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Métodos alternativos de pesquisa na universidade contemporânea:
uma reflexão crítica sobre a/r/tography e metodologias de
investigação paralelas Leonardo Charréu
GEPAEC – Grupo de Investigação e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura,
Universidade Federal de Santa Maria
I2ADS- Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedades,
Universidade do Porto, Portugal
Para investigar é preciso seguir uma metodologia (e ser/estar consciente da
mesma)
O texto que se segue trata da questão sensível e, simultaneamente urgente, da
procura e da necessidade de se encontrarem (e conceberem) metodologias de
investigação que façam sentido, e que sejam mais apropriadas para investigar as
temáticas e as problemática que fazem parte do campo, em continua expansão, da
chamada arte educação.
A escolha de uma metodologia de investigação costuma presidir às preocupações
mais prementes dos investigadores na hora de iniciar, efetivamente, a sua investigação.
A prática de alguns anos na supervisão científica de investigação no ensino superior
dá-nos a convicção de que um bom número de jovens (e “menos jovens”
investigadores) iniciam programas de formação avançada sem terem presente, à priori,
a necessidade e a importância de definirem, com a maior clareza possível, uma
metodologia de investigação sobre a qual apoiar a pesquisa que querem desenvolver.
Isto não seria tão grave se todos programas de formação avançada (de mestrado ou
doutorado) tivessem na sua componente curricular (os que a têm!) um curso ou uma
disciplina de metodologias de investigação. No entanto, a simples existência desta
disciplina não garante, à partida, que o leque de todas as opções metodológicas estejam
disponíveis e sejam acessíveis aos investigadores.
É ainda muito comum uma certa concepção dicotómica do processo investigativo,
onde as metodologias quantitativas se posicionam, em regra antagonicamente, em
relação às metodologias qualitativas. Esta concepção tem uma espécie de equivalente
metafórico na visualização a duas cores da realidade, como se víssemos o mundo nas
antigas televisões a “preto-e-branco”, não permitindo, por isso, matizar a observação
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do objeto a estudar e (poder) chegar a outras cores mais vivas e mais coloridas, quiçá
mais adequadas à explicação/interpretação de mundo que queremos empreender.
A dimensão fenomenológica e de “caso” do objecto ou da prática artística, obrigam
a repensar o papel das metodologias de investigação que costumam colonizar os
espaços investigativos dos centros de investigação.
A questão da necessidade de novas metodologias de investigação que rompam com
as premissas e os cânones da ordenada matriz positivista, que no fundo são os que
marcaram (e, efetivamente, ainda marcam) um boa parte da investigação que se realiza
no mundo universitário, vem interessando crescentemente, não só os metodólogos,
como também os especialistas das áreas de interface entre a educação e as artes, na
verdade um território resolutamente transdisciplinar.
A “tradição” qualitativa de investigação em arte e a necessidade de novas
metodologias de investigação
Segundo Viadel (2011: 271-272) dispomos hoje de um número suficiente de
manuais de investigação, de revistas internacionais especializadas, congressos
nacionais e internacionais e de grupos de investigação, que podemos afirmar que,
desde há algumas décadas, a Educação Artística se tem configurado como um território
de investigação com a sua própria identidade distintiva, situado exatamente na
interseção entre os problemas das artes visuais e os problemas educativos que são
colocados por novos tempos e por novas necessidades e, consequentemente, não são
solucionáveis com as estratégias do passado.
Até muito recentemente, uma tendência historicista-descritiva constituía uma
espécie de marca genética das inúmeras teses de mestrado e de doutoramento que a
carreira universitária obrigava os seus docentes e investigadores a desenvolverem. A
História da Arte, a Teoria e a Crítica de Arte, ou uma aproximação ao objecto de
estudo a partir de disciplinas isoladas, como a Sociologia, a Filosofia (Estética) ou a
Psicologia, constituiu a plataforma segura e validada com que muitos académicos
desenvolveram estudos sobre arte, ou sobre arte educação. Por outro lado, o propósito
de muitas das investigações, que querendo sair do paradigma historicista-descritiva,
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procuraram ser mais “experimentais”, também não conseguiram ir mais longe do que a
perspectiva que podemos classificar como “clássica”, como a define Eisner (1998:27).
Para este autor norte-americano o propósito da investigação “clássica” é o de
descobrir relações de causa e efeito mediante a experimentação ou, se tal não for
possível, mediante estudos correlacionais que exponham relações muito fortes que
mostrem com evidência que certas variáveis (na investigação) se relacionaram com
muita consistência com outras e que a manipulação de uma delas pode produzir
mudanças nas outras. Apetecível, sem dúvida, para uma certa visão pragmática e
funcionalista de arte e da educação!
Mas se parecem ser interessantes estes princípios de base quando investigamos o
tangível, isto é tudo aquilo que podemos de algum modo definir e quantificar, então
que aproximações ou metodologias podemos utilizar para abordar o intangível? Ou
seja, como investigar tudo aquilo que circunscreve o mundo da arte e dos “fenómenos”
artísticos e/ou dele derivados?
Alguma conceptualização, abertura e flexibilidade metodológica da chamada
Investigação Qualitativa (IQ) pode oferecer uma plataforma interessante para o
desenho de uma investigação em artes, ou arte educação. Em boa verdade muita da
investigação corrente foi e tem sido baseada em métodos da IQ. Para muitos (Bresler &
Stake, 1992; Geertz, 1978, pub. orig. 1973; Lincoln & Guba, 1985) a IQ é um termo
genérico que se refere a diversas estratégias que partilham certas características tais
como:
(1) uma noção construtivista de realidade;
(2) uma ênfase na interpretação, quer dos participantes, quer do investigador;
(3) um modo holístico de abordagem à realidade que é mais visto como limitado
pelo contexto e pelo tempo do que por um conjunto de leis gerais; e
(4) uma descrição altamente contextual de pessoas e acontecimentos.
O conceito de realidade assume, portanto, uma centralidade incontornável,
considerando-se que “o conhecimento é uma construção humana” (Bresler, 1994:1). O
objectivo do Investigador qualitativo não é a descoberta de uma dada realidade mas,
antes, destacar as diferentes interpretações dessa realidade construindo uma clara
memória experiencial que contribua para uma tomada de consciência mais sofisticada
por parte do indivíduo. Não será precisamente isto o que os artistas buscam? E não irão
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as suas “interpretações da realidade” (humana, natural, sobre-natural, urbana,
consciente, sub-consciente, etc.) utilizando toda a panóplia de media disponível
(matérias, sons, corpos, gestos, palavras...) ao encontro dessa tomada de consciência
mais sofisticada?
A dificuldade em investigar (com) dados não-verbais
Como bem assinala Viadel (2011:281), as chamadas Metodologias Artísticas de
Investigação (MAI) estando muito próximas das premissas qualitativas, destacadas
anteriormente, colocam vários problemas epistemológicos e metodológicos. Podemos
destacar, pelo menos três, que tendem a chocar com os princípios metodológicos das
investigações quantitativas (e, até, muitas investigações qualitativas), são eles:
- a) a pluralidade de linguagens de (re)presentação;
- b) a complexidade semântica e a amplitude conotativa dos resultados; e
- c) a flexibilidade dos dados empíricos.
Ou seja, começamos por nos confrontar, em primeiro lugar, com o uso de
linguagens e formas de apresentação e de representação dos dados, processos e
resultados, que ultrapassam a linguagem verbal escrita e as tão comuns análises
estatísticas de dados quantitativos que uma panóplia conhecida de software informático
(SPSS, Excell, Nvivo, etc. ) costuma potenciar e, até, a dar aparência visível, por vezes
interessante, sob a forma de gráficos de todos os tipos, cores e formas.
Os livros constituíram, então, as fontes incontornáveis para todos estes estudos até
aos inícios dos anos 90 e à proliferação da WWW. Mas como assinalam alguns autores
(Blair, 2007; Goldfarb, 2002; Barone & Eisner, 1997;), nestes últimos anos, assistimos
a um desafio que os novos media eletrônicos começam a colocar à chamada palavra
escrita e aos livros como símbolos do conhecimento académico.
Em certo sentido busca-se hoje, com as chamadas metodologias artísticas, a
construção de uma determinada narrativa, mas até este termo (à falta de melhor) tem
uma espécie de contaminação de origem, estando demasiado colado à dimensão verbal
e textual do discurso. Todavia, como bem destacam Thomas Barone e Elliot Eisner, a
noção de narrativa pode tomar várias formas que não pertençam exclusivamente ao
discurso verbal:
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“Discutimos abordagens baseadas artisticamente na investigação
educacional em que o primeiro medium através do qual tais relatos
foram apresentados foi a prosa escrita. É verdade que o que tem sido
chamado de "narrativas historiadas" e "crítica educacional" tem
empregado material linguístico quase exclusivamente. Os académicos
escrevem, os editores publicam... No entanto, é importante ressaltar
que nem a língua nem o número têm um monopólio sobre os meios
através dos quais os seres humanos representam o que chegam a
saber... As imagens visuais, por exemplo, tornam possível formular
significados que escapam à descrição linguística. Os seres humanos
inventaram mapas para fazerem relacionamentos simples, que seriam
muitas vezes mais difíceis de descrever em palavras ou números”
(Barone & Eisner, 1997:90)
Estamos, portanto, num período de desafiante transição. Se até agora eram as
chamadas linguagens alfanuméricas (textos e números) as únicas que eram
reconhecidas e aceites na investigação educativa; vivemos agora um momento em que
se desenvolvem novas metodologias que nos levam a admitir que as formas e géneros
próprios das manifestações artísticas contemporâneas, que desenvolveremos a seguir,
podem abrir novas possibilidades a este campo de conhecimento artístico. Chegados
aqui, também é justo dizer que uma boa parte da escola tradicional não sabe lá muito
bem o que fazer com esse conhecimento artístico, tal a influência, o peso e a limitação
que uma certa concepção disciplinar e fechada de conhecimento ainda manifestam
sobre a instituição escolar.
Não deixa de ser interessante, que o contributo para uma certa renovação, ou até
mesmo tentativa (!?) de ultrapassagem do conhecimento disciplinar que atualmente se
procura, em particular nos estudos transdisciplinares, tenha provindo paradoxalmente
de uma disciplina como a Antropologia e, dentro dela, da Etnografia, à qual Geertz
(1978) dedica um elegante texto influenciado por Suzanne Langer e Max Weber. Nesse
texto, muito citado no âmbito da antropologia e da crítica cultural, procura centrar-se
no método e nos propósitos dessa “ciência” de onde sobressai uma prática que
denomina “descrição densa” e tem quatro características interrelacionadas:
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(1) é interpretativa,
(2) o que interpreta é o discurso social,
(3) a interpretação consiste em salvar o que foi dito num discurso de modo que ele
não se extinga e fixá-lo em normas pesquisáveis e, por fim,
(4) a “descrição densa” é microscópica (no sentido de ser profunda e detalhada).
Em suma, como refere Eisner, 1998:33) esta “descrição densa” é uma tentativa de
interpretar, de fazer aflorar debaixo da superfície o aspecto que considera ser o mais
enigmático da condição humana: a construção (ou a busca) de significado, que no
fundo é o que todos os artistas, professores e investigadores procuram.
Portanto, a recuperação do trabalho intelectual e das ideias Geertz que efetivamente
pertencem aos longínquos anos 70, fazem hoje todo o sentido para uma concepção de
investigação que seja viável e atenda às vicissitudes da cultura, crescentemente visual,
e às mudanças de toda a ordem que se estão operando nas sociedades contemporâneas,
pois que o conceito de cultura que Geertz defendia era essencialmente semiótico
(Geertz, 1978:15). Como Max Weber, acreditava que “o homem era um animal
amarrado às teias de significado que ele mesmo teceu”. Assumia a cultura como sendo
essas teias e a sua análise. Neste sentido, a cultura, em termo genéricos, bem como
muitos dos fenómenos que nela se geram (como a arte e a educação) não se podem
abordar tomando como guia, exclusivamente, os paradigmas da chamada ciência
experimental, em busca da confirmação de leis mas, ao invés, considerando-os como
uma ciência interpretativa, à procura de significado.
Mas, chegados aqui, o que não deixa de ser paradoxal é a fatalidade de uso do
discurso, ou pelo menos de um nível mínimo de discurso fundamental para tentarmos
realizar a compreensão do que tentamos apreender.
A clarificação e o desenvolvimento recente de metodologias baseadas na prática e
na arte
A primeira década do novo século trouxe uma profusão e clarificação de
metodologias que se procuraram exatamente situar-se numa terra de ninguém,
procurando preencher uma espécie de hiato que se situa, precisamente, entre o
fenómeno artístico (e todas as suas variantes) e a educação.
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Thomas Barone e Elliot Eisner ajudam a definir, em meados da primeira década
deste nosso século, um novo campo metodológico: Arts-Based Educational Research
(ABER), na sua tradução para a língua portuguesa: Investigação Educacional
Baseada nas Artes (IEBA).
Definiam a ABER/IEBA como uma forma de pesquisa destinada a aumentar a nossa
compreensão de determinadas atividades humanas por intermédio de meios e processos
artísticos (Barone & Eisner, 2006:95).
No entanto, a concepção de um projeto ABER/IEBA dificilmente pode ser
formulável nas bases seguras e replicáveis de muitos processos da investigação
qualitativa. Na realidade, como bem destacam (Knowles & Cole, 2008, citados por
Irwin, 2012:85), as formas e processos artísticos escolhidos, as suas qualidades
estéticas, etc. fazem variar imenso os projetos ABER/IEBA resgatando-os, de algum
modo, das rotinas ou tendências investigativas que costumam instalar-se após as
aceitações tácitas da comunidade académica de modelos de investigação, redação e
apresentação que tendem a ser comuns, discretos, e não levantam muitas polémicas.
Nestas perspectivas “tradicionais” de investigação, como já sublinhámos
anteriormente, busca-se a certeza, a validade e a confiabilidade (Eisner, 1998:27) de
modo que o que se descobre possa explicar e, de certo modo, prever os resultados.
Procura-se uma confirmação, não uma forma de ampliarmos a nossa capacidade de
conhecer, que é, fundamentalmente, o que a ABER/IEBA busca, ao proporcionar uma
percepção mais “aguçada” sobre os acontecimentos, fenómenos e situações humanas
que requerem novas formas de abordagem para serem compreendidas de outra
maneira. As linguagens artísticas ligadas aos diversos processos e meios têm essa
capacidade de ultrapassar uma certa dimensão preditiva para, ao invés, dar a conhecer
determinadas dimensões da realidade até então desconhecidas, ou pouco valorizadas.
Estas novas compreensões podem ser fulcrais para o desenvolvimento de novas
práticas e políticas educativas (Irwin, 2012:85).
Uma outra metodologia que tem vindo a desenvolver-se nos últimos tempos é a
Arts-Based Research (ABR), ou Investigação Baseada em Artes (IBA), na tradução
para língua portuguesa. Esta metodologia comunga dos mesmos princípios da
ABER/IEBA, todavia, não procura exercer qualquer a influência sobre a educação, que
não é a sua preocupação primordial.
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Já a Practice-Based Research (PBR), Investigação Baseada na Prática (IBP) na
tradução para Língua portuguesa, encontra-se mais próxima da ABER/IEBA. (Candy,
2006; Sullivan 2005). Mas enquanto esta última utiliza as artes, de forma quase
instrumental, para examinar/estudar práticas e acontecimentos educativos, a PBR/IBP
utiliza as práticas dos que realizam a pesquisa para examinar/estudar uma vasta
variedade de atividades. Uma outra diferença subtil entre estas duas metodologias
reside no facto da ABER/IEBA destacar a representação dos resultados enquanto a
PBR/IBP se foca mais nas compreensões derivadas dos processo e dos produtos da
pesquisa.
A a/r/tography: tentativa de definição; suas influências. Transdisciplinaridade e
pesquisa vivencial
Finalmente, chegamos à a/r/tography que é uma metodologia que, no momento
atual, está a ser desenvolvida por um numero crescente de investigadores, em
particular os que provêm do campo artístico. A própria designação é criativa e singular,
na medida em que é meio acrónimo (iniciais) e meia palavra: “a” de artist, “r” de
researcher e “t” de teacher (em ling. port. sucessivamente artista, investigador e
professor). Já a segunda metade do termo “graphy” na sua etimologia grega ({
HYPERLINK
"http://pt.wiktionary.org/w/index.php?title=%CE%B3%CF%81%CE%AC%CF%
86%CE%B5%CE%B9%CE%BD&action=edit&redlink=1" } = graphein) significa
“escrever”, o que não deixa de ser paradoxal, quando no essencial, esta metodologia se
esforça por ultrapassar as limitações da linguagem como veículo de expressão de
experiências humanas que só as artes podem proporcionar. Preferiremos utilizar este
termo na sua tradução inglesa (em português ficaria (A/i/pografia.... com
reminiscências algo estranhas!).
O termo surgiu depois de se terem analisado todo um conjunto de (30) teses
defendidas (entre 1994 e 2004) na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá
(Sinner, et. al. 2006: 1224) procurando-se estudar e comparar as metodologias de
investigação seguidas pelos alunos de pós-graduação e percebendo que o
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entrelaçamento entre teoria, prática e biografia pessoal estava a produzir uma peculiar
metodologia com profundas ligações à investigação-ação. Não é, portanto, uma
metodologia surgida do nada e inteiramente original, dado que deriva de uma
metodologia que já leva, pelo menos, três décadas no seio das chamadas ciências
humanas. Todavia, acrescenta qualitativamente o trabalho artístico, em regra pouco
valorizado no meio académico, sendo talvez esta a sua grande novidade: a de
considerar o trabalho dos artistas num patamar de trabalho idêntico aos dos
pesquisadores tradicionais.
No essencial é uma forma de pesquisa situada no interior da Investigação Baseada
na Prática (PBR/IBP) que inclui as práticas do artista (músico, poeta, artista visual,
bailarino...) as do educador (professor/aprendiz) e as do investigador (pesquisador)
como anotam Irwin (2012:85) e Sinner (et al. 2006).
“Para se estar comprometido com a prática da a/r/tography significa
que deveremos inquirir no mundo por intermédio de um processo
contínuo de fazer artístico, em qualquer forma de arte, e de escrita, não
separada ou ilustrativa de cada uma, mas interconectada e tecida por
intermédio de cada uma dessas formas de arte, para criar significados
adicionais e estimulantes. O trabalho a/r/tographic é estruturado por
intermédio de conceitos metodológicos de contiguidade, pesquisa
vivencial, abertura, metáfora/metonímia, reverberações e excesso, que
são ativados, apresentados ou representados quando uma condição de
pesquisa relacionada esteticamente é considerada como compreensão e
intercâmbio corporizado entre arte e texto, e entre as identidades,
amplamente concebidas, de artista, investigador e professor.
A/r/tography é inerentemente sobre o “eu” como artista/investigador e
professor, mais ainda, é também social quando grupos ou comunidades
de a/r/tographers se juntam para se comprometerem com pesquisas
partilhadas, atuar como companheiros críticos, articularem uma
evolução das questões da pesquisa, ou apresentarem a outros os seus
trabalhos colectivos, evocativos ou provocadores” (Sinner et. al.,
2006:1224).
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Esta consciência da necessidade, ou da fatalidade, de se ter que atender a mais do
que um papel, em muitas das atividades humanas, entre as quais a artística, já era
preanunciada em 2001 pelo escultor português Alberto Carneiro. Seguramente uma
investigação mais ampla enfocada nas dúvidas, inquietações e indagações dos artistas
ao sentirem que a sua vida e o seu “eu” não estão dissociados do trabalho que fazem,
poderia confirmar esta necessidade de se considerar uma metodologia que atendesse e
se enquadrasse melhor numa área de estudos (artísticos e/ou de educação artística) que,
em muitos lugares, tende a não aceitar ser colonizada por metodologias mais próprias
para investigar outro tipo de “conhecimento”.
Alberto Carneiro, a propósito, explicita esta problemática na sua intervenção no
seminário “Os Desenhos do Desenho nas Novas Perspectivas sobre Ensino Artístico”,
organizado pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade
do Porto há mais de uma década atrás. Segundo o escultor:
«...quem desenha coloca-se assim no campo da própria representação, é
simultaneamente sujeito e objecto do desenho. Ao escolher um meio, um
instrumento para desenhar e atuar, cada qual recorre ao seu suposto
saber, ao quadro de referências pessoais. Referências essas decorrentes
das reconsiderações sobre as representações antecedentes que lhe
permitem prever e aferir os desenvolvimentos do projeto de
desenho».(Pacheco et al., 2001: 33-38)
Já nos meados, dos anos 80, antecipando esta ideia de “estarmos no interior do
que fazemos”, relativamente a muitas atividades que realizamos, Donna Haraway,
(1985) afirmara que a tecnologia não é neutra, partindo de outras premissas – como as
tecnológicas e as de género – que, no fundo, são aquelas que ainda hoje estão no cerne
de muito trabalho artístico que incide sobre as representações e conceitos de corpo, de
poder e de sexualidade. Para Haraway “nós estamos no interior do que fazemos e o que
fazemos está dentro de nós”. E se isto faz sentido para uma visão cyborguiana desta
autora, onde o tecnológico, o artístico e o género se cruzam, não deixa de ser uma
espécie de a/r/tography antes do tempo. Esta autora apelava para a necessidade de
arriscarmos novas formas de pensar, à altura da rapidez eléctrica, ou melhor eletrónica-
digital, que parece dominar as novas formas de relacionamento do individuo com o seu
tempo. Os conflitos epistemológicos que surgem quando emergem novas metodologias
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híbridas de investigação são bem a prova que estes novos relacionamentos perturbam
divisões há muito estabelecidas pondo ainda à prova e confrontando novas realidades e
referindo como deverão ser as novas vivências.
Como vimos, a a/r/tography parte de uma perspectiva que amplia o conceito de
investigação-ação, fazendo-o evoluir para uma espécie de prática definitivamente
vivencial (Sumara & Carson, 1997) de modo que as práticas de pesquisa não são só
adicionadas à vida do investigador, mas antes “são” a vida do investigador (Irwin,
2012:85). É neste sentido que Rita Irwin considera confluir o trabalho dos artistas e o
dos educadores. As suas práticas são, no fundo, os lugares para a pesquisa e esta deixa
de ser concebida dentro dos parâmetros limitados na investigação científica tradicional
e passa a constituir uma forma alternativa de “conhecer” dimensões específicas ou
subjetivas da realidade, observadas pelo lado do intrinsecamente humano, que é
aquele, afinal, onde a realidade adquire sentido.
Esta metodologia é, portanto, pesquisa vivencial (tradução nossa do inglês
original living inquiry) e uma aproximação corporizada (i.e. que tem uma forma, um
som, um texto, um movimento corporal, etc.) à realidade constituída, tanto por
interpretações e experiências artísticas e textuais como por representações artísticas e
textuais. E neste sentido, como advoga Irwin (2011:86) o objecto e a forma de
investigação estão num estado constante de devir.
O poeta Carl Leggo (2004:29-30) descreve a pesquisa vivencial como um estado
dinâmico de “aprender a viver poeticamente” onde é treinado nas tradições da
investigação científica ao mesmo tempo que, como poeta, está sempre procurando
compreender as formas em como a poesia abre novas possibilidades de compreensão e
de posicionamento ético. O que leva, consequentemente, a preocupações sociais por
parte do a/r/tographer na medida em que muitos deles estão comprometidos em
investigações que lhes dizem respeito mas que também, simultaneamente, dizem
respeito à comunidade (Chambers, 2004:7).
Conhecendo o conservadorismo do mundo académico, não admira pois que para
muitos investigadores seja inaceitável a própria ideia das obras artísticas (visuais,
textuais, musicais, corporais...) serem os “dados” da investigação, assim como o
próprio processo de pesquisa. Uma ruptura epistemológica e paradigmática se impõe e
assenta no facto da a/r/tography procurar ultrapassar o conceito de “verificação” e
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“organização” da informação simbólica que é tradicionalmente expressa pelos dados
da investigação. Mas os que crescentemente estão a adoptar esta metodologia preferem
sublinhar que as práticas de artistas e educadores, eminentemente experimentais, são
ocasiões para se criar novo conhecimento e que este não pode estar apenas encerrado
na perspectiva tautológica de experimentação para verificação.
Todo o processo de investigação se torna então importante e, às vezes, até mais
importante do que as representações do conhecimento apercebido (Irwin, 2011:86). Os
temas, problemas e ideias explorados inspiram não só a sensibilidade estética como a
curiosidade para aprender mais e para “aprender a aprender”. Sendo vivencial este
processo é sensível à vida porque se trata de estar atento a tudo aquilo que interfere nas
nossas opções, nos nossos gostos, nas nossas inquietações e indagações, tendo muitas
vezes a nossa história de vida como cenário de fundo, relacionando o que
aparentemente não se pode relacionar, expandindo, portanto, o conhecimento humano
para patamares que não se podem de todo vislumbrar à partida.
Por isso a a/r/tography também é, em certa medida, um excelente exemplo de
transdisciplinaridade tão carente de demonstrações metodológicas concretas. Alfonso
Montuori, entrevistado por Russ Volckman define transdisciplinaridade de uma forma
que espelha bastante bem uma imagem clara de a/r/tography:
“Para mim, a transdisciplinaridade não corresponde de todo um
esforço puramente teórico e abstrato. Emerge de uma necessidade real
para enfrentar a complexidade da vida. E para mim, a quarta dimensão
é que você tem que integrar o observador no observado, o pesquisador
na pesquisa - o individuo atualmente lida com essa complexidade e
tenta fazer sentido dela. Você tem que lidar com o pesquisador(a) e
suas perspectivas e valores e de onde é que vêm. Não pode
simplesmente ignorar ou trancar isso. Para mim, é uma parte essencial
da transdisciplinaridade” (Volckmann, 2009:282)
Podendo começar pelo estabelecimento de uma ou mais questões de investigação
– tal como aliás todos os processos tradicionais de investigação – a pesquisa vivencial
assume as questões de investigação e vai fazendo evoluir essas questões ao longo da
investigação. Neste aspecto assemelha-se à Grounded Theory (também conhecida por
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muitos como teoria fundamentada nos dados) como a define os seus principais autores
Barney Glaser e Anselm Strauss. Nesta metodologia, nascida do seio da sociologia nos
finais dos anos 60, o objectivo não é testar teorias já existentes mas antes encontrar
(termo utilizado pelos autores é “gerar”) novas teorias (Glaser, & Strauss, 2009:1-2).
Mas uma diferença fundamental e uma marca distintiva da a/r/tography é que os
seus artistas, pesquisadores e professores são capazes de criarem não só textos, como
também artefactos artísticos que retratam (equivalem) as interpretações obtidas a partir
das suas questões originais de pesquisa, ao mesmo tempo que continuam a prestar
atenção à evolução dessas mesmas questões que guiam a sua pesquisa. Na realidade, as
questões são “mergulhadas” nas práticas dos artistas, educadores ou arte-educadores e
por isso conseguem influenciar as práticas num determinado período de tempo. Há,
portanto, uma certa dimensão intervencionista – como na investigação-ação –
procurando-se um aperfeiçoamento da prática e uma compreensão desta a partir de
diferentes perspectivas, ou procurando utilizar essa prática no sentido de compreender
(ou influenciar, no bom sentido) a experiência de outros (Irwin, 2012:86).
No entanto convém sublinhar que a maioria dos a/r/tographers não cortam
radicalmente com os processos de investigação tradicionais. Muitos utilizam os
formulários e os “materiais” das ciências sociais (entrevistas, recolhas documentais,
observações-participantes, sondagens, etc.) interessando-se ainda pelas histórias
pessoais, episódios únicos e fotografias, constituindo estas últimas o cerne de muitas
das investigações recentes (Cfr. Roldan & Viadel, 2012).
Na realidade, os processo da investigação qualitativa permitem recolher uma
quantidade enorme de dados que poderão permitir, por exemplo, verificar como é que
determinado tema é visto/considerado/modificado em dados diferentes. Imaginemos
uma fotografia de determinada realidade escolar (o cotidiano de uma sala de aula de
uma dada escola) e o relato do professor que pode não ser coincidente com os
“conteúdos” da fotografia. Uma compreensão exequível do significado do que é
expresso quer na foto, quer no relato do professor, só pode ser aferida a partir do lugar
individual do investigador, das suas percepções, das suas vivências in loco e,
provavelmente, de uma eventual resposta sua estética - uma outra fotografia – a uma
situação identificada. O que parece então ser crucial e distintivo nesta metodologia é
que, de algum modo, coloca o artista/investigador/educador no centro da investigação
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ao considerar a sua percepção como algo de importante a levar em linha de conta,
sendo por isso essencial que quem investigue nesta metodologia mantenha uma certa
familiaridade com o trabalho significativo, quer de artistas, quer de educadores
contemporâneos. Deve, portanto, aceitar com naturalidade que as suas práticas podem
ser influenciadas por estas influências pesadas.
Segundo Rita Irwin (2012:87) o trabalho do a/r/tographer, tem quatros
características fundamentais, é:
- Refletivo, na medida em que repensa e revê o que se passou antes e o que
poderá vir a acontecer depois relativamente à temática/problemática sob
investigação;
- Recursivo, dado que permite o desenvolvimento em espiral, fazendo evoluir as
ideias que poderão transitar (subir) por patamares cada vez mais elevados de
determinados pontos comuns;
- Reflexivo, na medida em que interroga e questiona os próprios preconceitos,
assunções, crenças; e por fim
- Responsivo, uma vez que assume a responsabilidade de atuar eticamente quer
com os participantes da investigação, quer com os colegas.
Uma outra característica fundamental é a sua natureza rizomática encontrando-se
também muito próxima das estratégias da VCAE (Visual Culture Art Education), dado
estar permanentemente a fazer conexões entre dados e entre os nós da complexa rede
que circunscreve a realidade envolvente. Irwin refere-se a esta dimensão rizomática da
seguinte forma:
“...Se imaginarmos uma mapa de uma cidade detalhado e
imaginarmos a nossa rota, do ponto A para o ponto B, seguir uma
linha recta, poderia ser eficiente, mas poderíamos perder uma série de
dados contextuais se nãos nos permitirmos a nós próprios desviarmo-
nos ocasionalmente (ou sistematicamente) da linha recta. Permitindo
chegar a mais informação ao longo do caminho, divergindo da rota
original e explorando outros atalhos, poderá parecer uma jornada
(investigativa) desfocada mas, ironicamente, poderá ser até bem mais
focada agarrando as particularidades do lugar.
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Mais, apesar do ponto B poder ter sido o destino original, a região
do ponto B poderá tornar-se o foco, exploramos o conceito de entre-
lugares e portanto movemo-nos para a apreciação da complexidade e
das particularidades desse espaço...” (Irwin, 2012:86-87)
Destacamos a ideia de investigar nos “entre-lugares”, considerando a sua
dimensão física (que é apenas uma entre muitas possíveis) e consequentemente
pensando nos sítios ou territórios sem cobertura educativa, ou marginalizados pelo
poder político vigente ou, ainda, pelos preconceitos instigados (normalmente pelos
media) sobre uma dada população sobre os habitantes de determinados bairros
citadinos.
Existe, portanto, uma educação artística urbana que requer uma pedagogia
expandida (Rolling, 2012:122) que leve, com a maior regularidade possível, o cerne da
aprendizagem para longe dos contextos limitados das salas de aulas, pressionando os
limites do próprio currículo (por vezes tão inócuo) para incorporar os contextos
culturais, sociais, identitários, políticos, estéticos e espirituais experienciados nas vidas
de estudantes e professores da comunidade de aprendizagem. (Shujaa, 1994; Bey,
2011).
A universidade, em termos genéricos, só pode pois olhar para estas novas
metodologias, de ação e compromisso, como uma extraordinária oportunidade de
enriquecer e sistematizar as suas atividades de investigação e de extensão. Isto se
arriscar corajosamente a aceitá-las como metodologias sérias e transformadoras em pé
de igualdade com todas as outras. Esta posição requer capacidade de mudança e
adaptação, o que contraria os códigos genéticos de uma certa ideia de universidade que
continua a seguir (em muitos lugares) de forma aparentemente tranquila, um caminho
pejado de metanarrativas e de supostos saberes estruturantes quando, os novos tempos
e as necessidades que dele emergem, requerem da universidade, em particular da
universidade pública, das suas práticas e ação, uma dinâmica mais viva, mais
transformadora e mais emancipadora dos públicos que deve servir.
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