contribuições, mesmo se executado perfeitamente dentro da lei. Um concurso bem cuidado, livre da cobrança restrita ao conhecimento acadêmico, perderá força se os novos funcionários não forem bem integrados, orientados, treinados, remunerados e motivados. Não basta cuidar bem de uma parte. Na administração, o que importa é o todo.

INTRODUÇÃO | 23 |

Na mesma linha de raciocínio, a necessidade de compreensão mais ampla, o Capítulo 3 mostra que uma das causas mais frequentes de insucesso dos programas de desenvolvimento e treinamento gerencial é a dificuldade prática encontrada pelos gestores para aplicarem os conceitos e técnicas absorvidos. O indivíduo é tem-porariamente exposto a novas possibilidades de aproveitamento de seu potencial, são sugeridas novas atividades para enriquecer seu cargo, novas utilizações dos sistemas de informações, novos métodos de recompensas, e assim por diante. Contudo, ao retornar ao seu posto de trabalho, o profissional percebe que poucas das condições necessárias à aplicação de suas novas ideias existem. A autonomia no cargo é a mesma de antes, e ele não pode alterar os estímulos a seus subordinados. Os sistemas de apoio não estão preparados para fornecerem as informações que solicita na forma e tempo necessários. Enfim, profissional aumentou seu potencial de desempenho, mas a organização não soube como acompanhá-lo, seja institucionalmente, seja tecnologicamente.

Um programa de desenvolvimento abrangente deve combinar a melhoria do desempenho individual dos participantes com o incremento do seu desempenho conjunto, gerando o progresso do trabalho em grupo e do próprio processo de gestão da organização. Esse programa deve procurar a articulação de medidas que conside-rem as aspirações e os anseios dos gestores e demais profissionais e os meios e recursos disponibilizados pela administração. Porém, não basta ter conceitos e articulações sem mensurações que viabilizem medidas operacionais. Isso fica claro no Capítulo 4, que apresenta os estilos comportamentais dos profissionais de gestão de pessoas e, consequentemente, o potencial contributivo e as dificuldades para os avanços pretendidos.

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Como estabelecer uma política de recursos humanos sem clareza das perspectivas de evolução das estruturas do Estado? Mais gente na administração direta ou mais na indireta? Mais organizações sociais e mais terceirização? Quais os impactos das Parcerias Público-Privadas? Ou é melhor privatizar de vez certas atividades? Em todos os casos, como repensar os cargos? Quais carreiras permanecem e devem ser fortalecidas? Quais compe-tências devem ser adicionadas e desenvolvidas? Essas perguntas raramente são respondidas com clareza, e quando o são, não bastam. Há um descompasso entre regime jurídico e necessidade de atuação do Estado que envolve não apenas modificações da estrutura institucional do próprio poder público como trans-formações nas formas de interação com outros atores sociais, conforme apresentado no Capítulo 6. Instabilidades jurídicas, fragilidades conceituais e posições ideológicas dificultam a evo-lução da gestão de pessoas.

O atraso dos marcos regulatórios e o decorrente campo movediço que sustenta mal as políticas de RH ficam patentes nas análises do Capítulo 7, que trata do tema da terceirização. Aplicação abusiva da legislação referente à administração direta, de forma analógica, à admi-nistração indireta, além da publicação de súmulas e acórdãos baseados em conceitos vagos e imprecisos, como atividade fim vs. atividade meio, cujas fronteiras são praticamente impossíveis de estabelecer na prática, são exemplares. Muito do que se publica nesse regramento infralegal é forma desprovida de conteúdo e corporativismo mal dis-farçado por práticas legislativas muitas vezes lamentáveis.

O livro como um todo, e particularmente o Capítulo 8, procura demonstrar que o modelo burocrático tradicional é insuficiente como referência única da administração pública. A mensuração de

INTRODUÇÃO | 25 |

desempenho tem papel central para validar as mudanças desejadas. A organização pública deve ser vista como feixe de contratos, tanto verticais como horizontais, superando a primazia dos primeiros, cristalizadores da hierarquia e centralização excessivas.

O Capítulo 9 prossegue na temática da avaliação de desempe-nho aplicada à remuneração variável. As discussões desse capítulo demonstram que o otimismo dos gestores não encontra fundamen-to na teoria e que aplicações açodadas e irrefletidas geram mais problemas do que avanços. A questão central é: quais são as práticas que terão mais chances de conduzir um sistema de remuneração variável a gerar bons resultados no serviço público brasileiro?

Na gestão pública atual, dominada pela formalidade, com densa legislação sobre os processos de trabalho, há espaço para a diver-sidade e inovação? Os discursos e a maior parte das publicações concentradas nos grandes determinantes da gestão de pessoas no setor público apontam que não. Por um lado, cargos criados por lei, concurso público, estabilidade e isonomia surgiram para proteger os funcionários dos abusos políticos. Por outro lado, regramentos rígidos coíbem as iniciativas e posturas empreendedoras, que ne-cessariamente envolvem riscos. É possível avançar em meio a tal contexto institucional? Saindo das especulações generalizadoras e estudando casos reais como o do Instituto da Criança (ICr), apresentado no Capítulo 10, nota-se que a inovação tem espaço e é viável no serviço público, mesmo dentro dos marcos legais vigentes. Há variações possíveis, as quais, no entanto, na falta de esforços de observação e análise, correm o risco de não serem de-vidamente percebidas e valorizadas. O estudo de caso apresentado naquele capítulo destaca um fator que faz diferença para a gestão de pessoas no ICr: a liderança.

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PALAVRA FINAL

Temos a convicção de ter coordenado a elaboração de uma obra verdadeiramente útil para a administração dos recursos humanos do estado de São Paulo e do Brasil, uma vez que identificamos pontos críticos, soluções e focos de atenção e reflexão que não podem ser desconsiderados, a saber:•  A plena utilização do enfoque sistêmico, pois é impos-sível gestão de pessoas fora de um contexto, desvinculada da organização e de suas funções, estratégias e perspectivas.•  A adoção de conceitos integradores como “competências”, que alavancam e dão sentido às mudanças.•  O aprimoramento e intensificação da avaliação de resul-tados para julgar a qualidade das políticas públicas e de sua implantação.•  A adoção de um modelo abrangente que articule indiví-duos e condições de trabalho a fim de elevar a efetividade dos programas de formação.•  A utilização de modelos, pesquisas, quantificações que permitam a operacionalização das ideias e proposições ge-néricas.•  A consideração da complexidade dos processos de mudan-ça na área pública, sempre sócio-técnico-políticos e plenos de conflitos legítimos numa sociedade democrática.•  A permanente luta para defender o interesse público como valor compartilhado que respeite e supere pontos de vista aparentemente divergentes.Ao concluir a organização deste trabalho, temos certeza que

o leitor atento encontrará muitas informações práticas para o

INTRODUÇÃO | 27 |

aprimoramento da gestão de pessoas no setor público, mas, muito além de receitas “do que fazer” e “como fazer”, o leitor encontrará neste livro contribuições para pensar a gestão de pessoas na administração pública.

Boa leitura!

Hélio Janny TeixeiraIvani Maria BassottiThiago Souza Santos

CAPÍTULO 1

Visão sistêmica e gestão de pessoas

HÉLIO JANNY TEIXEIRADoutor e Livre-docente em Administração pela

FEA-USP e professor da mesma instituição. SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO

Administrador pela FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA).

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Desde os trabalhos pioneiros de Ludwig von Bertalanffy em meados do século passado, o enfoque sistêmico jamais deixou de ser valorizado. Coisa rara na administração, dominada por modismos e ilusões efêmeras. E por quê? Porque os problemas mais complexos da administração envolvem interdependência e combinações de dimensões, ou seja, são sempre sistêmicos. Sendo assim, desde aquela época, o enfoque sistêmico tem sido igual-mente recomendado tanto no campo da administração privada, quanto da pública.

Em sua definição mais simples no campo da administração, sistema é “um conjunto de partes interdependentes, dotado de objetivos” (TEIXEIRA; SALOMÃO, TEIXEIRA, 2010, p. 111). A partir da década de 1960, tem crescido na gestão pública brasileira o número de assuntos tratados formalmente como sistemas, com a criação de diversos sistemas nacionais, em áreas tão distintas como telecomunicações, energia, habitação, segurança pública, assistência social e saúde, esta última consubstanciada no Sistema Único de Saúde (SUS), um dos mais conhecidos e relevantes.

É repetitiva a afirmação de que a complexidade tem crescido na maioria dos campos da vida humana e a velocidade das mudanças se acelerado cada vez mais nas últimas décadas e mais ainda nos

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últimos anos (CASTELLS, 1999), com ampliação do desencontro entre demandas sociais e capacidade de resposta do Estado, que, além das suas obrigações tradicionais, tem que enfrentar novos pro-blemas hipercomplexos. Por exemplo, saúde, segurança e educação, obrigações constitucionais do Estado, são objeto de reclamações constantes da sociedade. Filas, insegurança, percepção de aten-dimentos de má qualidade, ocupam a experiência e a mente dos cidadãos. Além disso, há problemas com novos contornos como o crime organizado, a mobilidade urbana, o consumo de drogas como o crack e necessidade de adaptações do País a crises internacionais. Também a competição entre países, estados e cidades tem crescido, havendo atualmente até mesmo rankings elaborados por organiza-ções internacionais que comparam a atratividade dos mesmos para os investimentos e os negócios.

Esses desafios transcendem as possibilidades dos departamen-tos especializados e também de hierarquias e condicionantes jurídicos convencionais. É importante, então, chamar a atenção para uma característica interessante dos sistemas, diante da con-cepção aqui adotada e apresentada no início do capítulo. Para se otimizar o alcance dos resultados do todo, não basta se preocupar com a otimização dos resultados das partes. Em um sistema, os objetivos das partes, e suas próprias razões de ser, devem ser considerados em função dos objetivos e das missões do todo. Soluções isoladas em fronteiras administrativas de secretarias ou sob óticas conceituais de um único campo do conhecimento tendem a não solucionar os atuais problemas hipercomplexos, quando não a agravá-los.

Apesar da evolução positiva, no Brasil e também no estado de São Paulo, de indicadores de desenvolvimento social como

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esperança de vida, escolaridade, mortalidade infantil, renda per capita e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), os progressos objetivos não têm sido suficientes, pois os cidadãos querem mais, merecem mais e têm cada vez mais consciência de seus direitos. Como afirmamos anteriormente, as melhorias alcançadas não têm sido suficientes porque são produzidas em velocidade menor que a do crescimento das demandas sociais. A concepção sistêmica é mais necessária do que nunca para enfrentar os desafios da gestão pública, sua complexidade cada vez maior e a escassez de recursos diante do crescimento das demandas.

É importante, contudo, evitar tanto raciocínios tecnicistas quanto inocentes. As mudanças na gestão pública não envol-vem apenas questões técnicas e administrativas, mas também dimensões políticas e sociais nem sempre bem compreendidas e explicitadas, como já abordamos anteriormente (TEIXEIRA; SANTANA, 1994, p. 7). Introduzir mudanças na administra-ção pública representa sempre ir de encontro a interesses esta-belecidos num contexto com múltiplos atores e com posições divergentes, ou seja, os processos de mudança são sempre sócio--técnico-políticos. Cada grupo, ou, na definição de “sistema”, cada componente ou “parte”, visualizará o “sistema” e seus ob-jetivos conforme suas posições e interesses. Ignorar esse aspecto da natureza da administração pública e supervalorizar soluções simplistas é meio caminho para a frustração.

A administração pública tem como característica específica uma relação de responsabilidade direta com o processo histórico que se dá na sociedade. Reafirmamos que inexistem soluções efetivas fora de um amplo referencial que respeite a natureza e a complexidade do fenômeno público. Contudo, vale considerar que a própria

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complexidade, por vezes, estimula o simplismo, pois, por sua na-tureza, a administração permite, em alguns casos, o sucesso pelo caminho intuitivo ou mesmo pelo acaso. O fracasso, por sua vez, nem sempre é absolutamente transparente, tornando tênues, aos olhos de muitos, as ligações entre o conhecimento profundo do sistema e o aumento da eficácia nos processos de mudança planejada. Esses fatores, aliados a posições pessoais e grupais não declaradas e a crença em soluções da moda, adotadas pelo setor privado ou em outros países, dificultam e desestimulam o aprofundamento dos estudos na administração pública.

Novas soluções com mais criatividade e inovação — palavra tão repetida que está sendo esvaziada de sentido tanto no setor públi-co quanto no privado — são urgentes e só podem ser efetivadas com a melhor compreensão dos problemas, seus componentes e as interdependências. Isso significa que se deve necessariamente adotar o enfoque sistêmico. Iniciamos este capítulo por uma ideia bastante difundida referente ao crescimento das demandas sociais e terminamos também com uma solução comum: inovação baseada na concepção sistêmica.

Se a solução é tão clara, por que a sociedade vive com um sentimento constante de frustação de expectativas? São muitas as causas, mas dentro do escopo deste capítulo queremos afirmar que interesses e posições particulares superam concepções mais amplas e participativas que mobilizem as energias internas e externas ao Estado na defesa do interesse público. Há um subaproveitamento da energia das pessoas e das soluções disponíveis que, dispersas e pouco articuladas, não evitam a repetição de projetos frágeis e pouco efetivos.

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1.1 NECESSIDADE DE VISÃO SISTÊMICA DA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

Muito da quase permanente insatisfação da maioria dos servidores públicos brasileiros com, por exemplo, a compensação por seu trabalho é fruto da falta de racionalidade sistêmica na gestão de cargos, salários e carreiras nos diversos níveis da administração no País. A concen-tração excessiva da prerrogativa legislativa na esfera federal, somada à combinação de negociações isoladas por categorias, com inúmeros mecanismos que acabam por igualar ou assemelhar muitas carreiras em um efeito cascata, tornam a gestão de recursos humanos no serviço público uma espécie de colcha de retalhos desarmônica e amarrada.

Nesse contexto, qualquer análise isolada de um cargo ou carreira, mesmo as ligeiramente mais abrangentes, tende a padecer e contri-buir para o mesmo mal, sendo mais um pequeno retalho aduzido ao emaranhado geral. Vale destacar que a visão de longo prazo ne-cessária para o tratamento da questão não é contemplada nem pelo Plano Plurianual (PPA) (com horizonte de apenas quatro anos), o que não é compatível com uma abordagem estratégica e sistêmica à gestão de recursos humanos. Mudanças culturais dependem de processos participativos e ciclos de convencimento que podem levar muitos anos, e cada contratação no serviço público tem impactos, não somente econômicos, por cinco, seis ou até sete décadas.

Paralelamente, a escassez de estudos abrangentes, acompanhada pelas distintas óticas nem sempre convergentes por meio das quais a gestão de pessoas no setor público pode ser analisada, tem gerado dificuldade de articular os diferentes horizontes temporais e as dife-rentes dimensões e disciplinas envolvidas nas políticas de Recursos Humanos: econômica, legal e gerencial.

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A falta de interesse em visões mais abrangentes fomenta — ou pelo menos não evita — medidas pontuais que não resolvem as questões de fundo, quando não agravam os problemas, desorga-nizando ainda mais as hierarquias e equilíbrios salariais internos (dentro das organizações e carreiras) e externos (em relação ao mercado de trabalho).

Como é típico das grandes corporações e das organizações públicas, o esforço para dar estabilidade ao sistema não deixa espaços para transformações. A questão de recursos humanos na área pública é ainda predominantemente calcada em prontuários e voltada ao cumprimento de obrigações legais, distante da desejada “gestão de pessoas”.

Os salários crescem principalmente em função do tempo, de forma desigual entre as diversas corporações e sem seguir a uma lógica mais geral. A dedicação e o mérito têm pouca influência, salvo no caso de carreiras com níveis e regras de ascensão predefinidas. Como é típico do ser humano, todos percebem mais claramente seus direitos do que seus deveres. Consequentemente, o envolvimento é baixo (principalmente na inovação), a rotação tende a ser decrescente (aposentadoria integral) e muitos vivem um divórcio sem separação e uma aposentadoria sem abandono do cargo.

Consequentemente, “A capacidade do pessoal [...] continua mal gerenciada com uma gestão muito limitada de competências, sistemas de seleção por mérito estritos e carreiras rígidas e estreitas que impedem a alocação ótima de recursos humanos e limitam as oportunidades para os servidores desenvolverem suas carreiras por meio de mobilidade lateral ou progressão vertical” (OCDE, 2010, p. 196).

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1.2 ORIGENS E SIGNIFICADODE ENFOQUE SISTÊMICO

O enfoque sistêmico surge em função das limitações dos proce-dimentos analíticos cartesianos. Não que o enfoque analítico — que consiste em decompor os problemas em partes a serem reordenadas de forma lógica — tenha perdido utilidade. Mas, simplesmente, como afirma Capra (2007), ele não se aplica igualmente a todas as situações, e seu uso abusivo levou à fragmentação característica do nosso pensamento e das nossas disciplinas acadêmicas e à crença de que os fenômenos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes.

Não é o que ocorre com um fenômeno complexo ou de “com-plexidade organizada”, em que o todo é mais do que a soma das partes, que apresentam fortes interações, não triviais e não lineares (BERTALANFFY, 1973, p. 37-38). Para tornar um pouco mais precisa para o leitor essa expressão, listamos algumas das caracte-rísticas dos sistemas complexos:•  têm o comportamento afetado por um grande número de variáveis;•  nem todas as variáveis e relações que podem afetá-los são conhecidas;•  as relações entre as variáveis não são lineares, aumentando a sensibilidade a peque- nas variações em um dado estado inicial do sistema;•  apesar do caos aparente, a ordem parece surgir naturalmente ao longo do tempo, com certa regularidade, traduzida (essa ordem) em estruturas, formas, comporta- mentos e resultados similares e já conhecidos.

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Para Bertalanffy (1973), os “todos” são formados de partes inter-dependentes. Para compreender o todo, é preciso analisar não apenas os elementos, mas suas inter-relações. A mesma ideia foi recolocada por Senge (1991), ao tratar da aprendizagem organizacional. Para o autor, o pensamento sistêmico é a disciplina que visualiza o todo, reconhece padrões e inter-relações e aprende como estruturar essas inter-relações de forma mais eficiente e efetiva.

A organização como sistema aberto, ou seja, em interação com o ambiente, e a informação como recurso diferenciado são elementos básicos do enfoque sistêmico em administração desde 1960. Mas esses elementos vêm ganhando importância cada vez maior desde 1980, com a emergência da sociedade em rede, caracterizada por vários autores, com destaque para Casttells (1999). A sociedade em rede é baseada num novo modo de produção, em que o conhecimen-to e o processamento da informação tornam-se mais importantes do que outros recursos.

Uma organização pode ser pensada como um conjunto de partes interdependentes como pode ser visualizado na Figura 1.1.

Figura 1.1 A caixa-preta e o conjunto de subsistemas

Coe

rênc

ia V

ertic

al

Coerência Horizontal

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COERÊNCIA VERTICAL

Mesarovic, Macko & Takahara (1970) partem da ideia de que a organização consiste numa família de unidades interativas e hierar-quizadas de tomada de decisão. Uma questão crítica é a forma de coordenação dessas unidades, elevando-se a coerência das decisões. Deve-se compreender como uma caixa ou nível de decisão determina as decisões do nível inferior, e assim por diante, e também que tipo de informação retorna de baixo para cima, conforme ilustra a Figura 1.2.

Figura 1.2 Hierarquização de Sistemas - Mesarovic (1970).

CAMADAS DECISÓRIAS

Nível 1

Nível 2

Nível 3

Estratégico

Tático

Operacional

Exemplo

Escalão 1

Escalão 2

Escalão 3 . . . . . .

Processos

Fonte: Mesarovic (1970).

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COERÊNCIA HORIZONTAL

A coerência horizontal envolve ajuste entre as partes que intera-gem trocando recursos e informações em grandes cadeias de clien-tes/fornecedores internos e externos, conforme ilustração seguinte (Figura 1.3).

Figura 1.3 Cadeia cliente/fornecedor

FORNECEDOR EXTERNO

CLIENTE EXTERNO

CLIENTE / FORNECEDOR

INTERNO

CLIENTE / FORNECEDOR

INTERNO

A Figura 1.4 ilustra as conexões, adotando a linguagem típica do enfoque sistêmico, com questões que facilitam a análise de sistemas:

Figura 1.4 Análise dos componentes de um sistema

ENTRADAS SAÍDAS OBJETIVOS CLIENTEPROCESSAMENTO

Quais são?

Volume?

Forma?

Frequência?

São coerentescom a capacidade do processador?

Quais são? Quais são?

Forma?

Frequência?

Atendem ousuário?

São coerentescom a capacidade do processador?

Recursos eprocedimentos

adotados?

Coerência com o fluxo de entradas

e saídas?

São coerentescom o ambientee com as saídas?

Quais são as demandas?

Estão sendoatendidas?

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A revisão de processos, que sempre foi importante na adminis-tração, tanto sob a ótica dos antigos conceitos de organização e métodos (O&M) e análise de sistemas, como nas visões mais mo-dernas da qualidade total e da reengenharia, recentemente ganhou autonomia e literatura própria, e também teve seu foco ampliado para a gerência de processos.

1.3 PLANEJAMENTO: VISÃO SISTÊMICA E COERÊNCIA VERTICAL E HORIZONTAL

AO LONGO DO TEMPO

Como bem mostrou Simon (1967), há duas formas principais para promover a integração das ações e decisões numa organização: planejamento e comunicação. Sabemos que ambos se comple-mentam e se interpenetram, pois a comunicação humana, baseada numa linguagem articulada e simbólica, é característica essencial da natureza humana e, consequentemente, marca todos os seus atos.

Podemos considerar a organização como um conjunto de unida-des interdependentes em que se tomam decisões. O planejamento visa a permitir ou facilitar a integração dessas decisões (e conse-quentemente das ações), que se dão em diferentes unidades ou em diferentes níveis de uma mesma unidade. Somente a existência de um esquema de referência abrangente (conjunto de planos) pode evitar o caos, no caso de decisões que devem ser tomadas simulta-neamente por dizerem respeito ao mesmo processo e não poderem, portanto, entrar em conflito. Além da função de “manutenção”, o planejamento é também o principal instrumento utilizado para promover “mudanças” organizacionais, tendo em vista a adaptação

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a novas situações ambientais ou simplesmente visando o melhor aproveitamento de situações estáveis.

Como mostra Ackoff (1976, p. 2-3), o exercício do planejamento se confunde com o próprio enfoque sistêmico: “Planejamento é necessário quando a consecução do estado futuro que desejamos envolve um conjunto de decisões interdependentes; isto é, um sistema de decisões. Um conjunto de decisões forma um sistema se o efeito de cada decisão no resultado desejado depende de, pelo menos, outra decisão do conjunto. O conjunto de decisões que exijam planejamento tem as seguintes características”:

a) “São muito grandes para serem manipuladas de uma só vez. Portanto, o planejamento deve ser dividido em estágios ou fases que sejam desenvolvidas em um único ponto de decisão ou simul-taneamente, em diferentes pontos ou mesmo por alguma união de esforços em série e simultâneos. O planejamento deve ser dividido em etapas ou, em outras palavras, ele deve ser planejado em si.”

b) ”O conjunto de decisões necessárias não pode ser subdividido em subconjuntos independentes. [...] Isso quer dizer que decisões tomadas em primeiro lugar no processo de planejamento devem ser levadas em consideração, ao se tomar outras, posteriormente; e as primeiras decisões devem ser revistas à luz das outras que lhe seguirem.”

Ainda segundo Ackoff (1976):Essas duas propriedades sistêmicas do planejamento provam que

ele não é um ato e sim um processo, sem fim natural ou ponto final. É um processo que (se espera) se aproxima de uma “solução”, mas nunca chega mesmo até ela, por duas razões. Primeiro, porque não há limite para a quantidade de revisão que se possa fazer de decisões anteriores. Entretanto, o fato de que é necessário agir faz com que se tenha que adotar o planejamento da maneira que ele estiver num

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determinado momento. Em segundo lugar, tanto o sistema para o qual se planeja quanto o seu ambiente mudam durante o processo de planejamento e nunca é possível levar todas essas mudanças em consideração. Em parte, em função disso é que existe uma necessi-dade contínua de atualização e “manutenção” de um plano.

Na prática organizacional, o planejamento representa o principal meio para a efetivação do enfoque sistêmico.

1.4 DIFICULDADES DA APLICAÇÃO DA VISÃO SISTÊMICA NA GESTÃO DE PESSOAS

A aplicação do enfoque sistêmico envolve a resposta a, pelo menos, quatro questões:

a) O que significa o todo?b) Quais são seus componentes? c) Como os componentes se inter-relacionam?d) Como fortalecer a coerência sistêmica horizontal, vertical

e temporal?Essas perguntas não podem ser respondidas independentemente,

pois só é possível pensar no todo considerando-se as partes e suas inter-relações. E a coerência sistêmica nada mais é do que a integra-ção horizontal e vertical das partes ao longo do tempo.

Mas a prática de gestão de pessoas na área pública enfrenta dificul-dades para acompanhar as recomendações da literatura, incorrendo repetidamente nos seguintes vícios:•  Ampliação indevida do significado das partes.•  Tratamento isolado das partes. •  Dificuldade de visualizar o todo.

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a) Ampliação indevida do significado das partesÉ comum na área pública a existência de princípios e leis relevantes

que marcam o sentido dos trabalhos nas diversas áreas da adminis-tração. A Lei 8666 representa um marco para a área de licitações. O artigo 37 da constituição direciona a gestão de pessoas, estabelecendo, por exemplo, a obrigatoriedade de concurso público. A Lei de Res-ponsabilidade Fiscal apresenta os limites de gastos e outras referências para as finanças públicas. Todos sabem, no entanto, que, apesar de sua abrangência e alto grau de detalhe com que consegue tratar as licitações públicas, a Lei 8666 não apresenta e nem propõe um sistema de gestão de suprimentos integrado, pois trata apenas de licitações e contrata-ções. Também os concursos públicos, essenciais e bem-vindos, não significam uma política de recursos humanos, mas apenas uma parte de dois dos seus aspectos: recrutamento e seleção. Da mesma forma, a Lei de Responsabilidade Fiscal nunca teve a pretensão de propor uma gestão financeira integrada. Mesmo com os seus direcionamentos e restrições, as leis mencionadas não vedam complementos e cuidados nas aplicações. A Lei 8666 teria mais impactos se acompanhada de previsão bem feita da necessidade de materiais, análise de mercados fornecedores, estudo dos padrões de consumo, controle de estoque, estudo de custos globais e treinamento de compradores. Ou seja, a lei não coíbe uma logística pública integrada, mas poucos a prati-cam. O mesmo vale para as outras leis citadas. Um concurso público mal feito não trará grandes contribuições mesmo dentro da lei. Da mesma forma, um concurso bem cuidado, livre da cobrança restrita do conhecimento acadêmico, perderá força se os novos funcionários não forem bem integrados, orientados, treinados, remunerados e motivados, ou seja, não basta cuidar bem de uma parte, porque, na administração, o que importa é o conjunto.

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b) Tratamento isolado das partesTanto a literatura como a prática da gestão de pessoas trata

das funções típicas de RH – recrutamento, seleção, treinamento, análise de cargos e carreira, avaliação, remuneração e desligamento de forma isolada. Como mostram Zaccarelli & Kwasnicka (1978, p. 47), “o tratamento conjunto desses assuntos é nulo ou insufi-ciente, embora, evidente que seja muito importante.” Os autores nos alertam para as relações que devem haver entre, por um lado, as estratégias organizacionais e as políticas de recursos humanos, e, por outro, para coerência e complementaridade que devem ser buscadas entre as próprias funções da gestão de RH. Assim é que decisões acertadas no recrutamento e seleção tendem a facilitar a formação e treinamento, os quais, por sua vez, viabilizam o desen-volvimento de competências e a implantação de sistemas de carreira e remuneração, e assim sucessivamente. Usualmente, não é feito o tratamento conjunto das partes, que envolve a visualização das funções, suas articulações entre si e com o contexto.

c) Dificuldade de visualização do todoReferenciais não faltam para indicar quais os componentes e con-

dicionantes da gestão de pessoas. Longo (2003) apresenta um modelo integrado de gestão bastante difundido nos países ibero-americanos (vide figura 1.5) e que deu origem a uma metodologia de avaliação também bastante utilizada. Também Levy (2012) apresenta um quadro amplo sobre a questão. Mas os acadêmicos e os estudiosos têm avançado mais do que a prática por três razões principais. Em primeiro lugar, os atores envolvidos com o mundo real estão dispersos e marcados por interesse específicos. Assim, decisões que necessitam de integração para constituir um todo significativo são tomadas por grupos distintos, com referenciais particulares e sem visualização do conjunto.

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Figura 1.5 Modelo integrado de gestão

Enquadramento legalMercado de trabalho

GESTÃO DERECURSOSHUMANOS

RESULTADOS

PESSOAS

ESTRATÉGIA

AMBIENTEEstruturaCulturaOutros

CONTEXTO INTERNO

ESTRATÉGIA

PLANIFICAÇÃO

Projeto de trabalhoDefinição de perfis

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

IncorporaçãoMobilidade

Desvinculação

TRABALHOS DE GESTÃO

PlanejamentoAvaliação

GESTÃO DE RENDIMENTOS

Compensação monetária e não monetária

PROCESSAMENTO

Aprendizagemindividual e coletiva

PROMOÇÃO E CARREIRA

Relações Políticas sociaisAmbiente de trabalho

GESTÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS E SOCIAIS

Fonte: Longo (2003)

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Seguindo o entendimento de Longo (2003), quem cuida do en-torno (legisladores, procuradores, governante) é diferente de quem trata do contexto interno (secretários, secretário adjunto, chefe de gabinete etc.), que está distante de quem faz a gestão de pessoas (unidades de recursos humanos e conjunto de gestores). Como as unidades de RH podem delinear políticas de recursos humanos sem conhecimento e sem participação em outras camadas decisórias? Da mesma forma, como gestores de linha (diretores, coordenadores, chefes) podem dar sentido e liderar suas equipes em processos de transformação obscuros?

As limitações do cérebro humano representam uma segunda razão para a fragilidade da utilização de concepções sistêmicas na prática. Como mostra a psicóloga cognitiva Kahneman (2012), o cérebro humano apresenta limitações desconcertantes, pois é uma máquina de tirar conclusões precipitadas e equivocadas, incapaz de admitir a verdadeira extensão da própria ignorância. Superestima-mos o quanto compreendemos sobre o mundo. Ou seja, as pessoas pensam que compreendem o todo, que têm uma visão holística, mas se iludem com algumas partes como se fossem o todo. Muito estudo, muitas teorias, muita participação devem ser empregados para reduzir os equívocos e construir de fato bons modelos para operar sobre a realidade. A leitura de Senge (1991) sobre aprendi-zagem organizacional certamente contribui para essa empreitada.

Em terceiro lugar, não basta ter os modelos e a visão sistêmica, com inúmeras variáveis interligadas conceitualmente, sem mensu-rações, sem pesquisas que indiquem mais concretamente os con-tornos e os pesos dos problemas e das soluções. Colocações gené-ricas alimentam ou modificam as generalidades vigentes, numa generalização sem fim. Por isso é comum afirmar que no Brasil, e

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em particular na gestão de pessoas do Setor Público, são escassos os estudos quantitativos e abrangentes que ajudem a construir o sentido das políticas públicas.

Os conceitos apresentados neste capítulo indicam dois grupos de diretrizes ou princípios para uma forma mais estratégica e sistêmica de atuação na gestão pública.

No primeiro grupo, situam-se diretrizes “políticas” ou relativas à “atitude” de governantes e gestores. Tais diretrizes indicam a necessidade de superação das dificuldades crônicas para a adoção do tratamento sistêmico e estratégico dos seguintes problemas da gestão pública: a supervalorização e tratamento isolado das partes e o tecnicismo inocente, que se ilude quanto à existência de um “pacote técnico de soluções sistêmicas”. É necessário, também, tomar cons-ciência da importância, entender a abrangência do escopo e assumir os desafios políticos de uma postura sistêmica no planejamento e na gestão no setor público, inclusive a de pessoas.

No segundo grupo, encontram-se os princípios da busca perma-nente de coerência estratégica (externa/superior) e sistêmica (verti-cal, horizontal e no tempo) no planejamento e gestão de políticas, programas, projetos e organizações públicas.

O apresentado, pois, até o momento, já seria suficiente para um administrador público experiente rever estratégias e planos de trabalho, pessoais e de sua equipe num primeiro momento, e de sua unidade, instituição e programas progressivamente, dependendo das condições políticas, restrições e oportunidades que encontrar.

Mas vamos nos propor a fazer uma reflexão sobre as formas ou mecanismos da transposição, para a prática, dos conceitos apresen-tados até este momento, por meio de um “exercício” de aplicação a uma situação mais próxima da realidade.

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Preferimos chamar de exercício os comentários seguintes uma vez que não se trata, em absoluto, de um estudo de caso, mas de especulações em torno dos conceitos apresentados até aqui neste capítulo, desenvolvidas com base em informações de uma pequena cartilha de “Planejamento Estratégico” de uma autarquia autôno-ma do estado de São Paulo (Iamspe, 2009), complementadas por impressões colhidas em um breve programa de formação de que os autores participaram na instituição.

Da nossa definição de sistema como “um conjunto de partes interdependentes, dotado de objetivos” (TEIXEIRA; SALOMÃO; TEIXEIRA, 2010, p. 111) apresentada no início do capítulo de-preende-se naturalmente, no caso das organizações complexas ou mesmo da concepção e gestão de políticas públicas (inclusive as orientadas para pessoas), que deve haver mecanismos, instrumentos, metodologias e/ou processos técnico-políticos para estabelecimento dos objetivos do conjunto e os objetivos das partes, bem como as formas e regras de relacionamento entre as partes, dada sua inter-dependência.

O planejamento é o primeiro e um dos mais comuns desses mecanismos, estabelecendo referenciais e objetivos comuns ou coe-rentes com o do conjunto e entre as partes. Desde que realizado de acordo com as necessidades dos diferentes momentos da organização e tratado como processo e não como evento, o planejamento pode incorporar os princípios e a linguagem sistêmica, representando uma boa “tradução” dos conceitos da teoria dos sistemas para a prática da gestão organizacional. Para tanto, é preciso que o próprio plane-jamento se desenvolva com uma abordagem sistêmica, procurando intencionalmente dotar as práticas e processos organizacionais de coerência vertical, horizontal e no tempo.

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A coerência vertical pode ser estimulada por meio de adap-tações sucessivas das camadas inferiores às diretrizes das camadas superiores, o que se obtém com a elaboração e adoção de um pla-nejamento e gestão estratégicos. Em ambientes em que se pratica um planejamento mais participativo, o que é recomendável sempre que possível, pode-se visualizar um processo de adaptações suces-sivas tanto de cima para baixo, quanto de baixo para cima. Nesses casos, o que chamamos de “camadas superiores” tem um sentido muito mais conceitual, teleológico, relacionado a objetivos, do que um sentido hierárquico, uma vez que as pessoas mais próximas dos processos que ocorrem na base da hierarquia também influenciam o estabelecimento dos objetivos de maior abrangência.

A coerência horizontal será dada, por sua vez, nos processos de planejamento gerenciais e operacionais. Colocando de outra forma, pode-se dizer que o planejamento dos níveis intermediários e operacionais da organização ou da implantação de políticas deve-se desenvolver e executar com base numa visão de processos, de cadeia de trabalho, de balanceamento de cargas, de cliente e fornecedor (interno e externo).

A coerência no tempo, por fim, tem de ser garantida desde o início, com a previsão de momentos de revisão dos planos e tratamento de problemas, objetivos e estratégias emergentes que certamente sobrevirão após a realização das primeiras “rodadas” do planejamento. A mudança de contexto, tecnologias, necessidades, demandas e objetivos não deve ser tratada como exceção ou empe-cilho, mas como cenário mais provável e até como oportunidade de avanços ou solução de problemas.

Vamos, então, a seguir, fazer algumas reflexões, especulações mes-mo, sobre como se dariam, na prática, essas adaptações estratégicas

VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 51 |

na organização mencionada, ou ao menos sobre a parte delas que é possível com as poucas informações disponíveis.

1.5 ESPECULAÇÕES EM TORNO DE UM EXEMPLO

BREVE HISTÓRICO

O Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) é “[...] uma entidade autárquica autônoma, sem fins lu-crativos, com personalidade jurídica e patrimônio próprios. Atual-mente, está vinculado à Secretaria de Gestão Pública do Estado de São Paulo”. (Iamspe, 2009, p. 8) Sua finalidade é “Prestar assistência médica e hospitalar, de elevado padrão, aos seus contribuintes e beneficiários.” (Iamspe, 2009, p. 8)

Criado como departamento em 1952 (Departamento de Assistência Médica ao Servidor Público do Estado de São Pau-lo — Damspe), inaugurou, em 1961, o Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), tendo-o sob sua responsabilidade até os dias de hoje. Em 1966, desliga-se do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp), recebendo sua denominação atual de Iamspe.

Apenas recentemente, em 2008, o instituto é transferido da Secretaria de Saúde para a Secretaria de Gestão Pública.

O que ser percebe, pelas origens do Iamspe, mas ainda mais na interação com seus servidores e no contato com o próprio servidor estadual, é a identificação do instituto com a atividade médica em si, muito mais do que com um plano de assistência à saúde em sentido amplo. A força da imagem do Hospital do Servidor, a excelência dos serviços prestados desde sua fundação (hoje já um

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tanto depreciada por diversas razões) e a inegável qualidade de suas equipes médicas e de enfermagem colaboraram enormemente para essa identidade.

Nas últimas décadas, à semelhança da maioria dos serviços públicos, o instituto passou a enfrentar problemas na prestação de seus serviços, cuja demanda crescente enfrenta dificuldades de atendimento, na qualidade e cobertura a que contribuintes e beneficiários se acostumaram no passado. Tais dificuldades são explicadas, ao menos parcialmente, pelos problemas de financia-mento dos serviços.

DESTAQUES DO PLANEJAMENTO

ESTRATÉGICO 2008-2010

As declarações estratégicas apresentadas no Planejamento Es-tratégico 2008-2010 (Iamspe, 2009, p. 9; 18-19) do instituto são as seguintes:

MISSÃO:

Atuar na promoção da saúde, prevenção de doenças, assistência e reabilitação dos doentes, garantir o acesso à rede de serviços, própria ou contratada, por meio da gestão dos recursos, do ensino, da pesquisa e do aprimoramento, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos seus contribuintes e beneficiários.

VISÃO:

Ser reconhecido [...] por oferecer aos seus contribuintes e benefi-ciários maior cobertura no atendimento com excelência de serviços, e também como:

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I. formulador e controlador de políticas de promoção da saúde, prevenção de doenças, assistência e reabilitação de doentes, com foco no usuário;II. organização pautada em critérios de equidade e integrali-dade;III. a melhor relação custo benefício para o usuário;IV. serviço de fácil acesso para o usuário;V. instituição com ampla rede de parcerias.

Será uma organização com maior autonomia, orientada para resul-tados e pautada por valores éticos, com transparência e humanidade.

OS 12 OBJETIVOS ESTRATÉGICOS:

Sustentabilidade (a)1. Promover a sustentabilidade orçamentária e financeira do Iamspe.2. Garantir a melhor relação custo/benefício para o usuário.3. Adotar princípios modernos de governança corporativa.Sistema de saúde (b)4. Implantar e consolidar sistema baseado na prevenção das doenças e na promoção da saúde, equilibrado quanto à prestação de serviços médico/hospitalares.5. Atingir sinistralidade menor ou igual a 75%.6. Descentralizar a prestação de serviços médico/hospitalares.Qualidade (c)7. Adotar os critérios de equidade e integralidade na prestação dos serviços.8. Instituir eficiente rede de parcerias.9. Agregar efetivo valor aos usuários.

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Processos (d)10. Racionalizar e desburocratizar os processos de atendimento e de prestação dos serviços.11. Revisar e adequar os processos de trabalho administrativo.12. Adequar e ampliar as ações referentes à tecnologia da informação.

COMENTÁRIOS SOBRE A MUDANÇA DE

“POSICIONAMENTO” ESTRATÉGICO DO IAMSPE

O plano estratégico de que foram extraídas as declarações acima surge ao final de um longo processo de desequilíbrio financeiro, com reflexos importantes na capacidade de expansão dos serviços e também na qualidade dos mesmos.

Em um momento em que o País busca uma gestão orçamentária mais rígida e em plena vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, o instituto apresentava déficits anuais em torno de 25 milhões de reais, além da pressão pelo resgate da qualidade dos serviços.

A realidade colocou a instituição diante de uma necessidade de mudança estratégica, se não em nome da sobrevivência, ao menos para recuperar a qualidade dos serviços e atender aos novos acordos estabelecidos com o governo. O Planejamento Estratégico 2008-2010 (Iamspe, 2009) é, sem dúvida, uma res-posta nesse sentido.

Duas mudanças no “posicionamento estratégico” do Iamspe merecem ser destacadas no contexto deste capítulo: •  Do foco anterior na qualidade da medicina “a fundo perdido” ao foco na relação benefício-custo para o contribuinte e benefi-ciário, com equilíbrio orçamentário e parâmetros de mercado.•  Do foco em atividades “hospitalares” ao foco em “assistência à saúde”.

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EM BUSCA DE COERÊNCIA VERTICAL,

HORIZONTAL E NO TEMPO

Exemplificando as decisões típicas de cada nível no caso de uma organização pública como o Iamspe, com base na teoria proposta por Mesarovic e outros (MESAROVIC; MACKO; TAKAHARA, 1970) comentada anteriormente (tópico 1.2; Figura 1.2), podemos traçar o seguinte diagrama, convergindo para as questões relativas à gestão de pessoas e RH:

Figura 1.6 Hierarquização de decisões na gestão de pessoas

• Estabilidade• Concurso• Isonomia• Aposentadoria integral• Responsabilidade fiscal

• Quantidade próprios vs. terceiros• Especialistas vs. Gestores de contratos• Formação médica vs. Formação gerencial• Carreiras médicas vs. Carreiras gerenciais

• Equilíbrio financeiro• Ampliação de rede credenciada• Fortalecimento da gestão de parcerias

• Contratos com OSs• Convênios e parcerias• Terceirização de serviços• Cargos largos• Certificação profissional• Fortalecimento/formação de lideranças• Remuneração (mercado/mérito)

• Atribuições médicas vs. Gerenciais• Critérios de avaliação• Objetivos e metas

• Princípios doutrinários• Marcos regulatórios

DECISÕES DE ESTADO

DECISÕES DE CARGO

• Prioridades e estratégias de governo• Fazer ou contratar• Amplitude de cargos• Valorização/Profissionalização• Remuneração/Politicas de mérito

DECISÕES DE GOVERNO

• Missão/Visão• O que fazer vs. O que contratar• Como fazer e como contratar• Políticas, objetivos e projetos estratégicos

DECISÕES SETORIAIS/ORGANIZACIONAIS

• Dimensionamento• Recrutamento e seleção• Remuneração/Avaliação• Desenvlvimento; etc.

DECISÕES NA ÁREA (PESSOAS/RH)

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Para a dimensão que queremos explorar neste capítulo, as duas camadas iniciais, denominadas “Decisões de Estado” e “Decisões de Governo”, devem ser tomadas como dados de contexto, ou melhor, como decisões de camadas superiores que, desde que aceitas como vá-lidas ou legítimas, demandam “adaptações estratégicas” das camadas inferiores. Merecem destaque, no caso em análise, por exemplo, a Responsabilidade Fiscal e a Terceirização de Serviços.

Vale a pena, neste ponto, um comentário sobre o significado de “gestão estratégica” que adotamos neste texto. A literatura sobre gestão estratégica e planejamento estratégico tende a valorizar os processos “centrados na organização” em análise e a praticamente ignorar os processos de adaptação estratégica que cabem às cama-das inferiores, às organizações subordinadas a outras organizações (como as secretarias, ministérios, empresas públicas, diretorias, departamentos), ou, na linguagem sistêmica, as adaptações dos objetivos das partes, em relação aos objetivos do todo. O risco decorrente, no caso das organizações públicas, é realizar o pro-cesso de análise estratégica “a partir do zero”, supervalorizando o ambiente externo propriamente dito (sociedade, comunidade, economia, clientes e concorrentes externos) e, consequentemente, subvalorizando o ambiente “do Estado e do Governo” (marcos legais, prioridades políticas e programas de governo). Adaptar-se a políticas de governo legitimamente estabelecidas é também atuar estrategicamente, além de fundamental para o fortalecimento da democracia. Guardadas certas necessidades de garantia de manutenção de serviços básicos, muito do que vulgarmente se denomina atualmente, de forma pejorativa, como “descontinui-dade administrativa”, pode ser mudança decorrente de projetos políticos legitimados nas urnas.

VISÃO SISTÊMICA E GESTÃO DE PESSOAS | 57 |

Voltando ao caso em análise, tomemos como foco os dois princí-pios destacados, a Responsabilidade Fiscal e a Terceirização de Serviços e realização de parcerias, que assumimos como estabelecidos nas camadas superiores. Lembramos que nosso objetivo neste trabalho é somente explorar o processo de adaptação estratégica e a aplica-ção da abordagem sistêmica à gestão de pessoas no setor público e não o julgamento ou avaliação das políticas públicas efetivamente implantadas.

Diante das pressões sociais e das decisões superiores de equilí-brio orçamentário e de ampliação da cobertura do atendimento a contribuintes e beneficiários, são tomadas, no nível da organização, decisões estratégicas de equilíbrio orçamentário, de — suposição nossa — mudança de posicionamento institucional, de “gerenciador de serviços hospitalares” para “gerenciador de serviços de saúde”. Em muitos sentidos, o documento do planejamento estratégico da instituição (Iamspe, 2009) e as informações colhidas informalmente no contato com os participantes do processo de formação de que os autores participaram corroboram essa interpretação, a qual, no entanto, é secundária para as finalidades deste trabalho. Interessa-nos especular sobre o significado do que temos chamado de visão sistê-mica aplicada à gestão de pessoas e também de adaptação estratégica.

Correndo o risco de simplificar exageradamente o significado da mudança, cabe, nesta camada institucional — ou seja, da di-reção geral da organização — firmar a alteração da sua posição de “gerenciadora de hospital” para a de “gerenciadora de um plano de saúde”. Em princípio, esse novo posicionamento parece uma resposta coerente para o duplo desafio de, simultaneamente, expan-dir a cobertura e equilibrar o orçamento. A expansão da cobertura aumenta o potencial de receita, por evitar a perda de clientes e

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evitar a sobrecarga do HSPE. Ao mesmo tempo, a expansão via credenciamento de terceiros da iniciativa privada reduz os custos, tanto por não requisitar investimentos em ativos, quanto por so-mente ser necessário o custeio dos serviços efetivamente utilizados. Cabe ressaltar que muitos dos planos de saúde privados, líderes de mercado, mantém um hospital geral como unidade prioritária e estratégica em suas operações. Portanto, a eventual mudança de posicionamento estratégico do Iamspe não implica necessariamente sequer no enfraquecimento do Hospital do Servidor, muito ao con-trário. O mesmo se aplica às clínicas próprias do Iamspe localizadas em municípios estratégicos.

Mas, uma vez aceita essa mudança de foco, o papel da instituição passa a ser o de gerenciador de serviços de saúde para seus clientes, serviços próprios ou de terceiros, podendo priorizar a elevação dos índices de cobertura e qualidade, com redução de custos, indepen-dentemente da vinculação.

Essa adaptação estratégica de primeiro nível do sistema, em res-posta a pressões ambientais e das camadas superiores de governo, gera um novo desafio, no entanto, de desenvolvimento de novas competências na instituição para selecionar, contratar e gerenciar o serviço de terceiros. Antes mesmo, a instituição precisa tomar decisões sobre quando, em que casos e onde prestará os serviços diretamente e quando contratará de terceiros. Também terá de de-cidir como gerenciará a prestação dos serviços de terceiros e como garantirá a padronização entre os serviços próprios e os contratados. Afinal, não deve transparecer qualquer diferença entre contribuinte e beneficiário.

Muitas outras prioridades, funções e processos organizacionais devem ser revistos para completar essa primeira fase da adaptação.

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Em mudança de tal porte, a própria estrutura organizacional teria de ser revista, aumentando o balanceamento entre a importância de áreas médicas e de áreas de convênios, gestão de contratos, aprovação de procedimentos etc. Também o relacionamento entre essas áreas deve ser disciplinado, o que colaboraria para o alcance da coerên-cia horizontal nos processos da instituição. Estamos cientes das inúmeras lacunas que deixamos atrás e ainda deixaremos à frente neste exercício, cujo objetivo não é esgotar o assunto, mas ilustrar o tema. Passemos, então, à reflexão sobre as decisões de adaptação das camadas da gestão de pessoas e recursos humanos e de revisão dos quadros e cargos.

É claro que, quanto mais descemos do topo aos níveis gerenciais e operacionais da organização, multiplicam-se as funções e ramifi-cam-se as especialidades, tornando difícil a cobertura de todas elas em um trabalho como este. Então, tanto quanto fizemos até aqui, apenas alguns exemplos serão explorados, sem qualquer pretensão de esgotar o tema.

Dimensionamento de quadro: em resposta à nova ênfase dada ao credenciamento de clínicas e laboratórios privados para o atendi-mento aos beneficiários, é necessário um novo balanceamento entre quadros médicos e de enfermagem e quadros técnicos, gerenciais e de contratação, monitoramento e controle de terceiros.

Recrutamento e seleção: de forma análoga, buscando tanto a coerência vertical com as novas estratégias organizacionais, quanto a coerência horizontal com o novo perfil dos quadros profissionais, o recrutamento e seleção deve passar a enfatizar a contratação de atuários, prospectores de serviços, compradores e gestores de contra-tos, cuidando apenas da manutenção ou do crescimento vegetativo dos quadros médicos, de enfermagem e bioanálise, por exemplo.

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Formação: será necessário rever as necessidades de formação e desenvolvimento, de modo a fortalecer os quadros (novos e atuais) também nos perfis de contratador e gerenciador de serviços de saúde, tanto para os novos contratados com formações diversas, quanto para os quadros médicos, de enfermagem e de serviços de exames. É importante frisar que, quando falamos de uma mudança de perfil profissional, incorporando novas competências ao quadro da instituição, não estamos falando necessariamente em substitui-ção de pessoas. Ao contrário, a formação em saúde continua sendo fundamental mesmo para o exercício das funções de gerenciados de serviços, que, de resto, continuam sendo serviços de saúde. Mas o desenvolvimento ou fortalecimento de novas competências a esse quadro é importante até mesmo para sua manutenção e valorização.

Carreira e competências: necessidade de criação de “atalhos horizontais” para gestores médicos e enfermeiros para a função de gerenciamento de terceiros. Criação de caminhos em Y para permitir a derivação de profissionais técnicos para a carreira gerencial ou a progressão na carreira técnica.

Avaliação e remuneração: criação de mecanismos de valorização “equivalente” de carreiras médicas e de gerenciamento de serviços de saúde (reforçando que as segundas podem e devem ser ocupa-das também por profissionais com formação em áreas de saúde), incluindo a revisão de metas e instrumentos de avaliação, adequadas a cada área e função.

Desligamento: é possível também que seja necessária a criação de programas de desligamento e/ou recolocação, na eventualidade de excessos de quadros ou dificuldades localizadas de adaptação à nova realidade.

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1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como afirmamos em vários momentos, o planejamento, em um sistema sócio-técnico-político, que se pretende em permanen-te adaptação a novos desafios e estratégias, não deve ser encarado como um evento, com começo, meio e fim, mas como um processo permanente. É com essa consciência que os planejadores poderão aprimorá-lo progressivamente e manter sua coerência no tempo.

Ao encerrar este capítulo, deixamos claro o entendimento das dificuldades de implantação e manutenção de um planejamento ver-dadeiramente estratégico, sistêmico e de longo prazo no setor público brasileiro. Os tempos e os marcos regulatórios da política brasileira conspiram ainda contra essa possibilidade, multiplicando os atores sociais envolvidos, e de forma muito desigual entre eles, pela fraqueza dos nossos mecanismos de representação e participação social.

Nesse contexto, é dificultada a manutenção de sistemas integrados de planejamento de curto, médio e longo prazos, mesmo em áreas básicas ou típicas do serviço público e de utilidade pública.

A criação e manutenção de mecanismos mais permanentes, definidos em lei, de transparência e governança, como alguns que já começam a existir ainda de forma embrionária, talvez seja um bom caminho nessa direção.

1.7 REFERÊNCIAS

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BERTALANFFY, L. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 1973.

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1999. IAMSPE. Planejamento Estratégico 2008-2010. São Paulo,

SP Iamspe - Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual / Imprensa Oficial do Estado, 2ª edição, 2009.

LEVY, Evelyn. Incentivos e condições para o desempenho dos servidores públicos: conclusões a partir de um estudo sobre Austrália e Brasil. In VII CONGRESSO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINIS-TRACIÓN PÚBLICA. Cartagena de Indias, 30 oct./02 nov. 2012.

Longo, M. F. VII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, oct. 2003, p. 28-31.

KAHNEMAN, D. Rápido e devagar - duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetva, 2012.

MESAROVIC, M. D.; MACKO, D.; TAKAHARA, Y. Theory of multi-level hierarchical systems. Madison: Academic Press, 1970.

OCDE. (2010). Avaliação da Gestão de Recursos Humanos no Governo - Relatório da OCDE - Brasil 2010 - Governo Federal. Brasil: OCDE.

SENGE, P. A quinta disciplina. Rio de Janeiro: Best Seller, 1991. SIMON, H. Teoria das organizações. Rio de Janeiro: FGV,

1967. TEIXEIRA, H. J.; SANTANA, S. M. Remodelando a gestão

pública. São Paulo: Edgard Blücher, 1994. TEIXEIRA, H. J.; SALOMÃO, S. M.; TEIXEIRA, C. J.

Fundamentos de administração: a busca do essencial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

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ZACCARELLI, S. B.; KWASNICKA, E. L. Hierarquização de decisões da função pessoal. Revista de Administração, Volume 13, p. 47-62. São Paulo: Instituto de Administração – FEA-USP 1978.

CAPÍTULO 2

Gestão de pessoas articulada por meio de competências

JOEL SOUZA DUTRAMestre em Administração de Empresas pela FGV-

SP e doutor em Administração pela USP. Atualmente é Professor livre-docente da FEA-USP e Diretor do Departamento de Recursos Humanos da USP.

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2.1 INTRODUÇÃO

A gestão de pessoas na administração pública vem se renovan-do com grande intensidade desde a década de 1990. Na primeira década dos anos 2000, entretanto, essa área deu grande salto em direção à modernização, com feitos importantes, tais como gestão do desenvolvimento dos servidores, sistemas de avaliação, revisão de cargos e carreira e, mais recentemente, revisão da remuneração.

Há um esforço muito grande em tornar o servidor protagonista de seu desenvolvimento e de sua carreira. Para tanto, o investi-mento em tornar claros os critérios de ascensão e valorização desse profissional tem sido o grande desafio da administração pública.

Este capítulo tem o objetivo de auxiliar a reflexão sobre o processo de valorização do servidor e oferecer parâmetros e ins-trumentos para a estruturação de sistemas de carreira e avaliação. Como podemos valorizar as pessoas a partir de seu mérito e de sua contribuição efetiva para a organização? Espera-se que este capítulo possa oferecer algumas contribuições também para essa reflexão.

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2.2 AS BASES PARA UM NOVO MODELO DE GESTÃO DE PESSOAS

Um modelo de gestão deve oferecer um conjunto de conceitos e referenciais que, a um só tempo, nos permita compreender a realidade organizacional e disponibilize instrumentos para agirmos sobre determinada realidade (FISCHER, 2001, 2002). O modelo de gestão se materializa nas organizações por meio de políticas e práticas que permitem ao gestor medir os riscos das decisões e avaliar, posteriormente, seus impactos. No caso da gestão de pessoas, as políticas e práticas deveriam permitir ao gestor avaliar o risco de uma decisão sobre cada uma das pessoas diretamente envolvidas, sobre os demais indivíduos e sobre a organização como um todo.

Vamos analisar inicialmente a questão da compreensão da reali-dade organizacional e, posteriormente, os instrumentos para gestão dessa realidade.

Para a compreensão da realidade da gestão de pessoas nas organi-zações vamos nos valer dos conceitos de competência, complexidade e espaço ocupacional. Vale destacar que a conceituação se aplica a qualquer tipo de instituição, tanto pública quanto privada.

COMPETÊNCIA

A competência pode ser atribuída a diferentes atores. De um lado, temos a organização com um conjunto de competências que lhe são próprias. Essas competências são oriundas da gênese e do processo de desenvolvimento da organização e são concretizadas no seu patrimônio de conhecimentos, o qual estabelece as vanta-gens competitivas da instituição no contexto em que ela se insere.

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De outro lado, temos as pessoas com seu conjunto de competências, que podem ou não estar sendo aproveitadas pela organização.

Vamos utilizar como uma primeira definição para a competên-cia aquela estabelecida por Fleury e Fleury (1999) que é o “saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”.

Ao colocarmos organização e pessoas lado a lado, podemos verificar um processo contínuo de troca de competências. A orga-nização transfere seu patrimônio para as pessoas, enriquecendo-as e preparando-as para enfrentar novas situações profissionais e pessoais, dentro ou fora dela. As pessoas, ao desenvolverem sua capacidade individual, transferem para a organização seu apren-dizado, preparando-a para enfrentar novos desafios.

Desse modo, são as pessoas que, ao colocarem em prática o patrimônio de conhecimentos da organização, concretizam as competências organizacionais e fazem a sua adequação ao contexto. Ao utilizarem, de forma consciente, esse patrimônio, as pessoas validam-no ou implementam as modificações necessárias para o seu aprimoramento. A agregação de valor das pessoas é, portan-to, sua contribuição efetiva ao patrimônio de conhecimentos da organização, permitindo-lhe manter suas vantagens competitivas no tempo.

Há, portanto, uma relação íntima entre as competências orga-nizacionais e as individuais. O estabelecimento das últimas deve estar vinculado à reflexão sobre as primeiras, uma vez que tais competências são influenciadas mutuamente.

A competência é compreendida por muitas pessoas e por alguns teóricos como sendo o conjunto de conhecimentos, habilidades e

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atitudes necessárias para que a pessoa desenvolva suas atribuições e responsabilidades. Essa forma de encarar a competência tem se mostrado pouco instrumental, já que o fato dos indivíduos possuí-rem um determinado conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes não garante que irão agregar valor para a organização. Para melhor compreendermos o conceito de competência individual, é importante discutirmos também o de entrega.

Embora, na prática organizacional, as decisões sobre as pessoas sejam tomadas em função do que elas entregam para a organização, observamos que os sistemas formais de gestão, em geral baseados no conceito de cargos e funções, veem os profissionais pelo que fazem, por seu tempo na organização ou por sua formação. Esse é um dos principais descompassos entre a realidade e o sistema formal de gestão, pois ao olhar as pessoas considerando suas atribuições e não suas entregas, cria-se uma lente que distorce a realidade.

Essa é uma importante transformação na forma de vermos as pessoas na organização. Fomos educados a avaliá-las pela descri-ção formal de suas funções ou atividades, mas, intuitivamente, valorizamos as pessoas por seus atos e realizações. Adicional-mente, somos pressionados pelo sistema formal e pela cultura de gestão a olharmos a descrição formal, gerando distorções em nossa percepção da realidade. Por exemplo: suponhamos dois funcionários numa equipe, ambos com as mesmas funções e ta-refas e remunerados e avaliados por esses parâmetros. Um deles, quando demandado para resolver um problema, o soluciona com muita eficiência e eficácia, sendo, portanto, uma pessoa muito valiosa. O outro não deixa o problema acontecer, sendo, assim, muito mais valioso; no entanto, este não é reconhecido pela chefia ou pela organização.

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Ao percebermos as pessoas por sua capacidade de entrega, por seu saber agir responsável e reconhecido da definição de Fleury e Fleury (1999), temos uma perspectiva mais adequada para avaliá--las, para orientar o seu desenvolvimento e para estabelecermos recompensas.

PADRÕES DE COMPLEXIDADE

O conceito de complexidade nos permite avaliar o nível da entrega das pessoas. O conceito de competência não é suficiente para explicar toda a realidade organizacional, por isso relacionamos a esse conceito o de complexidade. O entendimento da comple-xidade fornece uma visão do indivíduo em sua relação dinâmica com a organização. Esse é um aspecto importante para responder às críticas e limitações apontadas por autores como Zarifian (2001) sobre o uso do conceito de competência atrelado à ideia de pos-to de trabalho ou cargo. No mais, por meio da complexidade é possível perceber o desenvolvimento da pessoa na organização e estabelecer as bases para sua valorização.

O conceito de complexidade começou a ser utilizado por Ja-ques (1994) na década de 1950, que quando procurava entender as relações organizacionais, e por Dalton e Thompson (1986), na década de 1970, que buscavam compreender o processo de desen-volvimento das pessoas nas organizações. Verificamos que, desde a publicação dos trabalhos pioneiros, as organizações apropriaram-se progressivamente do conceito em suas iniciativas para aprimorar os sistemas de gestão de pessoas.

As organizações foram enfrentando dificuldades crescentes para distinguir e valorizar as pessoas com base em cargos, em função de novas propostas de organização do trabalho. Por exemplo, até bem

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pouco tempo atrás, podia-se dizer que um supervisor de produção agregava mais valor que um ajudante de produção. Hoje já não se pode afirmar isso, porque não existe mais o ajudante de produção, mas sim um operário multifuncional e polivalente; não existe mais o supervisor, mas sim grupos semiautônomos e autogeridos. An-tes, podia-se dizer que um diretor da empresa agregava mais valor do que um gerente. Hoje existe um gerente de uma unidade de negócio que fatura 500 milhões de reais por ano que agrega mais valor do que um diretor de outra unidade de negócio que fatura 50 milhões de reais no mesmo período.

Com a fragilidade dos cargos como elementos diferenciado-res, o mercado passou a utilizar a complexidade das atribuições e responsabilidades como fator de diferenciação.

A noção de complexidade sempre esteve presente nos critérios de classificação dos cargos. Mas, com a redução da importância do cargo como fator de diferenciação, a complexidade passou a ocupar o primeiro plano.

Há também duas relações importantes entre a complexida-de e o desenvolvimento de pessoas na organização. A primeira decorre da própria definição de desenvolvimento, que pode ser entendido como a capacidade de assumir e executar atribuições e responsabilidades de maior complexidade. A segunda refere-se à ligação que o conceito de complexidade permite efetuar entre desenvolvimento e remuneração. Se a pessoa se desenvolve ao assumir responsabilidades e atribuições de maior complexidade e se, ao fazê-lo, agrega mais valor para o negócio, é justo que deva ser valorizada adequadamente.

A complexidade nos ajuda a compreender a realidade, a agir sobre ela e a integrar desenvolvimento e valorização.

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ESPAÇO OCUPACIONAL

O terceiro conceito é decorrente da correlação existente entre complexidade e entrega. Ao considerarmos que uma pessoa agrega mais valor à medida que assume responsabilidades e atribuições mais complexas, concluímos que não é necessário promovê-la para que possa agregar ainda mais valor. O indivíduo pode ampliar o nível de complexidade de suas atribuições e responsabilidades sem mudar de cargo ou posição na organização. Vamos chamar esse processo de ampliação do espaço ocupacional. Esta acontece em função de duas variáveis: as necessidades das organizações e a competência da pessoa em atendê-las, conforme a Figura 2.1:

Figura 2.1 Variáveis que delimitam o espaço ocupacional da pessoa em uma determinada organização

ESPAÇO OCUPACIONAL

NA ORGANIZACÃO

Necessidades da organização

Competências individuais e coletivas

Temos observado que a ampliação do espaço ocupacional é outra característica comum da relação entre a pessoa e seu trabalho. Há uma tendência das pessoas mais competentes serem demandadas a enfrentar desafios e, à medida que respondem bem, recebem

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desafios maiores. Os sistemas tradicionais não conseguem dar res-postas adequadas a essa característica, primeiramente porque reco-nhecem as pessoas pelo que elas fazem e não pelo que elas entregam; e, em segundo lugar, porque não conseguem mensurar a ampliação do espaço ocupacional dos indivíduos.

Esse fato tem contribuído para a existência de muitas injustiças nas organizações, por exemplo, sobrecarregar a pessoa mais com-petente com atribuições complexas e exigentes sem que ela seja reconhecida por isso; ou a chefia ficar tão dependente da pessoa mais capacitada, que esta é bloqueada em qualquer possibilidade de ascensão profissional.

É importante percebermos a ampliação de espaço ocupacional como uma indicação do desenvolvimento da pessoa e da sua maior capacidade de agregar valor, devendo, portanto, estar atrelada a algum processo de valorização.

2.3 INSTRUMENTOS PARA A GESTÃO DE PESSOAS

Ao acompanharmos diversos casos no Brasil, pudemos perceber que as organizações que estão obtendo bons resultados na gestão de pessoas têm aplicado os conceitos de competência, complexidade e espaço ocupacional de forma a permitir que o gestor possa avaliar riscos e acompanhar os resultados de suas decisões. Para tanto, o conjunto de políticas e práticas de gestão de pessoas deve possuir as seguintes propriedades:•  Integração entre si – essa integração permite ao gestor avaliar os desdobramentos de uma decisão relativa ao desenvolvimento

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de um servidor de forma articulada com o sistema de carreira, com o sistema de valorização, e com todos os demais aspectos da gestão de pessoas dentro da organização. •  Integração com a estratégia organizacional – é fundamental que o conjunto de políticas e práticas de gestão de pessoas esteja alinhado com os objetivos da organização, seus valores e missão. •  Integração com as expectativas das pessoas – é essencial, tam-bém, que essas políticas e práticas sejam coerentes com as ex-pectativas das pessoas para que tenham a legitimidade necessária para sua efetividade.Percebemos que a ausência de qualquer uma dessas propriedades

torna as políticas e práticas de gestão de pessoas um conjunto de normas burocráticas que visam a controlar o gestor e suas ações em vez de orientá-lo em suas decisões. Infelizmente, essa é a realidade na maior parte das organizações brasileiras, tanto públicas quanto privadas. Nesse caso, as políticas e práticas utilizadas têm as suas bases formadas na administração científica, campo em que as pessoas são vistas como responsáveis por um conjunto de atividades ou fun-ções. Essa percepção tem sido responsável por distorções na análise e interpretação da realidade organizacional, gerando instrumentos, processos e metodologias inadequados para atuar sobre tal realidade. Essas distorções vêm sendo responsáveis por ocorrências, tais como:•  Instrumentos para gestão de difícil compreensão e utilização por parte dos gestores, pessoas e pelos próprios profissionais especializados.•  Desintegração entre as várias políticas e práticas de gestão de pessoas. É comum encontrar sistemas de desenvolvimento e valorização que estimulam comportamentos diferentes e, even-tualmente, conflitantes.

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•  Desorientação para tratar problemas na gestão de pessoas, com a proposição de soluções tópicas, desarticuladas entre si e com a estratégia organizacional. Há uma tendência a estabelecer priorida-des em função das situações, áreas ou pessoas que mais pressionam.•  Descrédito e insegurança em relação aos instrumentos de gestão, uma vez que há pressão para solucionar os problemas sem a clara compreensão da realidade organizacional. Isso conduz, muitas vezes, à busca de modismos ou de propostas “moderno-sas” de gestão, sem que produzam os resultados esperados pela organização e pelas pessoas.Essas distorções ocorrem porque as bases em que estão assentados

os conceitos e os instrumentos são movediças. Ou seja, a forma pela qual as pessoas são referenciadas, analisadas, diferenciadas e reco-nhecidas está assentada em alicerces que são alterados em função das pressões recebidas, tanto do ambiente interno quanto do externo. Com a instabilidade desses alicerces, as pessoas têm dificuldade de se localizar na organização, de avaliar com clareza suas perspectivas e de estabelecer um projeto profissional alinhado com as expectativas e necessidades da organização. Esta, por sua vez, tem dificuldade de deixar clara a sua expectativa em relação às pessoas.

Esses problemas são agravados quando se buscam sistemas fe-chados de gestão, os chamados pacotes, colocando-os em prática a qualquer custo. É como se construíssemos um modelo e tentássemos colocar a realidade dentro dele. O resultado é maior dificuldade para compreender a realidade e para alinhar as expectativas da organização e das pessoas.

Ao analisarmos o aprimoramento do uso do conceito de competência pelas empresas podemos identificar quatro estágios, de-limitados em função da abrangência e impacto na gestão de pessoas.

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Primeiro estágio – Competência como base para movimen-tação e desenvolvimento de pessoas

Nesta fase, o uso do conceito está centrado na concepção de McClelland (1990) e Boyatzis (1982), que é concebida com base na observação de competências profissionais diferenciadoras. Essas competências, identificadas no estudo de histórias de sucesso, servem de padrão para analisar as demais pessoas da empresa e para orientar os processos de seleção de candidatos a emprego.

A grande crítica efetuada a esse procedimento é o fato da mes-ma caracterização de competência ser aplicada a todas as pessoas indistintamente. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os conceitos eram aplicados a pessoas tidas como estratégicas. Ao se aplicar a definição das competências diferenciadoras de forma indiscriminada, verificava-se que as exigências sobre uma pessoa em posição de gerência operacional eram substancial-mente diferentes das exigências sobre uma pessoa em posição de gerência estratégica.

Segundo estágio – Competência diferenciada por nível de complexidade

Ao longo dos anos 1980, as organizações foram criando escalas de diferenciação por níveis de complexidade, de forma natural e não consciente. As escalas de complexidade se apresentavam como diferentes níveis de entrega da competência.

Nesta fase, surgiram alguns desconfortos em relação ao uso do conceito de competência. Os principais foram:•  Vínculo da competência a trajetórias de sucesso, uma vez que o sucesso de ontem não reproduz o de amanhã.•  Desvínculo das competências em relação aos objetivos estra-tégicos da empresa.

| 78 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

•  Necessidade de utilização do conceito para as demais políticas e práticas de gestão de pessoas da empresa, tais como valorização, avaliação e carreira.Esses desconfortos criam as bases para o surgimento do terceiro

estágio.Terceiro estágio – Competência como conceito integrador da

gestão de pessoas e desta com os objetivos estratégicos da empresaQuando Prahalad e Hamel (1990) concebem os conceitos de

competência organizacional, inicia-se a discussão sobre compatibi-lizar as competências organizacionais e humanas. Dessa forma, as competências humanas não seriam mais derivadas das trajetórias de sucesso de pessoas dentro da organização, mas sim dos objetivos estratégicos e das competências organizacionais.

Esta fase dá início a uma nova forma de se olhar para a gestão de pessoas, buscando não só a integração com os objetivos estratégicos da organização, mas também uma integração da gestão de pessoas em si. A questão mais importante nesse momento era a forma de valorizar os indivíduos em função do seu mérito, ou seja, do seu nível de entrega para a organização. As primeiras tentativas de utilização de competências para valorizar as pessoas na forma de remuneração foram frustradas, principalmente porque se tentou atrelá-las a habilidades dominadas pelos profissionais. Como vimos, habilidades não garantem a entrega, e a remuneração assentada nas mesmas mostrou-se frágil para dar conta de toda a realidade organizacional. A remuneração baseada em habilidades apresentou algum resultado quando aplicada para níveis operacionais (HIPÓ-LITO, 2001). Os grandes avanços vieram quando começamos a utilizar, com maior ênfase, o conceito de entrega e a diferencia-ção da remuneração em função dos conceitos de complexidade.

GESTÃO DE PESSOAS ARTICULADA POR MEIO DE COMPETÊNCIAS | 79 |

Nossas pesquisas mostram que o mercado brasileiro já se organiza nesses termos, ou seja, encontramos alta correlação entre comple-xidade das entregas e remuneração (HIPÓLITO 2001).

O conceito de complexidade permitiu estender a noção de com-petência para remuneração, avaliação e carreira, possibilitando, assim, o seu uso como um conceito integrador da gestão de pessoas. Durante a década de 1990, foi possível observar a rápida evolução do uso do conceito de competência no aprimoramento da gestão de pessoas. Hoje podemos dizer que o uso associado das ideias de competência e complexidade explica a gestão de pessoas na organi-zação moderna e nos permite uma gestão mais apurada.

Essa gestão mais apurada oferece para os gestores um conjunto de instrumentos que permite a avaliação das repercussões de qual-quer decisão sobre as pessoas, e sobre a organização e também o acompanhamento por parte do gestor dos impactos de suas decisões.

O desconforto existente nessa fase é em relação à forma como as pessoas estão absorvendo os conceitos de competência para orientar seu próprio desenvolvimento.

Quarto estágio – Apropriação pelas pessoas dos conceitos de competência, complexidade e espaço ocupacional

Em nossas pesquisas no Brasil, temos verificado que as empresas que conseguiram grandes avanços na gestão de pessoas trabalharam em duas frentes de forma simultânea. De um lado, aprimoraram seus sistemas de gestão de pessoas e, de outro, estimularam os in-divíduos a construírem seus projetos de carreira e desenvolvimento profissional.

A apropriação, pelas pessoas, do sistema de gestão para orientar o seu próprio desenvolvimento e a sua carreira é fundamental para que o sistema permaneça vivo e em contínuo aperfeiçoamento.

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O sistema de gestão corre o risco de se tornar um ritual burocrático quando as pessoas não o compreendem, não o utilizam e não pres-sionam a organização a aprimorá-lo do mesmo para atender suas necessidades e expectativas.

Poucas organizações no Brasil estão neste estágio do uso dos conceitos. Verificamos, entretanto, que a evolução nessa direção é inexorável. Ao compreenderem que o uso dos conceitos de compe-tência, complexidade e espaço ocupacional estão se desenvolvendo para elas, e não somente para a empresa, as pessoas tendem a abraçar o sistema de gestão de pessoas e utilizá-lo para orientar seu projeto profissional.

Cabem aqui alguns esclarecimentos. Segundo Stamp (1989), as pessoas lidam com maior complexidade ao ampliarem o seu nível de abstração em relação à realidade em que vivem. O processo de desenvolvimento pessoal pressupõe essa ampliação. Dessa forma, ao lidar com um determinado nível de complexidade em sua carreira atual, quando mudar de carreira, não importa para onde vá, o pro-fissional saberá conviver com um nível equivalente de complexidade. Assim, aprendendo a trabalhar em níveis mais altos de complexidade e abstração, o indivíduo estará se desenvolvendo para si mesmo, não importando seu destino futuro na empresa ou no mercado.

2.4 IDENTIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS

As entregas esperadas das pessoas que asseguram a continuidade e o crescimento da organização são caracterizadas por um conjunto de competências. Estas podem ser definidas com base na estratégia

GESTÃO DE PESSOAS ARTICULADA POR MEIO DE COMPETÊNCIAS | 81 |

e nos objetivos organizacionais e negociais da empresa (FLEURY; FLEURY, 1999).

A descrição das competências e caracterização dos níveis de com-plexidade pode ser efetuada tomando por base diferentes aspectos da empresa. Os mais utilizados têm sido:•  Competências organizacionais ou do negócio – baseando-se na caracterização dos aspectos diferenciais e nos pontos fortes da organização, podem-se determinar as competências individuais. Por exemplo: se um dos aspectos que diferenciam a empresa é a inovação em produtos, é natural que as competências individuais relativas à manutenção e desenvolvimento dessa excelência são fundamentais. Nesse caso, poderíamos ter como competências essenciais a geração e disseminação de conhecimentos, trabalhos em parceria ou em equipe etc.•  Processos críticos para a organização ou negócio – a carac-terização de quais são os processos críticos para a organização ou negócio ajuda na identificação de competências individuais para a manutenção ou desenvolvimento desses processos. Caso tenhamos como um processo crítico, por exemplo, a operação, poderemos identificar como competências essenciais análise e solução de problemas, liderança e trabalho em equipe, orientação estratégica etc.•  Grupos ou carreiras profissionais – uma forma comum para identificação das competências individuais é a caracterização dos diferentes grupos profissionais necessários para a organização ou negócio e o processo de crescimento profissional de cada grupo. Pode-se considerar, por exemplo, em uma determinada organiza-ção, a existência dos seguintes grupos ou carreiras profissionais: gerencial, tecnológica e administrativo-financeira. Na carreira

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gerencial, seriam competências essenciais: orientação estratégica, liderança, gestão de processos de mudança, gestão de recursos.É comum utilizarmos uma combinação dessas diferentes formas,

de modo a termos maior precisão em relação à caracterização das competências individuais. Na caracterização dessas competências, são necessários alguns cuidados, quais sejam:•  As competências devem ser observáveis para que possam ser acompanhadas. É comum encontrar descrições extremamente genéricas e vagas das competências desejadas ou descrições efe-tuadas com base em comportamentos desejáveis, cuja observação é difícil e com margem a interpretações ambíguas. As descrições devem retratar as entregas esperadas, de forma a serem obser-vadas tanto pela própria pessoa como pelos responsáveis por acompanhar e dar feedback. Cabe notar que qualquer descrição terá um caráter subjetivo. Essa subjetividade, porém, poderá ser minimizada com a clareza com que se define a expectativa da organização em relação à pessoa.•  A quantidade de competências definidas para o acompanha-mento não deve ser grande, pois isso dificultará o acompanha-mento além de representar uma falta de estímulo aos responsáveis pelo feedback. A quantidade recomendada é de 7 a 12 competên-cias para caracterizar as expectativas da organização ou negócio.•  As competências devem ser graduadas em termos da comple-xidade da entrega. Essa graduação permite um melhor acom-panhamento da evolução da pessoa em relação à sua entrega para a organização. Como o desenvolvimento do profissional é observado de acordo com o nível da complexidade de suas atribuições e responsabilidades, à medida que graduamos as competências em relação à complexidade da entrega esperada,

GESTÃO DE PESSOAS ARTICULADA POR MEIO DE COMPETÊNCIAS | 83 |

temos uma escala mais adequada para acompanharmos o desen-volvimento do indivíduo.Esse último aspecto merece maior atenção. Os sistemas de

desenvolvimento com base em competências mais recentes são elaborados buscando estabelecer uma escala para as competên-cias. A escala geralmente utilizada é a complexidade da entrega. Em pesquisa recente efetuada no Brasil por meio do Programa de Estudos em Gestão de Pessoas (PROGEP) da FIA-FEA-USP, constatamos uma alta correlação entre o nível de complexidade das entregas e o posicionamento do profissional na empresa e, também, com os níveis salariais. Podemos afirmar, portanto, que ao acompanharmos as entregas da pessoa em diferentes níveis de complexidade, estaremos acompanhando sua evolução em termos profissionais.

Com as pesquisas realizadas por Jaques (1978, 1994) e Stamp (1989), verificamos que quando uma pessoa aprende a lidar com um determinado nível de complexidade organizacional ou profissional isso passa a constituir-se em um patrimônio para ela. Patrimônio esse que o profissional levará para onde for. Assim sendo, ao esta-belecermos uma régua com base na complexidade da entrega das pessoas, temos um parâmetro confiável para estimular, oferecer suporte e acompanhar o desenvolvimento profissional.

2.5 COMENTÁRIOS FINAIS

As reflexões apresentadas neste trabalho não pretendem ser con-clusivas, mas apenas indicar alguns caminhos para a pesquisa e trabalhos na gestão de pessoas em organizações públicas.

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Vivemos um momento extremamente rico para a realização de pesquisa e reflexões sobre a gestão de pessoas, pois, por um lado, abre-se um espaço para novas proposições, já que os conceitos tradicionais não mais atendem às necessidades das organizações e das pessoas, e, por outro lado, não existem conceitos e práticas consagradas para ocupar o espaço que se abre.

Os cargos, como um dos principais determinantes do compor-tamento dos indivíduos nas organizações, particularmente nas pú-blicas, criados por lei e em boa parte ocupados mediante concursos, não são mais suficientes para modernização da gestão de pessoas. É necessário incorporar novos conceitos como competência, con-forme apresentado neste capítulo.

Como combinar tradição, legislação e exigências da modernidade é uma grande questão para o setor público.

2.6 REFERÊNCIAS

BOYATZIS, R. E. The competent manager: a model for effec-tive performance. Wiley, New York, 1982.

DALTON, G.; THOMPSON, P. Novations: strategies for career management. EUA, 1986.

DUTRA, J. S. Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001.

EBOLI, M. Universidades corporativas. São Paulo, Schmukler, 1999.

FISCHER, A. O conceito de modelo de gestão de pessoas: modismo e realidade em gestão de recursos humanos nas empresas brasileiras. In: DUTRA, J. S. (Org.). Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001.

GESTÃO DE PESSOAS ARTICULADA POR MEIO DE COMPETÊNCIAS | 85 |

__________. Um resgate conceitual e histórico dos modelos de gestão de pessoas. In: FLEURY, M. T. et al. As pessoas na organi-zação. São Paulo: Gente, 2002.

FLEURY, A.; FLEURY, M. T. Estratégias empresariais e for-mação de competências. São Paulo: Atlas, 1999.

HIPÓLITO, J. A. Administração salarial. São Paulo: Atlas, 2001.

JAQUES, E.; CASON, K. Human capability. Falls Church, VA, Cason Hall, 1994.

JAQUES, E. Levels of abstraction in human action, Heinemann Educational Books, London, 1978.

LAWLER, E. Competencies: a poor foundation for the new pay. Compensation and Benefits Review, p. 20-26, nov./dez. 1996.

MCCLELLAND, D. C.; SPENCER, L. M. Competency assessment methods: history and state of the art. Hay McBer Research Press, 1990.

PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G. The core competence of the corporation. Harvard Business Review, p. 79-91, May/June 1990.

STAMP, G. The individual, the organization and the path to the mutual appreciation, Personnel Management, v. 21, n. 7, July 1999.

ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica São Paulo: Atlas, 2001.

CAPÍTULO 3

Um modelo para compreender as possibilidades de desenvolvimento

dos gestores públicos

HÉLIO JANNY TEIXEIRADoutor e Livre-docente em Administração pela

FEA-USP e professor da mesma instituição. SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO

Administrador pela FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA).

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Ninguém duvida da utilidade da educação e da formação como alavanca para a evolução das pessoas e da sociedade. Principalmente em longo prazo, nada substitui a educação como forma de fortalecer as linguagens, a capacidade analítica e, consequentemente, a com-preensão dos problemas e soluções da vida. Contudo, quando nos distanciamos da beleza intrínseca da educação e da sua capacidade de desenvolver o capital humano, a consciência e a cidadania e entramos no mundo mais pobre — em termos de valores — das organizações, são inevitáveis perspectivas mais utilitárias e imediatistas.

Nesse sentido, as questões mais comuns vêm dos economistas e dos engenheiros: Qual o retorno de certo investimento num projeto de treinamento? Quais alterações concretas teremos nos processos de trabalho e nos resultados organizacionais? Mais concretamente ainda, qual é o Retorno Sobre o Investimento (ROI, na sigla em inglês) ou qual a relação benefício-custo do investimento em treina-mento? Pode soar grosseira essa perspectiva sob os olhos de filósofos e pedagogos, mas ela é dominante no mundo atual. Na área pública, o diálogo envolve muitas questões, mas as sínteses políticas e eco-nômicas imperam. Número de eleitores atendidos e/ou satisfeitos, superávit ou déficit fiscal, despesa primária, poupança agregada, investimento público, limite prudencial da Lei de Responsabilidade

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Fiscal são dimensões sempre lembradas. E, quase sempre, superam a valorização intrínseca da educação, infelizmente.

Mensurar o retorno dos investimentos em educação e desenvol-vimento não é tarefa fácil. Múltiplos horizontes temporais devem ser considerados e nem sempre é possível aquilatar a utilidade futura dos conhecimentos adquiridos e experiências vividas. Mas o nosso propósito neste capítulo não é contribuir para a exatidão das medi-das e sim para que se evitem equívocos e desperdícios decorrentes da compreensão insuficiente do indivíduo a ser treinado e de seu contexto de trabalho.

3.1 AS FALHAS NOS PROGRAMAS TRADICIONAIS DE DESENVOLVIMENTO DE GESTORES PÚBLICOS

Como já discutimos em trabalhos anteriores (TEIXEIRA; SALOMÃO; TEIXEIRA, 2010), os programas de treinamento, formação, capacitação ou desenvolvimento de gestores têm-se pres-tado satisfatoriamente a desenvolver habilidades técnicas, transmitir conceitos de administração e, mesmo, aprimorar o relacionamento interpessoal dos participantes. Contudo, tais programas não tardam a demonstrar sua baixa eficácia ao longo do tempo. Os gestores, num primeiro momento motivados pelas novas perspectivas apresentadas, rapidamente tornam a assumir sua postura anterior. Raramente, as novas habilidades saem das apresentações, palestras, vivências em sala de aula, apostilas e mentes para uma aplicação efetiva na vida prática. Muitas vezes, os programas são esquecidos e tudo volta a funcionar como se nunca tivessem existido, gerando até mesmo novas frustrações.

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 91 |

Analisando a dinâmica dos programas tradicionais de treinamen-to, é possível captar as duas principais dimensões de seu fracasso e, assim, elaborar uma proposta mais abrangente de desenvolvimento que procure cobrir as lacunas existentes.

Os programas de mudança em geral e de desenvolvimento e formação de gestores em particular não têm alcançado os resultados esperados, basicamente, por duas razões:•  não consideram as necessidades individuais dos participantes;•  não consideram as mudanças contextuais complementares necessárias.Observando detidamente os efeitos dessas lacunas, é fácil com-

preender a importância de um programa mais abrangente.Analisando a dimensão das necessidades individuais, observa-

-se que, via de regra, os gestores que serão submetidos a progra-mas de desenvolvimento recebem um rol de cursos e atividades padronizados e predeterminados, devendo optar por alguns deles ou simplesmente são designados para frequentá-los. Em ambos os casos, não há preocupação em avaliar o interesse do participante, suas necessidades, seu perfil, e, ainda menos, em discutir com ele as bases do programa e sua definição. Sem que receba um treinamento adequado à sua pessoa e ao seu cargo, e sem que possa perceber por si a importância e utilidade dos programas, o gestor já os inicia menos motivados do que seria desejável. Ainda que os gestores compreendam a necessidade do desenvolvimento e treinamento, participem de sua concepção e sintam-se motivados a se submeterem a ele, tanto menores serão os resultados alcançados quanto menor for a adequação do programa ao perfil de cada indivíduo e às necessidades de cada cargo.

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Observa-se que uma das causas mais frequentes de insucesso dos programas de desenvolvimento e treinamento gerencial é a dificuldade prática encontrada pelos executivos para aplicarem os conceitos e técnicas absorvidos. O indivíduo é temporariamente exposto a novas possibilidades de aproveitamento de seu potencial, são sugeridas novas atividades para enriquecer seu cargo, novas utilizações dos sistemas de informações, novos métodos de recom-pensas, e assim por diante. Contudo, ao retornar ao seu posto de trabalho, percebe que poucas das condições necessárias à aplicação de suas novas ideias existem. A autonomia no cargo é a mesma de antes, e ele não pode alterar os estímulos a seus subordinados. Os sistemas de apoio não estão preparados para fornecerem as informações que solicita na forma e tempo necessários. Enfim, o profissional aumentou seu potencial de desempenho, mas a orga-nização não soube como acompanhá-lo, seja institucionalmente, seja tecnologicamente.

Dessa forma, apesar da evidente importância dos programas de desenvolvimento e treinamento voltados especificamente para o indivíduo como um elemento que eleva o potencial de desempenho do gestor, isoladamente aplicado e sem um diagnóstico anterior, eles só gerarão frutos para a organização na rara possibilidade de coincidirem três situações:•  o gestor compreende perfeitamente a necessidade do pro-grama e espera espontaneamente integrar-se a ele;•  as atividades escolhidas pelo gestor ou pela organização ajustam-se ao seu perfil individual e suprem suas necessidades específicas;•  o perfil do cargo, os recursos disponíveis, o processo de gestão e a tecnologia estão ajustados ao desempenho esperado do gerente.

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 93 |

Como raramente convivem essas três situações, a tendência natural dos programas tradicionais de desenvolvimento tem sido a de não alcançar o retorno esperado.

Nesse sentido, propomos um modelo de análise que envolve diagnóstico abrangente das necessidades de treinamento e de mudança na organização, que resulta, respectivamente, no maior estímulo aos participantes e na manutenção da motivação após o período de treinamento específico por meio do aprimoramento que se fizer necessário na própria organização.

3.2 NECESSIDADE DE MODELO ABRANGENTE

Um esquema analítico útil para a compreensão do trabalho dos gestores foi desenvolvido por Campbell et al. (1970), que consideram que os estudos do comportamento administrativo têm procurado responder a questões como as seguintes: que tipos de pessoas são ad-ministradores eficazes?; ou qual o processo eficaz de administração?; ou ainda, quais são os produtos da administração eficaz? Em outras palavras, os estudos têm se concentrado na pessoa (traços desejáveis do administrador), no processo (o que fazem os administradores de sucesso) ou no produto (resultados da administração eficaz). Vários estudos sobre o trabalho administrativo têm falhado na tentativa de interligar pessoa, processo e produto, e têm analisado cada um desses elementos de maneira isolada. Para evitar esses problemas, os autores propõem o modelo visto na Figura 3.1 (CAMPBELL et al., 1970, p. 11):

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Figura 3.1 Modelo ampliado dos determinantes da eficácia administrativa de Campbell e outros colaboradores

• Função (habilidade,motivação, oportunidades)

COMPORTAMENTO NO CARGO

• Maximização de lucros• Eficiência organizacional

RESULTADOSORGANIZACIONAIS

AMBIENTE ORGANIZACIONALAMBIENTE ORGANIZACIONAL

CARACTERÍSTICASINDIVIDUAIS

• Inteligência• Atitudes• Conhecimento• Temperamento• Preferências• Expectativas

PESSOA PROCESSO PRODUTO

Fonte: Campbell, Dunnette, Lawler e Welck (1970, p. 11).

Discutindo as implicações de seu modelo, os autores destacam a importância de considerar as diversas dimensões do trabalho ad-ministrativo e formulam questões-síntese a respeito do sucesso no desempenho do papel gerencial (CAMPBELL et al., 1970, p. 11):

Deveria ter ficado, agora, bastante claro que é incom-pleto falar apenas sobre traços pessoais condutores do sucesso administrativo ou apenas sobre os processos e resultados da boa administração. Todos os três de-vem ser considerados simultaneamente, e os efeitos ou influências moderadas dos diferentes ambientes organizacionais devem também ser incluídos. Em vez de perguntar “Quem será eficaz?”, ou “O que uma pessoa deve fazer para ser eficaz?”, ou ainda, “Quais os produtos de um administrador eficaz?”, devemos formular uma questão mais ampla e complexa: “Quais são as variedades de combinações de circunstâncias

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 95 |

organizacionais, características pessoais e padrões de comportamento que compõem um processo de ad-ministração percebido como eficaz?”

Em outras palavras, o comportamento eficaz de um administra-dor é função de uma interação complexa de elementos: suas próprias características, as influências tanto das tarefas que deve executar como da organização e do ambiente externo em que está operando.

Tomando esse esquema como base, efetuamos algumas simpli-ficações e elaboramos o modelo para entendimento do trabalho administrativo (Figura 3.2), adaptado do modelo ampliado dos determinantes da eficácia administrativa. A adaptação efetuada visa basicamente a simplificar a proposição dos autores, reduzindo-se o número de elementos caracterizadores do indivíduo e elevando-se o número de constituintes das demandas e do comportamento no cargo. Além disso, procuramos estabelecer uma diferenciação entre as influências organizacionais e aquelas externas à organização.

Figura 3.2 Modelo para entendimento do trabalho administrativo

(4)Influências do meio externo

(3)Influências da organização

(2)Exigênciasdo cargo

(5)Comportamento

ao cargo

(6)Desempenho

no cargo

(7)Resultadosatingidos

(1)Pessoa

PESSOA PROCESSO PRODUTO

(8) Informações sobre o desemprego no cargo(9) Informações sobre os resultados atingidos

Fonte: Adaptado de Campbell et al. (1970)

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Antes de explicar cada componente do modelo e suas interações reafirmamos que o modelo serve apenas para orientar a compreen-são do trabalho dos gestores, não tendo a pretensão de efetuar um esclarecimento pleno do assunto. As relações entre os componentes do modelo não são, na realidade, simples e unidirecionais, como mostra a Figura 3.2; a organização também influencia o ambiente externo, e assim por diante.

O significado de cada um dos componentes do modelo pode ser assim explicado:

1) PessoaÉ o indivíduo cujo desempenho no cargo e resultados da atuação

estão sendo analisados. Em se tratando do trabalho gerencial, o indivíduo sob análise é alguém incumbido da gestão ou principal responsável por certa unidade organizacional, ou pela organização como um todo, no caso de tratar-se de seu principal dirigente. Suas características individuais, tanto emocionais como intelectuais, sem dúvida, influenciam significativamente seu comportamento no cargo.

É interessante notar, já que o modelo igualmente explica o tra-balho não gerencial, que a atuação do próprio gerente também tem impactos sobre o trabalho dos subordinados, e até mesmo pares e superiores. Do ponto de vista dos subordinados, o gerente é, ele próprio, uma das influências da organização sobre seu trabalho.

O mesmo ocorre em relação a pares e superiores. E, nesse as-pecto, o autoconhecimento pode ser de grande valia. Muitas vezes, a divergência entre pares decorre de diferenças de personalidade, formação, posição na organização e mesmo visão de mundo ou do setor. Se o grupo reconhece a existência de impactos de diferenças individuais sobre o relacionamento interpessoal, pode utilizá-la para

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 97 |

a montagem de uma equipe equilibrada e que se complemente em termos de habilidades, experiência e mesmo personalidade. Uma vez conhecidos os pontos fortes e fracos de cada um, a tolerância mútua tende a ser estimulada e o potencial do grupo torna-se maior que a soma dos potenciais individuais.

Apoiando-se nesse modelo relativamente simples, o gestor pode procurar, numa reflexão solitária ou grupal, entender os pontos de vista de seus superiores, pares e subordinados, na busca de com-preensão mútua e obtenção de uma visão mais ampla de todo o sistema, inclusive das carências que, ao menos em parte, podem ser supridas por programas de desenvolvimento e daquelas que dependem de outras políticas.

2) Exigências do cargoO cargo é o principal determinante do que uma pessoa faz numa

organização. A afirmação é mais forte ainda na área pública, com cargos criados por lei e admissões por concurso público, com exceção dos comissionados. As exigências do cargo incluem o conjunto de competências — conhecimentos e habilidades — que o ocupante deve ter ao desempenhá-lo.

Quanto aos cargos gerenciais, um dos principais focos quando se fala em formação para a gestão de pessoas em função de serem os “representantes da Administração” mais próximos das operações (sendo, portanto, os gestores de pessoas em sentido mais direto e imediato), muitas das exigências não surgem de maneira concreta ou claramente perceptível, em função do espaço discricionário necessariamente presente nos cargos gerenciais, uma vez que seus ocupantes, por definição, são responsáveis pela tomada de decisões. Esse efeito é multiplicado quando percebemos que todo “gestor” responde a outro “gestor”, o qual também tem seu espaço de decisão

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discricionária, em casos permitidos, mas não previstos, em lei e nas normas de suas organizações. Entretanto, quanto mais precisamente forem estabelecidas as demandas do cargo, maior será a possibilida-de de se elevar o controle sobre o fator subjetivo no momento de treinar, desenvolver ou avaliar pessoas que o ocupam.

Na literatura sobre o trabalho do administrador, os autores, em geral, apenas descrevem os comportamentos dos ocupantes, sem identificar as exigências do cargo, ou são muito genéricos, prescre-vendo comportamentos que satisfazem exigências do cargo, porém sem identificá-las claramente. As exigências do cargo são estudadas, em geral, por meio dos seguintes conceitos:•  Relacionamentos: conjunto de contatos requeridos pelo cargo, com subordinados, pares, contatos externos etc.•  Padrão de trabalho: maneira como as atividades são distri-buídas pelo tempo em termos de sequência, tempo de duração, grau de repetição, origem (quem a origina: o próprio ocupante ou um terceiro?), urgência e previsibilidade.•  Papéis (ou funções): forma de aglutinar as atividades do cargo em grupos de atividades, tendo em vista inter-relacionar a atuação do ocupante do cargo com o contexto em que opera.•  Decisões: possíveis escolhas do ocupante do cargo. São clas-sificadas de maneira variada, utilizando categorias como nível de abrangência das decisões, área de organização etc.•  Processos controlados pelo cargo: fluxos diversos de traba-lho, que ocorrem simultânea e sequencialmente, e que devem ser mantidos e controlados pelo ocupante do cargo. Esses processos incluem tanto o processamento de matéria-prima (processos de produção no sentido convencional) como processamentos financeiros (fluxos de fundos) e processamento de dados.

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 99 |

•  Competências ou habilidades específicas exigidas do ocupante do cargo: comunicação, negociação, planeja-mento, etc.Como se pode notar, os conceitos empregados para identificar

as demandas não são mutuamente exclusivos.3) Influências da organizaçãoNas influências organizacionais, devem ser incluídos concei-

tos como recursos humanos disponíveis ao administrador, a for-ma como esses recursos estão estruturados (hierarquia, departa-mentalização etc.), recursos financeiros, materiais e informações disponíveis e o modo como o administrador tem acesso a esses recursos (sistemas de autoridade e informações existentes etc.). A organização deve ser entendida como a unidade organizacional sob controle do administrador, podendo até mesmo ser a organização como um todo.

Um modo interessante e bastante integrado de avaliar os im-pactos da organização é a análise da coerência entre os resultados exigidos, ou esperados, da atuação do gerente e alguns elementos fundamentais do que poderíamos chamar de “microambiente” em que se insere seu cargo. Esses elementos fundamentais são:•  poder de decisão adequado às responsabilidades do cargo;•  estímulos compatíveis e recompensadores, tendo em vista os desafios da atividade;•  recursos colocados à disposição do gestor, sejam eles físicos, humanos ou financeiros;•  atividades claramente definidas em termos de limites ou área de responsabilidade no exercício do cargo ou função;•  informações disponíveis para a tomada de decisões, em termos de quantidade, qualidade e rapidez.

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A definição desses elementos fundamentais para o exercício das funções gerenciais e sua distribuição entre os cargos, via de regra, não é feita em uma única equação, de forma consciente. Resulta, geralmente, do processo natural de evolução da organização, sendo fruto de seu processo histórico de desenvolvimento, dos incidentes críticos vividos e dos valores que se consolidaram em sua cultura. Na prática, serão encontradas dispersas nas formas de articulação, encontradas como funções comuns, estas sim conscientes e siste-maticamente desenvolvidas, em praticamente todas as organizações humanas: estrutura, planejamento, sistemas de informação, meca-nismos de controle e procedimentos estabelecidos.

A percepção de insuficiência de recursos e rigidez na possibilidade de aplicação, num contexto organizacional pleno de restrições legais, exige esforços especiais do gestor público para que identifique e faça distinção entre restrições, obrigações e escolhas permitidas pelo cargo.

4) Influências do ambiente externoO ambiente externo tem influência direta no impacto que a

organização causa sobre seus cargos. Um fenômeno externo, como uma crise internacional, uma revisão orçamentária do governo, por exemplo, pressionará algumas pessoas a tomarem medidas corretivas.

Globalização, redes, internet e novas formas de aprendizagem e cooperação coletiva dão um novo significado para as relações entre as organizações e o ambiente externo. A exposição, porosidade das fronteiras e a compactação do tempo e do espaço são cada vez mais acentuados, independentemente da organização ser pública ou privada.

Podemos listar algumas mudanças que afetam diretamente o trabalho dos gestores públicos:•  crescimento do volume e da complexidade do trabalho na organização;

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 101 |

•  elevação do número de especializações;•  aumento da velocidade das mudanças;•  aumento da necessidade de talento gerencial nos cargos de chefia;•  aumento da dificuldade de coordenação.5) Comportamento do cargoRepresenta o que a pessoa faz no cargo, em função de suas pró-

prias escolhas e das demandas e restrições a que está sujeita.Campbell et al. (1970, p. 105) definem o comportamento ad-

ministrativo eficaz como:

[...] qualquer conjunto de ações administrativas acei-tas como ótimas para identificar, assimilar e utilizar tanto os recursos internos como externos, tendo em vista, em longo prazo, o funcionamento da unidade organizacional onde o administrador tem algum grau de responsabilidade.

Dessa definição, os autores tiraram as seguintes conclusões, dentre outras (p. 205):•  a medida do comportamento eficaz deve ser de longo prazo;•  o comportamento eficaz inclui diversas ações, e não apenas uma;•  há diferentes combinações de ações que podem atingir o mesmo resultado;•  o comportamento eficaz deve ser medido em termos daquilo que o administrador faz, de maneira a afetar a otimização;•  o comportamento eficaz, mesmo quando medido apenas por aquilo que o administrador faz, está sujeito a um conjunto de variações casuais, que inclui não apenas as qualidades do

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administrador, como também a natureza dos recursos humanos, materiais e financeiros à sua disposição e à disposição do resto da organização.6) Desempenho no cargoO desempenho foi separado do comportamento no cargo e dos

resultados atingidos porque, por um lado, pelo modelo adotado, o gestor pode ter um bom desempenho dentro das fronteiras estritas ao seu alcance sem que isso signifique resultados organizacionais favoráveis, em decorrência de circunstâncias fora de seu controle. Por outro lado, um desempenho inadequado pode coincidir com resultados favoráveis, pelo menos em curto prazo. É interessante, também, analisar o comportamento como categoria independente em função de sua importância na composição de grupos equili-brados. De forma geral, pode-se dizer que o desempenho no cargo representa uma avaliação da qualidade da atuação do ocupante do cargo administrativo, ou seja, quão bem seu comportamento se ajusta às exigências.

Campbell et al. (1970, p. 109) mostram que as medidas globais do comportamento eficaz (lucro, taxa de retorno, crescimento da organização etc.)

[...] não fornecem conhecimento sobre os diferentes níveis de eficácia administrativa na manipulação dos diversos problemas de alocação de recursos e assim, tacitamente, ignoram o complexo e cheio de facetas processamento de informações requeridas pelo cargo.

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 103 |

Os autores não advogam

[...] a dispensa de estimativas globais de eficiência administrativa, mas seu uso contínuo deve ser su-plementado pela observação e registro sistemático do comportamento administrativo, de maneira tal que as relações entre comportamento no cargo e as medidas mais comuns de eficácia possam ser examinadas [...]. (p. 124)

De maneira que, para prever, desenvolver ou orientar o com-portamento administrativo é necessário que ele seja definido e medido, o que nem sempre é fácil ou preciso, pois, como mostra Mlodinow (2008), no interessante livro O andar do bêbado, o acaso, ou a sorte, também são importantes na definição do sucesso em nossas vidas.

7) Resultados atingidosSão os resultados que indicam o desempenho da organização ou

unidade(s) sob controle do administrador. Eles podem ser medidos em termos quantitativos ou não, como, por exemplo, crescimento do volume de serviços, qualidade dos serviços prestados, redução de custos, satisfação dos subordinados etc. Eficiência, eficácia e efetividade são indicadores cada vez mais utilizados para avaliar o desempenho das organizações públicas.

Nem sempre a relação causal entre comportamento no cargo e resultados atingidos fica evidente, pelo menos no curto prazo. Agravando essa situação está a dificuldade natural em desenvolver sistemas de medição, indicadores de desempenho e sistemas de coleta de dados confiáveis. Mesmo no longo prazo, apesar da importância

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da atuação do administrador, este não pode ser considerado o único responsável pelos resultados operacionais. Deve ser estabelecida, em cada caso, a parcela de responsabilidade do gestor, bem como sua contribuição nos resultados obtidos.

8) Informações quanto ao desempenho no cargoA forma como o ocupante do cargo recebe informações sobre

a qualidade de seu trabalho é fundamental para seu progresso. Há cargos cujas tarefas são concretas, e qualquer erro fica evidente ao próprio executante. Outros cargos dependem do estabelecimento de critérios e medidas próprias de desempenho e da comunicação das avaliações aos ocupantes, indicando-lhes as falhas e as ações dignas de mérito. Há, também, cargos que lidam com questões complexas, cujos efeitos só se mostrarão no longo prazo. Nesses casos, a percepção da qualidade do desempenho depende, ainda mais, da autoanálise do ocupante do cargo.

9) Informações quanto aos resultados atingidosA maneira como o gestor percebe os resultados atingidos pela

organização ou como terceiros a ele ligados entendem esses re-sultados também afeta o seu desempenho, mesmo que seja difícil efetuar uma correlação exata entre o seu comportamento no car-go e as consequências do mesmo para a organização. A atuação do gestor numa organização que está evoluindo e com prestígio crescente difere da de outro que está trabalhando em outra, con-siderada decadente. O primeiro enfrentará problemas de aplicação de recursos para expansão e provavelmente deixará de lado diag-nósticos profundos de problemas internos, inclusive quanto ao próprio desempenho; o contrário provavelmente ocorrerá com o segundo dirigente, que poderá se voltar para um diagnóstico das dificuldades internas e questionar a própria atuação.

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 105 |

3.3 UMA VISÃO ABRANGENTE

Grandes ganhos podem ser obtidos com a convergência dos últimos fatores descritos. Quanto maior a coerência entre a avaliação do desempenho no cargo e o comportamento real do gestor, entre a medida de desempenho no cargo e as medidas de resultados globais (com a identificação precisa de quais fatores de desempenho efetivamente geraram impactos e em que grau nos resultados globais da organização) e, concomitantemente, quanto maior a acuidade das medidas de desempenho global, tanto maiores serão as possibilidades de que esses indicadores consigam guiar o comportamento do gestor na direção desejada.

Por meio da análise desse modelo, pode-se perceber a di-ficuldade do estudo profundo do trabalho do gestor público. São inúmeras as variáveis que agem simultaneamente sobre o “comportamento no cargo”: ambiente externo, pessoa, organi-zação, exigências do cargo, características pessoais do ocupante, informações quanto ao desempenho e quanto aos resultados alcançados.

Um programa de desenvolvimento abrangente deve combinar a melhoria do desempenho individual dos participantes com o incremento do seu desempenho conjunto, ou seja, a melhoria do trabalho em grupo e do próprio processo de gestão da orga-nização. Deve procurar a articulação de medidas que considerem as aspirações e os anseios dos gestores e demais profissionais e os meios e recursos disponibilizados pela administração, conforme a Figura 3.3.

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Figura 3.3 Desenvolvimento organizacional

A ORGANIZAÇÃO DEVE PROPORCIONAR

• Informação• Poder• Responsabilidade• Recursos• Recompensas

DESENVOLVIMENTOORGANIZACIONAL

O GESTOR DEVEDESENVOLVERHABILIDADES

• Interpessoais• Gerenciais• Técnicas

Fonte: Teixeira et al. (2010)

É necessário fazer esforços para gerar e fortalecer nos participan-tes a consciência da necessidade e o conhecimento das ferramentas para a construção de um processo sustentado de mudança, em que parte e todo se influenciam mutuamente, de forma transparente e evolutiva.

A compreensão da complexa interligação entre os elementos existentes para a formação do comportamento eficaz demonstra a necessidade de maior abrangência e profundidade nos programas de desenvolvimento, os quais devem ser precedidos de amplo diag-nóstico com intensa participação, tanto para a análise dos perfis dos gestores e das necessidades de treinamento e desenvolvimento, quanto para a verificação das necessidades de aprimoramento dos sistemas e modelo de gestão da organização. Ainda que nem sempre seja possível a promoção de mudanças na organização, ao menos a seleção e priorização dos conteúdos dos programas de formação

UM MODELO PARA COMPREENDER AS POSSIBILIDADES....... .... .......... DE DESENVOLVIMENTO DOS GESTORES PÚBLICOS | 107 |

deve manter coerência com as prioridades e práticas organizacionais, reduzindo dissonâncias e evitando maiores frustrações. É claro, contudo, que isso não impede a inclusão de temas que fujam a essa regra, mas a título exclusivo de estimular a reflexão para eventuais transformações no cenário organizacional.

Reafirmamos que todo gestor precisa compreender as exigências do seu cargo e o contexto de seu trabalho para poder avaliar com mais clareza as restrições a que está sujeito e fazer as melhores es-colhas possíveis.

Mesmo que exista a necessidade de revisão do marco institucio-nal — conjunto de leis e normas que regem as atividades — não há dúvida de que resta um espaço de gestão a ser mais bem utilizado pelos administradores. A falta de tempo não impede a vitória sobre esse desafio; é mais uma questão de direcionamento de energias. Obstáculos existem, mas não devem ser ignorados nem tampouco superestimados, já que não são instransponíveis. Além disso, mui-tas políticas vigentes são adversas e precisam ser revistas. De fato, faltam recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos, e a autoridade formal do gestor sobre os processos para obtenção e alocação desses recursos, na maioria das vezes, é limitada. Não bastassem esses problemas, há, também, percepções desfavoráveis quanto à compensação (salários, benefícios e perspectiva de carreira) e quanto ao padrão burocrático de gestão adotado na área pública.

A falta de recursos, que é real e percebida pelos gestores, traz consequências para o bom desempenho no cargo. Configura-se uma verdadeira síndrome da insuficiência de meios e excesso de restrições. Os funcionários tendem a superestimar as restrições e carências e a subestimar os próprios poderes de decisão, de escolha e de resolução de problemas.

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A realidade é percebida com desvio que protege o indivíduo. Sabe-se que é mais fácil para o ser humano perceber seus direitos e dificuldades enfrentadas do que seus deveres e possibilidades de atuação criativa. Isso não deixa de ser um mecanismo de defesa, em que as restrições e principalmente a falta de recursos, obviamente existentes, são superestimadas, com o propósito inconsciente de justificar certa paralisia ou a falta de agressividade diante das situações-problema.

Já se tornou lugar comum afirmar que a visão global ou sistêmi-ca é essencial para qualquer dirigente. Isso é ainda mais difundido no caso do gestor público, que deve ser um personagem ativo no seu meio, atento às necessidades da população a que serve e preocupado em situar essas necessidades em face dos objetivos e orientações que derivam das políticas estabelecidas.

O gestor é um agente fundamental na articulação da equipe e dos recursos disponíveis, configurando-se, assim, um novo quadro de exigências a que se precisa atender. Nesse modelo, o adminis-trador representa a figura principal, cuja atuação pode determinar a qualidade do serviço prestado. Dimensões nem sempre muito lembradas, desde características de personalidade até especifici-dades do ambiente externo, passando pela capacitação da equipe de trabalho, tornam-se prioritárias para o desempenho adequado do gestor.

3.4 REFERÊNCIAS

CAMPBELL, J. P. et al. Managerial behavior, performance, and effectiveness. New York: McGraw-Hill, 1970.

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MLODINOW, L. O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

TEIXEIRA, H. J. et al. Fundamentos de Administração: a busca do essencial. São Paulo: Elsevier, 2010.

CAPÍTULO 4

Estilos comportamentais dos profissionais da área de gestão de

pessoas: um estudo exploratório nos setores público e privado

ROBERTO CODADoutor e livre-docente em Administração pela

FEA-USP e professor da mesma instituição. DARLY ALCARPE CODA

Economista pela FMU e consultora de RH.

MAURÍCIO SANTOS MOTTAProfissional de Educação Física pela Uniban e

pesquisador na Fundação Instituto de Administração (FIA).

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4.1 INTRODUÇÃO

Este capítulo tem por objetivo principal apresentar um estudo exploratório para identificar estilos de comportamento de profissio-nais da área de gestão de pessoas, utilizando os conceitos de Orien-tação Motivacional e de Estilo de Mobilização, criados com base na abordagem do Diagnóstico M.A.R.E., desenvolvida e validada no Brasil, tendo como origem as contribuições de Erich Fromm sobre personalidade. O referencial teórico aborda os temas: diferenças individuais, motivação no trabalho com ênfase em motivação in-trínseca, além de detalhes sobre a criação e validação do instrumento de pesquisa, bem como a metodologia utilizada para a identificação dos padrões comportamentais avaliados. O estudo adota uma pers-pectiva descritiva a uma amostra intencional por conveniência de 408 sujeitos, obtida com a participação voluntária de empregados que atuam na área de gestão de pessoas (RH) em empresas do se-tor privado e junto a uma organização do setor público. Os estilos comportamentais pesquisados denominam-se Colaborador (foco na ajuda a pessoas), Negociador (foco na adaptação e resolução de conflitos), Competidor (foco nos desafios), Conquistador (foco em resultados), Realizador (foco na ação), Mantenedor (foco na con-

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tinuidade) e Especialista (foco na qualidade). As duas questões básicas subjacentes aos objetivos do trabalho consideram que deve haver um estilo de comportamento predominante entre esses profissionais, bem como a existência de diferenças em relação aos eventuais estilos dominantes, quando comparados os resultados das duas amostras. Os resultados indicam que na organização pública os profissionais são predominantemente Negociadores e Especialistas, enquanto nas empresas privadas os estilos mais frequentes foram o Conquistador e o Mantenedor. Os resultados foram também comparados com uma amostra de âmbito nacional de 4.981 casos envolvendo gerentes e profissio-nais de várias áreas e de nível superior, amostra essa que revela não haver predominância entre os estilos pesquisados. Além de confirmadas as duas questões de pesquisa, o estudo discute os caminhos e barreiras para o aperfeiçoamento da atuação dos profissionais de gestão de pessoas, fornecendo subsídios para a sua contratação, desenvolvimento e alocação, revelando ainda implicações e desafios que se colocam para os profissionais e para o campo de RH, caso se pretenda para ambos um papel estratégico na atuação dentro das organizações.

Ao longo da história é possível perceber a capacidade do ser humano em articular pessoas e recursos para superar obstáculos e atingir objetivos. Para que a sociedade possa produzir os bens necessários aos indivíduos, há a necessidade de utilização de três recursos considerados fatores de produção: capital físico, tecnologia e capital humano. O primeiro é caracterizado pelos recursos naturais disponíveis, bem como ferramentas, veículos, construções e equipamentos utilizados no processo de produção; o segundo irá tornar a produção maior e mais rápida, garantindo

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 115 |

o diferencial competitivo frente a outras economias; e o terceiro fator de produção é caracterizado por todo o esforço físico e mental despendido no processo de produção.

O capital humano pode ser considerado fator relevante para o desenvolvimento econômico de um país, sem o qual não haveria condições de sucesso. Isso é válido também para as organizações modernas que em um mundo globalizado e cada vez mais com-petitivo se diferenciam, por meio das qualidades, competências e, principalmente, ações e comportamentos de seu capital humano.

À medida que as organizações evoluem, elas estão sujeitas a mudanças em sua estrutura organizacional, no comportamento e na forma de relacionamento de seus empregados e colaboradores. Tais mudanças são necessárias para que elas possam se adaptar às transformações necessárias à sua sobrevivência no mercado.

O PAPEL DO PROFISSIONAL E DA ÁREA DE GESTÃO

DE PESSOAS (RH) NAS ORGANIZAÇÕES

Neste contexto acredita-se que o profissional de RH possa exercer papel de destaque junto às organizações, influenciando o clima, comportamentos e relações no ambiente corporativo, a fim de que os objetivos estratégicos da organização, bem como os objetivos individuais dos colaboradores, sejam atingidos.

Em primeiro lugar, faz-se necessário considerar as transforma-ções ocorridas e o papel da área de gestão de pessoas no contexto nacional e internacional. Como consequência do processo de glo-balização, essa área funcional vem recebendo pressões no sentido de se mostrar mais ágil, flexível, inovadora e, principalmente, centrada em resultados dentro de suas diferentes atividades es-pecíficas — recrutamento, seleção, treinamento, remuneração,

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carreira, segurança e saúde ocupacional. É possível observar uma mudança de paradigma para a atuação em RH nas organizações, exigindo-se um posicionamento estratégico da área, fato que vem fazendo que a mesma, nos últimos anos, tenha procurado definir políticas e práticas de gestão do fator humano com base no conceito de competências profissionais.

O desafio para a área de gestão de pessoas (RH) e seus inte-grantes passa a ser identificar, mapear e avaliar competências da força de trabalho que estejam alinhadas com as competências da própria organização, colaborando, assim, de modo mais efetivo para a geração dos resultados a serem alcançados. Portanto, o foco passou a ser a busca por um novo modelo de gestão de pessoas que se diferencia do tradicional por ser centrado na meritocracia, na gestão do desempenho e na adição de valor para a organização (CODA et al., 2009; DUTRA, 2009; ULRICH, 2009).

Essas considerações evidenciam que a atuação da área de RH dentro desse novo paradigma irá depender, entre outros aspectos, dos estilos preferenciais de comportamento de seus profissionais, uma vez que são eles que deverão implementar e liderar a mu-dança no sentido pretendido. Entretanto, essas ações serão mais facilmente viabilizadas se os profissionais apresentarem estilos comportamentais compatíveis à nova proposta; caso contrário, em lugar de alavancar o novo modelo, eles representarão uma barreira ao processo de inovação pelo qual deve passar a própria área na qual atuam.

Em função dos desafios considerados importantes e desejáveis, a pergunta que o presente estudo busca responder é: o profissional de RH possui um perfil que se alinha àqueles aspectos ou deverá realizar um considerável esforço de desenvolvimento pessoal?

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4.2 OBJETIVO GERAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Em ambientes organizacionais, a identificação de padrões ou estilos comportamentais contribui para o reconhecimento de tendência nas ações dos profissionais, orientando seu treinamento e desenvolvimento, bem como sua alocação no trabalho por meio da garantia de um balan-ceamento entre preferências naturais e necessidades ou requisitos dos cargos que ocupam (RICCO, 2004). Tendo por referência arcabouço concebido a partir da realidade de organizações brasileiras para identifi-car padrões comportamentais em situação de trabalho, este trabalho tem por objetivo geral identificar os estilos de mobilização dos profissionais que atuam na área de gestão de pessoas (RH) nas organizações. Sua importância justifica-se pelos motivos a seguir apresentados.

A contribuição que se pretende é mapear os estilos ou padrões dominantes de comportamento de profissionais que estão cons-truindo suas carreiras em áreas de gestão de recursos humanos, a fim de fornecer subsídios para: •  incrementar a possibilidade de mudança das áreas de gestão de pessoas, direcionando-as, por meio das ações de seus profissio-nais, para novos padrões de eficiência, produtividade, qualidade e atendimento dos empregados da organização;•  a contratação, retenção e desenvolvimento desses profissionais;•  respeitar e levar em consideração pontos fortes e fracos in-trinsecamente associados a prováveis estilos mais representativos, promovendo maior adequação desses profissionais à situação ou realidade de trabalho;•  verificar a compatibilidade entre eventuais estilos dominantes e os desafios e papéis previstos na literatura referente à atuação profissional eficaz de uma área de gestão de pessoas (RH).

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Portanto, conhecer o estilo preferencial de comportamento desses profissionais utilizando-se o diagnóstico M.A.R.E. permitirá avaliar até que ponto a mudança necessária na atuação da área de gestão de pessoas terá maior possibilidade de ocorrer, caso os resultados da pesquisa apontem para um equilíbrio dos estilos mapeados.

Verificando-se uma concentração ou a predominância de de-terminados estilos de mobilização, o presente trabalho contribuirá também para orientar os esforços de desenvolvimento e de trei-namento dos profissionais de RH, bem como a contratação ou a promoção de indivíduos portadores de estilos pouco frequentes ou de estilos que se posicionariam mais favoravelmente no sentido de promover mudanças no papel da área de Gestão de Pessoas (RH), conferindo-lhe uma atuação mais estratégica.

De modo específico, este trabalho visa identificar os estilos de mobilização (RICCO, 2004) de profissionais que atuam na área de Gestão de Pessoas (RH), a fim de:•  identificar a eventual existência de estilos de mobilização predominantes que possam configurar comportamentos ideais para o ajustamento e sucesso profissional nessa área;•  comparar os estilos de mobilização de profissionais que atuam em empresas privadas com os estilos daqueles que exercem suas atividades em uma organização de natureza pública.As organizações atuais precisam atender os desafios da compe-

titividade, da inovação e da mudança, contexto este em que o fator humano pode representar a diferenciação capaz de contribuir para a realização efetiva de resultados e metas. Assim, cabe não só aos líderes, mas também aos profissionais de RH, entender a organi-zação, traduzir sua missão e objetivos para as equipes e promover a retenção dos profissionais por meio de uma gestão eficaz que envolve

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comportamentos, relacionamentos, motivação e comprometimento no trabalho.

É também pressuposto deste trabalho que a compreensão das próprias motivações e estilos de comportamentos preferenciais do profissional de Gestão de Pessoas (RH) possa fornecer a ele bases para que exerça seu papel nas organizações, orientando-as para as mudanças ou desafios estabelecidos.

4.3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste tópico, são apresentados e discutidos os principais aspectos conceituais que se relacionam com a compreensão e descrição dos conhecimentos que fornecem base para a realização da pesquisa de campo.

Basicamente são apresentados conceitos sobre diferenças indi-viduais no trabalho, teorias motivacionais baseadas em variáveis intrínsecas, a contribuição dos trabalhos de Erich Fromm, bem como a interface entre motivação e liderança. Enfatiza-se também a descrição das principais características das orientações motivacio-nais M.A.R.E. e dos estilos comportamentais identificados (estilos de mobilização), uma vez que esses aspectos representam não só a base teórica do Diagnóstico M.A.R.E., mas também fornecem a fundamentação da metodologia utilizada na pesquisa de campo.

Diferenças individuaisBowditch (1992) entende que a personalidade é a principal de-

terminante das diferenças individuais. A personalidade refere-se aos padrões relativamente consistentes e duradouros de percepção,

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pensamento, sentimento e comportamento que fornecem aos in-divíduos identidade distinta (DAVIDOFF, 2001). Relacionando os conceitos sobre diferenças individuais às teorias motivacionais anteriormente apresentadas, nota-se que, embora não seja uma tarefa fácil, é de grande importância para os gerentes e supervisores diag-nosticarem o tipo ou o estilo de pessoa que lhe é dado supervisionar para que se possam oferecer instrumentos motivacionais adequados.

Aceitar e lidar com diferenças no comportamento humano, entre-tanto, não é uma tarefa fácil, embora seja amplamente sabido que isso representa um dos aspectos capazes de gerar resultados, assim como os níveis desejados de produtividade e clima organizacional positivo para o desenvolvimento do trabalho. É um fato inegável que cada indivíduo tem um padrão de pensar, preferências e modos particulares de encarar os desafios e as situações da vida cotidiana. Atualmente, no trabalho, as necessidades e propósitos são constantemente testados por causa da natureza mutante das atividades, tecnologias e aborda-gens gerenciais, gerando níveis de stress mais elevados que podem fazer com que diferenças de estilo ou de orientação se transformem em ressentimentos, problemas de comunicação e dificuldades para entender as reais intenções nas relações interpessoais.

Em lugar de tentar simplesmente rotular as pessoas, a percepção e a compreensão das orientações ou preferências motivacionais dos colaboradores que atuam em organizações representam uma resposta para tentar liberar o potencial criativo dos indivíduos e gerenciar o fator humano de modo mais efetivo.

Goleman (2004) afirma que pessoas são colocadas em posições de grande responsabilidade em organizações sem que sejam levadas em conta suas competências emocionais ou sociais. O autor define “competências emocionais” ou comportamentais como a forma

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 121 |

pela qual as pessoas se autogerenciam e propõe uma classificação de tais competências em seis diferentes categorias — autopercepção, autorregulação, motivação, empatia, habilidades sociais e habili-dades de trabalho em grupo. Para os objetivos do presente projeto de pesquisa, essas categorias representam pontos fundamentais de interesse, uma vez que podem ser consideradas como traços ou orientações implícitas no perfil de qualquer profissional ou gestor.

MotivaçãoComo há ampla gama de teorias motivacionais, desde as clás-

sicas como, por exemplo, a teoria das necessidades de Maslow, até as contemporâneas, como a da expectância de Vroom (ROBBINS, 2010), serão expostas a seguir somente aquelas que dão suporte ao presente trabalho, priorizando-se aquelas que enfatizam aspectos intrínsecos do processo motivacional.

Seja por meio do senso comum, seja intuitivamente, cada pes-soa possui sua própria concepção do que seja motivação, fazendo com que o conceito pareça simples. Porém, o assunto é complexo, discutido em diversas teorias, sendo que nenhuma delas apresenta respostas definitivas sobre o que fazer para motivar pessoas. Entende--se motivação como um estado interior que induz o indivíduo a assumir determinado tipo de comportamento (SPECTOR, 2002). Está ligada à intensidade, pois se refere ao esforço que cada indivíduo realiza para cumprir uma tarefa e à persistência, pois diz respeito ao seu compromisso em não abandonar determinado comportamento. Aplicando o conceito de motivação ao trabalho, Robbins (2010, p. 196) a define como “[...] Processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de uma pessoa para o alcance de determinada meta”.

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Pretendendo sintetizar o conceito do ponto de vista das orga-nizações, Robbins (2010) propõe como definição de motivação o “processo que desperta a vontade ou predisposição de realizar esforços contínuos em relação à realização de algum objetivo or-ganizacional, influenciada pela capacidade da organização de sa-tisfazer determinadas necessidades individuais”. Nessa definição, o termo “despertar” refere-se ao impulso ou energia que daria base às ações. Nesse sentido, as pessoas podem estar interessadas em obter uma boa imagem como profissionais em uma determinada área ou campo de conhecimento, realizar um trabalho de elevada quali-dade, sentirem-se bem ao executar um certo elenco de atividades, ganharem muito dinheiro, ou então experimentarem o sentimento de estarem contribuindo para o desenvolvimento da sociedade na qual estão atuando.

Embora seja impossível supor que esses impulsos sejam os mes-mos para diferentes pessoas, o que aqui surge como relevante é que sempre existe uma ou mais razões que inspiram o comportamento de qualquer indivíduo em qualquer organização, ou seja, o conceito de motivação tem caráter universal e ajuda a explicar o comportamento em inúmeras situações. Assim sendo, é o interesse dos indivíduos que os estimula a apresentarem comportamentos que julgam que os permitirá atender a esses motivos ou impulsos.

Para os objetivos deste trabalho o conceito de motivação in-trínseca é de especial relevância. Conforme será detalhado no item “metodologia”, a identificação dos estilos comportamentais parte de uma autopercepção do indivíduo sobre suas preferências ou orientações motivacionais e que revelam impulsos para agir mani-festos frequentemente nas atitudes de uma pessoa. São intencionais e influenciadas por situações vividas no contexto social. Trata-se de

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 123 |

uma variável no plano do indivíduo e deve ter validade de avalia-ção, sendo seu papel contribuir para a melhoria do desempenho do profissional em seu trabalho (CODA; RICCO, 2009; CODA; CESTARI, 2008).

Diante do fato de que o conceito de orientação motivacional representa uma preferência ou predisposição interna para agir, para se comportar, as teorias motivacionais que dão suporte ao presente trabalho são, como afirmamos acima, as que privilegiam aspec-tos intrínsecos, tais como a teoria da avaliação cognitiva (DECI; FLASTE, 1998); as teorias baseadas em necessidades, como as de Maslow, Alderfer e McClelland, assim como os pressupostos que ligam motivação no trabalho ao sentido ou significado a ele atri-buído pelo profissional que o desempenha (CODA; FONSECA, 2004; SIEVERS, 1994).

Orientações motivacionais: conceito e aplicaçõesDesde a contribuição fundamental de Maslow, é amplamente

reconhecido que o que motiva as pessoas são suas necessidades, principalmente aquelas que não estão suficientemente atendidas em um dado momento. Embora essas necessidades possam ser comuns a todos os seres humanos, as maneiras segundo as quais as pessoas se organizam para atendê-las são específicas ou peculiares a cada indivíduo. Entretanto, é possível reconhecer tendências relativamente estáveis no comportamento, caracterizando o que se denomina “orientação motivacional”. Por definição, trata-se de um padrão de comportamento que surge frequentemente nas atitudes de alguém.

Todavia, em função da influência de traços culturais, torna--se necessário adaptar tipologias dessa natureza a aspectos que

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possam ser facilmente compreendidos por profissionais que atuam em organizações brasileiras. De maneira oposta a outras abordagens, o Diagnóstico M.A.R.E. representa uma tentativa de identificar as manifestações de orientações motivacionais básicas no trabalho, em lugar de interpretar essas motivações somente utilizando como base autopercepções de traços de personalida-de. Consequentemente, o questionário criado como base para condução desta pesquisa concentrou-se em autopercepções de comportamentos e ações privilegiadas no trabalho, considerando os traços inatos de personalidade subjacentes a todo o processo como um tema secundário.

Embora os usos do conceito de orientações motivacionais possam ser numerosos, indo desde a alocação de empregados em diferentes cargos ou áreas funcionais até a gestão da cultura de uma organi-zação, é importante esclarecer aqui algumas situações adicionais específicas nas quais é possível utilizar essa noção. O conceito de orientação motivacional permite também avaliar formas preferenciais de participar de reuniões de trabalho, compatibilizar o potencial de empregados com requisitos do cargo, inferir sobre meios de resolução de problemas e de fixar objetivos, bem como reduzir os níveis de stress e conflitos no trabalho pela compreensão de que o que motiva e energiza uma pessoa pode, ao mesmo tempo, perturbar as ações de outra.

Erich Fromm e as diferenças individuaisAutor de orientação psicanalítica, Fromm contribuiu para a

discussão do tema das diferenças individuais ao tratar a teoria psi-canalítica à luz da psicologia social do século 20, considerando, então, o homem como um produto da sociedade em que vive

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 125 |

(RICCO, 2004). Em estudos mais recentes, Maccoby (2005) julga particularmente útil para a compreensão de pessoas e de compor-tamentos profissionais e gerenciais no trabalho as contribuições de Freud e as de Fromm, já que estes levam em conta os aspectos de adaptação cultural.

Fromm (1986) baseia-se na teoria freudiana, destacando o sis-tema de impulsos que servem de base para o comportamento. Não procura encontrar a origem do comportamento humano exclusi-vamente nos impulsos internos e nem nas pressões sociais, mas em uma pessoa consciente que tem determinadas necessidades e existe dentro de uma rede de exigências sociais. Assim, identifica quatro orientações principais que revelam predisposições do indivíduo, classificadas como: receptiva, exploradora, acumuladora e mercantil. A orientação receptiva revela uma preocupação com as pessoas e com o aprendizado; a exploradora prioriza a retirada do ambiente de todas as possibilidades que o mesmo oferece; a acumuladora tem como foco a síntese e a projeção das experiências passadas; e a mercantil enfatiza a preocupação dos indivíduos com as trocas, com a adaptação e a integração.

Baseando-se nas teorias que classificam o comportamento do in-divíduo, instrumentos de mensuração são desenvolvidos, compondo assim os diagnósticos comportamentais (RICCO, 2004). Um deles é o Diagnóstico M.A.R.E.® de Orientações Motivacionais. Nele, partindo-se das orientações propostas por Erich Fromm, é proposta e realizada uma adaptação dessas orientações ao universo do tra-balho e à realidade brasileira, buscando construir um instrumento válido para mensuração de orientações motivacionais no contexto profissional do nosso país.

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O Diagnóstico M.A.R.E. de Orientações MotivacionaisO Diagnóstico M.A.R.E. fundamenta-se nas quatro orientações

propostas por Fromm (1986), adaptadas por Coda (2000) para situações e comportamentos no contexto das organizações de tra-balho e renomeadas como orientações motivacionais Mediadora, Analítica, Receptiva e Empreendedora. O Quadro 4.1 apresenta uma síntese das principais características de cada uma delas, bem como a visualização do paralelo estabelecido entre a classificação proposta por Coda (2000) e aquela originariamente desenvolvida por Fromm (1986):

Quadro 4.1 Principais características das orientações M.A.R.E.

Orientação Mercantil

(M.)

FROMM

Orientação Mediadora

(M.)

Orientação Acumuladora

(A.)

Orientação Analítica

(A.)

Orientação Receptiva

(R.)

Orientação Receptiva

(R.)

Orientação Exploradora

(E.)

Orientação Empreendedora

(E.)

CODA Características

Foco em relacionamentos. Busca de harmonia e de integração entre visões conflitantes em situações de trabalho. Compreensão das necessidades das pessoas. Habilidade para vender novas ideias. Facilidade para atuar em grupos; sociabilidade, afetividade.

Foco nas pessoas. Desenvolvimento do talento de equipes. Desenvolvimento das próprias habilidades e competências. Reconhecimento do valor da diversidade. Preocupação em viabilizar coisas em lugar de dificultá-las.

Foco nas estratégias. Busca de continuidade nas ações e processos. Padrões elevados de qualidade em tarefas e procedimentos. Lógica e racionalidade. Visão de longo prazo. Impessoalidade, objetividade e sinceridade. Aversão a riscos.

Foco nos resultados. Busca por mudanças e desafios constantes. Capacidade de agir e obter aquilo que é esperado. Inovação e inventividade. Exploração de novos mercados e oportunidades de negócio.

Fonte: Coda (2000, p. 6)

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 127 |

Importante salientar que a abordagem considera que os profis-sionais no trabalho apresentam todas essas orientações durante o exercício de suas atividades, sendo que as diferenças ocorrem na frequência e ordem de preferência de utilização de cada uma delas.

O Diagnóstico de Orientações Motivacionais M.A.R.E. é um instrumento com dezesseis afirmações que retratam comporta-mentos em situações de trabalho e que devem ser avaliadas pelo respondente dentro de quatro alternativas possíveis. O respondente indica qual das quatro alternativas apresentadas em cada afirmação seria aquela com que mais se identifica como ação preferencial para atuação, atribuindo à mesma a nota 4; a que vem em segundo lugar, nota 3; e assim sucessivamente até atribuir nota 1 à alterna-tiva que é mais diferente de sua preferência ou modo de agir. Esse procedimento irá gerar oito escores, sendo um para cada uma das quatro orientações motivacionais (M.A.R.E.) em duas situações diferentes e que correspondem a condições normais de trabalho (CN) e sob pressão (SP).

Caracterização dos estilos comportamentais – Estilos de Mo-bilização (EM) brasileiros com base no Diagnóstico M.A.R.E.

Baseando-se no Diagnóstico M.A.R.E. de Orientações Motiva-cionais, Ricco (2004) identifica, em tese de doutoramento apresen-tada na FEA-USP em 2004, estilos de mobilização que representam o modo de agir dos gestores e profissionais brasileiros, avançando no que concerne à manifestação das orientações motivacionais. Utilizando-se do banco de dados M.A.R.E., composto por 4.981 casos, Ricco (2004) realiza a comparação das possibilidades teóricas de agrupamento com os agrupamentos obtidos por meio de análise estatística multivariada, identificando os padrões por intermédio da

| 128 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

análise de conglomerados, descrevendo os padrões identificados e gerando os sete perfis utilizados no presente trabalho.

A expressão Estilo de Mobilização (EM) não existia na literatura que trata de comportamento organizacional e foi criada para atender à necessidade de nomear os padrões comportamentais encontrados por Ricco (2004), resultantes do Diagnóstico M.A.R.E., concebido e validado por Coda (2000). Esse conceito refere-se ao modo peculiar e intencional de agir nas organizações de trabalho na busca de resul-tados e é resultante da interação entre as orientações motivacionais em situações normais e as sob pressão. Os agrupamentos estatísti-cos encontrados por Ricco (2004) foram considerados padrões de comportamento gerencial e profissional, sendo descritos e nomea-dos como Especialista, Colaborador, Conquistador, Mantenedor, Competidor, Negociador e Realizador.

A linha de pesquisa do Diagnóstico M.A.R.E. continua a avan-çar no que diz respeito ao mapeamento de estilos comportamen-tais de diferentes profissionais brasileiros e na busca de relações entre esses estilos e outras variáveis independentes, tais como o desempenho no trabalho. Por exemplo, com base nos estilos de mobilização, Coda e Cestari (2008) investigam as relações entre o perfil comportamental do indivíduo e seu desempenho diante de uma estratégia motivacional composta pelo estabelecimento de metas, remuneração variável e concessão de promoções por desempenho. O estudo realizado com 119 gerentes de um banco de varejo indica que os diferentes perfis comportamentais apre-sentam uma diferença estatisticamente significativa em relação ao cumprimento das metas estabelecidas pela instituição e sugere que os indivíduos com o EM Conquistador apresentam melhor desempenho em relação aos demais, enquanto que os de EM

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 129 |

Colaborador e Especialista têm desempenhos inferiores quando comparados aos outros estilos.

Miguel (2009) realiza estudo voltado para identificar os Esti-los de Mobilização junto a profissionais da área de Relações com Investidores (RI) no Brasil, revelando ser o estilo Conquistador aquele que se apresenta como dominante. Zucco (2010) aplica a abordagem Diagnóstico M.A.R.E. em professores de administração em nível de graduação junto a uma expressiva universidade privada em São Paulo, identificando como dominantes os estilos Negociador e Mantenedor, enquanto que os estilos Colaborador e Realizador revelaram-se significativamente mais ausentes.

O Quadro 4.2 apresenta a descrição resumida das principais ca-racterísticas comportamentais dos Estilos de Mobilização oriundos do Diagnóstico M.A.R.E.

Quadro 4.2 Principais características dos Estilos de Mobilização (EM)

ESPECIALISTA

ESTILO

COLABORADOR

CONQUISTADOR

COMPETIDOR

REALIZADOR

NEGOCIADOR

MANTENEDOR

DESCRIÇÃO DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Controlar e reunir experiências válidas traz segurança e os relacionamentos devem estar baseados tanto no crescimento pessoal como no bom uso das competências dos outros. Fixa desafios referendados por ações cuidadosas que geram resultados contínuos, bem como preocupação para exercer racionalidade. Tomada de decisão baseada em dados e informações pertinentes. Busca ser expert em seu campo de atuação e é orientado para a estratégia e processos. Apresenta-se como dono da verdade e do conhecimento existente, agindo de modo persistente, cuidadoso e metódico.

Consegue o que é considerado de valor via troca com outras pessoas e tende a enfatizar os relacionamentos como o único modo de receber coisas e eventos positivos, assim como obter sucesso. Mostra desejo de participar de equipes como forma de autodesenvolvimento pessoal e profissional. Orientado para pessoas e para a qualidade do processo de trabalho. Gosta de ajudar os outros a encontrar soluções para os problemas existentes.

Atribui sentido a atingir objetivos e controlar o que é obtido. Assume a posse do que é considerado de valor. Gosta de situações competitivas que proporcionam crescimento pessoal. Preocupado com novos horizontes de desempenho a serem alcançados e demonstra comprometimento com resultados baseados em processos. Busca situações em que pode mostrar sua capacidade de desempenho e conseguir o que é esperado.

O importante é garantir ações que assegurem a continuidade de ações e de inovações no contexto organizacional. Estabelece relacionamentos nos quais pode controlar e gerenciar variáveis situacionais, enfatizando o follow-up e a preocupação com os processos operacionais. Compreende as crenças e opiniões das pessoas, agindo de modo responsivo, compreensivo, metódico e persistente. Tende a evitar riscos, buscando a segurança.

Atribui sentido em obter o que é melhor no mundo, sempre pronto a correr riscos e tomar decisões sobre o que precisa ser feito. Busca desafios que dependem do desempenho competitivo, obstinado e determinado. Focado em vencer e obter resultados, como com os processos que os asseguram. Compara-se com os outros ao obter resultados, assumindo a responsabilidade pela resolução de problemas.

O importante é obter resultados positivos, mesmo que seja necessário mudar de atitudes para tanto. Promove ações voltadas para a consecução de metas organizacionais e prefere lidar com situações nas quais pode fazer as coisas acontecerem. Orientado para resultados pessoais e organizacionais, age de modo flexível, animado e proativo.

O importante é implementar trocas vantajosas, resguardando o que foi obtido. Adaptar-se a novas situações e mudar de opinião não significa perda de território pessoal. Promove a integração. Demonstra capacidade de convencimento e considerável habilidade de compreender as necessidades das pessoas e de resolver conflitos. Coloca-se no lugar dos outros e orienta-se para a aquisição da visão organizacional.

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ESPECIALISTA

ESTILO

COLABORADOR

CONQUISTADOR

COMPETIDOR

REALIZADOR

NEGOCIADOR

MANTENEDOR

DESCRIÇÃO DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Controlar e reunir experiências válidas traz segurança e os relacionamentos devem estar baseados tanto no crescimento pessoal como no bom uso das competências dos outros. Fixa desafios referendados por ações cuidadosas que geram resultados contínuos, bem como preocupação para exercer racionalidade. Tomada de decisão baseada em dados e informações pertinentes. Busca ser expert em seu campo de atuação e é orientado para a estratégia e processos. Apresenta-se como dono da verdade e do conhecimento existente, agindo de modo persistente, cuidadoso e metódico.

Consegue o que é considerado de valor via troca com outras pessoas e tende a enfatizar os relacionamentos como o único modo de receber coisas e eventos positivos, assim como obter sucesso. Mostra desejo de participar de equipes como forma de autodesenvolvimento pessoal e profissional. Orientado para pessoas e para a qualidade do processo de trabalho. Gosta de ajudar os outros a encontrar soluções para os problemas existentes.

Atribui sentido a atingir objetivos e controlar o que é obtido. Assume a posse do que é considerado de valor. Gosta de situações competitivas que proporcionam crescimento pessoal. Preocupado com novos horizontes de desempenho a serem alcançados e demonstra comprometimento com resultados baseados em processos. Busca situações em que pode mostrar sua capacidade de desempenho e conseguir o que é esperado.

O importante é garantir ações que assegurem a continuidade de ações e de inovações no contexto organizacional. Estabelece relacionamentos nos quais pode controlar e gerenciar variáveis situacionais, enfatizando o follow-up e a preocupação com os processos operacionais. Compreende as crenças e opiniões das pessoas, agindo de modo responsivo, compreensivo, metódico e persistente. Tende a evitar riscos, buscando a segurança.

Atribui sentido em obter o que é melhor no mundo, sempre pronto a correr riscos e tomar decisões sobre o que precisa ser feito. Busca desafios que dependem do desempenho competitivo, obstinado e determinado. Focado em vencer e obter resultados, como com os processos que os asseguram. Compara-se com os outros ao obter resultados, assumindo a responsabilidade pela resolução de problemas.

O importante é obter resultados positivos, mesmo que seja necessário mudar de atitudes para tanto. Promove ações voltadas para a consecução de metas organizacionais e prefere lidar com situações nas quais pode fazer as coisas acontecerem. Orientado para resultados pessoais e organizacionais, age de modo flexível, animado e proativo.

O importante é implementar trocas vantajosas, resguardando o que foi obtido. Adaptar-se a novas situações e mudar de opinião não significa perda de território pessoal. Promove a integração. Demonstra capacidade de convencimento e considerável habilidade de compreender as necessidades das pessoas e de resolver conflitos. Coloca-se no lugar dos outros e orienta-se para a aquisição da visão organizacional.

Fonte: Adaptado de Ricco (2004).

Questões de pesquisaO contexto e a fundamentação teórica apresentados permitem

o estabelecimento das questões de pesquisa deste trabalho, a seguir identificadas.

QP1 - Há estilo(s) de mobilização (EM) predominante(s) entre os profissionais da área de gestão de pessoas (RH)?

QP2 - Há diferenças de estilo(s) de mobilização predominante(s) entre os profissionais da área de gestão de pessoas (RH) que atuam em organizações de natureza pública e aqueles que exercem suas atividades em organizações privadas?

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 131 |

4.4 METODOLOGIA

A fim de tornar claro como o presente estudo foi realizado, são apresentadas a seguir a caracterização do tipo de pesquisa, seus su-jeitos, ferramentas utilizadas, procedimentos para a coleta de dados, bem como as diferentes etapas levadas a efeito.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho tem caráter quantitativo, marcada pelo uso de medidas descritivas para a análise dos dados. Sob o ponto de vista dos objetivos e na-tureza do problema, a pesquisa caracteriza-se como exploratória, já que procura proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses. O instrumento de coleta de dados utilizado foi o Diagnóstico M.A.R.E. descrito em tópicos anteriores, disponibilizado sob autorização de Coda, e os Estilos de Mobilização foram apurados conforme os procedimentos sugeridos por Ricco (2004). As etapas metodológicas executadas durante a realização da pesquisa acham-se descritas a seguir.

ETAPAS

A. Formação e análise da amostra setor públicoForam utilizados os dados coletados de 321 profissionais da

área de gestão de pessoas (RH) da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura da Cidade de São Paulo (SMS-SP) e de diferentes secretarias de estado também em São Paulo. Os resultados do diag-nóstico de orientações motivacionais desses profissionais pertencem ao banco de dados do Diagnóstico M.A.R.E., sob responsabilidade do Prof. Dr. Roberto Coda. A coleta foi realizada em programas de desenvolvimento profissional executados pelo referido professor no período de 2009 a 2012.

| 132 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

B. Formação e análise da amostra setor privadoO questionário de orientações motivacionais M.A.R.E. foi

aplicado também para 87 profissionais da área de gestão de pes-soas (RH) que atuam exclusivamente em empresas privadas. Nesse caso, a forma de coleta dos dados foi tanto presencial quanto por meio eletrônico. O público alvo dessa consulta é formado por integrantes do Grupo Abril e por alunos e ex-alunos de turmas do curso MBA em Recursos Humanos da Fundação Instituto de Administração (FIA).

A estratégia de levantamento dos dados utilizada para as duas amostras caracteriza um processo de amostragem por conveniên-cia. Os profissionais que fizeram parte da pesquisa tiveram suas identidades protegidas e receberam, sem custo, o laudo descritivo de seu Estilo de Mobilização, além de material explicativo sobre a abordagem M.A.R.E. e seu instrumento de diagnóstico.

C. Identificação dos Estilos de MobilizaçãoConforme procedimentos descritos por Ricco (2004), com

os valores obtidos para as quatro diferentes orientações motiva-cionais avaliadas, foram processados em software específico os cálculos que permitem identificar o estilo de mobilização para cada participante das duas diferentes amostras coletadas.

D. Análise comparativa geralOs estilos de mobilização (EM) do total de profissionais de

Gestão de Pessoas (RH), englobando a soma dos profissionais da empresa pública com aqueles atuando nas empresas priva-das, foram comparados com os EM disponíveis para a amostra de profissionais brasileiros, a fim de identificar a ocorrência de estilos dominantes.

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 133 |

E. Análise comparativa específicaNesta etapa foram comparados os estilos de mobilização dos

profissionais de gestão de pessoas (RH) que atuam nas organi-zações públicas pesquisadas com aqueles dos profissionais que trabalham nas empresas privadas, a fim de identificar a ocor-rência de diferentes estilos dominantes entre as duas amostras consideradas.

4.5 RESULTADOS DA PESQUISA

CARACTERIZAÇÃO DAS AMOSTRAS

As informações sobre os 321 profissionais do setor público referem-se somente aos respectivos Estilos de Mobilização (EM).

No que tange os 87 indivíduos que atuam em empresas privadas, eles trabalham em empresas nacionais e multinacionais perten-centes a diversos setores, tais como bancos, indústrias, comércio, internet, varejo, mídia, gráfica, logística e distribuição, educação, farmacêutica, construção e consultoria. Do total, 68% pertencem ao Grupo Abril e 32% são alunos e ex-alunos do MBA de RH da FIA; 58% têm curso de pós-graduação (MBA ou especialização) e 45% ocupam posição gerencial (alta e média gerência) ou de nível executivo. Entre os profissionais do Grupo Abril, 55% atuam na área de processos e os demais em áreas consideradas estratégicas, como consultoria interna, remuneração, comunicação, desenvol-vimento organizacional e gestão de desempenho.

Entre os profissionais do setor público, 85% são do sexo femi-nino e 15% são do sexo masculino, enquanto que nas empresas privadas 78% são do sexo feminino e 22% são do sexo masculino.

| 134 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

OS ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS

DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS

A Tabela 4.1 apresenta a composição dos Estilos de Mobilização (EM) identificados junto aos profissionais de gestão de pessoas (RH), considerando a soma das duas amostras. Os dados indicam como tendência geral que esses profissionais são principalmente Negociadores, Mantenedores e Colaboradores e que há menor representatividade entre os Competidores, Realizadores, Conquis-tadores e Especialistas.

Tabela 4.1 Distribuição dos Estilos de Mobilização dos profissionais de gestão de pessoas pesquisados nas amostras coletadas (setor público e privado)

ESTILO DE MOBILIZAÇÃO Total Porcentagem

Colaborador 56 14%

Competidor 29 07%

Conquistador 49 12%

Especialista 50 12%

Mantenedor 88 22%

Negociador 102 25%

Realizador 34 08%

Total 408 100%

A Tabela 4.2 revela os EM identificados junto aos profissionais das secretarias do setor público. Os dados indicam um padrão

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 135 |

bastante próximo à amostra geral, uma vez que esses profissionais são também principalmente Negociadores, Mantenedores e Co-laboradores; e há menor representatividade dos EM Competidor, Realizador, Conquistador e Especialista.

Tabela 4.2 Distribuição dos Estilos de Mobilização nas Secretarias do setor público

ESTILO DE MOBILIZAÇÃO Total Porcentagem

Colaborador 54 17%

Competidor 19 06%

Conquistador 31 10%

Especialista 34 11%

Mantenedor 70 22%

Negociador 92 29%

Realizador 21 07%

Total 321 100%

A Tabela 4.3 apresenta os EM identificados junto aos profissionais das empresas privadas. Os dados indicam um padrão diferente da amostra geral, uma vez que os indivíduos do setor privado são principalmente Conquistadores, Mantenedores, Especialistas e Realizadores; e há menor representatividade dos EM Colaborador, Competidor e Negociador, diferentemente do que ocorre na amostra de profissionais do setor público.

| 136 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Tabela 4.3 Distribuição dos Estilos de Mobilização nas empresas privadas (Grupo Abril e MBA-FIA)

ESTILO DE MOBILIZAÇÃO Total Porcentagem

Colaborador 02 02%

Competidor 10 11%

Conquistador 18 21%

Especialista 16 18%

Mantenedor 18 21%

Negociador 10 11%

Realizador 13 15%

Total 87 100%

A Tabela 4.4 apresenta a comparação dos EM identificados junto aos profissionais de RH dos setores público e privado com a amostra em escala nacional coletada junto a profissionais de todas as áreas. Embora o valor do teste qui-quadrado não tenha revelado diferença significante entre a amostra nacional e a de profissionais de gestão de pessoas, (p<0,05), é possível observar que os estilos Competidor e Realizador apresentam uma proporção menor na amostra de profissionais de RH em relação à amostra nacional geral, enquanto que os estilos Mantenedor e Negociador apresentam uma proporção maior, confirmando, em parte, a questão de pesquisa 1 do presente estudo.

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 137 |

Tabela 4.4 Comparação da distribuição dos Estilos de Mobilização dos profissionais de gestão de pessoas (RH) pesquisados (408) com a amostra nacional de profissionais (4981)

ESTILO DE MOBILIZAÇÃO Total Porcentagem

Colaborador 14% 15%

Competidor 07% 13%

Conquistador 12% 15%

Especialista 12% 15%

Mantenedor 22% 14%

Negociador 25% 14%

Realizador 08% 14%

Total 100% 100%

A Tabela 4.5 apresenta a comparação dos EM identificados junto aos profissionais das empresas privadas com a amostra de profissio-nais em nível nacional. Os dados indicam haver diferenças signifi-cativas para os estilos Colaborador, Conquistador e Mantenedor. A proporção destes dois últimos estilos é maior entre os profissionais do campo de gestão de pessoas do setor privado, enquanto a do estilo Colaborador revela-se bastante menor em relação à amostra nacional.

| 138 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Tabela 4.5 Comparação da distribuição dos Estilos de Mobilização dos profissionais de gestão de pessoas (RH) nas empresas privadas (Grupo Abril e MBA-FIA) com a amostra nacional

ESTILO DE MOBILIZAÇÃO Total Porcentagem

Colaborador 02% 15%

Competidor 11% 13%

Conquistador 21% 15%

Especialista 18% 15%

Mantenedor 21% 14%

Negociador 11% 14%

Realizador 15% 14%

Total 100% 100%

A Tabela 4.6 apresenta a comparação dos EM identificados junto aos profissionais de gestão de pessoas (RH) no setor público com a amostra de profissionais em nível nacional. Os dados indicam haver diferenças significativas para os estilos Competidor, Reali-zador, Conquistador, Mantenedor e Negociador. A ocorrência dos estilos Competidor, Realizador e Conquistador é menor entre os profissionais da área de gestão de pessoas e a dos estilos Negociador e Mantenedor revela-se maior em relação à amostra nacional.

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 139 |

Tabela 4.6 Comparação da distribuição dos Estilos de Mobilização dos profissionais de gestão de pessoas (RH) nas organizações públicas com a amostra nacional

ESTILO DE MOBILIZAÇÃO Total Porcentagem

Colaborador 17% 15%

Competidor 06% 13%

Conquistador 10% 15%

Especialista 11% 15%

Mantenedor 22% 14%

Negociador 29% 14%

Realizador 07% 14%

Total 100% 100%

A Tabela 4.7 apresenta a comparação dos EM identificados junto aos profissionais da área de gestão de pessoas (RH) da or-ganização pública com aqueles dos indivíduos de instituições privadas, atuando também na área de RH. O valor obtido para o teste qui-quadrado indica que existem diferenças estatísticas signi-ficantes entre os valores obtidos para as duas amostras ao nível de p<0,001. Os dados mostram divergências significativas para todos os estilos, exceto o Mantenedor, para o qual as proporções são equi-valentes. Nas empresas privadas, é maior a ocorrência dos estilos Competidor, Realizador, Conquistador e Especialista, enquanto que a dos estilos Colaborador e Negociador são mais frequentes

| 140 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

entre os profissionais que atuam nas organizações públicas. Esses resultados confirmam a questão de pesquisa 2 do presente estudo.

Tabela 4.7 Estilos de Mobilização dos profissionais de gestão de pessoas nas empresas privadas e na empresa pública

ESTILO DE MOBILIZAÇÃO Total Porcentagem

Colaborador 17% 2%

Competidor 6% 11%

Conquistador 10% 21%

Especialista 11% 18%

Mantenedor 22% 21%

Negociador 29% 11%

Realizador 7% 15%

Total 100% 100%

4.6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O profissional de gestão de pessoas, elo entre o corpo de co-laboradores e a direção da organização, tem se deparado, assim como profissionais de outros campos, com um ambiente corpo-rativo em constante mudança e também com crescentes níveis de competitividade e de complexidade. Para enfrentar esses desafios, o indivíduo desenvolve comportamentos específicos que são for-madores de seu estilo de mobilização no trabalho, caracterizando-o como um integrante de um conjunto de profissionais de ações

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 141 |

similares, ou seja, como uma população com características com-portamentais próprias. O presente estudo contribuiu para esclare-cer quais características são essas no que diz respeito ao modo desse profissional agir em busca de resultados, atendendo seu objetivo geral. Assim, os dados do conjunto dos 408 respondentes obtidos confirmam a questão inicial, uma vez que revelam que há estilos de mobilização (EM) predominantes entre os profissionais de RH, a saber: Negociador, Mantenedor e Colaborador. Os EM Com-petidor, Realizador e Conquistador são pouco representativos nesse grupo.

Esses resultados revelam-se compatíveis com padrões tradi-cionais de atuação e até certo ponto esperados do profissional de gestão de pessoas (RH). O indivíduo que trabalha nessa área, desde o seu surgimento no Brasil em meados dos anos 1970, sempre foi responsabilizado pela intermediação entre as necessidades da força de trabalho e as efetivas possibilidades de atendimento das mes-mas por parte da direção da organização. Portanto, nesse âmbito de atuação, estabelecer acordos vantajosos para ambas as partes — característica marcante do estilo Negociador —, bem como estabelecer e dar continuidade às políticas e normas de gestão de pessoas — comportamentos típicos do Mantenedor — equilibram--se com o que historicamente é considerado ideal e mesmo eficaz para o desempenho enquanto profissional “padrão” da área. O terceiro estilo identificado como dominante — o Colaborador — também se encaixa nesse contexto que considera ainda a área de gestão de pessoas como provedora de ajuda aos empregados no trabalho. Essa ajuda viria seja por meio da execução de pro-gramas de desenvolvimento e de treinamento, seja pela melhoria contínua das demais políticas de RH, principalmente aquelas

| 142 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ligadas à valorização e ao reconhecimento dos empregados. Além disso, vale lembrar que, quando ainda era dominante essa visão mais tradicional da gestão de RH, não se exigia do profissional da área, de modo mais intenso e frequente, uma postura voltada especificamente para a geração de resultados e criação de valor nas organizações.

A partir do final dos anos 1990 essa situação se altera substan-cialmente com o início da era da globalização e da competitividade, trazendo o imperativo — inclusive para o profissional de RH — de orientar-se para a consecução dos resultados organizacio-nais. Provavelmente, essa nova realidade explica parcialmente as diferenças entre os profissionais do setor público e privado, no que se refere às proporções em que apresentam os estilos ligados à orientação empreendedora — o Realizador, o Conquistador e o Competidor —, cujos comportamentos típicos pautam-se pela realização do que foi planejado, geração de resultados e de produtividade, assim como pela busca de desafios constantes no exercício das atividades. Ainda assim, a primeira questão de pesquisa levantada pelo presente estudo tem resposta afirmativa quando se comparam os perfis dos profissionais de RH com os da amostra nacional geral, uma vez que foram identificados estilos de mobilização mais frequentes e estilos com menos ocorrência junto aos profissionais de gestão de pessoas, restando explorar mudanças na composição desses estilos em função do tipo de organização em que o profissional trabalha.

Neste sentido, ainda que em caráter preliminar em razão de sua abrangência, outro resultado significante do presente estudo e que atende ao seu segundo objetivo definido diz respeito às diferenças de estilo de mobilização encontradas entre os profissionais de gestão de

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 143 |

pessoas que atuam em empresas privadas e aqueles das organizações públicas. Conforme mencionado, nas empresas privadas são maiores as proporções dos estilos Competidor, Realizador, Conquistador e Especialista, enquanto que a proporção dos estilos Colaborador e Negociador é maior junto aos profissionais que atuam na instituição pública.

Esses resultados parecem indicar a ocorrência de dois fatos distin-tos no contexto das organizações privadas. Em primeiro lugar, pode ter havido uma substituição dos profissionais de gestão de pessoas, contratando-se profissionais com foco em resultados e, portanto, com estilos comportamentais mais compatíveis às necessidades de curto prazo das empresas de fazer frente a um mundo corporativo pautado pela competitividade. Em segundo lugar, há a possibilida-de, mais complexa e desafiadora, de os profissionais da área terem conseguido efetuar um salto qualitativo em termos de foco para seu desempenho. Assim, em função das necessidades de contexto, eles podem ter passado a se orientar mais para a geração de resultados, busca e consecução dos desafios, preocupações principais de três dos estilos de mobilização dominantes (competidor, conquistador e realizador). A importância também do estilo de mobilização Es-pecialista nas empresas privadas indica que, nessas organizações, seja a substituição, seja a mudança comportamental ocorrida, não se fizeram sem se perder de vista a qualidade e a eficiência técnica nos processos e atividades de RH, preocupações essenciais de pro-fissionais desse estilo de mobilização.

Já nas organizações públicas pesquisadas, os estilos encontrados — Negociador e Mantenedor — dão conta de atender aos desafios mais tradicionais de atuação do profissional de gestão de pessoas com foco na resolução de conflitos entre empregado e empregador

| 144 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

e promoção da evolução paulatina das políticas voltadas para a valorização do quadro de funcionários. Vale também lembrar que no setor público a preocupação direta com resultados e metas é mais recente ou ainda não se incorporou às agendas de trabalho. A resposta que vem sendo dada resume-se nas tentativas de implan-tação de modelos de gestão de pessoas com base em competências que promovam, mesmo que de modo indireto, a alavancagem dos objetivos organizacionais pretendidos.

Outro ponto de interesse em termos de implicações do presente trabalho é seu diálogo com as perspectivas de Ulrich (1997, 2000) e Smilansky (1997) para atuação da área de gestão de pessoas (RH). Segundo esses autores, a nova agenda para a área de RH e seus profissionais prioriza dois pontos essenciais: primeiro, alavancar a competitividade do negócio e, em segundo lugar, caso o primeiro aspecto seja alcançado, desempenhar um papel e ser reconhecido como estratégico no contexto organizacional. Para tanto, os pro-fissionais devem focar as “entregas” de seu trabalho, mais do que a qualidade técnica e a especialização no que fazem. Eles devem articular seu papel em termos de valor criado, reorientando as funções de RH para que façam os resultados fluírem rapidamente; desenvolver a capacidade de medir resultados e impactos de suas políticas e procedimentos no aumento da competitividade de suas organizações, em lugar de prioritariamente prover conforto e bem-estar aos empregados. Em resumo, os profissionais devem se conscientizar que precisam liderar a transformação cultural em seus contextos de trabalho.

No que diz respeito aos papéis operacionais e estratégicos a serem desempenhados pela área de RH e seus profissionais, Ulrich (1997, 2000) indica que os principais são: (1) parceiro estratégico:

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 145 |

significa alinhar a estratégia de RH com a do negócio por meio de diagnósticos, caracterizando como entrega final a execução da estra-tégia empresarial; (2) especialista administrativo: representa os esforços para analisar e propor melhorias não somente dos processos de RH, mas também dos organizacionais; sendo a entrega final a eficiência administrativa; (3) defensor dos empregados: caracteriza-se pela preocu-pação e postura de ouvir as demandas e dar respostas aos empregados, fornecendo como entrega final o aumento das competências e do comprometimento dos empregados e (4) agente de mudança: busca a garantia da execução e da operacionalização de processos que dão suporte à mudança, tendo como entrega final a capacidade da orga-nização para mudar e perseguir seus objetivos, metas e resultados.

Dentro desse quadro referencial, os resultados do estudo de campo revelam que, nas organizações públicas pesquisadas, os pro-fissionais de RH possuem estilos de mobilização mais compatíveis com os papéis de parceiro estratégico e de defensor dos empregados, uma vez que os estilos dominantes são Mantenedor, Negociador e Colaborador, enquanto que nas empresas privadas os estilos identificados como dominantes — Competidor, Realizador, Con-quistador e Especialista — apoiam mais diretamente os papéis de agente de mudança e de especialista administrativo.

Para finalizar este estudo, vale ressaltar que conhecer os esti-los de mobilização dos profissionais de Gestão de Pessoas (RH) permite não somente compreender melhor suas motivações e principais características comportamentais, mas também orientar a contratação, a retenção e o desenvolvimento desses profissionais. Estilos de mobilização identificados como dominantes permitem avaliar quais papéis terão maior probabilidade de serem cumpri-dos, uma vez que determinados estilos fornecem base natural para

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determinados papéis. Assim, se o desafio para atuação estiver ligado à geração de resultados, recomenda-se buscar profissionais com os estilos Conquistador, Competidor e Realizador. Se o interesse é obter o comprometimento, a valorização e a identificação dos empregados com a empresa, os estilos Colaborador e Negociador seriam mais indicados.

Em termos de desenvolvimento desses profissionais, no caso da organização pública, seriam recomendáveis programas de treina-mento voltados para a gestão empreendedora e para o estabele-cimento e derivação de metas departamentais em apoio a metas organizacionais, independentemente da estratégia empresarial vigente, uma vez que a presença dos estilos de mobilização deri-vados da orientação empreendedora revelou-se muito baixa. De outro modo, nas empresas privadas, o esforço de desenvolvimento do profissional de gestão de pessoas deve ser direcionado para o papel de defensores dos empregados que depende, essencialmente, da orientação motivacional receptiva, presente de modo intenso no estilo Colaborador. Pode-se, por exemplo, realizar programas de treinamento voltados para a compreensão de diferenças indi-viduais, diversidade, ética, relacionamento interpessoal e trabalho em equipe.

Cumpre ainda observar que são limitações deste estudo o tamanho e a intencionalidade das amostras utilizadas na análise. Dessa forma, no estágio atual da pesquisa, não é ainda possível generalizar os resultados obtidos para todos os profissionais de gestão de pessoas (RH), uma vez que isso dependeria de um planejamento detalhado de amostragem e coleta de dados. Recomenda-se, portanto, que outros estudos sejam realizados com amostras maiores e mais representativas, com organizações

ESTILOS COMPORTAMENTAIS DOS PROFISSIONAIS ........................ DA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS | 147 |

públicas e privadas de vários segmentos e portes para que seja possível avaliar, em função de resultados mais abrangentes, o próprio caráter estratégico da área da gestão de pessoas (RH) nas organizações.

4.7 REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO 5

Relações de trabalho e gestão pública no Brasil contemporâneo1

ARNALDO JOSÉ FRANÇA MAZZEI NOGUEIRA

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e professor da PUC-SP e FEA-USP.

CAPÍTULO 5

2

1 Este capítulo é uma versão reduzida e modificada do artigo Relações de Trabalho e Gestão

Pública no Brasil Contemporâneo, publicado na Revista do Departamento de Direito do Trabalho e da

Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP (v.2, n. 3, jan./jun. 2007)..

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As questões principais que se pretendem discutir neste capítulo são as seguintes: como entender os conflitos e as relações de trabalho no Estado em comparação com o setor privado? Qual o papel do sindicalismo público nesse contexto? No Brasil, como se deram as mudanças na gestão pública e nas relações de trabalho e sindicais no Estado?

Os conflitos são inerentes às relações entre trabalho e capital na sociedade. E no interior do Estado capitalista quais são as fontes do conflito?

As fontes de conflito no Estado capitalista encontram-se du-plamente determinadas pelas relações diretas entre funcionários e níveis de governo do Estado e pelas contradições do regime capitalista de produção. Importantes referências sobre o tema foram desenvolvidas por Poulantzas em vários trabalhos. No seu livro Poder político e classes sociais, há indicações teóricas relevantes sobre o tema, em especial na parte sobre a burocracia e as elites (parte V), onde se discute a primeira negando-lhe um papel de força social independente ou com poder próprio, e afirmando a natureza de uma categoria específica, com uma certa autonomia relativa (a autonomia relativa do Estado) e uma unidade própria

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de interesses. Em seguida, o mesmo autor, em coletânea sob sua organização intitulada O Estado em crise, desenvolve discussão específica sobre o pessoal do Estado no contexto de suas transfor-mações contemporâneas e de sua crise política e funcional. Nas palavras de Polantzas (1977):

Insisti até aqui no aspecto de crise do Estado, que concerne a suas instituições e aparelhos, e que é o aspecto fundamental desta crise. Ele não impede que esta crise do Estado se manifeste igualmente sob um outro aspecto que é o da crise do pessoal do Esta-do (pessoal político, funcionários, juízes, militares, policiais, professores etc.), em suma, uma crise da burocracia de Estado em sentido amplo. Na verdade, a crise política se traduz no próprio interior do corpo do pessoal estatal de várias maneiras: a) como crise institucional do Estado, quer dizer precisamente como reorganização do conjunto dos aparelhos de Estado; b) como acentuação, com traços próprios, da luta e das contradições de classe tal como, elas se exprimem, de modo específico, no seio do pessoal de Estado; c) como ascensão das reivindicações e das lutas próprias ao pessoal do Estado.

Em seguida, Poulantzas argumenta que ocorrem divisões e con-tradições internas acirradas no seio do pessoal do Estado, colocando em questão a sua própria unidade específica, no que se refere à estrutura organizacional própria dos aparelhos estatais, seguindo a trama de sua autonomia relativa. Diferente do conflito entre capital

RELAÇÕES DE TRABALHO E GESTÃO PÚBLICA........ ... ......... NO BRASIL CONTEMPORÂNEO | 155 |

e trabalho, no aparelho de Estado esses conflitos se revestem na forma de brigas, fissuras e reorganizações entre membros de diver-sos ramos, além de fricções entre facções e corporações. Ocorrem também divergências de natureza política e ideológica que dividem o pessoal entre posições mais à esquerda ou à direita, muitas vezes, estranhas ao papel aparente de neutralidade e de árbitro, acima das classes, que o Estado exerce na sociedade.

Por último, Poulantzas retoma a discussão em O Estado, o poder, o socialismo, mostrando os limites das lutas internas e da própria politização do pessoal, diante do problema mais fundamental, que é o da transformação do Estado em suas relações com as massas populares. Ao indagar sobre

[...] se é preciso transformar o Estado a fim de poder modificar as práticas de seu pessoal, em que medida se pode contar, nessa transformação do aparelho de Estado, com o pessoal que se inclina para as massas populares? (POULANTZAS, 1981)

A resposta de Poulantzas é de desconfiança quanto a essa possibi-lidade, porque além do pessoal resistente a qualquer transformação, o pessoal mais à esquerda tende às massas populares apenas sob a condição de uma determinada continuidade que sustente o próprio Estado ou exatamente para que esta continuidade do Estado seja assegurada.

Nas palavras do autor:

Esta atitude, constantemente verificada, não se atém apenas à defesa de privilégios corporativistas, aliás

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evidentes: se a burocracia de Estado tem igualmente interesses próprios a defender [...] interesse pela es-tabilidade [...] isso não é o essencial. Paralelamente à considerável extensão desse pessoal do Estado, os privilégios da função pública são postos em questão por uma importante parcela desse pessoal. Mas, se esta situação favorece incontestavelmente sua poli-tização para a esquerda, parece certamente apontar sempre os limites relativos ao arcabouço material do Estado.

Assim, Poulantzas aponta limites para qualquer processo de transformação do Estado no sentido do socialismo democrático que parta do seu interior e com a iniciativa do próprio pessoal do Estado, mesmo que este se incline às massas populares. Há os limites relativos ao arcabouço material do Estado.

Guardadas as devidas proporções, o argumento de Poulantzas informa e ajuda a entender os limites da mobilização sindical do pessoal do Estado no Brasil no contexto da democracia constitu-cional entre 1988 e 2005. Tal argumento contribui também para a discussão da dinâmica do conflito das relações de trabalho no Estado, que passa pela própria crise política e funcional do Estado capitalista e do papel da burocracia enquanto categoria específica (o pessoal do Estado) na luta pelos seus interesses específicos.

Em particular, a luta do pessoal pelos seus interesses específicos não corresponde diretamente às mudanças necessárias no próprio Estado no sentido de responder com mais efetividade aos interesses das massas populares, o que implicaria na expansão da democracia e abertura de outras possibilidades no futuro.

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Na verdade, o que ocorreu com o Estado em geral entre o fim dos anos 1970 e o início dos 2000 foi uma profunda transformação no sentido da crise mesma do Estado, ganhando cada vez mais espaço o programa do Estado mínimo ou enxuto, informado pela hege-monia neoliberal, em contraponto ao Estado do bem-estar social. Assim, as lutas sociais que envolveram o setor público nas últimas duas décadas visavam sobretudo a manutenção geral do Estado do bem- estar social.

Uma passagem de Kliksberg (2005) atualiza os termos do de-bate tendo como objeto a discussão do atual papel do Estado na América Latina:

El Estado reaparece en este nuevo contexto políti-co, como un actor imprescindible para promover e impulsar cambios en los rumbos deseados. La po-blación descontenta ha renovado según las encuestas sus expectativas sobre el rol del Estado. El péndulo ha dado una vuelta completa, desde su absoluta desacreditación a inicios de los 80, hasta una gran expectativa actualmente, tras la desilusión con los logros de la minimización del Estado y de la mano invisible. Pero la población aspira claramente a un Estado de nuevo tipo, muy diferente de aquel del pasado. El mandato emergente va en la dirección de un Estado activo, pero asociado estrechamente con la sociedad civil, y potenciador de la producción nacional, fuertemente centrado en lo social, descen-tralizado con gran parte de su acción desarrollada a nivel regional y local, totalmente transparente,

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rendidor de cuentas, y sujeto al control social, de alta eficiencia gerencial, y apoyado en un servicio civil profesionalizado basado en el mérito. Asimismo se aspira que sea un Estado abierto a canales continuos de participación ciudadana.

Concorde-se ou não com Kliksberg sobre a ideia de um novo tipo de Estado mais associado à sociedade civil etc., cabe a pergun-ta sobre quem são os agentes capazes de encaminhar o projeto de transformação democrática do Estado colocado no momento como uma das possibilidades objetivas.

Essa tarefa pressupõe uma articulação das forças sociais e políticas divergentes de fora e de dentro do Estado, o que pode se configurar em conflito mais complexo em determinados momentos de crise e mudança do próprio Estado, envolvendo a questão das relações de trabalho e do comportamento social e político do pessoal do Estado.

5.1 AS ESPECIFICIDADES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO ESTATAL

Hyman (1981), ao estudar as relações industriais, propõe um enfoque em que elas aparecem como um elemento dentro de uma totalidade que compreende o conjunto de relações sociais de produção. Ciente de que a noção de relações industriais possa ocultar as contradições entre trabalho e capital, Hyman considera a existência de processos e forças contraditórias que trazem tanto estabilidade como instabilidade nos sistemas; e a regulação do trabalho depende do conflito nas relações de trabalho. O autor

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entende as relações industriais em geral como os processos de controle sobre as relações de trabalho e entre esses processos, a organização e ação coletiva dos trabalhadores se revestem da maior importância.

Nessa linha, discutir uma teoria sobre as relações de trabalho de forma abrangente envolve pensar sobre um conjunto complexo de relações, a começar pela relação direta entre trabalhadores e empre-gadores, trabalhadores e organizações sindicais (lideranças e bases), formas de controle (pessoal, burocrático e técnico) sobre a força de trabalho nas empresas e nas organizações, relações entre sindicatos trabalhistas e patronais, legislação trabalhista e as políticas no campo das relações de trabalho do Estado.

Para o caso do setor público, ou para a esfera interna do Estado capitalista, o termo “relações industriais”, evidentemente, não seria adequado. Por isso é mais apropriado adotar a noção de “relações de trabalho no setor público”, cuja especificidade não nega sua condição de pertencer a uma totalidade de relações sociais de produção, pre-dominantemente capitalistas, que informam as fontes dos conflitos do trabalho no setor público e no Estado.

No entanto, as especificidades desse setor devem ser apontadas. Em primeiro lugar, são relações de trabalho entre não proprietários de meios de produção (funcionários e governo ou governantes e dirigentes), em vez de relações sociais diretamente capitalistas. Isso significa, em uma análise marxista, que não há no relacionamento coletivo dentro do Estado, nas atividades de administração, con-trole e de prestação de serviços públicos, produção direta de valor para acumulação de capital. Trata-se então de trabalho assalariado improdutivo, nos termos discutidos no Capítulo VI (inédito) de O Capital, de Marx.

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Isso, porém, não significa que não haja exploração direta do trabalho pelo Estado. A exploração ocorre na esfera da reprodução do capital, ou seja, nos processos de serviços e administração voltados à reprodução social e política do conjunto da sociedade de classes. A taxa de explora-ção do trabalho no Estado envolve a quantidade de salário em relação à jornada de trabalho e às condições necessárias de vida em sociedade, mas não é realizada para produzir, e sim reproduzir o capital.

A questão dos salários informa sobre o padrão de vida dos assa-lariados. Assim, as políticas de contenção dos gastos públicos para enfrentar as crises dos Estados capitalistas submetem os funcionários públicos a permanentes arrochos salariais e deteriorações das suas condições de trabalho. Qualquer proposta atual sobre um sistema de relações de trabalho para o setor público depende do encaminha-mento dessas questões da defasagem e das perdas salariais históricas e da melhoria das condições gerais de trabalho.

Na condição de assalariado, o trabalhador do setor público, no caso brasileiro, encontra-se atualmente em três regimes diferentes: 1) servidor estatutário, sujeito a um regime que significa, na verdade, “parte do Estado” ou “ocupante de cargo público” — trata-se de um assalariado possuidor de um cargo com direitos especiais que reflete em sua identidade, ora visto como servidor público, ora como trabalhador assalariado; 2) os assalariados ou empregados públicos que são contratados no regime de mercado ou sob a legislação traba-lhista, adquirindo a condição de ocupante de emprego público, que, dependendo da interpretação, pode reivindicar direitos especiais; e 3) servidores ou assalariados temporários e eventuais, que formam o elo fraco da categoria do Estado porque são trabalhadores que exercem funções sem vínculos a cargos ou emprego público e sem qualquer segurança ou estabilidade.

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Nessa tríplice condição, além dos conflitos inerentes às desigual-dades entre categorias, a questão salarial e das condições de trabalho representam fontes permanentes do conflito.

A produção do conflito no Estado fundamenta-se também em um problema classicamente levantado por Max Weber (1964). O desenvolvimento da burocracia produz um conflito entre a pessoa e a administração. A burocracia é poder, controle, dominação e alienação segundo Motta. Ou seja, na divisão entre as camadas que controlam os meios de administração e de poder e os que não controlam, há probabilidade de conflitos.

Nesse âmbito, situam-se as relações conflituosas entre indivíduo e organização burocrática; as divergências inter-pessoais, entre gru-pos sociais, entre diferentes posições hierárquicas, entre o pessoal da máquina permanente e o pessoal temporário; o abuso do poder estatal sobre os funcionários; a ausência de participação na decisão, entre muitos outros aspectos.

Na visão mais geral de Weber sobre o tipo ideal da burocracia, a expansão da racionalidade legal e burocrática (da organização dos meios e dos interesses em busca dos fins e dos resultados econômi-cos) e de suas formas de dominação e autoridade correspondentes eram inevitáveis e incontroláveis. Em suma, a burocracia acabaria por condenar a democracia e a liberdade, sendo esse um conflito permanente nas sociedades modernas.

Nessa perspectiva, o conflito poderia ser reduzido e administrado, independentemente da esfera das relações sociais de produção, por meio da desburocratização, da gestão das disfunções da burocracia, do aumento da participação dos funcionários e da ampliação das formas de controle político e público sobre a burocracia do Estado. Isso remete à questão da democracia e da participação no interior da

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burocracia estatal. No entanto, sendo o Estado o aparato da ordem social e política em geral, sua autonomia é relativa, o que dificulta processos internos e contínuos de administração do conflito nas relações de trabalho por meio da participação.

No caso da empresa capitalista, a própria contradição entre capital e trabalho, a necessidade de expansão do capital e de seu controle sobre a força de trabalho, além da concorrência e da busca pelo lucro pressionam por mudanças no padrão das relações de trabalho, de um sistema mais coercitivo para o sistema participativo. Desde a década dos anos 1970 até a dos anos 1990, está em pauta a demo-cracia industrial, o trabalho em grupo e as formas participativas de gestão como novos meios para conseguir produtividade, qualidade e competitividade.

No caso do Estado, essa ideologia da administração participativa vai sendo aos poucos incorporada no discurso e nas práticas como estratégia de mudança do padrão antigo e burocrático para um padrão gerencial moderno.

Como se observa no seguinte discurso:

Nas origens da administração do Estado (era ab-solutista) os funcionários públicos nada mais eram do que funcionários do Rei, ou seja, paniguados do poder que recebiam um salário e administravam o Estado segundo seus próprios lemas e determina-ções. A vontade do povo não tinha influência na organização do Estado. O advento das democracias participativas e a eleição dos líderes do executivo e do parlamento trouxeram várias mudanças no escopo e na representatividade da administração pública. No

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entanto, o corpo de funcionários governamentais continuava com raras exceções a separar o planeja-mento e a ação da determinação da vontade social. A fase taylorista sancionou tal comportamento, e o fordismo, a despeito de proporcionar espaço para a mudanças, não transformou substancialmente tal prática, que tornou-se arraigada no âmbito das ad-ministrações públicas dos países centrais. Uma pri-meira mudança de comportamento, produzida pela introdução da administração flexível, ocasionou uma transformação na visão de mundo da administração pública: a sociedade não é composta de súditos ou concorrentes, mas sim de clientes e cidadãos. (MÉ-DICI; SILVA, 1993)

Isso reflete todo um movimento aparentemente positivo de trazer para dentro do Estado os novos padrões de gestão do setor privado. Osborne e Gaebler no livro Reinventando o governo expõem com clareza essa tendência, influenciando todas as formulações sobre o gestão estatal, em particular o Plano de Reforma do Estado Brasileiro do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE).

É óbvio que a lógica de funcionamento do Estado difere da ló-gica das empresas capitalistas, porque sua função é a manutenção da ordem como um todo do sistema capitalista. Nesse aspecto, o Estado tem uma autonomia relativa no capitalismo (ver debate entre Miliband (1975) e Poulantzas sobre o assunto e também as ideias expostas por Giddens). Aparentemente, o Estado representa o espaço de equilíbrio e é o árbitro dos conflitos; a razão absoluta e o espaço da decisão coletiva e pública, mas na realidade, e aí a

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contradição propriamente política, o Estado capitalista tem como função manter a ordem do capital em detrimento das esferas sociais e coletivas. Contudo, as lutas de classes têm um papel determinante na qualidade da sua atuação.

5.2 RELAÇÕES DE TRABALHO NO SETOR PRIVADO E NO SETOR PÚBLICO

Nas relações entre trabalho e capital no setor privado, a instân-cia do político é percebida por meio da intervenção do Estado, via legislação do trabalho e sindical. No entanto, a atuação sindical e dos trabalhadores pode alterar as condições de trabalho em cada empresa por meio de mobilizações, da negociação e de acordos. No campo público, as relações coletivas se dão diretamente na superes-trutura política e jurídica e dependem dos estatutos específicos das diversas categorias, ou seja, do estatuto jurídico oriundo do direito administrativo e constitucional que regula as circunstâncias e os interesses em jogo.

A relação existente entre o servidor público e a unidade admi-nistrativa é de natureza diversa da existente na iniciativa privada. O administrador público está sujeito ao “princípio da legalidade”. Assim, a organização sindical dos servidores públicos tem maior dificuldade em alterar as condições de trabalho de forma abrangente porque elas dependem das instâncias políticas e administrativas. As dificuldades das relações coletivas de trabalho no setor público na instância do político são inúmeras. A primeira delas é defrontar-se com um poder difuso de decisão entre o Executivo e o Legislativo, poderes esses definidos, em situação normal, pela participação de-

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mocrática formal, reduzida às eleições e ao voto do conjunto dos eleitores. Isso torna a relação entre servidor e Estado dependente da política propriamente dita. Não é preciso dizer que nesse quadro a instabilidade e o conflito nas relações coletivas são permanentes e envolvem um conjunto de forças complexas que tornam os pro-cessos de decisão demorados e instáveis. A mudança de governo influi diretamente nesse processo e pode fazer voltar à estaca zero qualquer conquista anterior. A ausência de convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho, a falta de uma Justiça do Trabalho específica para dirimir conflitos trabalhistas no setor público e de outros mecanismos de mediação e arbitragem explicam também a recorrência do conflito. Idealmente, o Poder Legislativo deveria exer-cer esse papel, desde que agisse com independência e mais afinado com os eleitores. No entanto, no atual esquema de poder, fundado em frágil estrutura partidária, o interesse pessoal de continuidade política prevalece sobre o interesse público.

O Estado contém processos de trabalho geralmente voltados aos serviços, muito diversos e heterogêneos. A organização e a dinâmica desses processos são influenciadas tanto pela mudança tecnológica como pelas novas formas de gestão. A tecnologia de produção sempre foi típica da empresa industrial e separava claramente os sistemas produtivos dos serviços privados e públicos. Contudo, com a ex-pansão da microeletrônica e da revolução informacional, isto tem se modificado bastante, por meio da redução das fronteiras entre trabalho produtivo e improdutivo.

De qualquer maneira, é importante destacar que, no caso do serviço público, a essência do trabalho é o processamento intelectual e administrativo. O processo de trabalho lida diretamente com a informação, o atendimento, a prestação de serviços, além das ativi-

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dades de planejamento, administração e controle. A tecnologia de informação, nesse caso, pode servir como ferramenta auxiliar para melhorar o fluxo do serviço e como qualificadora do trabalho, mas também pode reproduzir a lógica destrutiva de postos de trabalho (substituição do trabalho vivo pelo morto), típica da organização capitalista produtiva e de serviços.

Para sintetizar essa discussão, entende-se que, na origem, os funcionários do Estado são assalariados livres que apenas dispõem de sua força de trabalho para vender e sobreviver na sociedade e, nesse aspecto, igualam-se aos demais assalariados submetidos à ordem do capital e do mercado em sentido mais abrangente. No entanto, no momento que são ocupantes de um cargo ou emprego público, diferenciam-se dos demais trabalhadores porque as relações de trabalho estão caracterizadas, de modo específico, como parte do Estado. Em princípio, a relação de trabalho não pode ser rompida como nos contratos de trabalho firmados com empresas privadas. O funcionário público, geralmente, tem condições especiais, como aposentadoria integral e outros benefícios que são garantidos pela sociedade. Afinal, os servidores públicos devem “servir ao público”, ao mesmo tempo em que são “empregados do Estado” (ou seja, da sociedade dividida em classes sociais, entre o pólo do trabalho e o pólo do capital).

Há, na verdade, maior complexidade das fontes contraditórias do conflito e do confronto coletivo no Estado. Com efeito, é preciso captar e inserir a questão das relações de trabalho no setor público em uma rede de relações mais complexa entre funcionário público assalariado e Estado e os seus diferentes poderes, mercado capitalista e sociedade civil.

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5.3 AS FORMAS DE GESTÃO/CONTROLE ENTRE O PRIVADO E O PÚBLICO

Quanto às formas de gestão/controle e sua intervenção na or-ganização do trabalho, há que se destacar que, no setor público, o taylorismo e o fordismo só podem ser referidos na sua instância administrativa e burocrática, exercendo sobre os funcionários, muitas vezes, papel semelhante ao que acontece na produção: divisão do trabalho, parcelamento das tarefas, separação entre planejamento e execução do trabalho, hierarquias, controles burocráticos e expro-priação do saber sobre a totalidade dos processos organizacionais e de trabalho. Esses aspectos são férteis na produção do conflito interno ao Estado e implicam em alienação e estranhamento do trabalho nessa esfera.

As modernas estratégias de gestão/controle na organização e na produção, desde as abordagens comportamentais até as experiências da volvo sueca e da toyota japonesa (volvismo e toyotismo de acordo com Wood) — experiências essas baseadas nos grupos semiautôno-mos, na integração flexível do trabalho, na multifuncionalidade e na busca da qualidade total —, aparecem nas esferas administrativas públicas com outros nomes e por meio das formas participativas de gestão, trabalho em equipe, grupos de discussão, formação de comissões, programas de qualidade nos serviços etc. Essas formas podem ser amplamente utilizadas como meio de administração dos conflitos na esfera pública, pois, muitas vezes, na ausência do atendimento das necessidades salariais, elas podem suprir outras necessidades sociais e psicológicas de reconhecimento e realização, gerando motivação para o trabalho. Isso acontece, principalmente, nas camadas intermediárias e técnicas e pode influenciar as camadas

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operacionais da base hierárquica. Ainda nos processos de trabalho do setor público, há conflito potencial nas relações entre áreas de controle administrativo e de prestação dos serviços, estas últimas ligadas diretamente à prestação dos serviços à população e que podem resistir a ao controle sobre seu trabalho e resultado.

Quanto à instância das políticas de recursos humanos (RH), há diferenças essenciais entre o setor privado e público. No primeiro, as funções de RH (seleção, treinamento, desenvolvimento, manu-tenção, entre outras) têm como critério básico a economicidade (a nomenclatura “recurso” humano é insuspeita neste caso), procu-rando estabelecer diretrizes compatíveis entre o desempenho do trabalhador e os objetivos da empresa. Geralmente, é nessa área que ocorre a definição dos contornos das relações de trabalho ou industriais no âmbito da empresa, atuando também na mediação entre base do trabalho e direção da organização e no obscurecimento das contradições entre capital e trabalho. É por excelência a área que teoricamente está mais preparada para lidar com o conflito traba-lhista. No entanto, em muitos casos, os departamentos de RH não administram diretamente as relações de trabalho, a organização do trabalho e nem o cotidiano dos trabalhadores. Esses departamentos atuam nas dimensões externas do trabalho.

Em empresas modernas, é comum ocorrer, em paralelo ou em complementação à função de recursos humanos, a organização de áreas específicas de relações industriais que lidam diretamente com as relações de trabalho, em particular com os processos de negociação coletiva dos salários, de organização e processo de trabalho.

No setor público, a área de RH restringe-se à tradicional função de administração de pessoal, concentrando seus esforços basica-mente nos processos de seleção, treinamento e remuneração, não

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desenvolvendo qualquer ação no campo das relações coletivas ou como instâncias mediadoras dos conflitos dentro das diversas insti-tuições ou órgãos. Geralmente, essas relações envolvem diretamente os níveis de direção, assessorias e o titular da pasta. Enquanto no setor privado e no que pode ser denominado setor público empresarial (das empresas públicas e estatais), com a emergência do conflito coletivo e sindical, ocorre um investimento na modernização das áreas de relações industriais e recursos humanos, no Estado a velo-cidade das mudanças é muito menor, e a conservação do sistema tradicional de “gestão do pessoal”, incapaz de responder às novas demandas, tende a permanecer. Isso é consequência do pouco in-vestimento na qualificação profissional de pessoal específico de RH e da intervenção direta do nível político nas questões sindicais e das relações de trabalho no Estado.

Com isso, a greve como momento especial e estratégico do con-flito trabalhista no Estado influencia diretamente na legitimidade dos governos e politiza o próprio conflito, que geralmente tem causalidade econômica e salarial.

Em levantamento feito nas Revistas do CLAD, que sintetiza o debate sobre as mudanças na gestão pública, a questão da incorpo-ração do modelo de gestão privada no setor público ganha bastante destaque desde o primeiro número.

Observemos por exemplo o resumo do artigo de Portillo e Rabell (1996) sobre a reinvenção do governo nos idos da década de 1990:

En este artículo se analiza de manera crítica el libro Reinventing Government: How the Entrepreneurial Spirit is Transforming the Public Sector, de David Osborne y Ted Gaebler, el cual se ha convertido en

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un éxito de ventas sin precedentes en el campo de la administración pública en los Estados Unidos. Las ideas planteadas en este libro se han difundido rápidamente a nivel internacional creándose un gran movimiento para reinventar el gobierno; es decir, transformar las burocracias públicas en gobiernos empresariales, productivos y eficientes. El éxito de esta nueva retórica administrativa obedece al crecien-te escepticismo de los ciudadanos sobre la capacidad del Estado para administrar la sociedad y satisfacer las necesidades sociales. A pesar de las valiosas apor-taciones de Osborne y Gaebler para entender las estrategias de cambio que se están formulando en los países del capitalismo avanzado para enfrentarse a los nuevos retos de la sociedad post industrial, el libro presenta serias limitaciones conceptuales y me-todológicas. Se concluye que el modelo de reinven-ción del gobierno carece de una discusión profunda sobre los aspectos constitucionales y normativos del gobierno democrático. Tampoco ofrece una reflexión sobre las limitaciones del gobierno empresarial para tomar decisiones políticas en el sector público, en el cual compiten múltiples intereses y racionalidades y que se caracterizan por ser sumamente complejas, fragmentadas y altamente politizadas. Finalmente, la metodología que se utiliza en el libro plantea serias interrogantes sobre la posibilidad de extrapolar ge-neralizaciones conceptuales que puedan ser válidas y aplicables a la realidad latinoamericana.

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O Brasil rapidamente absorveu a ideologia da privatização na ges-tão pública desde o governo Collor, mas foi no governo FHC que o programa de privatização ganhou o formato definitivo, como mostra o argumento de Luis Carlos Bresser Pereira (1995), então Ministro da Administração e Reforma do Estado, contra a Constituição de 1988 que Ulisses Guimarães nomeou como a Constituição cidadã.

Se caracteriza la crisis confrontada por el Brasil du-rante los últimos años, que afecta el aspecto fiscal, las formas de intervención estatal y el aparato del Estado. Se examinan las respuestas de la sociedad, considerando inadecuadas las opciones que ofrece la Constitución de 1988 y se exponen las prioridades establecidas por el actual gobierno para modificar la situación. La crisis económica sin precedentes enfrentada por Brasil, que se desencadenó en 1979 con el segundo shock petrolero, tuvo como una de sus causas fun-damentales la crisis del Estado. Esta crisis se define en lo fundamental por la crisis fiscal del Estado, por la crisis del modo de intervención en la economía y en lo social, y por la crisis del aparato del Estado. A esto se suma una crisis política, la caída del régimen autoritario que culminó con la restauración de la democracia y su consolidación en la Constitución de 1988. La respuesta de la sociedad a la crisis política fue adecuada, dando a la democracia brasileña una estructura jurídica sólida. Sin embargo, las disposi-ciones constitucionales no sólo no ayudaron, sino

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que contribuyeron a agravar los problemas derivados de la crisis fiscal del Estado, de la crisis del modo de intervención y de la crisis del aparato estatal. En relación con la crisis fiscal y al modo de interven-ción del Estado, se procuró retomar el modelo de los años cincuenta, mientras que en relación con la administración pública, se intentó volver a los parámetros vigentes en los años treinta.La primera prioridad del gobierno de Fernando Henrique Cardoso será la reconstrucción del Estado, a partir de la reforma en profundidad del aparato estatal. Se trata de tornar la administración pública más flexible y eficiente, reducir su costo, garantizar una mejor calidad de los servicios públicos, espe-cialmente los servicios sociales, y hacer que el fun-cionario público sea más valorizado por la sociedad.El segundo objetivo prioritario se refiere a la atri-bución de una amplia autonomía financiera y ad-ministrativa a los servicios sociales del Estado. Este objetivo será alcanzado principalmente mediante el proyecto de creación de “organizaciones sociales”, fundaciones públicas de derecho privado que asumi-rán las responsabilidades de suministrar los servicios públicos en materia social.El tercer proyecto prioritario tiene que ver con la profesionalización del núcleo burocrático de la ad-ministración, que incluye los funcionarios de la administración central que tienen competencias y obligaciones exclusivas, del poder judicial y de

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las fuerzas policiales. Se plantea la definición y el diseño de un sistema de carreras, que garantice la capacitación para una adecuada gestión profesio-nal. Los proyectos prioritarios serán viabilizados a través de una reforma constitucional, en la que deben tomarse en cuenta dos temas fundamentales concernientes al aparato del Estado: la flexibilización de la administración, con cambios profundos en el régimen jurídico y laboral del funcionariado; y la modificación radical del sistema de previsión, que actualmente es fuente de injusticias y que representa un costo insostenible para el Estado.

Assim, a relação entre a gestão pública e a gestão privada começa a ser muito mais permeável e o impacto sobre as relações de trabalho no Estado é fortemente sentido. Na verdade, aquela classificação das categorias trabalhistas estatais, com exceção das atividades exclusivas do Estado, é pressionada para a adoção de um regime único: o de mercado. Para isso, era necessária a reforma da Constituição de 1988 nos capítulos dos direitos públicos e sociais.

Novamente a arguição de Bresser Pereira:

[...] La reforma del Estado en el Brasil se presenta como una necesidad en razón de la profunda cri-sis económica y sobre todo de la crisis del propio Estado, ante la necesidad de adaptarse eficazmente a los cambios ocurridos en el escenario económico mundial. Esta crisis puede definirse como una crisis fiscal, crisis del modo de intervención del Estado,

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como una crisis de la forma burocrática de la ad-ministración pública y como una crisis política. Las respuestas de la sociedad a estas diferentes dimen-siones fueron diferentes. La primera fue la demo-cratización, que encauzó las soluciones políticas, seguida de las reformas económicas que propiciaron la estabilización económica. Sin embargo, en lo que concierne al modo de intervención del Estado y a la organización burocrática de la administración pública, las respuestas concretadas en la Constitu-ción de 1988 representaron un clásico ejemplo de vuelta atrás, hacia modelos que tuvieron vigencia en décadas anteriores.La adopción de estas orientaciones trajo como con-secuencia que algunas de las distorsiones más gra-ves de la administración pública a nivel federal se mantuvieran o se profundizaran. Tal es el caso de la pérdida de autonomía de la denominada adminis-tración indirecta, y sobre todo, el establecimiento de privilegios injustos como parte de un programa mal entendido de protección al funcionariado público. Esto se manifiesta principalmente en la rigidez de la estabilidad laboral y en las exageradas prebendas jubilatorias. La propuesta actual de reforma, que ha venido cobrando fuerza con el gobierno de Fernando Henrique Cardoso, se orienta hacia una administra-ción pública gerencial, que flexibilice las relaciones laborales y que establezca vínculos dinámicos entre Estado y sociedad, sobre la base de una concepción

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clara de lo público y de lo privado. En este marco, se define la existencia de cuatro sectores dentro del Estado: 1) el núcleo estratégico del Estado; 2) las actividades exclusivas del Estado; 3) los servicios no exclusivos o competitivos; y 4) la producción de bienes y servicios para el mercado. Esta propuesta pretende superar la dicotomía clásica que confunde lo estatal con lo gubernamental, y que hace que la privatización aparezca como una única opción para superar la ineficiencia de las organizaciones gubernamentales. En consecuencia, se propone un proceso de “publicización”, que incluye la creación y promoción de organizaciones sociales, de carácter público, pero sometidas al derecho privado.Entre las reformas más importantes que se deben emprender se encuentra la reforma constitucional, porque de ella depende la mayoría de las demás reformas. Se considera que en el momento actual están dadas las condiciones para emprender esta reforma, ya que se cuenta con el apoyo de amplios sectores, incluyendo la alta gerencia pública, cuya participación, junto con la voluntad política del gobierno, es un factor clave de éxito.

Enquanto Bresser Pereira vale-se de certa sutileza ao apresentar conceitos como “publicização” como contraponto à “estatização” para mostrar que a privatização, em sua concepção, pode ter cará-ter público contra os privilégios da administração pública, alguns autores são mais diretos na defesa da adoção da reestruturação pura

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e simples, sem rodeios, conforme se observa no resumo abaixo, que defende a adoção dos cinco “R” na organização do setor público.

[…] La nueva gerencia pública debe su populari-dad en los Estados Unidos en gran medida al li-bro de David Osborne y Ted Gaebler, Reinventing Government, y al informe de Al Gore proponien-do un gobierno que ponga a la gente en primer lugar, creando un sentido de misión, tomando más el timón y remando menos, delegando autoridad, reemplazando normas y regulaciones por incentivos, desarrollando presupuestos basados en resultados, exponiendo las operaciones del gobierno a la com-petencia, orientando las actividades hacia el mercado y evaluando el éxito de los servicios públicos en términos de satisfacción del usuario. Los concep-tos básicos de la nueva gerencia pública se reúnen bajo la denominación de las cinco “R”: reestruc-turación, reingeniería, reinvención, realineamien-to y reconceptualización. Estos principios pueden también considerarse como los pasos que debe dar sucesivamente la nueva gerencia para reformar las organizaciones del sector público, con el propósito fundamental de incrementar su eficiencia y su efica-cia, y dotar al público de servicios de mayor calidad. La reestructuración es el primer paso en el proceso de reforma, y significa eliminar de la organización todo lo que no contribuya con un valor agregado al servicio o producto suministrado a los usuarios. La

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reestructuración implica identificar las competencias claves de la organización y proceder a eliminar los elementos inapropiados utilizando instrumentos tales como la gerencia de calidad total y la estima-ción de costos sobre la base de las actividades del proceso productivo.La reingeniería incorpora las nuevas tecnologías computarizadas para ahorrar tiempo y recursos en el ciclo productivo. Se trata más bien de incorporar nuevos procesos y no de intentar corregir o mejorar procesos que se han vuelto obsoletos. Mediante la reinvención se desarrolla una nueva planificación y se definen las estrategias de mercado y del servicio a ser ofrecido a los clientes.La realineación o rediseño de la organización implica la coordinación de las estructuras de responsabilidad, presupuesto y rendición de cuentas, con las estrategias de los servicios y del mercado, que han sido decidi-das por la organización, tomando en consideración el entorno interno y externo. Por último, la recon-ceptualización se orienta a disminuir el tiempo que requiere el ciclo productivo, a efectos de aprovechar las ventajas competitivas, mediante la aplicación de los siguientes pasos: observación, orientación, toma de decisión, y paso a la acción, a los que se agrega la evaluación del impacto de la acción.

Com isso, fica consignado que o setor público, por meio dos dirigentes eleitos e agentes da “modernização”, necessita reestruturar

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todos os seus esquemas antigos ao incorporar o modelo empresarial de gestão. Os servidores públicos e os seus sindicatos exercem o papel de contraponto à formulação “neoliberal” e tida como “moderniza-dora” ao defenderem a manutenção do velho Estado e suas condições especiais de trabalho. É uma luta de resistência difícil e complexa.

5.4 NOTAS SOBRE AS RELAÇÕES DE TRABALHO E OS SINDICATOS NO ESTADO BRASILEIRO

Qual era o quadro das relações de trabalho e sindicais no pe-ríodo da transição política e institucional brasileira vivida entre a promulgação da Constituição cidadã e a reestruturação do Estado?

A periodização da organização dos servidores é peculiar em com-paração com a dos demais assalariados, pois por um longo período, compreendido entre 1930 e 1978, predominam as associações de caráter assistencial, não se podendo falar de um sindicalismo no Estado, mas apenas de um ensaio do movimento, enquanto, para o conjunto da classe trabalhadora, o que prevalecia era exatamente a construção e consolidação do sindicalismo de Estado. A história desse sindicalismo começa de fato em 1978, estabelecendo com o novo sindicalismo uma relação direta e recíproca.

A prática da liberdade sindical, paradoxalmente, foi experimen-tada do ponto de vista organizatório pelo movimento associativo e sindical dos funcionários públicos em um contexto em que o direito de greve e o de formação de sindicatos públicos eram ain-da proibidos. A Constituição de 1988 formalizou esse processo, determinando apenas que a associação dos servidores públicos em sindicatos passava a ser livre, mas não dizendo nada sobre a estrutura

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e o sistema de organização, fato que pode ser interpretado como uma conquista parcial da mobilização sindical dos servidores. Por que parcial? Porque a Constituição não determinava nenhum dever para o Estado, em termos de criar um sistema de negociação ou de solução de conflitos salariais nas diversas instâncias governamentais. Nesse sentido, a liberdade sindical conquistada poderia, na prática, se transformar em “letra morta”.

Mesmo com esses limites, a emergência do sindicalismo no Estado, por meio das mudanças das associações tradicionais em associações de caráter sindical e de oposição política, estampou as fraturas existentes no interior do próprio Estado. A crise do Estado se apresentava no plano interno também como crise das relações de trabalho entre servidores públicos e o próprio Estado.

Esse processo desenvolveu-se por meio das greves econômicas, da luta política pela democratização e da articulação das organizações dos servidores públicos com o conjunto do movimento sindical. Na transição da abertura do regime militar para a Nova República e desta para a democracia constitucional, o movimento associativo--sindical dos servidores públicos experimenta uma expansão em sua organização e mobilização.

Após a Constituição de 1988, o direito à livre associação sindi-cal não alterou as características básicas desse movimento; apenas multiplicou a diversidade e a pluralidade organizatórias entre as associações assistenciais que foram mantidas e os novos sindicatos legalizados. Regras estabelecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tais como a contribuição sindical obrigatória, a unicidade sindical por lei, a base territorial e o poder normativo da Justiça de Trabalho não foram e nem podiam ser observadas na esfera da administração direta.

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No plano específico da organização sindical, os funcionários pú-blicos produziram modalidades diversas nas três esferas do governo. Pudemos verificar e constatar essa diversidade de estruturas na qual é visível o problema da superposição e duplicidade nas formas de re-presentação. No entanto, na prática, essas formas ocorrem em maior grau em nível nacional ou por meio de entidades que pretendem representar um conjunto de servidores por cima dos sindicatos ou associações de base. Nos outros níveis de organização, a tendência forte é pela organização corporativa e fragmentada por categoria, se-tor ou instituição. A liberdade sindical não produz, necessariamente, o pluralismo sindical no caso do setor público. O que existe é uma pluralidade de associações e sindicatos e uma verdadeira pulveriza-ção e fragmentação. Para se ter uma ideia, calcula-se desde meados dos anos 1990 mais de 1.300 entidades sindicais de trabalhadores públicos no Brasil. É o que entendemos por corporativismo espon-tâneo não conduzido pelo Estado, mas que funciona dentro dele de forma fragmentada, dificilmente se articulando em torno de um projeto mais amplo sobre a efetivação da esfera pública democrática.

Observando ainda as três esferas de governo, temos, no caso do estado de São Paulo, a predominância de sindicatos por categoria e setor, direrentemente dos sindicatos gerais da esfera federal, onde também se estruturaram sindicatos de categorias específicas. No caso do município, concorrem as duas modalidades: o sindicato geral e os sindicatos por categorias. Tanto na esfera estadual quanto na municipal, as tentativas de unificação dos funcionários em entida-des de caráter geral não se efetivam e a diversidade organizatória prevalece. Apesar da existência do CONSESP no estado e do Sin-dicato dos Servidores Públicos (SINDSEP) no município de São Paulo, prepondera a organização fragmentada dentro dos ramos da

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administração pública. Os ramos da educação, da saúde e previdên-cia mostram essa situação. No caso federal, mesmo com a presença dos sindicatos gerais e dos divididos em ramos e instituições, outras modalidades de organização por categorias, principalmente as típicas e exclusivas de Estado, atuam como “territórios” e “domínios” com lógicas específicas.

A pluralidade possível e a diversidade organizatória real estão informadas pelas orientações e concepções sindicais. Melhor di-zendo, há uma clara diversidade política e ideológica por detrás das entidades dos funcionários públicos. Resumidamente, colocam-se três situações principais. A primeira delas é novo sindicalismo, ori-ginado das novas associações e geralmente dirigido por lideranças de esquerda que defendem propostas políticas socialistas; estas tendem a um sindicalismo de oposição política aos governos. A pesquisa com os delegados da Confederação de Servidores Públicos Federais do Brasil (CONDSEF) ilustra esse posicionamento, ainda que encon-tremos em diversas questões muitas divergências. Geralmente esses sindicatos são filiados à Central Única dos trabalhadores (CUT), definindo-se como classistas, democráticos e buscando enraizarem--se nas bases e nos locais de trabalho; organizando-se em torno das modalidades de sindicatos gerais, por setor, por categorias e defendendo o sindicalismo por ramo (Ex. SINDSEPs federais, SINSPREV, UTE-MG, APEOESP-SIND., ANDES Sindicato Nacional, SINPEEM, SINDSAÚDE).

A segunda situação é o sindicalismo em transição de caráter cor-porativo, não filiado a CUT, que se mobiliza mais exclusivamente em defesa dos interesses econômicos e sociais das categorias. Mas, na conjuntura atual, muitos sindicatos e associações têm assumido posições políticas contrárias ao governo e atuado conjuntamente com

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outras entidades mais combativas; é um sindicalismo que nasce das associações assistenciais e corporativas, mas encontra-se em processo de transição para posições mais combativas no campo econômico e também esboçando um processo de politização (Ex. SINDFISP, UDEMO-SIND., Sindicato dos Agentes Federais, UNAFISCO, SINESP, SISPESP).

A terceira e última situação é o sindicalismo associativo e apo-lítico de base mais conservadora que atua de forma mais fechada voltado apenas para o interesse de suas categorias, que tendem a formar suas próprias entidades gerais, abrangendo inclusive as associações tradicionais do funcionalismo; esse sindicalismo tende a conservar o caráter dessas entidades, por causa do grande patrimônio que algumas delas acumularam ao longo dos anos. O sindicalismo associativo e apolítico representaria uma tendência como a do velho sindicalismo do setor privado, arraigado nos princípios da estrutura sindical celetista (Ex. CPP, AFPESP, entre outras associações e sindicatos geralmente de pequeno porte).

Na esfera política, diferentemente do sindicalismo do setor privado, o do público vivencia o seguinte dilema: é impulsiona-do a atuar sob uma lógica de luta econômica e salarial, tal como qualquer organização da sociedade civil dentro do Estado, ou seja, na especificidade do Estado enquanto sociedade política. Isso implica na atuação dos sindicatos do setor público não apenas de forma corporativista, mas também sob uma lógica política, e isso condiciona os resultados de sua ação reivindicatória e grevista. Essa dimensão do sindicalismo público interfere nas relações políticas entre a população em geral e os governantes ou dirigentes, que estão interessados em sua imagem e reprodução positivas na vida pública.

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No plano sindical, o movimento do setor público por meio das greves e da inserção na CUT revelava cada vez mais os conflitos e as contradições dentro do Estado brasileiro. As greves no setor pú-blico brasileiro foram econômicas e políticas. A causa primeira dos movimentos grevistas era econômica e salarial, e, por ocorrerem nas atividades públicas e estatais, ganhavam caráter diretamente político porque questionavam o poder e a legitimidade dos governos na sociedade. A greve era também política, pois interferia diretamente nos interesses das classes que vivem do trabalho. Estas, os setores po-pulares, têm uma maior dependência dos serviços públicos e seriam em tese beneficiadas com a expansão dos processos de estatização dos setores sociais, em particular, saúde, educação e transporte. Essa dupla dimensão da greve no setor público — Estado e interesse público — deve ser entendida e muito bem avaliada, tendo em vista compatibilizar interesses corporativos das categorias e interesses públicos e de classe com os demais trabalhadores. Nesse sentido, mais do que nunca é necessária uma articulação ou mesmo uma aliança entre os trabalhadores públicos e demais trabalhadores no encaminhamentodesse “complexo” de questões da esfera do poder e das políticas do Estado. É necessário articular sindicatos, partidos e movimentos sociais no sentido de aprofundar o debate político acerca do projeto de Estado que atenda aos interesses estratégicos do mundo do trabalho.

Colocando a discussão nesses termos, os problemas teóricos e práticos apenas começaram e envolvem uma discussão mais ampla sobre o caráter do Estado e a permanência ou a mudança dos re-gimes de trabalho no seu interior. Os estatutos do funcionalismo público que, por si, desqualificam a ideia de relações de trabalho como partes em disputa no mercado podem limitar-se, cada vez

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mais, a poucas categorias públicas por causa do processo crescen-te de privatização. Trata-se também de limitar a ação sindical no Estado enquanto organismo que visa, sobretudo, valorizar a força de trabalho no interior da esfera estatal que, por sua própria natu-reza, não é diretamente mercado. Por um lado, a determinação de critérios políticos sobre os critérios econômicos na definição das condições de trabalho e salários cria dificuldades enormes para a atividade sindical puramente econômica na esfera do Estado. Por outro lado, abre-se a possibilidade de maior possibilidade de atuação em torno dos problemas da democratização e da própria natureza e limite do Estado brasileiro, bem como da gestão e qualidade dos serviços públicos.

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CAPÍTULO 6

Contratualização e gestão de pessoas na administração pública

HÉLIO JANNY TEIXEIRADoutor e Livre-docente em Administração pela

FEA-USP e professor da mesma instituição. SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO

Administrador pela FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA).

CONTRATUALIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS............................ NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA | 193 |

6.1 INTRODUÇÃO

Embora bastante presente nos debates atuais sobre a expansão dos serviços públicos por meio de parcerias público-privadas (PPPs), organizações sociais (OS) e terceirizações, o tema objeto do presente capítulo não é novo. Nem poderia ser. Os contratos e a contratua-lização marcam a essência do próprio Estado e da administração pública, pois nada pode ser feito sem o respaldo das leis, que, por serem amplas e genéricas, dependem na maioria das vezes de ins-trumentos específicos como os contratos para orientar e determinar obrigações e prestações específicas de funcionários, concessionários, conveniados, prestadores de serviços e parceiros em geral. Concei-tualmente, contrato é algo simples: um vínculo jurídico entre dois ou mais sujeitos. O código civil brasileiro (BRASIL; 2002), no seu artigo 82 (BRASIL; 2002), apenas estabelece que, ao contratar, é necessário que as partes tenham capacidade de exercício e que o ob-jeto seja lícito e que tenha forma prescrita ou não proibida pela lei. O conceito é claro no campo no direito e também a ideia é simples: um vínculo jurídico que estabelece obrigações mútuas entre partes.

Não seria imprescindível, mas pode enriquecer a compreensão do tema um brevíssimo comentário etimológico e semântico sobre

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a expressão contratualização, se já não bastasse a consagração pelo uso que se verifica na prática e na literatura sobre a administração pública. O substantivo contratualização e o verbo contratualizar, salvo engano, ainda não assumidos pelos dicionaristas brasileiros, são, no entanto, encontrados em dicionários portugueses. Contratualizar define-se lá como “estabelecer as regras contratuais” (PRIBERAM, 2010). Veja-se, então, a diferença em relação a contratar, que se define como “garantir por contrato”. Além de mera “afetação” conceitual, é importante o uso do termo contratualizar quando se tratar não de um mero ato de assinar um contrato em bases já conhecidas ou típicas, comumente aceitas (em que se poderia falar em contratar), mas de um esforço para repensar, negociar e reestabelecer as próprias bases do acordo que servirá de referência para a contratação, a qual deve decorrer ao final do “processo”.

Trazendo a discussão semântica para o âmbito da gestão públi-ca, contratualização é expressão que tem sido preferida e adotada por gestores e acadêmicos por denotar o esforço e a novidade de estabelecer, em contrato, relações que instituem novas bases, novo caráter, agora contratual, para relações entre instituições, já previstas e correntes, mas em outras bases não contratuais: hierárquicas, po-líticas ou comerciais. A contratualização significa, então, na gestão pública e também neste trabalho, tentativa de incorporação mais transparente de aspectos políticos aos compromissos entre partes do governo, possibilidade de consideração de especificidades setoriais e organizacionais, flexibilidade para adaptação estratégica a novos contextos, possibilidade de aprimorar a qualidade dos investimentos e de rever políticas que não tenham atingido os resultados espera-dos, momento de promover formas de participação, entre outras inúmeras possibilidades, infelizmente pouco exploradas.

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Na prática brasileira, principalmente da gestão pública, a questão dos contratos envolve muitas incertezas e polêmicas. Vivemos num ambiente normativo problemático. As pesquisas internacionais como “The Global Competitiveness Report 2011-2012 (World Economic 2011)”, mostra a enorme fragilidade do nosso ambiente institucio-nal, que foi classificado em 79º lugar entre 144 países. Avaliações desfavoráveis também se repetem em relatórios como “Doing Bu-siness in Brazil” (The World Bank 2006). O ambiente institucional é determinado pela infraestrutura legal e administrativa, na qual os indivíduos, empresas e governo interagem para gerar renda e riqueza na economia. Também inclui burocracia, a proteção dos direitos de propriedade e contratos, ética e corrupção, eficiência do governo, segurança e funcionamento do judiciário.

Muitos pensam que só o Estado pode defender o interesse público e prestar bons serviços e, portanto, são contrários a privatizações, contratação de organizações sociais e terceirização de serviços. Outros têm posição oposta. Acham que é impossível melhorar a atuação do Estado, principalmente da gigantesca administração direta, que deveria ser reduzida, contando com mais apoio e trabalho da ad-ministração indireta e de organizações não estatais.

Bem expresso por Cunha Jr. (2011, p. 31), a regulamentação jurídica, quanto à organização administrativa das entidades indi-retas no Estado brasileiro, está marcada por casuísmos e também por imprecisões conceituais. Isso porque, com a inexistência de um referencial normativo claro, emergem soluções por parte das entidades, que geram desentendimentos, inclusive do ponto de vista conceitual, e refletem não só na agilidade da administração pública, mas também em confusões nos órgãos de controle, como observa o autor:

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A confusão em matéria organizatória apresenta re-percussões práticas imediatas, pois (a) estimula de-mandas judiciais; (b) engendra indefinição de limites de agir dos órgãos e entidades públicas; (c) promo-ve atrasos no processo decisório da administração; (d) inibe os administradores a adotarem iniciativas criativas de gestão, com receio da responsabilização posterior; (e) acrescenta custos desnecessários no desenvolvimento de serviços públicos e sociais da maior significação pública. (CUNHA Jr., 2011, p. 5)

No intuito de melhorar o desempenho, os governos, ao longo dos anos, buscaram alternativas que deram maior flexibilidade a algumas entidades, do ponto de vista de gestão de pessoas, financeira e orçamentária, e de contratações e aquisições. Entre as organiza-ções, está a Petrobras, que, reconhecidamente, com a adoção de “Modelo Derivado”, buscou na flexibilização o favorecimento da sua competitividade e eficiência.

Para Cunha Jr (2011, p. 31), os modelos derivados são originados nos modelos básicos estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e configuram-se como meios de adequação “às novas necessidades, ou a necessidades pré-existentes, cujas condições de funcionamento foram alteradas pela CF/88 ou suas Leis regulamentadoras”. Em outras palavras, diante da dificuldade de enquadrar as instituições na legislação vigente, criam-se modelos com base nos referenciais básicos, procurando considerar e atender às suas especificidades.

Como estabelecer uma política de recursos humanos sem clareza das perspectivas de evolução das estruturas do Estado? Mais gente na administração direta ou mais na indireta? Mais pessoal próprio

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ou mais terceiros contratados, credenciados ou conveniados? Ou é melhor privatizar de vez certas atividades? Quais cargos, quais carreiras permanecem e devem ser fortalecidas? Quais competências devem ser desenvolvidas? Mal comparando, as dúvidas equivalem a ter de renovar um guarda-roupa desconhecendo o tamanho do corpo e os hábitos de vida que demandam vestimentas específicas. O indivíduo pratica esportes? Quais? Natação ou esgrima? Prefere o estilo social ou esportivo? Roupas claras ou escuras?

Modesto e Cunha Jr. (2011, p. 24) apontam o descompasso entre regime jurídico e necessidades de atuação do Estado que envolve não apenas modificações da estrutura institucional do próprio poder público como transformações nas formas de interação com outros atores sociais.

No próximo tópico, vamos abordar sucintamente as tentativas de mudança das relações entre público e estatal e da concepção do aparelho do Estado e das políticas de pessoal decorrentes.

6.2 VALORES, REFORMAS DO ESTADO E POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS

Keinert (2007, p. 107-108), no Capítulo II de seu livro, mostra como evoluiu o conceito de público como referencial paradigmático.

Num primeiro momento (1937-1979), público refere-se a estatal e, consequentemente, as ações eram pensadas do Estado para a Sociedade. Num momento posterior, o conceito de “público extrapola o limite estatal tornando-se mais amplo que este

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último, envolvendo uma multiplicidade de atores, formas jurídicas e gerências”. [...] Emerge paradigma do ‘Público’ como interesse público [...] com novas formas de participação e gestão do espaço público.

Reforçamos a ideia com uma citação de terceiros, escolhida pela autora:

Como coloca Cunnil Grau (1995) e também Ra-botnikof (1993), paulatinamente, o adjetivo público irá marcando uma mudança nestas relações dando lugar a uma progressiva diferenciação entre o Estado, a comunidade e o indivíduo, exigindo a criação de uma “nova institucionalidade” que não somente cria a possibilidade de tornar a gestão pública mais per-meável às demandas emergentes da sociedade, mas que também retira do Estado e dos agentes sociais privilegiados, o monopólio exclusivo da definição da agenda social. (KEINERT, 2007, p. 62).

Consideramos que o interesse público deve ser defendido de forma ampla, como valor compartilhado que demanda atuação conjunta do Estado, mercado e sociedade conforme conveniências históricas. Nenhum segmento possui o monopólio das virtudes e soluções e tampouco dispõe de recursos e energias para atender às crescentes demandas sociais. Articulação criativa, novas contratualizações, co-produção público-privado são essenciais. Infelizmente, preconceitos, corporativismo, clientelismo, patrimonialismo, entre outros “ismos”, têm truncado os debates e a evolução das ideias e soluções.

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O fortalecimento do “público não estatal” foi uma das linhas adotadas pela principal referência quando se pensa em Reforma do Estado e contratualizações no Brasil,o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE), de 1995 (BRASIL, 1995), protago-nizado pelo então Ministro do extinto Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). O ministério foi batizado de forma um tanto pretensiosa, que faz supor atuação de abrangência superior às reais possibilidades, mas as reflexões que promoveu propiciaram a concepção de um modelo abrangente e ousado, uma verdadeira proposta de engenharia institucional, expressa no gráfico seguinte, bastante divulgado:

Figura 6.1. Matriz de vocações, formas de propriedade e administração de instituições e organizações do aparelho de Estado [título nosso]

ESTATAL

NÚCLEO ESTRATÉGICOLegislativo, Judiciário, Presidência, Cúpula dos Ministérios, Ministério Público

ATIVIDADES EXCLUSIVASRegulamentação Fiscal, Fomento, Segurança Pública, Seguridade Social Básica

SERVIÇOS NÃO-EXCLUSIVOS Universidades, Hospitais, Centros de Pesquisa, Museus

PRODUÇÃO PARA O MERCADOEmpresas Estatais

PRIVADA BUROCRÁTICA GERENCIALPÚBLICANão Estatal

Publicização

Privatização

Fonte: Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995, p. 59).

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A proposta central é a seguinte: administração direta com pessoal estatutário e concursado apenas para certas carreiras que trabalha-riam no núcleo estratégico e parte das atividades exclusivas; agências executivas autônomas, com pessoal celetista, também cuidariam das atividades exclusivas; os serviços sociais, de saúde, científicos e outros, ou seja, os serviços considerados não exclusivos do Estado, poderiam ser prestados na esfera do “público não estatal”, com a participação de organizações sociais. Conforme o PDRAE, as organizações sociais são entidades de direito privado que obtêm autorização legislativa para celebrar “contrato de gestão” e assim ter direito a dotação orçamentária. O documento é bastante otimista quando à possibilidade de transformar as estruturas do Estado e até propõe um checklist para facilitar os trabalhos.

O projeto parte de algumas perguntas básicas: 1) Qual a missão desta entidade? 2) O Estado deve se encarregar dessa missão e das respectivas atividades envolvidas? 3) Quais podem ser eliminadas? 4) Quais devem ser transferidas da União para os estados ou para os municípios? 5) E quais podem ser transfe-ridas para o setor público não estatal? 6) Ou então para o setor privado?Por outro lado, dadas as novas funções, antes regu-ladoras que executoras: 1) Deve o Estado criar novas instituições? 2) Quais?A resposta a estas perguntas deverá ser a menos ideológica e a mais pragmática possível. O que inte-ressa é obter um resultado ótimo, dados os recursos escassos. (PDRAE, 1995, p. 72.)

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Pode-se observar que mesmo o PDRAE não é esclarecedor em todos os sentidos. No que tange às sociedades de economia mista, por exemplo, coloca-as na classificação de “produção de bens e serviços para o mercado” e, consequentemente, supõe-se, candi-datas preferenciais à privatização. No entanto, não ocorrendo a privatização, como é o caso da Petrobras e outras instituições como a Eletrobras, Banco do Brasil e tantas outras, deveria ser realizado, também como suposição decorrente, um contrato de gestão para firmar suas especificidades. Vale afirmar que a criação de empresas estatais é algo que restou presente nas políticas da gestão do governo federal também nas gestões seguintes. Recentemente, foi criada a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com a missão de agilizar a efetivação dos projetos de infraestrutura. Outras foram submetidas à apreciação do Legislativo para criação, ainda em tramitação.

O PDRAE não desconsiderou a necessidade de uma nova política de Recursos Humanos. Partindo de um diagnóstico de que:

A legislação que regula as relações de trabalho no setor público é inadequada, notadamente pelo seu caráter protecionista e inibidor do espírito empreen-dedor. São exemplos imediatos deste quadro a aplica-ção indiscriminada do instituto da estabilidade para o conjunto dos servidores públicos civis submetidos a regime de cargo público e de critérios rígidos de seleção e contratação de pessoal que impedem o recrutamento direto no mercado, em detrimento do estímulo à competência. Enumeram-se alguns equívocos da Constituição de 1988 no campo da administração de recursos

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humanos. Por meio da institucionalização do Re-gime Jurídico Único, deu início ao processo de uni-formização do tratamento de todos os servidores da administração direta e indireta. Limitou-se o ingresso ao concurso público, sendo que poderiam ser também utilizadas outras formas de seleção que tornariam mais flexível o recrutamento de pessoal sem permitir a volta do clientelismo patrimonialista (por exemplo, o processo seletivo público para fun-cionários celetistas, que não façam parte das carreiras exclusivas de Estado). Os concursos públicos, por outro lado, são realizados sem nenhuma regularização e avaliação periódica da necessidade de quadros, fato que leva à admissão de um contingente excessivo de candidatos a um só tem-po, seguida de longos períodos sem uma nova seleção, o que inviabiliza a criação de verdadeiras carreiras. [...]Concluindo, a inexistência tanto de uma política de remuneração adequada (dada a restrição fiscal do Estado) como de uma estrutura de cargos e salários compatível com as funções exercidas, e a rigidez excessiva do processo de contratação e demissão do servidor (agravada a partir da criação do Regime Jurí-dico Único), tidas como as características marcantes do mercado de trabalho do setor público, terminam por inibir o desenvolvimento de uma administração pública moderna, com ênfase nos aspectos gerenciais e na busca de resultados. (PDRAE, 1995, p. 27-36.)

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O documento propõe uma nova política de Recursos Humanos envolvendo profissionalização e valorização do servidor público mediante capacitação de novos servidores, adequação aos novos papéis exigidos do Estado, desenvolvimento de pessoal, um sistema remuneratório adequado, incentivos de carreira, promoção basea-da no mérito e adequação de estímulos para resgatar talentos e a motivação do servidor público. Consideramos o PDRAE a única proposta abrangente de Reforma de Estado do Brasil. Por que tal proposta foi tão rejeitada durante a existência do MARE? Houve falhas? Em que sentido foi melhor do que outras propostas de Re-forma, principalmente a que criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938, e a decorrente do Decreto--Lei 200 de 1967?

Em primeiro lugar, as propostas de Reforma (1939, 1967 e 1995) não contaram com participação e apoio da sociedade e dos próprios servidores públicos. As duas primeiras, por razões evidentes, pois ocorreram durante períodos ditatoriais (Vargas e Militares). E a de 1995, embora num período democrático, não conquistou o apoio dos servidores, dos órgãos de controle do legislativo e dos demais ministérios além do MARE.

Segundo Loureiro, Abrucio e Pacheco (2010, p.18), a proposta teria seguido “o paradigma comum do modelo reformista brasileiro: centralizador, autoritário e insulado em relação ao sistema político”.

As duas primeiras reformas foram mais focalizadas e menos abran-gentes. A primeira, com a criação do DASP, representou um marco da burocracia pública brasileira. E o Decreto-Lei 200, de 1967, em vigência até hoje, representa a primeira classificação relevante dos órgãos de burocracia brasileira e fomentou o desenvolvimento da administração indireta: autarquias, fundações e sociedades de

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economia mista. Tal decreto procurou, de certa forma, trazer a “ra-cionalidade” do setor privado para dentro da administração pública.

Como é comum a todas as reformas administrativas no Brasil, as implantações não foram completas. O DASP sucumbiu aos interesses particularistas com duas castas de funcionários públicos: a dos selecionados por concursos e promovidos por mérito e a dos extranumerários, contratados por favoritismos político ou pessoal, fora do sistema de mérito. Desde a criação do DASP, o formalismo foi manipulado de acordo com as circunstâncias (ANDREWS, 2009, p. 56).

O DASP pecou por praticar a mesma legislação para a adminis-tração direta e indireta.

O Decreto-Lei 200, embora tenha proposto princípios de administração válidos até hoje, como planejamento e descentra-lização, estimulou uma fratura entre a administração indireta, considerada moderna (principalmente empresas públicas e mis-tas), e administração direta, contrapostamente obsoleta. A falta de integração entre ministérios tutelares, órgãos de controle e empresas contratadas cresceram mesmo após a criação de órgãos como a Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST), hoje substituída pelo Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais (DEST), vinculado ao Ministério do Pla-nejamento. Mesmo após as privatizações acentuadas no período do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), con-tinuamos com Ministérios, Secretarias e Agências Reguladoras “fracas”, diante de concessionárias, empresas e autarquias “for-tes”. Deu-se mais valor à indireta sem fortalecer a direta. Muita fragmentação e pouca coordenação na administração pública, como coloca Abrucio (2010).

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Voltando ao PDRAE, a principal causa do desencontro en-tre a qualidade, a abrangência das propostas e a efetividade das mesmas foram as resistências de atores relevantes para o processo de mudanças num período democrático. Outros ministérios, sindicatos e órgãos de controle se opuseram principalmente às ideias de “desafogar” e reduzir o porte da administração direta mediante agências executivas , organizações sociais (OSs), bem como as propostas do MARE de revisão Constitucional, efetiva-das por meio da Emenda 19/98, envolvendo questões sensíveis como estabilidade, regime único e diferenças entre administração direta e indireta.

Pensamos que o corporativismo imperou mais do que a defesa do interesse público, mesmo compreendendo-se as falhas e inevitáveis incompletudes do PDRAE em questões como a tentativa frustrada ou conceitualmente incorreta de diferenciar “administração buro-crática” e “administração gerencial”, as dificuldades de estabelecer mecanismos de controle das Agências Executivas e das OSs e as pro-postas excessivamente ambiciosas de examinar e rever globalmente a estrutura do Estado. Também o relacionamento entre administração direta e indireta, bem como as possibilidades de terceirização, não ficaram bem definidas.

Julgamos que alocação de atividades entre administração direta, autarquias, empresas públicas e mistas, agências execu-tivas, OSs, empresas privadas e outras instituições não é algo simples e linear e depende de análise de complexas circunstâncias sociopolíticas e econômicas. Contudo, nas esferas estaduais e municipais, gradativamente o PDRAE foi ganhando força como referencial para as mudanças, como mostra exemplarmente os casos dos estados de São Paulo e Minas Gerais, com a utilização

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crescente de OSs na saúde e na cultura, Organizações da So-ciedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), contratualizações, PPPs, fortalecimento das carreiras vinculadas ao núcleo estratégico do estado e sistematização das terceirizações para as quais Minas Gerais desenvolveu a Gestão Estratégica de Suprimentos (GES), e São Paulo, o Caderno de Terceirizações (CADTERC). As contra-tualizações desenvolvidas pelo governo mineiro estão bem descritas em Vilhena, 2006, parte III e cap. 13.

Proposta recente de nova Organização Administrativa Brasi-leira (MODESTO, 2010), realizada por um grupo renomado de juristas e expressa num anteprojeto de lei que estabelece normas gerais sobre a administração pública direta e indireta, as entidades paraestatais e as de colaboração, tem poucas possibilidade de avançar e transformar-se em lei. Um dos autores do anteprojeto menciona que “o anteprojeto embutiu uma crítica à recorrente tendência brasileira de centralização, unificação e hierarquização de toda a administração Pública, tanto Direta como Indire-ta” (MODESTO, 2010, p. 61). Com base neste diagnóstico, “[...] a preocupação do anteprojeto é viabilizar a construção de uma organização estatal policêntrica e melhorar o regime de relação do Estado e as entidades não estatais de Colaboração” (SUNDFELD in Modesto, 2010, p. 61), e ainda, conforme menciona Sundfeld, “[...] não faz sentido querer tratar toda a Administração Pública como uma unidade, é importante permitir que ela se organize com muitos centros, dotada de níveis variados de autonomia com meios próprios de controle” (SUNDFELD in Modesto, 2010, p. 62).

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6.3 EVOLUÇÃO E LIMITES DOS CONTRATOS DE GESTÃO

Os contratos de gestão no Brasil ganharam maior evidência no debate público com o PDRAE, apresentado no tópico anterior, e sua proposta de contratualizar a relação entre o núcleo estratégico do Estado e as demais organizações, tanto públicas quanto privadas. Mas não se trata de algo que tenha começado com o PDRAE. Antes, com base na experiência francesa, houve a tentativa de adotá-los para facilitar a gestão e o controle das empresas estatais, no início dos anos 1990. Uma análise mais detalhada da experiência é útil para demonstrar um equívoco típico das reformas brasileiras quando mimetizam indevidamente experiências bem sucedidas no exterior, em contextos institucionais totalmente distintos.

O Decreto Federal 137, de 27 de maio de 1991, ao instituir o “Programa de Gestão de Empresas”, previu os contratos de ges-tão como um de seus componentes. Tais contratos, estipulando os compromissos reciprocamente assumidos entre União e em-presa, deveriam conter cláusulas especificando objetivos, metas, indicadores de produtividade, prazos para consecução das metas estabelecidas e para vigência do contrato, critérios de avaliação de desempenho, condições para revisão, renovação, suspensão e rescisão; penalidades aos administradores que descumprirem as resoluções do Comitê de Controle das Empresas Estatais (mais tarde denominado Comitê de Coordenação das Empresas Estatais) ou as cláusulas contratuais.

Os contratos de gestão também foram adotados em outras esfe-ras da administração pública, caso, por exemplo, do Estado de São Paulo, em que foram firmados 88 contratos em dezembro de 1991.

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O objetivo principal dos contratos de gestão é permitir uma defi-nição clara das intenções, responsabilidades e acordos recíprocos entre Estado e os gestores das instituições que o compõem. Nesse sentido, representam uma nova linguagem para o diálogo interinstitucional na área pública, usualmente dificultado pela multiplicidade de in-terlocutores e pelas particularidades dos procedimentos adotados.

Sabe-se que os controles estabelecidos dentro da administração pública voltaram-se quase exclusivamente para o controle dos meios, sem que se realizasse uma política de meios propriamente dita —sejam meios humanos, materiais ou financeiros. Na verdade, no círculo vicioso dos controles de meios não referenciados à eficácia no uso dos próprios recursos, pouco se pode avançar no sentido de uma gestão racional. Contudo, é possível conceber uma sistemática de gestão com uma estrutura razoavelmente simples, tendo como característica marcante a condição de estimular a busca da eficiência e o cumprimento dos objetivos das diferentes atividades de governo.

Os contratos de gestão constituem instrumento útil nesse sentido: permitem estabelecer critérios de avaliação da eficiência das empre-sas (e, portanto, de incentivo à eficiência) e também viabilizam, pela definição de metas plurianuais, a compatibilidade da ação das diferentes esferas do governo.

Os contratos de gestão, no estado atual, configuram um processo de aprendizagem com múltiplas facetas. Mais importante até que o resultado final é o processo de negociação para definição de metas, aprimoramento de indicadores de desempenho e melhor definição de responsabilidades no aparelho estatal. É certo, também, que muitas normas em vigor ainda restringem a autonomia de gestão das empresas para atingir as metas pactuadas nos contratos. Apesar dessas limitações práticas, os contratos de gestão mostram-se como

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instrumento promissor no processo de aprimoramento da gestão das empresas estatais. Um resgate da experiência do governo federal na implantação de contratos de gestão, vivida por um dos autores e relatada em Johnson (1996), é ilustrativa da potencialidade e das limitações inerentes a esse instrumento.

O Decreto 137, de 27 de abril de 1991, atribuiu ao Comitê de Controle das Empresas Estatais (CCE) — posteriormente denomi-nado Comitê de Coordenação das Estatais — papel central na im-plementação dos contratos de gestão: constituído pelos Ministérios do Planejamento e da Fazenda, junto com seus respectivos secretários executivos, as reuniões do CCE contaram com a participação (com direito a voto) dos ministros e secretários executivos dos ministérios a que fossem vinculadas as empresas cujos interesses estivessem em pauta, bem como o ministro e o secretário executivo do Ministério do Trabalho, quando a pauta da reunião incluísse matéria relativa à política trabalhista e salarial das empresas estatais (Decreto 725, de 19 de janeiro de 1993).

O modelo proposto procurou claramente superar a forma vi-gente de controle dos meios e caminhar na direção da avaliação do desempenho e dos resultados. Ou seja, amplia-se a autonomia da empresa estatal para a gestão de seus recursos (materiais, finan-ceiros e humanos), cobrando-se, em contrapartida, o desempenho correspondente a objetivos e metas fixadas no contrato de gestão.

O Decreto 1050, de 27 de janeiro de 1994, que dispõe sobre as condições para a celebração do contrato de gestão entre a União e a Petrobras, traz exemplos nítidos dessa mudança de enfoque. Assim, entre os objetivos do contrato de gestão constaram: eliminar fatores restritivos à flexibilidade da ação administrativa e empresarial da Petrobras, com vistas a alcançar seus objetivos estratégicos; atingir

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metas e resultados específicos, fixados periodicamente e aferidos conjuntamente pela União e a Petrobrás, por meio de indicadores e sistemática de avaliação.

Para tanto, o decreto ampliou a autonomia da empresa, de acordo com o estabelecido no Artigo 5:

Ressalvados os casos previstos em lei e os termos do contrato individual de gestão, não dependerá de autorização prévia do Poder Executivo a prática, pela Petrobras, dos seguintes atos de gestão administrativa e empresarial:I. seleção, admissão, remuneração, promoção e de-senvolvimento de pessoal, bem como a prática de todos os demais atos próprios de gestão de recursos humanos; II. negociação e celebração de acordos coletivos de trabalho, de natureza econômica ou jurídica, bem como sua defesa ou postulação judicial por meios próprios;III. realização de viagens ao exterior de administra-dores e empregados;IV. contratação e renovação de operações de crédito de quaisquer espécies com instituições financeiras e com fornecedores de bens e serviços, nacionais e internacionais, inclusive arrendamento mercantil; bem como a emissão de obrigações e de quaisquer outros títulos nos mercados nacional e internacional, observando os limites de endividamento fixados pelo Senado Federal;

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V. contratação e renovação de operações de em-préstimos e financiamentos, títulos descontados, adiantamentos, arrendamento mercantil e garantias de qualquer natureza, realizadas pelas instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil;VI. elaboração, execução e revisão do planejamento e dos respectivos orçamentos, em consonância com as orientações gerais do planejamento federal.

Os itens acima implicam substancial redução dos controles da União sobre os atos administrativos da empresa estatal, sem que representem necessariamente redução do controle da União sobre o desempenho da organização. Obviamente, trata-se de buscar novos mecanismos que permitam avaliar resultados em relação a objetivos e metas previamente definidos.

Apesar das disposições do Decreto 1.050 permitirem maior autonomia à Petrobras – indicando o potencial dos contratos de gestão – algumas restrições impõem limites a tal autonomia. A for-malização do orçamento interno da empresa estatal, por exemplo, só pode se fazer após a aprovação da lei orçamentária da União. Se lembrarmos que o orçamento público federal de 1994 só foi apro-vado por Lei em 09 de novembro de 1994, podemos imaginar as restrições à efetiva autonomia gerencial daí decorrentes.

Adicionalmente, outras instâncias do Estado também podem limitar o alcance dos contratos de gestão. O Tribunal de Contas da União (TCU) - Ata nº 3, Decisão 20 de 2 de fevereiro de 1994 —, por exemplo, apresentava algumas considerações restritivas a respeito dos contratos de gestão. Estes não poderiam ser considerados como “contrato administrativo ou programa de governo” sem “autorização

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legal”; sua assinatura não deveria interferir nas competências da fis-calização e controle externos vigentes; e - apesar de, na referida ata, o TCU congratular-se de poder contar com os referenciais de metas e indicadores assumidos nos contratos de gestão para suas próprias auditorias futuras, reafirma que, “em hipótese alguma”, os contratos poderiam “conduzir à inobservância de preceitos constitucionais e legais pertinentes à espécie, haja vista o consagrado princípio da hierarquia das leis.”

A postura TCU se inspira claramente na tendência presente na Constituição de 1988, (o que é, de resto, compreensível) que é de igualar o regime jurídico das entidades da administração direta com os da administração indireta, o que significa um contrassenso, pois, se essas entidades, principalmente as empresariais, atraem o poder público pelo fato de atuarem pelos métodos do direito privado, elas perdem a sua razão de ser quando são submetidas ao regime jurídico de administração pública.

Além das restrições do TCU, até certo ponto secundárias, pois discutíveis e sujeitas a questionamento, devem ser apontadas outras para as quais não pode faltar atenção.

Assim, convém frisar que, não obstante a singularidade atribuída pelos contratos de gestão a determinados entes governamentais, em pelo menos três pontos o seu poder de ação fica claramente delimita-do por comandos constitucionais e legais específicos. Primeiramente, no que concerne à seleção e admissão de pessoal, é imprescindível a realização de concurso público, ante o disposto no Art. 37-II da Carta Magna. Em segundo lugar, no que tange à remuneração de dirigentes e servidores, não há como deixar de observar o limite máximo estipulado no art. 37-XI. Por último, no que diz respeito à contratação de obras e serviços, aquisição e alienação de bens, é

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inegável a obrigatoriedade do cumprimento do disposto no art. 37-XXI da Constituição, regulamentado pela Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que instituiu normas para licitações e contratos do setor público, alcançando indiscriminadamente a administração direta e a indireta.

Essas breves indicações reafirmam, portanto, as limitações ainda presentes à plena eficácia dos contratos de gestão, o que, evidente-mente, não invalida os esforços no sentido de sua implantação e aper-feiçoamento, num quadro global de reestruturação da gestão pública.

A emenda Constitucional nº 19/98, procurou viabilizar o con-texto legal para a aplicação dos contratos de gestão, já previstos na legislação infraconstitucional, no Art. 37 § 8º:

§ 8º - A autonomia gerencial, orçamentária e finan-ceira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objetivo a fixação de metas de desempenho para órgão e entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato;II – os limites e critérios de avaliação de desempe-nho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes;III – a remuneração do pessoal.

Mesmo com previsão legal sólida, esse instrumento ainda carece de estabilidade jurídica. Di Pietro (1996, p. 6), ao tratar dos con-tratos de gestão, coloca que “à vista das dificuldades apontadas, é

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indispensável, para assegurar a almejada autonomia, mudar o direito positivo. Não se pode, por meio de contrato de gestão, descumprir normas legais e preceitos da própria constituição”; e adiciona que “é evidente que o contrato de gestão pode ser útil para o Estado e para suas empresas. Mas há que ser respeitado o direito positivo”.

Artigos recentes, como os de Pires (2012) — referente à expe-riência brasileira em contratualização —, de Ghelman (2012) — abordando especificamente o INMETRO — e de Perdicaris (2012) — sobre a experiência do contrato programa (nesse caso, firmados com organizações da sociedade civil) nos hospitais da administração direta no estado de São Paulo, apresentam as seguintes conclusões:

− O conjunto de flexibilidades permitidas é tímido, gerando desinteresse pelo modelo. (PIRES, 2012).− A experiência de contratualização do INMETRO (única autarquia com status de agência Executiva do governo federal) é considerada frutífera e evolutiva, como aprendizagem, apesar da quase inexistência de flexibilidade para a gestão de pessoas e morosidade dos processos de contratualização. (GHELMAN, 2012).− Nos casos dos contratos de gestão denominados Contrato Programa, nos hospitais da administração direta no Estado de São Paulo, a experiência foi considerada positiva em termos de desempenho, aprendizagem, facilidade de coordenação e resul-tados alcançados. Como entraves ao desempenho, não superados pelo contrato, repetem-se as dificul-dades na gestão de pessoas, em compras e licitações. (PERDICARIS, 2012)

CONTRATUALIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS............................ NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA | 215 |

Há, contudo, um novo campo do conhecimento, discutido no tópico seguinte, que muito poderia contribuir para o aprimoramento da contratualização na área pública.

6.4 A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL E A CONTRATUALIZAÇÃO

Muitas vezes, o diálogo social referente às grandes questões de administração pública se fecha em dicotomias empobrecedoras que não respeitam a evolução e o acúmulo de ideias no campo do direito, economia, administração e política, só para citar alguns grandes domínios do conhecimento. Partidos políticos, candidatos e gestores públicos opõem-se quase como torcedores de futebol. Contagens simples e ironias substituem as análises mais profundas. A favor vs. contra a privatização. A favor vs. contra a contratação de OSs. A favor vs. contra a terceirização da prestação de serviços. Todos têm direito à opinião, mas cria-se um processo de contraposições em que o grande derrotado é o interesse público, pouco defendido e considerado nas arenas competitivas e sangrentas dos duelos de interesses corporativos, clientelísticos, ou simplesmente sectários. Nesse contexto, queremos trazer para o debate dos contratos as ideias apresentadas em trabalhos acadêmicos abrigados sob a denominação comum de “Nova Economia Institucional (NEI)”.

Não se trata de assunto novo, pois um artigo, considerado se-minal nesse assunto, foi publicado por Ronald Coase, em 1937. Suas ideias hibernaram até 1970, e ele ganhou o prêmio Nobel de Economia em 1991, assim como Oliver Williamson, também intelectual importante e discípulo de Coase, o fez em 2009. Com

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essas distinções, a NEI, que já estava em evolução, ganhou maior relevância. Neste capítulo, não há intenção de aprofundamento no tema, mas sim de demonstrar a necessidade de considerar a NEI nos estudos de contratualização da área pública. Vamos nos basear, principalmente, nas publicações e palestras do professor Décio Zylbersztajn (1995) e em um livro do professor Williamson (1985).

Na visão de Williamson (1985, p.1) as instituições têm como propósito principal economizar nos custos de transação. Uma tran-sação ocorre sempre que um bem ou serviço é transferido por meio de uma interface tecnológica. Um estágio da atividade termina e outro é iniciado. Se as transações são organizadas dentro da fir-ma (hierarquicamente) ou entre firmas autônomas (por meio do mercado) é (ou deve ser) uma decisão variável. Cada modalidade é adotada dependendo dos custos de transação associados a elas (WILLIAMSON, 1985, p. 4).

Aqui cabe um primeiro comentário importante sobre a dico-tomia comprar vs. fazer. Williamson trata esse “dilema” como uma questão econômica da maior importância e, entendendo as organizações como “feixe de contratos”, prefere transferir a discri-cionariedade da decisão para os administradores, que deveriam, então, pautar-se pelo critério do custo da transação. A natureza da transação e do objeto envolvido, a qualidade e caráter estratégico, devem ser criteriosamente analisados, considerando-se inclusive os impactos no médio e longo prazo, optando-se, ao final, pelo menor custo. Não há, portanto, nenhuma divisão dogmática entre atividades meio e fim, mas um critério econômico preponderante, ponderado por outras considerações que abordaremos mais adiante. A abordagem proposta sustenta que qualquer operação que surja e possa ser tratada como um contrato (problem of contracting) pode

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ser frutiferamente examinada em termos de custo de transação. (Ibid,, p. xii).

Mas, longe de poder ser acusado de excessivamente ingênuo e reducionista, o autor adota pressupostos de comportamento humano bastante pessimistas como elementos fundamentais de seu modelo. Os pressupostos assumidos no suporte à abordagem utilizada no estudo dos contratos são a racionalidade limitada e o oportunismo. Estes dão suporte à seguinte declaração sumária do problema central da organização econômica: projetar contratos e estruturas de governança que tenham o propósito e o efeito de economizar num ambiente de racionalidade limitada, enquanto, simultaneamente, salvaguarda as transações contra os riscos do oportunismo (Ibid., p. xiii).

Em outra passagem muito reveladora e sugestiva, Williamson afirma que a Economia baseada em custos de transação considera a empresa (ou, por extensão, a organização econômica) como uma es-trutura de governança em vez de um processo (function) de produção (Ibid., p. 18). Os custos de transação são reduzidos pela submissão das transações a estruturas de governança (Ibid., p. 18). Outro trecho do trabalho de Williamson pode ser capaz de enriquecer essa decla-ração. Segundo o autor, a mais importante lição, para os propósitos do estudo das organizações econômicas, é esta: transações sujeitas a oportunismo ex post serão beneficiadas se para elas puderem ser delineadas garantias ex ante (Ibid., p. 48). Nesse ponto em particular, cabe ressaltar a importância de novas ferramentas legais, adminis-trativas e tecnológicas já disponíveis e que permitem o aumento da governança em processos de compras e contratações públicas, sobre os quais já há razoável experiência e mesmo literatura: mecanismos de transparência obrigatória (com divulgação de editais, contratos — inclusive os contratos de gestão — e pagamentos), sistemas de

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compras eletrônicas, pregão, cadernos de padronização de serviços, preços máximos de referência, pré-qualificação de fornecedores e de candidatos a concursos, entre outros.

Um último aspecto do trabalho de Williamson que merece ser destacado quando se fala em racionalidade econômica em compras públicas, para que não se confunda essa expressão, como muito se faz com a submissão automática a propostas de menor preço, são as dimensões principais segundo as quais as transações diferem. São elas a especificidade do ativo, a incerteza e a frequência, sendo a primeira a mais importante delas (Ibid., p. 52). Segundo esses critérios, quanto menos específico o objeto da contratação e mais frequente sua necessidade, maiores as vantagens da terceirização. O Quadro 6.1 apresenta uma simplificação das ideias apresentadas no trabalho do autor, registrando apenas os extremos de uma escala que, no dia a dia do gerenciamento das organizações, apresenta-se muito mais complexa e com inúmeras situações mistas e combinadas.

Quadro 6.1 Matriz de decisão sobre a composição dos contratos da organização

INCERTEZA

BAIXA MÉDIA ALTA

ESPECIFICIDADEDOS ATIVOS

BAIXA

MÉDIA

ALTA

Mercado Mercado Mercado

Contrato Contrato ou Integração Vertical

Contrato ou Integração Vertical

Contrato Contrato ou Integração Vertical

Contrato ou Integração Vertical

Fonte: Williamson, O. (1995).

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Fica claro que, além das restrições da falta de racionalidade do comportamento humano, sempre presente na questão das contra-tações, a disponibilidade de fornecedores, a especificidade, o caráter estratégico do objeto da contratação e o volume de compras são importantes para a decisão sobre contratar no mercado ou fazer internamente.

Apresentamos a seguir uma visão gráfica e sintética dos pontos centrais da NEI abordados acima.

Figura 6.2 Componentes e condicionantes da governança de custos na NEI

AMBIENTE INSTITUCIONAL

• Aparanto Legal• Tradição• Cultura

CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DAS TRANSAÇÕES

• Especificidade• Risco• Frequência

CONTRATOS

FORMAS RESULTANTES DE

GOVERNANÇA MINIMIZADORAS DE

CUSTOS DE TRANSAÇÃO

PRESSUPOSTOSCOMPORTAMENTAIS

• Oportunismo• Racionalidade Limitada

Fonte: Adaptado de Zylberztajn (1995).

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Em resumo, a diversidade contratual é imprescindível para o setor público, e devem ser escolhidos modelos de articulação e governança que reduzam os custos de transação e respeitem o am-biente institucional, reconsiderem as fragilidades comportamentais do ser humano e as características básicas das transações. Se possível, devem ser empregados mais ciência, mais experimentação e menos ideologias e sectarismos.

6.5 COMENTÁRIOS FINAIS

Neste tópico final, gostaríamos de destacar brevemente algumas das mais importantes implicações do tema e do contexto atual da contratualização para a gestão de pessoas no setor público, apresen-tadas esparsamente ao longo do capítulo.

Permitimo-nos fazê-lo na forma de minitópicos ou “aforismos” para tornar sua leitura mais dinâmica:

(1)Os órgãos da administração pública são contratantes e comprado-

res da maior importância na economia. Os contratos e a contratua-lização merecem, portanto, ser tratados como uma de suas funções centrais. O setor público depende dos contratos para orientar e determinar obrigações e prestações específicas de funcionários, concessionários, conveniados, prestadores de serviços, entre outros parceiros e colaboradores. Assim, quem não sabe contratualizar com terceiros, não o sabe igualmente com o pessoal próprio. Quem não estabelece compromissos com contratados, provavelmente não os tem com seus próprios colaboradores. Em contrapartida, quem tem o costume de encarar as relações de trabalho como contratos

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estabelecidos em bases claras, julgará estranho que a instituição não os tenha com seus controladores, parceiros e prestadores de serviço.

(2)Como a contratualização afetará toda a forma de trabalhar da

organização, se não for possível a participação das áreas responsáveis pelas políticas de gestão de pessoas, como normalmente ocorre, ao menos os impactos para as decisões da área devem ser pensados desde o início do processo. A concepção de uma política de recur-sos humanos depende de clareza sobre a matriz institucional de fornecedores e colaboradores e da natureza dos contratos que serão firmados com eles. Disso depende o balanceamento de todas as funções de recursos humanos: fazer ou contratar; pessoal próprio ou de terceiros contratados, credenciados ou conveniados; determinar quais atividades terceirizar e quais cargos e carreiras permanecem e devem ser fortalecidos; estabelecer quais competências devem ser desenvolvidas se a organização ampliar seu feixe de contratos; definir as implicações nas demais funções de RH, como recrutamento, sele-ção e concursos; gerir carreiras; formação e desenvolvimento; avaliar desempenho; e remunerar. Entendendo que o interesse público não é monopólio de qualquer grupo, cabe aos gestores de pessoas e às áreas de gestão de RH a competência de tornarem-se estratégicos pela capacidade de avaliar a legitimidade, a oportunidade, e de se adaptar rapidamente à combinação contratual de sua organização. A “matriz” de possibilidades de contratações, de pessoal estatutário, “celetista”, cargos de “livre provimento”, terceiros e “terceirizados”, OSs, PPPs, convênios e credenciamentos, alternativas pouco estuda-das e explicitadas, até por preconceito, receio ou corporativismo, é tema fundamental para o estabelecimento de uma política de gestão de pessoas que mereça esse nome.

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(3)A confusão em matéria organizatória apresenta repercussões prá-

ticas imediatas, pois (a) estimula demandas judiciais, (b) engendra indefinição de limites de agir dos órgãos e entidades públicas; (c) promove atrasos no processo decisório da administração; (d) inibe os administradores a adotarem iniciativas criativas de gestão, com receio da responsabilização posterior; (e) acrescenta custos desneces-sários no desenvolvimento de serviços públicos e sociais da maior significação pública. (CUNHA Jr, 2011, p. 5).

(4)O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE),

de 1995 (BRASIL, 1995), parte de algumas perguntas básicas: 1) Qual a missão desta entidade? 2) O Estado deve se encarregar dessa missão e das respectivas atividades envolvidas? 3) Quais podem ser eliminadas? 4) Quais devem ser transferidas da União, para os estados ou para os municípios? 5) E quais podem ser transferidas para o setor público não estatal? 6) Ou então para o setor privado? Não parece possível responder a essas perguntas para o Estado ou o governo como um todo, em qualquer dos níveis ou poderes. Mas, dada uma organização específica, com autonomia administrativa suficiente para tal, parece bastante razoável ao menos refletir sobre essas questões na definição de suas estratégias e estrutura.

(5)Mas resta a insegurança jurídica para os gestores, sem dúvida.

Normalmente, a autorização legal dando autonomia a um órgão ou empresa pública para praticar atos de gestão administrativa e empresarial começa com a fatídica expressão: “Ressalvados os casos previstos em lei...” Qual a segurança jurídica dos gestores? Pouca ou nenhuma. Assim, autonomia especial eventualmente dada às

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organizações por meio da assinatura de contrato de gestão, inclusive na gestão de RH, termina por não ter o efeito esperado. As ressalvas mencionadas deixam enormes espaços para a reação dos interesses conservadores, legítimos e ilegítimos.

(6)Em resumo, a diversidade contratual é imprescindível para o setor

público e devem ser escolhidos modelos de articulação e governança que reduzam os custos de transação e respeitem o ambiente insti-tucional, que considerem as fragilidades comportamentais do ser humano e as características básicas das transações. É muito difícil, no entanto, assim como foi e ainda é no Reino Unido a recuperação do Civil Service, implantar a gestão estratégica e sistêmica de pessoas, bem como qualquer inovação de maior impacto nessa área, sem uma revisão mais abrangente dos marcos legais e institucionais brasileiros.

6.6 REFERÊNCIAS

ANDREWS, C. W.; BARIANI E. Administração pública no Brasil: uma breve história política. São Paulo: Editora Unifesp, 2010.

BRASIL;. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro e 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal. Disponível em: <planalto.gov.br>. 10 jan. 2002.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Relatório Final do Anteprojeto de Lei Orgânica da Ad-ministração Pública Federal e Entes de Colaboração. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/ seges/comissao_jur/arquivos/090729_seges_Arq_leiOrganica.pdf.>.

| 224 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

COASE, R. The Nature of the Firm. Economica, New Series, vol. 4, n. 16, p. 386-405, nov. 1937.

CUNHA Jr., L. A. P.. Taxonomia dos orgãos e entidades da administração pública federal e de outras entidades e instrumentos de implementação de políticas públicas. In: IV CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA. Brasilia, 25-27 maio 2011.

DI PIETRO, M. S. Z.. Contratos de gestão. Contratualização do controle administrativo sobre a administração pública e sobre as organizações sociais. Revista da Procuradoria Geral do Estado, São Paulo, 1996.

GHELMAN, S.. A contratualização de resultados no âmbito da administração pública federal brasileira: a experiência do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. 2012.

JOHNSON, B. B. et al. Serviços públicos no Brasil: mudanças e perspectivas. São Paulo: Editora Edgard Blücher: 1996.

KEINERT, T. M. M.. Administração pública no Brasil: crises, mudanças de paradigmas. São Paulo: Annablume, 2007.

LOUREIRO, M. R.; ABRUCIO, F. L.; PACHECO, R. C. Burocracia e política no Brasil — Desafios para o Estado demo-crático no século XXI. Sao Paulo: FGV, 2010.

MODESTO, P.; CUNHA, L. A. P. (Coord.) Terceiro setor e parcerias na área de saúde. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

PERDICARIS, P. R.. Contratualização de resultados e desem-penho no setor público: a experiência do Contrato Programa nos hospitais da Administração Direta no Estado de São Paulo. São Paulo, 2012.

PIRES, A. K.. Experiência Brasileira em Contratualização. 2012.PRIBERAM. Dicionário Priberan da Língua Portuquesa. Lisboa,

2010. Disponível em:<http://www.priberam.pt>.

CONTRATUALIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS............................ NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA | 225 |

BRASIL. Câmara da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma, 1995.

THE WORLD BANK. Doing Business in Brazil, 2006.VILHENA, R. et al. (Orgs.). O choque de gestão em Minas

Gerais: política de gestão pública para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

WILLIAMSON, O. E. The Economic Institutions of Capita-lism. Nova York: The Free Press, 1985.

WORLD ECONOMIC. The Global Competitiveness Report, 2011–2012.

ZYLBERSZTAJN, D. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das Instituições. Tese (Livre Docência) — Departamento de Administração da Fa-culdade Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), São Paulo, 1995.

CAPÍTULO 7

Terceirização e gestão de pessoas no setor público

HÉLIO JANNY TEIXEIRADoutor e Livre-docente em Administração pela

FEA-USP e professor da mesma instituição. LETICIA QUEIROZ DE ANDRADE

Doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora na mesma universidade.

LUIZ PATRÍCIO CINTRA DO PRADO FILHO Economista pela FEA-USP e consultor da Fundação Instituto de Administração (FIA).

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃOAdministrador pela FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Administração (FIA).

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 229 |

A terceirização, comumente entendida como a contratação de uma pessoa jurídica para a prestação de serviços a outra pessoa jurídica, não é fenômeno recente e seu ingresso na estrutura das organizações do Estado visa à descentralização de atividades ope-racionais, à eficiência de gestão e à economicidade, objetivos que correspondem a diretrizes legais aplicáveis à administração pública.

No entanto, diversamente do que ocorre na esfera privada, na qual vigora o princípio da autonomia da vontade, a administração pública exerce função regida por disposições normativas, além de estar submetida a uma série de controles que acarretam impactos no campo da terceirização.

Portanto, a terceirização deve ser tratada de forma distinta na administração privada e na pública, embora a justificativa para sua aplicação seja a mesma em ambos os setores: proporcionar ganho em eficiência e economicidade.

Para tanto, não basta terceirizar, já que esse processo não é sinô-nimo de economicidade e eficiência. É necessário definir, de acordo com as peculiaridades de cada organização, quais atividades devem ser ou não objeto de terceirização, as condições nas quais serão pro-cessadas e contratadas as atividades a serem terceirizadas e, por fim, os parâmetros para o acompanhamento e controle dessas atividades.

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A terceirização não é recente na história da humanidade. Sabe-se que mesmo os pintores clássicos, que assinavam individualmente seus quadros, contratavam estúdios especializados em segmentos diversos, como o de instrumentos musicais, de animais, para facilitar o seu trabalho. Quem cuida da informática e do processamento de dados do Pentágono e da CIA? Uma empresa privada! Trata-se, portanto, de uma velha questão técnica: fazer internamente ou contratar fora?

Ocorre que, na área pública, o assunto ganha maior complexi-dade. Há grupos que veem a terceirização como um instrumento neoliberal, decorrente do consenso de Washington e voltada à con-figuração do Estado mínimo. Trata-se de um exagero, sem nenhum fundamento histórico. A despesa pública tem crescido em todos os países, com pouquíssimas exceções, independentemente de pri-vatizações, terceirizações e adoção de outras medidas congêneres.

Na ponta oposta da polêmica, também há concepções taxativas e errôneas, segundo as quais o Estado sempre trabalha mal ou pior do que as empresas privadas e, portanto, a terceirização automaticamen-te elevaria a eficiência. As privatizações já demonstraram que nada funciona bem se não for bem administrado, seja público ou privado.

A terceirização deve ser vista como uma opção a ser adotada quando fundamentada em amplo planejamento que deve resultar das respostas às seguintes questões: (i) o interesse público será mais bem atendido por meio da promoção de concursos para contratação de empregados para realizar determinada atividade ou por meio da terceirização do serviço? (ii) haverá ganho de eficiência com a tercei-rização? (iii) a terceirização trará economicidade? (iv) as atividades podem ser legalmente terceirizadas?

Assim, a resposta à questão “Vamos contratar mais funcioná-rios ou terceirizar certas atividades?” não deve ser resumida, como

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 231 |

costumam fazer os críticos de ambos os lados, a uma suposta decisão entre inchar a máquina ou destruí-la, perdendo-se inteligência e capacidade executiva.

O presente trabalho busca distanciar-se desse cenário de po-larizações, por meio de uma abordagem mais científica acerca do instituto da terceirização. Parte-se, portanto, do reconhecimento de que a gestão, sobretudo pública, não é algo simples. A “solu-ção ótima” não tem uma fórmula fixa e universal, pois tal solução exige análise do contexto econômico, social e jurídico, e envolve necessariamente aprimoramento tanto da máquina pública, ou seja, das relações internas, quanto das terceirizações e outras formas de contratação externa.

Por um lado, não há como terceirizar bem sem um bom plane-jamento e controle do processo; por outro lado, não se deve realizar concurso público simplesmente para “completar os quadros”. O conjunto, o composto, a organização societária, envolvendo Estado, mercado e sociedade devem melhorar suas articulações para que se efetivem progressos verdadeiros e de fato ocorra a defesa do interesse público, acima de ilusões e ideologias.

7.1CARACTERÍSTICAS E AVALIAÇÃO DA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS NA ÁREA PÚBLICA E OS

REFLEXOS NA TERCEIRIZAÇÃO

Segundo o relatório de “Avaliação da Gestão de Recursos Hu-manos no Governo: Brasil 2010” (OCDE, 2010), da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), “cerca de 40% da força de trabalho do governo federal supera 50 anos e

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logo vai se aposentar” e, portanto, é preciso definir uma estratégia de longo prazo “baseada numa visão sólida” e “integrada nos es-forços globais de reforma de gestão pública” (OCDE, 2010, p.11; 21). O relatório ressalta ainda que, atualmente, a gestão de recursos humanos do governo federal tende a concentrar mais esforços no controle do cumprimento das regras e normas básicas, com pouco espaço para a gestão estratégica baseada em competências e desem-penho. Reconhece-se no documento, portanto, que o planejamento estratégico do pessoal deve ser prioridade.

Fica evidente pelo estudo que a gestão de recursos humanos, ou a própria modernização das práticas nessa área, não é tarefa fácil, considerando o sistema de composição do quadro de pessoal do serviço público brasileiro.

O próprio relatório reconhece que existem muitos impedi-mentos para a gestão estratégica de recursos humanos no governo federal, entre eles: “o quadro de servidores é bastante rígido e não permite muita mobilidade”; “os servidores são contratados em uma carreira [específica] e devem fazer concursos para mudar de carreira”; e se forem identificadas novas necessidades o governo deve preencher somente com a realização de novos concursos (OCDE, 2010, p. 74-75). Isto porque, em caso de investidura em determinada carreira pública, torna-se inconstitucional a realocação de servidor em cargos integrantes de outra carreira, ou mesmo o deslocamento do próprio cargo para outro órgão ou ente público. Ou seja, não é possível a mudança de cargo, numa hipótese de alteração nas atribuições do servidor, sem a previsão de concurso para o novo cargo pretendido.

Além desses pontos, o relatório destaca que:

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A mobilidade é limitada pelo fato de que muitas categorias estão estreitamente definidas e são espe-cíficas para ministérios individuais ou agências, até mesmo para funções semelhantes, sem qualquer sistema de classificação geral que permitiria deter-minar posições equivalentes entre os ministérios.[...] as funções e atributos de cada carreira são defi-nidos por meio da legislação e tendem a ser interpre-tadas estreitamente. O resultado é que os servidores públicos têm posse efetivamente em uma posição individual e é virtualmente impossível transferir pessoal disponível para outro ministério.Os concursos parecem ser relativamente rudimenta-res na maioria dos casos devido à interpretação res-tritiva da cláusula constitucional relevante. (OCDE, 2010, p. 177)

Como então prover serviços e atender às necessidades deman-dadas sem ter condições estruturais de gerir seu quadro de recursos humanos?

Surge nesse cenário a possibilidade de minimizar os reflexos de tais impedimentos com a terceirização. Nesse aspecto, o relatório da OCDE destaca que: “Muitos países membros da OCDE au-mentaram a terceirização, dado que esta é, por vezes, considerada mais eficiente do que a mão de obra do setor público para deter-minadas atividades e mais flexível”. O mesmo documento ressalta, porém, que, de acordo com a experiência desses países, devem-se considerar, na decisão de terceirizar, os “investimentos internos no acompanhamento dos contratos” e a necessidade de tornar “legível”

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a prestação de serviços de tal forma que permita o acompanhamento das unidades contratantes (2010, p. 71).

Dessa forma, a OCDE coloca que as “Decisões sobre terceiriza-ção devem ter participação do planejamento da força de trabalho e serem descritas nos diversos documentos de prestação de contas”. (OCDE, 2010, p. 84)

Apesar de considerar que a “questão da subcontratação é com-plexa e politicamente complicada no Brasil”, a OCDE (2010, p. 184-185) conclui que:

[...] a administração federal do Brasil se beneficiaria de uma política menos restritiva relativa ao uso de prestadores de serviço externos, mas com planeja-mento transparente das atividades a serem terceiri-zadas e uma lógica clara exposta.

Para tanto, o relatório da organização (OCDE, 2010, p. 184- -185) esclarece que:

A terceirização não deve ser vista, porém, como uma meta política em si mesma e não deve haver nenhum objetivo a este respeito. Ao invés disso, as organizações federais deverão ser encorajadas e auxiliadas a desenvolverem políticas organizacio-nais específicas para maior uso dos prestadores de serviço externos. Um modo para fazer isto seria montar uma rede igualitária para a terceirização dentro da administração federal. Por meio de uma rede igualitária, as diferentes organizações federais

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 235 |

poderiam trocar experiências e prover apoio mú-tuo. Há grupos de trabalhadores que trabalham para prestadores de serviço externos chamados de “trabalhadores terceirizados irregulares”. Parece ra-zoável assumir que, para alguns postos, o motivador principal não foi o melhor custo ou patronato, mas a necessidade de acessar competências especializadas que não podem ser adquiridas pelo atual sistema de carreiras e concursos. Neste caso, soluções mais sofisticadas precisam ser estabelecidas para ter acesso a essas habilidades dado que simplesmente proibir tais contratações privará as administrações de habi-lidades necessárias.

Por tudo que se disse, parece importante tanto retirar a discussão da terceirização exclusivamente do campo ideológico, colocando-a igualmente no campo técnico, quanto entender que não se pode terceirizar “com qualidade” sem o fortalecimento das próprias car-reiras técnicas do serviço público, cujos ocupantes serão responsáveis pela especificação, consumo e avaliação dos serviços terceirizados, bem como pela gestão dos respectivos contratos.

7.2 PRINCIPAIS MARCOS NORMATIVOS DA TERCEIRIZAÇÃO NA ÁREA PÚBLICA

A primeira referência legal quanto à terceirização na área pública é apresentada pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, o qual, no § 7º de seu artigo 10, assim dispõe:

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Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.[...]§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de pla-nejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesu-rado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material das tarefas executivas, recorrendo, sempre que possí-vel, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista na área iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada para desempenhar os en-cargos de execução.

Podemos notar que o preceito legal, ainda em vigência, abre amplas possibilidades de terceirização, embora não conceitue com precisão o que significa “realização material das tarefas executivas”.

Posteriormente, veio a Lei Federal nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, que, em seu art. 3º, parágrafo único, já revogado pela Lei 9.527/97, definia atividades que deveriam, preferencialmente, ser executas de forma indireta, nos seguintes termos:

As atividades relacionadas com transporte, conser-vação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o artigo 10, § 7º, do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 (Revogado com atualização das atividades pelo Decreto 2.271/97).

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 237 |

Já a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, XXI, pre-vê, expressamente, a possibilidade de contratação de serviços pela Administração, como forma de terceirização de determinadas ati-vidades, impondo, para tanto, o dever de licitar. Confira-se o teor do dispositivo:

XXI - ressalvados os casos especificados na legisla-ção, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os con-correntes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente per-mitirá as exigências de qualificação técnica e eco-nômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

De forma a regulamentar esse inciso, foi editada a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que foi categórica em prever a possibilidade de execução indireta de serviço pela Administração, nos termos dos artigos 6º e 10:

Art.6º. Para os fins desta Lei, considera-se:[...]VIII Execução indireta ‒ a que o órgão ou entidade contrata com terceiros sob qualquer dos seguintes regimes: a) empreitada por preço global ‒ quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total;

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b) empreitada por preço unitário quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas;Art.10. As obras e serviços poderão ser executados nas seguintes formas: I - execução direta;II - execução indireta, nos seguintes regimes: a) empreitada por preço global;b) empreitada por preço unitário;c) (Vetado);d) tarefa;e) empreitada integral.

Tal diploma normativo não só previu a possibilidade de a Ad-ministração executar serviços de forma indireta, como meio de terceirização, mas, também, estabeleceu de que maneira se efetivará a contratação, o que, como regra, será por meio de licitação.

Nesse ponto vale uma observação, tendo em vista o tratamento diferenciado que é dado à matéria quando se fala de empresas pú-blicas e sociedades de economia mista que desenvolvem atividade econômica.

Embora a Lei nº 8.666/93 estabeleça normas gerais sobre li-citações e contratos administrativos, aplicáveis à administração direita e indireta, o art. 173, § 1º, da Constituição Federal, prevê a possibilidade de as empresas públicas e as sociedades de economia mista, exploradoras de atividade econômica, adotarem um regime próprio de licitação e contratação, distinto do estabelecido na Lei nº 8.666/93, inclusive para serviços, o que repercute, portanto, também nas terceirizações.

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 239 |

Por fim, como marco normativo da terceirização, vale mencionar o Decreto n° 2.271, de 7 de julho de 1997, que procurou estabelecer uma política de terceirização para a administração pública federal di-reta, relacionada às “atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituam área de competência legal do órgão ou entidade” (Art. 1º, caput). Tal diploma norma-tivo prevê a aplicação preferencial da terceirização às atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transporte, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações. No entanto, o Decreto veda a terceirização no caso de atividades inerentes às categorias funcio-nais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, posição consagrada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

7.3 A SÚMULA Nº 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST)

Os conflitos entre locação de mão de obra e proteção dos direitos do trabalhador ficam evidentes na leitura da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Essa súmula deu mais flexibilidade à súmula anterior sobre o assunto, a 256 de 22/09/1986, que restringia a terceirização para o trabalho temporário e serviços de vigilância.

Vejamos alguns itens da Súmula nº 331, de 17 de dezembro de 1993, do TST:

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo empre-gatício diretamente com o tomador dos serviços,

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salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 07/01/74).II – A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II da Constituição da República).III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº. 7102, de 20-06-83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.

No Decreto n°2.271/97 é apontada a necessidade de regula-mentação específica para administração indireta no que tange à contratação de serviços, como disposto no Art. 9º:

As contratações visando à prestação de serviços, efetuadas por empresas públicas, sociedades de eco-nomia mista e demais empresas controladas direta ou indiretamente pela União, serão disciplinadas por resoluções do Conselho de Coordenação das Empresas Estatais – CCE.

Mas essa regulamentação nunca aconteceu. O CCE, que deveria cuidar da regulamentação das contratações de prestação de servi-ços nos entes integrantes da administração indireta foi desativado em 1998. Diante desse fato, o próprio TCU recomenda como

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providência a ser tomada por parte do Departamento de Coor-denação e Governança das Empresas Estatais (DEST), mesmo reconhecendo que não foram transferidas a esse órgão as atribuições do antigo CCE, a regulamentação da contratação de serviços na administração indireta, nos seguintes termos:

[...] recomendar ao Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que adote pro-vidências no sentido de regulamentar as contratações visando à prestação de serviços, efetuadas por empre-sas públicas, sociedades de economia mista e demais empresas controladas direta ou indiretamente pela União, competência prevista no art. 9º do Decreto nº 2.271/97, informando ao Tribunal os resultados obtidos. (TCU, 2010, p. 9-10)

Apesar das recomendações do TCU, até hoje a matéria não foi regulamentada pelo DEST. Sendo assim, o TCU acabou aplicando, para a administração indireta, por analogia, o Decreto n° 2.271, de 7 de Julho de 1997, e a Súmula TST n° 331, que reservam as funções relacionadas à atividade-fim da entidade exclusivamente a empregados concursados em respeito ao mandamento expresso no Art. 37, inciso II da Constituição Federal de 1988.

Fica evidente que a aplicação analógica dos regramentos da adminis-tração direta para as empresas mistas configura-se como um retrocesso.

Em síntese, temos que, de acordo com a regulamentação atual, a terceirização na administração pública é reconhecidamente lícita se seguir os seguintes preceitos:

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•  Terceirizar serviços especializados ligados à atividade-meio e não à atividade-fim do tomador (Súmula n° 331, III, TST).•  Não se estabelecerem relações de subordinação direta e pes-soalidade entre agentes públicos e empregados da empresa terceira contratada (Súmula n° 331, III, TST).•  Terceirizar atividades que não sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo Plano de Cargos e Salários (art. 1°, § 2, Decreto 2.271/97). Todas essas restrições surgem, entre outras razões, para evitar

que a terceirização seja utilizada como meio de “burlar” o concurso público. Consagrado no art. 37 da CF/88, o concurso é tido como o único meio de composição do quadro de pessoal na administra-ção direta e indireta, com exceção aos cargos comissionados e aos contratos temporários, conforme segue:

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Fe-deral e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I - os cargos, empregos e funções públicas são aces-síveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 243 |

para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Em virtude da regra constitucional acima exposta, que impõe a aprovação em concurso público como condição para acesso a em-pregos e cargos públicos, a constitucionalidade da terceirização de-pende de que se trate, efetivamente, de uma contratação de serviços, configuração que deve ser espelhada no correspondente contrato.

7.4 A IMPOSSÍVEL DISTINÇÃO ENTRE ATIVIDADE-FIM E ATIVIDADE-MEIO

De acordo com a literatura, a atividade-meio encontra no cam-po legal sua principal limitação conceitual. Isso porque é com base no que se entende por atividade-fim que se orienta o sentido do que deve ser reconhecido como atividade-meio na administração. Para Oliveira e Brizola (2010), a atividade-meio deve ser entendida como o caminho a ser percorrido para atingir o objetivo final da organização. Dessa forma, a atividade-meio não se concentra no núcleo de empreendimento na qual estão inseridas as atividades--fim que, por sua vez, estão relacionadas ao objeto principal da organização.

Ainda assim, alguns autores esclarecem que as atividades--meio são todas aquelas que não estão relacionadas à missão e objetivos estratégicos da organização, denominadas também como “atividades acessórias”. São exemplos de atividades-meio, consagradas pela legislação, segurança, limpeza e conservação, manutenção predial.

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Já no ponto de vista jurídico, como apresenta Maurício Go-dinho Delgado, a diferenciação desses conceitos está definida da seguinte forma:

Atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajus-tam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posi-cionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posiciona-mento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essên-cia da dinâmica empresarial do tomador dos servi-ços. (DELGADO apud SALVINO; FERREIRA, 2009, p. 129)

As citações apenas ilustram quão infrutíferos são os esforços para a distinção entre atividade-fim e atividade-meio.

Além disso, como considera Marques Neto (2000), o campo do Direito, muitas vezes, tenta classificar alguns termos com o intuito de torná-los mais didáticos, porém, às vezes são gerados “efeitos

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 245 |

colaterais”, pois as palavras adquirem vida própria, tornando-se verdades inquestionáveis. Para o autor, esse fato é, claramente, o que ocorre com a distinção entre atividade-meio e atividade-fim. Marques Neto esclarece que a classificação confusa surge da Justiça Trabalhista, com a Súmula TST 331, que dispõe sobre o não esta-belecimento de vínculo empregatício com a contratação de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. Para o autor, essa distinção não é possível, pois:

No mundo hodierno, pautado pela especialização e sinergia das atividades econômicas e, de outro lado, pela sofisticação tecnológica, coloca-se praticamente impossível distinguir o que seja e o que não seja atividade-meio. (MARQUES NETO, 2000, p. 72)

Nesse sentido, Robortella (1998, apud OLIVEIRA; BRIZOLA, 2010, p. 6) mostrou-se também categórico ao demonstrar a comple-xidade dessa definição: “Há atividades-fim que, ao mesmo tempo em que dependem da orientação tecnológica, podem converter-se em atividades-meio e vice-versa [...]”.

Consideramos, portanto, que os esforços da literatura em con-ceituar atividade-fim e atividade-meio são inconclusivos e abarcam conceitos vazios e imprecisos do ponto de vista da teoria da admi-nistração.

O próprio TCU, ao longo do relatório já mencionado, demons-tra algumas tentativas de conceituar atividade-fim, com destaque para os trechos a seguir: “constitui a área de competência legal ou a missão institucional da empresa” (TCU, 2010, p. 3); “atividades dos principais atores dos macroprocessos decisórios da empresa

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[...] e aquelas que, independentemente da complexidade em sua execução, interferem diretamente, positiva ou negativamente, nas atividades estratégicas” (TCU, 2010, p. 21). Notem-se as dificul-dades: “missão institucional”, “macroprocessos”, “atividades que interferem diretamente nas atividades estratégicas” são definições tão imprecisas e tão amplas, envolvendo certamente porções tão majoritárias das organizações, que podem abarcam praticamente qualquer tipo de atividade.

Porém, em consonância com o que afirmamos, o TCU também considera que há certo grau de subjetivismo nessas definições, de-mandando um olhar caso a caso, e que caberia, no caso específico, à própria empresa examinada definir o que é atividade-fim ou atividade-meio em seus processos, como dispõe o trecho a seguir:

[...] a definição de atividade-fim possui certo grau de subjetivismo, podendo gerar questionamentos por parte dos gestores. (TCU, 2010, p. 4)[...] seria a própria empresa a mais habilitada para definir materialmente o que venha a ser atividade--meio ou fim em seus processos”. (TCU, 2010, p. 21)

Podemos concluir, então, que a tentativa de diferenciar atividade--meio de atividade-fim é infrutífera e até prejudicial para o debate, seja pela imprecisão, seja pela inadequação de foco e até desrespeito aos avanços do funcionamento das organizações, podendo, somente de forma casuística, serem determinadas as hipóteses passíveis de terceirização, por meio de um planejamento bem estruturado, em-basado em estudos técnicos elaborados para tanto.

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 247 |

7.5 O MARCO NORMATIVO INADEQUADO E O CONTRASSENSO DA APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO

POR ANALOGIA PARA ORGANIZAÇÕES INTRINSECAMENTE DIFERENCIADAS EM SEU

NASCEDOURO INSTITUCIONAL

Para a administração indireta, não há na Constituição Federal de 1988 a proibição de contratação de serviços de terceiros cuja atividade esteja refletida no plano de cargos e salários do órgão em questão. O que de fato existe é uma restrição aplicada pelo Decreto n° 2.271, 7/7/1997, que se dirige à administração pública federal direta, autárquica e fundacional, como disposto abaixo:

Art. 1º No âmbito da Administração Pública Fe-deral direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangi-das pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

Em falta de normatização específica, é replicada a proibição colocada pelo Decreto n° 2.271/97 para as empresas públicas e

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sociedades de economia mista, como no caso da Petrobras. Esse fato é considerado no relatório de auditoria do TCU (2010, p. 35):

“[...] propor que o TCU firme entendimento no sentido de que, até a devida regulamentação do art. 9° do Decreto n° 2.271/97, aplicam-se às estatais, por analogia, as disposições daquele decreto dirigidas à Administração Direta.”

Há, portanto uma interpretação abusiva quanto ao que é estabe-lecido nos marcos legais. Em vez de se apontarem as discrepâncias jurídicas, opta-se por fazer analogias e “legislar” mediante instru-mentos próprios como as súmulas, a exemplo da Súmula 331.

Reforçando a ideia de que o modelo de gestão das sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica deve ser, por definição, diferenciado, e, portanto, submetido a regras próprias distintas das aplicáveis à administração direta, o estudo da OCDE comentado anteriormente aponta as grandes amarras e problemas na gestão de pessoal na administração direta, ao mesmo tempo em que, recorrentemente, a Petrobras é apontada como benchmark de gestão em geral, e de RH em especial. Então, apenas como exemplo, por que pressionar a Petrobras a se enquadrar em modelo pior que o da própria empresa? Nesse contexto, “o sucesso pode estar exata-mente no desvio”. Ressalte-se que, enquanto a realidade econômica, tecnológica e mesmo a social mudam de forma vertiginosamente rápida, exigindo das corporações modernas adaptações, às vezes radicais, em horizontes de poucos anos, cada servidor público está-vel, contratado por concurso, representa o estabelecimento de um pacto trabalhista com um horizonte em torno de 50 a 70 anos, se

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considerarmos todos os passivos envolvidos. Multiplique-se isso por dezenas de milhares de “primeirizações” recomendadas, e pode-se ter uma noção do impacto esperado.

É evidente que o arcabouço jurídico, aplicado de forma ana-lógica à regulamentação da administração direta, gera conflitos e ambiguidades para o funcionamento das empresas, representando, sem dúvida, se aplicado automaticamente, um grande retrocesso.

Reconhece-se que a tentativa do TCU de estabelecer diretrizes, inclusive para poder exercer seu trabalho com base nos referenciais legais existentes, ainda que patentemente inadequados, surge em função da falta de atuação do Poder Executivo, seja por meio da antiga CCE (extinta), da Secretaria de Controle das Empresas Esta-tais (SEST), do DEST ou mesmo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), aos quais, em diversos momentos, foi delegada a incumbência de desenvolver regulamentação específica da matéria, aplicável às empresas estatais e de economia mista, com impactos em estados e municípios.

7.6 A IMPRODUTIVIDADE DA TENTATIVA DE LEGISLAR SOBRE A “CONCEITUAÇÃO” DA ATIVIDADE

PASSÍVEL DE TERCEIRIZAÇÃO

Por toda a análise desenvolvida neste capítulo, percebe-se que as tentativas de produzir definições universalmente aplicáveis de atividade-fim, atividade-meio, atividade estratégica ou função es-sencial do Estado não têm respondido ao problema colocado e acabam por acrescentar novas limitações para a terceirização na administração pública — sejam essas tentativas oriundas do meio

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acadêmico, de juristas doutrinadores ou de instituições de quaisquer dos três poderes do próprio Estado.

A abordagem contingencial é um dos conceitos mais aceitos na administração contemporânea, mas ao mesmo tempo um dos que conta com menos experimentação, tanto científica, quanto em termos de ferramentas concretas de aplicação na prática.

Ainda assim, o que se produziu sobre o tema é suficiente para o entendimento da importância da consideração de inúmeros aspectos do contexto, antes negligenciados pelos administradores. Empre-sas de produtos de consumo de base tecnológica, como celulares e dispositivos de reprodução de música e vídeo (hoje, até mesmo convergindo entre si e com TV, rádio, computadores, GPS e outros), têm contextos muito diferentes de concessionárias de rodovias, de mineradoras ou empresas de energia; e as condições do sucesso para essas mesmas empresas mudam completamente se elas se mudarem da Finlândia para a Austrália ou da Nigéria para o Brasil, ou ainda se mudarem de região dentro do próprio país.

Uma implicação segura dessas constatações é que o planejamen-to, tanto quanto possível, deve ser adaptativo e mais permeável a reformulações. O ambiente econômico e tecnológico muda, sendo fundamental respeitar as contingências estratégicas e novos pre-ceitos, por exemplo, na gestão de pessoas. Uma empresa como a Petrobras está extremamente exposta a essas variações. Mudanças na matriz energética do País, nas regras ambientais, no estatuto das concessões e direitos de monopólio, na estrutura do seu capital, nas relações com investidores, entre muitas outras, devem merecer rápida resposta em suas estratégias empresariais e, consequente-mente, nos perfis de competências de boa parte do seu pessoal. É preciso manter a flexibilidade e a agilidade nas respostas. Por isso

TERCEIRIZAÇÃO E GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO | 251 |

mesmo, é importante estimular o hibridismo de modelos (por que generalizar alguns conceitos, hegemonizando-os, e eliminar outras possibilidades?), que atendam a todas ou a várias circunstâncias. Paralelamente, o gigantismo com retorno duvidoso (como o gerado pela generalização de um modelo de mão de obra estável) expõe o sistema público a deseconomias de escala e engessamento de ações que dificultam alterar prioridades e ênfases estratégicas.

Assim, o que hoje é essencial, amanhã pode ser acessório; o que hoje é atividade-fim, amanhã pode tornar-se meio; o que hoje pa-rece perene, amanhã torna-se transitório; o que hoje é volumoso, amanhã tende a ser escasso. Daí a grande dificuldade, improdu-tividade mesmo, da tentativa de generalizar e, pior, generalizar e posteriormente perenizar, conceitos rígidos sobre o que pode ou deve ser terceirizável.

7.7 BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: <http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_13.07.2010/CON1988.pdf>.

IMHOFF, M. M.; MORTATI, A. P. Terceirização, vantagens e desvantagens para as empresas. Revista Eletrônica de Contabi-lidade do Curso de Ciências Contábeis UFSM, Rio Grande do Sul, v. 2, n. 3, p. 82-94, jul. 2005.

OCDE. Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econô-micos. Avaliação da Gestão de Recursos Humanos no Governo: Brasil 2010 – Governo Federal. Traduzido pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Brasil. 2010.

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OLIVEIRA, L. J.; BRIZOLA, S. E. Garantias Constitucionais no Processo de Terceirização no Brasil. Disponível em: http://www.google.com.br/#sclient=psy&hl=pt-BR&source=hp&q= atividade-fim+atividade-meio+oliveira+brizola&aq=f&aqi=&aql=&oq=&pbx=1& bav=on.2,or.r_gc.r_pw.&fp=eeae143f5b62b708&biw=1024&bih=585 Acesso em: 1 ago. 2011.

SALVINO, M. R.; FERREIRA, S. R. Terceirização de serviços na administração pública e responsabilidade trabalhista. Revista Novatio Iuris, ano II, n. 3, p. 119-146, jul. 2009.

MARQUES NETO, F.A. A contratação de empresas para suporte da função reguladora e a “indelegabilidade do poder de polícia”. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 32, p. 74, 2000.

BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Rela-tório de Auditoria. TC 023.627/2007-5. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/ Arquivos/ dest/download/110214_acordao_tcu.pdf.

CAPÍTULO 8

Mensuração de desempenho no setor público: os termos do debate1

REGINA SILVIA PACHECODoutora em Desenvolvimento Urbano e Meio

Ambiente pela Université de Paris XII. Professora na EASP-FGV e coordenadora do mestrado profissional em gestão e políticas públicas da mesma instituição.

CAPÍTULO 8

2

1 Versão revista de trabalho apresentado no II Congresso CONSAD de Gestão Pública,

Brasilia, 2009 e publicado em Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v.14, n. 55, jul./dez. 2009.

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 255 |

8.1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é contribuir para a sistematização do debate sobre mensuração de desempenho no setor público. O tema é polêmico e sua implementação nas duas últimas décadas tem sido acompanhada de inúmeros artigos e estudos.

Para alguns autores, a mensuração de desempenho no setor públi-co é um dos pilares mais importantes da nova governança em torno do Estado-rede (GOLDSMITH, EGGERS, 2006; BEHN, 1995) e tem contribuído para o alcance de múltiplos objetivos, entre eles a transparência de custos e de resultados, a melhoria da qualidade dos serviços prestados e a motivação dos funcionários.. Para os críticos, no entanto, a mensuração do desempenho é transposição indevida de um instrumento desenvolvido para a gestão empresarial, que gera graves distorções quando aplicado ao setor público (DUNLEAVY; HOOD, 1994; HOOD, 2007).

Apesar da polêmica, as experiências de mensuração de desem-penho e contratualização de resultados têm-se expandido tanto em outros países como no Brasil; diferentes governos vêm enfrentando as dificuldades introduzidas por essa nova forma de gestão e procu-rando aperfeiçoar metas e indicadores.

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A mensuração de desempenho é central nas mudanças em curso. É o pilar de sustentação de duas das três inovações responsáveis pela melhoria das organizações públicas, segundo pesquisa comparada compreendendo sete países: a contratualização de resultados e o orçamento por produto aliado à contabilidade gerencial (JANN, REICHARD, 2002).2

Mensurar resultados é uma ferramenta que vem sendo parte de um conjunto abrangente de mudanças que incluem a revisão da macroestrutura do Estado e a criação de “arm’s lenght organizations” (agências e organizações públicas não estatais), a definição prévia de resultados a alcançar, a concessão de flexibilidades à organização que se compromete previamente com resultados, o reconhecimento do papel do public manager a quem é concedida maior autonomia e imputada nova responsabilização pelos resultados visados. Tais mudanças são acompanhadas, portanto, de uma nova distribuição de responsabilidades ou accountability por resultados.

A montante, tais inovações requerem o recurso ao planejamento estratégico a fim de que sejam clareados os objetivos e fixados os resultados visados; a jusante, novas formas de controle são desen-volvidas, menos baseadas no controle formal de procedimentos e mais voltadas à comparação de resultados obtidos por organizações similares, ou simplesmente objetivando maior transparência quanto ao uso dos recursos públicos por meio do acompanhamento dos resultados alcançados. Essa é também a base para o desenvolvimen-to de novas formas de relacionamento entre entidades públicas e parceiros — públicos, públicos não estatais ou privados.

2 Os países pesquisados, Dinamarca, EUA, Holanda, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia e

Suíça, têm diferentes histórias administrativas e contextos políticos. A terceira inovação identificada pela

pesquisa refere-se a mudanças nas relações de trabalho, diminuindo as diferenças entre os contratos

de trabalho nos setores público e privado e introduzindo flexibilidades na gestão de pessoas.

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 257 |

8.2 DUAS ORIENTAÇÕES DISTINTAS

Apesar de parte de a literatura remeter à gestão pública por re-sultados a uma única visão — a que enxerga a gestão privada como superior e quer introduzir seus métodos no setor público —, há autores que identificam pelo menos duas correntes distintas como fontes de inspiração das mudanças em curso.

Kettl (1997) organiza essas duas correntes em torno de dois lemas distintos: por um lado, make managers manage, reunindo países que criaram incentivos com o objetivo de influenciar comportamentos; por outro, let managers manage, expressando a visão de que há inú-meras barreiras a serem removidas, regras, procedimentos e estruturas rígidas que impedem o administrador público de administrar. No primeiro caso, a contratualização de resultados representa uma nova forma de controle, e vem acompanhada do estabelecimento de san-ções positivas e negativas; o país que levou mais longe tal perspectiva é a Nova Zelândia, com a primeira geração de reformadores. No segundo caso, o acordo de resultados é visto como instrumento de coordenação, ajuste e aprendizado organizacional; a experimentação, e não o controle, é a aposta para a melhoria do desempenho. Essa tem sido a marca das reformas na Austrália e Suécia.

De maneira similar, Jann e Reichard (2002) também fazem referência a dois grupos de inspiração distinta, ao analisar a con-tratualização de resultados. Os autores identificam um dos grupos como os defensores da eficiência (ou minimizadores do custo), o outro como reformadores em busca da melhoria de desempenho do setor público (maximizadores dos resultados). O primeiro grupo recorre a mecanismos de punição e recompensas de acordo com o desempenho alcançado; o segundo tem como alvo o aprendizado

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baseado em relações de confiança como caminho para alcançar melhores resultados. Os autores identificam a escolha racional e a teoria da agência como referência do primeiro grupo, ao adotar o contrato de resultados como um novo instrumento de controle para enfrentar o problema do comportamento maximizador do autoin-teresse; na segunda vertente, é destacado o comportamento cívico dos agentes, que dá sustentação à lógica do aprendizado mútuo.

Trosa (2001) também destaca diferentes perspectivas acerca da mensuração de resultados e seu uso por diferentes países e governos. Suas análises são análogas às já citadas. No caso do uso radical da mensuração e contratualização de resultados como nova forma de controle, a autora vê o risco de um novo formalismo e rigidez. Após ter acompanhado a experiência de vários países, Trosa conclui que os resultados são melhores quando as metas são negociadas (e não impostas unilateralmente) e quando as flexibilidades são concedidas tendo metas a alcançar como contrapartida.

As orientações sobre o tema são tão distintas que levaram alguns autores a defender a existência de uma forma de “mensuração de desempenho à la nórdicos”.3 Para eles, a perspectiva nórdica afasta-se da anglo-saxã, já que esta associa desempenho a incentivos finan-ceiros individuais, enquanto que aquela valoriza o aprendizado:

Given the egalitarian values, many Scandinavians may well be puzzled by the importance imputed to individual financial incentives in the Anglo-Ameri-can culture. Organisational learning […] may better suit the Nordic approach. Naturally, in the Nordic

3 Uma edição especial da revista Financial Accountability and Management (vol. 22, n. 3,

2006) foi dedicada ao tema, com introdução de Johnsen, Norreklit e Vakkuri (2006), em que explicitam

e defendem a nordic perspective on public sector performance measurement.

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countries too, individuals are assessed and rewarded for their contribution to organisational effectiveness, viability and so on, but probably not as extensively, and certainly not as taken-for granted in such a manner as seems to prevail in some Anglo-Ame-rican cultures [...]. (JOHNSEN, NORREKLIT, VAKKURI, 2006, p. 208)

Distinguir esses dois grupos de inspiração pode ajudar a cla-rear o debate no Brasil. Aqui, muitos críticos referem-se apenas às experiências mais difundidas dos países anglo-saxões, que levam a atribuição de recompensas e penalidades até o nível individual. Também é interessante que os formuladores da política de gestão conheçam a experiência dos países nórdicos e possam optar por um modelo ou outro, conhecendo as implicações de ambos.

8.3 POLÊMICAS E PROBLEMAS FREQUENTES

Ainda que vários autores ressaltem a importância da gestão por resultados para a melhoria do desempenho do setor público, eles apontam também polêmicas e problemas frequentes associados a essa nova forma de gestão. Tais problemas não têm justificado o abandono do modelo; têm, ao contrário, levado ao seu aprofunda-mento, buscando corrigir rotas e superar os obstáculos identificados.

Parte dos problemas relacionados à mensuração de desempenho pode ser atribuída à adoção prematura ou isolada apenas dessa ferra-menta, desvinculada do conjunto de mudanças que a acompanham e que constituem elementos de uma ampla reforma da organização

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e funcionamento do Estado. Assim, são grandes as chances de in-sucesso quando a mensuração de desempenho é adotada sem que as demais inovações na gestão estejam presentes. O grande risco é que a mensuração se torne um fim em si mesma, desvinculada do objetivo maior que é a melhoria do serviço público prestado ao cidadão (BEHN, 1995).

Além desse aspecto — a adoção parcial e isolada da mensuração de desempenho —, é possível sintetizar as polêmicas em torno da mensuração de resultados em três grupos: o da discussão em torno do que mensurar — produtos (outputs) ou impactos (outcomes); o da adoção de sanções positivas e negativas; e o da vinculação de parte da remuneração individual ao desempenho.

Em texto anterior, sistematizamos o debate em torno do que mensurar — outputs vs. outcomes (PACHECO, 2006). A defesa da mensuração de impactos (outcomes) ou a contribuição efetiva para a resolução de um problema tem levado alguns analistas, tanto no Brasil como em outros países, a criticar boa parte das experiências em curso, já que a maioria delas se inicia pela mensuração da prestação de determinados serviços previamente especificados (outputs).

Mas há autores que consideram tal debate inócuo. Para eles, ambas as opções apresentam vantagens e inconvenientes. Na mensu-ração de impactos é difícil estabelecer relações de causalidade entre as ações empreendidas e o resultado observado — é difícil isolar, entre as inúmeras variáveis que afetam a situação, aquelas diretamente ligadas aos serviços prestados por uma determinada organização pública. Por vezes as ações requerem longo tempo de maturação para que os impactos possam ser observáveis. Os impactos desejados podem depender de mudanças substanciais no comportamento dos

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 261 |

cidadãos. Por outro lado, mensurar produtos pode levar a um foco excessivo em ações voltadas para o curto prazo.

Para Trosa (2001), ambas as formas de contratação são impor-tantes e respondem a duas perguntas distintas. A mensuração de outputs permite conhecer o que é efetivamente produzido com os recursos públicos; já a preocupação com outcomes ou impactos per-mite indagar sobre a eficácia e utilidade daquilo que é produzido. Segundo a autora, a resposta a esse debate deve ser pragmática: governos devem começar pelos serviços prestados, cuja mensuração é mais fácil, e ir evoluindo em direção aos impactos, por meio da construção da cadeia lógica que liga as ações aos objetivos visados, relacionando impactos, resultados intermediários e ações.

Já Behn (2004) defende enfaticamente a mensuração de outputs, entre outras razões porque é um instrumento poderoso a ser utili-zado pelo dirigente de uma organização pública para motivar seus funcionários. Para esse autor, o objetivo do administrador é motivar, enquanto o do economista é controlar. Outra vantagem da opção pela mensuração de produtos é que desse modo é possível definir metas claras a serem buscadas. Behn ressalta que cabe à atividade de avaliação do programa estabelecer os elos entre os impactos visados e os produtos ou serviços a serem prestados, de forma que os nexos lógicos entre estes e aqueles sejam sempre explicitados.

Assim, não há evidências que comprovem a superioridade da mensuração de impactos sobre a mensuração de produtos. As ten-tativas de opor as duas formas de medidas parecem não fazer sen-tido à luz das lições aprendidas da experiência internacional. Países que contrataram extensivamente resultados via produtos (outputs), como Nova Zelândia, trataram de corrigir excessos introduzindo a mensuração de impactos; países que privilegiaram a mensuração

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de outcomes, como Austrália, deixaram espaço amplo demais às or-ganizações sem cobrar delas compromisso com ações diretamente mensuráveis.

Também há variações de um setor a outro. Na saúde, desenvol-veram-se os indicadores de produto e de resultados intermediários, e as cadeias lógicas entre produtos e impactos estão mais claramente estabelecidas e aceitas. Na educação, tem-se multiplicado as políticas onde a mensuração de impactos é adotada via avaliação externa do rendimento dos alunos.

No Brasil, o setor de saúde parece muito mais preparado para conviver com a mensuração do que a área da educação, talvez porque a própria lógica de remuneração do Sistema único de Saúde (SUS), via procedimentos, tenha aberto caminhos para a mensuração de serviços prestados. Segundo depoimento de um gestor municipal, o foco em procedimentos foi tão disseminado pelo SUS que hoje ele impede avanços para uma visão de “linha de cuidados” ou para ati-vidades não finalísticas, como supervisão médica.4 Na Grã-Bretanha, a política de mensuração de resultados em saúde se aprofunda, com a adoção recente da mensuração da satisfação do paciente sobre a qualidade da atenção médica recebida, com impactos para a remu-neração do médico.

Já na área da educação, no Brasil, a adoção de avaliação externa da aprendizagem dos alunos (impacto) tem provocado reação aguda dos sindicatos de professores, com exceção talvez de Minas Gerais.5 A principal alegação de lideranças sindicais e de especialistas em pe-dagogia diz respeito à autonomia do professor, que seria desrespeitada

4 Palestra da secretária-adjunta da saúde de Curitiba, GV Saúde, abril de 2009.

5 A maior aceitação, pelos professores mineiros, pode ter como parte da explicação o fato

de se tratar de uma política abrangente de governo para todos os setores; em outros

casos, trata-se de uma política setorial isolada.

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 263 |

ao impor a ele metas de aprendizagem a serem alcançadas por seus alunos. Também se alega impossibilidade de atribuição de causalidade entre a atuação do professor e o rendimento do aluno, que estaria condicionado por múltiplos fatores extraclasse, tornando impossível medir o impacto de sua ação — em sintonia direta com o que foi relatado antes sobre as dificuldades de mensuração de outcomes.

Médicos e professores da rede pública fazem parte do segmento denominado por Lipsky (1980) como street level bureaucrats, ou funcionários de ponta, especializados, para quem a deontologia de sua profissão está acima de seu vínculo com o Estado e que resistem a serem submetidos a controles externos. A adoção de medidas de desempenho provoca sentimento de perda de autonomia, que ten-de a mobilizar reação contrária à política. No entanto, temos visto maiores avanços na saúde do que na educação.

Outra explicação para essa diferença, além da já assinalada, pode estar associada ao status do gerenciamento nos dois setores: enquanto o diretor de hospital é já um papel aceito e destacado entre pro-fissionais da área da saúde, o diretor de escola pública é um entre pares, não sendo visto como autoridade legítima responsável pelos resultados da escola que dirige e, portanto, sem poder de direção sobre os professores que ali atuam. Outro motivo pode estar vin-culado à introdução do novo formato organizacional na saúde — a mensuração de desempenho difunde-se no momento em que são criados os hospitais no novo formato de organização social de saú-de, enquanto que as escolas públicas permanecem como parte da administração direta, em que ainda impera a ausência praticamente total de autonomia de gestão.

Na área da cultura, a mensuração de resultados está apenas come-çando, também ligada à adoção do formato “organização social”. No

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estado de São Paulo, adotaram-se indicadores de produção bastante simplificados e homogêneos para instituições de natureza distinta. Assim, o desempenho de museus passou a ser medido em termos de número de dias abertos ao público, número de exposições realizadas, número de visitantes, sem distinção entre um museu de vocação para grande público e outro especializado. Um equipamento cultural dedicado à interação entre arte e tecnologia não conseguiu fazer valer o número de acessos ao seu site como indicador de presença junto ao público — insistindo a Secretaria Estadual da Cultura em contar apenas as visitas físicas ao local.

O debate sobre o que e como medir não chegou à imprensa, a não ser por meio do conflito entre lideranças sindicais dos professores e secretaria da educação. Assim, a polêmica fica restrita aos especia-listas e afetados pela mensuração, sem que a opinião pública ou os beneficiários do serviço público possam se envolver e pressionar por avanços. Em alguns casos, quando usuários tomaram conhecimento do sistema de metas, passaram a pressionar por punições em caso de não alcance das mesmas — o que nem sempre é o fim visado pelo gestor da política de mensuração de resultados.

O ex-secretário de Modernização Administrativa de Santo André relatou as dificuldades que enfrentou junto aos represen-tantes dos usuários ao adotar a mensuração de resultados nas unidades básicas de saúde — queriam punição aos funcionários a cada vez que uma meta não era cumprida; no entanto, o objetivo da política municipal adotada era o de promover o aprendizado sobre como melhorar o serviço prestado, e não o de penalizar funcionários em caso de dificuldades com o cumprimento das metas.6

6 Marcio Bellisomi, palestra, EAESP-FGV.

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 265 |

Na seção anterior, apresentamos as duas visões sobre o tema das recompensas e punições. Tais visões se desdobram também na questão da remuneração variável. Assim, os defensores da “perspectiva nór-dica” consideram que os problemas da mensuração de desempenho aparecem quando se vincula resultados a recompensas financeiras:

In fact, much of the perverse learning from perfor-mance measurement may be due to using performan-ce measurement in close conjunction with organisa-tional objectives and financial rewards. Performance measurement has a number of functions, including enhancing transparency, improving organisational learning and appraising performance. The more per-formance measurement is used compulsively for more of these functions, the more the performance measu-rement will be experienced as unfair. (JOHNSEN, NORREKLIT, VAKKURI, 2006, p. 208)

A associação entre mensuração de desempenho e recompensas financeiras é menos difundida do que se crê. Segundo pesquisa realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) junto a seus países-membros,7 apenas 18% ligam orçamento a resultados (Nova Zelândia, Holanda, por exem-plo), poucos têm mecanismos formais de premiação ou punição segundo resultados; 41% não têm; só 11% dos países sempre vinculam salário ao alcance de metas e 26% fazem tal vinculação esporadicamente.8

7 Dos 30 países-membros da OCDE, 27 responderam à pesquisa.

8 OECD/World Bank Budget Practices and Procedures Database, 2003.

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Outro estudo ressalta que o sucesso de sistemas de remuneração variável segundo desempenho depende de fatores como transparência na definição de metas, nas regras segundo as quais os funcionários serão avaliados e nas relações entre medidas de desempenho e re-muneração (PERRY et al., 2009, p.14).

Portanto, mensurar desempenho não implica sempre adotar re-muneração variável ou recompensas financeiras segundo o desempe-nho. O tema é polêmico e imerso em controvérsias. Há um número significativo de países que adotam a mensuração de desempenho e divulgam os resultados obtidos, globalmente pelo governo ou se-torialmente; apenas parte desses países têm atribuído recompensas financeiras a funcionários e entre os que o fazem, muitos adotam valores de impacto moderado sobre a remuneração, a fim de não provocar desvios de comportamento importantes.

Em outros casos, aprofundam-se as consequências da avaliação de desempenho. O presidente Obama, em seu primeiro pronuncia-mento sobre a política educacional nos EUA, afirmou que o mau desempenho de alunos em avaliações externas de aprendizagem poderá levar à demissão de professores — dando seguimento e aprofundando a política de seu antecessor denominada “No Child Left Behind” (NCLB), que introduziu metas para o aprendizado de estudantes em escolas públicas em todo o país.

No Brasil, um dos problemas relacionados à remuneração variável por desempenho tem sido sua adoção isolada de outras medidas re-formadoras. Na administração federal, essa forma de remuneração foi generalizada no segundo governo FHC, sem que tenham avançado as outras medidas propostas de contratualização de resultados; no governo Lula, os valores variáveis foram aumentados significativamente, passando a representar mais de 50% da remuneração total em muitos casos, para

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 267 |

em seguida reverter tudo em aumento salarial, incorporando 100% da parcela variável aos salários (transformados em “subsídio”).

8.4 “DOENÇAS” DA MENSURAÇÃO DE RESULTADOS NO SETOR PÚBLICO

Além das polêmicas frequentes em torno da mensuração de re-sultados, a literatura aponta problemas inerentes à forma com que foi adotada no setor público. Assim,

a plethora of unintended, negative consequences are documented. Teachers are teaching the test; ambu-lances are waiting outside of the hospital to improve response times; waiting lists are reduced by creating waiting lists for waiting lists; follow up visits are cancelled; delayed trains are wrongly registered as broken and ‘creative accounting’ is abound... (Van DOOREN, 2008)

Bouckaert e Balk (1991) sistematizaram um conjunto de pro-blemas relativos à medida de desempenho em organizações pú-blicas, apresentando-os como “doenças” e suas prováveis “curas”. Os autores organizam as doenças com relação a três diferentes aspectos: 1) alegações para não medir o desempenho; 2) proble-mas com a percepção das medidas; 3) problemas relacionados às próprias medidas. Ao todo, os autores apontam doze tipos de “doenças” relacionadas à mensuração de desempenho no setor público.

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As justificativas para não mensurar estão relacionadas com a “doença do dr. Pangloss”,9 ou a insistência em não medir algo por acreditar que aquilo não existe; “doença da impossibilidade”, que alega ser impossível medir; “hipocondria”, que considera que no setor público não se deve vangloriar de algo que tenha resultados positivos.

As doenças relativas à percepção dos números e volumes foram denominadas “doença do côncavo/convexo”, que leva à percepção aumentada ou diminuída do que está sendo medido; “hipertrofia/atrofia”, na qual o ato de medir estimula a produção desnecessária de mais output ou sua redução indesejada; e “doença de Mandelbrot”, que ignora o fato de que o resultado da medida depende de como se mede.

Quanto às medidas propriamente, Bouckaert e Balk elencam as seguintes “doenças”: “poluição”, ou o fato de misturar diferentes elementos daquilo que está sendo medido; “inflação”, ou o uso desnecessário de grande número de medidas; “doença dos ilumina-dos ou top-down”, pela qual os dirigentes decidem sozinhos o que e como medir e impõem o conjunto à organização sem suficiente comunicação, levando à desmotivação dos funcionários; “doença do curto-prazo”, que estimula comportamentos voltados apenas para os resultados imediatos; “miragem”, quando se mede algo diferente do que se considera estar medindo; e a “doença de desvio de comportamento” (shifting disease), causada por medidas que não contemplam a finalidade da organização e acabam provocando comportamento adverso.

Parte desses problemas é também ressaltada por outros autores. Goldsmith e Eggers (2006) referem-se à competição entre diferentes

9 Em referência à obra Candido, de Voltaire.

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 269 |

provedores10 pelos casos mais fáceis — podendo ser entendidos em sentido amplo como tipo de produto ou serviço fornecido, região a atender ou tipo de “clientela”, dependendo do campo de atuação em análise, visando melhorar seu desempenho medido. Ou ainda a prejuízos à qualidade do serviço quando as medidas enfatizam economias, o que pode levar a cortes de custo que prejudicam a qualidade. Os autores também fazem referência à polêmica acerca do que medir — insumos, produtos ou impactos — e apontam problemas decorrentes da ausência de dados confiáveis sobre a situação inicial em que se encontrava o “fenômeno” a ser medido — quando subavaliados, podem levar a metas frouxas, muito fáceis de atingir. Outros autores também se referem ao cream skimming, a atitude de prestar os serviços mais fáceis ou atender os usuários mais simples, de modo a obter tempos de atendimento menores ou maior número de casos atendidos, enquanto Jann e Reichard (2001) relatam problemas referentes a metas pouco ambiciosas e falhas no seu monitoramento, entre outras dificuldades similares.

8.5 LIÇÕES APRENDIDAS

Em boa parte dos problemas identificados na literatura, mesclam--se as dificuldades de mensuração de resultados no setor público com a introdução de formas de contratualização de resultados, pilar das reformas atuais. Ainda assim, muitos autores consideram ambas como avanços irreversíveis, que continuarão na agenda da modernização do Estado nos próximos anos (LAPSLEY, 2008). 10 Termo amplamente utilizado pelos autores ao longo da obra, significando qualquer produtor

e/ou prestador de serviços de interesse do governo ou da sociedade, sejam eles instituições,

unidades ou departamentos públicos ou empresas privadas/não governamentais. (N.R.)

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Como buscamos apontar, as dificuldades relativas à mensuração de desempenho no setor público são substantivas, tanto no Brasil como nas experiências internacionais em curso. Não se trata de atitudes intencionais voltadas à manipulação de dados ou falsea-mento dos resultados; são antes dificuldades ligadas à natureza das atividades desempenhadas pelo Estado e ao fato de estarmos diante de um grande empreendimento reformador, do qual a mensuração de resultados é apenas um dos instrumentos — isolá-la do conjunto das reformas correntes é uma distorção que pode comprometer seus resultados.

Os comportamentos adversos não derivam, como vimos, de intenções individuais; mas são explicados pela assimetria de in-formações ou por outros construtos da teoria dos jogos, podendo estar presentes em diferentes contextos institucionais ou tradições político-administrativas — não são, portanto, comparáveis a práticas clientelistas ou desvios similares de conduta. Na prática, no Brasil, nenhuma denúncia de grande vulto foi associada à mensuração de desempenho ou aos novos formatos organizacionais que a vêm adotando (organizações sociais).

Apesar das dificuldades, o sentido das experiências em andamento é o de aprofundar as reformas na direção da gestão voltada para resultados. Isso implica enfrentar as dificuldades de mensuração de desempenho, ultrapassando as justificativas simplistas para não medi-lo ou as críticas superficiais que veem nessas iniciativas a “privatização do Estado”, simplesmente porque emprestam técnicas antes aplicadas pelas empresas privadas. Adaptações são requeridas, assim como esforços continuados de aperfeiçoamento das medidas e dos medidores, já que há evidências suficientes que comprovam a contribuição da mensuração de desempenho para a efetiva melhoria

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 271 |

de resultados alcançados pelas organizações públicas, principalmente aquelas que prestam serviços, onde é mais fácil medir atividades e produtos do que nas secretarias formuladoras de políticas públicas.

As contribuições da mensuração de resultados para a transpa-rência são notáveis. Por mais problemas que tenham os indicado-res, é melhor contar com eles do que não tê-los. A emenda à lei orgânica do município de São Paulo, proposta por iniciativa de um conjunto de entidades da sociedade civil, obriga os prefeitos da cidade de São Paulo eleitos a partir de 2008 a traduzirem suas promessas de campanha em um plano com metas e indicadores de desempenho. O conjunto de metas que passa, por obrigação legal, a ser apresentado à cidade constitui uma base para o acompanha-mento das ações de governo pela sociedade É possível que haja várias das doenças mencionadas — inflação, poluição, top-down; não há metas de impacto; algumas dessas metas são excessivamente genéricas, outras pontuais demais. Ainda assim, melhor tê-las e debatê-las em audiências públicas em todas as regiões da cidade do que não tê-las.

O mesmo pode ser dito dos avanços recentes da Previdência Social. Ter indicadores e metas sobre o tempo de concessão de benefícios é requisito indispensável para chegar a conceder aposen-tadorias em trinta minutos. Pode haver cream skimming ou perda de qualidade, caso não haja outros parâmetros de controle associados ao tempo de concessão do benefício, mas uma cesta de indicadores combinados pode contribuir para evitar a shifting disease.

Outras experiências merecem atenção por serem abrangentes e constituírem elemento central de uma política pública voltada para a gestão, como é o caso das prefeituras de Curitiba e Porto Alegre e do governo de Minas Gerais. Tais experiências são laboratórios

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a serem acompanhados, de onde sairão várias lições sobre possibi-lidades de melhorar o desempenho do setor público, trabalhando e retrabalhando medidas de desempenho, tanto de outputs como de outcomes, como um dos elementos de um conjunto de ações de modernização do Estado.

8.6 REFERÊNCIAS

BEHN, R. D. The big questions of public management. Public Administration Review, vol. 5, n. 4, p. 313-324, 1995.

______. Why public managers must measure outputs. Public Management Report, vol.1, n. 10, June 2004.

DUNLEAVY, P.; HOOD, C. From old public administration to new public management. Public Money and Management, v.14, n. 3, p. 9-16, 1994.

GOLDSMITH, S.; EGGERS, W. Governar em rede. O novo formato do setor público. Brasília: ENAP, 2006.

HOOD, C. Public service management by numbers: why does it vary? Where has it come from? What are the gaps and the puzzles? Public Money and Management, 27: p. 95-102, 2007.

JANN, W.; REICHARD, C. Melhores práticas na modernização do Estado. Revista do Serviço Público, v. 53, n. 3, p. 31-50, 2002.

JOHNSEN, A.; NØRREKLIT, H.; VAKKURI, J. Introducing a nordic perspective on public sector performance measurement. Finan-cial Accountability and Management, v. 22, n. 3, p. 207--12, 2006.

KETTL, D. F. The global revolution in public management: driving themes, missing links. Journal of Policy Analysis and Management, v. 16, n. 3, p. 446-62, 1997.

MENSURAÇÃO DE DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 273 |

LAPSLEY, I. The NPM agenda: back to the future. Financial Accountability and Management, v. 24, n. 1, p. 77-96, February 2008.

LIPSKY, M. Street-level bureaucracy: dilemmas of the indivi-dual in public services. New York: Russell Sage Foundation, 1980.

PACHECO, R. S. Brasil: avanços da contratualização de resultados no setor público. Texto apresentado ao XI Congreso Internacional del CLAD, Ciudad de Guatemala, 2006.

PERRY, J. L. et al. Back to the future? Performance-related pay, empirical research, and the perils of persistence. Public Adminis-tration Review, 69(1):1-31, January-February, (2009).

TROSA, S. Gestão pública por resultados: quando o Estado se compromete. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: ENAP, 2001.

VAN DOOREN, W. Performance indicators: a wolf in sheep’s clothing?, mimeo, 2008.

CAPÍTULO 9

Remuneração variável por desempenho no setor público: investigação das dificuldades e

implicações para o Estado brasileiro1

LUÍS OTÁVIO MILAGRES DE ASSISServidor concursado no cargo de Especialista em

Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo do Estado de Minas Gerais.

MÁRIO TEIXEIRA REIS NETODoutor em Administração pela Universidade

Federal de Minas Gerais, professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade FUMEC.

2

1 Versão revisada de artigo publicado anteriormente no Encontro da International

Research Society for Public Management (IRSPM – Latin America), 2011; na Revista Eletrônica de

Gestão Organizacional (GESTÃO.Org – Vol. 9, No. 3 p. 585 - 614, set. / dez. 2011) e apresentado

no V Congresso CONSAD de Gestão Pública (Conselho Nacional de Secretários de Estado da

Administração; Brasília/DF – 4, 5 e 6 de junho de 2012).

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 277 |

9.1 INTRODUÇÃO

Dois momentos marcam a implementação de sistemas de remu-neração variável (performance-related pay ou PRP) no setor público brasileiro: a experiência do governo federal pós-FHC e a recente expansão dessas iniciativas nas administrações estaduais brasileiras.

No final da década de 1990, o governo federal generalizou a implementação de remuneração variável na forma de gratificações por desempenho acrescidas ao salário mensal na administração pú-blica federal (PACHECO, 2009). No período 1995-2002, foram criadas várias gratificações de desempenho. Além de possibilitar a concessão de aumentos diferenciados, a utilização desse mecanis-mo permitiu desvincular a remuneração dos servidores ativos da dos inativos e, assim, conceder aumentos maiores aos primeiros. No entanto, ainda no governo FHC, algumas gratificações foram estendidas aos inativos, por pressão legal (PACHECO, 2010). No segundo governo FHC, a remuneração variável por desempenho foi generalizada, sem o avanço de outras medidas que subsidiassem o sistema, como a contratualização de resultados.

No governo Lula, os valores variáveis foram aumentados sig-nificativamente, passando a representar, em muitos casos, entre

| 278 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

22% e 94% das tabelas salariais. Em seguida, pressões corporativas conquistaram a incorporação integral da parcela variável ao salário fixo. Ainda segundo Pacheco, o governo Lula adotou como política a extensão de todas as gratificações aos inativos. No Brasil, a maior parte das gratificações “variáveis” tende a ser, na verdade, prenúncio de simples aumento salarial. Boa parte dessas gratificações acabou, simplesmente, incorporada ao salário, evidenciando um prognós-tico sombrio para experiências de remuneração variável no setor público brasileiro.

Mais recentemente, especialmente após 2008, o País parece viver uma nova onda de criação de incentivos. Programas de remuneração variável, geralmente em formato de bônus periódicos semestrais ou anuais, foram implantados em diversos governos estaduais. Minas Gerais é o estado em que a iniciativa é mais abrangente, tendo sido expandida em 2008 para mais de 90% dos funcionários do executivo estadual. Segundo Reis Neto e Assis (2010), de 2004 a 2009 foram distribuídos R$ 905 milhões a título de premiação por produtividade.

São Paulo implantou a PRP, em 2009, nas áreas de educação, fazenda e planejamento e distribuiu mais de R$ 600 milhões em premiação.2 Pernambuco distribuiu aos servidores da educação, em 2009, um total de R$ 29 milhões em função do cumprimento de metas definidas para cada escola.3 No nível federal, foi aprovada a Lei no 12.155, de 23/12/2009, que atribui aos servidores do Depar-tamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) bônus de R$ 3 mil a R$ 28 mil (dependendo do cargo) em função do cumprimento de metas do Programa de Aceleração do Crescimento 2 Segundo dados publicados no Relatório de Gestão 2007-2010,

Secretaria de Gestão Pública–SP.

3 Diário de Pernambuco, 29/05/2009.

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 279 |

(PAC). No Rio de Janeiro, em 2010, policiais civis e militares foram premiados em função de metas de redução da criminalidade, sendo que R$ 6 milhões foram distribuídos no estado até o momento.4

Parece haver um otimismo generalizado dos gestores públicos quanto ao potencial dessas iniciativas, mas esse otimismo não en-contra fundamento na teoria. A literatura mostra que sistemas de remuneração variável no setor público fracassam ou têm sucesso muito limitado (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ‒ OCDE, 2005a; PERRY, ENGBERGS, JUN, 2009; BOWMAN, 2010; WEIBEL, ROST, OSTERLOH, 2010). Em algumas situações, o modelo gera resultados positivos, mas, em diversos outros casos, ele fracassa em seu objetivo de motivar as pessoas e pode, inclusive, gerar efeitos perversos.

A experiência no governo federal brasileiro já traz um sinal adi-cional de alerta. O uso da PRP como instrumento de legitimação de simples aumentos salariais ilustra, de forma contundente, o fato de que características culturais brasileiras parecem influenciar negativamente a implantação de sistemas de avaliação e incentivo, conforme argumento de Barbosa (1996). Diante da recente expansão da remuneração variável no Brasil, praticamente ainda não existem trabalhos acadêmicos que avaliam a implantação desses modelos.5

4 Informações do site oficial da Secretaria de Segurança Pública, acesso em 19/06/2010.

5 Um estudo recente mostrou resultados razoavelmente positivos em Minas Gerais.

Um survey que foi realizado com 339 servidores da Secretaria da Saúde apontou que

56% dos servidores acreditam que a qualidade do seu trabalho melhorou com o incentivo dado

pela remuneração variável, enquanto 19% discordam. Foi estudada, entretanto, apenas uma

organização estadual entre as 60 que implementaram o modelo. Para detalhes, ver Albergaria,

Ariane, R. (2010) Remuneração Variável no Setor Público: Estudo de Caso sobre a Percepção

dos Servidores da Secretaria de Saúde de Minas Gerais sobre o Prêmio por Produtividade e

suas Relações com o Desempenho Funcional e a Adaptação Social. Dissertação (Mestrado em

Administração). Belo Horizonte: FACE-UFMG. Paralelamente, Reis Neto e Assis (2010) levantam

indícios que de os resultados em outros setores do governo mineiro podem não ser tão positivos.

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Nesse cenário, justifica-se entender melhor as razões pelas quais os sistemas de remuneração variável estão apresentando, em outros países, resultados aquém do desejado. O estudo também se justifica na medida em que a recente implantação de modelos dessa natu-reza na administração pública nacional não deveria repetir erros já observados na experiência internacional. Assim sendo, o presente artigo objetiva sistematizar o debate atual sobre o tema, à luz da literatura sobre remuneração variável, da experiência internacional e do conhecimento disponível a respeito do contexto brasileiro.

Como estratégia metodológica, utilizou-se a revisão da literatura com foco em dois objetivos: a) analisar estudos que sistematizam os principais argumentos teóricos que explicam fracasso ou sucesso da implantação de modelos de incentivo no setor público — nesse ponto, destacam-se os trabalhos de Burgess e Ratto (2003) e Weibel et al. (2010) e b) analisar resultados de pesquisas empíricas que bus-caram investigar casos concretos de implementação de modelos de PRP — a este respeito, destacam-se os estudos de Marsden (2004), OCDE (2005) e Perry et al. (2009).

Pode-se dizer que a questão central que norteou o trabalho foi: quais são as práticas que terão mais chances de conduzir um sistema de remuneração variável a gerar bons resultados no serviço público brasileiro?

9.2 A INEFICÁCIA DOS SISTEMAS DE REMUNERAÇÃO VARIÁVEL NO SETOR PÚBLICO

O aspecto mais debatido na produção científica mundial a res-peito de programas de remuneração variável no setor público tem

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 281 |

sido sua efetividade. Parece óbvio que implantar um sistema de remuneração variável vinculado ao desempenho seja positivo, mo-derno e eficaz. Entretanto, pesquisas realizadas nos países da OCDE apontam que a remuneração variável no setor público fracassa ou tem sucesso muito limitado (OCDE, 2005a; PERRY et al., 2009; BOWMAN, 2010; WEIBEL et al., 2010).

A OCDE (2005b) investigou modelagens bem e mal sucedidas de remuneração variável na área pública de 14 países desenvolvidos. Sua conclusão foi que a PRP motiva apenas uma pequena parcela dos funcionários, enquanto a grande maioria não a vê como um incentivo para um melhor desempenho. Extensas pesquisas empíricas conduzidas no Reino Unido e nos Estados Unidos mostraram que, apesar do apoio à ideia de vincular a remuneração ao desempenho, apenas um pequeno percentual dos empregados acredita que ela os induz a produzir acima dos requisitos do trabalho. Em muitos casos, ocorreu um desestímulo à cooperação. Muitos servidores públicos, particularmente aqueles em funções não gerenciais, consideram o valor do salário-base e sua comparação com os valores de mercado muito mais importantes do que os acréscimos salariais vinculados ao desempenho.

A natureza e o conteúdo do trabalho e as perspectivas de de-senvolvimento na carreira são considerados, por esses servidores, como as verdadeiras fontes de incentivo. A remuneração variável geralmente não motiva a maioria dos funcionários, independente de sua configuração (OCDE, 2005b).

Perry, Engbergs e Jun (2009) analisaram as conclusões de 57 estudos publicados entre 1977 e 2008 sobre a implantação de sis-temas de remuneração variável no setor público em diversos países. Entre as constatações, foi destacado que a remuneração variável

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por desempenho no setor público falha em sua promessa, pois não se apresenta como um incentivo para a maioria dos colaboradores (PERRY et al., 2009, p. 43). Na percepção dos funcionários, a PRP não promoveu uma motivação adicional. Complementando, os autores analisaram, desses estudos, os 14 trabalhos julgados de melhor qualidade e encontraram resultados contraditórios. Quatro são claramente negativos, outros cinco não permitem tirar qualquer conclusão e cinco são favoráveis à remuneração variável. Estudos mais recentes são ainda mais pessimistas. Bowman (2010) revisa os resultados de mais de vinte anos de uso da remuneração variável no governo federal americano. O autor argumenta que o desempenho de programas de remuneração variável é, no mínimo, decepcionante em relação às expectativas. O resultado da implantação é, muitas vezes, contraprodutivo. Dois livros recentemente publicados sobre a reforma do serviço civil — Bilmes e Gould (2009)6 e Donahue (2008)7 — rejeitam a ideia de remuneração variável nos governos. Segundo Bowman (2010), muitos estudos sugerem que os indiví-duos não querem acreditar que trabalham apenas por dinheiro. Isso vale especialmente para os servidores públicos. Eles podem até se sentir ofendidos quando são tratados como se pudessem ser mani-pulados por incentivos monetários. Um argumento semelhante ao de Bowman (2010) é defendido por Weibel, Rost e Osterloh (2010). Para estes, a remuneração variável, em geral, destrói a motivação intrínseca,8 levando, assim, a uma queda no desempenho. Weibel

6 Bilmes, L., E Gould, W. (2009). The people factor: Strengthening America by investing in

public service. Washington, DC: Brookings Institution Press, como citado em Bowman (2010).

7 Donahue, J. (2008). The warping of government work. Cambridge, MA: Harvard University

Press, como citado em Bowman (2010).

8 Atividades intrinsecamente motivadas são realizadas porque o indivíduo as enxerga como

prazerosas, desafiadoras, interessantes ou recheadas de propósito. Ou seja, neste tipo de motivação, não há

necessidade de benefícios externos: a tarefa ou atividade vai ser realizada porque o indivíduo assim o deseja.

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 283 |

et al. (2010) propõem a suspensão da implantação da remuneração variável no setor público.

Importantes estudos (OCDE, 2005; PERRY et al., 2009; MARSDEN, 2010; BURGESS, RATTO, 2003) enfatizam que as limitações dos modelos de remuneração variável no setor público são sérias, recorrentes e estão relacionadas às más condições insti-tucionais, estruturais, ambientais e de implementação.

Por que, então, a PRP fracassa na maior parte dos casos? E por que ela, às vezes, tem efeitos positivos? Algumas dessas questões serão exploradas a seguir.

9.3 A VISÃO DOS ECONOMISTAS: A REMUNERAÇÃO VARIÁVEL SOB A ÓTICA DA

ESCOLHA RACIONAL E DA RELAÇÃO AGENTE X PRINCIPAL

Estudos publicados, principalmente no campo da Economia, argumentam que os problemas de ineficácia da remuneração va-riável no setor público estão relacionados a esquemas de incentivo modelados e administrados incorretamente. Weibel et al. (2010) afirmam que esses estudos baseiam-se na teoria da escolha racional, do indivíduo autointeressado, egoísta e extrinsecamente motiva-do.9 Segundo os autores dessa vertente, em situações adequadas a PRP geraria, necessariamente, aumento no desempenho das pes-soas. Entretanto, existiriam problemas típicos da relação agente x principal e características estruturais da administração pública que 9 Motivação extrínseca é aquela baseada nas recompensas externas. As tarefas são

realizadas porque elas geram compensações (como o dinheiro) que podem ser, posteriormente,

convertidas em produtos ou serviços que vão preencher necessidades e, aí, gerar satisfação.

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levariam a incentivos subótimos. O foco dos pesquisadores é, então, compreender essas situações, estudar formas adequadas de mode-lagem e implementação e possíveis soluções para esses problemas.

Essa ótica enxerga a PRP por meio da relação agente x principal. Nessa relação, um ator (principal) delega a outro ator (agente) a realização de determinada atividade. A relação fica problemática na medida em que principal e agente não compartilham os mesmos objetivos, o que possi-bilita ao último atuar contrariamente aos interesses desejados. Podem-se enxergar os servidores públicos como agentes de cidadãos, políticos e lideranças burocráticas (principais). O principal, no exercício de suas atribuições e na busca de seu interesse, pode exigir maior produtividade dos servidores. Estes não necessariamente compartilham dessa vontade e podem se negar ao pretendido desempenho superior. O problema se agrava quando o comportamento ou o desempenho do agente é difícil de ser medido, e o principal tem informação incompleta, insuficiente, para avaliar quão bem o agente está atuando no exercício de suas funções (EISENHARDT, 1989).

AS CONSEQUÊNCIAS DAS MÚLTIPLAS TAREFAS NO

SISTEMA DE INCENTIVOS

Segundo Burgess e Ratto (2003), características típicas do setor público, como a existência de múltiplas tarefas desempenhadas pelos agentes, por si só dificultam a implantação de sistemas de incentivos. Se as ações forem substituíveis entre si (no sentido de que mais tempo numa atividade significa menos tempo em outra), o uso de poderosos sistemas de incentivo pode gerar efeitos indesejados nos resultados globais. Segundo MacDonald e Marx (2001),10 diante

10 Macdonald, G.; Marx, L. M. (2001). Adverse specialization, Journal of Political Economics,

17, 199-236, como citado em Burgess e Ratto (2003).

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 285 |

da existência de atividades substitutas, os agentes irão privilegiar as tarefas menos difíceis, enquanto o principal desejará que eles realizem todas as atividades. Os autores afirmam que, se o principal não tem certeza sobre as preferências de seus agentes, estabelecer recompensas por desempenho a tarefas individuais pode ser subótimo, já que pode induzir os empregados a focar em tarefas mais fáceis.

Uma possível solução seria fazer que todas as atividades impor-tantes fossem mensuradas de forma separada, com metas específicas. A cada meta atribuir-se-ia uma recompensa ou uma parcela distinta da recompensa. Quanto mais metas fossem atingidas, maior seria a premiação auferida. Novamente o risco de múltiplas tarefas existe. O peso da gratificação a cada tarefa deve, então, ser cuidadosamente calculado em função da dificuldade de executá-la e de sua impor-tância relativa face às prioridades da organização.

O PROBLEMA DOS MÚLTIPLOS PRINCIPAIS

Uma característica-chave do setor público é que os agentes (servidores públicos) trabalham para diversos principais (cida-dãos, lideranças políticas, altas lideranças da burocracia, gerência intermediária da burocracia). Nessas circunstâncias, estabelecer incentivos adequados é mais complicado, uma vez que cada um desses principais está interessado em apenas alguns aspectos dos resultados e, ainda, por vezes, os interesses dos diversos principais não estão alinhados.

O argumento elaborado por Bernheim e Whinston (1986)11 é que, nessas condições, cada principal vai oferecer mais incenti-vos positivos aos elementos em que está interessado e incentivos

11 Berheim, B.; Whiston, M. (1986) Common Agency. Econometrica 54(4), 923-42, como

citado por Burgess e Ratto (2003).

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negativos aos demais, enquanto os agentes vão acabar privilegiando aqueles que oferecerem incentivos maiores, deixando de lado outros principais e outras tarefas. Uma possível solução é tentar negociar com os diversos principais para formalizar os objetivos e metas, deixando-os claros para os agentes.

DIFICULDADES NA MENSURAÇÃO DE RESULTADOS NO

SETOR PÚBLICO

Segundo Burgess e Ratto (2003), alguns tipos de tarefas no setor público são particularmente difíceis de serem mensuradas e recom-pensadas. Isso ocorre por duas razões: a) na administração pública, parte dos servidores é tomadora de decisão em diversas atividades, tais como as dos policiais, fiscais de renda e assistentes sociais e b) os servidores trabalham para organizações que não têm uma meta única, clara e evidente. Para os autores, as duas características com-binadas tornam mais difícil o incentivo e o monitoramento desses indivíduos.

Considerando a dificuldade em se mensurar resultados finais, torna-se ainda mais importante monitorar o desempenho durante a execução das atividades, mas novamente, características típicas de organizações públicas complicam essa tarefa. Wilson (1989) analisou diversas organizações do governo dos Estados Unidos e as classificou em relação à possibilidade de mensurar os meios que os funcionários utilizam e os fins (resultados) que elas perseguem. Nessa classificação, surgem organizações nas quais nem os resulta-dos nem os meios são fáceis de medir.12 Nelas, os burocratas têm o controle da distribuição de bens e serviços para o cliente e suas decisões dependem de fatores ou variáveis que não são facilmente

12 Wilson (1989) as chamou de coping organizations.

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 287 |

observados por seus superiores. Policiais são o exemplo típico: a decisão de prender uma pessoa é baseada na suspeita imediata de culpa, o que não é observável por seus superiores. E a decisão de transferir um bem ou prestar um serviço não pode ser baseada num preço pago pelo cliente, o que seria facilmente observável. Nessas organizações, em que nem o esforço do agente nem o resultado entregue são facilmente observáveis, a mensuração do desempenho é desafio e um problema recorrente.

Burgess e Ratto (2003) argumentam que, nessas situações, as informações sobre desempenho estão geralmente disponíveis so-mente de forma mais agregada. Os resultados são produzidos por indivíduos, mas são mensuráveis tendo por referência o grupo de indivíduos (unidade gerencial). Assim, o foco em equipes é particu-larmente relevante como solução para mensuração de desempenho no setor público.

O TRABALHO EM EQUIPE E SUA RELAÇÃO COM

INCENTIVOS

Holmström (1982) argumenta que, em uma situação em que os membros de uma equipe dependem uns dos outros para a produ-ção dos resultados, surge o problema do “carona” (free rider). Esse problema fica mais grave quanto maior for a organização. Uma recompensa ótima, nessa situação, depende de quanto o resultado é fácil de medir e também do tamanho da equipe. Quanto maior for a dificuldade em mensurar os resultados, maior e mais complexa será a concepção de um sistema ótimo de incentivos. O problema do free rider é a explicação mais comum da Economia para a dificuldade em se ter sucesso com sistemas de recompensas por equipes (Burgess e Ratto, 2003). Ainda segundo essa visão, no trabalho em grupo, uma

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situação que pode estimular o desempenho é o monitoramento pelos pares (colegas de trabalho). Vincular gratificações ao desempenho do grupo estimula esse monitoramento e, consequentemente, reduz a prática do free rider. Kendel e Lazear (1992) mostram que um maior monitoramento pelos pares pode induzir a um maior esforço dos indivíduos caso o risco de ser pego “fazendo corpo mole” seja maior. Isso tem uma implicação no tamanho das equipes; se estas forem muito grandes, fica mais difícil o monitoramento pelos pares. Na análise de Holmström (1982), a equipe é definida por ser uma unidade de produção, na qual seus membros contribuem para um mesmo resultado.

Um importante debate a respeito da modelagem de sistemas de incentivo ocorre entre os defensores de avaliações baseadas no indivíduo e avaliações baseadas em equipes. Gehardt (2009) aponta que, quanto ao nível de mensuração do desempenho, os modelos de remuneração variável se dividem em individuais, coletivos ou híbridos (em que a remuneração baseia-se parte no desempe-nho individual e parte no desempenho coletivo). Embora a visão econômica apresente riscos envolvidos na utilização de modelos coletivos, eles estão crescentemente ganhando força nas experiên-cias de PRP nos governos. Os modelos focados em indivíduos, embora possam promover forte incentivo em função da ligação direta desempenho individual-premiação, também possuem aspec-tos negativos, principalmente vinculados à cooperação. Gehardt (2009) argumenta que o uso de modelos de incentivo individuais pode fomentar a desagregação e dificultar o trabalho em grupo, na medida em que cada servidor será avaliado e recompensado individualmente, e o resultado coletivo do trabalho pode deixar de ser prioridade. Os estudos da OCDE (2005a, 2005b) e de Perry

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 289 |

et al. (2009) concluem que modelagens focadas em equipe parecem ter melhores resultados do que esquemas baseados na avaliação individual de desempenho.

Uma das principais consequências do relatório Makinson (2000),13 que sugeriu modelagens de incentivos para o serviço público britânico, foi o surgimento de sistemas de remuneração variável baseados em equipes. Estas variavam desde 100 funcio-nários até milhares de empregados de divisões inteiras. Burgess e Ratto (2003) argumentam que uma definição clara da equipe é muito importante para a concepção exitosa de um sistema de incentivos. Assim, equipes podem ser definidas em função do pro-cesso de produção ou, então, serem “forjadas artificialmente”, no sentido de proporcionarem um estímulo para a cooperação entre unidades distintas. Deve haver uma racionalidade na definição da equipe e isso deve ser estudado caso a caso. Por exemplo, se o objetivo for gerar incentivo e controle pelos pares (colegas de trabalho), evitando assim o free rider, a concepção da equipe deve considerar esse aspecto, especialmente em função do tamanho do grupo, devendo esse ser relativamente pequeno.

9.4 AS INTERFERÊNCIAS DA QUESTÃO PSICOLÓGICA NA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL

Visões mais ligadas à Psicologia enxergam as causas do fracasso de sistemas de PRP não em incentivos subótimos, mas sim na mo-tivação dos empregados. Segundo Weibel et al. (2010), as teorias econômicas baseadas no autointeresse não possuem uma estrutura

13 Makinson, J. (2000) Incentives for change: rewarding performance in national government

networks. Public Service Productivity Panel, como citado em Burgess e Ratto (2003).

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analítica suficiente para analisar a motivação dos empregados, es-pecialmente os do serviço público. O uso da remuneração variável geraria efeitos adversos nos servidores públicos, muitas vezes redu-zindo sua motivação.

As modernas teorias psicológicas fundamentam-se na ideia de que existem dois grupos de fatores motivacionais: os intrínsecos e os extrínsecos. Enxergar o peso desses dois tipos de componentes na motivação dos indivíduos parece ser fundamental para a com-preensão do impacto da remuneração variável no desempenho de cada profissional. Segundo Weibel et al. (2010), no serviço público os funcionários têm, em geral, motivação intrínseca significativa, realizando tarefas em função do senso de dever, lealdade e prazer, ou seja, realizam as atividades porque acreditam nelas e, ao fazê-lo, têm a sensação de que estão cumprindo seu dever. Essa motivação intrínseca, em certas condições, pode ser reduzida ao ser introduzida a remuneração variável. Dar a alguém incentivos financeiros para realizar tarefas que já seriam feitas por prazer reduz a motivação, na medida em que a pessoa passa a enxergar a tarefa como algo controlado por incentivos externos e não por um prazer, por uma vontade interna. Portanto, nesses casos, as gratificações podem produzir custos ocultos e, assim, reduzir o desempenho (WEIBEL et al., 2010). Esse efeito da redução ou neutralização da motivação intrínseca em função da existência de recompensas extrínsecas é genericamente conhecido na literatura como efeito deslocamento ou expulsão (crowding-out effect). Em outras palavras, o aumento da motivação extrínseca por meio de mecanismos externos (recompensas) provoca o “deslocamento” ou a “expulsão” da motivação intrínseca. É atribuída a esse efeito boa parte das limitações motivacionais da remuneração variável.

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 291 |

O EFEITO CROWDING-OUT14

Diversos autores têm buscado compreender o problema do efeito crowding-out. Osterloh e Frey (2002) sintetizam argumentos teóricos e resultados de pesquisas empíricas sobre o assunto. Duas visões existem a respeito desse efeito.

Segundo a perspectiva da teoria da avaliação cognitiva, o referido efeito faz que a motivação intrínseca seja substituída pela intervenção externa, o que é percebido como uma restrição à autonomia do indivíduo. Este não mais se sente responsável por determinada atividade, já que ela está sendo “controlada” e incentivada pelo dinheiro, pela premiação variável. A tarefa passa a ser orientada não mais pelo prazer, mas pelo dinheiro. O indivíduo passa, então, a atribuir a responsabilidade do trabalho para quem está pagando por ele, isentando a si próprio de investir energia em sua realização.

Já a teoria dos contratos psicológicos argumenta que cada relação de trabalho inclui um aspecto extrinsecamente motivado (dinheiro) e um aspecto relacional entre as duas partes. Caso a parte relacional do contrato seja quebrada, a boa-fé recíproca é colocada em xeque. Evidências empíricas demonstram que, quando isso ocorre, as partes no contrato percebem que a realização da tarefa foi transformada numa simples relação comercial. Por exemplo, quando um super-visor cumprimenta um empregado por um grande esforço com um presente simbólico (flores, por exemplo), a motivação intrínseca desse empregado tende a aumentar porque ele sente que seu esforço é valorizado. Entretanto, se por algum motivo, o indivíduo percebe que o gesto do superior serve somente a um objetivo instrumental, sua motivação intrínseca é afetada negativamente. As flores passam a

14 Uma tradução aproximada para o português seria “efeito de amontoamento”.

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ser percebidas como controladoras, e a relação é interpretada como comercial, reduzindo a motivação (OSTERLOH, FREY, 2002).

Diversas análises empíricas têm sido realizadas a respeito do crowding-out effect. Uma das mais relevantes (Eisenberger, Cameron, 1996)15 analisou um total de 59 artigos produzidos entre 1971 e 1997 e concluiu que recompensas reduzem a motivação intrínseca para atividades consideradas interessantes (aquelas que os experi-mentos mostraram ser intrinsecamente orientadas) de uma maneira altamente significante e bastante confiável. Osterloh e Frey (2002) argumentam, portanto, que não há dúvidas de que o crowding-out effect existe e é um fenômeno significativo sob certas condições. As-sim, é necessário calcular o resultado líquido entre o efeito-premiação (decorrente da recompensa) e o efeito crowding-out, para avaliar de fato o impacto da remuneração variável sobre a motivação.

A COMPARAÇÃO ENTRE ESTÍMULOS INTRÍNSECOS E

EXTRÍNSECOS

Como vimos, a visão da Psicologia propõe que a remuneração variável reduz o desempenho no caso de tarefas interessantes. Em oposição, a visão da Economia argumenta que a remuneração variável aumenta o desempenho independentemente do tipo da tarefa, quando o sistema de incentivos está modelado e implementado corretamente.

Novos estudos publicados por Weibel et al. (2010) iluminam essa aparente controvérsia. Os autores revisaram conclusões de 46 estudos publicados em revistas acadêmicas das áreas de economia e psicologia. Os estudos foram classificados de acordo com suas referências a atividades interessantes e não interessantes. Os autores

15 Eisenberger, R.; Cameron, J. (1996). Detrimental effects of reward: reality or myth?

American Psychologist, 51, 1153–66, como citado em Osterloh e Frey (2002).

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concluíram que a remuneração variável aumenta significativamente o desempenho no caso de atividades não interessantes, enquanto no caso das interessantes ela o reduz. No estudo, não foram en-contradas diferenças significativas entre os estudos publicados em revistas de Economia e Psicologia. Assim, é possível articular as duas visões (econômica e psicológica) em uma conclusão convergente. A Economia argumenta que boa parte dos problemas da remuneração variável está relacionada a incentivos modelados inadequadamente. A visão da Psicologia complementa esse raciocínio acrescentando um aspecto: PRP funciona bem para atividades não interessantes e tem sérias limitações para atividades interessantes, podendo, nesses casos, até reduzir o desempenho do funcionário.

Essas conclusões têm importantes consequências para a mode-lagem de incentivos no setor público. O estudo da OCDE (2005a) mostrou que os incentivos variáveis tendem a ser de, no máximo, 10% da remuneração para o nível não gerencial. Como consequên-cia, o efeito-premiação é pequeno no serviço público.16

O efeito crowding-out, contudo, é alto, já que o conteúdo do trabalho e a motivação intrínseca parecem ser importantes fatores de incentivo no serviço público, o que é confirmado por uma série de autores.17 Um pequeno efeito-premiação somado a um grande efeito

16 Uma série de autores confirma essa afirmação: Ingraham, P. W. (1993). Of pigs in pokes

and policy diffusion – Another look at pay-for-performance. Public Administration Review 53:348-

-56, Kellough, J. E.; Haoran, L. (1993). The paradox of merit pay in the public sector: Persistence of a

problematic procedure. Review of Public Personnel Administration 13 (2): 45-64 e Moon, M J. (2000).

Organizational commitment revisited in new public management: Motivation, organizational culture,

sector, and managerial level. Public Performance & Management Review 24, 177-94.

17 ara mais informações sobre esse argumento, ver: François, P. (2000). Public service

motivation‘ as an argument for government provision. Journal of Public Economics 78:275-99, Frank,

S. A.; Gregory, L. 2004. Government employees — Working hard or hardly working? American Review

of Public Administration 34:36-51, e Grand, J. (2006). Motivation, agency, and public policy: Of knights

and knaves, pawns and queens. Oxford: Oxford University Press.

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crowding-out resulta em uma queda de desempenho, especialmente para tarefas interessantes.

Para Weibel et al. (2010), essa realidade sintetiza a maior parte das causas do fracasso da remuneração variável no setor público. Nesse ambiente, servidores de nível operacional são bons candidatos para a remuneração variável, pois são mais propensos a conside-rarem seus trabalhos menos interessantes do que os gerentes.18 Já para estes, a PRP seria uma estratégia arriscada e potencialmente negativa, uma vez que a função gerencial tende a ser interessante em razão do desafio e da complexidade da tarefa. Essas afirmações teóricas parecem estar de acordo com estudos empíricos. Perry et al. (2009) concluem, após avaliar a efetividade das experiências de PRP, que elas parecem ter mais sucesso nos níveis operacionais, onde as tarefas são menos ambíguas e os resultados mais concretos e mensuráveis, contradizendo a premissa de que seriam mais efetivas nos níveis gerenciais.

9.5 EM BUSCA DO IMPACTO POSITIVO: OUTRAS CONDIÇÕES CRÍTICAS DE IMPLEMENTAÇÃO

A maioria dos estudos enfatiza, porém, que a remuneração variá-vel no setor público pode ter efeitos positivos (OCDE, 2005; PERRY et al., 2009; MARSDEN, 2010; BURGESS, RATTO, 2003). O modelo não é um simples fracasso. Suas limitações, embora sérias e recorrentes, podem ser enfrentadas ou minimizadas, e resultados positivos podem ser obtidos.

18 Buelens, M.; van der Broeck, H. (2007) An analysis of differences in work motivation

between public and private organizations. Public Administration Review 67: 65-74.

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Segundo Marsden (2010), embora a remuneração variável pos-sa ter efeitos perversos sobre a motivação em algumas condições, existem contribuições para a melhoria do desempenho das orga-nizações. A mensuração do desempenho e a definição de metas (que geralmente são fortalecidas com a implantação da PRP) têm contribuído para um melhor desempenho. O autor afirma que a implantação da remuneração variável tem incentivado a renego-ciação de prioridades e padrões de desempenho entre empregados e chefia. Uma vez que metas e objetivos organizacionais são a base de cálculo da parcela variável, torna-se necessário que eles sejam esclarecidos, comunicados, negociados e repactuados com os fun-cionários. A relação contratual entre chefe e subordinado passa a ser regularmente rediscutida e favorece a convergência das metas individuais e organizacionais.

Os estudos reforçam uma importante constatação: discutir a relação entre remuneração variável e melhoria do desempenho não implica, somente, em verificar possível aumento no esforço dos funcionários. Há de se verificar, também, em que grau esse esforço foi redirecionado aos objetivos desejados (GERHART, 2009). O simples redirecionamento do esforço (mesmo que não haja aumento dele) em direção às prioridades da organização pode gerar melhoria do desempenho. Mesmo que a PRP não gere mais esforço, ela pode induzir a um esforço de melhor qualidade, ou seja, pode melhorar o alinhamento entre indivíduo e organização. Essas observações são coerentes com importantes estudos publicados recentemente. Os trabalhos de Perry et al. (2009) e OCDE (2005a, 2005b) concluíram que a PRP pode melhorar o desempenho, em geral, não por via da motivação. Os bons resultados são decorrentes de efeitos deriva-dos, como o alinhamento de esforços em torno de prioridades, a

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mensuração e avaliação do desempenho, melhor tomada de decisão e maior cooperação quando as metas são coletivas.

A literatura aponta, entretanto, que esses efeitos positivos ocorrem quando há boas condições de implementação. Mas essas condi-ções parecem presentes em poucas experiências investigadas. Uma vez que grande parte dos autores mostra-se reticente e pessimista quanto aos resultados da remuneração variável no serviço público, é necessário aprimorar a modelagem e os processos para por esse mecanismo em prática, a fim de fortalecer seus aspectos positivos. A seguir, serão discutidos outros aspectos relevantes de modelagem e implementação.

PRIMEIROS PASSOS NA INTRODUÇÃO DE SISTEMAS

DE PRPKerr (2004) afirmou que para se ter uma gestão efetiva, o esta-

belecimento das recompensas deve ser a terceira coisa com o que se preocupar. Mensurar o desempenho deve vir em segundo lugar e tanto as gratificações quanto a mensuração devem estar subordi-nadas à definição clara e precisa sobre o que, de fato, deve ser feito. O primeiro passo, portanto, deve ser a construção de um plano estratégico para a organização. Ele pode estar em uma folha de pa-pel com as dez prioridades para o ano ou em um mapa estratégico elaborado com o apoio de uma boa consultoria. Ainda segundo o autor, o mais interessante desse princípio é que ele, por mais senso comum e autoevidente que seja, é violado sistematicamente.

Kerr (2004) ensina que estabelecer indicadores de desempenho e metas para verificar o cumprimento (ou não) das prioridades defini-das pela organização deve vir antes de se pensar na implantação de um sistema de PRP. A ausência de um plano estratégico com metas

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 297 |

organizacionais anteriores à introdução de sistemas de incentivo pode levar a metas criadas de qualquer maneira, apenas para a implantação da PRP, desconectadas de um processo maior, estipuladas apenas para setores (ou carreiras) específicos da organização e direcionadas para objetivos nebulosos (já que não se discutiram as prioridades e a estratégia para a organização como um todo). Assim, surgem, naturalmente, situações como a descrita por Kerr (1975), ou seja, a organização pode estar recompensando coisas erradas e, inclusive, aquilo que deseja evitar.

DEFINIÇÃO DOS INDICADORES DE DESEMPENHO

Segundo Pacheco (2009) diversos autores têm discutido a questão de mensurar os produtos/serviços ou impactos. Entende-se produtos/serviços, conhecidos na literatura como outputs, como aqueles oferecidos ou prestados em nome do governo pelos minis-térios/secretarias a indivíduos ou a organizações externas (TROSA, 2001). Os produtos/serviços são diretamente vinculados às políticas públicas; por exemplo, o número de atendimentos preventivos nos postos de saúde. Já os impactos, também chamados de outcomes, são as mudanças efetivas desejadas pela sociedade em decorrência das políticas públicas; por exemplo, a redução da mortalidade infantil em determinada região.

Os produtos/serviços são muito importantes para avaliar o resul-tado da política pública de forma mais específica e concreta, esta-belecendo relação entre processos e resultados. Existem argumentos clássicos: os defensores dos produtos/serviços argumentam que eles são mais facilmente mensuráveis, são consequência direta da política pública e, portanto, medem melhor o desempenho. Os defensores dos impactos argumentam que são estes que medem, de fato, se a

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política está funcionando, embora apenas sejam observáveis em médio/longo prazo.

Trosa (2001) apresenta uma solução pragmática: produtos/serviços e impactos são, ambos, importantes e respondem a perguntas distin-tas. Para a autora, a mensuração dos primeiros permite conhecer o que é efetivamente produzido com os recursos públicos, e os segun-dos permitem indagações sobre a eficácia e utilidade daquilo que é produzido. Os governos devem começar pelos produtos/serviços, cuja mensuração é mais fácil, e ir evoluindo em direção aos impactos, por meio da construção da cadeia lógica que liga as ações aos objetivos visados, relacionando impactos, resultados intermediários e ações.

Para Behn (2003, 2004a), não basta discutir a medição de pro-dutos/serviços ou impactos. Deve-se explicitar qual o propósito com a mensuração, pois diversos objetivos requerem diferentes medidas. Segundo o autor, para motivar as pessoas, a organização precisa de medidas praticamente em tempo real, pois só tem sentido a recom-pensa caso seja possível monitorar os resultados a tempo de corrigir rumos. Behn defende enfaticamente a mensuração de produtos/ser-viços, especialmente quando o objetivo é motivar. Portanto, quando se fala em remuneração variável por desempenho, a literatura nos esclarece que o foco em medidas de produtos/serviços é mais eficaz, pois gera condições efetivas de corrigir rumos e também gera a per-cepção, nos servidores, de que basta modificar o comportamento para melhorar os resultados, já que estes são consequência direta da ação da organização.

Segundo Pacheco (2010),19 parece haver, no Brasil, uma tendên-cia a supervalorizar os impactos. Fala-se cada vez mais em impactos, como se eles representassem a mais moderna face da gestão por

19 Regina Pacheco, palestra de encerramento, congresso CONSAD 2010, Brasília-DF.

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resultados no serviço público. Entretanto, embora sejam medidas importantes e que devem ser mensuradas, restringir-se aos impactos traz sérias limitações. Eles podem demorar muito tempo (às vezes muitos anos) para manifestar o resultado de ações. Eles são tam-bém influenciados por diversos fatores. Por exemplo, a melhoria das condições de saúde da população não depende somente do número de atendimentos preventivos. Há também influências do padrão de saneamento, do nível de educação e higiene e de uma série de outros fatores. Embora a mensuração desses impactos seja importante e necessária para uma série de objetivos, a utilização deles para sistemas de PRP deve ser bastante reduzida.

O PAPEL DA DIFICULDADE E DO VOLUME DAS METAS

NO DESEMPENHO

Locke e Latham (2002) afirmam que metas difíceis levam a melhores resultados. Foi encontrada uma correlação positiva linear, fortemente significativa, de que as metas mais difíceis (na percepção de quem deve cumpri-las) levam a maiores níveis de esforço e desempenho. Segundo os autores, essa relação entre metas difíceis e desempenho foi comprovada por 35 anos de pesquisas e verificada em mais de 100 diferentes tarefas envolvendo 40 mil participantes em 8 países, tanto em laboratório quanto em estu-dos de campo. Os resultados são aplicáveis a indivíduos e grupos (LOCKE; LATHAM, 2002). Os autores também compararam os efeitos da definição de metas desafiadoras e específicas à simples utilização do incentivo moral “faça o seu melhor”. Os resultados mostram que metas difíceis, específicas e claramente definidas levam a um desempenho superior do que simples incentivo de um dito moral.

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Outro ponto importante é que metas em excesso levam a uma “sobrecarga cognitiva”. A não ser que a maior parte delas possa ser delegada, um gerente sozinho, provavelmente, tem condições de gerenciar entre três e sete metas, dependendo de sua complexidade e de quanto tempo elas demandam para sua consecução (LOCKE, 2004). Os autores também argumentam que, para que as metas se-jam efetivas, as pessoas precisam de feedbacks periódicos para revelar a evolução do seu desempenho. Se elas não souberem de que forma estão desempenhando sua função, será praticamente impossível ajus-tar ou redirecionar o esforço e as estratégias em direção à meta. Esse é mais um argumento a favor dos produtos/serviços, em detrimento dos impactos, para subsidiar sistemas de incentivo.

OS RISCOS ASSOCIADOS AO FENÔMENO DO GAMING

EM SISTEMAS DE PRP

A palavra gaming se refere à situação em que os controlados aprendem “a regra do jogo” e passam a “jogar” em busca do seu interesse, mesmo que isso vá de encontro aos objetivos do sistema. Trata-se de uma manipulação e mau uso do sistema, especialmente por parte dos controlados (agentes). Qualquer modelo de incentivo que se baseie na avaliação de indicadores e metas está sujeito a esse fenômeno, o que representa, assim, uma limitação e um risco para os sistemas de remuneração variável.

A literatura está recheada de exemplos desse fenômeno. Hood (2006) mostra que, na Inglaterra, houve situações em que foi so-licitado a pacientes que aguardassem dentro das ambulâncias (evi-tando que chegassem à recepção) até que o hospital tivesse certeza de que eles poderiam ser atendidos dentro da meta de quatro horas de espera. Observaram-se, também, professores treinando alunos

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especificamente para o teste que avalia as escolas, esquecendo qual-quer outro conteúdo ou disciplina que não fossem aqueles da prova; ainda, há relatos de que estudantes com desempenho insatisfatório são “deixados de lado”, na expectativa de focar a atenção naqueles considerados os melhores para representar a escola no teste.20

Incentivos perversos geralmente aparecem quando o trabalho exige uma série de tarefas, mas somente algumas são mensuradas e recompensadas. Nesse caso, o trabalhador concentra esforços somente nas segundas, em detrimento dos objetivos organiza-cionais. Robert Behn (2007) alerta os gestores públicos a esse respeito ao afirmar que poucas medidas concentram a atenção das pessoas, o que é uma vantagem óbvia e, ao mesmo tempo, uma desvantagem. Para o autor, o que não é medido não é feito e, portanto, os gestores devem avaliar cuidadosamente o que deve ser mensurado e, especialmente, quais medidas devem ser a base do sistema de incentivo.

Segundo Hood (2006), especialistas identificaram no mínimo três tipos de gaming e comportamentos oportunistas em torno de metas. O mais conhecido ocorre quando os controlados (agentes) percebem que as próximas metas serão influenciadas pelo maior desempenho obtido no passado (rachet effect ou efeito bola de neve). Assim, eles passam a acreditar que se trabalharem muito durante o ano irão prejudicar a si próprios, já que uma meta ainda maior lhes será imposta no próximo ano. Consequentemente, os agentes tendem a reduzir a produtividade no período corrente para ficarem mais confortáveis no futuro. Um segundo tipo é conhecido como efeito do limite mínimo ou “nivelamento por baixo” (threshold effect).

20 van Dooren, W. (2008) Performance indicators: wolf in sheep‘s clothing?, mimeo, como

citado em Pacheco (2009).

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Ele ocorre quando metas iguais são impostas a todas as unidades do sistema, fazendo que não haja incentivos para a excelência e que aqueles que têm melhor desempenho sejam encorajados a reduzir a quantidade e qualidade de seus serviços em direção ao nível mínimo definido pela meta. Um terceiro tipo de gaming consiste na distorção dos objetivos — hitting the target and missing the point, “atingir o alvo, mas não o sentido” — como situações em que tempos de res-posta são reduzidos com perda da qualidade de atendimento. Nessas condições, o processo de definição de metas pode se assemelhar a um jogo entre agente e principal, em que ganha quem for mais esperto. E o objetivo de melhor desempenho se perde nesse jogo.

Na concepção e implementação de um sistema de remuneração variável, mais importante do que tentar reduzir o gaming depois de identificada sua existência, é evitar estímulos que o originem. A possibilidade de ocorrer o gaming está relacionada a dois aspectos: a pressão exercida nos indivíduos em função do sistema de metas, por um lado, e a existência de mecanismos anti-gaming, por outro.

A existência de remuneração variável atrelada à avaliação dos resultados ou a um sistema de monitoramento de metas gera maior pressão e maior incentivo para que as pessoas pratiquem o gaming. Uma situação típica ocorre quando há forte cobrança de metas pela liderança, como no caso inglês na gestão de Tony Blair (em que ges-tores sofriam pesada cobrança executiva21 e poderiam ser demitidos em função de resultados ruins). Nesse sentido, o valor ou o peso monetário da remuneração variável faz diferença. Segundo a OCDE (2005b), o valor monetário da PRP no setor público tem ficado, nos países desenvolvidos, até o limite de 10% do salário para servidores 21 Para maiores detalhes sobre o funcionamento do sistema inglês ver Kelman, S. (2006).

Improving service delivery performance: organization theory perspectives on central intervention

strategies Journal of Comparative Policy Analysis, 8(4) 393-419.

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e de 20% para o nível gerencial. Não ultrapassar esse limite parece ser importante para evitar o “vale-tudo” na busca de resultados, o que incentivaria a prática de gaming.

Mecanismos anti-gaming podem minimizar a ocorrência desse fe-nômeno. Hood (2006) cita a definição de especificações detalhadas em relação aos indicadores e metas, a realização de auditorias e a punição exemplar de controlados mal-intencionados. Para Locke (2004), uma forma adequada à prevenção desse tipo de comportamento é fazer que regras de conduta, normas éticas e padrões de comportamento sejam claramente comunicados e sistematicamente reforçados pela liderança. Outras medidas são possíveis para reduzir o efeito bola de neve. O principal pode buscar meios de aumentar o conhecimento sobre a execução da tarefa, reduzindo a assimetria de informações e conhecendo mais sobre o nível de esforço despendido na produção. Além disso, esse principal pode comparar o desempenho de sua uni-dade de produção com o de outras similares na mesma organização ou em outras organizações, é o chamado benchmarking.

A definição de metas pode, por si só, minimizar o gaming. A pactuação de resultados pode ser feita por “conjunto de indicadores”, buscando contemplar, nesses indicadores, quantidade e qualidade, gerando incentivos para evitar efeitos perversos. Metas de redução de tempo de espera de serviços, por exemplo, devem vir acompanhadas de indicadores de qualidade e satisfação desses serviços.

A aplicação desses mecanismos anti-gaming demanda, entretanto, análise, pesquisa, diálogo e conhecimento da política pública. A existência de uma unidade de inteligência composta por servidores qualificados, ligada diretamente ao principal e que o auxilie nos detalhes da negociação com o agente parece ser fundamental. Na relação agente x principal, solucionar o problema da assimetria de

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informação pode ser impossível, mas implementar mecanismos para minimizá-la parece necessário.

A CULTURA BRASILEIRA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE OS

RESULTADOS DO SISTEMA DE PRPBarbosa (1996) mostrou que tentativas de implementar sistemas

de avaliação individual por mérito no Brasil foram feitas diversas vezes em nossa história, mas pressões sociais sempre levaram os modelos ao fracasso. Embora todos apoiem a lógica meritocrática, a prática social não a legitima. A autora argumenta que o valor de igualdade no Brasil é diferente do existente nos Estados Unidos. Lá, a ideia de igualdade significa o tratamento igual perante a lei, e não necessariamente a busca de um estado substancialmente igualitário. A existência da diferença entre os indivíduos é reconhecida, legitimada e percebida como o resultado do diferencial de talento (aptidão inata), que per-mite a alguns indivíduos realizar e praticar certas ações com muito melhor desempenho do que outros, em função de sua capacidade e desejo de realização. As diferenças são, assim, percebidas como inevi-táveis e desejadas. A sociedade americana está pronta para admitir a igualdade jurídica e a desigualdade de fato, em função das diferenças de desempenho individual. Nesse contexto, o desempenho funciona como um mecanismo socialmente legítimo, que permite à sociedade diferenciar, avaliar, hierarquizar e premiar os indivíduos entre si.

A noção de igualdade no Brasil é diferente. Barbosa (1996) afirma que o desempenho é entendido mais como resultado do ambiente do que como esforço do indivíduo. A consequência disso é que produ-ções individuais não são comparáveis, pois o produto de cada uma é visto como fruto de condições históricas subjetivas. Para a autora, os brasileiros atribuem um desempenho ruim à falta de oportunidades

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na vida, não legitimando o mérito enquanto fonte natural de diferen-ciação social — em uma frase: “no Brasil, desempenho não se avalia, se justifica”. Daí a síndrome da isonomia, as progressões automáticas para todos e o engessamento do serviço público, no qual diferentes categorias funcionais se encontram amarradas umas às outras, de for-ma que qualquer diferenciação, mesmo que baseada na diferença de funções, é vista como concessão de direitos que devem ser estendidos a todos, o que leva ao famoso efeito cascata.

Na sociedade brasileira, o estabelecimento de gradações ou hie-rarquias é visto como a introdução de uma desigualdade que vai de encontro ao próprio objetivo do sistema. Em um universo como esse, a luta pelo reconhecimento do mérito individual é extremamente difícil e polêmica. Especialmente quando essa avaliação tem impactos financeiros, o problema se radicaliza. Mesmo quando há avaliações objetivas sobre diferenciação de desempenhos, no momento de eventuais distribuições financeiras, estas acabam sendo igualitárias. O argumento é que, normalmente, como o dinheiro disponível é muito pouco, é melhor “dar um pouquinho para cada um, para que todos recebam alguma coisa”. Por isso é que ou todos são avaliados positivamente, ou ninguém é avaliado (BARBOSA, 1996).

As consequências dessa análise são impactantes para a modelagem e para a possibilidade de sucessos de sistemas de PRP no Brasil. Em-bora o argumento de Barbosa se volte especificamente à noção de avaliação de desempenho individual, qualquer modelo de incentivo vai se basear nessa parcela individual ou em uma avaliação coletiva para aferição da remuneração variável. A síndrome da isonomia e a busca de uma igualdade substantiva fazem que, mesmo havendo diferença de desempenho, exista uma pressão social para que todos ganhem de forma igual. Isso leva a pressões adicionais no sistema

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de avaliação, porque, como afirmamos anteriormente, a cultura brasileira atribui a desigualdade de desempenho à falta de opor-tunidades na vida. Assim, não faz sentido dar uma nota diferente de 10, uma vez que cada um fez o que pôde. A implantação de sistemas de PRP no Brasil deve considerar esse aspecto cultural e, assim, prever mecanismos que possam tornar o mais objetiva possível a diferenciação do desempenho. Modelos baseados em resultados mensurados de forma objetiva são, por esse motivo, mais adequa-dos ao caso brasileiro do que modelos estruturados em avaliações subjetivas de desempenho.

OS EFEITOS DA CREDIBILIDADE E DO SENSO DE

JUSTIÇA

A imagem que os empregados constroem sobre o funcionamento do sistema de remuneração variável influencia o fracasso ou o sucesso do modelo. Perry et al. (2009) concluíram que o sucesso da PRP depende da percepção, por parte dos empregados, de que o sistema é justo, transparente e não político.

O nível de confiança e a consistência do sistema de avaliação foram observados como fatores críticos para o sucesso do modelo. Se os empregados perceberem que as regras do sistema foram rela-tivizadas, flexibilizadas ou manipuladas em benefício de alguns, o sistema cairá em descrédito. Os autores também argumentam que a credibilidade da liderança parece ter um papel importante para induzir os funcionários a um senso de justiça em relação à PRP. Gehardt (2009) e Dahlström e Lapuente (2010) também reafir-mam a importância de que os empregados tenham o sentimento de confiança e credibilidade em relação às regras, para a efetividade do modelo.

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 307 |

9.6 ESCOLHENDO MODELAGENS ADEQUADAS PARA SISTEMAS DE INCENTIVO NO CASO

BRASILEIRO

As experiências investigadas nas diversas publicações aqui refe-renciadas e os argumentos teóricos propostos pelos autores indi-cam práticas que terão mais chances de conduzir um sistema de remuneração variável a gerar bons resultados no serviço público brasileiro. A seguir, descreve-se uma proposta preliminar dessas práticas, que podem e devem ser aprimoradas pela literatura ge-rencial brasileira.

CONSTRUÇÃO DE UMA AGENDA ESTRATÉGICA PARA

TODA A ORGANIZAÇÃO

Conforme foi possível observar na literatura, para que o PRP realmente contribua para a melhoria do desempenho, é necessário garantir que o modelo incentive o comportamento e os resul-tados na direção adequada. Metas criadas apenas para compor o cálculo variável da remuneração dificilmente são levadas a sério. A remuneração variável é, nas experiências exitosas, parte de um sistema mais amplo de gestão de resultados e metas, em que as informações do desempenho são monitoradas e utilizadas para a tomada de decisão no dia a dia. É nessas condições que o potencial do sistema é utilizado plenamente, já que os incen-tivos podem ser acompanhados e redirecionados à medida que prioridades específicas da organização forem identificadas. Assim, cabe esperar que a prática 1, a seguir, gere bons resultados no contexto brasileiro:

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Prática 1: Uma primeira e indispensável etapa para a concepção de um sistema eficaz é a construção de uma agenda estratégica (com indicadores e metas) para toda a organização (e não para apenas partes dela).

AVALIAÇÃO DE RESULTADOS QUANTIFICÁVEIS E

FOCADA EM PRODUTOS/SERVIÇOS

Conforme apontado na literatura, é arriscado estruturar o modelo de PRP em torno de avaliações de comportamento que têm um grau maior de subjetividade. O motivo principal é o risco de tendência benevolente. Dessa forma, parece ser mais indicado estruturar a mensuração em torno de produtos/serviços. Eles são mais adequados para proporcionar redirecionamento de esforços em busca de re-sultados, uma vez que podem ser medidos praticamente em tempo real. Eles também são mais adequados para representar, de fato, o esforço empreendido na execução da política pública. Os produtos/serviços “enxergam” melhor e mais diretamente o desempenho, sendo mais úteis para a tomada de decisão e gestão do dia a dia. Estudos apontam que as pessoas precisam ter a sensação de que cabe a elas alcançar as metas para, assim, sentirem-se motivadas. Uma pequena parcela da composição variável pode ser reservada aos impactos, apenas para que eles exerçam a função de inspiradores e para que o exercício de repensar a relação processos x resultados seja constante. Assim, cabe esperar que a prática 2, a seguir, venha a gerar bons resultados no contexto brasileiro:

Prática 2: O modelo deve basear-se na avaliação de resultados objetivamente quantificáveis, exclusivamente. Os resultados devem privilegiar mais produtos/serviços e menos impactos.

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ESTABELECIMENTO DE METAS E PREMIAÇÃO POR

EQUIPE

Sistemas baseados em equipes têm sido apontados como mais eficazes no setor público, seja pela dificuldade em medir resultados no nível individual, seja porque fortalecem a cooperação. Não existe uma receita única para a definição da equipe. Deve-se avaliar, caso a caso, o que favorece mais o desempenho. A equipe deve ser com-posta por indivíduos que respondam pela produção de um único produto/serviço, ou seja, indivíduos que contribuam para um mesmo resultado. Equipes pequenas podem favorecer o controle pelos pares, se esse objetivo for relevante para o caso concreto. E, finalmente, grupos podem ser ampliados, para que diferentes unidades persigam as mesmas metas, fortalecendo a cooperação. Assim, cabe esperar que a prática 3, a seguir, venha a gerar bons resultados:

Prática 3: O modelo deve basear-se em metas por equipe e em premiação por equipe. A composição e o tamanho da equipe devem ser estudados caso a caso e privilegiar dois critérios: unicidade da produção/serviço e possibilidade de controle pelos pares.

CRIAÇÃO DE UNIDADE DE INTELIGÊNCIA

A construção de indicadores e metas de forma que eles orientem os comportamentos desejados não é trivial. Cada resultado requer um conjunto de indicadores para promover o incentivo na direção correta e evitar o gaming. Essa construção requer pesquisa, análise e conheci-mento da política pública. Além disso, considerando a relação agente x principal, quanto mais informação puder ser levantada sobre bench-marking, melhor será a efetividade da relação e melhor será a definição das metas. Contudo, não parece crível que metas difíceis, que levam a

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melhores resultados, possam ser definidas sem uma análise detalhada do desempenho. É, portanto, indispensável para a efetividade de modelos de PRP, o estabelecimento de uma unidade de inteligência, dotada de alta qualificação e ligada diretamente ao principal, com o propósito de coordenar o modelo e assessorar a liderança. Assim, cabe esperar que a prática 4, a seguir, venha a gerar bons resultados:

Prática 4: Uma unidade de inteligência deve ser constituída para negociar metas ousadas, reduzir a assimetria de informações e evitar o gaming.

CONTRATUALIZAÇÃO FORMAL DAS METAS

Para minimizar o problema dos múltiplos principais, um processo de formalização daquilo que será a base para o cálculo da parcela variável parece importante. Quanto mais esse processo for formal, sistemático, discutido e negociado, melhor será o resultado final em termos de efetividade da PRP. Os estudos mostram, também, que a credibilidade do modelo perante os empregados é fator im-prescindível para se obter sucesso. E essa credibilidade depende da percepção, por esses empregados, de que o sistema tem regras claras, de que ele é justo, transparente e não político. Assim, cabe esperar que a prática 5, a seguir, venha a gerar bons resultados:

Prática 5: É necessário um processo formal, sistemático e perió-dico de contratualização de metas quantitativas que servirão como base do sistema. Nesse processo, os empregados devem ser ouvidos. Regras claras de funcionamento do sistema devem ser estabelecidas, divulgadas e respeitadas. Deve-se investir na transparência das metas e do processo de avaliação.

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 311 |

ADAPTAÇÃO DA MODELAGEM DO SISTEMA AO TIPO DE

ATIVIDADE

A teoria claramente mostra que a PRP funciona muito bem para tarefas pouco interessantes. Nessa parcela do funcionalismo, deve-se tomar cuidado apenas para que o valor monetário da pre-miação não gere pressões fortes demais, de modo a estimular o gaming. O teto identificado na experiência internacional, de 10% da remuneração dos servidores, parece adequado. Assim, a prática 6 parece apropriada:

Prática 6: A modelagem do sistema deve adaptar-se em função do tipo de atividade. Uma modelagem única parece ser ineficaz. Tarefas (ou funcionários) com características diferentes precisam de modelagens de remuneração variável também distintas. No nível operacional, especialmente em setores que realizam tarefas pouco interessantes, a implantação da PRP com valores monetários relati-vamente baixos é altamente eficaz para a melhoria do desempenho.

Excetuando-se tarefas operacionais e pouco interessantes, as quais são, claramente, alvos preferenciais de sistemas de remuneração variável, uma questão mais estrutural aparece: deve-se implantar PRP nas outras parcelas do funcionalismo? Uma resposta precisa e definitiva a essa questão não parece possível neste momento. Pode-se arriscar uma hipótese: uma vez que os efeitos positivos e não mensuráveis da PRP parecem estar levando esse método a ser implantado em governos de todo o mundo, pode-se inferir que os ganhos derivados são suficientemente interessantes para que se aceite os custos ocultos da perda de parte da motivação. Mas não há consenso. Para atividades interessantes, outros fatores motivacionais

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como possibilidade de participação em treinamentos especializados, alocação do servidor em ações estratégicas e premiação e divulgação dos bons resultados parecem mais eficazes.22 A remuneração variável como fator motivador para esse tipo de tarefa parece muito limitada.

9.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho mostrou que os sistemas de remuneração variável utilizados no setor público estão fracassando ou têm sucesso muito limitado. As explicações para um desempenho insuficiente estão reunidas em duas vertentes teóricas. A primeira origina-se dos trabalhos no campo da Economia e se estrutura em torno da teoria da escolha racional e da relação agente x principal. O argumento dessa perspectiva é que boa parte dos problemas da remuneração variável está relacionada aos incentivos modelados inadequadamen-te e às características estruturais do serviço público (BURGESS; RATTO, 2003). A segunda vertente, mais ligada às teorias psicoló-gicas, explica que a remuneração variável, sob certas condições, não tem motivado as pessoas a ter um melhor desempenho. Segundo Weibel et al. (2010), no serviço público, os funcionários têm, em geral, motivação intrínseca significativa, realizando tarefas em função do senso de dever, lealdade e prazer. As pessoas realizam as atividades porque acreditam nelas e, ao fazê-lo, têm a sensação de que estão cumprindo seu dever. Nesse contexto, a implantação de sistemas de incentivo monetário pode gerar efeitos negativos na motivação, especialmente no caso de tarefas interessantes.

22 Argumento do professor Jobst Fidler (Hertie School of Governance), durante conferência

na Fundação Getúlio Vargas-SP entitulada Comparative Public Management Reform, em 21/07/2010.

REMUNERAÇÃO VARIÁVEL POR DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO | 313 |

Discutiu-se, também, uma série de argumentos fundamentados em pesquisas empíricas que indicaram fatores críticos de implementa-ção, dentre os quais os gestores devem dedicar atenção: ao necessário cumprimento de certas etapas na implementação, à importância de metas difíceis, à relevância do fenômeno do gaming e às implicações da cultura brasileira na modelagem de esquemas de incentivo.

Foram, ainda, identificadas as seguintes práticas que podem contri-buir para melhorar os resultados dos sistemas de remuneração variável no setor público brasileiro: 1) a construção de uma agenda estratégica com indicadores e metas para toda a organização; 2) o estabelecimento de resultados quantitativos, preferencialmente produtos/serviços, como base da premiação; 3) o uso de metas e prêmios por equipes; 4) o uso de uma unidade de inteligência contra o “gaming”; 5) a realização de um processo formal e periódico de contratualização de metas e 6) a criação de sistemas de incentivo diferenciados em função do tipo de tarefa.

Os argumentos analisados neste artigo não deixam dúvida de que é importante melhorar o design e a implementação de modelos de incentivo. De toda forma, o contraste entre a opinião pessimista dos acadêmicos e a prática otimista dos gestores (que estão expandindo o uso da PRP) pode ter explicações no desenho das pesquisas. Os estudos acadêmicos procuraram enxergar sucesso ou fracasso dos modelos de incentivo em função da análise de séries históricas de indicadores de desempenho que estariam mensurando os principais resultados das organizações. Esses estudos, dessa maneira, são inca-pazes de enxergar outros efeitos positivos da PRP, como a melhoria do desempenho em função do estímulo ao debate em torno de me-tas e resultados. O incentivo a esse debate pode propiciar reflexões relevantes, eventualmente alterando os produtos/serviços, e provocar modificações sobre os processos e estratégias utilizados no ambiente

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de trabalho. Um eventual redirecionamento de esforços, decorrente dessa discussão, não é captado pelas pesquisas, uma vez que o foco no desempenho pode se deslocar e não ser mensurado pela mesma série histórica de indicadores. Colocar o desempenho no centro do debate cotidiano da organização parece ter um importante — porém, ainda pouco estudado — efeito positivo. Essa é uma das lacunas que poderiam ser investigadas por novas pesquisas.

Outras duas lacunas do conhecimento poderiam ser preenchi-das por novos estudos. Não obstante a crítica metodológica acima, continua sendo indispensável o estudo sobre quais resultados estão sendo obtidos pelas experiências de PRP em funcionamento no governo brasileiro. E, finalmente, a experiência internacional nos mostra, de forma inequívoca, que distintas modelagens e estratégias de implementação são variáveis importantes para explicar fracassos ou sucessos de sistemas de incentivo. Compreender melhor o impac-to de diferentes modelagens e diferentes práticas de implementação no contexto nacional é outro passo indispensável para gerar uma perspectiva mais otimista para a utilização da remuneração variável no setor público brasileiro.

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CAPÍTULO 10

Práticas inovadoras em gestão de pessoas: um estudo de caso no setor

de saúde

LUÍS FERNANDO ASCENÇÃO GUEDESDoutor em Administração pela FEA/USP e Mestre

pela EAESP /FGV, graduado em Engenharia Elétrica pela FEI. Professor da FIA.

ADORINDA LAMANAPsicóloga e Pedagoga com especialização em

Administração Hospitalar pela Faculdade de Saúde Pública da USP e Gestão da Atenção à Saúde pela Fundação Dom Cabral (FDC). Diretora de Gestão de Pessoas do Instituto da Criança (ICr).

MARIANA NUTTI DE ALMEIDA CORDON Médica especialista em Administração Hospitalar

e Sistemas de Saúde pela EAESP/FGV. Diretora Executiva do Instituto da Criança (ICr).

LILIANA VASCONCELLOS GUEDES Doutora em Administração pela FEA/USP

e professora na mesma instituição.

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 321 |

Assim como o sol derrete o gelo, a gentileza evapora mal entendidos, desconfianças e hostilidade.

Albert Schweitzer (1875-1965)

O Instituto da Criança (ICr) foi criado formalmente em 1970 por um Decreto do Governo do Estado de São Paulo com o objetivo de se reunir em uma unidade hospitalar específica todo o serviço de pediatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Em 1976, a totalidade das atividades do ICr estava implantada em um novo prédio. Esse instituto é hoje uma das sete unidades hospitalares que, juntas, formam o complexo do HC-FMUSP, a cuja Superintendência se subordina administrativamente. O ICr conta com o apoio da Fundação Criança e da Ação Solidária Contra o Câncer Infantil, parceiros responsáveis pela construção do prédio do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (ITACI), que hoje abriga o Serviço de Onco-hematologia do ICr.

O ICr, localizado no Jardim Paulista, junto ao HCFMUSP, é uma instituição de grande porte: numa área de 25 mil m2, conta com aproximadamente 1.500 colaboradores (entre funcionários e

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terceiros) e 207 leitos. Em 2011, realizou2 mais de 5.800 inter-nações e cerca de 520 mil procedimentos ambulatoriais. Somente o Serviço de Onco-hematologia realizou naquele ano mais de 16 mil consultas médicas, 25 transplantes de medula óssea e cerca de 4.500 quimioterapias (FFM, 2011).

Associando a prática da medicina à pesquisa acadêmica de ponta, desde 1999 o ICr é considerado pelo Ministério da Saúde um Centro de Referência Nacional em Saúde da Criança (CRNS--Criança).

O ICr presta serviços ambulatoriais e internações predominan-temente para pacientes provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em menor escala, para pacientes do sistema de saúde suplementar. O atendimento do ICr abrange 21 especialidades em pediatria e sua vocação principal são os procedimentos diagnós-ticos e terapêuticos de alta complexidade, tais como transplantes de fígado, rim e medula óssea; diálise especializada para crianças; atenção ao recém-nascido de alto risco e terapia intensiva neo-natal e pediátrica. A assistência especializada a pacientes graves, frequentemente portadores de doenças crônicas e degenerativas, foi se estabelecendo no decorrer da década de 1980, a fim de re-duzir a mortalidade infantil e a morbidade por doenças pediátricas agudas na Grande São Paulo. O Estado possui o segundo menor número de mortes por mil nascimentos da Federação, atrás apenas do Rio Grande do Sul (IBGE, 2010). O gráfico a seguir ilustra a evolução taxa de mortalidade infantil do estado de São Paulo entre 1921 e 2011.

2 Esses valores incluem os atendimentos realizados pelo Instituto de Tratamento de Câncer

Infantil do ICr.

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 323 |

Gráfico 10.1 Evolução da taxa de mortalidade infantil do estado de São Paulo (1921/2011)

TMI (

mor

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1.00

0 na

scim

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s)

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200

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50

0

Fonte: Dados brutos da SEADE (Fundação Estadual de Análise de Dados); elaboração dos autores.

Os procedimentos técnicos são de responsabilidade das áreas es-pecialistas: pediatria neonatal, pediatria clínica e cirurgia pediátrica; e das áreas de apoio técnico: enfermagem, fisioterapia, nutrição, terapia ocupacional, farmácia clínica, serviço social, psicologia e psiquiatria. Os processos de apoio administrativo incluem, entre outros: gestão financeira, gestão de pessoas, tecnologia de informa-ção em saúde, saúde suplementar, suprimentos, farmácia hospitalar, engenharia hospitalar e assessoria de comunicação.

O faturamento do ICr compõe-se dos serviços estratégicos de média e alta complexidade prestados ao SUS e dos serviços pres-tados à rede de Saúde Suplementar. Os casos atendidos pelo SUS são majoritariamente provenientes do estado de São Paulo (95% dos atendimentos em 2010), mas o ICr também é referência para outras partes do Brasil.

| 324 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Em 2007, o Sistema FMUSP/HC, por meio da Fundação Fa-culdade de Medicina da USP, passou a ser beneficiário de algumas doações realizadas a título de substituição de reparação de dano moral coletivo, oriundas de ações civis públicas movidas pelo Mi-nistério Público do Trabalho. Em 2011, essas doações totalizaram R$ 1,5 milhão e foram utilizadas para modernização do Centro Diagnóstico e do Centro Cirúrgico do ICr.

Gráfico 10.2 Faturamento ICr (R$MM)Faturamento ICr(R$MM)

Composição das receitas do ICr (2010)

2009 2010

SUS média e altacomplexidade

Saúde suplementar

SUS estratégicos

$ 17,80 $ 19,40

$ 6,40 $ 7,60$ 3,90 $ 4,30

Saúde suplementar

$ 7,6024%

SUS$ 23,70

76%

Fonte: Dados brutos do ICr (2010, p. 16); elaboração dos autores.

Gráfico 10.3 Composição das receitas de ICr (2010)

Faturamento ICr(R$MM)

Composição das receitas do ICr (2010)

2009 2010

SUS média e altacomplexidade

Saúde suplementar

SUS estratégicos

$ 17,80 $ 19,40

$ 6,40 $ 7,60$ 3,90 $ 4,30

Saúde suplementar

$ 7,6024%

SUS$ 23,70

76%

Fonte: Dados brutos do ICr (2010, p. 16); elaboração dos autores.

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 325 |

Em termos gerais, a adoção da estratégia organizacional que atribui a visão do cliente como foco das atividades teve início em princípios da década de 1980. A adoção de tal estratégia por or-ganizações de saúde foi um processo lento e ainda hoje, encontra resistência, notadamente em instituições do setor público. Teixeira (1983) explica que “o hospital deve atender diferentes objetivos, sendo o principal satisfazer as necessidades do paciente para tra-tamento e cura”, mas ao mesmo tempo o autor salienta que “cada profissional ou grupo interpreta o significado de atender esses objetivos em função do seu próprio sistema de valores”. O foco inicial das organizações hospitalares modernas privilegiava a aten-ção sobre as atividades específicas, calcadas na prática médica. Esse foco foi gradativamente sendo substituído pela gestão estratégica, crescentemente integrada e coordenada, em que a tecnologia e a visão humanista em relação ao atendimento aos pacientes passam a desempenhar papéis de grande relevância, assim como as condições de trabalho dos profissionais da área.

10.1 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS INOVAÇÕES NA ÁREA DE SAÚDE

A dinâmica da inovação tecnológica no setor de saúde apresenta ao menos uma característica que a distingue daquela comumente observada nos demais setores econômicos: a de situar-se majorita-riamente na intersecção do sistema de bem-estar social e o sistema nacional de inovação. O progresso científico-tecnológico é um dos principais motores do desenvolvimento econômico de uma nação e decorre de articulações institucionais complexas, nas quais as

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empresas (por meio de seus laboratórios de P&D), as universida-des, o governo, as instituições de pesquisa, de ensino e fomento coordenam-se na busca pela competitividade e completude de sua função social.

Há fundamentalmente três eixos da inovação tecnológica no setor de saúde:

1. O complexo médico-industrialA estreita relação entre pesquisa básica e aplicada que se observa

no setor de saúde demarca as fronteiras desse subsistema. A cadeia produtiva do complexo médico-industrial é fundamentalmente composta pelos provedores de assistência médica, redes de forma-ção profissional específicas, indústria farmacêutica e indústria de equipamentos médico-hospitalares. O complexo médico-industrial está inserido no Sistema Nacional de Inovação (SNI), uma vez que a base produtiva do setor farmacêutico constitui importante alavanca do desenvolvimento econômico, da capacitação científica e tecnológica do país.

2. O sistema biomédico de inovaçãoO foco desse subsistema de inovação em saúde é a contribuição

científica derivada da prática médica. Hicks e Katz (1996) identi-ficaram que os hospitais britânicos formam um grupo de pesquisa altamente produtivo e independente das indústrias, do governo e das universidades. A participação dos hospitais britânicos, segundo os autores, chegou a 25% da produção científica britânica nos anos 1980.

3. A rede universidade-indústria-sistema de assistência médica.A inovação em saúde, assim como em outros ramos da econo-

mia, é multidimensional e demanda pluralidade de competências, interesses e capacidades para seu pleno desenvolvimento. O estudo realizado por Gelijns e Rosenberg (1995) identificou que a rede

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 327 |

de pesquisa formada por universidades, indústria farmacêutica e prestadores de serviço de assistência médica3 é fonte importante de inovações, notadamente na área de tecnologia médica.

Diferente do que comumente ocorre na indústria e no setor de serviços, a inovação tecnológica aplicada à área de saúde raramente libera mão de obra. Novos equipamentos e materiais são desenvol-vidos tendo em vista o benefício que se espera entregar ao paciente. É dessa forma que com o passar do tempo as unidades de assistência médica de ponta veem seus custos operacionais e seu orçamento aumentar significativamente, o que demanda dos gestores formas criativas de controlar despesas, identificar novas formas de receitas e otimizar investimentos.

Uma vertente importante da inovação no setor de saúde é aquela não tecnológica, mas sim gerencial. Esta tem como objetivo fun-damental a elaboração de meios criativos e eficazes de mediar as relações da corporação e seus colaboradores. São exemplos desse tipo de inovação a gestão por competências, a participação nos lucros e a jornada com horário flexível.

Outra dimensão da inovação é aquela aplicada ao produto ofe-recido aos pacientes, notadamente pelos provedores de assistência médica. Os hospitais particulares e outras instituições públicas de vanguarda passaram a complementar os serviços médicos com os de acolhimento, conforto e hotelaria, antes somente vistos em hotéis de luxo. Instituições médicas de ponta vêm investindo em treinamento do pessoal de linha de frente com vistas a oferecer um padrão de atendimento compatível com o crescente nível de exigência de pacientes e acompanhantes. Não é raro que hospitais 3 Nesse contexto, os prestadores de serviço de assistência médica são os hospitais

universitários e os centros médicos acadêmicos, ambos detentores de posição-chave no processo de

difusão das inovações.

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e centros de diagnóstico focados em pacientes da classe A dispo-nibilizem para seus clientes estacionamento com manobristas, internet sem fio em todas as dependências; tenham hall de entrada de hotel cinco estrelas, cardápio assinado por um chef; ofereçam concertos e atividades lúdicas e tenham serviços de camareiras e mensageiros.

As acomodações são outro exemplo de inovação, digamos, na embalagem do produto. Padrões de móveis, cores e ornamentos e iluminação buscam oferecer aos pacientes e seus familiares e acom-panhantes uma sensação de aconchego que em nada lembra os hospitais e centros de diagnóstico tradicionais de uma década atrás. São exemplos desse conceito as novas unidades de internação na maternidade, no berçário, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e no centro cirúrgico do Hospital Santa Catarina, em São Paulo. As instalações do ITACI, por sua vez, são divididas em três andares temáticos, Água, Terra e Ar, todos decorados de forma lúdica com o personagem Nino, mascote da instituição.

Não importa qual a dimensão da inovação que seja analisada ou implementada, o bem-estar do paciente e de seus familiares e acompanhantes é o princípio norteador básico. Sendo assim, é necessário antes de tudo conhecer os clientes com a maior riqueza de detalhes possível, sua cultura, valores e as regras sociais do seu grupo. Os provedores de assistência médica que aspiram cativar seus clientes têm a importante e difícil missão de oferecer trata-mento médico de ponta, humanizado e num ambiente o mais agradável possível, dadas as circunstâncias que cercam a prestação do serviço.

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 329 |

INOVAÇÕES NO ICR

O Instituto da Criança é submetido ao orçamento público do Estado de São Paulo, com todas as decorrências legais e burocráticas para aquisição de equipamentos, manejo de cargos e salários e políti-cas de progressão de carreira que decorrem dessa submissão. Em que pesem essas limitações (quando se compara com instituições privadas semelhantes em escopo), o ICr tem consistentemente desenvolvido e adotado inovações de grande impacto para seus pacientes, familiares e acompanhantes, entre as quais podemos destacar:•  Assistência ao paciente com abordagem de equipe multidisci-plinar formada por assistentes sociais, educadores, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacionais.•  Pioneirismo em projetos de humanização do atendimento médico, com destaque para o projeto Mãe Acompanhante (que viria a ser adotado como lei alguns anos depois).•  Instituição de serviço de camareira no processo de trabalho da área de Hotelaria dentro dos hospitais públicos. •  Transplante de fígado intervivos em crianças.•  Prescrição eletrônica completa, incluindo dieta e dosagem de medicamentos conforme peculiaridades do paciente.•  Modelo de gestão por competências.•  Instituição do Programa de Diagnóstico Amigo da Criança, que utiliza micrométodos nos procedimentos diagnósticos com crianças. O programa, cujo mote é: “Mais raciocínio clínico, menos exames complementares”, abrange desde procedimentos do time de linha de frente até o desenvolvimento e utilização de equipamentos especiais. Os pilares do desenvolvido foram os seguintes:

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» Utilização do menor volume possível de sangue nas aná-lises laboratoriais. » Escolha de métodos imagenológicos que utilizem doses mais baixas de radiação ionizante ou que efetivamente não a utilizem. » Redução das indicações de anestesia ou mesmo de sedação em pré-escolares, escolares e adolescentes a serem submetidos a exames imagenológicos ou funcionais complexos.

•  Integração eletrônica do sistema de consulta a resultados de exames. O corpo médico do ICr e os pacientes ou responsáveis podem verificar o resultado dos exames realizados na instituição por meio de qualquer equipamento conectado à internet, no Portal do Paciente do Instituto da Criança.Observa-se que a adoção de inovações no ICr tem sido pautada

pelo alinhamento estreito com a estratégia da instituição, que visa não somente o tratamento tecnicamente avançado, no que diz respeito ao conhecimento médico, mas também a humanização do relacionamento do time de linha de frente com os pacientes e seus familiares.

GESTÃO DE PESSOAS NA ÁREA DE SAÚDE

O trabalho na área de saúde é fundamentalmente caracterizado pela incerteza e complexidade. Entre outros fatores, contribuem para essas características o caráter pouco previsível da demanda, a descontinuidade da operação, a complexidade intrínseca da prática da medicina e a eventual flutuação na disponibilidade de recursos (AMANCIO FILHO, 2004). A atuação do profissional de saúde é tal que se torna pouco prática a adoção de uma cartilha de procedi-mentos rígidos; o que se espera, então, é o exercício do diagnóstico

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 331 |

situacional, amparado pelas políticas gerais da instituição. Esse cenário demanda um novo enquadramento da lógica de operação e mesmo de avaliação de sua produtividade e desempenho.

Quando voltamos nossa atenção para uma organização pública de saúde, notamos que são particularmente intrincadas as relações dos diversos atores: pacientes e seus familiares, profissionais de saúde, gestores, fornecedores, dirigentes executivos, facilitadores políticos, segmentos organizados da sociedade, órgãos de fiscalização esta-tal, entre outros. A despeito da dinâmica dos acontecimentos em organizações públicas ser distinta do ambiente competitivo, novos paradigmas de operação são eventualmente internalizados, com os desafios próprios de uma organização pública (FONTENELE, 2010). Nesse contexto, demanda-se que entre os requerimentos da dinâmica profissional, o trabalhador possua competências que se desdobram na capacidade de diagnóstico, de solução de problemas e tomada de decisão sob ambiente de incerteza, além de possuir disposição para atuar em equipe e se auto-organizar (AMANCIO FILHO, 2004).

Para lidar com esse desafio, a gestão de pessoas consiste de um conjunto de políticas e práticas que buscam gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho, de forma a conciliar as expec-tativas da organização e do indivíduo (FISCHER, 2002; DUTRA, 2002). Na organização, a coordenação dessas políticas e práticas é responsabilidade da área de Recursos Humanos (RH), que tem como principais papéis: (1) administração de estratégias de recursos humanos alinhadas à estratégia organizacional, (2) desenvolvimento de processos eficientes para gerir os colaboradores, (3) administração da contribuição dos colaboradores, incluindo o desenvolvimento de competências e o comprometimento e (4) gestão da mudança (ULRICH, 1998).

| 332 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A área de RH deve lidar com algumas especificidades em uma instituição de saúde, entre elas, a estrutura organizacional típica de organizações dessa natureza — que deve idealmente levar em conta a centralidade pouco usual do trabalho exercido pelos profissionais da área e sua relativa autonomia operacional, ao mesmo tempo em que deve considerar a necessidade de pro-cedimentos estáveis, previsíveis e nos quais se aspira máxima eficiência operacional. Segundo Mintzberg e Quinn (2001), a síntese de ambas as demandas enseja uma estrutura que é ao mesmo tempo democrática, flexível e negociada (voltada para os profissionais da área médica) e mecânica, rígida e hierárquica (voltada principalmente, mas não somente, para as equipes de apoio). Coordenar essas visões demanda da área de RH consi-derável habilidade, tanto no trato com os profissionais das áreas de apoio, que podem se ressentir da assimetria de tratamento, quanto dos profissionais da área médica, ansiosos por mais li-berdade de atuação e menos afeitos a seguir regras e protocolos administrativos. É nesse contexto também que se ressalta o papel fundamental da liderança que, além de ser responsável pela apli-cação das práticas de gestão de pessoas, pode atuar como agente ativo de coesão entre as subculturas médica e administrativa, mediadora de conflitos e promotora do alinhamento estratégico da organização (VENDEMIATTI et al., 2010). Matus (1993) sugere que o poder de fato nas organizações de saúde é compar-tilhado por vários grupos, o que denota a complexidade do papel desempenhado pela alta liderança da organização.

Há dois outros aspectos da dinâmica da administração hos-pitalar que outorgam à área de RH papel de crescente relevân-cia: a administração dos colaboradores que estão submetidos a

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 333 |

considerável e reiterado stress, e a demanda por humanização no relacionamento com pessoas fragilizadas por enfermidades e familiares desgastados pelo sofrimento. Nesse contexto, os processos de gestão de pessoas, que incluem movimentação, de-senvolvimento e valorização (DUTRA, 2002), precisam ir além das melhores práticas utilizadas nas organizações em geral, sendo necessário buscar alternativas que auxiliem os colaboradores a lidar saudavelmente com o stress, que estimule o aprendizado contínuo e a iniciativa competente, que facilite o crescimento pessoal e que motive os colaboradores a humanizar seus esforços, tendo o paciente e seus familiares como centro da sua atenção profissional.

10.2 A ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS NO ICR

As bases da estrutura organizacional da área de gestão de pessoas foram estabelecidas em 1998, tendo sido reformuladas em 2003, com a adoção da gestão por processos. Foi estimulado o desen-volvimento de competências estratégicas para o ICr, entre elas, a liderança, o trabalho em equipe e a capacitação técnica, visando autonomia operacional, integração e agilidade nos processos deci-sórios (LAMANA, 2010).

O ICr implantou em 2009 um modelo de gestão por compe-tências, com objetivo de estabelecer uma base única sobre a qual pudesse ser elaborado um método de avaliação objetivo e sistemático de seus colaboradores. Para tanto, foram inicialmente definidos os perfis profissionais ideais de cada atividade (alinhados aos objetivos organizacionais), e em seguida realizada a primeira avaliação de

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desempenho dos gestores e a primeira avaliação de competências dos colaboradores.

Pode-se entender a avaliação de desempenho como, em última instância, um instrumento de tomada de decisão, que fornece in-formações para os processos de promoção, premiação e capacitação. A definição da mecânica de avaliação (aspectos a serem medidos, coleta de dados, consolidação dos resultados) é tão importante quanto os resultados, já que ela imprime credibilidade ao pro-cesso. A avalição de desempenho é um instrumento de mudança sofisticado e útil, mas assenta-se sobre a credibilidade da área de gestão de pessoas.

Ressalte-se que tanto a avaliação de desempenho dos gestores quanto a avaliação de competências dos colaboradores constituíram uma inovação no Complexo HC e demandaram das lideranças do ICr considerável habilidade política e capacidade de articulação, tanto com os colaboradores, quanto com a alta direção. Foram aspectos críticos dessa fase a comunicação acerca dos objetivos do processo, a forma como seria conduzido, a diminuição das tensões que eventualmente gerou nos colaboradores e o ajuste das expecta-tivas em relação à progressão de carreira e, principalmente, salário. Com base nos gaps de competência identificados, foi elaborado a quatro mãos (gestor e colaborador) um plano de ação conjunta. Além disso, com objetivo de subsidiar as avaliações de desempe-nho posteriores, foi desenvolvida uma ficha de acompanhamento de desempenho do colaborador, por meio da qual passou a ser possível o acesso e o acompanhamento sistêmico de sua atuação profissional (LAMANA, 2010).

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 335 |

10.3 PROJETOS DE HUMANIZAÇÃO

O comportamento dos colaboradores da área de saúde em geral e, em particular, nos hospitais, tem sofrido uma mudança sensível nos últimos anos, uma vez que os profissionais estão substituindo uma visão predominantemente tecnicista por outra que agrega à técnica o lado humano do tratamento dos pacientes e da relação com seus familiares e acompanhantes. Sentimentos e emoções, cooperação e competição, amizades e antipatias, constituintes das regras gerais de convivência em sociedade, são cada vez mais considerados nas práticas hospitalares, fazendo parte inclusive dos procedimentos e normas. Mais do que uma prática de gestão de pessoas, instrumentalizada pelo Grupo de Trabalho em Hu-manização, a humanização hospitalar está no centro do alvo da estratégia do ICr e consolidada na missão do instituto. Assim o relatório de atividades afirma a importância de “prestar assistência de alta complexidade e de excelência ao recém-nascido, criança e adolescente, por meio de atendimento humanizado e interdisci-plinar, integrado ao ensino e à pesquisa”.

Essa filosofia de tratamento dos pacientes e familiares estende-se também à relação estabelecida entre a instituição e seus colabora-dores, e está aí uma chave importante do sucesso do programa: o discurso de estreitar o relacionamento com pacientes e familiares, respeitando-os até em detalhes que poderiam, à primeira vista, parecer irrelevantes, é também levado para a prática de gestão de pessoas, afetando igualmente a relação colaboradores-organização, o que é percebido pelos profissionais.

A dimensão das duas listas de práticas e projetos de humanização que citamos a seguir ilustra por si só a importância que o tema tem para o

| 336 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ICr, sendo, não por acaso, um dos principais diferenciais do instituto. As práticas e projetos têm como alvo os pacientes e seus familiares, colaboradores; e algumas propostas servem a ambos os públicos.•  Para os pacientes e acompanhantes:

» Acompanhamento dos pacientes em procedimento en-doscópico. » Atendimento preferencial para pacientes com necessi-dades especiais. » Comemoração de aniversário no ICr. » Biblioteca digital do ITACI. » Biblioteca Viva em Hospitais. » Brinquedoteca. » Caminhada do Dia Nacional do Combate ao Câncer. » Acompanhamento escolar para pacientes internados (Classe Hospitalar). » Comissão de assistência religiosa. » Comitê juvenil. » Conhecendo Quem Faz (visita guiada ao hospital para pacientes internados). » Conselho familiar. » Contadores de história (em parceria com a Associação Viva e Deixe Viver). » Doutores da Alegria. » Educação nutricional para pacientes internados. » Exposição de talentos. » Farmácia 24h para pacientes do pronto-socorro e egressos da internação. » Horário de visita ampliado. » Jornal mirim.

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 337 |

» Mãe acompanhante. » Método mãe-canguru. » Nutrição - Uma Tarde Especial. » Oficina de culinária, de dobradura e de artesanato. » Ouvidoria. » Pet Smile. » Posso ajudar. » Projeto CRIARTE. » Recreação na sala de espera do ambulatório. » Sala de descanso para acompanhantes. » Sessão pipoca (ITACI). » Teatro de fantoches. » Uso de vídeo game para assistência à fisioterapia. » Uso de brinquedos para orientação sobre procedimentos de enfermagem.

•  Para os colaboradores: » Assistência médica. » Avaliação física. » Blitz postural. » Boletim perfeito (reconhecimento de profissionais de destaque da enfermaria). » Caminhada. » Comemoração dos aniversariantes do mês. » Confraternização de final de ano. » Dia feliz (folga no aniversário do colaborador). » Exposição de fotos (Projeto Flashes do ICr). » Festas temáticas. » Flexibilização de horário para facilitar frequência em cursos de qualificação.

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» Ginástica laboral. » Grêmio recreativo. » Jornal da Nutrição. » Momento homenagem. » Prata da casa. » Programa de Calorias Inteligentes. » Programa de integração para novos colaboradores. » Programa de qualidade de vida. » Programa Saia da Rotina. » Projeto Mãos que cuidam (convênio com massoterapeutas que atendem on site). » Projeto Speak English. » Projeto Viva Leve. » Yoga no ICr.

Foram realizadas 118 atividades de humanização durante 2010, divididas por público e área temática da forma como apresentada nos gráficos a seguir.

Gráfico 10.4 Atividades de humanização

Total de ações de humanização por publico alvo

Ações por temática das ações

118

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Total de ações Público interno Público externo Público interno e externo

Arte e cultura

Gestão

Fest. e EV. comemorativos

Ambiência

Educação permanente

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Gráfico 10.5 Ações por temáticas

Total de ações de humanização por publico alvo

Ações por temática das ações

118

44

Total de ações Público interno Público externo Público interno e externo

Arte e cultura

Gestão

Fest. e EV. comemorativos

Ambiência

Educação permanente

Acolhimento

Outro

47

27

13%

22%

7%

2%4%14%

38%

De acordo com Przeworski (1998, p. 46), “os agentes devem bene-ficiar-se quando se comportam a favorecer o interesse público e devem sofrer algum prejuízo quando não o fazem”. É dessa forma que um conjunto bem elaborado de regras e incentivos induzem o engajamento dos colaboradores em ações que tenham sido estrategicamente definidas.

Além disso, as instituições de saúde de ponta em geral, e o ICr em particular, têm investido na capacitação de seus colaboradores em aspectos que vão além da excelência técnica e alcançam a capacidade de expressão e comunicação (tanto inter-pares quanto entre liderança e liderados), as capacidades sociais (negociação, cooperação, trabalho em equipe, por exemplo) e as habilidades comportamentais (como iniciativa, criatividade, ética, abertura à mudança).

A humanização das relações com os pacientes e seus familiares, o apri-moramento constante da qualidade técnica do atendimento, a avaliação sistemática dos colaboradores e a renegociação dentro do possível das relações de trabalho são aspectos de complexa coordenação e aplicação prática, mas que vem sendo conduzidos de forma bem-sucedida no ICr, constituindo os fundamentos do sucesso do instituto.

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10.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O profissional típico da área de saúde está exposto a diversos fatores potenciais de stress, entre eles longas jornadas de trabalho, alta demanda de trabalho, necessidade de aprimoramento técnico constante, exposição a riscos biológicos, assim como o contato frequente com o sofrimento dos pacientes e familiares e, muitas vezes, com a morte (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). O bom de-sempenho desses profissionais requer não somente controle mental e emocional muito maior do que a média de outras profissões, mas também condições de trabalho adequadas aos desafios da atividade.

Uma das práticas de gestão de pessoas adotadas pelo ICr que chama atenção pela relevância que exerce no dia a dia dos colabores é a avaliação de desempenho tanto de gestores quando dos profis-sionais não gestores de pessoas. Assim como indica Böhmerwald (1996), por muito tempo a avaliação de desempenho esteve rela-cionada fundamentalmente à promoção por mérito, o que causava frustração e reações contrárias quando tal promoção não acontecia. A falta de cultura das organizações do setor público em estabelecer metas e avaliar a produtividade não auxilia na distinção, por parte dos colaboradores, de objetivos organizacionais mais relevantes e, em alguma medida, dificulta a adoção de ações de ajuste frente a desvios de desempenho.

O estudo do caso do ICr ilustra o papel fundamental da liderança, seja em articular a estratégia e desdobrá-la em projetos coordenados, seja em exercitar o comportamento que espera do time de liderados. O sucesso do projeto de humanização é um exemplo de ambas as práticas e chama a atenção pelo engajamento e entusiasmo dos colaboradores. O que se observa no ICr é uma liderança atenta às

PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 341 |

demandas (articuladas ou não) de seus profissionais e considerável dose de criatividade para fazer frente às necessidades que são iden-tificadas. As ações propostas no instituto consolidam, pela prática reiterada, uma cultura ao mesmo tempo inovadora e estrategica-mente alinhada aos objetivos da organização.

Nota-se também que a dignificação do trabalho do time de linha de frente não pode se ater exclusivamente às questões salariais, em-bora o tema continue sendo central para os colaboradores e gestores. Há diversas outras formas de valorizar o trabalho, e um exemplo claro pode ser visto no projeto Speak English do ICr, que subsidia o curso de inglês, em horário de expediente, para os colaborado-res que obtêm resultados positivos nas avaliações de desempenho formais. Importante ressaltar que os recursos necessários para sub-venção desse projeto não derivam do orçamento público, mas são captados em outras fontes de renda, manejadas criativamente pela liderança do ICr.

A inovação aplicada à gestão de pessoas no setor público tem ainda considerável caminho a ser percorrido, tendo em vista o de-senvolvimento que tem sido observado no setor privado. Inovações em geral e, em particular, na área de RH, encontram resistências por todo caminho, o que exige dos líderes inovadores doses extras de criatividade, empenho e resiliência. O caso do ICr mostra que, mesmo sob o domínio das regras de contratação, cargos e salários, movimentação de pessoal e tantas outras normas que regem o setor público, é possível inovar na prática diária da gestão de pessoas e políticas de RH, produzindo resultados positivos e duradouros, não somente para os colaboradores, mas também para os clientes, que nesse caso são merecedores da maior consideração possível.

| 342 | CONTRIBUIÇÕES PARA A GESTÃO DE PESSOAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS | 343 |

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Esta obra foi composta em Adobe Garamond Pro e impressa em papel offset 90 g/m²

pela Prol Editora Gráfica em fevereiro de 2013.