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MARIANE DA SILVA PISANI “Sou feita de chuva, sol e barro”: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo Tese apresentada ao programa de Pós- Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Antropologia Social. Orientadora: Drª. Profª. Heloisa Buarque de Almeida São Paulo 2018

MARIANE DA SILVA PISANI “Sou feita de chuva, sol e barro”

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MARIANE DA SILVA PISANI

“Sou feita de chuva, sol e barro”: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Antropologia Social.

Orientadora: Drª. Profª. Heloisa Buarque de Almeida

São Paulo 2018

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que

citada a fonte.

“Sou feita de chuva, sol e barro”: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo

São Paulo 2018

PISANI, Mariane da Silva. “Sou feita de chuva, sol e barro”: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Antropologia Social.

Aprovado em: _________________________

Banca Examinadora

Titulares Suplentes

Professor(a): Drª. Heloisa Buarque de

Almeida (presidente)

Instituição: Universidade de São

Paulo

Julgamento:_____________________

Professor(a): Dr. Julio Simões de

Assis

Instituição: Universidade de São

Paulo

Julgamento:_____________________

Professor(a): Drª. Silvana de Souza

Nascimento

Instituição: Universidade de São

Paulo

Julgamento:_____________________

Professor(a): Drª. Rocio Alonso

Lorenzo

Instituição: Universidade de São

Paulo

Julgamento:_____________________

Professor(a): Dr. Heitor Frugoli Jr.

Instituição: Universidade de São

Paulo

Julgamento:_____________________

Professor(a): Dr. Guilhermo Aderaldo

Instituição: Universidade de São

Paulo

Julgamento:_____________________

Professor(a): Dr. Leonardo Turchi

Pacheco.

Instituição: Universidade Federal de

Alfenas

Professor(a): Dr. Martin Christoph Curi

Spörl

Instituição: Universidade do Estado do

Rio de Janeiro

Julgamento:_____________________ Julgamento:_____________________

Professor(a): Drª.: Stephanie Schütze

Instituição: Freie Universität Berlin

Julgamento:_____________________

Professor(a): Drª. Leda Maria da

Costa

Instituição: Universidade Estadual do

Rio de Janeiro

Julgamento:_____________________

Para Osni e Josefina.

&

Para Felippe.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo 2013/10845-8, que tornou essa pesquisa possível.

À minha orientadora maravilhosa, Heloisa Buarque de Almeida, que aceitou orientar essa tese sobre futebol e que, em muitos momentos foi mais que orientadora: foi mãe, ouvinte, conselheira e amiga. Obrigada por transformar de maneira positiva minha experiência na pós-graduação, por compreender e acolher as dificuldades que tive ao longo dessa trajetória, por compartilhar tantos momentos de angústia e de alegrias vividos em campo. Você é inspiração – de trabalho dedicado, sério, comprometido e afetuoso - para todas suas orientandas e ex-orientandas.

Aos funcionários da secretaria do Departamento de Antropologia: Ivanete Ramos, Soraya Gerbara Toledo, Rose de Oliveira, Celso Gonçalves e Edinaldo Faria Lima, pessoas dedicadas e pacientes que nos auxiliam cotidianamente.

Aos professores do Núcleo dos Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS/USP): professor Julio Simões, professora Lara Moutinho, professora Lilia Schwartz, pela generosidade das trocas acadêmicas, sugestões e acolhimento ao longo dos últimos anos.

Aos professores do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU/USP): em primeiro lugar ao professor José Guilherme Cantor Magnani, que me acolheu no NAU, me recebeu em São Paulo com muita generosidade e, confiando em meu trabalho, me abriu portas nos primeiros anos desse doutorado. Em segundo lugar à professora Silvana de Souza Nascimento, por todo apoio, incentivo e carinho comigo e com essa pesquisa.

Ao professor do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade (GEAC/USP): professor Heitor Frúgoli Jr., pelas trocas acadêmicas, pelas sugestões e observações cuidadosas em relação ao desenvolvimento do trabalho de campo e por todo aprendizado possível ao longo do estagio docente.

Aos professores e colegas do Laboratório de Imagem e Som (LISA/USP), especialmente ao Ricardo Berro, que auxiliou na montagem do vídeo que integra e compõe essa tese.

À professora Carmen Rial e aos colegas do Núcleo de Antropologia Audiovisual (NAVI/UFSC), que se dispuseram a ler e que contribuíram com muitas sugestões para melhoria dessa tese.

Ao professor Niko Besnier e aos colegas do grupo GLOBALSPORT: Adnan, Uros, Mark, Domenica, Daniel, Sebastian e Megan que me acolheram em Amsterdam durante meu Estágio de Pesquisa no Exterior.

Aos colegas de Pós Graduação, sempre preparados/as para a luta e para o fervo: Marisol Marini, Michele Escoura, Gustavo Saggese, Ana Fiori, Bruno Cesar Barbosa, Marcella Betti, Pedro Lopes, Márcio Zamboni, Gibran Teixeira Braga, Ramon Reis, Tatiane Manhães, Laís Miwa Higa, Luiza Ferreira Lima, Isabela Venturoza, Rafael Noleto, Lauren Zeytounlian, Valéria Alves, Izabela Nalio, Fernanda Kalianny, Paula Alegria, Carol Parreiras,Thiago Oliveira, Tulio Bucchioni, Letizia Patriarca, Lucas Bugarelli, Arthur Fontgaland, Beatriz Accioly Lins, Bernardo Fonseca Machado, Bruna Triana, Gleyci Mailly Silva, Renata Guedes Mourão Macedo, Bruno Puccinelli, Carolina Marazziello, Hélio Menezes, Clara Coelho, Felipe Piva, Thiago Haruo, Waldor Botero, Antonio Gouveia, Gabriel Bocchi, Rocio Lorenzo, Guilhermo Aderaldo, Hugo Prudente, Lucas Carvalho, Leonardo Braga, Talita Lanzarini, Kelen Pessuto, Giancarlo Machado, Jacqueline Teixeira, Yara Alves, Camila de Paula, Jorge Gonçalves.

Aos colegas dos grupos de trabalho sobre Antropologia dos Esportes: Martin Curi, Leda Maria Costa, Gustavo Bandeira, Leonardo Turchi Pacheco, Luiz Rojo, Luiz Burlamaqui, Claudia Kessler, pessoas com quem dialogo, cresço e aprendo mais sobre Antropologia do Esporte desde o ano de 2010.

Ao Corinthians, sem precisar de porquês ou justificativas.

Às mulheres jogadoras de futebol, que esse caminho e o desenvolvimento dessa tese me permitiu conhecer. Especialmente à Ita e as atletas que jogam junto dela. Você são inspiração de comprometimento, alegria, superação, força e garra.

À Marcinha (Bina!!!) e à Gabi. Foi com muita emoção e com muito prazer que acompanhei vocês ao longo dos últimos anos: dos campos de futebol aos bancos da Universidade. Duas jogadoras de futebol e agora também duas Educadoras Físicas. Meus parabéns por terem concluído seus TCC’s, aprendi e ainda aprendo muito com vocês. O mundo é de vocês, meninas!

Às mulheres invencíveis que a cidade de São Paulo me proporcionou conhecer e que dividem comigo o amor pelo futebol: Luciane de Castro e Aira Bonfim. Queridas, muito obrigada pelas trocas, pelos afetos, pelas parcerias e pelo caminho trilhado em conjunto ao longo dos últimos anos. Sigamos em frente, com muita força e muita coragem, sempre!

Aos queridos/as colegas de turma de doutorado de 2013/1, em especial à Jacqueline, Ana, Talita e Marisol, pelo carinho, cuidado e afeto divididos ao longo desse caminho. Sobrevivemos, queridas!

Aos PPGATOS/AS: Ana, Camila, Helena, Isabela, Jacqueline, Jorge, Léo, Letizia, Talita, Yara, Augusto e Fabi.

Às mulheres fortes e destemidas, musas inspiradoras: Isabela Venturosa, Izabela Nalio, Letizia Patriarca, Luiza Ferreira Lima, Fernanda Kalianny, Thais Tiriba. Que todo amor e afeto se multipliquem e que vocês possam encontrar muitas alegrias ao longo da vida.

À Juliana, pois 21 anos de amizade dizem mais do que essas tortas linhas ousariam descrever.

Ao Guilherme e à Sirley, pelo carinho e conselhos sempre lúcidos e pontuais.

Aos meus queridos Rafael, Gandhi e Jéssica, pelos momentos de descontração, parceria e amizade que foram fundamentais para que eu não pirasse (muito!) na batatinha ao longo do processo de escrita.

Aos queridos Natan Kremer, Heloisa Domingos, Diane Macedo e Rachel Abrão, que compartilham comigo as (des)aventuras de tornar-se professor/a de Sociologia. Desejo que possamos exercer a nossa profissão – que embora pouco valorizada é muito importante – para modificar um pouco essa sociedade que anda careta, retrógrada e conservadora. Vocês são inspiração pra mim.

À Caroline, a amiga amada que a Antropologia se encarregou de colocar na minha vida. Neguinha, que bom ter encontrado você nesse caminhar e ter conseguido dividir tantas aventuras, viagens, cervejas, lágrimas, sorrisos, confidências e cuidados que vão para além da vida acadêmica. É uma honra, um prazer e um privilégio ter uma amiga tão amorosa e atenta como você. Te levo no meu coração, onde quer que eu vá.

À Ana, minha incomparável Ana Letícia Fiori. Que me acolheu na Taverna do Quati e transformou o sentido das palavras lar e família durante esses últimos anos de doutorado em São Paulo.Obrigada por tudo, você foi meu porto seguro! Querida, “realmente, o mundo está cheio de perigos, mas ainda há muita coisa bonita, e embora atualmente o amor e a tristeza estejam misturados em todas as terras, talvez o primeiro ainda cresça com mais força” (Tolkien – Senhor dos Anéis: As duas torres). Que possamos dividir muitas cervejas, partidas de boardgame, alegrias e tristezas ao longo de nossas vidas.

Ao Maycon, que sempre me recebeu de braços abertos, seja em Floripa, em São Paulo ou em Lages. Maninho, agradeço aos bons ventos que colocaram você na minha vida, você está marcado na minha história. Obrigada por toda sua diplomacia, elegância, calma, amor e amizade. Você me fez seguir sempre em frente, com serenidade e confiança. Mesmo nos dias em que eu não acreditava mais em mim.

Ao Icles, sempre íntegro, consistente e incondicionalmente apaixonado pelo que faz. Amigo querido, você é o melhor historiador, cozinheiro, piadista e "garimpador" de vídeos de gatinhos e filhotes fofos que eu conheço (risos). É também um exemplo para mim, você ressignificou o meu sentido de perseverança e de trabalho. Obrigada por ter aberto as portas e me convidado para desenvolver com você uma série de vídeos sobre Antropologia para o seu canal de YouTube. Espero que nossa parceria e amizade durem por muitos e muitos anos mais.

Ao Didico e à Odete, minhas bolinhas peludas ronronantes, por manterem meus pés e meu coração quentinhos durante a escrita desse trabalho.

Aos meus pais, Osni e Josefina. As molas propulsoras de todos os meus os sonhos, até os mais delirantes (“Mãe, pai, estou indo fazer doutorado em São Paulo!”; “Vai, minha filha, que o mundo é teu!); as bases sólidas da minha vida; o amor que nunca acaba, nem nos tempos mais adversos; as diferenças pessoais que modelam meu caráter. Nos últimos cinco anos, não pudemos estar juntos em algumas datas e comemorações importantes – aniversários, Dia das Mães, Dia dos Pais. Eu sinto muito pelo que foi perdido, mas eu sei que vocês não deixaram de apoiar em nenhum momento esse sonho, essa tese. Então, aqui está o trabalho final, resultado dos tempos em que eu estive fora e longe de vocês, mesmo quando eu queria estar perto.

Por fim, ao Felippe, que disse incontáveis vezes: “termina logo essa tese, que eu não aguento mais te ver estressada!” (risos). Chi, você que ficou acordado e sentado do meu lado por várias madrugadas apenas para me ouvir ler em voz alta cada trecho que eu achava mal escrito ou confuso; que também me ajudou a arrumar minhas referências; que leu e releu esse trabalho tantas vezes que, acredito, decorou cada palavrinha que está aqui dentro... Meu amor, você trouxe fôlego, ânimo, apoio, acolhimento e afeto para essa etapa tão importante da minha vida. Eu, definitivamente, não teria conseguido sem você. Obrigada por me deixar somar minha vida a sua, por ser paciente e por ficar ao meu lado, mesmo nos dias mais difíceis. For the grace of you, go I. Demorou, eu sei, mas acabou.

“Pelo menos no que concerne à antropologia duas coisas são certas a longo prazo: uma delas é que estaremos todos mortos; mas a outra é que estaremos todos errados. Evidentemente, uma carreira acadêmica feliz é aquela em que a primeira coisa acontece antes da segunda” (Marshall Shalins).

RESUMO

PISANI, Mariane da Silva. “Sou feita de chuva, sol e barro”: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Antropologia Social. 245pp.

Essa tese de doutorado busca compreender como os Marcadores Sociais da Diferença – descritos aqui enquanto as categorias analíticas de gênero, raça, sexualidade e classe - permeiam a prática futebolística de mulheres na cidade de São Paulo, orientando a construção de corpos e tornando possível a construção de redes diversas de afetividade entre elas. A tese descreve os locais e a rotina dos times e a presença de um circuito de futebol de mulheres na cidade. A partir do método etnográfico realizado com o uso de uma câmera fotográfica e desenvolvido entre cinco equipes de futebol de mulheres da capital paulistana, em diversas regiões da cidade, acompanhei como as mulheres que escolhem o futebol enquanto prática esportiva – seja na qualidade de prática amadora, profissional ou de lazer – estabelecem, entre si, redes de apoio e solidariedade. As redes, por sua vez, orientam a circulação dessas jogadoras pela cidade de São Paulo, estabelecendo a partir de diferentes formas de sociabilidade dois tipos de circuito: o futebolístico e o afetivo-sexual. Na observação participante foi possível notar como algumas dessas redes ajudam-nas a lidar com cotidianos por vezes violentos, simbólica ou fisicamente. A tese analisa ainda como a prática esportiva a partir dessas redes estabelecem padrões corporais que dialogam com a escolha por parcerias afetivo-sexuais.

Palavras chave: Futebol Feminino. Futebol de mulheres. Corpo. Estudos de Gênero. Marcadores Sociais da Diferença. Antropologia do Esporte. Antropologia Urbana. Antropologia Audiovisual.

ABSTRACT

PISANI, Mariane da Silva. "I am rain, sun and mud": women's football in São Paulo city. 2018. Thesis (Doctorade in Social Anthropology) - Faculty of Philosophy, Languages and Literature, and Human Sciences, University of São Paulo. 245 pp.

This thesis aims to understand how Social Markers of Difference - described here through analitical cathegories of gender, race, sexuality and class - permeate football practices of women living in São Paulo. We investigate how those cathegories inform the building of bodies and enable the weaving of a network among the players. By means of an ethnographic research aided by a photographic camera and carried out with five different women's football teams, I could have access to how women who choose football as a sport practice - as amateurs, professional or as a leisure activity - stablishes among themselves networks of support and solidarity. These networks, on turn, guides the circulation of those players around São Paulo, setting two kinds of circuits: the football circuit and the lesbian circuit. These networks also help the players to handle their sometimes simbolic or fisically violent daily lives, as well as to stablish bodily patterns that enables them to chose affective and sexual partners.

Keywords: Women's Football. Body. Gender Studies. Social Markers of Difference. Anthropology of Sport. Urban Anthropology. Audiovisual Anthropology.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA1 - ANTROPOLOGIA FROM THE BODY. MANAUS, NOVEMBRO DE 2013. ................... 31 FIGURA 2 - AS JOGADORAS E A ANTROPÓLOGA. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI.

JUNHO DE 2015..................................................................................................... 42 FIGURA 3 - DE OLHO NO LANCE: O GOL DA JOGADORA AMANDA (ASAPE). FOTO POR

MARIANE DA SILVA PISANI. JULHO DE 2014. ............................................................ 49 FIGURA 4 - JOGADORAS DO SESC ESTRELAS E ASAPE. FOTOGRAFIAS POR MARIANE DA

SILVA PISANI ......................................................................................................... 56 FIGURA 5 - MAPA DA CIDADE DE SÃO PAULO .................................................................. 60 FIGURA 6- BANDEIRA DE GUAIANASES NAS MÃOS DA JOGADORA WIARA. FOTO POR

MARIANE DA SILVA PISANI. ABRIL DE 2014 .............................................................. 65 FIGURA 7 - ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA PRÓ-ESPORTE. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI.

ABRIL 2014 ........................................................................................................... 66 FIGURA 8- JOGADORA DO CENTRO OLÍMPICO DE TREINAMENTO E PESQUISA CATEGORIA

SUB-13. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI. ABRIL DE 2013 ................................ 75 FIGURA 9- PELADO REAL FUTEBOL & ARTE. FOTO POR PELADO REAL & ARTE. ................ 79 FIGURA 10 - MASCOTE PELADO REAL FUTEBOL & ARTE, ROSIE THE RIVETER E CAMISETA.

IMAGENS RETIRADAS DO SITE DA EQUIPE PELADO REAL FUTEBOL & ARTE. ............... 80 FIGURA 11- JOGADORAS DO SESC ESTRELAS COMEMORANDO A VITÓRIA EM UM

CAMPEONATO. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI. JUNHO DE 2014. ..................... 83 FIGURA 12- CAPA DO JORNAL OSTE NEWS. FOTOGRAFIA POR MARIANE DA SILVA PISANI.

AGOSTO DE 2015 .................................................................................................. 86 FIGURA 13 - VISTA AÉREA DOS CAMPOS DO CODÓ (EM PRIMEIRO PLANO) E GÊMIO

BOTAFOGO (SEGUNDO PLANO). A ESQUERDA DA FOTO A RADIAL LESTE E À DIREITA, O

JARDIM AURORA. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI CAPTURADA DO SEGUNDO

ANDAR DO CEU JAMBEIRO. NOVEMBRO DE 2013. ................................................... 96 FIGURA 14 - CAMPOS DO CODÓ, BOTAFOGO E CEU JAMBEIRO. FOTO CAPTURADA COM

AUXÍLIO DO GOOGLE MAPS. ................................................................................... 96 FIGURA 15 - CÓRREGO QUE CRUZA O DISTRITO DE GUAIANASES, OUTRORA, ESCRITO NAS

PAREDES DO CANAL, LIA-SE “WELCOME TO GUA”. IMAGEM RETIRADA DO GOOGLE

EARTH. JULHO DE 2017. ........................................................................................ 99 FIGURA 16 - CAMPO ONDE AS JOGADORAS DA ASAPE TREINAM E JOGAM. AO FUNDO,

JARDIM AURORA, LOCAL ONDE MUITAS RESIDEM. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI. MARÇO DE 2014.................................................................................................. 102

FIGURA 17 - JOGADORAS DA ASAPE NA 18ª PARADA DA DIVERSIDADE LGBT DA CIDADE DE

SÃO PAULO. FOTOGRAFIA POR MARIANE DA SILVA PISANI. MAIO DE 2014. ............. 103 FIGURA 18 - ATLETAS DA ASAPE E ITA NUMA RUA DO JARDIM AURORA. FOTO POR MARIANE

DA SILVA PISANI. ABRIL DE 2014. ......................................................................... 105 FIGURA 19– SOCIABILIDADES E CIRCUITOS LÉSBICO E FUTEBOLÍSTICO. IMAGEM RETIRADA

DO GOOGLE MAPS E MODIFICADA POR MARIANE DA SILVA PISANI .......................... 109 FIGURA 20 - ATLETAS DA ASAPE SENTADAS À BEIRA DA PRAIA EM CARAGUATATUBA.

ACERVO PESSOAL DE MARIANE DA SILVA PISANI, FOTO DE JULHO DE 2014. ............ 110 FIGURA 21 - CAPA E REPORTAGEM DA REVISTA PLACAR. AGOSTO DE 1995. .................. 125

FIGURA 22 - RECORTE DE JORNAL. ELITE... NOVAMENTE CAMPEÃO. FOTO DO ACERVO

PESSOAL DE ITA, GENTILMENTE CEDIDO. ............................................................... 131 FIGURA 23 - ITA, NOS ANOS 1990. FOTO DO ACERVO PESSOAL DE ITA, GENTILMENTE

CEDIDO. .............................................................................................................. 132 FIGURA 24 - ITA NOMEADA COMO PERSONALIDADE DE ITAQUERA EM 1999. . FOTO DO

ACERVO PESSOAL DE ITA, GENTILMENTE CEDIDO. .................................................. 133 FIGURA 25 - ITA, PREPARANDO SUA MÁQUINA SINGER PARA INICIAR OS TRABALHOS DE

COSTURA DO DIA. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI. ANO DE 2017. .................. 134 FIGURA 26- REVISTA PLACAR. MAIO DE 1997 ............................................................... 135 FIGURA 27 - AMANDA E WIARA ARRUMANDO SEUS PIERCINGS. FOTO POR MARIANE DA SILVA

PISANI. ABRIL DE 2014. ....................................................................................... 138 FIGURA 28- ATLETAS ARRUMANDO OS CABELOS. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI.

ABRIL DE 2013. ................................................................................................... 138 FIGURA 29 - REPORTAGEM DA REVISTA PLACAR, EDIÇÃO Nº 701, DE 28 DE OUTUBRO DE

1983 .................................................................................................................. 157 FIGURA 30 - DANI. FOTO REALIZADA POR MARIANE PISANI. DEZEMBRO DE 2013 ............ 160 FIGURA 31 – TIME VICE-CAMPEÃO. FOTO REALIZADA POR MARIANE PISANI. DEZEMBRO DE

2013 .................................................................................................................. 161 FIGURA 32 - REPORTAGEM DA REVISTA PLACAR. ABRIL DE 1996. ................................. 178 FIGURA 33 - REPORTAGEM DA REVISTA PLACAR. SETEMBRO DE 1996. ......................... 179 FIGURA 34 - INFOGRÁFICO DOS MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA. ELABORADO POR

MARIANE DA SILVA PISANI. ................................................................................... 190 FIGURA 35 – ENTRADA PRINCIPAL DE UM VESTIÁRIO. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI.

JUNHO DE 2013................................................................................................... 203 FIGURA 36 - UNIFORMES DIDISPOSTOS NO CHÃO. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI.

JUNHO DE 2013................................................................................................... 204 FIGURA 37 - JOGADORAS PREPARANDO-SE PARA ENTRAR EM CAMPO. AO CENTRO,

JOGADORA ENFAIXANDO OS PÉS PARA PROTEGER DE UMA POSSÍVEL TORÇÃO. FOTO

POR MARIANE DA SILVA PISANI. ABRIL DE 2014. .................................................... 205 FIGURA 38 - CHUTEIRAS. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI. FEVEREIRO DE 2014. ... 206 FIGURA 39 - CABINE DOS VASOS SANITÁRIOS. FOTO POR MARIANE DA SILVA PISANI. JUNHO

DE 2013 .............................................................................................................. 207 FIGURA 40 - ATLETA SE CONCENTRANDO ANTES DA PARTIDA. FOTO POR MARIANE DA SILVA

PISANI. MAIO DE 2014. ........................................................................................ 209 FIGURA 41- MATERIAL ESPORTIVO LEVADO PELA TÉCNICA E JOGADORAS DA EQUIPE.

FOTOGRAFIA POR MARIANE DA SILVA PISANI. ABRIL DE 2015. ................................ 215 FIGURA 42 - RODA DE ORAÇÃO ANTES DA PARTIDA. ACERVO PESSOAL DE MARIANE DA

SILVA PISANI, FOTO DE ABRIL DE 2014. ................................................................. 225 FIGURA 43 - JOGADORA REZANDO APÓS MARCAR UM GOL. FOTO DE MARIANE DA SILVA

PISANI. JULHO DE 2014. ...................................................................................... 225

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - RECONHECIMENTO NO FUTEBOL PRATICADO POR MULHERES NO BRASIL

(SOARES DE ALMEIDA, 2013) ................................................................. 54 TABELA 2 - POSIÇÃO NO IDH DOS DISTRITOS PAULISTANOS ETNOGRAFADOS ENTRE OS

ANOS DE 2013 E 2017 .................................................................................. 61

SUMÁRIO I - INTRODUÇÃO ................................................................................................ 25

O TRABALHO DE CAMPO ................................................................................... 32 ESTÁGIO DE PESQUISA NO EXTERIOR ................................................................ 37 RECURSOS AUDIOVISUAIS ................................................................................ 41 FUTEBOL LAZER, FUTEBOL AMADOR, FUTEBOL PROFISSÃO .................................. 50

II - MULHERES QUE JOGAM FUTEBOL: SOCIABILIDADE E CIRCULAÇÃO NA CIDADE DE SÃO

PAULO ............................................................................................................ 59 O FUTEBOL DE MULHERES NA CIDADE DE SÃO PAULO ......................................... 59

Guaianases e a Associação Atlética Pró-Esporte ...................................... 64 Vila Mariana e o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) .... 69 Barra Funda e o Pelado Real Futebol & Arte ............................................. 76 Itaquera e o Estrelas do Futebol ................................................................ 81 Rio Pequeno e o Esmeraldinha Futebol Clube .......................................... 85

DICOTOMIAS ENTRE CENTRO E PERIFERIA E O CIRCUITO FUTEBOLÍSTICO DE

MULHERES ...................................................................................................... 89 Periferias, centros e violências .................................................................. 94 Sociabilidades na produção de circuito futebolístico e circuitos lésbicos entre mulheres jogadoras de futebol ....................................................... 106

III - “É MUITO MACHO PRA SER MULHER”: GÊNERO EM DISPUTA NOS CAMPOS DE

FUTEBOL ....................................................................................................... 115 CONVOCANDO OS MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA ................................. 115

O futebol de mulheres e os Marcadores Sociais da Diferença ................ 120 O GÊNERO DA BOLA ....................................................................................... 121

Considerações sobre as noções de gênero no futebol de mulheres ....... 144 IV– RAÇA, SEXUALIDADE E INTERSECÇÕES NUM UNIVERSO EM QUE O GÊNERO ESTÁ EM

DISPUTA ....................................................................................................... 147 A NEGRA NO FUTEBOL BRASILEIRO ................................................................. 147 INTERSECÇÕES DE RAÇA, GÊNERO E SEXUALIDADE EM CAMPO ........................... 158

Considerações sobre as noções de raça no futebol de mulheres ........... 167 LESBIANIDADE EM CAMPO: AFETO E DESEJO ENTRE JOGADORAS DE FUTEBOL

BRASILEIRAS ................................................................................................. 170 Considerações sobre as noções de sexualidade no futebol de mulheres 181

INTERSECCIONALIZANDO AS CATEGORIAS OU SOBRE O FUTEBOL ENQUANTO MEIO DE

SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES E VIOLÊNCIAS .............................................. 183 V - ENTRE REZAS, LÁGRIMAS, SUOR, MENSTRUAÇÃO E CHULÉ: ETNOGRAFIA NOS

VESTIÁRIOS DE FUTEBOL DE MULHERES ........................................................... 197 POR UMA ETNOGRAFIA NOS VESTIÁRIOS DE MULHERES ..................................... 197 OS VESTIÁRIOS ............................................................................................. 202

Concentração .......................................................................................... 208 Preparando o corpo e a Preleção do/a técnico/a ..................................... 214

Reza ........................................................................................................ 223 VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 229 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 233

25

I - INTRODUÇÃO

“Um dia eu estava sentada, no banco de reservas, um dos jornalistas que estava cobrindo o jogo chegou próximo de mim. Achei que ele iria fazer alguma pergunta, mas não. Ele enfiou a mão na caixa de gelo - onde estavam as nossas águas - colocou um gelo na ponta do dedo e perguntou: Quer dar uma chupadinha? (Trecho do caderno de campo de Mariane da Silva Pisani)

(...)

Ele disse que só iria me escalar no time se eu saísse com ele, acredita? Coitado, acho que ele não percebeu que eu sou sapatão (risadas). (Trecho do caderno de campo de Mariane da Silva Pisani)

(...)

Ele abusou repetidamente de mim. Toda vez que a minha mãe saía de casa para trabalhar, ele abusava de mim. Me pegava à força. Toda vez que eu ouvia ele chegando no meio tarde, eu fugia pro campo de futebol, só para não ficar em casa sozinha com ele. É por isso que hoje eu tenho nojo de homem. (Trecho do caderno de campo de Mariane da Silva Pisani)”

Esse trabalho de doutorado teve seu início em 2012, mas as redes e os

contatos necessários para o seu desenvolvimento se formaram no ano de 2011

quando, ainda pesquisadora de mestrado em Antropologia Social na

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), etnografei pela primeira vez

uma equipe de futebol feminino do sul do Brasil. O objetivo naquele momento

era realizar um estudo e uma análise sobre os processos de deslocamentos e

migrações das atletas por todo o território nacional, bem como esquadrinhar as

migrações internacionais – se houvesse – das jogadoras com as quais convivi

à época.

A equipe em questão, o Foz Cataratas Futebol Clube, situada na cidade

de Foz do Iguaçu (Paraná) foi fundada no ano de 2010. Contava com

aproximadamente trinta mulheres em seu elenco de atletas – elas tinham entre

18 e 30 anos - e a comissão técnica - formada exclusivamente por homens -

possuía quatro pessoas entre técnico, auxiliar técnico, fisioterapeuta e diretor

da equipe. Quando cheguei à Foz do Iguaçu, em 2011, elas se preparavam

para disputar o principal campeonato brasileiro da modalidade: a Copa do

Brasil de Futebol Feminino. Em 24 de novembro daquele ano, o Foz Cataratas

sagrou-se campeão do torneio em uma vitória por 5 a 0 contra a equipe Vitória

das Tabocas, da cidade de Vitória de Santo Antão (Pernambuco).

A equipe Foz Cataratas nasceu de um empreendimento do jornalista

esportivo e empresário Luciano do Valle, e, apesar de ser uma equipe nova no

cenário futebolístico feminino, possuía alguns patrocinadores renomados - algo

que não era comum nesse meio esportivo: a Itaipu Binacional, a empresa

responsável por administrar o turismo local Cataratas do Iguaçu S.A. e a Coca-

Cola. Dessa forma, a equipe pode contratar, desde o início de suas atividades,

as melhores e mais bem preparadas jogadoras do Brasil à época. A equipe

paranaense possuía em seu elenco as principais jogadoras da Seleção

Brasileira de Futebol Feminino daquele ano: Thaísa Moreno, Rilany Silva,

Mayara da Fonseca Bordin, Marina Toscano Aggio, Renata Costa, Adriane

Nenê, Andressa Alves, Bárbara Micheline, Tayla Carolina, Bruna Benites e

Paula Andressa Pires. Todas elas integraram o elenco campeão da temporada

de 2010-2011 do Foz Cataratas Futebol Clube.

Traçar os fluxos migratórios em território nacional e internacional das

jogadoras de futebol se mostrou fundamental para a continuidade e o

aprofundamento dos questionamentos levantados na dissertação de mestrado.

O processo de reconstituição dos fluxos migratórios das jogadoras de futebol

brasileiras me trouxeram ao presente momento, pois assim como elas, também

circulei por conta do futebol.

Convivendo por dois meses em trabalho de campo com as atletas do

Foz Cataratas, pude constatar que todas aquelas mulheres já haviam

27

circulado1em pelo menos um time de alguma das cinco regiões do Brasil:

Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Uma das questões do trabalho

de campo, em 2011, era saber se havia diferenças entre jogar em uma ou outra

região do Brasil. E todas as atletas, unanimemente, relataram que as equipes

do Sudeste, especificamente do Estado de São Paulo, eram mais bem

preparadas para formar e profissionalizar jogadoras de futebol. Eram equipes

que possuíam um diferencial2 e que, portanto, formavam atletas diferenciadas.

Os termos diferencial e diferenciadas apareceram como características

positivas entre aquelas mulheres e ajudavam a marcar a diferença entre as

atletas que eram consideradas boas das que não eram assim consideradas.

Nos discursos das Poderosas do Foz (PISANI, 2012), as equipes de São

Paulo apareciam como centros de excelência para formação e treinamento de

jogadoras de futebol. Dessa forma, o São José Esporte Clube, o Clube Atlético

Juventus e o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa eram relembrados

por elas como excelentes equipes para se iniciar a carreira de jogadora de

futebol. Entre aquelas que não haviam jogado no Estado de São Paulo, o

desejo de atuar em equipes paulistas era visível, uma vez que estas equipes

eram percebidas como uma espécie de vitrine 3 que lhes aumentaria a

possibilidade de uma convocação para a Seleção Brasileira de Futebol.

Seria coincidência ou seria uma tendência, portanto, que as melhores

jogadoras do Brasil atualmente, bem como aquelas que eram convocadas pela

Seleção Brasileira de Futebol, fossem atletas que já haviam treinado e atuado

em equipes do Estado de São Paulo? Assim, ainda durante a pesquisa de

mestrado, surgiu o questionamento inicial que me levaria aos campos de

1 O conceito de “circulação futebolística” aparece nos trabalhos da antropóloga Carmen Rial (2008, 2009a, 2009b) e diz respeito aos processos de deslocamento em território nacional ou internacional, que jogadores e jogadoras de futebol realizam, em busca de melhores equipes e clubes esportivos. Ou seja, em busca de equipes que possuem melhores patrocinadores e que proporcionam maior visibilidade no mercado futebolístico.

2 Termos êmicos nesse trabalho aparecerão grifados em itálico.

3 Vitrine é como as atletas chamam as equipes e os clubes que podem projetá-las ou mesmo oferecer mais visibilidade para sua prática esportiva, facilitando, assim, uma convocação para Seleção Brasileira de Futebol Feminino.

futebol da capital paulista: com acontecem os processos de formação e

profissionalização de mulheres brasileiras jogadoras de futebol no Estado de

São Paulo? A ideia inicial – que foi modificada ao longo do percurso etnográfico

- era realizar etnografia análoga à do antropólogo Arlei Sander Damo (2007)

que investigou, no Brasil e na França, os processos seletivos de produção de

jogadores de futebol para o mercado dos grandes clubes nacionais e do

exterior. Contudo as jogadoras com quem tive contato nos últimos anos me

instigaram a percorrer outros caminhos e, consequentemente, a pergunta

dessa tese modificou-se.

No ano de 2012, cheguei à cidade de São Paulo pela primeira vez e,

também pela primeira vez, tive contato com o cenário futebolístico de mulheres

da capital. Durante a 28ª Reunião Brasileira de Antropologia expus no Museu

do Futebol as fotografias do trabalho “100 anos de torcida: A presença feminina

nas arquibancadas de futebol em Florianópolis, ontem e hoje”, realizado em

parceria com historiadora e antropóloga Caroline Soares de Almeida. Nesse

ambiente, conheci e dialoguei com jornalistas, ex-atletas, atletas e dirigentes de

equipes de futebol de mulheres; realizei naquele dia o que considero,

atualmente, o primeiro trabalho de campo dessa tese, uma vez que foi ali,

naquele encontro, que as primeiras questões sobre gênero, sexualidade, raça e

corpo começaram a aparecer. A partir desse primeiro campo, inicial e

exploratório, elaborei um projeto de pesquisa que se desenvolveu nos últimos

cinco anos de trabalho.

Durante a seleção de doutorado, entre os meses de agosto e novembro

de 2012, visitei pela primeira vez o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa

(COTP), localizado no distrito Vila Mariana, próximo ao Parque do Ibirapuera.

Em rápida conversa com Elias – à época técnico da equipe profissional de

futebol feminino – consegui estabelecer contato com algumas atletas. Ao

ingressar no Doutorado em Antropologia Social na Universidade de São Paulo,

no ano de 2013, me propus a retornar ao COTP, entre março e abril daquele

ano, para realizar trabalho de campo junto às atletas do elenco. Nesse

momento, ao descrever e percorrer os caminhos dessa etnografia, vale

29

ressaltar que o COTP agrupava jogadoras oriundas de diferentes distritos da

cidade de São Paulo e a variedade de origens bem como as redes que aquelas

jogadoras articulavam entre si, me ajudaram a contatar outras equipes da

cidade. Uma apresentação mais detalhada da equipe Centro Olímpico e

dessas mulheres aparece ao longo dessa tese.

Ainda no primeiro ano de doutorado, através do contato com Enrico

Spaggiari, colega do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da

Universidade de São Paulo,e da jogadora Mariana, que atuava na equipe sub-

15 do COTP, conheci a equipe Associação Atlética Pró-Esporte (ASAPE). Em

novembro de 2013, em companhia dos colegas de Pós-Graduação em

Antropologia Social – Enrico Spaggiari, Giancarlo Machado, Rodrigo Valentin

Chiquetto – e de colegas de graduação em História e Cinema, respectivamente

Willian Contini e Giuliana Nishiyama – foi elaborado um projeto audiovisual

sobre futebol amador nas cidades de São Paulo e Manaus. O intuito era

promover um diálogo entre os campos de pesquisa dos antropólogos

envolvidos. Dessa forma, durante uma semana de novembro, estivemos no

Estado do Amazonas estudando e acompanhando o futebol amador masculino

e feminino, de atletas manauaras indígenas e não indígenas.

Assim como constatei entre as jogadoras da etnografia de mestrado,

pude perceber entre as atletas manauaras não indígenas – em contato com

algumas delas que disputavam o campeonato Peladão Verde 2013 – que o

desejo de jogar em alguma equipe da cidade de São Paulo também se

mostrava parte importante do projeto (VELHO, 1999, 2003) 4 de se tornar

jogadora de futebol. Além disso, foi no trabalho de campo desenvolvido em

Manaus que pude, pela primeira vez, jogar futebol com as minhas

interlocutoras. Essa experiência de jogar junto delas - experiência repetida em

4 Nos livros “Individualismo e Cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea” e “Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas”, o antropólogo Gilberto Velho trabalha com a noção de projeto de vida. Segundo o autor, um projeto é elaborado e orientado pelas noções de mundo, ethos, estilos de vida e emoções dos indivíduos. Projetos podem ser individuais – quando elaborados por uma só pessoa - ou sociais – quando projetos individuais se unem e os indivíduos passam a almejar o mesmo objetivo. Esse tipo de projeto tem características políticas, uma vez que envolve a negociação de desejos e sonhos.

outros momentos da etnografia - e de estar junto em diversos momentos,

dentro e fora de campo, se mostrou muito profícua para a coleta de dados e

material etnográfico.

O sociólogo Loïc Wacquant, autor do livro “Corpo e Alma: notas

etnográficas de um aprendiz de boxe”, afirma que da necessidade de

compreender e dominar por completo uma experiência transformadora – como

mostrou ser a prática do futebol feminino no meu caso de estudo –surge a

“necessidade de uma sociologia não somente do corpo, no sentido de objeto

(‘of the body’5), mas também a partir do próprio corpo como instrumento de

investigação e vetor de conhecimento (‘from the body’) ”(2002, p. 12). Dessa

forma, como veremos no desenvolver desta tese, jogar junto com as equipes

de futebol etnografadas, bem como percorrer junto delas as redes de

sociabilidade e afetividades, se mostrou essencial para melhor compreender a

dinâmica que envolve o universo futebolístico daquelas mulheres, bem como

delinear as maneiras pelas quais as categorias de gênero, raça, classe e

sexualidade incidem – moldando e dando significados - sobre o corpo das

jogadoras.

5 Os termos oriundos de outras línguas, como inglês, francês e espanhol, bem como outras categorias de análise, aparecerão sublinhados nessa tese.

31

Figura1 - Antropologia from the body. Manaus, novembro de 2013.

Voltando a São Paulo, durante os anos de 2013 e 2014, em constante

contato com as jogadoras da ASAPE, percorri e me inseri em uma rede de

sociabilidades e pude assim me aproximar de outras equipes paulistanas.

Assim como o COTP e a ASAPE, o Esmeraldinha Futebol Clube, o SESC

Estrelas e o Pelado Real figuram nessa etnografia como equipes com as quais

realizei trabalhos de campo.

Até o presente momento foram sete anos de etnografia junto às

mulheres jogadoras de futebol, sendo que nos últimos cinco anos estive em

constante contato com atletas da cidade de São Paulo. Após percorrer alguns

estados brasileiros - Santa Catarina, Paraná, Amazonas e São Paulo – pude

acompanhar de perto a vida e o cotidiano dessas mulheres, e constatar que a

sua circulação – primariamente explorada na dissertação de mestrado – traz

consigo outros temas para debates que são apresentados aqui. Questões de

gênero, raça, sexualidade, classe e corpo figuram como centrais para a

discussão nesse momento, pois trazem novas perspectivas, explicam

trajetórias, e foram reveladas por essas jogadoras que falaram de suas vidas e

suas inserções no mundo do futebol.

Esta tese, portanto, se propõe, através da pesquisa etnográfica, a

responder e descrever como, na experiência do corpo das jogadoras – corpo

este marcado por desigualdades e diferenças – o futebol, que é considerado

“masculino” e lúdico, transforma a vida e constrói redes de sociabilidade e

afetividades diversas.

O trabalho de campo O trabalho de campo dessa tese foi iniciado de maneira bastante tímida:

ía para os campos da cidade de São Paulo – onde por ventura estivesse

acontecendo algum jogo de futebol de algumas das equipes previamente

apresentadas – permanecia lá por poucas horas. Sentada nas arquibancadas

anotava as poucas interações que conseguia captar. Vale registrar que as

arquibancadas nunca apareceram, ao longo das inserções em campo,

compostas por mais do que cerca de cinquenta assistentes e muitas das

pessoas com quem interagia ali eram parentes, amigas ou namoradas das

mulheres que estavam em campo. Foi dali, daquele lugar, que comecei a

aprender e a compreender quais eram os assuntos recorrentes entre elas e

que, posteriormente, poderiam me auxiliar na comunicação com as minhas

futuras interlocutoras.

Ainda entre parentes, amigas e namoradas das jogadoras, aprendi que a

modalidade e suas atletas sofrem com a falta de investimentos de empresários

e órgãos reguladores da modalidade – como a Confederação Brasileira de

Futebol ou a Federação Paulista de Futebol, por exemplo – bem como estão às

margens ou são sub-representadas nos veículos midiáticos como, por exemplo

no rádio, nos jornais impressos, televisivos e online. Segundo essas primeiras

interlocutoras, algumas atitudes que elas consideram como machismo faz com

que as atletas sofram acusações lesbofóbicas e sejam afastadas dos campos

de futebol. E ainda segundo elas, esse mesmo machismo faz com que a

modalidade torne-se invisível e supostamente desinteressante para

investidores, veículos midiáticos e órgãos reguladores.

33

O pouco interesse pelo futebol de mulheres é algo que pode ser

constatado mesmo dentro do ambiente acadêmico. No banco de teses e

dissertações da CAPES, pode-se averiguar que o primeiro trabalho acadêmico

sobre essa modalidade esportiva foi publicado no ano de 1997, na área de

Educação Física. Nos últimos 20 anos, apenas 34 trabalhos, entre teses e

dissertações, foram publicados e desses apenas cinco na área de Antropologia

Social. São eles: as dissertações ”Mulheres em campo: novas reflexões acerca

do feminino no futebol” (STAHLBERG, 2011), “Poderosas do foz: trajetórias,

migrações e profissionalização de mulheres que praticam futebol” (PISANI,

2012), “Boas de bola: um estudo sobre o ser jogadora de futebol no esporte

clube radar durante a década de 1980” (SOARES DE ALMEIDA, 2013a) e

“Periguetes, sapatões e mulherzinhas: (des)construindo o que “ser mulher” no

campo de futebol” (OLIVEIRA, 2014). Já a única tese defendida no período

aparece intitulada “Mais que barbies e ogras: uma etnografia do futebol de

mulheres no Brasil e nos Estados Unidos” (KESSLER, 2015).

O primeiro ponto que nos chama a atenção é que a produção

antropológica sobre futebol de mulheres no Brasil é feita, essencialmente, por

pesquisadoras. Segundo a antropóloga Heloisa Buarque de Almeida, se o

campo de pesquisa é considerado “feminino ou doméstico (...) é visto como

normal que uma pesquisadora do sexo feminino faça este trabalho. (Isso não

significa que pesquisadores do sexo masculino não possam pesquisar o tema,

apenas que meu interesse pelo tema era considerado normal e menos

questionado).” (BUARQUE DE ALMEIDA, 2002, p. 58)

O segundo ponto que destacamos é o fato de que esses trabalhos

versam apenas sobre futebol e mulheres. Outras modalidades esportivas -

como vôlei, basquete, natação, por exemplo e só para citar algumas possíveis

de estudo - ainda encontram-se mal representadas e pouco analisadas no que

diz respeito à produção intelectual e acadêmica na área de Antropologia do

Esporte. A escassez de produções nessa área nos mostra como a

Antropologia, no que diz respeito aos estudos das práticas esportivas –

futebolísticas ou não - realizadas por mulheres, ainda carece de mais

investimento e atenção por parte de pesquisadores e pesquisadoras

brasileiros/as.

Voltando para as arquibancadas, foi a partir desse procedimento –

sentar, observar, ouvir e escrever – repetido com todas as equipes que fui

delineando os caminhos dessa pesquisa. Posteriormente, depois de um

período de observação, saía das arquibancadas e adentrava os espaços do

gramado junto com as jogadoras. O que me permitiu essa entrada – não

apenas em treinos, mas em jogos e disputa de campeonatos – foi uma

máquina fotográfica. E, uma vez campo (esportivo e etnográfico), geralmente

ocupava uma das seguintes posições: ora ficava dentro do gramado, mas fora

das quatro linhas, realizando vídeos e capturando imagens dos treinos e jogos,

ora - e aqui aproximo minha discussão de Loïc Wacquant – entrava nas quatro

linhas, “vestia a camisa” e ia treinar/jogar junto.

Jogar/treinar junto delas, logo correr, gritar, suar e tentar6 jogar bola, faz

parte da proposta metodológica de Wacquant: realizar uma pesquisa from the

body, no qual o nosso corpo – o corpo da pesquisadora – torna-se um

instrumento que auxilia a investigação e o conhecimento. Essa postura

metodológica auxilia a investigação porque aproxima, quebra-se uma barreira:

naqueles momentos eu não era mais (mas era também!) a pesquisadora ou

mesmo a fotógrafa, eu era apenas mais uma no time: alguém que

compartilhava experiências em comum. Era, no modo clássico antropológico,

uma observação participante, ou como Wacquant definiu: participação

observante. Contudo, vale lembrar que, apesar de ter entrado na vida dessas

mulheres - de ter compartilhado muitos momentos íntimos de suas vidas e de

ter jogado em alguns momentos junto delas - a diferença social entre mim e

elas sempre fora colocada em perspectiva. As questões abordadas nessa tese

que envolvem raça, classe social e sexualidade passam necessariamente

6Não que elas não me deixassem tocar na bola quando jogávamos juntas, eu é que não possuo a técnica corporal(MAUSS, 2003) necessária para jogar a modalidade. Infelizmente, isso eu não aprendi ao longo do trabalho de campo, acho que precisaria de pelo menos mais uns 10 anos de pesquisa junto às mulheres jogadoras de futebol para poder começar a aprimorar minhas técnicas futebolísticas.

35

pelas diferenças existentes, marcadas e constantemente apontadas - pelas

jogadoras - em nossos corpos.

Assim como estive junto delas dentro de campo, jogando, também estive

junto delas fora de campo realizando outras atividades: ia ao supermercado,

fazia compras de tecidos para confecção de material esportivo, participava de

aniversários, reuniões familiares, churrascos, passeatas LGBT e outros

momentos de lazer e sociabilidades diversas. A proximidade foi tão grande e

tão intensa com algumas dessas equipes e mulheres jogadoras que, a pedido

de uma técnica, precisei realizar uma entrevista – que fora filmada à época -

para compor o acervo pessoal dela e que integra parte dessa tese como

produção fílmica intitulada “Sou feita de chuva, sol e barro”. A permissão, o

livre trânsito e o consentimento em relação à minha presença e aos usos das

imagens produzidas naqueles espaços, a que outrora eu não pertencia, foram

as marcas positivas e profundas dessa etnografia.

Por outro lado, essa intensidade e proximidade também deixaram

marcas. Deixar-se ser afetado, segundo a antropóloga Favret-Saada, é ver seu

projeto de conhecimento modificar-se (2005, p. 160). Se, inicialmente, o

objetivo dessa pesquisa era resgatar o processo de formação e

profissionalização de mulheres jogadoras de futebol, ao chegar em campo, me

deparei com uma série de cenas e histórias sobre violências domésticas,

sexuais e raciais, para as quais não poderia simplesmente fechar os olhos,

visto serem elementos profundamente marcantes e marcados no corpo e na

história de vida de cada uma delas.

No início dessa introdução trouxe alguns trechos do caderno de campo,

são falas e declarações de jogadoras de futebol que foram propulsoras e

compuseram as análises aqui apresentadas. Da mesma forma que participei

nos momentos de jogo/treino, lazer e sociabilidades, também imergi nesses

momentos mais delicados. Chorei junto, sofri junto, rezei junto – em uma

tentativa de fazer a dor passar. Fui colocada, e me deixei colocar, na posição

de acolhedora, conselheira e apaziguadora. Essas mulheres percebiam em

mim alguém que estava interessada em partilhar suas histórias e me marcaram

como confidente.

Nesse sentido, Buarque de Almeida aponta que para entrar e

compartilhar momentos de intimidades é preciso mais do que conquistar a

confiança é preciso ter aquilo que autora chama de rapport, ou seja, é preciso

estabelecer uma ligação de sintonia e empatia com as outras pessoas. “Mesmo

rapport é algo certamente bastante subjetivo. No entanto, é uma relação central

para um bom trabalho de campo, pelo menos no caso de uma pesquisa que

trata de temas sobre a intimidade e a privacidade dos indivíduos (...).”

(BUARQUE DE ALMEIDA, 2002, p. 72).

É preciso dizer ainda, sem cair em tom confessional, que essas histórias

de violência e abusos ocasionaram em mim sofrimento emocional e psicológico

– o que não aconteceu em pesquisas anteriores, por exemplo. Acredito que

isso se deve, justamente, pela minha identificação enquanto mulher – mesmo

que branca, classe média e universitária - aos dilemas e dificuldades

enfrentados por aquelas interlocutoras – em sua grande maioria negras,

oriundas das classes mais populares e trabalhadoras - no que diz respeito à

construção social de gênero, papéis de gênero e sexualidade.

Essas cenas e histórias também marcaram a minha história, meu modo

de ver, e ouvir. Mas, afinal, consegui compreender que eram esses dados –

que tanto me afetaram – que ressignificavam a pergunta dessa tese. Não

pretendo, é claro, transformar o sofrimento alheio em antropologia. Nem ao

menos intento etnografar a violência. Contudo, as violências sofridas por essas

mulheres me fizeram pensar nas dimensões, proximidades, distanciamentos e

possibilidades do corpo. Portanto, redimensionada pela participação

observante, já que, enquanto pesquisadora, utilizei meu corpo como

instrumento de conhecimento, amplio a pergunta dessa tese: Como, a partir do

corpo – marcado por diferenças e violências – e do futebol, as jogadoras

constroem redes de sociabilidade e afetividades diversas?

37

Estágio de Pesquisa no Exterior Foi durante Estágio de Pesquisa no Exterior, realizado na cidade de

Amsterdam, na Universidade de Amsterdam (Holanda), com o professor Niko

Besnier, entre os meses de julho e novembro de 2016, que essa tese

amadureceu sua pergunta e tornou-se multissituada no que diz respeito ao

material etnográfico analisado. O grupo de pesquisa do professor Besnier –

GLOBALSPORT - , composto por pós-graduandos de diversas partes do globo

- Itália, Alemanha, Japão, Bangladesh, Sérvia e Argentina – proporcionou

trocas intensas e, para além de uma ampliação das literaturas e referências

bibliográficas que aparecem contempladas nessa tese, ofereceu sugestões

para que eu ampliasse o material etnográfico analisado.

Foi durante uma das muitas apresentações do meu material etnográfico

ao grupo GLOBALSPORT que incluí a apresentação de matérias jornalísticas

da Revista Placar. Nosso intuito, ao utilizar as reportagens, não era realizar um

resgate minucioso da história do futebol de mulheres, mas contextualizar e

evidenciar como as categorias de gênero, raça, sexualidade e classe aparecem

nas publicações e acabam por definir e refletir certos padrões de estética e de

comportamentos aos quais as jogadoras estão submetidas até hoje. Assim,

escolho trazer para a discussão nessa tese algumas edições da Revista Placar

uma vez que as reportagens elencadas para compor a análise evidenciam

como o futebol praticado por mulheres imbrica, necessariamente, noções de

beleza, masculidades e feminilidades, sexualidades e construção dos corpos.

A Placar é uma revista brasileira especializada em esportes, sobretudo

em futebol, que veio ao público em 20 de março do ano de 1970, pela Editora

Abril. Inicialmente - entre as décadas de 1970 e 1990 - a Placar era uma revista

semanal e, posteriormente passou a ser lançada no formato mensal. Foi a

partir dos anos 1980 – após abolição do decreto que proibia as mulheres de

praticar futebol em todo território nacional -, que a Revista passou a noticiar

com maior frequência reportagens sobre o universo do futebol de mulheres.

Após a vitória do Brasil na Copa do Mundo de Futebol de 1994, a Placar

aumentou sua vendagem e passou por uma reformulação. Em abril de 1995,

comemorando os 25 anos da revista, foi criado um novo slogan: “Futebol, sexo

e rock 'n roll”. Em junho de 2015, a Revista Placar foi comprada pela Editora

Caras e, readquirida pela Abril em outubro de 2016.

A Revista Placar foi escolhida também pela sua ampla circulação em

todo território nacional durante das décadas de 1980 e 1990. Ela tornou-se, à

época, uma opção diferente e mais atraente aos cadernos esportivos que eram

veiculados nos jornais e que traziam apenas os resultados das partidas. Em

outubro de 2017, em conversa com a jornalista Martha Esteves – primeira

mulher brasileira a trabalhar na imprensa esportiva e também a trabalhar por

um período na revista Placar – disse-me que as pautas eram organizadas de

forma a proporcionar ao/à leitor/a uma aproximação com seus ídolos

futebolistas. Martha, por exemplo, foi responsável, muitas vezes, por procurar

antigos ídolos e estrelas do futebol carioca que já tivessem se aposentado e,

por diversas razões, sumido dos holofotes da mídia.

Atualmente a Revista Placar mantém todo seu acervo digitalizado e

disponível gratuitamente na internet, o que facilitou nosso acesso ao material.

Além disso, como levantado pelas primeiras interlocutoras dessa tese, é

preciso colocar em perspectiva que a veiculação midiática torna-se ferramenta

importante para a popularização da modalidade futebol praticado por mulheres,

bem como auxilia na formação e reprodução de opiniões acerca da

modalidade.

A cientista social Maria Celeste Mira, ao descrever as possibilidades de

análise da questão dos gêneros na mídia, nos diz que:

“Seja na literatura, no cinema, na televisão ou nas revistas, os temas e fórmulas que capturam o consumidor masculino são quase sempre os mesmos: a aventura, a violência – bases, por exemplo, do gênero policial – e o erotismo (...). A este se articula outra característica não menos importante: a regra de ouro do gênero pornográfico é a visualidade, é a presença do corpo feminino, nu ou seminu, oferecido como objeto de prazer ao olhar masculino”(MIRA, 2003, p. 29)

39

Ao resgatar historicamente como homens e mulheres são apresentados

em revistas e como esses sujeitos consomem os produtos que são veiculados

pelas mídias, a autora nos diz que a mulher, a partir da perspectiva midiática

feita e voltada para homens, torna-se a mercadoria importante. “Já as mulheres

desenvolvem uma verdadeira arte ou tecnologia da imagem fazendo da moda e

da beleza uma maneira de se expressar” (MIRA, 2003, p. 31). A beleza,

portanto, “definida sob novos padrões, divulgados pelo cinema hollywoodiano,

pelas revistas e pela publicidade, torna-se, ao lado da moda, um elemento

central na construção da identidade feminina” (MIRA, 2003, p. 32).

Não por acaso, nas reportagens que elencamos para a análise -

sobretudo aquelas que foram publicadas depois de abril de 1995 quando a

Revista Placar adotou o slogan “Futebol, sexo e rock 'n roll” - as jogadoras são

fotografadas nuas ou seminuas. Ao longo dessa tese, torna-se evidente

também a centralidade e os significados que os padrões de beleza impostos

por essas mídias adquirem entre as jogadoras de futebol. As maneiras de

compor e conformar os corpos vai ao encontro dos padrões estéticos e

comportamentos desejados/esperados das mulheres: dóceis, não

masculinizadas, femininas e sensuais.

Além disso, a escolha por trabalhar com as revistas Placar surge a partir

de um diálogo contínuo que se desenvolve desde 2011 com minha grande

amiga, também antropóloga e pesquisadora de futebol de mulheres, Caroline

Soares de Almeida. Caroline e eu desenvolvemos ao longo dos últimos seis

anos um caminho de parceria e diálogo intelectual, solidariedade,

companheirismo e amizade que se mostraram essenciais para o fazer

antropológico – amenizando o sentimento de solidão, sobretudo nos momentos

de escrita -, bem como para a (sobre)vivência dentro e fora dos muros da

universidade. Produzimos alguns trabalhos sobre futebol de mulheres (PISANI,

SOARES DE ALMEIDA, 2011; SOARES DE ALMEIDA, PISANI, JAHNECKA,

2013; SOARES DE ALMEIDA, PISANI, 2015) durante o mestrado e doutorado,

o que deixa claro que a construção do conhecimento pode ser feita a partir de

um diálogo horizontal e inclusivo em parceria com nossos/as colegas de

profissão. Portanto, dividimos, ao longo de nossas vidas acadêmicas,

referências teóricas, metodológicas, material etnográfico, bem como nossas

percepções sobre a temática, tendo em vista as problematizações e discussões

realizadas em nossas teses.

Na intenção de contrapor as imagens veiculadas na Revista Placar,

trabalho ainda com acervos/dossiê de recortes de jornais, revistas e fotografias

pessoais de jogadoras e ex-jogadoras de futebol. Vale dizer aqui que o recurso

de elaborar um dossiê é recorrente entre jogadoras de futebol. O arquivamento

das fotos, dos vídeos, dos recortes de revista e jornal, das entrevistas e,

quando existentes, das medalhas, das bolas, das chuteiras e das camisetas

são transformados em uma espécie de narrativa autobiográfica. Esses objetos

colecionados, guardados em pequenos acervos pessoais7, evocam memórias,

reconstroem e interpretam o vivido, marcam a passagem do tempo e, claro,

demonstram uma espécie de resistência das jogadoras diante de estigmas que

o futebol de mulheres sofreu ao longo do tempo.

Esses objetos, portanto, para elas, possuem funções concretas e

simbólicas indispensáveis para o reconhecimento de si mesmas enquanto

jogadoras. As fotografias e recortes de jornal e revista das jogadoras e ex-

jogadoras que apresento constituem formas de subjetividade individual na

medida em que recriam a trajetória e evocam memórias na prática do futebol.

Conversar sobre a trajetória dessas atletas, tendo em mãos seus dossiês

tornou-se mais fácil, uma vez que as reportagens e fotografias guardadas por

elas evocavam histórias adormecidas bem como reflexões: “A imagem de uma

jogadora é tudo”, disse-me uma delas um dia. É tudo, e precisa ser bem

registrada para que não se perca com o tempo.

7Na tese de doutorado intitulada “Senhoras do Rebolado: Carreiras Artísticas e Sensibilidades Femininas no Mundo Televisivo”, Raphael Bispo - que estuda as Chacretes, famosas dançarinas brasileiras da década de 1970 - mostra como esses acervos pessoais – quando utilizados de maneira metodológica – nos ajudam a recompor de forma caleidoscópica alguns rastros da trajetória dessas pessoas que foram públicas e/ou famosas e/ou celebridades um dia. (BISPO, 2013)

41

Recursos audiovisuais Caminhava tranquilamente pela Estação de trem e metrô da Luz, eram

cinco horas da tarde e, em meio ao rush paulistano, tentava voltar para casa.

Estávamos em novembro de 2014, e já havia concluído a primeira parte do

meu trabalho de campo. Na multidão, encontrei uma jovem, de

aproximadamente 20 anos, paramentada com o uniforme de uma das equipes

que havia acompanhado até então. Não tivera prévio contato com ela durante o

trabalho etnográfico e, embora não soubesse naquele dia, futuramente não

haveria de reencontrá-la em campo, uma vez que essa jogadora não

permaneceria por muito tempo no elenco daquele time. Todavia, resolvi me

aproximar dela e conversar: “Oi!” – disse com animação –“Você é jogadora de

futebol? Conheço algumas jogadoras do time que você está usando o

uniforme...”. Bruscamente fui interrompida, e para meu espanto, sem nunca ter

me visto antes, a jogadora respondeu entre risos: “Sim, sou jogadora nova. E

você é a Mariane, não é? A fotógrafa da universidade. Você não vai voltar a

tirar fotos da equipe? Tem jogadoras novas agora, viu?!”.

Continuamos a conversa de maneira amigável, e me comprometi a voltar

aos treinos em outro momento, o que de fato fiz posteriormente. Foi nesse dia,

em novembro de 2014, que compreendi, pela primeira vez, a centralidade do

uso de elementos audiovisuais no processo de construção da pesquisa de

campo. Esse diálogo me fez olhar a fotografia e os vídeos produzidos ao longo

das inserções em campo como novas formas de ver, transpor e experienciar o

trabalho de campo com mulheres jogadoras de futebol.

Sempre me apresentei às jogadoras que conheci como Antropóloga, ou

para facilitar um pouco mais a conversa, como pesquisadora da Universidade

de São Paulo. Elas, por sua vez, faziam brincadeiras com o fato de eu trazer

em mãos uma máquina fotográfica, profissional e de longo alcance e

permanecer todo o tempo junto a elas registrando seus momentos dentro e fora

de campo. E era assim que eu era conhecida e apresentada para outras

pessoas de fora da equipe: Mariane, a fotógrafa da USP.

Figura 2 - As jogadoras e a antropóloga. Foto por Mariane da Silva Pisani. Junho de 2015.

Era junho de 2014, acompanhava uma competição de futebol praticado

por mulheres na cidade de São Paulo. Em um dos jogos que etnografei fui

impedida pela comissão de arbitragem de adentrar o campo para fazer minhas

fotos na beira do gramado. Imediatamente as onze jogadoras da equipe

chegaram até a juíza responsável pela arbitragem da partida. A cena

desenrolou-se da mesma forma quando uma atleta da equipe leva um cartão

amarelo ou vermelho e as outras atletas da equipe se dirigem ao juiz para

contestar. As onze jogadoras vieram em minha defesa.

A capitã do time discutia e explicava à juíza: “Ela é parte da equipe!

Você não pode deixá-la do lado de fora! Ela está tirando fotos da partida, fotos

nossas. Ela tem tanto direito de estar aqui quanto a gente”. Naquele momento

me senti, de fato, parte integrante da equipe, como uma espécie de “apoio

audiovisual da equipe”. Havia uma unidade explícita na atitude delas em

43

defender minha presença ali, como um time faria em defesa de uma integrante

que leva um cartão amarelo ou vermelho, por exemplo. Naquele dia, após as

intervenções, consegui entrar no campo e realizar as fotos.

A partir dessa cena etnográfica podemos compreender que a presença

da câmera fotográfica em espaços esportivos como quadras, campos e

vestiários proporciona um acesso privilegiado, diferente daquele que se pode

ter sem a câmera. Ou seja, com câmera, eu adentrava espaços que não seriam

permitidos a torcedores/as ou mesmo antropólogos/as: sentava-me junto das

jogadoras nos bancos de reserva; podia percorrer os espaços entre o campo e

as grades que mantêm os torcedores do lado de fora da partida; entrava em

vestiários; transitava livremente entre os jornalistas esportivos presentes –

quando havia –, bem como entre os técnicos e as atletas das outras equipes;

pude inclusive acompanhar os árbitros auxiliares na beira do gramado ou

mesmo sentar-me junto à mesa da arbitragem em algumas situações. Apenas

duas inserções em campo foram feitas do lado de fora, ou seja, sentada nas

arquibancadas, todo o meu trabalho de campo, portanto, é um trabalho de

dentro e de perto(MAGNANI, 2002): é um trabalho que se insere

imediatamente dentro das quatro linhas do futebol de mulheres.

A câmera funcionou como passaporte que garantia minha livre entrada

em todos os espaços dentro e fora de campo. Não era preciso crachá ou

quaisquer outras credenciais, quer de pesquisadora da Universidade ou de

imprensa – como era reconhecida nesse circuito do futebol de mulheres.

Apenas mostrava a câmera fotográfica à mesa de arbitragem e imediatamente

entrava e fotografava a partida. Foi desse lugar privilegiado que realizei a

etnografia dessa tese. Muitos comentários, histórias, momentos e situações

foram capturados pelas lentes da câmera, e por isso, e não por acaso, no

circuito do futebol de mulheres da cidade de São Paulo, onde realizei

etnografias, fiquei conhecida como a fotógrafa da USP.

“De um olhar resulta uma imagem (...). Registra-se o que aparentemente somos. A antropologia dá a forma pela palavra,

mas é uma ciência do olhar, e é pelo olhar que chegamos ao outro, esteja ele próximo ou distante” (ANDRADE, 2002).

Da leitura da antropóloga Rosane de Andrade depreende-se que todo

olhar resulta em uma imagem: seja ela textual ou pictórica. No fazer

antropológico, a imagem surge, geralmente, a partir das palavras. É nos

cadernos de campo e nos textos produzidos pelos/as pesquisadores/as que se

encontram descritos os sons, os lugares, os cheiros e as cores que compõem a

cena etnográfica observada. É importante lembrar, contudo que, desde os

primeiros trabalhos antropológicos, as imagens pictóricas têm sido usadas

pelos/as pesquisadores/as como forma de retratar esse “outro”. Obras

canônicas da antropologia usaram imagens, como “Argonautas do Pacífico

Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos

arquipélagos da Nova Guiné” e “A vida sexual dos selvagens”, ambos de

Bronislaw Malinowski, respectivamente publicados em 1922 e 1929; ou mesmo

o marco clássico sobre Antropologia Visual, “Balinese Character, a

photographical analysis”, de Gregory Bateson e Margaret Mead, publicado no

ano de 1942.

Nesse sentido, a antropóloga Rosane nos lembra: a antropologia é uma

ciência do olhar. Ou como já salientava o antropólogo Roberto Cardoso de

Oliveira (1996), o ofício do/a antropólogo/a é composto pelo olhar, ouvir e

(d)escrever. O antropólogo Alberto Groisman nos fala que o uso metodológico

da fotografia no trabalho antropológico requer, dependendo do campo, uma

intensa troca e interação entre sujeitos – pesquisador e pesquisado (2006).

Podemos nos questionar: a) até que ponto o uso de recursos audiovisuais

auxilia ou dificulta a entrada do antropólogo em campo?; b) quais desafios e

dilemas éticos precisam ser evidenciados na pesquisa, quando o olhar e a sua

produção se voltam para além das imagens textuais? Ou seja, quando a

câmera fotográfica entra em campo capturando momentos e detalhes das vidas

das/os nossas/os interlocutoras/es, qual é o nosso papel enquanto

pesquisadoras/es?

45

Conseguimos encontrar uma resposta para esses questionamentos no

trabalho do antropólogo John Collier Jr. Para ele, a câmera fotográfica nos

permite ver e rever as cenas etnográficas sem fadiga. Segundo Collier Jr., a

última exposição do filme é tão detalhada quanto a primeira e o registro

fotográfico pode substituir o livro de anotações ao realizar um registro mais

completo em circunstâncias mais difíceis (1973, p. 7). Entretanto, o próprio

autor nos lembra que a máquina fotográfica não se apresenta como um

remédio para nossas limitações visuais, mas sim como uma importante

auxiliadora de nossas percepções em campo. “Somente a sensibilidade

humana pode abrir os ‘olhos’ da câmera de forma significativa para a

antropologia”(1973, p. 1).

A câmera fotográfica tornou-se instrumento muito importante de

pesquisa ao longo dessa etnografia. Afinal, se as sociedades possuem

inúmeras e diferentes formas de se comunicar e de se fazer entender, pode a

Antropologia Visual ser considerada um recurso válido na construção do

conhecimento sobre o outro. Dessa forma, a partir da minha experiência em

campo com mulheres jogadoras de futebol, penso que a fotografia – apesar de

central enquanto instrumento metodológico - não substitui por completo o

registro textual das observações em campo. O verbal e o pictórico são

complementares e necessários para a elaboração de uma antropologia

descritiva aprofundada. O texto não basta por si só, assim como a fotografia.

As fotografias produzidas tornaram-se parte essencial do caderno de

campo. Ou melhor dizendo, as fotografias compuseram o caderno de campo e

tornaram-se elas próprias a descrição densa. Ao longo dessa etnografia foram

produzidas, aproximadamente, cinco mil imagens e quarenta horas de vídeo.

As imagens eram capturadas cotidianamente (entre 100 e 200 por dia) e ao

final do dia, em vez de escrever em um caderno as impressões e as

observações realizadas, escolhia cerca de vinte imagens, atribuía-lhes

legendas e títulos para compor uma narrativa. Quando julgava que as imagens

e as legendas não dariam conta da descrição, complementava-a com os

principais diálogos que tivera com as interlocutoras. Já as imagens de vídeo

compuseram o filme “Sou feita de chuva, sol e barro”, que serve a essa tese

como um prólogo que intenta situar o/a leitor/a no universo do futebol de

mulheres etnografado.

A inspiração e a escolha para realizar essa etnografia a partir da

produção de imagens fotográficas e fílmicas são provenientes das trocas feitas

com as/os colegas do Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da

Imagem (NAVI/UFSC), bem como da parceria estabelecida com a professora

Carmen Rial, coordenadora do NAVI/UFSC. A produção dessa tese foi,

portanto, um exercício constante do olhar. Foi através das imagens textuais e,

sobretudo, das imagens fotográficas que a produção dos conhecimentos sobre

gênero, sexualidade, raça e classe no futebol praticado por mulheres foram

aqui desenvolvidos. Além da já esperada observação participante,

compreendida como método essencial e básico do fazer antropológico

aplicado, outras ferramentas acima descritas auxiliaram-me na produção dessa

tese.

Uma das críticas pós-modernas ao fazer antropológico reside na relação

de poder da Antropologia, associada ao colonialismo e do lugar colonial do

saber. Sendo assim, um dos objetivos dessa pesquisa constitui-se na

devolução da pesquisa ao grupo estudado. Além da própria devolução, como

resultado proveniente de uma longa inserção etnográfica em campo, o diálogo

com as(os) interlocutoras(es), a partir do material produzido, pode ser um

momento propício para capturar outros detalhes, coisas que ficaram por dizer,

ou guardadas, ou foram ditas, mas escaparam aos olhos ou ouvidos da

pesquisadora.

A antropóloga Sylvia Caiuby Novaes (2008) nos ajuda a pensar neste

ponto ao falar da relação existente entre os textos e as imagens etnográficas. A

autora nos mostra as diferenças entre as duas formas de expor a pesquisa

antropológica: textual e imagética. A autora nos lembra que, ao contrário dos

textos, as imagens estão presentes em todos os tipos de cultura e que a

imagem ajuda o ser humano no processo de pensamento e de elaboração de

uma realidade. A imagem materializa aquilo que está ausente e as palavras,

47

por sua vez, “significam imagens mentais impressas na mente em função de

nossa experiência com objetos” (2008, p. 459). É preciso lembrar também que

a fotografia embalsama o tempo, congelando momentos e que a recepção das

imagens não pode ser controlada por quem as produz, pois à medida em que

no texto o autor vai encadeando ideias, no filme, o espectador participa e

interage com aquilo que vê, formulando suas próprias ideias de acordo com

suas vivências e experiências.

A imagem torna presente o aquilo que está ausente e as palavras

“significam imagens mentais impressas na mente em função de nossa

experiência com objetos” (2008). Caiuby ressalta ainda que a fotografia possui

um grande potencial: ela não é apenas uma simples imagem capturada em

campo, mas também é um objeto em si. Podemos, então deduzir que o

trabalho antropológico torna-se mais eficaz ao retornar a pesquisa etnográfica

a partir dos recursos audiovisuais, pois como nos lembra Caiuby Novaes o

“texto permite o conhecimento pela descrição e as imagens proporcionam

conhecimento por meio da familiaridade” (2008, p. 465). E é sobre a produção

desse objeto e sobre o retorno da percepção desse objeto por parte das

jogadoras de futebol sobre o qual nos debruçamos agora.

As imagens, como dito anteriormente, eram capturadas dentro das

quatro linhas do campo de futebol, porém não apenas. Em outros momentos de

sociabilidade e vida dessas mulheres jogadoras, a câmera fotográfica também

se fez presente. Foi uma exigência, quase que unânime entre as atletas de

todas as equipes, que eu retornasse, ao final do dia, com as fotos e os vídeos

realizados. Muitas vezes, nem bem chegava em casa e meu celular começava

a tocar: “Mari, já chegou em casa? Já colocou nossas fotos no Facebook? ”.

A pedido delas, muitas vezes imprimi em formato de pôster aquela que

elas julgavam ser a sua melhor foto, muitos desses pôsteres foram

orgulhosamente pendurados na parede de suas casas. Em outros momentos,

organizei fotos e trechos de vídeos em álbuns físicos (dossiês pessoais) e

DVDs. Soube, mais tarde que foram utilizados como portfólio de trabalho para

a projeção e para a visibilidade delas entre possíveis empresários e clubes.

Nesse sentido, houve pedidos específicos: era necessário que eu capturasse,

com a minha câmera, lances de gols, defesas e dribles.

A exemplo do jornalismo esportivo, na época em que a televisão ainda

não era o meio de comunicação predominante, era comum as matérias

descreverem os lances dos jogos e mostrarem fotos em sequências dos gols e

dos lances mais importantes da partida. Repeti, algumas vezes, essa forma de

narrar e ver os jogos.

49

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014.

Havia entre elas uma disputa acirrada e amigável para ver quem

aparecia mais nas fotos. Equalizava-se, nesses momentos, a seguinte questão:

para elas, os melhores lances fotografados refletiam as melhores jogadoras em

campo. Frequentemente ouvia: “Você não está me fotografando por que eu não

estou jogando bem?”. O que me fazia pensar que o desempenho delas em

campo, muitas vezes, era incentivado pela presença da câmera. E que,

obviamente, em uma cobertura fotográfica profissional de um jogo de futebol

existem dezenas de jornalistas que vão para campo registrar momentos das

partidas; e eu, infelizmente, era apenas uma, e jamais conseguiria capturar

todos os lances com a mesma ênfase. Aqui reside o que considero uma

limitação do uso da câmera fotográfica no trabalho de campo: os

enquadramentos que originaram as fotografias são muito específicos e

particulares, ou seja, não havia possibilidade de fotografar um mesmo lance de

vários ângulos sucessivamente, ou ainda vários lances que aconteciam ao

mesmo tempo em campo. Era uma questão de escolha, nem sempre orientada

de maneira evidente.

Outro ponto interessante, ao retornar as fotos para jogadoras, era

observar como elas se percebiam nas fotos: bonitas, cansadas, atléticas,

fortes. Essas eram as categorias que elas mais utilizavam para se descreverem

durante a prática do esporte. As expressões faciais capturadas durante os

jogos também eram motivos de riso e preocupação entre elas. Podemos então

deduzir que, ao dar o retorno da pesquisa, o recurso audiovisual ajudou na

produção das análises aqui apresentadas.

Futebol lazer, futebol amador, futebol profissão

O sociólogo Pierre Bourdieu (1983) nos lembra que o campo das

práticas esportivas vem acompanhado de uma filosofia política do esporte. No

começo do século XIX, na Inglaterra, e entre a antiga aristocracia inglesa, o

amadorismo fazia dos esportes práticas desinteressantes economicamente,

tanto quanto as atividades artísticas (STIGGER, 2005). A própria etimologia da

51

palavra sport8 indica este desinteresse amador. Contudo, ao contrário das

artes, o esporte – sobretudo o futebol, que possuía lugar de destaque na

sociedade inglesa à época - era compreendido enquanto espaço para

afirmação de atitudes viris e formação de caráter dos homens, futuros líderes

da sociedade.

Se a princípio o futebol se desenvolveu como um esporte amador para

modelar o caráter dos homens da classe média inglesa, foi a partir de uma

partida reconhecida como um confronto de classes simbólico - a derrota dos

Old Etonians pelo Bolton Olympic na final do campeonato de 18839 – que o

futebol se popularizou. Com a profissionalização, a maior parte das figuras

filantrópicas da elite nacional inglesa afastou-se, deixando a administração dos

clubes nas mãos dos negociantes e outros dignitários locais. Esses últimos

mimetizaram uma curiosa caricatura das relações entre classes do capitalismo

industrial. Enquanto empregadores, buscavam por atletas/trabalhadores

provenientes da classe operária; esses últimos eram atraídos pelos altos

salários, pela oportunidade de ganhos extras antes da aposentadoria (partidas

beneficentes), mas acima de tudo, pela oportunidade de adquirir prestígio

(HOBSBAWM, 1997, p. 297). O futebol passou, assim, a ser encarado sob o

prisma de uma nova forma de subsistência e de profissão incluindo as classes

mais baixas daquela sociedade.

Essa polêmica foi reelaborada em diferentes momentos nos vários

países para os quais o futebol foi exportado, a partir da Inglaterra, ao final do

8 De acordo com o Online Etymology Dictionary: sport (v.) c.1400, "to take pleasure, to amuse oneself," from Anglo-Fr. disport, O.Fr. desport "pastime, recreation, pleasure," from desporter "to divert, amuse, please, play" (see disport). Sense of "to amuse oneself by active exercise in open air or taking part in some game" is from late 15c. Meaning "to wear" is from 1778. Related: Sported; sporting. sport (n.) mid-15c., "pleasant pastime," from sport (v.). Meaning "game involving physical exercise" first recorded 1520s. Original sense preserved in phrases such as in sport "in jest" (mid-15c.). Sense of "stylish man" is from 1861, Amer.Eng., probably because they lived by gambling and betting on races. Meaning "good fellow" is attested from 1881 (e.g. be a sport, 1913). Sport as a familiar form of address to a man is from 1935, Australian English. The sport of kings was originally (1660s) war-making. (ONLINE ETYMOLOGY DICTIONARY, 2017)

9 O Old Etonians um time fundando no ano de 1865, por Lord Arthur Kinnaird. O grupo foi considerado o último time amador da Inglaterra.

século XIX. No Brasil, a polêmica foi acompanhada por outra, de caráter racial,

com a exclusão dos negros no futebol10. Foi somente no ano de 1930 que os

primeiros negros começaram a participar de alguns jogos de futebol. Uma vez

adotado o profissionalismo no Brasil, no ano de 1933, e tendo sido abertas as

portas também para os negros, o futebol passou, então, a excluir as mulheres.

As duas primeiras polêmicas – exclusão dos pobres e exclusão dos negros no

futebol –foram parcialmente equacionadas ainda em meados do século XX. Já

a polêmica em torno da exclusão das mulheres no futebol brasileiro voltou ao

debate a partir dos anos 1970, no que tem sido chamado de segunda

globalização do futebol, quando o capitalismo se aprofundou transformando

aos poucos e flexibilizando as relações de trabalho, enfraquecendo o vínculo

clube-jogador, favorecendo a circulação de jogadores e com ela gerando lucros

(PISANI, 2012).

Contudo, quando se fala de futebol praticado por mulheres, as fronteiras

entre o que é considerado lazer, amador ou profissão ainda aparecem bastante

borradas. Para Almeida, o reconhecimento da modalidade – enquanto lazer,

amador ou profissional – do futebol praticado por mulheres aconteceria por

estágios de relações sociais ainda por vir (SOARES DE ALMEIDA, 2013). Ao

perguntar para algumas atletas dessa etnografia se se consideravam

profissionais, ouvia: “Eu não sou profissional. Eu jogo só por diversão.

Jogadora profissional é aquela que recebe alguma quantia em dinheiro para

jogar”. Entre as jogadoras dessa etnografia haviam aquelas que recebiam

algum dinheiro para jogar. Entre elas, ao repetir a pergunta, ouvia como

resposta: “Não sou profissional, não. Atleta profissional é aquela que possui

patrocinadores ou que joga na Seleção Brasileira”. A mesma conversa se

repetiu com algumas jogadoras da Seleção Brasileira em momentos anteriores

e posteriores à etnografia dessa tese e as respostas vinham no mesmo tom:

“Profissionais são aquelas jogadoras que são valorizadas, reconhecidas e

respeitadas por jogarem bola. Isso só acontece fora do Brasil”. As repostas

10Mario Rodrigues Filho(1964) em seu livro “O negro no futebol brasileiro”, retrata com riqueza de detalhes a exclusão do negro dentro do futebol.

53

obtidas das jogadoras demonstram que a perspectiva apontada por Soares de

Almeida (2013) de fato se aplica ao campo estudado.

Afinal, como podemos divisar essas categorias a partir das equipes

etnografadas?

É inegável que o futebol praticado por mulheres no Brasil está inserido

em um sistema esportivo marcado por descontinuidades, bem como por

questões políticas e sociais. A educadora física e historiadora Enny Vieira de

Moraes (2014) nos mostra como a história do futebol praticado por mulheres no

Brasil esteve marcada por diferentes formas de violências. A primeira trata-se

de uma violência simbólica, no que diz respeito ao silenciamento, ao

esquecimento e à proibição dessa modalidade entre anos de 1941 e 1979. A

segunda, é a violência econômica sofrida pelas atletas pela falta de incentivos,

investimentos e patrocinadores. E por fim, a terceira, é a violência moral, que

exige das mulheres praticantes da modalidade bons resultados (em

competições como Copa do Mundo ou Jogos Olímpicos, por exemplo), mesmo

existindo dificuldades estruturais.

Pisani e Soares, ao escreverem sobre carreiras e profissionalismo de

futebolistas brasileiras, após a regulamentação da modalidade no Brasil no ano

de 1983, mostram que o futebol de mulheres vem se modificando ao longo das

últimas décadas, ampliando espaços, adquirindo visibilidade,

profissionalizando-se e permitindo que cada vez mais mulheres possam

escolher esse esporte como meio, possível, de vida (SOARES DE ALMEIDA,

PISANI, 2015). Segundo as autoras ainda “a luta para ganhar esse espaço,

considerado tão masculino no país, mostra uma outra proposta de futebol que

atinge uma dimensão política” (SOARES DE ALMEIDA, PISANI, 2015, p. 4).

Ainda nesse sentido, segundo Pisani e Almeida (2015),as redes de

relações e o papel que a prática do futebol adquire para as jogadoras é mais

facilmente explicada a partir da trajetória e da história de vida das mesmas. O

projeto, de acordo com Gilberto Velho (2003) de tornar-se jogadora de futebol

pode ser “subdividido em estágios, como “metas”, a serem alcançados partindo

de uma nova apresentação do self baseado em novas posturas de luta –

metamorfose.”

Tabela 1 - Reconhecimento no futebol praticado por mulheres no Brasil (SOARES DE ALMEIDA, 2013)

Estágios Metamorfose/Luta Projeto/Alcance Representação

Primeiro Segurança no poder “ser” futebolista dentro

de casa.

Família Acompanhar os jogos.

Segundo Ser futebolista o ano inteiro.

Campeonatos Calendário de campeonatos que

preenchesse todo o ano.

Terceiro Ser apenas futebolista Profissionalismo Conseguir manter-se com o futebol.

Quarto Ser vista como atleta do futebol pela sociedade,

empresários e imprensa.

Público Equidade ao futebol de homens, ao futebol de

mulheres na Europa/EUA ou a outras modalidades

como o vôlei.

É partir dos conceitos do antropólogo Gilberto Velho que Soares de

Almeida (2013) nos mostra como a metamorfose poderia ser entendida como a

luta para que cada um desses estágios fosse atingido. Ao quebrar essas

barreiras, outros valores, a partir de novas concepções, são introduzidos nessa

prática esportiva, tendo como consequência a criação de outras formas de

relações (SOARES DE ALMEIDA, PISANI, 2015).

Em meados de março de 2015, duas das equipes de futebol de

mulheres etnografadas nessa tese foram convidadas a responder e a debater

uma série de perguntas realizadas pela jornalista paulistana e especialista em

futebol feminino Luciane de Castro e pelo jornalista e pesquisador Diego Viñas.

Naquele dia, ao acompanhar a atividade realizada por Luciane e Diego, pude

55

perceber algumas das distinções entre as categorias de lazer, profissão e

amadorismo que começavam a tomar formas nessa etnografia.

Participaram da atividade as atletas da Associação Atlética Pró-Esporte

(ASAPE) e as atletas do Estrelas do Futebol (SESC Estrelas), ambos os times

localizados na zona leste da cidade de São Paulo. A primeira equipe composta

por jogadoras com idades entre 15 e 25 anos e a segunda, por jogadoras na

faixa etária dos 13 aos 15 anos. As atletas foram alocadas em uma sala de

aula nas dependências do Centro Unificado Educacional (CEU) Jambeiro e em

grupos mistos debateram e responderam perguntas dentre as quais destaco a

seguinte:“O que o futebol significa para mim?”. Transitava por entre as mesas

no momento em que elas conversavam entre si e respondiam à questão. Pude

ouvir que para elas futebol significava: paixão, felicidade, vida, família,

amizade, união, amor, diversão, lazer, trabalho e comprometimento.

Figura 4 - Jogadoras do SESC Estrelas e ASAPE. Fotografias por Mariane da Silva Pisani11

Lazer, amadorismo e profissionalismo foram categorias analíticas

colocadas em perspectiva por mim em diversos momentos dessa etnografia o

que me permitiu evidenciar um recorte geracional e de classe em seus usos:

entre as jogadoras mais novas – entre 13 e 17 anos – a prática do futebol era

considerada como trabalho, na medida em que elas se dedicavam

cotidianamente à prática e ao aperfeiçoamento de suas habilidades esportivas

e tinham por objetivo viver da modalidade em um futuro próximo. Encontram-se

11Na primeira imagem: Diego, Luciane e Ita Maia iniciando a explicação sobre as atividades que seriam desenvolvidas naquela tarde paras as atletas da Associação Atlética Pró-Esporte e do SESC Estrelas. Na segunda imagem: de colete laranja, as jogadoras da equipe ASAPE; de camiseta branca, as jogadoras do SESC. Na terceira imagem: atletas de ambas equipes reunidas em grupo para a discussão das questões propostas.

57

aqui as jogadoras do SESC Estrelas e as categorias de base do Centro

Olímpico de Treinamento e Pesquisa.

Já para as jogadoras mais velhas das classes mais baixas e mais altas–

entre 18 e 30 anos – o futebol poderia figurar como esporte de lazer. Era assim

considerado pelas jogadoras da ASAPE, do Esmeraldinha e do Pelado Real,

pois dizia respeito aos momentos de encontro nos quais a amizade, a união e o

amor entre colegas de equipe figuravam como elementos centrais da prática

esportiva

Porém, para as jogadoras da ASAPE, assim como para as jogadoras do

Esmeraldinha, o futebol tornavam-se amador quando o comprometimento com

a modalidade e a equipe tornava-se mais evidentes e necessários para realizar

a prática esportiva. Ou seja, a partir da participação em campeonatos e

competições – municipais ou estaduais – o futebol adquiria outro status para

elas. Algumas jogadoras da ASAPE, inclusive, por conta da participação em

campeonatos municipais e estaduais foram convidadas, em 2014 a integrar o

elenco de base (Sub-15) da Seleção Brasileira de Futebol Feminino. Esse fato

nos mostra que o futebol praticado por elas transita nesse limiar entre o lazer, o

amadorismo e a profissão.

59

II - Mulheres que jogam futebol: sociabilidade e circulação na cidade de São Paulo

O futebol de mulheres na cidade de São Paulo

São Paulo é uma megalópole. Considerada a 7ª maior cidade do mundo,

abriga o principal centro econômico e financeiro da América do Sul. A cidade

possui aproximadamente 12.100.000 habitantes 12 , sendo que o complexo

metropolitano expandido — que engloba outras cidades como Guarulhos, São

José dos Campos, Campinas, Sorocaba, dentre outras -, ultrapassa os 30

milhões de habitantes.

A cidade é considerada, através do Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) do ano de 201013, como a 28ª melhor cidade para se viver no Brasil. Vale

ressaltar que o IDH é uma forma de medir e classificar os países membros da

Organização das Nações Unidas (ONU) nas seguintes categorias:

desenvolvidos (Desenvolvimento Humano Muito Alto), em desenvolvimento

(Desenvolvimento Humano Médio) e subdesenvolvidos (Desenvolvimento

Humano Baixo). Os dados que auxiliam no ranqueamento são compostos

pelos seguintes índices: riqueza, poder de compra das famílias, alfabetização,

escolaridade, esperança de vida e taxa de natalidade. Esses são indicadores

que, de alguma maneira, demonstram a inserção dos indivíduos na sociedade.

O ranqueamento dos países, portanto, só é possível a partir de uma coleta de

dados dos índices dos seus distritos14, bem como das suas regiões/estados.

Quanto melhor avaliados e ranqueados são os distritos e as regiões/estados,

melhor colocados ficam os países no ranqueamento global.

12 De acordo com estimativas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017).

13 De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em conjunto com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e a Fundação João Pinheiro (PNUD; IPEA; FJP, 2010).

14 Utilizo o termo “distrito” em consonância com a forma a que os bairros são referidos pelos levantamentos utilizados.

É necessário apontar que o IDH serve apenas para localizar de maneira

inicial as diferenças sociais nestas regiões em que a pesquisa de campo foi

feita. Considero essencial a problematização do material etnografado para

melhor compreensão da cidade de São Paulo a partir de uma perspectiva mais

antropológica.

Figura

15 Disponível em: https://pt.saopaulagosto de 2017.

É necessário apontar que o IDH serve apenas para localizar de maneira

renças sociais nestas regiões em que a pesquisa de campo foi

feita. Considero essencial a problematização do material etnografado para

melhor compreensão da cidade de São Paulo a partir de uma perspectiva mais

Figura 5 - Mapa da Cidade de São Paulo15

https://pt.saopaulomap360.com/mapa-bairros-sao-paulo. Acesso em 10 de

É necessário apontar que o IDH serve apenas para localizar de maneira

renças sociais nestas regiões em que a pesquisa de campo foi

feita. Considero essencial a problematização do material etnografado para

melhor compreensão da cidade de São Paulo a partir de uma perspectiva mais

. Acesso em 10 de

61

A cidade de São Paulo é composta por 32 Prefeituras Regionais que

oferecem, de maneira descentralizada, alguns serviços destinados ao público

em geral. Elas aparecem divididas geograficamente, conforme mapa ao lado,

da seguinte maneira: Central (cinza), Centro-Sul (rosa), Leste 1 (vermelho),

Leste 02 (amarelo), Norte (azul escuro), Noroeste (verde claro), Oeste (laranja),

Sudeste (verde escuro) e Sul (azul claro). Cada uma dessas regiões abriga 96

distritos, alguns desses levam os mesmos nomes das regiões nas quais estão

localizados.

Esses 96 distritos da cidade de São Paulo também podem ser pensados

a partir de três categorias que têm por base o IDH16: muito elevado, elevado e

médio, frisa-se que não há registro de baixo desenvolvimento humano na

cidade. Os dados expostos nessa tese foram observados em cinco regiões da

cidade: Butantã (Oeste), Itaquera (Leste 1), Guaianases (Leste 2), Vila Mariana

(Central) e Lapa (Central), nas quais os distritos onde encontramos as equipes

são nomeados, respectivamente: Rio Pequeno, Itaquera, Guaianases, Vila

Mariana e Barra Funda. No mapa, os distritos estão marcados com uma estrela

roxa. Esses cinco distritos aparecem ranqueados de acordo com seu IDH-

entre os 96 distritos da cidade de São Paulo - da seguinte maneira:

Tabela 2 - Posição no IDH dos distritos paulistanos etnografados entre os anos de 2013 e 2017

Desenvolvimento humano

muito elevado

Desenvolvimento humano

elevado

Desenvolvimento humano

médio

7º lugar - Vila Mariana 46º lugar – Rio Pequeno 76º lugar – Itaquera

21º lugar – Barra Funda 85º lugar – Guaianases

Tabela elaborada por Mariane da Silva Pisani.

16 Segundo dados do Atlas Municipal 2007 organizado pela Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura Municipal de São Paulo (SMTE-PMSP, 2007).

Cada um desses distritos será melhor apresentado ao longo desse

capítulo. Vale ressaltar aqui que essa etnografia foi realizadas com diferentes

classes sociais e que o enfoque maior foi dado para as jogadoras que se

enquadram entre aquelas pertencentes às classes mais populares.

Como mencionados anteriormente, riqueza, poder de compra das

famílias, alfabetização, escolaridade, esperança de vida e taxa de natalidade

figuram entre os índices que orientam as classificações e distinções entre

distritos mais desenvolvidos e menos, ou pouco, desenvolvidos. Nesse sentido,

os locais mais desenvolvidos estariam associados à segurança, à riqueza, ao

trabalho, ao acesso aos bens de consumo e à melhor qualidade de vida. Já os

distritos menos ou pouco desenvolvidos estão associados à violência, à

pobreza, à escassez de acesso ao sistema de saúde e à vulnerabilidade social.

A vulnerabilidade social, nessa tese, é compreendida a partir das

pesquisas publicadas no ano de 2004, pelo Centro de Estudos da Metrópole

(CEM/CEBRAP) da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o

Serviço Social do Comércio (SESC) e com a Secretaria Municipal de

Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo (SMADS-

PMSP); ela deriva da combinação entre elementos de privação

socioeconômica – como baixos níveis de renda e escolaridade, por exemplo - e

características demográficas das famílias – como a presença de muitas

crianças e idosos e, também, muitas mulheres chefes de família

(CEM/CEBRAP, 2004).

Quando pensamos na distribuição geográfica do IDH na cidade de São

Paulo em relação às equipes de futebol etnografadas, podemos perceber que

os distritos onde elas estão inseridas são classificados como de Elevado e

Médio Desenvolvimento Humano e situam-se nas bordas – ou periferias – da

cidade: na parte Oeste, temos o Rio Pequeno; na parte Leste, Itaquera e

Guaianases. Já os distritos considerados de Muito Elevado Desenvolvimento

Humano situam-se nas regiões centrais da cidade – é o caso dos distritos Vila

Mariana e Barra Funda. Surge a concepção de que as periferias são espaços

63

de pobreza, violência e vulnerabilidade; e o centro, por sua vez, espaço de

oportunidades, riqueza e acessos múltiplos.

Ainda é preciso ressaltar que muitas das jogadoras dessa etnografia

atuavam em distritos considerados Muito Elevados em termos de

Desenvolvimento Humano, mas não moravam nesses distritos. Ou seja, elas

eram oriundas de distritos de Desenvolvimento Humano Médio, o que constata

percepção de que a cidade de São Paulo é formada por distritos-dormitórios17 -

situados nas periferias - e distritos de serviço - situados na área central da

cidade. As jogadoras que atuavam na equipe situada na Vila Mariana – Centro

Olímpico de Treinamento e Pesquisa - eram majoritariamente, moradoras das

regiões de Médio Desenvolvimento Humano como Itaquera e Guaianases, por

exemplo. As atletas da Barra Funda (Pelado Real Futebol & Arte), as atletas de

Rio Pequeno (Esmeraldinha Futebol Clube), as de Itaquera (Estrelas do

Futebol) e as de Guaianases (Associação Atlética Pró Esporte)

jogavam/atuavam em locais igualmente ranqueados aos locais de moradia.

Veremos, contudo, que as jogadoras de futebol deslocam e

ressignificam as categorias de centro e periferia. Periferia e centro não

aparecem mais encerrados em si como espaços isolados, uma vez que é a

partir da realidade vivida pelas pessoas de cada região que se pode

compreender como os sistemas de poder, as sociabilidades, as diferenças e as

desigualdades se (re)configuram e modificam as vidas dos moradores e

moradoras dessas regiões. De fato, o IDH mede valores de desenvolvimento,

classificando países, estados, municípios, distritos e pessoas de maneira

bastante objetiva e concreta, mas ao longo dessa tese veremos que as

mulheres jogadoras de futebol mobilizam e dão novos significados a essas

noções de vulnerabilidade, pobreza, escassez, riqueza em suas vidas e

trajetórias. Os conceitos de centro, periferia, segregação e circulação tornam-

se mais apropriados para compreender a vida e as particularidades dessas

mulheres jogadoras da cidade de São Paulo.

17 Distritos nos quais os moradores têm endereço, mas trabalham em outra região .

O IDH, nesse sentido, configurou-se como um indicador interessante

para localizar espacialmente essas mulheres a partir de um denominador

comum. Contudo, não nos encerramos nele, é a partir da etnografia que

podemos ampliar e questionar a aplicabilidade do IDH, além de pensar uma

série de questões, dentre elas: de que maneira se interseccionam gênero,

classe, raça e sexualidade segundo o local de residir e o de jogar dessas

mulheres; como vivem ou vivenciam a vulnerabilidade e a violência; como se

distribuem e circulam as mulheres jogadoras na cidade de São Paulo;

dicotomias entre periferia e centro.

Guaianases e a Associação Atlética Pró-Esporte

A equipe Associação Atlética Pró-Esporte (ASAPE) existe desde 2005 e

está localizada no distrito de Guaianases, na Zona Leste – uma região extensa

de moradias e distritos populares. O distrito é servido pela Linha 11 Coral da

Companhia Paulista de Trens e Metrôs (CPTM), que liga a Zona Leste ao

Centro da cidade bem como às cidades vizinhas da Grande São Paulo: Poá,

Suzano, Ferraz de Vasconcelos e Mogi das Cruzes. De Guaianases até o

centro da cidade de São Paulo, pela estação de Metrô Sé, leva-se

aproximadamente uma hora. Guaianases era, inicialmente, parte da aldeia dos

índios Guaianás e até hoje a bandeira do distrito faz alusão a esse fato.

Durante a pesquisa etnográfica, em 2013, segundo dados do Sistema de

Informações dos Municípios Paulistas18, moravam aproximadamente 105.505

pessoas no distrito de Guaianases e a renda per capita era de R$515,60, o que

equivale nos dias de hoje aproximadamente R$787,00 de acordo com o Índice

Nacional de Preços ao Consumidor (BACEN, 2017).

Dados de 2013 do Sistema Infocidade, mantido pela Secretaria

Municipal de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura de São Paulo (SMUL-

PMSP), descrevem uma população predominantemente jovem: 61,95% dos

18 Órgão vinculado à Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Governo do Estado de São Paulo

65

habitantes tinham até 35 anos de idade e 15,75% eram crianças de até 9 anos

de idade (SMUL-PMSP, 2013). As mulheres responsáveis pelos domicílios

correspondiam a 25,4% do total (SEADE, 2010). Entre os moradores do

distrito, a taxa de analfabetismo era de 4,4%, ao passo que a média da cidade

de São Paulo é de 3,2%. (SMUL-PMSP, 2010). A Secretaria Municipal de

Urbanismo e Licenciamento estima que o distrito contava com 45 favelas

(SMUL-PMSP, 2013) e que 12,80% dos domicílios totais do distrito não

possuíam ligação com a rede de esgoto, contra uma média de 7,99% da

capital. (SMUL-PMSP, 2010). O distrito possui ainda um Centro Educacional

Unificado (CEU) Jambeiro inaugurado no ano de 2003, durante o governo da

ex-prefeita Marta Suplicy. O CEU conta com quadras poliesportivas, campos de

futebol e piscina, possui também telecentro e biblioteca. O CEU Jambeiro

recebe, aos finais de semana, shows de música e teatro e durante a semana é

utilizado ainda como espaço escolar, no qual estudam alunos/as do Ensino

Infantil ao 9º ano do Ensino Fundamental.

Figura 6- Bandeira de Guaianases nas mãos da jogadora Wiara. Foto por Mariane da Silva Pisani. Abril de 2014

Edinei Reis19ou, como gosta de ser chamada, Ita Maia Reis é a principal

personagem desse cenário. Fundadora e jogadora da equipe ASAPE, é uma

mulher negra proveniente do sertão do Estado da Bahia, e tinha 44 anos

quando a conheci em 2013. Foi somente por causa do futebol que conseguiu

sair do seu estado de origem, um espaço de pobreza e sem oportunidades,

segundo ela, e mudar-se para São Paulo aos vinte anos de idade. Para Ita,

viver em São Paulo era a possibilidade de concretizar seu sonho de ser

jogadora de futebol. E assim foi. Ita Maia Reis jogou por aproximadamente 10

anos em equipes de futebol praticado por mulheres da periferia paulistana. Por

sua atuação, foi nomeada em 1999, personalidade do distrito de Guaianases,

algo que não teria acontecido se ela tivesse permanecido na Bahia, disse-me

um dia.

Figura 7 - Associação Atlética Pró-Esporte. Foto por Mariane da Silva Pisani. Abril 2014

19 Em acordo com ela, fui autorizada a deixar evidente seu nome e o nome da sua equipe.

67

Em 2005, Ita, com 36 anos, já estava afastada dos campos como

jogadora, mas permanecia atuando na qualidade de assistente junto a alguns

técnicos e treinadores. Segundo ela, alguns fatores foram essenciais para a

formação da equipe ASAPE. Por um lado, a interdição etária que a afastava

dos campos de futebol era fonte de tristezas e inquietações, afinal jogar bola,

para ela, sempre foi uma paixão a ser perseguida a todo custo. Ademais,

trabalhar na condição de assistente, seguindo ordem de homens, não era algo

que a agradava, ela relata que essa foi uma época de muitos conflitos e

desavenças pessoais. Por fim, àquela época, Ita percebera que muitas das

jovens mulheres do distrito estavam se envolvendo com drogas e tornando-se

mães cada vez mais cedo. Para ela, esse cenário poderia ser “driblado” a partir

de uma prática esportiva adequada para aquelas jovens.

Naquele mesmo ano, a partir dessas observações e constatações, Ita

fundou a própria equipe. Dessa forma, segundo ela, a ASAPE é o lugar onde

vai seguir jogando até o momento em que decidir, por conta própria, parar; é

também um espaço onde ela atua como treinadora e coordenadora, detendo o

comando e exercendo a centralidade na vida de outras pessoas, no caso, as

atletas sob sua responsabilidade. Além disso, segundo uma conversa que

tivemos em 2013, a equipe ASAPE configurava-se em um novo espaço de

sociabilidade e lazer para algumas jovens mulheres da periferia paulistana.

Portanto, Ita considerava que a sua atuação na equipe era como um trabalho

social, sem fins lucrativos, que tinha por objetivo resgatar mulheres negras e

pobres do distrito onde moravam, em situações de risco e vulnerabilidade.

É no Centro Unificado de Estudos (CEU) Jambeiro que a ASAPE realiza

suas atividades diárias: aproximadamente vinte e cinco atletas, sob o

comando de Ita, disputam ao longo do ano alguns campeonatos. As

jogadoras treinam diariamente às terças, quintas e sábados. Atrás dos

campos de futebol, separada por um córrego, fica a comunidade Jardim

Aurora onde a maior parte das atletas residia.

Muitas dificuldades são enfrentadas para que o time e suas atletas

consigam dar continuidade aos seus trabalhos,como por exemplo: a falta de

patrocínio, a ausência de material esportivo adequado para treinos e

competições, a inexistência de divisão específica de treinos e jogos de acordo

com as idades das atletas: adolescentes de 15 anos treinam e jogam ao lado

de mulheres adultas, com idades entre 20 e 45 anos. Além disso, existe um

problema nos dias de jogos que diz respeito ao meio de transporte utilizado

para ir até o local do jogo. Recentemente a ASAPE passou a contar com o

incentivo da Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo, que cede em dias

de jogos uma van escolar para fazer o transporte das jogadoras até os campos

de futebol da cidade. Nessa van escolar, por questão de segurança, apenas

dezenove pessoas poderiam viajar, contudo as vinte e cinco jogadoras,

algumas torcedoras, o massagista – amigo pessoal da Ita e de outras atletas –

e eu, por um período – viajávamos até os locais das competições.

Entre as jogadoras da ASAPE realizei aproximadamente oito meses de

trabalho de campo. O elenco do time era composto, à época, por

aproximadamente 30 atletas com idades entre 13 e 25 anos. A grande maioria

delas era estudante da rede pública municipal e aquelas acima dos 17 anos de

idade também trabalhavam para ajudar complementar a renda familiar. Os

trabalhos eram variados: algumas atuavam como telefonista de telemarketing,

outras como recepcionistas, outras ainda eram vendedoras de lojas e

atendentes de restaurantes fast food. Era comum que elas precisassem pedir

afastamento do trabalho para poder jogar, sobretudo quando o jogo em

questão acontecia durante a semana ou no sábado pela manhã.

Durante os meses de trabalho de campo, pude constatar também que a

grande maioria das atletas do ASAPE moravam no distrito de Guaianases,

distribuídas ao longo da região. Algumas residentes no Jardim Aurora, espaço

imediatamente contíguo ao campo onde treinavam e jogavam. Em seus

arranjos familiares, a centralidade da figura da mulher enquanto chefe de

família. Mães, irmãos/ãs, tias e avós compunham o quadro de pessoas que

moravam na mesma casa que as atletas. Dentro da casa delas – pelo menos

daquelas que fui convidada a frequentar – pude perceber a existência de

móveis (sofá, armários de cozinha e camas), eletrodomésticos (fogão,

69

geladeira, máquina de lavar entre eles) e eletroeletônicos (televisão e rádio)

compunham o espaço do lar.

Apesar das dificuldades enfrentadas no âmbito esportivo, as atletas não

esmorecem. Consideram-se uma família e buscam umas nas outras o suporte

necessário para superar os problemas que existem também fora das quadras.

À medida que a pesquisa avançava e minha interação com elas aumentava,

essas mulheres foram compartilhando histórias pessoais. Mesmo quando não

estão em campo treinando ou disputando jogos, fazem questão de se encontrar

pessoalmente todos os dias. Além da proximidade física, mantêm-se

conectadas diariamente – quase que 24hs por dia– por redes sociais de

mensagens instantâneas como o Whatsapp e o Facebook. Fica claro, portanto,

que para além das relações esportivas e de compromisso com o time, existe

um forte laço afetivo entre elas.

Vale pontuar que, em Maio de 2017, em rápida visita ao grupo para

acompanhar um jogo da ASAPE e rever Ita e suas jogadoras mais uma vez,

ouvi da técnica que depois de uma série de vitórias e desdobramentos de seu

trabalho, em 2015 – ano da Copa do Mundo de Futebol Feminino e que, a

partir de uma iniciativa do Museu do Futebol da cidade de São Paulo - ela, Ita,

passou a figurar nos anais da história do Museu do Futebol. Segundo ela, o

foco da equipe agora é o investimento na formação de atletas de alto

rendimento. Nesse sentido, ela formou algumas jogadoras que, a partir de

2016, começaram a jogar em equipes profissionais como a Associação

Portuguesa Futebol Clube e a Seleção Brasileira de Futebol Feminino.

Vila Mariana e o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP)

A Vila Mariana é um distrito localizado na região central da cidade de

São Paulo sendo considerada uma das regiões mais desenvolvidas da cidade,

registrando a maior média salarial entre seus habitantes. É um distrito

empresarial e residencial, no qual moradores, empresários e turistas convivem

diariamente pelas ruas. O distrito apresenta alta demanda e oferta de opções

na gastronomia, compras, lazer, museus e parques, sendo o Parque do

Ibirapuera o cartão-postal mais importante da localidade. É um distrito que

conta, também, coma sede da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

e seu campus mais antigo e tradicional – a UNIFESP foi fundada a partir da

Escola Paulista de Medicina. A região oferece uma infraestrutura excelente de

transporte público: cinco linhas de metrô cruzam o distrito e corredores ônibus

estão disponíveis para os moradores da região. Situado próximo à Avenida

Paulista, em 2014, Vila Mariana foi eleito pelo Jornal Estadão como “o bairro

mais queridinho de São Paulo”20, justamente por oferecer grande infraestrutura

de serviços, comércio, transporte público e lazer (O ESTADO DE S. PAULO,

2014).

O COTP está localizado nas proximidades do Parque Ibirapuera. O

Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) foi o contexto mais

formalizado e institucionalizado de prática esportiva que essa tese percorreu.

Na verdade, a pesquisa de campo foi iniciada ali, exatamente porque seria um

contexto formal de profissionalização, vinculado ao Estado, com treinadores

contratados. Como a pergunta inicial era sobre o processo de

profissionalização, pesquisar ali parecia apropriado, contudo os caminhos da

etnografia modificaram-se tornando aquele espaço constrito demais para

pesquisar questões de gênero, sexualidade e raça no contexto esportivo. É um

órgão subordinado à Secretaria Municipal de Esportes e Lazer da Prefeitura de

São Paulo (SEME-PMSP) e tem por objetivo treinar e aperfeiçoar tecnicamente

jovens atletas em diversas modalidades esportivas. Criado em 3 de fevereiro

de 1976, o COTP desenvolve as seguintes modalidades: atletismo, basquete,

boxe, futebol, ginástica artística, handebol, judô, luta olímpica, natação e vôlei.

Já nas primeiras idas a campo, em 2012, descobri que aproximadamente 100

atletas – com idades entre 13 e 25 anos – treinam na modalidade do Futebol

Feminino.

20 Segundo Matéria veiculada na internet pelo jornal O Estado de S. Paulo em 21.11.2014, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/geral,vila-mariana-um-dos-bairros-mais-queridinhos-de-sp,1603916.

71

Os treinos acontecem da seguinte maneira: as atletas do Sub-13 treinam

duas vezes por semana, às segundas e quartas-feiras, das 14h às 16h; as do

Sub-15, três vezes por semana, às segundas, quintas e sextas-feiras, das 14h

às 18h; já as jogadoras do Sub-17, quatro vezes por semana, às segundas,

terças, quartas e sextas-feiras, das 14h às 18h e, por fim, a Equipe Principal

treina de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h. Nota-se a diferença de tempo

dedicado ao treinamento de acordo com a faixa etária. Em 2013, algumas das

atletas do Sub-17 já estavam com contratos assinados para disputarem

campeonatos no exterior – nos Estados Unidos – a partir do segundo semestre

daquele ano. As categorias de base recebem apoio financeiro da Prefeitura

Municipal de São Paulo, à exceção da Equipe Principal, mantida e patrocinada

por empresas privadas.

À época, as jogadoras das categorias de base do COTP recebiam

alguns benefícios ao serem selecionadas para atuar na equipe. Dentre eles o

fornecimento do material esportivo e de lanches durante as atividades físicas; a

disponibilidade de atendimento por um fisioterapeuta para tratar das lesões

ocorridas durante os treinos e/ou jogos; bem como vale-transporte. Esse

último, soube, era concedido levando em consideração a renda familiar da

jogadora, a distância percorrida por elas entre residência/treino/residência e a

necessidade de conceder alguma forma de incentivo para que não faltassem

aos treinos. Isso demonstrou que a maioria das atletas era proveniente das

classes mais baixas e não residiam no bairro onde o COTP estava localizado.

Muitas delas provinham de outros distritos da cidade de São Paulo,

geralmente periféricos e afastados do campo de treino e jogo – Guainases,

dentre eles -, e precisavam percorrer a cidade através dos trens

metropolitanos, bem como dos metrô e ônibus municipais. Poucas dessas

atletas de base compareciam aos treinos durante a semana acompanhadas do

pai, da mãe e/ou algum responsável. Ou seja, a maioria delas chegavam

sozinhas para treinar. Já nos dias de jogos – geralmente aos finais de semana

-, muitas vezes pude presenciar os pais, mães e/ou responsáveis nas

arquibancadas acompanhando as partidas. Esse dado indica - de acordo com

os horários de treino das categorias de base - que os pais, as mães e/ou os

responsáveis dessas atletas estavam em horário de trabalho enquanto as filhas

treinavam. Soube ainda que um dos critérios para a permanência delas nos

elencos de base era estar regularmente matriculada, frequentar alguma escola

da cidade de São Paulo, possuir boas notas e comportamento exemplar no

ambiente escolar. Caso contrário, receberiam advertência e, reincidindo notas

baixas e/ou mau comportamento, poderiam inclusive ser desligadas da equipe.

Considerando esse requisito e os horários de treino – na parte da tarde -

, muitas das jogadoras estudavam na parte da manhã. Diversas vezes vi as

jogadoras das categorias de base chegarem ao COTP trajando seus uniformes

escolares. Essa cena repetiu-se muitas vezes durante o tempo que permaneci

em campo, assim pude notar que a grande maioria delas estudava nos

colégios públicos municipais e estaduais da cidade de São Paulo. Todas as

jogadoras das categorias de base, no tempo em que realizei trabalho de campo

no COTP eram negras.

As categorias de base do COTP – Sub- 13, 15 e 17 – já disputaram mais

de 23 finais de campeonatos locais e regionais e conquistaram

aproximadamente 15 títulos ao longo dos anos de trabalho. Um desses jogos

de final da equipe Sub-17, que será descrito adiante, foi disputado contra a

equipe Associação Atlética Pró-Esporte, também etnografada neste trabalho.

A Equipe Principal do Centro Olímpico participa das seguintes

competições:

Copa do Brasil, organizada pela Confederação Brasileira de

Futebol (CBF) e disputada anualmente desde 2007 (na qual foi 2ª

colocada em 2012 e 3ª colocada em 2013);

Brasileirão Feminino Caixa, criado no ano de 2013 pelo Ministério

do Esporte em parceria com a CBF e considerado o segundo

torneio nacional da modalidade, reunindo as 20 melhores equipes

do ranking brasileiro (no qual foi campeã no ano de 2013);

73

Campeonato Paulista, disputado desde 1987 é o maior

campeonato regional brasileiro de futebol de mulheres que conta

com a participação de 16 equipes do Estado de São Paulo (no

qual foi 2º colocado nos anos de 2011 e 2012).

No ano de 2013, no qual conduzi minha etnografia, o técnico

responsável pelo treinamento da equipe Principal do COTP era o

professor21Arthur Elias. Ele elaborou uma metodologia de treinamento que

integrava todas as categorias em um trabalho de preparação contínuo e

constante visando à profissionalização e melhor preparação atlética daquelas

jogadoras. Foi a partir do trabalho dele que muitas das atletas do COTP foram

convocadas pela CBF para atuar na Seleção Brasileira nas categorias Sub-15,

Sub-17 e Sub-20. Somente no ano de 2013, mais de trinta atletas foram

convocadas para integrar as equipes da Seleção Brasileira. Trata-se portanto

de um contexto de maior destaque e profissionalização.

A visibilidade do COPT pode ser exemplificada pelo interesse da BBC

(British Broadcasting Corporation) em fazer uma matéria sobre a equipe. Em

abril de 2013, Jason Margolis, repórter e correspondente desta emissora de

rádio e televisão, chegou ao COTP para realizar entrevistas com algumas

jogadoras de base. O objetivo dele era mostrar como o país que iria sediar no

ano seguinte a 20ª Copa do Mundo de Futebol (de homens!) encorajava

meninos a jogar bola desde muito cedo, mas não fazia o mesmo quando se

tratava de meninas. Estive presente à entrevista, conversando e auxiliando-o

naquele dia e ao final dos trabalhos Jason me perguntou: “Most of the girls we

were watching were dark skinned. Is this an indicator that they're from lower

income families?”(“A maioria das meninas que estávamos assistindo tinha pele

escura. Isso é um indicador de que elas são de famílias de baixa renda?”). Até

aquele momento não havia me deixado captar: aquelas jogadoras, que eram

negras, poderiam ser provenientes das classes mais baixas da sociedade

21 Professor é um termo utilizado pelos jogadores e jogadoras de futebol para se referirem a juízes e técnicos.

brasileira. Era a primeira vez que o Marcador Social da Diferença de raça e de

classe cruzavam-se nessa etnografia, isso reforçava a necessidade de trocar a

pergunta orientadora da tese. Era cada vez mais urgente analisar as maneiras

pelas quais a raça, a classe, a sexualidade e o gênero interferiam na

construção de corpos e redes diversas de afetos entre aquelas mulheres

jogadoras.

Naquele momento, contudo, apenas consegui responder ao jornalista

que muitas atletas do COTP eram residentes dos distritos periféricos da cidade

de São Paulo – espaços geralmente associados à pobreza, privação e perigo,

mas que não devem ser reduzidos a esse imaginário -; que seus familiares,

pais, mães e/ou responsáveis eram integrantes da classe trabalhadora; que as

jogadoras, em sua grande maioria, eram estudantes de colégios públicos da

rede Municipal e Estadual de ensino; bem como muitas delas deslocavam-se,

cotidianamente, mais de trinta quilômetros pela cidade para poderem treinar e

jogar na Vila Mariana.

75

Figura 8- Jogadora do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa categoria Sub-13. Foto por Mariane da Silva Pisani. Abril de 2013

Barra Funda e o Pelado Real Futebol & Arte22

“Brás, Bexiga e Barra Funda é o órgão dos ítalo-brasileiros de São Paulo. Durante muito tempo a nacionalidade viveu da mescla de três raças que os poetas xingaram de tristes: as três raças tristes (...). Então os transatlânticos trouxeram da Europa outras raças aventureiras. Entre elas uma alegre que pisou na terra paulista cantando e na terra brotou e se alastrou (...).Do consórcio da gente imigrante com o ambiente, do consórcio da gente imigrante com a indígena nasceram os novos mamalucos.

Nasceram os intalianinhos.” (DE ALCÂNTARA MACHADO, 1978, p.8)

Antônio de Alcântara Machado, cronista brasileiro, escreveu e publicou

em 1927 a coletânea de crônicas intitulada “Brás, Bexiga e Barra Funda”. A

obra narra - com bastante maestria, comicidade e drama - a presença de

imigrantes italianos e o cotidiano das classes proletárias na cidade de São

Paulo na primeira metade do século XX. Esses três distritos de São Paulo são

associados, até os dias de hoje, a esses “intalianinhos” que transformaram os

jeitos de viver e trabalhar dos paulistanos.

A Barra Funda, nesse sentido, constitui-se inicialmente enquanto distrito

industrial. Até o começo do século XX, abrigava as Indústrias Matarazzo – não

por acaso, a principal via de acesso ao distrito chama-se Francisco Matarazzo

– que empregava boa parte dos habitantes da região, que eram, em sua

maioria, imigrantes. O distrito da Barra Funda é famoso, atualmente, por

abrigar a Arena Palestra Itália, local onde joga a Sociedade Esportiva

Palmeiras - equipe de futebol fundada em 1914 e que tem entre seus

fundadores, jornalistas e operários italianos. O distrito é sede ainda das escolas

de samba da Mancha Verde e Camisa Verde e Branco, associadas às torcidas

22 O nome Pelado Real Futebol & Arte remete as famosas “peladas”: partidas de futebol que são disputadas por homens, nas quais as regras de jogo são livres (não se marcam faltas e impedimentos, por exemplo) e o principal objetivo da partida é a diversão e socialização dos que jogam.

77

organizadas do Palmeiras; da emissora paulista de televisão TV Record; do

Memorial da América Latina; bem como da sede do Nacional Atlético Clube e o

seu estádio, o Nicolau Alayon. O distrito oferece uma ampla variedade de

restaurantes, escolas, hospitais e possui dois shoppings. É atendido, também,

pela Linha 3-Vermelha do Metrô – Estação Palmeiras-Barra Funda - e pelas

Linhas 7 e 8 da CPTM que comunicam o distrito com o resto da cidade.

Originalmente, a Barra Funda tinha muitas indústrias e galpões fabris, inclusive

porque cortada pela linha de trem. Atualmente, essas indústrias se mudaram e

grandes áreas estão sendo convertidas em condomínios com prédios

habitacionais voltados para as camadas média e alta, cuja publicidade explicita

tanto a proximidade com o centro, como a presença da boa infraestrutura

urbana, com farto transporte coletivo da região (tem uma estação de metrô e

uma estação de ônibus intermunicipal).

Uma das equipes que encontrei e etnografei na cidade de São Paulo

chama-se Pelado Real Futebol & Arte. Este clube é peculiar nesta tese, pois é

formado por mulheres das camadas alta e média-alta da sociedade. Segundo

Julia, fundadora da equipe, no ano de 2011, ela e sua ex-sócia tiveram a ideia

de associar esporte e diversão. Então criaram um espaço no qual as mulheres

poderiam “jogar bola”. Nas palavras de Julia, para jogar na equipe é preciso

apenas comparecer aos treinos, ser esforçada e bem-humorada, afinal é um

espaço para esquecer dos problemas, gastar algumas calorias e se divertir

entre amigas. Trata-se aqui não do esporte como profissão, mas sim como

lazer e atividade física.

Para jogar no Pelado Real, deve-se fazer uma inscrição em alguns dos

planos oferecidos: Mensal, Trimestral ou Semestral. De acordo com o plano,

pode-se jogar uma ou duas vezes por semana. Os valores iniciam-se em

R$40,00 reais, para as aulas avulsas, e chegam a R$194,00 reais, no plano

Semestral, com direito a participar de duas aulas por semana. Goleiras pagam

R$50,00 reais por mês. Os valores pagos em dinheiro, cartão de débito ou de

crédito são revertidos para a locação das quadras onde elas jogam, o

pagamento dos professores e técnicos que acompanham as equipes, o

material esportivo, o impostos e remuneração das pessoas envolvidas no

empreendimento. Atualmente o projeto Pelado Real Futebol & Arte reúne mais

de 250 adeptas da modalidade que jogam bola semanalmente.

Entre as atividades que o Pelado Real Futebol & Arte proporciona às

jogadoras inscritas estão as competições com outras equipes da cidade de São

Paulo. Dessa forma, desde 2011, o Pelado Real participou das seguintes

disputas:

Copa Primavera de Futebol do Clube Pinheiros 23 2011

(ficando em primeiro lugar);

Campeonato do Clube Alto de Pinheiros 2011 (ficando em

terceiro lugar);

Copa Paulista de Futebol 2012 (ficando em segundo lugar);

Liga das Meninas Futebol Society 2012(ficando em primeiro

lugar);

Red Bull Haute Soccer League 2012 (ficando em primeiro

lugar);

II Campeonato Olímpia Escola de Futebol 2013;

XVII Copa de Futsal do Sindicado dos Bancários 2013;

I Copa Nacional de Futebol Society Feminino 2013.

Mas quem são essas mulheres, afinal? As mulheres do Pelado Real são

majoritariamente brancas, de classe média e alta, todas com pelo menos uma

23 O Clube Pinheiros é um espaço de lazer para as elites paulistanas. Fundado em dezembro de 1972, está localizado no distrito Pinheiros – Zona Oeste de São Paulo. Conta com mais de 24 mil metros quadrados onde se encontram quadras poliesportivas, quadras de areia, academia, piscinas de lazer, quadras de tênis, canchas de bocha, salão de sinuca e quiosques com churrasqueiras, em um dos bairros mais valorizados da cidade. O Clube realiza ainda alguns eventos tradicionais: Réveillons, Bailes de Carnaval, Bailes de Debutantes, almoços de Dia das Mães, marcados pela presença da classe alta de São Paulo.

79

graduação, com famílias originárias do Estado de São Paulo. A maioria dessas

mulheres encara o futebol como um momento de lazer, onde elas podem,

inclusive, se equiparar aos homens: “Meu marido sai para jogar futebol com os

amigos, então eu decidi que poderia sair também e encontrar minhas amigas

para jogar bola”, uma delas me disse um dia.

Figura 9- Pelado Real Futebol & Arte. Foto por Pelado Real & Arte.

As quadras onde elas treinam são um espaço alugado na Barra Funda e

só se tem acesso de carro. As linhas de ônibus não passam por perto e o

metrô mais próximo está a 30 minutos de caminhada. Todas as jogadoras

chegam de carro e trazem seu próprio uniforme: meia, shorts, calção,

caneleira. Todos da Nike ou da Adidas – marcas que revelam, no Brasil, origem

de classe social. Elas são a única equipe composta por mulheres que ocupam

o espaço das quadras, as outras são equipes formadas por homens.

Acompanhei, durante as inserções a campo, algumas cenas de tensão entre as

atletas do Pelado Real e os homens que jogavam no mesmo horário. Alguns

deles apoiavam-se nas grades que dividiam as quadras e questionavam o real

desejo de jogar bola e o desempenho futebolístico delas.

Segundo Júlia – à época 25 anos, sócia e empresária da equipe -, a

iniciativa de fundar o Pelado Real Futebol & Arte foi uma maneira divertida de

empoderar mulheres, um “jeito nosso de dizer ao mundo que nós, mulheres,

podemos ser quem nós quisermos ser. Bailarinas ou peladeiras, princesinhas

ou molecas, toda mulher tem o direito de escolher e viver sua paixão e estilo

próprio”. Além, é claro, de ser uma alternativa diferente na construção de

corpos mais femininos– magros e em forma – de uma maneira divertida. De

alguma maneira, a criação do Pelado Real me remete à segunda onda do

feminismo, na qual as mulheres lutaram pelo fim da discriminação e a completa

igualdade entre os sexos. Quando as jogadoras do Pelado Real alegam que

querem se equiparar aos homens e também poder jogar bola com as amigas,

isso se torna bastante explícito. Quando elas afirmam seu lugar dentro da

quadra, perante alguns homens que questionam suas capacidades

futebolísticas, isso também fica evidente.

Figura 10 - Mascote Pelado Real Futebol & Arte, Rosie the Riveter e camiseta. Imagens retiradas do site da equipe Pelado Real Futebol & Arte.

81

Na época, a mascote do time do Pelado Real fazia uma referência à

clássica Rosie the Riveter, um ícone cultural dos Estados Unidos da América,

que representa as mulheres norte-americanas que trabalhavam nas fábricas

durante a Segunda Guerra Mundial. Além disso, o Pelado Real disponibiliza

alguns materiais de merchandising e possibilita a venda de camisetas que

trazem as seguintes frases estampadas: “Esquece o sapatinho de cristal, essa

princesa veste chuteiras”; “Nem toda menina quer ser bailarina”. Vale ressaltar

ainda que o nome da equipe é uma brincadeira que faz contraposição, nas

chaves do binarismo de gênero, com o termo comumente usado para se referir

a uma partida de futebol descompromissada jogada entre homens, a famosa

“pelada”.

Itaquera e o Estrelas do Futebol

O distrito de Itaquera – que em língua Tupi significa ‘rocha dura’ – foi,

até fins do século XIX, um lugar repleto de vegetação, usado como fazendas

para criação e plantação. No começo do século XX, as fazendas foram

vendidas e loteadas, tornando o lugar – afastado do centro da cidade – um

espaço possível para áreas de veraneio e chácaras. A partir dos anos 1920,

imigrantes japoneses instalaram-se no distrito e entre outras marcas dessa

chegada, o Parque do Carmo que abriga até os dias de hoje a Festa da

Cerejeira – árvore típica e símbolo do Japão. A urbanização chegou a Itaquera

a partir dos anos 1980, quando a inauguração da Companhia Metropolitana de

Habitação de São Paulo (COHAB-SP) expandiu a demografia da região – o

número de habitantes mais que dobrou no período. A COHAB-SP atua junto à

Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), e a partir da aquisição de terrenos

constrói moradias para população de baixa renda. O 39º Batalhão de Policia

Militar (39º BPM), localizado na região de Itaquera, detém o segundo maior

índice de homicídios da cidade de São Paulo e são os moradores das COHABs

os que mais sofrem – geralmente – com a ostensiva presença policial na

região24 (O ESTADO DE S. PAULO, 2015).

No ano de 1988, a Linha Vermelha do metrô chegou ao distrito ligando-

o de maneira definitiva ao centro da cidade. No ano de 2010, anunciou-se a

construção da Arena Corinthians, que em 2014, foi sede de alguns jogos da

20ª Copa do Mundo de Futebol, sendo realizada ali a partida de abertura do

megaevento. A Arena Corinthians encontra-se ao lado da Estação Corinthians-

Itaquera do Metrô e da CPTM. A área ao redor da Arena Corinthians foi

estabelecida pelo governo como "Polo Institucional de Itaquera". Nessa região

foram implantadas, nos últimos anos, algumas unidades da Escola Técnica

Estadual (ETEC) e da Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo

(FATEC).

Minha aproximação com o Estrelas do Futebol (SESC Estrelas) teve

início no mês de junho de 2014, quando as atividades com a primeira turma

estavam sendo finalizadas. A equipe formada integra um projeto social de

iniciativa privada. O projeto nasceu de uma parceria entre o SESC de São

Paulo e o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo. Da parceria, surgiu a

ideia de montar uma equipe de futebol de mulheres que seleciona, pelo período

de um ano, meninas entre 13 e 15 anos. Além da idade, há outros pré-

requisitos de admissão para atuar na equipe: elas precisam ser residentes da

grande São Paulo; precisam estar matriculadas em escola da rede pública ou

serem bolsistas de escola particular; por fim, precisam ter noção básica de

inglês.

Situado no distrito de Itaquera, Zona Leste de São Paulo, o projeto tem

por intuito formar, desenvolver e transformar as meninas em jovens lideranças,

capazes de atuar positivamente em suas comunidades. Elas, além de aprender

a desenvolver habilidades futebolísticas, também aprendem noções de

empreendedorismo e melhoram suas habilidades linguísticas na língua inglesa.

A cada temporada, são dez meses de intenso trabalho, nos quais as pequenas

24 Segundo Matéria veiculada na internet pelo jornal O Estado de S. Paulo em 20.03.2015, disponível em http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,pms-da-regiao-do-butanta-e-de-itaquera-causaram-mais-mortes,1654353.

83

jogadoras precisam comparecer semanalmente na Unidade SESC Itaquera.

Entre as habilidades desenvolvidas, os técnicos e dirigentes do programa

elencam: o aprendizado do planejamento do tempo; noções de liderança e

trabalho em equipe; promoção do autoconhecimento e desenvolvimento

pessoal; comunicação interpessoal; gestão de relacionamentos e

desenvolvimento de outra língua. As atletas precisam ainda apresentar bom

rendimento escolar, condição que lhes abre a possibilidade de, ao final da

temporada, realizar um intercâmbio. O objetivo aqui, portanto, não é formar

atletas profissionais, mas sim estabelecer um projeto que desenvolve

diferentes competências entre jovens moradoras da região de Itaquera.

Figura 11- Jogadoras do SESC Estrelas comemorando a vitória em um campeonato. Foto por Mariane da Silva Pisani. Junho de 2014.

Em conversa com as jogadoras da equipe, pude conferir que elas

treinam três vezes por semana, recebem uma alimentação supervisionada,

bem como auxílio-transporte e o equipamento necessário para a prática

esportiva. À época, a técnica e treinadora delas era uma ex-jogadora de

futebol. Durante o período em que permanecem no projeto, as jovens treinam,

cursam as aulas de inglês, participam de palestras, fazem viagens e jogam em

campeonatos. No ano de 2014, duas jogadoras norte-americanas, Brandi

Chastain e Julie Foudy, ministraram uma palestra motivacional que foi recebida

com muito entusiasmo pelas jovens. Posteriormente, custeadas pelos

financiadores do projeto, as adolescentes foram convidadas a fazer uma

viagem de uma semana pelos Estados Unidos da América. O intuito era

realizar um intercâmbio cultural aproximando-as da realidade esportiva vivida

naquele país.

Nesse sentido, os Estados Unidos da América podem ser considerados

como o melhor país para a prática do futebol de mulheres. Nos EUA, afinal, são

outros os esportes que ocupam o lugar de “esporte masculino”, como o futebol

americano, o beisebol e o basquete. Segundo atletas que já atuaram nos EUA,

lá o futebol para mulheres é valorizado (PISANI, 2012). Meninas a partir dos

cinco anos já participam de treinamentos em escolinhas. Escolas e

universidades promovem campeonatos de futebol de mulheres que ocorrem

durante todo o período letivo. Além disso, até 2012, os EUA possuíam o maior

campeonato de futebol de mulheres do mundo: o Women's Professional

Soccer. Nesse campeonato, algumas das melhores jogadoras brasileiras

atuaram: Formiga, Marta, Daniela, Cristiane, Fabiana, Renata Costa, Rosana,

Ester, Maycon, Erika.

As jogadoras do SESC Estrelas foram unânimes em dizer que o projeto

e a prática do futebol transformaram as suas vidas positivamente. Uma delas

falou-me que sua autoestima melhorou e que agora ela via uma possibilidade

de viver do futebol, como jogadora. Apenas uma incerteza geral se abatia

sobre elas: como o projeto possui apenas um ano de duração, logo elas

estariam por conta própria, sem a disponibilidade de um espaço bem

estruturado para treinar e jogar, sem a orientação de uma equipe técnica

competente e responsável. Muitas meninas cogitavam a possibilidade de

85

participar de algumas peneiras25 nos grandes clubes da cidade de São Paulo e

assim dar prosseguimento à carreira de jogadora de futebol.

Rio Pequeno e o Esmeraldinha Futebol Clube

O distrito Rio Pequeno, se formou inicialmente por trabalhadores das

olarias e pedreiras da região, bem como por operários que trabalharam

construção civil - principalmente nas obras da Cidade Universitária, nas

décadas de 1960 e 1970. A presença de favelas é forte no distrito. Apenas para

citar como exemplos, ali se encontram as comunidades de Vila Dalva, Sapé e

São Remo – esta vizinha de muros da Universidade de São Paulo. Assim

como na região de Itaquera, na região do Butantã – onde se localiza o distrito

Rio Pequeno – a Polícia Militar é detentora de altos índices de homicídios,

sendo considerada, no ano de 2015, como a polícia mais letal da cidade (O

ESTADO DE S. PAULO, 2015).

No Rio Pequeno podemos encontrar ainda o Campo do Corinthians do

Rio Pequeno, um dos mais tradicionais campos de futebol da Zona Oeste da

cidade de São Paulo. Ele é popularmente conhecido como Corinthinhas, e

realiza parcerias com alguns times de futebol profissional e amador e diversas

escolinhas de futebol da região. Não possui gramado, sendo então um campo

de terra batida – característica marcante em muitos campos que realizam

partidas de futebol de várzea.

25 As peneiras são momentos em que os clubes abrem espaço e realizam seleções para a ‘descoberta’ de novos talentos futebolísticos.

Figura 12- Capa do Jornal Oste News. Fotografia por Mariane da Silva Pisani. Agosto de 2015

Em meados de agosto de 2015, em uma banca de revistas e jornal,

localizada no distrito do Butantã, deparei-me com um jornal de circulação

gratuita no distrito. O impresso intitulado “Oeste News” chamou-me a atenção

pela notícia que trazia na capa: “Futebol movimenta fins de semana”. O

destaque da manchete era para a equipe de futebol de mulheres do distrito

vizinho – Rio Pequeno -, o Esmeraldinha Futebol Society.

Até aquele momento não havia encontrado, ou mesmo etnografado,

alguma equipe de futebol praticado por mulheres da Zona Oeste de São Paulo,

87

uma vez que não tinha conhecimento das atividades de qualquer equipe da

modalidade nessa região. Dessa forma, com o jornal em mãos, fui à procura da

equipe através do que supus ser a ferramenta mais rápida para buscar

informações sobre a mesma: a rede social Facebook.

Colocando o nome da equipe no buscador da rede social Facebook,

consegui encontrar a página do Esmeraldinha. Pude, assim, encontrar algumas

informações bem como entrar em contato com a mesma. Escrevi uma

mensagem e a enviei. Identifiquei-me como pesquisadora da Universidade de

São Paulo e perguntei se poderia acompanhar algum jogo ou treino. Algumas

horas depois, ainda no mesmo dia, uma pessoa da equipe respondeu-me,

entrando assim em contato comigo:

Mariane Pisani: Olá, bom dia! Vi uma reportagem sobre o time feminino de vocês no jornal Oeste News. Eu sou aluna e pesquisadora de doutorado da USP. Atualmente trabalho com futebol feminino para minha tese de doutorado. Conheço várias equipes da cidade de São Paulo e estive ajudando o Museu do Futebol na curadoria sobre futebol feminino. Gostaria de conhecer a equipe das meninas. Será que poderíamos combinar um dia para eu assistir alguns treinos? Abraços

Esmeraldinha F.S: Boa tarde, Com certeza será um prazer recebê-la nos treinos! Sou a filha do Presidente e administro a página do time ...estou passando a ele o que me solicitou ... vou verificar quando vai haver treinos e te comunico.(Trecho transcrito do Caderno de Campo de Mariane Pisani)

Alguns dias depois desse contato inicial, Carla, técnica da equipe na

época, entrou em contato comigo:

Carla Moreno: Boa tarde... me encaminharam que pediu para conhecer a nossa equipe de futsal feminino... sou técnica do time C&C/Esmeraldinha e o time foi campeão

dos Jogos da Cidade. Se quiser conversar sobre o time para sua pesquisa, estou à disposição. (Trecho transcrito do Caderno de Campo de Mariane Pisani)

Conversamos brevemente e fiquei de comparecer, no domingo do dia 13

de setembro de 2015, a um jogo da equipe durante as quartas de final de uma

competição amadora de futsal que acontecia no distrito Lauzane Paulista, Zona

Norte de São Paulo. A chave da competição para aquele dia era a seguinte:

13h50 - Império JB X Lauzane; 14h40 - ASSAJEA X Spam; 15h30 - União

Feminina X Cruz de Malta; 16h20 - Só Tapa FC x C&C Esmeraldinha.

Ao chegar à quadra naquela tarde, localizei Carla que veio ao meu

encontro com Deijacy, também técnico da equipe. Ficamos alguns minutos

conversando, assim pude saber que Carla e Deijacy trabalham com futebol de

mulheres há aproximadamente 16 anos. A equipe de futsal feminino C&C

Esmeraldinha é uma fusão entre as equipes de Carla e Deijacy. Cada um deles

traz cinco jogadoras de seus distritos de origem e juntos formam a equipe.

Segundo Deijacy, não há trabalho de treino com as jogadoras, logo as

competições são os únicos momentos de encontro entre elas. Segundo Carla e

Deijacy, o custo de todo o material da equipe e de inscrição nas competições é

arcado por ambos. Carla relatou que como não precisa gastar com custos de

vida, uma vez que ainda mora com os pais, ela usa parte do salário que ganha

como professora de Educação Física – ela dá aula em Alphaville26 para filhos

de ex-atletas jogadores de futebol – para investir na equipe feminina. Segundo

ela, prefere agir assim, pois se as jogadoras forem solicitadas a contribuir com

a manutenção da equipe vão começar a se intrometer nas decisões de quem

26 Alphaville é um condomínio localizado na região noroeste da grande São Paulo. Alphaville foi idealizado, na década de 1970, com o intuito de criar um local no qual as elites e grandes empresários da cidade de São Paulo pudessem fugir das altas taxas de criminalidade, engarrafamento e poluição que a cidade passava a apresentar. Atualmente, Alphaville é composto por condomínios residenciais fechados de alto padrão e possui ainda: sistema de segurança próprio (com mais de 1100 policiais), centro industrial, centro empresarial, shoppings, escolas, universidades, campos de futebol, golfe e tênis, hospitais e supermercados.

89

pode ou não pode entrar em campo. Deijacy, que trabalha como DJ nas horas

vagas, diz que gosta muito de trabalhar com atletas mulheres.

Naquela época, a equipe contava com aproximadamente doze atletas em

seu elenco, cujas idades variavam entre 16 e 25 anos. Composto por mulheres

negras provenientes das camadas mais baixas, algumas eram estudantes –

sobretudo as menores de idade – e, entre elas, algumas, assim como as

atletas da ASAPE, trabalhavam para complementar a renda familiar. Já as

maiores de idade não estavam mais na escola, apenas trabalhavam

normalmente como atendentes de loja e caixas de supermercado. Assim, todas

as atletas daquela equipe trabalhavam; ou, trabalhavam e estudavam ao

mesmo tempo. Elas não faziam do futebol um meio de vida, praticavam-no

amadoristicamente e/ou por lazer. Segundo Carla e Deijacy, o futebol sobrevive

e existe na base da amizade. Vale dizer ainda que três das jogadoras do

Esmeraldinha viviam no distrito do Rio Pequeno, nas comunidades mais pobres

da região. Outras eram moradoras da cidade de Osasco, cidade que faz

conurbação com o distrito do Rio Pequeno e dessa forma junta-se à cidade de

São Paulo.

Dicotomias entre centro e periferia e o circuito futebolístico de mulheres

“Eram cinco horas da manhã. Era inverno e o sol ainda não havia nascido no horizonte. Eu havia me levantando uma hora antes e me preparado para seguir viagem até um bairro de periferia da zona leste paulistana. A palavra periferia ecoava na minha cabeça, em movimentos circulares, indo e vindo, se aproximando e se distanciando de mim.

Sentada num banco do vagão do trem da CPTM escutava, sob mim, o barulho das rodas e engrenagens do trem entrando em contato com os trilhos. Era sábado e alguns jovens conversavam animadamente sobre a festa da qual acabavam de voltar do centro da cidade. Eu fazia alguns cálculos, levaria pelo menos mais uma hora para chegar ao

destino final. À minha frente, os primeiros raios de sol, ainda tímidos, despontavam no horizonte.

Uma voz sobre a minha cabeça anunciava a próxima estação. Os jovens desceram. A paisagem, do lado de fora, passava rapidamente diante dos meus olhos. Mas não tão rapidamente que eu não pudesse reparar que os poderosos e imponentes prédios do centro da cidade iam sendo substituídos por casinhas de alvenaria aglomeradas ao longo da malha ferroviária.

A palavra periferia continuava dançando em círculos na minha cabeça.

Esse seria o meu primeiro dia de trabalho de campo na cidade de São Paulo.”

Trecho do caderno de campo – agosto de 2013.

“Centro” e “periferia” são categorias relevantes para o desenvolvimento

dessa tese de doutorado. Elas podem ser utilizadas para descrever territórios

físicos delimitados, podem também definir redes de sociabilidade; podem ainda

apontar práticas culturais, bem como versar sobre políticas públicas. Seus usos

são diversos e suas aplicações são múltiplas. Contudo, como aponta o

antropólogo Gabriel Feltran, os termos “periferia”, “periferias”, “centro” e/ou

“centros” podem trazer alguns problemas, sobretudo porque reiteram que

existem diferenças e divisões entre aqueles espaços que são considerados

“centro” e aqueles se são considerados “periferia” (FELTRAN, 2008). Ou seja,

são conceitos que trazem consigo uma série de estigmas sociais que decorrem

de seus usos. Se por um lado, no senso comum, a imagem evocada pela

palavra “periferia” sugere, geralmente, locais associados à pobreza, à

vulnerabilidade social, à violência, à ausência de poder público, ao risco e ao

perigo; por outro lado – também no senso comum - o “centro” aparece

caracterizado enquanto espaço de riquezas, de possibilidades, de segurança,

de presença do poder público, de acessos múltiplos aos bens materiais e

culturais.

91

Conforme pontua Feltran, falar sobre “periferias” urbanas é debruçar-se

sobre noções de violência. Segundo Feltran, desde os anos 1970 “política e

violência apareceram alternadamente, e solitárias, como as ‘chaves da história’

que explicariam as dinâmicas sociais das periferias” (FELTRAN, 2008, p. 29).

Foi somente a partir dos anos 1980, que as análises acadêmicas passaram a

incluir novos sujeitos – os/as moradores/as das “periferias” – e a problematizar

que a violência não deveria aparecer enquanto categoria central nas análises

dessas regiões (FELTRAN, 2008, 2012). Contudo, não podemos ignorar que a

repressão policial, os grupos de extermínio e o narcotráfico ainda figuram como

elementos centrais nesses espaços urbanos. Segundo o autor:

“ (...)Hoje é a crueza da violência, tanto policial quanto ligada ao tráfico de drogas, o que chama a atenção dos analistas (e do senso comum) para as periferias urbanas. Os bairros e conjuntos habitacionais populares, mas especialmente as favelas, seriam agora o lugar da barbárie, materializada como estatística no descalabro dos índices de assassinatos de adolescentes, como imagem de massa nas narrativas cinematográficas à la Cidade de Deus (ou Tropa de Elite), e como ameaça efetiva nos ataques de facções criminosas às forças do Estado. A distinção entre “cidadãos de bem” e “bandidos” no debate sobre o desarmamento civil, ou sobre os “ataques do PCC” (Primeiro Comando da Capital), a criminalização dos “motoboys” e o medo que a favela produz na classe média são sintomas de um mesmo fenômeno: a clareza, cada vez mais presente no senso comum, de que é preciso isolar-se das “classes perigosas”, demarcando as fronteiras entre favelas e periferias e o mundo social habitável (...). A violência seria a explicação primeira (e última) das dinâmicas internas [das periferias], e de suas relações com a sociedade” (FELTRAN, 2008, p. 30).

Foi possível perceber na pesquisa que “centro” e “periferia” são

categorias e espaços urbanos que precisam ser tensionados e colocados em

perspectiva a todo instante. Afinal, são os sujeitos que vivem nas cidades que

realizam essa tensão – mesmo que de maneira inconsciente – e que conferem

novos significados tanto às “periferias”, quanto aos “centros”. Nesse sentido,

vem sendo papel da Antropologia Urbana trabalhar, apontar e problematizar os

desdobramentos dos usos desses dois conceitos a partir dos usos que

cidadãos e cidadãs conferem ao espaço urbano. Tanto assim que Feltran

prefere usar periferias no plural:

“Quando falo das “periferias” de São Paulo, portanto, refiro-me a ambientes situados no tempo e no espaço, em que pessoas de carne e osso se relacionam entre si e com outras esferas do mundo social, de modo plural e heterogêneo. De outro lado, e simultaneamente, o termo “periferias” ajuda a reconhecer as regularidades que se desenham nestas regiões da cidade e que demandam investimento analítico comparativo” (FELTRAN, 2008, p. 27).

Nesse sentido, utilizamos nessa tese os conceitos de periferia e centro

na tentativa de desconstruí-los, respectivamente, enquanto espaços de

violência e não violência. Assim como Feltran, optamos por utilizar essas

categorias – mesmo com os problemas que elas trazem – na medida em que

elas são as categorias mais inteligíveis para destacar o conjunto de dinâmicas

sociais etnografadas (FELTRAN, 2008, 2012) e também porque em alguns

momentos elas apareceram como categorias êmicas nos discursos das

jogadoras sobre a cidade de São Paulo.

As dinâmicas sociais e as redes de sociabilidades nas sociedades

complexas (VELHO, 2013) dão-se e constroem-se dentro das cidades, e vão

para além das suas delimitações espaciais e arquitetônicas. O antropólogo

Antônio Augusto Arantes nos diz que “a experiência urbana contemporânea

propicia a formação de uma complexa arquitetura de territórios, lugares e não-

lugares, que resulta na formação de configurações espaços-temporais mais

efêmeras e híbridas do que os territórios sociais” (ARANTES, 2000). Os

habitantes ao se deslocarem pela cidade, apropriando, ressignificando e

utilizando o espaço público, elaboram novas fronteiras simbólicas que

geralmente vão, como já dito anteriormente, além das fronteiras arquitetônicas.

Diz-nos Arantes (2000) que através deste processo, ruas, praças, monumentos

93

se transformam em “suportes físicos de significações e lembranças

partilhadas”.

Fizeram parte dessa etnografia, enquanto atores e atrizes, os “pobres

urbanos”, os setores trabalhadores, as classes populares, ou camadas de

baixa renda da cidade de São Paulo – localizados entre as jogadoras das

equipes ASAPE, COTP, Sesc Estrelas e Esmeraldinha, a maior parte delas,

moradoras das periferias -; bem como participaram também as camadas

médias, profissionais liberais e universitárias residentes na mesma cidade –

localizadas entre as jogadoras da equipe do Pelado Real Futebol & Arte. É

como se este outro time permitisse um contraponto, pois o foco aqui são as

jogadoras de camadas populares para as quais o futebol parece ter uma

centralidade nas suas vidas. Estas jovens que moram nas periferias, treinam

muitas vezes em espaços que são longe de suas residências (particularmente

no caso do COPT), ou treinam em seus bairros/regiões de origem, mas

circulam mais amplamente pela cidade por conta dos jogos dos quais

participam.

Foi após intenso trabalho de campo junto às mulheres jogadoras de

futebol que pude perceber que a circulação delas na cidade é estreitamente

orientada e alinhada a partir da prática esportiva e, por consequência, da

construção de seus corpos. Pretendo mostrar como essas mulheres jogadoras

de futebol circulam pela cidade, fazendo com que os “centros” e as “periferias”

– pensados aqui no plural – adquiram outros significados; e colocar em

evidência como o futebol de mulheres – que é vivido na cidade - pode

configurar-se enquanto rede de sociabilidades, sororidade, afetos e desejos.

Para a primeira análise - que propõe articulações entre centro, periferia e

violência – discuto a partir da pesquisa feita nos bairros da periferia com quem

treinava no mesmo bairro em que residia. Neste caso, exploro a situação em

que as jogadoras residiam no mesmo distrito no qual o time tinha sua sede

física. Esse detalhe facilitou acompanhar o dia a dia e a circulação delas pela

região e também pela cidade de São Paulo. Pude acompanhar os

deslocamentos delas enquanto grupo e não apenas individualmente, seja para

assuntos relacionados ao futebol ou outras atividades cotidianas nas quais elas

estivessem envolvidas.

Já para a segunda análise, que se propõe evidenciar como o futebol de

mulheres se configura enquanto rede de sociabilidades, sororidade, afetos e

desejos, a etnografia aparece ampliada, vários times pesquisados servem de

fonte para a reflexão. O que apresento nesse segundo momento é como as

mulheres de todas essas equipes apropriam-se dos espaços da cidade de São

Paulo a partir da prática esportiva e configuram um circuito (MAGNANI, 2002)

futebolístico de mulheres.

Periferias, centros e violências

Partindo do centro da cidade, da Estação de Trem e Metrô Luz, até o

local de treino das jogadoras da ASAPE leva-se, aproximadamente, uma hora

de viagem. Ao longo do caminho, que se percorre uma parte de metrô e uma

parte de trem, a paisagem paulistana transforma-se: os grandes centros

empresariais, do que se compreende por centro da cidade, cedem lugar às

casinhas de alvenaria, com tijolos expostos e esquadrias de madeira. É

interessante notar que a quantidade de árvores, matos e arbustos também

aumentam à medida que me desloco à zona leste da cidade de São Paulo.

Antes que chegue ao meu destino final, à minha direita, avisto o grande

e imponente e novo estádio de futebol da equipe do Sport Clube Corinthians

Paulista. Ele se destaca totalmente em meio à paisagem local. É uma

construção nova, erguida para sediar alguns jogos da 20ª Copa do Mundo de

Futebol de 2014, e posteriormente foi cedido para uso da equipe corintiana. Na

Estação de Metrô Corinthians-Itaquera, Linha 3 Vermelha, de metrô, preciso

descer e fazer integração com a Linha 11 Rubi da CPTM e continuar a viagem

até meu destino: a estação de trem de Guaianases.

Acumulei alguns quilômetros de deslocamento pela cidade de São Paulo

durante o trabalho de campo. Percorria esse caminho todos os finais de

95

semana – entre novembro de 2013 até julho de 2014 -, sendo que muitas

vezes realizava-o mais de uma vez no mesmo dia. Chegava entre sete e oito

horas da manhã ao local de treinamento das atletas do ASAPE, onde a técnica

Ita já me aguardava. Acompanhava os trabalhos da equipe e, sobretudo aos

domingos, deslocava-me com elas até os locais onde ocorriam os jogos –

amistosos ou campeonatos - em distritos da cidade de São Paulo como Vila

Mariana e Saúde (na zona sul da cidade) ou em cidades vizinhas como Mogi

das Cruzes, Poá ou Suzano; depois do jogo retornava com elas até o local de

treinamento na zona leste, para, somente depois, ao final do dia, retornar para

casa, no bairro do Butantã, zona oeste.

A Associação Atlética Pró-Esporte foi fundada por Ita em 2005. Desde

então, ela e suas atletas realizam seus treinos e alguns jogos em dois locais:

na quadra de futsal do Centro Unificado (CEU) Jambeiro e no espaço contíguo

ao CEU, o campo do Codó. Ao lado do campo do Codó, podemos encontrar

ainda o campo do Grêmio Botafogo27 . Ambos eram, inicialmente, de terra

batida e somente em 2012 foram reformados pela Subprefeitura de

Guaianases. Dessa forma, grama sintética e refletores foram instalados no

local.

27 Ambos, Codó e Grêmio Botafogo, são equipes de futebol de várzea do bairro de Guaianases. Para maiores informações sobre elas, bem como sobre o bairro de Guaianases a partir de uma perspectiva do futebol de várzea consultar a tese em Antropologia Social de Enrico Spaggiari (2014).

Figura 13 - Vista aérea dos campos do Codó (em primeiro plano) e Gêmio Botafogo (segundo plano). A esquerda da foto a Radial Leste e à direita, o Jardim Aurora. Foto

por Mariane da Silva Pisani capturada do segundo andar do CEU Jambeiro. Novembro de 2013.

Figura 14 - Campos do Codó, Botafogo e CEU Jambeiro. Foto capturada com auxílio do Google Maps.

97

À direita (leste) dos campos, está o Jardim Aurora, considerada a vila

mais pobre do bairro de Guaianases e local de moradia de algumas das atletas

do time ASAPE. Separando os campos e o CEU do Jardim Aurora, existe um

córrego por onde escoam-se as águas das chuvas e os esgotos das casas. À

esquerda dos campos (oeste) um prolongamento da Radial Leste, permite o

acesso à localidade por meio de carro ou ônibus. Abaixo (sul), não

contemplada na imagem, vamos encontrar a Estação Guaianases da

Companhia Paulista de Trens Metropolitanos.

No começo do mês de março de 2014, a ASAPE foi convidada a

participar de um campeonato organizado e promovido pela Secretaria de

Esportes e Lazer da Prefeitura Municipal de São Paulo (SEME-PMSP), o 12º

Jogos da Cidade. Segundo o site 28 da Secretaria, a competição pode ser

considerada o maior torneio esportivo amador do Brasil contando com partidas

nas seguintes modalidades: futebol de campo, futsal, basquete, voleibol,

handebol, tênis, xadrez, vôlei de areia, capoeira, bocha, entre outros. Ainda

segundo o mesmo site, em homenagem à Copa do Mundo sediada no Brasil no

ano de 2014, os 12º Jogos da Cidade tornar-se-iam os “Jogos Mundiais”. Ou

seja, cada subprefeitura de São Paulo representaria um dos países que

participariam do mundial de futebol. Os critérios para definição seguiram

afinidades culturais, interesse da subprefeitura e sorteio. Dessa forma foi

definido que Santo Amaro, conhecida pela concentração de imigrantes

alemães, representaria a seleção alemã; a Mooca representaria a seleção

italiana pelo seu processo histórico; Vila Mariana ficaria com a seleção

espanhola; já a subprefeitura de Jaçanã/Tremembé, campeã dos 11º Jogos da

Cidade, representaria o Brasil; e as demais subprefeituras representariam

outros países participantes.

28 Para maiores Informações sobre os Jogos da Cidade consultar o material disponível em: http://www.jogosdacidade.prefeitura.sp.gov.br/default.aspx?cd_versao_campeonato=14&cd_campeonato=1&nm_campeonato_completo=JOGOS%20DA%20CIDADE%202014.Acesso em 24 nov. 2017. Acesso em 10 de outubro de 2017.

No dia da abertura dos Jogos da Cidade, 15 de março de 2014, saí às 5

horas da manhã do Butantã, zona oeste de São Paulo, em direção à Zona

Leste, Guaianases, para a base da ASAPE. A abertura do 12º Jogos da Cidade

seria às 10hs, no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, no distrito de

Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Logo que o ônibus da Secretaria

Municipal de Esportes, Lazer e Recreação da cidade de São Paulo chegou à

zona leste, nos acomodamos em seu interior e, para minha surpresa, além das

atletas da Associação Atlética Pró-Esporte também viajariam conosco alguns

jogadores das equipes de futsal do bairro, além de dois atletas da capoeira. Foi

dentro do ônibus que soubemos - pela primeira vez e através de uma

funcionária da prefeitura - que a subprefeitura da equipe ASAPE fora sorteada

para representar a seleção da Colômbia. Imediatamente alguns comentários

jocosos foram feitos pelos jogadores de futsal, todos relacionavam a questão

do narcotráfico da Colômbia com as situações de violência vividas por eles e

seus amigos no bairro.

“- Tão chamando a gente de bandido traficante. Anota isso aí pro seu trabalho, moça! (Risos)”

Essa frase, proferida por um dos jogadores de futsal e seguida de

risadas dos demais atletas da equipe, mostrava que além de aqueles homens

saberem quem eu era e o que eu fazia ali, havia uma associação implícita

sobre os espaços urbanos da cidade de São Paulo e suas representações no

imaginário social, assim como um imaginário sobre a Colômbia como o país

ligado ao narcotráfico. Não acredito que a Secretaria Municipal de Esportes,

Lazer e Recreação, tenha feito a associação da violência promovida pelo

narcotráfico colombiano com o distrito de Guaianases. Mas isso não impediu

que os atletas homens associassem-no, mesmo que jocosamente, à violência e

ao tráfico.

Algumas cenas, vividas diariamente por esses citadinos, contribuem

para fixar a imagem de que o bairro onde moram é um espaço de abandono,

99

violência e perigo. Ao sair da estação de trem, pode-se observar que à

esquerda há um elevado que liga o bairro à Avenida Radial Leste. Por baixo do

elevado, em uma disputa territorial, podemos encontrar usuários de crack,

prostitutas e catadores de papel. É preciso passar por ali, numa caminhada de

aproximadamente 10 minutos, para chegar ao CEU Jambeiro, onde as atletas

da ASAPE treinam diariamente. Percorrer esse trajeto é deparar-se com

pessoas utilizando drogas e prostituindo-se em todos os horários do dia. Em

uma rua paralela ao viaduto – que depois descobri ser o caminho por onde se

deslocam pelo bairro, ou seja, elas nunca usavam a via que eu costumava

caminhar para chegar ao CEU Jambeiro, porque não a consideravam segura -,

está o início da comunidade onde mora a maioria das atletas. Separando a

comunidade do viaduto há um córrego, por onde passam as águas pluviais e

os esgotos da região. Grafitado nas paredes de cimento que canalizam o

córrego, pode-se ler em letras brancas a recepção: Welcome to Gua29 (Bem

vindo a Gua).

Figura 15 - Córrego que cruza o distrito de Guaianases, outrora, escrito nas paredes do canal, lia-se “Welcome to Gua”. Imagem retirada do Google Earth. Julho de 2017.

29 Gua é uma abreviação de Guaianases.

Algumas vezes pude notar a ostensiva presença da Polícia Militar do

Estado de São Paulo na região. Uma abordagem policial – das muitas que

presenciei -, chamou-me atenção pelo tom agressivo dos policiais, bem como

pelo uso desproporcional da força e da autoridade. Um dia, ao me deslocar em

direção ao CEU Jambeiro, caminhava sozinha pela rua da foto anterior; dois

homens – jovens e negros – vinham na direção contrária. Ao mesmo tempo em

que passava por eles na calçada pude avistar uma viatura da Polícia Militar

estacionando na via.

Rapidamente três policiais – também negros – armados, desceram do

carro e aos gritos abordaram-nos. Assim que os policiais desceram, os dois

jovens ergueram imediatamente seus braços. A poucos metros da cena, parei

para observar o desenrolar da situação. Ainda aos gritos os policiais

ordenavam para que eles mantivessem as mãos para o alto e para que

permanecessem encostados nas grades que separavam o córrego da calçada.

Os dois jovens foram revistados - um deles foi jogado ao chão com violência

durante o processo - por dois dos policiais que desceram da viatura. O terceiro

policial permaneceu com a arma em punho apontada para a cabeça/corpo dos

jovens. Os moradores que passavam pela cena, continuavam seus percursos

sem muito assombro ou interesse, demonstrando que a situação era

corriqueira e que a violência empregada pela PM não os surpreendia ou

mesmo comovia.

Passados alguns minutos de revista ostensiva os policiais liberaram os

jovens, que continuaram seu caminho. Fui a única pessoa que permaneceu –

atônita - parada na calçada observando. Ao contar para as jogadoras a cena

vista, apenas ouvi: “Isso é bastante comum por aqui, Mari. Mas é só você

andar com a gente que não tem problema”.

Volto à cena da cerimônia de abertura da competição 12º Jogos da

Cidade. Ao longo do caminho percorrido, da zona leste até a zona sul, as

jogadoras da ASAPE iam conversando, rindo e comentando os acontecimentos

da semana. À medida que saíamos do bairro, as casas e construções iam

dando lugar aos prédios comerciais. Isso, em alguma medida, surpreendia as

101

atletas que às vezes diziam “até parece outra cidade, não?!”. Depois da

cerimônia de abertura, cada time recebeu a tabela com os jogos e os locais em

que disputariam as partidas. Apenas o primeiro jogo disputado pela Associação

Atlética Pró-Esporte, no dia 06 de abril, ocorreu na zona leste, no distrito do

Carrão. Nesse jogo, saímos de Guaianases às 13h30 na van escolar que era

concedida em dias de jogo. Algumas meninas iam em pé dentro da van, pois

não havia lugares suficientes para todas se sentarem. Na frente, junto ao

motorista, estávamos Deco, jogadora do time, e eu. Pelas janelas da van, o

caminho percorrido até o distrito do Carrão - onde aconteceria o jogo -

mostrava a paisagem da zona leste paulistana: casas, padarias, cabeleireiros,

trilhos da Linha Vermelha do Trem e as favelas. Deco, que veio sentada ao

meu lado, perguntou se eu não achava muito feias as casas que existiam atrás

dos campos de futebol onde elas treinavam. Eu sabia que ali era o lugar onde

muitas delas moravam e respondi: “É diferente, não é?”. Ela riu muito da minha

resposta. “Diferente. (Risos.) Essa Mari...”. Continuamos a viagem.

Os outros quatro jogos da ASAPE ocorreram no campo da

Portuguesinha, localizado na Vila Mariana. Para as jogadoras da equipe, o

distrito da Vila Mariana era percebido como uma região abastada, na qual

moravam pessoas bem de vida. Nos dias de jogos geralmente chegávamos

mais cedo e passeávamos pelas ruas do bairro em busca de alguma padaria

ou feira para fazer um lanche. Nessas caminhadas elas apontavam as casas e

diziam: “Olha que casa top! É um bairro de gente rica, a pessoa tem que ter

muito dinheiro para morar aqui né, Mari?! É parecido com o bairro que você

mora?”. Sempre respondia que morava perto da Universidade de São Paulo,

um bairro de estudantes, que pagava aluguel e não tinha condições de morar

em uma casa como aquela. Essa conversa se repetiu pelo menos três vezes

ao longo dessa etnografia.

Figura 16 - Campo onde as jogadoras da ASAPE treinam e jogam. Ao fundo, Jardim Aurora, local onde muitas residem. Foto por Mariane da Silva Pisani. Março de 2014.

No dia 04 de maio de 2014, a Associação Atlética Pró-Esporte jogou sua

terceira partida na competição contra uma equipe de Alphaville, novamente no

campo da Portuguesinha, Vila Mariana. O jogo, infelizmente, não durou 20

minutos. A equipe de Alphaville entrou em campo com sete atletas – número

mínimo permitido pelo regulamento do campeonato – e, aos quinze minutos do

primeiro tempo, uma das jogadoras se machucou. Nesses primeiros quinze

minutos, contudo, a ASAPE marcou três gols e garantiu, com tranquilidade,

uma das vagas para a final.

Nesse mesmo dia acontecia na Avenida Paulista, região central da

cidade, a 18ª Parada da Diversidade LGBT. Dessa forma, ao final da partida,

em vez de embarcarem na van que as levara para à Vila Mariana e voltarem

para Guaianases, metade do time resolveu que iria à Parada. A treinadora

disse que elas não deveriam ir, sobretudo as menores de idade, mas não foi

ouvida. O motorista da van nos levou até a Estação de metrô mais próxima,

103

Santa Cruz Linha 1 Azul, e de lá seguimos para a estação Paulista Linha 4

Amarela.

Figura 17 - Jogadoras da ASAPE na 18ª Parada da Diversidade LGBT da cidade de São Paulo. Fotografia por Mariane da Silva Pisani. Maio de 2014.

Eu fiquei encarregada de mostrar o melhor caminho para chegar à

Avenida Paulista uma vez que eu era da região e deveria conhecer tudo por ali.

Foram com essas palavras que elas me elegeram como responsável para guiá-

las pelo metrô e pela multidão que ocupava as ruas na região central naquela

tarde. Uma das jogadoras chegou a afirmar que estava com medo de ser

assaltada, pois a região era um espaço desconhecido por ela, muito diferente

de Guaianases, familiar e calmo.

A familiaridade e calmaria, apontadas por aquela jogadora, destoaram

naquele momento das concepções ancoradas no senso comum sobre o distrito

em questão. Sempre considerado como uma periferia violenta e perigosa,

Guaianases apareceu pela primeira vez descrito enquanto espaço familiar e

seguro. Depois dessa fala, comecei a ficar atenta às relações de afetividade

que elas estabeleciam com a região onde nasceram e foram criadas. E foi

assim que percebi que o futebol era compreendido por elas como uma

possibilidade de pertencimento, que ajudava a contornar as situações de

violência tão corriqueiras na região.

Em um sábado, no qual acompanhei mais um treino das atletas da

ASAPE, fui convidada para almoçar na casa de uma das atletas. Para chegar à

casa dela, foi preciso adentrar a comunidade Jardim Aurora. À minha frente, as

boas vindas, “Welcome to Gua”: vielas estreitas, carcaças de carros

abandonado, esgoto a céu aberto, fiações de luz e TV a cabo ilegais, pedaços

de pipas enroscadas nos postes, cachorros e crianças soltos pelas ruas.

Caminhávamos pela rua da casa, quando uma das jogadoras apontou para um

bar de esquina e me disse, em voz baixa: “O dono da comunidade fica sentado

ali o dia inteiro. A polícia não entra aqui, então não se preocupe. Além disso,

estamos com o uniforme da equipe e andando em grupo. Nada vai acontecer”.

Quando passamos pela frente do bar, avistei um grupo de homens sentados.

Certamente eu destoava no grupo, era um rosto não familiar e ouvi um deles

afirmando alto: “Aquela de cabelo vermelho é nova por aqui, deve ser uma das

meninas da Ita”.

Eu não havia me preocupado em nenhum momento, mas achei a

ressalva das atletas da ASAPE digna de nota por dois motivos: primeiro, a

polícia fora identificada como a causadora das cenas de violência na região;

segundo, andar em grupo trajando o uniforme da ASAPE, era a possibilidade

de transitar sossegadamente pelo distrito de Guaianases. Depois, descobri que

para se locomover pelo bairro elas sempre utilizavam essa estratégia: andavam

em grupo, geralmente composto apenas por mulheres; e, sempre que possível,

trajavam o uniforme da equipe como forma de distinção, pertencimento e

proteção. Essa estratégia as mantinha livres das abordagens da polícia – que

as percebia como um grupo de esportistas da região – e de possíveis

abordagens do dono da comunidade, uma vez que ele as percebia como

meninas da Ita, logo, dignas de respeito e consideração.

105

Figura 18 - Atletas da ASAPE e Ita numa rua do Jardim Aurora. Foto por Mariane da Silva Pisani. Abril de 2014.

Se, por um lado, em Guaianases, as jogadoras da ASAPE eram

reconhecidas como as meninas da Ita, logo, inseridas em uma rede bastante

específica de sociabilidade local, por outro, na região da Avenida Paulista elas

não eram ninguém, ou melhor, eram apenas mais alguns rostos – dentre tantos

outros possíveis - na multidão. Nesse sentido, o futebol apareceu nas

narrativas delas como uma possibilidade de vínculo (entre um grupo de

mulheres jovens), de pertencimento (à região em que moravam) e de proteção

(contra os perigos e violências).

Sociabilidades na produção de circuito futebolístico e circuitos lésbicos entre mulheres jogadoras de futebol

Realizar uma antropologia da cidade, elegendo o futebol feminino como

uma “lente” através da qual se olha para os fenômenos urbanos, torna-se

essencial para compreender os processos de circulação, de sociabilidade, de

lazer e de trabalho das mulheres que praticam a modalidade e que moram, no

que se considera pelo senso comum, em um espaço periférico da cidade da

São Paulo. O antropólogo Heitor Frúgoli Jr nos mostra que a figura do citadino

não deve ser reduzida à figura do transeunte, tampouco à do cidadão/ã já que,

segundo o autor “a urbanidade não conduz a priori às práticas de cidadania, e

nem sempre a cidade, por suas conjunções estruturalmente instáveis (ao atrair

e repelir, ao mesmo tempo, seus habitantes entre si), produz aglomeração

politizadas” (FRÚGOLI JR., 2007, p. 7).

A cidade, para o autor, aparece como relacional e permite que uma

modalidade básica de sociabilidade seja estabelecida entre seus citadinos. “As

formas de sociabilidade tipificam de modo mais evidente: as ações de

reciprocidade consciente entre os indivíduos, ainda mais porque, (...) não há

coisa ou evento que tenha um significado intrínseco ou fixo, mas que emerge

apenas através da interação com outras coisas ou eventos” (FRUGOLI JR,

2007, p.11). O autor propõe ainda duas formas de leitura do conceito de

sociabilidade, são elas:

“a primeira leitura adviria das formas de sociabilidade enquanto possibilidade de construção temporária do próprio social entre estranhos ou atores sociais em condições diversas, em que a interação em si constituiria o principal intuito”. (FRUGOLI JR, 2007, p 23, grifo do autor)

Essa perspectiva levaria em conta alguns marcadores da diferença

como gênero, raça, estilos de vida e sexualidade. O autor continua “numa outra

perspectiva, porém (...), tem a ver com relações de interação e de

reciprocidade que, evidentemente, transcendem àquele espaço específico”

107

(FRUGOLI JR, 2007, p.26). O material aqui etnografado e analisado ora vai em

direção à primeira leitura que se faz das formas de sociabilidade – a interação

como principal intuito da sociabilidade - ora vai em direção à segunda forma

apontada pelo autor – relações de interação que vão para além de um espaço

específico. Nesse sentido, compreender analiticamente os espaços urbanos

percorridos pelas mulheres dessa etnografia torna-se importante para divisar

quais tipos de sociabilidade elas estabelecem entre si – enquanto equipe – e

com outros/as citadinos/as da cidade de São Paulo. O antropólogo José

Guilherme Magnani, ao falar sobre o espaço da cidade, elenca algumas

categorias analíticas a partir dos estudos sobre lazer na periferia da cidade de

São Paulo realizados por ele. Pedaço, mancha, pórtico, trajeto e circuito

surgem enquanto possibilidade de olhar – de maneira crítica – para a cidade

(2002). Nos debruçaremos aqui sobre a categoria circuito uma vez que ela nos

ajuda a compreender a prática do futebol de mulheres. Sobre essa categoria o

autor nos diz:

Trata-se de uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de contiguidade espacial, sendo reconhecido em seu conjunto pelos usuários habituais: por exemplo, o circuito gay, o circuito dos cinemas de arte, o circuito neo-esotérico, dos salões de dança e shows black, do povo-de-santo, dos antiquários, dos clubbers e tantos outros. (MAGNANI, 2002, p. 24).

Para o autor, a categoria circuito possui a “capacidade de vincular

domínios não necessariamente marcados pela contiguidade espacial”, ou seja,

circuito diz respeito aos “pontos descontínuos e distantes no tecido urbano,

sem perder, contudo, a perspectiva de totalidades dotadas de coerência –

mesmo na vastidão da cidade de São Paulo” (2014, p. 2).

A prática do futebol de mulheres, que foi etnografada entre os anos de

2013 e 2015, inclui uma série de espaços – como campos de jogo, campos de

treino e estádios espalhados pela cidade – que permitem que essas mulheres

circulem produzindo, dessa maneira circuitos bem específicos do futebol de

mulheres. Essa circulação permite ainda que elas realizem trajetos (MAGNANI,

2002) bastante localizados pela cidade de São Paulo. Esses trajetos incluem

uma diversidade do espaço urbano para além do bairro onde essas atletas

vivem e “também colocam em perspectiva a necessidade de deslocamentos

por regiões distantes e não contíguas aos bairros de origem” (MAGNANI, 2002,

p.23). Os trajetos, portanto, “ligam equipamentos, pontos, manchas,

complementares ou alternativos” (MAGNANI, 2002, p. 23) produzindo novos

circuitos, no nosso caso – especificamente - o do futebol.

109

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Ainda no ano de 2014, acompanhando a equipe da Associação Atlética

Pró-Esporte, viajei com as atletas e com a comissão técnica até

Caraguatatuba. Permanecemos na cidade entre os dias 04 e 09 de julho e,

nesse período, elas disputaram os 58º Jogos Regionais. A competição é

organizada pela Secretaria da Juventude, Esporte e Lazer do Governo do

Estado de São Paulo e a cada ano os jogos são sediados em alguma cidade

diferente do estado. Naquele ano, ocorria em Caraguatatuba, cidade litorânea

que fica a aproximadamente 180km ao leste da capital paulista.

Figura 20 - Atletas da ASAPE sentadas à beira da praia em Caraguatatuba. Acervo pessoal de Mariane da Silva Pisani, foto de julho de 2014.

Os Jogos Regionais assemelham-se aos Jogos da Cidade – competição

também disputada pela ASAPE em 2014. Equipes de todo o Estado de São

Paulo concentram-se na cidade-sede escolhida e disputam partidas nas

seguintes modalidades: atletismo, basquete, bocha, capoeira, damas, futebol,

futsal, ginástica artística e rítmica, handebol, judô, karatê, malha, natação,

111

tênis, vôlei e xadrez. E é interessante notar que as atletas da ASAPE não

poderiam representar a cidade de São Paulo, portanto Ita, com alguns meses

de antecedência procurou apoio e patrocínio em prefeituras de cidades

vizinhas à zona leste paulistana.

Acompanhei-a nessas incursões pelas prefeituras de Mogi das Cruzes,

Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Itaquaquecetuba,

Poá, Salesópolis e Suzano. Nesses momentos, Ita levava consigo um

orçamento em que descrevia os custos necessários para adquirir material de

treinamento, bem como o valor ideal para custear os trabalhos da equipe

técnica e das atletas. O orçamento total fechava em R$5 mil reais por mês,

valor que seria desembolsado pela prefeitura de abril a julho – período

necessário para a preparação da equipe e da realização dos jogos. Quase

todas as prefeituras recusaram-se a desembolsar o valor solicitado, alegando

que não desejavam incluir em suas delegações uma equipe de futebol

feminino. À exceção fora a Prefeitura da cidade de Biritiba Mirim, que

concordou em patrocinar um transporte que pudesse levá-las de São Paulo até

Caraguatatuba, entretanto não poderia custear nada mais além disso. Assim,

faltando duas semanas para iniciar os 58º Jogos Regionais, Ita recolheu todos

os documentos de identidade das jogadoras para cadastrá-las como atletas da

delegação da prefeitura de Biritiba Mirim. Também recolheu meus documentos

de identidade. Fui cadastrada como imprensa, tendo portanto, livre acesso a

todos os campos de todas as modalidades do 58º Jogos Regionais.

Assim, no dia 4 de julho, às oito horas da manhã saímos de Guaianases

até o litoral paulista, para a cidade de Caraguatatuba. Nunca havia viajado, até

então, pelo Estado de São Paulo e algumas das atletas me contaram que

também nunca haviam saído da cidade paulistana. Aquele era um momento

muito diferente em suas vidas, e de certa forma na minha também. Ficamos

hospedadas em um colégio público próximo à praia. No mesmo colégio

estavam outros atletas que também compunham a delegação da prefeitura que

cedeu o transporte às atletas da ASAPE.

Dormíamos todas juntas numa sala de aula, em colchões levados por

nós. Almoçávamos na cantina da escola, na qual mulheres – suponho que

funcionárias da Prefeitura de Caraguatatuba – preparavam nosso café da

manhã, almoço, café da tarde e jantar. Tomávamos banho todas juntas no

banheiro do ginásio da escola. Era um momento de concentração rígida. Ita

não permitia às jogadoras passearem pela cidade e depois dos jogos

voltávamos todas juntas para a escola.

Os únicos momentos em que foi permitido que passeássemos pelo

centro da cidade e pela orla da praia foram em três ocasiões. Dois finais de

tarde em que, após as atletas ganharem os jogos do dia, Ita decidiu que

deveriam realizar um trabalho de resgate muscular dentro da água fria do mar.

O outro, no dia 08 de julho, quando houve o jogo do Brasil contra a Alemanha,

pela Copa do Mundo de Futebol. Nesse dia Ita resolveu fazer um churrasco na

beira do mar, próximo à escola onde estávamos hospedadas.

Nesse espaço em que estive acompanhando-as durante o 58º Jogos

Regionais, o pude notar, assim como já havia reparado nos demais jogos

disputados no primeiro semestre do ano de 2014 na cidade de São Paulo, que

sempre que chegávamos ao campo para enfrentar as equipes adversárias as

atletas da ASAPE cumprimentavam as jogadoras das outras equipes como se

fossem velhas conhecidas. O circuito de futebol feminino na cidade e no

Estado de São Paulo é algo bastante pequeno e fechado. Quase todas as

atletas com quem convivi se conhecem de jogos e treinos.

Assim como as amizades são antigas, as inimizades também. Em uma

partida realizada em meados de março de 2014, portanto não durante os Jogos

Regionais, após o término do jogo – em que a ASAPE fora campeã - uma

jogadora de Ita envolveu-se numa briga com uma atleta da outra equipe. Eu

estava do lado oposto ao campo de onde a briga havia começado, e mais do

que rapidamente, atravessei o campo correndo. Duas jogadoras se

empurravam e se estapeavam. Ita arrastou sua atleta para fora da confusão,

segurando-a firmemente pelo braço e dizendo alto: “Não traga seus problemas

113

pessoais para dentro de campo e não se comporte como um macho. Não vou

aceitar esse tipo de comportamento aqui na minha equipe”.

Para além do circuito futebolístico realizado pelas atletas da ASAPE,

outro tipo de circuito ficou evidente nessa tese: um circuito lésbico. Este

realizado por inúmeras interlocutoras, e não necessariamente dessa equipe. O

Largo do Arouche é uma região da cidade de São Paulo composta por muitos

bares, baladas, cinemas e saunas voltados para o público LGBT. Muitas das

jogadoras dessa etnografia frequentavam esse espaço na busca por parceiras

afetivo-sexuais. Segundo elas, era comum que aos finais de semana,

jogadoras de futebol de diversas equipes da cidade de São Paulo se

encontrassem naquela região para conversar, namorar e ampliar suas redes de

afeto e sociabilidades.

Para outras atletas, o Parque do Ibirapuera também figurava como um

espaço de encontros afetivos, sexuais e de amizade. Nos finais de semana, o

Parque do Ibirapuera torna-se um ponto de encontro entre mulheres lésbicas

de várias regiões da cidade e esse é um bom momento para conhecer outras

jovens que não sejam do lugar onde moram ou mesmo que não sejam

jogadoras de futebol.

As sociabilidades enquanto possibilidades de encontro tornam-se

evidentes no circuito lésbico, no qual algumas atletas procuram por eventuais

parceiras em localidades como Parque do Ibirapuera e Largo do Arouche. No

Parque do Ibirapuera elas procuram por eventuais parceiras que não sejam

residentes em seus bairros de origem e que não sejam do circuito futebolístico,

logo a interação em si constitui-se enquanto intuito principal. Já no Largo do

Arouche elas convergem tanto o circuito lésbico quanto o circuito futebolístico,

na medida em que o espaço é descrito por elas como ponto de encontro entre

diversas jogadoras de futebol lésbicas. Embora não seja aspecto obrigatório,

elas podem, nesse espaço, encontrar eventuais parceiras afetivas e/ou

sexuais; ou apenas socializar – tomar uma cerveja, conversar, falar sobre

partidas e jogos - com outras atletas de outras equipes.

A cidade de São Paulo é apreendida e experimentada por essas jovens

mulheres de formas diferentes daquelas às quais estamos acostumados e/ou

habituados a presenciar. Nesse sentido, a sociabilidade construída através da

prática do futebol torna-se uma possibilidade e a prática do futebol feminino de

fato permite o acesso e a circulação dessas mulheres na cidade e no estado de

São Paulo de maneira mais diversificada. Talvez, se não fosse a prática

esportiva, muitas delas não poderiam circular do jeito que circulam pela cidade

e pelo estado de São Paulo, nem experimentá-los de maneiras tão diferentes.

Durante o campo, foi possível notar que o futebol trazia para elas uma

circulação maior do que elas tinham vivido antes de treinar.

Ainda sobre as relações de interação e reciprocidade que transcendem

os espaços físicos da cidade ficam mais evidentes nos jogos e partidas nas

quais as jogadoras – que não são da mesma equipe – cumprimentam-se e

conversam amigavelmente. A situação de discussão entre a atleta da ASAPE e

sua adversária também entra nessa chave analítica, uma vez que demonstra

que elas se conheciam de outros espaços e alimentavam um acirramento

mútuo.

115

III - “É muito macho pra ser mulher”: gênero em disputa nos campos de futebol

Convocando os Marcadores Sociais da Diferença Ao realizar um levantamento bibliográfico na área de Ciências

Humanas poderemos perceber que a palavra subjetividade pode ser

compreendida a partir de algumas chaves de significados. Segundo a psicóloga

Mara Coelho de Souza Lago “nas intersecções

psicologia/antropologia/psicanálise, as concepções de sujeito e subjetividade

levam a reflexões bastante densas e, em se tratando de estudos de gênero, a

interdisciplinaridade é uma questão inarredável” (LAGO, 2008, p. 1).

A historiadora Joan Scott, em entrevista à Revista Estudos Feministas

(REF), discorreu sobre a temática:

“MLH: Você acredita na idéia de uma subjetividade feminina? Joan Scott: Sim e não. Não com relação ao essencial. Não creio que exista uma essência das mulheres, uma subjetividade feminina ligada ao corpo, à natureza, à reprodução, à maternidade. Mas acho que existe uma subjetividade criada para as mulheres, em um contexto específico da história, da cultura, da política.(...) Porque eu insisto sobre a historicização da subjetividade contra aqueles e aquelas que insistem sobre a diferença das mulheres, uma diferença, ou de natureza, ou de cultura, que toma as mulheres como seres sem história. Acho que a idéia da maternidade, do corpo, não constitui necessariamente uma experiência comum” (GROSSI; RIAL; HEILBORN, 1998).

O conceito de subjetividade, nessa tese, portanto será utilizado no

sentido de descrever aquilo que somos, dentro de um contexto específico que

envolve história, cultura, sociedade e arranjos políticos. Seguindo esse

raciocínio, o verbo subjetivar pode ser compreendido como o processo através

do qual nos tornamos aquilo que somos. Ou seja, trata-se do processo através

do qual vamos elaborando e conferindo significados para nossas vidas, corpos,

desejos, afetos e experiências. Logo, podemos afirmar que não nascemos

prontos ou determinados, e é somente por meio da educação e da inserção na

vida em sociedade - nas esferas públicas e privadas - que aprendemos por

exemplo: o que é ser mulher e ser homem; como mulheres e homens devem

se relacionar entre si; quais são os diferentes lugares ocupados por homens e

mulheres no tecido social.

Uma vez que o processo de formação das subjetividades circunscreve

uma estreita relação com os valores vigentes em nossa sociedade –

classificando e diferenciando o que é “bom” do que é “mau”, o que é “correto”

do que é “errado” -, é preciso estejamos atentos para não reforçar e legitimar

diferenças supostamente naturais. Ou, nas palavras do antropólogo Peter Fry:

As coisas (e as pessoas) não se distinguem entre elas por si só. São distinguidas por meio de complexos sistemas cognitivos desenvolvidos socialmente. É no processo social que se definem os critérios da distinção, tornados de tal modo corriqueiros, que parecem naturais. Pode-se dizer, então, que as diferenças são governadas por taxonomias e processos de classificação que privilegiam certas diferenças, minimizando outras. As taxonomias contêm as categorias possíveis, as quais em geral são compartilhadas pela maioria dos membros de uma determinada sociedade. O processo de classificação, por sua vez, é aquele por intermédio do qual as coisas (e as pessoas) são alocadas nas categorias existentes.”(FRY, 2012, p.228).

Nesse sentido, portanto, a naturalização nos processos de formação

das subjetividades de homens e mulheres pode tornar-se bastante perigosa na

medida em que perpetua o risco de reproduzir uma série de violências e

preconceitos. O sociólogo Antônio Flávio Pierucci, no livro “Ciladas da

Diferença”(2000), realiza uma reflexão teórica sobre a produção social da

diferença. Ele utiliza-se dos movimentos feminista e negro para expor suas

ideias. Segundo ele, o movimento feminista de primeira onda tenta expor que

as mulheres são todas iguais, não existindo quaisquer diferenças entre elas.

Para Pierucci, a primeira onda do feminismo cai em uma “cilada da diferença”,

por fixar seus olhares unicamente nos conceitos de gênero e sexo, ou seja,

diferenciando apenas homens de mulheres.

117

“de acordo com a distinção sexo/gênero, um corpo sexuado como fêmea é culturalmente percebido e socialmente construído como sendo feminino; um corpo sexuado como macho é culturalmente percebido e socialmente construído como masculino. Mulheres e homens são, portanto, seres completos cujos corpos sexuados são culturalmente en-gendered, ou seja, ‘constituídos em gênero’” (PIERUCCI, 2000, p.125)

Dessa perspectiva, não haveria diferenças entre mulheres negras,

brancas, indígenas, trabalhadoras, de classe baixa, média ou alta. Contudo, foi

a partir da segunda onda do movimento feminista que algumas diferenças

foram se estabelecendo. A segunda onda do feminismo era diferencialista, ou

seja, reconhecia que a categoria mulher não poderia ser essencializada, uma

vez que mesmo entre as mulheres existiam (e ainda existem) diferenças. A

categoria de raça, nesse momento, foi determinante para que essas diferenças

fossem estabelecidas.

Não era mais possível que o conceito de gênero continuasse isolado,

em uma perspectiva analítica, das outras determinações sociais, das outras

variáveis como raça, sexualidade, classe, geração, etc. Nos estudos sobre

gênero, a percepção de que outros eixos de desigualdade, especialmente raça

e classe social, afetam e alteram os eixos de desigualdade e diferenciação será

uma questão trazida por inúmeras autoras, desde Joan Scott em seu clássico

texto dos anos 1980, passando por outras autoras como Donna Haraway,

Judith Butler e Verena Stolcke – que pode ser compreendida como uma

pioneira da reflexão sobre a intersecção entre raça e gênero.

A antropóloga Adriana Piscitelli, em “Interseccionalidades, direitos

humanos e vítimas”(2012), discorre que a categoria “interseccionalidade” - que

articula gênero, raça, sexualidade, classe, geração dentre outras - faz

referência às multiplicidades das diferenças que permeiam o meio social.

Trabalhar com interseccionalidades, portanto, é oferecer ferramentas de

análise que articulem as múltiplas diferenças e desigualdades, bem como os

diferentes processos de construção e elaboração de subjetividades

(PISCITELLI, 2012, p.200). Ainda de acordo com Piscitelli, a utilização do

binômio “empoderamento/desempoderamento” - tão recorrente nas militâncias

feministas atuais - torna-se um risco uma vez que funde a ideia de diferença

com desigualdade (2012, p.202). Explicamos: as noções de “empoderar” - dar

ou conceder poder – ou “desempoderar” – retirar ou vetar poder -, a si próprio

ou a outrém, enfraquecem as discussões sobre interseccionalidades, uma vez

que invisibilizam que o poder implica em maneiras diversas de coerção,

negociação, cumplicidade, recusa, mímesis, compromisso e revolta que

produzem sujeitos, identidades e subjetividades (FOUCAULT, 1979, 2008). O

poder não está fixado, não é uma qualidade que uns possuem enquanto outros

não possuem.

Ou seja, a noção de poder em Foucault trata de um processo

relacional e as interseccionalidades nos ajudariam a revelar como as

representações sociais se desdobram e quais suas consequências materiais e

simbólicas para os grupos atingidos pelos sistemas de subordinação

(PISCITELLI, 2012). Assim, os Marcadores Sociais da Diferença podem ser

compreendidos como formas de categorização, que não somente delimitam,

mas que também fornecem possibilidades de ação aos sujeitos e à construção

de subjetividades diversas. É crucial, portanto, para esta abordagem a noção

de que diferença não é sinônimo de desigualdade.

Tendo isso em perspectiva, no processo de construção de

subjetividades, os Marcadores Sociais da Diferença tornam-se essenciais para

que possamos compreender os sistemas que classificam e organizam a

experiência dos indivíduos, sejam eles homens ou mulheres. Mas o que são

afinal os Marcadores Sociais da Diferença? O antropólogo Marcio Zamboni

descreve-os de maneira bastante clara:

Em termos de raça, por exemplo, os indivíduos podem ser classificados como negros ou brancos, morenos ou mulatos, asiáticos ou indígenas. Cada uma dessas categorias de classificação está associada a uma determinada posição social, possui uma história e atribui certas características em comum aos indivíduos nela agrupados. O mesmo vale para gênero (homens e mulheres, machões e princesas, travestis e transexuais), sexualidade (hétero e homossexuais, gays e lésbicas, bissexuais e sadomasoquistas), classe (ricos e pobres, classe média e proletariado, profissionais liberais e moradores

119

de rua) e geração (jovens e idosos, adultos e adolescentes, coroas e crianças), entre outros (ZAMBONI, 2014, p.14).

Os Marcadores Sociais da Diferença são, portanto, aquelas

características dos indivíduos que podem ser traduzidas através das categorias

de raça, gênero, sexualidade, classe, geração, entre outras, quando essas

categorias afetam as formas de distinção e poder entre os sujeitos na interação

social. Ou seja, em determinados contextos alguns marcadores podem ser

mais relevantes do que outros. Esses marcadores sociais adquirem dentro da

sociedade pesos distintos na definição e na classificação das subjetividades

dos sujeitos, bem como das experiências dos mesmos, produzindo, dessa

forma, diferenças.

As categorias de gênero, raça, sexualidade e classe surgem a partir de

convenções sociais e culturais que operam, regulam e conformam vidas,

corpos, desejos, afetos e experiências. Ao compreendermos os mecanismos

de exclusão, inclusão, valorização ou desvalorização de tais categorias,

poderemos, também, delinear os caminhos pelos quais algumas subjetividades

são mais ou menos oprimidas que outras.

Aqui, nessa tese, as categorias de gênero, sexualidade, raça e classe

tornam-se poderosas ferramentas de análise do contexto social e da vida de

mulheres jogadoras de futebol. No processo discursivo de delineação das

diferenças, essas categorias precisam estar sob o mesmo crivo de pertinência,

uma vez que atuam conjuntamente nas produções de diferenças e

desigualdades. Nesse sentido, a escolha por trabalhar com Marcadores Sociais

da Diferença como matriz analítica justifica-se na medida em que amplia nossa

possibilidade de análise, nos capacitando para uma abordagem crítica das

vivências e das experiências durante o processo de construção do corpo e das

subjetividades das mulheres jogadoras de futebol da cidade de São Paulo.

Ainda nesse sentido, ao longo desse trabalho, os Marcadores Sociais

de classe vão aparecer de modo mais difuso, mas os marcadores de gênero,

sexualidade e raça são descritos e abordados de maneira mais detalhada. É

evidente que não encerro as análises e as discussões desses três marcadores

separadamente em si mesmos – afinal a proposta é interseccionalizar. Mas

durante o processo da etnografia e depois de análise do material etnográfico,

os Marcadores Sociais da Diferença que apareceram mais fortemente foram

gênero, sexualidade e raça. Acredito ser mais pertinente e profícuo trabalhar

com o conceito de classe a partir de uma perspectiva que interseccionaliza

gênero, sexualidade e raça.

O futebol de mulheres e os Marcadores Sociais da Diferença

É preciso colocar em perspectiva que as categorias que compõem os

Marcadores Sociais da Diferença são datadas e ordenadas de acordo com a

experiência dos indivíduos. Para compreender, portanto, como essas

categorias são mobilizadas ao longo da história do futebol de mulheres no

Brasil, recorro a algumas cenas que servem à análise comparativa e que

evocam questões de gênero, raça e sexualidade. Essas cenas podem ser

históricas, como é o caso de uma carta escrita por um cidadão preocupado

com o futebol praticado por mulheres, endereçada a Getúlio Vargas, em 1940

(FUZEIRA apud FRANZINI, 2005, p. 319-320); ou podem ser extraídas da

imprensa, sobretudo da Revista Placar, veículo de circulação nacional que

muito divulgou o futebol; ou ainda, e com muito mais frequência, cenas

etnográficas realizadas durante minha pesquisa de campo, e não apenas as

realizadas durante o doutorado, mas também algumas realizadas durante o

campo feito no mestrado, quando elas se mostraram pertinentes à discussão.

A intenção, ao utilizar as aqui chamadas cenas históricas e as cenas da

imprensa nesse capítulo, não é a de realizar um resgate minucioso da história

do futebol de mulheres, mas sim exemplificar como gênero, raça e sexualidade

sempre foram colocados como Marcadores centrais para compreender o

fenômeno esportivo futebol de mulheres. A categoria de classe aparece

também contemplada ao longo desse capítulo sempre em intersecção com os

três marcadores supracitados.

121

O gênero da bola Existem muitas produções bibliográficas e audiovisuais sobre futebol

no Brasil, elaboradas a partir dos mais variados enfoques e perspectivas: a)

relações étnico-raciais e masculinidades (RODRIGUES FILHO, 1964;

BANDEIRA, 2009, 2017; PACHECO, 2010); b) torcidas e violência (SOUZA,

2016, 2012; TOLEDO, 1994; CURI, 2012; MURAD, 2012; BOCCHI, 2016); c)

futebol e identidade nacional (GUEDES, 1977; DAMATTA, 1982, 1994; HELAL,

GORDON JR, 1999; SOARES, 1999; TOLEDO, 2000; SANTOS NETO, 2002;

FERREIRA ANTUNES, 2004); d) formação de jogadores de futebol (DAMO,

2007; BITENCOURT, 2009; SPAGGIARI, 2014); e) migração de jogadores

(RIAL, 2008, 2009, 2009b); f) mídia, política e relações de poder no futebol (DE

MELO, GÓDIO, 2008; GÓDIO, 2010; DE MELO, 2012; CHIQUETTO, 2014).

A grande maioria dessas produções reconstitui a história social desse

esporte sob a perspectiva dos homens, seja na qualidade de jogadores, de

torcedores e/ou daqueles que escreveram e produziram a memória da

modalidade – apenas três dos pesquisadores supracitados são mulheres, é o

caso de Ferreira Antunes, Guedes e Rial. Em rápida leitura dessas produções,

veremos que descrevem como o aparecimento do futebol no Brasil – no ano de

1884 – foi associado a uma prática de lazer essencialmente destinada aos

homens brancos da elite do país. Posteriormente, algumas produções mostram

que o futebol passou por uma popularização a partir de 1930,

profissionalizando-se e permitindo assim que outros homens, negros e pobres,

pudessem adentrar aos campos e aos estádios como jogadores (agora

remunerados) e como torcedores (RODRIGUES FILHO, 1964).

As mulheres sempre seguiram à margem na participação do esporte

em si e na produção histórica sobre o futebol brasileiro. Até o ano de 1920,

quando mencionadas nas crônicas esportivas e colunas sociais, as mulheres

apareciam como meras espectadoras que traziam beleza e charme para as

arquibancadas (RODRIGUES FILHO, 1964). No ano de 1921, os jornais do

país noticiaram – não sem algum assombro – a primeira partida de futebol

disputada por mulheres (FRANZINI, 2005, p. 317). À época, elas foram

chamadas de audaciosas e intrépidas, e a partida, por sua vez, foi motivo de

chacota e desconfiança do público brasileiro.

Quase 20 anos se passaram, desde a primeira vez em que as

mulheres jogaram futebol no Brasil até a segunda cena que consideramos

pertinente e trazemos para essa análise. Em abril de 1940, o brasileiro José

Fuzeira enviou para o então Presidente da República, Getúlio Vargas, uma

carta. Nela, Fuzeira, cidadão comum, alegava que futebol não era um esporte

cabível para as jovens mulheres brasileiras, uma vez que poderia lhes afetar

sua futura condição de mãe.

“Venho solicitar a clarividente atenção de Vossa Excelência para que seja conjurada uma calamidade que está prestes a desabar em cima da juventude feminina do Brasil. Refiro-me, senhor presidente, ao movimento entusiasta que está empolgando centenas de moças, atraindo-as para se transformarem em jogadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá praticar este esporte violento sem afetar, seriamente, o equilíbrio fisiológico das suas funções orgânicas, devido à natureza que dispôs a ser mãe. Ao que dizem os jornais, no Rio de Janeiro, já estão formados nada menos de dez quadros femininos. Em São Paulo e Belo Horizonte também já estão se constituindo outros. E, neste crescendo, dentro de um ano, é provável que em todo o Brasil estejam organizados uns 200 clubes femininos de futebol: ou seja: 200 núcleos destroçados da saúde de 2,2 mil futuras mães, que, além do mais, ficarão presas a uma mentalidade depressiva e propensa aos exibicionismos rudes e extravagantes, pois, desde que já se chegou à insensatez inqualificável de organizar-se pugnas de futebol com um grupo de cegos a correrem, às tontas, atrás de uma bola cintada de gizos, não será de admirar que o movimento feminino a que nos estamos reportando seja o ponto de partida para, no decorrer do tempo, as filhas de Eva se exibirem também em assaltos de luta livre e em justas da “nobre arte”, cuja nobreza consiste em dois contendores se esmurrarem até ficarem babando sangue” (FUZEIRA apud FRANZINI, 2005, p. 319-320).

A carta de Fuzeira foi imediatamente encaminhada para a Divisão de

Educação Física do Ministério da Educação e Saúde que, por sua vez,

encaminhou à Subdivisão de Medicina Especializada. Em 1941, sob o pretexto

123

de preservar a saúde reprodutiva das mulheres, o Conselho Nacional de

Desportos (CND) decretou que alguns esportes não seriam compatíveis com a

natureza feminina. O Decreto-Lei 3.199, de abril de 1941, era taxativo: “às

mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as

condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de

Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”

(BRASIL, 1941). Acreditava-se essencialmente que a prática do futebol

colocaria em risco a integridade física das mulheres brasileiras: uma forte

pancada no baixo ventre poderia torná-las inférteis, comprometendo a

maternidade.

Calcada em uma pretensa condição “natural” de maternidade

(BADINTER, 1985) e do comportamento esperado das mulheres, a carta é um

bom ponto de partida para pensarmos a construção e a elaboração da

categoria de gênero no contexto do futebol. Segundo o historiador Fábio

Franzini, a carta demostrou que o grande problema não era a prática do futebol

em si, mas sim a “subversão de papéis promovida pelas jovens que o

praticavam, uma vez que elas estariam abandonando suas ‘funções naturais’

para invadirem o espaço dos homens”(FRANZINI, 2005, p. 321). O debate da

carta centrou-se nos usos “desviantes” do corpo que as mulheres faziam ao

jogarem futebol, bem como no destoar dos papéis de gênero que eram

esperados, à época, de uma mulher: elas precisavam ser “‘rainhas do lar’,

‘boas mães’ e ‘boas esposas’ - de preferência seguindo os padrões

hollywoodianos de beleza” (FRANZINI, 2006).

O futebol praticado por mulheres - assim como outros esportes -

passou a existir enquanto modalidade permitida apenas a partir do ano de

1979, quando o Decreto-Lei 3.199 foi revogado. Aliás, a revogação do Decreto-

Lei é um fato bastante peculiar que merece registro nessa tese. Assim como o

futebol, o atletismo e as lutas também estavam proibidos às mulheres

brasileiras até o ano de 1979. Contudo, foi durante o Campeonato Sul

Americano de Judô daquele ano, realizado no Uruguai, que Joaquim Mamede,

então diretor da Confederação Brasileira de Judô, inscreveu na competição

algumas atletas mulheres com nomes de homens30 (MUND, 2010). Assim, nas

palavras da educadora física Eliane Romero:

“a descoberta da trama só aconteceu após a vitória da equipe. No seu retorno ao Brasil, atendendo a uma intimação para comparecer ao Conselho de Desporto, Mamede apresentou-se com sua equipe trajando quimono e portando, no peito, as medalhas conquistadas. Só assim, e depois de 14 anos de sua vigência, é que a deliberação nº7/65 foi revogada”(ROMERO, 1995, p. 27).

A atitude de Mamede nos mostra que mesmo com todos os

impedimentos e obstáculos, as mulheres continuavam a praticar as

modalidades outrora proibidas. Infelizmente, poucos ou mesmo inexistentes

são os registros – oficiais ou não oficiais – sobre o futebol de mulheres entre os

anos de 1941 e 1979.

Voltando ao futebol, inúmeros pesquisadores e pesquisadoras

discutiram, e ainda discutem com maior riqueza de detalhes, os fatos históricos

e os motivos que mantiveram as mulheres afastadas dos campos de futebol

(MOURA, 2003; FRANZINI, 2005, 2006; KESSLER, 2010; PISANI, 2012; RIAL,

2013, 2014; SOARES DE ALMEIDA, 2013; SOARES DE ALMEIDA; PISANI;

JAHNECKA, 2013; SOUZA JÚNIOR, 2013; GOELLNER; KESSLER, 2013;

MORAES, 2014; OLIVEIRA, 2014; CAPUCIM E SILVA, 2015; SOARES DE

ALMEIDA; PISANI, 2015). Conhecendo um pouco da história da modalidade no

Brasil, não é de espantar que boa parte das análises feitas sobre a prática do

futebol descreve essa modalidade esportiva como espaço de não inclusão das

mulheres e de perpetuação de preconceitos sexistas (GOELLNER, 2005, 2010;

AITCHISON, 2007; CAUDWELL, 2011; ALTMANN, 2014).

Até muito recentemente, mulheres e futebol foram compreendidos pela

história nacional como dicotomias, colocadas em lados opostos e não

complementares. A prática do futebol mobilizou - no passado com maior

intensidade – e ainda mobiliza – com muita proeminência - diversas noções de

30 Disponível em:https://judofeminino.wordpress.com/2010/08/19/entrevista-do-dia-a-pioneira-kasue-ueda/. Acesso em: 24 nov. 2017.

125

masculinidades como, por exemplo: virilidade, competitividade, força, liderança

e agilidade. Cabe dizer que a dicotomia masculinidades/feminilidades está

presente não apenas na prática do futebol, mas também em outros esportes

como o rugby, o fisiculturismo, o hipismo, o vôlei, dentre outros (ADELMAN,

2012; ALABARCES, 2013; BANDY, 2014; PONTEROTTO, 2014; SUFFOLK,

2015) Se no passado as mulheres foram mantidas afastadas dos campos por

conta dessa noção de masculinidade, quando passaram a ocupar os

gramados, sofreram outros tipos de boicotes, achaques e ataques no que

tange à exposição de seus corpos e papéis de gênero.

Há uma infinidade de cenas históricas que poderiam servir de pano de

fundo para essa discussão da categoria de gênero. Fiquemos, no momento,

com essas, e voltemos nosso olhar para cenas da imprensa que também nos

ajudam a discutir esse marcador.

Figura 21 - Capa e reportagem da Revista Placar. Agosto de 1995.

Na capa da Revista Placar, publicada em agosto de 1995, podemos ler a

seguinte chamada: Futebol feminino, as garotas batem um bolão (REVISTA

PLACAR, 1995). Ainda na capa, podemos ver quatro modelos, posando de

costas sem exibir seus rostos; elas vestem trajes apertados e pequenos que

deixam à mostra parte das nádegas e colocam em evidência seus corpos

longilíneos. De maneira sugestiva a capa ainda anuncia: E até trocam as

camisas depois do jogo!, ao mesmo tempo em que mostra uma das modelos

agarrando as nádegas e a cintura de suas colegas. Dentro da revista, na

sessão chamada Reportagem da Capa, podemos ver a foto de uma jogadora,

Sarah, à época, lateral direita do Saad31. Na composição do infográfico, Sarah

– fotografada de maneira bastante diferente das modelos da capa, uma vez

que ela aparece fazendo a pose de quem vai realizar um chute - está vestida

com o uniforme da Seleção Brasileira de futebol e seu corpo serve como

referência para que a linha editorial da Revista Placar discuta uma série de

benefícios que o futebol pode trazer para a saúde da mulher, alguns cuidados

que elas devem ter com algumas partes de seus corpos. Ainda com o mesmo

infográfico, são traçadas comparações entre o desempenho das mulheres e o

dos homens na modalidade.

Nas recomendações da matéria, que explicam o porquê do futebol ser

um esporte propício às mulheres, podemos ler o seguinte:

“Glúteos: Os glúteos enrijecem por causa dos constantes movimentos de corrida e dos chutes. Mas, ao contrário do que muita gente diz, futebol não masculiniza. A mulher não corre o risco de ficar com o bumbum reto, como o dos homens. Por natureza, elas têm o quadril mais largo. O que dá forma não é o músculo, mas o acúmulo normal de gordura na região. Pernas: No primeiro momento, o futebol serve para queimar os excessos de gordura na coxa e panturrilha. Depois disso, os músculos da região ganham rigidez e ficam com diâmetro maior, mas nada desproporcional. Barriga: Esporte aeróbico por excelência, o futebol elimina gorduras e provoca um leve enrijecimento da região.”(REVISTA PLACAR, 1995).

31 Equipe de futebol da cidade do Rio de Janeiro.

127

A partir desse excerto, fica evidente que na década de 1990 ainda existe

o medo de que o futebol masculinize as mulheres, ou seja, a ideia de

masculinização, aqui, está atrelada ao desenvolvimento de músculos e força

física a partir da prática do esporte. A Revista Placar procura desconstruir essa

ideia ao afirmar que as mulheres não correm o risco de sofrer uma

masculinização de seus corpos por possuírem um acúmulo natural de gordura

na região dos glúteos, o que, a partir dessa lógica, daria a forma ao corpo que

se espera de uma mulher: com curvas, em detrimento de músculos. Os

músculos até são bem-vindos, mas não de maneira exagerada. Glúteos,

barriga e pernas, consideradas partes sensuais do corpo das mulheres – basta

notar como as modelos da capa da revista aparecem retratadas - são os

elementos centrais para as recomendações da revista: perca peso, queime

gorduras, enrijeça a região. Logo, podemos perceber que, segundo a Revista

Placar, o futebol pode ser praticado pelas mulheres desde que preservados os

signos supostamente femininos que recaem sobre o corpo delas, e que a

prática tenha como finalidade o cultivo de um corpo magro, esbelto e sem

excesso de gorduras.

Já com relação às regiões do útero e dos seios, que na década de 1940

foram elencados como motivos para a proibição do futebol às mulheres, uma

vez que “indispensáveis” à maternidade, encontramos duas recomendações

que reforçam o cuidado especial destinados a essas partes para não

comprometer o corpo feminino da mulher:

“Seios: Área de perigo. Extremamente sensível, uma bolada nos seios é o equivalente a um chute bem ali no playground masculino. Por uma questão de conforto, as garotas usam sutiãs especiais, mais largos e firmes” TPM: A Tensão-Pré-Menstrual tira muita mulher do sério, mas nem sempre prejudica o desempenho no esporte. Isso varia de pessoa para pessoa. Quanto ao fato de estar menstruada, os médicos até recomendam o esforço físico para mulher.” (REVISTA PLACAR, 1995).

Por fim, nas comparações entre o futebol de homens e de mulheres

podemos ler:

“Chute: A bomba do lateral palmeirense Roberto Carlos atinge 120 quilômetros por hora. Uma excelente chutadora conseguirá mandar a bola a 100 quilômetros por hora. O que é bem melhor do que muito marmanjo. Velocidade: Um jogador extremamente veloz completa 50 metros em 6 segundos. O equivalente feminino percorreria a mesma distância em 7,2 segundos. Agilidade: Os homens devem se cuidar. Em alguns esportes, as garotas já superam seus rivais em agilidade. As ginastas olímpicas, por exemplo, são muito mais flexíveis que os homens que praticam o mesmo esporte. Fôlego: Elas ficam um pouco para trás. Um jogador profissional percorre em média 10 quilômetros por partida. Já uma atleta do mesmo nível terá um rendimento 15% inferior. Não é falta de treinamento. É biológico. As mulheres têm menos glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte de oxigênio no sangue, que os homens. Força: O hormônio masculino, testosterona, é responsável pelo aumento de massa muscular. Por causa da falta desse hormônio, as mulheres têm menos impulsão, menos velocidade e menos potência nos chutes – uma defasagem média de 20%.”(REVISTA PLACAR, 1995).

A velocidade, a agilidade, o fôlego e a força – que é aplicada também no

chute - são associados às noções de masculinidades ou do que é ser homem.

Apesar dessas qualidades não serem inatas aos corpos, seja de mulheres ou

de homens, a reportagem da Revista Placar as descreve como sendo

características naturais e mais bem desenvolvidas nos homens. Os homens

que jogam futebol, portanto, são apontados como superiores às mulheres,

ambos avaliados com base em (novamente) argumentos biológicos: eles

possuem mais testosterona do que elas, o que faz com que eles corram e

chutem melhor e mais forte. Elas, por sua vez, possuem menos glóbulos

vermelhos do que eles, o que supostamente acarreta na falta de vitalidade para

jogar bola.

A Placar recicla alguns dos argumentos utilizados no ano de 1940, a

novidade, em 1995, fica por conta da maneira como descreve a proteção aos

seios: o uso de sutiãs reforçados. Bem como alusões à TPM, descrita na

129

Revista sob o viés do mito da mulher histérica – que nesse sentido a prática

esportiva pode ajudar a controlar e a conter. Na Grécia Antiga, a histeria era

compreendida como doença essencialmente da mulher. Não por acaso

histerus, em grego, significa útero. Acreditava-se que os sintomas das histerias

contemplavam surtos de pânico, ansiedade, irritabilidade, insônia, dores de

cabeça e perda de apetite.

Por enquanto, ficamos com essas cenas jornalísticas da Placar para

mergulharmos um pouco nas cenas etnográficas e observar como a categoria

de gênero aparece construída.

É uma tarde quente, estou sentada à mesa na cozinha da casa onde Ita

morava à época. Ela, de frente para a pia e de costas para mim, passa um café

para nós duas: “Acho que você vai gostar de ver uma coisa que tenho para te

mostrar, Mariane”, diz, aguçando minha curiosidade. Ela sorri por cima do

ombro, sorrio de volta e permaneço sentada em silêncio. Ita coloca duas

xícaras e a garrafa de café à minha frente e se retira da cozinha para buscar

alguma coisa no seu quarto. Sirvo o café lentamente enquanto escuto uma

gaveta se abrir. Ita reaparece na porta da cozinha, traz nas mãos o que me

parece ser uma pasta organizadora. “É um álbum?”, pergunto. “Quase isso”,

ela responde enquanto coloca o material aberto na minha frente.

Cuidadosamente vou folheando o material, página a página. Entre recortes de

jornais, revistas e fotografias vejo-a alguns anos mais jovem. Em minhas

mãos, um acervo autobiográfico, no qual as fotos e os recortes de jornal e

revista tinham uma temática bem específica: narravam a sua trajetória

futebolística.

Enquanto lhe sirvo uma xícara de café e deposito o acervo entre nós

duas, pergunto: “Você pode me contar sua história?”.

A história de Ita e da ASAPE têm paralelos com a própria história do

futebol de mulheres no Brasil. E se repete, aproximando-se, de outras

mulheres que também foram etnografadas ao longo desse trabalho. Nascida no

interior da Bahia, no ano de 1969, Ita começou a jogar bola na rua de casa,

junto com os irmãos, aos 11 anos de idade. Ela relata que, aos 12 anos,

mudou-se com a família para Goiás e lá residiu por três anos, mudando-se em

seguida para Minas Gerais. Ita conta que foi em Goiás que teve a primeira

oportunidade no mundo do futebol. Residente na cidade de Santa Helena,

morava muito próxima do estádio municipal, dessa forma acompanhava

assiduamente os jogos que eram realizados ali. Tornou-se figura conhecida e

logo fez amizade com o roupeiro da equipe principal da cidade.

Foi esse amigo quem a convidou pela primeira vez para jogar. Ita conta

que na época, 1984/5, uma equipe composta por mulheres era motivo de

estranhamento e preconceito por parte de vizinhos/as, parentes e amigos/as.

Afinal, a revogação do Decreto Lei que proibia a participação de mulheres nos

campos de futebol havia caído há apenas quatro anos, e o primeiro

campeonato de futebol de mulheres - Taça Brasil de Futebol Feminino - tinha

sido regularizado e organizado apenas no ano anterior, em 1983.

Ita conta que começou a gostar de jogar bola e, aos poucos, outras

cidades vizinhas à cidade de Santa Helena começaram a montar suas equipes

de futebol de mulheres. Isso permitiu que Ita conhecesse algumas jogadoras

da região. Ela chegou a São Paulo em 1991, aos 22 anos de idade, e residiu

desde essa época no mesmo bairro na zona leste: Guaianases. No ano de

1992, integrou-se à equipe Elite Itaquerense, localizada no bairro de Itaquera.

Nessa época, ela relembra que chegou a disputar algumas partidas e

campeonatos pela Federação Paulista de Futebol. À medida em que ela narra

sua trajetória, fica evidente que o futebol aparece como motor das ações e das

trajetórias que ela escolheu e percorreu.

131

Figura 22 - Recorte de jornal. Elite... novamente Campeão. Foto do acervo pessoal de Ita, gentilmente cedido.

No Elite, Ita Maia jogava e tomava conta das equipes de base e foi com

bastante surpresa que no ano de 1997, durante um dos campeonatos que

jogava, foi convidada a integrar a equipe de futebol de mulheres do Sport

Clube Corinthians Paulista. Ela atuou na equipe no ano de 1998, ao lado de

jogadoras conhecidas como Roseli e Márcia Honório. Em fevereiro de 2000,

durante a segunda edição do evento Personalidades de Itaquera – promovido

pelo SESC Itaquera e que tinha como objetivo reconhecer e valorizar

moradores da região que se destacaram em seus ofícios/trabalhos - Ita Maia

Reis foi indicada para a premiação pela sua atuação enquanto jogadora de

futebol do bairro.

Figura 23 - Ita, nos anos 1990. Foto do acervo pessoal de Ita, gentilmente cedido.

133

Figura 24 - Ita nomeada como Personalidade de Itaquera em 1999. . Foto do acervo pessoal de Ita, gentilmente cedido.

Foi durante a conversa sobre sua história de vida e trajetória

futebolística que ela me disse a frase, aqui repetida: a imagem de uma

jogadora é tudo; ao mesmo tempo em que voltava seus olhos para as fotos do

seu dossiê. Nele, desde 1991, ela agrupa notícias de revista, jornal e

fotografias relacionadas à sua prática de jogadora de futebol. As fotografias e

recortes de jornal e revista de Ita constituem formas de subjetividade individual

na medida em que recriam a trajetória e evocam memórias dela na prática do

futebol. Conversar sobre a trajetória dela, tendo em mãos esse dossiê tornou-

se mais fácil, (uma vez que as reportagens e fotografias guardadas por ela

traziam à tona novas histórias bem como reflexões: A imagem de uma jogadora

é tudo! É tudo, e precisa ser bem registrado para que não se perca com o

tempo).

Figura 25 - Ita, preparando sua máquina Singer para iniciar os trabalhos de costura do dia. Foto por Mariane da Silva Pisani. Ano de 2017.

Por acreditar que a imagem de uma jogadora é tudo, Ita afirma que o

diferencial da equipe em que ela atua - Associação Atlética Pró-Esporte - é o

uniforme. Responsável pela costura e confecção de todo material esportivo da

equipe, Ita desenhou e costurou um modelo de uniforme mais feminino que,

segundo ela,“é curto e bonito. Não é gay, cheio de frescuras. Tem o tamanho

suficiente para permitir os movimentos. Quer coisa mais ridícula que mulher

jogando com aqueles calções gigantescos de homem? Parece um bando de

135

macho”. Para Ita, a postura mais desaconselhável que uma atleta pode ter em

campo, portanto, é parecer um macho, ou seja: estar com uniformes grandes;

ter cabelo curto; ter uma postura mais agressiva e ser não-higiênica. Um “não

se comporte como um macho” aparece quando uma atleta do time se desavém

com outra do time adversário durante uma partida realizada em março de 2014

(p. 110 dessa tese).

Sobre os uniformes grandes, a Revista Placar anunciou em maio de

1997 o seguinte: “Cara feia: Ninguém se preocupou com a estética, o resultado

são meninas vestidas de marmanjos”. A partir da fotografia de uma jogadora

em campo, a revista continuava a prescrever formas e estéticas mais sensuais

para o futebol das mulheres: “Camisa: são largas e compridas como as

masculinas. Deveriam ser mais curtas e justas dando uma cara mais

agradável”; “Calção: também iguais aos dos homens, chegam quase aos

joelhos das moças. Não custava fazer algo mais sensual”(REVISTA PLACAR,

1997, p. 41).

Figura 26- Revista Placar. Maio de 1997

Tentando alcançar o uniforme ideal traçado pela Revista Placar no ano

de 1997, durante o Campeonato Paulista Feminino do ano de 2001, a

Federação Paulista de Futebol, em parceria com a empresa Pelé Sports &

Marketing, estabeleceu que, para o torneio daquele ano ser um sucesso,

precisava de uma série de ações para “enaltecer a beleza e a sensualidade da

jogadora para atrair o público masculino. O que se traduziu em: calções

minúsculos, maquiagem e longos cabelos, presos em rabos-de-cavalo”

(FRANZINI, 2006). Perguntei a Ita o que ela achou na época e como ela via

essa medida naquele momento, passados 12 anos.

Disse-me que, na época, muitas jogadoras, inclusive ela, ficaram

preocupadas com a imposição uma vez que isso excluiria muitas delas de

campo - a Federação Paulista de Futebol preteria as mulheres de cabelos

curtos – que era o seu caso. Contudo, passados 12 anos da medida, depois de

uma pausa pensando em minha pergunta, disse-me que acreditava que se as

atletas investissem em cuidados pessoais e cuidassem mais de si mesmas, o

futebol estaria muito melhor desenvolvido atualmente. E seguiu explicando seu

pensamento. Segundo ela, em outras modalidades de esportes praticados por

mulheres, a beleza das atletas é sempre noticiada como característica positiva,

uma vez que patrocinadores buscam vincular suas marcas a pessoas bonitas.

A referência de Ita me fez lembrar da etnografia realizada com o

Poderosas do Foz (PISANI, 2012) equipe onde pela primeira vez vi a

preocupação com a beleza. No início de 2012, algumas jogadoras de futebol

foram convidadas a fazer um ensaio para um calendário a fim de atrair mais

patrocinadores para o campeonato daquele ano. Para as fotografias, as atletas

posaram muito bem maquiadas, com cabelos alisados e trajando biquínis. Para

muitas das interlocutoras à época, o calendário foi uma ótima maneira de

valorizar o trabalho/profissão jogadora de futebol à medida que elevava a

autoestima das atletas por mostrar o lado feminino do esporte.

Assim como para as jogadoras com as quais convivi entre os anos de

2011 e 2012, lá em Foz do Iguaçu, para algumas jogadoras em São Paulo,

137

também era imprescindível possuir aparência feminina e que deixar isso

transparecer dentro e fora de campo. Por feminina, essas jogadoras

compreendiam: possuir cabelos compridos e bem cuidados; unhas feitas;

maquiagem discreta; não brigar em campo ou fora dele; usar um uniforme

adequado, que não cobrisse demais, mas que também não mostrasse muito do

corpo. Ainda nesse sentido, Ita utilizava-se de uma estratégia e fazia com que

suas atletas usassem uma malha de lycra por baixo do calção de jogo,

segundo ela, para protegê-las dos olhares dos homens. Dentro da bolsa em

que leva os uniformes para as partidas, Ita coloca também um frasco de

desodorante spray e um pacote de absorventes. Segundo ela, para poder lidar

com alguns imprevistos que possam ocorrer com as meninas.

A maioria das atletas que encontrei ao longo dessa etnografia

apresentavam um padrão de feminilidade bastante específico: possuíam

cabelos compridos e alisados quimicamente, geralmente utilizavam faixas para

evitar que eles caíssem nos olhos; algumas tingiam os cabelos, os tons de

loiro prevaleciam nessa modalidade; algumas tatuagens podiam ser percebidas

em seus corpos, com o predomínio de flores e frases bíblicas; utilizavam

piercings na língua, no nariz e orelhas; utilizavam algum tipo maquiagem, rímel

ou protetor labial; sempre aplicavam desodorante antes das partidas e ao final

– quando não havia possibilidade de tomarem banho - passavam perfumes;

antes de entrarem em campo, penteavam seus cabelos, protegiam os piercings

com esparadrapos e aplicavam uma camada generosa de protetor solar,

segundo elas para não deixarem a pele mais escura e queimada. Ao final das

partidas, trocavam-se, usando geralmente calças jeans justas e alguma blusa.

Figura 27 - Amanda e Wiara arrumando seus piercings. Foto por Mariane da Silva Pisani. Abril de 2014.

Figura 28- Atletas arrumando os cabelos. Foto por Mariane da Silva Pisani. Abril de 2013.

139

Em outro momento do trabalho de campo, agora no ano de 2015,

enquanto etnografava a equipe Esmeraldinha, acompanhei,das arquibancadas,

um jogo da equipe que se tornou um tanto quanto caótico e que também nos

auxilia a pensar a matriz de gênero no futebol de mulheres. Naquele dia, a

equipe do Esmeraldinha disputaria uma vaga para a próxima etapa em um

campeonato contra a equipe Só Tapa Futebol Clube. Assim que o juiz apitou,

iniciando a partida, notei um acirramento dentro e fora de campo, entre

jogadoras e técnicos das equipes.

Naquela partida, os auxiliares técnicos das duas equipes foram

expulsos. A goleira do Só Tapa foi expulsa e quatro atletas (duas de cada

equipe) levaram cartões amarelos. Toda vez que uma atleta era expulsa, ouvia-

se as jogadoras de ambas as equipes gritando insultos sobre a forma física do

juiz. Durante o intervalo - a partida fora composta de dois tempos de 20

minutos cada - o mesmo chamou as jogadoras ao centro da quadra, gritando

com elas : “Vocês estão transformando essa partida em uma guerra, não vou

mais tolerar esse comportamento agressivo! Parece um bando de homens!”.

Nas palavras do juiz, uma performance considerada masculina

mostrava-se naquele momento: elas se empurravam, davam cotoveladas,

carrinhos32, as bolas eram jogadas em direção ao rosto das adversárias (a

goleira do Esmeraldinha teve que se retirar um momento de quadra porque sua

boca estava sangrando), duas atletas esbarraram-se intencionalmente – o que

quase ocasionou uma briga generalizada. Quando a goleira do Só Tapa foi

expulsa por insultar o juiz, as demais atletas da equipe invadiram o campo na

tentativa de agredi-lo fisicamente , mas a situação foi contornada pela auxiliar

técnica da equipe.

Em 1941, a filósofa francesa Simone de Beauvoir escreveu o livro

chamando “Segundo Sexo” e propôs uma nova reflexão sobre as

32 Tanto no futebol quanto no futsal, o carrinho trata-se de um lance no qual a jogadora se atira no chão, projetando as pernas à frente. A partir dessa ação a jogadora objetiva atingir a bola no menor tempo possível – seja para fazer o gol ou para passar a bola para a companheira. Entretanto, algumas vezes, o carrinho é realizado em direção ao corpo da adversária. Essa prática é considerada violenta e bastante perigosa, por causa da velocidade imprimida no lance e porque pode provocar o choque entre atletas, ocasionando ferimentos.

desigualdades entre homens e mulheres. Beauvoir questionava os motivos

pelos quais, nos sistemas de relação de poder das sociedades ocidentais

modernas, as mulheres permaneciam sempre em posição de inferioridade.

Apesar de não ter escrito ou mesmo trabalhado com o conceito de gênero,

Beauvoir nos explica como as mulheres aprendiam a ser socialmente de

determinadas maneiras.

Já em meados dos anos 1970, a antropóloga Gayle Rubin organizou

algumas concepções que já existiam na sociedade sobre sexo biológico e

papéis socialmente desempenhados por homens e mulheres. A autora buscava

compreender qual a gênese da opressão e da subordinação social das

mulheres, e nesse sentindo questionava quais relações transformam uma

fêmea da espécie humana em uma mulher domesticada. Passava-se, portanto,

a dissociar as noções de sexo biológico, gênero e papéis de gênero; afinal o

sexo biológico já não servia para explicar as diferenças entre as condutas e os

comportamentos – papéis de gênero - de mulheres e homens.

As distinções feitas entre “sexo” e “gênero” propostas por Rubin

ajudaram a conduzir os estudos de práticas esportivas a uma nova perspectiva

multidisciplinar e interdisciplinar. A primeira vez que gênero apareceu como um

conceito em um trabalho de esporte, foi no ano de 1978, na monografia

intitulada “Sport and Gender: a feminist perspective on the Sociology of Sport”

da educadora física Margaret Ann Hall (BANDY, 2014). Esse trabalho pioneiro

ofereceu uma perspectiva crítica aos estudos das práticas esportivas a partir da

utilização da categoria gênero, pois promoveu uma abertura paradigmática nos

estudos do esporte ao incluir uma perspectiva feminista na análise dos dados

coletados em campo. Foi o primeiro trabalho – internacional - sobre esportes

que rejeitou a ideia de que gênero é determinado pelo biológico. Ainda no ano

de 1981, Ann Hall aliou aos estudos dos esportes a concepção de identidade

sexual, segundo a autora a identidade sexual de uma atleta poderia ser

compreendida como uma barreira para a participação das mulheres em

diversas modalidades (BANDY, 2014).

141

Em 1986, a historiadora Joan Scott, publica o artigo “Gênero: uma

categoria útil de análise histórica”, na qual afirma que a categoria de gênero

expressa um campo de disputas teóricas e políticas. Ou seja, não pode ser

pensada apenas no âmbito privado das relações familiares, e uma vez que vai

além, precisa ser compreendida dentro do sistema político, econômico e das

estruturas de poder da sociedade. Da mesma forma como para Beauvoir, Scott

compreende gênero como categoria que media a diferença biológica e as

relações sociais historicamente constituídas:

“O uso do ‘gênero’ põe ênfase sobre todo um sistema de relações que podem incluir o sexo, mas ele não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade (...). O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações do poder” (JOAN SCOTT, 1995, p. 7 - 14).

Ao utilizar a categoria gênero, que é interrelacional, para pensarmos a

modalidade esportiva do futebol, introduzimos novas direções, perspectivas e

teorias na área da Antropologia dos Esportes. A inclusão da categoria de

gênero, assim como as categorias de raça e sexualidade, modificam os

estudos das práticas esportivas em direção a um enfoque interdisciplinar que

culmina na inclusão de noções de poder, corpo e sociabilidades.

Para o senso comum, as condutas de homens e mulheres estão

inscritas a priori no corpo, ancoradas em uma dimensão biológica. É comum,

como vimos nas cenas históricas, jornalísticas e etnográficas acima descritas,

encontrarmos discursos que caminhem e confluam nesse sentido. A carta de

José Fuzeira, aliada ao Decreto-Lei 3.199, por exemplo, nos mostram que, no

início do século XX, as noções do que era ser mulher estavam atreladas a um

padrão de feminilidade que impunha os papéis sociais de gênero de boa mãe e

boa esposa. Por isso, as mulheres não deveriam estar em campo, jogando bola

ou mesmo disputando outras modalidades esportivas que pudessem alterar as

noções e os padrões estabelecidos. Considerou-se uma subversão moral a

presença das mulheres dentro de campo, era uma agressão à “função natural”

da mulher permitir que partidas de futebol fossem disputadas por elas.

A década de 1990, no material da Revista Placar, as diferenças de

comportamento entre homens e mulheres são reiteradas como naturais e

inscritas em uma dimensão biológica dos corpos. Os hormônios reaparecem

para justificar porque os homens são mais fortes, mais ágeis, mais propensos à

agressividade e violência e as mulheres mais sujeitas à sensibilidade e à

emotividade, sobretudo em períodos de tensão pré-menstrual (TPM).

A utilização dos hormônios como diferenciação entre homens e

mulheres, data de 1950. Segundo Donna Haraway o conceito de

“gênero foi firmemente alocado a uma problemática individualista, dentro da ampla “incitação ao discurso”, à sexualidade característica da sociedade burguesa, dominada pelos homens, e racista. Os conceitos e tecnologias da “identidade de gênero” foram produzidos a partir de vários componentes: uma leitura instintualista de Freud; o foco na psicopatologia e somatologia sexual dos grandes sexologistas do século dezenove (Krafft-Ebing, Havelock Ellis) e seus seguidores; o contínuo desenvolvimento da endocrinologia bioquímica e fisiológica desde os anos vinte; a psicobiologia de diferenças sexuais nascida da psicologia comparada; as inúmeras hipóteses de dismorfismo sexual hormonal, de cromossomos e neural, que convergiram nos anos cinqüenta; e as primeiras cirurgias de redefinição de gênero por volta de 1960” (HARAWAY, 2004, p. 215-216).

A sociedade na qual vivemos continua acreditando que as

personalidades, os padrões de comportamento e os papéis de gênero estão

pré-determinados de acordo com o sexo biológico do indivíduo. A biologia,

contudo, desempenha um papel que está longe de ser imutável na

determinação dos comportamentos. É preciso ter claro que a espécie humana

depende, intrinsecamente, da socialização entre seus iguais para elaborar e

constituir subjetividades.

143

Sobre as reportagens destacadas da Revista Placar, é interessante

notar que a categoria de gênero, quando analisada a partir da perspectiva do

futebol de mulheres, mobiliza e projeta noções de feminilidades e

masculinidades que são, ora aceitas e estimuladas, ora desaprovadas e

desestimuladas. As mulheres podem jogar futebol se este for praticado com

moderação a ponto de deixar seus corpos torneados, magros e esbeltos, pois

como as mulheres são essencialmente femininas, o esporte praticado por elas

precisa ser refletido em seus corpos, objetos de desejo e atração masculinas.

A capa da revista é emblemática nesse sentido, pois modelos com forte apelo

sexual mimetizam jogadoras de futebol. A masculinização, traduzida pela

aquisição de músculos, é um perigo iminente, que deve ser evitado. As

habilidades físicas, minimamente requeridas para a prática da modalidade,

também são naturalizadas nos homens. Eles são possuidores naturais da

força, do fôlego, da velocidade e da agilidade; portanto, superiores a elas para

a prática da modalidade. Assim, vão-se acumulando associações

essencialistas. Além disso, desde crianças os homens são estimulados a jogar

bola, enquanto as mulheres são afastadas dos campos de futebol sob o

argumento: “isso é brincadeira de menino”.

O futebol, enquanto espaço de socialização e sociabilidades, torna-se

importante locus de estudos para análises a respeito da categoria de gênero.

Inicialmente a modalidade foi compreendida como esporte de homens e as

habilidades necessárias para essa prática esportiva eram, geralmente,

associadas a noções de masculinidade: agressividade, agilidade, força.

Contudo, existem mulheres – jogadoras de futebol ou não - mais fortes, mais

ágeis, mais velozes, mais agressivas que homens. O gênero circula; a

masculinidade, assim como a feminilidade, está presente em corpos de

homens e mulheres. Dessa forma, corpos não devem ser compreendidos como

possuidores naturais de determinadas características.

Nesse sentido, a antropóloga Marilyn Strathern (2006) nos ajuda a

pensar e a aprofundar a questão, quando em seu livro intitulado “O Gênero da

Dádiva” nos mostra como os povos da Melanésia podem ser pensados

enquanto divíduos que possuem partes masculinas e femininas, ou seja o

corpo masculino engloba partes femininas e vice-versa. Logo possuem a

capacidade de acionar e mobilizar seu o gênero a partir da interação com o

outro. A identidade pode ser compreendida enquanto fluida e torna-se

consequência das interações:

“A simbolização estabelece o caráter masculino ou feminino de uma pessoa como um incidente, um evento, um momento histórico, criado no tempo. Tal caráter não é inerente a atributos de um tipo fixo, à posse exclusiva de itens específicos, nem mesmo à posse de genitais, já que sua origem é ambígua, resultando sempre de transações passadas. O que diferencia homens e mulheres, então não é a masculinidade ou a feminilidade de seus órgãos sexuais, mas o que eles fazem com eles”(STRATHERN, 2006, p. 200)

Ou seja, as pessoas – que não se encerram em categorias como

“homem”, “masculino”, “mulher”, “feminina” - contém partes masculinas e partes

femininas bem como noções de masculinidades e feminilidades múltiplas e

interconectadas. As pessoas acionam ainda as partes que elas consideram

masculinas ou femininas de acordo com as ações e interações que são

tomadas e estabelecidas.

Considerações sobre as noções de gênero no futebol de mulheres

No Brasil, no futebol praticado por mulheres, o gênero e a identidade de

gênero podem ser compreendidos enquanto fluidos, ou seja, masculinidades e

feminilidades coexistem e circulam nos mesmos corpos de acordo com os tipos

de interação estabelecidos entre os sujeitos. Elas vão estar mais masculinas ou

mais femininas de acordo com o jogo relacional. O futebol, apesar de visto

como masculino, permite que elas acionem o masculino e o feminino de acordo

com as relações que estabelecem. Assim, para um desempenho apropriado da

prática do futebol, é necessário que as jogadoras possuam algumas

145

características que são, via de regra, associadas a determinadas noções de

masculinidades. Afinal, para jogar bola, as mulheres precisam ter força, ser

ágeis, ter músculos, ser agressivas, diligentes e utilizar uniformes confortáveis

– largos e não justos – que sejam adequados à prática esportiva. Contudo,

quando assim performatizam seu gênero, são chamadas pejorativamente de

machos, homens e marmanjos. É interessante pontuar, contudo, que entre elas

– como veremos adiante ao falar de sexualidade – esses comportamentos que

performatizam masculinidades são encarados como positivos, desejados e

orientam a busca por parceiras sexuais e afetivas ideais.

Por outro lado, entre elas aparece o discurso de que para conseguir

visibilidade para a modalidade entre o grande público – espectadores e mídia,

sobretudo - elas precisam performatizar algumas ideias de feminilidades. Um

certo tipo cuidado de si e do corpo, bastante específico, apresenta-se e torna-

se evidente nesse momento: elas mantêm corpos esbeltos e magros, utilizam

uniformes mais curtos e justos – mas que nem sempre favorecem os

movimentos de jogo dentro de campo -, pintam, alisam e cuidam de cabelos e

de unhas. Quando elas assim performatizam o gênero, associando noções de

feminilidades, seus corpos são apresentadas sob dois vieses: o da mulher

mãe, sacralizada, que precisa ser protegida e afastada dos campos de futebol;

o da mulher sensual, que precisa ser exposta seminua em calendários e/ou

capas de revistas.

Gênero, como foi visto ao longo desse capítulo, pode ser compreendido

como uma categoria classificatória, que delimitou, marcou diferenças e

engendrou noções de masculinidades e feminilidades sobre os corpos de

mulheres atletas. Desde o começo da prática da modalidade esportiva no

Brasil, na década de 1940 – com a carta do cidadão José Fuzeira (FUZEIRA

apud FRANZINI, 2005, p. 319-320) -, passando pela promulgação do Decreto-

Lei 3.199 (BRASIL, 1941) e sua revogação em 1979, bem como pela

publicação de reportagens da Revista Placar (1995, 1997) - até chegar nos

anos de 2013-15 nas etnografias aqui apresentadas junto à Associação

Atlética Pró-Esporte e Esmeraldinha Futebol Clube, pudemos perceber que os

discursos que envolvem o futebol de mulheres sempre recorreram a uma

matriz de gênero. Identifico que esses discursos apontaram, ao longo do

tempo, sempre para a construção de noções de gênero em três direções

bastante específicas: Esfera Moral, Esfera da Saúde e Esfera da Fetichização.

Enquanto as esferas moral e de saúde mantiveram as mulheres afastadas da

prática esportiva do futebol, a da fetichização concedia a elas o acesso à

prática desde que expusessem seus corpos de maneira sensual.

A Esfera da Moral, portanto, delimitava os espaços que as mulheres

poderiam ou não ocupar no cenário esportivo brasileiro, ou seja, as mulheres

tinham o papel social de esposas e esse papel as mantinha restritas ao espaço

privado do lar. Os discursos desse tipo prevaleceram, sobretudo na década de

40. Já a Esfera da Saúde determinava levando em conta corpo e hormônios, o

que as mulheres eram ou não capazes de fazer durante as práticas esportivas.

Foi a partir desse discurso que as mulheres foram instruídas a se comportar de

acordo com o seu gênero, o que evocava um determinado padrão de

feminilidade. O afastamento delas dos campos de futebol visava protegê-las de

toda e qualquer possível masculinização de seus corpos, uma vez que essa

masculinização poderia comprometer o papel social enquanto mães. Por fim,os

discursos da Esfera da Fetichização apregoam que os corpos das mulheres

esportistas podem ser representados enquanto objetos de atração e de desejo

sexual dos homens e não há aí, qualquer problema de ordem social ou moral.

Mulheres negras, nesse espaço, raramente são sexualizadas.

Por fim, acredito que é possível pensar a prática do futebol de mulheres

como um terreno promissor para testar hipóteses sobre as mudanças nas

relações e representações de gênero na sociedade contemporânea. Afinal, o

esporte é um lugar bastante propício para indagar os rumos de uma cultura em

transição – “transição para padrões mais igualitários, mais ‘andróginos’, ou

talvez avançando, embora lentamente, no sentido de uma certa

‘despadronização’” (ADELMAN, 2006, p. 11), nos quais, por fim, as mulheres

não precisem ser mais necessariamente femininas, ou mesmo masculinas.

147

IV– Raça, sexualidade e intersecções num universo em que o gênero está em disputa

A negra no Futebol Brasileiro33

Muito bem crianças, onde há muita algazarra alguma coisa está fora da ordem. Eu acho que com essa mistura de negros do Sul e mulheres do Norte, todo mundo falando sobre direitos, o homem branco vai entrar na linha rapidinho. Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher? Daí eles falam dessa coisa na cabeça; como eles chamam isso… [alguém da audiência sussurra, “intelecto”]. É isso, querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das mulheres e dos negros? Se o meu copo não tem mais que um quarto, e o seu está cheio, por que você me impediria de completar a minha medida? Daí aquele homenzinho de preto ali disse que a mulher não pode ter os mesmos direitos que o homem porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com isso.

33 O livro do cronista e jornalista Mário Rodrigues Filho, intitulado “O negro no Futebol Brasileiro”, realizou na década de 1960 um resgate de histórias e relatos sobre a consolidação do homem negro nessa prática esportiva. Em busca por portais de periódicos e bancos de teses e dissertações não há registro de artigos e/ou monografias que versem sobre futebol e mulher negra. Ainda que o conteúdo aqui encontrado seja apresentado de modo diferente daquele que nos traz o jornalista Mário Rodrigues Filho, o título desse capítulo busca resgatar algumas narrativas mulheres negras jogadoras de futebol.

Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de consertá-lo, colocando-o do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fazer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas querem. Agradecida a vocês por me escutarem, e agora a velha Sojourner não tem mais nada a dizer34(TRUTH, 1851).

O discurso de Sojourner Truth (estadunidense, mulher, negra,

escravizada e depois liberta) foi retomado pelo feminismo dos anos 1970/80,

nos EUA, para refletir sobre as diferenças entre as mulheres a partir de uma

perspectiva de raça. A categoria de “raça” - assim como a categoria de gênero

– precisa ser compreendida a partir de uma perspectiva histórica, social e

cultural. A antropóloga Verena Stolcke nos fala que o conceito de “raça” foi

considerado por muito tempo um dado “natural” e biológico inscrito nos corpos

humanos (STOLCKE, 1991). O conceito de “raça” era utilizado para diferenciar

e separar as pessoas a partir de características biológicas e corporais

pensadas como naturais como: formato dos cabelos (lisos ou crespos), cor da

pele (branca ou negra), cor dos olhos (claros ou escuros), formato do nariz (fino

ou largo), formato do crânio, dentre outras. As “diferenças raciais” ou as

“diferenças de cor”, portanto, foram ancoradas inicialmente em noções sobre o

que se considerava – ou não - um corpo branco, sendo o homem europeu

geralmente o modelo referencial para as comparações. Essas diferenças,

historicamente marcadas ao longo do tempo, constituíram-se enquanto

produtoras de noções e relações de poder.

Contudo, Verena Stolcke, revisando outros autores, reafirma a

importância de desvincular a concepção da categoria “raça” do plano biológico

e, por consequência, amenizar os racismos que vêm com a utilização do

conceito. Ela percebe que, numa certa medida, alguns autores propõem que no

34 Discurso proferido na Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851. Durante uma reunião onde se discutia os direitos da mulher, Sojourner discursou da plateia após ouvir pastores alegando que as mulheres não deveriam ter os mesmos direitos que os homens. A justificativa? Porque elas seriam mais frágeis, intelectualmente inferiores, porque Jesus foi um homem e porque Eva, a primeira mulher da humanidade segundo o pensamento cristão, foi uma pecadora.

149

lugar de “raça35” use-se o conceito de etnicidade. Segundo a autora, tanto a

categoria de raça quanto a de etnicidade devem ser compreendidas nos

contextos de dominação a que dão significados; logo, ao utilizar-se do conceito

de etnicidade faz-se a tentativa de minimizar as discriminações e exclusões

antes calcadas e ideologicamente justificadas em uma herança genética e/ou

racial (STOLCKE, 1991).

Se, por um lado o historiador e sociólogo Gilberto Freyre afirmou que no

período pós-abolição da escravidão as relações interétnicas entre negros/as,

brancos/as e indígenas no Brasil nos levavam à mestiçagem das “raças”

promovendo a democracia racial; por outro lado, a antropóloga Lilia Katri

Moritz Schwarcz (2009) nos mostra que, a partir da década de 1930, inicia-se

um processo de desafricanização e apagamento de vários elementos culturais

do povo negro. Por exemplo, o samba, a feijoada e a capoeira – considerados

como atividades de negros cativos - passaram a representar uma noção de

brasilidade.

Segundo Schwarcz (2009, p. 97), “originalmente conhecida como

‘comida de escravos”, a feijoada se converte em ‘prato nacional’, carregando

consigo a representação simbólica da mestiçagem. O feijão (preto) e o arroz

(branco) remetem metaforicamente a dois grandes segmentos formadores da

população”. Ainda na década de 1930, a capoeira, até então criminalizada, é

oficializada enquanto modalidade esportiva; o samba, considerado música de

negro, ganha as ruas do país; os atabaques passam a soar livremente nos

terreiros e o Dia Nacional da Raça é introduzido no calendário nacional como

data cívica (SCHWARCZ, 2009). Os conceitos de mestiçagem e de democracia

racial, apesar de parecerem positivos, denotam uma abordagem ingênua que

35 Contudo, segundo Nogueira, Felipe e Teruya (2008), o uso da categoria “raça” pode ser visto atualmente como uma forma de posicionamento político para informar e salientar determinadas características físicas como a cor da pele ou mesmo o tipo de cabelo. Essas características, por sua vez, interferem e até determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. Assim, “o conceito de raça ao ser usado com conotação política permite, por exemplo, aos negros valorizar as características que os diferem das outras populações e romper com as teorias raciais que foram formuladas no século XIX e até hoje permeiam o imaginário popular”(NOGUEIRA, FELIPE, TERUYA, 2008, p. 4). Dessa forma, compreendida como construção histórica e cultural, a categoria raça pode ser usada enquanto instrumento político de afirmação de identidade.

torna invisível mais uma faceta da escravidão: para além dos corpos

aprisionados, tentou-se retirar dos sujeitos seus elementos de resistência e

reconhecimento de sua cultura e sociedade.

Dentro desse processo de “nacionalização” de elementos culturais

brasileiros, o futebol percorreu o caminho inverso. Até meados da década de

1920, o futebol no Brasil era considerado esporte de elite, nos quais apenas os

homens brancos poderiam jogar. Foi a partir de 1930, que os primeiros homens

negros começaram a participar oficialmente – enquanto jogadores – de jogos

de futebol. Nessa época, discursos apresentavam as diferenças de jogar, bem

como os sentidos do futebol para homens negros e homens brancos. As

concepções à época explicitavam que os homens brancos seriam

essencialmente superiores em suas capacidades cognitivas, e ao participarem

dos jogos de futebol, faziam-no por lazer, fidalguia, noções de cavalheirismo e

fair play (RODRIGUES FILHO, 1964). O futebol era assim compreendido como

um espaço de construção de uma masculinidade intelectual e aristocrática.

Já os homens negros, por sua vez, eram compreendidos à época

enquanto detentores de força física e agressividades naturais – consideradas

herança do trabalho escravo no período colonial (OGLESBY, 1981, p. 16) –

que poderiam ser aplicadas nas práticas esportivas mediante pagamento. O

futebol, para eles, era considerado um momento para o emprego adequado de

sua força e agressividade, ou seja, a prática esportiva do futebol era o locus

para a construção e conformação de uma masculinidade agressiva, mas

controlada e servil (RODRIGUES FILHO, 1964).

Um jogador brasileiro que se destacou nessa época foi Leônidas da

Silva, popularmente conhecido como Diamente Negro. Ele se tornou o

expoente das contradições de uma sociedade cuja aceitação do negro no

futebol passava por rápidas e conturbadas mudanças. Leônidas era um jogador

que todos os clubes queriam em seu time, talvez à exceção do Fluminense,

que mantinha sua política antinegros no time. Porém, ao mesmo tempo em que

era desejado por todos os times, por seu excepcional desempenho no futebol,

Leônidas era perseguido por torcedores e jornalistas da época, em virtude de

151

um fato envolvendo o roubo de um colar de diamantes. A culpa, é claro, recaiu

sobre Leônidas, o negro. Sempre que o jogador entrava para jogar, os

torcedores da arquibancada perguntavam para o jogador onde estava o colar,

ao que Leônidas reagia com raiva dentro de campo (RODRIGUES FILHO,

1964).

Mas e as mulheres negras, onde estavam?

No início do capítulo trouxemos o discurso de Sojourner Truth

evidenciando que “raça, gênero e classe não são distintos reinos da

experiência, que existem em esplêndido isolamento entre si; nem podem ser

simplesmente encaixados retrospectivamente como peças de um Lego. Não,

eles existem em relação entre si e através dessa relação – ainda que de modos

contraditórios e em conflito” (MCCLINTOCK, 2010, p. 19, grifos da autora).

A antropóloga Lélia Gonzales, nesse sentido, aponta que durante os

anos de escravidão existiam, basicamente, dois tipos de escravos: os

produtivos e os não produtivos. Os primeiros trabalhavam no plantio e no

cultivo da terra dos senhores de engenho; já os segundos eram utilizados na

prestação de serviços da casa. A mulher negra servia nos dois segmentos, ou

seja, tanto trabalhava no cultivo da terra quanto, na Casa Grande. Contudo, era

nesse segundo espaço que ocupava, mucama, que era encarregada de

passar, cozinhar, fiar, tecer, alimentar os filhos recém- paridos das mulheres

brancas. “E isso sem contar com as investidas sexuais do senhor branco que,

muitas vezes, convidava parentes mais jovens para se iniciarem sexualmente

com as mucamas mais atraentes. Desnecessário dizer o quanto eram objeto do

ciúme rancoroso da senhora” (GONZALEZ, 2016, p. 403).

Foi a mulher negra quem primeiro educou e criou os filhos dos senhores

e senhoras de engenho, em virtude disso, segundo Gonzales, associa-se a

imagem da mulher negra à figura “Mãe preta”. Ou seja, aquela mulher negra,

geralmente mais velha, acomodada, de corpo dócil e temperamento passivo

(GONZALEZ, 2016). Outra figura que emerge dessas relações étnico-raciais,

estabelecidas no período colonial, é a da mulata hipersexualizada. Decorrentes

dos estupros e investidas sexuais dos senhores de engenho, associava-se à

imagem da mulher negra e jovem uma concepção de comportamento sexual

promíscuo e acessível.

Ainda nesse sentido, McClintock, ao estudar as mulheres negras no

contexto colonial, nos aponta outra maneira de classificar a mulher negra: a

besta. A bestialização dos corpos negros entra como uma possibilidade de

análise. As mulheres negras, ao transgredirem as fronteiras “entre o público e o

privado, entre o trabalho e o lazer, entre o trabalho pago e o não pago,

tornavam-se cada vez mais estigmatizadas como espécimes de regressão

racial” (MCCLINTOCK, 2010, p. 75). Essas “transgressoras” deixavam então de

habitar a história propriamente dita e eram percebidas como projetos

incompletos de seres humanos. Muitas foram taxadas de infantis, irracionais,

regressivas e atávicas, existindo assim em um anacronismo permanente.36

Ao descrever de quais maneiras a mulher negra se inseriu na sociedade

brasileira a partir da década de 1950, Gonzales estabelece o que ela chama de

soma de opressões entre gênero, raça e classe. “Ser negra e mulher no Brasil,

repetimos, é ser objeto de tripla discriminação, uma vez que os estereótipos

gerados pelo racismo e pelo sexismo a colocam no mais alto nível de opressão

(...) onde sofrem um processo de reforço quanto à internalização da diferença,

da subordinação e da ‘inferioridade’” (GONZALEZ, 2016, p. 408).

Concretamente, no que tange a essa tripla opressão e discriminação, podemos

averiguar nos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)37 que

60% das mulheres assassinadas no Brasil entre os anos de 2011 e 2012 eram

36 A bestialização do corpo da mulher negra remonta a outras épocas. O filme “Vênus Noire”, ambientado em meados do século XIX conta a trajetória de Saartjie Baartman, uma mulher sul-africana da etnia hotentote – esta é mundialmente conhecida pelas medidas “desproporcionais” de suas mulheres. No filme, Saartjie deixa seu país com a promessa feita por Hendrick Cezar, irmão do seu patrão, de que na Inglaterra ela conseguiria emprego em um circo e isso lhe renderia muito dinheiro. Entre os anos 1810 e 1814, Saartjie viajou, sob a tutela e cuidados de Cezar, por todo território inglês exibindo seu corpo. Aos mais curiosos era oferecida, por uma pequena quantia em dinheiro, a oportunidade de passar a mão em seu corpo. No ano de 1814, Saartjie é vendida a um domador de animais francês e passa a viver em condições sub-humanas: encontrava-se sempre presa a coleiras e era constantemente enjaulada. Infelizmente, no ano de 1815, Saartjie faleceu em decorrência de uma infecção. 37 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/21/negras-sao-as-vitimas-de-mais-de-60-dos-assassinatos-de-mulheres-no-pais>. Acesso em: 25 nov. 2017.

153

negras; e que são as mulheres jovens, negras e pobres as que mais sofrem

com a violência doméstica e familiar (SENADO NOTÍCIAS, 2013). Infelizmente,

ao longo dessa etnografia, pudemos encontrar uma série de desdobramentos

racistas e violentos em relação à mulher negra jogadora de futebol.

No Brasil, até meados da década de 1970, as mulheres não podiam

participar de determinadas modalidades esportivas e a primeira pesquisa sobre

mulheres e esporte é do início da década de 1990. Contudo, fala-se da mulher

enquanto categoria essencializada, ou seja, não se pensa com especificidade

no lugar da mulher negra dentro do ambiente esportivo. É preciso recorrer aos

registros de algumas competições, como, por exemplo, os Jogos Olímpicos,

para se ter uma ideia, mesmo que superficial, da trajetória de mulheres negras

no esporte brasileiro.

No ano de 1948, Melânia Luz38 foi a primeira mulher negra a representar

o Brasil em um jogo olímpico. Praticante do salto em distância e da corrida, ela

disputou as Olimpíadas de Londres daquele ano e bateu o recorde Sul-

Americano no revezamento 4x100, ao lado de outras mulheres brasileiras.

Doze anos depois, no ano de 1960, a paulistana Wanda dos Santos, segunda

mulher negra brasileira a participar da competição, embarcava junto com a

delegação brasileira para os Jogos Olímpicos de Roma. Apenas ela, entre 81

atletas naquela delegação, era mulher; ela disputou os 80 metros com

barreiras. Quatro anos depois, em 1964, Aida dos Santos39 conquistaria o 4º

lugar no salto em altura nos Jogos Olímpicos de Tóquio (JORNAL O GLOBO,

2016). Atualmente, Marta (futebol), Fabiana Claudino (vôlei), Fofão (vôlei),

Érika Cristina de Souza (basquete), Karen Rocha (basquete), Maria Elizabeth

Jorge (levantamento de peso), Daiane dos Santos (ginástica artística) e

38 Disponível em:http://www.justicadesaia.com.br/melania-luz-a-primeira-mulher-negra-na-historia-a-representar-o-brasil-em-uma-olimpiada. Acesso em: 24 nov. 2017.

39Disponível em: https://oglobo.globo.com/esportes/rio-2016/aida-dos-santos-mulher-que-podio-nao-pode-suportar-18528315. Acesso em: 24 nov. 2017.

Rafaela Silva40 (judô) figuram entre mulheres negras brasileiras que possuem

destaque em suas modalidades esportivas.

Apesar de essas atletas brasileiras estarem distribuídas em modalidades

esportivas diversas, é interessante ressaltar uma questão levantada pela

advogada e educadora norte-americana Moneque Walker Pickett (2009)

quando ela fala sobre a Lei Title IX, promulgada no ano de 1972, nos Estados

Unidos da América. Segundo Pickett, essa Lei configura-se como a maior lei

federal que proíbe a discriminação por gênero em qualquer programa esportivo

que receba patrocínio federal. A Lei Title IX é conhecida, portanto, por ser uma

grande catalizadora no acesso de meninas e mulheres aos espaços esportivos

nos EUA. Contudo, segundo Pickett, Dawkins e Braddock (2012), existe uma

clara intersecção de gênero, classe e raça nas escolhas das modalidades

esportivas a serem praticadas tanto por mulheres negras quanto por mulheres

brancas. As mulheres negras participam de esportes cujos custos de

manutenção são menores:

“Although Black and White females were equally likely to participate in sports, 33% of Black girls (compared to 18% of White girls) said that their families could not afford to pay the cost of equipment and lessons. Although purchasing a basketball is considerably cheaper than purchasing a horse, equestrian gear, and a country club membership, what is not so clear is the long-term effect of this approach in terms of providing equal access for both Black and White girls in interscholastic sports programs” (PICKETT; DAWKINS; BRADDOCK, 2012).

Ou seja, apesar de a Lei Title IX ter permitido a inserção de mulheres no

esporte em todo EUA, as mulheres negras continuam sub-representadas nesse

setor. As mulheres ocupam menos espaço nas práticas esportivas quando

comparadas aos homens; as mulheres negras ocupam ainda menos espaço

esportivo quando comparadas às mulheres brancas: “girls participate in sports

40 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/09/deportes/1470695638_790195.html. Acesso em: 24 nov.2017.

155

muchless than boys, non-White girls participate even less, and poor minority

girls engage in sports the least (...).Yet sport participation may be more

important for minority females, such as African Americans, because the benefits

of sport participation may not be equally experienced for those groups in

comparison to their White female counterpart”(PICKETT; DAWKINS;

BRADDOCK, 2012, p.1587-1588). Consequentemente, mulheres negras

continuam com dificuldades de acessar às universidades através de bolsas

esportivas – prática comum na realidade norte-americana. Mesmo que a Title

IX aumente a participação de mulheres em modalidades esportivas e as

incentive através de bolsas de estudos pelas suas práticas atléticas, as

mulheres negras ainda permanecem às margens dessa política inclusiva e

sofrem um afunilamento quanto ao acesso universitário.

Assim como nos Estados Unidos da América classe e raça se

interseccionam, no Brasil não é diferente a vida de mulheres negras que

buscam se projetar no campo esportivo. As mulheres negras brasileiras

participam, em sua grande maioria, de esportes coletivos e de baixa

manutenção. Tomemos, por exemplo, o caso da levantadora de peso Maria

Elizabeth Jorge, mulher negra que disputou os jogos Olímpicos de Sidney, em

2000. Maria Elizabeth descobriu-se apta para participar da modalidade

enquanto lavava e carregava pesadas trouxas de roupas – como forma de

complementar a renda familiar – na região onde morava em Minas Gerais.

O futebol configura-se como um dos esportes de mais baixo custo para a

prática no Brasil. Tudo o que se precisa é de uma bola – pode ser feita de

meia, papel, lata de cerveja ou qualquer outro material disponível – e de um

espaço aberto – que pode ser uma rua, um terreno baldio. A essas partidas

damos o nome de peladas. Embora as cenas aqui mostradas não tenham sido

presenciadas nesses momentos – em que a diversão e o lazer entre amigas

prevalece -, tive o privilégio de acompanhar algumas partidas de futebol entre

mulheres nesse formato, ao longo dos últimos anos de trabalho de campo.

A reportagem de outubro de 1983, da Revista Placar, traz a reportagem

intitulada “A bela e as feras” na qual as categorias de raça, sexualidade e

gênero aparecem articuladas em uma sucessão de imagens e textos que

revelam racismo e sexismo. Está clara na linha editorial da Revista que a bela

do futebol é uma mulher branca – que aparece retratada em fotografias

coloridas, trajando biquíni, sorrindo e segurando uma flor - e que as feras são

as mulheres negras – fotografadas em retratos preto e branco, sérias e de

cabelos curtos (REVISTA PLACAR, 1983). “Esses dois tipos de futebolistas –

‘belas’ e ‘feras’ – são colocados em oposição pela narrativa jornalística.

Enquanto as primeiras trazem consigo todas as características necessárias ao

padrão atribuído pela imprensa a uma boa futebolista (...) as outras são

pensadas como demasiadamente violentas para estarem em campo”

(SOARES DE ALMEIDA, 2016, p. 108).

157

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Outros elementos ainda nos levam a pensar sobre as relações étnico-

raciais, bem como sobre a questão racial que se descortina a partir da

reportagem supracitada. Ao descrever uma partida entre os times de futebol de

mulheres da cidade do Rio de Janeiro, na qual o Radar venceu o Bangu por 1 a

0, o técnico, Castor de Andrade, e as jogadoras do Bangu agrediram física e

verbalmente o juiz por conta de um pênalti não marcado a favor do seu time – o

que supostamente faria com que a partida terminasse empatada, caso a

cobrança do pênalti resultasse em gol. Segue transcrito o trecho final da

matéria:

“Na semana passada, Castor e suas perigosas meninas receberam uma suspensão preventiva por 30 dias. Quem achar que foi pouco pode esperar pelo novo julgamento, marcado para esta terça-feira, dia 25. Mas sem muitas esperanças. "Futebol é paixão", filosofa o eterno presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro, Otávio Pinto Guimarães. "E paixão é assim mesmo". Se isso pode prenunciar alguma absolvição, resta torcer para que, no futuro, o futebol feminino tenha muitas belas, inspiradas na atraente estrela do Inter - e que as feras voltem às jaulas” (REVISTA PLACAR, 1983).

No ano de 2012, ou seja, 29 anos depois, o mesmo discurso se repetiria

com a então judoca negra Rafaela Silva. Na Olimpíada de Londres 2012,

Rafaela Silva era esperança de medalha para o Brasil, contudo quando foi

eliminada da competição, sofreu uma série de comentários racistas na rede

social Twitter: “esse macaco deveria estar nas jaulas”41 42(JORNAL O GLOBO,

2016b).

Intersecções de raça, gênero e sexualidade em campo Na véspera de uma final de campeonato em São Paulo, no ano de 2013,

duas jogadoras machucaram-se e não poderiam ser escaladas para aquele

jogo. Rapidamente a comissão técnica ligou para outras duas jogadoras e as

41 Frase retirada de mensagens enviadas para Rafaela Silve através do Twitter, rede social que permite a troca de mensagens – de maneira pública – entre seus usuários. 42 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/esportes/em-2012-rafaela-silva-foi-vitima-de-racismo-apos-desclassificacao-19877192>. Acesso em: 25 nov. 2017.

159

convidou para ocupar os espaços recém-vagos na equipe. No dia do jogo, Dani

e Fabi – as atletas chamadas às pressas – apareceram. Muito simpáticas, elas

conversaram com todas as outras jogadoras que ainda não conheciam e

conversaram comigo também. Até aquele momento, eu não sabia, mas ambas

eram muito amigas, e haviam jogado juntas em outras equipes, inclusive no

exterior.

Dani possuía um jeito muito despojado e masculinizado, segundo pude

perceber entre comentários de algumas atletas da equipe: tinha os cabelos

curtos e trançados, bem como usava roupas largas e folgadas. Afinal, segundo

ela mesma: “roupas masculinas e confortáveis, são melhores para preservar os

meus movimentos” - dito entre risos. Já Fabi tinha uma performance corporal

mais feminina: cabelos compridos e alisados, roupas mais curtas, tênis e

camisa de marcas (Nike e Adidas, respectivamente).

Naquela tarde, o jogo aconteceu em um estádio com um gramado em

ótimo estado de conservação e com arquibancadas para alocar a presença de

possíveis torcedores e torcedoras. Como era de se esperar, as arquibancadas

estavam parcialmente ocupadas, algo em torno de 30 espectadores. Para

minha surpresa, além dos poucos familiares, amigos e amigas das jogadoras,

vi alguns homens mais velhos com latinhas de cerveja nas mãos. Achei muito

interessante a presença deles por ali e sondei rapidamente as atletas, pois elas

pareciam bastante animadas com a possibilidade de que outras pessoas

estivessem interessadas na partida.

Assim que elas entraram, os homens da arquibancada levantaram-se e

aproximaram-se da grade que separava o campo da área de torcida.

Compreendi que assistiriam ao jogo daquele espaço. Eu, do lado de dentro,

percorria as bordas do campo em busca de boas fotos. Ocupar essa posição

sempre me permitiu captar diversos tipos de comentários: ora dos bancos de

reserva das equipes; ora da mesa de árbitros; e ora dos torcedores que

estivessem mais próximos da grade que separa o campo da arquibancada.

Aquela foi a primeira partida que acompanhei durante meu trabalho de

campo no doutorado. Creio que não estava preparada para o tom dos

comentários que ouviria naquela tarde. O grupo de homens, visivelmente

inflamados, aproximaram-se o máximo que podiam do campo de futebol e toda

vez que Dani passava perto gritavam a ela: “Isso daí não é mulher! Nem peito

essa porra tem!”; “Olha o cabelo desse macho! Raspa o pelo desse macaco!”.

Por um momento, eu parei meu trabalho de observação, abaixei minha câmera

e olhei para aqueles homens. Não sei como, mas Dani conseguiu manter a

calma e a frieza diante da situação. Certamente ela já ouvira de tudo de dentro

do campo, mas – aparentemente – não se deixou afetar por nenhum dos

comentários, nem ao menos deu a entender que os havia escutado. A equipe

ficou em segundo lugar naquela final, perdeu por 2x1, o único gol marcado por

Dani. Nunca tive coragem de perguntar, depois do jogo, como ela havia se

sentido naquele momento.

Figura 30 - Dani. Foto realizada por Mariane Pisani. Dezembro de 2013

161

Figura 31 – Time Vice-Campeão. Foto realizada por Mariane Pisani. Dezembro de 2013

Assim, como nesse dia, outros episódios, com comentários parecidos,

aconteceriam ao longo do trabalho de campo. Do que pude observar, os alvos

escolhidos pelos torcedores eram sempre as jogadoras mais negras, mais

masculinizadas e/ou aquelas que tivessem um cabelo mais curto – ou com um

estilo afro, como as tranças de Dani.

Acompanhava, no ano de 2014, um campeonato de futebol de mulheres

no qual a ASAPE participava. Na partida que valia vaga para as semifinais, me

deparei com uma atleta da equipe adversária que raspara os cabelos.

Aproximei-me dessa jogadora antes mesmo de a partida iniciar, perguntando-

lhe se poderia tirar uma fotografia dela, pois havia adorado o seu corte de

cabelo, e a experiência em campo me dizia que ela também seria alvo de

comentários ao longo da partida. Assim que Sofia entrou em campo, quatro

homens se aproximaram da grade e começaram a gritar para ela: “É muito

macho para ser mulher”; “machona, sapatão!”. Sofia, ao contrário de Dani,

exaltou-se na partida. Brigou com algumas jogadoras da ASAPE e, em um

lance de disputa de bola, machucou-se seriamente. Foi retirada de campo e

substituída por uma companheira de equipe.

Uma das jogadoras da ASAPE também se machucou durante a partida.

Ao final do jogo, acompanhei-a até o hospital mais próximo. Sofia – da equipe

adversária – e a jogadora da ASAPE ocuparam, lado a lado, os bancos da

emergência do hospital. Percebi, naquele momento, que elas já se conheciam

de outros jogos e campeonatos, pois conversavam amigavelmente. No tempo

em que ficaram aguardando atendimento comentaram sobre a partida, sobre

as colegas, sobre os homens que ficaram gritando. Sofia, jocosamente, afirmou

que ela era mais macho que eles, sim, e que, sem dúvidas, pegava mulheres

mais bonitas do que eles (pegavam). O futebol tende a ser associado – mesmo

entre as jogadoras - às preferências, às atividades e às formas de ser homem.

Separo ainda duas cenas etnográficas que considero essenciais para

evidenciar como as associações entre masculinidades e as noções de raça,

classe e gênero se inserem na trajetória esportiva e de vida de mulheres

jogadoras.

A primeira cena ocorreu no ano de 2013, durante alguns dias de trabalho

de campo entre as jogadoras do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa.

Em uma das tardes, pude observar que muitos pais e mães acompanhavam os

treinos do lado de fora do campo, sobretudo quando as atletas em campo eram

menores de idade – era o caso das equipes Sub-13, Sub-15 e Sub-17. Em

campo, meninas de até 13 anos corriam e aqueciam antes de realizarem um

treino tático43 e, durante uma pausa concedida a elas, pude me aproximar e

perguntar como os familiares delas reagiam ao fato de elas jogarem futebol.

Uma das jogadoras – menor de idade à época, por isso tem seu nome

protegido aqui – me disse:

43 O treino tático tem por característica desenvolver a equipe – ou um atleta específico – a partir da prática de movimentações dentro de campo com o objetivo implementar estratégias durante o jogo.

163

“Quando eu comecei a jogar futebol, meus pais não gostavam não. Meus irmãos até jogavam comigo, mas me chamavam de maria-macho. Eu ficava muito triste, mas meu tio acreditou em mim, nunca me deixou desistir do meu sonho e hoje eu estou aqui” (Trecho transcrito do Caderno de Campo de Mariane Pisani).

Ao mesmo tempo em que dizia isso, a menina tomava um gole de água

e arrumava seus meiões para voltar ao campo, para continuar ali atrás de seus

sonhos.

A segunda cena aconteceu poucas semanas depois, ainda no COTP.

Naquele dia estava sendo realizada uma peneira44 e percebi que a quantidade

de pais e mães era maior do que nos dias de treino e jogo. Aproximei-me de

um grupo de pais, procurei ouvir o que eles conversavam entre si e perguntei o

que eles achavam de suas filhas jogando futebol. Uma mãe disse que não era

muito a favor da filha jogar futebol, mas se era o que ela queria “fazer o quê,

né?”. Já outro pai respondeu:

“Olha, a Gabriela – apontando para uma menina que disputava naquela tarde uma vaga para atuar no COTP – tem um irmão. Eu sempre investi pra que ele fosse o jogador de futebol da nossa família, sabe? Dava uniforme, chuteira nova, tudo do bom e do melhor. Mas ele não quis seguir o caminho do pai. É que eu fui jogador quando era mais novo, mas nunca consegui ficar famoso (risos). Então, eu achei que seria ele que levaria o futebol a sério, mas na verdade foi a Gabi, então estou aqui né, investindo nela. E enquanto ela estiver retribuindo essa dedicação, tudo bem” (Trecho transcrito do Caderno de Campo de Mariane Pisani).

Durante minha pesquisa de mestrado (PISANI, 2012), pude constatar

que as atletas com as quais convivi tinham muita dificuldade de conseguir um

44 Peneira é o momento em que o Clube/Equipe realiza a seleção de novas atletas para integrarem o elenco de jogadoras. É muito comum que peneiras, sobretudo no futebol masculino, possuam mais de 1000 jogadores inscritos, ao final do dia poucos deles serão selecionados para integrar o elenco, e por vezes, nenhum deles o é.

lugar adequado para treinar desde crianças. Quando favoráveis à prática, pais

e mães não conseguiam matriculá-las em escolinhas de futebol/futsal para

aperfeiçoar a técnica e desenvolver habilidades. Ou seja, as meninas não

encontram espaços adequados de treino que possam recebê-las. Muitas das

mulheres jogadoras de futebol começam suas trajetórias esportivas

tardiamente, entre os 13/15 anos e, como característica comum entre elas,

iniciam jogando bola com irmãos, primos ou vizinhos geralmente mais velhos.

Já os meninos, segundo elas, podem frequentar essas escolinhas desde muito

cedo – desde os 4/5 anos, geralmente (PISANI, 2012).

A socióloga Audrey Robin (2008), que estuda futebol de mulheres em

camadas populares dos subúrbios da França, utiliza uma categoria para

explicar esta aposta dos pais na carreira das meninas – o que é algo não usual

na maioria das vezes: ‘garçon manquant’, ou garoto ausente/inexistente. 45

Segundo a autora, ausente um filho homem, é aceitável que uma filha assuma

o papel social do filho. Assim, todos os integrantes da família investem nela e a

apoiam, para que ela assuma áreas da vida social classificadas como

masculinas. Assim, as jogadoras “respondem de alguma maneira aos desejos

dos pais de possuírem um descendente homem” (ROBIN, 2008, p. 123).

Trouxemos essas duas cenas enográficas uma vez que todas as

jogadoras do COTP, com as quais tive contato em 2013, eram negras e, em

sua grande maioria, provenientes de bairros mais pobres da cidade de São

Paulo. É importante destacar como entre essas mulheres – negras e das

classes mais baixas - o futebol passa a ser aceito, praticado e incentivado,

visto que pode trazer alguma mudança estrutural em suas vidas e na vida dos

parentes mais próximos. Nesse sentido, alguns pais das jogadoras da ASAPE

também incentivavam suas filhas a jogarem futebol. Ganhar dinheiro e mudar a

realidade familiar – característica tão comum entre jogadores homens (PISANI,

2010) - torna-se um projeto a ser concretizado através do futebol; e na

ausência de um filho homem que faça isso, elas podem ocupar esse espaço

(PISANI, 2012).

45 Tradução livre.

165

É preciso lembrar, contudo, que as jogadoras mulheres mesmo que

alcancem o maior posto que uma atleta da modalidade pode alcançar, ou seja,

mesmo que elas atuem pela Seleção Brasileira de Futebol Feminino, não

ganham tanto dinheiro quanto um atleta homem que jogue, também, pela

Seleção Brasileira de Futebol.

A socióloga Maria Ignez Silveira Paulilo (1987) nos fala sobre a

diferenciação que existe ao denominarmos e rotularmos os tipos de trabalho.

Trabalho leve seria aquele realizado por mulheres, portanto menos valorizado e

menos rentável financeiramente; já trabalho pesado seria todo tipo de atividade

desenvolvida pelos homens, bem remunerado e valorizado socialmente. O

ponto que a autora traz para a discussão é que as “profissões consideradas

femininas têm remuneração sempre inferior àquelas consideradas masculinas.

Mesmo em profissões iguais e cargos iguais, os dois sexos têm remunerações

distintas” (1987, p. 67). Maria Cristina Aranha Bruschini (1998) lembra-nos

também que, dentro da manutenção de um modelo de família patriarcal, as

mulheres ainda são responsáveis pelas atividades domésticas e a necessidade

de articular papéis familiares e profissionais limita a disponibilidade das

mulheres para o trabalho.

Muitas das jogadoras vivem essa distinção do peso (PAULILO, 1987) do

trabalho no seu dia a dia. Ao compararmos os salários entre os melhores

jogadores do mundo veremos uma disparidade. Marta Vieira da Silva,

futebolista brasileira eleita por cinco vezes a melhor jogadora de futebol do

mundo pela FIFA recebe, mensalmente, aproximadamente 2 milhões de

reais46. Enquanto Lionel Messi, futebolista argentino também eleito por cinco

vezes o melhor jogador de futebol do mundo pela FIFA, especula-se faturar

aproximadamente 10 milhões de reais mensais47. O salário de ambos ainda é

acrescido de pagamentos de direitos de imagem, prêmios por produtividade,

patrocínios e contratos de publicidade.

46 Disponível em: <http://blog.esportudo.com/top10-jogadoras-mais-bem-pagas-do-futebol-feminino>. Acesso em: 25 nov. 2017.

47 Disponível em: <http://www.goal.com/br/notícias/quanto-dinheiro-tem-lionel-messi-e-quanto-o-craque-do/ulkhz8wmvwt01opnzo5kbx9zj>. Acesso em: 25 nov. 2017.

Apesar de receberem salários multimilionários, tanto Marta quanto Messi

ainda são exceções no mercado futebolístico. A maioria dos/as jogadores/as de

futebol recebem baixos salários e entre as mulheres a situação torna-se um

pouco mais grave. Realizando uma comparação, em termos percentuais, entre

o salário de uma jogadora que atuou na posição de atacante titular (por uma

equipe do estado de São Paulo) no Campeonato Brasileiro de Futebol

Feminino de 2016 e o salário recebido por um atacante reserva (também de

uma equipe do estado de São Paulo) e que também atuou no Campeonato

Brasileiro de Futebol de 2016, veremos que a jogadora recebeu apenas 2% do

salário dele. A mesma proporção desigual se repete entre os salários

multimilionários de Marta e Messi e entre os salários mais modestos de atletas

que joguem um campeonato nacional brasileiro.

As atletas percebem a diferença do peso do trabalho ainda quando

estão em plena atividade esportiva. Ao longo dos últimos anos trabalhando

com mulheres jogadoras de futebol, ouvi incontáveis vezes delas que:

“um pai prefere que seu filho jogue bola ao invés de fazer faculdade, afinal se o menino estudar e se formar, ele não será nada além de um funcionário comum, será como tantos outros que fizeram a mesma faculdade. Contudo, caso se destaque no futebol, vai ser milionário, famoso e reconhecido. Já as meninas precisam jogar bola e estudar, pois nunca irão despontar em uma carreira que não é reconhecida como profissão de mulher, e mesmo que despontem será algo efêmero, o que não garantirá o sustento até o final da vida” (PISANI, 2012).

Há uma diferença crucial que paira entre futebolistas brasileiros:

enquanto as jogadoras brasileiras não podem contar com o acréscimo em seus

salários de direitos de imagem, prêmios, patrocínios e contratos de publicidade,

a grande maioria dos jogadores brasileiros pode – e mesmo depois de

encerrarem suas carreiras esportivas continuam associando sua imagem e

nome a grandes marcas nacionais e internacionais .

167

Considerações sobre as noções de raça no futebol de mulheres

Isso posto, voltamos à questão levantada pelo jornalista da BBC, Jason

Margolis em capítulo anterior, que ao observar as atletas do COTP pergunta se

aquelas jogadoras, por serem negras, eram também de famílias de baixa

renda. Ao que lhe respondemos: classe e raça precisam ser pensadas em

articulação quando se escreve sobre futebol brasileiro, na medida em que os

significados que o futebol imprime na vida de uma jogadora varia e se

diferencia de acordo com a sua origem social e a cor de sua pele . A maioria

das mulheres etnografadas nessa tese era negra e pertencia às classes menos

favorecidas economicamente da sociedade brasileira; e, grande parte dela,

percebia no futebol uma possibilidade de subverter situações de pobreza e

violência.

Mulheres brancas também foram etnografadas e também jogam futebol,

é claro. As jogadoras do Pelado Real Futebol & Arte, por exemplo, são

mulheres brancas e de classe média. Para elas, o futebol adquire um caráter

lúdico, uma vez que permite a prática de alguma modalidade esportiva; de

empoderamento, uma vez que permite que elas se coloquem na modalidade e

realizem disrupturas entre futebol e noções de masculinidades tão presentes

no pensamento social do brasileiro; e de manutenção e desenvolvimento dos

cuidados de si (FOUCALT, 2014), uma vez que lhes propicia momentos em

que cultivam corpos mais magros, esbeltos e definidos pela prática

futebolística. Vemos aqui retomado, depois de quase 80 anos, o discurso da

década de 1930: o futebol era um esporte de lazer para homens brancos; e

para os homens negros, era uma possibilidade de ganhar dinheiro.

À exceção das atletas do Pelado Real Futebol &Arte, vimos que as

relações raciais entre as jogadoras etnografadas, às vezes, tinha um tom de

jocosidade. Chamavam-se mutuamente de negrinhas; faziam piadas com os

cabelos crespos, chamando-os de cabelo ruim; por vezes, o tom era sério e

duro quando teciam comentários racistas dizendo “não se pode confiar em

negro para fazer nenhum tipo de trabalho sério”. Sempre permaneci em

silêncio durante esses momentos. Certa vez, uma jogadora afirmou para mim

que possuía o cabelo ruim, apenas me limitei a dizer que cabelo crespo é lindo,

que o meu era crespo e eu adorava. Ela riu e negou veementemente dizendo:

“você fala assim porque o seu cabelo é crespo, mas é bom”. Ao meu cabelo

crespo somavam-se outras características como por exemplo pele branca,

olhos verdes, cabelos ruivos.Todas as atletas da equipe possuíam cabelos

alisados e, além disso, tomavam muito cuidado antes de entrar em campo:

passavam protetores solares fator 50 para não ficarem com a pele ainda mais

escura.

Um dado interessante a se observar e que nos ajuda a articular os

Marcadores Sociais de gênero e raça é o indicador de vulnerabilidade social.

De acordo com os dados do CEM/CEBRAP, ele é presente onde mulheres são

chefes de família. Tanto entre as jogadoras brancas, quanto entre as jogadoras

negras havia mulheres que sustentavam suas famílias. Contudo as noções de

vulnerabilidade apresentadas pelo CEM/CEBRAP marcam somente como

mulheres vulneráveis as moradoras negras, de classes mais baixas e

residentes nos espaços compreendidos como periferias da Cidade de São

Paulo (CEM/CEBRAP, 2004).

Uma das jogadoras de futebol dessa etnografia, negra e residente em

uma dessas periferias, morava à época na mesma casa que suas cunhadas

(os irmãos da jogadora haviam abandonado as ex-mulheres com os filhos) e

quatro sobrinhos. Essa atleta desempenhava, segundo ela própria, com muito

orgulho e alegria, o papel de homem provedor daquela família. Era ela quem

sustentava a todos com sua força de trabalho assalariado – para além do

futebol, ela trabalhava em uma loja de fast food da cidade. Ela se referia aos

irmãos de modo pejorativo, associando a cor da pele dos mesmos à falta de

comprometimento em criar e sustentar os filhos.

Assim como na discussão sobre questões de gênero, aqui também

encontramos e diferenciamos três esferas de discursos envolvendo questões

raciais nas quais as mulheres negras foram alocadas ao longo do tempo. As

duas primeiras não encontramos ao longo do trabalho de campo, mas terceira

esfera pode-se comprovar a partir do material etnográfico:

169

A mulher negra, mais velha, percebida e retratada através da

figura da “mãe preta”. Descrita por características como passiva,

acomodada e preguiçosa;

A mulher negra e jovem ora aparece sob o discurso da mulata

hipersexualizada, disponível e acessível às investidas sexuais dos

homens;

A mulher negra transgressora da ordem social/cultural – seja pelo

viés de gênero, ou da sexualidade, como veremos no próximo

tópico – aparece descrita na chave da bestialização (como o

exemplo da ‘fera’ descrita na Revista Placar).

Pode-se afirmar, portanto, que durante a etnografia no contexto

esportivo, as duas primeiras caracterizações da mulher negra estão ausentes.

As mulheres negras futebolistas são geralmente identificadas na chave da

bestilização: feras, perigosas, macacos que deveriam estar em jaulas. Assim

como as mulheres negras observadas por McClintock(2010) no período

colonial, as jogadoras negras são rebaixadas ao protótipo humano anacrônico

da infantilidade - perigosas meninas -, bem como têm seus corpos

bestializados a partir de múltiplos discursos - e que as feras voltem às jaulas;

raspa o pelo desse macaco. A exotização e a bestialização do corpo da mulher

negra são práticas recorrentes na cultura ocidental, como pudemos ver aqui

descrito.

Na década de 1980, encontramos numa revista de circulação nacional,

sem o menor pudor, matérias esportivas que incitam ou ao menos lembram a

prática humilhante de submeter mulheres negras, jogadoras de futebol, a um

tratamento destinado aos animais. Pouco mudou, entre os anos de 2013 e

2017, visto que as mulheres negras dessa etnografia continuam a ocupar

posições subalternas na sociedade brasileira, continuam enfrentando uma série

de violências cotidianas sobre seus corpos, seu intelecto, seus desejos e suas

escolhas.

Lesbianidade em campo: afeto e desejo entre jogadoras de futebol brasileiras O Brasil conta com algumas produções acadêmicas sobre lesbianidades

que podem ser divididas e apresentadas da seguinte maneira: a) mulheres

lésbicas na literatura (HOLANDA, 2015; FACCO, 2003); b) maternidade entre

mulheres lésbicas (GROSSI, 2003; FARIAS, 2012); c) métodos reprodutivos

entre mulheres lésbicas (AIRES, 2012; AMORIM, 2013; SILVA, 2013); d)

mulheres lésbicas e raça (MEDEIROS, 2006; MARCELINO, 2011); e) afeto,

desejo e sexualidade entre mulheres lésbicas (PIASON, 2009; MEINERZ,

2011; OLIVEIRA, 2016), f) sociabilidade entre mulheres lésbicas (LACOMBE,

2005); g) política e diversidade para mulheres lésbicas (FACCHINI, 2010).

Esse material bibliográfico pode ser encontrado nas áreas de Letras e

Literatura, Sociologia, História, Antropologia, Psicologia, Direito e Saúde.

Durante os anos de pesquisa com futebol de mulheres, fui convidada

algumas vezes para proferir palestras sobre esporte e prática esportiva.

Algumas vezes, pude contar na plateia com algumas das minhas interlocutoras.

Um dia, em uma dessas apresentações, ao comentar sobre as particularidades

do universo futebolístico das mulheres, abordei questões sobre gênero, raça e,

sobretudo, de sexualidade. Em dado momento mencionei que era prática

comum jogadoras irem aos jogos acompanhadas das suas namoradas e

companheiras; pelo que percebi são essas mulheres que compõem a torcida

animada da maioria dos jogos de futebol feminino.

Ao final da minha fala, uma das interlocutoras que estava me ouvindo,

se aproximou e, de maneira particular, me disse: “Mari, falar que no futebol

feminino há homossexualidade pode trazer alguns problemas pra gente. Depõe

contra a nossa modalidade e o esporte de maneira geral. As pessoas

entendem que mulher com mulher é uma coisa horrível, abominável. Você

precisa pensar bem como vai abordar esse tema...”. Naquele momento, percebi

171

que abordar sexualidade feminina dentro da prática esportiva do futebol era um

tabu que precisava ser trabalhado com delicadeza e cuidado.

Dessa forma, precisei pensar em estratégias para abordar a temática da

sexualidade nessa tese. Nesse sentido, as cenas etnográficas desse trabalho

só podem ser revividas e apresentadas nesse momento, depois de um longo,

extenso e variado trabalho de campo. Deixo claro que as cenas que aqui trago

não foram vivenciadas apenas durante os anos de doutorado, elas incluem

também cenas vividas durante o mestrado e que não puderam ser trabalhadas

naquela época, bem como incluem histórias relatadas por outras pessoas do

meio futebolístico, ex-jogadoras e jornalistas, sobretudo. Ainda nesse sentido,

troco os nomes das atletas e não as localizo geograficamente, uma vez que

falar sobre lesbianidades – localizando, geográfica e socialmente as jogadoras

– poderia trazer-lhes inúmeros problemas pessoais, como desavenças com

familiares que não aceitam esse tipo de sexualidade; patrocinadores que se

recusam a associar sua imagem às mulheres que fogem ao padrão

heteronormativo no qual a performance de gênero da mulher, a sexualidade

heterossexual e a corporeidade do que se entende por feminina precisam estar

em perfeita consonância (BUTLER, 2002); imprensa que macula a imagem de

mulheres atletas, sobretudo atletas lésbicas e negras.

De maneira breve, o conceito de heteronormatividade defende o modelo

heterossexual de prática sexual como o único possível, correto e desejado. É a

partir da teoria Queer, e dos/as seus teóricos/as, que passamos a compreender

que esse modelo trata-se de uma construção que normatiza as relações

sexuais, afinal os estudos Queer contestam a heteronormatividade homofóbica

que serve de base para a associação entre heterossexualidade e reprodução

(LOPES, 2002). A filósofa Judith Butler, a partir da teoria da performatividade,

nos ajuda a desconstruir as noções de que existem sexualidades corretas e

desejadas e/ou sexualidades indesejadas e desviantes. Como visto ao longo

desse capítulo, “o gênero é performativo porque é resultante de um regime que

regula as diferenças de gênero. Neste regime, os gêneros se dividem e se

hierarquizam de forma coercitiva” (BUTLER, 2002, p. 64). A teoria da

performatividade busca compreender, portanto, como a partir da divisão e

hierarquização dos gêneros os sujeitos elaboram e constroem suas

subjetividades dentro de normas pré-estabelecidas: mulheres, padrões

femininos de comportamento e heterossexuais; homens, padrões masculinos

de comportamento e heterossexuais. Quem, assim como as jogadoras de

futebol, está fora desse enquadramento das normas sofre as consequências.

As jogadoras Carla e Talita sempre entravam nos vestiários de mãos

dadas, demonstrando muito afeto entre si. Enquanto Carla se trocava, Talita

protegia o corpo da companheira dos olhares das outras jogadoras da equipe.

Essa prática, depois, vi ser bastante comum entre jogadoras de futebol que

namoram e atuam no mesmo time. Enquanto as solteiras trocam-se na frente

das demais companheiras, as que possuem relacionamentos trocam-se no

reservado do banheiro e, na ausência deste, as namoradas protegem o corpo

da amada dos olhares das outras. Pude observar também que quando a

jogadora em questão possui uma namorada fora da equipe, ela geralmente

comparece ao jogo e aos treinos já equipada com o material esportivo, não se

trocando, dessa forma, na frente das companheiras de equipe nem no começo

e nem ao final da partida.

Vale ressaltar que as jogadoras não ficam completamente nuas nos

vestiários, elas trocam apenas o uniforme do jogo/treino. Elas mantêm o short

de lycra que fica por baixo do calção do uniforme e por cima da calcinha, bem

como o top ou sutiã reforçado que protege e sustenta os seios na hora da

prática esportiva. Apenas uma vez presenciei duas jogadoras despindo-se por

completo. Nessa ocasião, o casal em questão despiu-se e entrou no mesmo

chuveiro. Quase que imediatamente, todas as demais companheiras de equipe

saíram do recinto. Fui convidada pelas que saíam, entre risos, a me retirar

também.

Dois anos depois, reencontrei Carla e perguntei como ela estava e como

estava Talita. Ao que ela respondeu: “Talita e eu não estamos mais juntas,

você não sabia? Ela se casou com um homem, poucos meses atrás e teve um

173

filho. Estou namorando outra pessoa atualmente”. No ano de 2016, soube que

Carla se casou com sua nova namorada, também jogadora de futebol.

Em uma noite de sábado pós-jogo, fui convidada a assistir a um dos

capítulos da telenovela “Em Família” (Globo, autor Manoel Carlos, 21hrs) na

casa de um casal de jogadoras, Carolina e Juliana. A casa delas, situada em

um bairro periférico, era composta por três cômodos: o banheiro, a lavanderia e

o cômodo que servia como sala, quarto e cozinha. Nesse cômodo maior, que

deveria ter aproximadamente 10m², havia um fogão, uma pia, uma mesa, uma

cadeira e um sofá-cama.

Dessa forma, eu, o casal e outras colegas das jogadoras da equipe nos

arrumamos no cômodo. Algumas ocuparam o sofá-cama e a cadeira

existentes, a maioria, contudo, ficou sentada no chão – eu, entre elas. Todas

prestávamos muita atenção à telenovela, exibida no horário nobre da Rede

Globo de Televisão48. Na trama, um casal de lésbicas – interpretadas pelas

atrizes brasileiras Giovanna Antonelli e Tainá Müller – protagoniza cenas de um

amor em descoberta. A personagem Clara, interpretada por Giovanna, era

casada com um homem (interpretado pelo ator Reynaldo Gianecchini) e,

depois de quase vinte anos de relacionamento com ele, percebeu-se

apaixonada pela fotógrafa, Marina – personagem de Tainá.

Durante as cenas em que as duas personagens declaravam-se, prestei

atenção ao comportamento das jogadoras. Os casais da equipe estavam de

mãos dadas ou mesmo abraçadas – comportamento não observado dentro dos

campos de jogo e treino. Depois que a novela acabou, Ana Paula e Mariana

vieram conversar comigo sobre relacionamentos, sexo e sexualidade. Ambas

me contaram as primeiras vezes que se apaixonaram e que se envolveram

com outra mulher. A tese de Almeida (2003) mostra como os espectadores de

novela usam essas narrativas para discutir e refletir sobre suas vidas pessoais,

48As relações entre a telenovela “Em Família”, gênero e sexualidade tornaram-se bastante explícitas a partir dessa passagem etnográfica e serão futuramente analisadas em trabalhos posteriores. Elenco aqui a tese de doutorado de Heloisa Buarque de Almeida (2001) como leitura fundamental para a compreensão da importância das telenovelas na sociedade brasileira no que diz respeito às questões de consumo e gênero.

e como a presença de temas sobre sexualidade e gênero na novela permite ao

pesquisador discuti-los esses temas com seus interlocutores de pesquisa.

Mariana, negra, 27 anos, afirmou que sempre foi lésbica, desde criança

se sentia atraída pelos corpos das colegas de escola. Então, segundo ela, não

se surpreendeu quando trocou seu primeiro beijo e teve sua primeira relação

sexual com uma mulher. Segundo ela, até tentou sair com homens durante a

adolescência, mas a simples ideia de ser tocada por um já a deixava deprimida

e com nojo. Mariana contou ainda que já havia sido casada49, e morara por

dois anos com a ex-companheira. A maior decepção da vida dela foi quando,

ao voltar do trabalho, encontrou a ex com a melhor amiga do casal. Mariana

pediu que as duas se retirassem e nunca mais as viu. Atualmente, Mariana

parou de jogar futebol, mas não saiu dos campos. Ela atua como auxiliar de

arbitragem e namora uma colega de trabalho, também auxiliar de arbitragem.

Elas se conheceram durante os cursos de arbitragem e, geralmente, apitam

juntas partidas de futebol feminino e masculino.

Ana Paula, negra, 19 anos, me contou que apesar de ter iniciado sua

vida sexual com um homem e ainda ficar50 com homens, o grande amor de sua

vida era uma garota com quem tinha se envolvido durante a adolescência.

Infelizmente, segundo Ana Paula, essa garota não era assumida 51 para a

família, por isso a jogadora nunca pode participar mais ativamente do seu

cotidiano, uma vez que fora apresentada à família da ex-namorada como

amiga. Ana Paula continuou a narrativa contando que, um dia, a mãe da ex-

namorada descobriu o relacionamento e isso gerou um conflito imenso. A mãe

da ex-namorada, que segundo Ana Paula era muito homofóbica, proibiu-as de

se verem e de manterem um relacionamento. “Não durou dois meses depois

49 Ser casada, nesse contexto, não implica um casamento formal ou presença de um documento oficial que certifique a união. Significa morar junto, na mesma casa, dividindo o cotidiano.

50 Ficar significa beijar, conhecer a pessoa fisicamente, podendo acontecer intercursos sexuais ou não.

51 Assumida, ou assumir-se, significa deixar evidente aos familiares, amigas(os) e conhecidas(os) que é homossexual. Algumas vezes elas usaram a expressão “sair do armário” com o mesmo significado.

175

que a mãe dela descobriu. Minha ex apareceu grávida de um cara qualquer

pouco tempo depois. Teve que largar a escola, procurar um trabalho. E eu

chorei muito quando descobri isso, fiquei de coração arrasado, mas nunca mais

a procurei”, diz Ana. “Acho que hoje a mãe dela deve pensar que se ela

estivesse comigo, pelo menos não estaria grávida e nessa situação, não é?!”,

conclui.

A história de Ana Paula era conhecida pelas demais companheiras de

equipe, e à medida em que a ouviam narrando para mim, começaram a se

aproximar. Se antes Ana Paula e Mariana narravam episódios de desventuras

amorosas, logo Fernanda e Sylvia juntaram-se à conversa para me explicar,

em tom de diversão, como funcionavam as terminologias que elas usavam

entre si nos momentos de pegação. Pegação é como elas chamam os

momentos de flertes que acontecem em festas ou outros eventos sociais onde

várias mulheres lésbicas se encontram – mas o termo é mais comum entre

jovens e não se restringe ao universo homossexual. Dessa forma, a pegação

começa com o flerte - uma sondagem do possível interesse da outra parte – e

termina com a troca de carícias, beijos e até mesmo relação sexual. É a partir

dos momentos de pegação que elas determinam quem são as mulheres para

namorar e quais não são.

Os espaços físicos onde a pegação acontece são aqueles onde as

mulheres lésbicas se sentem confortáveis para exercer sua sexualidade, sem

medo de reprimendas ou punições. As jogadoras elencaram como lugares

propícios para a prática da pegação os churrascos e festas na casa das amigas

de equipe; os encontros em alguns parques da cidade onde existe a forte

presença LGBT; vestiários e competições de futebol feminino; e, menos

comum por causa da presença de homofóbicos, as festas nos bairros onde

moram.

Durante a pegação, segundo as quatro atletas, havia uma separação

clara entre comportamentos sexuais esperados: alguns mais aceitos e

estimulados, outros menos aceitos e reprimidos. Uma lésbica que possua um

estilo bofinho - mulher que possui jeitos de vestir, falar, se relacionar e se

comportar mais despojado e frequentemente associado àquilo que se

compreende por masculinizado, a exemplo da jogadora Carla, segundo elas - é

valorizada e pode se relacionar com várias mulheres sendo chamada e

positivada como cachorreira52. Ainda segundo as atletas, as lésbicas bofinhos

são aquelas que geralmente realizam a performance ativa no momento do

sexo: elas fazem sexo oral na companheira e a penetram, utilizando os dedos

ou brinquedos eróticos. Ouvi relatos de algumas das jogadoras bofinhos, ao

longo dessa etnografia, que nunca haviam recebido sexo oral e isso não era

algo que fazia falta, ou mesmo que deveria fazer parte da performance sexual

de suas companheiras. A penetração vaginal também não é concebida por elas

como algo essencial no intercurso sexual. As lésbicas bofinhos são valorizadas

e desejadas para relacionamentos estáveis como namoros e casamentos.

Às lésbicas mais femininas53 existe uma série de restrições, interditos e

imposições: roupas curtas ou com decotes são reprovadas pelas possíveis

parceiras; unhas e cabelos precisam estar bem cuidados, e a utilização de

maquiagem mais leve, como um batom rosa e rímel, é aceita. Segundo as

quatro atletas, em concordância: “não há nada mais atraente do que uma

mulher que sabe cuidar de si, que tem as unhas feitas, cabelo bonito e sabe

usar batom!”. As lésbicas femininas não podem possuir muitas parceiras –

concomitante ou alternadamente - sob o risco de serem consideradas fáceis.

Nesse sentido, podemos afirmar que há uma reprodução do estilo de casal

heterossexual, com o elemento “feminino” sendo mais vigiado em termos de

moralidade sexual. Caso uma lésbica feminina tenha muitas parceiras, esta

não é cogitada como primeira escolha de namoro e relacionamento. Os

argumentos para a negação são que elas, as lésbicas femininas, atraem para

si muitos olhares de cobiça e flertes de outras mulheres e também de homens,

o que causaria constantes desavenças, ciúmes e brigas entre o casal. As

52 Mulher que se relaciona, afetiva e sexualmente, com várias mulheres. Contudo, sem recair sobre ela a conotação negativa de possuir múltiplas parceiras.

53 Feminina aparece aqui como categoria analítica, na ausência de uma categoria êmica entre as jogadoras dessa etnografia. Essa categoria analítica foi escolhida, também, para realizar uma contraposição às lésbicas bofinhos, que são percebidas, pelas jogadoras, como detentoras de uma performance mais masculinizada.

177

mulheres bissexuais entram, quase que automaticamente, nessa última

restrição imposta às lésbicas femininas. Elas são percebidas, pelas lésbicas

bofinhos, como indecisas e pouco confiáveis, logo desejadas apenas para

relacionamentos sexuais, mas não amorosos.

Durante um dos dias da etnografia dessa tese, as jogadoras da equipe

que eu acompanhava à época estavam juntas e concentradas54 esperando por

uma importante partida que aconteceria no dia seguinte. Ao comando da

técnica, por volta das 22 horas, elas se recolheram para dormir. As luzes foram

apagadas e cada uma foi para sua cama, nos beliches que estavam dispostos

no quarto. No meio da madrugada, risos foram ouvidos. Sem sair da minha

própria cama, pude ver uma das atletas – considerada pelas demais como uma

lésbica feminina– entrando por baixo das cobertas da cama de outra jogadora.

Apesar de o cobertor protegê-las dos olhares das demais colegas de equipe,

algumas atletas começaram a rir e a fazer piadas sobre a situação. Quando ela

saiu da cama da companheira e, repetindo o processo, foi até a cama de uma

segunda jogadora, passou a ser objeto de escárnio das demais companheiras

de time. Ela trocaria de parceira sexual, naquela noite, ainda mais uma vez. A

situação acontecida na madrugada foi o estopim que levou a jogadora em

questão a ser chamada de puta e fácil, inclusive por aquelas com quem ela

transou na noite anterior. No dia seguinte, enquanto tomava café da manhã,

uma atleta chegou até mim e disse: “Tem gente que não se dá ao respeito!

Essas minas são todas umas putas mesmo”. Respondi dizendo que não sabia

do que ela estava falando, dando a entender que nada havia visto ou ouvido na

noite anterior e, portanto, encerrando a conversa.

As edições da Revista Placar de abril de 1996 e setembro de 1996,

ocupa-se em descrever o futebol de mulheres, bem como as próprias

jogadoras, a partir de uma perspectiva focada na sexualidade e na possível

homossexualidade das atletas.

54 Concentração diz respeito ao momento em que as jogadoras permanecem juntas convivendo e preparando-se para uma competição ou torneio importante.

Figura 32 - Reportagem da Revista Placar. Abril de 1996.

Na edição de abril de 1996, a chamada da reportagem diz: “Cuidado!

Piranhas! Elas não usam batons de cores berrantes, nem fazem fiu-fiu para o

primeiro que passa. Mas são, com muito orgulho, o primeiro e único time de

futebol de Piranhas”. E a reportagem começa com o seguinte tom:

“O time de futebol de Piranhas é um assombro. Quem pensa em um escrete formado por desavergonhadas jogadoras, erra feio. As garotas do time são tímidas, quase todas tem namorado firme e deixam, no máximo, transparecer uma leve quedinha pelos craques olímpicos Sávio, Juninho e Caio.” (REVISTA PLACAR, 1996a)

179

Figura 33 - Reportagem da Revista Placar. Setembro de 1996.

Já na edição de setembro de 1996, podemos encontrar o seguinte:

“Em 1983, jogavam América X Olaria. A centroavante do América, Verônica, perdeu dois gols incríveis, cara a cara com a goleira adversária. A partida terminou 0 x 0. Logo depois descobriram que Verônica estava namorando a goleira. (...) Durante uma partida entre as seleções de São Paulo e Paraná uma jogadora paranaense deslocava a todo instante para a lateral. Até que conseguiu entregar o seu número de telefone para a bandeirinha Silvia Regina de Oliveira, com a recomendação: ‘Me liga, tá?’ (...) Segundo os funcionários da Granja Comary, em Teresópolis, mesmo considerando os tempos de Romário e cia., as meninas dão muito mais trabalho do que os homens quando estão hospedadas por ali. ‘É um tal de uma trocar de quarto com a outra’, conta um deles. Prevenido, depois de ouvir histórias como essa, Ademar Junior, técnico das meninas no Mundial da Suécia, tomou uma atitude radical. ‘Virei zumbi’, afirma. ‘Ficava a madrugada inteira zanzando no corredor’.”(REVISTA PLACAR, 1996b)

O educador físico Jorge Knijnik nos lembra que “a vida no esporte é uma

vida homossocial. Atletas profissionais passam grande parte do seu tempo, a

maior parte dele, entre homens [no nosso caso, entre mulheres]. Constroem

amizades, relações, vínculos duradouros com outros homens [outras

mulheres]. Esses vínculos são homossexuais? Podem ser ou não” (2010, p.

328). Como em qualquer segmento da vida social, no futebol de mulheres

também existem homoafetividades, sejam estas realizadas entre corpos

feminilizados ou masculinizados. “Devemos distinguir identidade de gênero de

práticas afetivossexuais, porque a sexualidade é apenas uma das variáveis que

configura a identidade de gênero em concomitância com outras coisas, como

os papéis de gênero e o significado social da reprodução” (GROSSI, 1998, p.

12). Ou seja, é necessário que se rompa com os padrões heteronormativos de

construção de corpos e identidades.

Nesse sentido, A antropóloga Viviane T. Silveira e o antropólogo

Alexandre F. Vaz, ao escreverem sobre esporte, doping, gênero e sexualidade

entre mulheres atletas, apontam que:

“a partir dos Jogos Olímpicos do México, em 1968, quando uma mulher era flagrada com algum indício corporal de que poderia ter ingerido substâncias proibidas (crescimento de pelos, engrossamento da voz, diminuição dos seios, musculatura muito desenvolvida, amenorreia), passava a ser suspeita de doping e, além disso, sua identidade de gênero e sexual era questionada, tendo como pano de fundo uma questão moral. Ter um corpo que não promovesse os valores estéticos de uma feminilidade heterossexual ou que apresentasse falta de feminilidade era (e é) associado a noções estereotipadas de lesbianidade”(SILVEIRA; VAZ, 2014, p. 455–456).

Ao longo dos últimos anos de etnografia, pude acompanhar de perto

algumas mulheres que durante o período em que atuavam enquanto jogadoras,

envolviam-se apenas com mulheres. Muitas vezes repetindo o padrão das

181

lésbicas mais femininas, formavam casais com lésbicas bofinhos; e caso uma

precisasse mudar de equipe, a outra seguia junto – inclusive em mudanças

internacionais de clubes e equipes. Contudo, com alguma curiosidade,

acompanhei a trajetória de três dessas mulheres. Todas elas, assim que se

desligaram do meio futebolístico – por não ter mais idade para estar em campo

jogando - pararam de se envolver afetiva e sexualmente com mulheres. Essas

três ex-atletas atualmente estão casadas com homens e tiveram filhos. Nunca

tive a oportunidade de conversar pessoalmente com elas sobre esse fato, mas

acredito que as equipes de futebol podem funcionar como ambientes protetores

dentro do qual as jogadoras lésbicas são conhecidas e até protegidas. Essa

conclusão pode ser inferida também junto daquelas que permanecem jogando

futebol e reiteram sua identidade - por estarem amparadas nessa rede de

afetividades e sociabilidade lésbica - a partir das práticas sexuais e

comportamentos afetivos. Por outro lado, assim que elas saem da equipe e/ou

do clube e param de jogar futebol, a informação sobre sua orientação sexual é

filtrada ou mesmo invisibilizada. O autoapagamento da identidade lésbica

parece preferível à rejeição de outros. Além disso, os dados etnográficos

demonstram a dimensão relacional e contextual das práticas afetivas e sexuais

dos indivíduos. O futebol para essas mulheres foi um momento de

experimentações diversas, no qual a sexualidade fora dos padrões

heteronormativos pode ser vivida.

Considerações sobre as noções de sexualidade no futebol de mulheres

A prática esportiva do futebol pode ser compreendida como um espaço

onde a gestão política e técnica dos corpos, do sexo e das sexualidades é

realizada. Os trechos das reportagens da Revista Placar mostram as mulheres

futebolistas sendo constrangidas em suas sexualidades – seja heterossexual

ou homossexual - no espaço esportivo. Ademar Junior, técnico da Seleção

Brasileira de Futebol Feminino à época, patrulhava os corredores da Granja

Comary na tentativa de proibir que as atletas mantivessem relacionamentos

sexuais entre si. O editorial da Revista deixa explícito, também, que a

lesbianidade é um tabu e precisa ser controlada.

Na comparação com “os tempos de Romário e cia” – época em que os

jogadores promoviam encontros sexuais com mulheres durante os períodos de

concentração – a conduta sexual dos homens atletas era considerada menos

“trabalhosa” do que a das mulheres. Apesar de os homens fugirem da

concentração para manter relações sexuais com mulheres, nenhum técnico ou

integrante da comissão técnica postava-se nos corredores dos quartos

controlando a movimentação deles. Assim, nesse caso, a heteronormatividade

apresenta-se como significante para determinar quais condutas sexuais são

aceitas e permitidas (heterossexual dos homens) e quais não são aceitas e,

portanto, devem ser controladas (homossexual das mulheres). Essas últimas

precisando de vigília constante por parte da comissão técnica a fim de evitar

quaisquer demonstrações da sexualidade lésbica nos espaços de treino e jogo.

A sexualidade lésbica e o corpo masculinizado da mulher jogadora de

futebol sempre foram apresentados como argumentos restritivos à presença

delas em campo. O suposto perigo (DOUGLAS, 2014) que a masculinização

apresenta às mulheres a partir dessa prática desportiva, bem como a

jocosidade e a curiosidade frente à homossexualidade das mulheres nesse

esporte, se tornam evidentes também nos exemplos etnográficos.

A heteronormatividade, tão presente e arraigada no meio esportivo,

reflete-se na produção e nos modos que elas exercem suas sexualidades. Os

momentos de pegação exemplificam isso na medida em que as lésbicas

bofinho, mais masculinas, têm livre trânsito entre suas parceiras, podendo ficar

e se relacionar com várias mulheres, tornando-se mais desejadas com esse

comportamento e não atraindo com essa conduta quaisquer comentários

pejorativos nos espaços privados dos times, vestiários e outros espaços. Já as

lésbicas mais femininas são colocadas em uma perspectiva mais restritiva, na

qual elas precisam manter comportamentos sexuais mais contidos, sem

multiplicidade de parceiras. Ainda assim, as restrições direcionadas às lésbicas

183

mais femininas não as impedem que continuem se relacionando com mulheres

e que estabeleçam laços sexuais e amorosos diversos.

As exigências performáticas estabelecidas entre as próprias jogadoras,

destinadas às lésbicas femininas e às lésbicas bofinhos, existem para que nos

momentos da pegação elas consigam classificar-se em mulheres sexualmente

ativas e mulheres sexualmente passivas. Mesmo que no intercurso sexual

possa existir a fluidez das performances, em um primeiro momento é através

do corpo que elas conseguem dar o indicativo, para as futuras parceiras, do

que procuram ou esperam em uma relação sexual.

Interseccionalizando as categorias ou sobre o futebol enquanto meio de superação das desigualdades e violências

Existiram algumas situações e algumas temáticas que não esperava

encontrar em campo. Se inicialmente não pensava que questões de gênero e

sexualidade adquirissem centralidade nessa tese, depois de quase um ano de

contato as jovens jogadoras, e das inúmeras histórias de abuso e violência

sofridas ao longo de suas vidas, percebi que não poderiam passar ao largo

nesse trabalho. Duas histórias me pegaram de surpresa no instante em que as

ouvi. Levei algum tempo para processá-las emocional e psicologicamente

antes de poder descrevê-las. Tais histórias foram motivos de muitas lágrimas,

tanto pela dor da situação vivenciada por essas jovens mulheres quanto pelo

tom sofrido de desabafo e resignação com que foram contadas. Por outro lado,

parece importante contar aqui porque revela muito da vida delas e contribui

para explicar muito dos sentidos que elas atribuem à prática e à vivência do

futebol.

Jéssica – negra, de classe popular, moradora de periferia - tinha nove

anos de idade quando sua mãe – negra, classe popular, moradora de periferia,

diarista - resolveu casar-se novamente. O padrasto, que inicialmente parecia

um homem bom e trabalhador, trazia para a vida de Jéssica e de sua mãe o

conforto e a segurança que o ex-marido já não poderia mais trazer, uma vez

que estava preso. Com a chegada da pré-adolescência, e as mudanças

naturais do corpo feminino, Jéssica passou a chamar atenção do padrasto. Ele,

que estava desempregado e sob o pretexto de cuidar melhor de Jéssica,

começou a permanecer mais tempo dentro de casa com a jovem. A mãe de

Jéssica, para ajudar na renda familiar, buscou um trabalho remunerado e assim

passou a trabalhar fora de casa todos os dias da semana.

Foi nessa conjuntura que as situações de abusos e de terror

começaram. O padrasto esperava o momento em que a mãe de Jéssica saía

para trabalhar e abusava sexualmente da adolescente. Houve dias, inclusive,

em que ele buscou Jéssica mais cedo da escola para cometer os abusos. A

mãe, que chegava sempre tarde da noite muito cansada, nada percebia. Os

abusos e os estupros continuaram até que Jéssica completasse dezesseis

anos. Nesses quase cinco anos, ela contou que fez quatro abortos.

Paralelamente a isso, sua mãe também ficou grávida do seu padrasto e deu a

luz a duas crianças. O padrasto ameaçava matar os irmãos de Jéssica caso ela

contasse para alguém o que acontecia entre eles. Dessa forma, ela

permaneceu silenciada e com medo.

A situação teve fim no dia em que ao buscar Jéssica, mais cedo, na

escola, a mesma teve uma crise de choro e uma professora do colégio

percebeu que algo errado acontecia naquele relacionamento padrasto-enteada.

A mãe de Jéssica foi chamada à escola, mas não acreditou imediatamente na

história que a filha lhe contava com a ajuda da professora. Jéssica disse que,

naquela noite, depois que a mãe ficou sabendo dos abusos sofridos pela filha,

um amigo próximo da família chegou até a casa de ambas e perguntou como

elas gostariam de encerrar a situação: elas resolviam por conta própria,

denunciando o abusador e colocando-o na cadeia; ou preferiam receber ajuda

dele para lidar com a situação, ou seja, ele queria saber se elas desejavam que

o abusador fosse assassinado. Jéssica, assustada, alegou durante o relato que

pensou muito nos meio-irmãos - que precisariam crescer com o estigma de ter

tido um pai assassinado. O padrasto foi denunciado, pela mãe e pela filha, e

permanece preso até hoje. Jéssica não se sentiu confortável, nessa conversa,

para me contar como ficara o relacionamento dela com a mãe depois de toda

essa situação de violência vivenciada. Mas afirmou, categoricamente, que foi

185

apenas com o futebol, com a ajuda das amigas de equipe que conseguia

superar – cotidianamente - o trauma de ter sido abusada e que foi dissuadida –

permanentemente, segundo ela - da ideia de cometer suicídio.

Outra jogadora, a Sylvia, também me contou uma história de violência.

Assim como Sylvia, a irmã dela – que aqui chamo de Rafa – era lésbica e

também gostava muito de futebol. Elas sempre jogavam juntas, como uma

atividade de lazer entre irmãs, para passar o tempo. A mãe de ambas ficava

muito decepcionada e entristecida com Rafa, pois a jovem performatizava seu

gênero de maneira masculinizada: trajava roupas largas, não usava

brincos/maquiagem, possuía cabelos curtos, amarrava os seios com faixas

para que eles não aparecessem.

Sylvia não soube explicar ao certo as razões pelas quais Rafa foi

expulsa de casa, mas acredita que isso ocorreu porque Rafa arrumou uma

namorada e seus pais não aprovaram o relacionamento das duas. Não tendo

para onde ir, nem como se sustentar, a irmã de Sylvia envolveu-se com o

tráfico de drogas no bairro onde morava – como usuária e traficante também.

Infelizmente, Rafa passou a sofrer alguns abusos dos traficantes com os quais

trabalhava, por conta da sua orientação sexual e performance de gênero. Não

demorou muito tempo até que ela fosse assassinada, segundo Sylvia, por

dívidas de droga.

Há uma clara indicação para mim, no relato da jogadora, de que sua

irmã estava começando o processo de mudança de identidade de gênero e que

foi assassinada, não somente pela dívida de drogas, mas também por causa

dessa mudança. A jogadora relata que a irmã não gostava de ser chamada por

seu nome de batismo e escondia os seios em faixas bem amarradas junto ao

corpo. Provavelmente, Rafa tornar-se-ia– se tivesse sobrevivido - um homem

transsexual. A atleta não deixa claro que tipos de abuso sua irmã sofreu antes

de ser assassinada, mas pelas histórias diárias de pessoas como Rafa,

podemos inferir que tenha sido espancada e, possivelmente, tenha sofrido

algum tipo de violência sexual – como um estupro “corretivo”, por exemplo.

Mas são suposições.

Esses dois relatos precisam ser analisados não apenas enquanto

eventos de trajetórias individuais de uma ou outra jogadora específicas. A

violência contra mulher faz parte de um quadro mais geral da sociedade

brasileira que indica e aponta as condições de vida e insegurança que as

mulheres estão expostas. O quadro de violências – simbólicas e físicas –

contra as mulheres é alarmante. No dia 08 de março de 2017, a Revista Exame

divulgou uma pesquisa realizada pelo Datafolha que traz alguns dados sobre a

temática. Segundo o Datafolha, uma em cada três mulheres sofreu algum tipo

de violência no ano de 2016. No Brasil, aproximadamente 503 mulheres são

vítimas de violência física a cada hora, o que totaliza, ao final de um ano, 4,4

milhões de mulheres agredidas. As mulheres negras perfazem 33% desse

total, seguido pelas mulheres pardas, 31%, e pelas mulheres brancas, 25%, os

11% restantes não tiveram a sua etnia informada.55

Para o sociólogo Pierre Bourdieu:

“A violência simbólica institui-se por meio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominador (logo, à dominação), uma vez que ele não dispõe para pensá-lo ou pensar a si próprio, ou melhor, para pensar sua relação com ele, senão de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo senão a forma incorporada da relação de dominação, mostram esta relação como natural; ou, em outros termos, que os esquemas que ele mobiliza para se perceber e se avaliar ou para perceber e avaliar o dominador são o produto da incorporação de classificações, assim naturalizadas, das quais seu ser social é o produto” (BOURDIEU, 2009, p. 41).

Os esquemas que produzem incorporação de classificações, dos quais

nos fala Bourdieu, dizem respeito às classificações de gênero, raça,

sexualidade e classe que regulam, classificam, permeiam e orientam a

organização do tecido social. Ao longo dos capítulos colocamos em evidência

uma série de violências simbólicas (BOURDIEU, 2009) sofridas por mulheres

55 Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/os-numeros-da-violencia-contra-mulheres-no-brasil/. Acessado em 08 de Março de 2017.

187

futebolistas: jogadoras são marcadas como incapazes de praticar a

modalidade, supostamente porque futebol é um jogo de homens; têm seus

corpos fetichizados; são apelidadas de marias-macho, sapatões, feras e

macacos. Apesar da coação física não existir nesses casos, os danos morais e

psicológicos existem. Sobre violências simbólicas, a cientista social Tânia

Rocha de Andrade Cunha nos mostra que:

“as mulheres, que, historicamente sempre foram consideradas como o sexo frágil, têm sido o principal alvo de humilhação. Elas são uma das piores vítimas de violência por parte dos homens. E isso ocorre não somente porque a sociedade legitima o poder masculino, mas também porque o homem tem necessidade de afirmar-se como o sexo forte, o sexo poderoso” (CUNHA, 2007, p. 27).

Os dados que trouxemos aqui nos mostram que essas violências

simbólicas partem de homens: pais, irmãos, torcedores, técnicos, jornalistas e

até mesmo das confederações que regulam a modalidade (que são geridas e

organizadas por homens!). Bourdieu nos fala ainda que a violência simbólica

relaciona-se com um processo mais profundo de conhecimento e

reconhecimento dos sujeitos (2009). Para ele a dominação masculina é uma

forma bastante peculiar de violência simbólica uma vez que ela promove a

divisão dos espaços físicos em “masculinos” e “femininos”; bem como permite

a elaboração de classificações que promovem e reforçam as desigualdades

existentes entre homens e mulheres (2009).

Para além dessas violências simbólicas, algumas das mulheres dessa

etnografia também sofreram violência física, quer no âmbito privado da casa,

como o estupro sistemático realizado pelo padrastro de Jéssica acima relatado,

quer no espaço público, como o assassinato da irmã jogadora Sylvia. A

violência contra a mulher “é uma das formas de infração aos direitos humanos

mais praticadas e menos reconhecidas no mundo. É um problema de saúde

pública, que abala a integridade corporal e o estado psíquico e emocional da

vítima além de comprometer seu sentimento de segurança” (CUNHA, 2007, p.

37).

Sabemos que a complexidade da violência física enquanto ato, bem

como seus desdobramentos na constituição dos sujeitos, possui na literatura

das Ciências Humanas e Sociais, múltipla variedade de enfoques. Assim como

Bourdieu, ao falar sobre os esquemas que produzem violências simbólicas,

Andrade Cunha nos fala que para compreendermos o fenômeno da violência

contra mulher é preciso compreender que este é “reflexo da desigualdade

social, econômica e política que as instituições sociais perpetuam e recebe o

reforço das ideologias sexistas, classistas e racistas” (CUNHA, 2007, p.37).

Apesar de a violência contra mulher ser evidente e cada vez mais

presente em nossa sociedade, é preciso que se compreenda o fenômeno a

partir de uma perspectiva mais geral e que se aponte estratégias de

sobrevivência e de superação – das violências físicas e simbólicas - elaboradas

por mulheres – sejam elas negras ou brancas; crianças, jovens ou adultas;

lésbicas ou heterossexuais; moradoras da periferia ou do centro da cidade; das

classes mais baixas ou mais altas da sociedade brasileira. Foi a partir de

conversas com as atletas que compõem essa etnografia que pude vislumbrar o

quão significativo é pertencer a uma equipe de futebol. Estar inserida em uma

rede de apoio auxilia na superação das dificuldades da vida e ajuda a

ressignificar o lugar delas no mundo.

Nesse tempo que eu saí da equipe que perdi uma pessoa muito importante na minha vida. Seis dias antes do meu aniversário, perdi minha prima de uma forma brutal. Há uns dois, três meses, recebi uma ligação da técnica, pedindo pra eu participar de um campeonato na equipe dela. Acho que ela não sabe, que no momento mais difícil da minha vida, ela me tirou de um buraco. Minhas colegas de equipe não sabem que eu perdi minha prima, mas ganhei elas. Fiz amizades que hoje eu não troco por nada. Acho que a melhor coisa é você fazer alguma coisa e alguém te chamar de "orgulho". Eu acho que se eu não tivesse vindo pra cá, para esse time, acho que eu não ia escutar isso. Eu só posso agradecer por tudo que vocês (aponta para as colegas) vêm fazendo na minha vida. (Trecho do Caderno de Campo de Mariane da Silva Pisani, anos de 2013/2014)

189

Eu vejo que nosso sofrimento, nossa batalha, está cada dia mais fácil de conquistar. A gente vê. No apoio a gente vê (entre as colegas de equipe), como a pessoa abraça a gente, a gente vê. Então é isso que a gente tem que pensar.(Trecho do Caderno de Campo de Mariane da Silva Pisani, anos de 2013/2014) Então eu queria dizer que eu confio em cada uma das minhas colegas de equipe (...). Eu tenho cada uma aqui (aponta para o coração). Eu perdi uma irmã, mas eu ganhei uma família (Trecho do Caderno de Campo de Mariane da Silva Pisani, anos de 2013/2014) Eu tenho o sonho em fazer uma faculdade com uma bolsa de estudo referente ao futebol, e pretendo conseguir uma bolsa de futebol pro time inteiro.(Trecho do Caderno de Campo de Mariane da Silva Pisani, anos de 2013/2014) Muitas aqui sonham em ser uma grande atleta, sonham em ganhar com isso, eu não sonho. Meu sonho aqui dentro da equipe é ajudar a todas. Não é que eu não gosto de jogar. Gosto por diversão, gosto de estar aqui, gosto de dar risada. E me sinto super à vontade. Sou superfeliz. Me sinto ótima aqui, estando com elas. E, pra mim, é minha família! (Trecho do Caderno de Campo de Mariane da Silva Pisani, anos de 2013/2014)

Como vimos ao longo do capítulo, os Marcadores Sociais da Diferença

são constituídos e representados de maneiras diferentes segundo nossa

localização dentro de relações globais de poder e a nossa inserção nessas

relações globais de poder se realiza através de uma miríade de processos

econômicos, políticos e ideológicos distintos (BRAH, 2006, p. 341). Nessa

etnografia, os Marcadores Sociais da Diferença apresentam-se da seguinte

maneira:

Figura 34 - Infográfico dos Marcadores Sociais da Diferença. Elaborado por Mariane da Silva Pisani.

Identifico o Marcador de Gênero – indicado pela cor roxo-claro no

infográfico -, como sendo aquele que centraliza e aparece com maior

frequência nos discursos que versam sobre a modalidade e as praticantes do

futebol de mulheres. Nesse sentido, os discursos de Gênero que localizam a

mulher dentro desse esporte apontam sempre três direções: ora os discursos

são de cunho moralizante e restringem as mulheres ao espaço privado e do lar.

Criam-se leis baseadas nesses princípios, logo as mulheres permanecem no

Brasil, impedidas de jogar até meados da década de 1970. Ora os discursos

apelam para a saúde feminina. Nesse momento entram em cena os ovários, o

útero e a menstruação enquanto símbolos da maternidade que precisa ser

vivida – quase que de maneira compulsória – pelas mulheres; o futebol nesse

contexto é compreendido como um evento que afasta as mulheres da

maternidade, bem como deteriora o corpo delas para tal propósito. Os

hormônios e a TPM também são elencados nesse momento, uma vez que

supostamente “impediriam” a alta performance das mulheres que jogam

futebol. Por fim existem ainda os discursos fetichistas que se voltam para os

191

corpos das mulheres, agora designando-os enquanto objetos de atração e de

desejo sexual dos homens.

Contudo, o Marcador Social de Diferença do Gênero não pode ser

compreendido como a única matriz de explicação possível para as dificuldades

e entraves enfrentados por mulheres atletas nesse esporte. Os demais

Marcadores Sociais da Diferença, como a Classe (em amarelo), a Raça (em

vermelho) e a Sexualidade (em azul) apareceram imbricados ao longo desse

trabalho sempre que se falou de Gênero no futebol. São eles que modificam as

vivências das atletas e conferem níveis distintos de possibilidades – ou

impossibilidades – de se praticar futebol. Classe, Raça e Sexualidade, dentro

do contexto futebolístico de mulheres e quanto interseccionados, conferem

diferentes significados à prática futebolística na medida em que auxiliam na

formação de redes de afetividade e solidariedade diversas.

Na interseccionalidade entre Raça e Classe (1), constatamos que, se por

um lado o futebol para as mulheres brancas etnografadas nesse trabalho

(Pelado Real Futebol & Arte) é compreendido como momentos de lazer e

diversão, por outro lado, para mulheres negras, o futebol existe enquanto

possibilidade (mesmo que nunca se concretize) de profissão. É interessante

notar, também, como Sexualidade e Classe (2) se interseccionam nesse

momento produzindo novos significados para o futebol. Ainda nesse sentido,

mesmo que de maneira controversa, os espaços privados do futebol se

apresentam como possíveis para que mulheres negras, periféricas e lésbicas –

bofinhos ou femininas - possam exercer sua sexualidade de maneira um pouco

mais segura. À medida em que elas que criam laços amorosos, afetivos e de

solidariedade entre si, protegem-se, pois ampliam suas redes de proteção.

Estar inserida no meio futebolístico enquanto jogadora significa, portanto, estar

em contato com outras mulheres que dividem significados similares de vida e

que podem compartilhar vivências e experiências em comum. Já na

interseccionalidade entre Raça e Sexualidade (3), podemos constatar que a

mulher negra, jogadora de futebol é descrita sempre na chave da bestialização;

já a mulher branca – se for considerada “feminina” – é comumente retratada e

descrita como bela e é exposta nessa mídia como objeto sexual dos desejos

dos homens.

E quando interseccionalizamos todos os Marcadores Sociais da

Diferença (4), o que podemos deduzir?

Para a historiadora norte-americana Joan Scott, o conceito de gênero é

uma categoria histórica que se elabora a partir de relações sociais fundadas,

por sua vez, sobre as diferenças percebidas entre sexos; a partir dessas

relações sociais constroem-se relações de poder (SCOTT, 1995, p.21).

Quando a noção de masculino ou feminino é relacionada aos corpos,

culturalmente, um conjunto específico de funções sociais é estabelecido para

que o indivíduo as siga. Gênero, identidade de gênero e sexualidades são

construções sociais que se expressam nos corpos humanos e, partindo dessa

premissa, considero que os corpos das mulheres desportistas é um dos

campos de disputa dessas questões.

No início dos anos 2000, com intuito de controlar a participação nos

campeonatos das atletas que não se encaixavam dentro dos padrões

heteronormativos – nos quais, sexo fisiológico, gênero56, papel de gênero e

sexualidade precisam estar em consonância entre si (BUTLER, 2009) –

algumas medidas foram implementadas pelos órgãos reguladores da

modalidade – Federação Paulista de Futebol - que determinaram um padrão

estético requerido das atletas. Voltando aos campos de futebol, a mulher que

até então era associada a maternidade, a delicadeza e a submissão, aparece

agora exibindo um corpo atlético – não mais cheio de curvas -, correndo atrás

da bola, gritando com as companheiras e com as adversárias, competindo e

disputando a posse de bola lance a lance. Porém, em 2001 a Federação

Paulista de Futebol estabeleceu que para que uma atleta pudesse participar de

campeonatos precisaria apresentar signos de feminilidade: cabelos compridos,

56 Judith Butler problematiza se de fato o gênero se trata de uma construção cultural e o sexo um fator biológico. Para ela, o gênero não deve ser concebido como uma inserção cultural de significado em um sexo previamente dado, pois a categoria de sexo, segundo Butler não é necessariamente dada, ela é cultural e performtivamente construída. A autora ainda nos diz que a produção do sexo como um recurso pré-discursivo deve ser compreendida como efeito do aparato de construção cultural que designamos por gênero (2009).

193

corpo mais delicado e com curvas (KNIJNIK; VASCONCELOS, 2003). Notamos

então a tentativa de recolocar essas mulheres nas normas de gênero,

reforçando a dicotomia e reafirmando que futebol é um âmbito de

masculinidades. As mulheres que jogam futebol passam a ser associadas com

sua sexualidade, ou seja, elas até podem praticar o esporte, desde que

mantenham suas características femininas. Ou seja, no mesmo momento em

que a Federação Paulista de Futebol incentiva a prática e quer a presença

dessas mulheres em campo, seu discurso acaba por encaixá-las dentro de um

padrão feminino esperado – ou seja, produz-se ideais normativas.

Para estarem aptas a jogar, elas precisariam exibir corpos mais

femininos, ou seja: delicados, com curvas, cabelos e unhas compridas.

Precisariam inclusive, usar maquiagem e adequar-se ao padrão de uniforme

mais curto e justo. As mulheres consideradas masculinizadas – que

possuíssem cabelos curtos, usassem roupas largas ou agissem mais próximas

de uma performance esperada de um homem heterossexual - eram

sumariamente excluídas dos campos. As mulheres negras, que usavam

cabelos curtos, trançados ou raspados, também eram impedidas de entrar em

campo sob argumentos sexistas e racistas. Elas eram consideradas “feras que

deveriam permanecer presas em jaulas” (REVISTA PLACAR, 1983).

Para podermos discutir questões relacionadas ao processo de tornar-se

jogadora de futebol é preciso evidenciar algumas relações de gênero existentes

no meio esportivo, bem como problematizar – mesmo que brevemente – a

concepção de futebol como esporte de homem. Diz Fausto-Sterling (2002) que

inicialmente, nas Olimpíadas, as mulheres que participavam das competições

precisavam desfilar nuas diante de uma banca examinadora, esta daria um

parecer sobre a sua verdadeira feminilidade. Isso acontecia, pois acreditava-se

que o ato de competir não era características de mulheres de verdade – uma

mulher de verdade era caseira, recatada e sensível. Hoje em dia, apesar de

não precisarem desfilar nuas diante de uma banca examinadora, as mulheres

ainda são submetidas a exames de verificação de gênero e de sexo. Casos

recentes foram os testes aplicados às jogadoras de futebol que disputaram a

Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 2015 no Canadá57.

Logo, no senso comum o futebol é compreendido como um lugar

socialmente aceito para o ensino dos habitus masculinos. Uma mulher –

mesmo que ainda jovem – que adentra um campo de futebol, que participa de

torneios, que disputa lugares e posições em igualdade de condições com os

homens e ainda demonstra habilidades com a bola causa desconforto,

surpresa, estranheza, vira atração, uma vez que sua presença desconstrói e

desloca esse lugar de perpetuação de masculinidades. “Esses corpos e essas

práticas tensionam os olhares acostumados ao mesmo, pois desestabilizam

representações naturalizadas que colam no masculino e no feminino diversos

atributos, comportamentos, virtudes, atitudes... colam, ainda, diferentes

gestualidades, aparências e usos do corpo” (KNIJNIK, 2010, p. 9). A frase “é

muito macho para ser mulher”, elucida como a masculinização do corpo da

mulher esportista é perversamente apontada como um aspecto negativo. Uma

vez que evidente em seus corpos, podemos afirmar que não existe positividade

nas masculinidades vivenciadas por mulheres quando elas estão no espaço

público do mundo esportivo.

Contudo, as relações de masculinidades e feminilidades que se

estabelecem no futebol de mulheres precisam ser compreendidas enquanto

relacionais, fluidas e contextuais. Se na esfera pública jogadoras

masculinizadas são rechaçadas, no espaço privado, elas são desejadas por

potenciais parceiras. O contrário, com as lésbicas femininas, não acontece.

Elas não sofrem injúrias publicamente e não sofrem com a lesbofobia58 da

mesma maneira que as primeiras, contudo sua conduta sexual sofre o

57 SALLAS, Javier. Verificação do sexo, nova humilhação para as jogadoras de futebol. Publicado no Jornal Online El País. Disponível em.<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/01/ciencia/1433159953_245845.html>. Acesso em julho de 2015

58 Lesbofobia é uma série de atitudes e comportamentos hostis dirigidos às mulheres lésbicas, seja como indivíduos, como casal ou mesmo como um grupo social. Assim como a homobofia, a lesbofobia é a causa de muitas injúrias morais e agressões físicas que mulheres lésbicas sofrem em seu dia a dia.

195

escrutínio similar sofrido pelas mulheres heterossexuais no espaço público

quanto no privado. E seus corpos são expostos, de maneira hipersexualizada

em calendários, capas de revista e em outros momentos da prática esportiva.

A antropóloga Regina Facchini, ao escrever sobre a sexualidade das

mulheres das periferias na cidade de São Paulo, nos mostra que falar sobre

agenciamento em um cenário marcado por pobreza, desemprego e violência é

algo bastante complexo (2008). Segundo a autora, quando nos propomos a

estudar as mulheres “mais escuras” e “mais pobres”, como é o caso das

jogadoras de futebol com quem convivi, a situação torna-se mais delicada

ainda (FACCHINI, 2008), pois é preciso ter consciência de que, dentro de um

campo de possibilidades que se apresentam a elas, os marcadores de gênero,

sexualidade, raça e classe mostram-se determinantes e orientadores das

experiências pessoais (STOLCKE, 1991; BRAH, 2006).

Dessa forma, o espaço dos jogos, das imprensas, das organizações

reguladoras desse esporte torna-se lugar de reprodução de violências:

sexismo, homofobia e racismo. Já o espaço privado esportivo – os vestiários,

as casas das amigas de equipe, as confraternizações – torna-se espaço onde a

performance mais masculina, assim como a lesbianidade que muitas vezes se

cola à ela, pode ser experienciada de maneira mais segura.

O futebol no Brasil, sobretudo aquele que está sob os holofotes da

imprensa, em vez de aparecer como um lugar de possível expressão de um

outro modo de ser mulher – masculina ou feminina -, acaba contribuindo para

ratificar um estilo específico e hegemônico de ser mulher: cabelos compridos,

ajeitados, não “jeito de homem”. E uma opção sexual: a heterossexual.

197

V - Entre rezas, lágrimas, suor, menstruação e chulé: etnografia nos vestiários de futebol de mulheres

Por uma etnografia nos vestiários de mulheres

Os sociólogos alemães, Norbert Elias e Eric Dunning, afirmam que se,

inicialmente, os estudos sobre os esportes e as práticas esportivas pareciam

ter sido ignorados como objeto de reflexão sociológica e mesmo antropológica

isso se dava porque tais assuntos eram considerados como algo que se

encontrava “situado no lado que se avalia de modo negativo no complexo

dicotômico de sobreposição convencionalmente aceito, como, por exemplo,

entre os fenômenos de “trabalho” e “lazer”, “espírito” e “corpo”, “seriedade” e

“prazer”, “econômico” e “não econômico”” (ELIAS; DUNNING, 1992, p.17). Ou

seja, no quadro que orienta o pensamento reducionista e dualista ocidental, o

desporto era entendido como uma coisa vulgar, uma atividade de lazer

orientada para o prazer, que envolvia o corpo mais do que a mente, e sem

valor econômico (ELIAS; DUNNING, 1992).

Contudo, Elias e Dunning (1992) trazem sua valiosa contribuição para a

Antropologia do Esporte ao discutirem como o esporte e o lazer fazem parte do

processo civilizacional de uma sociedade. Para os autores, não há registro de

nenhuma organização humana que tenha existido sem que tivesse algo de

equivalente ao esporte moderno. Dessa forma, se pode inferir que cada

segmento da sociedade dá um significado social ao esporte e às práticas

esportivas. Segundo os autores ainda:

“o desporto pode ser utilizado como uma espécie de ‘laboratório natural’ para a exploração de propriedades das relações sociais, como, por exemplo, a competição e a cooperação, o conflito e a harmonia, que parecem ser, segundo a lógica e os valores correntes, alternativas que se excluem mutuamente, mas que, neste contexto, no que se refere à estrutura intrínseca do desporto, possuem uma interdependência evidente e muito complexa” (ELIAS; DUNNING, 1992, p.18).

Com base nas revisões feitas por Toledo (2001) e Padeski Ferreira e

Marchi Junior (2011), percebemos que os estudos sociológicos e

antropológicos brasileiros que problematizam a presença e os significados

atribuídos às práticas esportivas na nossa sociedade crescem anualmente.

Essa produção revela o esforço, por vezes interdisciplinar, que vem

consolidando a temática de estudo tanto nas Ciências Humanas como nas

Ciências dos Desportos – Educação Física, Fisioterapia. Destacamos aqui que

o esporte é uma atividade na qual o corpo – bem como os seus usos - tornam-

se objetos de investigação. Afinal é através da prática esportiva que o corpo é

treinado, disciplinado e modificado. Para além da dimensão biológica, o corpo

precisa ser compreendido como uma construção sócio-cultural.

Foi em busca de pistas sobre os processos de construção sócio-cultural

do corpo atlético de mulheres jogadoras de futebol, que algumas distinções

foram se tornando cada vez mais evidentes no decorrer da prática etnográfica.

Dentre elas, destaco as diferenças entre as observações realizadas nos

espaços públicos dentro do campo – aquele das quatro linhas onde o jogo se

desenvolve – e as observações realizadas em espaços mais privados: dentro

dos vestiários. As observações realizadas dentro dos vestiários adquirem

importância nessa etnografia. Se inicialmente os espaços dos vestiários são

pensados como não-lugares (AUGÉ, 1994), na qual pouca ou nenhuma

sociabilidade ocorre, na prática etnográfica essa concepção não se sustenta.

Recentemente, na mídia esportiva, dois eventos envolvendo futebol e

vestiários foram noticiados (GLOBOESPORTE, 2017; UOL ESPORTES, 2017).

O primeiro aconteceu em Julho de 2017, quando quatro atletas de uma equipe

de futebol do Rio Grande do Sul foram filmados em uma sessão coletiva de

masturbação. Após o vazamento do vídeo nas redes sociais e internet os

atletas foram desligados do clube e o presidente do time se manifestou

publicamente:

“Fora do horário de expediente não temos nada a ver com a situação. Se quiserem se drogar, beber, são gays ou não, é problema deles. O que tenho que responder como presidente é durante uma viagem, horário de expediente. Aí a responsabilidade seria minha. O Sport Club Gaúcho não é guardião da moral e dos bons costumes de ninguém. A

199

única coisa foi fazer o vídeo dentro do vestiário59” (GLOBOESPORTE, 2017).

O segundo caso, no qual o espaço do vestiário figurou cenário

importante para o desenrolar de relações interpessoais, aconteceu entre os

meses de Setembro e Outubro do ano de 2017, na equipe francesa Paris Saint

Germain. As notícias veiculadas na mídia brasileira alegavam que, durante

uma das partidas, os jogadores de futebol Neymar (brasileiro) e Cavani

(uruguaio) brigaram dentro do vestiário. O problema, segundo o presidente do

clube, é que o desentendimento entre os atletas vazou para a mídia esportiva

em menos de 24h. O treinador da equipe à época, Unai Emery, disse em

entrevista coletiva à imprensa: "Estamos trabalhando para fechar o vestiário. O

que aconteceu aqui não pode ser repetido”60 (UOL ESPORTES, 2017). Já o

atleta brasileiro, Neymar, foi categórico: "Inventam muitas histórias, falam

demais. Falam coisas que não sabem, tentam entrar no nosso privativo, no

nosso vestiário, e acabam falando demais61” (UOL ESPORTES, 2017).

Os vestiários são, portanto, espaços privados nos quais poucas pessoas

podem ter acesso. Jogadores, técnicos, comissão técnica, diretores e

presidente dos clubes conseguem entrar nesses espaços; jornalistas também

conseguem – em comemorações de títulos, por exemplo -, mas apenas quando

as questões de cunho pessoal e profissional entre jogadores, treinadores,

diretores e presidente foram conversadas e alinhadas para serem transmitidas

à imprensa. É nos vestiários que o/a treinador/a pode falar mais severamente

com aquele/a atleta que estiver com o desempenho abaixo do esperado; ou

motivar a equipe a persistir em busca da vitória. Como no exemplo acima, é

nos vestiários também que os/as jogadores/as estabelecem relações: sejam

elas de amizade, sexuais ou mesmo de acirramento. As sociabilidades que

59 Disponível em: https://globoesporte.globo.com/rs/futebol/noticia/jogadores-deixam-clube-do-rs-apos-vazamento-de-video-com-cena-sexual.ghtml. Acesso em: 25 nov. 2017.

60 Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2017/10/03/crise-de-confianca-de-neymar-faz-psg-trabalhar-para-fechar-vestiario.htm . Acesso em: 25 nov. 2017.

61 Idem anterior.

acontecem no vestiário são consideradas privadas e permanecem envoltas de

segredos.

Dentro das etnografias esportivas desenvolvidas no Brasil, poucos foram

os pesquisadores e pesquisadoras que tiveram acesso a esses espaços. Para

além dessa tese, outro trabalho que faz referência aos vestiários é o do

antropólogo Wagner Xavier de Camargo. Ele aponta, ao etnografar

competições internacionais LGBT (jogos de lésbicas, gays, bissexuais e

transgêneras/os), que:

“Banheiros e vestiários são espaços edificados com caráter e propósitos distintos, ao menos, aparentemente. Enquanto os primeiros circunscrevem ações relativas às necessidades fisiológicas, os segundos abrangem, em geral, a higienização dos corpos. As temporalidades de permanência são também diferentes: passa-se rapidamente pelos banheiros (principalmente em espaços públicos) e fica-se mais tempo nos vestiários. Se o espaço do banheiro é individual (mesmo porque não se partilha o mesmo vaso sanitário), o do vestiário é, indubitavelmente, coletivo. Porém, tais espaços apresentam traços comuns, se bem observados (...): são locais discriminatórios de gênero (nesses locais aprendemos a “ser homem” e a “ser mulher”); envolvem uma atmosfera de segredo, onde o que se diz (ou se faz) não transpassa portas ou paredes; são lugares de dejetos múltiplos, que escorrem, vazam e se espalham anônimos e invisíveis; caracterizam-se como represas contentoras da intimidade, que quando partilhada, apenas o é velada e momentaneamente, num lapso de segundos ou minutos” (CAMARGO, 2014, p.63)

O autor centra sua discussão nos vestiários de desportistas homens

(gays, bis e trans) e nos explica como que os códigos sexuais e as relações

interpessoais incitam práticas de sexo casual neste contexto homossocial

(CAMARGO, 2014). Para o autor ainda, o vestiário esportivo torna-se local-

chave que permite “os encontros corpo-a-corpo entre os atletas durante

competições esportivas. Ao ficarem nus ou seminus, eles/elas se expõem e

partilham (mesmo sem querer), intimidades corporais” (CAMARGO, 2014,

p.65).

201

O filósofo Jack Halberstam nos diz que os banheiros – e aqui podemos

transpor parte da observação do autor para os vestiários – da forma como nós

os conhecemos hoje representam o processo de colapso das estruturas de

gênero. Ou seja:

“A freqüência com a qual mulheres ‘desviantes em seu gênero’ são confundidas como homens em banheiros públicos, sugere que um grande número de mulheres femininas dispendem uma quantidade significativa de tempo e energia policiando mulheres masculinas/masculinizadas. Algo bastante diferente acontece, é claro, nos banheiros públicos dos homens, onde o espaço é mais propenso a se tornar uma zona de busca sexual (banheirão) 62 do que um lugar de repressão de gênero. O banheiro dos homens (...) se constitui tanto como uma arquitetura de vigilância como um local de incitação ao desejo, um espaço de interação homossexual e interação homoerótica”63 (HALBERSTAM, 1998, p.23 e 24)

Se os banheiros e os vestiários são considerados, por Jack Halberstam,

enquanto lugares nos quais mulheres policiam e controlam mulheres mais

masculinas ou “desviantes”, como pensar os vestiários de futebol de mulheres

enquanto espaços de encontros sexuais levando em consideração que a

grande maioria delas – como visto em capítulo anterior – elegem como alvo do

desejo afetivo e sexual mulheres mais masculinas? É nos espaços dos

vestiários que algumas mulheres promovem encontros afetivos e sexuais com

outras mulheres. O que deixa cada vez mais evidente que os esportes,

sobretudo aqueles que são coletivos, podem ser pensados – a partir da

62 Banheirão é uma gíria gay que indica lugares públicos, geralmente banheiros, nos quais acontecem encontros sexuais descompromissados entre homens. Apesar do termo não estar escrito no trecho original do autor em questão, resolvi incluí-lo para facilitar a compreensão do espaço e da prática que eles está descrevendo.

63 Tradução livre da autora do seguinte trecho: “The frequency with wich gender-deviant ‘women’ are mistaken for men in public bathrooms suggests that a large number of femenine women spend a large amount of time and energy policing masculine women. Something very different happens, of course, in the men’s public toilet, where the space is more likely to become a sexual cruisin zone than a site for gender repression. The men’s room (...) constitutes both na architecture of surveillance and na incitement of desire, a space of homosocial interaction and of homoerotic interaction” (HALBERNSTAM, p.23 e 24)

perspectiva dos seus praticantes - como espaços de proteção e de

manutenção de relações homossociais podendo essas ser – ou não – sexuais.

Nos meses de trabalho de campo, algumas cenas se repetiram à

exaustão nos espaços dos vestiários, contudo as situações vivenciadas nesses

contextos apresentam especificidades, e por isso, considero estes espaços

locais profícuos para análises e observações sobre a construção do corpo

atlético, as relações de amizade, de amor, de sexo, de superação e de

companheirismo entre mulheres jogadoras de futebol. Vale lembrar, por fim,

que os espaços dos vestiários possuem alguns códigos implícitos de segredos

variados, portanto algumas histórias, cenas e observações realizadas são

descritas sob pseudônimos e, quando for o caso, as equipes também não

serão localizadas.

Os vestiários Assim que as atletas chegam ao campo de futebol, dirigem-se

imediatamente ao vestiário contíguo ao gramado. Os vestiários possuem a

mesma estrutura em todos os campos: são espaços de alvenaria, quadrados,

com duas ou três fileiras de bancos – também feitos de alvenarias –

encostados nas paredes. Possuem chuveiros, sem divisórias, e vasos

sanitários individuais. Quando elas adentram a esse espaço, começa o que

identifico como um processo ritual: despem-se de suas roupas (shorts, blusas,

chinelos de dedo) e vestem – lentamente – o uniforme que os/as técnicas

deixam organizado no chão do vestiário, ao centro.

203

Figura 35 – Entrada principal de um vestiário. Foto por Mariane da Silva Pisani. Junho de 2013.

Figura 36 - Uniformes didispostos no chão. Foto por Mariane da Silva Pisani. Junho de 2013

Sentadas, arrumam as caneleiras e depois colocam as meias por cima.

Algumas enfaixam, previamente, todos os dedos do pé, para dar sustentação e

proteger as unhas que ficam machucadas depois das partidas. Observo, nesse

momento, que poucas são as que trazem as unhas feitas em pedicure e muitas

delas, inclusive, não possuem alguma unha do pé, pois a mesma foi

severamente magoada e/ou arrancada em jogos passados.

205

Figura 37 - Jogadoras preparando-se para entrar em campo. Ao centro, jogadora enfaixando os pés para proteger de uma possível torção. Foto por Mariane da Silva

Pisani. Abril de 2014.

As jogadoras que possuem namoradas, trocam-se dentro dos espaços

reservados dos vasos sanitários. Ou, na ausência desses, a namorada faz uma

cabaninha de proteção, para que o corpo da parceira não fique exposto aos

outros olhos e olhares que não os seus. Isso é uma prática bastante comum

entre as atletas que namoram e é respeitado pelas que estão solteiras, ou seja,

não se fazem piadas ou gracinhas sobre essa preservação de intimidade. À

medida que elas se despem, noto que seus corpos são firmes, fortes, rígidos,

musculosos e torneados. Poucas são as meninas que estão fora do peso.

Todas possuem alguma alteração estética no corpo: tatuagens, piercings e

alargadores de orelha fazem parte da construção corporal dessas mulheres.

Elas, contudo, são proibidas de entrar em campo com esses adereços. Assim,

outro ritual acontece nesse momento: elas tiram os piercings, os alargadores,

os brincos e tapam os buracos deixados por esses com esparadrapos - anéis e

alianças também são retirados. Gastam mais tempo nessa atividade do que

vestindo-se para jogar.

Uma cena que se tornou bastante comum são os cuidados despendidos

com o cabelo. Todas possuem cabelos compridos e precisam deixá-los presos

para poder jogar. Dessa forma, uma jogadora penteia o cabelo da outra e

assim vão se arrumando coletivamente. Mãos e cabelos unem-se e diversos

tipos de tranças e rabos-de-cavalo vão surgindo. Para segurar as franjas

algumas jogadoras usam faixas, outras apenas colocam grampos e outras

ainda passam gel fixador. Nenhuma delas joga de cabelo solto e, durante as

partidas, não as vejo tocando/arrumando o cabelo em nenhum momento.

Protetores solares são usados em abundância, segundo elas, para proteger a

pele de ficar mais escura. Todas aplicam desodorante antes de entrar em

campo - a maioria usa desodorante masculino - e parte delas também aplicam

perfumes antes e depois das partidas – Boticário e Natura são as marcas

preferidas. Antes de entrar em campo elas rezam coletivamente, pedindo

proteção e bons resultados na partida.

Figura 38 - Chuteiras. Foto por Mariane da Silva Pisani. Fevereiro de 2014.

No intervalo entre os dois tempos do jogo, as jogadoras geralmente

207

voltam para os vestiários para ouvir do/a técnico/a algumas informações sobre

como melhorar o desempenho em campo. É o momento de o/a técnico/a

conferir se existe alguma jogadora cansada demais para voltar ao jogo e, se

necessário, reestruturar a equipe escalando alguma jogadora que esteja no

banco de reservas. Esse momento, de intervalo na partida também pode ser

um tanto delicado, caso a equipe esteja perdendo, pois geralmente os/as

técnicos/as o utilizam para realizar uma abordagem mais dura com alguma

atleta que eles/as julguem não estar dando o máximo de si em prol da equipe.

Figura 39 - Cabine dos vasos sanitários. Foto por Mariane da Silva Pisani. Junho de 2013

Por fim, quando o jogo acaba, as atletas voltam para os vestiários

novamente. Quando elas vencem a partida que acabou de ser disputada,

geralmente acontecem comemorações dentro do vestiário. Elas cantam,

brincam e se abraçam. Quando não ganham, um silêncio coletivo impera e elas

se arrumam o mais rápido possível para sair daquele espaço. Independente do

resultado da partida – ganhar ou perder -, elas rezam novamente. Se o time for

comandado por um técnico homem, nesse momento ele se retira do vestiário;

se for mulher, ela permanece no espaço e só então as atletas despem-se dos

seus uniformes.

Em seguida, algumas entram nos chuveiros coletivos e tomam banho

para retirar do corpo o suor provocado pelo exercício físico. Já outras,

geralmente as que possuem namoradas, recolocam suas roupas sem tomar

banho. É nesse momento – entre despir-se e entrar no banho - que alguns

encontros sexuais podem acontecer ou que olhares de desejo e interesse são

trocados entre elas. Quando esses encontros sexuais acontecem, geralmente a

iniciativa parte de uma bofinho a uma mais feminina. Algumas atletas femininas

tomam a iniciativa nesse jogo do flerte, da conquista e do sexo, contudo,

geralmente sobre relas recai uma forte vigilância e punição por seus

comportamentos afetivos e sexuais.

Quando duas jogadoras demonstram interesse mútuo no espaço do

vestiário, as demais atletas, percebendo a movimentação, retiram-se do local

manifestando, na sequência, uma série de piadas e brincadeiras em direção a

elas. Pude presenciar, ao longo do trabalho de campo, que os ciúmes e a

jocosidade são características que marcam e atravessam as relações, sejam

elas de amizade, de namoro ou apenas sexuais.

Concentração

O momento da concentração antecede aos jogos e, algumas vezes, à

própria entrada no vestiário. A concentração diz respeito ao momento em que

as jogadoras ficam introspectivas pensando na partida que virá e nas

dificuldades, por vezes pessoais, que precisam superar. Esse momento é

209

marcado e embalado por algumas músicas, geralmente com letras

motivadoras.

Ao observar esse comportamento mais introspectivo, sentava-me ao

lado de uma jogadora e pedia-lhe para dividir o fone de ouvido e eu também

ouvir a música que estivesse tocando no celular. Eram momentos em que eu

não fazia perguntas, apenas ouvia e observava os corpos falando.

Figura 40 - Atleta se concentrando antes da partida. Foto por Mariane da Silva Pisani. Maio de 2014.

No ano de 2014, umas das músicas preferidas de muitas atletas para se

preparar para as partidas de futebol era o funk intitulado “Sonhar” composta e

cantada por Mc Gui:

“Não nasci na rua, mas me joguei nela Sou mero aprendiz na vida de favela

Onde eu tenho certeza que a fé nunca morre E a vida real não parece novela

Se hoje eu tenho, eu quero dividir Ostentar pra esperança levar Pras crianças nunca desistir Um sonho que leve a gente a acreditar

Eu peço pra Deus o caminho iluminar Que a luta que eu travo não me traga dor Eu faço o possível pra gente ganhar A guerra de miséria que a gente criou

Cê tá ligado o quanto é difícil Quando lá em cima querem te derrubar Mas quando embaixo se pede ajuda Ninguém dá a mão se é pra te levantar

Sonhar, nunca desistir Ter fé, pois fácil não é, nem vai ser Tentar até se esgotar suas forças Se hoje eu tenho eu quero dividir Ostentar pra esperança levar

Criança quer ser jogador Pra dar pra família um futuro melhor Acende essa luz aí no fim do túnel Que é pra esse menor no futuro enxergar

Minha família tá sempre aumentando Meus amigos só vêm pra somar Quando eu sinto que tá me atrasando Eu já chuto pra longe pra não mais voltar”

A letra da música versa sobre superação, sobre vencer as dificuldades e

tornar-se a melhor pessoa que se pode ser dentro das dificuldades que a vida

apresenta. A música acima pertence ao gênero musical funk ostentação. A

antropóloga Izabela Nalio Ramos realiza uma diferenciação entre os estilos e

vertentes do funk, segundo ela: “o funk putaria (...) fala sobre sexo, sedução,

flerte. O funk ostentação, fala muito sobre um estilo de vida baseado no

consumo de objetos caros (...) e de hábitos como um alto gasto em baladas,

festas, viagens (...). O funk melody, por sua vez, é uma versão que fala sobre

211

relacionamentos amorosos e flertes de forma mais romântica. O probidão fala

sobre ‘tráfico e crime’” (RAMOS, 2016, p.131). Realizar essa distinção torna-se

importante na medida em que conhecer o estilo musical ouvido e reproduzido

entre as jogadoras de futebol nos dá algumas pistas sobre os estilos de vida,

vestimenta e sociabilidades que elas estabelecem entre si.

O antropólogo Alexandre Barbosa Pereira (2014), bem como Ramos

(2016), analisaram as repercussões do funk ostentação entre jovens das

periferias de São Paulo. Segundo os autores, esse estilo de música foi criado

no ano de 2008, na cidade de São Paulo e alcançou visibilidade nacional no

ano de 2011. Os temas centrais abordados dizem respeito ao consumo e

ostentação, e canta-se sobre carro, motos, dinheiro, cordões de ouro, bebidas

e mulheres. O objetivo, segundo Pereira e Ramos, é mostrar que através do

poder econômico pode-se alcançar prestígio, sair da favela e superar uma vida

supostamente repleta de miséria e violência.

Pereira (2014) nos diz que o funk ostentação paulista foi idealizado

enquanto contraposição ao funk carioca, que possui letras sexualmente

explícitas e que valorizam a criminalidade. Nesse sentido, a difusão do funk

carioca na cidade de São Paulo, particularmente entre jovens moradores de

bairros periféricos, tornou-se um dos principais problemas para a manutenção

da ordem, sobretudo no espaço das ruas e no espaço escolar. A repressão

policial, segundo Pereira, nos espaços públicos tornou-se crescente:

Tornou-se muito mais difícil encontrar os pancadões, seja porque eles não aconteciam devido à repressão policial – que dispersava, com bombas de gás lacrimogêneo e sprays de pimenta, a multidão que se aglomerava para dançar em torno dos carros que tocavam o som – seja também porque as poucas festas que aconteciam passaram a não ter a mesma periodicidade de antes, nem a divulgar datas, horários e locais de suas realizações (PEREIRA, 2014, p.3)

Logo, em contraposição ao funk carioca, um movimento musical se

anunciou: surgiu o funk ostentação paulista. Segundo Pereira, “os funkeiros do

gênero ostentação são caracterizados por fazerem um ‘funk do bem’, por não

falarem de crime, nem de pornografia, ressaltando-se também, na maioria das

vezes, a trajetória dos Mcs, de uma origem pobre ao sucesso e ao consumo e

posse de bens caros” (2014). Pereira (2014) nos mostra aqui que a estética

nas vestimentas – roupas e acessórios caros e de marca – torna-se elemento

central para compreensão das influências do funk ostentação na produção de

corpos e subjetividades que os/as jovens da periferia incorporam. Além disso,

segundo o autor, o funk pode ser associado aos momentos de lazer e

sociabilidade entre jovens das periferias da cidade de São Paulo.

Ramos (2016), ao estudar mulheres que integram o movimento do Hip

Hop e do Funk na cidade de São Paulo, nos fala que o funk ostentação – para

suas interlocutoras - diz respeito sobre:

“ter ou sonhar em ter roupas de grife, carros e casas luxuosas. Apesar de, aos olhos de muitos, estarem reforçando o consumismo, uma característica que pode ser entendida como ‘alienante’, (...) estão, em primeiro plano, cantando a possibilidade de consumo e do sonho do consumo de produtos mais caros e normalmente consumidos por uma elite, através da ascensão financeira como funkeiros profissionais e reconhecidos” (RAMOS, 2016, p.22).

Da mesma forma como observado por Pereira e Ramos - entre suas

interlocutoras -, as jogadoras de futebol dessa etnografia possuem e alimentam

esse sonho de ter melhores condições financeiras e ostentar isso através de

roupas de grife, carros e casas de luxo. Podemos deduzir ainda que o futebol

para elas pode ser compreendido como um meio pelo qual elas podem

retroalimentar esse sonho, na medida em que percorrendo uma trajetória de

sucesso no esporte – se profissionalizando e ganhando dinheiro por seu

desempenho em campo - poderão adquirir tais bens.

Não por acaso, a musica do MC Gui era uma das mais ouvidas por elas,

tanto nos momentos de concentração quanto nos momentos de sociabilidade,

na medida em que ele anuncia: “Criança quer ser jogador, pra dar pra família

213

um futuro melhor. Acende essa luz aí no fim do túnel, que é pra esse menor no

futuro enxergar”. O trecho faz alusão a essa passagem, da criança moradora

das periferias e favelas que ascende socialmente através da prática do futebol

e retorna – como constatado em Pisani (2012) – parte do seu sucesso

esportivo em forma de melhores condições para sua família.

A ostentação – desejada e almejada - aparece marcada em seus corpos.

Logo, para que possamos pensar na construção de corporalidades esportivas

de mulheres jogadoras de futebol a partir desse viés da ostentação precisamos

trazer para discussão o sociólogo Pierre Bourdieu, quando o mesmo nos diz

que:

“Não há duvidas de que os julgamentos que pretendem aplicar-se à pessoa em seu todo levam em conta não somente a aparência física propriamente dita, que é sempre socialmente marcada (através de índice como corpulência, cor, forma do rosto), mas também o corpo socialmente tratado (com as roupas, os adereços, a cosmética e principalmente as maneiras e a conduta) que é percebido através das taxinomias socialmente constituídas, portanto lido como sinal da qualidade e do valor da pessoa (...) O héxis corporal é o suporte principal de um julgamento de classe que se ignora como tal: tudo se passa como se a intuição concreta das propriedades do corpo percebidas e designadas como propriedades da pessoa estivessem no princípio de uma apreensão e de uma apreciação globais das qualidades intelectuais e morais” (BOURDIEU, 2011, p.143, grifos do autor).

Essa questão trazida pelo autor nos ajuda a pensar nas músicas ouvidas

pelas jogadoras durante a concentração e como essas músicas nos dão pistas

sobre a formação do héxis corporal dessas mulheres jogadoras a partir do viés

da ostentação. Ou seja, a construção corporal ou o héxis corporal de uma

mulher jogadora de futebol passa, portanto, por três estágios: primeiro a

manutenção e desenvolvimento de uma aparência física mais atlética que

implica, necessariamente, o desenvolvimento de músculos e força física, bem

como a manutenção de um baixo índice de gordura corporal. O segundo

estágio diz respeito à ostentação de roupas e adereços que indiquem o métier

de jogadora de futebol. Esse estágio fica evidente quando elas utilizam

materiais esportivos como chuteiras, caneleiras, shorts e camisas das marcas

Nike e Addidas, as principais patrocinadoras de equipes e jogadores de futebol

como Neymar Jr e Lionel Messi. É interessante notar que mesmo fora de

campo, elas continuam utilizando moletons, calças, camisas, camisetas e tênis

dessas marcas nos seus afazeres cotidianos. O terceiro estágio diz respeito as

maneiras e formas de agir, andar, falar, sentar, caminhar, rezar, correr, chutar,

etc. É o momento em que elas reproduzem técnicas corporais específicas e

próprias ao métier jogadora de futebol.

Sabemos que as aproximações entre o funk ostentação, a carreira de

jogadores/as de futebol e a formação de um héxis corporal rendem outras

abordagens e análises, um dos propósitos é desdobrar esse tema em artigo

futuramente. Nosso intuito aqui, contudo, é apontar – mesmo que de maneira

breve e inicial – as possíveis aproximações que nos instigam a pensar como

esse estilo musical revela um pouco sobre o processo construção de

subjetividades e corporalidades entre mulheres jogadoras de futebol da cidade

de São Paulo, sobretudo entre aquelas que são negras e moradoras das

periferias.

Preparando o corpo e a Preleção do/a técnico/a

Muitas vezes o/a técnico – ou alguém da comissão técnica - fica

responsável por levar às partidas todo o material que será utilizado pelas

atletas. Em uma das equipes etnografadas, mais do que apenas acompanhar

as jogadoras até o campo onde se realizará a partida, a técnica carrega

também as bolas, os uniformes (que ela mesma lava e seca depois dos jogos),

as chuteiras, os energéticos e repositores de sais minerais, gelo, garrafas de

água, spray para massagem muscular, materiais de primeiros socorros e,

dentro da sua bolsa de técnica, leva também um pacote de absorventes

íntimos e desodorante.

215

Figura 41- Material esportivo levado pela técnica e jogadoras da equipe. Fotografia por Mariane da Silva Pisani. Abril de 2015.

Essa técnica, especificamente, faz questão, ainda, de que suas atletas

utilizem malhas térmicas por baixo dos calções, segundo ela, porque não quer

que macho nenhum fique olhando para as coxas de suas atletas. A categoria

macho, serve para indicar, sobretudo, comportamentos e situações pejorativas

como: desleixo com a aparência – cabelos curtos e pernas não depiladas, por

exemplo -, preguiça de jogar, violência desmedida em campo, corpos

excessivamente mal cheirosos depois das partidas, jeitos masculinizados de se

vestir e comportar. É interessante notar que os vestiários usados pelas atletas

são os mesmos ocupados, na maioria das vezes, por equipes masculinas de

futebol. Sempre que as atletas dessa equipe entravam em algum desses

vestiários, não raro elas se deparavam com latas de cerveja vazias,

abandonadas. A técnica se enfurecia: “Tá vendo como macho é desorganizado

e sujo?”, e saia juntando rapidamente as latinhas.

Houve uma manhã em que a jogadora Helena acordou indisposta.

Ficara menstruada na noite anterior e sentia as dores que são comuns nos

primeiros dias do ciclo menstrual. Encontrei-a chorando no vestiário, tinha

algumas colegas da equipe ao seu redor. Ela disse-me que não queria jogar

naquele dia, pois seus seios doíam, sentia cólicas terríveis, seu fluxo estava

muito intenso e sentia-se muito cansada. Ofereci a ela um comprimido de

Buscopan, que havia trazido comigo, para ao menos aliviar as dores. Contudo,

antes de poder lhe entregar a cartela do remédio, fui interrompida pela técnica

da equipe. Ela se aproximava para conferir o que estava acontecendo com a

atleta. A técnica ordenou que Helena levantasse, vestisse o uniforme e se

preparasse para entrar em campo.

Elas tiveram uma discussão terrível. De um lado, Helena chorava

dizendo que não tinha condições de jogar. De outro lado, a técnica dizia,

exaltada: “Você é minha guerreira!! Como eu posso ir para uma guerra se meu

soldado não se dispõe a lutar comigo? Se ele me abandona? Abandona seus

companheiros? Como que se vence desse jeito?”. As demais atletas se

aborreceram com a técnica, afirmando que ela estava abusando da sua

posição para obrigar a jogadora a disputar a partida. A mesma calou-se e nada

mais disse.

A jogadora Helena acabou não entrando em campo naquele dia. Na

volta para casa, Helena continuava chorando. Nada mais se falou ou se

comentou sobre o assunto durante alguns dias. Aos poucos, pude observar que

as demais jogadoras comentavam entre si que estar menstruada não era

motivo suficiente para deixar de ajudar a equipe a conquistar a vitória em jogo.

Posteriormente algumas me disseram que também estavam menstruadas

naquela dia e nem por isso deixaram o time na mão.

A situação vivenciada pela jogadora Helena, e que se desdobrou entre

217

suas colegas de equipe, nos ajuda a colocar em evidência como a

menstruação, especialmente entre mulheres atletas, é vivida geralmente de

duas maneiras: primeiro, como um tabu, ou seja, algo que não se deve

comentar ou mencionar publicamente; segundo, como algo precisa ser

controlado e manejado de maneira a não interferir no desempenho esportivo.

Dois casos, ocorridos nos Jogos Olímpicos de 2016, ilustram as maneiras

pelas quais a menstruação de mulheres atletas repercute no meio esportivo.

O primeiro caso aconteceu quando a nadadora chinesa Fu Yuanhui

concedeu uma entrevista após ganhar uma medalha de bronze. Se

contorcendo de dor a nadadora disse:

“Eu sinto que não nadei muito bem hoje. Eu quero me desculpar com minhas colegas de time por isso. Minha menstruação começou ontem à noite, então eu estou em sentindo muito fraca e cansada, mas sei que isso não é uma desculpa para o meu desempenho!” 64

A declaração foi recebida com algum constrangimento por parte dos

jornalistas que realizavam a entrevista, sendo que alguns deles chegaram a rir

de nervoso durante a declaração da chinesa. As repercussões nas redes

sociais - Facebook e Twitter - foram diversas. Quando partiam de mulheres,

podíamos constatar comentários e colocações favoráveis à nadadora na

medida em que defendiam que as cólicas menstruais, bem como a

menstruação causavam desconforto e fraqueza. Quando os comentários

partiam de homens, podíamos notar um desconhecimento sobre o

funcionamento do ciclo menstrual e, em alguns casos, um preconceito pelo fato

da nadadora ter entrada menstruada na piscina olímpica. Muitos comentários

versavam ainda sobre como a menstruação é um assunto muito particular às

mulheres e que a jogadora não deveria ter se exposto publicamente.

Já no segundo caso, a atleta Sarah Menezes (judoca brasileira), que

64Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/16/deportes/1471347099_518778.html. Acesso em 20 de Agosto de 2016.

também disputou os Jogos Olímpicos de 2016, declarou aos jornais à época

que na preparação de uma atleta tudo é controlado, inclusive seu período

menstrual. Segundo ela: “Temos acompanhamento para tudo. Psicológico, com

ginecologista... Até nosso período de menstruação é controlado65. A técnica de

Sarah, Rosicléia Campos, também se pronunciou: “Nós programamos o ciclo

menstrual de cada atleta usando feedback que elas mesmo dão. A Sarah se

sente melhor menstruando. Então, é o que fazemos. É possível. Tem muitas

atletas que, se lutarem menstruadas, não conseguem render. Outras ficam

mais sensíveis. Depende muito”66.

Sobre a fadiga e a fraqueza declaradas pela nadadora Yuanhui, a

pesquisadora Alexandra David nos diz que “no período pré-menstrual ocorre

redução na capacidade de concentração, além de fadiga muscular e nervosa

mais rápida. Assim como acontece com atividades aeróbias, o rendimento no

treinamento de força é diferente nas diversas fases do ciclo menstrual. Na fase

estrogênica (pós-menstrual) o rendimento é melhor do que na progestogênica

(pré-menstrual), na qual as atletas ficam irritadas e menos pacientes com os

treinos” (DAVID et all, 2009, p. 331).

Já a socióloga Karina Felitti aponta que para o senso comum a TPM –

Tensão Pré Menstrual –, bem como a própria menstruação, são fatores que

trazem transtornos às mulheres, incapacitando-as para a vida cotidiana

(FELITTI, 2016). A autora conclui, portanto, que a regulação biomédica do ciclo

menstrual aparece como um modo de exercer controle sobre o corpo das

mulheres; e que esse controle varia de acordo com a classe social que a

mulher em questão ocupa. Segundo Felitti: “las mujeres pobres debían seguir

trabajando, sin importar sus estados físicos y anímicos. Una forma de legitimar

esta diferencia fue aducir que las obreras usaban el cerebro menos que las

estudiantes y que, por esa razón, sus cuerpos sufrían en menor medida las

tensiones menstruales” (FELITTI, 2016, p.181). Felitti nos diz, nesse sentido,

que no ano de 1944 a propaganda dos absorventes Tampax (comercializados

65 Disponível em: https://olimpiadas.uol.com.br/noticias/redacao/2016/08/02/sarah-menezes-usa-a-menstruacao-como-arma-no-judo.htm. Acesso em 05 de Agosto de 2016. 66 Idem anterior.

219

inicialmente nos Estados Unidos) propagavam que seu uso minimizava as

faltas das mulheres operárias em seus serviços fabris. Ou seja, o período

menstrual era um período de descanso apenas para as mulheres brancas e da

elite. As mulheres pobres, as negras e as operárias permaneciam sob a

inscrição dos discursos que menosprezavam a incidência das dores menstruais

e TPM.

Preparar o corpo para entrar em campo envolve manejar todas essas

questões. Contudo, antes mesmo que pisem nos gramados, as jogadoras

precisam ouvir as palavras de apoio, de incentivo e de motivação da/o

técnica/o. O/a técnico/a posiciona-se no centro do vestiário. Imediatamente,

sentadas nos bancos e vestidas com seus uniformes e chuteiras, as jogadoras

silenciam. As conversas se encerram e aquelas que estavam ouvindo músicas

retiram seus fones de ouvido. Todas direcionam seu olhar ao/à técnico/a:

“Não há quem possa nos derrubar e é isso que a gente tem que colocar em meta. Porque só ganha, só vence e só conquista aquelas pessoas que têm meta, que têm objetivo. E quem traça um objetivo, tem que permanecer nele até o final.

(...)

Podem aparecer quinhentas coisas nesse percurso, ninguém vai atrapalhar o teu objetivo a não ser que você queira a não ser que você deixe. E eu tenho certeza que as pessoas que estão dentro desse sonho comigo não vão deixar isso acontecer. Tenho certeza. E eu aposto em cada uma de vocês que estão aqui junto comigo nesse momento.” (Trechos do Caderno de Campo. Mariane da Silva Pisani. Junho de 2014)

À medida que vão ouvindo as palavras do/a técnico/a as jogadoras

acenam positivamente com a cabeça. Algumas batem palmas em aprovação

às palavras proferidas, outras se entreolham e sorriem. Uma das preleções

mais impactantes e significativas que acompanhei foi proferida por Ita, técnica

da equipe ASAPE. Certo dia, ela disse às suas jogadoras as seguintes

palavras:

Hoje vai ser uma outra batalha, superdifícil por conta daquilo que a gente falou. A gente não enfrenta só diretamente os nossos adversários, a gente tem que enfrentar o clima que está aí. O jogo era previsto para o período da manhã, não aconteceu. Nos favorecia, nos ajudaria bastante e houve alteração. Mas assim, não tem que escolher horário, não tem que escolher adversário, não tem que escolher campo. Se é na chuva, vamos embora. Se é no barro, vamos embora. Se é no sol, vamos embora também. Porque eu sou feita de chuva, sol e barro. (Trecho do Caderno de Campo. Mariane da Silva Pisani. Junho de 2014)

Nas palavras de Ita, ser feita de chuva, sol e barro é a característica

primordial que diferenciava aquelas jogadoras das demais que participavam da

competição. Era o que tornava das jogadoras da ASAPE mais fortes. Era o que

as marcava como jogadoras da várzea paulistana. Entre as atletas que ouviam

essas palavras, notei um brilho confiante e feroz no olhar. Talvez provocado

pelas recordações dos treinos nos campos de barro, seja sob a chuva ou sob o

sol; talvez provocado pela injeção de autoestima que Ita lhes aplicava naquele

momento. A sensação entre elas - soube depois - é de que não haviam mais

obstáculos impossíveis de serem transpostos:

“Não sou, não fui e acredito que não serei uma goleira profissional, mas esse sonho ainda mora aqui no meu coração!! Mesmo não sendo goleira profissional, sou uma goleira varzeana e não tenho vergonha disso. E se você acha emocionante fazer um gol, é porque nunca fez uma defesa.” (Trecho do Caderno de Campo. Mariane da Silva Pisani. Abril de 2016)

Entre muitas das mulheres atletas etnografadas nessa tese, jogar e

iniciar sua vida futebolística nos campos da várzea paulistana é motivo de

orgulho. O futebol da várzea também aparece como um espaço de

pertencimento e vinculo entre elas. A várzea paulistana aparece como um

diferencial positivo na formação de jogadoras e constitui parte central da

formação delas como pessoa e como jogadoras.

221

O contexto dos vestiários nos mostram como os corpos das mulheres

atletas precisa ser preparados e condicionados para a alta performance

esportiva. O corpo delas passa pelo treino diário, que se caracteriza não penas

pela repetição de movimentos – específicos à cada modalidade esportiva -,

mas também pela alimentação adequada, pela suplementação alimentar para

reposição de sais minerais e outras vitaminas essenciais ao desenvolvimento

dos músculo e força, períodos controlados de repouso, reforço muscular,

dentre outros cuidados que precisam ser observados nos momentos de

preparação para competições esportivas.

A construção desse corpo atlético estabelece alguns padrões: é um

corpo que não deve viver uma vida de excessos (álcool, drogas, sexo,

alimentação desregrada); não deve se ausentar dos períodos de competição;

nem pode falhar dando demonstrações de cansaço, fraqueza ou dor. O

antropólogo David Le Breton, contudo, nos diz que a dor na prática esportiva é

por vezes desejada, necessária e precisa ser sentida. Para o autor a dor é o

enfretamento simbólico limite que quando vivido pelo/a atleta ajuda-o/a na

construção de uma identidade esportiva (LE BRETON, 2003). Ou seja, a dor,

quando manejada de maneira adequada e superada, adquire caráter positivo

na formação de um/a atleta.

Existem duas expressões entre os praticantes do halterofilismo

(bodybuilder) que dizem: “No pain, no gain” (sem dor, sem resultados/ganho) e

“a dor é a fraqueza saindo do corpo”. Mesmo entre os/as jogadores/as de

futebol, após as partidas, é comum que eles/as permaneçam – entre 30

minutos e 1 hora – submersos/as em banheiras/piscinas de plástico/tachos

repletas de gelo para amenizar as dores musculares. Contudo, a própria

imersão ocasiona dores e desconfortos. Algumas vezes, inclusive, pude

presenciar jogadoras entrando em estado de choque (frio, tremedeiras, cãibras,

choros compulsivos) durante o processo.

Para Loïc Wacquant (2002), é através da prática diária, cotidiana e

contínua do corpo que o boxeador desenvolve um habitus ou espírito pugilista.

Para Wacquant existe uma característica “particular que resulta do longo

processo de inculcação do habitus pugilístico" (WACQUANT, 2002, p.119). Ou

seja, o corpo não é mais produto apenas de uma culturalização, como pensava

Marcel Mauss (2003), mas também reflexo de uma "remodelação" que ocorre

por intermédio das práticas esportivas.

No contexto dessa etnografia, os corpos das mulheres jogadoras

precisam ser treinados cotidianamente para adquirirem o que chamaremos de

habitus futebolístico e/ou espírito futebolístico. A menstruação e as dores do

ciclo menstrual aparecem como elementos intrínsecos ao corpo da mulher que

precisam ser superados. Logo a menstruação das atletas – assim como das

operárias fabris da década de 1940 -, passa a ser inserida dentro de um

modelo que não permite falhas durante a prática esportiva. Elabora-se,

portanto, uma lógica capitalista e industrial de consumo que permite e estimula

a venda de absorventes internos e externos próprios para a prática esportiva.

Além disso, existe ainda o modelo biomédico de controle e regulação desses

corpos, que prescreve e estimula a venda de anticoncepcionais que permitem

às atletas a pratica contínua das modalidades esportivas, minimizando os

efeitos ou mesmo suprimindo o ciclo menstrual.

A jogadora Helena, ao demonstrar “fraqueza” e dor, recusando-se a

entrar em campo por estar menstruada, provocou uma reação negativa na

técnica e em suas colegas de equipe. Esse caso etnográfico reforça a ideia de

que a menstruação de mulheres atletas precisa ser controlada e manejada de

maneira a não interferir no desempenho esportivo, uma vez que não entrando

em campo naquele dia, nas palavras da técnica, Helena abandonou suas

companheiras na guerra. As críticas à Helena, tanto por parte da técnica

quanto por parte das outras atletas, nos mostra ainda que apesar da

solidariedade existente entre mulheres futebolistas, a recusa de entrar em

campo não é bem recebida e nem aceita de maneira pacífica, torna-se evidente

o comprometimento com a prática do futebol. Era preciso que Helena passasse

pelo processo de “No pain, no gain”; ou seja, era preciso que ela superasse as

dores menstruais e conseguisse alcançar, em prol de todo o grupo, os

melhores resultados possíveis naquele dia. Helena transformou um problema

pessoal (as cólicas) em um problema que precisa ser enfrentado por todo o

223

grupo (a ausência dela em campo).

Nesse sentido, portanto, o momento da preleção do/a técnico/a reforça

elementos como o orgulho, o sentimento de pertencimento ao coletivo, o

vínculo e a confiança entre as jogadoras da equipe, a força e a superação.

Para além do corpo forte, treinado e condicionado, as atletas precisam

desenvolver também o habitus/espírito futebolístico que por características a

tenacidade, a ajuda mútua e o drible das dificuldades. É no desenvolvimento

individual de cada atleta, que o conjunto, a equipe como um todo, triunfa diante

das adversidades – sobretudo dentro de campo, mas também do lado de fora

quando elas desenvolvem o sentimento de pertencimento .

Reza

Certo dia, após uma das preleções de Ita, ainda dentro do vestiário,

Marcinha – uma das jogadoras – tomou a fala e disse para suas colegas de

equipe:

“O povo de Moisés estava perdendo a batalha. Quando Moisés estava passando, Araão e Hur disseram pra ele: “Moisés, vai deixar com que o povo pereça? Vai deixar com que o povo perca a batalha?”. E era povo de Moisés. Moisés disse: “Não. Eu vou buscar um Deus vivo no Monte Carmelo e ele vai responder com fogo”. Então ele subiu a esse Monte e chegando lá, com Araão e Hur do seu lado, viu o povo perdendo a batalha, o povo de Moisés estava perdendo a batalha. Ele observava aquela cena, ele pedia, pedia, pedia pra que o Senhor viesse abençoar. Pra que o povo dele vencesse. E Moisés não conseguia, nada acontecia. Ele, de repente, se ajoelhou, levantou a mão pra cima, e quando ele levantou a mão pra cima o povo começava a vencer. De repente ele cansava e a mão dele se abaixava, e o povo começava a perder a batalha. Araão e Hur percebendo isso foram lá: um segurou de um lado, outro segurou do outro. Eles, juntos, levantaram a mão de Moisés, e disseram assim: “Moisés, nós vamos vencer, porque nós estamos unidos segurando um a mão do outro". E deixavam a mão de Moisés erguida, porque sabiam que quando a mão de Moisés tava erguida, o povo vencia”. (Trecho caderno de campo de Mariane da Silva Pisani)

Após dizer essas palavras para suas companheiras de equipe, Marcinha

terminou sua fala dizendo:

“Então, eu quero dizer pra vocês, a superação de um atleta para com o treinador é quando ele diz “Eu estou machucado, mas eu estou pronto pra guerra”. Então batalhem! Batalhem porque o nosso Moisés está ali (aponta para Ita). Se nós segurarmos a mão dela todos os dias, vamos saber que ela vai estar com as mãos erguida todos os dias por nós, e pedindo, do jeito dela, da maneira dela, pedindo, pra que nós venhamos não só crescer, gente, não só crescer como atletas, mas como pessoas na vida.” (Trecho do Caderno de Campo de Mariane da Silva Pisani)

Assim como essa cena, durante o tempo de trabalho de campo, pude

perceber que os vestiários são locais nas quais a religiosidade se faz presente.

Geralmente, após a fala do/a técnico/a da equipe, alguma jogadora toma a fala

e cita alguma passagem bíblica ou faz algumas referências a Deus e/ou Jesus

que ajude as companheiras na motivação para o jogo que está por vir. Entre as

jogadoras da Associação Atlética Pró-Esporte era comum que elas se

juntassem em uma roda. Ali, abraçadas, rezavam juntas um Pai Nosso e uma

Ave Maria. Porém, diferente de como se reza na igreja – em um tom de voz

ameno, calmo, quase que monótono – elas rezavam como se entoassem um

grito de guerra: alto, forte, poderoso, ritmado. Observava, inicialmente, esse

momento do lado de fora da roda. Via que algumas jogadoras ficavam

arrepiadas nos pelos da nuca, dos braços. Depois de algumas semanas

acompanhando as jogadoras, passei a integrar a roda de oração também. Elas

raramente permitiam que eu ficasse do lado de fora fotografando.

225

Figura 42 - Roda de oração antes da partida. Acervo pessoal de Mariane da Silva Pisani, foto de abril de 2014.

Figura 43 - Jogadora rezando após marcar um gol. Foto de Mariane da Silva Pisani. Julho de 2014.

Geralmente, depois de rezar o Pai Nosso e a Ave Maria, todas juntavam

suas mãos ao centro da roda. Nesse instante Amanda, a capitã da equipe,

puxava um “grito de guerra” para incentivar e dar coragem para as atletas que

entrariam em campo:

“Capitã: Se Jesus está comigo! Grupo: Se Jesus está comigo! Capitã: Comigo Jesus está! Grupo: Comigo Jesus está! Capitã: Se Jesus está comigo! Grupo: Contra mim ninguém será! Capitã: Um por todos! Grupo: Todos por um! Todas: Um, dois, três, ASAPE!”

Sempre buscava não me emocionar ou chorar na frente das atletas,

porém houve uma cena etnográfica que me comoveu bastante. Após perderem

um jogo da semifinal de um campeonato que disputavam em 2014, todas as

atletas se juntaram em roda, como de costume, mas em vez de rezarem as

orações corriqueiras, Marcinha começou a cantar uma música. A música, que

falava sobre superação pela fé, levou todas as atletas às lágrimas. Se

abraçavam, choravam e cantavam. A música misturava-se aos prantos e,

mesmo tendo perdido a partida, elas louvavam a Deus, pois reconheciam que

somente poderiam – quem sabe – encontrar na fé algum o conforto para o

momento.

Acredite que nenhum de nós, já nasceu com jeito pra super-herói, nossos sonhos a gente é quem constrói. É vencendo os limites, escalando as fortalezas, conquistando o impossível pela fé.

Campeão, vencedor, Deus dá asas faz teu vôo. Campeão, vencedor, essa fé que te faz imbatível

Te mostra o teu valor.

Tantos recordes você pode quebrar, as barreiras você pode ultrapassar e vencer!

(Campeão, vencedor – Jamily)

227

Para além desses momentos, dentro dos vestiários – ou nos espaços

mais privados dos jogos – nos campos também havia demonstrações de

religiosidade. Algumas jogadoras agradeciam a Deus os gols feitos,

ajoelhando-se e levantando os dedos.

229

VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações finais que apresento aqui têm por objetivo principal

resgatar algumas das observações e das análises etnográficas que se

sobressaíram ao longo do desenvolvimento desse trabalho de doutorado. O

intuito não é, portanto, apresentar conclusões definitivas à pergunta desta tese,

mas sim estimular a abertura de novas questões que possam orientar e guiar

trabalhos futuros no campo da Antropologia, sobretudo na temática esportes

praticados por mulheres.

O primeiro ponto que elenco como importante para o desenvolvimento

dessa etnografia foi perceber-me dentro de um processo contínuo de interação,

que tinha por características a intensidade, a proximidade e a convivência

cotidiana com as interlocutoras. Foi apenas no com convívio com as mulheres

jogadoras de futebol da cidade de São Paulo que esse trabalho pode se

desdobrar, tomando formas não imaginadas antes, passando assim a fazer

sentido enquanto etnografia. Deixar-me ser afetada, nas palavras de Favret-

Saada, foi o que proporcionou a interação e o livre trânsito nessa rede de

mulheres atletas. Para trabalhos futuros, há que se pensar em quão profícuas

essas aproximações podem ser, bem como quantos dilemas éticos nossas

interações em campo podem impor às nossas pesquisas.

O segundo ponto que destaco aqui é o potencial existente na utilização

dos meios audiovisuais para o desenvolvimento da pesquisa. Acredito que por

ser um ambiente esportivo, a câmera fotográfica era percebida e aceita de

maneira positiva. Talvez, se a etnografia fosse desenvolvida em outros

ambientes, a recepção não fosse tão favorável. No contexto futebolístico,

contudo, as câmeras fotográficas e fílmicas me permitiram livre acesso a todos

os espaços de um estádio de futebol e muitas das conversas, situações,

histórias e momentos só puderam ser etnografados à medida que me

posicionava com a câmera perto das pessoas. Os recursos audiovisuais –

fotografias e filmes – serviram também como instrumentos que auxiliaram na

produção da etnografia em momento posteriores, quando retornava com os

mesmos e conseguia conversar com as jogadoras sobre outras temáticas que

não o futebol.

Nesse sentido, acompanhei ao longo dos últimos anos mulheres que

escolhem o futebol enquanto prática esportiva seja na qualidade de prática

amadora, profissional ou de lazer. Essas mulheres estabelecem, entre si, redes

de apoio e solidariedade, sendo que algumas dessas redes ajudam-nas,

inclusive, a lidar com cotidianos por vezes violentos, simbólica ou fisicamente.

As redes - que considero como terceiro elemento essencial para o

desenvolvimento dessa tese - por sua vez, orientam a circulação dessas

jogadoras pela cidade de São Paulo, estabelecendo a partir de diferentes

formas de sociabilidade dois tipos de circuito: o futebolístico e o afetivo-sexual.

Os circuitos futebolístico e afetivo-sexual apareceram aqui como o

quarto elemento relevante nessa tese. Foi a apenas percorrendo os mesmos

que pude estar em contato com mulheres tão diversas e diferentes entre si.

Não por acaso, compõem o escopo desse trabalho cinco equipes de futebol

praticado por mulheres da cidade de São Paulo. Constatei ainda que as cinco

equipes etnografadas mantinham contato e estabeleciam relações de

sociabilidade – ora profissionais, ora afetivas – entre si.

O quinto ponto eleito para o desenvolvimento dessa tese é a utilização

dos Marcadores Sociais da Diferença. O gênero, a raça e a sexualidade

apareceram como categorias de análise essenciais para compreensão de

como, a partir do corpoe do futebol, as jogadoras constroem redes de

sociabilidade e afetividades diversas. Foi a partir da articulação entre esses

Marcadores que evidenciamos que os discursos sobre a participação das

mulheres no futebol caminhou, ao longo do tempo, em três direções

específicas: as Esferas da Moral, Saúde e Fetichização. Todos esses

culminavam por afastar ou restringir de diversas maneiras as mulheres dos

campos de futebol.

Pudemos constatar também que as mulheres negras ainda possuem

acesso restrito às práticas esportivas, bem como sofrem com atitudes racistas

quando conseguem se estabelecer como atleta. Ao mesmo tempo, são essas

mulheres negras que muitas vezes fazem do futebol um espaço de

231

profissionalização, ao contrário das mulheres brancas que geralmente praticam

o futebol por lazer/diversão.

Constatamos ainda que a sexualidade das mulheres jogadoras de

futebol é um ponto que requer bastante cuidado na hora de ser abordado e

analisado, na medida em que a lesbianidade não é vivida por essas mulheres

de maneira segura e positiva nos espaços públicos. Assim como a lesbianidade

não pode ser vivida de maneira positiva nos espaços públicos, as mulheres que

realizam performances corporais mais masculinas também sofrem ataques

violentos. Contudo, apesar das violências e da falta de positividade na

evidência das lesbianidades e masculinidades no corpo das mulheres

jogadoras, as redes e estratégias construídas por elas ajudam-nas a enfrentar

e resistir às desigualdades. Elas evocam o sentimento de grupo e

pertencimento a partir do futebol, criando redes de sororidade, proteção,

afetividade e amizade.

Os vestiários etnografados aparecem como o sexto e último ponto

essencial para essa estruturação dessa tese. Foi a partir das relações

estabelecidas entre as jogadoras nesses espaços específicos que pude

acompanhar como o corpo tornou-se central na articulação de todos os

elementos acima mencionados. É a partir e através do corpo atlético que as

mulheres jogadoras vivem e circulam na cidade de São Paulo, relacionam-se

entre si, disputam partidas, constroem redes de afetos e sociabilidades

diversas.

Se dentro de campo as intempéries a serem superadas são a chuva, o

sol e o barro; fora de campo muitas das mulheres dessa etnografia viveram

situações diversas de violência física e simbólica. A misoginia, o racismo, o

sexismo, a lesbofobia e a transfobia aparecem em muitos dos discursos, dos

relatos e das observações realizadas. Contudo, foi a partir da prática do futebol

e da pertença ao grupo composto por mulheres que dividem um background

em comum que muito desses episódios de violência puderam ser manejados e

contornados.

Acredito, por fim, que ser feita de chuva, sol e barro, nesse contexto

etnográfico significa ser, por excelência, jogadora de futebol.

233

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