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O Acórdão Omega do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua Contribuição Teórica para a Construção de um Constitucionalismo Global

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Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes, Marcelo Cattoni de Oliveira e Élcio Nacur Rezende

Organizadores

I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

O Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a Democratização do

Direito ConstitucionalCaderno de Resumos

1st International Congress on Constitutional Law and Political Philosophy

On the Future of Constitutionalism: Perspectives for Democratizing Constitutional Law

Book of Abstracts

I Congreso Internacional de Derecho Constitucional y Filosofía Política

El Futuro del Constitucionalismo: Posibilidades para la democratización del

Derecho Constitucional Libro de Resúmenes

Belo Horizonte2014

I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia PolíticaO Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a Democratização

do Direito Constitucional

Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes, Marcelo Cattoni de Oliveira e Élcio Nacur Rezende (Orgs.)

Copyright © desta edição [2014] Initia Via Editora Ltda.Rua dos Timbiras, nº 2250 – sl. 103-104

Bairro LourdesBelo Horizonte, MG

30140-061www.initiavia.com

Editora-Chefe: Isolda Lins RibeiroEditora Adjunta: Renata Esteves Furbino

Editora Júnior: Lídia M. de Abreu GenerosoRevisão: autores

Diagramação: Amanda BastosCapa: Eduardo Furbino

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial deste livro ou de quaisquer umas de suas partes, por qualquer meio ou pro-cesso, sem a prévia autorização do Editor. A violação dos direitos autorais é punível como crime e passível de indenizações diversas.

______________________________________________________ Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política (1. : 2014 : Belo Horizonte, MG)C749 O futuro do constitucionalismo: perspectivas para democratização do direito constitucional / organizadores: Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, Élcio Nacur Rezende. - Belo Horizonte : Initia Via, 2014.

480 p. – Caderno de Resumos

ISBN 978-85-64912-58-8

1. Direito constitucional - Congressos . 2. Filosofia do direito – Con-gressos. I. Bustamante, Thomas. II. Fernades, Bernardo Gonçalves. III. Cattoni de Oliveira, Marcelo Andrade. IV. Rezende, Élcio Nacur. IV. Título.

CDU: 340(061.3)

I CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL E FILOSOFIA POLÍTICAO Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a

Democratização do Direito Constitucional

Comissão Organizadora Prof. Dr. Thomas da Rosa de Bustamante (Presidente)

Prof. Dr. Bernardo Gonçalves FernandesProf. Dr. Marcelo Cattoni de Oliveira

Prof. Dr. Élcio Nacur Rezende Profa. Ana Luisa de Navarro Moreira

Prof. Rafael Dilly Patrus Ludmila Lais Costa Lacerda

Christina Vilaça Brina Igor de Carvalho Enríquez

Comitê Assessor Profa. Dra. Adriana Campos Silva Prof. Dr. André Mendes Moreira Prof. Dr. Brunello Souza Stancioli

Prof. Dr. Emílio Peluso Neder MeyerProf. Dr. Fabrício Bertini Pasquot Polido

Prof. Dr. Gláucio Ferreira Maciel GonçalvesProf. Dr. Léo Ferreira Leoncy

Prof. Dr. Marcelo Campos Galuppo Prof. Dr. Márcio Luís de Oliveira

Profa. Dra. Maria Fernanda Salcedo Repolês Profa. Dra. Mariah Brochado Ferreira

Profa. Dra. Misabel de Abreu Machado Derzi Prof. Dr. Onofre Alves Batista Júnior

Prof. Dr. Ricardo Henrique Carvalho SalgadoProf. Dr. Rodolfo Viana Pereira

Deivide Júlio Ribeiro Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante

Lucas Azevedo PaulinoRenato Alves Ribeiro Neto

Sumário

Apresentação .................................................................................................... 13Presentation ..................................................................................................... 15Presentación .................................................................................................... 17

GT1: O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democraciaA oposição de Jeremy Waldron às ideias constitucionalistas de Ronald DworkinLinara Oeiras Assunção; Simone Maria Palheta Pires .......................................... 19Novo constitucionalismo latino-americano: uma via para a legitimação do hiperpresidencialismo nas democracias populistasAna Tereza Duarte Lima de Barros; José Mario Wanderley Gomes Neto ................... 22Desjudicialização da política, resgate do papel das instâncias representativas e fortalecimento da democracia: um estudo à luz do argumento das capacidades institucionais Rhaíza Sarciá Bastos; Zamira Mendes Vianna .................................................... 25Separação dos Poderes, Lealdade Institucional e Cooperação ConstitucionalRaoni Bielschowsky ........................................................................................... 28Uma defesa da relativização da teoria da nulidade dos atos inconstitucionaisChristina Vilaça Brina; Igor de Carvalo Enríquez ............................................... 31Ratio Decidendi e Stare Decisis - estudo da força vinculante do precedente constitucionalVera Karam de Chueiri; Lucas Henrique Muniz da Conceição ............................. 34As Organizações Internacionais e o Paradigma Atual entre de Proteção à Dignidade da Pessoa Humana e a Projeção Externa da SoberaniaDamasceno, G. P. M. ......................................................................................... 36O dilema da jurisdição constitucional Álvaro Ricardo de Souza Cruz; Bernardo Augusto Ferreira Duarte ....................... 38A Teoria da Separação de Poderes e o Princípio da Representação segundo KantValter Freitas ..................................................................................................... 41Omissão legislativa e crise entre os poderes: a Lei de Inconstitucionalidade por Omissão deve ser alterada?Fabiana de Menezes Soares; Pedro Augusto Costa Gontijo .................................... 43Diálogo institucional entre poderes e afirmação da democracia participativa: a necessária superação da dicotomia entre a supremacia judicial e a soberania popularClarissa Fonseca Maia ....................................................................................... 46La justificación del control de los contenidos constitucionalesDiana Sofía Zuluaga-Vivas; César Augusto Molina-Saldarriaga .......................... 49

GT2: Teorias da interpretação constitucionalInterpretação jurídica e o uso da teoria alexyana pelo STJHenrique Napoleão Alves ................................................................................... 52Interpretação constitucional e justiça no estado democrático de direito: uma análise crítica sobre o positivismo jurídico e a interpretação do Direito em KelsenGabriella Sabatini Oliveira Dutra; Rafael Faria Basile ....................................... 56La interpretación constitucional en contextos multiculturales Jaime Gajardo Falcón ........................................................................................ 60Da Hermenêutica Formal à Transacional: Estudos sobre a pré-compreensão do intérpreteRodrigo Farias .................................................................................................. 63

Interpretação Conforme e Interpretação de Acordo com a Constituição: Precedentes do STJ e Controle Difuso de Constitucionalidade Luiz Henrique Krassuski Fortes .......................................................................... 66Kelsen e a teoria da interpretação constitucional Humpty Dumpty Samuel Moreira Gouveia .................................................................................. 69Controle de constitucionalidade e hermenêutica filosófica: entre o substancialismo e procedimentalismoJoão André Alves Lança ...................................................................................... 72Mitologia, caracterização do Poder Judiciário e novas diretrizes para a hermenêutica jurídica: o Juiz Hércules encontra a Juíza PenélopeIgor Suzano Machado ........................................................................................ 75Hermenêutica filosófica e sua contribuição para a jurisdição constitucionalCristiano de Aguiar Portela Moita ...................................................................... 78A (ir)racional aplicação da proporcionalidade pelo STFFausto Santos de Morais ..................................................................................... 81Interpretación Judicial de la Corte Constitucional Colombiana en la sentencia C 590 de 2005, respecto de los requisitos especiales: decisión sin motivación y desconocimiento del precedente, en contraste con el debate entre reglas y principiosAlejandra Marcela Arenas Moreno ..................................................................... 85Derrotabilidade: Perspectivas a cerca de um novo nível de interpretação jurídicaLucas Costa Oliveira .......................................................................................... 88A Interpretação do Direito em Dworkin: a interpretação jurídica como uma forma criativa de interpretação Robson Vitor Freitas Reis ................................................................................... 91A legitimidade metodológica da extensão material dos direitos fundamentaisFausto Santos de Morais; José Paulo S. dos Santos ................................................ 94Aspectos para um avanço analítico-teórico a respeito da dignidade humanaDanilo Saran Vezzani; Marco Aurélio Ferreira Caires .......................................... 98

GT3: Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidadeA sociedade no STF – diagnóstico e perspectivas: o caso da ADPF 54Mário Cesar da Silva Andrade .......................................................................... 103Constitucionalismo popular e crítica à supremacia judicial: lições para o BrasilMiguel G. Godoy ............................................................................................ 106Litígio Estratégico no Movimento das Mulheres: instrumento de compensação na lógica do estruturalismo jurídico?Lívia Gil Guimarães ........................................................................................ 108O papel construtivo das possibilidades deliberativas para legitimidade e democratização de decisões constitucionaisLudmila Lais Costa Lacerda ............................................................................. 110Dissenso e democratização do controle de constitucionalidade: fundamentos para o diálogo institucional a partir de Carl Schmitt e Chantal MouffeJairo Néia Lima .............................................................................................. 113Constitucionalismo Popular Mediado: a promessa delicada de um diálogo social seletivo e pelo altoJoana de Souza Machado ................................................................................. 116Public Participation in Constitution Building ProcessesDiego Andrés González Medina ....................................................................... 118

Judicial Review nos Tribunais MaçônicosGrégore Moreira de Moura .............................................................................. 123La legitimidad democrática de la jurisdicción constitucional y el acceso directo de los ciudadanos al control de constitucionalidadJorge Ernesto Roa Roa ..........,........................................................................... 125(I)legitimidade democrática e os critérios de composição do Supremo Tribunal FederalRene Sampar; Henrique Franco Morita ............................................................ 127O dilema da conexão entre os conceitos de omissão legislativa inconstitucional e as normas de eficácia limitadaDanielle Cevallos Soares ................................................................................... 130Hermenêutica Constitucional: uma análise do amicus curiae à luz da “integridade” proposta por DworkinIsmael Fernando P. Villas Boas Jr. ..................................................................... 132

GT4: Liberdades democráticas e suas restrições: liberdade religiosa, liberdade de expressão e direitos análogos

Restrições na liberdade em nome da igualdade: sempre algo a se lamentar? Jacqueline de Souza Abreu ............................................................................... 134A intolerância religiosa às religiões afrodescendentes como forma de violação ao direito à liberdade religiosa – uma análise a luz da decisão na ação civil pública 0004747-33.2014.4.02.5101Jessica Hind Ribeiro Costa ............................................................................... 137O filtro da razão pública rawlsiana no debate entre seculares e religiososFranklin Vinícius Marques Dutra .................................................................... 140O caso das biografias não autorizadas: uma análise de ponderação e proporcionalidade à luz da teoria dos princípios de Humberto ÁvilaThais Fernandes; Tatiane Munhoz .................................................................... 142“Hate Speech” e Estado Democrático de Direito: breves considerações acerca da limitação à liberdade de expressão Mariana Colucci Goulart Martins Ferreira; Alexandre Ribeiro da Silva ................ 146What’s the political justification of the freedom of speech?Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior .............................................................. 149A imposição jurídica da moral - Um debate entre Lord Devlin e H.L.A. HartClarissa Gross ................................................................................................. 152O ensino religioso nas escolas públicasLucas de Barros Peron Maciel ........................................................................... 155Mínimo existencial e liberdades: interfaces a partir da teoria do desenvolvimento como liberdadeMatheus Medeiros Maia; Talita Soares Moran .................................................. 157Perspectiva alemã acerca das pesquisas envolvendo DNA Humano: liberdade de pesquisa, direitos da personalidade e direitos patrimoniaisVítor Carvalho Miranda ................................................................................. 160Reflexões sobre a liberdade religiosa e o discurso de ódio no Estado Democrático de DireitoNatália Torquete Moura .................................................................................. 163Laicidade, estereótipos e o “outro”: uma conversa com Jean Baubérot sobre o caso francêsMaria Fernanda Salcedo Repolês; Francisco de Castilho Prates ........................... 165O direito ao esquecimento (right to oblivion) Leonardo Netto Parentoni ............................................................................... 168

O chumbo e o discurso: Jeremy Waldron e Ronald Dworkin sobre liberdade de expressãoLeonardo Gomes Penteado Rosa ....................................................................... 170Liberdade de expressão e democracia: pluralismo e justiça nas sociedades contemporâneasMarina França Santos ..................................................................................... 174A liberdade de expressão e o público infanto-juvenil Thaís Fernanda Tenórico Sêco .......................................................................... 176

GT5: Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional

Legitimidade do controle de constitucionalidade no marco da separação funcional entre direito e política: a jurisdição constitucional pode estar aberta à decisão com base em razões pragmáticas?André Freire Azevedo ....................................................................................... 179A separação dos poderes e a expansão da jurisdição constitucional: uma análise da mutação do artigo 52, X, CF/88 Adriano Souto Borges ....................................................................................... 182Julgando pelas consequências: o pragmatismo cotidiano de Richard Posner e sua influência no processo de tomada de decisões judiciaisMariah Brochado Ferreira; Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante .................... 185O pragmatismo, o Supremo Tribunal Federal e o amiantoGabriela Miranda Duarte; Carlos Fernando Silva Ramos .................................. 188Economic arguments and judicial review: the alternative of Neil MacCormick’s frameworkVinícius Klein ................................................................................................. 190O princípio da eficiência na efetividade dos direitos sociais: a inaplicabilidade da análise econômica para as decisões judiciaisRebeca Borges Machado A. Leitão; Davi Augusto Santana de Lelis ..................... 193A interpretação pro homine e suas perplexidadesLuís Fernando Matricardi ................................................................................ 195Constitucionalismo e diálogo institucional: uma análise dos limites pragmáticos e normativos da noção de ativismo judicial Danilo Nunes Cronemberger Miranda ............................................................. 197Separação dos Poderes, Cortes Constitucionais e o Constrangimento da Razão PúblicaRafael Bezerra Nunes ....................................................................................... 200Uma abordagem descritiva (e suas conseqüências normativas) das relações entre constitucionalismo e democraciaCláudio Ladeira de Oliveira ............................................................................ 203Em busca do verdadeiro papel da Lei Orçamentária e suas possíveis correções pela via judicialDaniel Giotti de Paula .................................................................................... 206Audiência pública o ‘lugar’ dos argumentos consenquencialistasÉgina Glauce Santos Pereira ............................................................................. 208Norma fundamental como axioma de legitimação principiológica em Ronald DworkinSherman Soares Silva ....................................................................................... 211

GT6: Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional

O Acórdão Omega do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua Contribuição Teórica para a Construção de um Constitucionalismo GlobalJeison Batista de Almeida ................................................................................. 214Red judicial interamericana y constitucionalismo multinivelPaola Andrea Acosta Alvarado .......................................................................... 216

Sistema carcerário brasileiro e Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: uma análise do caso da unidade de detenção Urso BrancoCinthia de Cerqueira Alves .............................................................................. 218Constitucionalismo global: novo paradigma para a proteção dos direitos humanosPriscilla Saraiva Alves ..................................................................................... 220A teoria jusnaturalista dos princípios de Antônio Augusto Cançado Trindade e a sua reconstrução à luz da teoria do discurso de Jürgen HabermasBruno de Oliveira Biazatti .............................................................................. 223La naturaleza como “grundnorm” e “tertium comparationis” del “constitucionalismo global”Michele Carducci; Lidia Patricia Castillo Amaya .............................................. 226Memória, estigmas e compreensão do Direito MuçulmanoMarcelo Kokke Gomes ...................................................................................... 229A aprovação da Lei Geral da Copa e a suspensão de direitos: entrelaçamentos e interferências transnacionais na ordem constitucionalCícero Krupp da Luz ....................................................................................... 232A problemática de um constitucionalismo global em face da soberania dos estadosEduardo Silva Luz .......................................................................................... 234A Hierarquia Constitucional dos Tratados de Direitos Humanos Incorporados ao Ordenamento Jurídico BrasileiroAna Carolina Rezende Oliveira ....................................................................... 237As constituições democráticas em face de um constitucionalismo globalFrederico Antonio Lima de Oliveira; Alberto Papaleo Paes ................................. 240Constitucionalismo global e as interações entre Direito Internacional e Direito Interno: um olhar crítico sobre o papel dos três poderes na Constituição de 1988Fabrício Bertini Pasquot Polido; Lucas Costa dos Anjos ...................................... 243Os conflitos de nossa época e a exigência de uma orientação ético-política universalLilian Márcia de Castro Ribeiro ....................................................................... 247O constitucionalismo de Direito internacional privado: inspiração pluralista e tradução metodológica Kellen Trilha Schappo ...................................................................................... 250Constitucionalismo global, cortes e o exercício de autoridade pública internacio-nal: redefinindo as bases de legitimidade do direito internacional contemporâneo? Fabia Fernandes Carvalho Veçoso; João Henrique Ribeiro Roriz ......................... 253A constitucionalização do direito internacional em face do fenômeno da “excludência”Fernando César Costa Xavier ........................................................................... 256GT7: A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídicaA eficácia dos direitos fundamentais sociais nas relações privadas: um desdobra-mento do processo de constitucionalização do DireitoMarcos Felipe Lopes de Almeida ................................................................... 258A força normativa dos princípios constitucionais e o Direito do TrabalhoIsabela Murta de Ávila .................................................................................... 260O surgimento do Direito Ambiental na CF/88 e sua importânciaTayanná Santos Bezerra ................................................................................... 262O instituto da separação na Constituição e no Código CivilLaura Souza Lima e Brito ............................................................................... 265

O direito constitucional do trabalho em um estado de exceção econômico: um estudo da proteção dos direitos sociais trabalhistas no contexto de uma sociedade da austeridadePaulo Rogério Marques de Carvalho ................................................................. 268Direitos Fundamentais, Democracia Constitucional e Cláusulas Pétreas: uma análise da impossibilidade de redução da maioridade penal. Jéssica da Rocha Marques; Richardson Hermes Barbosa Chagas .......................... 271Estado de Direito, Democracia e Processo: a projeção dos valores democráticos no Direito Processual e a importância da participação efetiva para legitimação de decisões-modeloVictor Barbosa Dutra; Saelli Miranda Lages ..................................................... 275Análise da intervenção judicial no sistema socioeducativo do estado do Rio Grande do NorteMariana Dias Ferreira ..................................................................................... 278A justiciabilidade do direito fundamental social à educaçãoNatascha Alexandrino de Souza Gomes; Paola Durso Angelucci ..................... 281A constitucionalização do Direito Penal: do simbolismo formal à plenitudeLuiz Laboissiere Junior .................................................................................... 284Entre o direito e a internet: a soberania em redeRamon de Vasconcelos Negócio .......................................................................... 287Elementos para uma nova compreensão constitucional da jurisdição penalPaulo Henrique Borges da Rocha; Lidiane Mauricio dos Reis ............................. 290Os mutirões de Habeas Corpus realizados pela DPE-BA como via de promoção de acesso à justiça em Feira de SantanaÉlida Priscila Araujo Santana .......................................................................... 292A constitucionalização da execução penal: perspectivas de estudo e operacionalidade da disciplina jurídica a partir de uma interpretação constitucionalizadaAdriano Resende de Vasconcelos ......................................................................... 294

GT8: História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas

Soberania e Indecisão; notas sobre a crítica de Schmitt à Constituição de WeimarIngrid Oliveira de Almeida .............................................................................. 297A pretensão do plebiscito para uma Constituinte exclusiva e soberana sobre reforma políticaBruno César Braga Araripe ............................................................................... 299Atuação político-democrática e práxis constitucional: o poder constituinte sob a ótica de Antonio Negri e de Friedrich MüllerVitor Sousa Bizerril .-....................................................................................... 301O controle de constitucionalidade no Brasil e os modelos clássicosEdna Torres Felício Câmara ............................................................................. 304Direito de Exceção e Normalidade em Giorgio Agamben Andréia Fressatti Cardoso ................................................................................ 307O debate sobre a reforma política no Brasil: realizações e alternativasLucas de Oliveira Gelape .................................................................................. 310Constituinte exclusiva e soberana: uma velha ilusão sob nova roupagemCezar Cardoso de Souza Neto; Diego Vinícius Vieira ......................................... 313É possível identificar um consitucionalismo antigo? A politeia e o status civitatis como princípios organizadores da ordem política Leonam Baesso da Silva Liziero; Matheus Farinhas de Oliveira .......................... 316Constituinte Exclusiva para a Reforma Política: exercício legítimo da soberania popular ou golpe?Deivide Júlio Ribeiro; Lucas Azevedo Paulino ................................................... 319

O ressurgimento do Confucionsimo Político na China: um novo constitucionalismo chinês?Marcelo Maciel Ramos; Rafael Machado da Rocha ........................................... 322Intributabilidade e terras remanescentes quilombolas: a interpretação constitucio-nal na proteção dos direitos fundamentaisGuilherme De Lima Soares .............................................................................. 324Uma nova constituinte: a necessidade de se (re)desenhar o sistema político brasileiroIgor Campos Viana .......................................................................................... 327

GT9: Ativismo judicial e comportamento judicialO Judicial Review e o Ativismo Judicial da Suprema Corte AmericanaEstefânia Maria de Queiroz Barboza; Katya Kozicki ......................................... 330Ativismo Judicial: Fatores e DimensõesCarlos Alexandre de Azevedo Campos ............................................................... 335Direitos fundamentais e a judicialização da política: implicações do ativismo judicial no Estado brasileiroGabriela Nodari Fróes de Castro; Luana Amaral Prado ..................................... 338Ativismo judicial à luz do princípio da Separação dos Poderes: Uma análise de seus efeitos sobre a democracia no Brasil a partir do contraponto entre decisões do Supremo Tribunal Federal e a atuação do Poder LegislativoAparecida de Sousa Damasceno ........................................................................ 341The conception of judicial activism in Frederick Schauer’s formalism and a critiqueRodolfo de Assis Ferreira .................................................................................. 343O que é um Superprecedente?Siddharta Legale ............................................................................................ 345Judicialização e Ativismo Judicial: o comportamento do Poder JudiciárioIsabella Oliveira Godinho; Rebeca Barbosa Andrade .......................................... 348Teria Ronald Dworkin defendido o ativismo judicial?Henrique Cruz Noya; Vitor Amaral Medrado ................................................... 351O papel do Supremo Tribunal Federal na construção de uma constituição transversal: os perigos do autismo e da expansão imperialista do direitoEdvaldo de Aguiar Portela Moita ..................................................................... 354Hard cases: estudo do caso Natan Donadon Barbara Brum Nery ........................................................................................ 357O ativismo judicial como mecanismo para a efetividade do processo civil democráticoIsabela Dias Neves ......................................................................................... 363Collegiality and deliberative democracyRafael Dilly Patrus .......................................................................................... 366O problema da votação seriatim e a ADPF 132Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave .............................................................. 369Como pensam os juízes: entre o pesadelo e o nobre sonhoKatya Kozicki; William Soares Pugliese ............................................................. 371Justiciabilidade dos Direitos Fundamentais Sociais e Conflito de CompetênciasCláudia Toledo ................................................................................................ 374

GT10: Teorias contemporâneas da DemocraciaDemocracia, ética e jurisdição constitucional: Legitimidade e responsabilidade social do Supremo Tribunal FederalAntônio Gomes de Vasconcelos; Isabela Vaz de Mello Lima e Silva Almeida ......... 377

Democracia Material – Um enfoque constitucionalista céticoSamira Costa Arcanjo; Daniel Nunes Pereira .................................................... 380Jurisdição constitucional no Brasil: tecnologias de uma razão de Estado antidemocráticaAdalberto Antonio Batista Arcelo ...................................................................... 383De Rashomon ao Senhor das Moscas: o processo de identificaçâo democrática com os fenômenos da esfera jurídicaGustavo Augusto de Bourbon; Yuri Rios Casseb ................................................. 386Relações de reconhecimento e a infraestrutura normativa da democraciaLuiz Philipe de Caux ...................................................................................... 390Multiculturalismo en el siglo XXI: los modelos de interculturalidad en las socieda-des contemporaneasDaniel Antônio da Cunha ................................................................................ 392As exigências da igualdade democrática Paulo Baptista Caruso MacDonald .................................................................. 394A decisão majoritária é a mais justa ou a mais popular? A crise da legitimidade democrática da jurisdição constitucional diante do conflito entre as concepções agregativas e deliberativas de democracia Deborah Dettmam .......................................................................................... 396A internet como espaço deliberativo legítimo: As redes sociais podem ser um locus de legitimidade democrática à jurisdição constitucional?Thomas da Rosa de Bustamante; Ana Luísa de Navarro Moreira ........................ 398Os direitos políticos dos analfabetos: o caso brasileiro e o paradigma da democracia liberalAlexander Augusto Isac Beltrão; Marcelo Sevaybricker Moreira ........................... 401Democracia procedimental e estado poiético: reflexões iniciaisLeonardo Antonacci Barone Santos ................................................................... 404Democracia e justiça em Hans Kelsen: uma abordagem crítica do ideal democrático na teoria constitucional contemporânea e no BrasilMariane Andréia Cardoso dos Santos ................................................................ 407Construção e reconstrução normativa: a teoria democrática contemporânea entre política e moral na Escola de FrankfurtThiago Aguiar Simim ...................................................................................... 410Variações democráticas, emancipação de pluralidadesAgnelo Corrêa Vianna Júnior ........................................................................... 413

GT11: Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismoO constitucionalismo democrático no paradigma do Estado Democrático de Direito: apontamentos acerca da legitimidade do direito a partir do princípio do discursoAdamo Dias Alves ; Benedito Silva De Almeida Junior ..................................... 416Ações afirmativas e igualdade de oportunidades: um conceito de justiça para atores sociais em disputa Priscila da Silva Barboza ................................................................................. 419Justiça Política e luta pela dignidade: explorando a política do reconhecimento de Charles TaylorCarlos David Carneiro .................................................................................... 421Estado e locus civis versus os fundamentos político-filosófico do constitucionalismoMiguel Ivân Mendonça Carneiro ..................................................................... 423Teoria descolonial dos direitos fundamentais e filosofia intercultural dos direitos humanosKonstantin Gerber ........................................................................................... 426

Críticas de Amartya Sen à teoria contratualista de John RawlsLuíza Kitzmann Krug ..................................................................................... 428Em defesa da democracia deliberativa: uma possível resposta de Carlos Santiago Nino às críticas feitas por Jeremy WaldronJosé Arthur Castillo de Macedo ......................................................................... 431O Constitucionalismo moderno frente aos dilemas moraisVictor Cristiano da Silva Maia ........................................................................ 433Uma análise sobre algumas das bases filosóficas e políticas do Processo de (re)dimensionamento Global e Intergeracional do Direito Constitucional Juliana Guedes Martins ................................................................................... 436Fundamentos filosóficos do direito à vida em John FinnisDilson Cavalcanti Batista Neto ........................................................................ 439Novos Direitos: aportes a partir da Filosofia da Libertação Latino-AmericanaAna Paula de Oliveira Mazoni Vanzela Paiva .................................................. 442Revisitando a jusfilosofia de Kelsen e seu constitucionalismoDaniel Nunes Pereira; Patrick de Almeida Saigg ............................................... 445Contribuição da experiência literária para a neutralidade liberalBruno Anunciação Rocha; Galvão Rabelo ......................................................... 448A legitimidade democrática do controle de constitucionalidade à luz da teoria de John RawlsMariana Oliveira de Sá ................................................................................... 451Poder Constituinte e Fundação Contínua em Hannah ArendtAna Paula Repolês Torres ................................................................................. 454

GT12: O Direito Constitucional e a Política: formas de interferência da jurisdição constitucional sobre o processo político e eleitoral

O Supremo Tribunal Federal e a utilização da hermenêutica constitucional como meio para o seu emponderamento na arena política Paulo Alkmin Costa Júnior .............................................................................. 456A insurreição do “constitucionalismo político” sobre o “legal”: por que o processo legislativo pátrio (ainda) é visto com desconfiança?Matheus Henrique dos Santos da Escossia ......................................................... 459Princípio da Proporcionalidade e Controle de ConstitucionalidadeLucas Costa Gonçalves ..................................................................................... 462O cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470: legitimidade da jurisdição constitucional no espaço democrático Cristina Sílvia Alves Lourenço; Maurício Sullivan Balhe Guedes ........................ 464Construcción deliberativa de una dogmática constitucional del procedimiento parlamentario: El caso colombianoLeonardo García Jaramillo ............................................................................. 467A pressão judicial nos casos de omissão legislativa e a ausência de vontade política: uma introdução à necessidade do diálogo entre os poderesKarina Denari Gomes de Mattos ...................................................................... 470Two Levels of Social Rights: A Democratic Justification of Judicial ReviewLeticia Morales ............................................................................................... 473A aplicação judicial do direito na Suprema Corte: o jogo do colegiadoPaula Pessoa Pereira ........................................................................................ 475O Supremo Tribunal Federal no combate à deformação do processo político e eleitoral e a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)Williana Ratsunne da Silva Shirasu; Camile Araújo de Figueiredo ..................... 478

ApreSentAção

O I Congresso Internacional em Direito Constitucional e Fi-losofia Política, promovido pelos Programas de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fa-culdade Dom Helder Câmara, traz como tema “O Futuro do Cons-titucionalismo e a Democratização do Direito Constitucional”.

O evento se insere no contexto de internacionalização dos Pro-gramas de Pós-Graduação em Direito da UFMG e da Escola Superior Dom Helder Câmara, buscando refletir criticamente sobre os sistemas de jurisdição constitucional existentes no direito comparado e analisar os fundamentos políticos e morais do controle de constitucionalidade.

Adotam-se como pano de fundo as críticas à jurisdição constitu-cional recentemente desenvolvidas por filósofos do direito e filósofos políticos como Jeremy Waldron, Mark Tushnet e Richard Bellamy, que colocam em xeque a legitimidade das cortes constitucionais por desconfiar da premissa liberal de que elas constituiriam um “foro privilegiado” para deliberação sobre questões morais e argumentos fundados em princípios.

Pretende-se examinar, no Congresso ora proposto, os argumentos encontrados na filosofia política e jurídica contemporânea para se esta-belecer uma ética deliberativa para as cortes constitucionais e para o de-senvolvimento de reformas políticas-institucionais para redefinir a fun-ção e a configuração das cortes constitucionais. Nesta última seara, as contribuições dos Plenary Speakers convidados buscarão definir uma espécie de modelo ideal de equilíbrio e cooperação entre os poderes, em busca da legitimação do discurso sobre os direitos fundamentais.

Serão analisados, ainda, alguns modelos recentemente adotados por sistemas jurídicos estrangeiros, cuja experiência pode ser um in-dicador razoável para avaliar recentes propostas de “enfraquecimen-to” do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, com o fito de estabelecer um “diálogo institucional” com o poder legislativo.

14 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Finalmente, serão expostos também os argumentos em defesa da jurisdição constitucional e os elementos políticos, morais e insti-tucionais capazes de fortalecer a função representativa e deliberativa das Cortes Constitucionais e, em particular, do Supremo Tribunal Federal Brasileiro.

A Comissão Organizadora

preSentAtion

The First International Congress on Constitutional Law and Political Philosophy, organized by the Centre of Graduate Research Studies in Law of the UFMG (Federal University of Minas Gerais) and the Centre of Graduate Research Studies in the Dom Helder School of Law, has as central theme “On the Future of Constitution-alism and the Democratization of Constitutional Law”.

The event is part of the internationalization plans of the Centre of Graduate Research Studies in Law of the UFMG and of the Cen-tre of Graduate Research Studies in Law of the Dom Helder School of Law. It aims to reflect in a critical way about the systems of judicial review found in Comparative Law and to analyze the moral and po-litical foundations of judicial review.

The background of the event is constituted by the critics to constitutional adjudication raised by legal and political philosophers such as Jeremy Waldron, Mark Tushnet and Richard Bellamy, who challenge the legitimacy of constitutional courts and no longer sup-port the liberal assumption that these courts are a special forum for deliberation about moral issues and principled arguments.

We intend to examine, in the Congress, the arguments found in contemporary legal and political philosophy to establish a delib-erative ethics for constitutional courts and for the development of institutional and political reforms with a view to redefining the role and the configuration of constitutional courts. In this context, the contributions of the Keynote Speakers aim to define a sort of an ideal-type for the equilibrium and the cooperation of powers, with the aim of legitimizing the discourse about rights.

We will analyze, furthermore, some models recently adopted by for-eign legal systems, the experience of which can be a reasonable indicator to assess ongoing proposals to “weaken” the Brazilian system of judicial review, in order to enhance the “institutional dialogue” with the legislature.

16 • 1st International Congress on Constitutional Law and Political Philosophy

Finally, the Congress will also expound the arguments in de-fense of judicial review and the moral and political aspects that claim to be capable of providing a representative function for the Consti-tutional Courts.

Organizing Commission

preSentAción

El 1er Congreso Internacional de Derecho Constitucional y Fi-losofía Política, auspiciado por los Programas de Posgrado en Derecho de la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG) y de la Escola Superior Dom Helder Câmara, lleva como tema “El futuro del consti-tucionalismo y la democratización del Derecho Constitucional”.

El evento está inserido en el contexto de internacionalización de los Programas de Postgrado en Derecho de la UFMG y de la Escuela Superior Dom Helder Câmara, buscando pensar críticamente acerca de los sistemas existentes de jurisdicción constitucional. Usándose herramientas del derecho comparado, intentaremos hacer un análisis sobre los fundamentos políticos y morales de la revisión judicial.

Adoptaremos como base las críticas al Tribunal Constitucional recientemente desarrolladas por algunos filósofos del derecho o fi-lósofos políticos, como Jeremy Waldron, Mark Tushnet y Richard Bellamy. Ese pensamiento desafía la legitimidad de los tribunales constitucionales por la desconfianza de la premisa liberal de que ha-bría en esos tribunales un “ foro privilegiado” para la discusión sobre cuestiones morales y argumentos baseados en principios.

En el Congreso se propone la revisión de los argumentos encon-trados en la filosofía política y jurídica contemporánea, estableciendo una ética de deliberación a los tribunales constitucionales. Intenta-mos enfocar en el desarrollo de políticas y reformas de las institucio-nes para redefinir la función y la configuración de los tribunales cons-titucionales. En este último punto, las aportaciones de los ponentes plenarios buscarán definir un tipo de modelo ideal de equilibrio y establecer líneas de cooperación entre los poderes en la búsqueda del discurso legítimo de los derechos fundamentales.

Se analizarán más detenidamente algunos modelos recientemen-te adoptados por algunos sistemas jurídicos de varias partes del mun-do, cuya experiencia puede ser un lastro para evaluar las propuestas recientes acerca del “ enflaquecimiento “ del sistema brasileño de re-

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visión judicial. Para eso, tenemos como objetivo crear caminos para un futuro diálogo institucional con el Poder Legislativo.

Por último, también expondremos los argumentos en defensa de la jurisdicción constitucional y los elementos políticos, morales e institucionales capaces de fortalecer la función representativa y de-liberativa de los Tribunales Constitucionales concentrándonos, en particular, en el Supremo Tribunal Federal de Brasil.

El Comité Organizador

A opoSição de Jeremy WAldron àS ideiAS conStitucionAliStAS de ronAld dWorkin

Linara Oeiras AssunçãoDoutoranda em Direito (UFMG). Professora do Curso de Direito da

UNIFAP. Brasil. Email: [email protected].

Simone Maria Palheta PiresDoutoranda em Direito (UFMG). Professora do Curso de Direito da

UNIFAP. Brasil. Email: [email protected].

Este estudo tem por objetivo discutir o raciocínio jurídico de Waldron e Dworkin a acerca do constitucionalismo e da democracia constitucional, e, especificamente, a oposição do primeiro ao segun-do, pois para Waldron as ideias constitucionalistas defendidas por Dworkin são antidemocráticas e ineficazes porque pretendem se jus-tificar a partir de princípios preexistentes, que, na verdade, possibili-tam ao Poder Judiciário uma verdadeira intervenção legislativa.

Neste sentido, Waldron acredita que a democracia só pode ser alcançada por meio da noção de auto-governo, devendo os próprios cidadãos serem os responsáveis pela legitimidade de suas escolhas, através de uma formação representativa, que inclui as minorias, res-peita a participação igualitária e pressupõe a capacidade de autono-mia entre todos os membros da sociedade.

O autor acredita que a interferência do Poder Judiciário no âm-bito de inovação das decisões legais fere toda a estrutura de separação dos poderes intrínseca ao modelo de Estado Democrático. Critica o ativismo judicial e a ampliação dos poderes jurisdicionais além do seu âmbito de atuação, descrevendo o caráter democrático do Poder Legis-lativo como o mais eficiente na aplicação dos interesses da sociedade.

Em oposição a Dworkin que defende um julgamento moral dos juízes com base em princípios constitucionais pré-estabelecidos, Wal-dron defende um direito sem a interferência de julgamentos morais,

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apoiado unicamente na legalidade, que ele entende ser a única ma-neira de se atingir a democracia.

Há um positivismo latente em Waldron, ao criar uma ideia de “positivismo normativo”, que induz à imprescindibilidade de textos normativos condutores das decisões judiciárias, que devem aplicá-los sem que existam influências morais.

Enquanto Dworkin reitera a coerência interpretativa necessária às respostas a casos específicos, com solução aparentemente difícil, Waldron admite que as divergências são o único meio de se alcançar uma produção normativa e só a partir desta pode ser construído um raciocínio democrático.

Ademais, Dworkin defende uma interpretação integrativa, ca-paz de garantir uma coerência ao texto normativo, por meio do res-peito aos seus precedentes e a uma teoria de princípios fundamentais que constituem a base da pirâmide normativa.

Waldron defende uma democracia deliberativa, com predomi-nância do Poder Legislativo na construção normativa. Já Dworkin defende um modelo de democracia pautado na supremacia constitu-cional e sua influência em todo o ordenamento jurídico via controle de constitucionalidade.

Dworkin, diferentemente de Waldron, entende que abandonar todas as questões de uma comunidade nas mãos do Poder Legislativo denota um demasiado poder a um órgão tão passível de influências políticas e exclui o Poder Judiciário da responsabilidade de equili-brar os Poderes, assegurando a garantia dos interesses da coletividade, função essa que só se torna possível pela proteção dos direitos funda-mentais nos tribunais constitucionais.

Contudo, Waldron lembra que tanto o Poder Legislativo quan-to Poder Judiciário são influenciados pelos interesses da maioria, uma vez que o caráter decisório de ambos se baseia em questões procedi-mentais sujeitas à falibilidade.

Dworkin critica, também, o que ele chama o “ponto de vista da intenção de locutor” que se baseia na compreensão de que o juiz, ao aplicar uma lei que não seja clara, deve descobrir qual a intenção do

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legislador, ou seja, deve fazer um exercício de raciocínio que o fará retroagir a gênesis da história legislativa. Critica esse ponto de vista apresentando o que denomina de “método de Hércules”.

Hércules é uma personagem criada pelo próprio Dworkin, que representa um juiz quase perfeito em sua atuação. Diz o autor que diante da aplicação de uma lei obscura, o juiz deverá levar em consi-deração que o Parlamento, como o autor anterior a ele na cadeia cria-tiva do direito, tem poderes e responsabilidades diferentes dos seus, e fundamentalmente, vai reconhecer seu próprio papel de colaborador, que continua a desenvolver o sistema legal iniciado pelo Parlamento, levando em conta o contexto de aplicação da lei.

Dworkin avança para afirmar, com base na distinção entre re-gras e princípios, que as teses positivistas são insuficientes para uma interpretação em que o juiz descubra qual a decisão correta para cada caso em análise e que a hermenêutica jurídica é um exercício de in-terpretação construtiva da prática social.

Assim, conclui-se que Dworkin aponta deficiências que julga inerentes à deliberação parlamentar, sustentando a maior participa-ção alcançada com a decisão judicial e que Waldron faz o contra ponto a partir do reconhecimento de que os indivíduos podem atuar de maneira imparcial, deliberando sobre seus direitos, mas também sobre o bem comum. Por esses motivos, cabe o apoio à Waldron e à sua crença na possibilidade de uma deliberação parlamentar séria, tudo em nome da manutenção do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Constitucionalismo. Democracia Constitucional. Poder Legislativo. Poder Judiciário.

novo conStitucionAliSmo lAtino-AmericAno: umA viA pArA A legitimAção do hiperpreSidenciAliSmo nAS democrAciAS populiStAS

Ana Tereza Duarte Lima de BarrosGraduanda do curso de Bacharelado em Direito e bolsista de Iniciação

Científica (PIBIC) da Universidade Católica de Pernambuco – Brasil. E-mail: [email protected].

José Mario Wanderley Gomes NetoProfessor da graduação em Direito da Universidade Católica de

Pernambuco. Mestre em Direito e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco – Brasil. E-mail: [email protected].

O populismo não é um fenômeno recente na América Lati-na. Podemos separar os momentos populistas em três: o dos velhos populistas, o dos populismos neoliberais e o das novas expressões contemporâneas do populismo (FREIDENBERG, 2007). Nes-ses três momentos podemos destacar, como denominador comum para caracterizar o populismo, a concentração de poderes nas mãos do presidente e a consequente supressão das instituições, sobretudo do Congresso, que perde sua capacidade de fazer contrapeso ao Executivo, o que termina por mitigar a separação de poderes.

As novas expressões do populismo surgiram, no final da década de 90 e início do século XXI, com os governos de Hugo Chávez na Venezuela, de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador. Nesses governos podemos destacar a tensão entre a inclusão política e o ataque às instituições democráticas (FREIDENBERG, 2011: 9).

As lideranças populistas costumam surgir em momentos de profunda crise institucional. Na Venezuela, Bolívia e Equador os cidadãos não se sentiam representados pelos partidos políticos, de forma que resolveram eleger políticos que não pertenciam a nenhum dos partidos tradicionais. Estes líderes, uma vez eleitos, passaram a incluir pessoas e grupos sociais que antes estavam excluídos do sis-tema. Contudo, seu discurso é “radical e polarizador, excludente da

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oposição partidária, de alguns meios de comunicação de massas e da-queles setores da cidadania que criticam seu projeto político” (FREI-DENBERG, 2011: 9).

Assim, tanto Chávez, quanto Morales, como Correa, integra-ram os excluídos se utilizando de um estilo de liderança populista (FREIDENBERG, 2007), que se caracteriza “pela relação direta e paternalista entre líder-seguidor, sem mediações organizativas ou ins-titucionais”, que polariza a sociedade, uma vez que de um lado está “o povo”, do outro, “os outros” (FREIDENBERG, 2011: 9).

Dessa maneira, embora haja quem creia que o populismo apro-funda a democracia ao incluir os setores antes excluídos, a verdade é que, nas democracias populistas, “o líder está por cima das regras, por isso não necessita preocupar-se pelo Estado de Direito nem pelas instituições” (FREIDENBERG, 2011: 10).

Classificar o tipo de regime existente nesses países vem sendo uma tarefa complexa para as ciências sociais. Contudo, é importan-te destacar que nenhuma das principais classificações feitas, como a que o enquadra como sendo um regime “híbrido” (DIAMOND, 2002; MORLINO, 2004; DIAMOND; MORLINO, 2005), nega a existência de um regime democrático, pelo contrário, o que essas classificações buscam é “explicar os elementos que indicam o grau de distanciamento da democracia ou que se transformaram em déficit em algum de seus aspectos” (PACHANO, 2009: 234-235). Para fins desse trabalho, o regime populista existente nesses países é considera-do como uma forma diminuída da democracia.

Por fim, as lideranças populistas também mudam as regras do jogo (FREIDENBERG, 2011: 10). Da tentativa de mudar as regras do jogo nasceram as Assembleias Constituintes convocadas na Venezuela, Bolívia e Equador para criarem novas Constituições, seguindo a linha doutrinária constitucional que Roberto Viciano Pastor e Rubén Mar-tinez Dalmau chamaram “novo constitucionalismo latino-americano”.

Foi feita uma análise comparativa entre as Constituições recen-tes e antigas desses países no que diz respeito aos poderes conferi-dos ao chefe do Executivo. Utilizando-se as variáveis trabalhadas por

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Mainwaring e Shugart (1993: 204) para medir os poderes presiden-ciais, quais sejam, poder de veto total, de veto parcial, de decreto, de iniciativa legislativa exclusiva, de iniciativa orçamentaria e de propos-ta de referendo, - em que cada uma dessas variáveis foi valorada de 0 a 4, onde 0 seria considerado um poder fraco, e 4, um poder muito forte -, chegou-se à conclusão de que essas novas Constituições acen-tuaram bastante os poderes legislativos do presidente.

O princípio da separação de poderes é o fundamento das demo-cracias presidencialistas. O novo constitucionalismo latino-america-no aceita e promove a mitigação desse princípio sob a falsa justifica-tiva de que através desses referendos promovidos pelo Executivo se escutará a vontade do poder constituinte. Contudo, é evidente que o poder constituinte, ao eleger seus legisladores, já está demonstrando sua vontade, uma vez que o Parlamento é o representante direto dos cidadãos e, portanto, é ele quem deve convocar a cidadania para de-cidir a respeito de mudanças constitucionais, não o Presidente.

A adoção de mecanismos da democracia direta por uma Cons-tituição deve ser acompanhada por uma descentralização do poder, não de uma concentração de poderes em torno da figura presidencial. Dessa maneira, conclui-se que o novo constitucionalismo latino-a-mericano reforça o hiperpresidencialismo característico das democra-cias populistas, uma vez que, ao promover o uso recorrente a instru-mentos da democracia direta, busca, na realidade, legalizar a vontade soberana do líder através da apelação direta às massas.

Os líderes populistas sabem que suas iniciativas legislativas, em or-dem a aumentar seu poder, correriam o grave risco de não serem apro-vadas pelo Congresso. É por isso que, apelar diretamente ao “povo” é a maneira perfeita e ideal de ver sua vontade soberana legitimada.

deSJudiciAlizAção dA políticA, reSgAte do pApel dAS inStânciAS repreSentAtivAS e fortAlecimento dA democrAciA:

um eStudo à luz do Argumento dAS cApAcidAdeS inStitucionAiS.

Rhaíza Sarciá BastosAcadêmica do oitavo período de graduação em Direito e participante do

programa de iniciação científica em Pensamento Constitucional Contemporâneo pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior, Juiz de Fora – MG. Tradutora do artigo “On the concept and the nature of Law”, de Robert Alexy, em parceria

com o doutorando Bruno Stigert, in: Tratado de Direito Constitucional, Volume I: Constituição, Política e Sociedade, de coordenação de Felipe Asensi e Daniel

Giotti, Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. ISBN 978-85-352-5414-3. Apresentação e publicação do artigo: “Acesso à Justiça e a Excessiva Judicialização das

Pretensões Resistidas”, in: III Simpósio Interdisciplinar de Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, 2013, Niterói. PPGSD-UFF. ISSN 2236-

9651, n.3, v. 3, 2013. v. 3. p. 218-237. [email protected]

Zamira Mendes ViannaPossui graduação em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior

(2004), pós-graduação em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2007) e mestrado em Teoria do Estado e Direito Constitucional

pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC - Rio (2010). Atualmente é professora nas Faculdades Integradas Vianna Júnior nas disciplinas

Introdução ao Estudo do Direito e Direito Constitucional. É revisora do periódico Vianna Sapiens. [email protected]

Dentre as mudanças decorrentes do fenômeno do neoconsti-tucionalismo, tem-se destacado, tornando-se recorrente no debate constitucional brasileiro, a judicialização da política e das relações sociais, o que provoca um considerável deslocamento de poder do âmbito dos poderes constituídos - Legislativo e Executivo -, para o Judiciário. Há quem defenda esse comportamento sob o amparo de argumentos acerca da ineficiência das demais instituições. Há ainda, aqueles que se oponham ao esquema decisório no âmbito do Po-der Legislativo, que perpassa pelo debate, deliberação e pelo voto de

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maioria dos parlamentares, o que não implicaria na expressão dos verdadeiros anseios dos representados sobre questões relevantes para a vida em comunidade. Há, por derradeiro, os defensores do ativismo judicial, que sustentam seu posicionamento na descrença geral exis-tente quanto aos representantes, o que, por sua vez, autorizaria a to-mada de decisões por uma instituição que originalmente fora criada para aplicar o Direito. Na contramão dessas ideias, a crítica que se faz a essa ênfase no Judiciário consiste justamente no caráter antide-mocrático desta instância. Isso se dá porque as decisões judiciais não são legitimadas pelo voto popular, diferentemente da atuação dos outros dois poderes, cujos representantes são eleitos pelo voto direto. Ademais, o tecnicismo inerente à atividade jurídica provoca a inaces-sibilidade do debate na arena do Judiciário. Insta consignar, ainda, que as decisões nos órgãos colegiados do Judiciário também perpas-sam pela regra da maioria, e que, portanto, o que se constata é uma mera mistificação do Estado-juiz, já que não se trata de diferença de método decisório entre as esferas legiferante e as instâncias judiciais. Diante desse cenário, torna-se imperiosa a busca por propostas de resgate do Poder Legislativo em nosso desenho institucional com o fim precípuo de buscar o fortalecimento do regime democrático e garantir maior segurança jurídica. Este trabalho tem como objetivo trazer ao debate a grande relevância e singularidade do argumento das capacidades institucionais, nos moldes de Sunstein e Vermeule, como medida de definição dos limites de alocação de poder entre as instituições, de maneira a proporcionar a decisão mais acertada a cada caso. A operacionalidade dessa teoria encontra-se, precipuamente, no seu afastamento de uma dimensão do ideal, na medida em que leva em conta as limitações das instituições e de seus atores. À luz deste argumento, que é o ponto de referência de toda a pesquisa, discute-se a necessidade de se recuperar a dignidade da legislação, como ferre-nhamente defendido por Jeremy Waldron, por meio do processo de-liberativo dos Parlamentos, realocando para arena legislativa o debate acerca dos desacordos morais razoáveis. O trabalho desenvolve a noção da utilidade do argumento das capacidades institucionais, sobretudo,

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como forma de se esclarecer a importância do tratamento adequado do processo decisório dentro do arranjo institucional de sociedades plurais modernas, como a brasileira, como forma de se aprimorar o modelo democrático utilizado, tendo como fundamento a soberania popular.

Palavras-chave: desjudicialização da política – capacidades institu-cionais – dignidade da legislação – democracia.

SepArAção doS podereS, leAldAde inStitucionAl e cooperAção conStitucionAl

Raoni BielschowskyDoutorando em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista CAPES; mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Brasil. rmabiel@

hotmail.com

“Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela dis-posição das coisas, o poder limite o poder”, a clássica frase do Barão de Montesquieu no Espírito das Leis retrata uma das construções te-óricas mais influentes da cultura política do ocidente: que as funções do Poder estatal devem ser distribuídas, repartidas e institucionali-zadas em poderes autônomos que mutuamente se controlam através da faculdade de estatuir e da faculdade de impedir. O triunfo político desta construção pode ser reconhecido desde a gênese do constitucio-nalismo, quer a realidade Norte Americana – com todas suas pecu-liaridades e desenhos jurídico-políticas – quer no constitucionalismo europeu continental – já, inicialmente, no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em França.

Fato é que com a complexidade da dinâmica política; com os desdobramentos da teoria dos freios e contrapesos; com a intensifica-ção das relações de interdependências e, mesmo, das zonas cinzentas de interseção entre as competências dos poderes constituídos; com o avanço da estrutura constitucional, passando historicamente, com especial relevância, pela criação e reconhecimento de instrumentos de controle jurídico de constitucionalidade; por muitas vezes vê-se no Estado um ambiente de verdadeira guerrilha institucional1, que, por sua vez, fomenta um ambiente de insegurança e incerteza intra-estatal. Os desdobramentos dessa atmosfera de tensão são muitos que

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vão desde a ambígua inflação das instituições até a tão proclamada crise de representatividade.

Assim, sendo, há de se refletir sobre qual força terá a capacidade de sustentar e integrar o Estado evitando e contornando as crises ge-radas pelas tensões entre os três constituídos? Quem ou, melhor dito, o que garantiria a ordem, harmonia e equilíbrio entre esses poderes, bem como, a unidade (em pluralidade) política do Estado? Uma res-posta a essas perguntas é encontrada em Karl Loewenstein quando afirma que “com o tempo se foi demonstrando que este propósito é mais bem atendido pela articulação dos limites que a sociedade desejaria impor aos detentores do poder na forma de um sistema de regras fixas – a ‘constituição’ – limitando o exercício do poder políti-co desses detentores. A constituição, então, se tornou o instrumento básico para o controle dos processos de Poder”2.

Portanto, mais que um poder que controle outro poder – formu-lação que, sem dúvida, continua sendo chave para a composição do Estado de Direito –, o arranjo do constitucionalismo pretende que a normatividade (força normativa da Constituição) controle o Poder como um todo. Nesse sentido Hesse, por exemplo, trata da necessi-dade de uma vontade de Constituição que é necessária a todos os ci-dadãos, especialmente aos atores dos poderes constituídos3. E é nesse sentido que um dos elementos necessários à própria estrutura cons-titucional de separação dos poderes é aquilo que Canotilho chama de lealdade institucional.

Esse conceito compreende duas dimensões, sendo uma positi-va e outra negativa. A primeira consiste na mutua cooperação entre os diversos órgãos do Estado, concorrendo para realizar os objetivos constitucionais e promovendo o funcionamento do sistema de go-verno. Enquanto isso, a dimensão negativa da lealdade institucional pode ser identificada pelo dever dos titulares do Poder respeitar-se mutuamente, não criando – s arbitrariamente – óbices ao exercício das competências alheias, renunciando a práticas de guerrilha institu-cional e abuso do poder. Nessa linha, os principais efeitos da lealdade institucional desdobram-se em três sentidos: enquanto elemento de

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interpretação, enquanto fonte de deveres e adstrições e enquanto li-mite ao abuso de poderes4.

A partir dessa construção vale a reflexão sobre a necessidade e a possibilidade de uma cooperação constitucional – que é inerente ao próprio Estado Democrático de Direito – a partir de uma deontologia política, fundada no respeito dos agentes e das instituições para com a coisa pública, desde um apurado sentido da responsabilidade no Estado e de respeito ao princípio republicano.

Notas

1 Gomes Canotilho e Vital moreira, Os poderes do presidente da República, Coim-bra, Coimbra Editora, 1991. p. 71.2 loewenstein, Political Power and the Governmental Process, 2 ed. Chicago, The University of Chicago Press, 1965, p. 123.3 hesse, A força normativa da constituição, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991, pp. 19.4 Jaime Valle, O Princípio da Lealdade Institucional nas relações entre os poderes pú-blicos – alguns aspectos gerais, Direito & justiça, Loures, n. 1, p.- 62-72, out./dez. 2012.

umA defeSA dA relAtivizAção dA teoriA dA nulidAde doS AtoS inconStitucionAiS

Christina Vilaça BrinaMestranda em direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Bolsista

CNPQ, Brasil, [email protected]

Igor de Carvalo EnríquezMestre e Doutorando em direito pela Faculdade de Direito da UFMG,

Bolsista FAPEMIG, Brasil, [email protected]

O sistema jurídico brasileiro adota o controle de constituciona-lidade em duas modalidades: o concreto e o abstrato. No primeiro, a análise de constitucionalidade da norma é realizada de forma conju-gada à aferição de direito subjetivo ou interesse legítimo cuja tutela jurisdicional dela dependa. Sua finalidade é verificar a aplicação da norma constitucional no caso concreto, possuindo efeitos, a princí-pio, limitados e inter-partes. Já no segundo modelo, busca-se aferir a constitucionalidade da norma objetivamente, desvinculando-se processualmente de qualquer direito subjetivo e de situação confliti-va concreta. O controle abstrato é, portanto, mecanismo processual voltado unicamente à análise da compatibilidade constitucional da norma dentro do sistema jurídico, tendo caráter erga omnes.

Com o passar do tempo, a doutrina brasileira, contudo, vem flexibili-zando essa separação tradicional. Isso porque, apesar de existir uma divisão formal entre estes dois tipos de controle de constitucionalidade, verifica-se na prática uma miscigenação de ambos. É possível citar como exemplo, a aplicação erga omnes dos efeitos de decisão de controle incidental, prática que disseminou-se em tempos recentes e tornou impossível a afirmação que o controle concreto se limita ao caso concreto. Hoje, faticamente, não se nota qualquer separação quanto a origem da ação ou impedimento da produção de efeitos atrelado ao modo de controle. Nesse sentido, ambos os modelos se mesclam na prática constitucional de modo a impossibilitar a implementação de visões estanques advindas do direito comparado ou mesmo analisar qualquer um dos modelos separadamente.

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Todavia, mesmo mecanismos que fomentam a relativização dos modelos tradicionais, como a técnica de efeitos prospectivos adotada pelo STF para modular temporalmente os efeitos de suas decisões, são pensados a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucio-nais. Essa concepção, que tem origem no sistema abstrato, prega a nulidade do ato inconstitucional, sendo que qualquer norma julgada como incompatível com a constituição é imediatamente retirada do ordenamento, sendo declarada nula. Essa nulidade teria natureza ab-soluta, sendo comparada ao ato inexistente.

Embora alguns autores relativizem essa visão, havendo um en-tendimento pela invalidade, e não pela inexistência da norma por desconformidade com regramento superior, no caso dela desatender requisitos impostos pela constituição1, tal abordagem se mostra em conflito com a lógica inerente ao uso de precedentes vinculantes. Isso porque no controle de constitucionalidade concreto, típico do common law, não há uma preocupação com a nulidade, mas com a incompatibilidade, sendo estranho defender a extirpação de qualquer norma do ordenamento sem a anuência do processo legislativo.

Assim, mesmo onde existe um controle de constitucionalidade mais forte, como na Suprema Corte norte-americana, a prática co-mum é declarar uma norma inválida e retirar seus efeitos, sendo que a negação de sua existência não é posta em questão. O precedente que declara uma norma inconstitucional pode, inclusive, ser revertido por decisão futura, criando a situação fática na qual a norma antigamente tida como inconstitucional, volta a produzir efeitos. A Suprema Corte norte-americana tem a faculdade de ressuscitar leis anuladas, por terem sido declaradas inconstitucionais, retirando-as do plano teórico e reim-plementando-as no campo normativo ordinário2.

Esse retorno, apesar de cercado por uma série de condições fá-ticas que nem sempre se materializam, como a mudança de enten-dimento da corte a respeito de seus próprios precedentes, demonstra a incompatibilidade do uso de precedentes vinculantes no âmbito constitucional com a visão da teoria da nulidade dos atos inconsti-tucionais em seu caráter absoluto da nulidade. A impossibilidade de

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retorno daquela norma ao plano do direito válido seria, assim, um cerceamento do poder da corte adaptar seu entendimento a mudança política ou social e corrigir um erro histórico. A afirmação que a casa legislativa deve produzir uma mesma lei em sentido contrário, usada por muitos que defendem uma suposta primazia do parlamento e a desnecessidade de abandono da visão tradicional sobre a nulidade absoluta da norma em questão, desconsidera a essência do processo legislativo e simplifica o valor intrínseco a uma decisão democrática específica tomada em determinado momento histórico.

Destarte, é possível questionar a legitimidade moral das Cortes Constitucionais terem a prerrogativa de retirar do ordenamento ju-rídico leis votadas por representantes do poder legislativo. Embora estas leis possam ser reconstruídas em sua integralidade por legisla-dores interessados em fazê-lo, cada uma das duas normas suposta-mente idênticas representa um aspecto democrático específico que só pode ser modificado pela indicativa do poder legislativo do presente em relação à sua contraparte do passado. Qualquer tese defensora da nulidade absoluta, e consequente retirada do sistema jurídico da norma inconstitucional, não representa apenas uma problematização da produção de efeitos em termos temporais, mas a violação da pró-pria autonomia dos poderes Legislativo e Judiciário em modificar seu entendimento, dentro de seus procedimentos específicos.

Defende-se aqui, portanto, a necessidade de produção de meca-nismos de compatibilização que passem pelo abandono de visões or-todoxas a respeito da nulidade da norma tida como inconstitucional, dando-lhe mais flexibilidade em relação a sua natureza temporal e mo-dificável, ao mesmo tempo em que garanta o respeito à segurança ju-rídica e à autonomia de cada poder em realizar suas atribuições legais.

Notas

1 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 13.2 SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1023.

rAtio decidendi e StAre deciSiS - eStudo dA forçA vinculAnte do precedente conStitucionAl

Vera Karam de ChueiriProfessora associada de direito constitucional do departamento de

direito público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (nos programas de graduação e pós-graduação em Direito) e vice-diretora da

Faculdade de Direito. Coordena o Núcleo de Constitucionalismo e Democracia do PPGD.

Lucas Henrique Muniz da ConceiçãoAluno de graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná,

vinculado ao Núcleo de Constitucionalismo e Democracia como pesquisador da graduação no programa de PIBIC, orientado pela professora Estefânia Maria de

Queiroz Barboza.

Ao exercer a função de guardião da Constituição Federal bra-sileira, o STF cria precedentes vinculantes que devem ser seguidos por todos os tribunais inferiores, entretanto a falta de respeito aos mesmo cria uma grande insegurança jurídica, bem como violação do princípio de igualdade.

Os precedentes seriam todas as decisões judiciais, que possuem em si um princípio de direito. GOODHART afirma que enquanto a decisão concreta vincula as partes, a razão abstrata que embasou a decisão judicial (a ratio decidendi) tem a força de vincular todos os sujeitos de direito e futuros casos.

Destarte, se apresenta de suma importância a necessidade de meios viáveis e concretos para o estabelecimento do que venha a ser a ratio decidendi. GOODHART prescreve que a ratio pode ser defi-nida pelo levantamento e distinção dos fatos do caso que o juiz utili-zou para fundamentar sua decisão (fatos materiais) e aqueles que não foram considerados pelo mesmo (fatos imateriais). Deve-se buscar aquilo que o juiz considerou relevante no momento que proferiu sua decisão e analisar as analogias entre esses fatos e aqueles presentes no caso a ser vinculado pelo precedente.

O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 35

No presente trabalho, se busca esmiuçar o precedente, utilizan-do das teorias e pesquisas dos doutrinadores da Common Law, com o intuito de melhor compreender o sistema da stare decisis e da norma jurídica criada pelo trabalho hermenêutico do magistrado. Para tal, analisaremos o que são os precedentes judiciais e a stare decisis no contexto da Common Law britânica e americana, de que forma eles vinculam os magistrados, e por fim como essa doutrina se alinha com as práticas recorrentes do STF.

Os tribunais brasileiros não conseguem se adaptar à nova nor-ma jurídica explicitada pelo Supremo. O teor dos precedentes, assim como a sua real força vinculativa, deve ser analisado, para um ver-dadeiro conhecimento da norma jurídica imposta, o que deve ser feito a partir de sua ratio decidendi. Para tal, buscou-se aprofundar a doutrina da stare decisis e da descoberta da ratio decidendi, por meio da doutrina do Common Law britânica e estadunidense. Por fim, justificar-se-á de que forma essa doutrina se alinha com as práticas recorrentes do STF.

Palavras-Chave: Ratio Decidendi, Precedentes, Supremo Tribunal Federal, Common Law, Stare Decisis.

AS orgAnizAçõeS internAcionAiS e o pArAdigmA AtuAl entre de proteção à dignidAde dA peSSoA humAnA e A

proJeção externA dA SoberAniA

Damasceno, G. P. M.Graduando do curso de Direito das FIPMoc, Brasil,

[email protected]

Introdução: Nas últimas décadas, as transformações na polí-tica mundial foram drásticas, alterando o ambiente no qual as Or-ganizações Internacionais atuam. Este novo quadro é composto pelo desenvolvimento da consciência em relação aos problemas sociais, de natureza global, fome, educação e, inclusive, a propagação de organiza-ções internacionais. Por conseguinte, estas organizações se constituem em um tema em constante mutação, gerando um debate sempre mais intenso entre os especialistas do direito. Objetivo: O objetivo deste trabalho foi analisar os precedentes históricos e a área de atuação das Organizações Internacionais com foco na promoção dos direitos hu-manos e a evolução do conceito de Bodin da soberania estatal, com enfoque nos fundamentos da República Federativa do Brasil. Meto-dologia: Para atender ao propósito desse trabalho, utilizou-se como opção metodológica a revisão bibliográfica de doutrinas e artigos dos principais autores brasileiros que tratam de Direito Constitucional, Direito Internacional Público (material e processual) e Direitos Huma-nos, e da análise sistemática da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, valendo-se da investigação de tratados e convenções internacionais onde o Brasil se adere a Organizações Internacionais Universais. Resultados: Da análise de resultados percebe-se que a im-portância dos Direitos Humanos, e em especial da dignidade da pessoa humana, tem levado os Estados a assumirem responsabilidades através de tratados internacionais que regulam que o indivíduo tenha seus di-reitos respeitados por todos, contra o Estado e contra os particulares. Conclusão: Conclui-se que as Organizações Internacionais adquiri-

O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 37

ram paulatinamente um nível elevado de independência em suas ações, gerindo-se sem a interferência dos Estados que, a initio, criaram-nas. Essa independência alcança a definição de suas prioridades, suas ideias, persuadindo, inclusive, países subdesenvolvidos, o que gera o desafio de se compreender as suas ações.

Palavras-chave: Organizações Internacionais. Direitos Humanos. Dignidade da Pessoa Humana. Soberania. Direito Constitucional.

o dilemA dA JuriSdição conStitucionAl

Álvaro Ricardo de Souza CruzProcurador da República em Minas Gerais. Mestre em Direito Econômico

e Doutor em Direito Constitucional, Professor da Graduação e da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Vice-Presidente do Instituto

Mineiro de Direito Constitucional. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica/MG. Brasil. E-mail: [email protected]

Bernardo Augusto Ferreira DuarteAssessor da Procuradoria da República de Minas Gerais. Especialista em

Direito Constitucional pelo Instituto de Educação Continuada (IEC), Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias, Professor

de Direito Constitucional e Introdução ao Estudo do Direito do Instituto Metodista Izabela Hendrix. Brasil. E-mail: [email protected]

A discussão sobre a devida dimensão da jurisdição constitucio-nal não é nova. Em pauta desde o embate Jefferson/Madison, pelo menos desde o século passado ela encampa controvérsias entre inter-pretativistas e não interpretativistas, substancialistas e procedimenta-listas, “teóricos” e pragmatistas. Atualmente, entretanto, suas “novas dimensões” parecem advir dos argumentos neoformalistas de Suns-tein e Vermeule, das objeções morais/pluralistas de Waldron e, ainda, da proposta dos diálogos interinstitucionais de Hubner Mendes. Por detrás de todas essas temáticas, no entanto, encontra-se a mesma (e antiga) questão referente a se (ou até que ponto) seria devido um controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Assim, tanto antes quanto agora, encontram-se face a face defensores do passivismo e do ativismo jurisdicional. Seria possível transcender esse debate? Se-ria possível ir além de “tudo isso”? No Brasil, uma resposta minima-mente convincente demanda uma rápida retrospectiva. No final da década de 1980, com o término da Ditadura Militar, diversos juristas nacionais passaram a defender o ativismo jurisdicional como uma saída para a consolidação da força normativa e do potencial emanci-pacionista da Constituição Federal (Constitucionalismo da Efetivida-

O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 39

de). Esse discurso, rapidamente, tornar-se-ia ainda mais sofisticado, graças à defesa do emprego de técnicas ponderativas, provenientes da jurisprudência dos valores alemã, como forma de “depurar” a ju-risdição constitucional brasileira. Daí em diante, guiados por pensa-dores do escol de Bonavides, Barroso e Clève, a maioria dos juristas nacionais passaria a enxergar o princípio da proporcionalidade como um método argumentativo infalível para solucionar dilemas surgidos no âmbito da jurisdição constitucional. Essa tendência seria ainda mais fortalecida pela adoção quase generalizada de pressupostos con-ceituais provenientes da teoria alexyana. No final dos anos 1990, a adesão a essa vertente de pensamento indicava, segundo muitos, um “sinal de avanço” em relação ao formalismo jurídico e ao juspositivis-mo contemporâneo. Entretanto, havia também quem noticiasse os excessos dessa corrente. Em Minas Gerais, pelo menos desde 1992, uma corrente minoritária no constitucionalismo nacional passou a noticiar e criticar os problemas da concepção majoritária. Pautada principalmente nas teses de Habermas, Günther e Dworkin, a Escola Mineira do Direito se opôs à defesa do ativismo judicial, sem, contu-do, propugnar um retorno ao passivismo. A objeção central contra a tese majoritária era a de que o seu emprego conduzia à desnaturação do discurso jurídico, transformando-o em política. Contra o livre trânsito argumentativo no interior dos discursos jurisdicionais, de-fendia-se o emprego apenas daqueles argumentos que tivessem passa-do pelo filtro do princípio democrático. O problema é que também essa vertente crítica agarrou-se demasiadamente às suas verdades, cul-tivando um dogmatismo que contrariava seus próprios pressupostos. Isso conduziu a academia brasileira a um diálogo de surdos, em que muitos falavam, mas poucos verdadeiramente escutavam. Apenas em 2005, quando os resultados do ativismo começaram a vir à tona, os adeptos da vertente majoritária se deram conta da necessidade de um recuo. Só então as “novas dimensões” da jurisdição constitucional chegaram ao Brasil, conduzindo o discurso ironicamente na direção do passivismo. De um lado, sob forte influência da “virada institucio-nal” defendida por Sunstein e Vermeulle, a Escola Fluminense passou

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a admitir uma postura mais deferente dos julgadores diante das deci-sões técnicas do Legislativo e do Executivo. A isso, agregou a temática dos standards, na tentativa de racionalizar as ponderações judiciais. O recuo, de outro lado, foi também alimentado pelo ceticismo wal-droniano em relação ao judicial review. À luz dessa perspectiva, é possível encontrar pensadores que se mostram dispostos a defender uma jurisdição constitucional fraca no Brasil. Essa fraqueza, dizem estes, decorreria da ampliação do quórum exigido para a declaração de inconstitucionalidade das leis, e, ainda, da criação de uma “fron-teira” para o debate de certas decisões políticas em sede jurisdicional. Finalmente, há também juristas que apostam nos diálogos interinsti-tucionais como uma opção para um aprimoramento da democracia. O controle jurisdicional de constitucionalidade, sob essa perspectiva, produz uma resposta provisória, sempre aberta à possibilidade de re-visão decorrente de leituras advindas do Legislativo. Nesse diapasão, há quem compactue inclusive com a criação de um “mecanismo con-tra-controle”, nos moldes canadenses, a fim de fortalecer o diálogo entre o Judiciário e o Legislativo. Eis os “novos ares”, que nos cau-sam um misto de estranheza e surpresa. A estranheza se deve não ao confronto com o difer(a)nte, mas à percepção de que, novamente, estamos na contramão da tendência que começa a se consolidar. A surpresa, por outro lado, revela-se a partir da constatação de que há, aqui, “vinhos velhos em odres novos”. Não é apenas possível ir além dessas temáticas. É necessário! Existem muitas coisas propositalmen-te esquecidas pelo “novo debate”. Il y a muita coisa encoberta! Eis o ponto que pretendemos abordar. Se a busca por uma sociedade verdadeiramente democrática perpassa pela devida dimensão da ju-risdição constitucional, parece-nos que há ainda muito a ser dito...

Palavras-chave: Jurisdição; Constitucional; democrática; Ativismo; Passivismo.

A teoriA dA SepArAção de podereS e o princípio dA repreSentAção Segundo kAnt

Valter FreitasGraduado em Direito e Filosofia, graduando em história, especialista em

direito administrativo e filosofia política, mestrando em filosofia política pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) – Paraná – Brasil.

E-mail: [email protected]

A teoria de governo, pensada por Kant, pode ser considerada uma síntese de diversas doutrinas políticas iluministas que surgiram no contexto dos estados despóticos. Seu propósito foi pensar uma forma de governo que impedisse o abuso de poder por parte do so-berano. Com esse intuito, Kant agrega em sua teoria de Estado pelo menos três elementos de correntes diversas, a saber: a existência dos direitos naturais (teoria jusnaturalista), a separação dos poderes (te-oria da divisão dos poderes) e a vontade geral como fundamento do poder legislativo (teoria democrática ). O Estado que reúne essas ca-racterísticas, segundo Kant, é o Estado liberal, que se manifesta por meio de um governo republicano. No entanto, para ele governo re-publicano não é sinônimo de governo democrático. Explica o filósofo que há duas formas de classificar um Estado: a primeira se estabelece com base no número de pessoas que governam e a segunda no modo de governar. Como desdobramento da primeira classifcação temos três tipos de governo: governos autocráticos ou monárquicos (go-verno de um só), aristocráticos (governo de alguns) e democráticos (governo de todos). O segundo critério, que faz referencia à forma como estes governam, traz a lume dois tipos de governo: despótico ou republicano. Se exercem o poder de forma arbitrária, atuando em vista de interesses próprios, então são considerados despóticos, mas se governam de forma legal, agindo em atenção aos interesses do povo, recebem o atributo de republicano. Nesta forma, vige o princí-pio da separação dos poderes, naquela, vige a concentração arbitrária

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dos poderes em um único governante. Por isso, no Estado despótico o soberano concentra todos os poderes, legislando, julgando e execu-tando as leis, enquanto no governo republicano, prevê Kant, o poder aparece tripartido em legislativo, judiciário e executivo. Seguindo nessa ótica, nota-se que não há contradição entre o republicanismo e a monarquia, pois é possível uma monarquia republicana (autocra-cia). Esta seria a boa forma de governo, enquanto que a má, nesse caso, seria a monarquia despótica. Da mesma forma pode-se falar de uma aristocracia republicana. A democracia (direta), ao contrário das demais, é considerada, para Kant, como necessariamente despótica, posto que há uma confusão entre os poderes legislativo e executivo. Aliás, o pensador alemão não acredita na democracia direta, pois, para ele, nem todos são cidadãos plenos e esclarecidos suficientemen-te para opiniar politicamente. O representante do povo, ao contrá-rio, seria escolhido entre os melhores e, “iluminado” por um razão plena, governaria como se todos (considerando um povo de madura razão) pudessem dar assentimento aos seu atos. Por isso, o princípio da representação é muito caro ao filósofo alemão que tem repusla ao modelo de democracia direta ateniense e de outro lado nutre admi-ração à monarquia republicana. Por fim, deve-se mencionar ainda que Kant não aceita a ideia de uma tripartição de poderes como um sistema de freios e contrapesos, no qual um poder poderia restringir a atuação de outro, nos moldes pensados por Montesquieu. Nesse sistema, acredita o filósofo de Konigsberg, haveria o perigo de uma concentração de poderes, pois um dos poderes poderia interferir in-devidamente no outro e usupar suas funções. Deste modo, pode-se afirmar que a teoria da separação de poderes de Kant prevê uma se-paração absoluta entre os poderes e que o povo só poderia participar politicamente por meio de seus representantes, jamais diretamente.

Palavras-chave: República. Tripartição de poderes. Princípio da Re-presentação. Kant.

omiSSão legiSlAtivA e criSe entre oS podereS: A lei de inconStitucionAlidAde por omiSSão deve Ser AlterAdA?

Fabiana de Menezes SoaresDoutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora

associada da Faculdade de Direito da UFMG, Brasil. Email: [email protected].

Pedro Augusto Costa GontijoGraduando em Direito Pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil.

Email: [email protected].

A omissão legislativa em relação ao adensamento e regulamenta-ção de normas constitucionais de eficácia limitada é um dos grandes entraves para a fruição de direitos e garantias fundamentais, bem como para a construção de um sistema normativo sólido, coerente e coeso. Nesse sentido, o presente trabalho tem a finalidade de discutir o vigor, a eficácia e a efetividade do mandamento jurisdicional que declara a mora legislativa no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e, por conseguinte, avaliar se a processualística desse instru-mento de acesso jurisdicional deve ser modificada no que diz respeito aos efeitos e consequências da decisão emanada pelo judiciário.

A análise qualitativa das ADO em trâmite, e das já extintas, no âmbito do STF, é indispensável para se constatar quais os tipos de matéria que têm sido negligenciadas pelo legislador, como a sua inér-cia tem evoluído ao longo da consolidação do regime democrático pós Constituição de 1988 e se a jurisdição constitucional tem sido respeitada por parte do Poder Legislativo.

Assim, a inserção do Apelo ao Legislador como elemento indis-sociável do dispositivo jurisdicional que declara a omissão legislativa é de extrema importância para que este ganhe imperatividade e co-gência no âmbito de seus efeitos. Ao mesmo tempo, deve-se estipular a possibilidade de se impor consequências a partir do momento em que o Poder Legislativo não cumpre o prazo estipulado pelo órgão

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jurisdicional constitucional, de modo que a sentença que declare a mora tenha características essências de uma norma jurídica, tais como a cogência, imperatividade e sanção.

Não há que se falar, diante da decisão do órgão jurisdicional, de invasão de competência ou sobreposição das funções típicas de cada um dos Poderes do Estado. O que defenderemos nesse trabalho é que a relação entre os Poderes deve ser vista de maneira complemen-tar, não segmentada, pois suas atribuições não podem ser dissociadas de suas finalidades dentro de nossa ordem constitucional como, por exemplo, o dever de servir aos indivíduos, preservar, defender e den-sificar os comandos constitucionalmente plasmados.

Dentro dessa perspectiva, as ações constitucionais que instru-mentalizam a verificação de existência da omissão legislativa devem servir como ponte dialógica entre os Poderes Republicanos, de ma-neira a possibilitar a efetivação do Estado Democrático de Direito com a implementação de mecanismos que deem maior porosidade ao processo decisório e que tenham como critério a asseguração de influência dos envolvidos e afetados na conformação e observância do provimento jurisdicional que declara a mora legislativa.

A pesquisa também aborda a evolução da jurisprudência do Su-premo Tribunal Federal no que diz respeito aos efeitos provenientes da decisão jurisdicional. A razão disso é relativa ao fato de que ao analisar os julgados em sede de ADO no âmbito do STF, temos que as decisões foram ganhando características cada vez mais ricas e com o intuito de fortalecer a cogência das mesmas.

Com a edição da Lei 12.063/2009, alteradora da Lei 9.868/99 que dispõe sobre o processo e julgamento das ADI e ADC, houve a in-corporação em nosso ordenamento da processualística da ADO que, contudo, colocou como efeito da decisão (art. 12-H da Lei 9.868/99) tão somente a declaração da mora e a ciência ao Poder Legislativo, negligenciando-se em relação à figura do Apelo ao Legislador e de outras hipóteses que pudessem potencializar os efeitos do decisum no sentido de torná-lo obrigatório para que determinada lacuna seja colmatada da maneira mais adequada e rápida possível.

O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 45

Diante disso, vemos como salutar a modificação da lei de ADO para que o instituto possa cumprir sua função com a eficiência que lhe é requerida. Este posicionamento vem no sentido de elucidar que a declaração da mora legislativa e o apelo ao legislador não podem ser vistos como ingerência entre os poderes, mas como forma de com-plementar e construir uma relação interinstitucional que tenha como escopo a preservação da normatividade da própria Constituição.

diálogo inStitucionAl entre podereS e AfirmAção dA democrAciA pArticipAtivA: A neceSSáriA SuperAção dA

dicotomiA entre A SupremAciA JudiciAl e A SoberAniA populAr

Clarissa Fonseca MaiaMestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza,

doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, professora efetiva da Universidade Estadual do Piauí, Instituto Camilo Filho, Universidade de Fortaleza, bolsista do programa CAPES/PROSUP.e-mail: clarafonsecamaia@

hotmail.com

A Constituição Federal de 1988 consagra um extenso rol de di-reitos fundamentais em perspectivas abstencionistas e prestacionais. Pode-se afirmar que o entendimento acerca da efetividade e norma-tividade dos preceitos constitucionais aliados a uma concepção de cidadania inclusiva que foi fomentada nas experiências pós-redemo-cratização, é que lançam um novo olhar sob a perspectiva de realiza-ção dos direitos fundamentais.

Observa-se, pois, a existência de um arcabouço normativo garan-tista que se desenvolve em uma expectativa objetiva, geral e inspiradora para o funcionamento do estado, da política e das relações sociais. Esse fenômeno tem um cunho universal e se desenvolve nas esteiras do que se proclama de judicialização da política com variáveis comuns, tais, como: a institucionalização de uma ordem democrática; um sistema de orientação vigente na opinião pública- que concede uma maior respeitabilidade e legitimação ao judiciário-; uma consciente delega-ção de responsabilidade do poder legislativo ao judiciário em matérias fortemente controversas; e conjunturas políticas que manifestam uma ineficiência do governo e das instituições de representação majoritária.

Diante desse cenário, observa-se o judiciário como a instancia mais referencial de estado. É como se a ideia republicana de estado e contrato social só funcionasse em relação ao judiciário. Os demais poderes se enquadrariam em um sentido negativo de “política”, pois

O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 47

a crise de representatividade os desqualifica, fazendo com que a con-fiança da sociedade seja depositada justo em relação ao órgão que não tem vinculação com a soberania popular.

A pesquisa revela no que diz respeito ao poder legislativo o seu gradativo desprestígio perante a opinião pública e, em decorrência disso, sua desqualificação sumária no embate com os demais poderes, notadamente, em relação ao judiciário.

A questão que se estabelece na atualidade é, pois, calcular o cus-to da primazia do judiciário na expectativa de realizações de direitos. Investiga-se quais são os danos causados ao Estado Democrático de Direito, diante das decisões oriundas dessa hipertrofia do judiciário.

O artigo inclina-se pela defesa da abertura de diferentes cami-nhos de investigação e da insistência de que o pensamento e interpre-tação doutrinária e judicial, não sejam fins em si mesmos, mas apenas instrumentos a serviço de objetivos humanos valorizados. Assim, propugna-se a investigação de novas perspectivas teóricas que ques-tionem a primazia do judiciário na pauta de efetivação de direitos fundamentais e no domínio da ultima palavra sobre questões essen-ciais do estado e da sociedade.

Desta forma serão objetos de estudo dois projetos de emenda a Constituição nos quais se apresenta claramente uma via de reação do parlamento em relação ao protagonismo judicial. Tratam-se da PEC n. 03/ 2011 na qual se reafirma a função normativa primária do legislativo, ampliando a possibilidade de utilização do decreto le-gislativo (art. 49, V da Constituição Federal) para sustar atos nor-mativos secundários que exorbitem de suas atribuições, incluindo a direção desta ação também ao judiciário; e da PEC n. 33/2011 que sugere profundas mudanças sobre o controle de constitucionalidade firmado em uma concepção branda de jurisdição constitucional, ao que parece inspirado na tendência de “auto-restrição” que vem sendo adotado em alguns tribunais constitucionais, a exemplo do emprega-do pela Constituição Canadense de 1982.

Intenta-se, especialmente, verificar se a PEC 33/2011 guarda consonância com as propostas alternativas de controle de constitu-

48 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

cionalidade que visam afastar a supremacia judicial e que vem pro-vocando diversos debates acadêmicos- doutrinários sob a dicção de teorias do diálogo, que defendem o debate contínuo, paralelo, de qualidade argumentativa e interlocução institucional entre o legisla-tivo e o judiciário, sem negar a jurisdição constitucional, mas supe-rando a denunciada primazia da ultima palavra pelo judiciário.

Portanto, o artigo investiga na proposição de reforma constitucio-nal as possíveis conexões entre os poderes do estado, bem como o diálogo deste estado com a população emancipada que participa do processo decisório e assim, concilia legitimidade, legalidade e estabilidade jurídica.

A metodologia utilizada é bibliográfica e jurisprudencial, pura, qualitativa, descritiva e exploratória. Como resultado, verifica-se que o judiciário, antes técnico, passa a atuar motivado pela decisão de realizar os direitos inerentes à cidadania inclusiva e à dignidade humana. Pon-tua-se, entretanto, à necessidade de equalizar a pauta constitucionalista com a soberania popular, por meio de diálogo entre as funções estatais.

Palavras-chave: jurisdição constitucional; teoria do diálogo institu-cional; democracia participativa.

lA JuStificAción del control de loS contenidoS conStitucionAleS

Diana Sofía Zuluaga-VivasAbogada, estudiante de Maestría en Derecho, con énfasis en filosofía del

derecho constitucional.

César Augusto Molina-SaldarriagaAbogado, especialista en derecho administrativo, magíster en diseño del

paisaje, Docente interno asociado e investigador de la Universidad Pontificia Bolivariana, sede Medellín-Colombia.

El Poder Constituyente es una categoría epicéntrica del discurso constitucional. Fundamenta la teoría democrática, situando al pue-blo como protagonista político, encargado de definir las formas de ejercicio de la dominación y el contenido de los derechos, en la medida en que es el órgano que legitima todas las fuentes de poder; como bien lo plasmo Emmanuel Sieyès, en su panfleto “Que es el Tercer Estado” (Sièyes, [1789]-1945), que circuló en Francia durante la época de la Revolución.

En las Constituciones actuales, que surgen como manifestación solemne y escrita de aquel Poder Constituyente, este le atribuye a unos órganos constituidos la potestad de garantizar la integridad y la supremacía de los contenidos Constitucionales. De esta manera no solo quedan plasmados los valores, principios y derechos, sino también la estructura de representación y de separación de poderes.

En este marco de la separación de poderes, y siguiendo los postu-lados de (Ferrajoli, 2008), la clásica división de poderes resulta insufi-ciente para abarcar las diversas manifestaciones políticas y normativas de los regímenes democráticos actuales. Las ramas convencionales del poder público pareciesen insuficientes para cubrir todas las funciones político-administrativas y de garantía que en la actualidad todo Esta-do Constitucional debe garantizar.

50 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Se identifican pues, dos esferas de los contenidos constitucio-nales en relación con los poderes públicos. De un lado, la esfera de la indecidible, definida como todo aquello que, incluso en las demo-cracias, está vedado a la voluntad de las mayorías. De otro lado, la esfera de lo decidible, que se corresponde con el espacio obligado de decisión (Ferrajoli, 2008). Ambas se refieren tanto al poder púbico como al privado, y son simétricas y complementarias. Así, se refieren al Estado y al mercado, dado que en el Estado de Derecho –Esta-do Constitucional de Derecho- no hay poderes absolutos. Y ambas permiten identificar la esfera discrecional de la política y la esfera de sujeción al orden jurídico (Ferrajoli, 2008).

En este sentido, la relación de los poderes públicos en un mode-lo de estado simple es insuficiente para explicar su régimen de com-petencias y legitimidad. Esto en la medida en que este modelo ya no garantiza la separación de funciones, la colaboración armónica y el control recíproco; entregando así importantes funciones al poder ejecutivo (Ferrajoli, 2008), y ha impedido efectivos mecanismos de control político a este poder en los regímenes presidencialistas.

De esta forma resulta posible entender por lo menos dos fenóme-nos. En primer lugar, las relaciones entre la rama ejecutiva y legislativa se soportan en la con-división y coordinación de competencias, y no propiamente en el control (Ferrajoli, 2008). Y en segundo lugar, las funciones de garantía requieren mayores niveles de independencia.

Por ello la esfera de lo indecidible requiere poderes de control, representados por el poder judicial y cuya legitimidad está determi-nada por la sujeción al orden jurídico. Por su parte, la esfera de lo de-cidible, sometida a la discrecionalidad política, está en manos de los poderes de representación –legislativo y ejecutivo-, cuya legitimidad está determinada por la representación democrática. Así, si ambos –los poderes de control o garantía y los poderes de representación- son distintos, ambos deben de ser separados e independientes. Los de poderes de representación han de estar orientados a la satisfacción del interés general; y los poderes de control han de estar orientados al interés particular, en un enfoque de derechos humanos.

O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 51

Conforme al anterior marco teórico, los poderes de control tie-nen en sus manos regular la actividad de los poderes de representa-ción y, en ese ejercicio, guardar los contenidos constitucionales de la intromisión de las mayorías. Esta situación plantea un dilema que merece una mirada detallada: ¿cómo justificar el control de los po-deres de representación y las mayorías en relación con los contenidos constitucionales, en manos de un poder contra-mayoritario, como los poderes de control y garantía?

Este texto es producto de una investigación de carácter hermenéu-tico. Una revisión de bibliografía especializada sobre el tema, lecturas siempre en clave de la pregunta epicéntrica de esta investigación ¿Cómo justificar el control de los contenidos constitucionales?, que da lugar a unas conclusiones que se muestran como resultado de este ejercicio.

interpretAção JurídicA e o uSo dA teoriA AlexyAnA pelo StJ

Henrique Napoleão AlvesDoutorando, Mestre e Graduado em Direito pela UFMG. Professor da

Pós-Graduação em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos, Belo Horizonte, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] e

[email protected].

A tese de que a pesquisa jurídica brasileira padece, de modo geral, de problemas metodológicos graves encontra guarida em extensa lite-ratura, além de possivelmente refletir as intuições de qualquer jurista mais atento. Um dos elementos centrais da tese é o de que os trabalhos acadêmicos comumente valem-se de citações de autores consagrados como argumentos de autoridade, sem cuidado e interlocução com as diferentes teorias mencionadas, e mesmo com a cumulação de autores cujas teorias nem sempre coincidem e podem ser até mesmo confli-tantes (sincretismo epistemológico) (cf. Nobre, 2004; Alves e outros, 2008, p.24-25 e 42-45; Gustin, 2005; Marchi, 2009, p.22-24).

Visando testar a hipótese de que os problemas apontados também estão presentes no Poder Judiciário, escolhi um autor consagrado, Ro-bert Alexy, e uma instância judicial central ao sistema jurídico, o STJ.

Os aspectos mais relevantes da teoria de Alexy (1993) para a interpretação e decisão judicial depreendidos de sua obra “Teoria dos Direitos Fundamentais” são a distinção entre regras e princípios e os critérios de solução de antinomias entre as diferentes espécies, espe-cialmente o critério de solução de conflitos (colisões) entre princí-pios, que envolve três máximas: adequação (a solução deve realizar o mandamento de pelo menos um dos princípios em conflito); ne-cessidade (a solução deve fazer com que a realização de pelo menos um dos princípios resulte no menor sacrifício possível dos demais); proporcionalidade (em sentido estrito) (deve ser dada precedência ao princípio que tenha mais peso diante das circunstâncias do caso concreto). Com isso, a solução expressa-se na forma de uma regra

Teorias da interpretação constitucional • 53

de precedência condicionada do tipo: o princípio 1 tem precedência sobre o princípio P2 nas circunstâncias C.

Em 29/09/2014, realizei pesquisa com os termos “Alexy” e “Alexi”, no sítio de acórdãos do STJ (http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/). Foram encontrados 13 resultados. 3 não foram considerados por citá-lo pontualmente. Os acórdãos foram medidos segundo as seguintes variáveis: (i) incompletude total (inexistência de qualquer menção, direta ou indireta, às máximas); (ii) incomple-tude parcial presença de menção, direta ou indireta, a apenas uma ou duas máximas); (iii) sincretismo metodológico (combinação sem ressalvas de autores distintos e mesmo conflitantes); (iv) presença de incorreção teórica, referente a erros explícitos ou implícitos (omis-sões graves) no uso da teoria alexyana; (v) falta de fundamentação (no sentido de não exibir nem explicações mínimas, corretas ou não, sobre a teoria e sua relação com o caso).

Variável 1 2* 3* 4* 5* 6 7 8 9 10

Incompl. total X X X X X X X X X

Incompl. parcial X

Sincr. epistem. X X X X X X X X X

Incorre-ção X X X X X X X X X

Falta de fundam. X X X X X X

* Casos virtualmente idênticos.

54 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Caso NúmeroREsp 541239 1

EREsp 675201 2*AgRg no REsp 672480 3*AgRg no Ag 886162 4*

EDcl noREsp 541.239 5*REsp 963871 6REsp 706769 7REsp 296391 8REsp 706987 9REsp 948944 10

Os resultados sugerem fortemente que o STJ tende a fazer uso da teoria de Alexy com problemas análogos àqueles identificados pela literatura em relação aos trabalhos acadêmicos. Os descuidos são meto-dológicos, conceituais (v.g. atribuição do termo alexyano mandamento de otimização a Dworkin) e mesmo terminológicos (em um dos casos, por exemplo, Alexy foi grafado incorretamente, e repetiu-se por qua-tro vezes o equívoco de denominar Ronald Dworkin como Edward Dworkin). A amostragem, contudo, é bastante reduzida, e não permi-te conclusões generalizantes. Para o futuro, seria interessante expandi--la por meio de pesquisa com uso de outros termos, particularmente: “ponderação”, “proporcionalidade”, “adequação”, “necessidade”. Ou-tra sugestão é aplicar a mesma metodologia para outros autores “consa-grados” (critério algo subjetivo, mas não tão arbitrário diante das con-venções cognoscíveis por qualquer membro da comunidade jurídica), nacionais e estrangeiros. Por fim, uma pesquisa sociológica sobre as causas estruturais dos problemas encontrados (especula-se: número de processos por ministro, possível delegação da redação de votos a traba-lhadores jurídicos menos qualificados, etc.).

Teorias da interpretação constitucional • 55

Referências bibliográficas

Alexy, R. Teoría de los derechos fundamentales [Theorie der Grundrechte]. Trad. Ernesto Gazón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitu-cionales, 1993 [1986].

Alves, Rafael Francisco; Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Campilongo, Celso Fernantes; Fragale Filho, Roberto da Silva; Vieira, Oscar Vilhena. Tema 1 - Panorama atual da pesquisa em Direito no Brasil. Cadernos Direito GV, n.25, setembro de 2008, p.17-59.

Marchi, Eduardo C. Silveira. Guia de metodologia jurídica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

Nobre, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em Direito no Brasil. Cader-nos Direito GV, n.1, 2004, p.3-19.

interpretAção conStitucionAl e JuStiçA no eStAdo democrático de direito: umA AnáliSe críticA Sobre o

poSitiviSmo Jurídico e A interpretAção do direito em kelSen

Gabriella Sabatini Oliveira DutraGraduanda em Direito pela PucMinas, Brasil, ([email protected]).

Rafael Faria BasileDoutorando e Mestre em Teoria do Direito pela PucMinas. Professor do

Curso de graduação e Pós-graduação Lato Sensu em Direito da PucMinas. Brasil ([email protected]).

O presente resumo visa problematizar a hermenêutica constitu-cional como pressuposto para construção da justiça e de sua aplicação no Estado Democrático de Direito. Para tanto analisa criticamente a teoria positivista e interpretativa de Hans Kelsen1.

Nesta esteira, a construção da justiça a partir da hermenêutica cons-titucional apresenta como premissa a hermenêutica jurídica, cujo senti-do implica um rebuscamento científico que transcende a reprodução da norma abstrata elaborada pelo legislador ou da escolha pelo intérprete de uma das interpretações disponibilizadas pela ciência jurídica.

Dessa forma, importante enunciar que o Estado de Direito e a sociedade contemporânea apresentam como esteios fundamentais o pluralismo e a descentralização, que permite, a cada indivíduo, a criação de um projeto ideal.

O pluralismo é refletido na Constituição Federal Brasileira, que determina a democracia como modelo estatal e planejamento social, a qual não pressupõe um modelo alternativo, tampouco uma homo-geneidade. Pelo contrário busca condições mínimas para a realização de todos os ideais.

A problemática maior se instaura ao constatar que o pensamento jurídico brasileiro encontra-se marcado por uma cultura positivista2 extremamente incompatível com o constitucionalismo contemporâ-

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neo. A Constituição democrática apresenta diversos conceitos do que seja vida boa, não podendo ser ignorado qualquer destas concepções. Portanto é um equívoco a aplicação do conceito de sistema fechado ao texto constitucional brasileiro.

Problemática esta, que perante a Teoria do Direito, apresenta como pressuposto a análise da primeira e maior perspectiva sistemá-tica, a de Hans Kelsen.

Citado autor, desenvolveu uma teoria jurídica baseada em um método puro, desprendido de toda ideologia política, buscando res-ponder o que é o Direito e não o que deveria ser. E para tanto descre-ve um sistema que encontra em si mesmo seu referencial normativo.

Destarte, grande parte do esforço interpretativo atual encontra--se na compreensão do ordenamento jurídico como um sistema3. En-tretanto aqui o ideal pluralista passa a ser boicotado, na medida em que esta é uma perspectiva facilmente aceitável na criação das normas jurídicas, mas não em sua aplicação.

Torna-se evidente a inadequação de tal teoria a uma sociedade plura-lista, ao apresentar um modelo que conjuga o papel do legislador com o do aplicador, na medida em que Kelsen reconhece a criação do Direito através da interpretação autentica realizada por órgãos aplicadores do Direito.

Assim o maior questionamento perante a teoria interpretativa de Kelsen encontra-se em sua concepção de moldura, pelo fato desta permi-tir a possibilidade da produção de normas absurdamente fora da mesma.

Nesta medida evidencia-se a incompatibilidade de tal teoria com o Estado Democrático de Direito, o qual exige, por meio da resolução de conflitos, uma articulação entre o Direito vigente e os fatos específicos, resguardando concomitantemente a segurança do Direito e a justiça de decisões proferidas.

Com efeito, a Constituição se manifesta como estrutura jurídica que positiva contrastes e valores reconhecidos pela sociedade, permi-tindo a participação político-jurídica dos cidadãos, tornando estes, atores de uma articulação interpretativa expandida.

Destarte a hermenêutica constitucional passa a ser construída através de um exercício valorativo, em que a aplicação ocorre por

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meio do raciocínio problemático e não mais sistemático, ficando o intérprete encarregado do exercício da justiça sem impor uma supre-macia principiológica, o que será possível por meio da prática dialó-gica4 entre as partes envolvidas.

Todavia, o afastamento da instabilidade delineada como crítica à concepção de justiça distributiva no Estado de Direito será afas-tada pela prática argumentativa, que permite, através de seu caráter linguístico, o alcance de uma solução jurídica razoável sob a égide de uma Constituição Democrática repleta de antinomias.

Palavras-chave: hermenêutica constitucional – hermenêutica jurídi-ca – positivismo jurídico - Estado Democrático de Direito – pluralis-mo – justiça distributiva.

Referências bibliográficas

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SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. (Co-ord). HERMENÊUTICA E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: Estudos em Homenagem ao Professor José Alfredo de Oliveira Bara-cho. Belo Horizonte: Delrey, 2001.

Notas

1 Teoria interpretativa de Kelsen encontra-se prevista no Capítulo VIII da “Teoria Pura do Direito” (KELSEN, 2000).

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2 O positivismo jurídico propõe uma análise formal do Direito.3 A perspectiva sistemática surgiu com o formalismo, apresentando o Direi-to como uma totalidade fechada.4 Habermas citado por Cittadino enuncia que os sujeitos capazes de lingua-gem e ação estabelecem práticas argumentativas através da intersubjetivi-dade (CITTADINO, 2004. p. 108).

lA interpretAción conStitucionAl en contextoS multiculturAleS

Jaime Gajardo FalcónAbogado, Universidad de Chile. Magíster en Derecho, Universidad de Chile.

Máster en Gobernanza y Derechos Humanos, Universidad Autónoma de Madrid. Máster en Derecho Constitucional, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales.

Doctorando en Derecho, Universidad Autónoma de Madrid. Actualmente se desempeña como Personal Investigador en Formación, Universidad Autónoma de

Madrid. Correo electrónico: [email protected].

Origen. El fenómeno multicultural ha dejado al descubierto la falta de reconocimiento normativo –entre otros- de la diversi-dad cultural y las perspectivas sociales de los grupos desaventajados (por ejemplo: pueblos indígenas, migrantes, minorías culturales o lingüísticas y minorías nacionales) que habitan en nuestras socie-dades. Así, el desafío de la multiculturalidad depende, a la postre, de las posibilidades abiertas a la plena participación de todos en el proceso democrático1. Para ello, junto con nuevas fórmulas que se incorporen a la democracia representativa que permitan la inclusión de perspectivas sociales de los grupos etno-culturales desaventajados, también puede jugar un papel importante, la incorporación de la perspectiva multicultural en la interpretación de los casos difíciles que conozcan los tribunales constitucionales que involucren derechos fundamentales2. Revisando la evolución que ha tenido el debate so-bre los derechos de las minorías culturales, Will Kymlicka señala que actualmente los defensores de estos derechos han logrado redefinir con éxito los términos del debate, desplazando la carga de la prueba, la que recae –ahora- en los defensores de las instituciones ciegas a las diferencias en el sentido de que son ellos quienes deben probar que su análisis “neutro” no genera injusticias para los grupos minoritarios3. Asimismo, plantea que tanto críticos como multiculturalistas acep-tan que las demandas de los grupos culturales sean evaluadas caso a

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caso, tomando en consideración las peculiaridades que le imprime el grupo cultural al caso concreto y sus criterios interpretativos4.

Objetivo. El objeto del presente trabajo es doble. En primer lu-gar, revisar la reciente doctrina que aboga por la incorporación de criterios especiales en la interpretación constitucional cuando nos encontramos frente a casos que involucran una perspectiva multicul-tural5. En segundo lugar, explorar los límites teóricos y prácticos de la interpretación constitucional en contextos multiculturales.

Propósito. El proyecto es descriptivo y normativo. Descriptivo, en cuanto se hará una reconstrucción de los planteamientos doctrinales en lo relativo a la interpretación constitucional en contextos multicultu-rales. Normativo, en la medida, que a partir de dichos planteamientos se realizará una reflexión sobre los límites, alcances y perspectivas de la interpretación constitucional en contextos multiculturales.

Estructura. En primer lugar, el texto tendrá una breve introduc-ción al problema y los aspectos teóricos relevantes, con centro en la teoría política-jurídica del multiculturalismo. Luego, revisaré las pro-puestas de los principales autores que se han referido a la interpretación constitucional en contextos multiculturales y destacaré los elementos comunes y las diferencias de cada uno de ellos. Posteriormente, anali-zaré de forma crítica las propuestas doctrinales y, desde ahí, reflexion-aré sobre los límites, alcances y perspectivas de la interpretación consti-tucional en contextos multiculturales (revisando los casos de recepción que ha tenido en la jurisprudencia comparada). Finalmente, expondré las principales conclusiones a las que he podido arribar.

Notas

1 Cf. Gutiérrez Gutiérrez, Ignacio (2007). “Introducción: Derecho Constitu-cional para la sociedad multicultural”. En: Derecho constitucional para la sociedad multicultural, Madrid: Trotta, p. 20.2 Cf. Denninger, Erhard (2007). “Derecho y procedimiento jurídico como engranaje en una sociedad multicultural” [Recht und rechtliche Verfahren als Klammer in einer multikulturellen Gesellschaft]. En: Derecho constitu-cional para la sociedad multicultural, Madrid: Trotta, pp. 37-38.

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3 Véase: Kymlicka, Will (2001). Politics in the vernacular. Nationalis, Multi-culturalism and Citizenship, Oxford: Oxford University Press, p. 33.4 Ibid., pp. 34-35. Véase en ese sentido el trabajo de: Álvarez Medina, Silvina (2014). “Los derechos humanos como valores plurales. Multiculturalismo, cosmopolitismo y conflictos”. En: Entre Estado y Cosmópolis. Derecho y jus-ticia en un mundo global. Madrid: Trotta, pp. 179-212. Asimismo, para un análisis centrado en la incorporación de esta perspectiva en los criterios de ponderación, véase: Grimm, Dieter (2007). “Multiculturalidad y derechos fundamentales”. En: Derecho constitucional para la sociedad multicultural. Madrid: Trotta, pp. 51-69.5 Sobre la interpretación constitucional en contextos multiculturales, véa-se: Álvarez Medina, S., “Los derechos humanos como valores plurales. Mul-ticulturalismo, cosmopolitismo y conflictos”, ob., cit., pp. 179-190. Asimis-mo, véase: Grimm, D. “Multiculturalidad y derechos fundamentales”, op., cit., pp. 51-69. Para una propuesta de ampliación del espectro argumental de la discriminación indirecta, incorporando criterios interpretativos adi-cionales (discriminación estructural y la interseccionalidad de las discri-minaciones), véase: Añón Roig, María (2013). “Principio antidiscriminato-rio y determinación de la desventaja”, Isonomía, N 39, pp. 127-157.

dA hermenêuticA formAl à trAnSAcionAl: eStudoS Sobre A pré-compreenSão do intérprete

Rodrigo FariasGraduando do quinto período da Faculdade de Direito da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

O presente resumo discute, no âmbito da hermenêutica cons-titucional, os avanços que o estudo sobre a pessoa do intérprete, tais como aspectos psicológicos antecedentes à atividade de interpretação – tal como a análise transacional - trariam para o estudo da inter-pretação da Constituição, juntando-se aos já consolidados métodos hermenêuticos e, também, confrontando-os.

A moderna dogmática jurídica, no entanto de longa data já não endossa a crença de que as normas jurídicas tenham, invariavelmente, sentido unívoco, oferecendo uma única solução possível para os casos concretos aos quais se aplicam. Em muitas hipóteses, a norma – especial-mente a norma constitucional, quando tem conteúdo fluido e textura aberta – oferece um conjunto de possibilidades interpretativas, figurando uma moldura dentro da qual irá aturar o intérprete. Como consequên-cia, a atividade de interpretação da norma consistirá também em um ato de vontade (volitivo), uma escolha, envolvendo uma valoração específica feita pelo intérprete1. Ele participa ativamente das construções interpre-tativas possíveis de se extrair de dado enunciado normativo.

Mas o que se observa, historicamente, é o interprete sendo pouco explorado: ainda que tenhamos a interpretação histórica, que se desti-na precipuamente à descoberta da vontade do legislador, tal método não se atém aos fatores que influenciam na formação desta vontade – além de que, sendo a lei produto da vontade da maioria ou de acordo de grupos ideologicamente diversos, expressa uma direção normalmente conciliadora, não vontades individuais. Deste modo, temos a interpre-tação jurídica – e constitucional, de forma mais específica – de uma

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forma incompleta, em que apenas dois de seus três componentes (texto e contexto) são analisados com a correta profundidade.

Uma vez que o Direito não possui substrato teórico adequado para fazer esta análise do intérprete, posto que tal observação foi de cer-to modo marginalizada, utilizaremos a Análise Transacional para tanto.

A personalidade dos indivíduos é formada por estados de ego, que pode ser descrito fenomenologicamente como um sistema coe-rente de sentimentos relacionados a um dado sujeito e operacionalmente como um conjunto de padrões coerentes de comportamento ou, ainda, do ponto de vista pragmático, como um sistema de sentimentos que motiva um conjunto de padrões de comportamento afins2. Estes es-tados de ego são três: pai, adulto e criança.

No primeiro estado, derivado de figuras parentais, a pessoa sen-te, age, fala e reage como um dos seus progenitores fazia quando ela era pequena. Este estado de ego é ativo na educação dos próprios filhos3. Trata-se, assim, do reflexo das experiências passadas pelos pais quando o indivíduo era criança.

No segundo, a pessoa analisa seu meio ambiente objetivamente, calculando suas possibilidades e probabilidades com base em experi-ências passadas. Este funciona como um computador, consultando o “acervo” da memória a fim de melhor decidir o que se deve fazer em determinado momento.

O terceiro, por sua vez, parte da ideia de que cada ser humano car-rega dentro de si um menininho ou menininha que sente, pensa, age, fala e reage de forma semelhante à que fazia quando ele ou ela eram crianças4, se assemelhando a uma reminiscência do passado que ainda vive no pre-sente. O estudo destes estados é chamado de Análise Estrutural.

A Análise Transacional, por sua vez, trata de que maneira os es-tados de ego interagem no contato entre os indivíduos, chamados de transações. Estas podem ser complementares, em que as comunicações podem se dar indefinidamente, ou cruzadas, em que a comunicação é interrompida, havendo problemas5. O objetivo é verificar estas co-municações e entender como elas poderão ser otimizadas, a fim de

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torna-las as mais bem feitas possíveis. Veremos, deste modo, de que forma esta construção teórica pode colaborar na ciência jurídica.

Notas

1 BARROSO, Luís Roberto, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2ª Edição, Saraiva, 2009, p. 80. 2 BERNE, Eric, Análise transacional em psicoterapia, tradução de Lúcia Helena Cavasin Zabotto, São Paulo, Summus, 1985, p. 17.3 Idem, O que você diz depois de dizer olá? A psicologia do destino, tradução Rosa R. Krausz, São Paulo: Nobel, 1988, p. 25.4 Idem. 5 Ibidem., p. 27 e 28.

interpretAção conforme e interpretAção de Acordo com A conStituição: precedenteS do StJ e controle difuSo de

conStitucionAlidAde

Luiz Henrique Krassuski FortesMestrando em Direito das Relações Sociais no Programa de Pós-Graduação

em Direito da Universidade Federal do Paraná, sob orientação do prof. Dr. Luiz Guilherme Marinoni. Especialista em Direito Constitucional pela Academia

Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Membro do Núcleo de Direito Processual Civil Comparado (UFPR). Membro do Grupo de Pesquisa

Interdisciplinar em Justiça Eletrônica - e-Justiça (CNJ-CAPES-UFPR). Servidor Público da Justiça Federal de 1º Grau em Curitiba-PR. País: Brasil. E-mail:

[email protected]

O controle de constitucionalidade no Brasil possui diversas vi-cissitudes, em grande parte decorrentes do processo de découpage institucional de vários elementos estrangeiros, deixando um enorme campo aberto para reflexões que não podem se satisfazer apenas com uma visão fragmentada e exógena que busque compreender o sistema brasileiro de controle a partir de uma análise acrítica direito compa-rado e dos institutos alienígenas que o influenciaram.

Partindo-se desse pressuposto, propõe-se a investigar se é possível harmonizar a técnica da interpretação de acordo com a Constituição - imposição do Estado Constitucional a todos os órgãos investidos do Poder Jurisdicional, inclusive aos Tribunais Superiores, compreendido como cortes de precedentes1 -, a qual se buscará diferenciar da interpre-tação conforme a Constituição (técnica de decisão em sede de controle de constitucionalidade), com o controle difuso de constitucionalidade, poder-dever do qual todos os juízes estão investidos no Brasil.

Pode um magistrado deixar de aplicar um precedente do Supe-rior Tribunal de Justiça, órgão que tem dever de proceder a interpre-tação da legislação federal de acordo com a Constituição e de formular precedentes sobre o direito federal, simplesmente ignorando o prece-dente formado, sob o argumento de realizar diretamente controle de

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constitucionalidade da aplicável? Ou seja, pode o juiz se afastar da in-terpretação de acordo feita pelo STJ sem superar argumentativamente o precedente, distinguindo-o do caso sob exame?

Para buscar responder a essas questões, são, primeiramente, revi-sitadas as comumente chamadas teorias clássicas sobre a Jurisdição à luz do Estado Constitucional e da relação entre justiça constitucional e democracia constitucional.2

A passagem do Estado de Direito Liberal para o Estado Cons-titucional implicou três significativas alterações na compreensão do fenômeno jurídico (na teoria das normas, a compreensão da força normativa dos princípios; na técnica legislativa, a partir da superação do dogma da legislação geral, abstrata e com fattispecie bem delimi-tada, dando espaço para uma técnica casuísta através de cláusulas gerais e conceitos abertos; na teoria da interpretação, com a difusão da compreensão não cognitivista e de univocidade de sentido)3, o que evidenciaria o relevante papel a ser desempenhado pelos precedentes na dimensão da igualdade, segurança jurídica e coerência do Direito.

Busca-se, então, verificar a distinção entre interpretação de acor-do com a Constituição com a interpretação conforme a Constituição, geralmente tratadas de forma indistinta, como se vê, por exemplo, na obra de Luís Roberto Barroso, para quem a interpretação conforme se destina a um só tempo à preservação da validade constitucional de determinados dispositivos legais cuja interpretação aparenta in-constitucionalidade, bem como à atribuição de sentido à legislação infraconstitucional, a cargo de todos os juízes, conectada à máxima efetividade que deve ser dada aos mandamentos da Constituição.4

Partindo da caracterização legal, Luiz Guilherme Marinoni enten-de que a interpretação conforme não constitui método de interpreta-ção, mas sim técnica de controle de constitucionalidade que impediria a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirma-ção de que há um sentido possível ou interpretação compatível com a Constituição5, distinguindo-se da declaração parcial de nulidade sem redução de texto, pois na primeira se estaria no âmbito de interpretação e, na segunda, no de aplicação da norma. Dessa forma, na primeira

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exclui-se a possibilidade de outras interpretações, declarando-se aquela que se reputa conforme, ao passo que na segunda se discute o próprio âmbito de aplicação da norma, declarando-se que em determinadas hipóteses a aplicação da norma em si é inconstitucional.6

Essa distinção, porém, não resolve o problema das duas cate-gorias que podem ser abarcadas sob o mesmo manto da interpreta-ção conforme (interpretação propriamente dita e técnica de controle de constitucionalidade), evidenciando a possibilidade de se tratar a primeira com a nomenclatura interpretação de acordo.

Isso pois declaração de inconstitucionalidade, técnicas de deci-são na jurisdição constitucional e o dever de interpretar o direito à luz da Constituição, não se confundem. Assim, o juiz ordinário, por mais que exerça ao mesmo tempo a Jurisdição ordinária e o poder de con-trole de constitucionalidade, não pode, sem a adequada justificativa, se afastar dos precedentes firmados pelos Tribunais Superiores a que está subordinado, procurando fazer o controle de constitucionalidade da interpretação de acordo que foi firmada no precedente infraconsti-tucional aplicável ao caso.

Notas

1 MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes: Recom-preensão do Sistema Processual da Corte Suprema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013; MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: Do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.2 ZAGREBELSKY, Gustavo; MARCENÒ, Valeria. Giustizia Costituzionale. Bo-logna: Il Mulino, 2012. p. 63.3 MITIDIERO, Daniel. Cortes..., Op. cit, p. 13-15.4 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo: Sa-raiva, 2009. p. 301.5 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 7ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 59.6 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria..., Op. cit, p. 60.

kelSen e A teoriA dA interpretAção conStitucionAl humpty dumpty

Samuel Moreira GouveiaDoutorando pela Université Paris Ouest, em cotutela com a Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. Endereço eletrônico: [email protected].

Pretende-se tratar, no presente ensaio, da relação entre “valida-de” e “interpretação autentica”, elaborada por Hans Kelsen (1999) no último capítulo da segunda edição da Teoria Pura do Direito. Com base nas elaborações críticas realizadas por Troper (1981), se lançará a hipótese da impossibilidade jurídica ao erro pelas Cortes Supremas, tomadas como intérpretes autênticos.

Tal assertiva se sustenta pelo fato que, uma vez estando no cume da hierarquia judiciária, as Cortes Supremas possuiriam total liber-dade jurídica na criação de normas (entendidas como significação de textos) e na estipulação da força normativa de diferentes textos. Essa liberdade jurídica decorreria da capacidade de tais cortes prolatarem decisões irrecorríveis juridicamente. Ainda, a mencionada liberdade se agudizaria pelo fato de que, entre os textos interpretados pelas Cortes Supremas, encontram-se aqueles que prescrevem a sua pró-pria competência. Não raro, tal liberdade na atividade interpretativa seria direcionada no sentido do aumento de poderes (i.e. competên-cia), como no caso Marbury versus Madison decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos, ou na decisão Liberté d’association, do Conselho Constitucional francês.

Se neste caso, uma eventual “norma fundamental” não pode mais ser considerada como base para tomada de decisão na criação de normas jurídicas – visto que a liberdade das Cortes Supremas de-corre da inexistência de norma reguladora e/ou sancionadora de suas decisões -, este espaço “fundante” não pode ficar vago. Não é fortui-to que teorias tão díspares como as de Troper (1981), Van Hoecke

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(2002) ou mesmo a elaborada por Hart (2012) pressuponham uma racionalidade fundada, cada uma a seu jeito, na pluralidade de atores.

A visão de um intérprete supremo e livre, no cume da ordem ju-rídica hierarquizada passa a dar lugar a concepções de sistema jurídi-co como “rede”, além da instituição de outras instâncias normativas. A sugestão que se trata presentemente é que tal desenvolvimento de-corre da percepção de impossibilidade do uso da linguagem na forma de uma prática totalmente autônoma do âmbito social (linguagem privada), sublinhada já na segunda filosofia analítica, principalmente nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1986).

Para o filósofo austríaco, o sentido de uma palavra ou de um enunciado é estabelecido pelo seu uso em um determinado jogo de lin-guagem - mediado por regras pragmáticas – o que pressupõe a plurali-dade de atores. Em contraposição aos jogos de linguagem, as práticas autônomas seriam aquelas cuja normatividade não depende de nada além dela mesma, o que asseguraria sua correção. Esta seria a posição das Cortes Supremas como intérpretes autênticos no modelo kelse-niano, sintetizada pela famosa afirmação do juiz Jackson, da suprema corte norte-americana: “Nós não somos a última instância porque somos infalíveis, mas somos infalíveis porque somos a última instância” (opinião concordante no caso Brown versus Alle, 344US 443-1953).

Contudo, ao invés de garantir a correção no processo de pro-dução de significação – i.e. de criação de normas -, a liberdade das práticas autônomas destrói a probabilidade de tal correção, porque estar correto perde sua força, quando a possibilidade de estar incor-reto desaparece. Para Medina (2007, p. 164), “(…) o argumento de Wittgenstein sugere a diferença entre parecer correto e ser correto requer a possibilidade de negociação e correção mútua, que para tanto deve haver diferentes centros de avaliações normativas”. As regras do jogo se desmoronam quando o que conta como correto não pode ser contes-tado, quando o “ser” e o “parecer” correto se confundem.

Pretende-se, portanto, demonstrar que, no sentido observado por Kelsen, as Cortes Supremas se apresentariam como uma espécie de Humpty Dumpty, personagem criado por Lewis Caroll (1986).

Teorias da interpretação constitucional • 71

Assim como o personagem, as Cortes Supremas poderiam escolher li-vre e aleatoriamente o significado das palavras utilizadas, entretanto, sem conseguir nada comunicar, haja vista a falta de normatividade. Se sugere, portanto, que o paradigma kelseniano contrapõe a ideia de jogo de linguagem, na forma entendida por Wittgenstein, a qual se utiliza presentemente como paradigma crítico. Assim o é, visto que na concepção wittgensteiniana, toda instância discursiva deve conter a possibilidade da incorreção na sua pluralidade de núcleos normativos. Deve conter, sobretudo, a possibilidade de negociações normativas, em um processo dialético de contestação e justificação - possibilidade esta, eclipsada na análise kelseniana.

Referência bibliográfica

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HART, Herbert Lionel Adolphus. The Concept of Law. 3ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2012.

KELSEN, Hans. Théorie Pure du Droit. Paris: L.G.D.J., 1999.

MEDINA, José. Linguagem: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre : Artmed, 2007.

TROPER, Michel. Kelsen, la théorie de l’interprétation et la structure de l’ordre juridique in Revue Internationale de Philosophie. Paris, nº 138, 1981, p. 518-529.

VAN HOECKE, Mark. Law as communication. Oxford: Hart Publishing, 2002;

WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical Investigations. Oxford: Basil Blackwell Ltd, 1986.

controle de conStitucionAlidAde e hermenêuticA filoSóficA: entre o SubStAnciAliSmo e procedimentAliSmo

João André Alves LançaGraduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e

Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG. País: Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

É possível dizer que uma das objeções centrais das teorias críti-cas do controle de constitucionalidade judicial gira em torno da acu-sação de ser tal controle contramajoritário e, por isso, antidemocrá-tico e ilegítimo, em especial quando se entrega aos juízes a “última” palavra sobre declarações de direitos.

Críticos contemporâneos do controle judicial de constituciona-lidade, sobretudo em sua manifestação “forte”, como Jeremy Waldron e Richard Bellamy, fundamentam a acusação acima com a afirmação de que as decisões sobre direitos envolvem escolhas morais sobre as quais os desacordos razoáveis são inevitáveis. E, nesse sentido, acre-ditam que não existem razões suficientes para se dizer que poucos juízes tomariam decisões melhores do que os representantes políticos eleitos, haja vista no seio das cortes também existir dissensos morais.

Assim, defendem que o processo político democrático-parla-mentar possui maior legitimidade e se resulta mais eficaz do que o processo judicial para tomar tais decisões sobre direitos e resolver tais desacordos, em especial quando se fala em democracias razoavelmen-te desenvolvidas. Pressupõem que apenas quando os próprios indiví-duos participam no interior do processo democrático, por meio de seus representantes eleitos, esses podem ser considerados como iguais, uma vez que apenas desse modo se garantiria a igual consideração e respeito com relação aos seus direitos e interesses (BELLAMY, 2007).

O que está por traz dessa opção pelo processo parlamentar, segun-do Waldron (2006), é a opção por razões de processo em detrimento de razões de resultado. Para o impasse da inevitável existência de de-

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sacordos razoáveis, as razões de tipo processual seriam a melhor solu-ção para a questão, uma vez que não se pode garantir que o resultado das escolhas tomadas pelo judiciário, ou mesmo pelo legislativo, seja mais apropriado em um caso ou do que em outro. Diante disso, o ideal seria adotar um procedimento que pudesse legitimar a decisão adotada. E esse procedimento deveria ser o político-parlamentar e não o judicial, por ser aquela o mais legítimo democraticamente.

No marco do giro linguístico-ontológico, todavia, aqui analisa-do a partir da hermenêutica filosófica, o processo compreensivo não é mais visto ao modo especulativo ou ao modo objetivista, como era próprio da filosofia da consciência ou do campo das ciências naturais, em que um método ou um procedimento pré-determinado seria capaz de levar ao conhecimento coerente e válido. Assim, se por um lado, não há critérios seguros para se definir quais decisões seriam mais ade-quadas, se as do judiciário ou se seriam as adotadas pelo legislativo, por outro, o caminho da opção pelas “razões de processo”, sem sua devida crítica, oferece o risco do retorno ao problema dogmático do positivis-mo que ignora a dimensão ontológica da compreensão.

Dito de outra forma, se não há um procedimento universal que leve a decisões válidas e se não há uma solução estanque para a questão dos desacordos, optar pela via procedimental do debate político-parlamentar pelo motivo da legitimidade pode significar a desconsideração dos efeitos da história no próprio processo político e do que, de fato, “é o legítimo” na existência tradicional.

Nesse sentido, deve-se ter em mente que a coerência do processo compreensivo de tudo aquilo que pode ser conhecido, inclusive os impe-rativos constitucionais, tem muito menos a ver com escolhas procedimen-tais, do que com questões relacionadas ao horizonte hermenêutico, ou das pré-compreensões, do qual partem ou no qual se colocam os sujeitos.

“A elaboração da situação hermenêutica significa então a obten-ção do horizonte de questionamento correto para as questões que se colocam frente à tradição.” (GADAMER, 1999, p. 452).

Nesse sentido, tratando-se de decisões constitucionais sobre di-reitos fundamentais, as pretensões voltadas, em primeiro plano, para

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argumentos de política ou para argumentos de princípios, dependendo de qual posição se ocupa, se no legislativo ou no judiciário, oferecem maior influência no que se deve entender por controle de constitucio-nalidade, do que simplesmente optar pelas “razões de processo”.

Foi o que demonstrou, por exemplo, a pesquisa empírica feita por Pickerill, citado por Hübner (2008), ao revelar que nos períodos da história americana em que a revisão constitucional foi mais tímida, as decisões do parlamento quase não levaram em conta argumentos constitucionais. Por outro lado, nos períodos de maior engajamento da Corte e de ameaça de revisão constitucional, o parlamento reagiu dedi-cando maior atenção à dimensão constitucional dos assuntos tratados.

Desse modo, a hipótese e a conclusão que se afirma é que, para ficarmos entre o substancialismo (e seus desacordos) e o procedimenta-lismo, sem ignorar os desafios da tomada de consciência do caráter onto-lógico de toda compreensão, não se trata de rejeitar medidas de processo ou novos arranjos institucionais, mas de encará-los como instrumentos auxiliares ao “alargamento” e à tomada dos horizontes adequados.

Uma decisão relevantemente democrática não significa uma de-cisão baseada em razões de processo, o que não significa desacreditar medidas que visem o reforço e a seriedade da deliberação democráti-ca na interpretação da constituição.

Referências

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GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

mitologiA, cArActerizAção do poder Judiciário e novAS diretrizeS pArA A hermenêuticA JurídicA: o Juiz hérculeS

encontrA A JuízA penélope

Igor Suzano Machado

O Poder Judiciário possui uma caracterização com base num personagem da mitologia grega que já se tornou clássica. Trata-se do juiz Hércules, trazido à tona pelo trabalho do influente jusfilósofo norte-americano Ronald Dworkin, e que já gerou extensa biblio-grafia sobre suas características, formas de trabalho, embasamento filosófico, etc. Outras figuras mitológicas mesmo, como Hermes, já foram inclusive confrontadas com Hércules, tanto pelo próprio Dworkin (2003 [1986]), quanto por seus críticos com o objetivo de desmistificar a construção teórica do juiz de capacidades hercúleas e suas “únicas respostas corretas” e, necessariamente, liberais aos casos jurídicos difíceis (Warrington; Douzinas; McVeight, 1991). Meu ob-jetivo aqui é semelhante. Buscando um outro parâmetro de orienta-ção para a prática judicial e interpretação constitucional que não o semideus mobilizado por Dworkin, trago à tona a figura de Penélo-pe, a tecelã esposa de Ulisses na Odisseia de Homero.

Ou seja, o presente artigo parte da construção do juiz Hércules na teoria jurídica de Ronald Dworkin para propor um novo per-sonagem mitológico como possível base de caracterização do Poder Judiciário nas democracias contemporâneas: justamente a “Juíza Pe-náelope”. A atividade de infinita costura e descostura a que tal perso-nagem se dedicou na Odisseia de Homero, como forma de lidar com o assédio de novos pretendentes sem abandonar sua fidelidade ao antigo marido desaparecido é então evocada para caracterizar como os juízes reagem ao assédio das partes tecendo um discurso jurídico coerente, mas sempre incompleto por sua vinculação a uma promessa que não pode ser abandonada. Se, no caso de Penélope, essa promes-sa era o retorno de Ulisses a Ítaca, seu reflexo no Judiciário traduziria

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esse compromisso na noção de uma “justiça por vir” – categoria que derivo da ideia de “democracia por vir” de Jacques Derrida (2005).

Meu objetivo com isso é utilizar as intuições de Dworkin acerca da atividade desenvolvida pelos juízes, mas sujeitando-as a uma leitura pós-estruturalista, que, por um lado, se abre a um pluralismo radical, mas, por outro, rejeita a mera hiperfragmentação como característica principal da sociedade contemporânea, agregando a essa caracterís-tica de “descentramento” – isto é, falta de centro fixo – a busca por centros provisórios, fechamentos precários da estrutura social que lhe dão inteligibilidade, naquilo que a tradição pós-estruturalista con-vencionou chamar de “discursos”, na esteira de sua caracterização por Foucault (2007[1969]) como “regularidades na dispersão”.

Caracterizando a atividade judicial como formatação de um discurso, entendido nesses termos, os juízes passam a ser menos os seguidores de um herói capaz de encontrar sempre a única resposta correta dos casos jurídicos difíceis, como seria o juiz Hércules, e pas-sam a desempenhar uma atividade de “costura” de textos e institui-ções que podem resultar em peças inusitadas e cuja configuração final passa a ser radicalmente dependente da intenção desses costureiros não chegando nunca, no entanto, a se apresentar como uma obra plenamente acabada, tal qual o trabalho de costura de Penélope.

A publicidade da atuação de Penélope, sua necessária passivida-de, e a coerência de princípio exigida de suas decisões, permitiriam que sua atividade fosse avaliada e discutida publicamente, propician-do o controle democrático do poder dos juízes que agem em seu reflexo. Esses juízes são instados a, como Penélope, costurar uma teia que agrega os valores da comunidade política, usando como linhas dessa costura, como destaca Dworkin, a cultura institucional da co-munidade em que estão inseridos, materializada em decisões políticas pretéritas, como a Constituição, as leis, os precedentes judiciais, etc. Mas como, mais do que encontrar as respostas dos casos jurídicos contidos nessa teia, os juízes seriam os responsáveis pela costura da própria teia, ganha destaque na atividade jurisdicional, tal como en-tendida aqui, o compromisso dos juízes com uma referência de justi-

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ça: é esse compromisso que faz com que a teia seja costurada de um jeito e não de outro. Tal compromisso se basearia em uma promessa de justiça e precisaria transcender a vontade das partes e mesmo com-promissos legais fugazes, precisando se basear em pressuposições mo-rais profundas, como nos acordos materializados numa Constituição e na filosofia política e moral que a embasa.

Contudo, ao contrário do que ocorre no trabalho de Hércules, esse compromisso de justiça não precisa ser vinculado a um liberalis-mo individualista, assim como não precisa negar essa possibilidade. A escolha e fidelidade a uma construção de justiça possível dentre muitas passa a ser então parte integrante da atividade judicial, as-sim como da avaliação dessa atividade pela sociedade, que deve ser constante, por ser essa sociedade também a portadora dessa noção de justiça que os tribunais devem efetivar, tendo os juízes como seus emissários e não aqueles que a impõem de fora e de cima.

hermenêuticA filoSóficA e SuA contribuição pArA A JuriSdição conStitucionAl

Cristiano de Aguiar Portela MoitaMestrando em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal

do Ceará. Brasil. Email: [email protected].

Desde que o homem se lançou na busca de compreensão do mundo que o cerca bem como do mundo que se constituiu no seu próprio pensar, buscou encontrar o sentido último ou o sentido ver-dadeiro das coisas. Entender o funcionamento da natureza e enten-der o modo próprio de se comportar do ser humano sempre foi o objetivo do homem pensante. A teorização ou a sistematização do estudo da busca dos sentidos ocorreu, a princípio, sobre os sentidos dos textos, especificamente, bíblicos, naquilo que se resolveu cha-mar de Hermenêutica. Acreditava-se, num primeiro momento, com Friedriech Schleiermacher e depois com Wilhelm Dilthey, na pos-sibilidade de elaboração de um método que permitisse encontrar o verdadeiro sentido quisto pelo produtor do texto. Seguindo alguns passos, conseguir-se o sentido almejado pelo próprio autor. Essa con-cepção de hermenêutica, no entanto, revelou-se falha e insuficiente, principalmente pelos avanços teóricos na Hermenêutica ocorridos no limiar do século XX, levados a cabo por Martin Heidegger e, de forma mais detida, seu discípulo Hans-Georg Gadamer. Com a ideia de que o homem é, por si só, hermenêutico, no sentido de ser finito e histórico, e que sua experiência de mundo é marcada pela tem-poralidade, reformula-se, fundamentalmente, a concepção de Her-menêutica. Ocorre aqui a superação da hermenêutica psicologizante de Schleiermacher e Dilthey por uma hermenêutica propriamente histórica. Com efeito, para Gadamer, a finitude e a historicidade do homem reposicionam a hermenêutica; deixa de ser entendida como um problema de metodologia específica para as ciências do espírito, como outrora propôs Dilthey, e passa a ser entendida como um pro-

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blema de ontologia, reformulada nos moldes heideggerianos. Ponto fulcral na hermenêutica de Gadamer é precisamente ser considerada uma hermenêutica da finitude, o que significa que a história tem pa-pel fundamental na determinação da consciência do homem. Assim, pode-se asseverar que a historicidade configura-se verdadeira condi-ção de possibilidade da compreensão humana. Em outras palavras, a compreensão sempre parte daquilo que foi entregue pela tradição (traditio em latim significa entrega) ao homem, constituindo nele pré-conceitos que farão parte, necessariamente, do ato de compre-ensão do mundo. Os pré-conceitos gestados na história são, dessa forma, condições transcendentais da compreensão. E assim Gadamer conceitua hermenêutica como “mobilidade fundamental da pré-sen-ça, a qual perfaz sua finitude e historicidade, abrangendo assim o todo de sua experiência de mundo”.

Especificamente no âmbito do Direito, a Hermenêutica Filosó-fica traz algumas contribuições. Em primeiro lugar, pergunta-se: em que medida a Hermenêutica Filosófica contribui para o Direito e, especificamente, para o Direito Constitucional? Em relação à noção fundamental de historicidade, é possível concluir que não portam os textos legislativos, em definitivo, um sentido dado a priori, como já percebido por juristas como Kelsen e Hart, e que a tarefa de com-preendê-los exige que o intérprete se perceba dentro da história e se posicione aberto aos fatos subjacentes à aplicação da norma jurídica. Os fatos que circundam o texto a ser interpretado moldam, de forma necessária e particular, a interpretação lançada sobre esse texto. O intérprete é, aliás, sempre um aplicador. Interpretação, compreensão e aplicação confundem-se na applicatio que se dá no jogo de apreen-são de sentidos. Aplicar não é reproduzir sentidos já pensados; apli-car é produzir sentidos. E toda vez que o intérprete lança-se sobre a interpretação de um caso concreto, deve fazê-lo cônscio dessa estru-tura hermenêutica que o constitui. Especificamente em relação ao Direito Constitucional, a contribuição da Hermenêutica Filosófica é particularmente importante. É no bojo da compreensão das cons-tituições que se molda o entendimento do atual modelo de Estado

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Democrático de Direito, configurado como Estado Constitucional, em que as cortes constitucionais assumem a função relevantíssima de interpretar e compreender – aplicar, afinal – o texto constitucional. Responsáveis por dar a última palavra a respeito do sentido do tex-to, confrontam-se, inevitavelmente, com os novos problemas abertos pela Hermenêutica Filosófica.

A (ir)rAcionAl AplicAção dA proporcionAlidAde pelo Stf

Fausto Santos de MoraisDoutor em Direito (UNISINOS/RS), docente do PPGD IMED –

Passo Fundo/RS – Brasil. Pesquisador com apoio da Fundação Meridional. E-mail:[email protected].

A aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal pode ser considerada racional? O pressuposto teó-rico para essa questão investigativa está em Alexy, entendendo que: primeiro, os problemas jurídicos que envolvem Direitos Fundamen-tais correspondem questões de princípio e devem ser resolvidas pela máxima da proporcionalidade (ALEXY, 2008, p. 116). Segunda, as decisões judiciais a esses problemas devem ser racionalmente funda-mentadas para serem legítimas (ALEXY, 2005, p. 5).

Fixado o marco teórico, a investigação da fundamentação das decisões do STF foi determinada em decorrência da adoção pelo tribunal do discurso da proporcionalidade em questões de Direitos Fundamentais e pela validade dessas decisões estar condicionada a sua fundamentação, nos termos do artigo 93, IX da CRFB.

Intentou-se, nesse sentido, verificar na jurisprudência do STF se sua aplicação correspondia às orientações dogmáticas do jurista ale-mão. Para isso procedeu-se coleta de dados junto à jurisprudência do STF, disponíveis no seu website. Escolhendo a palavra-chave “prin-cípio da proporcionalidade”, no marco temporal de 07/07/2002 até 07/07/2012, obteve-se 189 decisões, entendidas como representati-vas da práxis jurisprudencial do STF. Todas as decisões foram objeto de descrição e análise em trabalho anterior (MORAIS, 2013).

Alexy foi utilizado como um dos pressupostos teóricos à análise pois sustenta que o Direito está orientado à razão prática – dizendo aquilo obrigado, proibido ou permitido –, cuja estrutura envolveria regras, princípios jurídicos e procedimentos (ALEXY, 2010, p. 173). Alguns dos problemas jurídicos poderiam ser resolvidos facilmente, por regras, outros, com recurso a sopesamentos o que, em última

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ratio, se mostrariam abertos ao âmbito valorativo – moral – do intér-prete cujo controle estaria na esfera argumentativo-procedimental. Essa seria a abertura do Direito à Moral (ALEXY, 2008, p. 29).

Para além das categorias normativas, Alexy sustenta que a le-gitimidade judicativa é aferida mediante uma argumentação jurí-dica como forma de justificação racional (ALEXY, 2007, p. 131). Essa capacidade racional reconheceria a produção procedimental do consenso e a legitimidade jurídica das decisões judiciais (MORAIS; TRINDADE, 2012, p. 164).

Retornando à pesquisa jurisprudencial realizada no STF, obteve--se a constatação das seguintes questões (MORAIS, 2013, p. 296-297):

1°) o emprego do discurso da colisão, havendo indicação (ou não) das categorias colidentes;

2°) a proporcionalidade, as vezes adjetivada como princípio, é enun-ciada para resolução dos problemas;

3°) a autonomização do discurso sobre os elementos da adequação, necessidade e sopesamento;

4°) a não preocupação com a produção de uma lei de colisão, na condição de premissa inicial a ser justificada argumentativamente;

5°) a identificação da proporcionalidade com a noção de proteção do excesso e proibição da proteção deficiente;

6°) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – com referên-cia ao artigo 5°, inciso LIV da CRFB – foram empregados, em boa parte das decisões, como fundamentos contra o abuso de poder do Estado;

7°) a proporcionalidade era empregada num sentido performático de justeza ou correção do posicionamento assumido – e, em casos de aplicação de penas, sobre a sua (in)correção; e

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8°) o emprego da proporcionalidade geralmente vem acompanhado de adjetivações como: inquisição dos limites dos limites, núcleo essencial, âm-bito de proteção dos Direitos Fundamentais ou reserva legal proporcional.

Em apreciação a essas verificações, o que se notou foi a ressonân-cia de fragmentos da teoria de Robert Alexy no discurso do STF. Essa condição faz com que a proporcionalidade assuma uma concepção sui generis, de lógica incomensurável se contrastada a argumentação jurídica fundada em critérios racionais intersubjetivos.

Exemplo disso, é a aplicação da proporcionalidade nas decisões sem as devidas explicações sobre as opções valorativas sobre a escolha dos princípios sopesados e a respectivas hierarquização entre eles.

Portanto, ao manter-se velado os motivos fáticos e jurídicos que suportam os juízos de sopesamentos, entende-se faltar legitimidade (democrática) de parte das decisões investigadas, deixando de cum-prir com o imperativo da fundamentação (justificação) racional.

Referencial bibliográfico

ALEXY, Robert. Sistema jurídico e razão prática. In: ALEXY, Robert. Di-reito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

ALEXY, Robert. A fórmula de peso. In: ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racio-nal como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda Hut-chinson Schild Silva. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2005.

MORAIS, F. S. de. 2013. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo

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Tribunal Federal. São Leopoldo, RS. Tese de Doutorado. Universida-de do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, 346p.

MORAIS, Fausto Santos de; TRINDADE, André Karam. Ponderação, pretensão de correção e argumentação: o modelo de Robert Alexy para fundamentação racional da decisão. SJRJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 35, p. 147-166, dez. 2012.

interpretAción JudiciAl de lA corte conStitucionAl colombiAnA en lA SentenciA c 590 de 2005, reSpecto de loS requiSitoS eSpeciAleS: deciSión Sin motivAción y deSconocimiento del precedente, en contrASte con el

debAte entre reglAS y principioS

Alejandra Marcela Arenas MorenoAbogada, especialista en Derecho Constitucional y Derecho Administrativo

de la Universidad de Antioquia. Aspirante a Magister en investigación en Derecho, de la misma Institución. Colombia. Email: alejandrarenas17@gmail.

com.

En la presente ponencia se busca mostrar a partir de la Sentencia C 590 de 20051, proferida por la Corte Constitucional Colombia-na, cual fue la interpretación judicial adoptada por dicho Tribunal, respecto de los requisitos especiales: decisión sin motivación, que im-plica el incumplimiento de los servidores judiciales de dar cuenta de los fundamentos fácticos y jurídicos de sus decisiones en el entendi-do que precisamente en esa motivación reposa la legitimidad de su órbita funcional y desconocimiento del precedente, hipótesis que se presenta, por ejemplo, cuando la Corte Constitucional establece el alcance de un derecho fundamental y el juez ordinario aplica una ley limitando sustancialmente dicho alcance. En estos casos la tute-la procede como mecanismo para garantizar la eficacia jurídica del contenido constitucionalmente vinculante del derecho fundamental vulnerado; y contrastarla con aspectos puntuales del debate entre re-glas y principios, que hace parte importante de la discusión actual respecto de la interpretación y grado de argumentación que debe de-mostrar el Juez en sus decisiones, para que estén acorde con el Estado Constitucional de Derecho, donde se garanticen tanto la protección de los derechos, como la supremacía de la Constitución Política.

Es de señalar que en el mencionado fallo de la Corte Consti-tucional se establecieron seis requisitos generales y ocho especiales,

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para la procedencia de la acción de tutela contra sentencias judicia-les, sin embargo, en esta presentación, aunque se enunciarán todos y cada uno de ellos, el análisis se centrará en los dos ya señalados.

Para cumplir con dicho propósito, la ponencia se dividirá en tres partes, en la primera, se expondrá de forma general el surgimiento de la Corte Constitucional Colombiana en la Constitución Política de 1991 y las funciones que le fueron atribuidas, de igual manera se explicará en que consiste la acción de tutela y como se ejerce. Lo mismo se hará con los requisitos de procedibilidad de la acción de tutela, frente a sen-tencias judiciales, establecidos por el órgano de cierre de la jurisdicción constitucional colombiana, en la Sentencia C 590 de 2005.

En segundo término, se expondrán de forma sucinta la teoría de H. Hart, explicada en el texto “El concepto de Derecho”, en lo atinen-te al Derecho entendido como reglas, luego se pasará a la crítica y el aporte introducido por Ronald Dworkin, en cuanto a los principios como parte del Derecho, posteriormente se enunciará el aporte que al debate de reglas y principios ha hecho Robert Alexy, especialmente en lo que tiene que ver con la solución de casos puntuales, cuando se pre-sente colisión entre reglas y principios, o algunas variaciones de estos, por último se describirá el aporte que al debate hacen Manuel Atienza y Juan Ruiz Manero, frente al carácter abierto o la consideración de los principios como mandatos de optimización, señalado por Alexy.

En última instancia se hará el contraste entre la interpretación hecha por la Corte Constitucional en la Sentencia C 590 de 2005, respecto de los requisitos especiales decisión sin motivación y desco-nocimiento del precedente, y aspectos puntuales del debate entre re-glas y principios. Más exactamente en la forma como debe interpre-tarse la colisión entre estos, y las posibles soluciones que desde dicho debate puedan darse a partir de entender las normas y los derechos como reglas o principios.

Dicho análisis apunta a dar cumplimiento al objetivo propuesto de hacer el contraste, además de buscar evidenciar, la forma como la Corte Constitucional al interpretar y decidir sobre los requisitos de procedibilidad, entendió dichas “normas” como reglas o como

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principios, y como la presente ponencia nos sirven para fundamentar mejor las acciones de tutela frente a decisiones judiciales, que vulne-ren los requisitos especiales escogidos para el presente trabajo, que se considera, son los que tienen que ver con de forma directa con la carga argumentativa que tienen los Jueces a la hora de fallar.

Por último, la propuesta aquí presentada, aporta también a la for-ma de entender el debate entre reglas y principios en clave de interpre-tación y argumentación jurídica constitucional, no obstante adscribirse al caso puntual de la Corte Constitucional Colombiana enunciado.

Notas

1 Magistrado ponente Dr. JAIME CÓRDOBA TRIVIÑO.

derrotAbilidAde: perSpectivAS A cercA de um novo nível de interpretAção JurídicA

Lucas Costa OliveiraAluno do 6º período em Direito; Faculdade Metodista Granbery; Brasil;

[email protected].

O presente artigo tem como finalidade expor e racionalizar um novo conceito que vem insurgindo dentro do cenário da Teoria do Direito, mais especificamente na interpretação jurídica: A Derrota-bilidade das normas jurídicas. Dentro desse contexto reflete-se que uma norma jurídica ainda que válida e totalmente aplicável a um caso concreto específico, pode ter sua aplicação mitigada, gerando portando uma decisão que enverede por algo diverso da ideal tradi-cional de subsunção entre fato e norma. Entretanto, partindo-se do pressuposto de que todas as normas jurídicas são derrotáveis, duas questões inauguram a discussão: Quando e como derrotar? A res-posta para tanto pode ser construída através da obra Hartiana - The Ascription of Responsability And Rights - Segundo o teórico inglês, os conceitos normativos tem um caráter especial em que as normas jurídicas estão sujeitas a exceções implícitas que não são passíveis de antecipação. Logo, segundo essa lógica, a aplicação de uma norma jurídica só pode ser precisada abstratamente se a mesma tiver seguida de uma clausula de abertura que também não pode ser precisada, mas que inevitavelmente leve a decisão para a derrota da norma visto que trará a tona uma exceção implícita quando essa existir dentro das par-ticularidades de um dado caso concreto. Atualmente não condiz mais com o universo jurídico a adoção de uma lógica Monotônica em que se estabelece que da relação de determinadas premissas sempre surja um mesmo resultado, ainda que outras premissas sejam as duas prin-cipais adicionadas. Pelo contrário, vige hoje a adoção do raciocínio lógico Não-Monolítico - as somas de duas premissas principais geram de fato um determinado resultado, mas que pode ser alterado uma

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vez que sempre devem ser adicionadas premissas acessórias as princi-pais. Esse novo raciocínio lógico-científico se amolda perfeitamente à derrotabilidade das normas jurídicas em especial à teoria abando-nada por Hart. As novas premissas analisadas se inserem exatamente no lugar da clausula de abertura como instrumentos derrotadores da norma. Assim sendo a resposta sobre quando e como derrotar pode ser resumida em: Sempre que diante de um caso jurídico para o qual haja uma norma totalmente aplicável, deve se analisar todas as pre-missas particulares do caso concreto e soma-las às premissas estabele-cidas pela norma. Assim a ocorrência de uma premissa que cumpra o papel da clausura de abertura como premissa derrotadora indicará como e quando derrotar. Derrota-se quando ocorrer uma premissa que cumpra esse papel alterador da lógica do raciocínio não-mono-lítico, e a maneira de se realizar tal superação da norma é provando tal premissa e as suas influências no caso concreto. Se o Direito fosse uma ciência capaz de se estruturar por um raciocínio matemático estaríamos diante de uma resposta altamente satisfatória, porém a realidade não é essa. Muito pelo contrário nosso trabalho é com uma ciência da dúvida o que condiz muito mais com uma das pretensões precípuas da matéria que é regular a conduta humana. Sendo assim algumas formalidades exigidas à superação de uma regra devem ser perpassadas. Há de se falar sobre a necessidade de uma justificação condizente, em que seja demonstrada hipótese de que a aplicação da regra divergiria da finalidade/propósito da mesma frente ao caso con-creto; tal justificação deve ser exteriorizada, escrita e fundamentada, para que assim possa existir um controle sobre a tomada de decisão; além disso, a derrotablidade exige uma comprovação condizente com o caso concreto, superar uma regra significa não simplesmente deixar de aplicá-la ao caso concreto, significa também arcar com a conse-quência direta de suprir todas as suas características positivas que no momento em que a regra é derrotada estão afastadas, isto é: levantar todas as incertezas e controvérsias possíveis, e fazer uma escolha a partir disso sabendo que o valor moral da sua decisão será duramente analisado; tomar uma decisão com discricionariedade e sem um pa-

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râmetro legal positivo de aplicação subsuntiva, e portanto de presu-mida validade, e ainda assim fazer com que tal decisão seja mantida; e por ultimo arcar com todo o esforço argumentativo imaginável para desviar uma decisão da aplicação lógica monotônica já tão arraigada dentro de nosso sistema jurídico. 

Creio que até aqui tenha-se esboçado um pouco do que seja a Teoria da Derrotabilidade, porém isso é somente o início dos pro-blemas a serem enfrentados uma vez que a própria noção básica do raciocínio lógico adotado afirma a adição de premissas alterando de-cisões e verdades aparentemente incontestáveis.

Palavras-chave: Derrotabilidade; Superabilidade; Raciocínio Mono-tônico e Não-Monotônico; Subsunção; Lógica; Moralidade; Valores; Maniqueismo; Verdade.

A interpretAção do direito em dWorkin: A interpretAção JurídicA como umA formA criAtivA de interpretAção

Robson Vitor Freitas ReisGraduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF

Pos-graduação Lato Sensu em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ

Servidor Público na Universidade Federal Alfenas – Campus Varginha Advogado OAB/MG 141443

Brasil Lattes: http://lattes.cnpq.br/5637267621645000

E-mail: [email protected]

No presente trabalho iremos abordar, de forma sucinta, o pro-posto pelo jusfilósofo Ronald Dworkin em sua obra O Império do Direito. Nesta obra Dworkin irá tecer uma crítica àqueles juristas que acreditam que só é possível discutir sensatamente “se (mas apenas se) todos aceitarmos e seguirmos os mesmos critérios para decidir quando nossas opiniões são bem fundadas”1 (DWORKIN, 2003, p. 55). Dworkin percebe que tal ideia não se ajusta bem ao tipo de divergência que comumente ocorre no âmbito jurídico. No direito grande parte das divergências é teórica e não empírica, e estes juristas tentam subestimar as divergências teóricas. Argumente-se que advo-gados e juízes apenas fingem divergir sobre o direito quando o que se tem em mente é uma decisão sobre aplicar ou não o direito, ou, num linguajar mais direto, estariam fingindo discutir sobre o direito com o intuito de criar suas próprias normas. Contudo, para Dworkin, por vezes, esta dita “camuflagem” não ocorre, e nessas ocasiões estar--se-ia sim diante de uma verdadeira divergência de qual é o direito para o caso, e não de uma decisão arbitrária acerca de se aplicar ou não a norma. E tratar todos os casos como se fossem uma tentativa despótica do juiz decidir se vai ou não aplicar o direito é simplificar demasiadamente o problema.

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Diferentemente do que o sensu comum acredita o direito em grande medida não é algo claro e preexistente. Quem assim pensa confunde enunciado normativo com norma. O enunciado normativo consiste meramente na sequência de palavras de uma lei ou outro ato normativo qualquer, já a norma é a prescrição de dever ser que é o resultado do processo de interpretação. Assim, o conteúdo do Direito, apesar de formalmente estar esculpido na constituição, leis, decretos etc., somente é obtido substancialmente após um processo de inter-pretação. Somente após este processo cognitivo interpretativo que se extrairá a partir dos enunciados normativos, das valorações e dos dados empíricos as normas aplicáveis aos casos2 (BUSTAMANTE, 2005).

Diante disso, é inevitável que se conclua que o Direito deve ser entendido como um conceito interpretativo e “qualquer doutrina digna desse nome deve assentar sobre alguma concepção do que é interpretação” (DWORKIN, 2003, p. 60).

Em seu livro Dworkin enumera três formas de interpretação: inter-pretação conversacional, interpretação científica e a interpretação artística.

A primeira, que é a intepretação que ocorre no momento da con-versação, do diálogo, teria um viés mais intencional e não causal. Ela não pretende, tal como poderia ocorrer na interpretação científica, “explicar os sons que alguém emite do mesmo modo que um biólogo explica o co-axar de uma rã” (DWORKIN, 2003, p. 61). Estando mais diretamente relacionada ao que, em concreto, o seu interlocutor quis dizer.

Já a segunda, como dito anteriormente, teria um viés mais cau-sal. Seria uma tentativa por parte dos cientistas de, a partir dos dados, tentar encontrar a lógica que rege os acontecimentos. Para isso, o cientista deverá interpretar, realizando uma série de juízos de valor no momento de avaliação destes dados.

A terceira, por fim, seria aquela realizada pelos críticos ao se depara-rem com poemas, pinturas, peças teatrais, apresentações musicais etc. vi-sando “justificar algum ponto de vista acerca do seu significado tema ou propósito” (DWORKIN, 2003, p. 61). Teriam muitas semelhanças com as interpretações das práticas sociais, já que elas “pretendem interpretar algo criando pelas pessoas como uma entidade distinta delas, e não o que

Teorias da interpretação constitucional • 93

as pessoas dizem, como na interpretação da conversação” (DWORKIN, 2003, p. 61). Ele – Dworkin – atribui a ambas – interpretação artística e interpretação das práticas sociais – a designação de interpretação criativa, sendo elas uma forma construtiva de interpretação.

E, dentre estas três formas, Dworkin propõe que a interpretação do Direito deve se harmonizar mais com a interpretação artística e a interpretação das práticas sociais, sendo, portanto, uma forma criati-va/construtiva de interpretação.

Assim, o objetivo de nosso trabalho é tentar aclarar um pouco mais esta interessante e, a primeira vista, polémica afirmação. De-monstrando toda sobriedade, maturidade, e, porque não dizer, cien-tificidade da proposta.

Notas

1 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Ca-margo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.2 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Argumentação contra legem: a teoria do discurso e a justificação jurídica nos casos mais difíceis. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

A legitimidAde metodológicA dA extenSão mAteriAl doS direitoS fundAmentAiS

Fausto Santos de MoraisDoutor em Direito Público (UNISINOS), docente do PPGD da Faculdade

Meridional. Pesquisador com apoio da Fundação Meridional. Advogado. E-mail: [email protected].

José Paulo S. dos SantosAcadêmico da Escola de Direito da Faculdade Meridional, bolsista PROBIC/FAPERGS. E-mail: [email protected].

Este estudo situa-se nas áreas da Teoria dos Direitos Fundamen-tais e Direito Constitucional, propondo discussões pertinentes ao al-cance e aplicação dos Direitos Fundamentais, sobretudo no Brasil. O trabalho foi idealizado na tentativa de responder a problemática da (i)legitimidade da extensão dos Direitos Fundamentais materiais, ex-tra-constitucionais (CANOTILHO), através da cláusula de abertura do artigo 5º, § 2º da Constituição brasileira (MIRANDA) (QUEI-ROS) (REIS NOVAIS) (SARLET).

Os Direitos Fundamentais, em síntese, podem ser percebidos como posições jurídicas mínimas, universais e impreteríveis da pes-soa humana (enquanto sujeito de direito) positivadas na Constitui-ção, estando destinadas à proteção de determinados bens e direitos essencialmente proeminentes ou ameaçados (MIRANDA), cuja re-alização se dá a partir da força normativa desempenhada pelo poder judiciário (HESSE). Aliás, seria essa força normativa que permitiria compreender os Direitos Fundamentais como: a) direitos de defesa (negativos), padrões de vedação ao excesso estatal; b) direito de rea-lização positiva das garantias mínimas, a pretensão de correção delas emanada, que exigem “o fazer” estatal.

A positivação dos Direitos Fundamentais no texto constitucio-nal inaugura um caráter duplo de fundamentação, qual seja, formal e material, do qual, a exegese constitucional vem reconhecendo direi-

Teorias da interpretação constitucional • 95

tos além da simples expressão literal das disposições constitucionais. Essa prática implicaria num ato de criação de direitos.

Primordial para tal prática seria o reconhecimento das normas cons-titucionais como regras e princípios (ALEXY, 2008), determinados por procedimentos (ALEXY, 2010) (HABERMAS), cuja interpenetração da Moral e do Direito se tornariam mais evidente. Assim, para além de uma simples operação jurídica de reconhecimento de direito diretamente à disposição constitucional, a atribuição de sentido à cláusula aberta dos Direitos Fundamentais envolveria a discussão sobre uma metodologia apta a lidar com a extensão dessa atribuição de sentido.

Nesse contexto, aponta-se três possibilidades: a) discricionária forte: a autoridade competente poderia atribuir o sentido como de-corrência da competência para o exercício de um ato de vontade, cujo fundamento não poderia ser perquirido pois ínsito a um elemento psicológico ou político do intérprete (KELSEN); b) discricionarieda-de fraca argumentativa: reconheceria a discricionariedade à autorida-de competente para o exercício do ato de vontade, condicionando-o a um exercício argumentativa a posteriori como forma de legitimação da sua decisão (ALEXY, 2005) (ALEXY, 2007); c) discricionariedade fraca hermenêutica: não reconheceria a discricionariedade do intér-prete, exigindo-lhe uma extensão argumentação que dialogasse com as questões de princípio consagradas na tradição jurídica a que está atuando (DWORKIN) (MORAIS).

Cabe aqui uma explicação: a diferença entre a discricionariedade fraca argumentativa e hermenêutica seria que esta exigiria a compreensão de uma relação entre o Direito e a Moral mediante uma pretensão de correção formada a priori e explicitada a posteriori (MORAIS). Deste modo, pode-se conjecturar, a título de exemplo, a proposta aqui referida poderia aliviar as críticas de insegurança jurídica do reconhecimento de Direitos Fundamentais não expressos no texto constitucional.

Nesse enredo, o trabalho se justifica por buscar critérios de legi-timação da plenipotencialidade material dos Direitos Fundamentais surgidos através da cláusula de abertura do artigo 5º, § 2º da Consti-tuição brasileira. Ainda, tal reflexão apresenta-se como pressuposto à

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adequada concepção de tutela e efetividade dos Direitos Fundamen-tais no Estado Democrático de Direito.

Objetiva-se, portanto, evidenciar a necessidade de uma refor-mulação metodológica que oriente a doutrinária e a jurisprudência no tocante à extensão dos Direitos Fundamentais não positivados na Constituição brasileira. Essa investigação ajudará a desvendar as problemáticas do atual papel do Poder Judiciário, sua atuação e dis-cricionariedade na aplicação e realização dos Direitos Fundamentais.

Para fins metodológicos, o trabalho está orientado e organiza-do conforme os aportes da fenomenologia hermenêutica (STEIN) (STRECK, 2011) (STRECK, 2014), sistematizando os conceitos e as críticas mediante a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial sobre o estudo da aplicabilidade dos Direitos Fundamentais no Brasil.

Referências bibliográficas

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ASpectoS pArA um AvAnço AnAlítico-teórico A reSpeito dA dignidAde humAnA

Danilo Saran VezzaniGraduando em Direito pela Universidade Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” (UNESP), campus de Franca, brasileiro. E-mail: [email protected].

Marco Aurélio Ferreira CairesGraduando em Direito pela Universidade Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” (UNESP), campus de Franca, brasileiro. E-mail: [email protected].

Os avanços da teoria constitucional pelos caminhos da ciência do direito devem muito a Robert Alexy e em termos nacionais a Vir-gílio Afonso da Silva. Todavia, muito ainda há para ser concretizado, pois como leciona Bobbio, um dos problemas fundamentais de nosso período é a distância em relação a sociedade que o “dever ser” jurí-dico carrega em países que, como o Brasil, sustentam ainda grandes contradições socioculturais (2004, p. 67-84).

Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é, por meio, da aná-lise de ambos os autores (Alexy e Silva), contribuir com esse necessário aspecto transformador que a ciência jurídica deve incorporar à interpre-tação e à participação constitucional. Em primeiro momento se analisará o que pode ser visto como um ponto de discordância entre as teorias dos autores; referente à interpretação que cada um dá a dignidade humana.

Alexy dá especial tratamento à dignidade humana. Ao utilizar a diferença entre os conceitos de regra e princípio como fundamen-tação da dogmática dos direitos fundamentais1, o autor leciona que a dignidade humana trata-se na verdade de duas normas, uma com caráter de regra e outra com caráter de princípio2 (ALEXY, 2014, p. 111-112). Tal tratamento diferenciado para a dignidade humana só pode ser entendido a luz do conceito e, consequentemente, da validade do Direito. Isso porque a própria condição de possibilidade

Teorias da interpretação constitucional • 99

de uma ciência do Direito tem como base racional de argumentação um tripé3 que perpassa a moral, a normatividade (norma e sistemas normativos) e a validade social4.

É pressuposto da lógica-jurídica o que legitima e permite o Direito, por meio desse tripé mencionado, dentro de uma socieda-de, diferenciando-o da violência: uma pretensão à correção5 (ALEXY, 2011, p. 43-48), deve estar presente em toda uma sociedade, po-dendo esta se levantar contra as instituições jurídicas e seus agentes diante da ausência dessa pretensão (ALEXY, 2011, p. 39-41).

Já Virgílio Afonso da Silva, trazendo tal teoria para o Brasil, ainda que concordando com a teoria dos princípios e o vínculo entre concei-to e validade de Direito (SILVA, 2011a, p. 30-31), encontra em função da Constituição brasileira e de uma análise jurisprudencial o problema6 de considerar uma norma como a dignidade humana como princípio e regra (SILVA, 2011b, p. 201-202). Portanto, a dignidade humana deveria ser encarada como princípio7, que após o sopesamento com princípios colidentes, formatará uma regra jurisprudencial.

Exposto tal ponto de discordância e os motivos que levaram cada um dos autores a se distanciarem no aspecto normativo de seus traba-lhos, passar-se-á a uma análise não apenas das consequências que tais posicionamentos divergentes podem acarretar8, como também, princi-palmente, o que estes podem significar dentro do campo jurídico.

Como sustenta Virgílio, é sabido que não só em países como o Brasil a dignidade humana ganha esse aspecto de proeminência e maior proteção (SILVA, 2011b, p. 195). E que bem como a Alemanha que passou por problemáticas históricas que justificam essa visão da dignidade em sua Carta Magna (ALEXY, 2014, p. 113-114), o Brasil também (SILVA, 2011a, p. 50). Além disso, ainda que não o tivesse passado, não seria estranho sustentar que devido a influências do mun-do globalizado tal aspecto de algum modo já não estaria presente na interpretação e no posicionamento daqueles que participam mais ati-vamente do sistema jurídico bem como naqueles menos favorecidos na lógica do jogo jurídico9, mas que ainda sim participam e exigem uma proximidade entre tal direito fundamental e a pretensão à correção?

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Portanto, não desconsiderando que Virgílio toma suas obras analítico-dogmáticas por modelos10, é possível considerar que tanto sua visão quanto a de Alexy, a respeito da dignidade humana, podem estar corretas. O fato de que existe dúvida entre as teorias e não se pode acertar se uma delas tem condições de se sobrepor à outra mos-tra que as conclusões de ambas evidenciam a necessidade de outras bases empíricas11 além da jurisprudência na ciência jurídica.

Por fim, o último aspecto do trabalho será tentar, por meio da análise sociológica jurídica, inspiradas nas obras de autores como Pierre Bourdieu e José Eduardo Faria, poder servir de fundamento analítico-empírico, tanto para a percepção de quais os ganhos simbó-licos para os agentes jurídicos agirem e sustentarem um dos pontos de interpretação expostos sobre a dignidade ou outros não expostos e que constituem verdadeiros lugares-comuns no Direito brasileiro, quanto para a produção de novas pesquisas empíricas no Direito que proporcionem a possibilidade de se entender como no Direito brasi-leiro, as estruturas de percepção se relacionam e permitem a relação com os aspectos matérias, como por exemplo, a desigualdade de bens e de vocabulário entre dos agentes jurídicos e aqueles que são verda-deiramente jogados no campo jurídico12.

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Teorias da interpretação constitucional • 101

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SOUZA NETO, Cézar C. de. A pessoa e os valores, aspectos do pensa-mento de Max Scheler. 2003. 88 f. Dissertação (Mestrado em Filoso-fia) – Centro de Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. 2003.

Notas

1 Alexy mostra que a regra é um “mandamento definitivo” (ALEXY, 2011, p. 85), realizáveis em sua totalidade ou não, ou seja, deve-se fazer exatamente o que ela dispõe, já que ela contém “determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível” (ALEXY, 2014, p. 91), e que o princípio é um “mandamento de otimização” (ALEXY, 2014, p. 90), normas que defi-nem algo que deve ser realizado na maior medida possível.2 Alexy sustenta este argumento devido ao caráter histórico-cultural, mar-cadamente visíveis nas jurisprudências alemãs bem como na própria Carta Magna deste país. A primeira norma da dignidade humana é uma regra, que em razão de seu forte vínculo com a moral e, portanto, com a pretensão à correção de modo que podem ser consideradas indissociáveis (ALEXY, 2011, p. 154), apresenta uma maleabilidade semântica, que será trabalhada e solu-cionada pela segunda após o sopesamento, e permitirá que esta sempre seja cumprida em sua totalidade (inclusive nos casos que o princípio da dignida-de sofrer redução por outro princípio colidente) (ALEXY, 2014, p. 112-114).3 Todo este tripé-fundamento do direito e do agir jurídico, que pode ser “di-vidido” para fins didáticos, ocorre, conjuntamente, e não, necessariamente, em uma relação de igual influência.4 A validade social caracterizada pela influência que o Direito e os agen-tes jurídicos exercem nas demais estruturas sociais diante da passagem do “dever ser” para o “ser” (ALEXY, 2011, p. 151-155).5 Sendo por esse mesmo pressuposto lógico necessário, para a ciência ju-rídica, estabelecer bases racionais para se pensar os aspectos morais pre-sentes no Direito, tal base é a teoria dos princípios exposta acima.É importante deixar claro que para Alexy não é assunto para a ciência do di-reito definir o que é o aspecto moral, pelo contrário, tendo em vista a preten-são à correção o que deve reinar entre os princípios é o sopesamento. Aliás, não há bases racionais para garantir que os princípios sejam completamen-te racionalizados (ALEXY, 2014, p. 155-157). Coloca-se assim para além de qualquer consideração possível teorias intuicionistas, como a de Max Sche-

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ler, que sustentam a possibilidade de objetivar os princípios (valores). Para maior aprofundamento na axiologia de Scheler cf SOUZA NETO, Cézar C. de. A pessoa e os valores, aspectos do pensamento de Max Scheler. 2003. 88 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Pontifí-cia Universidade Católica de Campinas, Campinas. 2003. 6 Segundo o autor, a má utilização deste princípio como uma regra absoluta é, em realidade, marca de um simbolismo que, por falta de fundamentação (bases racionais de interpretação), pode enfraquecer o próprio princípio da dignidade.7 Como bem afirma Virgílio, rompendo com o entendimento nacional dos princípios, estes são apenas princípios não em razão de ser um “funda-mento central do sistema”, mas sim por possuir uma estrutura normativa diferente da regra (2011a, p. 36). E pela própria prática jurídica brasileira estar ligada a essa confusão, seria melhor, a fim de garantir maior razoabi-lidade à aplicação destes, não sustentar como faz Alexy a dignidade huma-na como uma regra-princípio (SILVA, 2011b, p. 201).8 As primeiras consequências podem parecer supérfluas tendo em vista que, ambas as análises, não só apresentam uma fundamentação próxima, como também, seguindo tanto pela interpretação de Alexy quanto pela de Silva, os resultados, em geral podem ser muitos parecidos. Mas tal superficialidade de-saparece quando se investiga as causas dessa discordância entre os autores.9 “A crença que é tacitamente concedida à ordem jurídica deve ser reprodu-zida sem interrupção e uma das funções do trabalho propriamente jurídico de codificação das representações e das práticas éticas é a de contribuir para fundamentar a adesão dos profanos aos próprios fundamentos da ideologia profissional do corpo dos juristas, a saber, a crença na neutrali-dade e na autonomia do Direito e dos Juristas (BOURDIEU, 2009, 243-244). Indivíduos que são, verdadeiramente, profanos ao campo jurídico, mas que diante da fórmula de Radbruch poderiam ser considerados, e que no Di-reito brasileiro poderiam ser encontrados aos montes entre os 711.463 presos. (Disponível em < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj--divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira >).10 Quanto a tais considerações (cf. SILVA, 2011a, p. 108; 176-177).11 Não se quer dizer com isso que apenas esse aspecto “conflituoso” das teo-rias desses autores permitem concluir tal necessidade, nem que apenas as-pectos conflituosos permitiriam mostrá-la. Como é possível ver de maneira bastante direta nas obras de Virgílio, por exemplo, há outros vários momen-tos que comentam a presença e a importância que assumem alguns conflitos entre autores e disciplinas dentro do campo acadêmico jurídico e também como alguns autores podem servir como meio de influência legítima que ex-trapolam o limite da “cientificidade” de suas teorias (SILVA, 2011a, p. 44-45).12 Ver nota 9.

A SociedAde no Stf – diAgnóStico e perSpectivAS: o cASo dA Adpf 54

Mário Cesar da Silva AndradeMestrando do Programa Direito e Inovação da Universidade Federal de Juiz

de Fora – UFJF; Ex-Professor da Faculdade de Direito da UFJF; Brasil; e-mail: [email protected]

Atualmente, o controle de constitucionalidade brasileiro tem se destacado pela crescente realização de audiências públicas, contando, até o presente momento, com 16 (dezesseis) audiências convocadas, dentre realizadas e a realizar.

As audiências públicas e o amicus curiae são institutos jurídicos introduzidos no controle de constitucionalidade brasileiro pelas Leis nº 9.868 (BRASIL, 1999a) e nº 9.882 (BRASIL, 1999b). Tais insti-tutos funcionam como vias jurídico-processuais colocadas à disposi-ção do Supremo Tribunal Federal (STF) a fim subsidiar a construção de sua ratio decidendi. Em princípio, eles permitem que especialistas e parcelas da sociedade civil tragam ao juízo de constitucionalidade novos elementos, informações, esclarecimentos e visões de mundo sobre o tema objeto de uma dada ação de constitucionalidade. Por isso, esses institutos foram festejados pela doutrina como instrumen-tos de pluralização do controle de constitucionalidade, promovedo-res de uma maior legitimação democrática das decisões do STF.

Contudo, a potencialidade democrática desses institutos tem se con-cretizado? Como tais institutos têm sido, efetivamente, aplicados pelo STF?

Dentro desta perspectiva, pretende-se analisar como o STF tem concre-tizado as potencialidades franqueadas pelo instituto das audiências públicas.

Acredita-se que o potencial democrático-discursivo desse insti-tuto de participação social não tem sido suficientemente consumado, devido à quase total ausência de diálogo entre os participantes das audiências públicas, o que tem impedido o intercâmbio argumenta-tivo-reflexivo sobre os argumentos levantados nessas audiências. Os

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institutos jurídicos de participação social no processo decisório do STF, em sede de controle de constitucionalidade, não têm liberado seu potencial reflexivo-emancipatório e de reconstrução institucio-nal, nem parecem ter proporcionado uma renovação na legitimação democrática das decisões do Tribunal, apesar do incremento argu-mentativo do processo decisório. Isso pode ser explicado por dois fatores: (1) a transposição ao STF do juízo técnico dos experts, ca-racterístico das perícias presentes nas instâncias ordinárias; e (2) a busca apenas formal por legitimação democrática, desconsiderando o caráter sócio-dialógico e pluralista do percurso argumentativo.

Para a pesquisa pretendida, adota-se como referencial teórico a teoria da democracia deliberativa, a qual preceitua que a prática democrática não deve estar limitada ao preenchimento eleitoral e periódico de mandatos representativos, devendo abarcar também a intervenção direta, efetiva e eficaz dos cidadãos nos procedimentos de tomada de decisão e de controle da atuação dos poderes públicos.

Adota-se a análise de conteúdo como via metodológica, haja vis-ta a pretensão de analisar como os argumentos levantados pelos ex-positores das audiências públicas foram abordados pelos ministros do STF em seus respectivos votos. Para essa pesquisa, escolheu-se as au-diências públicas realizadas pelo STF nos dias 26 e 28 de agosto, e 4 e 16 de setembro de 2008, sobre a constitucionalidade da interrupção da gestação de fetos anencéfalos, as quais subsidiaram o julgamento da ADPF nº 54. Essa escolha deu-se pela grande controvérsia que subjaz à questão, haja vista o envolvimento de contrapostas visões morais, éticas, religiosas, científicas e sociais sobre o tema em pauta. Essa pluralidade argumentativa ressalta as audiências públicas reali-zadas sobre essa questão como um importante objeto para evidenciar como o STF interage com as diversas visões e valorações possíveis sobre um dado assunto socialmente problemático.

A análise depende do isolamento, catalogação e categorização de todos os argumentos levantados pelos expositores das referidas audi-ências públicas. Ademais, a identificação da quantidade de expositores

Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 105

que levantaram um argumento denota a importância do mesmo, bem como o impacto das omissões dos ministros do STF e da falta de proc.

Identifica-se que, apesar de o objetivo legal das audiências públi-cas ser oferecer esclarecimentos técnicos para as decisões dos ministros do STF, os expositores identificam tais institutos como uma possibili-dade de contribuir para o juízo do STF com as diversas visões de mun-do presentes na sociedade, havendo, portanto, uma divergência entre o objetivo legal e a pretensão dos participantes. Além disso, conclui-se que as audiências públicas realizadas pelo STF não têm efetivado toda a sua potencialidade discursiva, independentemente, do objetivo alme-jado, seja o de fornecer suporte técnico, seja o de democratizar o con-trole de constitucionalidade, pois essas audiências públicas têm sido caracterizadas pela ausência de diálogo entre os participantes, e pela omissão dos ministros em relação a diversos argumentos levantados.

conStitucionAliSmo populAr e críticA à SupremAciA JudiciAl: liçõeS pArA o brASil

Miguel G. GodoyDoutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná

(UFPR), Brasil. Visiting Researcher na Harvard Law School. Pesquisador-bolsista do CNPQ. Membro e Pesquisador do Núcleo “Constitucionalismo e

Democracia: Filosofia e Dogmática Constitucional Contemporâneas” da UFPR. E-mail: [email protected].

Se a Constituição, mais do que organizar o poder do Estado, constitui o compromisso fundamental de uma comunidade de pes-soas que se reconhecem reciprocamente como livres e iguais (NETO; SCOTTI, 2011, p. 19-20), então o significado e conteúdo das normas constitucionais também só adquirem sentido quando o povo participa da tarefa de interpretação e concretização da Constituição. Vale dizer, o sentido da Constituição deve ser construído e definido coletivamente entre o povo e as instituições da sociedade. Nesse sentido, é de se desta-car o papel fundamental de juízes e cortes na definição da interpretação constitucional e da aplicação da Constituição. No entanto, a efetiva-ção da Constituição não pode viver apenas da interpretação do Poder Judiciário em geral, e do Supremo Tribunal Federal em particular. Ao contrário, a Constituição só pode ser plenamente realizada pela polí-tica democrática. Em uma sociedade que se pretenda democrática e igualitária – e a Constituição de 1988 assim nos constitui – a tarefa de interpretar a Constituição, definir o conteúdo e o alcance de suas pre-visões, deve ser feita de forma conjunta e compartilhada pelos Poderes, instituições e povo. No Brasil, especialmente a partir da Constituição de 1988, a recepção e desenvolvimento de teorias hermenêuticas e de aplicação da Constituição teve como consequência uma crença exacer-bada na transformação do Estado e da sociedade por meio do Direito e de seus aplicadores. O pêndulo tendeu demasiadamente para um lado – o lado do Direito. Daí a necessidade de se retomar a interpretação e aplicação da Constituição não apenas por meio de teorias de interpre-

Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 107

tação e aplicação, mas também por meio da política democrática. Se é certo que a Constituição é norma e deve ser cumprida, por outro lado ela só se realiza plenamente por meio da política democrática. Uma política democrática que, no Brasil, tem deixado de lado seu elemento mais fundamental: o povo. Daí a importância do constitucionalismo popular, compreendido como movimento teórico crítico da ideia de supremacia judicial e última palavra e defensor de um papel central para o povo na interpretação da constituição. No entanto, a adoção de teorias nascidas distantes da realidade brasileira, como é o caso do constitucionalismo popular, exige cautela e atenção. Se por um lado é importante trazer a tona umas das principais discussões da teoria constitucional contemporânea, por outro é preciso cuidado para a ade-quada tradução desse debate aos nossos problemas, de tal forma que essa adoção nos possibilite descortinar os nossos próprios problemas jurídicos, políticos e sociais. Por isso, é preciso destacar que neste tra-balho opto por tomar o constitucionalismo popular como um ponto de partida, vale dizer, como instrumental teórico crítico apto a nos fa-zer repensar as nossas teorias e práticas políticas e jurisdicionais. Nesse sentido busco, sobretudo, me valer mais das reflexões e críticas teóri-cas do constitucionalismo popular do que de suas propostas normati-vas. Se não me parece adequado importar as alternativas normativas e institucionais propostas pelo constitucionalismo popular, como, por exemplo, a extinção do controle judicial de constitucionalidade das leis (TUSHNET, 1999), a primazia do Parlamento sobre os demais Poderes (WALDRON, 2003) ou o impeachment de juízes (KRAMER, 2004), suas reflexões e críticas teóricas, no entanto, nos propiciam re-pensar nossas práticas, instituições políticas e jurisdicionais.

litígio eStrAtégico no movimento dAS mulhereS: inStrumento de compenSAção nA lógicA do

eStruturAliSmo Jurídico?

Lívia Gil GuimarãesMestranda em Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade

de São Paulo (USP), Brasil. ([email protected]).

Este artigo discute questões importantes sobre a relação da prá-tica do litígio estratégico, realizado pelo movimento das mulheres no Supremo Tribunal Federal, com o estruturalismo jurídico. O texto analisa como entidades ligadas aos direitos das mulheres, tidas como vulneráveis nas esferas Legislativa e Executiva do poder, dialogam numa linguagem estratégica com o Judiciário, visando a conquista de direitos outrora negligenciados, ou mesmo, negados naquelas esferas. Apresento a ideia de litígio estratégico como forma de combate à herança estrutural patrimonialista e patriarcal existentes na sociedade brasileira, noções que atravancam o avanço de direitos individuais e sociais ligados ao ser humano mulher. Adiante, traço breves linhas de como o processo de democratização, no Brasil, favoreceu ao con-tinuísmo do patrimonialismo e paternalismo herdados do período colonial, de forma a refletir nas estruturas econômicas e políticas, as quais reproduzem, atualmente, na esfera legislativa e executiva, uma lógica de esquecimento dos direitos das minorias. A partir daí, busco estabelecer o liame existente entre o litígio paradigmático e a ideia de desenvolvimento, bem como a sua possível ligação direta com a re-dução das desigualdades econômicas e sociais e alteração das estrutu-ras, por meio da consecução e concretização dos direitos e liberdades substantivas. A ideia central nessa parte do texto é de que o êxito de uma sociedade estaria intrinsecamente relacionado ao grau de liber-dades substantivas que podem ser ali desfrutadas e, então, o litígio estratégico, por meio do Judiciário, seria meio propício à obtenção dessas liberdades e direitos. Destaco o fato de que as instituições,

Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 109

quando funcionam favoravelmente às propostas à que foram cons-truídas, desempenham papel importante de fomento das liberdades e direitos e, consequentemente, podem contribuir significativamente ao desenvolvimento econômico e social, reduzindo desigualdades. Não obstante essas análises, procuro relativizar os pressupostos de que toda e qualquer prática do litígio paradigmático, da forma como realizada e recebida no Brasil, é positiva em sua essência. Indago pon-tos cruciais do quanto anteriormente estabelecido, a fim de ponderar, em uma balança sem pesos e contrapesos absolutos, se o litígio estra-tégico estaria apto a atacar as estruturas políticas e econômicas, ou se, contrariamente, significaria mera medida compensatória para grupos menos favorecidos no âmbito jurídico. Aponto como indícios dessa relativização a assimetria de informações existente entre os grupos e indivíduos que atuam em casos de litígios estratégicos , bem como o limite e alcance a que se pode chegar com esse tipo de litígio no Judi-ciário, principalmente quando se fala em mera importância do ganho do caso concreto ou em uma real consecução de políticas públicas voltadas ao grupo em ação. Sobre este segundo aspecto, o questiona-mento gira em torno da própria noção de litígio estratégico praticado atualmente no Brasil, bem como do funcionamento das decisões do STF em relação aos demais poderes. Apesar de identificar pontos que relativizam o potencial ativista de grupos praticantes do litígio para-digmático e consequentemente, o papel ativista da mais alta Corte brasileira, termino por ponderar e responder , mesmo que de manei-ra ainda não completamente hermética, às relativizações levantadas neste estudo, de forma a não descartar o uso do litígio estratégico como ferramenta jurídica capaz de, criativamente, influenciar e proporcionar o desenvolvimento, conforme destacado no início do artigo.

o pApel conStrutivo dAS poSSibilidAdeS deliberAtivAS pArA legitimidAde e democrAtizAção de deciSõeS conStitucionAiS

Ludmila Lais Costa LacerdaMestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas

Gerais, Brasil – [email protected].

É possível destacar a teoria da decisão proposta por Ronald Dworkin nos moldes da considerada “resposta correta”. Dworkin não tratou de fixar qual poder democraticamente instituído seria o principal responsável1 por essa resposta (inclusive em um possível embate entre os Poderes Judiciário ou Legislativo). Adiante do debate sobre uma possível “última resposta”2 ou “prevalência” institucional para a tomada de decisão, destaca-se a importância que a mesma possa ser considerada legítima e democrática.

Dworkin também destaca em sua obra que a decisão, ou “resposta correta”, é resultado provisório, fruto do tempo e história, já que sempre está ligada à interpretação construtiva3 (de princípios) dos membros da comunidade a partir da interação e prática social, inclusive dos represen-tantes em atuação nas instituições e de mecanismos políticos e jurídicos.

A partir de então é importante discorrer sobre a concepção de de-mocracia constitucional e o papel da deliberação4 para essa construção mútua das decisões por atores sociais. O objetivo é melhor elucidar a ligação entre a possibilidade deliberativa tanto no âmbito institucional (foco interno, entre integrantes das instituições no exercício de suas funções e tomadas de decisão) quanto social (sociedade civil), além de mecanismos de participação, inclusive através da atividade argumenta-tiva, destacando as questões morais, força e reconhecimento de autori-dade aos argumentos apresentados pelos participantes na deliberação.

Considerando o mecanismo do judicial review e os limites da deliberação, principalmente nas atividades do Supremo Tribunal Fe-deral, Mark Tushnet defende a ideia de ilhas de controle fraco em sis-temas fortes, ou seja, que determinadas matérias possam ser elemen-

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tos de fluxos para diálogo mais rápido e permanente entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Em tais diálogos, podemos obser-var um modelo de judicial review “fraco”, onde as cortes exerceriam função diretiva, mas não conclusiva e definitiva, Tushnet denomina esse modelo de: “managerial model”5. Indo além do modelo, busca-se desenvolver a proposta dos diálogos em um modelo “fraco” e em um modelo “forte”, questionando se há necessidade que as cortes exerçam somente função diretiva ou conclusiva para que exista coo-peração institucional, ou se a mesma independe de qualquer decisão denominada como “definitiva” ou “final”.

Relevante destacar a função representativa dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo e forma de indicação dos integrantes de cada esfera de Poder para a legitimidade democrática instituída. Desenhos institucionais que objetivam maior “diálogo institucional” na informa-ção e tomada de decisão podem melhor orientar, compreender, justi-ficar e apontar soluções para as necessidades, demandas e conflitos em relação a determinado espaço e tempo. Além de auxiliar na organização da pauta de reivindicações da comunidade e ajudar no direcionamento de políticas públicas. Contudo, há o risco de fechamento das institui-ções para a participação social através de outros canais de comunicação efetivos e dinâmicos complementares da ideia democrática de repre-sentação, também há risco de burocratização, clientelismo e postura de instituições como “superego de uma sociedade órfã”.

Junto de uma melhor articulação institucional e desenvolvimen-to de estruturas internas sobre o modo e locus para aperfeiçoamen-to das tomadas de decisões constitucionais, é preciso trabalhar com mecanismos de participação da sociedade civil junto das principais instituições representativas do Poder Público, o modelo brasileiro já conta com institutos como o “amicus curiae” e “audiências públicas” no âmbito do Poder Judiciário. Tais balizadores de participação são criticados principalmente pela abertura a argumentos pragmáticos e consequencialistas (em contraponto à “argumentos de princípio”) para decisões em uma corte constitucional, além de dependência de

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voluntarismo dos responsáveis por uma decisão “conclusiva” em cul-tivar e respeitar uma ética deliberativa, entre outras críticas.

É possível dizer que há possibilidade de benefícios como maior e melhor circulação de informações na esfera pública, transparência, accountability e novos argumentos trazidos ao debate, o que pode fortalecer também a legitimidade de instituições públicas e ações jus-tificadas diante da sociedade. Contudo, há a questão da morosidade, o que por sua vez, não pode ser considerada como sinônimo de deci-sões céleres com qualidade e participação democrática. Outro perigo pode ser a usurpação e captura dos canais de comunicação com a sociedade por grupos ou indivíduos com interesses que não atendam o caráter da coletividade, mas esse é um risco que envolve também as funções representativas e não somente a possibilidade de canais para participação direta ou argumentativa por setores da sociedade civil. Nesse sentido, pretende-se ainda, e finalmente, desenvolver de forma reflexiva propostas de inovação para participação da sociedade civil, como os “júris constitucionais” propostos por Eric Ghosh6.

Por fim, o trabalho visa contribuir para que decisões constitu-cionais mais democráticas e com qualidade em termos de participa-ção sejam alcançadas dentro da esfera pública.

Notas

1 DWORKIN, Ronald. 2006. Direito da liberdade: a leitura moral da Consti-tuição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes.2 WALDRON, Jeremy. 2006. The Core of the Case Against Judicial Review. v.115. The Yale Law Journal e MENDES, Conrado Hübner. 2007. Controle de Constitu-cionalidade e Democracia. São Paulo e Rio de Janeiro: Campus Elsevier.3 DWORKIN, Ronald. 1999. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes.4 Destaque sobre uma concepção de deliberação mais próxima da proposta aqui discutida - ver em: MENDES, Conrado Hübner. 2013. Constitutional Courts and Deliberative Democracy. Oxford: oxford university press. – Ver também: HABER-MAS, Jürgen. 1995. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova. n.36.5 TUSHNET, Mark. 2006. Weak-form Judicial Review and “Core” Civil Liber-ties. Georgetown Law Faculty publications and other works.6 GHOSH, Eric. 2010. Deliberative Democracy and the Countermajoritarian Difficulty: Considering Constitutional Juries. Oxford J Legal Studies.

diSSenSo e democrAtizAção do controle de conStitucionAlidAde: fundAmentoS pArA o diálogo

inStitucionAl A pArtir de cArl Schmitt e chAntAl mouffe

Jairo Néia LimaMestre em Ciência Jurídica (Universidade Estadual do Norte do Paraná -

UENP). Especialista em Filosofia Política e Jurídica (Universidade Estadual de Londrina - UEL). Professor (UENP). Brasil. [email protected].

Dentre as diversas perspectivas as quais a tensão do constitucio-nalismo com a democracia pode se expressar, é possível vislumbrá-la no controle de constitucionalidade, no qual as decisões políticas ori-ginárias da representação popular são revisadas por meio de corte ju-dicial não eleita. Nesse ponto, apresentam-se os argumentos críticos de Jeremy Waldron, Mark Tushnet e Larry Kramer. Waldron critica a revisão judicial norte-americana com base na fragilidade democrá-tica da Suprema Corte quando comparada com a representatividade presente no Parlamento. Já Tushnet aponta a potencialidade demo-crática do controle de constitucionalidade fraco, no qual haja meca-nismos de respostas legislativas de curto prazo às decisões de judicial review. Por fim, Kramer posiciona-se firmemente contra o judicial review pelo caráter elitista desse instituto em detrimento das decisões políticas que devem ser tomadas pelo povo. Tais análises envolvem a crítica à supremacia judicial, ou seja, o direito de o Judiciário di-zer a última palavra sobre o sentido das normas constitucionais e a possível participação do Legislativo nessa atividade. Essa perspectiva indica a necessidade de que as decisões sobre a Constituição estejam abertas ao diálogo entre as instituições em detrimento do monopólio da interpretação, já que a dicotomia constitucionalidade/inconstitu-cionalidade apresenta caráter não exclusivamente jurídico, mas essen-cialmente político por decidir sobre os fundamentos que constituem a sociedade. Nesse contexto, para que o diálogo aconteça é preciso

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que o dissenso possa se expressar. Assim, se as interpretações consti-tucionais não podem sofrer discordância razoável, não há diálogo. Todavia, a fundamentação do dissenso no controle de constitucio-nalidade não está totalmente aclarada, principalmente sua possível relação com o aperfeiçoamento da democracia, já que nos últimos anos o âmbito teórico-político tem dedicado maior valor ao consenso fruto da deliberação. Diante dessa zona limítrofe, busca-se investigar o problema em torno dos fundamentos aptos a sustentar a institu-cionalização do dissenso no controle de constitucionalidade a fim de aprofundar o ideal democrático por meio da abertura ao diálogo. Com o objetivo de trazer elementos para esse problema, levanta-se a hipótese de que a partir da leitura do conceito schmittiano de polí-tico e de sua retomada feita por Chantal Mouffe, o dissenso, como manifestação do político, assume papel de destaque no aprimora-mento da democracia e, em razão disso, necessita ser potencializado por meio da sua institucionalização, para o presente caso, no âmbito do controle de constitucionalidade. Desenvolve-se, dessa maneira, argumentação do resgate que Chantal Mouffe faz de Carl Schmitt em sua definição do conceito de político pela identificação da catego-ria amigo/inimigo e da potencialidade aniquiladora que os conceitos liberais possuem em relação ao político. Em Schmitt, a definição do conceito de político só pode ser obtida pela identificação de uma ca-tegoria especificamente política, qual seja, a diferenciação entre ami-go/inimigo. Trata-se de critério autônomo que objetiva evidenciar o grau de intensidade de associação ou desassociação entre os homens. Além disso, Schmitt credita à democracia liberal responsabilidade pela negação do político, pois o racionalismo liberal não enxerga o antagonismo e a extrema contingência da realidade humana. Essa visão em prol de uma sociedade pacificada desconsidera a distinção amigo/inimigo e, por isso, nega o político. A partir desse diagnóstico, Mouffe reforça o papel constitutivo que o antagonismo exerce nas sociedades buscando conciliá-lo com o pluralismo democrático. Tal antagonismo funda-se no reconhecimento da existência legítima do adversário com o qual se compartilha dos princípios éticos-políticos

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constitutivos da democracia, mas diverge-se em relação ao conteúdo desses postulados. Trata-se, desse modo, de um consenso conflitual diante da possibilidade de diversas interpretações desses princípios. O legítimo adversário não se confunde com a denominação de um inimigo eliminável, muito menos com um desafeto pessoal, pois são pessoas cujas ideias discordamos, mas não do direito de defendê-las. A autora entende que a inerradicabilidade do antagonismo não quer dizer que os adversários não possam cessar de discordar, os acordos são partes do processo político, mas com a excepcionalidade de uma con-frontação em curso. Os acordos, portanto, não provam a erradicação do conflito. Assim, a preocupação da autora em relação ao desapego pela vida política vem expressa pelo excesso de ilusão de que se vive sob consenso sem conflitos. Considera tal visão uma ameaça à democracia, pois nega o político em seu caráter agonístico, já que o consenso ten-de a silenciar vozes dissidentes porque é impossível estabelecê-lo sem exclusão. É essencial para a democracia, portanto, que o dissenso se manifeste em razão de o interesse público ser sempre discutível e, por isso, não objeto de acordo final, pois tal concepção pressupõe uma so-ciedade sem política. A partir desses argumentos, conclui-se que o dis-senso assume papel relevante no aperfeiçoamento democrático quando é vislumbrado sob a óptica do conceito schmittiano de político reto-mado por Chantal Mouffe, em razão disso, sua institucionalização no controle de constitucionalidade promove um diálogo que pode tornar produtiva a tensão inerradicável entre democracia e constitucionalismo ao produzir decisões legitimadas e sempre abertas ao desacordo.

conStitucionAliSmo populAr mediAdo: A promeSSA delicAdA de um diálogo SociAl Seletivo e pelo Alto

Joana de Souza MachadoProfessora Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal de

Juiz de Fora – MG. Doutoranda e Mestre em Direito pela PUC-Rio. Brasil. E-mail: [email protected].

O presente trabalho retrata conclusões parciais da pesquisa reali-zada em fase de doutoramento, em torno do uso de instrumentos de diálogo social pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente o ins-trumento da audiência pública na tomada de decisão sobre controle de constitucionalidade de atos normativos.

Com apoio no referencial epistemológico da racionalidade co-municativa de Habermas (2003), foi problematizado o diagnóstico de que a crescente utilização de audiências públicas pelo Supremo Tribunal Federal seria indicativa de um processo democratizante do poder de dizer o que é o Direito, na trilha de um suposto constitu-cionalismo popular mediado, tal como descrito no contexto norte-a-mericano por Barry Friedman (2003).

A hipótese investigada na pesquisa é de que embora o Supremo Tri-bunal Federal, por meio das audiências, viabilize uma abertura do consti-tucionalismo para a sociedade, a mediação do Tribunal acaba por imprimir ao diálogo social caráter seletivo e, em alguma medida, autoritário.

Para testar a hipótese, a pesquisa, inicialmente, debruçou-se sobre a distinção entre constitucionalismo popular (KRAMER, 2004; TUSH-NET, 2006) e constitucionalismo popular mediado (FRIEDMAN, 2003).

Identificou, essencialmente, que os adeptos do constituciona-lismo popular reconhecem o Direito Constitucional, ou a atividade de interpretar a Constituição, como uma produção a um só tempo jurídica e política. Ao interpretar a Constituição, haveria em alguma medida um compromisso retrospectivo, de se buscar, com a obser-vância da legislação e dos precedentes judiciais, o que já se disse sobre

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a Constituição; mas também o desafio prospectivo, de se extrair para o futuro o que de melhor a Constituição teria a oferecer.

Nessa trilha, a produção constitucional seria fruto de uma con-versa paritária entre os Poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário. Paritária no sentido de que a última palavra sobre a Cons-tituição não recairia invariavelmente sobre o mesmo Poder. Ao con-trário, a produção constitucional deveria refletir concepções popula-res, e não apenas técnicas, sobre o significado do texto constitucional.

O Constitucionalismo Popular Mediado reivindica a tese de que os adeptos do constitucionalismo popular estariam, na prática, obtendo essa desejada sintonia entre a jurisdição constitucional – a atividade de dizer o que é a Constituição – e a opinião pública, mas de forma mediada pelos tribunais, o que seria interessante para se evitar uma politização excessiva da atividade ou um esvaziamento da função contramajoritária da jurisdição constitucional.

Aplicando-se essas distinções para o campo de trabalho da pes-quisa, isto é, o uso de audiências públicas pelo Supremo Tribunal Federal, concluiu-se que o caminho pelo qual se constrói a relação constitucionalismo e democracia – e não apenas o resultado final (eventual sintonia entre opinião pública e produção constitucional) – importa. Se o diálogo social, ao invés de contar com a interação entre os poderes, é estabelecido diretamente pelo alto, ou seja, pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro diretamente com a sociedade, e apenas por iniciativa seletiva do Tribunal, esse diálogo pode servir para enfraquecer ainda mais as instituições políticas, ao invés de contribuir para o incremento da democracia.

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public pArticipAtion in conStitution building proceSSeS

Diego Andrés González MedinaColombia. LL.B (Universidad Externado de Colombia, 2008), Master

in Laws (Universidad Externado de Colombia, 2013), and LL.M – Fulbright Scholar (University of California, Berkeley). Professor of Fundamental Rights and

Constitutional Justice of the School of Law at Universidad Externado de Colombia (2008-2014) and a Consultant for the Ministry of Justice and Law of Colombia (2014).

Consultant for the German International Agency of Cooperation (GIZ, 2008-2013). E-mail: [email protected] y [email protected].

Our times are the era of constitution-building. An exceptional boom in constitution-building processes has taken place over the last thirty years1, so that approximately half of the two hundred existing national constitutions have been enacted or reformed in that period2. Additionally, “in any given year, some 4 or 5 constitutions will be re-placed, 10 to 15 will be amended, and another 20 or so proposals for re-vision will be under consideration”3. It seems that ours is the most pro-lific era of constitution-building since the very promulgation of the first modern constitutions in the United States, France and Poland, between 1780 and 17914. In those terms, constitution-building is both a classical theme and a contemporary issue within constitutional-ism and in political theory and practice.

By 1995, Jon Elster regretted the lack of literature on constitu-tion-building and constitution making5. Since then, numerous orga-nizations, research centers, constitutionalists, constitution-makers and social scientists have been focused on constitution-building. Nowa-days, there is a considerable range of specialized literature in constitu-tion-building: from theoretical and conceptual analysis6 to empirical and comparative studies about different stages, factors and outcomes of constitution-building processes7. In particular, an extraordinary amount of research has been done on the relationship between consti-tution-building and post-conflict societies in the last couple of decades.

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Such academic interest is not merely coincidental since constitu-tion-building processes have been related to social and political crises8: in fact, most of the constitutions enacted in the last decades have been deep-ly related to violent conflicts9. Despite this depth of academic study, the relationships between constitution-building, conflict resolution and post-conflict societies remain complex and controversial, to say the least.

On the one hand are those scholars and constitution-makers who consider that constitution-building is the ideal scenario to tackle several of the most critical issues of post-conflict societies and is also a historic opportunity to promote democratization and sustainable peace10. On the other hand, some scholars and experts consider that the relationship between constitution-building –particularly, con-stitution making- and peacemaking, is a “dysfunctional marriage”11. Finally, some authors are skeptical about the relationship between constitution-building, conflict resolution and peacemaking. In their opinion, constitution-building in conflict or post-conflict societies is hyper-inflated by great expectations12.

This paper does not explore comprehensively the relationship between constitution-building and peace making. Its purpose is far more modest: to examine the role of public participation in consti-tution-building processes, particularly within post-conflict societ-ies. This paper analyzes the pros and cons of public participation and public referenda in constitution-building processes, utilizing com-parative studies and lessons learned from various experiences around the world. Additionally, this paper analyses the current Colombian debate concerning public participation and public referenda in the constitution building process that is expected to follow the aftermath of the current Colombian peace process.

In that framework, this paper argues that public participation is one of the most important factors in constitution-building process-es13. Democracy involves the participation of citizens in selecting their representatives to make decisions, but also involves their direct im-mersion in deciding on the most important political, social and eco-nomic themes14. Additionally, public participation plays a key role in

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constitution-building processes as long as the new constitutionalism is embraced in the idea of constitutional democracy15. In this sense, public participation has become a vital element in constitution-building pro-cesses, although it faces important dilemmas and challenges16.

Despite its theoretical relevance, assessing the real impact of public participation in constitution building faces at least three ob-stacles. First, public participation has traditionally been studied in relation to formal procedures of decision-making as referendums or constituent assembly. However, there are no studies on the informal processes such as civil society mobilizations or public contributions to constitution-building processes17. Second, there is no consensus on the criteria to evaluate the real effects of public participation on constitution-building. Researchers gauge effects on processes, public debates, constitutions, and implementation of constitutions, among other scenarios. Finally, there remain few empirical studies on public participation in constitution building processes.

Notwithstanding this, this paper contends that public partici-pation in constitution building process has six benefits: (a) Promo-tion of constitutional pedagogy; (b) Protection of human rights and democracy; (c) Legitimation and support for Constitutions; (d) Ac-countability of constitution-building process; (e) Durability of con-stitutions; and (f ) Promotion of sustainable peace and democrati-zation. Also, public participation in constitution building processes involves at least five risks: (a) incoherence in the constitutions; (b) high transactional costs; (c) risks in the implementation; (d) risks of manipulation; and (e) utopic constitutions. At the end, in spite of the significant amount of different experiences and cases, there is space for skepticism about the actual benefits and risks attached to public participation in constitution building processes18, which ef-fects -all in all- depend on the particularities of each context.

Notes

1 Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], CONSTITU-TION-BUILDING AFTER CONFLICT: EXTERNAL SUPPORT TO A SOVER-EIGN PROCESS, 8, [2011].

2 Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITU-TION-MAKING AND REFORM, iv, [2011]. In contrast, Jennifer Widner, CON-STITUTION WRITING IN POST-CONFLIC SETTINGS: AN OVERVIEW, 49 Wm. & Mary L. Rev. 1513, [2008]. She points out “During the past forty years, over 200 new constitutions have merged in countries at risk of internal violence”. 3 Tom Ginsburg, Zachary Elkins, and Justin Blount, DOES THE PROCESS OF CONSTITUTION-MAKING MATTER? Annu. Rev. Law Soc. Sci., 5, [2009].4 Jon Elster, FORCES AND MECHANISMS IN THE CONSTITUTION-MAKING PROCESS, 45 Duke Law Journal, 368, [1995].5 Elster, supra note 4, at 364.6 See generally, Elster, supra note 4. Andrew Arato, FORMS OF CONSTITU-TION MAKING AND THEORIES OF DEMOCRACY (1995). Cardozo Law Re-view, Vol. 17, [1995-1996]. Angela Banks, EXPANDING PARTICIPATION IN CONSTITUTION MAKING: CHALLEGES AND OPPORTUNITIES. 49 Wm. & Mary L. Rev. [2008]. 7 See generally, Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], supra note 2. Widner, supra note 3. Ginsburg, Elkins, and Blount, supra note 4. Cfr. Kirs-ty Samuels, CONSTITUTION BUILDING PROCESSES AND DEMOCRATIZATION: A DISCUSSION OF TWELVE CASE STUDIES, [2006]. Yash Ghai and Guido Galli, CONSTITUTIONBUILDING PROCESSES AND DEMOCRATIZATION, [2006].8 Elster, supra note 5, at 370.9 Peter H. Russell, CONSTITUTIONAL ODYSSEY: CAN CANADIANS BECOME A SOVEREIGN PEOPLE?, 116, [1993] “No liberal democratic state has ac-complished comprehensive constitutional change outside the context of some cataclysmic situation such as revolution, world war, the withdrawal of em-pire, civil war, or the threat of imminent breakup.” 10 Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], supra note 2, at 8.11 Ludsin, Hallie, PEACEMAKING AND CONSTITUTIONAL-DRAFTING: A DYS-FUNCTIONAL MARRIAGE. U. Pa. J. Int´L., 239, [2011] In this sense, Hallie Ludsin considers that the compatibility between those tools and their goals has been presumed, even though “deep and inherent tensions surface during the merger of these two processes”. Given that constitution-building goals are generally subordinated by peacemaking achievements, constitutions promul-gated as a tool to create sustainable peace tend to design deficient governance frameworks and poor human rights guarantees, among others. In other words, “using constitution drafting to make peace sets up the merge process for failure”.12 Kirsti Samuels and Vanessa Hawkins Wyeth, STATE-BUILDING AND CON-STITUTIONAL DESIGN AFTER CONFLICT, 3, [2006]. See also, Yash Ghai, Constitution-Building Processes and Democratization: Lessons Learned, in DEMOCRACY, CONFLICT, AND HUMAN SECURITY: FURTHER READINGS, 234, [2006], “Constitutions have not always functioned to promote or consolidate

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democracy. Indeed, historically, they have more frequently been instruments of domination or oppression”. Likewise, “historically, in democratic societies, con-stitutions followed social forces that promoted democracy; they did not create these forces.” Thus, the apparent causal relationship between constitution-building processes and constitutional goals such as democratization could be illusory: “the results of past practice are often ambiguous because of the many factors, other than choice of procedure, that shape desirable outcomes”. In fact, several factors such as available institutions, democratic traditions, armed conflict, corruption and sharp divisions, to mention a few, generally impact the real implementation of constitutions and actual achievement of its goals.13 Yash Ghai, Constitution-Building Processes and Democratization: Les-sons Learned, in DEMOCRACY, CONFLICT, AND HUMAN SECURITY: FUR-THER READINGS, 234, [2006], at 234. 14 Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITU-TION MAKING HANDBOOK, 81, [2011].15 Eileen Babbitt, THE NEW CONSTITUTIONALISM: AN APPROACH TO HUMAN RIGHTS FORM A CONFLICT TRANSFORMATION PERSPECTIVE, 69, [2010].16 Kirsty Samuels, POST-CONFLICT PEACE-BUILDING AND CONSTITUTION MAKING. Chicago J. Inter. Law 6(2), 667 [2006].17 Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITU-TION MAKING HANDBOOK, 81, [2011].18 Devra C. Moehler, PARTICIPATION AND SUPPORT FOR THE CONSTITU-TION IN UGANDA. J. of Modern African Studies, 44, 2, 283 (2006).

JudiciAl revieW noS tribunAiS mAçônicoS

Grégore Moreira de MouraBacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2001). Mestre

em Ciências Penais pela UFMG (2006). Doutorando em Direito Constitucional (UFMG). Procurador Federal. Diretor da Escola da Advocacia Geral da União na 1ª

Região.

O presente trabalho tem por objeto o estudo e a análise do Judicial Review nos Tribunais Maçônicos. Com o objetivo de relevar a funda-mentação jurídica, política, social e crítico-reflexiva do Judicial Review no âmbito da Maçonaria e de seus Tribunais, para cotejar as semelhanças e diferenças entre o Poder Judiciário Maçônico e o Poder Judiciário pro-fano (designação dada pelos maçons aos não iniciados na ordem. Este conceito às vezes é estendido para instituições ou atos não maçônicos).

A Maçonaria é uma entidade filantrópica, filosófica, educativa que tem por objetivo a promoção de certos princípios de ajuda mútua e ao próximo, sendo que se fundamenta na tríade de valores propostos pela Revolução Francesa, quais sejam a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

Além disso, a Ordem Maçônica, como é assim chamada, tem uma estrutura semelhante à do Estado, podendo-se dizer que existe um verdadeiro Estado Maçônico, com a formação de três poderes internos, na forma da tripartição de Poderes idealizada por Montes-quieu, o que gera a criação de um verdadeiro Direito Maçônico com destaque para o Direito Constitucional Maçônico, o qual exerce o papel de fundamentador da árvore jurídica maçônica.

Inserido neste contexto, temos a formação do Poder Judiciário Maçônico composto por diversos Tribunais que, regra geral, possuem ampla competência julgadora e revisora de atos normativos e leis, dando ensejo ao Judicial Review Maçônico com especificidades em relação ao tradicional controle de constitucionalidade do Direito profano, mas também com diversas semelhanças.

Para atingir o desiderato deste estudo, pretende-se trazer à baile o estudo proposto a partir da divisão de Poderes na Maçonaria, o

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Supremo Tribunal Federal Maçônico e o Judicial Review Maçônico; a fraqueza do Judicial Review Maçônico; a legitimidade na Ação de In-constitucionalidade Maçônica; as decisões dos Tribunais Maçônicos, e, por fim, apresentar as diversas nuances desta seara tão interessante do Direito Constitucional Maçônico.

É importante também destacar algumas questões de grande envergadura no controle de constitucionalidade no âmbito da Ma-çonaria, como a questão do mandado judicial dos juízes da Corte Constitucional Maçônica, a possibilidade de controle de constitucio-nalidade preventivo e repressivo, a formatação do sistema na forma de “check and balances” e uma visão constitucional principiológica e hermenêutica de um verdadeiro Direito singular e especial.

Portanto, a ideia primordial do trabalho não é esgotar todas as nuances do Judicial Review no âmbito da Maçonaria, mas principal-mente trazer a lume para os operadores do Direito profano o conhe-cimento do Direito Maçônico e em especial o Direito Constitucional Maçônico, para que possam conhecer e quiçá se abeberar de algu-mas experiências desta seara tão especial e desconhecida, para, quem sabe, se buscar uma interpretação jurídica mais fraterna e legítima, propiciando a redução de demandas com o incentivo de técnicas de controle profilático de constitucionalidade, bem como promovendo um Direito mais democrático e justo. Desta feita, se a Democracia é calcada na ideia de dissenso e se o diálogo institucional é a tônica do Direito Constitucional atual, nada mais propício noticiar a experiên-cia especial da Maçonaria como instituição secular política que busca antes de tudo o controle interno de suas ações.

lA legitimidAd democráticA de lA JuriSdicción conStitucionAl y el AcceSo directo de loS ciudAdAnoS Al

control de conStitucionAlidAd

Jorge Ernesto Roa RoaAbogado de la Universidad Externado de Colombia. Máster en Gobernanza

y Derechos Humanos de la Universidad Autónoma de Madrid, Máster en Ciencias Jurídicas Avanzadas de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona.

Candidato a Doctor en Derecho de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona. Profesor del Departamento de Derecho Constitucional de la Universidad

Externado de Colombia y del Área de Derecho Constitucional de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona. Contacto: [email protected]

La polémica en torno a la legitimidad democrática del control de constitucionalidad puede ser calificada como una discusión clásica del Derecho Constitucional y de la Filosofía Política. No obstante, también se trata de un debate que se mantiene constante y se renue-va, en la medida en que se postulan nuevos argumentos para defen-der u objetar la existencia de controles judiciales al legislador.

Dentro de los últimos avances teóricos en la discusión, se acep-tan las ideas de que: la legitimidad democrática de la revisión judicial no es una cuestión absoluta sino de grado; el mejor modelo de con-trol de constitucionalidad depende del diseño institucional de cada sistema político y jurídico; los esquemas europeo y norteamericano son insuficientes para analizar los problemas actuales de la revisión judicial de la ley; pueden existir ordenamientos jurídicos en los que la última palabra en materia de interpretación de la Constitución sea el producto de un diálogo entre la Corte Constitucional y el le-gislador; es posible encontrar un punto intermedio entre la fórmula del constitucionalismo fuerte y la fórmula de la democracia fuerte y; especialmente, los sistemas de América Latina tienen particulares características históricas, políticas y jurídicas, que justifican una dis-cusión regional sobre la compatibilidad del control de constituciona-lidad con el principio democrático.

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En ese contexto, bajo un análisis de Derecho Constitucional Comparado, en la ponencia se examinan los argumentos que han sido formulados en defensa de la revisión judicial de ley dentro del constitucionalismo europeo y norteamericano, con el fin de estable-cer cuáles de éstos son aplicables a los sistemas jurídicos latinoame-ricanos. En segundo lugar, se sostiene la tesis de que algunos de esos argumentos se fortalecen por la existencia de sistemas de control de constitucionalidad, en los que se reconoce legitimación activa a de-terminados grupos dentro de la sociedad o individualmente a cada uno de los ciudadanos, para someter una ley al control de la Corte Constitucional. En tercer lugar, se propone un conjunto novedoso de argumentos en defensa de la revisión judicial de la ley, con base en la experiencia de los estados que incluyeron formas de acceso directo de los ciudadanos a los tribunales constitucionales. Por último, se anali-za la relación entre la existencia de fórmulas de apertura de los tribu-nales constitucionales a los ciudadanos y la interpretación efectiva del principio de subsidiariedad del sistema interamericano de protección de los Derechos Humanos, en los casos de responsabilidad del Estado por expedición o aplicación de normas contrarias a la Convención Americana sobre Derechos Humanos.

Como consecuencia de lo anterior, en la investigación se concluye con la tesis de que la apertura de los tribunales constitucionales a la ciudadanía es una fórmula adecuada para superar algunas de las obje-ciones contramayoritarias a la revisión judicial de la ley. Finalmente, se examinan los problemas de la existencia de una acción pública o popular de constitucionalidad y se formula una propuesta de diseño institucional que haga viable y compatible con el principio democráti-co, el acceso directo de los ciudadanos al control de constitucionalidad.

(i)legitimidAde democráticA e oS critérioS de compoSição do Supremo tribunAl federAl

Rene SamparMestre em Filosofia Política pela Universidade Estadual de Londrina.

Especialista em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito

Constitucional e Cidadania. Professor de Direito Constitucional e Coordenador adjunto do Curso de Direito da Faculdade Secal de Ponta Grossa-PR. Advogado.

Henrique Franco MoritaEspecialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito

Constitucional e Cidadania. Pós-Graduando em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Estadual de Londrina. Bacharel em Direito pela

Universidade Estadual de Londrina.

A Constituição de 1988, ao propor um novo paradigma do controle de constitucionalidade, bem como estabelecendo novos e amplos direitos sociais humanos, com certa riqueza de detalhes e pro-lixidade, destacou o Supremo Tribunal Federal nas grandes questões do país. Exsurge, então, a discussão importante acerca da legitimida-de democrática das decisões da Corte, pouco levada a cabo na esfera pública ou acadêmica.

Araújo (2006) sintetizou a escalada de poder do STF desde o texto original da Constituição de 1988. As principais mudanças são:

a) A interpretação do STF, para a propositura da ADIn, restringiu o acesso ao exigir comprovação de interesse e pertinência temática para se provocar o controle constitucional. Criaram-se dois grupos de legitimados – universais e especiais, sendo que o texto constitucional não os diferenciava (ADI 1.157, Min. Rel. Celso de Mello, 1994).

b) A EC n. 03-93 introduziu a ADC, que foi prevalentemente reco-nhecida como inconstitucional, à época, pela doutrina (DIMOULIS; LUNARDI, 2013, p. 143). Entretanto, o Supremo reconheceu a consti-

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tucionalidade da Emenda (ADC 1, 1993). Entendeu ainda, mesmo sem previsão no texto constitucional, que caberia medida cautelar na ADC, bem como efeito vinculante da decisão (ARAÚJO, 2006, p. 337).

c) A declaração de constitucionalidade do artigo 28 da Lei 9.868-99, que estendeu os efeitos vinculantes presentes na ADC, introduzidos pela EC n. 03-93, garantiu à ADIn um efeito criado por força de lei ordinária.

d) A EC n. 45-04 representa capítulo fundamental no processo de crescimento do vulto do STF, pois introduziu a Súmula Vinculante.

Há que se perguntar se um poder maior não demandaria outro processo de ocupação da Corte. Processo este que se mantém o mesmo desde 1988, com a indicação de “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, sendo que “serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”, conforme reza o artigo 101, CF.

A noção de “diálogos institucionais”, defendida por Mendes (2011), deflaciona a importância de quem dá a “palavra final”, quem controla a constitucionalidade. O que o autor defende é que o pro-cesso dialético da separação de poderes deliberativa, a longo prazo, produz diálogos entre as instituições do Estado. Portanto, o fato de uma Corte Constitucional dar a “última palavra” não impede que o Legislativo responda.

No entanto, conforme reconhece Mendes (2011, p. 250), ainda é relevante a questão sobre quem dá a “última palavra” a curto prazo, pois as instituições demoram a responder. Assim, deve-se refletir as possibilidades de qualificar os Poderes para que o diálogo institucio-nal seja mais pleno, como também relativizar as características do órgão que controla a constitucionalidade.

A noção de presidencialismo de coalizão, formulada por Limon-gi e Figueiredo (1998), bem como a concentração dos poderes da Corte versus o modelo de indicação dos Ministros, já apresentada, podem ser úteis. Verifica-se que o Executivo controla a agenda polí-

Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 129

tica do Legislativo, com negociações de cargos e medidas provisórias, donde decorre um processo de formação de maioria parlamentar, em que o Executivo também acaba por controlar o processo de indicação e nomeação dos Ministros do STF.

Entendendo que a Constituição estabeleceu o escrutínio dos candidatos pelo Senado com o fim de legitimar, mesmo que indi-retamente, aqueles que dariam a “última palavra”, tem-se uma crise de legitimidade constatada. Eis aí a importância de se discutir novas formas de diálogo institucional efetivo, não mais apenas entre a Cor-te e o Legislativo, mas também entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, bem como a sociedade civil, na formação de uma Corte mais representativa e independente.

Referências

ARAÚJO, Luiz Alberto David. O Acúmulo de Poder do Supremo Tribunal Federal e o Controle Concentrado de Constitucionalidade. In: COU-TINHO, Jacinto Nelson de Miranda; LIMA, Martorio Mont’Al-verne Barreto. Diálogos Constitucionais: Direito, Neoliberalismo e De-senvolvimento em Países Periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de Processo Cons-titucional – Controle Concentrado e Remédios Constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Bases Institucionais do Presidencialismo de Coalizão. Lua Nova. 1998, n.44, pp. 81-106.

MENDES, Conrado Hübner. Controle de Constitucionalidade e De-mocracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.

o dilemA dA conexão entre oS conceitoS de omiSSão legiSlAtivA inconStitucionAl e AS normAS de eficáciA limitAdA

Danielle Cevallos SoaresBacharel em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso

– UNEMAT (Brasil). Professora adjunta de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (Brasil).

E-mail: [email protected]

O tema da presente pesquisa consiste na busca por um conceito mais sólido do que se considera a omissão legislativa inconstitucio-nal. Sabe-se que na Constituição da República de 1988, foram cria-dos dois instrumentos para controlar a constitucionalidade da omis-são legislativa, quais sejam, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de Injunção, mas uma análise mais detida da doutrina e jurisprudência nacionais leva à inevitável conclusão de que os fundamentos do conceito de omissão inconstitucional são sobremaneira frágeis, fato que, consequentemente resulta numa in-certeza jurídica acerca da delimitação do objeto das referidas ações. Isso decorre do fato de que o conceito de omissão inconstitucional utilizado pela doutrina e jurisprudência brasileira está intimamente ligado à classificação das normas constitucionais segundo a sua efi-cácia, que se tornou célebre no Brasil com a sistematização pensada por José Afonso da Silva, sendo que a referida violação à Constituição da República decorreria da desobediência de um mandamento cons-titucional no sentido de legislar contido em uma norma de eficácia limitada. Contudo, a referida classificação das normas constitucio-nais, embora até hoje mencionada pela doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já há tempos é considerada como insatis-fatória, na medida em que ignora, dentre outros, os fatos de que as normas de eficácia plena eventualmente podem ser restringidas pela legislação infraconstitucional (ou emendas constitucionais), tendo em vista que não há princípios e/ou direitos absolutos no ordena-mento jurídico constitucional; bem como o fato de que tais normas

Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 131

podem, em certos casos, demandar uma regulamentação para que alcancem uma melhor eficácia – jurídica e social. Desconsidera, ade-mais, a dificuldade em se determinar, abstratamente, qual o “nível” de eficácia de cada norma constitucional conforme a classificação mencionada, fato muito utilizada para justificar a inércia do Estado em se efetivar certos direitos. Desta feita, questiona-se a vinculação do conceito de omissão legislativa inconstitucional com a classifi-cação das normas constitucionais segundo a sua eficácia, levantan-do-se as seguintes problemáticas: quais os critérios utilizados pelo Supremo Tribunal Federal e pela doutrina, para se definir quais são as normas de eficácia limitada, bem como o momento e o “quanto” de falta de regulamentação caracterizaria a omissão inconstitucional? A inconstitucionalidade por omissão deve, necessariamente, ligar-se à classificação das normas constitucionais conforme a sua eficácia? Qual o impacto da utilização do referido conceito de inconstituciona-lidade por omissão na efetividade dos instrumentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção? Assim, buscamos elementos teóricos aptos a subsidiar uma construção do con-ceito de omissão legislativa inconstitucional que seja compatível com o Estado Democrático de Direito e capaz de atribuir maior eficácia e segurança jurídica ao controle de constitucionalidade por omissão. Para desenvolver esta problemática, partiu-se do método dedutivo, va-lendo-se da pesquisa bibliográfica na doutrina especializada, da análise das decisões do Supremo Tribunal Federal, bem como dos tribunais da Itália, Espanha, Alemanha e Portugal. Assim sendo, tendo em vista – dentre outros -, o princípio da Supremacia da Constituição, e com o fito de garantir maior efetividade à Lei Maior, busca-se delinear um conceito adequado de omissão legislativa inconstitucional, de maneira que as ações de controle da inconstitucionalidade por omissão sejam mais eficazes na consolidação dos direitos fundamentais.

hermenêuticA conStitucionAl: umA AnáliSe do AmicuS curiAe à luz dA “integridAde” propoStA por dWorkin

Ismael Fernando P. Villas Boas Jr.Graduando em Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

O processo do controle de constitucionalidade excercido pelas cortes constitucionais tem ganho, cada vez mais, relevância para o con-texto político-jurídico em que vivemos, em especial após a promulga-ção da Constituição de 1988, que, ao apresentar normas programáti-cas e princípios gerais abstratos, abre considerável margem para a sua interpretação. Temos visto julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), nos quais decide-se o status de uma norma conforme ou contrá-rio à Constituição, em que a correta análise do conteúdo dos direitos fundamentais possui um impacto importante e imediato para todo o ordenamento jurídico e para a vida da sociedade em geral. Dessa for-ma, na medida em que a Corte admite para si competência de julgar o que é (sein) e o que deve ser (sollen) o direito – e pressupondo que todo ato de interpretação é, também, um ato de criação do direito1 – tem-se que essa competência é muito questionada, já que os magistrados não teriam sido eleitos por via democrática para representar os anseios e percepções da sociedade em atividade que muito se assemelha àque-la de competência do poder legislativo. Nesse sentido, a doutrina de Peter Häberle2 encontrou, acertadamente, aceitação em nosso ordena-mento com a positivação do instituto do amicus curiae e das audiên-cias públicas, que visam a legitimação procedimental da hermenêutica constitucional realizada pelo STF. Entretanto, a utilização meramente procedimental desse instituto ainda não consegue suprir inteiramente a falta de legitimidade democrática dessa interpretação, uma vez que os participantes convidados a darem sua opinião sobre o tema em ques-tão podem ver sua argumentação influir minimamente na decisão co-legiada. Temos, então, que a ocorrência de uma participação externa exclusivamente formal seria insuficiente para garantir a legitimidade

Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 133

da decisão, sendo necessário, para tal fim, a legitimação material das decisões exaradas pelos magistrados. Destarte, procura-se por uma te-oria jurídico-filosófica que amarre, em certa medida, a fundamentação do juízo constitucional à argumentação apresentada pelos amici curiae. Parte-se, portanto, da teoria de Ronald Dworkin3, particularmente no que se refere à sua concepção de integridade e em sua metáfora do juiz Hércules, para explicar a obrigação deontológica do intérprete de, em uma sociedade pluralista como a nossa, ater-se materialmente à razão argumentativa representada pelo amicus curiae para encontrar a respos-ta certa ao caso. Essa, por sua vez, caracterizaria-se como a interpretação coerente do conjunto de princípios gerais, definidores da justiça e do direito, apresentados pela sociedade em seu atual contexto histórico-po-lítico, e, não mais, sentenciados solipsisticamente pelo magistrado. Te-ria-se, ainda, uma sentença construída subjetivamente e, por isso, sujeita às limitações da razão individual e ao conjunto de pré-compreensões do indivíduo. Entretanto, ao fundamentar-se argumentativamente a deci-são levando-se em conta, obrigatoriamente, os argumentos apresentados pela sociedade em geral, seria possível que esse juízo se aproximasse, ra-zoavelmente, daquele conjunto de princípios norteadores da ideia de jus-tiça compartilhada por essa sociedade. Trata-se, enfim, de uma tentativa de atar a metáfora do juiz Hércules e a noção de integridade de Ronald Dworkin com os anseios por uma democratização do debate jurídico, em especial, do controle de constitucionalidade.

Notas

1 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre). São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2009.2 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta dos intérpretes da constituição. Contribuição para a interpretação plu-ralista e “procedimental” da constituição (Die offene Gesellshaft der Ver-fassungsinterpreten. Ein Beitrag zur pluralistischen und “prozessualen” Verfassungsinterpretation). Tradução de Gilmar de Mendes. Editora Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1997. 3 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito (Law’s Empire). São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2014. DWORKIN, Ronald. A justiça de Toga (Justice in Robes). São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2010.

reStriçõeS nA liberdAde em nome dA iguAldAde: Sempre Algo A Se lAmentAr?

Jacqueline de Souza AbreuGraduanda na Faculdade de Direito da USP (Brasil). Bolsista FAPESP.

[email protected].

Na decisão do caso Ellwanger pelo Supremo Tribunal Federal (STF), discurso a princípio protegido pela liberdade de expressão foi censurado, porque a incitação ao ódio a determinado grupo, veicula-do em seu conteúdo, negaria a pretensão de igualdade política entre as pessoas.1 Na discussão em pauta no STF sobre financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos por privados, a liberdade de doar até mesmo de pessoas naturais, vista como forma de expressão e de participação política, tem se mostrado fadada a ser restringida para além dos termos já existentes na legislação eleitoral em favor da igual-dade de influência das pessoas em disputas eleitorais.2 Na votação do Marco Civil da Internet, a disputa sobre o princípio da neutralidade da rede, se por um lado foi acompanhada de defesas do tratamento iso-nômico de usuários garantido por tal princípio, por outro, encontrou obstáculos na oposição que atuava em nome da liberdade de contratar não só das empresas de telecomunicações, mas dos próprios usuários.3

Nesses casos, nota-se uma relação antagônica entre liberdade e igualdade. Esse antagonismo dá lugar a uma linguagem de perdas de liberdades: liberdades de expressão, seja ela por discurso ou por do-ação enquanto participação no processo político, e de contratar são restringidas por argumento fundado na igualdade (igualdade política, igualdade de oportunidades, isonomia). Este tal conflito, do qual já se falava enquanto ideais abstratos4, segundo os casos acima sugerem, foi constitucionalizado – está presente entre os próprios valores con-sagrados na Constituição Federal. Cenários como o dos casos sus-tentam defesas5 de um conflito conceitual inevitável e trágico, por incluir alguma perda irremediável, entre liberdade e igualdade.

Liberdades democráticas e suas restrições • 135

Ronald Dworkin defendeu6 que, em disputas argumentativas político-morais que despertam o aparente conflito entre liberdade e igualdade, como os casos citados – que dão lugar a defesas de con-cepções rivais do que sejam as liberdades envolvidas e de como se re-lacionam com concepções também rivais de igualdade – não se deve abandonar, a priori, a possibilidade de que possam ser conciliadas. Isso dependerá de teorias interpretativas, concepções que melhor re-velem o point de tais conceitos de valores políticos. Na concepção de Dworkin, estas revelarão que são não só conciliáveis entre si, negando a retórica do conflito, mas até mesmo imbricados.

Meu trabalho analisa crítica feita por Bernard Williams a essa abordagem de Dworkin. A sua principal objeção se fundamenta na ideia de que as pessoas endossam concepções distintas de liberda-de e igualdade – o conteúdo destes conceitos é preenchido por sua história pessoal, do grupo ou da sociedade a que pertencem – o que as fazem sentir a perda de sua liberdade seja quando uma restrição é feita em nome de uma concepção de igualdade que defendem, ou não.7 Por essa razão, conflitos entre liberdade e igualdade são mesmo inevitáveis. Para que os participantes de uma comunidade sejam le-vados a sério em termos de suas convicções políticas, deve-se falar em limitação da liberdade e reconhecer o conflito sempre que existir o sentimento de perda, seja ela decorrente de decisão política ou judicial.

As ideias de Williams, inicialmente, encontram respaldo nos ca-sos citados, demonstro. Objetivo do trabalho é, entretanto, apontar as insuficiências do argumento de Williams contra Dworkin. Sua vi-são é a de que, não importa o que se decida, uma perda a ser lamenta-da sempre ocorrerá. Meu argumento é o de que o ressentimento sobre a perda não pode e nem deve ser o que pauta as noções de restrição ou violação desses valores e dos direitos constitucionais relacionados. Esse ressentimento, associado ao preenchimento histórico desses conceitos, não se relaciona com a correção deles e por isso não serve para verificação do conflito. Nem sempre há o que se lamentar nas restrições à liberdade: só é o caso quando o valor desse valor é atin-gido, o qual só pode ser compreendido à luz da própria igualdade.

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Notas

1 STF, HC 82.424/RS. Relator: Moreira Alves. Julgado em 17.09.2003, espe-cialmente o voto de Gilmar Mendes, fl. 958.2 ADI 4650, sob relatoria de Luiz Fux, em tramitação no STF. Cf. Notícia do STF de 11.12.2013 (STF inicia julgamento de ação sobre financiamento de campanhas eleitorais): http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDeta-lhe.asp?idConteudo=255811&caixaBusca=N Acesso: 05.09.2014.3 Cf. RAMOS, Pedro. Uma questão de escolhas: o debate sobre a regulação da neutralidade da rede no Marco Civil da Internet. Anais do XXII CONPEDI, 2013.4 Cf. TOCQUEVILLE, Alexis. Democracy in America: vol. 2. 3ª Edição. Cam-bridge: Sever&Francis, 1863, p. 114-118, HAYEK, Friedrich. The Constitu-tion of Liberty, Chicago: UC, 1960, p. 85-88. 5 Cf. BERLIN, Isaiah. Four essays on liberty. Oxford: OUP, 1969, p. 121-31; WILLIAMS, Bernard. Moral Luck. Cambridge: CUP, 1981, p. 71-82.6 DWORKIN, Ronald. Do Values Conflict? A hedgehog’s approach, Arizona Law Review, n. 43, p. 251-259, 2001. 7 WILLIAMS, Bernard. In the beginning was the deed. Princeton: PUP, 2005, p. 75-128.

A intolerânciA religioSA àS religiõeS AfrodeScendenteS como formA de violAção Ao direito à liberdAde religioSA

– umA AnáliSe A luz dA deciSão nA Ação civil públicA 0004747-33.2014.4.02.5101

Jessica Hind Ribeiro CostaMestranda em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia, Servidora

do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Bahia – Brasil, email: [email protected].

A intolerância, sob um ponto de vista contemporâneo, vai ca-racterizar a negação da tolerância. Entre leigos, ela é tida como sen-do uma atitude mental de não aceitação do diferente, culminando, em grande parte das vezes, em ações explicitas de violência. Assim, “a intolerância se constrói como uma demonstração de um fracasso moral, um fenômeno de não aceitação de opiniões e identidades di-ferentes daquela que é própria ao indivíduo”1.

Este instituto se torna objeto do estudo jurídico na medida que manifesta-se em atitudes de preconceito e discriminação. Neste sen-tido, a Lei 7.716/89 estabelece em seu artigo primeiro que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

A legislação brasileira, no que se refere à liberdade religiosa preza pelo princípio da isonomia. Pode-se comprovar isto de acordo com o Artigo 2º da Lei nº 16/2001 (Lei da Liberdade Religiosa) que “nin-guém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou prática religiosa”.

Dessa forma, o Estado busca garantir a existência do pluralismo re-ligioso, devendo porém, manter-se à margem do âmbito religioso, sem incorporá-lo, conferindo-lhe sua condição de Estado laico previsto no ar-tigo 19, inciso I, da Constituição Federal2. No mesmo sentido de proteção às religiões a Constituição Federal declara no artigo 5º, inciso VI que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre

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exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Assim, fica claro que a preocupação legis-lativa em consagrar a liberdade de religião um direito fundamental.

Pode-se observar no ordenamento jurídico vigente a preocupa-ção com a afirmação do princípio da liberdade religiosa. O funda-mento desta preocupação é anterior as normas citadas, estando pre-sente já na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19483.

Em verdade, a liberdade religiosa abrange três tipos mais espe-cíficos de liberdade: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. A primeira consiste na liberdade da prática religiosa interior e da prática dos atos próprios das ma-nifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de rece-bimento de contribuições para tanto. Liberdade de crença, por sua vez, engloba a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a re-ligião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Finalmente, entende-se como liberdade de organização religiosa a possibilidade de estabelecimento e organização de instituições religiosas e suas relações com o Estado.

Todavia, determinados eventos cotidianos e corriqueiros de-monstram que existe uma grande disparidade entre o que está pre-visto em lei como modelo de conduta, e o que se observa na prática, relativo às interações em sociedade. O ato nefasto de impedir a livre expressão religiosa, individual e coletiva garantida por lei, é cometido freqüentemente por vários setores da sociedade, sendo comuns os casos de intolerância religiosa contra religiões de matrizes africanas.

A intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e atitudes ofen-sivas a diferentes crenças e religiões. Em casos extremos esse tipo de in-tolerância torna-se uma perseguição. Sendo definida como um crime de ódio que fere a liberdade e a dignidade humana, a perseguição religiosa é de extrema gravidade e costuma ser caracterizada pela ofensa, discrimi-nação e até mesmo de discursos de ódio fomentados nas redes sociais.

Recentemente os adeptos ao camdomblecismo e ao umbandismo experimentaram mais uma vez o dissabor do preconceito, dessa vez, o

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ofensor foi o Juiz de Direito da 17ª Vara de Fazenda Federal do Rio de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújo, que proferiu a polêmica a decisão que indicava que “o candomblé e a Umbanda não são religiões”4. A ação movida pelo Ministério Público Federal pedia a retirada de vídeos discriminatórios do “Google” de circulação o que foi negado em sede de liminar. Tal atitude contraria frontalmente o direito à liberdade re-ligiosa na medida em que não considera as citadas religiões com tal, o que caracteriza do magistrado não só uma atitude de intolerância como de ignorância – tendo em vista que demonstra desconhecimento da matéria do ponto de vista filosófico, sociológico e religioso.  

A magistratura não pode se utilizar do princípio do livre con-vencimento motivado, assim como os preconceitos não podem se disfarçar como liberdade de expressão. Estas não são “cartas brancas” para a prática ou intolerâncias ou atitudes criminosas!

A questão que envolve as religiões de matrizes africanas no Brasil traz em si diversos questionamentos e polêmicas que devem ser resol-vidos por meio de uma reflexão sócio-cultural acerca dessas crenças e dos aspectos que estas atingem.

Notas

1 Souza, Marcelo Gustavo Andrade de; Konder, Leandro. Tolerar é pouco? Por uma filosofia da Educação a partir do conceito de tolerância, Rio deJaneiro, 2006. 315p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.2 “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabe-lecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funciona-mento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”3 “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada coletivamente, em público ou em particular”.4 A decisão na íntegra pode ser encontrada no seguinte endereço eletrôni-co: http://s.conjur.com.br/dl/decisao-negou-retirada-videos.pdf

o filtro dA rAzão públicA rAWlSiAnA no debAte entre SeculAreS e religioSoS

Franklin Vinícius Marques DutraEstudante de graduação em Direito pela UFMG, bolsista de iniciação

científica sob orientação do Prof. Dr. Thomas da Rosa de Bustamante. Brasil. [email protected].

Para Rawls1, o problema do impacto político do papel da re-ligião não foi resolvido com a secularização da autoridade política (laicização do estado). Ele percebe que a laicização, que pretende privatizar a religião, mantê-la apenas na esfera privada das pessoas, não se sustenta, pois, de fato, a religião exerce importante poder e influência na vida pública.

Temos então que o político não está na esfera do estado apenas e vai para a sociedade. Rawls enfoca aqui não a sua ideia de se chegar a um consenso por sobreposição, mas sim da razão pública. O debate, a comunicação publica, se dará por meio desta. A proposta do autor é vista a consolidar qualquer debate entre seculares e religiosos, ainda que fora da esfera estatal. Contudo, o filtro institucional da razão prática é inerente aos órgãos públicos, principalmente aqueles dos quais o debate entre os membros gera normatização (assembleias).

Nesse sentido, o autor parte da ideia de constituição liberal, que irá trazer igual liberdade para os religiosos e seculares e procurará pro-teger os órgãos públicos que irão decidir de sofrer influência religiosa. Ou seja, considera-se que a constituição liberal não pode ignorar as contribuições que os grupos religiosos exercem no processo democrá-tico da sociedade civil.

A solução que Rawls propõe é que, no debate politico, como há sem-pre a possibilidade de haver pessoas que raciocinam baseadas em argumen-tos religiosos e aquelas que o fazem por meio de argumentos seculares, deve haver um filtro de linguagem para possibilitar o debate público.

Tal filtro será institucional nos órgãos públicos de deliberação cole-tiva, ou seja, não se está tentando de forma alguma adentrar no subjetivo,

Liberdades democráticas e suas restrições • 141

no pensamento daqueles que se encontrem no debate público. A ideia é proporcionar um critério objetivo para que seja possível o debate em um país democraticamente constituído. Religiosos e seculares terão que se respeitar mutuamente e a ideia é não sobrecarregar nenhum deles com um ônus excessivo, mantendo uma posição de igualdade para ambos.

O filtro da razão pública irá trazer, para os religiosos, a necessi-dade de ser razoável com seus argumentos, aceitar que decisões sobre conhecimento de mundano cabem à ciência natural e que conformar os seus dogmas religiosos com os direitos humanos.

Com isso, no discurso democrático, a relação entre religiosos e seculares será de complementariedade, uma vez que ambos utilizam da razão pública, que é uma eficiente forma de garantir que o pluralismo da sociedade, tão marcante no mundo atual, seja espelhado na política.

Subjaz a essa visão a ideia de que a democracia é um projeto em aberto, não finalizado, tendo em mente que ela é o melhor que se encontrou até agora. Outra Devemos, assim, encontrar o melhor sistema possível para sua implementação prática.

Não obstante, possibilita também a visão apresentada no artigo viabi-lizar a melhor representação, reprodução da sociedade no debate político, já que temos, então, representados no debate público não apenas os argu-mentos dos seculares, mas também o dos teístas, ambos, é bem verdade, moldados na sua exteriorização de uma forma que seja possível o debate entre eles e a obtenção d eum resultado que bem represente a realidade.

Uma compreensão universal dos direitos humanos nos lembra da necessidade de desenvolver modelos institucionais que melhor se adaptem às sociedades multiculturais da atualidade.

Notas

1 O texto toma como referência basicamente duas obras: HABERMAS, Jür-gen. “’The Political’ - The Rational Meaning of a Questionable Inheritance of Political Theology” In BUTLER, Judith; HABERMAS, Jürgen; TAYLOR, Charles; WEST, Cornel. The Power of Religion in the Public Sphere e RAW-LS, John. “A ideia de razão pública” In RAWLS, John. Liberalismo Político. São Paulo: Editora Ática. 2000.

142 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

o cASo dAS biogrAfiAS não AutorizAdAS: umA AnáliSe de ponderAção e proporcionAlidAde à luz dA teoriA doS

princípioS de humberto ávilA

Thais FernandesAdvogada autônoma e associada da ANDHEP - Associação Nacional de

Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação. Pós-Graduanda em Direito e Processo Civil pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo U.E Lorena.

Graduada em direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo U.E Lorena. [email protected].

Tatiane Munhoz Graduanda em direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo

U.E Lorena. Membro associado da ANDHEP - Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação. [email protected]

Resumo

Instituir precedência entre valores e direitos fundamentais é atual-mente um dos maiores desafios da hermenêutica constitucional. O neopositivismo elevou os princípios jurídicos ao patamar das leis, retirando-os do calabouço de suas funções integrativas e subsidiá-rias. É até possível afirmar que a doutrina constitucional vive hoje sob a euforia do chamado “Estado Principiológico”. Considerando a crescente demanda judicial na solução de conflitos entre direitos fundamentais, o presente trabalho objetiva explorar os postulados de ponderação e proporcionalidade, à luz dos recentes ensinamentos do professor Humberto Ávila. O estuda visa, acima de tudo, contribuir para o entendimento dos novos fenômenos constitucionais, de modo a concorrer para a correta efetivação dos direitos fundamentais.

Objetivos

Visando esmiuçar as implicações da hermenêutica constitucio-nal desse conflito, esse trabalho objetiva esclarecer as diferenças entre

Liberdades democráticas e suas restrições • 143

texto e norma jurídica; a dissociação entre princípios e regras; os conceitos e aplicações dos postulados normativos da ponderação e proporcionalida-de; e por fim, o modo de subsunção de tais postulados à polêmica das biografias não autorizada.

Metodologia

No desenvolvimento desse projeto, será utilizado o método dedu-tivo científico, desenvolvendo a pesquisa sob a ótica doutrinária e com-parativa das teorias de Humberto Ávila, Ronald Dworkin, Robert Alexy. Superada a primeira etapa, finalizar-se-á o estudo, adequando o conheci-mento alcançado ao recente caso das biografias não autorizadas.

Introdução

Para o professor Humberto Ávila, na obra ‘Teoria dos Princí-pios’, é possível afirmar que a doutrina constitucional vive hoje sob a euforia do chamado “Estado Principiológico”. O neopositivismo elevou os princípios jurídicos ao patamar das leis, retirando-os do calabouço de suas funções integrativas e subsidiárias.

Com essa nova abordagem normativa, tentou-se evitar/punir o cumprimento estrito das leis positivas manifestamente cruéis de um estado, em face da obviedade da preservação de bens como a vida e a liberdade. Valores reavivados pela crescente dos direitos humanos no plano internacional e pelas teorias do direito natural.

No âmbito de aplicação do direito doméstico, tal fenômeno ine-vitavelmente elevou o grau de dificuldade na prolação de sentenças judiciais, afinal, se já não era tarefa fácil priorizar uma regra sobre a outra nas interpretações sistemáticas, tampouco seria sobrepor prin-cípios uns aos outros nos hipóteses de colisão.

Privilegiar valores em detrimento de outros como vida, liberda-de, liberdade de expressão, intimidade, entre outros não se mostra uma tarefa simplória, haja vista tais bens gozarem do mesmo status hierárquico constitucional.

144 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

‘A Polêmica das Biografias não Autorizadas’ apresenta mais um exemplo dessa problemática, em que se discute o direito à intimidade e à privacidade de uma parte em contraposição ao direito de liberda-de de expressão e direito à informação das outras.

Considerações finais

Na utopia distante de se ter uma sociedade assentada sobre uma justiça ideal, a escolha pela liberdade de expressão em detrimento do direito à intimidade mostra-se como um “mal menor”.

Tais diretrizes são apontadas pelo estudo da hermenêutica constitu-cional. No que toca às espécies normativas, conclui-se que princípios e regras são dissociados. Regras são válidas/inválidas, vigentes/não vigentes de acordo com o dinamismo do direito. Princípios, não. São sempre váli-dos. Eles retratam o progresso social; os fundamentos primários na busca de um estado de justiça. Porém, eles nem sempre conviverão harmonio-samente nas novas sociedades, que insistem em rivalizá-los.

A hermenêutica jurídica suscita a ponderação de valores, indi-cando que a escolha entre intimidade ou liberdade de expressão deve ser proporcional: adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

No caso das biografias, considerando que, no plano concreto, a escolha por um valor implica necessariamente a restrição do outro, perfazendo-se, portanto, uma escala de preferência, o meio a ser adotado é o afastamento do valor preterido para os fins de se ter o maior aproveitamento do valor escolhido. Ou seja, a mitigação do direito à intimidade (meio) promove a máxima extensão do direito de liberdade de expressão (fim).

Tal medida é adequada, já que a mitigação do direito à intimida-de é capaz de promover o fim relacionado ao gozo social da liberdade de expressão. É também necessária, pois no plano concreto não há a possibilidade de nivelamento hierárquico de ambos os valores. E, em sentido estrito, é proporcional, pois as desvantagens de se tolher a intimidade individual correspondem às vantagens de se ter uma so-

Liberdades democráticas e suas restrições • 145

ciedade estruturada em valores essenciais para a democracia, como a liberdade de expressão.

Por todo o exposto, não é de se causar espanto que a liberdade de expressão deva ser privilegiada em qualquer circunstância. Ela é a base de toda sociedade que pretende se aprimorar pela dialética de ideias que se contrariam. Ela é a pedra fundamental do Estado de Direito. Seu enfraquecimento significa retrocesso.

Palavras-chave: Regras – Princípios – Hermenêutica – Biografias

Referências

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ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição aos princípios jurídi-cos. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 6a tir. London, Duckworth, 1991.

SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, 2003.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise – Uma exploração herme-nêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

“hAte Speech” e eStAdo democrático de direito: breveS conSiderAçõeS AcercA dA limitAção à liberdAde de expreSSão

Mariana Colucci Goulart Martins FerreiraÉ mestranda em “Hermenêutica e Direitos Fundamentais” pela UNIPAC e

cursa pós-graduação lato sensu em “Direito Constitucional Aplicado” no Complexo Educacional Damásio de Jesus. Possui graduação em Comunicação Social pela

UFJF (2010) e graduação em Direito pelo Instituto Vianna Júnior (2013). Jornalista e advogada. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Alexandre Ribeiro da SilvaMestrando em “Hermenêutica e Direitos Fundamentais” pela UNIPAC. É

advogado e professor de literatura e português. Possui pós-graduação em Direito Processual pela UFJF (2011), graduação em Direito pelo Instituto Vianna Júnior

(2009) e graduação em Letras pela UFJF (2010). Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Contemporaneamente percebe-se a ascensão de discursos de cunho preconceituoso na sociedade brasileira. Trata-se do Hate Spee-ch, ou discurso do ódio, compreendido como quaisquer formas de expressão que aumentam, incitam ou justificam ódio racial, xenofo-bia, antissemitismo ou outros modos de discriminação baseadas na intolerância, tais como o nacionalismo e o etnocentrismo agressivos e a hostilidade contra minorias e imigrantes.

Nas sociedades democráticas há intensa preocupação com os li-mites da liberdade de expressão. Porém, o exercício irrestrito desta pode afetar as bases da democracia, tais como as concepções de igual-dade e de dignidade da pessoa humana.

O Brasil, sendo um Estado Democrático de Direito, parece não tolerar o discurso do ódio. O Habeas Corpus n. 82.424-2 foi julgado pelo STF em 2003 e tornou-se o principal caso pátrio que envolveu o Hate Speech. Nele figurava como paciente o editor Siegfried Ellwanger Castan, então acusado do crime de racismo devido a publicações de caráter antissemita. Debateu-se a questão da oposição entre o direito fundamental à liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana.

Liberdades democráticas e suas restrições • 147

Para a maioria dos ministros que decidiram sobre o HC, a li-berdade de expressão trata-se de direito fundamental restringível em situações nas quais sua manifestação não observe os limites impostos pela Constituição Federal. Tal embate foi resolvido pela sobreposição do anseio maior constitucional e pela primazia de um dos valores basilares de nossa República: a dignidade da pessoa humana.

Conforme elucida o jusfilósofo Jürgen Habermas, que concebeu a Teoria Discursiva do Direito, a aplicação das regras e dos direitos deve se orientar por uma racionalidade comunicativa atuante em conformidade com os pressupostos da democracia e da igualdade entre os seres humanos.

No contexto da pragmática-universal habermasiana exige-se que ocorra nos discursos a defesa de opiniões mediante a utilização do me-lhor argumento e não do uso de força ou de uma alegação baseada em autoridade. A prática comunicativa com racionalidade possui uma di-mensão normativa que cobra uma postura dos sujeitos e objetiva cons-truir discursos sobre os quais fomentam expectativas de entendimento.

Habermas sugere a utilização de uma razão comunicativa, inscrita no telos linguístico do entendimento, formando um conjunto de con-dições possibilitadoras e simultaneamente limitadoras na linguagem. Por conseguinte, não existindo direito fundamental absoluto, essen-cialmente quando conflitante com outro direito fundamental, é possí-vel interpretar, argumentar e decidir com a pragmática-universal.

O Hate Speech fomenta opiniões consubstanciadas no preconceito e no ódio que não contribuem para nenhum debate inerente às delibe-rações democráticas das liberdades de opinião e de expressão, fugindo completamente de qualquer espécie de racionalidade comunicativa e ser-vindo apenas como ultraje à dignidade da pessoa humana do ofendido.

Tal como propõe Habermas, os discursos devem ocorrer entre indiví-duos livres e iguais em um contexto democrático. Portanto, diante do evi-dente desrespeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade entre indiví-duos, é possível enxergar que não há qualquer racionalidade comunicativa em um Hate Speech, com consequente desrespeito à ordem democrática.

A dignidade da pessoa humana, mais do que um direito fundamen-tal da República, representa o reconhecimento de que reside na pessoa humana o valor fundante do Estado. Portanto, a liberdade de expressão

148 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

não se confunde com meio apto a legitimar a exteriorização de propósi-tos criminosos, especialmente quando o discurso de ódio transgride valo-res tutelados pela própria ordem constitucional e afronta a racionalidade.

A aceitação de um Hate Speech não é inerente ao nosso Estado Democrático de Direito, visto que aquele desrespeita os princípios inerentes aos direitos fundamentais e à democracia e, principalmen-te, afronta a dignidade da pessoa humana. Este tipo de discurso não é detentor da racionalidade comunicativa de Habermas e igualmente não condiz com os preceitos guardados no contemporâneo constitu-cionalismo brasileiro, sendo, portanto, indefensável.

Referências bibliográficas

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_____. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82.424-2. Relator ministro Mau-rício Corrêa. Acórdão de 17.09.2003. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/pagi-nadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052>. Acesso em: 21 set. 2014.

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CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Filosofia do Direito na Alta Moderni-dade: incursões teóricas em Kelsen, Luhmann e Habermas. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

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WhAt’S the politicAl JuStificAtion of the freedom of Speech?

Francisco Tarcísio Rocha Gomes JúniorGraduate in Law in Federal University of Ceará (UFC), with academic

mobility in University of Coimbra, and student of the Masters in Constitutional Law in the Federal University of Ceará (UFC), Brazil. E-mail: tarcisiorg@gmail.

com.

The debate about the right to freedom of speech involves more than one specific case in a court. The judicial decision about freedom of speech, as well any other right, has a direct relation with the politi-cal philosophy. The thesis about the total separation between law and political philosophy is so weak has incoherent. Even that a theory seeks the total separation between law and politics will produce im-portant political consequences in a general meaning. A neutral politi-cal position about freedom of speech will be guilty of unsatisfactory practical importance and naivety.

One of the most traditional movements of political philosophy is the Utilitarianism. According to Stuart Mill, inspired in Jeremy Bentham, the person who believes in the Principle of the Utilitarian-ism defends that the answer in moral conflicts is right in the propor-tion as it tends to promote happiness. In this theory, the happiness is intended as pleasure and the unhappiness as pain. So, in a com-munity, the right decision about a moral case will be that one which promotes more happiness and less pain in its citizens. In addition, Herbert Hart explains that the balance in this process should respect the maxim “everybody is to count for one, nobody for more than one”. In abstract, we can say that Utilitarianism valorize the public dimension of the human being over the private dimension.

On the other hand, the critics made by philosophers against Utilitarianism are based specially on two arguments. The first one says that the utilitarianism balancing uses together two kinds of in-terests. The interest of the person about the community, called public interests, and about the lives of the others citizens, called personal

150 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

interest. The problem is that a correct balancing between interests should count just the public interests because the personal interests invade the ethical decisions of the people.

The second argument holds that the Greatest Happiness Prin-ciple does not protect the citizens individually. In a situation of crises normally the minorities are in dangerous because the majority can produce political acts which prejudice their lives. So, the Greatest Happiness Principle can be used has a process to legitimate a political act against Jews or the black people, for example.

One of the alternatives in political philosophy is the Egalitarian-ism. According to Ronald Dworkin, influenced by John Rawls, this theory separates the public and the private dimension of human being. This separation, nevertheless, is not so much strong, but wishes protect the rights of the citizens. The principal objective of this movement is to defend the right of the people to decide about their own lives without the interference of the others, except with a serious justification based on rights, not in the well-being. So, in the Justice Holmes’s example, someone who shouts falsely fire in a crowded theater can be stopped because the rights of the others limit such freedom of speech.

The results of this political debate in the justification of the free-dom of speech are two important theories. The first one is the instru-mental justification as a market of ideas. That theory was created by Stuart Mill and it is based on Utilitarianism. The principal element is the thesis that the freedom of speech is important because, as in the economic market, the best ideas will overcome the weaks in a free pub-lic debate. In addition, that best ideas will be the used in the govern-ment of the community. The other element is that the market of ideas is important to the legitimacy of the political power because everyone could be part of the debate about the principles used in the govern-ment. This theory can be used as justification of the freedom of press as in the Brazilian case of the statute of press in the ADPF 130.

The other idea is based on the Ronald Dworkin’s Egalitarianism and it defends the rights as trumps. The right is a constitutive justifi-cation for the limits of the state. So, even a kind of discourse that the

Liberdades democráticas e suas restrições • 151

majority agrees in produce restrictions can be protected by the consti-tutive justification of freedom of speech. The critics that Dworkin pro-duces against the market of ideas are that the instrumental justification does not protect important rights of the citizens as the polemic hate speech. For example, the Brazilian case of the parliamentary Marcos Feliciano’s speeches about homosexuality could finish differently.

So, an important conclusion is that, according to Dworkin and Scanlon, the freedom of speech has a double political justification. The first one is instrumental, that has a public dimension of protec-tion, and the second one is constitutive, that is more directed to the individual rights of the citizens.

A impoSição JurídicA dA morAl - um debAte entre lord devlin e h.l.A. hArt

Clarissa GrossDoutoranda em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São

Paulo. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Faculdade de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Brasil.

Endereço eletrônico: [email protected].

Este trabalho busca discutir a questão acerca de se é correto que uma sociedade imponha por meio do direito (especialmente o direito penal) a sua moralidade. Será dado enfoque ao debate travado no início dos anos 60 entre H. L. A. Hart, importante teórico do direito, e Lord Devlin, magis-trado inglês. Ao final, será discutida as contribuições de Ronald Dworkin para o debate no que diz respeito à noção de moralidade social.

Devlin desenvolveu reflexão sistematizada defendendo a corre-ção moral de tornar obrigatória, por via do direito penal, a morali-dade convencional de determinada sociedade1. Devlin critica aqueles que acreditam haver um limite principiológico à interferência do di-reito no comportamento de relevância moral. Atribui o equívoco à má compreensão da finalidade do direito penal como se fosse a de estabelecer alguma ordem e forma de coordenação social. Se assim fosse, não haveria qualquer ligação necessária entre o direito penal e a ordem moral prevalente em determinada sociedade.

Devlin refuta esse argumento primeiramente indicando a sua in-capacidade de explicar alguns institutos do direito penal vigente com os quais normalmente concordamos de forma bastante intuitiva2. É o caso, por exemplo, do afastamento do consentimento e do perdão da vítima enquanto argumentos de defesa em alguns crimes. Esse elemen-to do direito penal inglês não se explicaria a não ser que se admitisse que a sua finalidade consiste na imposição da moralidade em si.

Devlin afirma que a imposição da moralidade convencional pelo direito se justifica em função da sua importância para manutenção da

Liberdades democráticas e suas restrições • 153

integridade da sociedade. Segundo Devlin, a integridade de uma socie-dade é mantida muito em função dos vínculos do pensamento comum, ou seja, pela existência de um acordo acerca do que é bom ou ruim. Se é assim, a sociedade teria o direito de realizar julgamentos morais e de impor a sua moralidade por meio do direito. Isso porque, desfeito o acordo moral que estrutura a sociedade, esta última colapsaria.

H. L. A. Hart escreveu livro intitulado Law, Liberty and Mora-lity3, em cujo prefácio anuncia o objetivo de rebater as ideias centrais do argumento de Devlin. Uma primeira crítica importante apresen-tada por Hart diz respeito à maneira como Devlin concebe o vínculo entre moralidade convencional e a preservação da sociedade. Para Hart, a associação tal como afirmada por Devlin é empiricamente equivocada, bem como parece promover de forma dogmática e irre-fletida a conservação tanto da moralidade convencional quanto da sociedade tal como existe em determinado tempo e lugar.

Ademais, Hart afirma ser possível justificar, por meio de uma ver-são do argumento utilitarista, qual seja, o argumento do paternalismo jurídico, os institutos que Devlin afirma serem somente explicáveis en-quanto mecanismos de imposição da moralidade social convencional.

O presente trabalho pretende defender, por um lado, que a me-lhor forma para compreender as nossas convicções acerca da correção dos institutos de direito penal debatidos pelos dois autores é admi-tindo que aquilo que socialmente operamos é de fato uma imposição de uma moralidade social que não se resume ao utilitarismo. Nesse ponto, Devlin apresenta os melhores argumentos.

Contudo, defendemos que algumas críticas de Hart à maneira como Devlin valoriza a moralidade convencional e concebe sua rela-ção com a preservação da sociedade são também acertadas. Acredi-tamos que, nesse ponto, as críticas de Ronald Dworkin4 à maneira como Devlin concebe a moralidade são importantes para boa com-preensão da natureza de nossas convicções morais e da relação que existe e que deve haver entre direito e moral.

154 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Notas

1 Os argumentos de Devlin se encontram em palestras publicadas em DEVLIN, Lord. The Enforcement of Morals. New York: Oxford University Press, 1965. O magistrado foi provocado à reflexão em função da necessidade de realizar pa-lestra na área de teoria do direito, tendo selecionado enquanto tema de par-tida de sua exposição o argumento teórico avançado no relatório do Comitê Wolfenden, de 1957, comissão inglesa formada para discutir a legislação con-cernente a prostituição e a crimes relacionados ao comportamento sexual.2 Ressalta-se que Devlin reconhece que o fato de o arranjo normativo po-sitivo de determinada sociedade não refletir um determinado argumento teórico não indica, por si só, a falta de pertinência ou correção do referido argumento teórico. O argumento teórico pode pretender a modificação das instituições existentes se essas não se mostram teoricamente sólidas.3 HART, Herbert L. A.. Law, liberty and morality. Stanford: Stanford University Press, 1963.4 Exploramos, em especial, DWORKIN, Ronald. Lord Devlin and the enfor-cement of morals. Yale Law Journal. v. 75, p. 986 - 1005, 1966.

o enSino religioSo nAS eScolAS públicAS

Lucas de Barros Peron MacielBacharel em Direito pelas Faculdade Integradas Vianna Júnior. Pós-

graduando em Direito Tributário pela UCAM/IDS/Intejur. Bacharelando em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogado. Brasil.

[email protected].

No presente resumo se exporá o debate sobre a questão do en-sino religioso nas escolas públicas, analisando, em primeiro lugar, a importância que a educação possui no desenvolvimento do país, e como esta importância alcançou o status de garantia constitucional, constando na Carta Magna tanto o direito ao acesso a educação bá-sica, conferido a todos os cidadãos, como o fato de ser a educação religiosa uma das disciplinas consideradas fundamentais ao desen-volvimento das crianças em cidadãos conscientes e dispostos a dar efetividade aos princípios norteadores do Estado brasileiro.

Diante deste cenário, levanta-se algumas considerações sobre a educação religiosa nas escolas, visto que, além de seu conteúdo ainda não possuir um objeto claro de estudo, quão menos uma metodologia de pesquisa e ensino definidas, há a questão do estudo religioso se tra-tar de matéria facultativa, devendo o ente político que oferta o ensino religioso também ofertar matérias alternativas para aqueles que preten-derem não cursar a disciplina religiosa, trazendo as dúvidas sobre se se-ria mesmo razoável colocar a responsabilidade sobre cursar ou não uma matéria da grade curricular nas mãos daquele aluno; se esta responsabi-lidade de decidir se o aluno cursaria ou não a disciplina estaria dirigida aos tutores da criança; seria justo, considerando a situação psicológica em desenvolvimento das crianças e jovens, coloca-los como indivíduos anômicos ao meios social em que se inserem por recusarem-se a parti-cipar das disciplinas religiosas. São varias as dúvidas que são levantadas ao se analisar a oferta de ensino religioso nas escolas públicas.

Em um segundo ponto, confronta-se a lei de diretrizes e bases da educação nacional, analisando seu texto e sua teleologia, identifi-

156 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

cando pontos de conflito quanto aos interesses de desenvolvimento de uma educação nacional de qualidade (incluindo-se todos os ní-veis) e os dogmas doutrinários praticados pelas manifestações reli-giosas, demonstrando o quanto que estas podem ser contraditórias e o quanto estas podem repelir-se mutuamente, posto que muitas, ao se declararem como verdades absolutas, rejeitam qualquer forma de pensamento que seja contrário ao seus ensinamentos.

No último ponto, tratar-se-á da Ação Direta de Inconstitucio-nalidade no 4.439, proposta pela Procuradoria Geral da República, em que se discute a constitucionalidade do Decreto no 7.107, que promulgou o acordo celebrado entre Brasil e a Santa Sé. Entre os vários pontos tratados neste acordo, há o tema específico do ensino religioso, em que o país acordou com o representante e coordenador mundial de uma determinada denominação religiosa sobre a forma com que o ensino religioso deveria ser apresentado nas grades curri-culares das escolas públicas.

Em tal acordo, o que mais chama a atenção é a redação de seu art. 11, que declara que o ensino religioso, respeitando o direito de crença e demais liberdades constitucionais, garantirá nas grades curriculares o en-sino religioso católico ou de outras religiões, o que se verifica frontalmen-te contrário aos preceitos determinados na Constituição da República.

Neste contexto que a ADI é apresentada evocando a inter-pretação que deve ser atribuída ao texto constitucional e ao acor-do celebrado, levando-se em consideração o Estado laico e o ensino secularizado, requerendo que haja uma interpretação conforme a constituição, para que somente desta forma possa se dar validade ao acordo celebrado e efetividade ao seu texto.

Ainda se infere, exemplificando, algumas controvérsias sobre a possibilidade de um ensino católico nas escolas públicas e sua colisão de ideários com aqueles que norteiam o Estado brasileiro.

mínimo exiStenciAl e liberdAdeS: interfAceS A pArtir dA teoriA do deSenvolvimento como liberdAde

Matheus Medeiros MaiaEstudante da graduação em Direito da Faculdade de Direito Santo

Agostinho (FADISA), Brasil. [email protected].

Talita Soares MoranMestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes

Claros (Unimontes). Professora do Curso de Direito da Unimontes e da Faculdade de Direito Santo Agostinho (FADISA), Brasil. [email protected]

O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2014 (RDH-2014), divulgado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), identificou que, nos países em desenvolvimento, quase 1,5 bilhões de pessoas vivem na pobreza multidimensional, ou seja, com privações de direitos fundamentais sociais como saúde, educação e proteção social latu sensu. Os dados traduzem a ideia de que pessoas que não usufruem de um mínimo existencial vivem em pobreza multidimensional. A teoria do mínimo existencial estabelece que o ser humano, para ter uma vida com dignidade, deve usufruir de uma gama mínima de direitos e condições materiais indispensáveis à sobrevivência. Dada a amplitude numérica de pessoas que vivem na pobreza multidimensional, com privação do direito ao mínimo existencial, se torna pertinente questionar se essas pessoas seriam ca-pazes de exercer suas liberdades. Liberdades é termo plurívoco. Pode representar desde a autonomia privada do ser humano, sua liberdade de ir e vir, expressar-se, pensar, professar sua fé, associar-se, exercer a livre iniciativa, até uma concepção mais moderna, entendida como o poder do ser humano buscar ser o que ele valoriza para si. O presente trabalho se propõe a estabelecer um elo entre o direito ao mínimo existencial e o exercício das liberdades humanas latu sensu. Objeti-va-se, através de um método dedutivo e procedimento bibliográfico, demonstrar que a impossibilidade de acesso, por parte do ser huma-

158 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

no, ao direito ao mínimo existencial gera a pobreza, entendida por Sen (2010) como privação das capacidades reais. Sen (2010) defende que a pobreza não deve ser entendida como mera privação de ren-das, mas sim, como privação das capacidades, compreendidas como as liberdades substantivas para que as pessoas possam buscar a vida que têm motivos para apreciar. Entretanto, apesar da pobreza não se resumir à baixa ou inadequada renda, esta exerce grande influência na privação das capacidades, uma vez que, a ausência de renda é uma predisposição ao estado de pobreza. Sob essa perspectiva teórica, o ser humano que não tem acesso à saúde, educação, alimento, moradia e renda tem suas liberdades reais ameaçadas, uma vez que, não usufrui das condições mínimas necessárias à busca do que ele quer e valoriza para si. O ser humano, nestas condições, tem mera liberdade de lutar para sobreviver. O direito às liberdades não se esgota com a possibili-dade do ser humano lutar para sobreviver, pelo contrário, ele é muito mais amplo. As pessoas verdadeiramente vítimas da opressão socioe-conômica, sem acesso às condições mínimas de sobrevivência digna, têm restringidas suas liberdades e demais direitos análogos. A teoria do desenvolvimento como liberdade elaborada por Sen (2010) é alvo de algumas críticas, principalmente no que diz respeito a uma supos-ta abstração de sua obra. Alguns críticos alegam que Sen (2010) não fez nada mais que outros filósofos já fizeram, ou seja, elaborou uma teoria, todavia, sem identificar os meios para alcançar sua aplicabili-dade. Em verdade, a teoria seniana é de grande utilidade prática. A premissa de que um Estado se desenvolve quando enfrenta a pobre-za, oferecendo à população condições para o exercício de suas capa-cidades, realmente, influencia no exercício das liberdades humanas. As pessoas que não têm acesso à educação de qualidade, moradia, alimento e saúde, têm suas capacidades restringidas. Estas pessoas ficam presas a uma realidade em que o único objetivo possível de se alcançar é sobreviver. A título de exemplo, uma pessoa que não sabe ler não exercerá com excelência sua liberdade política de escolher seus representantes. Um doente sem acesso à serviços de saúde de quali-dade não exercerá sua liberdade de buscar ser o que valoriza, e em

Liberdades democráticas e suas restrições • 159

muitos casos, sequer exercerá sua liberdade de ir e vir. Conclui-se que, sob a perspectiva seniana de pobreza como privação das capa-cidades, o ser humano que não usufrui do mínimo existencial tem suas capacidades restringidas e, por conseguinte, a impossibilidade do exercício das liberdades reais e direitos correlatos. Em outras pa-lavras, o mínimo existencial poder ser visto como um pressuposto ao exercício das liberdades humanas latu senso.

Palavras chave: Mínimo Existencial; Liberdades; Teoria do Desen-volvimento como Liberdade.

Referências

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Compa-nhia das Letras, 2010.

perSpectivA Alemã AcercA dAS peSquiSAS envolvendo dnA humAno: liberdAde de peSquiSA, direitoS dA perSonAlidAde e

direitoS pAtrimoniAiS

Vítor Carvalho MirandaMestre em direito alemão pela Universidade de Passau (Universität Passau),

Alemanha.

Os caminhos enveredados pela pesquisa frequentemente trazem questões jurídicas inéditas, lançando novas luzes sobre conhecidos institutos. Atualmente, alguns dos mais interessantes questionamen-tos vêm sendo trazidos pelas pesquisas acerca do genoma humano.

Per se, a possibilidade de pesquisar e decodificar o DNA já levan-ta vozes contrárias: umas, baseadas na princípio da precaução, temem as possíveis consequências adversas; outras, em razão de influências mor-mente religiosas, objetam tais pesquisas pois se estaria brincando de Deus.

Em meio a essa polêmica, a União Europeia promulgou Diretiva 98/44/CE, um instrumento cujo objetivo é harmonizar a legislação in-tra-bloco, fornecendo linhas gerais que devem ser seguidas pelas leis in-ternas dos países membros. Esta especificamente obriga os países mem-bros a adequar suas normas para que permitam patentes de genes ou sequências genéticas humanos, dentre outras invenções biotecnológicas.

No processo C-377/98 R, do Reino dos Países Baixos vs. Parla-mento Europeu e Conselho da União Europeia, relativo à Diretiva, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que a patente-abilidade do material genético humano, atendidos os requisitos da Diretiva, tais como novidade e aplicabilidade industrial, não violaria a dignidade humana, até mesmo porque a própria Diretiva conteria dispositivos aptos a resguardá-la.

No ordenamento jurídico alemão, a parte da Diretiva atinente às patentes genéticas humanas tornou-se o § 1a II da Patentgesetz, cuja redação é idêntica à do art. 5º II da Diretiva 98/44/CE.

Liberdades democráticas e suas restrições • 161

Dessa forma, alguns dos envolvidos passaram a ter boa parte de seus interesses expressamente resguardados pelo ordenamento jurídi-co, pois se possibilita que o fruto das pesquisas possa ser protegidos pelas patentes, o que, contudo, traz consigo indagações além da liber-dade de pesquisa e da proteção das descobertas.

O Human Genome Organization, iniciativa plurinacional para a pesquisa genética, entende que o tipo de pesquisa mais promissor é aquele que, ao invés de investigar aleatoriamente a população em geral, com grande variabilidade genética e menores chances de desco-bertas, privilegia famílias com doenças genéticas extremamente raras, haja vista que as descobertas realizadas, neste grupo, beneficiariam grupos maiores com doenças mais comuns. Além disso, salienta-se que, como no tipo de pesquisa mais promissor o grupo de pessoas é menor e as características relevantes mais facilmente delineáveis, há grande probabilidade de alguma característica inerente à personalida-de de pessoas determináveis serem objeto de patente.

O caso John Moore v. The Regents of the University of California et al. (271 Cal. Rptr. 146, 793 P. 2d 476 [1990]) é paradigmático em pesquisa com substâncias humanas. O autor buscou o hospital da Universidade da Califórnia para tratar de uma leucemia. Neste tratamento teve seu baço extirpado e, sem seu conhecimento ou sua autorização, foi pesquisado, a qual culminou em uma linhagem celu-lar patenteada, cujos direitos pertencem à Universidade e à empresas farmacêuticas cofinanciadoras das pesquisas com o material biológico de Moore e sã responsáveis pela fabricação e comercialização dos in-sumos delas resultantes. A pretensão indenizatória não foi objeto de decisão judicial em razão de acordo extrajudicial. A linhagem celular ainda é comercializada e possui valor estimado de US$ 3 bilhões.

Na Alemanha, em regra, a cessão de material biológico humano deve ser feita gratuitamente, v.g. sangue para fins de transfusão (§ 1 da Transplantationsgesetz). Essa, contudo, não é uma regra absoluta. Assim, quando a cessão ocorrer para pesquisa científica ou não obje-tive transplantes ou fabricação de medicamentos, é possível que haja

162 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

alienação onerosa desse tipo de material, no que enxergamos possí-veis reflexos patrimoniais de direitos da personalidade.

A jurisprudência alemã, desde o caso Zeppelin, decidido pelo Reichsgericht (RGZ 74, 308, de 1903) admite reflexos patrimoniais dos direitos da personalidade. Isso foi reafirmado no caso Marlene Dietrich pelo Bundesgerichtshof (BGHZ 143, 214), no qual, ino-vando, concluiu-se pela transmissibilidade desses reflexos por meio do direito sucessório. Em 1982, no caso “Wilhelm S. GmbH” (BGH II ZR 51/82), ao discutir a possibilidade de a massa falida alienar a firma empresarial, independente de outros bens e valores da empresa, o Bundesgerichtshof,foi além e entendeu que um direito da persona-lidade especial pode se tornar autônomo em relação ao indivíduo e ser alienado, mesmo contra a vontade da pessoa que o originou.

Ante à exposição das soluções jurídicas encontradas alhures e da constatação de lacunas presentes também lá, pode-se identificar a necessidade de melhoria existente em nosso ordenamento no re-gramento das liberdades aqui aventadas (liberdade de pesquisa, au-tonomia privada, direitos de propriedade e personalidade), para que seu exercício não seja sobremaneira dificultado ante a imposição de enorme ônus argumentativo para fazer valer seus direitos fundamen-tais, como, por exemplo, ao ter que se lançar mão de mecanismos subsidiários como as ações que visam a sanar as omissões legislativas ou se fazer valer da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

reflexõeS Sobre A liberdAde religioSA e o diScurSo de ódio no eStAdo democrático de direito

Natália Torquete MouraMestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa. Professora do Centro Universitário UniBH. Consultora Técnico-legislativa na Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais

de Minas Gerais (SECCRI). Brasil. E-mail: [email protected]

A liberdade de expressão, um dos direitos fundamentais elenca-dos no rol dos direitos e das garantias do art. 5º da Constituição da República de 1988, extraída dos enunciados normativos dos incisos IV e IX que, respectivamente, referem-se à liberdade de manifestação do pensamento, e à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censu-ra ou licença, desdobra-se em outros direitos fundamentais, como a liberdade de participação política, a liberdade de aprender e ensinar, a liberdade de criação e divulgação da obra artística, entre outras, conjunto que se pode denominar de normas da liberdade de expressão.

No presente trabalho, faz-se um recorte dentro desse objeto mais amplo das normas da liberdade de expressão e opta-se por tratar, especificamente, da norma da liberdade religiosa com o propósito de evidenciar, de forma analítica, quais os interesses e razões que apon-tam os limites do exercício dessa liberdade. Há que saber o que fazer relativamente às condutas expressivas que visam defender e promover a desigualdade social ou entre grupos de pessoas, nas suas diversas manifestações (étnicas, raciais, sexuais, etc.).

A liberdade religiosa não pode contribuir para discriminar e su-balternizar minorias étnicas, mulheres e homossexuais, acentuando a posição de subordinação desses seguimentos, questão que diz respei-to ao discurso de ódio (hate speech).

A opção pelo estudo do direito à liberdade de religiosa justifica--se, primeiro, pela atualidade da questão, já que no Brasil, são recen-

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tes e frequentes os embates públicos que no uso do direito à liberdade religiosa, incitam ou defendem o combate à determinada minoria, com fundamento no exercício da liberdade de expressão religiosa. Exemplo disso foi o discurso usado pelo candidato à presidência, Levy Fidélix, em dois debates transmitidos pelos principais canais de TV aberta do país onde, deliberadamente, o candidato propôs à sociedade cristã uma atitude de combate à minoria homossexual. Em segundo lugar, a opção justifica-se pelo fato deste ser um direito fundamental emblemático no que diz respeito à questão da oposição potencial entre Estado de Direito (direitos fundamentais) e princípio democrático. Basta pensar em uma maioria no poder, pressupondo--se que tal poder teve origem e legitimação democráticas, em que o governo ou a própria maioria parlamentar utilizem meios para ame-açar a liberdade religiosa, ou, por outro lado, considerando que a liberdade de expressão nas sociedades atuais pertence aos poderosos, imagine que esse mesmo governo ou maioria parlamentar conceda a possibilidade de utilizar as palavras para construir, com total impuni-dade uma realidade de desigualdade e subordinação de determinados grupos, ou seja, permita o uso do discurso de ódio.

Nessa perspectiva, o trabalho versará, de forma breve, as principais doutrinas relevantes para o tema, identificando alguns dos principais con-flitos normativos que podem decorrer da relação entre a norma da liberda-de religiosa, o princípio democrático e o princípio do Estado de Direito.

Palavras-chave: Discurso de ódio. Liberdade de expressão. Liberda-de religiosa. Princípio democrático. Estado de Direito.

lAicidAde, eStereótipoS e o “outro”: umA converSA com JeAn bAubérot Sobre o cASo frAncêS

Maria Fernanda Salcedo RepolêsProfessora Adjunta dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade

de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com bolsa Cnpq.

Francisco de Castilho PratesBacharel, Mestre e Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista do Capes/DS.

A comunicação pretende abordar, a partir de teses desenvolvidas pelo pensador Jean Baubérot, algumas questões que versam sobre a relação entre liberdade religiosa e laicidade no cenário francês após a edição, nos anos de 2004 e 2010, de legislações que vedam o uso de símbolos religiosos taxados como ostensivos nas escolas e espaços públicos, as quais receberam a denominação de “Leis do Véu”, já que atingiriam, principalmente, os véus islâmicos que cobrem todo ou quase todo o rosto das mulheres mulçumanas.

Estas leis foram justificadas pela necessidade de se defender a dimensão republicana do laico, a igualdade de gênero e a redução das tensões sociais de base religiosas existentes, como que afirmando que “se ninguém expuser publicamente sua orientação religiosa, ao me-nos ostensivamente, os conflitos serão reduzidos”, isto é, as legislações francesas restringiriam condutas religiosas no espaço público, procu-rando enviá-las e mantê-las no privado.

Todavia, para o citado Jean Baubérot, haveria, subjacente a es-tas normatividades, uma instrumentalização política do sentido do laico, uma verdadeira “falsificação”, convergindo com o crescente fe-nômeno, observado não apenas na França, de aversão ao estrangeiro, ao diferente, aversão esta que, principalmente após os atentados de 11 de setembro em Nova York, Estados Unidos, recebeu uma face mulçumana, isto é, como escreve Baubérot, “o Islã torna-se a repre-

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sentação da imigração perigosa”. Com efeito, como salientou uma vez o ex-Presidente Nicolas Sarkozy, a laicidade, na França, não pode se desvincular da identidade francesa de raízes cristãs (“racines chrétien-nes”), identidade esta que exigiria uma certa adaptação ou acomodação da fé islâmica no interior da sociedade francesa. Esta estratégia de se traduzir a laicidade a partir do confronto com o pluralismo religioso pode estar ocultando, nas entrelinhas, um discurso anti-imigração, bastando ressaltar o fato de que, na atualidade, uma das maiores de-fensoras do estado laico é a líder do partido da extrema direita Frente Nacional, Marine Le Pen, conhecida por suas posições radicalmente contra os imigrantes, o que conduziu Jean Baubérot a ironizar, afir-mando que a mesma parlamentar era “la championne de la laïcité dominante”. A título ilustrativo, devemos lembrar que, entre tantos outros momentos, a referida Marine Le Pen comparou os religiosos mulçumanos existentes nas ruas francesas (“prières de rue”) a uma ver-dadeira ocupação do território da França, como a ocorrida durante a Segunda Grande Guerra, só que sem tanques ou soldados.

Diante de interpretações instrumentalizadas e “fechadas” da lai-cidade, não estaria havendo como que uma “subordinação” ou “predo-mínio” da noção de identidade nacional enquanto unidade, em relação a identidade constitucional e a sua dimensão pluralista? A exigência de laicidade não estaria sendo posta, primeira e principalmente, aos ci-dadãos e não ao Estado francês, colocando em xeque a própria noção de liberdade de consciência? Como anota Baubérot, esta laicidade, que chamaríamos de identitária e cultural, não estaria atrofiando as liberdades individuais e denegando a própria separação entre o poder do Estado e o poder religioso? Com efeito, diferentes orientações e identidades religiosas podem, com justificativa da defesa da laicidade, serem enviadas apenas ao privado?

Em suma, estaríamos ou não diante de um contexto em que as restrições aos direitos fundamentais soariam, em realidade, como condição de possibilidade da democracia constitucional, não sendo exclusivamente direcionadas a “certos” movimentos religiosos, mas sim a todos aqueles “fundamentalismos”, incluindo os “nacionalismos

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secularistas”, não sendo estratégicas responsivas e/ou midiáticas? Isto é, pode-se, dentro de uma democracia constitucional de base plural, ve-dar-se a exposição pública de símbolos e condutas religiosas, como o véu islâmico, tendo como fundamento de legitimação a defesa da laicidade e como justificativa o interesse público de diminuir tensões sociais e preser-var a autonomia e liberdade das mulheres?

Apropriando-nos de um pensamento desenvolvido por Newton Bignotto ao refletir sobre as tensões entre tolerância e diferença, tam-bém indagaremos se não estaria ocorrendo como que um processo de “nomear o outro e mesmo persegui-lo”, onde esta ação de constituir a diferença não estaria, nas entrelinhas, pretendendo “criar a identidade do corpo político pela sua negatividade” (BIGNOTTO, 2004: 68).

O que buscaremos é tentar iluminar o que subjaz nas sombras de leis como as francesas, isto é, o potencial emprego estratégico da defesa da laicidade, de direitos, como forma de subordinar, além de uma enorme pretensão normativa de se procurar configurar e contro-lar a construção das identidades pessoais, da vida, através de “leis”, des-conhecendo a dimensão do risco, de produzir-se o que se busca com-bater: o reforço de identidades religiosas de postura fundamentalista.

Observe-se que o pano de fundo de nossas indagações e asserti-vas é o constitucionalismo e suas exigências modernas de liberdade, igualdade e diferença, de pluralismo constitutivo, onde a identidade constitucional reflete uma abertura e uma incompletude normativa em relação aos direitos fundamentais, os quais exigem, de modo cres-cente, maior problematização diante de disposições restritivas.

Palavras-Chave: Laicidade, Instrumentalização, Exclusão, Demo-cracia Constitucional.

o direito Ao eSquecimento (right to oblivion)

Leonardo Netto Parentoni Currículo Lattes completo: http://lattes.cnpq.br/3612200644224606

Como afirmado num dos mais tradicionais escritos sobre o tema, do século XIX, as questões afetas à privacidade são tão antigas quanto a própria humanidade (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 193). A despeito disto, é preciso, de tempos em tempos, enfrentar novos desafios e repensar o alcance desse direito.

Já naquela época, preocupava-se a doutrina norte-americana com uma faceta da privacidade conhecida como o “direito de ser deixado em paz” (right to be let alone), a qual carecia de tratamento específico, tanto na legislação quanto na jurisprudência. Na época, as ameaças a esse direito provinham, principalmente, de algumas recen-tes invenções mecânicas, como a máquina fotográfica instantânea, ou da mudança de hábitos sociais, que propiciaram a proliferação dos jornais sensacionalistas (yellow journalism).

Vem dessa época a célebre frase de Warren e Brandeis segundo a qual: “o que é sussurrado no closet pode vir a ser proclamado, em alta voz, a partir do telhado” (Ibid., p. 194). Ou seja, há mais de um século os citados autores advertiram que as modificações sociais e o advento de novas tecnologias estavam expondo aspectos da vida privada, contra a vontade das pessoas, muitas vezes com o intuito comercial de lucro.

Se, por um lado, a preocupação com o tema não é nova; por outro, o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, princi-palmente com a invenção dos computadores pessoais e da internet, trouxe uma miríade de problemas e questionamentos referentes à privacidade, anteriormente inimagináveis (SOLOVE, 2008, p. 04). A internet relativizou distâncias, permitindo a comunicação pratica-mente instantânea entre partes opostas do mundo, com som e ima-gens de alta definição. E, juntamente com os benefícios, o progresso tecnológico trouxe também novos riscos.

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Adaptando a clássica frase de Warren e Brandeis a esta nova realidade, pode-se afirmar que, atualmente: o que é sussurrado no closet pode vir a ser reproduzido não apenas no telhado e para pou-cas pessoas, mas em qualquer canto do mundo, para um número indeterminado de pessoas, a um custo geralmente muito baixo. E mais, pode continuar sendo reproduzido indefinidamente, enquanto houver alguém interessado em acessar esse conteúdo, mesmo contra a vontade dos sujeitos envolvidos.

Em razão de suas próprias características estruturais, a internet reacendeu as discussões a respeito da privacidade. De um lado, há quem sustente que cabe ao indivíduo, em última análise e por sua única vontade, decidir se deseja ou não tornar públicos aspectos de sua vida privada. Quem assim pensa admite um direito fundamental da pessoa em retirar da internet informações a seu respeito. Alguns até consideram esta faculdade como parte dos direitos humanos. Em sentido oposto, há quem faça uma ponderação entre a pretensão in-dividual ao esquecimento e o interesse coletivo de certas informa-ções, de maneira a justificar a publicação e preservação destas últi-mas, mesmo contra a vontade dos envolvidos.

Este trabalho insere-se no citado debate, realizando uma ponde-ração de valores entre memória e esquecimento, à luz do tratamento de dados pessoais. Não tem por objetivo limitar-se a comentar o texto da recente proposta de Regulamento Comunitário Europeu, mas sim contextualizar juridicamente o direito ao esquecimento de forma am-pla, enfocando seus antecedentes judiciais e normativos, bem como traçar-lhe a natureza jurídica, objeto, legitimidade ativa e passiva, prazo para exercício, limites e barreiras tecnológicas à sua plena efetivação.

Referências:

SOLOVE, Daniel. Understanding Privacy. Cambrige: Harvard University Press, 2008.

WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Har-vard Law Review. Cambridge: Harvard University Press. v. IV, n. 05, p. 193-217, Dec. 1890.

o chumbo e o diScurSo: Jeremy WAldron e ronAld dWorkin Sobre liberdAde de expreSSão

Leonardo Gomes Penteado RosaBacharel e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Professor assistente de Teoria do Direito na Universidade Federal de Lavras. País: Brasil. Contato: [email protected] ou [email protected].

Em livro recente, Jeremy Waldron produziu – entre outros – um argumento interessante sobre o modo pelo qual a liberdade de ex-pressão é compreendida2. Waldron convida o seu leitor a considerar as consequências de se pensar a regulamentação do meio-ambiente como alguns pensam a regulamentação do discurso, a saber, de modo a que se exija à limitação do discurso de ódio, por exemplo, que se mostre que há uma “causation” específica entre o discurso de alguém e o efetivo dano a outrem (“clear and present danger”)3. Se assim for, argumenta Waldron, seria o caso de que dele – como um motorista – não se demande o uso de filtros que diminuam a poluição causada por seu carro “a não ser que alguém possa mostrar que o meu carro causa poluição por chumbo em detrimento direto e dano iminente à saúde de indivíduos identificáveis”4. A sugestão é absurda e Waldron, é claro, quer com seu exemplo sugerir que devemos deixar de pensar a liberdade de expressão como por vezes fazemos em direção a esquema outro: por exemplo, o que usamos para proteger o meio-ambiente5.

Neste trabalho, minha ideia é criticar o exemplo (ou analogia, como diz Waldron) e o argumento construído em torno dele. Embora interessante a comparação, a cogência do argumento é colocada em questão por uma série de indagações que se podem fazer. Em especial, pelo menos tanto quanto parece haver uma “analogia” entre os danos provocados pela poluição proveniente de carros e os danos provoca-dos por certos tipos de discurso, há importante “desanalogia” entre o suposto direito do motorista de trafegar sem filtro e o do emissor do discurso de falar o que bem entender. Podemos tratar a liberdade de

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expressão como tratamos a liberdade – qualquer que seja, e que talvez nem exista – que justifique trafegar sem filtro no escapamento?

Meu objetivo é bastante restrito: pretendo enfrentar este ponto e talvez outros acerca do argumento de Waldron exposto acima. Apesar disso, acredito que seja possível chegar a considerações mais gerais acerca do tipo de considerações que se podem formular a favor de restrição da liberdade de expressão. Em especial, acredito que diver-sos aspectos da teoria dos direitos de Ronald Dworkin explicam e dão corpo à intuição de que o exemplo de Waldron tem desanalogia re-levante com a liberdade de expressão. Em poucas palavras, Dworkin rejeita a existência de um direito geral à liberdade6: para ele, o que há são direitos a liberdades específicas7, o que, se de um lado gera ônus de defesa individualizada destas liberdades8, de outro permite atenção ao fundamento de cada um delas – no caso da liberdade de expressão, uma exigência da justiça integrada a uma concepção de bem viver (em Dworkin, uma concepção de dignidade)9.

Assim, para Dworkin cada direito precisa ser justificado; disso decorrem pelo menos duas coisas: 1) nem tudo é direito – não há, por exemplo, direito de andar em ambas as mãos numa via pública10 e 2) os direitos que existem são fortes, isto é, não se submetem a espe-culação sobre as más consequências de certas hipóteses de seu exercí-cio11 e não se submetem ao jogo de interesses ordinário da política12 (aqui se insere a distinção dworkiniana entre princípios e políticas: quando não há direito, a questão se resolve por julgamento sobre a política preponderante, mas, quando há, juízo deste tipo é injusto13). Estas reflexões de Dworkin esclarecem a desanalogia que escapa a Waldron: as consequências ruins do discurso de ódio não justificam a sua violação da mesma forma que as consequências da poluição por chumbo justificam a exigência de filtro porque liberdade de expres-são é um direito forte enquanto trafegar sem filtros é faculdade que pode ser restrita sem perigo de atentar à dignidade do motorista. Daí não ser de mesmo tipo a justificação de restrição aceitável da liberda-de de expressão e a justificação de restrição aceitável da faculdade de trafegar com carro mais poluente; daí não se poder tratar uma coisa

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como se trata a outra. Por óbvio, isso não significa que nenhum tipo de discurso possa ser regulado ou proibido: significa apenar que não se pode tratar o discurso como se trata o chumbo.

Notas

1 Este resumo decorre da minha pesquisa de mestrado, que culminou em dissertação intitulada “O liberalismo igualitário de Ronald Dworkin: o caso da liberdade de expressão”, defendida na Faculdade de Direito da USP em 10.02.2014 em banca composta pelo orientador, prof. Ronaldo Porto Macedo Júnior, e pelos professores Rafael Mafei Rabelo Queiroz e Júlio César Casarin Barroso Silva, a quem agradeço pela presença na banca e pelas sugestões fei-tas; agradeço também aos professores Samuel Rodrigues Barbosa e José Rei-naldo de Lima Lopes pela presença e sugestões feitas na banca de qualificação (e fora dela). A minha pesquisa de mestrado foi financiada pela FAPESP, pro-cesso 2011/15618-4, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Reconheço e agradeço o financiamento da Fundação. “As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da FAPESP”. Pelo apoio, conversas, sugestões, revisões etc. agradeço à Renata do Vale Elias, à Luciana Silva Reis, ao Yuri Corrêa da Luz, ao Pablo Antônio Lago, ao Artur Péricles e ao Rodrigo Belda. Agradeço em especial ao prof. Ronaldo Porto Macedo Jr. pela orientação e aos participantes dos grupos de estudo que o professor tem realizado nos últimos anos na Faculdade de Direito da USP. Re-produção completa dos agradecimentos da dissertação é inviável pelo espaço que ocupam, mas fico à disposição por e-mail.2 Jeremy Waldron, The Harm in Hate Speech. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 2012.3 Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., pp. 96-7.4 Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., p. 97, traduzi, itálicos de Wal-dron (no original, “unless someone can show that my automobile causes lead poisoning with direct detriment and imminent harm to the health of assignable individuals”, p. 97, itálicos no original).5 Nas palavras do autor, um esquema que trabalhe com a ideia de que “(...) the tiny impacts of millions of actions—each apparently inconsiderable in itself—can produce a large-scale toxic effect that, even at the mass level, operates insidiously as a sort of slow-acting poison, and that regulations have to be aimed at individual actions with that scale and that pace of causation in mind”, Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., p. 97.

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6 Ronald Dworkin. “Que direitos temos?” in Levando os Direitos a Sério. Tra-dução Nelson Boeira. Revisão da tradução Silvana Vieira. São Paulo: Mar-tins Fontes, 2001; no original, Ronald Dworkin. “What Rights Do We Have?” in Taking Rights Seriously. London: Gerald Duckworth & Co. Ltd, 2005 (ter-ceira impressão), publicado inicialmente em 1977.7 Ronald Dworkin. “O lugar da liberdade” in A virtude soberana: teoria e prática da igualdade. Tradução Jussara Simões; revisão técnica e da tra-dução Cícero Araújo e Luiz Moreira. São Paulo: Martins Fontes, 2005; no original, Ronald Dworkin. “The Place of Liberty” in Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality, Cambridge/London: Harvard University Press, 2001 (terceira impressão).8 Veja nota acima e também Ronald Dworkin “Levando os Direitos a Sério” in Levando os direitos a sério, op. cit.; para o original, veja “Taking Rights Seriously” in Taking Rights Seriously, op. cit..9 Ronald Dworkin. Justiça para Ouriços. Tradução Pedro Elói Duarte, Revi-são Joana Portela, Coimbra: Almedina, 2012, caps. 9 e 17; no original, Ron-ald Dworkin. Justice for Hedgehogs, London/Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2011, caps. 9 e 17. Veja ainda Ronald Dworkin, “Por que a liberdade de expressão?” in O direito da liberdade: a leitura mo-ral da Constituição norte-americana. Tradução Marcelo Brandão Cipolla, revisão técnica Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Martins Fontes, 2006; no original, Ronald Dworkin, “Why Must Speech be Free?” in Freedom’s law: the moral reading of the American Constitution. Cambridge (Mass.): Har-vard University Press, 1996.10 Ronald Dworkin “Levando os Direitos a Sério” in Levando os direitos a sé-rio, op. cit., p. 293; para o original, veja “Taking Rights Seriously” in Taking Rights Seriously, op. cit., pp. 191.11 Ronald Dworkin, “Levando os Direitos a Sério”, op. cit., esp. pp. 289-90, 310; no original, veja “Taking Rights Seriously”, op. cit., esp. p. 188, 202.12 Ronald Dworkin, “Devaluing Liberty”. Index on Censorship, 1988, 17: 7.13 Ronald Dworkin “Casos difíceis” em Levando os direitos a sério, op. cit., pp. 141 e ss.; no original, Ronald Dwrokin “Hard Cases” in Taking Rights Seriously, op. cit., pp. 90 e ss.. Veja ainda Ronald Dworkin, “Temos direito à pornografia?”, “O caso Farber: repórteres e informantes” e “A imprensa está perdendo a Primeira Emenda?”, os três em Uma questão de princípio. 2ª Ed. Tradução Luís Carlos Borges. Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2005; para o original, Ronald Dworkin, “Do We Have a Right to Pornography?”, “The Farber Case: Reporters and Informers” e “Is the Press Losing the First Amendment?”, os três em A Matter of Principle. London/Cambridge(Massachusetts): Harvard University Press, 1985. Veja ainda Ronald Dworkin, “Devaluing Liberty”, op. cit.

liberdAde de expreSSão e democrAciA: plurAliSmo e JuStiçA nAS SociedAdeS contemporâneAS

Marina França SantosDoutoranda – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Brasil –

[email protected].

Estados Unidos e Brasil. Em comum, duas democracias em construção, fundadas, dentre os seus mais basilares princípios, na ga-rantia da liberdade. Em ambas as histórias contemporâneas, um coin-cidente debate público em que se reivindica, justamente, a melhor concepção acerca destes idênticos valores: a democracia e a liberdade de expressão. Mais especificamente, disputa-se a compatibilidade ou não do regime democrático com a restrição, pelo Estado, da utiliza-ção desses bens escassos e cruciais à liberdade de expressão que são as vias públicas de comunicação. O presente trabalho nasce a partir dos debates promovidos sobre o controle da propaganda eleitoral, por ocasião do julgamento pela Suprema Corte dos EUA do caso Citizens United vs Federal Election Comission, e sobre o controle da mídia, em função das iniciativas de produção de um marco regulató-rio brasileiro da comunicação, ambos responsáveis por trazer à tona posições contrastantes sobre a relevante questão da legitimidade da imposição de limites à liberdade de expressão nas sociedades demo-cráticas contemporâneas. No caso norteamericano, o Judiciário ana-lisou a pretensão da organização “Cidadãos Unidos”, obstada, pela Comissão Eleitoral Federal do Distrito de Columbia, de divulgar o filme Hillary. The Movie, produção destinada à crítica de uma das principais candidatas nas prévias do Partido Democrata na eleição presidencial norte-americana de 2008, a então senadora Hillary Clin-ton. No Brasil, a discussão do marco regulatório da comunicação e do controle social da mídia passou pelos três poderes da federação: no Congresso Nacional, com a análise de dois Projetos de Lei (Projeto nº 6.817, de 2002, e 3.985, de 2004) que pretendiam criar, respecti-

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vamente, a Ordem dos Jornalistas do Brasil e o Conselho Federal de Jornalismo, no Governo Federal, com o lançamento de proposta de regulação no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos e no Su-premo Tribunal Federal, em razão do julgamento da ADPF 130, em que se questionava a recepção da Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) pela Constituição da República de 1988. A análise dos argumentos utilizados nas discussões públicas ocorridas nos dois países permite observar que, em ambos os casos, os lados opostos em disputa, con-quanto estivessem na defesa de políticas distintas, justificaram suas posições na proteção dos mesmos valores, a liberdade de expressão e a democracia, atribuindo-lhes, entretanto, condições e consequências jurídicas completamente distintas. Pretende-se demonstrar que tal divergência se deve à persistência de dois problemas teóricos, a existência de um forte hiato entre a concepção de liberdade de expressão defendida pela concepção hegemônica e o aprofunda-mento do caráter democrático das sociedades contemporâneas e, ao mesmo tempo, a persistência de uma dicotomia injustificável nos discursos sobre liberdade. A questão que se propõe enfrentar, portanto, sintetiza-se na indagação de qual a concepção de liberdade de expressão mais adequada às sociedades democráticas contemporâ-neas. Para tanto, será proposta uma análise de caráter político-nor-mativo que se vale da contribuição da teoria da justiça, por meio das concepções de liberdade contidas nos estudos de John Rawls, Michael Walzer e Ronald Dworkin, filósofos políticos contempo-râneos comprometidos com um projeto de identidade entre ética e política. Defende-se, finalmente, uma concepção de liberdade de expressão fundada na igualdade, com o sustentáculo irrecusável do pluralismo democrático contemporâneo.

A liberdAde de expreSSão e o público infAnto-Juvenil

Thaís Fernanda Tenórico SêcoMestre em direito civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Graduada em direito na Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora de pós-graduação lato sensu em direito civil na PUC-Minas, Juiz de Fora. País: Brasil.

Endereço eletrônico: [email protected].

É comum que a proteção ao público infanto-juvenil contra in-formações abusivas opere pela exclusão do conteúdo de esferas de seu acesso como escolas ou determinados horários de espetáculos públicos e programação de TV. Preservado o direito do público adulto de acessar qualquer conteúdo, tem-se por resguardada a liberdade de expressão. No entanto, essa não será uma solução satisfatória, ao menos com rela-ção a conteúdos especialmente direcionados a crianças e adolescentes.

Um caso ocorrido no Texas em 2010 pode ser revelador do pano de fundo ético-político que subjaz à questão. A obra ‘Brown bear, brown bear, what do you see?’, um inofensivo jogo de palavras com animais, cores, rimas e ritmo, foi excluída do programa de educação do esta-do pelo temor de que estivesse promovendo visões marxistas junto ao público infantil. Os temores partiram de uma confusão em torno do nome do autor, Bill Martin, que é homônimo de um professor de filo-sofia da Univerdade DePall em Chicago e autor de textos que criticam o capitalismo e o estilo de vida norte-americano. Em respeito à liber-dade de expressão, as obras “marxistas” voltadas para o público adulto permaneceram intocadas, mas ‘Brown bear...’ foi retirada das escolas.

Na verdade, os arranjos normativos do ordenamento, tanto quan-to as estruturas administrativas criadas para o fim de proteger a criança e o adolescente permitem indagar se existe, afinal, alguma liberdade de expressão que se afirme em relação ao público infanto-juvenil.

Por força do princípio do melhor interesse, toda norma jurídica assume feições peculiares diante da criança e do adolescente. Trata-se de um princípio de conteúdo aberto e assim deixado para ser preen-chido diante de cada caso concreto. O esvaziamento do princípio o

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transforma em pretexto de justificação para a flexibilização de diver-sas normas jurídicas nas mais diversas circunstâncias, as quais serão especialmente pertinentes com relação a temáticas de índole moral.

Em teoria, o princípio do melhor interesse indica uma circuns-tância especial em que o paternalismo se faz necessário. Mas, pela atri-buição descomprometida de interesses à criança e ao adolescente em cada caso, conforme a visão subjetivista daquele a quem se reconheceu a competência para fazê-lo, esse paternalismo, na prática, se transforma em “perfeccionismo moral” e em um mecanismo manipulador do tipo de mentalidade que se pretende vigente na sociedade do futuro.

Historicamente, o pensamento político em torno da criança e do adolescente tem apresentado problemas desde sua origem. Entendia-se no séc. XIX que uma criança filha de judeus preferiria uma educação cristã e, no séc. XX, que uma criança filha de mulher solteira preferi-ria ser adotada por uma “família estruturada”. O relativismo da moral convencional encontra na universalidade da moral pós-convencional um argumento e uma justificativa para fazer-se impor, mesmo em so-ciedades que buscam a promoção da pluralidade e da tolerância.

Mas foi com o nazismo que se percebeu a partir do pensamento evolucionista o potencial de transformação social contido nas gera-ções mais jovens. Elevou-se, então, a atenção política sobre a criança e o adolescente projetando sobre si “interesses coletivos” postos aci-ma de seus interesses pessoais. Não por acaso, Hitler expressamente mandou queimar os exemplares do clássico ‘Ferdinando, el toro’, por conter mensagem pacifista e valorizar a individualidade – a seme-lhança com o caso de ‘Brown bear...’ não deve ser desprezada.

Identifica-se uma fenda aberta no sistema de direitos pela qual podem diversas violações podem buscar justificativas de difícil des-construção. Podem ser citados diversos termos contidos no Projeto de Lei 5.921/2001, que visa regular a publicidade infantil, dentre os quais uma emenda que estabelece, para a “proteção da criança” que somente famílias formadas por homem e mulher podem ser repre-sentadas em anúncios publicitários.

178 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Para que a eleição dos conteúdos adequados ao público infan-to-juvenil perca a conotação de “ato discricionário” que tem impli-citamente assumido, e para que se faça viável um controle judicial e constitucional da questão e para que se faça possível um controle dos sentidos que têm sido atribuídos ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é preciso resgatá-lo do abstracionismo peri-goso em que tem sido mantido por meio do estudo das conotações que assume mediante hipóteses concretas.

O trabalho proposto visa contribuir com um esforço amplo de de-codificação do sentido jurídico-político de proteção à criança e ao ado-lescente, preservando a fluidez social que a permeia. A diversidade de dados nesta seara pode traduzir entendimentos importantes e necessários à construção de uma sociedade verdadeiramente tolerante e plural.

legitimidAde do controle de conStitucionAlidAde no mArco dA SepArAção funcionAl entre direito e políticA:

A JuriSdição conStitucionAl pode eStAr AbertA à deciSão com bASe em rAzõeS prAgmáticAS?

André Freire AzevedoAluno do curso de mestrado em Direito Constitucional no Programa de

Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Andrade Cattoni

de Oliveira. Pesquisador bolsista da CAPES-REUNI. Estagiário docente nos cursos de graduação em Direito e Ciências do Estado da UFMG. Graduado

em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2013. Advogado. Contato: [email protected].

Em brilhante obra recentemente lançada (Constitutional Courts and Deliberative Democracy), Conrado Hübner Mendes elabora a tese de que as cortes constitucionais podem e devem ser “delibe-radores especiais”, no sentido de que podem e devem desenvolver qualidades deliberativas sem as quais as democracias constitucionais restam empobrecidas. Partindo do pressuposto de que essa qualida-de não pode ser a elas presumidamente atribuída, o livro apresenta uma substantiva contribuição para o delineamento de um quadro conceitual sobre as variáveis envolvidas na análise do desempenho deliberativo das cortes constitucionais, tema ainda pouco explorado.

Para o autor, na prática não é possível verificar uma efetiva di-visão, em termos funcionais, entre a atividade de cortes constitucio-nais no controle concentrado de constitucionalidade e a atividade legiferante do parlamento. A atividade jurisdicional, nesse caso, não se encaixaria em noções rígidas de legislação ou adjudicação, mas teria natureza mais próxima da de um teste exógeno com atributos legislativos, distinto da atividade do parlamento apenas em termos estruturais e temporais, mas não em termos funcionais. A questão sobre se há uma justificação normativa ou não para essa atividade

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“legislativa” das cortes é então, diante dessa indistinção funcional, endereçada por meio da ideia de desempenho deliberativo como medida de legitimidade. Essa concepção seria argumentativamente mais ambiciosa do que a de cortes entendidas, por exemplo, como “tutoras da deliberação política” (como em Habermas) ou como “fóruns de princípio” (como em Dworkin). O modelo proposto é “pragmático ainda que principiológico” uma vez que, a despeito das constrições impostas pela linguagem jurídica – única que pode ser ade-quadamente empregada nesse fórum deliberativo específico – caberia à corte se basear em alguma medida “em seus instintos” para medir suas habilidades de manter as circunstâncias políticas sob controle, em um espaço aberto para considerações pragmáticas e consequencialistas.

O presente trabalho, reconhecendo a importância da obra ci-tada, tomou a questão específica da abertura do modelo proposto à possibilidade de decisão, por parte de cortes constitucionais, com base em argumentos pragmáticos, como uma provocação para a reali-zação de um estudo sobre essa questão específica. A jurisdição consti-tucional deve estar aberta à decisão com base em razões pragmáticas?

Dessa forma, o trabalho busca demonstrar que os modelos teó-ricos propostos por Habermas e Dworkin estão baseados numa fun-damentação normativa para a legitimidade democrática do controle de constitucionalidade que finca raízes na distinção entre direito e política (entre argumentos de princípio e argumentos de política, num autor como Dworkin; e entre justificação e aplicação normati-va, para Habermas, com Günther). Nesses modelos, as cortes consti-tucionais não aparecem como instituições cuja atuação é tautologica-mente legitimada pela sua mera existência fática na vida social, mas instituições com imperativos funcionais próprios, cuja legitimação concreta se vincula à imposição de constrangimentos epistemológi-cos específicos aos seus membros, justamente para que o controle de constitucionalidade não se confunda com o exercício de um “poder constituinte permanente” ou mesmo de um poder legislativo ordi-nário. A discricionariedade do aplicador do direito (pressuposta, por exemplo, pelo positivismo de Kelsen e Hart) é, em Dworkin e Ha-

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 181

bermas, um problema normativo quanto à própria legitimidade da atuação jurisdicional – em especial no controle de constitucionalida-de. O Judiciário não deve criar, mas aplicar o Direito.

Nesse contexto, o trabalho avança a tese de que se, por um lado – diante da proeminência que o controle concentrado de constitucio-nalidade no STF tem ganhado no Brasil e em uma sociedade aber-ta de intérpretes da constituição – a corte constitucional deve estar aberta, no controle concentrado de constitucionalidade, ao influxo de interpretações proveniente de uma esfera pública ampla, formal e informal, de forma que seu desempenho deliberativo é de fato um importante elemento de legitimação; por outro lado, a peculiar legi-timidade democrática das decisões tomadas em controle de constitu-cionalidade – que se distingue da legitimação pelo “princípio majori-tário” ou pelo processo político democrático – encontra fundamento normativo em uma separação funcional entre direito e política que pressupõe um caráter não pragmático dos discursos de aplicação das normas constitucionais, pois, com Habermas, “somente as instâncias que aplicam o direito legitimam-se pelo simples direito; isso, porém, impede que elas mesmas o normatizem”.

A SepArAção doS podereS e A expAnSão dA JuriSdição conStitucionAl: umA AnáliSe dA mutAção do

Artigo 52, x, cf/88

Adriano Souto BorgesMestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais –

UFMG. Especialista em Direito Processual pela Universidade Estadual de Montes Claros. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Brasil.

Endereço Eletrônico: [email protected].

No contexto da expansão pós-positivista da jurisdição consti-tucional no Brasil, o Supremo Tribunal Federal, antidemocratica-mente, tem avocado a si a prerrogativa de interpretar a Constituição de 1988 contrariamente a seu texto, em prejuízo da separação dos poderes (autonomia do Legislativo), na chamada tese da “mutação constitucional” - especificamente, no caso do artigo 52, X.

Assim, em que pese o texto normativo da carta política dizer que “compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, para os ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, o Senado teria apenas a função de dar “mera publicidade” às decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ou seja, a constituição teria sofrido uma mudança em seu sentido, muito embora não houvesse alteração de seu texto, pelo que se denomina “mutação constitucional.”1

No entanto, nota-se, facilmente, que a defesa da mencionada tese não significa apenas a atribuição de um novo sentido possível ao texto original. É óbvio que o STF “pretendia retirar o alcance do texto da norma e, então, constituir outro inteiramente diverso”2, como se a corte constitucional fos-se um verdadeiro “poder constituinte originário permanente”.3

Assim, pela referida tese, busca-se excluir um mecanismo cons-titucional de restrição ao próprio “judicial review”, de modo a am-pliar as atribuições do STF no controle difuso (através da expansão da abrangência dos efeitos de suas decisões) e restringir significativa-mente a participação do Senado a um reles publicizador das decisões.

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Isso tudo demonstra uma feição excessivamente forte4 do “judi-cial review”, que não encontra limites de interpretação nem na pró-pria constituição federal, já que, partindo das premissas defendidas na mutação, a constituição poderia vir a significar qualquer coisa que entenda a maioria dos ministros da corte judicial.

Assim, espera-se demonstrar a arbitrariedade (imprevisibilidade, falta de razão e ilegitimidade política) do referido tipo de deliberação pela corte suprema que subverte a autonomia do Legislativo e o próprio mecanismo de freios e contrapesos, dificultando a concepção de diálogos institucionais.

Em contrapartida, numa sociedade que discorda em questões morais, políticas, e, inclusive, jurídicas, pretende-se apresentar as vantagens da participação popular na construção do sentido e altera-ção da constituição, através da “regra da maioria” (do povo e, não, de juízes), sob a base filosófica do constitucionalismo político de autores como Jeremy Waldron. Para ele, “there is always a loss to democracy when a view about the conditions of democracy is imposed by a non-democratic institution, even when the view is correct and its im-position improves democracy.”5 Essa perda é muito maior, então, se a visão da corte é errada e sua imposição não melhora a Democracia, como é o caso da mutação defendida no artigo 52, X.

Portanto, o aspecto de democraticidade impõe, no mínimo, li-mites hermenêuticos ao “judicial review”. Desse modo, como alerta-ram Thomas Bustamante e Evanilda Godoi sobre a referida mutação constitucional, “If this interpretation prevails, a constitutional muta-tion implicitly derogating a particular Constitutional provision will be explicitly recognized.”6 E se a uma corte judicial tiver poderes para derrogar normas originais da constituição, isso seria o suprassumo da arbitrariedade judicial e, nas palavras de Montesquieu, sobre a con-centração de poderes, “tudo então estaria perdido” 7.

Notas

1 Gilmar Ferreira Mendes, “O papel do Senado Federal no controle de constitu-cionalidade: um caso clássico de mutação constitucional,” Revista de informação legislativa, v. 41, n. 162, abr./jun. (2004): 164-165, acessado em 05 de outubro de 2014. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/953>.

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2 Cruz, Álvaro Ricardo de Souza; Meyer, Emilio Peluso Neder; Rodrigues, Eder Bomfim. Desafios Contemporâneos do Controle de Constitucionalidade no Brasil. (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012), 117. 3 Streck, Lenio Luiz; Cattoni de Oliveira, Marcelo Andrade; Lima, Martonio Mont’ Alverne Barreto. “A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o con-trole difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição cons-titucional.” Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1498, 8 ago. (2007). Acesso em 05 de outubro de 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10253>. 4 “In a system of strong judicial review, courts have the authority to decline to apply a statute in a particular case (even though the statute on its own terms plainly applies in that case)” Jeremy Waldron, “The core of the case against judicial review,” The Yale Law Journal (2006): 1354.5 Waldron, Jeremy. Law and Disagreement. (New York: Oxford University Press, 1999), 302.6 Thomas Bustamante e Evanilda de Godoi Bustamante, “Constitutional Courts as ‘negative Legislators’: The Brazilian Case.” Colombia: Revista Jurí-dica Piélagus (2010), 151.7 Montesquieu. Do Espírito das Leis. Tradução de Jean Mellville. (São Paulo: Martin Claret, 2007), 166.

JulgAndo pelAS conSequênciAS: o prAgmAtiSmo cotidiAno de richArd poSner e SuA influênciA no proceSSo de tomAdA

de deciSõeS JudiciAiS

Mariah Brochado FerreiraPós Doutora em Filosofia pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg

(Philosophisches Seminar), Alemanha (Bolsa Capes Estágio Sênior- 2012/2013). Doutora em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal

de Minas Gerais. Mestre em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Especialização em Filosofia do Direito

pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Evanilda Nascimento de Godoi BustamanteDoutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Bolsista CAPES. Mestre em Direito pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direito Social pelo Centro Universitário Newton

Paiva. [email protected].

Uma análise da relação entre direito, justiça e eficiência é sempre muito controvertida. Essa análise torna-se ainda mais árdua dado o fato de vivermos em uma sociedade pluralista que apresenta diversas con-cepções de ‘bem’, de significados do que seja ‘viver bem’, e de fontes morais que determinam os padrões de comportamento humano. Nesse contexto, os juristas normalmente buscam na filosofia uma resposta (ou um caminho que leve a respostas) para suas questões mais angustiantes.

É nesse cenário, pois, que muitos conceitos são distorcidos e mui-tas teorias são criadas no intuito de se buscar conciliar o justo e a efici-ência, ou, ainda, de defender que ter um sistema jurídico eficiente seria o mesmo que ‘fazer justiça’, já que, conforme a célebre frase de Rui Bar-bosa: “justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.

Os entendimentos têm se diversificado, os tribunais têm divergido e, com isso, os processos judiciais tornam-se cada dia mais arrastados. No anseio de se fazer justiça, especialmente em um judiciário abarrotado, como o é o brasileiro, alguns excessos podem ser cometidos, como, por

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exemplo, a prática quase que constante do ativismo judicial, movimento esse que vem crescendo em nosso país. Pensar nas implicações da decisão judicial diante de um caso difícil parece ser uma atitude sensata. Mas, em que medida as decisões devem ser guiadas por suas consequências?

Richard Posner12, com sua polêmica teoria do pragmatismo co-tidiano, não só acredita que o processo de tomada de decisão deva ser guiado pelas consequências da decisão, como afirma que, intima-mente, é assim que os juízes atuam.

O pragmatismo de Posner foi por ele nomeado como pragmatis-mo cotidiano ou everyday pragmatism, cuja característica principal é a prática do dia-a-dia sem universalizações, teorizações, generalizações e ponderações filosóficas, em que os juízes seguiriam uma disposição geral de fundamentar suas decisões em fatos e consequências e não em, segundo o autor, ‘conceitualismos’ e generalidades.

Trata-se de uma versão totalmente distorcida do pragmatismo clás-sico, filosófico, sendo por ele utilizado no sentido mais comum do ter-mo. Posner foi incapaz de importar para o direito os ensinamentos do pragmatismo clássico. E, talvez, não tenha sido mesmo sua intenção.

Para o autor, as decisões devem ser fundamentadas em uma relação de custo benefício, empiricamente informada e preferivelmente quantitati-va, pensadas no bem estar da sociedade. A teoria jurídica por ele preferível é aquela que seja contextual e adaptável ao sistema jurídico, mas que privi-legie consequências a argumentos tidos por ele como teóricos e abstratos.

O pragmatismo jurídico de autores como Posner encontra suas ra-ízes em movimentos como a escola do Realismo Jurídico que se desen-volveu nos Estados Unidos. Para essa corrente, as instituições jurídicas devem estar atentas a necessidades sociais que objetivam suprir. Desse modo, o direito seria constituído (ou criado) a partir das execuções das decisões judiciais e, por isso, não estaria vinculado tão somente à apli-cação das regras. Sustentam que os juízes exerceriam os seus poderes de forma discricionária, sendo que os resultados dos julgamentos estariam diretamente relacionados à realidade vista pelo julgador. Os adeptos dessa corrente defendem, ainda, que os juízes devem considerar as consequências (socioeconômicas futuras, em especial) de suas decisões, pois entendem que teriam uma função de legislador ocasional.

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 187

O juiz pragmatista, na visão de Posner, precisa decidir de acordo com as consequências que “melhor” promovam os fins. Mas, quais seriam os melhores fins? Cada juiz terá sua própria concepção de bem comum (de senso comum) e de melhor consequência da deci-são judicial. O pragmatismo cotidiano parece autorizar (ou validar) uma subjetividade latente no processo de tomada da decisão judicial, pois um dos grandes problemas dessa teoria é que Posner não é capaz de dizer quais seriam tais fins, pois “diferentes juízes, cada qual com sua própria idéia sobre as necessidades e interesses da comunidade, pesará as consequências diferentemente”3, o que, ao contrário do que afirma Posner, gera sim insegurança jurídica.

O pragmatismo jurídico, como se argumenta, aconselha e ratifica a ilegitimidade, aceitando e abarcando a inevitabilidade de que casos semelhantes não sejam tratados da mesma forma, já que juízes diferen-tes pesam as consequências de maneira diversa, dependendo da forma-ção, temperamento, treinamento, experiência e ideologia de cada um.

Nesse contexto, o trabalho buscará expor a teoria e o pensamen-to de Posner, bem como contrastá-la com o pragmatismo filosófico, demonstrando a distorção perpetrada pelo chamado pragmatismo cotidiano, tentando demonstrar o que é o pragmatismo cotidiano e no que ele se difere do pragmatismo clássico. Objetiva-se, ainda, analisar qual a influência do pragmatismo cotidiano no processo de tomada de decisões, mais especificamente em como os juizes deci-dem, a partir de exemplos de casos jurídicos brasileiros.

Notas

1 POSNER, Richard A. Law, Pragmatism and Democracy. Cambridge: Har-vard University Press, 2003.2 POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. Tradução de Jeffer-son Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.3 HERDY, Rachel. O Pragmatismo Jurídico “levado a sério”. Boletim CEDES [on-line], Rio de Janeiro, outubro/novembro de 2008, pp. 15-23. Acessado em 18.11.2013. Disponível em http://cedes.iuperj.br ISSN:1922-1522, p. 19.

o prAgmAtiSmo, o Supremo tribunAl federAl e o AmiAnto

Gabriela Miranda DuarteDoutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Analista Judiciário no Tribunal de Justiça do Amapá. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Carlos Fernando Silva RamosDoutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Juiz

Titular da 4.ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões do Tribunal de Justiça do Amapá. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]

Este artigo investiga a utilização dos argumentos consequencialistas e extrajurídicos no Poder Judiciário brasileiro no que toca à matéria ambien-tal, tomando como referência o voto proferido pelo Ministro Marco Auré-lio na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3.937, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra a lei estadual paulista n.º 12.687/2007, proibitiva do uso de produtos que contenham amianto. Nesse caso, cujo julgamento ainda está em curso, o voto acima referido denota clara preocupação com os impactos econô-micos da decisão, apoiando-se em dados técnicos de outras ciências para fundamentá-lo e afastando-se de uma análise puramente técnico-jurídica. Tal constatação torna-se mais evidente quando esse voto é confrontado com outro proferido pelo Ministro Ayres Britto na ADI n. º 3.357, tam-bém ajuizada pela CNTI, contra a lei estadual gaúcha n.º 11.643/2001, proibitiva da produção e comercialização de produtos à base de amianto no Estado. Nesse, o relator, considerando que o amianto, independente-mente do tipo, é normativamente caracterizado “como nocivo à saúde e põe em situação de fragilidade o meio ambiente”, afirma ser constitucional a lei gaúcha. A Constituição Federal de 1988, nos termos dos arts. 225 e 170, concedeu ao meio ambiente ecologicamente equilibrado status pri-vilegiado no conjunto de valores constitucionalmente protegidos, a ponto de torná-lo condicionante do desenvolvimento econômico, o que significa dizer que a variável ambiental integra a própria noção desenvolvimento econômico no Brasil, o qual deve ser, do ponto de vista jurídico, sempre

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 189

sustentável. A efetividade dessa diretriz constitucional depende, contudo, de sua consideração pelos agentes públicos e particulares que têm poder de decisão na área econômica e ambiental, o que inclui, necessariamente, o Poder Judiciário. Os juízes, como agentes de transformação social que são, ao aplicarem a lei ao caso concreto, devem promover os valores sociais constitucionalmente protegidos, inclusive os ambientais, mormente em uma sociedade que cada vez mais consome e esgota os recursos naturais não renováveis. A despeito disso, no voto do Ministro Marco Aurélio é possí-vel inferir um posicionamento que valoriza o desenvolvimento econômico desgarrado da preservação ambiental. O debate que se propõe tem como objeto justamente essa tensão entre a diretriz estabelecida pela Constitui-ção Federal, a favor do meio ambiente, e o pensamento da jurisprudência brasileira, que, algumas vezes, inclusive no âmbito dos tribunais superiores, se orienta por um viés pragmático, pautado predominantemente no inte-resse econômico. A proposta é no sentido de superação dessa tensão, por meio do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e as exigências da preservação ambiental, de modo que os dois interesses sejam, na medida do possível, realizados conjuntamente. Essa superação tem como suporte teórico a teoria do direito formulada por Dworkin, a qual considera que os princípios do direito, extraídos da Constituição, da História e da Moral, não podem submeter-se a orientações pragmáticas apoiadas em motiva-ções exclusivamente políticas e econômicas. O artigo será desenvolvido com amparo nas duas teses acima mencionadas, sendo cada uma delas abordada em tópico próprio, assim sintetizadas: 1) conquanto o pragma-tismo jurídico não tenha sido adotado expressamente no Brasil, é possível detectar sua presença em alguns julgamentos, a exemplo do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, o qual incorpora uma análise consequencia-lista da decisão, bem como o exame de argumentos extrajurídicos na inter-pretação constitucional; 2) a constitucionalização do meio ambiente eco-logicamente equilibrado como um valor autônomo com efeito transversal, que, além de condicionar o conceito de desenvolvimento, determinando que seja necessariamente sustentável, requer a sua inserção nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário. O método empregado na pesquisa é o dialético, com suporte em análise documental e bibliográfica, além de uma abordagem específica do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio.

economic ArgumentS And JudiciAl revieW: the AlternAtive of neil mAccormick’S frAmeWork

Vinícius KleinDoutor em Direito pela UERJ, Doutor em Economia pela UFPR, Filiação:

Universidade Federal do Paraná, Brazil, [email protected].

The judicialization of politics is a strong trend in the current Brazilian scenario. This situation brings a challenge for legal theory: the need to work with extrajuridical arguments in legal reasoning. This problem is not an exclusivity of constitutional law, but it hap-pens also in private law cases, for example in business contract deci-sions where the importance of the economic argument is increasing. The solution must include at least a partial resort to consequentialist reasoning. So, the aim of this article is to discuss new judicial rea-soning models that are able to deal with consequentialist reasoning, trough a substantive pattern of judicial justification1, but without losing the control function of judicial reasoning on judicial decisions. This work will focus on one extrajudicial argument: the economic ar-gument. This economic argument will be discussed as a substantive reason in the terminology presented by Robert S. Summers2.

To design this model the use of economic arguments must came with some resort to consequialist reasoning. So, one alternative is Posnerian Economic Analysis of Law, where the economic argument is incorporated in the judicial justification. This article concludes that this option is inadequate and supports Maccormick’s argumen-tative theory as the most promising, although some adjusts are neces-sary. The first one is the use of the extrajuridical consequences when necessary. Maccormick’s theory is very skeptic these possibility3. For that task the economic argument must be used as a scientific argu-ment and the judge must play the role of a gatekeeper4. In this task the judge must take into account the scientific compatibility between the aims of the law and the alternatives in the scientific area in ques-

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 191

tion. In the case of the economic argument the best alternative is not the one that is most used in the economic community, but the one that has a better match with the aims of the law. The reasoning used in antirust cases is a good example of a juridical option between conflicting economic arguments. We also need to focus on local co-herency instead of global coherency. Although Maccormick’s propo-sition is grounded on global coherency it is possible to find support in his writings for local coherency, mainly in his differences with Ronald Dworking5. Another issue is the use of incomplete theorized arguments as developed by Cass Sustein6, which can be applied not only to juridical arguments but also on extrajuridical ones. In this context it is possible to design a judicial reasoning that includes con-sequentialist reasoning and extrajuridical arguments and maintain the control of the judicial activity with the three C’s from Maccom-ick’s theory (consequences, coherency and consistency requisites).

In this framework we can conclude that economic arguments can be included in judicial justification as a scientific ones and the judge must choose between the available scientific theories. This choice must be made with publicity, so the reason of choosing a cer-tain scientific theory must be part of the process of giving reasons. In the perspective a substantive pattern of justification is necessary. The use of local coherency and incomplete theorized arguments pro-vide a way of reducing complexity. This solution provides a model of judicial reasoning capable of dealing with the challenge of bringing extrajuridical arguments in the judicial reasoning.

References

MACCORMICK, Neil. Rhetoric and The Rule of Law: a theory of legal reasoning. Oxford: Oxford University Press, 2009.

MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (ed). Interpreting Stat-utes: a comparative study. Ashgate: Dartmouth, 1991.

192 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

SCHUARTZ, Luis Fernando. Interdisciplinaridade a adjudicação: camin-hos e descaminhos na ciência do Direito. Revista Brasileira de Fi-losofia, São Paulo, v. 232, ano 58, 2009.

SUMMERS, Robert S. Essays in legal theory. Dordrecht: Kuller Academic, 2000.

SUNSTEIN, Cass R. Legal Reasoning and Political Conflict. Oxford: Oxford University Press, 1996.

Notas

1 MACCORMICK; SUMMERS, 1991, p. 496-508.2 SUMMERS, 2000, pp. 321-358.3 MACCORMICK, 2009, pp.103-104.4 SCHUARTZ, 2009, p. 149.5 MACCORMICK, p. 120.6 SUNSTEIN, 1996, pp. 35-38.

o princípio dA eficiênciA nA efetividAde doS direitoS SociAiS: A inAplicAbilidAde dA AnáliSe econômicA pArA AS

deciSõeS JudiciAiS

Rebeca Borges Machado A. Leitão Advogada. Estudou Direito na Universidade Federal de Viçosa, Minas

Gerais – Brasil. Correio eletrônico: [email protected]

Davi Augusto Santana de LelisBacharel em direito pela Universidade Federal de Viçosa, mestre em

extensão rural pela Universidade Federal de Viçosa, doutorando em direito público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Brazil. Bolsista

da FAPEMIG. Correio eletrônico: [email protected].

No contexto da concretização dos direitos sociais fundamentais no Brasil os debates acerca da atuação do Poder Judiciário são intensos. O pensamento tradicional utiliza argumentos da Teoria da Reserva do Possível e estudos da Análise Econômica do Direito para afirmar que o orçamento estatal é limitado para a efetivação de direitos sociais via Poder Judiciário. A via judicial é considerada ineficiente por ignorar o planejamento estatal de políticas públicas para a concretização destes direitos. Assim, através de uma análise de viés estritamente econômi-co, afirma-se que a atuação do Poder Judiciário, em virtude da má uti-lização dos recursos públicos, obstaculiza a concretização dos direitos sociais fundamentais e resulta em maior injustiça social. O presente tra-balho buscou questionar a linha argumentativa tradicional, construindo uma resposta mais ampla para a questão: a atuação judicial na concre-tização de direitos sociais fundamentais é ineficiente e injusta? O Poder Judiciário, ao condenar o Estado ao cumprimento de uma demanda individual, estaria de fato obstaculizando a concretização coletiva dos direitos sociais e, assim, contribuindo para uma realidade social injus-ta; ou esta é apenas uma suposição mascarada de racionalidade lógi-ca? Com o escopo de investigar tais considerações em profundidade, este trabalho buscou compreender, através de pesquisas bibliográficas

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e documentais, a aplicação do princípio constitucional da eficiência no ambiente do Estado brasileiro. Buscou-se problematizar o conceito de eficiência, com a finalidade de perquirir os domínios de sua aplicação no contexto do Estado e da sociedade. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica no âmbito da Análise Econômica do Direito e da Teoria da Reserva do Possível para construção de um argumento crítico às po-sições tradicionais. Em seguida foi realizada pesquisa bibliográfica de teóricos da ciência econômica para a compreensão do conceito “eficiên-cia” e da sua possível mensuração no âmbito da atuação do Estado. Por fim, houve uma análise de dados do orçamento público federal do ano de 2013. Assim, foi possível a construção de uma resposta alternativa ao pensamento tradicional, que perpassou duas vertentes: a primeira é a de que a afirmação tradicional – a concretização de direitos sociais via poder judiciário é ineficiente e injusta – é insustentável teoricamente; e a segunda é a de que as ideias tradicionais não se confirmam na prática. O estudo revelou que o conceito de eficiência da corrente principal da economia (mainstream) possui um modelo matemático intrínseco, que reduz a complexidade social a meras equações, apresentando limites para a leitura da realidade. Constatou-se, em contraposição à eficiência matematizada, a existência de diversos fatores sociais que envolvem a aplicação dos recursos públicos para a concretização dos direitos sociais fundamentais no Brasil. A análise da eficiência da atuação judicial se mostra como uma leitura simplista da realidade brasileira e desconsidera fatores relevantes para a injustiça da distribuição dos recursos públicos. Deste modo, o pensamento tradicional estaria contribuindo para um direcionamento equivocado na busca pela solução dos problemas or-çamentários da concretização dos direitos sociais fundamentais. Assim, na atual conjuntura política, social e econômica brasileira, a prestação judicial pode contribuir positivamente para a justiça social em âmbi-to coletivo. Concluiu-se pela inaplicabilidade da análise econômica do direito, pela inconsistência das teorias eficientistas e pela manutenção da justiciabilidade individual dos direitos fundamentais sociais como método capaz de contribuir para a eficácia do texto constitucional.

Apoio: CNPq e FAPEMIG.

A interpretAção pro homine e SuAS perplexidAdeS

Luís Fernando MatricardiLL.M. pela Ludwig-Maximilians-Universität München. Master pela

Università degli Studi di Genova. Doutorando em teoria do direito pela Universidade de São Paulo, Brasil.: ( [email protected]).

O debate sobre concorrência de direitos floresceu especialmente entre os direitos internacional e constitucional, em boa medida pelos esforços dos internacionalistas. Mais preocupados do que os consti-tucionalistas com a aplicabilidade de normas supranacionais no direito interno, o critério de solução a esse tipo de conflito foi por alguns encontrado na chamada “interpretação pro homine”, a qual, em sua acepção mais conhecida, defende a aplicação da norma mais favorável ao indivíduo titular do direito concorrente.1 A proposta, afeiçoada ao chamado “diálogo das fontes”, teria a vantagem de relegar a segun-do plano o intrincado debate sobre a posição hierárquica de tratados internacionais no ordenamento brasileiro. Sem avaliar diretamente a verdade nessa vantagem, o presente artigo sugere que a proposta pro homine é inapta ao fim almejado. Isso é assim porque ela pressupõe uma constelação clássica de direitos fundamentais, nas quais estes di-reitos são garantidos contra interesses coletivos, personificados no Es-tado. As modernas dogmáticas constitucional e internacional, porém, amparadas no reconhecimento de deveres de proteção e eficácia hor-izontal, reconhecem constelações complexas, nas quais se garantem direitos contra ameaças advindas de outros indivíduos, que, por seu turno, também são titulares de direitos. O exemplo do aborto facilita a compreensão: o Estado tem o dever de proteger a vida do nascituro (d1) contra a ação abortiva da mãe, que por sua vez é amparada em um direito de livre disposição do corpo (d2) que tem prima facie con-tra esse mesmo Estado. A relação forma um triângulo com os vértices nascituro, Estado e mãe, ou: (d1) ∙

(E) ∙ (d2). 2 Não é difícil perceber que o

reconhecimento de deveres de proteção e da eficácia horizontal, que na literatura de origem aparece atrelado à chamada “dimensão objetiva

196 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

dos direitos fundamentais”, tem por insumo básico justamente inter-esses coletivos, os quais agora são agora reconstruídos como direitos muitas vezes de titularidade individual. Nessas constelações complexas, em que não se identifica uma única posição individual, a proposta pro homine é inócua: as normas concorrentes priorizarão, cada uma, um indivíduo diferente, que ela não consegue escolher. O artigo investigará se resta alguma acepção interessante à interpretação pro homine dentro e fora de tais constelações, para concluir que, embora subsista margem para seu uso, ela é reduzida, e pode decepcionar seus defensores.

Notas

1 Cf. Humberto Henderson, “Los tratados internacionales de derechos hu-manos en el orden interno: la importancia del principio pro homine”, in: Revista IIDH, v. 39, 2004, pp. 71-99. No Brasil, por todos: Valério de Oliveira Mazzuoli,”O controle jurisdicional da convencionalidade das leis: o novo modelo de controle da produção normativa doméstica sob a ótica do ‘diá-logo das fontes’”, in: Revista Argumenta UENP, v. 15, 2011, pp. 77-114.2 Cf. Christian Calliess, Rechtsstaat und Umweltstaat: Zugleich ein Beitrag zur Grundrechtsdogmatik im Rahmen mehrpoliger Verfassungsverhältnis-se. Tübingen: Mohr Siebeck, 2001, p. 258; Dieter Grimm, “The Protective Function of the State”, in: G. Nolte (ed.). European and US Constitutionalism. New York: Cambridge, 2005, pp. 137-155 (149).

conStitucionAliSmo e diálogo inStitucionAl: umA AnáliSe doS limiteS prAgmáticoS e normAtivoS dA noção de

AtiviSmo JudiciAl.

Danilo Nunes Cronemberger MirandaMestrando em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo –

Brasil. O contato com o autor pode ser feito pelo correio eletrônico [email protected].

O constitucionalismo conheceu as mais variadas formas de de-senvolvimento nas diferentes realidades em que tentou ser imple-mentado. A pretensão de controlar as arbitrariedades do poder nas relações entre pessoas possibilitou o surgimento de inúmeros instru-mentos de canalização dos poderes políticos para espaços delimita-dos por normas e princípios. A luta pela constituição, nesse sentido, toma o ar de uma luta pela constitucionalização do Poder. Cortes e parlamentos são exemplos de espaços decisórios de afloramento do poder social, através de procedimentos pré-estabelecidos. A alocação de embates políticos dentro de espaços procedimentais, no entan-to, não extinguiu as dificuldades concernentes à constitucionalização do Poder. Regras, normas e procedimentos não possuem existência fora de suas próprias conjunturas de aplicação. Ao mesmo tempo que moldam e influenciam a conduta de parlamentares e juízes, consti-tuições também são continuamente “ressignificadas” e desenvolvidas pela atuação destes agentes. Normas constitucionais estão a todo mo-mento submetidas à interpretação dos agentes políticos. Isto significa que, se uma teoria sobre o constitucionalismo se preocupa em enten-der e prescrever mecanismo de controle do poder, parte destas preo-cupações passa por questionamentos sobre que tipo de relação pode--se extrair da convivência de interpretações e entendimentos diversos sore a constituição, produzidos por juízes e parlamentares. Como, quando e por quê juízes e parlamentares devem atuar dessa ou daque-la forma, são perguntas óbvias que surgem destas constatações. O ati-

198 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

vismo judicial surge, em alguma medida, sobre considerações acerca da legitimidade de instituições no cumprimento e respeito ao proce-dimento e às regras pré-estabelecidas. A interação entre instituições, no entanto, nem sempre sai como planejada. Cortes, frequentemente vão além do que a priori define-se como seu campo de atuação, “in-vadindo” espaços caros ao legislativo. Minha hipótese é de que esta noção de ativismo judicial, em boa parte compartilhada e propaga-da pela literatura nacional, reflete características de um modelo de constitucionalismo baseado em certa visão estática sobre a relação interinstitucional. Parte da hipótese de trabalho aqui enunciada en-tende que o ativismo judicial, baseando-se em tal modelo estático de constitucionalismo, é incapaz de compreender e perceber determina-dos problemas relacionados à interação institucional. A noção de ati-vismo judicial parece possuir limites explicativos que comprometem seu potencial normativo como método de identificação, justificação e definição da legitimidade de determinado arranjo constitucional. O ativismo judicial, da forma como entende majoritariamente a li-teratura nacional, carece de maiores considerações sobre a natureza histórica e institucional das relações entre tribunais constitucionais e parlamentos. Por “institucional” entende-se especificamente a no-ção do “institucionalismo” como lente de observação e compreensão das relações entre agente sociais, mais especificamente, no presente caso, das relações entre juízes e parlamentares como atores políticos imersos em contextos regulados por práticas e regras formais e infor-mais. Em face de tais desdobramentos, o trabalho visa oferecer novas perspectivas para a compreensão crítica da atuação de instituições como o Judiciário e o Legislativo. Nesta perspectiva, a imagem do diálogo institucional, oferecida pelas recentes Teorias do Diálogo, podem oferecer novas bases normativas para uma compreensão mais apurada da legitimidade democrática de arranjos institucionais, bem como da atuação de juízes e parlamentares. Vale ressaltar que meu objetivo não é identificar erros metodológicos ou teóricos nas no-ções de ativismo judicial. Diferentemente, pretendo explorar limites dessas ideias, conforme minha hipótese inicial de que o modelo de

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 199

constitucionalismo estático em que se escora a noção de ativismo judicial possui limitações tanto pragmáticas quanto normativas. Tal posição não implica a conclusão apressada de que a teoria deva deixar de analisar e criticar decisões judiciais, inclusive pelo ponto de vista de sua legitimida-de democrática. Significa apenas que talvez devamos trocar nossas lentes para poder enxergar novos problemas e entender melhor velhos desafios. Considero que a compreensão da legitimidade democrática de tribunais constitucionais e parlamentos não pode ser suficientemente explicada fora de seu contexto institucional e que, portanto, a construção de um novo modelo de constitucionalismo passa pela superação do modelo es-tático e pela adoção de um modelo dialógico e deliberativo.

Palavras-Chave: Constitucionalismo; Ativismo Judicial; Diálogo, Separação de Poderes, Interação Institucional.

SepArAção doS podereS, corteS conStitucionAiS e o conStrAngimento dA rAzão públicA

Rafael Bezerra NunesMestrando em Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade

de São Paulo (USP), Brasil. ([email protected]).

Neste trabalho, procurei demonstrar como determinadas pre-missas relacionadas a uma visão tradicional da separação dos poderes são responsáveis pela paralisação do desenvolvimento institucional, uma vez que se vislumbra apenas uma dentre muitas possibilidades de concretização de um ideal específico, sem levar em conta as práti-cas que efetivamente se realizam nessas instituições e o potencial ga-nho que variados desenhos ou arranjos poderiam acarretar. Se a teoria da separação dos poderes em muitos momentos é clara a respeito da distribuição de funções e competências entre o Judiciário e Legislati-vo, em outros, essa distinção se torna penumbrosa. Assim é o caso da interação entre cortes constitucionais e parlamentos. Nesse âmbito, sustentar a distinção entre aplicação e criação do direito é fazer pouco caso do desacordo prático sobre o que significa cada função em casos constitucionais controversos. Argumentar pela clareza de uma divi-são do trabalho entre poderes para resolver conflitos concretos é não observar que o que está em jogo é o próprio significado e alcance des-sa divisão. É na interação política cotidiana que ambas instituições buscam espaço e reconhecimento. Mas também observam os demais atores, ajustam suas ações às possibilidades e aceitam acomodações prudenciais. Para captar esse fenômeno, Conrado Hübner Mendes argumenta que há uma redundância funcional entre cortes e parla-mentos na determinação do significado da constituição. Porém, essa redundância funcional não gera equivalência institucional. A razão disso são as diferenças estruturais e procedimentais dos dois espaços: suas capacidades epistêmicas, importância simbólica, capital político, desenho institucional, tempo e forma de resposta. A interação entre

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 201

os poderes têm muito a ganhar se assumir uma forma cooperativa e deliberativa, ao invés de puramente adversarial. Ressalto, todavia, que a defesa aqui proposta de uma corte constitucional deliberativa não é uma defesa incondicional da deliberação. Ela parte da intuição de que cortes, por não dependerem de uma satisfação periódica de seus constituintes através de um processo eleitoral, podem contribuir de modo específico na interação entre os poderes se buscarem maior legitimidade através do aumento de sua qualidade deliberativa. En-tretanto, podem existir circunstâncias em que os custos da delibera-ção podem superar seus benefícios. O valor da deliberação depende de um cálculo consequencialista sobre as expectativas das vantagens e desvantagens de se deliberar. Essa defesa não-deontológica da deli-beração, ao mesmo tempo em que a torna mais adequada a lidar com condições não-ideais e dilemas do mundo real, bem por isso, adiciona complexidade à já difícil tarefa de operacionalizar em uma instituição concreta o ideal de uma corte constitucional deliberativa. A catego-ria do desempenho deliberativo propõe à corte a observância de um contexto político de sua atuação, momento em que razões prudên-ciais e razões-de-segunda-ordem entrariam em jogo. Essas razões, que seriam essencialmente considerações sobre o consenso possível e seus benefícios, e sobre a efetividade de implementação da decisão, estão em tensão com a noção de razão pública. Se em decorrência de seu desenho institucional, a legitimidade da corte muito se deve às razões que oferece e o modo de oferecê-las, sendo essa uma característica peculiar, existe uma tensão entre racionalidade jurídica, entendida como aquilo que é devido em razão dos direitos que as pessoas pos-suem segundo uma prática institucionalizada, e análise prudencial, considerações consequencialistas, ou de second-best, decorrentes do contexto político. É preciso distinguir entre duas coisas: a) uma defesa da deliberação como fator adicional de legitimidade política para além das razões oferecidas e b) que tipos de razões podem ser consideradas pelos espaços deliberativos, a depender das instituições que estão em jogo. É possível fazer uma defesa da deliberação que incorpore a utilização de razões consequencialistas pela corte. É pos-

202 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

sível ainda defender uma visão de racionalidade jurídica que seja compatível com considerações desse tipo, em se tratando de cortes lidando com casos constitucionais controversos. Ocorre que, nesse caso, a redundância funcional dilui uma divisão moral do trabalho entre cortes e parlamentos, e deve enfrentar a objeção de que juízos sobre o bom tem mais legitimidade no foro legislativo. Mesmo au-tores que enxergam um papel protagonista de cortes, como Rawls e Dworkin, incorporam alguma forma de divisão moral do trabalho. A atuação da corte com relação ao elementos constitucionais essen-ciais e à ideia de razão pública (com a prioridade do justo sobre o bom), bem como a distinção entre princípios e políticas pretendem desempenhar esse papel nas respectivas teorias.

umA AbordAgem deScritivA (e SuAS conSeqüênciAS normAtivAS) dAS relAçõeS entre conStitucionAliSmo e democrAciA

Cláudio Ladeira de Oliveira Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor

da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (graduação e pós-graduação), Brasil, [email protected].

Neste trabalho analiso temas tradicionais da teoria constitucional adotando uma perspectiva “descritiva”, objetivando extrair conclusões capazes de orientar os debates de cunho “normativo”. Análises “norma-tivas” justificam a adoção de arranjos institucionais, argumentando em defesa de sua legitimidade política. Exemplos de modelos normativos são as formulações de Dworkin (2000) sobre os tribunais constitu-cionais enquanto “fóruns do princípio” e Waldron (1999) acerca da supremacia parlamentar. Uma perspectiva “descritiva” analisa explica as ações e as estratégias de indivíduos e grupos, descritos como agentes buscam promover seus interesses e valores apoiados em crenças (sobre as conseqüências prováveis de suas ações e os comportamentos dos de-mais indivíduos e grupos), limitados/autorizados por instituições.

Uma abordagem “descritiva” de tais problemas não é neutra do ponto de vista normativo, pois (i) justifica a rejeição de modelos nor-mativos que, embora dotados de argumentos morais convincentes, estão apoiados em premissas teóricas cuja falsidade ou inviabilidade foi revelada; e (ii) justifica a adoção de arranjos institucionais “não-ide-ais”, porém empiricamente mais aptos a estimularem o acatamento de instituições razoavelmente democráticas. Neste trabalho apresentarei submeterei alguns temas fundamentais a uma análise descritiva (cons-titucionalismo, democracia e separação de poderes). Ao final serão de-senvolvidas as conclusões imprescindíveis para o debate normativo.

(1) O ideal constitucionalista pretende impor limites jurídicos ao poder político, constituindo um governo que seja “das leis” e não “dos homens”. No entanto, as instituições jurídicas que limitam o

204 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

poder político precisam ser criadas, interpretadas e aplicadas, e tais atividades só podem ser realizadas por seres humanos: “as leis não podem governar. Governar é uma atividade, e leis não podem agir” (SÁNCHEZ-CUENCA, 2003: 62). Assim, é necessário identificar os motivos pelos quais elites políticas, que possuem acesso privilegia-do aos meios de coerção, acatam os limites impostos ao seu poder. A questão é “por que pessoas com poder aceitam limites ao seu poder? Por que pessoas com armas obedecem pessoas sem armas […] Na teoria jurídica a questão correlata é: porque políticos muitas vezes transferem poder a juízes?” (HOLMES, 2003: 24).

(2) Numa democracia as forças políticas organizadas competem por votos em eleições e representam interesses e valores divergen-tes, muitas vezes irreconciliáveis. Sendo assim, um processo demo-crático inevitavelmente produz “vencedores” e “derrotados” quanto à disputa pela autoridade de estabelecer as regras que valerão sobre toda a comunidade (PRZEWORSKI, 2010). Os derrotados devem obedecer decisões das quais discordam e por isso podem ser tentados a subverter a ordem democrática; também os vencedores podem ser tentados a fazê-lo, caso avaliem que podem impor seus interesses e valores sem os constrangimentos constitucionais. Portanto, sistemas democráticos levantam o problema do “acatamento” das instituições pelas forças políticas organizadas. Instituições democráticas vigoram quando expressam um “equilíbrio” entre as forças políticas e sociais que a princípio poderiam derrubá-las; quando as forças políticas aceitam permanecer sob as instituições sob a condição de que as de-mais forças façam o mesmo: as democracias são “auto-sustentáveis”. (PRZEWORSKI, 2010). Também aqui a questão do “acatamento” é fundamental: quais são os arranjos institucionais capazes de esti-mular o acatamento das instituições pelas forças políticas relevantes?

(3) O Estado, a burocracia que detém o monopólio do uso legítimo da força, não é um “terceiro imparcial” em relação aos conflitos entre as forças políticas, mas um agente interessado em tais conflitos e no acatamento das instituições constitucionais, já que estas a princípio

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 205

deveriam também organizar e limitar o seu próprio poder. Tampouco o Estado é um agente plenamente coeso: os indivíduos e grupos que ocupam postos na burocracia possuem interesses e valores institu-cionais potencialmente conflitantes e possuem capacidade institucio-nal distinta para promovê-los. A “separação de poderes”, os arranjos institucionais que distribuem competências políticas distintas entre setores do Estado, fornece alguns dos mais importantes exemplos de tais problemas, em especial os poderes legislativo e Judiciário: “insti-tuições povoadas de pessoas” (FEREJOHN e PASQUINO, 2003), cujos membros desenvolvem interesses e valores próprios e dispõem de recursos específicos para promovê-los, tais como o processo legis-lativo e o controle de constitucionalidade. Neste caso, a questão é existem arranjos institucionais que comprovadamente tendem a pro-mover o acatamento das ordens constitucionais democráticas?

Referências bibliográficas

DWORKIN, R. 2000. Uma questão de Princípio. São Paulo: Martins fontes.

WALDRON, J. 1999. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press.

SÁNCHEZ-CUENCA, I. 2003. Power, Rules, and Compliance, in Mara-vall, Przeworski (2003: 62-93).

MARAVALL, J.; PRZEWORSKI, A. (orgs). 2003. Democracy and the rule of law. Cambridge: Cambridge University Press.

HOLMES, S. 2003. Lineages of the rule of law. In Maravall, Przeworski (2003:19-61).

PRZEWORSKI, A. 2010. Democracy and the limits of self-government. Cambridge: Cambridge University Press.

FEREJOHN, J. PASQUINO, P. 2003. Rule of Democracy and Rule of Law, in Maravall, Przeworski (2003: 242-260).

em buScA do verdAdeiro pApel dA lei orçAmentáriA e SuAS poSSíveiS correçõeS pelA viA JudiciAl

Daniel Giotti de PaulaDoutorando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela

UERJ, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional, Professor-convidado do Programa de Pós-Graduação em sentido lato da UFJF e Coordenador

Acadêmico do INTEJUR-Juiz de Fora-MG – Brasil. Email: [email protected].

O legislador constituinte originário tentou reposicionar as fi-nanças públicas no Brasil. Estabeleceu-se um modelo segundo o qual a legalidade seria a garantia de que os gastos públicos surgiriam de uma decisão compartilhada e de que não ficariam no terreno das pro-messas irrealizadas. A força normativa dada ao orçamento representa garantia mínima do Estado de Direito, que não pode ser renegada pelo uso retórico da discricionariedade para afastar a obrigatoriedade de seu cumprimento. Não se desconhece, por óbvio, que dentro da ambivalência da Sociedade de Risco e as incertezas que a modernida-de líquida traz, deve haver algum espaço para discricionariedade em matéria financeiro-orçamentária, mas o espaço discricionário seria a exceção, e não a regra geral. Algo trivial precisa ser demarcado: lei deve ser levada a sério, pois possui normatividade, dentro do modelo de Estado de Direito, na formulação que utilizam juristas de corte analítico, como Joseph Raz e John Finnis. O que particulariza o or-çamento, porém, é que ele é ao mesmo tempo um possível criador de despesas públicas e um concretizador de direitos fundamentais e po-líticas públicas já previstas no ordenamento jurídico. Daí que, além do aspecto formal de canalizar os meios de concretização de direitos fundamentais e políticas públicas, haja uma preocupação com que o orçamento seja substancialmente legítimo, incorporando-se uma série de princípios para seu controle judicial. Contudo, a “força nor-mativa dos fatos” subverte essa lógica e tenta transformar o orçamen-to numa mera autorização de gastos públicos, uma ideia que parece

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 207

estar fora do lugar e sequer concretizando os conceitos básicos do Es-tado de Direito. Destarte, como pode se viver sob uma realidade de alteração das despesas públicas pela via judicial? O ativismo em maté-ria orçamentária é um bem em si mesmo? Existiria discricionariedade na execução orçamentária? Pode-se mudar dotação de recursos por decreto ou outros atos infralegais? O controle judicial do orçamento se justifica em todos os ciclos do orçamento? Responder a cada uma dessas questões implica explicar e assumir sentidos possíveis para pro-blemas e termos tão caros à Teoria do Direito, à Filosofia Política e ao Direito Constitucional: o que é discricionariedade e quais seus sentidos; a separação de poderes é um modelo apriorístico ou uma noção construída dinamicamente; o que seria ativismo, sobretudo a partir da jurisprudência analítica, construção teórica que tenta reti-rar valoração sobre a prática judicial ativista. Superados esses pontos, pode-se pensar em que medida uma Constituição, como a brasileira, na qual critérios substanciais de controle das finanças teriam sido incorporados, pode sugerir o abandono de soluções formais de au-torização legislativa para se alterar qualitativa e quantitativa os re-cursos financeiros. Tangencialmente, investiga-se ainda que situações pretensamente ativistas escondem apenas o atingimento da legalidade no Brasil, país que possui déficits de cumprimento de promessas da modernidade e que sequer atingem aquele núcleo mínimo do Estado de Direito. Esse quadro de desconsideração da Constituição Financeira sugere que a normatividade deve ser recolada em seu devido lugar. Para os céticos, isso representaria a necessidade de mudar o que está posto na Constituição; para os entusiastas, tudo dependeria de rearranjar ins-titucionalmente a prática de órgãos e entidades administrativas.

Palavras-chave: ativismo, legalidade, orçamento, jurisprudência analítica, controle judicial do orçamento.

AudiênciA públicA o ‘lugAr’ doS ArgumentoS conSenquenciAliStAS

Égina Glauce Santos PereiraBacharela em Direito (FADISETE) e Letras (UFMG). Pós-graduada

em Direito Publico (NEWTON PAIVA) e Criminologia (PUC-MINAS). Mestre e doutoranda em Linguística - Análise do Discurso (UFMG). BRASIL.

[email protected].

A definição de ‘lugares’, mais especificamente de ‘lugares co-muns’, é ampla, desde a antiguidade, seja Aristóteles, Cícero ou Quintiliano, todos afirmam ser esse elemento importante para a construção de um discurso persuasivo focado no auditório, e pode-ria se conceituar, inicialmente, como valores partilhados ou valores comuns. Atualmente, Amossy (2005; 2010) continua afirmando a importância do conjunto de valores, de evidências, de crenças, sem os quais todo diálogo não poderia acontecer, ou seja, o discurso deve pautar-se por uma doxa comum, pela qual se busca a adesão pelo compartilhamento de pontos de vista. Sabe-se que a modernidade proporciona um ambiente argumentativo vasto, com valores cada vez mais pluralistas. Para Meyer (2014) é a retórica que possibilita a negociação da distância entre os pontos de vista a propósito de uma questão, de um problema. Pode-se dizer que é a retórica que reduziria a distância entre os pluralismos existentes. Nesse sentido, segundo Meyer (2010), a função dos valores é essencial, pois esta-belece a ponte entre as diversas esferas de atividade (como o direi-to, a economia, a politica, ou a religião). Chaïm Perelman, em suas obras: “Lógica Jurídica” (2004) e “Tratado da Argumentação: a nova retórica” (2000), produzido com Lucie Olbrects-Tyteca, discute a aplicabilidade da ‘lógica dos julgamentos de valor’, visto que não se aceitava, no discurso jurídico, que as decisões fossem apenas movidas pelas emoções, interesses e impulsos pessoais, ou seja, é necessário legitimar as decisões, principalmente no discurso constitucional, tor-

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 209

nando a decisão aceita pela sociedade e não apenas coercitiva. Para Perelman (2004, p. 200) o julgador tem como função conciliar os valores dominantes na sociedade com os valores legais e as institui-ções estabelecidas, devendo evidenciar não apenas a legalidade, mas “o caráter razoável e aceitável de suas decisões.” Na nossa socieda-de pluralista e complexa, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) devem também ser fundamentadas e deveriam ser pautadas pela ampla participação social. Isso porque a subsunção não é sufi-ciente para a aplicação das normas e devido ao papel ocupado por este Tribunal no sistema jurídico, como guardião da Constituição. É exatamente nessa perspectiva que se viabiliza as audiências públicas, enquanto mecanismo processual apto a viabilizar, institucionalmen-te, o diálogo com os diversos setores da sociedade, conferindo legiti-midade às decisões tomadas no âmbito dessa jurisdição, em situações necessárias. Assim, o gênero Audiência Pública tem se mostrado um objeto interessante para a argumentação, principalmente pela expo-sição de argumentos consequenciais, conforme MacCormick (1978). Isso acontece já que a argumentação se pautará por consubstanciar decisões a respeito de temas que não apenas despertam grande inte-resse na sociedade, mas que são de elevada complexidade, os quais demandam a visão tanto dos interessados como também dos experts. Frise-se, então, que as audiências públicas acontecem porque os as-suntos tratados nas discussões sobre a constitucionalidade da norma ultrapassam os argumentos meramente jurídicos e, portanto, foca-se o procedimento nos argumentos extrajurídicos e/ou consequenciais. Para MacCormick (1978) o conceito de consequência não se restrin-ge às implicações para as partes processuais e ao valor da utilidade, mas alcança as consequências da norma em que se baseia a decisão e outros valores como: justiça, conveniência pública e senso comum. Então, a retórica é o elemento chave para se analisar esse processo argumentativo. A Audiência Pública como gênero jurídico, discutirá se a norma é justa, mas também útil, que se depreende do gênero de-liberativo, não sendo possível distingui-los pelo assunto, como Aris-tóteles (1982) determinou. Ele distinguia três gêneros: o deliberativo,

210 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

para a assembleia, referente ao útil, o judiciário, para o tribunal, o justo, e o epidíctico, ou demonstrativo, o belo, o honorífico, que se destinava ao elogio ou ao vitupério de uma pessoa. No presente caso, observa-se a possibilidade de empréstimo de lugares e, consequente-mente, de argumentos. Pode-se afirmar que a Audiência Pública é o lugar jurídico-político em primazia dos argumentos consequenciais e o reforço dos lugares comuns, ao se estabelecer quais valores serão abordados e como esses se desencadearão, proporcionando a possi-bilidade ou não de adesão. Por isso, utilizar-se-á como ferramentas os elementos da Análise do Discurso (AD), que permitem verificar a construção de significados, que irão auxiliar na compreensão dos fenômenos culturais, sociais e jurídicos, que interferem na elaboração da ordem jurídica, e, consequentemente, no discurso constitucional produzido nas audiências públicas. Tal fato possibilitará compreen-der a estrutura argumentativa utilizada para a adesão ou não do au-ditório, que não se dará apenas pelo lógos, mas também pelo éthos e pelo páthos, como aspectos fundamentais para a persuasão, e, porque não para a possível legitimação da decisão a ser proferida.

Palavras-Chave: Discurso Constitucional; Audiência Pública; Retó-rica; Lugares; Juízo De Valor; Argumentos Extrajurídicos; Argumen-tos Consequencialistas.

normA fundAmentAl como AxiomA de legitimAção principiológicA em ronAld dWorkin

Sherman Soares Silva

Hans Kelsen ao erigir o conceito de Norma Fundamental na sua Teoria Pura do Direito, demonstra a existência de um axioma fun-damental de validade de qualquer ordenamento de caráter jurídico. Sendo que a mesma, por se tratar de um fundamento pressuposto, não recai nas análises comuns de validade utilizadas à verificação das normas jurídicas (legitimidade na esfera legislativa e controle de cons-titucionalidade), cabe assumi-lo como ponto de partida preexistente, sem a qual qualquer ordenamento tenderia a retroagir infinitamente na busca de normas hierarquicamente superiores que a justificassem.

Kelsen demonstra que o fundamento primeiro de todo ordena-mento jurídico é metajurídico, ou seja, toda estrutura normativa de um sistema advém de um axioma fundamental de legitimação jusfi-losófica que pela forma se denomina Norma Fundamental. Esse axio-ma servirá, portanto, não somente de argumento de validade para o ordenamento jurídico, em um contexto de análise purista do Direito, como o austríaco utilizou, mas, de argumento de legitimidade para o atual debate da filosofia do Direito acerca da fundamentação princi-piológica das decisões, em um modelo que o juiz exerça sua parcela no contraditório (perspectiva não hierárquica do processo) e as partes reconheçam a decisão construída como legítima e eficiente, como no modelo de Direito como Integridade de Ronald Dworkin.

O primeiro fato a destacar é que Kelsen, por tentar formular uma teoria pura, obrigou-se a valorar de forma reducionista certos conceitos inerentes à própria análise da estrutura geral do ordena-mento jurídico, de modo a manter a rigidez que caracterizaria sua obra e o principal mártir no fundamentalismo do jurista foi a própria formulação da natureza da Norma Fundamental.

212 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Como já destacado, a norma fundamental é um axioma que serve de análise última tanto para a análise de validade de uma nor-ma em específico quanto do ordenamento por inteiro, entretanto se trabalharmos pela perspectiva de Dworkin de princípios como stan-dards de legitimação da decisão, encontramos a aplicação de uma preposição metajurídica em um sistema jurídico, percebemos que a norma fundamental é também o pressuposto que operacionaliza a utilização dos mesmos na construção argumentativa da decisão.

Os princípios por se tratarem de argumentos metajurídicos, podem ou não conter uma posterior positivação no ordenamento, mas, devido a percepção moral estar intrinsecamente refletida em seu conteúdo, não podem ser tratados de maneira reducionista durante tal processo, pois sua aplicação prática é sujeita à diversas variáveis que somente são verificáveis na aplicação ‘in casu’, e que, possuindo um aspecto constitutivo dinâmico, se modificam a cada aplicação, aparecendo aí a percepção construtiva dos precedentes na metáfora romance em cadeia, utilizada pelo jusfilósofo norte americano.

Princípios, não são passíveis de julgamento de validade, mas, somen-te de análise de peso em um caso concreto, portanto aparece a segunda função da norma fundamental, que assim como a primeira tem uma cons-trução singular em cada paradigma cultural quanto ao conteúdo, mas es-truturalmente idênticas entre si, que é a dar legitimidade aos princípios.

Se princípios, apesar de serem argumentos pressupostos, são em um caso concreto, sujeitos a uma análise de peso, essa análise somen-te pode ser coesa se um axioma de cunho também metajurídico, a norma fundamental, o tornar legítimo. Princípios, sendo imunes à percepção de validade normativa e, consequentemente da regulação a ela imposta, careceriam de passibilidade de aplicação sem a legiti-mação advinda da norma fundamental.

Dworkin diferencia a aplicação silogística da norma da aplicação dos princípios com a noção de Direito como Integridade, que vincula o mesmo ao paradigma histórico-cultural de uma comunidade. Entre-tanto, por mais que pareça simplista e hoje, extremamente natural per-cebermos a atuação dos princípios nas decisões, os mesmos só o podem

Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 213

fazê-lo, sem uma análise de validade, por passarem por uma análise de legitimidade, o que remete à estrutura da norma fundamental.

Se com Kelsen aprendemos que uma norma só é válida porque uma norma anterior e supra jurídica a concedeu legitimidade (no sentido de validade, que o mesmo usa), para considerarmos sua construção da for-ma completa, temos que perceber que nos princípios o mesmo ocorre, porém com a definição no sentido de justificação no caso prático.

Palavras-Chave: Norma Fundamental, validade, legitimação, princípios.

o Acórdão omegA do tribunAl de JuStiçA dA união europeiA e SuA contribuição teóricA pArA A conStrução

de um conStitucionAliSmo globAl

Jeison Batista de AlmeidaMestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho (Portugal).

Professor Adjunto da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (Brasil). E-mail: [email protected].

O tema da presente pesquisa consiste numa análise e discussão do Acórdão Omega (2004), do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua contribuição para a construção de um constitucionalismo global, com vistas as particularidades de Direito doméstico dos Estados. Em que pese o fracasso da aprovação de uma carta constitucional europeia, a doutrina contemporânea tem admitido a existência de uma consti-tuição material que tem como finalidade, sobretudo, a proteção dos direitos fundamentais. A proteção dos direitos fundamentais no con-texto da União Europeia é subsidiada, em grande escala, pela jurispru-dência do Tribunal de Justiça que, desde o Acórdão Stauder (1969), vem argumentando em favor da proteção dos direitos fundamentais. No contexto da produção jurisprudencial do Tribunal de Justiça, in-fere-se que a proteção dos direitos fundamentais na União Europeia, funda-se em três fontes, sendo elas: os princípios constantes dos trata-dos constitutivos da União; as tradições constitucionais comuns aos Es-tados-Membros e; os instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos. Tendo em vista esta tríplice proteção dos direitos humanos/fundamentais, quando se está em demanda uma norma que assegu-re estes direitos, por efeito de uma regra na teoria geral dos direitos fundamentais, comuns aos níveis de proteção (nacional, europeu e in-ternacional), preza-se pela norma que assegure, na esfera jurídica do destinatário, a proteção mais elevada entre os níveis de proteção existen-tes. Deste modo, questiona-se a aplicação do princípio do primado na norma de direito europeu, que a grosso modo, pode ser explicado como

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 215

um meio para garantir a aplicação da norma europeia em detrimento da norma interna dos Estados-Membros, ainda que em grau constitucio-nal. Diante desse quadro, é possível levantar-se algumas problemáticas, tais como: um direito previsto pela norma europeia pode ser restringido por ser contrária aos valores fundamentais protegidos pela Constituição de um Estado-Membro? Se o direito que têm os Estados-Membros de obstar as liberdades fundamentais garantidas pelo Direito Europeu, de-pende da condição desta restrição se basear numa concepção de Direito comum aos Estados-Membros? Ilustração da jurisprudência discursiva do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Acórdão Omega enfrenta a problemática posta. O acórdão em apreço em poucas linhas assim se resumiria: a) tem-se um padrão nacional no direito alemão de proteção dos direitos fundamentais exigidos pela Constituição; b) a ter em vista esse padrão de resguardo dos direitos fundamentais – a dignidade hu-mana, em especial –, autoridades competentes, proibiram que um jogo que vai de encontro a este padrão de proteção fosse comercializado; c) uma vez que o jogo proibido utilizava produtos e serviços oriundos de outro Estado-Membro da União Europeia, a referida proibição afetava as liberdades garantidas pela ordem comunitária; d) a União Europeia assegura a proteção aos direitos fundamentais e; e) o Tribunal de Justiça admite que mesmo que o padrão de proteção dos direitos fundamen-tais na Alemanha não seja comum aos outros Estados-Membros – ao revés disso é uma proteção mais elevada –, está apta a obstar as liberda-des asseguradas no Direito Europeu, se o exercício de alguma liberdade for violadora dos direitos fundamentais. Através da análise do referido acórdão, buscamos identificar elementos teóricos que possam subsidiar a construção de um constitucionalismo global. Para desenvolver esta problemática, partiu-se do método dedutivo, valendo-se da pesquisa bibliográfica na doutrina especializada, da análise dos tratados consti-tutivos da União Europeia e especialmente na jurisprudência do Tri-bunal de Justiça da União Europeia. Busca-se, portanto, na experiência jurídica europeia e na respeitada jurisprudência do Tribunal de Justiça, os elementos teóricos que visam proporcionar a proteção dos direitos fundamentais, numa comunidade global, mas sem deixar às margens as concepções domésticas de proteção destes direitos.

red JudiciAl interAmericAnA y conStitucionAliSmo multinivel

Paola Andrea Acosta AlvaradoDoctora Suma cum Laude en derecho internacional y relaciones

internacionales, Universidad Complutense de Madrid. Docente investigadora, Universidad Externado de Colombia. Bogotá. Colombia. [email protected]

Desde nuestro punto de vista, gracias a la creciente interacción entre los jueces de protección, nacionales e internacionales, es posible hablar de la existencia de una red judicial que ayuda a la constitucio-nalización del escenario internacional.

En la primera parte de nuestro trabajo, daremos cuenta del contex-to, las normas y las herramientas jurisprudenciales que permiten el diálo-go interjudicial que da lugar a la red judicial interamericana. Así mismo, expondremos los efectos que tiene la existencia de esa red (entre otras, resaltaremos la existencia de un ius commune interamericano y el papel de la CorteIDH como tribunal constitucional) sobre el derecho interna-cional, el derecho constitucional nacional, las relaciones entre ambos y, en general, sobre la efectividad de la protección ofrecida a los individuos.

En la segunda parte, expondremos la relación entre la red judi-cial interamericana y el proyecto de constitucionalización multinivel en el escenario regional. Desde nuestro punto de vista, dicha red es herramienta y, al mismo tiempo, resultado del proceso de constitu-cionalización internacional, así como motor del mismo.

Por una parte, la red judicial pone en evidencia tanto la nece-sidad cuanto la posibilidad de que se ejerzan funciones constitucio-nales y que se persigan objetivos constitucionales desde el escenario internacional. Por la otra, la interacción en la que se basa ayuda a per-feccionar la forma de ejercer dichas funciones. Así, desde el punto de vista sustancial, el proceso de interacción judicial ayuda a reivindicar la existencia de ciertos valores comunes de la comunidad internacio-nal y desde la perspectiva formal, su aporte radica en la articulación de normas, procedimientos y estructuras para el ejercicio de funcio-nes constitucionales desde el escenario internacional principalmente

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la protección de dichos valores esenciales y, con ello, el desarrollo ‘the rule of law’ tanto a nivel nacional cuanto internacional. Finalmente, la red judicial, en especial el ius commune que de ella emana, sirve como ente articulador del proceso constitucional más allá de la re-gión y más allá del asunto de los derechos humanos.

SiStemA cArcerário brASileiro e SiStemA interAmericAno de proteção doS direitoS humAnoS: umA AnáliSe do cASo dA

unidAde de detenção urSo brAnco

Cinthia de Cerqueira Alves

Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Vive-se no Direito Internacional a expectativa da efetivação dos direitos humanos através do fomento de medidas que possam for-talecer a existência humana. Tal intento é buscado através do fun-cionamento de sistemas globais e regionais de proteção e promoção dos direitos humanos. Nesse cenário, o Brasil integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo membro do Sistema Regio-nal Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). Tal sistema, composto pela Comissão e pela Corte Interamericana, atua como órgão fiscalizador da implementação de medidas públicas que visem à satisfação das necessidades humanas, e também como via contenciosa ao apurar denúncias de violações de direitos humanos em qualquer dos Estados partes. Desse modo, os indivíduos que sofrerem violações de direitos humanos podem recorrer ao sistema para obter a reparação quando há a incapacidade das instâncias na-cionais em promover a justiça. O SIPDH objetiva promover mudan-ças abrangentes, pois os efeitos das decisões e medidas tomadas não se restringem ao caso apreciado, mas abarcam a coletividade a fim de impedir a ocorrência de novas violações.

A efetivação dos direitos humanos ainda é um desafio na realidade brasileira, onde há um imenso fosso entre o ideal de proteção promo-vido pelo SIPDH e os fatos. Para ilustrar essa dissonância, trazemos a análise da situação do sistema prisional brasileiro através do caso que foi alvo de Medidas Provisórias emanadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e está relacionado às violações de direitos huma-

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nos cometidas na Casa de Detenção José Mário Alves, conhecida como Presídio Urso Branco, localizada no estado de Rondônia. Dentro dessa unidade prisional ocorreram vários episódios de tortura e homicídios perpetrados pelos presos e pelos agentes penitenciários, há também um contexto de superlotação e falta de bens e serviços básicos, como água, medicamentos, produtos de higiene e atendimento médico.

Essa análise visa verificar o nível de facticidade interna das de-cisões emanadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos diante de países soberanos como o Brasil. O recorte proposto mos-tra relevância ao analisar os impactos internos em termos políticos e judiciais que são gerados pela apreciação de casos de violação de direitos humanos pela Corte Interamericana. Propõe, dessa forma, avaliar como se opera o modelo de coerção internacional frente ao direito interno no Brasil, analisando uma situação específica (o des-respeito aos direitos humanos no sistema carcerário), a partir de um caso concreto apreciado pela Corte Interamericana de Direitos Hu-manos (Caso Urso Branco). Preocupa-se não só com a facticidade das decisões condenatórias da Corte interamericana, mas também com a efetividade de todo o sistema de medidas que o SIPDH utiliza para combater a violação dos direitos humanos.

Por fim, observando o objetivo do SIPDH de que suas re-soluções e decisões em casos isolados repercutam de modo geral no âmbito interno, evitando novas violações de direitos humanos, pon-deramos como as Medidas Provisórias emanadas pela Corte Intera-mericana no caso Urso Branco podem servir de parâmetro para anali-sar situações de desrespeito aos direitos humanos em outros presídios brasileiros. Desse modo, o esforço proposto visa identificar em que medida as autoridades brasileiras encarregadas de dar efetividade aos parâmetros constitucionais consideram decisões emanadas de uma instância internacional para tomar suas próprias decisões. Em última análise, pretende-se identificar a abertura do constitucionalismo bra-sileiro para o diálogo com uma ordem jurídica internacional.

conStitucionAliSmo globAl: novo pArAdigmA pArA A proteção doS direitoS humAnoS

Priscilla Saraiva AlvesPós-graduanda lato sensu em Direito Processual Civil pela Universidade de

Fortaleza. Brasil. [email protected]

O que se denominou de Estado de Direito Internacional, surge da comunhão coordenada de vontades entre as nações, constituin-do o que Valério Mazzuoli denomina de terceira onda evolutiva do Estado, do Direito e da Justiça: o Internacionalismo. A base prin-cipiológica desta terceira onda evolutiva decorreu da passagem do princípio do domestic affair (ou da não ingerência) para o do inter-national concern, implicando uma responsabilidade internacional no que concerne à proteção dos direitos e garantias fundamentais, que é a finalidade maior de todos os ordenamentos jurídicos. As velhas estruturas sofrem pressões pela necessidade de serem repensadas, re-modeladas e rediscutidas, política e culturalmente. Problemas antes vinculados às fronteiras domésticas dos Estados se tornaram questões de legítimo interesse da comunidade internacional. A globalização, acelerou a transnacionalização das relações econômicas e financeiras, oportunizando principalmente a intensificação das relações sociais e enfraquecimento do Estado-Nação, conectando e transformando--os, em prol de um pacto internacional pela proteção de direitos de caráter supranacionais. Apesar dos constantes esforços para que o Direito Internacional não se confunda com um simples aglomerado de regras, todas dispostas aleatoriamente, sem critérios pré-definidos que as tornem um todo coerente, tal confusão se observa com a glo-balização advinda pós século XX. Os diversos organismos interna-cionais proferem decisões baseadas em normas conflitantes entre si (caso Mox Plant, por exemplo), comprometendo, esta assimetria, na construção de um diálogo entre as diversas fontes do Direito Inter-nacional, que busca resolver as contradições e os conflitos no pla-

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no externo. Como consequência disto, o Direito Internacional vem apresentando fissuras em sua unidade, revelando um caráter extre-mamente fragmentário na contemporaneidade, comprometendo o fortalecimento e a coerência das jurisdições internacionais, as quais tornaram-se fracas, e desse modo, incapazes de lograr êxito no seu objetivo principal de garantia da concretização dos Direitos Huma-nos. O Direito Constitucional não pode alhear-se da realidade que o cerca, o que implica a necessidade de ampliação do constitucionalis-mo para um nível global a partir de uma reflexão acerca das três te-ses sobre o direito global, bastante exploradas por Gunther Teubner, quais sejam, a teoria do pluralismo jurídico, que leva em conta os processos espontâneos da formação de direito na sociedade mundial, a tese de que o direito global não é Direito Internacional, mas cons-titui, um ordenamento jurídico diferente, e a tese de que a distância desse novo direito mundial da política nacional e do Direito Interna-cional não significa a formação de um direito apolítico, longe disso, considerando que o agir dos novos atores jurídicos globais contribui para a sua repolitização, talvez não por meio de políticas institucio-nais convencionais, mas de processos pelos quais o direito é vincula-do a discursos sociais altamente politizados. A projeção global de um catálogo de direitos, baseados naqueles encontrados nas declarações da ONU, bem como, um núcleo pétreo de temas que contaria com proteção máxima, propugnariam pela formação de um constitucio-nalismo cooperativo, onde residiria a maior vantagem desse sistema. Muito tem-se discutido acerca da necessária superação de fronteiras e remodelação do conceito de soberania, arraigado na teoria de Ma-quiavel e Jean Bodin, para uma mudança de paradigma no discurso constitucional, que vinculado à realidade interna, deve ser inserido na realidade global. Acerca da soberania externa, argumenta-se que esta não se coaduna com a sujeição do poder à lei, e igualmente é contrária à vigência das atuais cartas internacionais que proclamam direitos. Considerando a força de um Direito Internacional, emba-sado na autonomia dos povos, e não na soberania dos Estados, é que autores como, Luigi Ferrajoli, são deferentes à adesão de valores

222 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

relativos a um constitucionalismo de caráter mundial, munido de ga-rantias jurisdicionais globais acompanhados de uma filosofia política liberal-socialista. Apesar de ser uma realidade ainda insipiente, faz-se necessário o reconhecimento da pertinência de uma constituição ma-terial global, munida de jus cogens internacional e de princípios com-partilhados, em suma, integrada por valores comuns, tendo como suporte as experiência consumadas nas sociedades democráticas e a jurisprudência consolidada pelas cortes internacionais, especialmen-te em matéria de Direitos Humanos, concluindo por conceber um Direito Constitucional global, que emerge da comunhão de valores, principalmente aqueles ligados à dignidade da pessoa humana.

A teoriA JuSnAturAliStA doS princípioS de Antônio AuguSto cAnçAdo trindAde e A SuA reconStrução à luz

dA teoriA do diScurSo de Jürgen hAbermAS

Bruno de Oliveira BiazattiEstudante do 7º período do curso de Graduação em Direito na

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

O jurista brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade leciona que o Direito Internacional não é composto somente por regras, mas também por princípios. Esta perspectiva conceitual é o resultado do processo de humanização das normas internacionais, iniciado no fim da Segunda Guerra e que se alonga até os dias atuais, caracterizado pela expansão e consolidação dos direitos humanos no sistema ju-rídico internacional. Tal fenômeno acarretou a reconsideração dos fundamentos do Direito Internacional, levando a desconstrução de modelos positivista/voluntaristas e deslocando a ênfase do próprio Direito para o bem estar do homem. Diante disso, segundo ele, se faz evidente o despertar de uma consciência jurídica universal, como reflexo deste novo paradigma, já não mais estatocêntrico, mas que posiciona os interesses da humanidade como objetivo último do fe-nômeno jurídico. Esta consciência jurídica universal, definida como o sentimento de preservação da pessoa humana e que permeia toda a Comunidade Internacional, é o fundamento direto dos princípios. Em linhas gerais, todas as normas internacionais encontram fulcro na consciência universal, sendo, portanto, a fonte suprema de vali-dação normativa. Cançado Trindade defende que a consciência ju-rídica universal deve ser lida como uma concepção jusnaturalista de validação, impondo certos pressupostos transcendentais de natureza axiológica, que garantem coesão, coerência e legitimidade ao corpo normativo internacional. Nesse prisma, o jurista brasileiro assevera que os princípios internacionais são, em última análise, princípios

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de Direito Natural, pois o sistema jurídico precisa da proeminência de valores superiores, capazes de orientar a dinâmica internacional e atender as aspirações humanas. Assim, o Direito Natural na visão de Cançado Trindade não busca resgatar concepções jusnaturalistas clássicas, mas sim reafirmar de maneira enfática padrões mínimos de justiça e, desta forma, reforçar a universalidade dos direitos hu-manos, que estão totalmente fora do escopo de barganha pelos Es-tados. In fine, o restabelecimento do jusnaturalismo contribui para a sedimentação do primado de valores homocentristas, de forma a constituir-se, no fim, um processo de moralização do próprio Direi-to, como um imperativo da humanidade que transcende a vontade estatal. A grande ambição de Cançado Trindade é, portanto, deslocar a formação do Direito Internacional do consentimento e da vontade estatal para as necessidades da humanidade. Tirar a pessoa humana da posição de mera coadjuvante, que simplesmente assisti a formação e transformação do Direito Internacional pelos e para os Estados, a fim de coloca-la no status de protagonista, cujos interesses se tornem o centro e a finalidade maior do sistema normativo internacional. De tal modo, os princípios internacionais são indispensáveis, pois cons-tituem o substrato da ordem jurídica, baseada no conceito de justiça objetiva, advinda tipicamente do Direito Natural. Eles são superiores a própria vontade dos sujeitos internacionais, vez que são o reflexo direto da busca de justiça pela humanidade e peça chave para a edi-ficação de um sistema normativo verdadeiramente universal. É nesse sentido que Cançado Trindade os defini como os “pilares básicos do sistema jurídico internacional”. Todavia, não é difícil perceber que a tese deste douto brasileiro é problemática. Seu trabalho é louvável quando advoga que a moral tem papel relevante no Direito Inter-nacional e também o homocentrismo que permeia as normas inter-nacionais, em detrimento do protagonismo dos Estados. Todavia, adotar uma concepção jusnaturalista para fundamentar a influência axiológica no Direito se revela uma argumentação ultrapassada para defender uma teoria atual e muita promissora. Acredito que uma solução mais atraente é usar a racionalidade prática linguisticamente

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 225

concebida, a fim de criar uma tese condizente com o giro linguís-tico-pragmático da Filosofia Contemporânea. Nesse prisma, fez-se mister citar o alemão Jürgen Habermas, quando defende a Ética do Discurso, voltada para a concepção de normas que gozem de aceita-bilidade universal entre todos os participantes do discurso (princípio da universalização). Assim, o conteúdo do Direito Internacional só será legítimo, caso decorra de um discurso regido por regras procedi-mentais racionais. Substitui-se, dessa maneira, o recurso a elementos jusnaturalistas por um procedimento balizada nas regras do discurso, onde espontaneamente argumentos morais aflorarão e serão aceitos ou rejeitados conforme a força destes argumentos. Destaca-se que o discurso será realizado num “auditório ideal”, onde todos os falantes possuem igual condição de fala, livres de qualquer tipo de coação ou de qualquer interesse egoístico. O próprio Direito Internacional, como positivado na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), se preocupa em impor regras mínimas para evitar a concepção de tratados mediante corrupção e coerção. Assim, apesar dos méritos da doutrina de Cançado Trindade, são identificáveis certos equívocos em seu tra-balho. O presente artigo visa identificar alguns destes pontos fracos e substituí-los por argumentos mais persuasivos, de forma a maximizar o poder de convencimento da tese humanista de Cançado Trindade.

lA nAturAlezA como “grundnorm” e “tertium compArAtioniS” del “conStitucionAliSmo globAl”

Michele CarducciProfesor ordinario de Derecho Constitucional Comparado, Centro

Didáctico Euroamericano sobre Políticas Constitucionales, Universidad del Salento, Lecce, Italia, [email protected].

Lidia Patricia Castillo AmayaDoctora en Derecho por la Universidad de Bari en Italia, Posdoctoranda

PNPD/CAPES en Programa de Posgraduación en Derecho de la Universidad Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, [email protected]

La humanidad se encuentra en “déficit ecológico” respecto a la Tierra, pues los sistemas de producción obtienen recursos naturales más allá de cuanto la naturaleza misma es capaz de proporcionar. Una “crisis de civilización” del consumo y la explotación de los recursos naturales, legitimada por las instituciones que han construido dicha civilización y por las desigualdades globales que la han avalado, pare-ce ser inminente. ¿Cómo es posible pensar en una sociedad mundial más igualitaria, más justa, más digna en el respeto de los derechos y de las libertades , si los Estados, cuyas Constituciones nacionales persiguen dichos “valores”, hacen poco o nada para evitar la auto-des-trucción del planeta? En el presente trabajo pretendemos problema-tizar las actuales interrogativas respecto a la relación entre ecosistema terrestre y el constitucionalismo nacional y global, descubriendo la relación entre las semánticas del constitucionalismo y la naturaleza, evidenciando las concepciones de comparación constitución que se difunden en la actualidad en el debate sobre el constitucionalismo global, y discutiendo nuevas y originales propuestas alternativas. Así, iniciamos discutiendo el logos eurocéntrico y antropocéntrico del derecho constitucional, que encuentra su fundamento en la idea de que la convivencia humana está determinada únicamente por la dia-léctica entre libertad y autoridad entre los seres humanos, y que

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 227

hemos denominado, citando a Rousseau, el “dilema del cazador”. Este logos reduce además a la naturaleza a “objeto” legitimando y justificando así la relevancia de la economía sobre la ecología, y ha otorgado hasta hoy, las bases para todas las propuestas políticas y metodológicas sobre la convivencia en el planeta tierra. Continua-mos argumentando que el debate sobre el constitucionalismo global, entendido como “diálogo judicial”, se mantiene dentro de ese mismo logos y reproduce el “dilema del cazador” (libertad individual ver-sus autoridad) predicando el valor absoluto de la libre autodetermi-nación de la libertad individual, ignorando la necesidad urgente de debatir el futuro no sólo de los individuos, sino del conjunto de la humanidad entera como un ser vivo en el planeta Tierra; olvidando que el “déficit ecológico” del planeta requiere de una respuesta rá-pida en términos de “autoridad” global y no de “libertad” global ; y terminando por hacer caso omiso de la paradoja ambientalmente catastrófica de la condición humana, es decir, decidir sobre su propia supervivencia a través del consenso; y por lo tanto, a la vez que oculta que el verdadero reto del “constitucionalismo global” no reside en la conquista continua de nuevas libertades, sino más bien en la cons-trucción de una “autoridad” de democracia global “eco-compatible”. Además, apuntamos las limitaciones del enfoque comunicativo origi-nado por las decisiones judiciales acerca de derechos humanos para la construcción de un derecho verdaderamente general, por medio del cual las “autoridades” de la escena mundial puedan llegar a garan-tizar supervivencia humana como un beneficio común global. Ante esas limitaciones, analizamos y valoramos los innovadores y relevan-tes aportes del “nuevo constitucionalismo” andino y las propuestas de la constitucionalización global del “derecho a la democracia” de la Unión Africana, como tentativas constitucionales, provenientes de la “periferia” de la modernidad, que presentan un elemento común muy importante: emanciparse del individualismo metodológico del “dilema del cazador”. Ambas propuestas convergen en la importancia de un constitucionalismo, que no sea confiado a la “comunicación trans-judicial” solamente, sino que discuta la legitimidad democráti-

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ca de la convivencia social asumiendo a la naturaleza, y no a la liber-tad o a la autoridad, como “Grundnorm” de las opciones de “buen vivir” de toda la humanidad (contribución del “nuevo constituciona-lismo” andino), y la democracia como praxis cotidiana de discusiones y debates participativos sobre el futuro de la especie humana (propuesta de la Corte Constitucional internacional de la Unión Africana). Final-mente proponemos debatir sobre una ontología de las Constituciones “en sentido natural”, relacionada con el reto de la supervivencia huma-na dentro ecosistema terrestre, y definir a la naturaleza como “tertium comparationis” del “constitucionalismo global”: como un elemento ineludible de evaluación de las políticas constitucionales presentes y futuras., pues sostenemos que discutir la función de las Constituciones respecto al “déficit ecológico” es un imperativo mucho más importan-te, imprescindible y prioritario, que discutir sobre el “diálogo judicial” y cuales derechos individuales deban o no globalizarse.

memóriA, eStigmAS e compreenSão do direito muçulmAno

Marcelo Kokke GomesFormado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-

graduado em Processo Constitucional pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix. Mestre e Doutorando em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC

- Rio. Aperfeiçoamento em Constitutional Struggles in the Muslim World - University of Copenhagen. Professor de Direito Constitucional - Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor de pós-graduação PUC-MG e IDDE. Professor

Colaborador da Escola da Advocacia-Geral da União. Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada junto ao IBAMA em Minas

Gerais. Brasil – [email protected]

A busca por um constitucionalismo global e análise de bases para construção potencial de uma comunidade de princípios in-ternacional exige o enfrentamento do debate da alteridade, com a tematização de compreensões diversas do Direito e do que envolve o próprio constitucionalismo. O debate da alteridade, apoiado em questionamentos de pensamentos hegemônicos, reclama compreen-são e abertura para entendimento do Direito Muçulmano, da confi-guração constitucional elaborada sob esta matriz. Uma em cada cinco pessoas no mundo professa a compreensão muçulmana da realidade, fechar as portas para buscar entender os pilares que sustentam sua forma de ver, pensar e formular o Direito equivale a fraturar o pró-prio debate da alteridade e inviabilizar a real busca por um constitu-cionalismo global. Estes fatores impelem tomada do jurídico enlaça-da a fatores histórico-culturais, em um Direito que é inerentemente concebido sob o prisma moral na perspectiva jurídica islâmica da Sharia. A religião, embora fonte do Direito Muçulmano, não pode ser considerada como “o fator” de conformação jurídico-social da realidade vivenciada pelos países islâmicos. Elementos econômicos e políticos, ligados principalmente à forma como se procedeu à incur-são da Modernidade em seu patamar hegemônico europeu, são de-terminantes na apresentação contemporânea da realidade dos países muçulmanos. A expressão hegemônica de uma forma de progresso

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que impôs aos países muçulmanos um custo humano desmedido, convertendo realidades, culturas e sociedades em instrumentos ou meio foi determinante na desagregação e abertura para movimentos de vertente extremista hoje erigidos em desafio visualizado pela co-munidade internacional. A forma como se procedeu à incursão de instituições de controle e instrumentalização a favor de políticas e da economia dos ocidentais centrais levou ao sufocamento da tolerância e à abertura ao extremismo, desconstruindo uma realidade secular, principalmente na região correspondente ao desintegrado Império Otomano, onde se destacavam o sistema Millet e o regime Dhimmi. Dois dos fatores proeminentes para a análise de impactos justificados sob a imagem da implantação do progresso próprio da Modernidade são a política imperialista, pretensamente legitimada pela Liga das Nações, de 1919, e a instrumentalização econômica relativa ao petró-leo. A conjuntura jurídica e constitucional dos países islâmicos está ligada à perspectiva própria do Direito, cuja matriz é originalmente forjada nas relações comunitárias e privadas, sem uma organização política institucionalizada. A razão é combinada com a revelação na geração e construção da Sharia, sendo encadeadas relações de vida em sua totalidade para compreensão do papel do jurídico, que não pode ser apartado da moral e da vida da comunidade. Neste cenário, o Autor-Jurista assume o papel de ponte entre a produção normativa do Mufti e a aplicação do Juiz, mas sua ascendência é superior a am-bos, pois cabe a ele extrair e desenvolver na maior medida o Direito Muçulmano, com tratados sobre a Sharia. As bases do Fatwa são expandidas, procedendo os Juízes ao estudo e à aplicação de seus entendimentos. A tarefa do Juiz no Direito Muçulmano, na Sharia, não se resume à adjudicação. O Juiz assume funções extrajudiciais, por isto não é somente Juiz, seu papel é denominado por Qadi. A elaboração de prescrições de conduta não se aparta da produção mo-ral comunitária, presente nos Fatwa e moral-religiosa, exponenciada pelo Hadith. O Qadi é o Juiz judicial e extrajudicial da Sharia, com função de guardião jurídico e moral da comunidade, tutelando-a em vários aspectos do contexto social, cabendo-lhe desde a resolução de

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 231

conflitos até tutoria de órfãos e menores.1 A questão dos problemas sociais ligados aos países muçulmanos possui raiz em fontes econô-micas e políticas, muito mais do que em causas religiosas, o que re-flete no constitucionalismo. Compreender o Direito Muçulmano é passo necessário para pensar um constitucionalismo global e uma real comunidade internacional. Para tanto, faz-se necessário quebrar es-tigmas e estabelecer um novo padrão de reflexão, centrado em Walter Benjamin, manejando o constitucionalismo por meio da memória e da redenção como meios de afirmação da alteridade.

Notas

1 A abordagem do Direito Muçulmano em si é abordada com base nas se-guintes obras: Hallaq, Wael B. An introduction to Islamic Law. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 2009. Afsah, Ebrahim. Constitution--Making in Islamic Countries – A Theoretical Framework. In: Constitution--Making in Islamic Countries: Between Upheaval and Continuity, ed. by Rai-ner Grote and Tilmann Röder Oxford: Oxford University Press, 2010. Ahamed, Farrah. Personal Autonomy and the Option of Religious Law. Oxford Student Legal Research Paper Series Paper number 12/2011. October – 2011.

A AprovAção dA lei gerAl dA copA e A SuSpenSão de direitoS: entrelAçAmentoS e interferênciAS trAnSnAcionAiS

nA ordem conStitucionAl

Cícero Krupp da LuzDoutor em Relações Internacionais pela USP. Professor do Mestrado em

Constitucionalismo e Democracia da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM. Brasil. [email protected]

Não há um Poder Legislativo no âmbito mundial, tampouco uma constituição mundial. Há, contudo, uma notória, hipercomplexa, in-terferência de processos e representação legislativa que tem ganhado força e eficácia na incorporação de normas internacionais ao âmbito doméstico. Esses dois vértices – processo legislativo e diplomacia par-lamentar – dão consistência à análise ao Poder Legislativo, por serem a forma legislativa e representação democrática na atual configuração do direito internacional: fragmentado, descontínuo e heterárquico . Na perspectiva de uma sociedade hipercomplexa/policontextural, ambi-valências tradicionais, como nacional/internacional, esquerda/direita, nacional/estrangeiro, tornam-se insuficientes para dar conta da intensa malha de ordens jurídico-políticas e da diversidade de temas e regimes internacionais que tencionam a literatura para um novo debate.

Esse novo debate retoma o tema da legitimidade e déficit demo-crático do direito internacional. A descontínua e fragmentada ordem internacional é resultado de ordens supranacionais e transnacionais emergentes, que proporcionam casos de processos e representação legis-lativa de natureza singular, como os casos do entrelaçamento de ordens transnacional /nacional no caso FIFA/Brasil, caso a ser explorado no pre-sente trabalho. O déficit democrático geralmente é associado ao debate sobre governança. Essa noção compreende um governar por preferências e normas, regimes e práticas que não têm centro localizável ou ethos. Constantemente compreende, também, um penetrar e redefinir a so-berania dos Estados na disputa por espaços de ação no plano mundial.

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 233

Os entrelaçamentos legislativos devem ser analisados com os preceitos constitucionais de formas democráticas de processos, como garantia no procedimento adotado e acesso a representantes direta-mente eleitos pela sociedade. A diplomacia parlamentar é a repre-sentação apta a projetar uma governança que desenvolva um papel fundamental de accountability (ou fiscalização democrática) e legiti-midade. Portanto, o esclarecimento sobre a natureza desse fenômeno torna-se um novo ponto de debate para o desenvolvimento democrá-tico de um processo político no plano mundial.

Essa dimensão na escala de poder abre espaço para a multiplici-dade de atores que geram mudanças na forma da sociedade mundial, e tem-se a passagem de um sistema hierárquico para uma heterarquia, fruto da participação global de diferentes níveis dessas organizações: locais, nacionais, supranacionais e/ou transnacionais. Dá-se início, en-tão, a um projeto horizontal de relações internacionais, por meio de novas esferas autônomas de autoridade. Se a resposta waltziana en-fatiza o caráter do Estado como ator incondicional, nos contextos da globalização e da governança global, tem sido sustentado o contrário: sua diluição entre outros atores, com importância cada vez maior na construção de uma heterarquia, em que o Estado é apenas um ator en-tre tantos, na busca de interesses próprios ou coletivos.Esses casos são fontes primárias na busca de uma unidade jurídica internacional frente ao avanço entrópico de iniciativas e processos legislativos (supra/inter/trans) nacionais que moldam um sistema em que a sua síntese mais apurada se parece com um entrelaçamento constitucional instável.

A partir desse cenário, o objetivo do artigo é avaliar no caso con-creto da aprovação da Lei Geral da Copa, o papel das ordens transna-cionais, nesse caso, da Lex Sportiva do Futebol, para a incorporação de novas legislações que suspendam direitos ou garantias constitucionais.

A problemáticA de um conStitucionAliSmo globAl em fAce dA SoberAniA doS eStAdoS

Eduardo Silva LuzEstudante do 6º Período de Direito, na Associação de Ensino Superior do

Piauí. Brasil. [email protected].

Hodiernamente nossa sociedade, de acordo com Neves¹, nossa sociedade já nasce desvinculada de organizações políticas e territoriais de um único Estado, devido principalmente ao contato constante, com outras culturas e outros países. Esse processo é decorrente do que passou-se a chamar no final do século XX de Globalização.

O Conceito de Globalização desenvolve-se principalmente pelo aumento das relações econômicas e interdependência dos países entre si, porém embora tenha sua gênesis devido ao livre comércio e a cria-ção de Blocos Econômicos entre os países, após o final da Segunda Guerra Mundial, hoje esse conceito se torna cada vez mais abrangen-te com o desenvolvimento tecnológico, combinando um conjunto de fatores, sociais, políticos e culturais, que causam uma interação maior entre as pessoas, causando principalmente a sensação de per-tencimento a uma comunidade mundial.

Com essa nova sociedade integrada, e a relação de dependência entre os países, cada vez maior, e o avanço do Direito internacional, na regulação das relações entre os estados, surge no mundo jurídico, o conceito de Constitucionalismo Global este deverá ter o condão de garantir a busca pela paz mundial e a internacionalização dos direitos individuais e sociais, e no atual estágio de desenvolvimento humano um constitucionalismo global tem que proteger e garantir também os Direitos Fundamentais de Terceira Geração como exemplo o Meio Ambiente Ecologicamente Correto.

A primeira questão a tratar deve ser, sobre o que seria o Cons-titucionalismo e a diferença dele para Constituição, afinal é possível haver o primeiro sem a necessária existência do segundo, exemplo do

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 235

Common Law Inglês, em que existiu um Movimento Constitucio-nalista, mas não propriamente uma constituição. Sobre Constitucio-nalismo podemos transcrever a definição de Bobbio² em seu Dicio-nário Político, “a técnica jurídica pela qual é assegurado aos cidadãos o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o Estado em condições de não os poder violar”.

O Constitucionalismo Global, só teria o condão de legitimar o que já passou ocorrer desde o Fim da Segunda Guerra Mundial, quando o individuo de forma mais clara, passou a ser sujeito de direi-to internacionais e poder exercer esses direitos, a esse respeito, temos os vários Tratados que Garantiam os Direitos Fundamentais. Porém, quando tratamos de um constitucionalismo global, passa-se a bater de frente com os conceitos de soberanias de um Estado, tornando-se esse o motivo de certa aversão por parte de alguns doutrinadores e países na realização plena de Constitucionalismo Global.

A Soberania tal como concebemos decorre, principalmente da for-mação dos Estados-Nacionais, do mundo moderno, que buscavam sua afirmação, e garantir seus poderes dentro de seus territórios sem sofrer nenhuma influência externa. Daí deriva o conceito de soberania de ser uma autoridade que não se limita a nenhum outro pode. Temos então uma Soberania plena, que não poderia sofrer nenhuma limitação.

Porém, deve-se entender que esse conceito de soberania está ultrapassado, pois que com a interdependência entre os países, e a busca por uma garantia de direitos fundamentais universais, temos que a Soberania passaria a ser limitada, a princípios internacionais e a um começo de Constitucionalismo Global. A respeito assevera Luigi Ferrajoli ³ que a soberania “a deixa de ser, com eles, uma liberdade absoluta e selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas fundamentais: o imperativa da paz e a tutela dos direitos humanos.”

Assim essa limitação no conceito e aplicação da soberania, não seria um retrocesso, mas sim uma evolução, decorrente de um for-talecimento do Direito Internacional, e do Jus Cogens que segundo Canotilho4 seria proteção à vida, liberdade e segurança, e o direito à autodeterminação como direito básico da democracia, com isso tería-

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mos uma soberania constituinte limitada a princípios internacionais, dando origem assim ao Constitucionalismo Global.

A respeito do que já foi exposto alhures, conseguimos, apreender que o Constitucionalismo Global, de maneira alguma viria suprimir a Constituição de um Estado, esse argumento é uma falácia. De ma-neira inicial, esse novo modelo constitucionalista, estabeleceria regras gerais, como exemplo o caso Direitos Humanos, e Fundamentais, que deveriam servir de moldes para as Constituições dos Estados.

E nesse sentido as Constituições dos Países Latino-Americanos, já demonstram um avanço pois trazem em seus artigos, um trata-mento diferenciado, aos Tratados Internacionais de Direitos Huma-nos. Porém ainda existe um longo caminho a avançar.

Os Estados e suas sociedades, estão caminhando para uma uni-versalização de direitos e normas, e a existência de um Constitucio-nalismo Global torna-se necessário, principalmente para uma maior proteção aos direitos individuais e a consagração da paz, que não devem ser previstas e restritas apenas a Tratados, mas devem constar nas constituições e ter meios que possam garantir sua validade.

Palavras-Chaves: Constitucionalismo Global, Direitos, Estados, Soberania.

Referências

¹NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 26-27.

²MATTEUCCI, Nicola. Verbete “Constitucionalismo”. In: BOBBIO, Norberto; Dicionário de política.Tradução de João Ferreira . Brasí-lia: Editora UnB, 1986. p. 120.

³FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. São Paulo: Mar-tins Fontes, 2002. p. 39-40.

4CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. Ed. Coimbra: Almedina, 2008. p. 1370-1371.

KELSEN, Hans, CAMPAGNOLO, Umberto. Direito Internacional e Estado Soberano. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

A hierArquiA conStitucionAl doS trAtAdoS de direitoS humAnoS incorporAdoS Ao ordenAmento

Jurídico brASileiro

Ana Carolina Rezende OliveiraBacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil.

[email protected]

O trabalho busca analisar a importância dos tratados interna-cionais de direitos humanos enquanto instrumentos de efetividade na consolidação do sistema constitucional de proteção dos direitos e garantias fundamentais, bem como dos próprios objetivos do Estado Democrático de Direito. Apesar da persistência de controvérsias acer-ca da interpretação do art. 5º, §3º, da Constituição da República de 1988 com relação à posição hierárquica assumida por esses tratados no plano das fontes normativas do ordenamento jurídico brasileiro, conclui-se que a inclusão do referido parágrafo em nada alterou a estatura constitucional dos tratados de direitos humanos.

O ordenamento jurídico brasileiro, através dos arts. 1º a 4º da CR/88, dispõe que o Estado Democrático de Direito formado terá como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana; no âmbito das relações internacionais, o art. 4º, II, reitera que a República reger-se-á, da mesma forma, pela prevalência dos direitos humanos.

O reconhecimento expresso do primado da dignidade humana como princípio norteador da República, internamente ou nas suas relações internacionais, demonstra a abertura constitucional ao sis-tema internacional de proteção dos direitos humanos1. Somam-se a esse quadro os §§ 1º e 2º, do art. 5º, da CR/88, segundo os quais as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm apli-cabilidade imediata e incluem os direitos decorrentes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Desta forma, faz-se necessária uma interpretação constitucional sistemática, visando à efetivação

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dos direitos consubstanciados nesses tratados e, consequentemente, dos próprios objetivos da República.

Os tratados internacionais de direitos humanos apresentam-se, portanto, como importantes instrumentos para a consolidação do sistema constitucional de proteção dos direitos e garantias funda-mentais, permitindo a ampliação do rol de direitos protegidos e aper-feiçoando o Estado Democrático de Direito2. Trata-se de ferramenta essencial para a construção dos Direitos Humanos na perspectiva do constitucionalismo moderno, fundado em uma sociedade plural, no qual a Constituição é um projeto em desenvolvimento contínuo, em decorrência do próprio caráter histórico dos Direitos Humanos3.

A partir dessa análise, verifica-se que a introdução do § 3º do art. 5º pela Emenda Constitucional 45/2004 não logrou sucesso em seu objeti-vo de sanar as divergências acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos. A CR/88 já assegurava a estes tratados a natureza de norma constitucional em virtude da disposição do § 2º do art. 5º, por se tratar de cláusula de abertura da Constituição aos direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é parte, os quais, conforme § 1º do mesmo artigo, também já gozavam de aplicabilidade imediata.

Por força do disposto no § 2º, esses tratados, independentemente de seu quorum de aprovação, serão normas materialmente constitucio-nais, bastando, para se converterem em normas formalmente consti-tucionais, que percorram o procedimento de aprovação pelo quorum qualificado explicitado pelo § 3º4. Em ambos os casos, porém, integra-rão o “bloco de constitucionalidade”5, conforme interpretação condi-zente com os objetivos sistematicamente expressos pelo texto constitu-cional, que prima pelos direitos e garantias fundamentais, bem como pelo respeito aos direitos humanos em suas relações internacionais.

Conclui-se, mesmo os tratados de direitos humanos ratificados anteriormente à Emenda Constitucional 45/2004 apresentam hie-rarquia constitucional6. Se, antes da inclusão do § 3º pela referida Emenda Constitucional, a interpretação dos §§ 1º e 2º do art. 5º mais benéfica ao ser humano e à efetividade dos Direitos Humanos era aquela segundo a qual os tratados de direitos humanos gozam de

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 239

aplicabilidade imediata e estatura constitucional, não seria possível, após sua inclusão, uma interpretação mais restritiva e discriminatória da nova regra, exigindo-se que os tratados já ratificados passassem por um novo processo de aprovação pelo Legislativo para serem alça-dos à condição de normas constitucionais.

Notas

1 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacio-nal. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30.2 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito Internacional e Direi-to Interno: sua Interação na Proteção dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/in-trod.htm>. Acesso em 3 out 2014.3 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacio-nal. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56.4 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convenciona-lidade das Leis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 50-51.5 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: DelRey, 2010. p. 317.6 O Min. Celso de Mello entende que estes tratados gozam de estatura ma-terialmente constitucional: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Cor-pus nº 87585-8/TO, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJ 25-06-2009. Voto-vista do Min. Celso de Mello. Para Flávia Piovesan, são normas material e formalmente constitucionais: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 72-74.

AS conStituiçõeS democráticAS em fAce de um conStitucionAliSmo globAl

Frederico Antonio Lima de OliveiraProfessor da Universidade da Amazônia – UNAMA. Promotor de Justiça

de 3ª Entrância do Ministério Público do Estado do Pará. Doutor em Direito de Estado (sub-área - Direito Constitucional) pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Público (sub-área - Direito Administrativo) pela Universidade Federal do Pará (UFPa). Pós-graduado em

Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), em Direito Sanitário pela Universidade de Brasília (UNB), em Direito Ambiental e Politicas Publicas pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPa) e em Direito Eleitoral pela

Universidade Federal do Pará (UFPa). Mestre em Direito Público pela Universidade da Amazônia – UNAMA. (Brasileiro, e-mail: [email protected]).

Alberto Papaleo PaesProfessor da Universidade da Amazônia – UNAMA. Professor da Faculdade

de Belém – FABEL. Mestre em Direito Público pela Universidade da Amazônia – UNAMA. (Brasileiro, e-mail: [email protected]).

A Constituição dos antigos podia ser concebida como uma or-dem ideal, onde, prescritivamente, o texto constitucional pudesse ser entendido como um ordenamento posto, capaz de preservar e defen-der o Estado dos desequilíbrios porventura existentes. Os fatores reais de poder nasceram na obra de Ferdinand Lassalle quando lecio-nou acerca da essência das constituições. Para a contemporaneidade a sistematização do Na antiguidade, as preocupações com estrutura estatal eram bem visíveis, sobretudo, com relação à res publica e a polis, com a construção de uma unidade política e uma cidadania comum. Essa característica da história Constitucional antiga perde espaço para um discurso constitucional medieval, onde, as preocupa-ções constitucionais deixam de pertencer aos campos da política e da moral e passam a pertencer ao mundo do Direito. Estava nascendo alí um direito público fundamentalmente contratual, mas, com sentido eminentemente plural. O período moderno trouxe-nos um choque

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 241

entre o conceito de soberania e o sentido de Constituição, fazendo com que o absolutismo político de um poder soberano e indivisível, contrasta-se com a nova necessidade de sua limitação. Eis que se en-contrava o mundo moderno a discutir a natureza do poder soberano que, dado a sua própria natureza, escapa da dimensão constitucional de controle e de contra peso pelos poderes. O debate candente acerca dos novos modelos de representação política do Estado, a presença de um novo povo soberano e a necessidade de se garantir a integri-dade do texto constitucional, impedindo a inserção de elementos de caráter particular que ameaçavam as características gerais do texto constitucional formaram um tripé de preocupações que haveria de serem conformados pelo constitucionalismo, absorvendo a Consti-tuição o poder soberano e estabelecendo limites e garantias para o seu exercício, sem com isso comprometer a integridade do Texto Maior. As revoluções que instrumentalizaram o final do século XIX deram abertura ao século XX, iniciando um debate sobre as chamadas cons-tituições democráticas onde se procurou uma forma constitucional mais estável de se adequar no plano constitucional o encontro entre democracia e constitucionalismo. Ao chegarmos a esse contexto de análise, concebemos as idéias de Konrad Hesse acerca da força nor-mativa das constituições, como o elo entre a Constituição Jurídica e a Constituição Real. Dessa forma, já enfrentada uma evolução concei-tual necessária, aportamos no ambiente especifico deste estudo, que, na contemporaneidade, para os propósitos deste articulado, torna-se importante se contemplar um conceito de constituição que tenha o processo de globalização como um fator real de poder, uma vez que interfere diretamente nas relações econômicas, políticas e sociológi-cas (culturais). Neste sentido o presente trabalho possui como provo-cação principal: realizar um diálogo acerca da globalização como um fator real de poder para teoria constitucional. Para tanto será necessá-rio o atendimento de algumas questões norteadoras, como por exem-plo: a) fundamentação teórica dos termos “fatores reais de poder” para a teoria de Lassalle e de “Força Normativa” em Konrad Hesse; b) a ideia, ou compreensão de Globalização como um fenômeno que

242 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

acontece para a contemporaneidade; e c) o diálogo teórico jurispru-dencial dentro da tradição recente do Brasil. Pragmaticamente, a fim de testar a validade da premissa metodológica da presente pesquisa utilizar-se-ão Jurisprudências do Supremo Tribunal Federal capazes de absorver o processo de globalização para o constitucionalismo, dessa forma, travando uma relação (intrínseca) com os §2º e 3º do artigo 5º da Constituição brasileira.

conStitucionAliSmo globAl e AS interAçõeS entre direito internAcionAl e direito interno: um olhAr crítico Sobre o

pApel doS trêS podereS nA conStituição de 1988

Fabrício Bertini Pasquot Polido Professor Adjunto de Direito Internacional da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Professor do Corpo Permanente de Pós-Graduação em Direito da UFMG. Doutor em Direito Internacional pela

Universidade de São Paulo. [email protected].

Lucas Costa dos AnjosMestrando e graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG). [email protected].

Apesar de reconhecido em diversos âmbitos da ordem jurídica interna na atualidade, o debate sobre a relação entre Direito Interna-cional e Direito Interno, como importante tópico nas disciplinas do Direito Constitucional e do Direito Internacional, carece de revisão. Em tempos da chamada “governança global”, Estados, organizações internacionais e indivíduos são crescentemente vinculados à observân-cia das normas internacionais. Enquanto destinatários de direitos e de obrigações na ordem internacional, esses sujeitos ocupam posição de destaque no cumprimento, no respaldo, e na garantia do Direito Inter-nacional no âmbito interno dos Estados. É no contexto interno que o Estado exerce seus direitos, em resposta à soberania, à territorialidade e aos poderes de legislar e de julgar, com vistas à materialização da justi-ça. Especialmente no que diz respeito à Constituição Federal de 1988, é necessário revisar os papeis atribuídos aos três poderes da organização do Estado brasileiro nas relações internacionais, de forma a aproxi-má-los da ideia de um constitucionalismo global. Ainda que o Brasil privilegie, na atualidade, uma solução consentânea com a aceitação e a observância das normas internacionais, em particular no domínio do Direito Internacional dos Direitos Humanos, as divergências entre monismo e dualismo ainda despertam incongruências.

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A interação entre Direito Internacional e Direito Interno tam-bém é particularmente relevante no que diz respeito ao absenteísmo dos Poderes Legislativo e Judiciário em relação a temas contemporâ-neos da agenda de política externa brasileira. Na sistemática dos atos internacionais estabelecida pela Constituição de 1988, tem o Con-gresso Nacional atribuições meramente formais, de deliberação sobre o texto de tratados e de convenções negociadas e celebradas segundo a competência exclusiva do Presidente da República. A insuficiência do processo dialógico entre Executivo e Legislativo termina por afe-tar a compreensão de como o processo legislativo interno poderia ser aperfeiçoado pelas incursões em temas da Globalidade, como a pro-teção do meio-ambiente e dos direitos humanos, a regulamentação dos direitos de propriedade intelectual, e a universalização das formas de incentivo à ciência, tecnologia e inovação nos Estados. Fenôme-nos como a paradiplomacia ou a cooperação entre distintos níveis federalistas (municípios, estados federados, províncias e regiões) no plano internacional também intensificam as rupturas do modelo tra-dicionalmente adotado pela Constituição brasileira.

Após quase três décadas, o tratamento do tema pelo Judiciário também parece anacrônico e distante dos paradigmas contemporâne-os do pluralismo jurídico e da legitimidade discursiva das normas in-ternacionais. A título de exemplificação, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no Recurso Extraordinário nº 80.0041, que, na hipótese de conflito entre tratado e lei interna posterior, deve prevalecer a nor-ma de Direito Interno, ainda que o Brasil possa ser responsabilizado internacionalmente pela violação de obrigações internacionalmente assumidas, em claro desacordo com a racionalidade que inspira a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 e princípios fundantes da Carta da Nações Unidas. Em seu acórdão, o STF não afirmou existir a possibilidade de revogação de um tratado pela lei posterior, sobretudo porque ambas as modalidades de fontes (Direito Interno e Direito Internacional) têm distintas formas de elaboração, seus próprios meios de formação e de revogação. Não havendo na Constituição dispositivo expresso sobre a prevalência ou a primazia

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 245

dos tratados, os tribunais estariam obrigados a emprestar eficácia ao Direito Interno, porque oriundo do Congresso Nacional, poder re-presentativo da soberania nacional. As demandas da sociedade in-ternacional, na atualidade, entre as premissas do constitucionalismo global e de princípios de governança no Direito Internacional e nas relações internacionais (democracia, transparência, responsabilidade, proteção dos direitos humanos, participação da sociedade civil e das redes de cooperação transnacionais) reclamam novas abordagens.

Nesse contexto, o estudo pretende, primeiramente, estabelecer o quadro analítico dos poderes atribuídos pela Constituição Federal de 1988 aos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, no que tange às relações internacionais empreendidas pelo Brasil. Posteriormente, questionam-se a efetividade da atuação desses poderes, bem como a necessidade de revisão do atual modelo ou conformação de compe-tências nos contextos nacional e internacional. Finalmente, o traba-lho propõe a revitalização e um regime de convergência das compe-tências de cada um dos poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário - como elemento propulsor ou indutor de maior efetividade à inser-ção do Brasil nas relações internacionais, fomentando cooperação, desenvolvimento e adequação ao regime internacional de Direitos Humanos. Com isso, pretende-se verificar de que modo o tema da interface entre direito internacional e direito interno se reencontra com problemas do constitucionalismo global.

Palavras-chave: Direito internacional; pluralismo jurídico; consti-tucionalismo global; fontes do direito internacional; relações inter-nacionais; direito interno; monismo e dualismo; direitos humanos; meio ambiente; tecnologias; Constituição de 1988

Bibliografia preliminar:

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos. In: Arquivos do Ministério da Justiça, v.46, n.182, 1993, p.27-54.

246 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direi-to Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

JÄNTERÄ-JAREBORG, Maarit. Foreign law in national courts: a compa-rative perspective. In: Recueil des Cours, vol. 304, 2003, pp. 181-385.

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PELLET, Alain; DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª edição. Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

VALLADÃO, Haroldo. Primado do Direito Internacional sobre Direito Interno. Rio de Janeiro: Leuzinger, 1940.

Notas

1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 80.004. Rel. Min. Xavier de Albuquerque. Publicação em 1º de junho de 1997.

oS conflitoS de noSSA épocA e A exigênciA de umA orientAção ético-políticA univerSAl

Lilian Márcia de Castro RibeiroAdvogada e Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas

Gerais, Brasil. [email protected]

No momento atual da história mundial nos deparamos com o fenômeno de magnitude sui generis que é a globalização. De acordo com o filósofo alemão Karl-Otto Apel, estamos imersos em uma “pa-radoxalidade da situação-problema”, uma vez que a Ciência e seus avanços, apregoados com uma suposta neutralidade científica, atin-giram uma proporção tal em que seus efeitos não mais se limitam espácio-temporalmente, ou seja, tomaram uma dimensão planetária, exigindo assim, uma responsabilidade solidária por seus efeitos. Con-tudo, ao mesmo tempo em que surge a necessidade de uma macro-é-tica universal, deslumbra-se com a impossibilidade de tal fundamen-tação. Em outros termos, temos de um lado, a necessidade de uma ética intersubjetivamente vinculatória, de responsabilidade solidária da humanidade, diante das consequências de atividades e conflitos humanos nunca foi tão urgente, mas por outro lado, parece que a fundamentação racional de uma ética intersubjetivamente válida para a superação de conflitos nunca foi tão difícil.

Assim, os conflitos de nossa época exigem uma orientação éti-co-política fundamental, tendo em vista que, em face das ameaças que pairam atualmente sobre a “bio ou ecoesfera humana por causa de problemas como a escassez de reservas energéticas e destruição do ambiente” etc., exige-se algo semelhante a uma modificação do siste-ma em medida planetária. Diante do questionamento ético-político sobre o que devemos fazer diante de tal cenário, surge a exigência de uma ética de responsabilidade solidária para a superação de conflitos.

O pano de fundo de tal teoria é a virada linguístico-pragmática, que substitui o conhecimento de uma estrutura monológica por uma

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dimensão intersubjetiva do discurso argumentativo que possui qua-tro pressupostos transcendentais intransponíveis para se alcançar um consenso: a) pretensão de validade (um sentido intersubjetivamente válido); b) pretensão de verdade; c) pretensão de veracidade; e d) pretensão de correção. Mas além dos pressupostos transcendentais, há ainda os pressupostos reais que remetem à constatação de que não se argumenta sozinho, já que nascemos em uma comunidade real de comunicação que nos leva à necessidade de considerar o outro como detentor de igual direito na argumentação.

A aproximação da comunidade real de comunicação à comuni-dade ideal é uma noção importante para o propósito de um consti-tucionalismo global e de uma comunidade de princípios internacio-nal, uma vez que para Apel, as respostas a perguntas sobre assuntos como o Direito, Política, verdade e Justiça em uma época de conflitos multiculturais necessita de um conteúdo ético em uma perspectiva universal, que ultrapasse os limites particulares de cada forma de vida cultural para conciliar discursivamente interesses e necessidades.

Desse modo, apenas em uma comunidade universal de princí-pios compartilhados intersubjetivamente torna-se possível um cons-titucionalismo global, capaz de solucionar estrategicamente e a longo prazo as diversificadas demandas possíveis. Isso por possibilitar dis-cursos práticos que sejam eticamente responsáveis, implementando o entendimento consensual a longo prazo. Portanto, uma decisão globalmente política em que podemos supor uma autêntica cons-ciência de responsabilidade e uma orientação sobre princípios éti-cos universais, deve se esforçar “com recursos políticos buscados no sentido de uma estratégia de longo prazo” por atuar sobre a inter-mediação otimista nas condições da atual situação histórica. Assim, um constitucionalismo global, consistiria numa estratégia de busca da controlada transformação do nosso sistema-humanidade. E isso significa uma política de reformas modificadoras do sistema que não fira as regras do jogo da democracia, que segundo Apel, “podem valer como realização institucional da comunidade ideal de comunicação”.

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 249

Desse modo, é imprescindível a busca por um constitucionalismo global apoiado numa ética universal que possibilite a garantia do ingresso da sociedade global e multicultural a participar de forma intersubjetiva-mente válida na construção de uma discussão democrática e universal de direitos, onde o político e o cidadão eticamente responsável, além de uma orientação ético-política de base, deverão considerar uma série de ulteriores informações sobre as condições colaterais do agir político nas decisões sobre os problemas compartilhados universalmente.

o conStitucionAliSmo de direito internAcionAl privAdo: inSpirAção plurAliStA e trAdução metodológicA.

Kellen Trilha SchappoPesquisadora, FGV Direito Rio, Rio de Janeiro, Brasil; doutoranda, Sciences

Po Law School, Paris, França; mestre e bacharel em Direito pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, Paris, França. Endereço eletrônico: [email protected].

1.- O constitucionalismo intervém como resposta à fragmentação do direito global em uma série de ordenamentos e regimes cuja ação desconcertada conduz a dificuldades na regulação de atividades que superam os limites locais. O risco, todavia, de adotar uma perspec-tiva constitucionalista em um contexto global é o de se atrelar a um raciocínio monista, concentrado em identificar e propor, de cima para baixo, princípios uniformes. Apesar da simplicidade de tal solução, ela peca em dois pontos principais. Inicialmente, ela ignora o pluralismo próprio ao direito global: se o interesse em adotar essa perspectiva é justamente o de admitir a diversidade das fontes que participam na globalização, essa abertura é limitada pela imposição a posteriori de princípios uniformes. Em seguida, a aplicação desses não pode ser ve-rificada em prática. Cada ordenamento jurídico decidindo em termos de princípios universais na realidade transpõe a uma escala global a sua própria concepção sobre qual deveria ser o conteúdo de tais princípios.

2.- Diante dessas dificuldades, autores como Günther Teubner1 e em seguida, de maneira mais detalhada, Christian Joerges2 chegaram à intuição de que o Direito internacional privado, ramo do Direito de-dicado à interação entre diferentes ordenamentos jurídicos, poderia fornecer pistas de análise importantes para o desafio da fragmentação. Essa proposição, que começou a ser explorada pela literatura angló-fona de Direito internacional privado3, ainda não dispõe, contudo, de uma tradução técnica completa, que demonstre de que maneira essa forma de constitucionalismo seria realizada em prática. Tal é o objetivo deste trabalho, que tem o intuito de apresentar brevemente

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 251

quais instrumentos da disciplina contribuem para a realização de um quadro constitucional de Direito internacional privado.

3.- A disciplina é comumente associada a três principais questões: a jurisdição competente para julgar um caso; a lei em aplicação da qual o caso será julgado; o reconhecimento e a execução de uma decisão estrangeira. Portanto, de maneira geral, o Direito interna-cional privado remete à abertura de um ordenamento jurídico ao que vem do exterior. Tal abertura pode ser mínima – a lei estran-geira não será aplicada, acordos sobre a competência não serão re-conhecidos –, ou apresentar um maior grau de tolerância. O que faz com que o Direito internacional privado inspire uma forma de constitucionalismo global não é o seu aparato técnico em si, ou as digressões teóricas que circundam há anos a questão da lei aplicá-vel, mas essa característica de diálogo, abertura e coordenação entre ordenamentos jurídicos. Como as dificuldades ligadas ao direito global podem ser assimiladas à existência de conflitos – não so-mente entre leis ou regulamentos contraditórios, mas entre regimes funcionais (e respectivas racionalidades) em colisão – o raciocínio próprio ao Direito internacional privado é promissor na medida em que a interação entre regimes pode ser organizada de modo a evitar conflitos e impor limites a fontes normativas autônomas.

4.- É proposta ao longo do estudo uma apresentação em duas di-mensões do constitucionalismo de Direito internacional privado. A primeira estabelece uma conexão entre o espaço reconhecido pela disciplina à autonomia das partes e a possibilidade para que regimes autônomos se constituam e produzam decisões eficazes. A segunda dimensão responde, quanto a ela, à questão, essencial no constitucio-nalismo global, relativa aos limites a serem impostos a fontes norma-tivas autônomas (organizações internacionais, agências de notação, empresas e demais regimes funcionais desprovidos de uma estrutura coordenando a legitimidade e a responsabilidade do órgão tomador de decisões). O artigo se inspira em um dos principais mecanismos de Direito internacional privado – a exceção de ordem pública interna-

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cional – para propor um sistema de interlimitação em rede, pelo qual o reconhecimento do que é exterior ao ordenamento é acompanhado da possibilidade de impor limites aos seus excessos.

Notas

1 Andreas Fischer-Lescano e Gunther Teubner, “Regime-Collisions: The Vain Research for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law”, Michi-gan Journal of International Law 25 (2004): 999-1046.2 Christian Joerges, “The Idea of a Three-Dimensional Conflicts Law as Constitutional Form”, in ed. Christian Joerges and Ernst-Ulrich Pe-tersmann, Constitutionalism, multilevel trade governance and interna-tional economic law (Oxford and Portland: Hart Publishing, 2011).3 Em especial Jacco Bomhoff, “The constitution of the conflict of laws”, Law Society and Economy Working Paper Series, WP4/2014, Lon-don School of Economics and Political Science; Horatia Muir Watt, “Private International Law Beyond the Schism”, Transnational Legal Theory 2.3 (2011): 347-428; Robert Wai, “Conflict and comity in trans-national governance : Private international law as mechanism and meta-phor for transnational social regulation through plural legal regimes”, in ed. Christian Joerges and Ernst-Ulrich Petersmann, Constitutionalism, multilevel trade governance and international economic law (Oxford and Portland: Hart Publishing, 2011).

conStitucionAliSmo globAl, corteS e o exercício de AutoridAde públicA internAcionAl: redefinindo AS bASeS de

legitimidAde do direito internAcionAl contemporâneo?

Fabia Fernandes Carvalho VeçosoDoutora e mestre em direito internacional pela Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo. Professora Adjunta no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo. Brasil. E-mail: [email protected].

João Henrique Ribeiro RorizDoutor em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade

de São Paulo, mestre (LLM) em direito internacional pela London School of Economics and Political Science. Professor Adjunto no curso de Relações

Internacionais e no mestrado interdisciplinar em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás. Brasil. E-mail: [email protected].

A atuação de cortes e tribunais internacionais tem se intensifica-do nas últimas décadas. Além da criação de novas instituições no pe-ríodo pós-Guerra Fria (Project on International Courts and Tribunals - The international Judiciary in Context, quadro sinótico de cortes in-ternacionais disponível em: <http://www.pict-pcti.org/publications/synoptic_chart/synop_c4.pdf>), o número de decisões proferidas por cortes e tribunais internacionais é crescente desde 1989 (ALTER, Ka-ren J., The Evolving International Judiciary, working paper n. 11-002, junho 2011, disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1859507). Esse contexto torna possível falar em um novo paradigma de litigân-cia rotinizada e governança judicial, para além de uma compreensão das cortes e tribunais internacionais como instituições focadas na re-solução de disputas entre Estados em uma dada controvérsia de di-reito internacional (KINGSBURY, Benedict. International Courts: uneven judicialisation in global order. In: CRAWFORD, James; KOSKENNIEMI, Martti. The Cambridge Companion to Internation-al Law, Cambridge: Cambridge University, 2012, p. 210).

254 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Esta mudança de paradigma tem relação direta com os debates recentes em torno da noção de constitucionalismo, bem como com o seu (suposto) processo de democratização. Para Christine Schwöbel (Global Constitutionalism in International Legal Perspective. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2011, p. 130-132), o debate sobre cons-titucionalismo no plano internacional é predominantemente forma-do a partir de princípios da democracia liberal enquanto forma de governo que, por sua vez, seria baseada nos preceitos teóricos do libe-ralismo político. É neste sentido que certos autores enquadram o de-bate do constitucionalismo como uma questão de “valores universais compartilhados” (KLABBERS, Jan. Introduction to International Ins-titutional Law. 2ª ed., Nova York: Cambridge University Press, 2009, p. 314-315) e dentro de uma grande narrativa de progresso que pode desconsiderar discussões sobre igualdade e sobre distribuição social (GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Constitutionalism Forever. Finnish Yearbook of International Law, v. 21, s/n, p. 137-170, 2010, p. 169-170). As meta-questões levantadas pelo constitucionalismo dificultam aprofundar sua proposta em casos concretos sem enfrentar teses como, por exemplo, o de “valores universais compartilhados”.

Contudo, mesmo nas vertentes teoréticas tradicionais do cons-titucionalismo – que seriam segundo uma proposta taxonômica de Schwöbel (op. cit., 2011, p. 48-50), os constitucionalismos social, institucional, normativo e analógico – outra interpretação tem ga-nhado significativo espaço. Trata-se do trabalho de teorização pro-posto por Armin Von Bogdandy e Ingo Venzke, no contexto do projeto “Exercício de Autoridade Pública Internacional”, lançado pelo Instituto Max Plack de Direito Internacional e Comparado, e atualmente desenvolvido por uma rede de pesquisadores de diversas instituições europeias (http://www.mpil.de/de/pub/forschung/fors-chung_im_detail/projekte/voelkerrecht/ipa.cfm).

Segundo Bogdandy e Venzke, uma teoria de direito público para decisões judiciais internacionais seria necessária para compreender e articular essa mudança de paradigma. Nesse sentido, cortes e tribu-nais internacionais não deveriam mais ser considerados meros instru-

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 255

mentos para a solução de disputas interestatais, mas sim atores que exercem autoridade pública no plano internacional (VON BOGDA-NDY, Armin; VENZKE, Ingo. In whose name? A public law theory of international adjudication. Oxford: Oxford University, 2014.)

Preocupação central dos autores nessa elaboração teórica diz res-peito à legitimidade de cortes e tribunais internacionais: em nome de quem são proferidas decisões judiciais? Para Bogdandy e Venzke, essas decisões são prolatadas em nome dos cidadãos que têm sua liberdade influenciada pelas mesmas (mesmo que se trate de uma influência indi-reta). Assim, não são as partes em uma controvérsia internacional, nem a comunidade internacional, tampouco o regime internacional a que se filia a corte ou o tribunal, que devem legitimar decisões internacionais.

Essa contribuição possui como objetivo discutir a proposta de Bog-dany e Venzke, colocando em questão a construção de um constitucio-nalismo global centrado no juiz internacional. Sem desconsiderar o im-pacto da atuação de cortes e tribunais internacionais nos últimos anos, o artigo discutirá o pressuposto cosmopolita necessário para adoção dessa proposta teórica - a ideia de cidadãos ligados à uma ordem internacional sem a mediação do Estado ou de organizações internacionais.

A conStitucionAlizAção do direito internAcionAl em fAce do fenômeno dA “excludênciA”

Fernando César Costa XavierDoutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB),

Mestre em Direitos Fundamentais e Relações Sociais pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Bacharel em Direito pela mesma instituição. Professor Adjunto

do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (ICJ/UFRR). Brasil. Email: [email protected].

Este artigo parte da premissa de que o tema da constituciona-lização do direito internacional merece estudo cada vez mais apro-fundado, sobretudo porque, como afirma Jan Klabbers (2009), ele comporia a “trindade” do debate jusinternacionalista contemporâneo nestes primeiros anos do séc. XXI, ao lado dos temas da verticalização e da fragmentação do direito internacional. Embora se possa dizer que esse tema esteja ainda muito adstrito ao estudo da evolução do direito comunitário europeu, não há razões para se desconsiderar a relação direta que há entre um tal fenômeno [a constitucionalização] e outros como a relação entre política e o direito, e a internacionaliza-ção dos direitos humanos – e, ipso facto, o consequente interesse que advém dessa constatação para contextos não-europeus. Em agosto de 2013, Jürgen Habermas fez um “apelo” pela constitucionalização do direito internacional, ocasião em que a definiu como a continuidade do processo de juridificação (enquanto “domesticação” pelo direito) do poder político. Segundo ele, após a Segunda Guerra, esse processo teria extravasado o âmbito dos Estados nacionais e alcançado o do-mínio internacional, favorecido pela atuação de uma rede de organi-zações internacionais de integração política e de cooperação. O cami-nho para essa constitucionalização, contudo, passa a ser “pedregoso” não apenas se se tomar em conta, como faz Habermas, a crise que se instalou na União Europeia, mas também a assunção de novos dis-positivos que hoje consubstanciariam respostas jurídicas utilizadas de modo cada vez mais frequente nas relações internacionais contra Es-

Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 257

tados com tendências, por assim dizer, desintegradoras. Um exemplo desses novos dispositivos seria o que Scott Shapiro e Onna Hathaway (2009) chamam de “excludência” (outcasting). Como seria possível a conformação constitucional do direito internacional se, como apon-ta Habermas, “a governança global é apenas um termo eufemístico para se referir ao caráter antidemocrático das relações internacionais a que temos assistido hoje”, sendo esse caráter especialmente nota-do no arranjo institucional da Organização Mundial do Comércio (OMC)? A socialização política exigida por esse grau avançado de constitucionalização seria compatível com o contexto em que en-tidades internacionais frequentemente marginalizam certos Estados tidos por não-colaborativos? Até que ponto a excludência pressupõe a racionalização do poder político? Eis as dúvidas que mobilizam as análises levadas a efeito no presente texto.

Palavras-chave: constitucionalização do direito internacional; gover-nança global; excludência.

A eficáciA doS direitoS fundAmentAiS SociAiS nAS relAçõeS privAdAS: um deSdobrAmento do proceSSo de

conStitucionAlizAção do direito

Marcos Felipe Lopes de Almeida Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

O neoconstitucionalismo, entendido como um corolário da fi-losofia pós-positivista, pode ser caracterizado pela consolidação da Constituição como ápice da hierarquia normativa, de forma a ser vista como um documento jurídico e não mais meramente político como outrora. Então, a Lei Magna é dotada de imperatividade, o que leva à possibilidade de deflagração de certos mecanismos em casos de inobservância do determinado normativamente. Além disso, a Cons-tituição assume a postura de referencial axiológico, o que auxiliará na interpretação do ordenamento jurídico. Nesse contexto, insere-se o processo de constitucionalização do Direito.

A constitucionalização pode se dar por duas vias: a primeira, pela presença de institutos infraconstitucionais no texto constitucio-nal; já a segunda, caracteriza-se pela influência de normas tipicamen-te constitucionais no ordenamento infraconstitucional. No âmbito deste trabalho, interessa o estudo da segunda hipótese.

A afirmação de direitos fundamentais é uma tarefa sabidamente constitucional, tendo em vista a sua relevância para o sistema jurídi-co. Por parte da Constituição Federal de 1988, isso ficou ainda mais claro, dado o extenso reconhecimento de direitos, os quais abrangem diversos aspectos da vida humana. Tais direitos foram concebidos, inicialmente, como oponíveis apenas perante o Estado, porém não se pode negar a vinculação dos particulares.

É majoritário o entendimento de que os direitos de liberdade são eficazes nas relações entre particulares, cita-se inclusive o ilustre RE 201.819 do Supremo Tribunal Federal, no qual é confirmada essa

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 259

posição jurisprudencialmente. Entretanto, no que tange aos direitos fundamentais sociais, a vinculação ainda é um tema controverso.

Primeiramente, deve-se partir da premissa de que negar o caráter vin-culante dos direitos sociais, cuja fundamentalidade é indubitável em razão da sua íntima ligação com a dignidade humana, significa recusar efetivida-de à Constituição. À Lei Fundamental, dada a sua posição no ordenamento jurídico, deve ser garantida a máxima efetividade, já que espelha os ideais de uma determinada sociedade em certo contexto histórico.

No estudo dos direitos fundamentais sociais, entra em cena a discussão sobre a garantia de um mínimo existencial, definido como o conjunto de direitos fundamentais sociais mínimos que garante uma existência digna. Portanto, o mínimo existencial é formado pelo núcleo essencial de direitos fundamentais sociais mínimos, pois não são todos os direitos fundamentais sociais que o compõem, o qual é variável conforme o contexto social e econômico do país. Além disso, constitui direito subjetivo definitivo, o que indica a sua justiciabili-dade, isto é, é exigível o seu cumprimento imediato em caso de viola-ção, tendo em vista a íntima ligação com a dignidade humana, já que o mínimo existencial resguarda a sua proteção em seu grau elementar.

Além desse argumento, deve-se considerar o estágio atual da sociedade, em que se proclama solidariedade. Tal como previsto no art. 3º, I, CF/88, constitui objetivo da República construir uma so-ciedade solidária, ou seja, busca-se a responsabilidade social. Deste modo, os particulares são igualmente responsáveis pela garantia de condições materiais mínimas para os excluídos, pois estão sujeitos ao ideal de justiça delineado pela Constituição.

Na jurisprudência brasileira, há decisões que asseguram direitos funda-mentais sociais nas relações entre particulares. Como exemplo, cita-se o caso em que o Judiciário atua para obrigar os planos de saúde a realizar tratamento de doenças excluídas da cobertura em razão de reajuste contratual.

Portanto, o presente trabalho busca explicitar e confirmar a influência que os direitos fundamentais sociais exercem sobre as relações privadas, evi-denciando a sua relação com o processo de ganho de relevância da Consti-tuição e irradiação das suas disposições por todo o ordenamento jurídico.

A forçA normAtivA doS princípioS conStitucionAiS e o direito do trAbAlho

Isabela Murta de ÁvilaAdvogada, pós-graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG) em Direito do Trabalho Ítalo-Brasileiro, em parceria com a Università degli Studi di Roma Tor Vergata, mestrado em andamento pela Universidade

Federal de Minas Gerais, Brasil. [email protected]

O Direito Constitucional somente pode ser entendido como ciência jurídica, normativa se for reconhecida a força normativa da Constituição que, se traduz na pretensão da sua eficácia.

É nesse contexto que se exige o afastamento da ideia positivista de separação entre a realidade (Constituição real) e a norma (Consti-tuição jurídica), ou seja, entre o ser e o dever ser. Paralelamente a isso, para que se tenha força e, consequentemente vontade normativa, há que se observar a correlação que estabelecida com a realidade. Assim, a vontade de Constituição é a força vital que faz atuar na realidade, o que se exige um compromisso para sua realização.

O presente estudo exige uma interpretação construtiva, cujo li-mite está no respeito à proposição jurídica estabelecida, conforme será delineado pela evolução do pensamento sobre a teoria das nor-mas constitucionais e o caráter político pela distinção que se fazia entre o valor político das declarações (sem caráter normativo), e o valor jurídico das garantias dos direitos.

Veja-se que os princípios fundamentais possuem conteúdo desen-volvido dentro da realidade de vontade normativa ainda que conside-rando as possibilidades de mudança e convívio de forças antagônicas, restando afastada a ideia de princípios absolutos e previamente definidos.

Neste contexto é importante destacar a força normativa dos princípios sob a ótica das teorias trazidas por Ronald Dworkin e Ro-bert Alexy tendo em vista que, ambos afirmam que a norma é com-

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 261

posta de regras e princípios fazendo esta análise com o viés lógico e não com apenas graus de concretização.

A proposta inicial é de afastar a classificação tradicional entre normas de eficácia plena, contida e limitada, com base nos elementos de restrição de um princípio por outro princípio ou por uma regra. Já os elementos de restrição se consubstanciam na existência de um suporte fático, amplo, decorrente da falta de conteúdo previamente especificado dos princípios tanto no âmbito de proteção delimitado com a restrição da regra quanto, na restrição decorrente da sobrepo-sição dos princípios na temática juslaboral.

É neste contexto, que diante da reconhecida lacuna no ordenamento jurídico sobre a proteção contra dispensa arbitrária, prevista no artigo 7º da Constituição Federal é importante frisar a aplicação dos princípios gerais do direito, especialmente, do direito do trabalho e de direito comparado.

Verifica-se com a contextualização da lacuna trazida em matéria trabalhista não há lugar para o conceito de uma norma programática eis que, o Judiciário deve conferir efetividade aos preceitos constitu-cionais com base na ordem jurídica, mais especificamente, as regras e normas trazidas pelas Convenções e Tratados firmados pelos países signatários perante a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

No entanto, a “vontade de Constituição” se exterioriza quando há relação dos princípios com proteção de valores, fazendo agregar a norma, os princípios, as regras e a argumentação jurídica, conferindo aos princípios a mesma força normativa das regras, como proposta de uma nova hermenêutica constitucional.

Por fim, para que se vislumbre a efetividade do Direito do Tra-balho no cenário constitucional proposto não se pode olvidar das implicações teóricas para a realização de direitos pautados na apro-ximação dos valores e inserção da moral e justiça no Direito para realização dos direitos fundamentais.

o Surgimento do direito AmbientAl nA cf/88 e SuA importânciA

Tayanná Santos BezerraCursando o 3º período de Direito na Faculdade Mineira de Direito - PUC

Minas, localizada em Betim/MG – Brasil. E-mail: [email protected]

O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, ocupa quase a metade da América do Sul e abarca várias zonas climáticas e consequentemente essas diferenças climáticas levam a grandes va-riações ecológicas e a formação de zonas biogeográficas distintas ou biomas, como, por exemplo, a Floresta Amazônica, considerada a maior floresta tropical úmida do mundo.

Ocorre que, com a descoberta do Brasil pelos portugueses em 1.500, iniciou-se o processo de exploração dos recursos naturais com o objetivo do favorecimento econômico que esses recursos iriam pro-porcionar a nobreza. Com isso houve o processo de exploração terri-torial, utilização da mão-de-obra escrava dos povos indígenas e pos-teriormente dos povos africanos e apropriação das terras indígenas através de contenção dos movimentos sociais por meio da violência.

Em 1.530 iniciou-se a colonização do Brasil que passou ao longo dos anos por ciclos relacionados à exploração do pau-brasil, produção de açúcar e comercialização de produtos – as riquezas na-turais eram extraídas e exportadas para outros países.

Por consequência desses episódios houve grandes desmatamen-tos, tanto pelo crescimento demográfico - criação de cidades -, quan-to pela prática da monocultura que comprometeu o solo e ocasionou destruição dos ambientes naturais. Ressalta-se que nesse período não havia consciência ambiental, visavam apenas à busca do favorecimento econômico que esses recursos poderiam proporcionar para a nobreza.

Ao passar dos anos, com o desenvolvimento industrial, fez com que o crescimento populacional se tornasse ainda maior com a vinda dos imigrantes a procura de trabalho, gerou a modernização agrícola, surgiu

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 263

à globalização que intensificou o capitalismo. Esses fatores econômicos são importantes para o desenvolvimento da nação, porem fez e faz com que os problemas ambientais alcançassem uma grande escala de poluição do ar, da água, do solo, bem maiores do que eram antigamente.

É importante salientar que algumas civilizações antigas se ex-tinguiram pelo fato de não se preocuparem com os recursos natu-rais, pois não tinham planejamento populacional e não pensavam em conservação ambiental, as civilizações antigas acreditavam que os recursos naturais eram inesgotáveis.

Como medida de preservação, surge à proteção ao meio ambiente na forma legal através de normas esparsas, pela Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente em 1972 em Estocolmo, legislações in-fraconstitucionais, a lei 6.938, que dispõe sobre Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo definições objetivas para o meio am-biente, qualificando as ações dos agentes modificadores e propondo providencias para assegurar a proteção ambiental e estabelece também sobre o Sistema Nacional de Meio Ambiente, que por sua vez é consti-tuído por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e por instituições públicas, responsáveis pela proteção e pela melhoria do meio ambiente, porém o maior responsável pela sua elevação foi a Constituição Federal de 1988 que representa um marco na legislação ambiental brasileira, a qual possui um capítulo completo sobre esse assunto e foi a primeira a tratar deliberadamente sobre a questão ambiental – também conhecida como constituição Verde.

Em se tratando da matéria fática, é importante salientar e ana-lisar que o meio ambiente só foi tratado de fato em 1988 na CF/88 e que a dogmática é importante, mas é preciso que as leis se tornem eficazes para que os valores levados em consideração na norma sejam protegidos para as gerações futuras, assim como garante o art. 225 CF/88 “Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defen-dê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”.

264 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

O Direito Ambiental possui um importante papel na sociedade atual, pois, através das leis correspondentes, busca de forma persis-tente a melhoria dos recursos e da qualidade ambiental propiciando o desenvolvimento da gestão ambiental em organizações públicas e privadas. O Direito Ambiental como ramo do Direito que objetiva a proteção do meio ambiente deve ter maior importância e visibilidade não só por parte do Governo, mas também da sociedade em geral para que os grandes problemas ambientais que devastam o planeta se-jam amenizados para que todas as gerações, atuais e futuras, possam usufruir de um meio ambiente saudável.

o inStituto dA SepArAção nA conStituição e no código civil

Laura Souza Lima e BritoAluna do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo – nível doutorado [email protected]/[email protected]

O presente resumo aborda as conseqüências da modificação operada pela EC nº  66/2010 sobre o instituto da separação. Para tanto, analisa o problema do ponto de vista histórico, o debate dou-trinário acerca dos efeitos da referida alteração, o Provimento nº 120 do CNJ e as decisões proferidas pelo TJMG.

A Constituição de 1891 secularizou o casamento no Brasil e, a partir da Constituição de 1934, passou a constar no texto constitu-cional a seguinte prescrição: “A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”. O mesmo se repetiu nas constituições de 1937, 1946, 1967 e na EC nº01/1969. Foi com a EC nº 09/1977, que o casamento passou a poder ser dis-solvido com o divórcio, desde que houvesse prévia separação judi-cial, o que foi mantido na Constituição de 1988. Em 2010, a EC nº 66/2010 trouxe nova redação, reafirmando a dissolubilidade do casamento pelo divórcio e deixando de mencionar requisitos: “O ca-samento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Pode-se observar que havia sido dada à indissolubilidade do ca-samento, herdada da Igreja Católica, um status constitucional. Dian-te disso, mesmo quando o matrimônio deixou de ser indissolúvel, a matéria continuou a ser tratada no texto constitucional, inclusive no que tange aos procedimentos - prazos, requisitos. Na realidade, essa transição do casamento religioso para o secular foi gradual.

Por sua vez, na legislação infraconstitucional, tanto no Código Civil de 1916, modificado pela Lei nº 6.515/1977, quanto no Có-digo Civil de 2002, existem os requisitos de prévia separação judicial ou de fato para o divórcio. No artigo 1.580 do atual Código Civil, consta que os cônjuges podem requerer divórcio após um ano do

266 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, após um ano da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos ou no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos. E não houve modificação nesse dispositivo.

Diante disso, a pergunta que surgiu foi: após a EC nº 66/2010, a separação prévia ainda é requisito para o divórcio? E mais: ainda há a pos-sibilidade de separação como forma de dissolução da sociedade conjugal?

A respeito das perguntas acima formuladas, a doutrina se divi-diu, de maneira genérica, em três posições.

A primeira delas é a de que não houve qualquer modificação na dissolução do casamento no Brasil. Após o desaparecimento dos requisitos de separação prévia ao divórcio da Constituição, seria ne-cessária uma modificação infraconstitucional, por meio de nova lei ordinária, para a possibilidade de divórcio direto. João Baptista Vil-lela defende tal posição: “A nova redação do parágrafo, como se vê, mantém intacta a legislação civil, que fazia e que continua a fazer a exigência agora dispensada no plano da Constituição” (2010).

A segunda solução de interpretação é a de que a repercussão da modificação constitucional operada pela EC nº 66/2010 é imediata na legislação infraconstitucional, fazendo desaparecer, como um todo, o instituto da separação do ordenamento jurídico brasileiro. Defende essa postura Maria Berenice Dias: “A verdade é uma só: a única forma de dissolução do casamento é o divórcio, eis que o instituto da separa-ção foi banido - e em boa hora - do sistema jurídico pátrio. Qualquer outra conclusão transformaria a alteração em letra morta.” (2010).

A terceira posição é a de que a modificação constitucional teve o condão de permitir o divórcio direto, sem requisitos de separação prévia, sem, contudo, eliminar o instituto da separação do direito brasileiro. Segundo essa linha doutrinária, a separação e o divórcio são livre opção dos cônjuges, com os respectivos efeitos. Regina Be-atriz Tavares da Silva, signatária dessa posição, ainda defende que as modalidades de separação (ruptura, culposa e remédio) também podem ser aplicadas ao divórcio: “... além da espécie dissolutória pela mera impossibilidade da vida em comum, também é aplicável ao di-

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 267

vórcio a outra espécie dissolutória que se baseia na culpa, desde que haja grave descumprimento de dever conjugal.” (2011)

No Poder Judiciário não há posicionamento pacífico sobre o tema, nem mesmo decisão dos Tribunais superiores. O CNJ, em decisão no Pedido de Providência nº 0005060-32.2010.2.00.0000, decidiu que, inobstante o requisito da separação prévia houvesse de-saparecido, não seria possível determinar a supressão do instituto, “superando até mesmo possível alteração da legislação ordinária, que até o presente momento não foi definida”. A posição majoritária no TJMG é a de que não há mais requisitos temporais para o pedido de divórcio, mas que subsiste a separação como meio de dissolução da sociedade conjugal no direito brasileiro.

Em suma, trata-se de debate sobre a constitucionalização do direi-to civil, em que a solução até então encontrada é sui generis, fornecida pela prática judiciária, pois foi dada eficácia imediata à modificação constitucional em termos de eliminação de requisitos para o divórcio, com a interpretação da legislação civil intacta no sentido de manter duas formas de dissolução do casamento - a separação e o divórcio.

Referências bibliográficas

Dias, Maria Berenice. EC 66/10: e agora?. 2010. Disponível em: http://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2287526/artigo-ec-66-10-e-ago-ra-por-maria-berenice-dias. Acessado em 16/09/2014.

Tavares da Silva, Regina Beatriz. A emenda do divórcio e a culpa. 2011. Disponível em: http://www.reginabeatriz.com.br/academico/artigos/artigo.aspx?id=257. Acessado em 16/09/2014.

Villela, João Baptista. Emenda Constitucional nº 66 - Outras Impres-sões. 2010. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteu-do/entrevistas/emenda-constitucional-n%C2%BA-66---outras-im-pressoes/6075. Acessado em 16/09/2014.

Palavras-chave: Constituição Federal. Código Civil. Separação. Divórcio.

o direito conStitucionAl do trAbAlho em um eStAdo de exceção econômico: um eStudo dA proteção doS direitoS SociAiS

trAbAlhiStAS no contexto de umA SociedAde dA AuSteridAde

Paulo Rogério Marques de CarvalhoMestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutorando

em ciências juridico-políticas da Universidade de Lisboa com intercâmbio acadêmico na Facoltá di Giurisprudenza da Universitá di Roma (Sapienza),

membro da Coordenação e Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro em Fortaleza-CE e vice presidente da Comissão de

Direito Constitucional da OAB-CE.

Em tempos de crise econômica, o Estado acaba por assumir uma função legitimada de monopólio da austeridade. Surge então um esta-do de emergência social que clama por sacrifícios individuais em nome do bem estar coletivo. A manifestação disso acaba por recair no mundo do trabalho e a sua tríade relação entre Estado, a livre iniciativa e os direitos fundamentais do trabalhador. A partir dessas premissas, essa pesquisa parte da construção dogmática de um conceito pluridiscipli-nar de estado de necessidade econômica para sistematizar os primeiros conceitos de um eventual “direito do trabalho da crise” e seus reflexos no processo de constitucionalização desse campo dogmático. A pesqui-sa é fruto de uma investigação oriunda de produção de tese em dou-toramento em ciências jurídico-políticas da Universidade de Lisboa, onde se pode perceber, em razão da atual crise econômica vivenciada pela Europa, uma efervescência de estudos sobre emergência e seus reflexos nos mais diversos campos dogmáticos.

Os estudos sobre emergência constitucional oferecem uma mul-tidimensionalidade de abordagens teóricas, numa proporção ainda mais evidente aos estudos contemporâneos da ciência política em geral, na medida em que tratam de investigações sobre a delimitação do ordenamento jurídico em mecanismos de manutenção da ordem em situações de extraordinariedade. Originalmente, a ideia de me-didas de exceção estava vinculada a grandes catásfrofes e guerras e

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 269

assim não era tratada sobre o ponto de vista econômico. A crise é um elemento que acompanha toda a evolução da reflexão metodológica justrabalhista, na medida em que o direito do trabalho carrega como estigma a ideia de que a situação econômica impõe o risco de se por em discussão a própria certeza desse direito. Esse campo dogmático retomando sua potencialidade histórica originária de limitar a expan-são liberal, mostra-se ainda mais necessário e atual enquanto meca-nismo de um direito de emergência na busca de ultrapassar a austeri-dade de um estado de exceção econômico. Esse debate próprio de um pretenso “direito do trabalho da exceção” busca teorizar as relações não apenas do ordenamento jurídico trabalhista com o cenário de uma crise econômica, mas do próprio valor social do trabalho numa conjuntura de austeridade econômico-financeira de dimensões glo-bais. O estudo contextualiza-se também com a crise do Estado Social que a emergência econômica provoca, com a desigual distribuição da austeridade, em razão de se verificar que a maior parte dos problemas sociais tem incidência em sociedades desiguais. As crises econômicas e financeiras impõem o desafio de sustentação do modelo de Estado de bem estar Social numa conjuntura internacional que acabou por enfraquecer e desestabilizar seu projeto, potencializando o fenômeno do desemprego de longa duração.

A crise econômica enfrentada pela Europa atualmente ameaça atingir outros países em desenvolvimento, contaminação própria dos danos transfronteiriços do mercado unificado global. Como compa-nheiras de viagem do direito do trabalho, as crises arriscam um proces-so de retrocesso social definitivo de conquistas historicamente reconhe-cidas pelo arcabouço protetivo do direito do trabalho contemporâneo, na busca do equilíbrio certo de valorização do capital, sem desvaloriza-ção do trabalho como fonte de produção elástica. Assim, o direito do trabalho da crise é a expressão simbólica de um campo dogmático que carece de restabelecer suas bases de sustentação dogmática e principio-lógica para se afirmar-se enquanto campo dogmático.

O trabalho investiga ainda os tradicionais princípios da “ reserva do possível” e do “não-retrocesso social” costumeiramente vinculados

270 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

a crises financeiras em relação a direitos prestacionais de materiali-zação pelo Estado e suas particularidades em dimensões trabalhis-tas. A pesquisa ainda enfrenta a necessidade de confrontação entre as ordens jurídicas que propiciam um diálogo típico de um “trans-constitucionalismo laboral” na busca de construção de uma raciona-lidade transversal no âmbito das relações trabalhistas em sua esfera internacional. O contexto da pesquisa reconhece que a historicidade das crises econômicas, com reflexos globais, resulta numa crise per-manente de sustentação do direito fundamental social do trabalho como conquista histórica de libertação de um povo e como princípio atávico à dignidade da pessoa humana.

direitoS fundAmentAiS, democrAciA conStitucionAl e cláuSulAS pétreAS: umA AnáliSe dA impoSSibilidAde de

redução dA mAioridAde penAl.

Jéssica da Rocha MarquesUNASP - [email protected] - Estudante de graduação do segundo ano do curso de Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo –

UNASP, participante de grupo de iniciação científica.

Richardson Hermes Barbosa ChagasUNASP - [email protected] - Estudante de graduação do

terceiro ano do curso de Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, participante de grupo de iniciação científica.

Orientador dos dois autores: Dilson Cavalcanti Batista Neto – UNASP - [email protected] - Professor do curso de Direito Centro Universitário

Adventista de São Paulo – UNASP, doutorando pela PUC-SP, orientador de grupo de iniciação científica.

Introdução

Hodiernamente, se ascende uma discussão cada vez mais volu-mosa, que visa a redução da menoridade penal, pois sempre que ocorre um crime hediondo com maior repercussão nacional no qual há algum menor envolvido, a sociedade retorna à mesma discussão: se a solução para a criminalidade estaria ou não na redução da maioridade penal. Porém tal discussão esbarra em uma questão de caráter constitucional.

Isso devido à CF ter assegurado em seu texto a inimputabilidade penal aos menores de 18 anos, devendo essa modificação ser realiza-da somente por meio de Emenda à Constituição, havendo inclusive vários projetos de emenda à Constituição em ambas as casas do con-gresso nacional, contudo, a discussão se acalora no momento em que se considera a maioridade penal como garantia individual e dessa maneira, a mesma passa a ser tutelada como clausula pétrea, sendo essa a problemática da pesquisa.

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Desenvolvimento

Quanto à metodologia, a pesquisa é do tipo bibliográfico, baseada na análise da literatura já publicada, principalmente na forma de li-vros, artigos científicos. Utilizando-se do método hipotético dedutivo, no decorrer do trabalho serão desenvolvidas as temáticas partindo de premissas maiores, tal como a importância dos direitos fundamentais em uma democracia, das cláusulas pétreas, para então trabalhar a pro-blemática da pesquisa que é a redução da maioridade penal, observado sob o ponto de vista de uma garantia individual do menor.

Resultados e discussões

O fundamento do Estado democrático constitucional o que ele chama de “supremacia do indivíduo”, que segundo ele é perceptível através da presença de elemento como a limitação de poder dos Esta-do, e a “racionalização do poder”. (Dallari, 2013, p. 197).

A supremacia do indivíduo, é notada por meio da maior valori-zação dos direitos fundamentais, e das garantias individuais, sobretu-do, dando a esses direitos caráter de limitação poder estatal, mas essa não é a única forma de se limitar o poder do Estado, outra forma que será abordada aqui nesse trabalho, são as cláusulas pétreas.

Canotilho aduz que os direitos fundamentais (no plano de um Estado que tem como preceito o respeito ao princípio democrático) são tidos como “elementos básicos”, pois, ao observar de concreta, é possível notar que os direitos fundamentais têm uma função na-turalmente democrática, por atuarem como controladores do poder estatal. (CANOTILHO, 2011, p. 290).

Embora em um regime democrático seja preponderante a ideia de que as decisões políticas, sejam de acordo com a vontade ma-joritária do povo, haverá ocasiões em que mesmo as intervenções contramajoritárias, serão um gesto democrático, sobretudo, quando visarem a proteger direitos individuais. (BRANDÃO, 2007, p. 10).

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Mesmo que sejam atos praticados contra autoridade que repre-sentem o povo, e que esses possuam legitimidade democrática, caracte-riza-se a eficácia contramajoritária. Isto indica um dos pontos daquilo que se denomina democracia constitucional, que é uma ideia de demo-cracia que procura aliar a vontade da maioria com o respeito aos direi-tos de minorias, e as cláusulas pétreas tem essa função. (Ibidem, p. 34).

Importante observar que ao estabelecer a maioridade penal na Constituição, o legislador constituinte garantiu a todos dentro dessa fai-xa etária alcançada, a proteção trazida pela doutrina da proteção integral. No entanto, a doutrina da proteção integral tem como papel significa-tivo, além dos demais avanços, o fato de que aqueles sujeitos que são alcançados por ela, além “dos direitos inerentes a todos os seres huma-nos” também tem respeitado direitos específicos que levam em conta sua condição de pessoa em desenvolvimento. (SILVA, 2012, p. 246).

Sendo, portanto, um direito fundamental essencial para que esse sujeito tenha um desenvolvimento da melhor maneira possível. E que ao ser analisado, deve ser percebido como se fosse, por sua vez, um núcleo de direitos irredutíveis, protegido dos discursos crimino-lógicos de redução da maioridade penal. (SILVA, 2012, p.246).

Considerações finais

Diante do analisado, foi possível concluir que em um Estado que vive sob a égide de uma democracia constitucional, é de funda-mental importância o reconhecimento e a manutenção dos direitos fundamentais, por se tratarem de limitadores do poder do Estado, que é talvez o maior dos princípios democráticos, pois se trata de freios contra o absolutismo e autoritarismo.

Uma das formas adotadas pela Carta Magna para proteger es-ses direitos fundamentais, foi a mantença dos mesmos como cláusulas pétreas. Conforme analisado, a doutrina da proteção integral é uma forma de limitação do poder do Estado, e supremacia individual, e, portanto, trata-se de uma garantia que reveste a esses indivíduos por ela atingidos de proteção contra a atuação estatal, e reduzir a maioridade

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penal, é retirar desses indivíduos essa proteção, e por ter esse caráter, é possível dizer que se trata de uma garantia individual, e dessa forma uma clausula pétrea, então devendo ser mantida ainda que grande par-te da população seja contrária, por possuir eficácia contramajoritária.

Referências

BRANDÃO, Rodrigo. Direito fundamentais, Democracia e Cláusulas Pétreas: uma proposta de justificação e de aplicação art. 60 § 4°, IV da CF/88. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto brasileiro de direito público, n° 10, Abril/Maio/Junho, 2007. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br/co-drevista.asp?cod=191> acessado em: 29/09/2014.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7a ed.(11a reimpressão). Editora Almedina – Coimbra – Portugal, 2011.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 32a ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2013.

SILVA, Marcelo Gomes. Menoridade penal: uma visão sistêmica. Rio de Janeiro. Editora Lumens Juris, 2012.

eStAdo de direito, democrAciA e proceSSo: A proJeção doS vAloreS democráticoS no direito

proceSSuAl e A importânciA dA pArticipAção efetivA pArA legitimAção de deciSõeS-modelo

Victor Barbosa DutraMestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Minas

Gerais. Graduado pela mesma instituição. Professor e Advogado. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Saelli Miranda LagesGraduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Aluna

da pós graduação em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Durante muito tempo se enxergou o Direito Processual como uma mera rotina de práticas forenses destinadas à obtenção de um resultado final. Entretanto, na perspectiva constitucional e democrática contem-porânea, o processo ostenta a qualidade de instrumento de promoção da Democracia, da Justiça e de diversos valores constitucionalizados.

Existe uma tendência irreversível e salutar de pensar, recons-truir e ressignificar temas fundamentais do Direito Processual Civil a partir da Constituição da República. Essa nova perspectiva desafia a reflexão dos problemas do processo não apenas em relação ao seu “ser”, mas também ao seu “dever-ser”. Essa abertura para o dever-ser do processo contribui para sua maior legitimação, justeza e aperfei-çoamento, fortificando-o contra irrupções autoritárias.

À luz desse olhar metodológico, foi realizado um cotejo entre o fenômeno da padronização decisória e a importância da efetiva parti-cipação das partes para viabilização de um contraditório efetivo. Para este desiderato, intentou-se destacar a importância da representação adequada como limite objetivo à utilização de argumentos de prati-cidade nos procedimentos de padronização decisória.

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Desde a segunda metade do século XX, o processo civil clássico demonstra sinais de fragilidade para atender a determinados fenôme-nos sociais que decorrem das exigências de uma sociedade pós-moder-na. A massificação das relações jurídicas o desafia em termos práticos e teóricos, instando-o a reinventar o modo de prestação jurisdicional.

As alterações nos perfis de litigância resultaram na propositura de uma avalanche de demandas similares, o que ensejou a criação de diversos institutos jurídicos orientados por uma inequívoca tendên-cia de padronização das decisões.

O projeto do Novo Código de Processo Civil reforça essa ten-dência de instituir mecanismos de padronização decisória, cujos ob-jetivos são proporcionar segurança jurídica e igualdade, uniformizar o entendimento dos Tribunais e, por conseguinte, promover celeri-dade através da fixação de teses sobre questões de direito repetitivas.

Os ganhos em termos pragmáticos são expressivos, mas geram ques-tionamentos acerca dos limites que devem ser impostos aos argumentos de praticidade, da preponderância desses argumentos sobre outros valores igualmente importantes e sobre os riscos decorrentes dessa prevalência.

Nos casos de padronização decisória, detecta-se uma tensão entre os princípios e regras do próprio ordenamento jurídico, bem como uma tensão entre os elementos internos e externos ao sistema jurídico.

Dois mecanismos de limitação que visam evitar a exarcebação do pragmatismo, propostos por Misabel de Abreu Machado Derzi, são analisados: a restrição ao modo de pensar tipificante ao mínimo necessário e o respeito aos direitos fundamentais.

O respeito aos direitos fundamentais no contexto do fenômeno da padronização decisória implica na estreita ligação entre a partici-pação dos sujeitos e a legitimação das decisões.

A participação dos sujeitos não deve ser apenas formal, mas efetiva. O conceito contemporâneo de contraditório não se resume apenas ao binô-mio informação e possibilidade de reação, mas pressupõe que essa reação tenha o real poder de influenciar o juiz na formação do seu convencimento.

No intuito de destacar a importância do contraditório enten-dido como garantia de participação efetiva, optou-se por fazer uma

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incursão no campo da filosofia política e extrair de lá conceitos que podem ser relevantes para o Direito Processual.

A premissa metodológica escolhida, qual seja, interação entre Constituição, Democracia e Processo, nos incentiva a redescobrir a importância do instituto da representação, tendo sido escolhida para tanto a obra Law and Disagreement, de Jeremy Waldron, na qual o autor intenta desenvolver uma teoria do direito democrática.

Waldron defende a participação como o direito dos direitos e indaga que tipo de direito é esse, como ele é legitimado e qual seria a importância da sua relação com os demais direitos. Para o autor, o direito de participação, muito mais que um elemento alegórico ou formal, deve, em verdade, ser o elemento decisivo.

As ideias de Waldron, conquanto voltadas ao processo políti-co e à representação dos cidadãos no Poder Legislativo, nos levam a concluir sobre a imprescindibilidade da participação dos titulares dos direitos na conformação da decisão final, seja política ou judicial.

A efetiva participação das partes não apenas reconhece ao titular do direito a sua condição de pensador do seu próprio direito, mas abre espa-ço para o diálogo entre posições divergentes cada vez mais comuns numa sociedade plural e pós-moderna. Além disso, possui o condão de conferir maior legitimidade à solução ofertada por uma autoridade decisória.

O uso de argumentos de praticidade não pode afastar o Poder Ju-diciário de seu papel institucional de prover a justiça individual. Ante à iminência da aprovação de um novo Código de Processo Civil que prestigia sobremaneira os institutos de padronização decisória, urge darmos enfoque democrático às novidades processuais e procedimen-tais, estabelecendo um arcabouço de limites para a construção, desen-volvimento e compreensão de decisões-modelo que as tornem compa-tíveis com o regime e os princípios consagrados na Constituição.

AnáliSe dA intervenção JudiciAl no SiStemA SocioeducAtivo do eStAdo do rio grAnde do norte

Mariana Dias FerreiraGraduanda em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Estagiária na 65ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal/RN. Brasil.

E-mail: [email protected].

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 227, a doutrina da proteção integral em perfeita integração com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, assegurando às crian-ças e adolescentes, com absoluta prioridade, direitos fundamentais. Cabe à família, à sociedade e ao Estado o dever legal de assegura-los. As crianças e os adolescentes são reconhecidos como sujeitos de di-reitos e não mais meros objetos dependentes de seus responsáveis ou da arbitrariedade de alguma autoridade, como acontecia no cenário jurídico brasileiro até então. Cumpre frisar que a doutrina da prote-ção integral adotou o princípio da descentralização político-adminis-trativa. O legislador constituinte, no art. 227, § 7º da Constituição Federal, reservou a execução dos programas de política assistencial às esferas estadual e municipal, bem como entidades beneficentes e de assistência social. Quanto à gestão, houve a revisão e reordenamento das relações entre esferas governamentais, pois limita as ações a cargo direto da União, ao deliberar sobre normas gerais e coordenação de programas assistenciais. Além do mais, restringe o papel dos Estados e amplia de forma considerável as competências e responsabilidades do Município. Inserido nesse contexto cabe ao Estado, por meio de entidades de atendimento, estabelecer os recursos humanos e mate-riais necessários ao desenvolvimento dos programas e projetos so-ciopedagógicos das medidas socioeducativa, respeitando as garantias instituídas pela doutrina da Proteção Integral. O Estatuto da Criança e do Adolescente traz as medidas socioeducativas como providências legais aptas à ressocialização do adolescente que pratica ato infracio-

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nal, o qual consiste em conduta descrita como crime ou contravenção penal, conforme art. 103 da Lei nº 8.069/90. Na concepção da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE), a medida socioeducativa deve alcançar seu caráter sociopedagógico, que visa à reintegração do adolescente infrator, bem como a desaprovação da conduta infracional. Cumpre salientar que a atividade estatal deve reger toda a sua atuação pelas normas constitucionais, bem como toda sua atividade deve objetivar a realização das metas e propósitos estabelecidos pela Constituição, fixando atividades e serviços prioritários. Com isso, a intervenção estatal consiste na formulação e execução de políticas públicas, in-dispensáveis para a consecução dos direitos fundamentais. Dessa for-ma, o legislador deixou clara a obrigação do administrador em dar preferência, com absoluta prioridade, a formulação e execução de políticas sociais públicas que visem à proteção à infância e juventude. Sob pena de ser responsabilizado, o Estado deve assegurar que políti-cas públicas destinadas a crianças e adolescentes tenham prevalência sobre as demais ações, em razão da sua condição peculiar. Assim, a intervenção estatal sociopedagógica deve estar de acordo com o programa de atendimento e o efetivo respeito aos direitos e garan-tias infantojuvenis. Há vários meios previstos na legislação brasileira que podem ser utilizados para exigir a atuação positiva estatal a fim de efetivar direitos fundamentais. O objetivo do presente trabalho é analisar a ação civil pública perpetrada pelo Ministério Público Esta-dual, por meio de suas promotorias da infância e juventude, contra o Estado do Rio Grande do Norte e a Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC), a qual compete manter uma rede de atendimento para aplicação das medidas socioeducativas em meio fechado (semiliberdade e internação). A ação civil pública versa sobre a falta de gestão e o descumprimento dos preceitos da Lei do Sinase, requerendo a intervenção judicial da Fundac para seu reordenamento institucional, pedido este deferido em sede liminar. Para a realização do presente estudo, utilizou-se de material bibliográfico e eletrônico, bem como de metodologia pautada na apreciação de legislação, de

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doutrina e de jurisprudência. Constata-se a partir do presente estu-do acadêmico que a intervenção judicial nesse caso é viável, uma vez que visa garantir o respeito à dignidade humana dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, bem como da própria sociedade que sofre com o aumento da violência, assegurando seus direitos fun-damentais que devem estar a sua disposição para o seu pleno exercício.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais das Crianças e dos Adoles-centes. Absoluta Prioridade. Sistema Socioeducativo. Políticas Públi-cas. Intervenção Judicial.

A JuSticiAbilidAde do direito fundAmentAl SociAl à educAção

Natascha Alexandrino de Souza Gomes Mestrandas em Direito e Inovação junto a Universidade Federal de Juiz de

Fora (Brasil). E-mail: [email protected]

Paola Durso AngelucciMestrandas em Direito e Inovação junto a Universidade Federal de Juiz de

Fora (Brasil). E-mail: [email protected]

Direitos fundamentais sociais implicam prestações estatais po-sitivas, visando à concretização da isonomia substancial. O presente trabalho busca investigar quando é adequado o Judiciário exigir do Estado as devidas prestações referentes ao direito à educação. A hipó-tese aqui considerada é a de que, possuindo aplicabilidade imediata (artigo 5º, §1º, CF), os direitos fundamentais sociais podem ser exi-gíveis, por exemplo, em caso de omissão legislativa, através de man-dado de injunção e, em caso de omissão do poder Executivo, através de Mandado de Segurança, ou Ação Civil Pública. Para a verificação de tal hipótese, utilizamos como marco teórico a Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy que, ao contribuir para a definição do núcleo essencial do direito à educação, contribui para a delimitação dos casos em que se justifica a atuação judicial.

O artigo 205 da Constituição Federal assegura o direito à edu-cação em linhas gerais e abstratamente, trazendo em seu bojo um princípio, que deve ser realizado na maior medida possível. Relati-vamente ao núcleo essencial, cumpre ressaltar que, caso se considere que apenas a educação infantil está contida nesse núcleo, enquanto as demais fases dependem de políticas públicas, disposição orçamen-tária e exercício da cidadania, entende-se que seu conteúdo essencial não estaria protegido adequadamente. Por isso, doravante, analisar--se-á o núcleo essencial do direito à educação.

Quanto às posições jurídicas individuais, a educação básica - formada pelo ensino infantil, fundamental e médio – é tratada no

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parágrafo primeiro do artigo 208 da Carta Maior, o qual dispõe ser o acesso ao ensino obrigatório e gratuito um direito público subjetivo. Outrossim, o parágrafo segundo do mesmo artigo, assevera: “O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. Des-ta feita, infere-se, expressamente, que este artigo garante um direito público subjetivo definitivo e, desta maneira, o legislador constitu-cional quis tornar exigível a sua total efetividade (BARUFFI, 2011).

Integra o núcleo essencial do direito à educação o que for subs-tancialmente indispensável à garantia de sua eficácia mínima. De ou-tro norte, para além desses limites, a exigibilidade judicial do direito à educação, dependerá da discricionariedade das políticas públicas, por exemplo, no caso dos programas suplementares de educação, tais como os que preveem o fornecimento de alimentação e transporte aos alunos, que, apesar de indissociáveis do referido direito subjetivo, não integram seu núcleo essencial e podem ser ponderados no caso concreto.

Um argumento constantemente utilizado para rebater a atua-ção judicial, a construção teórica da “reserva do possível” originou-se na Alemanha, aproximadamente nos anos de 1970. Conforme esta noção, a efetividade dos direitos fundamentais sociais é limitada pela reserva das capacidades financeiras do Estado.

Ocorre que há diversos casos concretos em que o titular do direi-to fundamental recorre ao Judiciário com o fito de ter sua pretensão material satisfeita. Desta feita, o conflito fica a cargo de uma decisão judicial, o que aponta a uma questão assaz delicada, inaugurando a colisão de diversos princípios, como o princípio da separação de poderes versus o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional.

Na ordem constitucional brasileira, o direito à educação é den-samente normatizado pela Carta Magna, tamanha sua relevância, havendo, por exemplo, previsão de percentual orçamentário para a efetivação desse direito, bem como regras de competência, previsão da criação de fundos à educação, entre outros. Portanto, sendo o di-reito à educação fundamental, este é intangível e deve ser assegurado, a despeito de quaisquer argumentos orçamentários.

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 283

Assim, as restrições relacionadas à reserva do possível não poderão prevalecer quando confrontadas com o conteúdo essencial definido. Des-ta feita, estas pretensões serão exigíveis judicialmente, visando às provi-dências cabíveis para garantir, no caso concreto, a prevalência do direito fundamental social à educação e a dignidade da pessoa, inclusive o (re) direcionamento de prioridades em matéria de alocação de recursos.

Em suma, da constitucionalização dos direitos fundamentais so-ciais decorre a irresistível necessidade de proteção dos seus respectivos núcleos essenciais, possibilitando, inclusive, a justiciabilidade dos di-reitos subjetivos definitivos contidos nesses conteúdos.

A conStitucionAlizAção do direito penAl: do SimboliSmo formAl à plenitude

Luiz Laboissiere JuniorProfessor de Direito Penal da Universidade Federal do Amapá. Mestre em

Direito pela mesma instituição e doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (DINTER UFMG/UNIFAP). E-mail: [email protected]. País: Brasil.

Em tempos onde a resolução de impasses jurídicos perpassa, obrigatoriamente, pela observância dos ditames constitucionais, onde princípios, como o da força normativa da constituição, ganham amplo destaque, a adequação de todas as subdivisões do Direito a estes parâmetros apresenta-se como pressuposto indispensável. O Direito Penal, com seu conjunto de regras (incriminadoras e não--incriminadoras) e princípios, por óbvio, não poderia se distanciar desta perspectiva, uma vez que, por trazer consigo as consequências mais deletérias aos transgressores da ordem jurídica, necessita que seus pilares estejam edificados num lugar onde os direitos fundamen-tais sejam tomados como base, apesar da privação de alguns, como a liberdade de locomoção. Nesse sentido, a Constituição se impõe como fundamento e limite ao jus puniendi, pois, a partir de suas pres-crições, embora não haja uma seleção, em seu texto, de todos os bens jurídicos a serem criminalizados, nela se encontra a justificativa para a criação de novas infrações penais, posto que, em seu conteúdo, vi-sualizam-se os bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade. Além disso, a Constituição fornece as diretrizes das sanções penais, fixando suas espécies e vedações, bem como a impossibilidade da des-criminalização de algumas condutas e a obrigatoriedade na penaliza-ção de outras. Nota-se, ainda, que a Constituição apresenta balizas à política criminal, posto que influencia nos mecanismos elaborados para conter a expansão da criminalidade. Diante deste cenário, afir-ma-se que as constituições modernas não se limitam a especificar, unicamente, as restrições ao poder de punir do Estado, passando a se

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preocupar com a defesa ativa do indivíduo e da sociedade em geral, já que do Estado se espera mais do que uma simples atitude defensiva: se espera que dê vida aos valores contemplados pela Constituição, protegendo-os de eventuais ataques. Todavia, a despeito de todo o clamor pelo respeito e subserviência à Constituição, por várias vezes, no campo das leis penais, há conflitos entre as disposições legais e o texto constitucional e, mesmo com a patente conflituosidade, em alguns casos, os vícios não são sanados e, quando o são, são reali-zados de forma tardia. O Decreto nª 5.144/04, conhecido como a “Lei do abate”, autoriza, após tentativas infrutíferas de comunicação com uma aeronave, a sua destruição, com a consequente morte de seus tripulantes. Observa-se, claramente, neste caso, uma espécie de pena de morte fora da hipótese prevista constitucionalmente. Ainda assim, o referido decreto continua em pleno vigor. Dentro da le-gislação penal, é assente que a vida é o bem jurídico que merece uma atenção diferenciada. Dessa forma, nada justifica que a pena mais gravosa inserida no Código Penal seja um crime, essencialmen-te, contra o patrimônio (extorsão mediante sequestro com resultado morte), cuja pena mínima é de 24 anos de reclusão. Aqui, o princípio da proporcionalidade, embora não previsto expressamente na Cons-tituição, mas sendo uma máxima que têm, nela, seus parâmetros, é visivelmente ignorado. Se a inovação legislativa deve atender à re-dação constitucional, e se esta afirmação soa demasiado óbvia, a Lei dos crimes hediondos prova que esta obviedade não é tão patente. A redação original da citada lei afrontava flagrantemente os princípios da individualização da pena, da isonomia, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana. Os dispositivos que não observavam estes princípios foram declarados inconstitucionais somente após 16 e 22 anos à promulgação da lei. Destarte, mesmo partindo-se do pressuposto que a criação de leis, não somente penais, não deva co-lidir com os valores constitucionais, é imprescindível que tais valores se sobreponham aos interesses políticos, bem como aos argumentos emergenciais e odiosos que, não raras vezes, substanciam a legislação penal, e que a presunção de constitucionalidade seja reforçada, de

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preferência, preventivamente. Se assim não for, que as impropriedades legais sejam sanadas com a maior brevidade possível, seja por meio do controle concentrado de constitucionalidade, pelo controle difuso, ou pela espécie mais inovadora e recente: o controle difuso abstrativizado. Superadas as más-formações no aspecto formal, o foco se voltará ao efetivo combate à criminalidade, às injustiças e arbitrariedades. Assim, o caminho para que Direito Penal seja, plenamente, constitucionaliza-do, se tornará cada vez mais factível.

entre o direito e A internet: A SoberAniA em rede

Ramon de Vasconcelos NegócioMestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, professor da FA7-CE e

bolsista de doutorado pelo DAAD.

Duas semanas após o discurso na ONU, em que condenava as práticas de espionagem, a Presidenta Dilma Rousseff e Fadi Chehadé, presidente do Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) se reuniram para firmar que o encontro mundial sobre governança da internet seria realizado no Brasil em 2014. Os dois movimentos praticados pela Presidenta anunciavam um novo ponto de observação da soberania: entre Estados e órgãos técnicos. O pre-sente resumo visa entender como a soberania deve compreendida em rede, isto é, a partir de seu meio.

A internet é uma “rede de redes”, funcionando a partir de cama-das interligadas: do cabeamento até a integração de pessoas. A ideia de rede é expressa em uma unidade de acoplamentos interdependentes, não-hierárquicos e flexíveis compreendidos como “nós”, transforman-do a autoridade compartilhada por toda a rede por meio de contrato e associação pelos atores por expectativas vinculantes, sem que haja hierarquia entre os atores. Tais expectativas são produzidas por normas jurídicas e por padrões técnicos (todos os tipos de códigos de software e de designs da rede para a coordenação e cooperação de componentes técnicos), que possui tanto uma função normativa na redução da in-certeza entre atores dentro da rede como cognitiva, afim de que exista adaptabilidade para novas formas comunicativas. Se não houvesse pro-blemas na ingerência da internet, poderíamos afirmar que há a “neu-tralidade da rede”. Contudo, os efeitos hierarquizantes entre normas jurídicas e padrões técnicos (e o contrário também) têm resultado em problemas constitucionais sem uma única localidade.

São dois casos importantes que reforçam essa problemática. A primeira delas é o The Onion Router. Originalmente nascido da U.S.

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Navy, a Marinha dos Estados Unidos, com o objetivo de proteger a comunicação governamental, o TOR é também de uso civil. Ca-racteriza-se por ser uma rede virtual que se permite o anonimato da atividade do usuário na rede através de um proxy (servidor interme-diário) anônimo. Assim, os servidores (não anônimos) só tem acesso o nó de saída (exit nodes) do TOR, pois os dados são criptografados automaticamente dando-lhe um falso IP. Portanto, na busca de um site (de pseudo-TLD .onion) da rede TOR, ter-se-á acesso à informa-ção, mas não quem a buscou ou enviou na rede. Entretanto, possui um lado sombrio: a “Darknet”. Em razão do anonimato permitido, ganharam espaço alguns sites que facilitam ou produzem teor crimi-nal relativo a pornografia infantil, tráfico de drogas, venda de armas etc. A subversão anônima das habilidades técnicas na rede resulta em um potencial destrutivo da confiança necessária na rede e ainda na ineficácia das ordens jurídicas de países territorialmente envolvidos nessas práticas criminosas. Observa-se, assim, o saber técnico des-virtuando o “direito” através de um excesso, a saber, a liberdade sem limites garantida pelo anonimato quase pleno.

O outro caso problemática vai em outra direção, mas não menos hierarquizante. Após o atentado de 11 de Setembro de 2001, os Esta-dos Unidos aprovaram o USA PATRIOT Act (Uniting and Strengthe-ning America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 2001), que permitiu a investigação, quase que irrestrita, dos suspeitos de terrorismo (Sec. 215 e 501). Além disso, segundo o USA PATRIOT Act, qualquer empresa pode ser solicitada a dar informações ao Estado americano, e o deve fazer de maneira sigilosa, caso contrário incorreria no risco de ser acusada de estar colaborando com o terrorismo. A “camada física” também vai estar implicada nas questões de espionagem, pois o cabeamento sub-marino, que facilita a interceptação da comunicação de fibra ótica, passa pelos EUA ou por países aliados. Mesmo que o cabeamento ligue diretamente dois países diferentes dos EUA, ainda assim existe a possibilidade de acesso às informações, já que o cabeamento pode ser gerido por uma empresa norte-americana que estará vinculada ao

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USA PATRIOT Act. Nesse caso, observa-se um fenômeno inverso ao que ocorre com o TOR: os mandamentos jurídicos de uma ordem aniquilam a confiança na rede e em seus padrões técnicos.

Pode-se notar que o meio de comunicação tem implicado em problemas constitucionais de modo que reloca a soberania para outra dimensão. A soberania, aqui tratada, indica uma diferenciação entre os sistemas do direito e da política. Ela deslocou-se da “encarnação” do corpo do rei, para se fixar na constituição impressa, processo que resultou na dispersão da autoridade em uma multiplicidade inde-pendente de interpretação de texto e infinita prática. Entretanto, algo deve ser acrescentado a essa ideia: se as ordens jurídicas querem manter algum significado de sua soberania, demandam, sob a lógica da rede, em construir uma horizontalidade entre ordens jurídicas e instituições técnicas. Mais: uma horizontalidade transconstitucional entre padrões técnicos e normas jurídicas.

elementoS pArA umA novA compreenSão conStitucionAl dA JuriSdição penAl

Paulo Henrique Borges da RochaMestrando em Direito Constitucional, na área de concentração

Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.

Lidiane Mauricio dos ReisMestra em Direito Constitucional, na área de concentração

Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Professora da Faculdade São Lourenço. Advogada.

Atrelado ao modelo tradicional da teoria jurídica, o discurso ju-rídico se forma a partir de uma cultura normativista, em que os mitos e as falácias são normatizados e oficialmente consagrados no mundo jurí-dico, reproduzindo-se, ao longo do tempo, no plano do conhecimento. No entanto, a modificação constante da sociedade, somada a crescente complexidade dos conflitos na esfera penal, nos revela a necessidade de questionar e refletir, sobre a expansão da intervenção estatal, bem como, os modelos normativos vigentes, a partir de um olhar crítico defendido por Antônio Carlos Wolkmer. A teoria crítica jurídica, sustentada pelo citado autor, refere-se a uma formulação teórico-prática, de se buscar, pe-dagogicamente, outro referencial epistemológico que atenda às contradi-ções estruturais da modernidade. A análise crítica evidencia a insatisfação de doutrinadores acerca do pensamento jurídico contemporâneo, forte-mente institucionalizada pelo modelo normativo legitimado em postu-ras dogmáticas e formas alienantes, que são aceitas como uma realidade a ser mantida, independentemente de considerações outras que não sejam puramente normativas. Visando modificar essa postura, a teoria crítica do direito deriva de uma concepção que atribuiu ao sujeito do conheci-mento um papel ativo e constitutivo quanto ao respectivo objeto. Com o nascimento do Estado Constitucional de Direito, a teoria crítica prega a necessidade de uma adequação ao novo paradigma de produção cientí-fica. Deve-se criar uma ruptura com o direito meramente regulador, para

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que se possa ingressar no modelo de direito provedor e transformador, orientado por uma tutela constitucional do processo, tendo o processo como instrumento a serviço da ordem constitucional. Nasce a necessi-dade de afastar a ideologia do simples acatamento às leis e às instituições que por meio dela se consolidaram como algo bom e inquestionável. Portanto, deve-se questionar o ser do direito como algo objetivamente existente, levando em consideração valores a concretizar na vida indi-vidual e na social, pelo o que o direito comporta necessariamente uma ideologia. Exige-se uma investigação da correta construção dos sentidos das normas jurídicas a partir de casos concretos. A ausência de signifi-cados estritamente definidos no texto constitucional é uma garantia do Estado Constitucional de Direito, que não é estático, pelo contrário, está vinculado a uma constante dinâmica social. Nesta perspectiva, a norma processual penal deve ser constitucionalmente interpretada, para que o discurso autoritário que inspirou a elaboração do Código de Processo Pe-nal vigente, como também as reformas inseridas, não negue a efetivação das garantias penais e processuais, asseguradas constitucionalmente. A aplicação das premissas garantistas é condição necessária para a atribui-ção da responsabilidade penal no Estado Constitucional de Direito e a ausência das garantias fratura todo o procedimento penal, tornando a decisão judicial construída, totalmente ilegítima. Portanto, os dispositi-vos do Código de Processo Penal devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Consti-tuição Federal, sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal. Procurando constituir-se em instrumento de transformação dos postulados da dogmática, a teoria crítica do direi-to recusa o papel de legitimação que o senso comum teórico absorveu, rompendo com o pensamento tradicional, a partir da superação de seus próprios obstáculos epistemológicos, para a construção de uma ordem jurídica e social progressivamente melhor.

Palavras-chave: Teoria Crítica; Estado Constitucional; Dogmática.

292 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

oS mutirõeS de hAbeAS corpuS reAlizAdoS pelA dpe-bA como viA de promoção de AceSSo à JuStiçA em feirA de SAntAnA

Élida Priscila Araujo SantanaGraduanda do sexto semestre de Direito na Universidade de Feira de Santana (UEFS)- Bahia, Brasil. Com endereço eletrônico: [email protected].

Este artigo discorre sobre as principais peculiaridades do instituto do Habeas Corpus desde a sua origem até sua atual aplicação no direito pátrio e sobre como este tem sido utilizado como fundamento para mutirões desenvolvidos pela Defensoria Pública do Estado da Bahia na promoção do a cesso à justiça a custodiados que se acham ilegalmente violados em seu direito a liberdade de locomoção em Feira de Santa-na-BA. Aborda também a metodologia e os resultados decorrentes do segundo mutirão realizados nos dias oito e nove de agosto de dois mil e treze. E os maiores reflexos e contribuições do evento para a conjun-tura prisional de Feira de Santana e para o acesso à justiça.

O entendimento moderno da finalidade da prisão, como muito se discute e já se apaziguou, é instrumento de exceção e não pode e não deve ser admitida em moldes que desrespeitem esse limite. Hoje todo tipo de legislação sobre o tema já garante o que vinha sendo o entendimento na perspectiva dos direitos humanos e dos princí-pios de dignidade humana, bem como dos princípios processuais do devido processo legal. O papel fundamental da Defensoria Pública do Estado tenta cumprir com os mutirões é fazer valer o que é já é determinado na Constituição Federal e a legislação infraconstitucio-nal a saber que só sejam presos e mantidos em cárcere aqueles que de nenhuma maneira possível estejam aptos a conviver plenamente em sociedade, não como uma maneira de incentivar a criminalidade, mas que seja utilizada a prisão como realmente última via.

Os dois mutirões de Habeas Corpus que ocorreram em Feira de San-tana se analisados a partir de frios números estatísticos e da realidade as-sustadora da situação de custodiados em todo país, talvez ainda pareçam

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 293

ser pequenos passos sem expressão. Entretanto, a nível local bem como na perspectiva dos presos que foram libertos e dos que ainda serão devido a essas práticas, esses mutirões restauraram-lhes a dignidade e o direito de imensurável importância como é a liberdade de ir e vir.

A ação do segundo mutirão de Habeas Corpus aconteceu no Complexo Penal de Feira de Santana e realizou vários atendimentos e também foram feitas várias petições que foram encaminhadas para o Tribunal de Justiça do Estado. Entre os presos provisórios para os quais foram feitas as petições de Habeas Corpus, o tempo excessivo da prisão provisória era a situação mais comum. Embora esse remédio constitu-cional que foi utilizado seja tratado no espaço reservado aos recursos no Código de Processo Penal, a principal natureza jurídica do instituto é de ação constitucional. Trata-se da invocação de tutela jurisdicional estatal no sentido de promover direito expresso na Lei Maior nacional contra aplicação erronia da lei, prisão ilegal, atos administrativos pra-ticados por quaisquer agentes, além de outros casos onde seja atingido injustificadamente o direito de ir, vir e permanecer do indivíduo.

Esses mutirões cumpriram sem dúvida esse papel importante. As ações promovidas pela Defensoria Pública têm que se tornar um exemplo a ser seguido em muitas comarcas espalhadas pelo país, que certamente lidam com situações semelhantes às encontradas em Feira de Santana- Bahia.

A conStitucionAlizAção dA execução penAl: perSpectivAS de eStudo e operAcionAlidAde dA diSciplinA JurídicA A pArtir de

umA interpretAção conStitucionAlizAdA.

Adriano Resende de Vasconcelos Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Advogado. Brasileiro(Brasil). Endereço eletrônico: [email protected].

Este trabalho acadêmico objetiva estudar a relação existente entre a execução penal a partir da perspectiva dos princípios e normas consti-tucionais, positivados no ordenamento jurídico brasileiro, em especial tendo como parâmetro a Constituição Federal de 1988. Procurou-se submeter à critica normas presentes na LEP-Lei de Execução Penal, servindo-se do aparato de uma exegese que considera os princípios de interpretação constitucional, estudados pela doutrina nacional.

Para que este desiderato seja alcançado, o autor irá partir de uma metodologia que visa a principio estabelecer a finalidade de estudo da Execução Penal, disciplina jurídica ainda em fase de implantação e desenvolvimento, em face da Constituição Federal. Somente a partir do estabelecimento do objetivo do estudo seria possível delinearmos os meios através dos quais este será alcançado. Nesta perspectiva, o autor procurará empregar as fontes de pesquisa jurídica de maneira integrada e concatenada, observando os contornos do objeto de es-tudo. Serão utilizados as leis constitucionais e infraconstitucionais em vigor, a jurisprudência dos tribunais, e em especial os estudos pré-existentes sobre a questão na doutrina nacional.

O artigo observará uma disciplina lógica de estruturação de seus capítulos, desde a introdução do tema, a relação da execução penal com os direitos fundamentais, passando pela análise dos princípios jurídico-constitucionais principais que norteiam o estudo da disci-plina, e também considerando a inter-relação da execução das penas com outras questões constitucionais de suma importância (como os órgãos jurídicos que exercem papeis relevantes no programa de cum-

A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 295

primento de penas e medidas de segurança, a conexão entre a execu-ção penal e matérias de interesse constitucional, a saber, o papel da família na reintegração social do apenado, por exemplo.)

Além disso, o artigo cientifico confere importância também aos princípios de interpretação constitucional, que infelizmente ainda não são considerados de maneira exaustiva pelos profissionais que lidam com a execução das penas. Princípios como o da unidade constitucional, supremacia constitucional e interpretação conforme a constituição, contribuem para servir como verdadeiros cânones ló-gicos para que possamos assim desenvolver um raciocínio jurídico que supere a mera concepção persuasiva no tocante à disposição dos enunciados, mas que também almeje através de um trabalho sério contribuir para um olhar mais acurado e científico do Direito.

Serão abordados os principais princípios jurídicos que regem a disciplina, tais como o principio do contraditório, da ampla defesa, da individualização das penas, além do principio da legalidade. Vale considerar o fato de que a compreensão do significado dos princípios nesse ramo do direito em construção permite não apenas avaliarmos com maior acuidade se as normas infraconstitucionais foram elabo-radas observando a melhor técnica de legística1, mas também em que medida podemos contribuir para alcançar o melhor sentido dos enunciados normativos e que esteja melhor de acordo com direitos fundamentais que um Estado Democrático de Direito almeja tutelar e aprimorar através da participação dos destinatários da norma.

Acredita-se que o trabalho acadêmico deve partir de certas premissas postas como fundamentais para que o artigo obtenha o reconhecimento digno de um congresso da envergadura em que o texto será apresentado. O autor irá se pautar na observância de uma pesquisa jurídica multidisciplinar, que abarcará uma pluralidade de áreas do conhecimento jungidas entre si pelo Direito Constitucional, posto como o tronco do direito positivo que fornece a seiva para as outras áreas do conhecimento jurídico2. Além disso, pretende-se ela-borar um artigo que seja de fácil compreensão, com uma linguagem

296 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

clara e concisa, mas com a preocupação de sempre observar a técnica jurídica e o alcance dos vocábulos.

Com base no exposto, espera-se que este trabalho contribua para pesquisas posteriores acerca da relação entre Direito Constitucional e Execução Penal, renovando o alcance das concepções acerca do tema e com isto atendendo a finalidade do congresso de possibilitar que os operadores e acadêmicos do direito, além de profissionais de outras áreas do conhecimento, tomem conhecimento das perspectivas que o direito constitucional promete agregar no aperfeiçoamento do sis-tema de aplicação das penas e medidas de segurança.

Notas

1 A LEP (Lei de Execução Penal) entrou em vigor em 11 de Julho de 1984, ou seja em outro contexto político e social. Dessa feita, urge imprescindível veri-ficarmos a compatibilidade da novel legislação com a Constituição de 1988.2 ROMANO, Santi. Principios de Direito Constitucional Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977, trad. De Maria Helena Diniz. p.3.

SoberAniA e indeciSão; notAS Sobre A críticA de Schmitt à conStituição de WeimAr

Ingrid Oliveira de AlmeidaGraduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil

– e-mail: [email protected].

Este artigo pretende abordar a crítica conservadora de Carl Schmitt à Constituição de Weimar de 1919, especialmente quanto às contradições que o autor identifica entre o seu obsoletismo liberal-formal e a sua decla-ração de direitos; além dos seus “compromissos dilatórios”, que culminam com a indecisão da soberania. Na visão de Schmitt, a normalidade e a lei são meras formalidades; o fundamento da validade reside na exceção.

A maior preocupação do autor é a soberania que, na sua constru-ção, está intimamente relacionada à decisão. Ele entende que “Sobera-no é quem decide na exceção” (“Souverän ist, wer über den Ausnah-mezustand entscheidet”1). Portanto, a seu ver, a soberania compreende a afirmação e a negação da ordem, ao mesmo tempo.2 Desse modo, em Schmitt, considera-se a exceção como ponto de partida; admite-se que o estado de exceção existe em contraposição ao reducionismo do posi-tivismo normativo, que percebe a validade da decisão somente na lega-lidade, mas que não a vincula à decisão fundamental, como ele mesmo o faz. “A lei e a política não podem ser ordenadamente separadas, afinal os conceitos de lei do Estado são baseados em princípios políticos, e a teoria política é sempre uma teoria do conflito”3. A política, pois, só é possível se houver uma relação de amigo-inimigo entre os envolvidos.

Destarte, este texto busca demonstrar a decadência do Rechtsstaat burguês, na visão de Schmitt, em decorrência da sua incapacidade de integrar a classe trabalhadora, consciente da luta de classes e das ideias marxistas, na unidade política do Estado. O autor apropriou-se do dis-curso institucionalista para manter o status quo e coibir a instituição parlamentar, pois, no seu entendimento, essa unidade política sequer tem lugar no regime parlamentarista, posto que ele possibilitaria a asso-

298 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

ciação de grupos com interesses comuns a fim de digladiarem por seus próprios zelos. O pluralismo dessas estruturas organizadas de poder (inclusive dos partidos políticos) transformaria o Estado em mero ins-trumento de exploração, ao usurpar seu monopólio do poder político.

A segunda parte da Constituição alemã de 1919, aos olhos de Schmitt, subsidiava a deflagração do caráter indeciso e impotente do Parlamento (Reichstag), na medida em que abdicava da política em razão da tentativa de conciliar as mais diversas convicções ide-ológicas, partindo-se da irresolução entre o individual e o social. A interminável discussão contribuía para os “compromissos dilatórios”, desprovidos de decisão, que abalavam a realização da soberania na República. Essa renúncia política, ademais, surge do pressuposto ad-mitido pelo autor de que a política só pode ser realizada por meio do embate, não pela circunspecção.

Se, por um lado, do ponto de vista jurídico-político, Schmitt se mostra um inovador ao problematizar a representação política e a ineficácia parlamentar; por outro, ao tratar da esfera econômico--social, ele é bastante conservador, já que suas propostas eram, em grande medida, comprometidas com o objetivo de impossibilitar a democratização do poder e a alteração das estruturas de Poder. Por considerar a unidade política essencial para a manutenção da sobera-nia, o autor idealiza um fenômeno democrático, no seu entendimen-to, mais original, mas que só se compatibilizaria com uma ditadura.

Notas

1 SCHMITT, Carl. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 2004. p.13.2 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004. p. 65-66.3 JACOBSON, Arthur J. SCHLINK, Bernhard. Weimar: A Jurisprudence of Cri-ses. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2002. p. 283. (Tradução do autor).

A pretenSão do plebiScito pArA umA conStituinte excluSivA e SoberAnA Sobre reformA políticA

Bruno César Braga AraripeMestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Brasil.

[email protected].

Ganhou-se repercussão nacional a ideia de um plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana com o objetivo de realizar reformas profundas e radicais no sistema político. Seria plebiscito, pois condiciona à previa aprovação da população, com uma ritualística à margem do que discrimina a constituição; constituinte, já que teria o condão de alterar a Constituição; exclusiva, posto que formada por se-tores externos a instituições públicas; e soberana, com a possibilidade de impor mudanças sem que, para tanto, haja impeditivos de ordem cons-titucional. Seus atores, externos ao ambiente parlamentar, e vinculados, majoritariamente, aos movimentos de esquerda, e contando ainda com o apoio de instituições com reconhecida legitimidade social, a exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil e da Igreja, discursam que é preciso realizar mudanças com a garantia de que os atuais políticos não influam e instituam regras para se beneficiar. Como se vê, a moral ronda a política, demonizando-a. De plano, o discurso propagado incute a ideia na qual a política e os políticos não estão sendo úteis à sociedade a ponto de, inclu-sive, serem excluídos da participação na propugnada constituinte. Com isso se esquece, ou omite-se propositadamente, a história política e cons-titucional do País, construída após intensos debates e consensos. Com o sentimento de crise de representatividade, leva-se a crer que o atual modelo político não funciona. Porém, analisar a história constitucional brasileira é descobrir a transformação alcançada a partir da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, a originar a primeira Constituição efe-tivamente democrática. Pesquisar sobre seu funcionamento é constatar a atenção dos atores políticos daquela época para a elaboração do texto constitucional com feições progressista e dirigente, alcançado após inú-

300 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

meros debates, votações e discursos entre as agremiações envolvidas. Os resultados, que precisam ser alcançados em longo prazo, fruto do ama-durecimento da sociedade e das instituições, demonstram a prescindibi-lidade de uma constituinte, principalmente uma que não se sabe como se iniciará e quais seus limites, haja vista que constituinte, em si, pressupõe a reformulação total da ordem constitucional. De um exame sobre o fun-cionamento do sistema político, de forma imparcial, é possível apreender que o regime adotado limita a atuação do parlamentar, mas nem por isso, causa a sua inoperância. Em um primeiro momento, é válido re-conhecer que a experiência democrática brasileira se consolidou. Num segundo instante, com o sistema político atual se conseguiu garantir a governabilidade em momentos de crises institucionais, como processo de impeachment presidencial e em escândalos de corrupção, demonstran-do, assim, sua utilidade. Num terceiro momento, estudar o atual sistema político, e com isso a atividade parlamentar, é identificar a produção de normas de caráter nacional, em detrimento as de cunho individualista, e a atuação majoritariamente voltada aos interesses de uma sociedade complexa e difusa, como a brasileira. Por fim, entender a política pres-supõe a desvinculação de paixões, visto que sua compreensão deve se dar no plano do concreto, ou seja, de como ela é, e não como ela deveria ser. Portanto, é de se concluir que a intenção levada a cabo por organizações majoritariamente de esquerda, embora induza ao debate sobre a política, carrega uma perspectiva idealista, e por outro, põem em risco os avanços do atual texto constitucional. Ilustra-se que a exemplo do que ocorre no conto do Machado de Assis, a “sereníssima república”, no qual a repúbli-ca das aranhas era constantemente ameaçada pelas formas de fraudar o processo eleitoral, embora sempre aperfeiçoadas os mecanismos de segu-rança do pleito, percebe-se, ao final, que mudar as regras do jogo por si só não é a solução do problema, mas, sim, o amadurecimento e a sabedoria da experiência democrática oferece. Isso porque a democracia não deve ser entendida como um modelo pronto e acabado; mas sim, como um processo de construção de consensos que conduz à emancipação huma-na. Por estas razões, este artigo defende a desnecessidade da Constituinte exclusive e soberana nos termos aqui tratados.

AtuAção político-democráticA e práxiS conStitucionAl: o poder conStituinte Sob A óticA de Antonio negri e de

friedrich müller

Vitor Sousa BizerrilGraduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando

do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Cerará (PPGD/UFC). Brasil. E-mail: [email protected].

Antonio Negri e Friedrich Müller nos apresentam perspectivas ori-ginais sobre poder constituinte, dilatando, quiçá rompendo com a tradi-cional categorização de poder constituinte originário e derivado. Conso-ante Negri, qualificar constitucional e juridicamente o poder constituinte não é, simplesmente, produzir normas constitucionais e estruturar pode-res constituídos, mas sobretudo dispor o poder constituinte enquanto sujeito, orientar a política democrática, razão porque Negri reputa poder constituinte, política e democracia como umbilicalmente ligados.1

Segundo Negri, a política, contudo, não restaria adstrita aos for-malismos e limites do poder constituído, que se apresenta como media-ção centralizada, no sentido de um espaço tornado político porquanto completamente absorvido pelo processo de representação, o que acar-retaria na diluição do poder constituinte pelo mecanismo representati-vo, não podendo mais se manifestar senão no “espaço político”.

Na concepção de poder constituinte de Antonio Negri, desta-ca-se sua qualidade expansiva e emancipadora, tornando-o a força motriz do debate político-democrático, que, neste distinto enfoque, desprende-se dos limites do poder constituído, do “espaço político” institucionalizado e do próprio constitucionalismo, convertendo-se em um ato fundamental de inovação. Conforme Negri, o aparato que nega o poder constituinte e a democracia é o constitucionalismo, que, ao tentar definir o poder constituinte, “sufoca-o na sociologia ou agarra-o pelos cabelos através da construção de definições formalis-tas”, naufragando nesse confronto conceitual.2

302 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

O viés revolucionário da teoria de Antonio Negri sobressai ain-da mais quando o pensador italiano funde revolução e poder cons-tituinte, aglomerando-os numa síntese das figuras de rebelião, de resistência, de transformação, de criação, de construção do tempo e de lei. O poder constituinte, então, se manifesta como “expansão re-volucionária da capacidade humana de construir a história, como ato fundamental de inovação e, portanto, como procedimento absoluto” e ilimitado, o que seria o único conceito possível de Constituição.3

Negri conclui, dessarte, que o conceito de poder constituinte tra-duz a normalidade da revolução, oferta uma definição do “ser como movimento de transformação”, pelo que defende a “desdramatização” do conceito de revolução, que se torna, então, por meio do poder cons-tituinte, o “desejo de transformação do tempo, contínuo, implacável, ontologicamente eficaz. Uma prática contínua e incontrolável”.4

Em sentido diverso ao da vigorosa teoria de Antonio Negri, onde se ressalta o caráter político, democrático e, principalmente, revolu-cionário do poder constituinte, Friedrich Müller assevera que o poder constituinte atua de modo a legitimar democraticamente a Constitui-ção, atualizando-a, revitalizando-a e, sobretudo, concretizando-a.

Consoante Müller, o poder constituinte, no pleno sentido do termo, deixa de ser metafísico para se tornar “maciço e real”, sendo, deveras, o poder do povo de constituir-se, pois, segundo o teórico germânico, não existe poder constituinte do povo “onde o poder contempla o povo em alienação; onde o povo não encontra a si mes-mo, mas apenas a violência de um Estado que mantém um povo para si”, visto que, para tal Estado, o poder constituinte é um símbolo ostentoso, “uma metáfora especialmente luminosa”.5

Em vista disso, Müller assevera que o poder constituinte não age apenas uma única vez, ficando “esgotado” até a próxima decisão re-volucionária, ou seja, “poder constituinte não deve ser compreendido como um ato isolado tópico, mas simultaneamente como capacidade permanente de se regulamentar no tempo”.6

Friedrich Müller, então, arremata que o poder constituinte não mais somente representa, enquanto texto de norma constitucional,

História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 303

um processo de preparação da Constituição ou um acontecimento temporalmente definido, mas que o poder constituinte atua como “norma para um critério de aferição”, subsistente no tempo, funda-mentando a legitimidade da Constituição, conforme sua aspiração, legitimação essa que se dará por meio da “permanência da práxis constitucional no ‘cerne’ material”.7

Reavivar a política e a consciência crítica da sociedade, portan-to, não significa apenas revigorar a democracia, mas, sobretudo, o usual conceito de poder constituinte. Nesta ocasião, olvidar-se-á, então, a habitual compreensão de democracia como mero procedi-mento legitimador da atividade legislativa, exsurgindo a democra-cia como práxis político-constitucional, como participação popular, como concretização normativa, à medida que o povo não mais se vê como ícone, mas torna-se iconoclasta de sua própria imagem divini-zada, ocupando e ampliando o espaço público/político, percebendo seu papel de sujeito ativo, de participante, e, ao mesmo tempo, de destinatário das ações político-democráticas.

Notas

1 NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.7.2 NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 444.3 Id., 2002, p. 39-40.4 Id., 2002, p. 459.5 MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o Poder Constituinte do Povo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 26-27.6 MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o Poder Constituinte do Povo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.35-36.7 Id., 2004, p.53.

o controle de conStitucionAlidAde no brASil e oS modeloS cláSSicoS

Edna Torres Felício CâmaraDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade

Federal do Paraná (Brasil). Endereço eletrônico: [email protected]

O presente trabalho tem por proposta expor os argumentos principais de Víctor Ferreres Comella, francamente favoráveis ao mo-delo centralizado de controle de constitucionalidade predominante na Europa, e, a partir desses argumentos, apontar possibilidades de discussão sobre o sistema misto adotado no Brasil. O tema reveste-se de importância tendo em vista não se tratar de discussão meramen-te procedimental, uma vez que a eficácia do modelo (in)viabiliza a proteção da carta de direitos fundamentais inscrita na Constituição. Em suas considerações sobre o padrão adequado para proteção de direitos, Comella contrapõe o paradigma descentralizado (de matriz estadunidense inaugurado pelo caso Marbury v Madison) ao parad-gima centralizado (teorizado por Hans Kelsen) para afirmar que, no cenário europeu, o controle de constitucionalidade concentrado é desejável (aponta o êxito do modelo na maioria dos países daquele continente). A legitimidade das decisões de cortes, no controle con-centrando, historicamente, pode ser relacionada à divisão de poderes ou ao princípio da segurança jurídica, mas há outros valores essen-ciais: o modelo centralizado protegeria de maneira mais eficiente os direitos fundamentais, pois os tribunais constitucionais podem lidar melhor com a norma constitucional haja vista o necessário manejo de princípios de moralidade pública; esses mesmos tribunais contribuem aos debates na sociedade devido à sua alta visibilidade; sua propensão ao ativismo é necessária no embate político que, às vezes, é inevitá-vel. Comella conclui que a segurança jurídica parece ser maximizada no sistema centralizado, em especial, porque o tribunal é desenhado somente para trabalhar com o controle de constitucionalidade. Em

História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 305

vista do exposto, a presente pesquisa aduz que está em aberto a ques-tão relativa à adequação do modelo misto brasileiro para suportar a atual demanda decisional a qual está submetido o Supremo Tribu-nal Federal, mantendo a coerência das decisões e, por consequência viabilizando, a segurança jurídica. Esse questionamento abre portas a outras reflexões. Segundo Comella, haveria restrições à adoção do modelo descentralizado puro na tradição do civil law, especialmente pela ausência de doutrina de precedentes. Embora a hierarquia entre os juízes possa superar esse argumento (em alguns países da civil law, as promoções dos juízes são decididas, ou pelos tribunais superiores ou por instituições próximas a eles; portanto, se um juiz deseja ser promovido, é melhor que respeite as decisões dos tribunais supre-mos), cada vez mais o circuito acadêmico insiste na necessidade do reconhecimento formal dos precedentes, já que não se pode negar uma tensão entre a teoria e a prática: os precedentes não são fonte de direito, mas os juízes tendem a segui-los. Essas considerações (aliadas a uma tendência de convergência dos modelos clássicos apontada por Jorge Reis Novais) legitimam discutir se, no Brasil, é desejável e pos-sível a formalização de um padrão de precedentes e se essa formaliza-ção aumentaria a segurança jurídica do sistema. Além de indagações sobre o desenho da corte e a possibilidade de adoção de precedentes, outras questões afloram a partir da análise da obra de Comella. Se-gundo o autor, são vantagens no sistema de controle concentrado o fato de que os juízes podem ter a tranquilidade e isolamento neces-sários às suas decisões e o fato de que teriam tendência a levar a sério os valores constitucionais, uma vez que lhes são exigidas coerência e objetividade com base em razões que transcendam crenças pessoais (Comella faz referências ao foro de princípios teorizado por Ronald Dworkin). Nesse contexto, explica-se a relativa autonomia do dis-curso constitucional (que não prescinde dos princípios e tem ligação com a razoabilidade e ponderação e que inclui considerações sobre moral, políticas públicas e disposições programáticas). Essas conside-rações vão ao encontro das análises do autor sobre o ativismo judicial e à necessária superação da timidez do discurso judicial na esfera do

306 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

controle de constitucionalidade: o tribunal não pode ser tímido, pois fiscalizar leis significa enfrentar poderes políticos (a missão da corte é controlar o legislador). Portanto, há uma inegável tensão entre justi-ça constitucional e democracia: compreender os direitos fundamen-tais e sua proteção como ingredientes da democracia e compreender a Constituição como integrante da vontade popular não desqualifica essa tensão (há custos democráticos no controle de constitucionalida-de). Na esteira das teorizações de Comella, a presente pesquisa aduz que é necessário não negar essa tensão e, ao mesmo tempo, questio-nar quais são os limites da interferência do discurso constitucional em relação ao direito positivo, em relação ao fórum de princípios e em relação à democracia – discussão absolutamente relevante e candente no Brasil contemporâneo. Conclui-se que a análise da contraposição dos paradigmas clássicos (concentrado e descentralizado) é importante ferramenta para reflexão sobre o papel e eficiência do sistema misto brasileiro, que agrega vantagens e desvantagens dos dois modelos.

direito de exceção e normAlidAde em giorgio AgAmben

Andréia Fressatti CardosoAcadêmica do 3º ano do curso de Bacharelado em Direito da Universidade

Estadual de Maringá, participante de Projeto de Iniciação Científica (PIC/UEM), sob orientação da professora Crishna Mirella de Andrade Correa, e do Núcleo de

Estudos Constitucionais Prof. Zulmar Fachin (NEC/UEM). Brasil. Email: [email protected].

Diante de uma crise o Estado se vê impelido a atuar de forma rápida, capaz de corresponder satisfatoriamente às necessidades que lhe forem apresentadas, isto é, atuando em um estado de emergência. Nesse estado, a decisão ganha destaque, pois a necessidade exige-a para que logo siga uma ação justa de acordo com a situação, o que destaca mais o Poder Executivo e permite que seus decretos ganhem a mesma força que teria uma lei, sem contudo passar pelo processo necessário para ser uma. O estado de exceção pode ser entendido como uma reação do Estado à crise, independente do cunho desta, embora mais relacionada a guerras e insurreições, como aponta Gior-gio Agamben, na obra “Estado de Exceção”.

A crise pode levar um Estado ao caos, dando fim a sua ordem; para evitar que se rompa completamente com qualquer forma de ordem, muitos Estados optam por criar uma fictio jurídica, um es-tado que pode ser descrito como o paradoxal estar-fora (anomia) e pertencer, um momento em que se afasta o Direito sem, contudo, extingui-lo; um elo entre estado de exceção e Direito. Formar-se-ia um “direito de exceção”, uma regulamentação para que se evite o caos, mas que não pertença a ordem jurídica que imperava.

Afasta-se, por meio desta fictio o Direito, suspendendo a ordem colocada, mas permitindo que ainda haja regulamentação, através da manutenção de uma estreita relação com o poder soberano, como in-dica Agamben. Cabe ao soberano a decisão do estado de exceção, de declará-lo como necessário, seja ele um único soberano ou um grupo deles. O soberano torna-se figura necessária, sendo o representante da

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segurança do Estado, em um modelo parecido com o Leviatã hobbesia-no. A indeterminação, típica desse estado, gera insegurança, voltando-se a população para um ente forte que demonstra a capacidade de protege--la, mesmo que para isso disponha de seus direitos. E vai além, assumin-do a figura do pater, aquele que decide sobre a vida e a morte dos que estão sob sua guarda. Explica-se aí como por meios legais ascenderam os regimes totalitários europeus do século XX, como o nazismo.

Para dar a devida resposta à crise, recebem os atos do soberano a força-de-lei, que se diferencia da força de lei por não dar eficácia a leis, mas garantir a coercibilidade de decretos soberanos que, além de não emanarem do Poder Legislativo, não são por si leis, uma vez que não passaram pelo devido processo legal. Tais decretos, emitidos pelo poder soberano, regulamentam a exceção, fundamentando a violên-cia que se exerce no momento da crise. A força-de-lei pode ser vista com a violência instauradora do “direito de exceção”, a violência que exerce o soberano para fundamentar seus atos e permitir que haja uma violência mantenedora na ordem fictícia que impôs ao Estado.

Juntamente com a necessidade de segurança, a força-de-lei gera um espaço em que a vida humana (assim como a morte) se torna um conceito acima de tudo político, cabendo à decisão soberana decidir sobre ela. Surge a ideia de campo, oriunda do estado de exceção, que suspende o homem como ser de direitos ao mesmo tempo que man-tém sua qualidade humana como ser vivente. A vida dentro do campo é a vida nua: aquela, nos termos de Agamben, matável, mas insacrifi-cável; que poderá ser morta sem constituir homicídio, mas não será le-vada como sacrifício. A exceção permite que impere essa vida nua, que a decisão entre vida e morte caiba ao poder soberano e às suas razões.

Entretanto, a problemática do estado de exceção se configura quando deixa de existir a necessidade e não se retorna a um estado de “normalidade”. O soberano da exceção não consegue prolongar a ficção de segurança, uma vez finda a crise, sem que deixe o patamar da incerteza, mantendo conceitos jurídicos indeterminados, e a insis-tência na manutenção da força-de-lei sem seu fundamento, torna-a mera violência mantenedora do direito, esvaída de fundamento. En-

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tretanto, observa-se que o Ocidente tem a tendência de transformar uma política de segurança, uma reação do Estado à crise para sua manuten-ção, como técnica de governo. Ao instituir a exceção como paradigma, porém, perpetua-se o campo, sendo cada vida dentro de seu território disponível, mesmo que tenha se esvaído o fundamento da exceção.

O paradigma da exceção não permite que o ser humano seja considerado em sua carga axiológica, que a ele sejam atribuídos di-reitos fundamentais, que as Constituições do pós-guerra procuraram trazer com tamanho zelo. A vida humana no campo instituído por este paradigma torna-se a vida supérflua, não passa de vida nua, des-pida de seus direitos, de sua própria qualidade de humana, portanto, incapaz de ser dada como sacrifício; mas ainda vivente, ainda passível de ser matada. Estaria sujeita à decisão soberana, e a ela caberia a escolha entre vida e morte daqueles sob sua guarda.

o debAte Sobre A reformA políticA no brASil: reAlizAçõeS e AlternAtivAS

Lucas de Oliveira GelapeAluno do curso de graduação em Direito da Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG), Brasil. E-mail: [email protected].

A partir das reflexões de Speck (2013), Couto (2013) e Nicolau (2013), o presente estudo pretende analisar as principais propostas de reforma política que estiveram em debate no Congresso Nacio-nal nos últimos 20 anos, levantando os motivos de seus insucessos, apontando as modificações relevantes na legislação no período ci-tado e discutindo as perspectivas do debate para os próximos anos. Para tanto, serão abordados os seguintes tópicos: a definição sobre o que seria a “reforma política”; os motivos para se reformar o sistema político e/ou o sistema eleitoral-partidário brasileiro; as característi-cas das principais propostas de reforma que estiveram em debate no Congresso Nacional nos últimos anos, os motivos de seus fracassos, e as principais mudanças efetivadas nesse período; as alternativas para se efetivar a grande reforma esperada pela sociedade e as possíveis consequências da constância dessa pauta no debate público nacional.

Inicialmente, discute-se o que seria uma “reforma política”, ten-do em vista a tensão existente entre duas diferentes concepções: uma visão mais restrita, que compreende a reforma como mudanças nas regras do jogo eleitoral; ou outra visão, que compreende esta como uma profunda reforma nas estruturas do sistema político brasilei-ro (como regras de funcionamento interno do Congresso Nacional, regulamentação da mídia ou reformas na estrutura do Judiciário) (AVRITZER; ANASTASIA, 2006) (NICOLAU, 2013).

A partir disso, apesar de uma suposta ausência de diagnósticos bem fundamentados sobre os motivos e os caminhos para se realizar a reforma nos projetos até hoje apresentados (NICOLAU, 2013), o pre-sente estudo adota o entendimento de Bruno Reis (2008), para quem

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a importância da reforma reside no alcance de um “equilíbrio mais confiável”, quebrando a lógica atual, que combina um sistema eleitoral que dispersa o poder com a concentração de um alto grau de poderes (principalmente de agenda) no Presidente da República e no Colégio de Líderes – concentração descrita em Figueiredo e Limongi (1999).

As principais discussões no Congresso Nacional nos últimos anos se deram entre propostas caracterizadas pela visão restrita, que consideram a reforma política como uma reforma da legislação elei-toral-partidária brasileira. Destacam-se três entre as propostas: a da Comissão Caiado (2003 e 2007) – caracterizada principalmente pela defesa do voto em lista fechada e pelo financiamento público exclu-sivo –, a da Comissão Fontana (2011) – defensora do voto em lista flexível e do financiamento público exclusivo – e a do Grupo de Tra-balho destinado a estudar e elaborar propostas referentes à Reforma Política e à Consulta Popular sobre o Tema (2013) – que inovou, propondo o voto proporcional nominal regionalizado, com regras mais rígidas para o financiamento de campanhas, mantendo contudo o sistema misto de arrecadação –. Apesar do insucesso das principais propostas, Couto (2013) aponta que diversas alterações relevantes ocorreram no período aqui abordado (como o fim da verticalização das coligações ou a Lei da Ficha Limpa). Fleischer (2011) também aponta para diversas outras modificações no sistema político nacional nas décadas de 1990 e 2000 (reeleição, diminuição do período de duração do mandato, introdução de cotas femininas nas listas de can-didatos a eleições proporcionais). Ainda assim, os principais pontos que conformam o sistema político-eleitoral não foram modificados, como o sistema eleitoral e o modelo de financiamento de campanhas. Speck (2013) aponta três motivos para o insucesso na aprovação da maior parte dos pontos de uma reforma política: a inexistência de consenso e incompatibilidade de respostas entre os partidos para pro-blemas comuns; a incerteza quanto ao impacto dessas mudanças para os atuais representantes em suas disputas eleitorais futuras; e o escas-so tempo para deliberação e aprovação das reformas, especialmente as

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que dependem de mudanças constitucionais, tendo em vista o modo de funcionamento do calendário parlamentar.

Frente a essas dificuldades, uma das alternativas que podem vir a lograr sucesso é a mobilização da sociedade civil para aprovação de projetos de lei de iniciativa popular. Apesar das limitações desse instru-mento (impossibilidade de mudanças constitucionais, por exemplo), diversos pontos da legislação já poderiam ser modificados por esse meio. Ainda que iniciativas desse porte já venham sendo utilizadas (diversas entidades da sociedade civil e movimentos sociais, possuem seus proje-tos), elas ainda carecem de estratégias mais efetivas para a maximização de seus resultados. Sendo assim, tendo em vista o fracasso recente do Congresso Nacional na promoção das grandes reformas necessárias ao melhor funcionamento do sistema político, a participação popular por meio de manifestações ou pelos projetos de iniciativa popular revela-se como um caminho alternativo para que seja alcançada uma reforma política de grande porte no Brasil. Afinal, a ausência de respostas a essa demanda da sociedade pode acarretar um descrédito das instituições e a deslegitimação dos eleitos pelas atuais regras (SPECK, 2013).

conStituinte excluSivA e SoberAnA: umA velhA iluSão Sob novA roupAgem

Cezar Cardoso de Souza NetoDoutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre

em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Brasil. E-mail: [email protected].

Diego Vinícius VieiraMestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil.

E-mail: [email protected].

Na atual e complexa realidade política brasileira, o Estado parece ter negligenciado sua tarefa de realizar os direitos sociais, tornado-se refém dos interesses econômicos, quer de poucos privilegiados, quer de indiví-duos ligados à estrutura governamental, ampliando as diferenças sociais e proporcionando o surgimento de um clima de insatisfação e revolta.

As conquistas democráticas, obtidas ao longo de décadas de lu-tas, mostram-se eclipsadas pela desconfiança popular, tendo em vista as atitudes incoerentes de inúmeros políticos cujas decisões são to-madas em situações de camaradagem recíproca, nas quais são consi-derados seus interesses pessoais e de grupos favorecidos e não mais o bem público ou a satisfação da população, o que proporciona um descrédito no modelo democrático (SCHMITT, 1996: 6).

Quando a organização política parece se distanciar, cada vez mais, da ordem racional, entregando-se à manutenção de privilégios e desigualdades, distancia-se da liberdade. Quanto mais livre, mais será racional, pois, em um Estado onde a ordem não é racional, este não será um Estado justo (SALGADO, 1996: 397).

Tal situação, somada à realidade da globalização, com a comple-xa passagem da relação modernidade-estado para modernidade-mun-do (MARRAMAO, 2011: 30-31) com todas as implicações e tensões provocadas por esta nova conjuntura, acrescida à complexa realidade brasileira atual, acabou por repercutir nos protestos de junho de 2013.

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Aproveitando-se de todo este quadro problemático, bem como do desconhecimento do texto constitucional pela maioria da população bra-sileira, surge um clamor por uma democracia popular, suscitado por sindi-catos, associações, partidos políticos entre outros grupos, tradicionalmente ligados a setores de esquerda, os quais propõem um plebiscito para a cria-ção de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, alegando que a Constituição Federal de 1988 já não representa os anseios do povo e, por conseguinte, seria derrogada, juntamente com a democracia, dando lugar a uma nova ordem política e social. (BARRETO LIMA, 2014).

Como ensina Cattoni, no que se refere à autodeterminação ju-rídica, os destinatários do direito devem se compreender como seus autores (CATTONI DE OLIVEIRA, 2012: 69), o que parece ter sido olvidado por grande parte da população brasileira, uma vez que a Constituição Federal de 1988, aclamada pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, como a “Constituição Ci-dadã”, é fruto de décadas de lutas em favor da democracia no Brasil.

Como se pretende demonstrar, a História dos textos consti-tucionais brasileiros reflete os diversos momentos enfrentados pelo país, despontando-se a Constituição de 1988 como o coroamento dessa busca por liberdade, cidadania e democracia.

Embora revestido de nova roupagem, o clamor por uma de-mocracia popular atavés de uma Constituinte exclusiva e soberana, mostra-se mais próximo ao estado de exceção, já que se extinguiriam as garantias fundamentais consagradas pela vigente Magna Carta.

O ideal de democracia popular difundido parece não considerar que em uma nova Constituinte estarão presentes os diversos gru-pos sociais e seus cativos interesses, sejam eles representados pelos membros dessa Assembléia ou, ainda, pela pressão da mídia, influen-ciando e movimentando a perigosa reconstitucionalização do país. (BARRETO LIMA, 2014).

Assim, em nosso entender, tal movimento ou desconhece que em uma nova Constituinte haverá os mesmos embates e conflitos pre-sentes naquela de 1988, apenas com uma nova roupagem ou, então, buscam, com este ideal de Constituinte exclusiva e soberana, extinguir

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a democracia, inaugurando um estado de exceção, onde apenas seus ideais farão parte do que consideram como popular, exercendo, de tal modo, a destituição da democracia e a soberania da exclusão.

Referências Bibliográficas:

BARRETO LIMA, Martonio; BERCOVICI, Gilberto; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andreade; STRECK, Lênio Luiz. Defender assembleia constituinte, hoje, é golpismo e haraquiri institucional. Dis-ponível em http://www.conjur.com.br/2014-ago-26/defender-assem-bleia-constituinte-hoje-golpismo-institucional. Acesso em 27 de se-tembro de 2014.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Constitucionalismo e teoria do estado: ensaios de história e teoria política. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013.

______. Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Initia Via, 2012.

MARRAMAO. Giacomo. La pasión del presente. Breve léxico de la moder-nidad-mundo. Barcelona: Editorial Gedisa: 2011.

SALGADO, Joaquim Carlos. A Ideia de Justiça em Hegel. Coleção Filosofia. São Paulo: Ed. Loyola, 1996.

SCHMITT. Carl. Sobre el parlamentarismo. Madrid: Tecnos, 1996.

é poSSível identificAr um conSitucionAliSmo Antigo? A politeiA e o StAtuS civitAtiS como princípioS orgAnizAdoreS

dA ordem políticA

Leonam Baesso da Silva LizieroDoutorando e Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ. Professor

da UCAM. Advogado. Brasil. [email protected].

Matheus Farinhas de OliveiraGraduando do 10º período em Direito pela Universidade Candido

Mendes. Brasil. [email protected].

O presente trabalho visa estudar o Constitucionalismo e suas ra-ízes nos povos antigos, assim considerados os povos gregos e romanos da antiguidade clássica, em contraposição aos modernos (sociedade pós-medieval ocidental). Esta concepção é fundamental para o escor-reito entendimento acerca de debate da doutrina constitucional no que tange a existência ou não do chamado “constitucionalismo antigo”.

Sem embargo, figuras festejadas como Aristóteles e Platão, em um tempo de profunda crise do mundo clássico grego (IV a.c – decadência da polis, porquanto esta deixara de ser um local para o exercício dos di-reitos políticos e passou a albergar uma intensa mercantilização; haven-do, ainda, um conflito entre pobres, desejosos de maior assistência pú-blica, e ricos, que tentavam impedir que houvessem mudanças radicais e a consequente perpetuação do status quo -) passaram a algumas reflexões acerca da questão da democracia e da igualdade. Aqui é que entra a uti-lização do termo politeia, comumente traduzido por constituição.

Muitas vezes apontada pela doutrina como “atecnica”, porquanto politeia pode ter outros significados, do ponto de vista objetivo este ter-mo pode significar a organização política da sociedade. Politeia, assim, é um instrumento conceitual de que se serve o pensamento político do século IV para trabalhar o principal conceito em discussão, qual seja: a busca pela forma de governo adequada, que reforce a unidade da polis.

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Se de um lado havia o risco de confrontos sociais e políticos (stasis), de outro, os filósofos passaram a prever a resolução pacífica dos conflitos, convivendo-se de uma forma ordenada e duradoura (eunomia).

Para Aristóteles, a politeia traz um “futuro político dotado de constituição”, no qual a política adotada possa se traduzir em um regime constitucional estavelmente fundado. Assim, também alberga a constituição dos pais, visando extirpar o mal que havia corrompido a unidade da polis, resultado direto de sua “mercantilização”.

Políbio (208? – 126? a.c) retoma os grandes temas afrontados pelo pensamento político do século IV, transformando-os radicalmente. A decadência política ocasionada pela corrupção moral pela ganância in-justa, devendo-se buscar a politeia, ou seja, a constituição como mode-lo ideal de equilíbrio. Toda a forma de governo fundada em um só cen-tro de poder é instável. A teoria do equilíbrio social era, reconhecido pelo próprio Aristóteles, abstrata e inadmissível. Com Políbio, fala-se em constituição mista que traduz uma teoria das magistraturas e do equilíbrio entre os poderes. Com o tempo, a constituição vislumbra a constante aplicação do equilíbrio entre os poderes em contraposição à assembleia popular, titular do poder de deliberação das leis, tendo que levar em conta a existência das competências reservadas ao Senado (v.g., matéria financeira, política do exterior, eleição da maior parte dos juízes). Há uma limitação de cada um dos três poderes por parte dos outros. Trata-se de uma mudança de rumos. Não há aqui uma teoria da disciplina social, mas uma teoria da disciplina do poder.

Contudo, o modelo aristotélico aparece novamente quando buscou-se uma resposta adequada à crise romana. O mero equilíbrio de poderes foi insuficiente, sendo necessário retornar às virtudes cí-vicas, cujo maior intérprete foi Cicero (106 – 43 a.c.), defensor da conciliação e superação dos extremos em conflito. Sua definição de res publica, como res que é do povo, considerando-se povo aquele que está reunido sobre a base de um consenso sobre o direito de uma co-munidade de interesses. A res publica forte só é possível com a união e, consoante o pensamento grego, não pode ter uma origem unilate-ral e violenta. A forma de união, chamada por Cícero de status civita-

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tis, é sempre utilizada no sentido de governo ideal, de forma mista e moderada. Soma-se a isto o conceito de aequabilitas, que é a proteção no plano político das virtudes da equidade e da moderação, devendo caber ao omnius bonorum (os mais íntegros e mais bem dotados, que sejam possuidores de posição moderada o suficiente que lhes permita dedicar-se de maneira desinteressada ao cuidado da coisa pública)

A similitude com as conclusões visualizadas na Grécia e em Roma fazem possível um balizamento das características do “constituciona-lismo antigo”. Tanto a politeia como a res publica servem como me-dida das relações políticas e sociais do seu tempo. Sem embargo, não possuíam o mesmo significado que hoje possui o constitucionalismo. Para se entender o sentido de diversos institutos gregos, deve-se liberar de conceitos modernos, ou seja, dos condicionamentos trazidos pelo intérprete. Uma das características mais perceptíveis das constituições modernas é a maneira extremamente complexa de repartição de com-petências, não visualizada no “constitucionalismo antigo”.

conStituinte excluSivA pArA A reformA políticA: exercício legítimo dA SoberAniA populAr ou golpe?

Deivide Júlio RibeiroMestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de

Direito da UFMG – [email protected]

Lucas Azevedo PaulinoMestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de

Direito da UFMG – [email protected].

As manifestações de junho de 2013, que levaram milhões de brasi-leiros às ruas, foram sintomáticas para revelar a crise de representatividade na política nacional. A necessidade de uma reforma política para diminuir este hiato entre representantes e representados foi apresentada não só por especialistas, mas – inclusive – pela Presidência da República, entre as me-didas anunciadas para satisfazer as demandas dos manifestantes.

Inicialmente, cogitou-se a realização de uma assembleia consti-tuinte exclusiva para a reforma política. Após críticas sobre a ausência de fundamento jurídico dessa assembleia, sugeriu-se a realização de um plebiscito sobre o tema, que também não chegou-se a efetivar.

As mesmas críticas foram recebidas no início do mês de setem-bro do corrente ano, momento no qual movimentos sociais organi-zaram uma consulta plebiscitária informal com o intuito de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva e soberana, com a finalidade de realizar a reforma política, tão discutida, mas não posta em prática pelo Congresso Nacional.

Subjacente a toda esta discussão estão duas questões fundamen-tais: uma de ordem jurídica e outra de ordem política. Do ponto de vista jurídico, opositores da ideia aduzem que qualquer tentativa de reforma ou alteração da Constituição, somente poderia ser efetuada pelo Congresso Nacional, atendendo os procedimentos do artigo 60 da Constituição. Outra possibilidade seria a revisão constitucional. Entretanto, o artigo 3º do ADCT, apenas previu uma única revisão,

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que ocorreu em 1994. Por tal razão, do ponto de vista dogmático, a proposta de uma reforma constitucional por meio de uma “consti-tuinte” seria inviável e qualquer tentativa de mudança constitucional, fora destes procedimentos, soaria como um a espécie de “golpe”.

Por outro lado, sob a ótica da política, os entusiastas do movi-mento entendem que constituinte não se subordina a qualquer limite jurídico, pois consiste em um poder de fato, que está além direito, bastando, para tanto, apenas a vontade popular de instaurar uma nova ordem constitucional. Sob essa vertente, a ideia de uma cons-tituinte não pode ser compreendida dentro dos parâmetros do cons-titucionalismo, que persegue a limitação jurídica do poder, uma vez que ela goza de um poder incondicionado e ilimitado.

No entanto, essa constituinte só seria legítima se proveniente da verdadeira expressão da soberania popular. Uma vez que se fala da legitimidade soberana do povo, surge a dúvida sobre a identificação de quem é esse “povo” e quem o representa. E representação aqui não convém dizer que é feita pelos representantes eleitos, pois, é justa-mente pelo sentimento de não representatividade que se propõe uma participação popular direta na reforma política brasileira.

A dificuldade de se conceituar o povo, decorre justamente de sua característica mais singular: a pluralidade. Assim, o fato de conceito de povo comportar várias concepções, não impede nem deslegitima os movimentos sociais que estão na articulação por uma pretensa melho-ria política. Cabe ressaltar, ademais, a genuína preocupação existente com os procedimentos e os atores que fariam parte desta constituinte.

Como seriam eleitos os membros da Assembleia? Por meio das regras de financiamento atual? Os partidos e grupos de influência que dominam a esfera política atual ficariam de fora? As atuais forças de poder da sociedade não participariam? Seria diferente do atual Congresso? Essas indagações questionam a necessidade, na prática, de tal assembleia. Por sua vez, os defensores da constituinte susten-tam que toda tentativa de mudança envolve uma aposta e um risco.

O engajamento cívico presente na intensa mobilização popular, que todo processo constituinte envolve, poderia forçar os represen-

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tantes da assembleia a atuar em favor da melhoria substantiva do sistema político. O fato é que o sistema atual aparenta não correspon-de mais aos anseios de representação da população, enfraquecendo a legitimidade da democracia brasileira.

É importante assinalar que essa consulta plebicitária informal, até o presente momento, apenas consultou o interesse popular sob a necessidade de uma assembleia constituinte exclusiva para refor-ma política. Enquanto processo pedagógico de esclarecimento sobre a necessidade da mudança, os movimentos sociais organizadores da ideia estão exercendo um papel de inegável importância.

No que concerne propriamente a Assembleia Constituinte Ex-clusiva para a reforma política, o fato de o poder constituinte ter se manifestado em 1987 e 1988 no Brasil não impede que possa eclodir novamente no futuro, no caso de um autêntico “momento constitucional”, excepcional, em que há intensa mobilização popular para ruptura – ainda que apenas em parte – com a ordem vigen-te. Há que se verificar se essa mobilização atual configura esse caso. Ao contrário, nos contextos ordinários da vida política, as mudanças constitucionais têm de ser perseguidas por meio dos procedimentos estabelecidos pela própria constitucional.

o reSSurgimento do confucionSimo político nA chinA: um novo conStitucionAliSmo chinêS?

Marcelo Maciel RamosDoutor em Direito e Professor Adjunto da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Rafael Machado da RochaMestrando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Pela primeira vez, décadas após a revolução que, em 1949, levou o Partido Comunista Chinês ao poder, intelectuais chineses congre-gam-se em torno de um novo objetivo comum: colocar-se no campo do debate com o Ocidente, propondo uma teoria política com vistas à desconstrução da aceitação tácita do pressuposto de universalidade em que se fundam os direitos humanos e a democracia liberal. Trata--se, com efeito, de um verdadeiro movimento político-filosófico que, remontando à tradição confucionista, vem definindo os contornos de suas construções teóricas a partir da tentativa de responder às expec-tativas das nações ocidentais, no que toca ao futuro do Estado chinês, em sua caminhada rumo à consolidação de um Estado de Direito.

Encabeçados por Jiang Qing (fundador da Academia Yang-ming), autores como Sheng Hong (diretor do Instituto de Economia Tianze de Beijing), Kang Xiaoguang (professor da Universidade Ren-min) e Chen Ming (professor da Universidade Normal da Capital), vêm apresentando reflexões substanciais no sentido de resgatar uma herança que, no último século, quedou-se silenciada ou, ao menos, afastada dos debates políticos na China continental. Funda-se, assim, uma nova vertente do Neoconfucionismo, cujos esforços concen-tram-se em recuperar o rico legado de instituições políticas e morais de que dispõe a tradição cultural chinesa. Instituições estas que, dora-vante, se prestarão à constituição e legitimação de um Estado e de um governo com preceitos muito diversos – para não dizer incompatíveis – daqueles em que se fundam o nosso Estado Democrático de Direito.

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Falamos aqui de um Confucionismo Político (Political Confu-cianism), que, em oposição à sua contraparte - Confucionismo “Es-piritual” (Mind Confucianism) - se prestará a denunciar o caráter contingencial das teorias políticas que embasam a legitimidade dos governos calcados no pressuposto da democracia liberal. Figura, pois, dentre os dogmas centrais deste novo paradigma, a proposição de uma teoria tridimensional da legitimidade política.

Segundo esta teoria, para se estabelecer com legitimidade, um poder político deve simultaneamente observar três condições: 1) es-tar de acordo com o Caminho (道 dào), tal qual preconizam os textos canônicos da Escola Confucionista, 2) não desviar-se de sua herança histórico-cultural ou romper a continuidade histórica de uma nação e 3) conformar-se à vontade das pessoas comuns.

Para transplantar a supracitada construção teórica à realidade concreta, postular-se-á, por exemplo, o estabelecimento de uma legis-latura tricameral, com cada uma das câmaras correspondendo a uma das três dimensões de legitimidade do governo. É assim que, numa câmara superior, figurariam membros nomeados por organizações confucionistas não governamentais e instituições confucianas oficiais. Logo abaixo, em sequência, estaria a casa responsável pela perpetua-ção da tradição cultural, com representantes das mais diversas religiões e descendentes das famílias tradicionais. Por último, incluir-se-ia uma corte representativa do povo, cujos membros seriam escolhidos por meio de eleições livres. Um projeto de lei aprovado pelas três casas converter-se-ia, desse modo, numa lei perfeita. Vê-se, aqui, um arran-jo que parece misturar representação democrática e governo de letra-dos, moldado ao melhor estilo dos valores confucionistas.

Estaríamos diante de um constitucionalismo propriamente chinês? Seriam os valores confucionistas desse novo constitucionalismo uma alternativa original para a construção de um novo regime político na China? Em seu esforço de compatibilizar tradição e democracia, seria esse projeto de constitucionalismo neoconfucionista realmente capaz de instaurar na China uma ordem política comprometida com a liberdade? São essas as questões que a presente comunicação procurará esclarecer.

intributAbilidAde e terrAS remAneScenteS quilombolAS: A interpretAção conStitucionAl nA proteção

doS direitoS fundAmentAiS

Guilherme De Lima SoaresAluno de graduação do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná,

Brasil. [email protected]

A Constituição Federal reconheceu a titularidade das áreas ocu-padas por remanescentes quilombolas, como expresso no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O dis-positivo regulamentou a titularidade das terras, porém, pelo seu laco-nismo, a regulamentação não abrangeu todas as questões que incidem nas terras ocupadas. A questão dos procedimentos para a demarcação e a questão da tributação, por exemplo, não foram regulamentadas no art. 68 da ADCT. Questões procedimentais sobre as transferências e demarcação dessas áreas foram regulamentadas apenas no decreto 4.887/2003, o qual “regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Muito embora o decreto viabilizasse um grande avanço para a efetividade do art.68 da ADCT, a tributação dessas áreas não foi regulamentada, formando uma lacuna que possibilita a controvérsia sobre a não incidência de tributos sobre tais terras. A questão da não cobrança de tributos des-sas áreas se torna matéria de discussão no poder judiciário, pois não há, explicitamente, uma regra de isenção ou imunidade tributária, porém a Constituição protege as comunidades. Se opondo a Cons-tituição, a Receita Federal sustenta o entendimento de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombos, atualmente ocupadas pelos remanescentes destas comunidades, devem ser tributadas nor-malmente, incidindo sobre elas o imposto ITR (Imposto Territorial Rural). Contra esse entendimento é questionado: pode ser incidido

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tributo sobre as áreas ocupadas pelos remanescentes? Se sim, o não pagamento do ITR poderia ocorrer à expropriação através da execu-ção fiscal de propriedade de remanescentes quilombolas, sendo que essas propriedades são definitivas conforme o art.68 ADCT? Anali-sando o entendimento da Receita Federal, é colocada outra questão, relacionada à função social da propriedade rural. Como preconiza Hugo de Brito Machado, o imposto sobre a propriedade rural pri-vada é considerado um importante aparelho no combate aos latifún-dios que não há produção, por isso a lei n. 9.393 de 19/12/1996, instituiu alíquotas progressivas em função da área do imóvel e da medida de sua utilização. A função social da propriedade das comu-nidades quilombolas é muito mais voltada à manutenção da cultura e dos costumes de comunidades afro-brasileiras, estabelecendo nessas áreas atividades de subsistência, para a manutenção desses sujeitos coletivos, no qual estão intimamente ligados na formação da identi-dade cultural brasileira. Outro problema sobre a tributação nas áreas demarcadas pelos remanescentes quilombolas é o reconhecimento de direitos fundamentais. Nota-se que quando se faz a leitura dos dis-positivos legais que versam sobre propriedade dos remanescentes, tais como o art. 68 da ADCT e os art. 215 e 216 da Constituição Fede-ral, visualiza-se que, além de conceder aos remanescentes de quilom-bos a titularidade das terras, é concedida também representação de patrimônio cultural, pois são patrimônios portadores de referência e consagram a memória dos diferentes grupos culturais que formaram a sociedade brasileira. Trata-se do reconhecimento de um direito fun-damental de terceira geração, no qual a finalidade legisladora consti-tuinte foi a de amparar sujeitos coletivos hipossuficientes, objetivan-do a efetividade dos princípios constitucionais. Por fim, em relação à imunidade tributária dos direitos fundamentais, impressa no artigo 150 da Carta Magna, cabe ressaltar que, neste artigo, o constituinte ensejou a primazia dos direitos, que, pela não competência tributária, garante a proteção dos direitos fundamentais. No caso da comuni-dade de Óbidos (ação ordinária n°: 72595-60.2013.4.01.3400), que ajuizou uma ação para anular a dívida tributária, no qual a juíza deci-

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diu que, mesmo na inexistência de regra expressa de intributabilidade de ITR às áreas quilombolas com a isenção ou a imunidade, há que se adotar a tese de “imunidade implícita”, uma vez que a imunidade decorre da interpretação dos princípios e fundamentos seguidos pela Constituição, tais como a proteção do patrimônio cultural nacional, o pluralismo étnico e cultural e a dignidade da pessoa humana, não dependendo regra no texto constitucional. Ao avaliar o problema coloca-se uma possível alternativa, ressaltando-se a importância da teoria da interpretação diante da lacuna posta, Ronald Dworkin em romance em cadeia estabelece que a melhor interpretação seja aquela que segue a ideia da intenção do texto, no qual a boa intepretação do texto é a aquela que melhor se adapta. Nesses casos o intérpre-te terá que fazer analogia entre os princípios constitucionais, não se prendendo apenas nas regras escritas. Esse entendimento se funda-menta na teoria de Dworkin, no qual o magistrado não cria Direito, mas participa da construção por meio dos princípios. Ao expor à problemática, conclui-se que de fato não existe um posicionamento sedimentado do judiciário, muito embora existam decisões proferi-das com fundamentos advindos da interpretação dos princípios que indica a existência da imunidade implícita.

umA novA conStituinte: A neceSSidAde de Se (re)deSenhAr o SiStemA político brASileiro.

Igor Campos VianaAluno do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG). Monitor do Grupo de Estudos sobre Constituição e Política da UFMG. Monitor das disciplinas Direito Constitucional I e

Hermenêutica Jurídica. E-mail: [email protected]

A reforma política é uma pauta antiga no espaço do debate público brasileiro. Diversas foram as propostas legislativas fracassadas no sentido de reformar o sistema político no Brasil, destacamos a PEC 554/1997 que sugeria uma “miniconstituinte”; a PEC 157/2003 que previa uma revisão constitucional; a PEC 193/2007 que visava incluir um procedi-mento revisional no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e a PEC 384/2009 que pretendia possibilitar a eleição em 2010 de 180 parlamentares constituintes com a função de revisar os dispositivos da Constituição Federal relativos ao regime de representação política.

O “Junho Brasileiro” - movimento de manifestações populares que tomaram as ruas das capitais brasileiras em junho e julho de 2013 -, apesar de multifacetado1, teve na “Reforma Politica” uma forte bandeira e pode ser interpretado como um sintoma da crise de representação no país. Em resposta a esse chamado das ruas, a Presidente Dilma Rousseff (PT) propôs no dia 24 de junho de 2013 a convocação de uma Constituinte Exclusiva para a reforma do Sis-tema Político brasileiro, entretanto essa ideia foi logo abortada pelo Palácio do Planalto, destacando o papel dissuasivo assumido pelo vi-ce-presidente e constitucionalista Michel Temer (PMDB).

A crise de representatividade político-partidária é nítida e se apre-senta como um problema que necessita de uma rápida alteração. Con-forme estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas no segundo semestre de 20132 (ICJ-Brasil), 15% da população brasileira confiava no Congresso Nacional e apenas 6% confiava nos partidos políticos.

328 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Esse cenário comprova a situação de desgaste e limite que se encontra o atual modelo brasileiro de representação política, fazendo-se necessário pensar novas formas de aperfeiçoamento ou substituição desse modelo.

A sub-representação de determinados grupos da população que, apesar de serem maiorias numéricas são minorias sociais no sentido de sua influência política, é notória no Congresso Nacional. O índice de parlamentares mulheres ou negros é mínimo, em contrapartida, é evidente a consolidação das bancadas do agronegócio e empresariais, que em termos numéricos apenas representam uma pequena parte da sociedade brasileira. Razão primária para esse fato é o sistema misto de financiamento de campanhas e partido eleitorais no Brasil, permi-tindo assim a transferência da desigualdade econômica para o jogo político democrático. A omissão em relação à mudança do Sistema Político é, na verdade, garantir a possibilidade de um ainda maior crescimento de setores conservadores da sociedade.

Conforme destaca o jurista Roberto Gargarella, professor da Fa-culdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, ainda que as na-ções latino-americanas tenham sido, por algumas vezes, vanguardistas no modelo do constitucionalismo social, o impacto delas sob a vida de seus cidadãos não tem sido muito eficaz em razão de uma tradição constitucional que dá ênfase na autoridade centralizada e no fortaleci-mento do poder presidencial. A concentração de poder no Executivo através da possibilidade de legislar por medidas provisórias, de declarar estado de sítio, de realizar a intervenção federal e de designar e remover ministros discricionariamente, inviabiliza uma atuação autônoma do Poder Legislativo, contribuindo para o seu enfraquecimento.

Os movimentos sociais brasileiros – diante das seguidas propos-tas fracassadas pelo Congresso Nacional - decidiram encampar a luta por uma nova constituinte. Entre os dias 01 e 07 de setembro de 2014 foi realizado o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclu-siva e Soberana do Sistema Político com a participação de 7.754.436 brasileiros, sendo 97,05% favoráveis à nova Constituinte. A intenção dos organizadores desse evento era contribuir para a conscientização da população brasileira acerca das mudanças necessária e pressionar

História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 329

os candidatos à eleição de 2014 para o debate do tema. Entretanto, muito claro foi o silêncio midiático em relação a tamanha mobiliza-ção social, confirmando o forte caráter conservador dos grandes veí-culos de comunicação em massa que não parecem estar insatisfeitos com o atual sistema político brasileiro.

Caloroso debate acadêmico se instaurou entre os constitucio-nalistas brasileiros. Alguns como Marcelo Cattoni, ao lado de Gil-berto Bercovici e Lenio Streck, atacam a posposta da Constituinte Exclusiva alegando ser inconstitucional e um movimento político não calculado, chegando a denominá-lo de ingênuo. Outros, como o constitucionalista José Luiz Quadros de Magalhães, ressaltam o caráter eminentemente político do Poder Constituinte Originário que obviamente é inconstitucional em relação a ordem vigente que pretende alterar, ou seja, sua legitimidade não é jurídica, mas sim popular. Assim, concede-se verdadeira centralidade aos movimentos sociais e ao poder “instituinte” das ruas.

Notas

1 Organizado sob a lógica do “enchameamento virtual” explicada pelo so-ciólogo Rudá Ricci e antropólogo Patrick Arley no livro: “Nas ruas: a outra política que emergiu em junho de 2013”.2 Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/6618. Acesso em 29 de setembro de 2014.

o JudiciAl revieW e o AtiviSmo JudiciAl dA SupremA corte AmericAnA

Estefânia Maria de Queiroz BarbozaProfessora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e professora associada da Universidade Federal do Paraná, programas de graduação e pós-

graduação em Direito. Brasil. Pesquisadora (bolsista de produtividade em pesquisa) do CNPq. Mestre e Doutora pela UFSC. Visiting researcher associate

no Centre for the Study of Democracy, University of Westminster, Londres, 1998-1999. Visiting research scholar, Benjamin N. Cardozo School of Law, Nova

York, 2012-2013.. [email protected]

Katya KozickiProfessora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e professora associada da Universidade Federal do Paraná, programas de graduação e pós-

graduação em Direito. Brasil. Pesquisadora (bolsista de produtividade em pesquisa) do CNPq. Mestre e Doutora pela UFSC. Visiting researcher associate

no Centre for the Study of Democracy, University of Westminster, Londres, 1998-1999. Visiting research scholar, Benjamin N. Cardozo School of Law, Nova

York, 2012-2013.. [email protected]

No presente trabalho, examinar-se-ão as origens históricas do judicial review nos Estados Unidos da América e os reflexos de sua concepção no chamado “ativismo judicial” norte-americano, o qual acaba por priorizar o papel da jurisdição constitucional em prejuízo ao princípio democrático, na proteção dos direitos fundamentais ga-rantidos na Constituição. Ou seja, acredita-se que a Suprema Corte é a instituição do governo melhor preparada para pronunciar e guar-dar os valores permanentes da sociedade, que por sua vez, não estão prontos, precisando ser continuamente derivados e enunciados.1

Não se nega aqui a grande influência sofrida pela doutrina na-cional, não só pelo judicial review americano, como também pelo constitucionalismo europeu, em razão de nosso sistema ser parecido com o sistema romano-germânico, mais comum naquele continente.

Ativismo judicial e comportamento judicial • 331

Não obstante, justifica-se a opção por aprofundar o estudo da ex-periência norte-americana, visto que a introdução da jurisdição consti-tucional, tanto no Brasil como nos países europeus, teve por influência a experiência do judicial review estadunidense, por se tratar da primeira experiência de controle de constitucionalidade no mundo.

Embora a Europa tenha rejeitado o modelo estadunidense de controle difuso de constitucionalidade das leis em virtude do receio do “governo de juízes”, haja vista a atuação da Suprema Corte nor-te-americana na primeira metade do século XX2, é certo que os mo-delos de constituição rígida e, consequentemente, de supremacia da constituição, adotados pelos países europeus em meados do século XX, têm origem no sistema constitucional americano, que foi o sis-tema precursor de controle judicial das leis provenientes do Poder Legislativo que acabou por irradiar efeitos por todo o mundo.

Um segundo motivo que torna relevante o estudo do modelo do judicial review norte-americano aparece na medida em que o papel cria-tivo3 e ativista dos juízes no sistema estadunidense, na busca de soluções para problemas concretos, transformando questões políticas em jurídi-cas, não tem comparativos4 no resto do mundo, resultando como o me-lhor exemplo de proteção e concretização dos direitos fundamentais de que se tem conhecimento, mesmo que esta proteção tenha significado a oposição da Suprema Corte americana às pretensões políticas da maioria.

Esse protagonismo do Judiciário é muitas vezes chamado de ati-vismo judicial, o qual deve ser entendido não o quanto uma Corte é ocupada mas o quanto seus juízes estão dispostos a desenvolver o direito. Apresentar-se-ão, por outro lado, as críticas e a controvérsia a respeito do ativismo judicial, que se dão especialmente por duas razões. A primeira diz respeito ao caráter contramajoritário dos juí-zes, que não teriam competência para elaborar novo direito pois não foram eleitos pelo povo e numa democracia liberal a visão conven-cional permanece sendo a de que somente as pessoas eleitas ao Parla-mento poderiam criar o direito. A segunda questão é em se aceitando que os juízes podem desenvolver a lei, quais seriam os critérios para definir que o desenvolvimento seria adequado5.

332 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Buscar-se-á, ainda, estudar e apresentar algumas definições de ativismo judicial, em virtude da grande diversidade de sentidos utili-zados pela doutrina. Adota-se, na presente pesquisa, a concepção de Christopher WOLFE sobre o ativismo judicial convencional, como sendo aquele nos quais os juízes devem decidir os casos que lhes são apresentados e não evitá-los, de modo a realizar a justiça, especial-mente protegendo a dignidade da pessoa humana pela expansão da igualdade e da liberdade. Os juízes “ativistas” devem se comprometer a garantir, dessa forma, soluções para os problemas sociais, princi-palmente utilizando-se de seu poder para dar conteúdo aos direitos e às garantias fundamentais que venham a realizar a justiça social.6 Ativistas não no sentido pragmático de ignorar a Constituição ou os precedentes que lhe interpretaram, para impor seu próprio ponto de vista, mas no sentido de que devem estar eles preparados para respon-der às questões de moralidade política que lhe são apresentadas, nos moldes da doutrina de DWORKIN7 do direito como integridade.

Por fim, analisar-se-á o projeto político que garante a manu-tenção da autoridade judicial para interpretar a Constituição e usar ativamente o poder de controle constitucional das leis. Para que se sustente o ativismo judicial, no sentido de declaração de inconsti-tucionalidade do ato normativo do Legislativo ou do Executivo, as Cortes devem operar numa política de desenvolvimento favorável. Juízes devem achar razões que levantem objeções aos atos do gover-no, e políticos eleitos devem achar razões para parar de sancionar ou criticar juízes que levantam tais objeções.8

Notas

1 Neste sentido ver WELLINGTON, Harry H., “in” BICKEL, Alexander M. The Least Dangerous Branch: The Supreme Court at the Bar of Politics. 2nd ed. New Haven: Yale University Press, 1986, Foreword, p.xi. “It is a premise we deduce not merely from the fact of a written constitution but from the history of the race, and ultimately as a moral judgment of the good soci-ety, that government should serve not only what we conceive from time to time to be our immediate material needs bus also certain enduring values. This in part is what is meant by government under law. But such values do

Ativismo judicial e comportamento judicial • 333

not present themselves ready-made. They have a past always, to be sure, but they must be continually derived, enunciated, and seen in relevant applica-tion”. “And Bickel believed the Supreme Court was ‘the institution of our gov-ernment’ best equipped ‘to be the pronouncer and guardian of such values’. “É uma premissa que nós deduzimos não apenas do fato de uma constitui-ção ser escrita, mas pela história da raça humana e principalmente como um julgamento moral de uma boa sociedade, a de que o governo deveria prover os cidadãos não somente daquilo que concebemos de tempos em tempos ser nossos bens necessários, mas também de alguns valores duradouros. Isto é em parte o que se entende governar segundo a lei. Mas alguns desses valores não estão prontos por si só. Eles sempre têm um passado, por certo, mas precisam continuamente ser derivados, enunciados, e vistos em aplicações relevantes’. E Bickel acreditava que a Corte Suprema era a ‘instituição do go-verno melhor equipada para declarar e proteger esses valores.”2 Cf. FAVOREU, Louis. As Cortes Constitucionais, São Paulo, Landy Editora, 2004, p. 18 et. seq.; e CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direitos comparado, Porto Alegre, Fabris, 1984, p. 116 et. seq.3 O papel criativo que se defenderá no presente estudo é aquele proposto por Dworkin, ou seja, não se trata de papel criador ou discricionário, mas de buscar nos princípios constitucionais a resposta certa. A criatividade da interpretação judicial ocorre “pelo fato de impor um propósito, uma justificativa para o texto legal ou a tradição que está sendo interpretada. O juiz não é livre para criar direito, pois sempre haverá um instrumento do qual ele pode se servir – os princípios políticos constitutivos daquela comunidade – para julgar o caso concreto e o qual afasta a possibilidade da discricionariedade judicial.” (KOZICKI, Katya. Conflito e estabilização: comprometendo radicalmente a aplicação do direito com a democracia nas Sociedades Contemporâneas, Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000, p. 189.)4 Tendo em vista o aparente caráter filosófico-abstrato e declamatório das Declarações francesas e, por conseguinte, de seus direitos fundamentais, afirmava-se a superioridade moral dos direitos, não se garantindo, porém a sua eficácia e efetividade no plano jurídico, tendo, inclusive, escrito Ge-orge Jellinek que: “sem a América, sem as constituições dos seus diversos Estados, talvez tivéssemos uma filosofia de liberdade, mas nunca teríamos uma legislação que garantisse a liberdade”(JELLINEK, G., apud VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portugue-sa de 1976, 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 21.)5 DICKSON, Brice. Judicial Activism in The House of Lords 1995 -2007 In: DICKSON, Brice. Judicial Activism in Common law Supreme Courts. Oxford University Press, New York, 2007, p. 367.

334 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

6 Christopher WOLFE define o ativismo judicial convencional como aquele no qual “judges ought to decide cases, not avoid them, and thereby use their Power broadly to further justice- that is, to protect human dignity – especially by expanding equality and personal liberty. Activist judges are committed to provide judicial remedies for a wide range of social wron-gs and to use their power, especially the power to give content to general constitutional guarantees, to do so.” The Rise of Modern Judicial Review: from constitutional interpretation to judge-made law. Revised edition. Maryland: Littlefield Adams Quality Paperbacks, 1994, p. 2. Mais a frente conclui que: “judicial activism may be defined in terms of either the rela-tion of a judicial decision to the Constitution or the manner in which judges exercise what is conceded to be a broadly political, discretionary power. The definition on which I place the greater emphasis will be dissatisfying to most contemporary constitutional scholars, who subscribe to different conceptions of the nature of judicial power and of the evolution of judicial review in American history.” Ibidem, p. 31.7 “Our constitutional system rests on a particular moral theory, namely that men have moral rights against the state. The difficulty clauses of the Bill of Rights, like the due process and equal protection clauses, must be un-derstood as appealing to moral concepts rather than laying down particu-lar conceptions; therefore a court that undertakes the burden of applying these clauses fully as law must be an activist court, in the sense that it must be prepared to frame and answer questions of political morality”. DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 147. Ver também: BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e Segurança Jurídica: Limites e Possibilidades para a Jurisdição Constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014.8 WHITTINGTON, Keith E. “Interpose your friendly hand”: Political suppor-ts for the exercise of Judicial Review by the United States Supreme Court. American Political Science Review, v. 99, n. 4, 2005, p. 583.

AtiviSmo JudiciAl: fAtoreS e dimenSõeS

Carlos Alexandre de Azevedo CamposMestre e Doutorando em Direito Público pela Universidade do Estado do

Rio de Janeiro – UERJ (Brasil). Professor de Direito Constitucional e Tributário da Universidade Candido Mendes (campus Campos dos Goytacazes) e da

UNIFLU (Brasil). Email: [email protected].

Com toda a ascensão institucional do Supremo, o ativismo judi-cial tornou-se um dos principais assuntos de nossos debates doutriná-rios. Pode-se dizer, sem receio, ser um tema da moda. Porém, o ativismo judicial no Brasil e, particularmente, do Supremo, está distante de ser um fato isolado. Muitíssimo ao contrário, a discussão sobre o exercício expansivo de poder decisório por juízes e por cortes sobre os outros poderes possui alcance espacial e temporal muito maior que o inci-piente debate brasileiro possa sugerir. A discussão é contemporânea ao surgimento do controle judicial de constitucionalidade das leis. A realidade é que a expansão do ativismo judicial tem sido mundial.

Mas, afinal, o que é o ativismo judicial? O que se pretende com o “debate sobre o ativismo judicial”? Como se identificam práticas de ativismo judicial? O que faz de uma decisão judicial uma “decisão ativista”? Quais são as variáveis explicativas? O ativismo judicial é uma escolha isolada dos juízes? Como se manifesta o ativismo judi-cial do Supremo Tribunal Federal? Enfim, quais são as premissas e os propósitos deste trabalho?

Mesmo antes da discussão acerca da legitimidade das decisões ativistas e da postura de ativismo judicial, há a necessidade de se apresentar e explicar o avanço do ativismo judicial nas ordens po-líticas particulares, assim como de identificar as decisões ativistas e categorizá-las. Ambos os propósitos dependem da prévia definição de “ativismo judicial”, e que esta seja capaz de dar conta da comple-xidade dos comportamentos adjudicatórios ativistas. Esta definição deve ser construída em torno do “núcleo comportamental ativista” – a expansão de poder político-normativo por parte de juízes e cortes

336 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

sobre os outros poderes –, e levar em conta as diferentes caracterís-ticas desse comportamento apreendidas por meio da observação das praticas decisórias de cortes constitucionais paradigmáticas.

Assim, faz-se possível fixar cinco premissas com implicações normativas sobre a construção da definição mais adequada e útil de ativismo judicial – a primeira premissa diz que o ativismo judicial é uma questão de postura expansiva de poder político-normativo de juízes e cortes quando de suas decisões, e não de correção de mérito dessas decisões judiciais; a segunda, que o ativismo judicial não é aprioristicamente le-gítimo ou ilegítimo; a terceira aponta o caráter dinâmico e contextual da identificação e da validade do ativismo judicial; a quarta diretriz afirma a pluralidade das variáveis contextuais que limitam, favorecem, enfim, moldam o ativismo judicial; e a última é aquela que explica o ativismo judicial como uma estrutura adjudicatória multidimensional.

A partir dessas cinco diretrizes, o ativismo judicial pode ser defini-do como o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos, que: (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos ins-titucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos; (c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias.

Esta definição tem a virtude de possibilitar a explicação e a identifi-cação do ativismo judicial de Cortes particulares. Quanto ao caso brasilei-ro, precisamente do Supremo Tribunal Federal, a explicação do ativismo judicial deve levar em conta a premissa de o ativismo judicial responder aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos. Com efeito, o momento ativista do Supremo é totalmente vinculado ao con-texto histórico brasileiro pós-Constituição de 1988 e às transformações institucionais, políticas, sociais e jurídico-culturais que se seguiram. Com isso, rejeita-se a ideia do ativismo judicial contemporâneo como decor-rência pura e simples da vontade dos juízes do Supremo. Na realidade, ele responde a múltiplos fatores, máxime, a fatores exógenos.

Ativismo judicial e comportamento judicial • 337

Quanto à identificação e categorização das decisões ativistas, reve-la-se ineludível reconhecer-se o caráter multidimensional do ativismo judicial. As decisões ativistas se apresentam por uma variedade de con-dutas judiciais distintas. As cortes expandem poderes político-norma-tivos em face dos outros poderes por meio: de interpretações criativas e expansivas dos enunciados normativos constitucionais, notadamente dos princípios constitucionais; da correção das leis, alterando os sig-nificados para conformá-las às constituições; da ampliação, por conta própria, de seus instrumentos processuais e da eficácia de suas decisões; da falta de deferência às capacidades legal e cognitiva dos outros pode-res; da interferência na formulação e na execução de políticas públicas em torno de direitos sociais e econômicos.

Tal realidade decisória se faz presente na jurisprudência con-temporânea de todas as importantes cortes constitucionais ao redor do mundo, incluído o Supremo Tribunal Federal e, por isso, a iden-tificação do ativismo judicial deve ser realizada por um método que reconheça a aludida estrutura multifacetada e faça dessa condição o objeto de trabalho. Em incorporar o caráter multidimensional à definição de ativismo judicial e em aplicar essa fórmula ao comporta-mento decisório dessas Cortes, torna-se possível compreender e iden-tificar com muito mais proveito e certeza as decisões ativistas.

direitoS fundAmentAiS e A JudiciAlizAção dA políticA: implicAçõeS do AtiviSmo JudiciAl no eStAdo brASileiro

Gabriela Nodari Fróes de CastroGraduanda do 9º período em Direito pela UFMG, Brasil. Endereço

eletrônico: [email protected].

Luana Amaral PradoGraduanda do 9º período em Direito pela UFMG, Brasil. Endereço

eletrônico: [email protected].

Na construção histórica do Estado Democrático de Direito, prin-cipalmente após a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Ju-diciário passou a representar papel de grande relevância diante da socie-dade brasileira. Segundo Luis Roberto Barroso, a atuação mais ampla e intensa do Judiciário, que se entende por ativismo judicial, pode ocorrer naturalmente em Estados nos quais o Poder Legislativo – e também o Executivo – se retraem e se mantêm distantes da sociedade.1

Nesse ínterim, o ativismo judicial tem sido uma questão am-plamente debatida pelos juristas. Aqueles que defendem essa atuação mais ampla do Judiciário possuem argumentos que devem ser con-siderados. O principal deles é da missão da instituição de garantir a concretização dos valores constitucionais e dos direitos fundamentais do cidadão2, além da efetivação do acesso a uma ordem jurídica jus-ta. Outros juristas visualizam a questão de modo mais apreensivo, levando em conta argumentos como os riscos para a legitimidade democrática, de politização da Justiça, e dos limites da instituição.3

O debate se torna mais delicado quando se esbarra na questão da garantia dos direitos fundamentais positivados na Constituição. O texto constitucional é resultado do processo de redemocratização do país, de modo que sua promulgação aumentou de maneira sig-nificativa a demanda por justiça. Por essa razão, o Poder Judiciário adquiriu um papel simbólico importante de garantidor de direitos fundamentais. Conforme Barroso:

Ativismo judicial e comportamento judicial • 339

Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa as-censão institucional do Poder Judiciário. Recuperadas as liberdades demo-cráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel po-lítico, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo.4

Esse papel protagonizado pelo Poder Judiciário emergiu diante da impossibilidade ao Poder Público em enfrentar com êxito as demandas por direitos sociais prometidos pela Constituição, tais como a saúde (art. 196, da CF/88) e a educação (art. 205, CF/88). É nesse contexto que tem sido cada vez mais frequentes atitudes mais ativas dos tribunais em matéria de políticas públicas, como a concessão de medicamentos e tratamentos médicos aos cidadãos através de decisões judiciais. Por essas medidas, há a tentativa de minimizar a falta de acesso efetivo dos cidadãos a bens da vida que se mostram inteiramente necessários para a concretização de direitos mínimos, como uma existência digna.

Não obstante o virtuoso papel em que se colocou o Judiciário, essa atuação não pode ser vista sem o mínimo de ressalva, já que quadros como o mencionado carregam consigo o contraponto da invasão da competência do Poder Público, no que se refere ao dever de administração das políticas sociais. Nesse sentido, não é possível exigir do Estado a obrigação de prestar algo se o ente não dispuser de recursos necessários ou que esteja além do razoável, devendo levar em conta os limites de orçamento público e de gerência de recursos, sob pena de tornar sem eficácia as garantias constitucionais. Até mesmo a concretização desses direitos sociais deve ser pensada nos contornos do princípio da reserva do possível, pelo qual devem ser consideradas a disponibilidade financeira e a capacidade jurídica do ente, além da competência constitucional e a reserva da lei orçamentária.5

Com efeito, a postura mais ativa do Poder Judiciário é fruto de um distanciamento dos demais poderes da sociedade civil e se mostra fundamental principalmente para a efetivação de direitos sociais e individuais, nos casos de desídia do Poder Público. Contudo, limi-tes devem ser observados na atuação, com observância de princípios como o da separação de poderes e da reserva do possível. Certamente,

340 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

não é um equilíbrio simples de ser alcançado, tamanho o peso de ambas as garantias constitucionais.

Referências

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Atualidades Jurídicas. Revista Eletrônica do Conselho Fe-deral da OAB. Jan / Fev 2009, n. 4. Disponível em: http://www.oab.org.br/editora/revista/0901.html.

FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti; NOVELINO, Marcelo. As novas faces do ativismo judicial. JusPodium, 2011.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitu-cionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito/2#ixzz3FJ6Doat1

Notas

1 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Atualidades Jurídicas. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Jan / Fev 2009, n. 4. Disponível em: http://www.oab.org.br/edito-ra/revista/0901.html.2 SAMPAIO JUNIOR, José Herval. Ativismo judicial: autoritarismo ou cum-primento dos deveres constitucionais. In: As novas faces do ativismo judi-cial. Org.: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti; NOVELINO, Marcelo. JusPodium, 2011. P. 403 – 429.3 BARROSO. Op. Cit.4 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucio-nalismo-e-constitucionalizacao-do-direito/2#ixzz3FJ6Doat15 BRAUNER, Arcênio. O ativismo judicial e sua relevância na tutela da vida. In: As novas faces do ativismo judicial. Op. Cit. P. 597 – 624.

AtiviSmo JudiciAl à luz do princípio dA SepArAção doS podereS: umA AnáliSe de SeuS efeitoS Sobre A democrAciA no brASil A pArtir do contrAponto entre deciSõeS do Supremo

tribunAl federAl e A AtuAção do poder legiSlAtivo1

Aparecida de Sousa DamascenoGraduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista PROBIC/FAPEMIG. E-mail: [email protected]. Brasil.

A pesquisa pretende investigar os efeitos do ativismo judicial sobre a democracia no Brasil, circunscrita pela Constituição da República de 1988, a partir do princípio da separação dos poderes e da soberania po-pular, mediante análise de decisões do Supremo Tribunal Federal que reflitam na conformação e atuação do Poder Legislativo. Nesta senda, necessário destacar que o processo histórico brasileiro de redemocratiza-ção e a promulgação da Constituição da República de 1988 permitiram que o Poder Judiciário fosse fortalecido, de maneira que o chamado fe-nômeno da judicialização da política pode ser compreendido como uma consequência do modelo constitucional que se adotou. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado nos últimos anos papel de destaque no contexto político brasileiro e, ao decidir sobre temas que refletem na conformação e atuação do Poder Legislativo, aponta alguns indicativos quanto à representatividade desse órgão no cenário consti-tucional vigente no país. Portanto, a partir do princípio da soberania popular, discute-se a legitimidade do Judiciário para intervir em questões políticas, uma vez que seus membros, ao contrário do que ocorre no âm-bito legislativo, não são eleitos pela escolha popular. Ademais, o art. 2º da Constituição da República de 1988 prevê a independência e a harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, consagrando o princípio da separação dos Poderes como um dos pilares essenciais do paradigma democrático. Acresce a problemática o fator de que a sociedade brasileira tem demonstrado ultimamente grande insatisfação e desconfiança em relação aos parlamentares, o que fomenta discussões em torno de uma

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suposta crise de representatividade do Legislativo. Nesta perspectiva, é possível questionar se o ativismo judicial é elemento capaz de promover tensões e enfraquecer a estrutura democrática, ou se é via necessária de correção de deficiências do sistema representativo. Qualquer posiciona-mento sobre o tema requer uma abordagem cautelosa, à luz do intuito maior de preservação da estabilidade da democracia no Brasil. O traba-lho objetiva compreender o arcabouço jurídico-constitucional confor-mador do Poder Legislativo e do Judiciário no Brasil, em uma análise de suas atribuições e limites e, a partir de então, examinar decisões do Supremo Tribunal Federal, posteriores à Constituição da República de 1988, que tenham por objeto a conformação e atuação do Poder Le-gislativo. Pretende-se, ainda, a reflexão sobre o controle judicial de atos interna corporis; examinando o ativismo judicial a partir do panorama de uma suposta crise de representatividade legislativa. No mesmo senti-do, importante a análise de propostas do Poder Legislativo que visem à alteração dos limites de atuação do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal; tais como a Proposta de Emenda à Constituição nº. 33, de 2011, que pretende rever a sistemática de aprovação de súmulas vinculantes e do modelo de controle de constitucionalidade e, em sua justificativa, traz como motivação a crítica ao ativismo judicial. Parte-se da hipótese de que o protagonismo judicial pode desequilibrar a relação entre os poderes constituídos e comprometer a efetividade democrática no Brasil. Assim, a pesquisa, de vertente jurídico-sociológica, segue o mé-todo hipotético-dedutivo; analisando a produção científica que envolve o estado da arte das variáveis do problema, as decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e as ações legislativas que expressem, no plano federal, a relação entre o Poder Judiciário e o Legislativo.

Palavras-chave: Ativismo Judicial. Supremo Tribunal Federal. Poder Legislativo. Separação dos Poderes. Soberania Popular.

Notas

1 Pesquisa em andamento.

the conception of JudiciAl ActiviSm in frederick SchAuer’S formAliSm And A critique

Rodolfo de Assis FerreiraEspecialista em Direito Tributário. Graduado em Direito. Professor do

Curso de Direito da FIC/Doctum Caratinga-MG – Brasil. Email: [email protected]

Judicial activism is a phenomenon widely debated in the Phi-losophy of Law, Theory of Law and Constitutional Law in the cur-rent times. Normally the treatment of activism is always displayed in a evaluative conception among other possible considerations, treat-ing it either as something to be permitted or prohibited, or either as something good or bad. It can be said, however, that despite the activism being treated in such approach, there is a lack of clarity or ambiguity about what activism is about. Allied to this difficulty of treatment there are several conceptions of how judges should treat the content of legal texts, and among these, we have focused on the formalism of Frederick Schauer, who defends, in most situations of judgment, a model of respect to the authority of the rules even when they do not say what we want. In other words, the author defends the maintenance of the consequence determined by the rules in a par-ticular case even when the text of the rules conflict with the purposes that justify them. After these considerations, the aim of this paper is to present a description of what would be judicial activism in Freder-ick Schauer’s formalist methodology and reflect critically about him. Through some readings of Schauer’s theory, we can say that to him, judicial activism would be characterized as the prevalence of rule’s purpose and justification at the expense of their literal content, when applying the law. And in Schauer’s view, rules work as generalizations of certain situations that generate some consequence, if activated, generalizations that have some justifications or purposes, but that have authority independently of it. There would be situations where

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the purposes (external or internal) that justify or outweigh the es-tablishment of a particular rule may come into evidence and even in conflict with this rule: first, situation when applying the literal text of a rule in a particular case does not conflict with the purposes of the rule; second, situations when applying the literal text of a rule is not possible, due to problems related to the establishment of meaning of this rule, being, therefore, necessary to realize legal reasoning in order to determine the normative content; and lastly, situations when ap-plying the literal text of the rule generates a result inconsistent with the purpose that justifies the rule or other purposes that related to it. It happens that, according Schauer, the rules would have exactly the feature to block the analysis of the justifications for the decision. In view of Schauer’s formalism Schauer, one could say that activism occur in the last two hypotheses mentioned above: when the text is unclear or when the text generates a completely absurd result. A cri-tiqueto the theory of Schauer will be directed specifically as to cases in which the text generates absurd if related to the goals that relate to the rules result. The relevant point is that the author does not for-mulate an adequate theory about how to differentiate cases where the incompatibility between the meaning of the literal text and purposes of the rule generates absurd results and cases in which the incompat-ibility exists but do not generate an absurd result. In other words, to the author does not provide a sufficient criteria that should be taken in order to differentiate bad and absurd results.

Keywords: judicial activism, formalism, rules, purposes.

o que é um Superprecedente?

Siddharta Legale Professor da UFJF-GV. Doutorando pela UERJ. Mestre pela UFF

O que é um superprecedente? Quais são as características que permitem que sejam identificados? No contexto norte-americano, o debate tornou-se público quando o Presidente do Comitê Judicial do Senado Arlen Specter e o Chief Justice Roberts concordou com a exis-tência de um “super-duper precedent”, referindo-se, sem endossar ou rejeitar, a expressão tomada por empréstimo do Juiz Michael Luttig, re-ferindo-se ao super-stare decisis do caso Roe. Vs. Wade. Academicamen-te, os precursores na temática foram os professores Richard A. Posner e William M. Landes e, desde então, muitos outros autores trataram do tema, como, por exemplo, Bruce Ackerman, Michael Gehardt, Micha-el Sinclair e outros. No Brasil, ainda não há debate a respeito, havendo necessidade de refletir e debater as formas de vinculação do precedente à vida política e social em a uma cultura de precedentes.

É possível conceituar os superprecedentes possuem as seguintes características: (i) são amplos e não precisos; (ii) pacificam em alguma medida disputas políticas ou sociais; (iii) possuem uma vinculação jurídica e social que se relaciona com a constituição viva, o que difi-culta a sua superação; e (iv) mais do que fama, possuem redes sociais que sustentam a sua normatividade. O oposto ao superprecedente é o miniprecedente que costuma ser uma decisão cotidiana dotada de descrições intuitivas, frágeis, estreitas e fáceis de evitar.

O acréscimo dessa dicotomia “mini” e “superprecedentes” à tipologia dos precedentes tradicionais (vinculante, intermediário e persuasivo), que parte eminentemente do ponto de vista normativo, procura incitar à investigação para a mudanças na cultura brasilei-ra de precedentes, pensando especialmente o que vêm acontecendo mais recentemente em casos emblemáticos do STF. Alguns casos têm se diferenciado dos demais, como, por ex., pela repercussão na mídia

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e na sociedade, pela existência de um número de páginas enorme e de-bates prolongados na corte, e, ainda, pelo crescente número de citações pelos jornais, revistas, livros não especializados ou específicos da área. É interessante notar, no último caso, que manuais contemporâneos de direito constitucional como os do prof. Gilmar Mendes, prof. Alexan-dre de Moraes ou Bernardo Gonçalves citam mais decisões do STF do que obras clássicas do direito constitucional brasileiro costumavam citar, como as dos professores José Afonso da Silva e Paulo Bonavides.

A novidade é que, assim como certas leis “pegam” ou não, o mes-mo está ocorrendo com precedentes: caem ou não nas graças dos le-gisladores e dos diversos segmentos sociais e, resistindo ao passar do tempo, adquirem algum grau de vinculação não apenas jurídica. A judicialização da política e da vida, somadas à publicidade ostensiva e o acompanhamento cada vez maior das decisões judiciais, vem contri-buindo para uma gradativa mudança da cultura de precedentes no Bra-sil (informativos semanais e mensais, tvjustiça, youtube, twitter etc). Mesmo quando se está diante do controle difuso de constitucionali-dade, é possível verificar o incremento na vinculação, como noo caso Ellwanger (HC 82424), o que fornece um indício dessa transformação da cultura de precedentes no Brasil. Se isso não fez surgir superprece-dentes por aqui, pelo menos, ensejou precedentes com mais “pegada”.

Os casos do STF tornam-se, por isso, grandes em página e em importância, dotados de redes que sustentam a sua normatividade, amplamente conhecidos no senso comum jurídico e também para além da área. Muito ainda precisa ser feito para que se vivencie ple-namente uma cultura de precedentes no Brasil, que sirva para con-solidação de decisões relevantes institucionalmente e que figurem no imaginário coletivo por conta do amplo debate público. Ainda assim, o cenário encontra-se em efetiva e franca transformação. Não há hoje, por exemplo, cidadão no país que não tenha pelo menos ouvido falar no mensalão (AP 470). Joaquim Barbosa, por exemplo, tornou-se sem exagero o Ministro mais popular da história recente do tribunal depois da relatoria do mensalão, chegando a ter seu rosto estampado em máscaras de carnaval e, para além de questões folcló-

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ricas, estima-se até que, caso fosse candidato à Presidência, teria um número expressivo de votos.

O esquema para nomear juízes antes da posse do novo Presidente (Marbury vs. Madison) ou a segregação racial nas escolas(Brown vs. Bo-ard of Education) difere sem dúvida do esquema de compra de votos do Mensalão (AP 470) e da vedação da publicação de material antissemita (HC82424).Os casos são diferentes nos EUA e aqui no Brasil. O Chief Justice Rehnquist não é o Ministro Moreira Alves, tampouco o Chief Justice Warren pode ser equiparado ao Ministro Gilmar Mendes. A Suprema Corte americana não é idêntica ao STF. As comparações e di-ferenças, porém, permitem que nos dar conta da modificação de nossa cultura de precedentes, que aproxima common law e civil law.

Os precedentes do STF não são mais como eram antigamente no tempo de Rui Barbosa, quando nascia o controle difuso de consti-tucionalidade no Brasil. Das inúmeras decisões de efeito meramente persuasivos dos primeiros anos da Constituição de 1988, sob a ju-dicatura do Min. Moreira Alves, vemos hoje, com a atuação do Mi-nistro Gilmar Mendes, uma gama de decisões do STF, televisionadas pela TV Justiça, divulgadas no youtube, debatidas nos jornais e que não raro contam com audiências públicas para refletir qual seria a melhor decisão com a sociedade e agentes públicas, convocadas pela própria Corte. Mobilizamos, por isso, o conceito superprecedente para que evidenciar que, se não saímos dos mini para os superprece-dentes, passamos pelo menos de uma cultura de pseudoprecedentes para os precedentes em fortalecimento e transformação.

JudiciAlizAção e AtiviSmo JudiciAl: o comportAmento do poder Judiciário

Isabella Oliveira GodinhoGraduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, Brasil. Email: [email protected]

Rebeca Barbosa AndradeGraduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, Brasil. Email: [email protected]

O Brasil, como uma democracia, respalda-se, dentre outros, no princípio da separação de poderes. Assim, Legislativo, Executivo e Judiciário são funções autônomas com atribuições típicas e atípicas, estas adquiridas após um processo de reinterpretação sobre o concei-to de “separação dos poderes” (GOUVEIA; AMARAL, 2010). Neste cenário, cumpre ao Judiciário zelar pelo respeito à Constituição (CA-NOTILHO, 2003), desempenhando competências próprias. Porém, tem sido o Judiciário chamado cada vez mais frequentemente a se pronunciar sobre matérias originalmente típicas do Legislativo. Para melhor entendimento da questão, mostra-se relevante compreender os conceitos de judicialização da política e de ativismo judicial, o que se buscou por meio, sobretudo, de pesquisa bibliográfica e ju-risprudencial comparativa. A proliferação de decisões judiciais en-volvendo questões de largo alcance político, implementação de po-líticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos elevou a importância do tema, uma vez que os contornos das fronteiras que divisam a política e a justiça tornam-se cada vez menos nítidos. O fenômeno da judicialização está ligado à busca pela efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais, significando que algumas questões de larga repercussão política ou social vêm sendo cada vez mais decididas no Judiciário, e não nas instâncias políticas tradicionais, representando aquilo que Tate e Vallinder (1995) de-finem como transferência do poder decisório. Para Barroso (2009),

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Fux (2011) e Rocha (2012), esta atuação atípica do Judiciário, re-presenta maior controle dos poderes políticos e maior eficácia dos direitos constitucionalmente garantidos. Esta posição é combatida por Appio (2005 e 2008), Paterniani (2013) e Carlini (2010), se-gundo os quais a judicialização pode ser danosa para a democracia, uma vez que os membros do Judiciário não foram eleitos para de-sempenhar tal mister. Fato é que é cada vez mais perceptível o avan-ço do Direito sobre temas de cunho social, atingindo pontos mais sensíveis da vida em sociedade. A judicialização do direito à saúde, por exemplo, encontra-se representada por dezenas de milhares de ações nos fóruns e tribunais da República (STRECK, 2013). Já com respeito ao ativismo, encontram-se disponíveis na literatura jurídica nacional diversas conceituações do fenômeno. Para Barroso (2009, p. 6), “o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”. Segundo Rafael Oliveira (2012), ao adotar a postura ativista, o Judiciário pauta-se exclusivamente pela convicção pessoal do magistrado decisor. Streck aponta o ativismo como um grande problema da atualidade jurídica, relacionado ao comporta-mento “solipsista” do juiz, que substitui os juízos políticos e morais pelos seus (STRECK, 2013). Do estudo, percebe-se que o ativismo está associado a uma participação cada vez mais intensa do Judiciá-rio no contexto legislativo, o que significa, consequentemente, maior interferência nos demais poderes. Casos emblemáticos na atualidade nacional estão a demonstrar uma postura ativista de nosso Judiciá-rio, como aquele envolvendo o deputado Natan Donadon (STF, MS 32.326/DF), onde o Ministro Luis Roberto Barroso, contrariando as suas lições professorais, nitidamente extrapolou sua função de julgar, ao criar critérios para a decisão inexistentes na Constituição ou nas leis brasileiras e desconectados dos limites interpretativos do texto constitucional. Assim também outros casos emblemáticos como, en-tre tantos, a decisão a respeito da fidelidade partidária (STF, ADI 4086/DF) ou a edição da Súmula Vinculante nº 13 (vedação do ne-potismo). Ressalte-se, ainda, que a postura ativista não é exclusiva da

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magistratura brasileira (BARROSO, 2008; STRECK, 2013; FUX, 2011; GALLO, 2009; CAMPOS, 2014). Desse modo, a pesquisa revela que ambos os fenômenos florescem em um ambiente de ex-pansão do poder de decisão do Judiciário brasileiro. Isso faz com que em análises menos criteriosas o ativismo judicial e a judicialização sejam tratados como um único instituto (como em POGREBINS-CHI, 2012), o que se demonstrou incorreto. Como informado, há importantes diferenças a delimitá-los: o ativismo está ligado a uma escolha ou postura do julgador, que opta pela subjetividade (solipsis-mo), ao interpretar a norma, julgando por argumentos de políticas e não por princípios (DWORKIN, 2003). A judicialização, por sua vez, diz respeito a uma transferência de poder para a esfera jurisdi-cional, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade (BARROSO, 2009), ocor-rendo quando o Judiciário é instado a decidir sobre casos que envol-vem a atuação institucional ou posicionamentos adotados por outro poder (ARAGÃO, 2012). Ambos afetam, cada qual ao seu modo, o princípio de separação de Poderes. À guisa de conclusão, do estudo realizado resulta que o ativismo judicial e a judicialização da política são conceitos relevantes e presentes na atualidade do debate jurídico, porém distintos e, portanto, não devem ser confundidos, merecendo a crítica os trabalhos que assim o fazem.

teriA ronAld dWorkin defendido o AtiviSmo JudiciAl?

Henrique Cruz NoyaGraduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. E-mail: [email protected]

Vitor Amaral MedradoProfessor de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

(PUC Minas). Doutorando e Mestre em Teoria do Direito pela PUC Minas. Graduado em Direito pela PUC Minas. Graduado em Filosofia pela Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do Grupo de Pesquisa CNPq Núcleo Justiça e Democracia. E-mail: [email protected].

Diante do cenário de intensa judicialização da política e das re-lações sociais, surge uma profusão de posicionamentos quanto à ju-risdição constitucional contemporânea. Nesse sentido, traremos no presente resumo as contribuições de Ronald Dworkin ao debate do Ativismo Judicial. O autor tangencia o tema ao longo de toda sua obra. Nosso intento nas linhas que seguem será reunir suas variadas reflexões em torno da questão. Isso nos levará a conceitos-chave de sua filoso-fia como a “Leitura Moral da Constituição”, “Questões de Princípio”, “Princípio da Integridade”, “Romance em Cadeia” e a figura do “Juiz Hércules”. Concluímos que a filosofia dworkiniana endossa um com-portamento judicial proativo, centrado em preocupações morais, sem desguarnecer frente aos riscos de um ativismo desbragado ou irrestrito.

Muito embora as reflexões de Ronald Dworkin se deem no con-texto de um sistema Common Law, elas podem ser proveitosamen-te reportadas ao nosso sistema jurídico, visto que adotamos, grosso modo, a concepção norte-americana de democracia constitucional. Dworkin foi um declarado entusiasta desse modelo. Foi o próprio Dworkin quem afirmou que “os Estados Unidos são uma socieda-de mais justa do que teriam sido se seus direitos constitucionais ti-vessem sido confiados à consciência de instituições majoritárias” (DWORKIN, 2007, p. 426-427). Acreditava, assim, que questões

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constitucionais exigem interpretação, e que a melhor resposta nem sem-pre é aquela ancorada no convencionalismo. Isto é suficiente para afastá-lo do programa do passivismo judicial (também denominado moderação ou autocontenção) e, de fato, o rejeitava expressamente. Compromissa-do com a efetividade dos direitos individuais, Dworkin propugnava uma interpretação construtiva, substancialista e moralmente responsável, que “leve os direitos a sério”: a “leitura moral” da Constituição.

Tudo isso parece sugerir que Dworkin defende o ativismo. En-tretanto, uma leitura mais acurada indica que essa não é a caricatura mais apropriada da teoria dworkiniana, ou, ao menos, não se adotada a acepção corrente e pejorativa de “ativismo judicial”. O autor de-monstra especial preocupação com os “riscos de tirania” que o ativis-mo envolve e, por tal razão, engendra em sua teoria restrições concre-tas ao alvedrio dos juízes. Nesse sentido, “o direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima” (DWORKIN, 2007, p. 452).

O interpretativismo de Dworkin é sensível à tradição, à cultura política, à linguagem e ao legislador; na medida em que todos são levados em conta no sentido de limitar o poder discricionário do juiz-intérprete. A exigência de integridade constitucional afasta do “Juiz Hércules” a discricionariedade positivista1; suas decisões deve-rão harmonizar-se à história e a uma moralidade constitucional co-erente, segundo a construção do “romance em cadeia”. Igualmente importante é a distinção que o autor opera entre “argumentos de princípio” e “argumentos de política”. Os juízes estariam adstritos aos primeiros, enquanto ao Legislativo competiria também os se-gundos. Como defendemos, essas construções conceitos de Dworkin funcionam como verdadeiras restrições ao ativismo, pelo que é em certa medida incoerente a crítica de que Dworkin conferiria poderes absolutos aos juízes para impor suas próprias convicções morais à sociedade (DWORKIN, 2006, p.16-17).

Dworkin afiançava uma atividade jurisdicional forte e proativa. Não olvidava, contudo, dos riscos envolvidos nessa opção; mas dizia: “não precisamos exagerar o perigo”; este “não repousa inteiramente

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do lado do excesso”. (DWORKIN, 2014, p. 232). Toda a filosofia de Dworkin perpassa por tentativas de reduzir o “risco do erro”, através de uma aproximação necessária entre o direito constitucional e a filo-sofia moral. Isso porque, para o filósofo, não há fórmulas mecânicas capazes de balizar a atuação judicial. A restrição genuína está na boa argumentação (DWORKIN, 2009, p. 202). Afinal, “os juristas são sempre filósofos” (DWORKIN, 2007, p. 454).

Referências bibliográficas

DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida. Ronald. Trad. Jefferson Luiz Ca-margo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

DWORKIN, Ronald. O Direito da Liberdade:  a leitura moral da consti-tuição norte-americana. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Palavras-chave: Ronald Dworkin; Ativismo judicial; Autoconten-ção; Jurisdição constitucional; Política majoritária.

Notas

1 Segundo os positivistas Kelsen e Hart, o juiz tem poder discricionário para decidir, o qual é tão mais presente na medida em que certas normas são gerais (Kelsen) ou são regras de textura aberta (Hart). Em Dworkin, a tarefa do juiz é a de declarar um direito de alguma forma preexistente, e não inventar um direito novo.

o pApel do Supremo tribunAl federAl nA conStrução de umA conStituição trAnSverSAl: oS perigoS do AutiSmo e dA

expAnSão imperiAliStA do direito

Edvaldo de Aguiar Portela MoitaMestre em Direito com ênfase em Ordem Jurídica Constitucional pela

Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado. Professor de Teoria da Constituição na Faculdade 7 de Setembro (Fa7). Brasileiro.

E-mail: [email protected].

Partindo da diferenciação funcional da sociedade na modernida-de, quando emerge o conceito moderno de Constituição, concebida, de um lado, para resolver problemas de estrutura do Estado e de limitação do poder e, de outro, para proteger direitos fundamentais, percebe-se a ascensão, cada vez maior e em proporções mundiais, das Cortes constitu-cionais como intérpretes últimas das disposições constitucionais.

Ocupando a jurisdição o centro do sistema jurídico, onde o non liquet é proibido e onde decisões devem ser dadas, surgem alguns problemas, entretanto, que são dignos de nota, principalmente quan-do ações judiciais tratam de questões constitucionais, ou mais espe-cificamente, de direitos fundamentais e de direitos humanos. Abor-to, liberdade de expressão, ações afirmativas, casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, políticas públicas são temas que, através da Constituição, parecem acoplar o sistema jurídico não somente à política mas também a outros subsistemas sociais, v.g., imprensa, religião, educação, economia, amor.

O ponto central é que as decisões das cortes constitucionais não têm como dar conta da complexidade do ambiente do direito, mas, a despeito disso, promovem irritações nesse ambiente. Em algumas ações específicas, decisões têm o poder de forçar a inclusão de indiví-duos excluídos de outros subsistemas.

No Brasil, por exemplo, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (ADPF 132/RJ, 2011) levou, por transcendência dos seus

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motivos determinantes, à autorização do casamento civil entre casais do mesmo sexo (Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ). Logo depois, além de muitas igrejas começaram a celebrar ca-samentos religiosos, o sistema de seguridade social teve que se adap-tar a essas mudanças causadas pela decisão.

Daí surge o questionamento: quais as consequências dessas de-cisões guiadas por um código jurídico/constitucional que afetam a racionalidade de outros subsistemas da sociedade?

Uma dessas consequências é a possibilidade de o sistema ju-rídico forçar a inclusão/exclusão de indivíduos em outros sistemas sociais. Nessa perspectiva, será aqui analisada a atuação específica do Supremo Tribunal Federal no contexto brasileiro, com o obje-tivo de verificar se essa atuação, em alguma medida, contribui para a compreensão da Constituição brasileira como uma racionalidade transversal entre o direito e outros sistemas sociais, em que se torna possível a aprendizagem recíproca e o intercâmbio criativo na troca de complexidades pré-estruturadas entre as racionalidades em jogo.

De outro lado, porém, como um conceito de duas formas, não se deve desconsiderar que a compreensão de uma Constituição como ra-cionalidade transversal possui não somente efeitos positivos mas tam-bém negativos. No primeiro caso, o sistema jurídico/constitucional pode integrar indivíduos que são histórica e socialmente excluídos de outros subsistemas da sociedade, especialmente aqueles que não possuem acesso regular às prestações desses sistemas. Isso pode ser observado, a título ilustrativo, quando decisões constitucionais legalizam relações homoafe-tivas e, por conseguinte, dão acesso às políticas de seguridade social.

No segundo caso – e aqui o diagnóstico é mais delicado de se precisar –, essas decisões podem implicar não somente corrupções sistêmicas, com a sobreposição de um código de racionalidade sobre outro, como também uma negação da alteridade, seja pela (a) perda da capacidade de observar o outro, seja pela (b) atuação negativa no desenvolvimento da racionalidade do outro. Na hipótese (a), residem os perigos do autismo com o aumento da consistência interna, mas ao custo da diminuição da necessidade do sistema de se adaptar ao

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ambiente, o que resulta na incapacidade de construtivamente ofere-cer suas estruturas como critérios para outros sistemas. Na hipótese (b), surge o perigo de uma expansão imperialista, em que um siste-ma desenvolve um código de comunicação tão forte que prejudica a capacidade de outros sistemas de agir propriamente na sociedade.

Portanto, este trabalho consistirá em (1) identificar o papel das Cortes constitucionais, com foco especialmente no Supremo Tribu-nal Federal, na interpretação da Constituição; (2) visualizar os perigos da interpretação constitucional, notadamente quanto às possibilida-des (2.1) de autismo e (2.2) de uma expansão imperialista do direito em relação a outros subsistemas sociais; (3) e avaliar em que medida a atuação do STF, em alguns casos paradigmáticos, contribui ou não para a construção de uma Constituição transversal no contexto bra-sileiro, mais especificamente na sua capacidade de incluir através do direito os indivíduos excluídos em outras esferas de racionalidade.

hArd cASeS: eStudo do cASo nAtAn donAdon

Barbara Brum NeryBacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Especialista pela Pós- graduação Lato Sensu em Direito Processual do Instituto de Educação Continuada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais — IEC PUC Minas. Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais. Brasil. Advogada. E-mail: [email protected]. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1494580038161956.

O desenvolvimento de teorias acerca das decisões judiciais do-mina há muito os estudos realizados por filósofos e teóricos do di-reito. Em que pese a vasta distância entre os mais diversos marcos teóricos adotados pelos juristas, em comum, é praxe se deparar com a preocupação a respeito dos limites e a possibilidade de construção de métodos para as decisões judiciais.

Atualmente mostra-se recorrente na doutrina e jurisprudência brasileira a cisão das demandas judiciais em dois principais grupos, classificados quanto ao nível de ‘dificuldade’ de sua resolução. São os chamados, ‘casos fáceis’ e ‘casos difíceis’.

Do ponto de vista doutrinário, o uso do termo ‘casos difíceis’, reme-ter-nos-á à obra de Ronald Dworkin e à sua crítica ao positivismo jurí-dico, especialmente àquela concepção teórica cunhada por Hebert Hart.

A definição de casos difíceis cunhada por Dworkin parte da crí-tica à concepção de textura aberta hartiana, sendo entendida como situações nas quais uma ação judicial não se submete a uma regra de direito clara, estabelecida previamente por alguma instituição (DWORKIN. 2002, p. 127).

O que afasta e coloca em lados diametralmente opostos as duas teorias, a positivista e a dworkiniana, é justamente o desenvolvimen-to de propostas acerca de como devem ser solucionados esses casos.

Enquanto os alinhados à teoria hartiana defendem o poder discri-cionário, segundo o qual os juízes, diante de um ‘caso difícil’, em razão da textura aberta do direito, poderiam escolher de uma forma ou de outra, Dworkin (2002) crítica fortemente essa linha de argumentação.

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Em seu lugar propõe a construção de uma teoria que possibi-lite a afirmação de que, mesmo nos casos difíceis, quando inexiste uma regra clara para regulação do caso, o juiz continua com o dever de descobrir o direito das partes, não podendo criar retroativamen-te prerrogativas. Os argumentos apresentados, inclusive nesses ca-sos difíceis, devem ser argumentos de princípios e não argumentos de políticas. (DWORKIN, 2000).

No Brasil, a teoria desenvolvida por Dworkin ganhou inúme-ros adeptos, o que motivou a elaboração de diversos trabalhos aca-dêmicos nesse sentido.

Lênio Luiz Streck citando a noção fenomenológica de círculo hermenêutico desenvolvida por Gadamer, faz fortes críticas à distin-ção entre casos fáceis e difíceis. A classificação de casos como ‘fáceis’, ou seja, passíveis de solução por mera subsunção, desconsidera a exis-tência de um acontecer no pré-compreender e implica uma separação de discurso de validade e de discurso de aplicação característica do ra-ciocínio causal-explicativo da filosofia da consciência, onde ninguém se pergunta sobre o sentido atribuído a algo. (STRECK, 2008).

Cruz e Duarte (2013) apresentam também objeções à distinção estabelecida entre casos fáceis e casos difíceis, que decorreria da crença na possibilidade, especialmente nos easy cases, de limitar a interpretação ao processo de descoberta de uma regra geral e abstrata que resolva o caso concreto, como se existisse uma resposta correta a priori.

Ademais, o próprio Dworkin, reconhece que a postura do juiz deverá ser a mesma tanto em casos difíceis, como nesses casos tidos como fáceis, já que “questões consideradas fáceis durante um certo período tornam-se difíceis antes de se tornarem novamente fáceis – com as respostas opostas” (DWORKIN, 1999, p. 424).

A adesão jurisprudencial brasileira à distinção em questão pode ser exemplificada a partir da decisão proferida pelo ministro Luiz Roberto Barroso na Medida Cautelar em Mandado de Segurança 32.326 do Distrito Federal, no notório caso ‘Natan Donadan’ (BRASIL, 2013d).

Objetivando minimizar controvérsias acerca da polêmica ques-tão objeto da demanda, Barroso denomina de caso fácil a decisão que

Ativismo judicial e comportamento judicial • 359

se segue formulada em 21 (vinte e uma) páginas de remissões a mé-todos de interpretações desenvolvidos por Savigny, ainda no século de XIX, que hoje são expostos pela doutrina tão somente como dados históricos, já que objeto de fortes críticas decorrentes de sua origem cunhada no paradigma filosófico da consciência.

Após as digressões teóricas e fáticas, conclui-se pela insuficiência da fundamentação narrada na decisão, a qual, utilizando métodos ultrapassados de interpretação, com o objetivo de fornecer uma im-possível noção de cientificidade à teoria da decisão jurídica, revela-se contraditória com os pressupostos teóricos apresentados e, por con-sequência, falha em conferir juridicidade ao decisium.

A liberdade na escolha e própria noção de método, tal como concebida na decisão, não coaduna com a perspectiva hermenêutica desenvolvida por Dworkin e acaba se aproximado mais da ideia de textura aberta e discricionariedade positivista desenvolvida por Hart, com a qual o ministro relator expressou sua prévia discordância.

Por fim, endossam-se as críticas dos professores Álvaro Ricardo de Souza Cruz e Luiz Lênio Streck à cisão das demandas judiciais em ‘casos fáceis’ e ‘casos difíceis’ assumidas por Luís Roberto Barroso na narrativa exposta, inclusive com fincas a afastar a classificação adota-da pelo ministro, o qual rotula como fácil o deslinde da questão ob-jeto do Mandado de Segurança, como se a resolução do caso tivesse sido alcançada a partir da mera subsunção do fato à norma.

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Ativismo judicial e comportamento judicial • 361

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o AtiviSmo JudiciAl como mecAniSmo pArA A efetividAde do proceSSo civil democrático

Isabela Dias NevesDoutora pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre

pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Professora Adjunta de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Lavras e

consultora jurídica. Brasil. E-mail: [email protected].

O ativismo judicial é um mecanismo hermenêutico imprescin-dível para o processo civil moderno, principalmente porque o Estado Democrático de Direito (acolhido pelo texto constitucional) exige que a jurisdição seja exercida a partir de um verdadeiro processo jus-to, apto a dar efetividade aos direitos e às garantias fundamentais, aproximando-se da verdade real.

A atuação hermenêutica dos juízes é relevante para a obtenção de provimentos legitimamente democráticos, pois a sociedade não busca a aplicação puramente dedutiva dos textos legais em seus casos concretos. Por mais criativo que seja o legislador, não há como prever todas as situações controvertidas, além do fato de que, muitas vezes, é imprescindível uma adequação das normas à realidade. Ademais, o ativismo não compromete a imparcialidade do juiz, na medida em que aquele possui limites impostos pelo texto constitucional.

Tendo em vista a regra constitucional de que todo poder emana do povo (parágrafo único do art. 1º da CRFB/1988), a jurisdição também tem este caráter, a partir do momento em que as partes, jun-tamente com o juiz, constroem o provimento final de maneira cola-borativa. O povo, a que se refere a Constituição, representa as partes envolvidas no processo, assim como terceiros que queiram intervir e fiscalizar a relação processual. Para que exista uma decisão justa, o magistrado deverá proceder a uma válida individualização e interpre-tação da norma a ser aplicada ao caso concreto, reconstruindo verda-deira e racionalmente os argumentos colacionados pelas partes envol-

364 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

vidas no processo. O provimento não pode, portanto, se dissociar da realidade prevista nos autos, eis que o juiz deve submeter ao contradi-tório argumentos que por ventura não tenham sido ventilados pelas partes; com isso, não há que se falar em surpresas em um processo verdadeiramente democrático, na medida em que há necessidade de se dialogar com as partes de forma colaborativa, a fim de atingir um resultado legítimo. A justiça da decisão, caracterizada pelo seu grau de aproximação à realidade dos fatos, coloca em evidência a função do processo como mecanismo apto ao acertamento da verdade real.

O ativismo judicial exige que o comportamento dos juízes seja mais ativo, no sentido de se utilizar de técnicas hermenêuticas aptas a resolver as questões que forem objeto de controvérsias individualmen-te, haja vista que não são apenas meros aplicadores das letras frias da lei.

É importante ressaltar, ainda, que o ativismo precisa atentar às téc-nicas processuais, preocupando-se primordialmente com a satisfação do direito material tutelado. Além disso, é por meio do ativismo que o juiz pode implantar a verdadeira igualdade jurídica das partes dentro do pro-cesso, viabilizando o respeito à constitucionalidade vigorante.

Nessa linha de raciocínio, o órgão jurisdicional serve ao direito quando reconhece que as regras que surgiram em uma geração re-mota podem atender perfeitamente às demandas de uma sociedade em determinado contexto, mas, quando necessário, devem ser des-cartadas e readequadas às demandas atuais da sociedade. Não cabe ao juiz apenas aplicar o direito de maneira dedutiva como se fosse uma operação matemática, porque exerce um papel fundamental na adequação do direito à realidade social, sem engessá-lo. O trabalho do juiz, dessa maneira, compreende a otimização do direito posto.

Considerando que o direito a ser aplicado e tutelado não se re-sume à lei, que hoje o processo é instrumento de concretização de direitos e garantias fundamentais, o juiz tem por obrigação conduzi--lo, em cooperação com as partes, de modo a criar um espaço discur-sivo-democrático de tomada de decisões. Em virtude disso, é possível afirmar que a função jurisdicional será exercida a partir dos limites impostos pelo ativismo judicial dentro da perspectiva democrática.

Ativismo judicial e comportamento judicial • 365

O compromisso com a verdade e a igualdade impõe o reforço dos poderes do juiz, retirando-o de uma posição de mero espectador, para torná-lo sujeito ativo na elaboração do provimento jurisdicional. O ativismo judicial, porém, não deve ser confundido com a arbitrarie-dade, pois há de ser praticado com moderação, de forma a superar a neutralidade indesejável, respeitando o direito vigente. Compete ao Judiciário, em suma, manter o equilíbrio necessário ao bom fun-cionamento do mecanismo processual, agindo de forma imparcial e tornando efetiva a vontade da lei concretizada para o caso dos autos.

Ante o exposto, releva ressaltar que o ativismo judicial, adequa-damente empregado, pode contribuir para o exercício da democracia e para a eficiente atividade jurisdicional, garantindo aos cidadãos a real satisfação do direito material tutelado.

collegiAlity And deliberAtive democrAcy

Rafael Dilly PatrusLL.M. candidate, Assistant professor, Federal University of Minas Gerais

(Universidade Federal de Minas Gerais), Brazil. E-mail: [email protected].

Recent proposals of restructuring the constitutional distribu-tion of powers in Brazil bring forward an old but renewed research agenda: the necessary reanalysis of the repartition of competencies and prerogatives between the Legislature and the Judiciary, namely in what concerns two specific activities: reviewing the constitutionality of legislation, and interpreting the Constitution. Some of the most profound and prompting constitutional debates of the past decades have tried to examine the phenomenon of constitutional jurisdiction in light of the modern democratic rule of law.1

In this regard, the judicial deliberative procedure is elevated to a central position. The subject refers not only to the traditional issues on legal reasoning, but also to the structure of a court’s opinion. In light of a more democratic distribution of assignments between the State’s deliberative spaces, the way judges deliberate and decide plays a key role in determining the premises on which a legislative dialogue will eventually establish itself.

As far as the jurisdictional collegial enterprise is concerned, Con-rado Hübner Mendes argues that collegiality must consist in more than a mere judicial commitment towards cooperation.2 Through the deliberative process of interacting and communicating with his colleagues, a judge must assume the responsibility of supraindividual action, especially when spontaneous consensus does not come forth. The purpose is to push deliberators to find pragmatic yet principled compromises where unprompted agreements prove unviable: “sec-ond-order reasons can push a judge who believes he is right to allevi-ate his first-best choice and join the group”.3

Ativismo judicial e comportamento judicial • 367

Although this defense rightfully acknowledges that the legitima-cy of courts depends entirely upon their deliberative performances, I believe that Hübner Mendes’ idea of collegiality is utterly contrary to the democratic institutional operation of a constitutional State. In spite of the relevance of interaction and communication, collegiality cannot disguise the existence of different views and opinions among the deliberators. A legitimate method of adjudication is therefore one that puts in evidence the full reasons and disagreements within the deliberation process, however insignificant they are.

Considering the intensity of a preference implies the recognition that every question arouses a varied degree of involvement, inter-est and principled conviction.4 In public deliberation, these degrees must be necessarily brought to light. A majority cannot present its weak inclination in a false shell, since the democratic game requires that intense minorities may plead, claim, discuss and persuade based on the strength of their preference. This dialectical dynamism is the fundamental basis of a regime in which groups with less space are able to engender their demands through efficient channels. In this sense, the mentioned pragmatic yet principled model of constitu-tional argumentation, which intends to strike a balance between the legal and political constraints that interfere in the deliberative activ-ity of a court, is unquestionably dangerous to the maintenance of an open and continuous space of democratic decision-making.

The reinstallation of apparently closed discussions depends large-ly on the intensity of the preferences that support the closing decisions. Hence, a transparently non-unanimous decision taken by a court is much more easily reintroduced into the debate arena than a falsely unanimous one. And more, the allocation of the Legislature as a genu-ine space of deliberative containment, which I consider to be one of the most important pillars of our modern democratic rule of law, strongly relies upon the sincerity and the clarity of the motivation that upholds any public resolution, mainly the opinions delivered by a court in a circumstance of profound and authentic disagreement.

368 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Notes

1 See e.g. R Dworkin, A Matter of Principle (Belknap 1985), Law’s Empire (Belknap 1986), Freedom’s Law: The Moral Reading of the American Consti-tution (Belknap 1996), and J Waldron, Law and Disagreement (OUP 1999).2 C Hübner Mendes, Constitutional Courts and Deliberative Democracy (OUP 2013) 130-132.3 ibid 130.4 G Sartori, A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo (Áti-ca 1994) 300-351.

o problemA dA votAção SeriAtim e A Adpf 132

Ana Beatriz Ferreira Rebello PresgraveDoutora em Direito Constitucional pela UFPE, Mestre em Direito

Processual Civil pela PUC-SP, graduada em Direito pela PUC-SP. Professora e Coordenadora do Curso de Direito da UFRN. Brasileira. [email protected]

O Supremo Tribunal Federal (STF) exerce no Brasil uma função extremamente importante, pois realiza – em única ou última instância – o controle de constitucionalidade das normas aplicáveis no sistema jurídico nacional. Este tipo de controle torna possível a manutenção da coerência interna no sistema jurídico, pois permite que o Tribunal, em constatan-do a incompatibilidade da norma inferior com a Constituição Federal, declare a sua inconstitucionalidade e promova a reorganização sistêmica.

Para que as decisões do STF cumpram sua função de maneira adequada no sistema, o projeto do novo Código de Processo Civil1 (NCPC) prevê que a vinculação de tais decisões se dá pelas razões determinantes dos julgados, e não pelo seu dispositivo.

Nesta perspectiva, analisamos neste trabalho a forma de tomada de decisão do STF (seriatim), tratando das diversas possibilidades decisórias da Corte, em especial o acórdão, já que é este o instrumento de veiculação das decisões tomadas pelo plenário. Abordamos também a previsão do projeto de lei a respeito da utilização dos precedentes, de modo a constatar se a forma de votação utilizada pelo STF é adequada para a realização desta função, permitindo que haja coerência interna no sistema jurídico.

Diversos aspectos problemáticos decorrentes do seriatim foram abordados, como a possibilidade de voto-vista e o decurso de prazo entre o início e o final da colheita de votos – que em casos emblemá-ticos chegou a quase uma década (Rcl 4335-AC).

Para a elaboração da pesquisa foram estudados, dentre outros, trabalhos de Laffranque (2003), Oscar Vilhena Vieira (2008), Con-rado Hübner Mendes (2010), Vojvodic, Machado e Cardoso (2009) e Dimoulis e Lunardi (2011).

370 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Para contextualizar a problemática, analisamos os votos profe-ridos pelos Ministros do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132-RJ (Ação direta de Inconstitu-cionalidade - ADI 4277-DF), abordando cada uma das manifesta-ções apresentadas pelos Ministros.

O objetivo da análise do caso foi verificar empiricamente o maior problema decorrente da votação seriatim, qual seja a impossibilidade de se estabelecer qual o valor que orientou o julgamento, tampouco se mostra possível perceber a linha argumentativa que foi afirmada pelo STF. Em síntese, a análise do caso demonstrou que não existe uma “po-sição do Tribunal” acerca da problemática levada a juízo, mas apenas uma convergência no que tange ao dispositivo da decisão.

Se não há como se estabelecer os motivos determinantes do jul-gado, não há como extrair qualquer norma jurídica do julgamento, senão aquela que decorre estritamente do dispositivo – in casu a in-terpretação conforme a Constituição do art. 1723 do Código Civil para o fim de reconhecer a possibilidade de união estável entre pesso-as do mesmo sexo para fins de proteção jurídica do Estado.

Outro ponto relevante tratado no estudo – e que também decorre do seriatim - diz respeito à efetiva colegialidade dos julgamentos, já que o acórdão acaba por se compor de um somatório de votos, de um dispositi-vo e de uma ementa, sendo esta última elaborada unicamente pelo relator do processo e, curiosamente, é o único elemento utilizado pela maioria absoluta dos juristas para referenciar as decisões adotadas pelo Tribunal.

A pesquisa apontou para a necessidade de alteração no siste-ma de votos do STF, pois o seriatim causa inúmeros transtornos e inviabiliza a extração da “posição da Corte”. A sugestão é que seja elaborado um voto único vencedor, contendo a posição do Tribunal sobre o tema, com a possibilidade de existência de votos vencidos, o que facilitaria a extração do que foi julgado e decidido pelo Tribunal, mantendo-se a possibilidade de divergência interna na Corte.

Notas

1 Projeto de Lei 8046/2010, em redação final da Câmara dos Deputados de 26 de março de 2014.

como penSAm oS JuízeS: entre o peSAdelo e o nobre Sonho

Katya KozickiPossui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1986) e

graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade Católica de Administração e Economia (1988). Mestrado em Filosofia e Teoria do Direito (1993) e doutorado

em Direito, Política e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Visiting researcher associate no Centre for the Study of Democracy, University of

Westminster, Londres, 1998-1999. Visiting research scholar, Benjamin N. Cardozo School of Law, Nova York, 2012-2013. Atualmente é professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e professora associada da Universidade Federal do

Paraná, programas de graduação e pós-graduação em Direito. Pesquisadora (bolsista de produtividade em pesquisa) do CNPq. [email protected].

William Soares PugliesePossui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2008).

Mestre em Direito das Relações Sociais pelo PPGD/UFPR. Doutorando em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/PR. Professor

dos Cursos de Pós-graduação strictu sensu do Centro Universitário Curitiba e da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Advogado. [email protected].

São diversas as obras que procuram analisar o raciocínio e a ar-gumentação que devem ser utilizados pelos advogados. Destacam-se, dentre elas, as obras de Frederick Schauer, Kenneth J. Vandevelde, Antonin Scalia e Piero Calamandrei. Por outro lado, porém, são es-cassas as fontes que se ocupam de examinar a forma como os juízes se comportam (ou devem se comportar) diante do ato de decisão ju-dicial. Muito se produz sobre interpretação, mas a relação específica do magistrado com a norma não se revela um tema caro aos juris-tas. Dentre as poucas referências encontradas estão a obra clássica de Benjamin N. Cardozo, sobre “A natureza do processo judicial” e a de Richard Posner, “How Judges Think”, bastante criticada por autores como Dworkin, mas ainda assim relevante pela análise pragmática do processo de decisão judicial. De todos os temas que essa discussão pode tocar o que se revela cada vez mais relevante no cenário jurídico

372 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

brasileiro é o da criação do direito pelas vias judiciais (ou judicial lawmaking). Afinal, foi somente após o advento da Constituição de 1988 e da ampliação do escopo do Direito Constitucional que ques-tões sociais e políticas passaram a ser levadas ao Poder Judiciário, sob o manto dos princípios, das cláusulas abertas e do conteúdo valora-tivo dos direitos fundamentais. Desse modo, apenas nas três últimas décadas é que a criação do direito pelos juízes passou a ser um tema relevante para o Direito brasileiro. Até então, vale lembrar, o racio-cínio jurídico nacional era muito próximo do positivista, no sentido de que a fonte do direito era a lei e que o magistrado não inovava ao decidir. Esta discussão, porém, há muito vem sendo travada entre os autores oriundos da common law, tradição jurídica da qual decor-re, por exemplo, a doutrina do controle de constitucionalidade, que teve sua origem em uma decisão judicial. Dentre os autores que se preocuparam com o tema, o que parece ter melhor descrito a tensão existente foi Herbert L. A. Hart, quando expôs que as opiniões a res-peito da criação do direito pelos juízes se situam entre um pesadelo e um nobre sonho. O pesadelo é a criação do direito propriamente dita, enquanto o nobre sonho se justifica pela declaração de uma resposta pré-existente à decisão. Entre esses dois pontos, porém, ob-serva-se uma esfera de outras possibilidades nas quais diversos juristas construíram suas teorias – e nas quais há sempre um ponto maior ou menor de criação. Destaca-se, aqui, o trabalho de revisão desen-volvido por Edmund Ursin, em que os pensamentos de magistrados como Richard Posner, Henry Friendly e Roger Traynor são descritos, comparados e criticados. É possível extrair deste espectro uma série de questões que merecem ser consideradas e refletidas, tendo o pre-sente trabalho foco em duas delas: a primeira é a legitimidade dos tribunais brasileiros de criar o direito ao decidir, especialmente o Su-premo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, e se essa criação de fato existe, se o procedimento para a tomada dessas deci-sões é democrático; a segunda tem relação com a noção denominada de backlash (repercussão) das decisões, especialmente no que toca à recepção desse direito criado nos tribunais pela sociedade, bem como

Ativismo judicial e comportamento judicial • 373

no âmbito de relacionamento entre o Judiciário e os demais poderes do Estado. Se o Judiciário pode criar o direito, não se pode deixar de examinar sua legitimidade para tanto, nem os efeitos produzidos por essa criação. Para tratar do primeiro tema, o artigo se utiliza das con-cepções filosóficas de quatro autores: Hart e Dworkin, que ilustram os limites entre o pesadelo e o nobre sonho, Schauer e MacCormick, que se situam entre os limites desenvolvidos pela teoria. O trabalho também pretende comparar as concepções filosóficas com decisões dos tribunais brasileiros, a fim de investigar em que medida cada uma das teorias é compatível com a situação nacional. Esta mesma proposta de análise teórica e aplicação prática será empregada no se-gundo tema: a questão do backlash será inicialmente trabalhada a partir dos textos de Cass Sunstein, Robert Post e Reva Siegel; em um segundo momento, discute-se as repercussões de uma decisão no direito brasileiro, especialmente no que toca à recepção do que foi decidido pela sociedade e pelos Poderes Executivo e Legislativo. Em conclusão, diante dos resultados obtidos, procura-se demonstrar que a racionalidade do magistrado – especialmente das cortes supremas – deve ir muito além do raciocínio clássico de que uma decisão afeta apenas as partes envolvidas. Pelo contrário, uma decisão pode pro-vocar profundas mudanças sociais, de modo que o magistrado tem o dever de pensar nos efeitos de suas decisões.

JuSticiAbilidAde doS direitoS fundAmentAiS SociAiS e conflito de competênciAS

Cláudia ToledoDoutorado em Filosofia e Teoria do Direito (Universidade Federal de

Minas Gerais); Pós-doutorado em Filosofia do Direito (Universidade Federal de Santa Catarina). Pós-doutorado em Filosofia do Direito (Christian-Albrechts

Universität zu Kiel, Alemanha). Professora adjunta na Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil. [email protected].

Justiciabilidade significa exigibilidade judicial. É característica crescentemente atribuída aos direitos à ação positiva fática do Estado, os direitos fundamentais sociais.

Os processos judiciais sobre direitos fundamentais sociais são os maiores geradores de conflitos de competência. Questiona-se a adequa-ção da atuação do Judiciário em relação a ações dos demais poderes. Debate-se se essa atuação é decorrência do princípio da inafastabili-dade do controle jurisdicional ou se configura “ativismo judicial”, ex-pressão que assumiu conotação negativa, associada à ingerência inde-vida do Judiciário na competência dos outros poderes, contrariando os princípios da separação dos poderes e da democracia.

O princípio da separação dos poderes determina a tripartição dos poderes. O princípio da democracia protege a liberdade do indi-víduo para decidir através debate legislativo.

Argumenta-se também que o Judiciário não possui nem visão macro da realidade social, nem conhecimento técnico para a tomada de decisões políticas.

Em tese, não há dúvida do acerto desses argumentos. No entanto, também em tese, não há dúvida do acerto de seus contra-argumentos.

Compõe a estrutura do Estado Democrático de Direito o controle do Judiciário sobre os atos dos demais poderes. A questão está no equilíbrio, que deve ocorrer tanto entre a revisão judicial e a separação de poderes, quan-to entre a liberdade do legislador e a proteção aos direitos fundamentais.

Ativismo judicial e comportamento judicial • 375

Equilíbrio exige ponderação, o que implica gradação. De um lado está o princípio material da liberdade do legislador, representan-te do indivíduo, resguardado pelo princípio formal da democracia; do outro, está a proteção pelo Judiciário dos direitos fundamentais, declarados em princípios materiais, fundada no princípio formal da inafastabilidade do controle jurisdicional.

A competência originária para decidir é do Legislativo, porque liberdade é o princípio elementar da democracia. Como princípio, ela deve ser realizada na maior medida possível, do que decorre a priori-dade da competência do Legislativo. Com isso relaciona-se o conceito alemão Spielraum ou espaço de ação do legislador para decidir, espaço que é prioritário na democracia.

Entretanto, essa liberdade não é irrestrita. Seu limite está nos direitos fundamentais. Mas não se trata de uma questão de tudo-ou--nada e sim de gradação da afetação aos direitos fundamentais pelo legislador. Como se decide sobre valores, a gradação não é algo exato, sendo possível apenas uma determinação do grau de interferência em um princípio como leve, moderado ou grave.

Os direitos fundamentais são protegidos pela revisão judicial. Mas essa é cabível apenas em caso de (i) clara inadequação ou completa in-suficiência das ações do legislador em relação aos fins propostos ou (ii) sua completa omissão na regulamentação das normas constitucionais.

A imposição de que a inadequação seja “clara” e que a insufici-ência ou omissão sejam “completas” conduz à exigência de evidência da deficiência. Tal exigência é denominada “controle de evidência”. Se observado tal controle, não há ingerência indevida do Judiciário.

Outros fatores que influenciam na definição de competências são:

1. Qualidade da decisão – Quanto maior a qualidade da decisão, maior a competência do legislador. A qualidade é determinada pelos argumentos utilizados. Quanto mais abrangentes e convincentes, maior a qualidade da decisão;

376 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

2. Conhecimento técnico – Quanto maior a exigência de conhecimento técnico, maior a competência do legislador;

3. Efetividade do ordenamento jurídico – Quanto maior a efetivida-de do ordenamento jurídico como um todo, maior a qualidade da decisão do legislador. Isto é, quanto maior o grau de observância da ordem jurídica, maior a competência do legislador;

4. Incerteza epistêmica quanto ao objeto – Quanto maior a incerteza epistêmica quanto ao objeto, maior o peso das instituições com au-toridade especial para resolver essa incerteza. Assim, tanto maior será a competência do legislador, quanto menor for a certeza epistêmica. A incerteza pode ser normativa ou empírica:

a. Incerteza normativa – Quanto mais politicamente controver-sa a questão, maior a competência do legislador. Inversamente, quanto maior o conteúdo jurídico da questão, maior a compe-tência do Judiciário. Quanto maior o consenso sobre as questões normativas, menor a discricionariedade do legislador;

b. Incerteza empírica – Quanto maior a incerteza empírica sobre a questão, isto é, quanto menor o conhecimento técnico sobre o objeto, maior a competência do Legislativo;

c. Legitimidade democrática – Quanto maior a busca de legitimi-dade democrática da decisão, maior a competência do Legislativo;

d. Relevância dos princípios materiais – Quanto mais relevantes os princípios materiais, menor a competência do Legislativo, pois menor é sua margem de interferência nos direitos fundamentais.

A definição de competências não é, portanto, questão de fá-cil implementação. Não obstante, é crescente o desenvolvimento doutrinário de parâmetros nesse sentido. Afinal, da dificuldade do fornecimento de resposta racionalmente articulada não decorre a im-possibilidade de sua realização.

democrAciA, éticA e JuriSdição conStitucionAl: legitimidAde e reSponSAbilidAde SociAl do Supremo

tribunAl federAl.

Antônio Gomes de VasconcelosDoutor e mestre em Direito pela UFMG – Universidade Federal de Minas

Gerais. Especialista em Direito Público pela FDMM. Bacharel em Direito pela UFMG. Bacharel em Filosofia pela PUC – Pontifícia Universidade Católica, de Minas Gerais. Professor adjunto da UFMG, nos cursos de graduação em

Direito e em Ciências do Estado e de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado), da Universidade Federal de Minas Gerais. Juiz titular da 45ª Vara

do Trabalho de BH - Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região. Coordenador do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração

de Justiça da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (Prunart-UFMG). Brasil. E-mail: [email protected].

Isabela Vaz de Mello Lima e Silva AlmeidaBacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Público

pelo CAD – Centro de Atualização em Direito/Universidade Gama Filho. Pesquisadora do Prunart-UFMG. Brasil. E-mail: [email protected].

O problema que se propõe é o da legitimidade política do Supre-mo Tribunal Federal (STF) na contemporaneidade. Parte-se da hipótese de que o STF, enquanto órgão de cúpula e de caráter eminentemente político, não corresponde aos padrões de legitimidade das teorias con-temporâneas da democracia e da ética do discurso. São analisadas duas teorias principais: da democracia participativa (BONAVIDES, 2008; SOUSA SANTOS, 2002; GESTA LEAL, 2001; ALVRITZER, 2009) e da democracia integral (CORTINA, 1995; 2010; VASCONCELOS, 2007, p. 473-509). Ainda que a democracia participativa, já existente na sociedade brasileira, tenha trazido avanços em relação à anterior de-mocracia meramente representativa, a democracia integral pode oferecer maiores possibilidades de concreção do projeto societário constitucional-mente definido, por trazer em si um princípio de responsabilidade e de solidariedade, por se fundar na intersubjetividade, razão dialógica, bem

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como por ser voltada à ação e à responsabilidade dos sujeitos quanto às consequências que dessa possam advir. A ética do discurso a que se trata implica, não só questões de argumentação jurídica das decisões do STF, mas uma ética de responsabilidade solidária – em suma, uma éti-ca que responsabiliza os sujeitos envolvidos na tomada de decisão pelas consequências sociais produzidas, com o respeito aos valores constitu-cionais, gerando uma responsabilidade social. Pressupõe-se o reconheci-mento mútuo de todos os atores sociais enquanto sujeitos – caráter de emancipação do novo paradigma do direito proposto por Sousa Santos (2011, p 255-328). A análise de casos da jurisprudência e da administra-ção do Judiciário demonstra que o STF ainda atua, por vezes, conforme os modelos liberal e elitista de democracia, motivo pelo qual é alvo de críticas doutrinárias. O caminho para a legitimidade requer do STF a assunção da responsabilidade social (FARIA, 1997; SOUSA SANTOS et al, 1996, p. 19-35), não apenas na mídia, mas nos resultados de suas decisões jurídicas e administrativas para os cidadãos afetados.

Palavras-chave: Legitimidade política do STF. Responsabilidade so-cial. Democracia. Ética da responsabilidade solidária.

Referências

AVRITZER, Leonardo (Org). EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE PAR-TICIPAÇÃO SOCIAL. São Paulo: Cortez, 2009. p 7-54.

BONAVIDES, Paulo. TEORIA CONSTITUCIONAL DA DEMOCRA-CIA PARTICIPATIVA: Por um Direito Constitucional... São Paulo: Malheiros, 2008.

CORTINA, Adela. RAZÓN COMUNCATIVA Y RESPONSABILIDAD SOLI-DARIA: Ética y política em K. O. Apel. Salamanca: Sígueme, 1995. p 79-232.

______. ÉTICA SEM MORAL. São Paulo: Martins Martins Fontes, 2010. p 136-221; 243-316.

Teorias contemporâneas da Democracia • 379

FARIA, José Eduardo (Org). DIREITO E JUSTIÇA: A função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p 123-201.

GESTA LEAL, Rogério. TEORIA DO ESTADO: Cidadania e poder político na modernidade. Porto Alegre: Livraria o Advogado, 2001. p 121-236.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. Acesso à Justiça como Promoção do Bem-Estar e da “Vida Boa”: Uma transformação possível? In ORSINI, Adriana Goulart de Sena; CORRÊA DA COSTA, Mila Batista; AN-DRADE, Oyama Karyna Barbosa (Coord). JUSTIÇA DO SÉCULO XXI. São Paulo: LTr, 2014. p 51-58.

SOUSA SANTOS, Boaventura de. A CRÍTICA DA RAZÃO INDO-LENTE: Contra o desperdício da experiência: Para um novo senso comum: A ciência, o direito e a política na transição paradigmática. Vol 1. São Paulo: Cortez, 2011. p 255-328; 339-343.

______. PARA UMA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DA JUSTIÇA. São Paulo: Cortez, 2007. p 9-44.

______. O DISCURSO E O PODER: Ensaio sobre a sociologia da retó-rica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988.

SOUSA SANTOS, Boaventura de et al. OS TRIBUNAIS NAS SOCIE-DADES CONTEMPORÂNEAS: O caso português. Porto: Afronta-mento, 1996. p 19-35.

VASCONCELOS, Antônio Gomes de. PRESSUPOSTOS FILOSÓFI-COS E POLÍTICO-CONSTITUCIONAIS PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA INTEGRAL E DA ÉTICA DE RESPONSABILIDADE NA ORGANIZAÇÃO DO TRABA-LHO E NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA: O sistema... 2007. 2 v. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais. Facul-dade de Direito. Belo Horizonte. p 473-509.

______. O novo sentido da jurisdição na estratégia do Poder Judiciário Nacional e seu desdobramento na experiência do SINGESPA/TRT-3-MG. In ORSINI, Adriana Goulart de Sena; CORRÊA DA COS-TA, Mila Batista; ANDRADE, Oyama Karyna Barbosa (Coord). JUSTIÇA DO SÉCULO XXI. São Paulo: LTr, 2014. p 135-147.

democrAciA mAteriAl – um enfoque conStitucionAliStA cético

Samira Costa ArcanjoGraduanda em Direito – Universidade Veiga de Almeida – Campus Tijuca

– RJ. Monitora da disciplina “Hermenêutica Jurídica”. Membro participante do programa institucional de Iniciação Científica – PIC/UVA – Brasil. Contato:

[email protected].

Daniel Nunes PereiraDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito

e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas (PPGSD/UFF), Mestre em Ciência Política (PPGCP/UFF), Bacharel em Direito (UFF). Especialista CPE em

História Europeia (U.U.-Utrecht). Professor I-RTI do Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida. Professor Adjunto (Direito Público) da Faculdade de Direito de Valença – Brasil. Contato: [email protected]

O presente trabalho busca uma analise crítica sobre o fenômeno da democracia material, tendo por base a metodologia reflexiva do ceti-cismo, desviando-se da inserção de valores ao proceder ao estudo deste acontecimento que guarda em si caracteres peculiares e paradoxais.

A democracia, como objeto a ser estudado pela filosofia e pelas ci-ências sociais, compreende terreno vasto e de difícil compreensão quando explorado sob apenas um aspecto, o que se justifica pelas suas variadas linhas adaptativas, conforme padrões culturais e prioridades político-ide-ológicas de um país. Apesar da complexidade etimológica e semântica atribuídas à palavra democracia ao longo de sua história, o conceito de Lei universal, atribuída a esta por seus adoradores, nunca foi abandonada.

Com o ingresso do constitucionalismo, seus  pressupostos man-tiveram suas características (GOYARD-FABRE, 2000:2). No entan-to, reformulações adaptativas foram necessárias ao ingresso do novo sistema (GOYARD-FABRE, 2000:2). 

Observamos no contexto constitucional, o fenômeno da mate-rialização em forma de princípio de um dos padrões morais conven-cionados pela sociedade, que é o da dignidade da pessoa humana.

Teorias contemporâneas da Democracia • 381

Este se mostra imprescindível à concretização da democracia pelos pa-râmetros da nossa sociedade (HABERMAS, 1997:127). No entanto, sua generalidade, cuja característica é indiscutível, se mostra de difícil efetivação do mundo dos fatos, e até mesmo teoricamente, se analisado levando em consideração a pluralidade moral. (JHERING, 1915)

Um dos paradoxos presente no sistema democrático material situ-a-se justamente na análise crítica e positivista do princípio acima men-cionado. O que surge com o fim de equiparar e salvaguardar direitos e deveres acaba, na prática, insurgindo contra seu próprio propósito, a partir do momento em que a discricionariedade e ausência do necessário e correto uso das técnicas hermenêuticas atingem sentenças carregadas de concepções morais e políticas, oriundas de uma realidade que muitas vezes diverge daquelas de quem se submete ao judiciário, em busca do mínimo do princípio da isonomia prometido pela constituição.

A ilusão do idealismo faz surgir na sociedade concepções eivadas de padrões morais abstratos, no qual nestas se debruça como arreio de esperanças e promessas de passividade e igualdade.

Imersa a uma legião de princípios evocados a tutelar direitos e exigências que, em grande parte, conflitantes e subordinados à um mesmo sistema jurídico – político, a democracia se vê incapaz de suportar tal demanda que, em muitos casos, guardam pouca aproxi-mação com questões efetivamente políticas.

Como um ópio à sociedade moderna, a democracia carrega em si caracteres de algo ilimitado - no que se refere a possibilidades de modificações do cenário social-político- superior e salvador dos desarranjos políticos e erros da humanidade. (MAUS, 2000: 186). O que se mostra como um paradoxo, ao passo que as disparidades e decepções humanas possuem origem nela mesma. Tal relação de dependência de guarida por uma entidade-instituição, na qual toda esperança de salvação lhe é depositada, guarda alguma semelhança com o sentimento de religiosidade e outras neuroses de transferên-cia paternal observado sob o ponto de vista da psicanálise (FREUD, 2010: 18, 23, 24). Por fim, caberá ao presente uma análise sobre esse fenômeno paradoxal, onde governantes e governados ocupam o

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mesmo lugar, bem como o possível sentimento de frustração dos que pretendem o fim dos males sociais através de sua materialidade.

Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. ‘’O Mal-estar na Civilização’’

FREUD, Sigmund. “L’Avenir D’une Illusion”. Paris: Presses Universitaires de France / Quadrige: 2010b.

GOYARD-FABRE, Simone. ‘’ O que é Democracia?’’, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.

HABERMAS, Jürgen. “Direito e Democracia: entre a facticidade e valida-de. Vol. 2”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

JHERING, Rudolf Von. “The Struggle for Law”. Nova Iorque: J. J. Lalor Editor. 1915.

LESSA, Renato. ‘’ Agonia, Aposta e Ceticismo – Ensaios de filosofia políti-ca’’, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da ativi-dade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’. In. Novos Estudos CEBRAP, n. 58. São Paulo. 2000.

JuriSdição conStitucionAl no brASil: tecnologiAS de umA rAzão de eStAdo AntidemocráticA

Adalberto Antonio Batista ArceloDoutor em Filosofia do Direito (UFMG); Professor da PUC Minas; Brasil;

[email protected].

Tendo como base a análise microfísica do poder, em que Fou-cault aponta a genealogia de uma razão de Estado materializada em um complexo de jogos estratégicos de dominação que funcionam como dispositivos/tecnologias de normalização, identifica-se a dinâ-mica da jurisdição constitucional no Brasil com um aparato de nor-malização individual e social, posto que a Corte Constitucional bra-sileira, fazendo uso do controle de constitucionalidade, tem o poder de definir os sujeitos de direitos fundamentais. Percebe-se, neste ce-nário, a reprodução dos conceitos foucaultianos de poder disciplinar e de biopoder, ou seja, uma complementaridade entre dispositivos de poder que se exercem sobre o corpo dos indivíduos e dispositivos de poder que se exercem sobre a vida da sociedade, determinando assim indivíduos e grupos incluídos no restrito espaço de abrangência em que o Estado garante direitos. Denuncia-se, por tal perspectiva, a seletividade de uma tecnologia de inclusão e de exclusão que, sob a autoridade da jurisdição constitucional, define quem é e quem não é sujeito de direitos fundamentais. Analisa-se, a partir de tais elemen-tos, os reflexos da construção teórica do paradigma político-jurídico do Estado Democrático de Direito na dinâmica da sociedade brasilei-ra contemporânea, considerando-se a atuação do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição e dos direitos fundamentais. Em tese a Corte Constitucional brasileira, amparada pelo consenso teórico em torno da jurisdição constitucional, atuaria para garantir direitos fundamentais por meio de suas decisões, revisando leis e po-líticas sociais públicas sob a diretriz da fundamentalidade dos direi-tos. Contudo, suas decisões têm evidenciado um problema: trata-se

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de garantir direitos fundamentais universais, independentes do perfil identitário dos sujeitos que os demandam ou trata-se de assegurar uma tradicional razão de Estado pautada no padrão de utilidade re-produzido por uma estrita parcela da sociedade que se identifica com aqueles que têm poder de consumo? O aspecto delineador do amplo consenso quanto à democracia/democratização da sociedade brasi-leira atual consiste na institucionalização de um Estado de Direito fundado em princípios constitucionais que explicitam a universali-zação da dignidade humana e das garantias jurídicas fundamentais individuais e coletivas. O desenho formal do Estado Democrático de Direito brasileiro atinge certa consistência teórica, posto que descor-tina um sistema de direitos garantidos e promovidos por uma juris-dição constitucional. Mas a dinâmica político-jurídica desta mesma sociedade evidencia algo diverso: com a atual ênfase nos princípios constitucionais percebe-se a garantia e efetividade dos direitos indi-viduais e coletivos fundamentais mantidas em suspenso, enquanto o Judiciário brasileiro decide conflitos orientado pelo atingimento de metas quantitativas e, confirmando a suspensão das garantias funda-mentais, recepciona uma teoria dos princípios jurídicos que atenua sua força normativa no momento do controle de constitucionalida-de. Para completar o atual cenário do Estado Democrático de Direito brasileiro – que uma análise sócio-antropológica denuncia como um Estado de Exceção – assiste-se a um processo sistemático de crimi-nalização de movimentos sociais oriundos de grupos identitários mi-noritários e vulneráveis. A recepção da hermenêutica constitucional pelo Judiciário brasileiro tem gerado na dinâmica jurídico-judicial um protagonismo antidemocrático da Corte Constitucional que, sob o pretexto de uma jurisdição constitucional, monopoliza a interpre-tação e a aplicação – ou não – dos direitos fundamentais. Depois de dez anos de vigência da Emenda Constitucional Nº 45/2004, perce-be-se que os obstáculos estruturais ao acesso à Justiça no Brasil per-manecem: o Judiciário, antes de independente e autônomo, perma-nece uma célula opaca e intransparente que insiste em reproduzir a dinâmica de uma fábrica que produz decisões em série, sem pacificar

Teorias contemporâneas da Democracia • 385

conflitos e sem garantir direitos para expressiva parcela da sociedade. Essas considerações levam ao questionamento da plausibilidade do Estado Democrático de Direito brasileiro. Mantém-se um quadro de dominação autoritária legitimada pela violência simbólica repro-duzida em grande medida pela dogmática jurídica e pela estrutura jurídico-judiciária brasileiras. Usa-se o conhecimento técnico como manutenção da insensibilidade e distanciamento desta organização em relação às demandas e necessidades humanas de grupos identi-tários marginais como trabalhadores rurais sem terra, trabalhadores urbanos sem moradia, consumidores sem poder de consumo. Para o enfrentamento de alguns dos problemas levantados – que em sínte-se projetam o Estado brasileiro atual como um Estado de Exceção, antes de um Estado Democrático de Direito – busca-se suporte nas contribuições do pensamento crítico e desconstrutivista contempo-râneo para a tematização de uma dinâmica democrática nas socieda-des hipercomplexas da contemporaneidade – como a brasileira. Neste mister as reflexões de Foucault possibilitam um perfil consistente para a problematização da dinâmica jurídico-judicial brasileira, vez que a ju-risdição constitucional no Brasil tem garantido direitos fundamentais segundo a conveniência do próprio Estado – “na medida do possível” – retroalimentando um cenário de vulnerabilidade social e individual.

Palavras-chave: Jurisdição Constitucional. Direitos Fundamentais. Estado Democrático de Direito. Estado de Exceção.

de rAShomon Ao Senhor dAS moScAS: o proceSSo de identificAçâo democráticA com oS

fenômenoS dA eSferA JurídicA

Gustavo Augusto de Bourbon3º Ano de Direito, Universidade Estadual Paulisa “Júlio de Mesquita

Filho”, UNESP Campus Franca, Brasil, [email protected].

Yuri Rios Casseb3º Ano de Direito, Universidade Estadual Paulisa “Júlio de Mesquita

Filho”, UNESP Campus Franca, Brasil, [email protected].

É inerente ao ideário democrático uma identificação imprescindí-vel entre a vontade expressa do povo e as decisões de seus representan-tes políticos - para algumas correntes da ciência política, ele revela-se tanto mais perfeito quanto maior a identificação existente entre o agir político e o dever ser efetivado1. De fato, os Estados Democráticos di-tam-se “governos do povo” por acreditar-se que, em última instância, o povo sempre estaria governando. Entretanto, na realidade jurídica, o sistema legislativo não só prescinde de tal necessidade, como, muitas vezes, verifica-se um desconhecimento do agir jurídico-legislativo pelo agente comum, sujeito político do sistema democrático2.

Não obstante, tem-se para esse agente comum, intermitente-mente, uma noção de participação política despida do reconheci-mento tácito dos elementos representativos que a compõe; ou seja, em muitos casos, a prática do agir eleitoral simboliza, para o cidadão comum, a própria efetivação de sua participação no processo de de-cisão legislativo, a despeito da correspondência do agir legislativo do representante a tal anseio3. Assim, não há vínculo definitivo entre a ideologia do Estado Democrático e a pretensa identidade do povo.

No contexto dado, o presente artigo busca compreender como a forma democrática – publicamente embasada no ideário exposto – vincula os fenômenos da esfere jurídica ao dever ser popular, mesmo

Teorias contemporâneas da Democracia • 387

quando a própria forma democrática omite um vínculo definitivo entre o agir político do povo e o de seus representantes.

A forma encontrada para realizar uma reflexão acerca da pro-blematização exposta dá-se pela observação de duas grandes obras da literatura contemporânea, a título de exemplo.

Primeiramente, em O Senhor das Moscas4, de William Golding, pode-se observar que, quando todos os membros de um grupo de in-divíduos estão em um estado desindividualizado, seu funcionamento social se altera, passando-se a viver num momento de presente expan-dido, o que torna o passado e o futuro distantes e relativamente irrele-vantes. Em tal estado, os processos cognitivos convergem rumo a uma internalização acelerada da ordem estabelecida, nesse, recém-fundada5.

Argumenta-se, ainda, que o instrumento democrático na orga-nização jurídica se dá, justamente, pela desindividualização do sujei-to político. Formal e materialmente, o processo político no qual se expressa o poder do Estado na esfera jurídica estabelece uma relação arbitrária, aparentemente lógica, entre o grupo desindividualizado e a fonte de poder criadora da norma.

Por si, entretanto, esse fenômeno de desindividualização não sus-tentaria a legitimidade do sistema jurídico perante o povo, tal como é demonstrado no Senhor das Moscas, uma vez que aquela sociedade, simplesmente estabelecida pela desindividualização e força do grupo, rapidamente se rompe em virtude de suas discordâncias pessoais.

Contudo, eis que a dominação pelo método democrático neces-sita também de mais dois elementos. Um deles, encontramos numa breve reflexão sobre a obra Rashomon6, de Ryunosuke Akutagawa, e o outro, trata-se do conceito de ideologia proposto por Weber7.

No conto, por mais que se apresente a verdade por meio de diversos pontos de vista discordantes, contempla-se que existe um outro ponto de vista escondido, legitimado acima dos outros, o da organização burocrática. Embora o Japão representado no conto não se configure como uma forma democrática, analisando o método que as autoridades legais utilizam para entender os fatos, nota-se que esse aproximá-se muito dos métodos processualistas jurídicos contempo-

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râneos; assim sendo, a genialidade de Akutagawa está em conferir aos depoimentos um certo grau de individualidade, fazendo as per-sonagens pensar que, de fato, carregam parte da verdade, quando, na verdade, só são utilizadas para legitimar o processo burocrático.

Quanto ao último ponto, o poder do sistema envolve um mecanis-mo de autorização e proibição, por meio dos aparelhos burocráticos. A legitimação desse sistema surge mascarada pelo manto da ideologia. Essa, por sua vez, legitima o funcionalismo jurídico do Estado, passando-se como natural para os membros da sociedade, uma vez que parece vincu-lar o sistema jurídico enquanto resultado da participação democrática.

Desenvolvida a problemática, o artigo busca, por meio da aná-lise histórica do direito em alguns países, e de seus autores, elucidar quais pontos do campo jurídico sustentam a identificação com o povo por meio do agir democrático. Dentre os autores, cita-se Alexy8 e a pretensão a correção no Estado Alemão, John Rawls9 e o véu da ignorância no Estado Americano, e José Eduardo Faria10 e a Consti-tuição idealizada no Estado Brasileiro.

Em suma, pretende-se entender como a forma democrática sustenta a identificação do povo para com os fenômenos da esfera jurídica, através da percepção da desindividualização, da aparente in-dividualidade e da dominação ideológica, trazendo essa análise para a realidade histórico desses países, com base nos autores supracitados.

Notas

1 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. São Paulo: Globo, 2008, p. 325/6.2 Nas palavras de Müller “A identidade entre a vontade do povo – como totalidade – e de seus governantes, suportados nessa identidade, obiva-mente, facilmente recusaria tanto os direitos das minorias como também a necessidade de controle e de responsabilidade dos governantes”. MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 49.3 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Fabris, 1991, p. 21.4 GOLDING, William. O Senhor das Mosca. Alfaguara, 2014.5 ZIMBARDO, Philip. O Efeito Lúcifer. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 310.6 AKUTAGAWA, Ryunosuke. Rashomon e outros contos. Hedra, 2008.

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7 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 2012.8 Partindo da distinção estrutural entre regras e princípios, obter-se ia, como efeito, um parâmetro das normas do sistema jurídico. Assum, não bastaria que estivessem de acordo com o texto Constitucional em estrito sense, mas também que se conforme às normas atribuídas ao texto Consti-tucional. Por meio desse pensamento, Robert Alexy apresenta meios para garantir a legitimidade discursiva das discussões sobre direitos fundamen-tais. Sua ideia de pretensão à correção, portanto, justifica-se como o elo entre o povo alemão e a instituição jurídica alemã. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Forense, 2011.9 Rawls pretende anular os efeitos das contingências que levam os in-divíduos a oporem-se uns aos outros dentro do agir político. Dessa forma, ele parte do princípio de que as partes deverão estar situados em um véu da ignorância. O artigo demonstra que esse véu da ignorância é o fator de percepção dos indivíduos para com os fenômenos jurídicos. RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Ed. Martins, 2008.10 Para Faria, a Constituição de 1988 incorpora elementos diversos que impossibilitam sua concretização plena, entretanto, esse idealismo Consti-tucional é o que sustenta a aprovação popular da ordem vigente. FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica. São Paulo: EDUSP, 1988.

relAçõeS de reconhecimento e A infrAeStruturA normAtivA dA democrAciA

Luiz Philipe de CauxGraduado em Direito (UFMG), mestrando em Filosofia (UFMG).

Endereço eletrônico: [email protected]

Se não há, no sentido canônico, uma teoria democrática desen-volvida por Axel Honneth, há em sua obra em teoria do reconhe-cimento, por certo, uma crítica da teoria democrática. Seu sentido não é o de uma crítica do regime democrático enquanto tal ou de sua vertente parlamentar liberal em alguma medida vigente em parte significativa dos países do mundo, mas sim o de uma crítica da teoria democrática hegemônica a partir da explicitação de seus enunciados de fundo não tematizados, em vista de uma ampliação de seu âmbito objetual, a fim, pelo contrário, de melhor compreender as possibili-dades e vias para efetivação dos ideais democráticos que constituem o solo normativo dessa teoria. Num sentido próximo ao do dito de Böckenförde sobre o Estado secular, Honneth sustenta que a demo-cracia, compreendida em seu sentido formal, se alimenta de pressu-postos para cuja reprodução ela certamente contribui, mas que não pode, por si só, garantir. É em vista desse fato que sua teoria do reconhecimento tomaria o rumo de uma reconstrução normativa das esferas de ação de uma “eticidade democrática”. Como Habermas, ainda que em termos distintos, Honneth quer demonstrar o vínculo entre autonomia pública e autonomia privada: não há participação democrática sem que todos os sujeitos envolvidos tenham condições de “vir a público sem sentir vergonha”, para usar uma expressão de Adam Smith frequentemente citada por Honneth. Investigando, no entanto, aquilo que é apenas pressuposto por Habermas, Honneth dedica-se a examinar as condições sociais tanto para a formação da autonomia pública quanto para a da autonomia privada, assim como a relação de condicionamento recíproco entre elas. Na base da crítica

Teorias contemporâneas da Democracia • 391

de Honneth, está a constatação de que os sujeitos necessitam de dis-tintas formas de reconhecimento social para estarem em condições de efetivamente participar da formação da vontade democrática. Sem autoconfiança, autorrespeito e autoestima, autorrelações práticas po-sitivas que os sujeitos adquirem respectivamente nas interações ínti-mas, jurídicas e profissionais, os sujeitos não se põem em condições plenas de tomar parte em pé de igualdade na esfera pública democrá-tica. Assim, uma democracia não se encontra ameaçada apenas por obstáculos, por assim dizer, do mundo externo, como a corrupção, o desequilíbrio entre os poderes ou a má arquitetura das instituições, mas também por problemas ligados à constituição interna dos indi-víduos, como a apatia ou o medo de agir politicamente. Honneth não está, no entanto, a propor uma crítica da teoria democrática des-de uma redução psicologista, pois seu interesse recai na constituição social das patologias de reconhecimento que retiram as condições estruturais para a formação da vontade democrática. Tais condições Honneth encontra explicitamente na obra madura de John Dewey, que como que traduz sua concepção formal de eticidade para os ter-mos da teoria democrática. Em Dewey, Honneth vê um modelo apto a superar as dificuldades tanto dos modelos democráticos liberais quanto dos procedimentais ou dos republicanos. Ao conceber a de-mocracia como cooperação reflexiva de uma sociedade integrada pela divisão do trabalho e pela troca, Dewey pode entendê-la de forma mais substancial do que as concepções liberais e procedimentais, sem, todavia, vinculá-la a valores materiais compartilhados. Tal concepção encontrada em Dewey serve menos à prescrição normativa de um modelo democrático do que à explicitação das condições pré-políti-cas da democracia na distribuição econômica.

Palavras-chave: Axel Honneth; John Dewey; teoria democrática; teoria da justiça; teoria crítica; desigualdade econômica; patologias sociais; reconhecimento.

multiculturAliSmo en el Siglo xxi: loS modeloS de interculturAlidAd en lAS SociedAdeS contemporAneAS

Daniel Antônio da CunhaEstudiante de Derecho en la Universidad Federal de Minas Gerais en Brasil.

Este trabajo tiene el objetivo discutir la temática del multicul-turalismo y las situaciones de conflicto entre el pluralismo cultural y las libertades individuales en el mundo globalizado de hoy. Por lo tanto, se hace necesario tratar sobre los modelos de interculturalidad existentes en las sociedades actuales, sobre todo las occidentales, para así definir un camino posible de convivencia de distintos grupos en una misma sociedad.

Teniendo como estructura el análisis de Maria Elosegui Ixtaso, que en su obra se refiere a grandes filósofos contemporáneos como Taylor y Habermas, detallaremos las sociedades que se estructuran en el llamado modelo asimilacionista o monocultural, modelo este que se aparta de la esfera pública las minorías para rechazarlas. También evocará a los sociedades del llamado modelo multicultural cerrado, donde a fin de suprimir los problemas de la ausencia del estado en el modelo asimilacionista, se llena de un modelo muy interventor que nuevamente segrega las minorías, ahora con la argumentación de protección. Por fin, se tiene el modelo intercultural o multicul-tural abierto, existente en el Libro Blanco sobre Interculturalidad en Europa, que trae un analisis de un orden público que agregue las minorías y garantiza un ordenamiento protectivo y no segregador. Así se defiende que los conflictos deben ser resueltos mirando cada caso en concreto, haciendo todavía la ponderación de la realidad de cada país, sus normas y su comprensión de lo que debe ser tutelado positivamente y lo que no debe ser tratado.

En realidad, es de profunda importancia definir pronto cuál es el punto de definición del modelo multicultural como referencia para las sociedades actuales. Por esto, en una línea de argumentación

Teorias contemporâneas da Democracia • 393

que agrega desde la idea de patriotismo constitucional habermasiana hasta las prácticas de “acomodamientos razonables” canadienses, po-nerse los derechos humanos como referencia y como punto de salida para asegurar la diversidad dentro del Estado.

Solamente con este análisis los estados de hoy pueden otorgar un tratamiento de protección a determinados grupos culturales, dis-cerniendo cuales materias pueden ser protegidas, observando el res-pecto a los derechos humanos y mirando la justicia distributiva.

Como parte de una convivencia posible e intercultural se hace necesário un cambio de un patriotismo étnico hacia un patriotismo cívico. Así se vuelve comprensible como aquel patriotismo que lucha en favor de las libertades y del respeto a la dignidad humana de una manera abierta y sin apasionamientos irracionales es decir, un patrio-tismo basado en la defensa de valores políticos democráticos.

Por fin, se debe discutir sobre cuál Estado y cual orden público estamos hablando, se defiende en este trabajo un orden público que parte del respeto a la libertad y se hace un mecanismo de protección positiva que no degenera la colectividad al mismo tiempo que no se omite y no coacciona derechos de los individuos. Aún sea necesario una coacción positiva del orden público mientras también el respec-to al ejercicio libre y pacífico de los derechos individuales, políticos y sociales reconocidos en el ámbito legal. Este reconocimiento pasa por un reconocimiento también constitucional por el Estado de la pretensión positiva del actuar de los ciudadanos, es decir, que los ciudadanos tienen la condición de cobrar una protección jurídica en cuanto al respecto a sus derechos individuales como una protección jurídica de la própia cultura por parte del Estado.

AS exigênciAS dA iguAldAde democráticA

Paulo Baptista Caruso MacDonaldDoutor em Filosofia. Professor do Departamento de Direito Público e

Filosofia do Direito da UFRGS e Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRGS. Brasil. E-mail: [email protected].

A importância da distribuição igualitária de poder político entre os cidadãos é reconhecida por vários dentre os principais autores do de-bate contemporâneo sobre justiça. Tratar todos os cidadãos com igual respeito e consideração não se reduz a resultados justos na distribuição de recursos materiais obtidos pela aplicação de normas jurídicas, pelo funcionamento das instituições sociais e pela adoção de políticas go-vernamentais. O igual respeito e consideração devido a seres autôno-mos caracteriza-se também pela oportunidade de participar em pé de igualdade com os demais nas decisões que definirão, direta ou indireta-mente, o conteúdo dessas normas, o arranjo institucional e as políticas públicas. Em outras palavras, está presente no debate contemporâneo sobre justiça a preocupação com a igualdade democrática.

Há, entretanto, restrições que o próprio compromisso com a de-mocracia impõe à implementação de uma concepção de justiça que contemple a igualdade democrática. Jeremy Waldron tende a consi-derar como antidemocrático um arranjo institucional em que decisões tomadas pela maioria dos cidadãos ou por seus representantes eleitos possam vir a ser revertidas pela ação de um poder que carece da mesma legitimidade, ainda que a reversão possa ser justificada nos termos de uma concepção de justiça com a qual o próprio autor concorde. O fórum deliberativo em uma democracia caracterizar-se-ia exatamente pela disputa entre concepções rivais de justiça, constituindo a obedi-ência à vontade da maioria condição necessária à legitimidade da de-cisão. O principal exemplo de arranjo contramajoritário nas democra-cias contemporâneas residiria no controle de constitucionalidade das leis promovido por órgãos do Poder Judiciário. Com isso em vista, Waldron opõe-se frontalmente à concepção de democracia de Ronald

Teorias contemporâneas da Democracia • 395

Dworkin e alerta para as consequências antidemocráticas de uma certa interpretação da ideia de razão pública de John Rawls.

Embora Waldron não abra mão de considerar o respeito à re-gra da maioria como condição necessária à igualdade democrática – e, consequentemente, à legitimidade das decisões políticas –, ele reconhece a insuficiência do cumprimento de tal regra. A igualdade democrática exige também uma distribuição justa no que diz respeito a uma série de direitos e liberdades fundamentais, os quais compre-endem desde a liberdade de expressão até a ausência das situações apontadas por Rousseau de haver indivíduos suficientemente ricos para comprar concidadãos ou indivíduos pobres a ponto de precisa-rem se vender. Frente a isso, levantam-se as seguintes questões: (1) A noção de igualdade democrática que, segundo Waldron, legitima as decisões políticas não dependeria, em razão disso, de uma certa concepção de justiça? (2) A concepção de justiça de John Rawls po-deria exercer esse papel ou ela abrangeria exigências que excederiam aquelas implicadas pela noção de igualdade democrática? (3) Até que ponto a existência de um poder contramajoritário responsável ape-nas por invalidar as decisões tomadas em violação da concepção de justiça exigida pela igualdade democrática seria incompatível com esta última? A busca por respostas a essas indagações insere-se em um projeto mais amplo de investigação acerca das tensões inerentes à noção de Estado Democrático de Direito.

A deciSão mAJoritáriA é A mAiS JuStA ou A mAiS populAr? A criSe dA legitimidAde democráticA dA JuriSdição

conStitucionAl diAnte do conflito entre AS concepçõeS AgregAtivAS e deliberAtivAS de democrAciA

Deborah DettmamProfessora de Direito da Universidade Federal do Piauí. Doutoranda em

Direito na Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito da Faculdade de Direito do Recife – UFPE e Bacharel em direito da Universidade de Brasília.

Brasil. E-mail: [email protected].

Desenvolvendo umas das teorias mais robustas contra o cons-titucionalismo, Jeremy Waldron busca desconstruir a tese na qual os tribunais constitucionais asseguram melhor proteção às minorias, atuando como órgãos contra-majoritários. Waldron argumenta que a supremacia judicial, ao optar por um procedimento majoritário de escolha de decisão vencedora, não fornece segurança substanti-va aos direitos básicos da minoria, permitindo que os juízes possam invalidar as decisões da maioria, sempre que delas discordem, em desrespeito à igualdade política. Para Waldron, em uma democracia marcada pelo sufrágio universal, onde haja um poder judicial sub-metido ao império da lei, onde a comunidade esteja comprometida com os direitos individuais e coletivos (embora possa ter desacordos substantivos de boa-fé acerca da ideia desses direitos), a regra majori-tária é o procedimento adequado, por sua natureza equitativa e igua-litária, concedendo a cada um a mesma cota de influência e impacto sobre a decisão política. Diversos argumentos, porém, como a crise de governabilidade, a corrupção, o lobby das grandes corporações ou de movimentos sociais bem estruturados, o elitismo do sistema elei-toral, o afastamento do representante em relação ao eleitor, o déficit de representação de certos grupos ou segmentos ou o desigual po-der de influência entre cidadãos têm levado diversos autores a não compartilhar do otimismo de Waldron acerca do valor igualitário

Teorias contemporâneas da Democracia • 397

da regra da maioria. Ronald Dworkin é um desses autores a questio-nar a regra majoritária como mecanismo intrínseco da democracia para resolução de todas as deliberações públicas. Ele sustenta que, em uma democracia justa, nem todas as decisões podem ser tomadas pela maioria e conclui afirmando que a melhor forma de democracia é a que tem mais probabilidade de produzir as decisões substantivas que tratem todos os membros da comunidade com igual consideração e respeito. Diante do conflito entre concepções agregativas, como de Waldron, e substantivas, como de Dworkin, surgem teorias demo-cráticas que tentam conciliar, ou pelo menos minimizar, as tensões entre igualdade política e o valor epistêmico do melhor argumento defendendo que a deliberação, seguida de uma decisão majoritária, é capaz de fornecer os melhores resultados empíricos. Denominada de procedimentalismo epistêmico, é difundida por autores como Da-vid Elstund e Federico Arcos Ramíriz, que defendem que a decisão majoritária expressa um valor apto a identificar as decisões mais jus-tas, admitindo, portanto, um juízo de correção. Não obstante, apesar de defender o caráter cognitivo da regra majoritária e de enfatizar a importância da deliberação, o procedimentalismo epistêmico ainda outorga preferência por um modelo de supremacia legislativa em de-trimento de um constitucionalismo forte, aumentando as dúvidas acerca da capacidade da supremacia judicial encontrar amparo de-mocrático. Diante disso, este trabalho objetiva enfrentar esses pro-blemas, discutindo: a) se a regra da maioria é ou não um procedi-mento de decisão necessário em uma democracia ou se outras formas de decisão podem ser empregadas sem comprometer a legitimidade democrática; b) se é possível afirmar que a decisão da maioria é a melhor decisão ou apenas a decisão mais comum; e, finalmente, c) se é possível a conciliação entre igualdade política e a ética deliberativa em um constitucionalismo forte.

Palavras-chave: Democracia. Regra da maioria. Constitucionalismo.

A internet como eSpAço deliberAtivo legítimo: AS redeS SociAiS podem Ser um locuS de legitimidAde

democráticA à JuriSdição conStitucionAl?

Thomas da Rosa de BustamanteProfessor Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em

Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Brasil,

email: [email protected].

Ana Luísa de Navarro MoreiraProfessora Substituta da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestranda

em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil, email: [email protected].

Como a interpretação é inerentemente um processo aberto, gran-de parte dos teóricos almeja encontrar limites à jurisdição constitucio-nal. A busca por esses limites é frequentemente associada ao modo pelo qual se compreende a relação entre jurisdição constitucional e demo-cracia1. Necessariamente há uma relação entre estas? Seria uma relação complementar, interdependente ou, por outro lado, antagônica?

Do ponto de vista normativo não há Estado de Direito sem democracia2. O poder político é transformado em direito legítimo por meio da aplicação do princípio da democracia, que é a fonte de legitimidade da criação do direito3.

O Princípio da democracia decorre da institucionalização do princípio do discurso e se insere como núcleo do sistema de direitos4. Somente serão válidas as normas jurídicas que obtiverem a concor-dância daqueles que podem ser afetados por elas, ou seja, é indispen-sável que o indivíduo se expresse discursivamente e racionalmente no âmbito político de produção dessas normas (princípio do discurso)5. A deliberação, nesse sentido, deve ser compartilhada através da esfera pública6 com cada uma das pessoas a fim de que estas sejam capazes de expressar suas escolhas em discursos racionais. Todos têm o mes-

Teorias contemporâneas da Democracia • 399

mo direito de serem ouvidos, porque a participação política é tempe-rada por princípios de justiça e equidade.

Qualquer que seja a ação, esta será democrática quão maior for a possibilidade de cada indivíduo exercer sua autonomia política e, assim, participar do exercício e controle do poder, minimizando as formas de dominação. Uma sociedade democrática se constrói, por-tanto, através de fortes valores como o da participação política que exige amplos e abundantes recursos de participação.

Como a jurisdição constitucional desempenha um papel impor-tante na integração social, em sintonia ao que se expos, a melhor ma-neira de ampliar a sua legitimidade é garantir uma maior atuação dos indivíduos no processo judicial de tomada de decisão. O processo interpretativo da Constituição, então, deve ser aberto à comunidade de intérpretes7 com base na “comunidade de princípios” Dworkiana8.

Mas a questão central é: como viabilizar uma participação mais individualizada? Participar do processo argumentativo sobre o signi-ficado da Constituição é uma característica fundamental do Estado Democrático de Direito. No entanto, uma das dificuldades é a viabi-lidade fática dessa participação direta.

A presente proposta, então, é que os argumentos que integram o processo constitucional argumentativo circulam entre espaços formais e informais, principalmente espaços informais nos dias de hoje. O rá-pido crescimento da Internet e suas vantagens sobre os formatos de comunicação tradicionais, em termos de flexibilidade e velocidade o tornam um instrumento viável para a participação individual direta. A troca on-line de argumentos pode realmente influenciar a forma como as decisões são tomadas, especialmente em jurisdição constitucional.

Inclusive, destaca-se a viabilidade da utilização da internet para fins comunicativos citando-se o presente projeto “Você fiscal”9 dispo-nibilizado por um professor da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, para fins de fiscalização direta e individual das eleições de 2014, por meio de um aplicativo que pode ser baixado gratuitamente.

Assim, diante dos avanços tecnológicos da globalização, a pro-posta é revisitar o conceito de esfera pública Habermasiana. A esfera

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pública não é uma instituição ou um sistema, pelo contrario, consti-tui-se uma ampla rede de horizontes abertos que se reproduz por meio de influxos comunicativos. A rede de comunicação da esfera pública através da internet infiltra a esfera privada, de modo que as interações deliberativas de cada cidadão podem ser expandidas, fornecendo-lhes uma ampla participação para efeitos de justificação democrática das razões adotadas no exercício da jurisdição constitucional.

Dessa forma, o modo como a Internet pode ser utilizada e com-preendida através do prisma das teorias da democracia deliberativa torna-se um tema filosófico importante. O presente artigo, portanto, é uma explicação teórica sobre as razões pelas quais a jurisdição cons-titucional deve ser aberta a participação dos argumentos que per-meiam as redes sociais, espaço deliberativo legítimo.

Notas

1 MENDES, Conrado Hübner . Controle de Constitucionalidade e Democracia. 1. ed. São Paulo e Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2007. 2 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro (estudos de teoria política). Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. 243.3 HABERMAS, Jürgen. Factididad y validez. Sobre el derecho y el Estado de-mocratic de derecho en terminus de teroia del discurso. Trad. Manuel Jimé-nez Redondo, Cuarta edición. 2005, p. 187.4 Idem, p. 187. 5 Idem, p. 172.6 HABERMAS, Jürgen. O espaço público 30 anos depois. Trad. Vera Lígia C. Westin e Lúcia Lamounier. Caderno de Filosofia e Ciências Humanas: a. VII, n. 12, abril, 1999b, p. 07-28.7 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.8 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 272-332. 9 Disponível em http://www.vocefiscal.org/.

oS direitoS políticoS doS AnAlfAbetoS: o cASo brASileiro e o pArAdigmA dA democrAciA liberAl

Alexander Augusto Isac BeltrãoGraduando em Direito pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil,

email: alexbeltrã[email protected].

Marcelo Sevaybricker MoreiraDoutor em Ciência Política e professor adjunto da UFLA, Brasil, email:

[email protected].

Este artigo tem como propósito avaliar a construção dos direitos políticos dos analfabetos no Brasil, a luz das diversas variantes de um importante modelo da teoria política contemporânea, a democra-cia liberal. Com a promulgação da Lei de Saraiva de 1881, ainda durante o Brasil Império (o que também estaria previsto na Consti-tuição da República de 1891), a exclusão dos direitos políticos por aspectos financeiros cedeu espaço a uma exclusão socioeducacional. Deve-se destacar que a participação eleitoral nesse período decaiu, quando comparada às décadas anteriores, dado que a imensa maioria da população nacional à época era analfabeta. A despeito das diver-sas reformas no sistema eleitoral brasileiro ao longo do século XX, essa barreira perduraria até a denominada “Constituição cidadã” de 1988, na qual os analfabetos conquistaram o direito facultativo de voto, mas ainda não o de elegibilidade. Porquanto, o debate sobre os direitos políticos dos analfabetos implica considerar igualmente diversos aspectos da teoria democrática, entre eles o da tecnicidade da política e o papel da participação popular. Argumentos contrários a essa última são facilmente identificáveis nos escritos de pensadores do elitismo democrático, tal como Joseph Schumpeter. No entender de tal corrente, a política consiste numa atividade que supõe uma competência técnica, devendo ser orientada, consequentemente, por poucos, educacionalmente capazes, sendo que a participação popu-lar é vista com desconfiança, por estar supostamente mais sujeita à

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irracionalidade e à manipulação demagógica. Contudo, esta corren-te pode ser confrontada com outra variante da democracia liberal, denominada de pluralismo democrático, representada por autores como John Stuart Mill e Robert Dahl, para os quais a própria par-ticipação popular assume um sentido positivo. Para o primeiro, a participação do indivíduo, além de garantir melhor os seus direitos, geraria o seu desenvolvimento, ao passo que a sua exclusão criaria uma situação de embotamento moral. Entretanto, é verdade que o próprio Mill propunha diferenciar os votos dos escolarizados dos não escolarizados, concedendo aos primeiros um peso maior. Dahl, por seu turno, assevera que quanto mais inclusivo é um regime político, mais poliárquico ele se torna, isto é, mais competitivo e mais respon-sivo perante a população. Um terceiro grupo de autores da demo-cracia liberal, a chamada teoria da escolha racional, fornece outros elementos para se pensar a relação entre racionalidade, informação e participação. Anthony Downs, por exemplo, assegura que participar implica sempre em assumir um ônus (em se informar, por exemplo), escolha esta que só é racional se os benefícios esperados da partici-pação superarem os seus custos. Racionalidade não deve, então, ser confundida com conhecimento. Percebe-se, portanto, que dentro da corrente da democracia liberal, como um todo, há variações para se pensar tanto a proibição do voto e da elegibilidade dos analfabetos, quanto a sua permissão, variações essas a serem exploradas critica-mente por esse trabalho. No caso brasileiro, é importante considerar que o direito à educação é assegurado pela atual Constituição, sendo um dever do Estado provê-lo a todos os cidadãos. Sendo assim, não há razão em punir com a inelegibilidade, aqueles que são analfabetos não por vontade, e sim por serem vítimas circunstanciais da não efe-tividade de políticas públicas consistentes. Além disso, cumpre dizer que os analfabetos são sujeitos de todos os direitos civis e sociais, sen-do considerados indivíduos plenamente capazes de discernimento, inclusive, tendo que cumprir com os deveres de quaisquer cidadãos. Logo, resta hoje como um resquício de nosso passado oligárquico a inegibilidade dos analfabetos. Como bem notou Wanderley Guilher-

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me dos Santos, em democracias contemporâneas, a grande disputa se dá em torno não de quem são os eleitores, mas em relação a quem são os elegíveis, o chamado eixo do “controle”. Sendo extremamen-te custoso retroceder e limitar o número dos que podem votar (em contextos em que tal direito já foi conquistado), a grande estratégia dos grupos que disputam o poder é restringir o número dos que po-dem ser votados. Como no mercado econômico, na disputa eleitoral, quanto menor o número de adversários, maior a chance de cada qual ser eleito. Nesse sentido, esclarece Santos, a democracia é a antípoda da oligarquia, assim como a livre concorrência o é do oligopólio. Ela deve ampliar ao máximo a competição não violenta pelo poder, institucionalizando a contestação pública e incluindo nela o maior número de indivíduos, o que, por sua vez, acarreta a valorização do voto de cada um, aumenta as possibilidades de escolha do cidadão e do seu controle sobre os governantes. Entretanto, passados quase vinte e sete anos da Constituição de 88 e de funcionamento regular da democracia no país, o debate sobre os direitos políticos dos anal-fabetos ainda não foi seriamente retomado.

democrAciA procedimentAl e eStAdo poiético: reflexõeS iniciAiS

Leonardo Antonacci Barone SantosGraduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

Bolsista de Iniciação Científica CNPq. Monitor de Teoria do Estado I. Contato: [email protected]

O objetivo deste ensaio é estabelecer uma interface entre o con-ceito e a organização do Estado Poiético, apresentado por Salgado1, e a concepção procedimentalista de democracia. Almeja-se, nesse passo, demonstrar como a democracia procedimental é uma face do Estado Poiético. Conclui-se assim, posto que as decisões não sejam mais toma-das pela substancia política, mas sim tomadas e validadas por meio de procedimentos que aparentam ter o melhor cálculo técnico para colher os votos e opiniões, estabelecendo o que seria justo e democrático.

Quanto ao adjetivo “poiético”, Aristóteles (Ética a Nicômaco, 1140a) diferencia o produzir (poiein) do agir (pratein). O primeiro é aquele agir humano para produzir um resultado e, portanto, aplicado so-bre as coisas. Nesse sentido, é a realidade que coordena a razão, de quem se torna serva. No poiein, a finalidade de produzir está fora de si mesmo.

Paralelamente, o agir (pratein) ou sabedoria prática, se relacio-na com a capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem. Atua, então, sobre o homem, sobre as pessoas. Não por menos, Aristóteles identifica essa capacidade com bons administradores de casas e Estados (1140 b).

Seguindo esta linha de raciocínio, Salgado nos dá os contornos do Estado Poiético. Esta categoria surge quando um grupo da sociedade civil domina a técnica através do econômico e, passo seguinte, quer adentrar o Estado para usá-lo como produtor de regras para as relações sociais e econômicas, sem responsabilidades com o ético ou o jurídico. Doravante, não é mais o político que toma as decisões. Um grupo de tecnocratas, sob aparente manto de cientificidade, pretensamente exerce a soberania “de acordo com os melhores critérios técnicos”. O que este grupo tecnocrata empreende é despolitizar a decisão pública

Teorias contemporâneas da Democracia • 405

em prol da técnica. A pouco e pouco, o Estado de Direito perde seu fim ético, qual seja o de consagrar direitos fundamentais. Salgado, pois, afirma que o Estado Democrático de Direito apresenta uma cisão: en-tre o ético, axiologicamente centrado na liberdade, igualdade e frater-nidade; e o poiético, com sua submissão ao fazer econômico.

Na democracia procedimental prevalece o entendimento de que o tramitar em procedimentos racionais pré-estabelecidos entrega à norma jurídica legitimidade, legalidade conforme o ordenamento, justiça e garante sua qualidade democrática. Os procedimentalistas puros, tais como Kelsen ou Schumpeter, conceituam a democracia como uma série de estruturas formais que atendem a premissa ma-joritária e, por isso, a ordem jurídica é democrática quando seu des-tinatário participa da formulação das normas, através dos processos.

Essa perspectiva procedimentalista, recorrendo ao liberalismo dos séculos XVIII e XIX, enxerga, através de uma lente atomística, uma sociedade pluralista onde inexiste uma ética material comunga-da pela comunidade que determine princípios morais e, por conse-guinte, o Estado deve adotar uma postura neutra em favor do subje-tivismo moral. O procedimentalismo é, então, alheio a substancia: se não há a necessidade de correção material das normas, valendo a se-paração entre moral e direito, então é valido o que for decidido pelo procedimento e todo conteúdo pode ser jurídico. Assim, o procedi-mento democrático se justifica como sendo o método para somar as distintas concepções éticas dos indivíduos e aferir a maioria de votos.

A interface entre o Estado poiético e a democracia procedimental, em suma, aparece quando se busca apenas a legitimidade formal, e não material, das decisões e quando a democracia se limita a participações pontuais no processo decisório. Os tecnocratas empossados no poder dominam os procedimentos a fim de garantir que cheguem a decisões favoráveis à sua “governabilidade”. As decisões tomadas, por mais que agridam direitos fundamentais ou a soberania (ou quaisquer princí-pios caros à democracia) podem ser validadas porque não há controle político das normas. Estas não são questionadas porque passaram pelo procedimento adequado e, só por isso, são justas e democráticas. Os

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critérios políticos que deveriam determinar o conteúdo das decisões em um Estado Ético são então substituídos por critérios técnicos, o Estado Poiético. Por fim, substitui o Estadista pelo Gerente.

O paradigma deve ser invertido. O Estado Poiético no mesmo passo que impede a consagração de novos direitos fundamentais, obstrui a efetivação dos já consagrados ao seu contragosto. Deve-se restituir o poder político ao povo e à soberania popular para que retomem o sentido do Estado Ético com decisões calcadas em crité-rios políticos que atendam os direitos fundamentais. Não queremos prescindir de procedimentos, mas submetê-los aos parâmetros da real democracia com fins éticos reunidos no centro axiológico do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade humana.

Notas

1 SALGADO, Joaquim Carlos. “O Estado Ético e o Estado Poiético.” Revista do Tribu-nal de Contas do Estado de Minas Gerais, abr./jun. de 1998: 37-68.

democrAciA e JuStiçA em hAnS kelSen: umA AbordAgem críticA do ideAl democrático nA teoriA

conStitucionAl contemporâneA e no brASil

Mariane Andréia Cardoso dos SantosMestranda e graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas

Gerais. Brasil. Contato Eletrônico: [email protected].

O presente trabalho tem como principal intuito realizar uma abordagem crítica do ideal democrático altamente difundido na atua-lidade, em duas perspectivas. Uma, referente às consequências da ide-alização da democracia como pressuposto absoluto de qualquer forma de Estado e fonte de direito considerados válidos ou, ainda, legítimos, a partir de uma tentativa de questionar, inclusive, os próprios conceitos de validade e legitimidade adotados no constitucionalismo moderno, como em Dworkin e Waldron. E outra, buscando traçar um panorama entre a abordagem crítica da ideia de democracia que se pretende de-senvolver e as perspectivas atuais da democracia no Brasil.

Segundo Hans Kelsen1, as revoluções burguesas de 1789 e 1848 quase transformaram o ideal democrático em lugar comum do pensa-mento político, tanto que aqueles que ousavam opor-se em qualquer medida à efetivação desse ideal, faziam-no com uma quase reverência cortês ao princípio fundamentalmente conhecido, ou, ao menos por trás de uma terminologia democrática. Justamente por isso, nos últimos decênios que antecederam as duas Guerras Mundiais, praticamente ne-nhum estadista importante ou pensador renomado ousou fazer qualquer confissão aberta e sincera em defesa da autocracia. De se notar, inclusive que, a despeito da luta de classes, crescente nesse período entre a burgue-sia e o proletariado, não existia oposição no que refere à forma de Estado.

Democracia foi então a palavra de ordem nos séculos XIX e XX e, passadas duas Guerras Mundiais em que foi duramente violada por parte das potências que polarizaram os conflitos, permanece, ainda hoje no século XXI, dominando quase universalmente os espíritos,

408 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

praticamente inatacável. Mas será que assim ela não acaba perdendo o sentido que lhe seria próprio? Afinal, uma democracia pressuposta que se impõe como obrigatória, inclusive como ideia, para cercear o discurso que nela se apresenta para criticá-la, para debatê-la, para pro-por (porque não?) alternativas à ela, ou, até mesmo, para questionar verdades tidas como absolutas, seria mesmo uma democracia de fato?

Esses são questionamentos que o presente trabalho buscará abordar, talvez não com a finalidade de apresentar respostas, mas sim dúvidas diante de afirmações que hoje se tenham por inquestionáveis.

Já a justiça, para Hans Kelsen2, em uma perspectiva coerente à sua posição eminentemente relativista, enquanto problema valorati-vo, situa-se fora da teoria do Direito, que se limita à análise do Direi-to Positivo, ou realidade jurídica posta. Segundo ele, a procura de um conceito geral de justiça é algo de que a ciência do direito não deve se ocupar. Após rigorosa análise das mais variadas teorias e normas de justiça, Kelsen conclui que não passam de teorias vazias porque necessitam pressupor uma ordem positiva que lhes dê conteúdo3.

Portanto, partindo da perspectiva de justiça kelseniana, preten-de-se restringir a possibilidade de construção de parâmetros de jus-tiça para além de uma ordem jurídica posta, inclusive para delimitar uma concepção de democracia.

Esse é o salto necessário para abordar especificamente a questão democrática no Brasil, que somente pode ser avaliada, na atualidade, sob o ponto de vista jurídico, à luz do que determina a Constituição da República de 1988. Não que se negue a possibilidade de apresentar propostas para alteração do atual panorama da democracia no Brasil, mas pretende-se retirar do discurso propositivo o caráter obrigatório, que ele tenta tomar das normas jurídicas, para situá-lo no seu espaço: o debate político. Assim, chega-se ao cerne da questão: atualmente, no Brasil, a democracia é o mecanismo que institucionaliza e permite o debate capaz de dar origem a alterações no ordenamento jurídico posto, que permanece incólume até que uma decisão válida emitida por um órgão competente (Parlamento, Corte Constitucional, Poder Executivo, a depender do caso) o modifique.

Teorias contemporâneas da Democracia • 409

Apesar de não ser fonte imediata de normas válidas o debate é fundamental para legitimar as decisões. Afinal, a força de uma ideia somente se prova diante de uma argumentação contrária forte, e não de argumentos fracos escolhidos por quem a sustenta.

Portanto, trazendo as conclusões acerca do ideal democrático que serão construídas em um primeiro momento no presente trabalho, pretende-se apontar os fundamentos que impedem o cerceamento do discurso no âmbito político pelo seu conteúdo, caso se pretenda sus-tentar a existência atual de uma democracia. Caso contrário, ter-se-á que reconhecer não só a existência de um modelo autocrático (ou ao menos de um discurso de defenda um), como deverão ser apontadas as fontes dos parâmetros de conteúdo que se pretende impor para cercear o discurso em Estado, então, pseudodemocrático de direito.

Notas

1 KELSEN, Hans. A democracia. Tradução: Vera Barkow, et. al. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 25.2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. XXVIII.3 MATOS, Andytias Soares de Moura Costa. Filosofia do Direito e Justiça na obra de Hans Kelsen. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 319.

conStrução e reconStrução normAtivA: A teoriA democráticA contemporâneA entre políticA e morAl nA

eScolA de frAnkfurt

Thiago Aguiar SimimMestrando em Direito na Faculdade de Direito da UFMG, Brasil.

E-mail: [email protected]

A teoria crítica se ocupou desde seu início com a questão do poder político e seus desdobramentos, seja no círculo interno, com Max Horkheimer, Theodor Adorno e Walter Benjamin, ou no círculo externo, com Michel Foucault. Mas é com Jürgen Habermas que a discussão sobre o poder político na democracia e no direito moderno adentra na teoria crítica e ultrapassa seus debates internos.

Habermas tem uma teoria política sobre a relação entre demo-cracia e Estado de direito de cunho procedimental. Na discussão sobre os paradigmas do direito, ele afirma que o paradigma liberal sofreria do problema de enxergar a manutenção da autonomia pri-vada através de direitos individuais burgueses e da idéia de liberdade negativa como garantia de participação na esfera pública. A concep-ção liberal de fundo é que sem obstáculos econômicos e político aos indivíduos, eles estariam livres para exercer também sua autonomia privada. O pressuposto do Estado Social seria que falhas e desigual-dades geradas pelo mercado que minam a igual participação no pro-cesso de formação da vontade democrática devem ser corrigidas pela intervenção estatal. Isso provocaria um reforço da tese de que a ga-rantia da autonomia privada é a condição da autonomia pública e resultaria ainda num déficit de legitimidade, pois as ações do Estado intervencionista minariam a autonomia pública dos cidadãos. Como solução histórica, Habermas afirma que a democracia procedimen-tal seria a resposta para esta relação tensa, pois, pelo procedimento democrático, os destinatários da lei são também emitentes dela. Ou seja, autonomias pública e privada seriam cooriginárias.

Teorias contemporâneas da Democracia • 411

A forma do direito moderno e seu embricamento estrutural com a democracia teriam o papel de transpor ao sistema a normatividade da ação comunicativa do mundo da vida, como forma também de resistência da pressão sistêmica.

Apesar de ter boa parte de sua obra realizada em debate com Habermas, Axel Honneth sofre a crítica de ter um déficit político pela ausência da teoria política sistematizada na sua obra. A teoria do re-conhecimento de Honneth ajudaria a explicar as razões até mesmo pré-linguísticas da desigualdade na participação do procedimento democrático, pela análise de patologias sociais, porém não seria capaz de contribuir a priori para a teoria política democrática. O método da reconstrução normativa é, para Honneth, a maneira de se analisar as instituições sociais – em um sentido amplo – que já são normati-zadas, pois possuem pretensões morais já dentro de sua estrutura e que podem ser sempre mais efetivadas. Poder político, neste caso não pode ser tratado como uma disputa vazia pelo poder, mas como uma disputa substancial e de conteúdo moral.

Rainer Forst parece concordar com esta relação, quando desen-volve uma teoria política com fundamento normativo forte em sua base. Ele realiza, no entanto, uma teoria construtivista com princípio ético de fundo do direito à justificação. Para ele, o direito à justificação é o primeiro direito político, uma vez que nasce com a necessidade de legitimar o exercício do poder de uns sobre outros. Assim como Ha-bermas, ele identifica este momento com o projeto da modernidade. O poder político deve estar justificado e esta justificação deve estar sujeito à crítica. De certa forma, esta é a explicitação do funcionamento inter-no da cooriginariedade entre autonomia pública e privada, para Forst.

A relação prática determina os contextos de justificação, o que significa que, prescindindo do contexto, não é possível se realizar a crítica dessas relações. Por isso, o construtivismo de Forst teria o mes-mo problema do de John Rawls: seu estofo empírico é amplo demais – a modernidade, o direito moderno e a experiência democrática oci-dental. Uma teoria puramente construtivista sofreria do problema de colocar critérios pouco profícuos para o enfrentamento de questões

412 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

concretas. Ao mesmo tempo, parece necessário se elaborar critérios de justificação do poder político na modernidade.

Não existe uma arquitetura institucional perfeita para a relação entre poderes, mas deve-se adentrar ao contexto para análise concre-ta. Um “bom” funcionamento tem relação com a “cultura política” e especificidades de um contexto, como é o exemplo da relação en-tre poderes na Suiça, Nova Zelândia e Alemanha. As desigualdades sociais ainda existentes precisam ser enfrentadas agora não mais no paradigma do Estado Social e sim no Estado democrático de direito.

A relação entre moral e política é uma boa alternativa para a crí-tica ao utilitarismo e, ao mesmo tempo, uma aproximação de teorias normativas às relações de poder. A defesa explicita neste trabalho, an-tes de ser uma defesa do modelo de democracia de Habermas e Forst, é de uma teoria crítica das instituições políticas, cuja possibilidade subsiste a partir de um critério imanente que possa universalizar, ou racionalizar, o que há de concreto nos contextos sociais.

vAriAçõeS democráticAS, emAncipAção de plurAlidAdeS

Agnelo Corrêa Vianna JúniorMestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de

Direito/UFMG – Brasil – [email protected].

Quando se fala democracia imediatamente se lembra da declaração de Lincoln “do governo do povo, pelo povo, para o povo”. Porém, quando se aprofunda no tema, estudando os principais teóricos, constata-se uma profusão de conceitos e características para falar do mesmo fenômeno.

Partem da conceituação histórica, mas divergem posteriormen-te. Entretanto, alguns elementos aparecem frequentemente, juntos ou não, como a livre manifestação de opiniões, representatividade, participação popular, eleições, princípio da maioria, sufrágio univer-sal, voto direto, entre outros. O que se leva a indagar como um siste-ma predominante apresenta-se, assim, com tantas versões.

A proposta do texto, com suas limitações, é analisar e comparar as algumas características de sistemas relevantes, com o objetivo de localizar convergências e divergências. Assim, pretende-se buscar for-mas de ação democrática capazes de emancipar a maior pluralidade possível de segmentos sociais excluídos.

Para tanto, serão estudadas as teorias de Habermas, de Bourdieu, de Chantal, de Honneth e de Rancière, sobre a idéia de democracia. Pois são representativas da diversidade de modelos, baseados, respectivamente, no consenso, no simbólico, no agnóstico, no reconhecimento e no dissenso.

A hipótese é que cada sistema surge como o mais adequado para a emancipação de um segmento específico de cidadãos ou para um conjunto de segmentos, conforme o contexto econômico, histórico, político e social em que estão inseridos.

Além de demonstrar que a imposição de um modelo único, in-dependente de suas características, inibirá a emancipação dos grupos que não se adequarem a essa metodologia.

414 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

Habermas trabalha um modelo procedimentalista, onde o di-reito atua como medium, o discurso racionalmente motivado leva a prevalência do melhor argumento, reconhecido pelos participantes. Alcança-se, assim, um consenso, evitando-se o agir estratégico em defesa de interesses pessoais.

Bourdieu trabalha a idéia de poder simbólico, aquele que domi-na sem ser percebido como imposição, por ser visto como natural. Portanto, os discursos são por ele moldado e limitado, através do habitus, do capital e do campo de ação a que pertencem. Impossibili-ta-se, assim, o consenso procedimentalista racionalmente motivado, pois inexiste racionalidade quando o argumento provém da posição simbólica de um campo de ação, forjada na tensão entre dominantes e dominados. A superação do poder simbólico é sua explicitação. Mas com cuidado para impedir que a emancipação transforme-se, por si mesma, em um novo poder simbólico.

Chantal trabalha a idéia de desmitificar o consenso, que consi-dera de difícil concretização, devido as diferenças de interesses entre as pessoas. Reconstrói a dicotomia schmittiana amigo/inimigo, sua-vizando-a para amigo/adversário.

Considera imprescindível, para o fortalecimento democrático, a instrumentalização da classe trabalhadora com habilidades para in-fluenciar a esfera cultural, econômica e social, além da política. Es-quece-se que, no interior de cada classe social também atua o poder simbólico entre dominantes e dominados.

Honneth identifica grupos sociais que foram historicamente ex-cluídos para que sejam reconhecidos ou visibilizados pelas suas lutas, perdas e reivindicações. E, dessa forma, recebam estímulos específi-cos para valorizar suas identidades.

O problema é que reconhecimento depende da ação de tercei-ros, em vez de representar uma conquista dos excluídos pela sua mo-bilização social. A emancipação legítima torna-se, assim, uma troca negociada, com um traço de subserviência implícita.

O reconhecimento é uma divisão do sensível imposta, mesmo quando baseada nas conquistas da modernidade. Pois a modernidade

Teorias contemporâneas da Democracia • 415

é uma criação européia, cristã e branca, que impõem ao reconhecido à incorporação da sua homogeneização e dos seus interesses.

Rancière considera que o consenso somente é possível entre iguais, entre os mesmos interesses, impedindo, assim, quaisquer res-quícios de pluralidade social. A partilha do sensível somente define a essência, variando sua formatação conforme a disputa de visibilidade social, de quem pode aparecer e falar.

Portanto, defende que somente existe democracia onde há dis-senso. O consenso é autoritário, uma concertação entre iguais ou parecidos, pois é improvável chegar a um acordo mínimo quando as partes pensam e agem de forma completamente diferente.

Conclui-se que os sistemas democráticos apresentados possuem suas qualidades e problemas em relação à viabilização da emancipa-ção social. Mas a própria emancipação também carrega em si mesma a pluralidade de anseios a serem satisfeitos, dependendo da posição contextual dos excluídos.

O denominador comum é a necessidade de expressar a identida-de, a individualidade, que deve ser respeitada igualitariamente, apesar da dessemelhança. Portanto, os Estados devem evitar o encaminha-mento monocórdio da manifestação da soberania popular, impon-do um único sistema democrático, pois, assim, torna-se incapaz de perceber a variabilidade da diversidade. A proposta é disponibilizar vários sistemas de acesso, concretizando, assim, a emancipação social de uma pluralidade maior de segmentos historicamente excluídos.

o conStitucionAliSmo democrático no pArAdigmA do eStAdo democrático de direito: ApontAmentoS AcercA dA

legitimidAde do direito A pArtir do princípio do diScurSo1

Adamo Dias AlvesDoutorando e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em

Direito da Faculdade de Direito da UFMG. Professor Assistente do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora campus Governador Valadares.

Benedito Silva De Almeida JuniorGraduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, bolsista

de Iniciação Científica.

O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre os elementos que distinguem o constitucionalismo democrático característico do paradigma do Estado Democrático de Direito das experiências pre-sentes no contexto histórico do Estado Liberal e do Estado Social. Parte-se da premissa de que, a partir da Modernidade, os pressu-postos fundamentais dos sistemas políticos e do Direito vêm sen-do constantemente questionados. O processo histórico contínuo de racionalização da sociedade ocidental impossibilitou que assertivas transcendentais pudessem ser utilizadas para justificar o exercício do poder e a existência das leis – isso porque a razão progressivamente substituiu a fé, sendo que a gradativa conquista de autonomia dos indivíduos também foi fator imprescindível para tal contexto his-tórico específico que reclamou a reconstrução das bases do Estado, agora sob as balizas da razão. A problemática, entretanto, é muito mais complexa do que se pode imaginar a priori: a partir do momen-to em que as estruturas do Ancien Régime, embasadas sobretudo na religião, foram corroídas, a função da integração social a qual essa se ocupava também precisava ser repensada – nesse sentido, a própria forma pela qual a sociedade estrutura-se e o substrato das relações sociais precisaram adequar-se a essa nova realidade que é marcada sobretudo pela conquista progressiva das liberdades individuais num

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 417

contexto de secularização da compreensão de mundo e de valorização da razão. É a partir disso que emerge o esforço teórico que aponta para as modernas ordens normativas democráticas: a fundamenta-ção da legitimidade do sistema político na “soberania do povo” e da lei enquanto “vontade geral da nação” dá uma resposta razoável aos clamores da sociedade moderna racionalizada e propicia o exercício da autonomia dos indivíduos (enquanto “governar-se a si mesmo”) – nesse sentido, as leis só são consideradas legítimas se possuírem aceitabilidade social, o reconhecimento intersubjetivo dos indivíduos em relação a esse ordenamento jurídico enquanto válido ou antes, a participação desses indivíduo na própria elaboração dos conteúdos normativos. Ora, a partir do momento em que os indivíduos “trazem para dentro” do Direito seus costumes, crenças e valores, por mais variados que sejam, estão ao mesmo tempo reafirmando-os perante toda a comunidade jurídica – e é principalmente por causa disso que o próprio Direito obteve grande preponderância em relação a outros sistemas no cumprimento da tarefa de promover a integração social e a estabilização das expectativas de comportamento. Entretanto, essa proposta de adoção do Direito como o principal mecanismo promo-vedor da coesão social não se manteve por muito tempo, pela adven-to do “desencantamento” das ciências jurídicas por obra das Ciências Sociais, sob o argumento de que estas são demasiado insuficientes para cumprir satisfatoriamente essa tarefa – e da mesma forma a di-ficuldade de cumprir a promessa acerca da legitimidade. E essas duas críticas, principalmente, minaram essas pretensões do Direito. Ocorre que esse “desencantamento” apenas fez acentuar esses problemas, prin-cipalmente ao longo de um forte processo de complexificação e plura-lização da sociedade: e é por causa disso que este artigo pretende redis-cutir o papel do Direito a partir desse contexto específico, levantando a hipótese pela qual este poderia assumir a função de mediador entre a facticidade dos sistemas sociais e o sistema do Direito – a tensão entre facticidade e validade. O esforço teórico empreendido nesse artigo é no sentido de, primeiramente, atestar-se na realidade esse problema da legitimidade (existente/não-existente), em todas as suas nuances, e

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posteriormente desenvolver uma discussão acerca da possibilidade de o Direito voltar a desempenhar essa função da integração social nos mol-des habermasianos, a partir do entendimento intersubjetivo que orien-ta as ações dos agentes inseridos em determinada comunidade jurídica.

Notas

1 Trabalho realizado com o apoio do Programa de Iniciação Científica BIC/UFJF, no qual o primeiro autor é orientador e o segundo autor é orientando.

AçõeS AfirmAtivAS e iguAldAde de oportunidAdeS: um conceito de JuStiçA pArA AtoreS SociAiS em diSputA

Priscila da Silva Barboza. Advogada, professora universitária (Unicuritiba), doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Brasil. [email protected].

As ações afirmativas tornaram-se uma política de Estado a partir da década de 60 nos Estados Unidos da América. Inicialmente fo-ram tratadas como medidas compensatórias a danos suportados por trabalhadores que sofriam alguma forma de discriminação. Posterior-mente, essa política assumiu dimensões redistributivas. Desde então, tem se difundido nos mais diversos países, ocasionando discussões em torno das noções de igualdade e diferença. Nesse contexto, tornou-se um dilema para o direito conciliar essas duas perspectivas, sempre em conflito, o que desafia a construção de um padrão de correção em torno de um conceito de justiça que englobe as complexidades ati-nentes à execução das ações afirmativas como uma política pública. Tanto é que, no país onde se originou, a Corte de Justiça questiona a viabilidade de sua aplicação, principalmente com relação à afirmação de minorias em função da cor da pele. Nesse contexto, pretende-se questionar nesse trabalho conceitos como igualdade de oportunida-des (noção cara às teorias filosóficas da justiça), bem como ponderar a respeito da forma como grupos em disputa conciliam (ou não) seus interesses por meio das ações afirmativas, estando em uma estrutura social bastante hierarquizada e desigual. Como conciliar tantos extre-mos? Acredita-se que a construção das ações afirmativas perpassa por considerações a respeito da construção histórica que os atores sociais realizam na esfera pública em torno de seus interesses sempre em dis-puta. Ora legitimando-se como grupo e, assim, requerendo medidas afirmativas em prol do que entendem como uma minoria. Ora pre-servando a sua necessidade de serem vistos como sujeitos detentores de direitos, ou seja, assumindo uma identidade para além do grupo.

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Que característica define determinado grupo e/ou indivíduo como legítimo para ter seus direitos viabilizados por uma política de ação afirmativa? Ao direito resta o desafio de transmutar esses anseios para um conceito de justiça que equalize perspectivas em disputa e consiga enquadrar em uma noção de igualdade formal tantos indi-víduos e/ou grupos.

JuStiçA políticA e lutA pelA dignidAde: explorAndo A políticA do reconhecimento de chArleS tAylor

Carlos David CarneiroMestre em Direito pela UERJ. Atualmente cursa programa de doutorado

na mesma instituição.

A conferência de Charles Taylor para a inauguração do Princeton University’s Center for Human Values em 1990, intitulada “A política do Reconhecimento” despertou desde sua publicação uma série de interpre-tações, críticas e controvérsias1. Hoje, mesmo depois de 20 anos, as ideias apresentadas por Taylor na ocasião continuam a despertar interesse e a orientar alguns dos mais importantes debates políticos de nossa época.

O que permite abordagens tão ricas quando diversas é justa-mente o fato de Taylor não só realizar uma leitura bastante ampla da tradição política que ele identifica com o as democracias liberais, quanto de suas fontes morais e possibilidades presentes. Neste artigo, pretendo revisitar “A Política do Reconhecimento”, analisando criti-camente alguns de seus principais pontos e explorando seus desdo-bramentos em aspectos que serão apresentados a seguir.

Em primeiro lugar, procurarei expor o conteúdo da conferência, reproduzindo os principais argumentos e pontos levantados por Taylor. Aqui procuro reconstruir a tensão apresentada por Taylor entre a política igual dignidade e a política da diferença, suas principais formulações e seu modo de lidar com a questão das identidades substanciais e a dife-rença no espaço público. Também reproduzo os argumentos de Taylor acerca da possibilidade de um novo liberalismo, o conceito de fusão de horizontes e a centralidade atribuída à política do reconhecimento.

Em seguida, proponho-me a fazer uma leitura crítica dos prin-cipais pontos levantados na conferência, enfatizando a reconstrução elaborada por Taylor da luta por igual dignidade nas sociedades con-temporâneas, sua crença na possibilidade de uma mediação racional de diferenças significativas no espaço público e, finalmente, sua pro-posta de um outro modelo de democracia, contraposta àquela que o fi-lósofo canadense chama de “democracia da república procedimental”.

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No que diz respeito à luta por igual dignidade, reconstruo os passos normativos abordados em Taylor, retomando o ensaio de Ber-ger no qual o autor se baseia para, em seguida, analisar a aparente contradição entre a assunção formal da dignidade ao nível das repre-sentações e as práticas concretas negadoras de dignidade, incrustrada no pano de fundo social das sociedades contemporâneas.

Em relação à capacidade de mediação racional das diferenças profundas no espaço público, procuro analisar criticamente o con-ceito tayloriano de “fusão de horizontes”, baseado na hermenêutica de Gadamer, e seu modelo de razão prática, perquirindo em que me-dida esses recursos podem ou não promover a possibilidade de um entendimento racional entre diferentes e seus possíveis perigos para a estabilidade e o entendimento democrático.

Finalmente, procuro, partindo da conferência acerca da “política do reconhecimento”, discutir em que medida a crítica de Taylor à de-mocracia procedimental é bem sucedida e em que medida o modelo alternativo proposto pelo autor oferece um ideal atraente de democra-cia. Aqui, procuro mobilizar outros textos de Taylor acerca da democra-cia, como “Democratic Exclusion and Its remedies”, “The Dynamics of Democratic Exclusion” e o ensaio mais conhecido do autor acerca do tema “Debate Liberais-Comunitários: propósitos entrelaçados”. Mais do que isso, procuro mostrar como a ideia de um auto-governo em Taylor procura ancorar-se na possibilidade de uma versão democrática ao tema Hegeliano da “eticidade”, presente em seu “Hegel and Modern Society”.

Meu objetivo, ao analisar esses pontos, é o de questionar em que medida o projeto de Taylor em “A Política do Reconhecimento” e outras obras, pode ser útil para se redimensionar os problemas políticos e jurí-dicos das sociedades contemporâneas em geral e do Brasil em particular.

Notas

1 Para uma visão geral das diversas abordagens do tema do “reconheci-mento”, bem como das principais críticas e interlocuções com texto de Taylor, ver MENDONÇA, Ricardo. A dimensão intersubjetiva da autorreali-zação: em defesa da teoria do reconhecimento. In: Revista brasileira de Ciências Sociais, vol.24, nº 70, PP.143-154, 2009.

eStAdo e locuS civiS verSuS oS fundAmentoS político-filoSófico do conStitucionAliSmo

Miguel Ivân Mendonça CarneiroMestre em Filosofia pela Universidade de Brasília, Mestre em Ciência da

Família e bacharel em Filosofia pela Universidade Católica de Salvador. Atualmente é professor de Teoria Geral do Estado no Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB). Brasil, [email protected].

O presente resumo visa investigar os fundamentos político-filo-sóficos do constitucionalismo, pois a vida em coletividade apresen-ta-se como inerente ao próprio ser humano, pois faz parte da natu-reza e existência humanas a necessidade pelo outro e do outro – na Política – o cidadão. A partir do século XX foi possível definir que a organização da vida pública em sociedade seria regida por documen-tos legislativos reunidos em Constituição. Nesse documento deveriam conter as diretrizes basilares do hipotético acordo das relações entre os homens, entre si e entre as instituições por ventura criadas por cada sociedade portadores de objetivos coletivos. Passou-se, então, o consenso de que a justiça seria viver em conformidade com as dire-trizes constitucionais. Esperava-se, também, que os conflitos ideoló-gicos, políticos, econômicos, religiosos fossem dirimidos a partir de cada singular Constituição, obrigando a sociedade a adotá-la, inva-riavelmente, como parâmetro de conduta moral e ética: o conjunto dos hábitos (Moral) para viver a Justiça (ideal do bem, Ética). Con-tudo, como sendo norma hipotética, a Constituição é insuficiente para transformar as ideias em atos. Julga-se ser esse o principal desafio para se fundar argumentos político-filosóficos, a saber: transpor para a Constituição o sentido de pertença do povo e não a mera dogmáti-ca jurídica do poder hegemônico ou mesmo de um “ideal particular” travestido em vontade geral. Nesse sentido, um dos principais desa-fios do constitucionalismo é responder à problemática: como se atin-gir uma sociedade justa e estável de cidadãos ao mesmo tempo ga-

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rantir-lhes liberdade e igualdade cívica? Enquanto Democracia, qual será a fronteira entre a força da minoria ou o poder da maioria? O que mantém uma sociedade unida? Se as crenças morais fundamen-tais, se as doutrinas religiosas, filosóficas e morais que subsistem ao longo do tempo em uma sociedade bem-ordenada já não conseguem manter o senso de justiça, qual deva ser o fundamento da sociedade justa? O que mantém uma sociedade unidade e justa? Para responder essas questões, vislumbra-se a teoria de John Rawls sobre a “ideia de razão pública revisitada” como a saída para a concórdia pública. Entende-se o Estado enquanto agente chancelador da vontade geral do povo (consciência coletiva). Depois da segunda metade do século XX, o ente estatal passa a ter governança no neoconstitucionalismo, que exige o retorno às questões de base do Direito e da Justiça, reco-nhecendo que a “a lei pela lei” já não asseguram o ideal de justiça e igualdade. Para tanto, analisar-se-á a sociedade (locus civis) enquanto espaço comum à todos os cidadãos, que deve ter prioridade porque antecede a própria criação do Estado, pois o monismo estatal já não se sustenta como porta-voz do justo. Urge o movimento inverso: é a consciência coletiva que forma e fornece os parâmetros do agir estatal elencados em constituição. O elo condutor entre Estado e sociedade é a própria ideia de bem comum que estão enfeixadas no agir do Di-reito (seja enquanto burocracia quanto hermenêtica) na consecução da igualdade, liberdade e dignidade humanas. Entende-se, portanto, que o Direito deva ser fruto da dialética do povo que compõe a so-ciedade. Trata-se, por fim, de configurar o Direito como o próprio pacto político público do viver em coletividade.

Será debatida a obra “O liberalismo político” onde Rawls analisa a concepção da política e da justiça, da sociedade como um sistema equitativo de cooperação. A pessoa política integra um espaço defi-nido como sociedade, por isso, John Rawls vai investigar quais são os pressupostos de uma “sociedade bem-ordenada” e os desafios das concepções abstrata nem de uma comunidade, nem de uma asso-ciação. A Segunda Conferência trata de “As faculdade dos cidadãos e sua representação”, onde o autor aborda o razoável e o racional, os

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 425

limites da capacidade de juízo e as doutrinas abrangentes razoáveis. Destaque especial vai para os itens “autonomia racional: artificial, não política”, “autonomia plena: política, não ética”. Conclui Rawls a Segunda Conferência analisando as bases da motivação moral e a psicologia moral: filosófica, não psicológica. Na Terceira Conferência ocupa-se do construtivismo político, notadamente o construtivismo moral kantiano porque “seu construtivismo é mais profundo e aden-tra na própria existência e na constituição da ordem de valores. Isso é parte de seu idealismo transcendental” (RAWLS, 2011, p. 118). John Rawls indagará se é possível o liberalismo político e como se relacionam entre si “concepção” e “doutrinas”, objeto de análise da Quarta Conferência que é finalizada pela defesa de que uma concep-ção política não necessita ser abrangente. Na Quinta Conferência, o autor dedica-se a analisar “A prioridade do justo e ideias do bem”.

Palavras-chave: Filosofia política. Constitucionalismo. John Rawls.

teoriA deScoloniAl doS direitoS fundAmentAiS e filoSofiA interculturAl doS direitoS humAnoS

Konstantin GerberAdvogado em São Paulo, mestre em filosofia do Direito e do Estado, com

a dissertação “Antropologia Jurídica e Direitos Humanos: o etnocentrismo, o relativismo cultural e os direitos sociais”, PUC SP, onde integra o Grupo de Pesquisas em Direitos Fundamentais e assiste nas disciplinas de direito

constitucional e historia constitucional na graduação. Email: [email protected].

Pretende-se discorrer em caráter literário sobre constitucionalis-mo, sua história, suas tendências, bem como sobre nossa jurisdição constitucional, de maneira descontraída dado haver manuais de direito constitucional ‘descomplicado’, ‘esquematizado’, ‘simplificado’, por-tanto já se faz hora de se editar um manual de direito constitucional esculhambado, pois nessa estória meus founding fathers são Zumbi, Chico Mendes, Frei Caneca, Luiz Gama, Cacique Tibiriçá, esse pri-meiro contratante, Plínio de Arruda Sampaio, Ulisses Guimarães e o Nelson Jobim, que incluiu serviços da dívida na CF. Se juristas da exceção tinham por objetivo ‘racionalizar a democracia’ e reformar o ordenamento jurídico nos moldes da ‘Revolução de 1964’, momento de se ‘viver a democracia’, ou de se ‘sentir a democracia’, remover o en-tulho autoritário com projetos de lei em favor da Revolução de 05 de outubro de 1988, ou como querem alguns, fazer a Revolução Caraíba, o que não deixa de sempre lançar perguntas sobre o conceito de demo-cracia, em tempos de ‘novo constitucionalismo latino-americano’ e o conceito de cultura política, no pós manifestações de junho.

Pretende-se revisitar a história do constitucionalismo brasileiro, ou mesmo sua pré-história em Dom João VI, pois ainda que tenha traços democráticos, seu perfil é oligárquico-liberal-conservador - e se apropriar do constitucionalismo proprietário dos Eua e França - para recontá-la, por meio de outras categorias, para além do que se nomina de constitucionalismo popular, constitucionalismo de trans-formação ou constitucionalismo como mito, mas advogar por um

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 427

constitucionalismo que se sente na pele, para além desse constitu-cionalismo de conservação, revisitar a origem do direito internacio-nal dos direitos humanos, o que pode nos lançar para a história do direito subjetivo e suas variadas classificações, em tempos em que se escreve sobre o fim dos direitos humanos.

Em realidade, se pretende percorrer novamente o tema dos direitos humanos e da filosofia intercultural, temas explorados em dissertação de mestrado, em que se procurou realizar uma carnavali-zação de saberes, para se aproximar do tema do relativismo cultural, com considerações sobre quilombos, terras indígenas, populações tradicionais, costumes proibidos, história da propriedade na América do Sul, com reflexão sobre o significado de direitos humanos, bem como sobre o que se debate atualmente na Filosofia do Direito: da estrutura medieval do pensamento à experiência religiosa ou amorosa do humano, da dimensão ética da visitação do outro, dos direitos humanos como acontecimento antropológico, ainda que não tenha havido pesquisa empírica para falar dos direitos humanos, de uma antropologia da violação dos direitos humanos.

O método é o surrealista, que ganha novo fôlego com o chama-do “pensamento descolonial e práticas acadêmicas dissidentes”, de modo a re-ler a teoria dos direitos fundamentais e re-pensar a histo-ricidade dos direitos humanos, o que fará com que perguntas sobre o poder constituinte se mantenham acesas.

críticAS de AmArtyA Sen à teoriA contrAtuAliStA de John rAWlS

Luíza Kitzmann KrugMestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

O presente trabalho avalia a adequação da maneira como Amar-tya Sen reconstrói a teoria da justiça como equidade de John Rawls, bem como se as críticas a ela apresentadas são pertinentes, especial-mente no que tange à substituição da ideia de bens primários, pre-sente no princípio da diferença, pela abordagem baseada nas capaci-tações, elemento central à ideia de justiça de Sen e principal ponto de inflexão entre a sua teoria e a de Rawls.

Na obra The Idea of Justice (2009), Amartya Sen desenvolve uma teoria da justiça que visa aprimorar a justiça e remover a injustiça, sem preocupar-se com a resolução de questões acerca da natureza de uma justiça perfeita. Diante disso, promove uma crítica à teoria da justiça de John Rawls, desenvolvida em obras como A Theory of Justice (1971) e Political Liberalism (1993). Segundo Sen, a teoria da justiça de Rawls funda-se em uma noção transcendental de justiça, inaugurada por Tho-mas Hobbes e desenvolvida com base na ideia de contrato social por autores como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant. Trata-se de uma busca por instituições perfeitamente justas.

Sen apresenta a ideia da equidade (fairness) como fundacional à teoria da justiça de Rawls, sendo, em sentido amplo, uma exigência por imparcialidade derivada da ideia de posição original (original po-sition), a qual é, por sua vez, uma situação imaginária de igualdade primordial. Sob o véu de ignorância (veil of ignorance), que também consiste em uma situação imaginária de ignorância dos indivíduos a respeito de sua identidade, interesses e concepções de vida boa, são escolhidos de forma unânime os dois princípios de justiça, deter-minando as instituições sociais básicas que governarão a sociedade criada pelos membros da posição original.

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 429

Sen considera que a justiça social é, em Rawls, um desdobrar em múltiplos estágios. Após a escolha, na posição original, dos princípios de justiça, no estágio constitucional são especificadas as instituições, levando em consideração as particularidades de cada sociedade. Já no estágio legislativo, o funcionamento dessas instituições leva a mais escolhas sociais. Essa sequência imaginada de movimentos levaria ao desenrolar de arranjos sociais perfeitamente justos.

Dentre as lições positivas da teoria da justiça de Rawls apontadas por Sen estão a centralidade da ideia de equidade, sua tese sobre a na-tureza da objetividade na razão prática, o destaque às duas faculdades morais (moral powers) – capacidade para um senso de justiça e para uma concepção de bem –, a priorização da liberdade, o enriquecimento da literatura sobre inequidade nas ciências sociais, a atenção dada aos menos favorecidos através do princípio da diferença e, finalmente, o reconheci-mento da importância da liberdade real de fazer o que bem se entende de sua vida implícito no enfoque dado por Rawls aos bens primários.

O caráter extremo da prioridade total da liberdade e as falhas do princípio da diferença são tratados por Sen como problemas que po-dem ser efetivamente enfrentados, sem que se torne necessário aban-donar a tese da justiça como equidade. Sen considera que Rawls falha ao julgar as oportunidades das pessoas através dos meios que possuem, sem levar em conta a variação na habilidade de converterem bens pri-mários em boas condições de vida. Como solução, Sen propõe uma abordagem baseada na análise das capacitações (capabilities).

Sen aponta ainda outras objeções à teoria de Rawls, indican-do que necessitam de análise mais aprofundada. Rawls falha ao não associar a operação dos princípios de justiça a uma análise do com-portamento real dos indivíduos, essencial para o desenvolvimento de uma teoria da justiça, limitando-se a destacar a necessidade de um comportamento razoável por parte deles. A segunda objeção consiste nas alternativas à abordagem baseada na ideia de contrato social, em especial a ideia do espectador imparcial (impartial spectator) de Adam Smith, que é visto por Sen como uma alternativa para embasar a aná-lise da justiça nas demandas da equidade. A terceira objeção consiste

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na relevância das perspectivas globais para a análise da justiça em uma dada sociedade, fator que Sen vê negligenciado na teoria de Rawls.

Em Politial Liberalism, Rawls responde à objeção de Sen a respeito da lista de bens primários tomando como base a ideia de que, tendo to-dos a capacidade de serem membros normais e cooperativos da socieda-de ao longo de toda a vida, quando os princípios de justiça são satisfeitos, nenhuma das variações entre os cidadãos apontadas por Sen são injustas.

Ante o exposto, este trabalho sustenta que a teoria da justiça como equidade de Rawls é compatível com a análise baseada nas capacitações proposta pela ideia de justiça de Sen. Conclui, ainda, que o cerne da teoria de Rawls sobrevive às críticas apresentadas pelo economista indiano, sendo possível compatibilizar-se o projeto de uma justiça transcendental com a análise de problemas sociais reais enfrentados pelas sociedades contemporâneas.

em defeSA dA democrAciA deliberAtivA: umA poSSível reSpoStA de cArloS SAntiAgo nino

àS críticAS feitAS por Jeremy WAldron

José Arthur Castillo de MacedoEstudante de graduação - e-mail: [email protected]

O presente trabalho apresenta uma resposta às críticas de Je-remy Waldron à concepção de democracia deliberativa defendida por Carlos Santiago Nino. Apesar de quase desconhecido no deba-te acadêmico ou constitucional no Brasil, Nino foi um importante constitucionalista argentino que faleceu prematuramente em 1993. Como intelectual e ativista dos direitos humanos teve um papel fun-damental na redemocratização da Argentina, pois foi o assessor do presidente Raul Alfosin para temas ligados aos direitos humanos. Quando esteve próximo ao poder, Nino pode experimentar na prá-tica, as ideias de um liberalismo igualitário que já vinha defendendo na academia. Seu papel foi fundamental para que os generais da di-tadura argentina fossem levados à julgamento. Contudo, o presente trabalho centrará a atenção em outro aspecto da obra de Nino: a sua defensa de uma democracia deliberativa, a partir de sua críti-ca aos fundamentos jurídico, políticos e filosóficos às democracias e constituições latino-americanas, realizada especialmente nas obras “Fundamentos de Direito Constitucional” e “A Constituição da de-mocracia deliberativa”, esta publicada após a sua morte. A partir de uma sofisticada construção que leva em consideração os aspectos his-tóricos, os princípios morais e a dimensão política da legitimidade, Nino defende uma “Constituição da democracia deliberativa” a qual permitiria que fosse construída uma democracia mais justa, legítima, mas que conseguisse reconstruir de forma adequada os melhores as-pectos da tradição constitucional de determinado país (a chamada metáfora da catedral). Dialogando com Rawls e Habermas, Nino sustenta a sua defesa de uma concepção deliberativa de democracia

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que conciliaria a concepção que os dois autores possuem de virtuoso e consistiria em um ganho naquilo que eles têm de deficiente. É por isso que Nino defende, diferente de Rawls e Habermas, que a de-mocracia possui um valor epistêmico, pois as decisões democráticas possuem uma tendência a imparcialidade, a qual é reforçada em uma democracia deliberativa, na qual todos podem apresentar e debater as razões que justifiquem as suas posições. Todavia, segundo Nino, para que haja esse valor epistêmico da democracia é indispensável um ar-ranjo institucional que o promova. Em um seminário realizado após a morte de Nino para discutir a obra “A Constituição da democracia deliberativa”, Jeremy Waldron crítica a concepção deliberativa defen-dida por Nino. Em primeiro lugar ele sustenta que é problemática a relação entre deliberação e votação, de um lado, e, de outro, entre deliberação e pluralismo. Waldron faz uma breve e – parcialmente – equivocada reconstrução da teoria de Nino para sustentar, em cinco pontos a sua teoria majoritária da democracia. Baseado na noção de “desacordo razoável” sobre questões de justiça e autoridade, Waldron desenvolve uma visão majoritarista da política, a qual, segundo ele, é mais adequada para compreender o funcionamento da deliberação das Cortes, e, também, seria mais adequada para a compreensão da forma adequada para lidar com o pluralismo, o que, segundo ele, se-ria um problema na teoria de Nino. O presente texto procura respon-der estas objeções feitas por Waldron a partir do caráter epistêmico que pode ter uma democracia deliberativa e do arranjo institucional que ela pressupôs e que Waldron ignora.

o conStitucionAliSmo moderno frente AoS dilemAS morAiS

Victor Cristiano da Silva MaiaAluno do 3º período de graduação do curso de direito da Universidade

Federal de Lavras (UFLA) – MG – Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]

O presente trabalho tem o intuito de analisar os pressupostos político-filosóficos do constitucionalismo moderno que retoma a categoria do “dever-ser”, e, portanto, uma interpretação do direito através de elementos axiológicos ou ético-valorativos. Esse movimen-to tem sua base no pensamento “pós-positivista” ou “não-positivista” (como preferem chamar alguns autores). O movimento positivista científico do final do século XIX tinha como característica principal a total rejeição à metafísica. Essa ideologia das ciências, que visava reduzir as ciências da cultura ao modelo das ciências naturais, tem como característica fundamental a sua avaloratividade, isto é, a dis-tinção entre juízos de fato e juízos de valor, excluindo estes últimos do campo científico. Negava-se importância à filosofia dos valores, por se entender que, a axiologia, por definição, subjetiva, não poderia de modo algum pretender uma objetividade reservada à ciência empíri-ca, que deveria, por sua vez, versar sobre fatos. As consequências da perspectiva positivista aplicada ao direito levaram a refletir sobre a possibilidade – e, talvez, a necessidade – da retomada da validade de uma interpretação valorativa das normas. A partir da segunda metade do século XX – período pós-guerra –, há o surgimento do pensamen-to “pós-positivista” que se propõe como superação do positivismo, porém, não necessariamente sua negação, retomando, as ideias de justiça e equidade promovendo uma reaproximação entre ética e di-reito. Tal reaproximação fica evidente quando estivermos diante de um caso complexo, isto é, de um caso que advogue uma instância de ordem superior, ou, simplesmente, de ordem diferente - por exem-plo, e não por acaso - quando estivermos diante dilemas morais. Ro-nald Dworkin um dos maiores representantes do pensamento “pós-

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-positivista”, nos oferece um arcabouço argumentativo para debater tais problemas. O aborto, conforme Ronald Dworkin significa matar deliberadamente um embrião humano em formação, e a eutanásia, por sua vez, significa matar alguém por razões de benevolência. Am-bos os casos, porém, compartilham um aspecto em comum, qual seja, há uma escolha pela morte. Tais discussões perpassem os tem-pos, porém, sem alcançarem uma conclusão definitiva. O principal problema diante de tais questões gira em torno do valor atribuído à vida. Para alguns uma vida digna é aquela na qual podemos alcançar nossas realizações. Nesse sentido uma pessoa em estado terminal que sofre de uma doença incurável e padece de dores terríveis não seria mais dotada de dignidade, pois o paciente não poderia desfrutar de mais nenhum prazer e deveria conviver ainda com a aflição contínua da dor; para outros a vida é tida como sagrada, possui um valor em si, intrínseco e inviolável, e que, por esse motivo, não temos a possibili-dade de decidir sobre como e quando ela deve começar ou terminar. Diante disso, cabe a nós nos perguntarmos: a lei deveria permitir que os médicos suprimissem a vida dos pacientes terminais que, por esta-rem sofrendo dores terríveis, pedem para morrer? Na mesma esteira do problema da eutanásia segue também o problema do aborto. Para a maioria das pessoas o aborto não passa de uma questão moral e me-tafísica que envolve o problema de identificar quando a vida começa. Influenciados fortemente pela corrente tomista, temos aqueles que consideram o embrião como sendo uma criança, tanto quanto uma semente já é uma árvore; por outro lado, a corrente natalista conside-ra como o início da vida somente a vida extrauterina, quando o bebê é então capaz de sobreviver independentemente da mãe. A ideia de que a vida é sagrada e inviolável é o ponto central para as discussões que dizem respeito aos dois extremos dela, seja em relação ao aborto ou a eutanásia. Sendo assim, pretende-se analisar, as premissas de Ronald Dworkin para tentarmos encontrar a forma com que o Es-tado deveria lidar com tais dilemas morais. Questões abstratas como estas expressam a importância dos princípios no ordenamento jurí-dico-constitucional. Quando não encontramos uma solução pré-de-

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finida no ordenamento, faz-se necessário uma interpretação do texto constitucional através dos aparatos hermenêuticos. Essas discussões cujo conteúdo envolve relação aos direitos e garantias fundamentais como a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à liberdade, bem como o fato de que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, entre outras, exigem um novo olhar para o texto constitucional a fim de fazer com que se tornem efetivos os ideais de justiça e equidade.

Palavras-chave: Constitucionalismo moderno; Ronald Dworkin; Dilema morais.

umA AnáliSe Sobre AlgumAS dAS bASeS filoSóficAS e políticAS do proceSSo de (re)dimenSionAmento globAl e

intergerAcionAl do direito conStitucionAl

Juliana Guedes MartinsMestre em Direito –Instituições Jurídicas e Políticas- UFSC. Doutoranda

em Direito Público na Universidade de Coimbra

O presente trabalho busca identificar aspectos das matrizes filo-sóficas e políticas dos princípios da Sustentabilidade/Intergeraciona-lidade a partir do reconhecimento de que tais princípios constituem um dos eixos legitimadores centrais do fenômeno jurídico e políti-co denominado Transconstitucionalismo/Interconstitucionalismo e operam no Século XXI o “passo além” do papel que cumpriu e ainda cumpre o “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” no Século XX. O fim da Segunda Guerra Mundial constitui o marco histórico que conduz ao “turning point” do Direito Constitucional que o des-loca do Positivismo Jurídico para o Pós-positivismo Jurídico, quan-do ocorre a chamada virada Kantiana do significado de Soberania, momento no qual o sujeito nacional passa a ser o protagonista das preocupações estatais, segundo Kant a única e verdadeira razão de Es-tado é a defesa do individuo, ocorre então a abertura das Soberanias estatais a um sistema normativo internacional, cujo pilar principal é constituído pela Dignidade da Pessoa Humana. Em tal processo podemos situar como, um dos marcos o texto “Cinco Minutos de Fi-losofia do Direito” de Gustav Radbruch, que após a Segunda Guerra Mundial, escrito como manifesto dirigido aos alunos da Universida-de de Heildelberg onde afirma: “Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas”. A força jurídica central e condicionante do Direito Constitucional passa a ser Dignidade da Pessoa Humana, cujo status é de núcleo fun-damental, inicialmente através da Declaração Universal de Direitos

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Humanos e na seqüência densifica-se na via do constitucionalismo contemporâneo a kantiana idéia de humanidade como um fim em si mesma. O Século XXI é marcado pelo imperativo categórico de uma ética universalista dos Direitos Humanos e pela amplitude global e temporal da questão ambiental e econômica, cada vez mais, marcada pela repercussão que as decisões políticas locais são capazes de gerar no ambiente global. O “novo Imperativo categórico” de Hans Jonas, cuja proposta é a ética da responsabilidade, constitui a matriz filosófi-ca do Princípio da Sustentabilidade/Intergeracionalidade e confere o suporte filosófico original do conceito de sustentabilidade, que eclo-de no Relatório da ONU sobre meio ambiente global denominado “ Nosso Futuro Comum” e pauta-se na comensuração da dimensão global e intergeracional das ações humanas, pressupostos inerentes ao próprio conceito de Desenvolvimento Sustentável que na atualidade ocupa centralidade não somente de ordem ambiental, mas também econômica, política e social. Tal discurso permeado por princípios axiológicos, e estabelecedores de tal redimensionamento do horizon-te dos valores para uma ordem cosmopolita, global e intergeracional implicam no reconhecimento de uma identidade do indivíduo como cidadão do mundo, inserido como responsável em uma realidade que só faz sentido na dimensão de comunidade compartilhada pela hu-manidade. Juridicamente é sobretudo nas Constituições que tal siste-ma valorativo cristaliza os Direitos Humanos e a Questão Ambiental, situando a ótica do Estado Nação em uma Nova

Ordem Jurídica Tal realidade jurídica instalada pelas Constitui-ções confere “Força Normativa”(HESSE) ímpar e até então inédi-ta aos Direitos Fundamentais, consagra-se na engenharia política e jurídica do Estado Democrático de Direito, cuja tônica decorre da marcada tensão entre Democracia e Direitos Fundamentais, no qual o protagonismo intepretativo desloca-se do interprete privilegiado e autorizado (KELSEN) para o cidadão que compõe a chamada so-ciedade aberta de interpretes (PETER HABERLE) e assume o pa-pel não mais apenas de destinatário de direitos mas de co-autor do sistema jurídico na medida em que intepreta e os reinvidica através

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das vias políticas e jurídicas. Identifica-se aqui, que tal processo de re-novação e redimensionamento das pautas ocorre principalmente com a ascensão hegemônica dos EUA e com a emergência do fenômeno da institucionalização desta mundialização. O processo em questão é operado, principalmente através de Organizações Internacionais sen-do que a introjeção e o reconhecimento destes novos conceitos (p.e. sustentabilidade) efetua-se pela ciência e pela mídia. (LUHMANN). A dignidade da pessoa humana _ argumento nuclear na gramática compartilhada da interjusfundamentalidade _ constitui um fator indis-pensável no exame de legitimidade das conexões entre as instituições jurídicas e políticas que compõe a nova rede de instâncias processuais interjurisdicionais. A sociedade cada vez mais complexa e heterogênea possui como último cimento social a gramática compartilhada dos Direitos Fundamentais (HABERMAS). O Estado Democrático de Direito constitui suporte apto a conciliar tal renovação estrutural de ordem prática com a gramática axiológica e vinculativa dos Princípios Constitucionais. Tal processo de (re) significação deflagra e possibilita um processo permanente de (re)construção de sentidos e significados gerados pela Sociedade Aberta de Intérpretes, a partir da carga axio-lógica compartilhada e constitucionalmente positivada dos Direitos Fundamentais, que no Século XXI encontram-se redimensionados nas perspectivas espaço (global) e tempo (intergeracional).

fundAmentoS filoSóficoS do direito à vidA em John finniS

Dilson Cavalcanti Batista NetoDoutorando em Filosofia do Direito e Teoria do Estado na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Professor do UNASP (Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus

Engenheiro Coelho). E-mail: [email protected] e [email protected].

John Finnis é um dos mais relevantes propagadores na atualidade do Jusnaturalismo. Em sua principal obra, Natural Law and Natural Rights (2011c), busca contrapor críticos (geralmente positivistas, como H. L. A. Hart) que negam que a validade jurídica de uma norma de-penda de qualidades substancialmente morais. A principal crítica que Finnis propõe sobre o pensamento de Hart (2009, p. 270-271) é que uma teoria do direito não deve simplesmente levar em consideração uma perspectiva interna (daquele que aceita o direito enquanto válido), mas a teoria deve assumir a visão desta perspectiva porque os indiví-duos que se encontram no jogo de conceitos do direito acreditam que normas válidas geram obrigações morais (BIX, 2010, p. 217-218).

Procura fundar sua teoria não num conceito de divindade, mas em bens autoevidentes: Vida, Conhecimento, Jogo, Experiência Esté-tica, Sociabilidade (Amizade), Razoabilidade Prática e Religião. (FIN-NIS, 2011c, p. 81-99). Cada um destes bens é universal e eles condu-zem todas as sociedades humanas, em todos os tempos. Possuem valor intrínseco, não sendo meio para atingir outros valores. Não se confun-dem com valores morais, mas os antecedem. A moral e os princípios de direito natural resultam da combinação de tais bens com os requisitos de razoabilidade prática. (WACKS, 2006, p. 14-18).

Apesar de não ter escrito uma obra exclusiva sobre o direito à vida, John Finnis possui um trabalho substancial sobre o tema no qual faz uma contribuição que combina conhecimento jurídico e fi-losófico (KEOWN, 2013, p. 305) que se expõe, resumidamente e de forma exemplificativa, a seguir.

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No artigo Justice for Mother and Child (FINNIS, 2011a, p. 307-314), afirma que qualquer tipo de experimentação ou observação que é susceptível de pôr em perigo o embrião é injustificável a menos que os procedimentos sejam destinados a beneficiar os próprios embriões. Sobre a fertilização in vitro, Finnis escreve no artigo CS Lewis and the Test-Tube Babies (FINNIS, 2011a, p. 273-281) que a existência humana não se inicia por conta de um ato de união conjugal, ou de qualquer fator social que dê significado ao “bebê no tubo”, que a vida começa no ponto culminante do processo de fertilização, quan-do se possui uma constituição genética e integração orgânica. Estes elementos mínimos são ratificados no escrito When Most People Begin (FINNIS, 2011b 287-292), quando reitera a importância do reconhe-cimento do elemento mínimo – zigoto composto de 46 cromossomos – como elemento de início da história do humano. Críticos desta visão, como Ronald Dworkin (2009), advogam o não status legal do feto ao afirmarem que a legislação antiaborto deve existir não para protegê-los, mas para garantir, entre outras coisas, a saúde da mãe.

Em relação à discussão sobre o fim da vida, Finnis critica, p. ex., os defensores da eutanásia, ao afirmar que não se trata de um ato privado puramente. Aceitar isso seria comparável a aceitar um acordo para vender a si mesmo como escravo. Além disso, argumenta contra a ideia de proteção à autonomia do sujeito que se submete à eutanásia, pois estaria acometido, em certo grau, de algum tipo de enfermidade ou doença. No artigo Brain Death and Peter Singer (FINNIS, 2011b, p. 302-312), aponta insuficiências na ideia de que a vida de seres humanos em estado de coma irreversível não possui valor intrínseco. Trata-se de uma alternativa ao conceito operacional de vida sustentado por Peter Singer (2011, p. 155-190).

Por fugir de padrões vazios de argumentação comumente pre-sentes em debates sobre direito à vida, é que a contribuição de John Finnis merece atenção.

Referências

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DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades indi-viduais. Jeferson Luiz Camargo (trad). São Paulo: Martins Fontes, 2009.

FINNIS, John. Human Rights and Common Good. Oxford: Oxford University Press, 2011a. (Collected Essays Vol. III)

______. Intention and Identity. Oxford: Oxford University Press, 2011b. (Collected Essays Vol. II)

______. Natural Law and Natural Rights. 2ª ed. Oxford: Oxford Uni-versity Press, 2011c.

HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Antônio de Oliveira Sette-Câ-mara (trad). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

KEOWN, John. A New Father for The Law and Ethics of Medicine. In KE-OWN, John; GEORGE, Robert P. Reason, Morality and Law: The Philosophy of John Finnis. Oxford: Oxford University Press, 2013.

SINGER, Peter. Pratical Ethics. 3ª ed. Cambrigde: Cambridge Univer-sity Press, 2011.

WACKS, Raymond. Philosophy of Law: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2006.

novoS direitoS: AporteS A pArtir dA filoSofiA dA libertAção lAtino-AmericAnA

Ana Paula de Oliveira Mazoni Vanzela PaivaMestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba,

Brasil). Email: [email protected].

O objetivo a ser perseguido consiste na análise da consecução dos novos direitos elaborado pelo filósofo argentino Enrique Dussel, através de sua fundamentação ética, buscando suas raízes de pensa-mento no conceito de dominação engendrado na expressão de ser do povo latino-americano, caminhando, na ocasião em que reconstrói o paradigma ético vigente através do método analítico, para uma ética mundial enquanto fundamento para a justiça, na medida em que destrói as éticas contemporâneas em crise e concretiza novos direitos fundamentais a partir da libertação do oprimido. Filosofia da liberta-ção, dentro de uma análise paradigmática da própria filosofia, se ca-racteriza pela corrente de pensamento que rechaça o eurocentrismo, a partir da descolonização do ser, saber e viver (entre outros aspectos), e tem como ponto de partida e chegada a vida negada (para cria-la, reproduzi-la e desenvolvê-la), do outro enquanto Outro, pensado a partir de uma exterioridade que, de forma contra hegemônica, se liberta da totalidade totalizada. A função do filósofo, via de conse-quência, é ser servidor do Outro, comprometido com uma práxis de libertação. Enrique Dussel propõe uma ética da libertação fundada em uma utopia possível, qual seja a consideração do outro não apenas enquanto igual (o Mesmo rechaçado junto a uma totalidade coloni-zada), mas, sobretudo, enquanto diferente, em busca da passagem do dever ser para o dever viver. Ou seja, negando-se a negatividade da vida das vítimas (ainda que não intencionais) e tendo esse raciocínio como ponto de partida, seu projeto ético visa a opção pelos pobres e oprimidos a partir da realidade da América Latina e do resgate de sua identidade. Neste sentido, as concepções de justiça da epistemologia

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do norte (que se contrapõem a uma epistemologia do sul), pautadas por uma errônea ideia de justiça que parte da centralidade da Europa no sistema-mundo, são, na verdade, perpetuadoras de injustiças. Seu verdadeiro conceito parte, então, da periferia deste sistema-mundo, e, após a constatação de tais negatividades presentes na vida dos opri-midos (do latino-americano, negro, pobre, homossexual, mulher, entre outros), nega a negação, logrando afirmar outro modo de pro-dução, reprodução e desenvolvimento de vida. Importante conside-rar que seu conceito de Outro se caracteriza como o condicionante anterior de toda e qualquer comunicação, do excluído da condição de partícipe da argumentação, não obstante afetado pelas decisões tomadas, sendo a vítima não intencional do sistema (que nunca será perfeito), o não-falante e não-ser (que ontologicamente é o nada). Não é o diferente da razão, mas a razão do outro, distante da realida-de hegemônica, eurocêntrica, machista, autoritária e fetichizada (sob essa perspectiva, Enrique Dussel parte da problemática da indissolu-bilidade do outro ao sistema a que pertence, enquanto dificuldade de enxergar outro homem e não apenas outra engrenagem do sistema). Considera que o paradigma da linguagem, orientado por Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas não é suficiente para abarcar as necessida-des da América Latina, que se encontraram por tanto tempo eivadas por uma filosofia europeia e norte-americana e que, exatamente por isso, não se encontram com possibilidades reais de resolução de seus conflitos pertinentes. A esse fenômeno de colonização do ser e sa-ber dá-se o nome de eurocentrismo, fundado na falsa ideia de que o conceito de modernidade, enquanto emancipação, se dá por um esforço da razão a partir de processo crítico que tem na Europa o germe criador e fundamentador da sociedade moderna– como se os eventos ocorridos no interior da Europa fossem a força motriz de desenvolvimento da modernidade. Ou seja, desde a negação da ori-gem da modernidade, engendra uma ética material (na medida em que informa ser insuficiente uma ética formal), com vista a ter na justiça o atendimento do pobre e excluído. A conceito de justiça para a filosofia da libertação, perpassa a compreensão de homem como

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supra-stância com poder-ser e práxis (enquanto modo de ser do ho-mem no mundo) e, considerando a infinidade de caminhos possíveis a serem tomados por este homem assim considerado, escolhe valores pensados na ética dusseliana através das categorias supracitadas (eró-tica, família, pedagógica e política). A consecução de novos direitos passa, portanto, pela consciência de ser latino-americano, bem como pela análise de seus momentos éticos que buscam novos consensos (a partir de conflitos, também institucionalizados), com vistas à tornam hegemônicas práticas então contra hegemônicas, tendo como ponto norteador a produção, reprodução e desenvolvimento da vida, proje-to transmoderno de libertação latino-americana.

reviSitAndo A JuSfiloSofiA de kelSen e Seu conStitucionAliSmo

Daniel Nunes PereiraDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito

e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas (PPGSD/UFF), Mestre em Ciência Política (PPGCP/UFF), Bacharel em Direito (UFF). Especialista CPE em

História Europeia (U.U.-Utrecht). Professor I-RTI do Curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida. Professor Adjunto (Direito Público) da

Faculdade de Direito de Valença. Brasil. Contato: [email protected].

Patrick de Almeida SaiggGraduando em Direito – Universidade Veiga de Almeida – Campus Tijuca

– RJ. Brasil. Monitor da disciplina “Introdução à Ciência do Direito”. Membro participante do programa institucional de Iniciação Científica – PIC/UVA.

Contato: [email protected].

O presente artigo visa desfazer alguns entreveros na interpreta-ção da obra de Hans Kelsen, desconstruir o mito de um positivismo exegeta inexistente na jusfilosofia do mestre de Viena. Especifica-mente, a premência de uma Jurisdição Constitucional, a partir da te-oria Kelseneana necessita de subsídios filosóficos de grande amplitu-de temática e elaborada complexidade, que constantemente não são adequadamente descritos ou interpretados. A argumentação consti-tucional do autor deriva de constructos filosóficos próprios, coeren-tes entre si, nos quais jazem os arcabouços epistemológicos próprios.

Kelsen lidou com a Crise Antropológica da Vienna Fin-De-Siècle, momento e locus de crítica e indagação sobre as formas tradicionais de se pensar o homem e o mundo decorrentes de um descrédito exis-tencial estabelecido pela desilusão com os projetos liberal e Iluminista (SCHORSKE, 1981: 181). A compreensão deste momento histórico é condição necessária para crítica cética à imanência do objeto intelectual a ser estudado (ADORNO, 1988: 207). Ou seja, a teoria kelseneana é construída a partir de uma Weltanschauung específica fundada na Cri-se Antropológica da Mitteleuropa. Ao contrário da mitificação de um positivismo autoritário, o autor estudado em sua acepção político-ju-

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rídica de Constitucionalismo migrou do Monarquismo à fundação da República Austríaca, sempre pela senda da socialdemocracia, nunca a dialogar com o obscurantismo que geraria a “experiência” Dollfuß (Ste-nographische Protokolle, 1918-1919: 32-33 apud LAGI, 2012: 276).

O desiderato de Kelsen concernente a Estado, Democracia e Direito, depende de uma Ontologia específica, paradoxalmente, uma negação metafísica de qualquer crença ontológica última. Na teo-ria de Kelsen, em última análise, há duas formas político-jurídico antagônicas entre si: absolutismo filosófico e relativismo filosófico (KELSEN, 2000: 161), ao contrário da caricatura de um totalitaris-mo exegético por vezes esboçada.

A Antropologia Política de Kelsen é eclética Ao tratar da questão antropológica do poder Kelsen atenta a três importantes categorias da Te-oria Política: Renúncia (FREUD, 2010a: 50, 86), Autoridade (BURKE, 1823: 106) e Contrato Social Parricida (FREUD, 2010b: 18, 23, 24).

Outro tema importante no constitucionalismo de Kelsen é o Estado, proposto em termos jurídicos e ontológicos, enquanto fenô-meno e também enquanto personalidade distinta dos indivíduos que representasse determinada comunidade enquanto ordem jurídica na-cional, autônomo de ordenações jurídicas internacionais (KELSEN, 1990: 188). Assim é que seu Constitucionalismo parte de algumas críticas e também concordâncias às Teorias do Estado de Weber e Jellinek (MOTTA, 2011: 10), concluindo que o “Estado é a sua or-dem jurídica” (KELSEN, 1990: 185).

Ao contrário do mito de um Kelsen “totalitário” seus escritos que tratam de Estado e Constituição evidenciam um defensor de ideais democráticos e dialógicos, crítico direto de Schmitt, Smend e Forsthoff (SOSA WAGNER, 2008: 84). O formalismo metodológi-co de significava a intensa luta pela Democracia material e pelo Di-reito como meio e não fim para consecução dos ideais de emancipa-ção humana. O Estado Constititucional e Democrático para Kelsen imprescinde de dialogia, razão crítica e Regra da Maioria em respeito à minoria como em Tocqueville (KELSEN, 1990: 283).

Para Kelsen, portanto, o Direito é conceituado como “Sistema de Regras”, cuja principal característica é a positividade lógica, se

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opondo ao Direito entendido como justiça, caracterizado por posi-ção valorativa (KELSEN, 2003a: 18), é um meio para a Democracia material e não um fim em si mesmo. A revisitação ora proposta evi-dencia Kelsen como um campeão do Constitucionalismo Democrá-tico, ao contrário da caricatura esboçada pela dogmática dita crítica.

Referências Bibliográficas:

ABÉLÈS, Marc “Anthropologie de l’État”. París: Armand Colin. 1990

ADORNO, Theodor, “Teoria Estética”. Lisboa: Edições 70, 1988

BURKE, Edmund. “Réflexions Sur La Révolutions de France”. Lyon: Egron. 1823

FREUD, Sigmund. “L’Avenir D’une Illusion”. Paris: Presses Universitaires de France / Quadrige: 2010b.

_______ .“O Mal Estar na Civilização – Obras Completas Vol. 18”. São Paulo: Com-panhia das Letras. 2010a.

KELSEN, Hans. “A Democracia”. 2ª ed., São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.

_________. “O Estado como Integração”. São Paulo: Martins Fontes. 2003b.

_________. “Teoria geral do direito e do Estado”. São Paulo: Martins Fontes. 1990.

_________. “Teoria Pura do Direito”. São Paulo: Martins Fontes. 2003a.

LAGI, Sara. “Hans Kelsen and the Austrian Constitutional Court (1918-1929)”. In. Co-herencia vol.9 Nº.16. Medellín. 2012.

MOTTA, Luiz. “Direito, estado e poder: poulantzas e o seu confronto com Kelsen”. In. Revista de Sociologia e Politica. vol.19 no. 38. Curitiba. Fevereiro. 2011.

SCHORSKE, Carl E. “Fin-de-Siécle Vienna”. Vintage Book Edition. Nova Iorque: Vintage Books. 1981.

SOSA WAGNER, Francisco. “Carl Schmitt y Ernst Forsthoff: Coincidencias y Confi-dencias”. Madrid: Marcial Pons Ediciones Juridicas y Sociales S/A. 2008.

contribuição dA experiênciA literáriA pArA A neutrAlidAde liberAl

Bruno Anunciação RochaMestrando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Brasil.

E-mail: [email protected].

Galvão RabeloMestrando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Brasil.

E-mail: [email protected].

As teorias políticas liberais formam uma tradição plural. Entre-tanto, todas elas possuem um núcleo comum, especialmente aquelas de matriz kantiana, que garante certa coesão a essa corrente de pensa-mento: todas elas trabalham com as ideias de autonomia e concepções individuais de bem (CASQUETTE, 2001).

Partindo dessas duas ideias principais, as teorias liberais procu-ram formular modelos de Estado cujo objetivo central é propiciar aos cidadãos condições para agir com base em suas próprias convicções sobre aquilo que tem valor intrínseco na vida. Para tanto, a autori-dade política não pode determinar que fins as pessoas devem se em-penhar em realizar, supondo que haja uma doutrina universalmente verdadeira sobre o que constitui a vida boa, à qual todos os membros da comunidade política devem se conformar (VITA, 2013). Assim, as funções do modelo de Estado liberal se restringem à garantia dos direitos básicos dos indivíduos, relacionados à possibilidade de bus-car a vida boa, segundo suas próprias concepções sobre o bem.

Para cumprir essa função, o Estado deve assumir uma postu-ra neutra diante da pluralidade de visões de vida boa. A autoridade política deve se abster de valorar os méritos relativos às diferentes concepções de bem, limitando-se a avaliar se a conduta humana se adequa à autonomia das outras pessoas: o Estado deve regular apenas os aspectos externos da ação, valendo-se do Direito para tanto.

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 449

Embora o ideal de neutralidade tenha sido acolhido na matriz do Estado Democrático de Direito, a demanda pelo reconhecimento da importância das concepções de vida boa para a realização humana aparentemente o coloca em xeque. Contudo, esse problema adquire outro contorno quando se considera a neutralidade não como uma postura de tolerância pela indiferença, mas uma postura de tolerância pelo reconhecimento do outro e da importância do direito que cada um tem de perseguir seus objetivos de vida e realizar sua existência segundo valores que lhe são peculiares.

Além de garantir a liberdade negativa, que se refere à não-inter-ferência nos direitos e liberdades fundamentais, é preciso fomentar a autonomia política dos indivíduos, tornando-os cidadãos capazes de argumentar politicamente a partir de argumentos razoáveis, dos quais estão excluídos aqueles que se baseiam exclusivamente em con-cepções morais ou religiosas, cujos conflitos são insolúveis. Tal auto-nomia só é possível quando se reconhece o outro como um ser hu-mano igual, cuja existência é permeada também por medos e desejos guiados por concepções de vida boa. Para isso, a experiência literária pode contribuir significativamente.

Segundo Martha Nussbaum, a literatura possui relevante papel a exercer na esfera pública como instrumento para a formação de cidadãos comprometidos com o bem-estar alheio. Isso é possível por-que a experiência da leitura de romances, em razão da forma como o discurso se desenvolve, é capaz de ativar a imaginação literária do leitor e provocar nele a identificação empática com a sorte das perso-nagens (NUSSBAUM, 1997).

A peculiaridade da contribuição da literatura para o reconheci-mento do outro situa-se precisamente na formação de um elo emo-cional entre o leitor e as personagens envolvidas na trama. A imagi-nação literária possibilita que o leitor “sinta” o que significa estar na situação de outra pessoa, levando-o a compreender de modo mais abrangente o sentido de diversas escolhas valorativas.

A neutralidade pode ser melhor compreendida pela ótica do “espectador judicioso”, a saber, daquele que, embora se relacione

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emocionalmente com as personagens, assumindo em grande parte suas emoções, situa-se numa posição de espectador – e não de ator – em relação aos acontecimentos. Por não estar pessoalmente envol-vido, pode razoavelmente avaliar os sentimentos suscitados e eleger boas emoções como subsídios para as razões que fundamentam deci-sões na esfera pública (NUSSBAUM, 1997).

A neutralidade não implica exclusão absoluta das convicções morais ou religiosas do discurso político; ela apenas limita o uso des-sas convicções, rejeitando-as como fundamento exclusivo das nor-mas pertinentes à estrutura básica da sociedade, que devem ser fun-damentadas em razões e valores políticos que todos poderiam, em princípio, aceitar (VITA, 2013). É desejável que os cidadãos de uma sociedade democrática realmente internalizem as razões e valores po-líticos necessários para a convivência pacífica entre as diversas doutri-nas abrangentes do bem. Nesse ponto, acredita-se que a experiência literária pode ser útil, pois ajuda a desenvolver cidadãos democráticos capazes de reconhecer o outro em sua plenitude, e não apenas agir com indiferença em relação a ele.

Referências bibliográficas

CASQUETTE, Jesús. Liberalismo, cultura y neutralidad estatal. Signos Filosóficos, Iztapalapa v. III, n. 6, p. 59-83, 2001.

NUSSBAUM, Martha. Justicia Poetica: la imaginación literaria y la vida pública. Barcelona: Editorial Andrés Bello, 1997. 183p.

VITA, Álvaro de. Sociedade democrática e tolerância liberal. Novos estud. – CEBRAP, São Paulo, n. 84, p. 61-81, 2009.

Palavras-chave: Liberalismo; Neutralidade; Direito e Literatura.

A legitimidAde democráticA do controle de conStitucionAlidAde à luz dA teoriA de John rAWlS

Mariana Oliveira de SáBacharelanda em Direito da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo.

Monitora das disciplinas Teoria Geral do Direito e Direito Civil da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo. Estagiária do Ministério Público de Minas Gerais.

Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito- CONPEDI. E-mail: [email protected].

A democracia constitucional é um sistema político, cuja as ins-tituições submetidas ao império do Direito, possuem um arcabou-ço material e existencial, que atua procedimental e funcionalmente através da soberania popular. É nesse contexto que o presente estudo possui como objetivo demonstrar a necessidade do controle de cons-titucionalidade seguir parâmetros concernentes a uma legitimidade democrática, ou seja, ser a expressão das concepções de justiça dos detentores do poder político, o povo. Isso é o que expõe John Rawls em sua obra Political Liberalism (1993), que tem como fio condu-tor a ideia de razão pública, ou seja, o exercício do poder político através de deliberação de questões fundamentais. Para o desenvolvi-mento da pesquisa, utilizou-se como metodologia análise bibliográ-fica das principais obras do autor, como seus conceitos elementares, bem como um estudo das ações apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede do controle de constitucionalidade. O objetivo cen-tral de Rawls é dar vazão ao pensamento que revela a possibilidade de possuir uma base de justificação razoável no que diz respeito às principais questões políticas fundamentais de uma sociedade. Rawls busca traçar o procedimento para alcançar decisões justas, tendo como cerne a ideia de razão pública, que é a razão de um povo de-mocrático. A razão pública aplica-se especialmente a uma Corte Su-prema ao realizar o controle de constitucionalidade de suas leis e atos normativos, pois é a ela que especifica quais são os princípios que devem ser adotados para a fundamentação das decisões do Estado,

452 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política

para que elas passem por um crivo democrático. A ideia de razão pública propõe um modo de caracterizar a estrutura e o conteúdo das bases fundamentais da sociedade que seja apropriado a deliberações políticas, e se aplica somente a questões que envolvem os elementos constitucionais essenciais e questões de justiça básica. Os elementos constitucionais abarcam os direitos e liberdades políticas, que podem ser incluídos em uma Constituição escrita, supondo que a mesma possa ser interpretada por uma corte suprema, ao passo que ques-tões de justiça básica, envolvem questões de justiça social, econômica e outras matérias que não são abarcadas por uma Constituição. É assim, que, a ideia de razão pública, com todo o seu arcabouço, se aplica de forma especial ao Judiciário, e, sobretudo, a uma Supre-ma Corte. Ao realizar o controle de constitucionalidade, para que o mesmo seja revestido de legitimidade democrática, deve os magis-trados fundamentar sua decisão de acordo com o conteúdo da razão pública, que é determinado pelos princípios e valores das concep-ções políticas de justiça, que devem ser completas, expressando prin-cípios, padrões e ideais junto com diretrizes de investigação, para que os valores por ela explicitados ofereçam uma resposta razoável às questões que envolvem elementos constitucionais essenciais e ma-térias de justiça básica. É nesse contexto que a proposta rawlsiana se demonstra de suma relevância para que haja uma democratização do controle de constitucionalidade. A democracia para Rawls, consiste em um exercício de deliberação, e ao analisar questões de justiça básica e elementos constitucionais essenciais a Suprema Corte deve possibilitar uma abertura institucional apta a prover a participação da sociedade civil para apresentar os valores e princípios que expressam as diretrizes dos sujeitos constitucionais. Para tanto, é necessário me-canismos que possibilitem uma abertura institucional apta a propor-cionar um diálogo entre os entes institucionalizados e os atores civis. O Supremo Tribunal Federal utiliza como ferramenta para possibili-tar a participação popular as audiências públicas, cuja principal fun-ção é possibilitar o exercício do poder político consagrado constitu-cionalmente como um direito de todo cidadão, sendo portanto, uma

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 453

garantia fundamental que deve ser efetivada pelo Estado. A audiência pública tem o condão de conferir uma legitimidade democrática às decisões proferidas pela Corte. Porém, este trabalho alcançou resul-tados no sentido de verificar que, no Brasil, as audiências públicas ainda não estão aptas a proporcionar uma legitimidade democrática nas decisões de controle de constitucionalidade, seja porque o núme-ro de participação dos cidadãos não é elevado, a educação cívica se apresenta defasada, e não há publicidade suficiente nem um estímulo para a participação nas mesmas. É sob esta perspectiva que se apresenta a proposta deliberativa de Rawls. Com ela tem-se o fortalecimento dos fóruns públicos para a constituição do direito, da política, e, assim, da própria sociedade. O modelo de deliberação pública rawlsiana, baseada na ideia de razão pública, permite com que os valores e princípios dos detentores do poder político cheguem até os responsáveis por emitir a decisão referente ao controle de constitucionalidade, e assim, garante que a interpretação da Constituição seja de acordo com a expressão da soberania popular, e assim, dotada de legitimidade democrática.

Palavras-chave: Legitimidade; Democracia; Controle de Constitu-cionalidade; Audiências Públicas; John Rawls.

poder conStituinte e fundAção contínuA em hAnnAh Arendt

Ana Paula Repolês TorresDoutora em Filosofia pela FAFICH/UFMG; Graduada e Mestre em

Direito pela FD/UFMG. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, lotada na Escola Judicial. Brasil. E-mail: [email protected].

A partir da concepção do poder como sinônimo de liberdade em Hannah Arendt, buscamos refletir sobre o conceito de poder consti-tuinte, o que nos leva a superar a identificação do poder constituinte originário como mero fato, como um poder ilimitado e desvinculado de qualquer parâmetro normativo. Isso não significa dizer que não exista regime jurídico instaurado com base na mera violência, mas sim que tal regime é antes um sistema de mando e de sujeição, de go-vernantes e governados, do que um verdadeiro regime democrático.

Ressalte-se que não estamos negando a distinção entre poder cons-tituinte e poderes constituídos, ou entre poder constituinte originário e derivado. O que pretendemos é superar a tópica do mítico e heroico fundador, e até mesmo a noção de que a fundação é realizada unicamen-te por uma Convenção ou Assembleia Constituinte Originária ou de Reforma, pois com Arendt sabemos que a fundação de uma comunidade política e jurídica não pode ser compreendida exclusivamente pela noção de fabricação, requerendo também a presença da ação política, a qual im-plica transcendência do momento inaugural e engajamento constante.

Para tanto, cabe voltarmos às origens do pensamento político oci-dental, analisando a substituição da praxis pela poièsis, isto é, da ação política pelo governo no pensamento de Platão. O que vemos aparecer então é a figura do Rei Filósofo, daquele que “sabe” e que por isso está apto a governar, a ditar leis aos súditos, aos quais resta apenas “executar” o que lhes foi determinado. O conceito de ação política em Arendt, por sua vez, permite-nos não separar o “saber-fazer” e o “executar”, pois am-bos fazem parte do agir no espaço público. Assim, tanto os novos inícios

Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 455

quanto a realização concreta dos empreendimentos são dimensões da ação política, a qual é necessariamente uma ação plural, já que não so-mos capazes de governar soberanamente a nós mesmos e a outros.

Ocorre que, de forma semelhante a esta substituição da ação política pela fabricação, existe uma tendência moderna, não obstante ser muito questionada atualmente, de considerar a Constituição ape-nas como uma lei positivada, como uma obra pronta e acabada, que foi fabricada em determinado momento histórico por alguns poucos cidadãos, os “sábios” legisladores.

Questionamos, portanto, o papel dos “constituintes” e a redu-ção do direito e da política aos experts, o que nos leva a pensar numa reatualização contínua do poder constituinte, pois somos todos au-tores/intérpretes das normas constitucionais. A questão é que, se não podemos negar que a Constituição em termos formais é uma aqui-sição evolutiva da modernidade, como nos diz Niklas Luhmann, a simples elaboração de um documento constitucional escrito não nos garante que exista efetivamente uma igualdade na diferença.

Com Arendt, podemos pensar então em um poder constituinte permanente sem ser permanente, haja vista que há algo instransponível que é responsável pela própria natureza constituinte do poder. Defen-demos então a existência de princípios intrínsecos à fundação, os quais delimitariam o próprio poder constituinte originário, o que significa dizer que estamos assumindo que para nos constituirmos como uma comunidade político-jurídica de homens e mulheres livres e iguais em deveres e direitos, há um pressuposto que é imprescindível, qual seja, o respeito à diferença, que não haja um consenso excludente, em ou-tras palavras, estamos afirmando, com Arendt, e em oposição a Carl Schmitt, que a violência e a soberania não constituem uma democra-cia constitucional. Em suma, perguntamos: se cada vez mais se torna explícita a relação constitutiva entre constitucionalismo e democracia, não teríamos que rever nosso conceito dogmático de poder constituin-te, caracterizando o mesmo necessariamente como poder legítimo e não mais apenas como a assunção fática do poder?

o Supremo tribunAl federAl e A utilizAção dA hermenêuticA conStitucionAl como meio pArA o Seu

emponderAmento nA ArenA políticA

Paulo Alkmin Costa JúniorMestre em Direito Administrativo - UFMG, Doutorando em Ciência

Política – UFMG, Brasil, [email protected]

O presente trabalho tem como objetivo contribuir para o conjun-to de pesquisas acerca do papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal – STF – na arena política, em especial nos momentos em que o mesmo opera como Corte Constitucional. A intenção é estudar o fenô-meno por meio da promoção de um maior diálogo entre duas diferentes tradições acadêmicas: aquela oriunda dos teóricos do constitucionalismo nos cursos de Direito, e outra orientada a partir da Ciência Política.

Trata-se de um diálogo proveitoso e, fundamentalmente, necessá-rio. Na Ciência Política, porém, nem sempre os seus trabalhos têm pri-mado pela correta mobilização de um arcabouço teórico suficientemente atento para com aspectos relevantes do sistema jurídico, os quais impac-tam diretamente as análises feitas sobre o Poder Judiciário (prejudicando, assim, a capacidade preditiva de algumas das variáveis explicativas utiliza-das porque se omitiu alguma variável dependente importante, ou porque há problemas de multicolinearidade ignorados). Com isto, os trabalhos na área acabam tendo muitas vezes um tom excessivamente descritivo; mesmo quando se busca a produção de inferências causais, esta nem sempre acaba precedida deste necessário esforço reflexivo, tornando-as, por vezes, passíveis de críticas substantivas quanto à capacidade de as variáveis dependentes mobilizadas realmente demonstrarem sua conexão causal com os fenômenos objeto de atenção da academia.

Um exemplo do que ora se afirma é a baixa atenção dada pela academia para um tema candente no debate constitucionalista: a grande importância que os operadores do Direito conferem a uma hermenêutica constitucional valorativa dos princípios insertos na

O Direito Constitucional e a Política • 457

Constituição, com destacado uso de técnicas de ponderação de valo-res constitucionalmente inscritos, ainda que eventualmente em detri-mento de regras que também detém estatura constitucional.

Não se objetiva com este trabalho travar o debate acerca da legi-timidade democrática desta espécie de hermenêutica constitucional, abordagem esta mais próxima da Filosofia do Direito ou da Filoso-fia Política. Trata-se, na verdade, de partir da constatação inegável de que esta chave interpretativa aumenta singularmente o campo de discricionariedade dos magistrados na tomada de suas decisões. O mesmo se diga da conhecida crítica de respeitáveis constitucionalistas quanto déficit de diálogo e coerência do STF com seus precedentes, assim como da crítica aos problemas existentes no enfrentamento adequado do ônus argumentativo de suas decisões.

Dito de outro modo, o objetivo é aprofundar a perspectiva teórica, própria da Ciência Política, segundo a qual o papel do STF como veto player no processo político decorre de reconhecidas razões de natureza institucional (afinal, o desenho deste arranjo empreendido pelo cons-tituinte originário de 1988 realmente importa) e dos incentivos para a ação que uma Corte detém em um regime de presidencialismo de coa-lizão, no qual se reduzam os riscos de retaliação dos demais poderes. A nossa contribuição passa por trazer para a agenda de pesquisas na área a perspectiva de que a postura ativista da Corte, especialmente após o Go-verno Lula, encontrou nesta referida chave hermenêutica principiológica um poderoso instrumento que serviu objetivamente para aumentar o grau de interferência dos Ministros no processo político brasileiro, con-ferindo-lhe uma centralidade que seu desenho institucional inicialmente não permitiria supor. Trata-se de propor, no Brasil, uma abordagem pró-pria da clássica asserção da ciência política norte-americana, pela qual os juízes buscam maximinizar suas preferências no processo decisório, mas atuam constrangidos pelo que se espera que eles façam e também pelo marco legal/institucional no qual se inserem.

Por fim, convém ressalvar que o trabalho também parte do pres-suposto de que o termo que se convencionou denominar “ativismo judicial”, ainda que sabidamente não designe um conceito unívoco,

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será mobilizado para nos referirmos apenas ao exercício do judicial re-view que possa caracterizar uma extrapolação da competência assegu-rada a uma Corte Constitucional para interpretar a Constituição, em prejuízo do delicado sistema de checks and balances que demarca a re-lação do Poder Judiciário com o Executivo e o Legislativo; não tratare-mos do ativismo judicial que é entendido como o exercício do judicial review nos limites da potencialidade normativa da Constituição.

Palavras-chave: Judiciário – Brasil - STF – ativismo - judicial – her-menêutica – constitucional – princípios – institucional.

A inSurreição do “conStitucionAliSmo político” Sobre o “legAl”: por que o proceSSo legiSlAtivo pátrio (AindA) é

viSto com deSconfiAnçA?

Matheus Henrique dos Santos da EscossiaGraduando da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES). Bolsista de

Iniciação Científica da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES). Membro do Grupo de Pesquisa Hermenêutica e Jurisdição Constitucional da Faculdade de

Direito de Vitória (FDV-ES). Brasil. Email: [email protected]

O estudo do direito nas últimas décadas tem sido sinônimo de levar a sério o que a jurisprudência diz. O apego à lei sucumbiu ao entendimento dos Tribunais, bem como se passou a ter uma percepção de que os textos normativos só seriam direito após essas instituições dizerem que o fossem. Inevitavelmente, esse “preconceito” quanto à legislação foi um dos fatores que pavimentou o caminho pela predile-ção de um modelo de supremacia judicial. (WALDRON, 2003, p. 2)

Em meio a essa ojeriza, a Teoria da Constituição se mostrou fértil em articular uma série de justificações em prol do “constitucionalismo jurídico”, a fim de demonstrar que seria preferível a “última palavra da Corte” sobre questões constitucionais. (MENDES, 2011, p. 68-88)

No entanto, apesar da suposta hegemonia das teorias adeptas por um modelo de supremacia judicial, observa-se o alinhamen-to de inúmeros autores ao chamado “constitucionalismo político” (BELLAMY, 2010, p. 23). Essa corrente formula uma proposta de que as questões constitucionais seriam melhores desenvolvidas no seio de um processo democrático, ao invés de serem entregues para as Cortes decidirem. Em que pese as variadas percepções sobre esse fenômeno, diversos autores se inclinam nessa defesa, tais como Jür-gen Habermas (2010, p. 266), Robert Dahl (2012, p. 298), Jeremy Waldron (2003, p. 3) e o próprio Richard Bellamy.

O denominador comum entre esses autores repousa na ideia de que o processo legislativo não seria secundário quanto à legislação.

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Ao contrário, a defesa por um processo democrático como o melhor mecanismo para potencializar os direitos constitucionais passa pela noção de que a legislação não é fruto do acaso, mas sim um dos prin-cipais espaços de deliberação.

Nesse contexto, cumpre fazer a leitura do processo legislativo brasileiro a partir dos fundamentos do “constitucionalismo político”. E poderiam ser apontados quatro entraves, numa perspectiva insti-tucional, que ainda impedem enxergar os procedimentos legislativos como sinônimos de constitucionalismo e democracia: i) a manuten-ção do voto de liderança; ii) o poder deliberante das comissões (as leis comissionais); iii) o poder normativo do Executivo; iv) o controle judicial do processo legislativo.

Esses entraves contribuem para esclarecer as dificuldades de se enxergar no Brasil o processo legislativo como “processo de justifi-cação democrática do direito” (CATTONI, 2006, p. 141), além de sugerirem que o “constitucionalismo legal” seria o mais adequado para a realidade constitucional brasileira.

Referências

BELLAMY, Richard. Constitucionalismo Político: Una defensa republi-cana de la constitucionalidad de la democracia. Trad. Jorge Urdanóz Ganuza y Santiago Gallego Aldaz. Madrid, Barcelona, Buenos Aires: Marcial Pons, 2010.

CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. 2. ed. Belo Horizon-te: Mandamentos, 2006

DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. Trad. Patrícia de Freitas Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: sobre el derecho y e Estado democrático de derecho em términos de teoria del discurso. Trad. Ma-nuel Jiménez Redondo. 6. ed. Madrid: Editorial Trotta. 2010.

O Direito Constitucional e a Política • 461

MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Po-deres e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.

WALDRON, Jeremy. A Dignidade da Legislação. Trad. Luís Carlos Bor-ges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Notas

1 Este texto repercute parcialmente as pesquisas e discussões desenvolvi-das no Grupo de Pesquisa Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Constitucio-nal no Programa de Pós Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES).

princípio dA proporcionAlidAde e controle de conStitucionAlidAde

Lucas Costa GonçalvesGraduando da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de

Fora (UFJF), Brasil, [email protected].

O presente trabalho tratará do princípio da proporcionalidade como instrumento necessário ao controle de constitucionalidade, por fornecer critérios objetivos e racionais para a solução dos conflitos principiológicos. Há de se ressaltar que o método a ser adotado é o da inferência, a partir da pesquisa bibliográfica realizada, de modo que se busque demonstrar, a parir dos conceitos e reflexões apresentados, a correta fundamentação da tese proposta.

O princípio da proporcionalidade, com suas três máximas de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, con-siste em critério interpretativo que objetiva a implementação, no maior grau possível, de normas principiológicas colidentes. Diante de um paradigma pós-positivista do Direito, o postulado da pro-porcionalidade encontra a sua justificação na própria estrutura das normas principiológicas, como afirma Robert Alexy. Tais normas, por admitirem concreção gradual, necessitam de um juízo de pon-deração, tendo em vista a sua otimização em face das possibilidades jurídicas, e juízos de adequação e necessidade, considerando a sua otimização em relação às possibilidade fáticas.

O controle de constitucionalidade, entendido como conjunto de procedimentos pelos quais se afere a eventual inconstitucionali-dade de uma norma, lida necessariamente com a dimensão princi-piológica das normas, por ter o dever de garantir a compatibilidade das leis com as normas de Direitos Fundamentais. Deste modo, o princípio da proporcionalidade se demonstra instrumento essencial ao controle de constitucionalidade das leis, por se constituir como instrumento de solução de colisão principiológica indispensável à aferição da compatibilidade entre princípios antagônicos, de modo

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que se busque a máxima efetivação dos direitos fundamentais. Isso se verifica de modo mais acentuado em relação às leis restritivas de di-reitos fundamentais, nas quais temos claramente uma oposição legal ao âmbito de proteção de determinado direito fundamental.

Assim, ao verificar a correção da norma, seja em sua análise abs-trata ou na sua aplicação no caso concreto, o controle de constitu-cionalidade cumpre a função de garantia dos direitos fundamentais, atuando, consequentemente, como instrumento do poder Judiciário para o enfrentamento de eventuais abusos cometidos pelo poder Le-gislativo, quando na edição de lei. Aqui, podemos ver claramente os Direitos Fundamentais, a serem defendidos pelo judiciário, como limite à liberdade na ação legislativa.

Critica-se o controle de constitucionalidade com base na utiliza-ção do princípio da proporcionalidade afirmando que tal prática im-plicaria em uma invasão do Judiciário na competência do Legislativo, ao incidir sobre o juízo de ponderação realizado na edição da norma. Contudo, devemos considerar que, pela vinculação do legislador à Constituição, há a necessidade de limitação da atividade legislativa de fixação dos fins legais com base em sua conformidade aos fins estabelecidos constitucionalmente.

Outra crítica é a de que o princípio da proporcionalidade se-ria incompatível com o controle de constitucionalidade, por ser um procedimento que dá margem a subjetivismos e relativização da efe-tividade dos direitos. Contrapondo-se a esta crítica, deve-se ressaltar que o princípio da proporcionalidade não se encontra à mercê do arbítrio de quem o aplica, tendo em vista a sua sujeição a um controle racional, com a exigência de uma estrutura argumentativa racional para sustentar a solução dada ao conflito principiológico. Ademais, deve-se considerar que certo grau de subjetividade é sempre presente no discurso jurídico, tendo em vista a sua permeabilidade a valores.

Deste modo, tendo em vista o exposto, conclui-se pela com-patibilidade do princípio da proporcionalidade com o controle de constitucionalidade, sendo o primeiro exigência para a correta con-sideração da dimensão principiológica dos direitos fundamentais no controle de constitucionalidade das normas.

o cAbimento doS embArgoS infringenteS nA Ação penAl 470: legitimidAde dA JuriSdição conStitucionAl no

eSpAço democrático

Cristina Sílvia Alves LourençoDoutora em Direito Penal pela Universidade de Sevilha. Mestre em

Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. Professora Adjunta I e Diretora Geral do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade da Amazônia

– UNAMA. Email: [email protected].

Maurício Sullivan Balhe GuedesAcadêmico do Curso de Direito e Bolsista de Iniciação Científica da

Universidade da Amazônia – UNAMA. Email: [email protected].

Iniciado no segundo semestre do ano de 2012, o julgamento da Ação Penal 470 foi amplamente acompanhado pela opinião pública. A imprensa, por seus diversos veículos, manifestou os mais variados juízos de valor sobre aspectos jurídicos pertinentes ao processo. A sociedade civil também não ficou alheia ao feito judicial e a pesquisa do Instituto Datafolha apontou que para 74% dos brasileiros, os réus do chamado “mensalão” deveriam ser conduzidos ao cárcere após a condenação, sem a possibilidade de recurso. A discussão acerca do ca-bimento dos embargos infringentes acirrou os ânimos no debate pú-blico. Diversos fatores contribuíram para tal fato: a notoriedade po-lítica de muitos dos réus filiados ao partido governista, a postura “lei e ordem” do Relator Min. Joaquim Barbosa diametralmente oposta à conduta garantista do Revisor Min. Ricardo Lewandowski, a altera-ção na composição da corte com o ingresso dos Ministros Teori Za-vascki e Luís Roberto Barroso, em decorrência da aposentadoria dos Ministros Ayres Britto e Cezar Peluso, dentre outros. O problema jurídico era o seguinte: (i) O art. 333, inc. I, do Regimento Interno da Suprema Corte brasileira preceitua que cabem embargos infrin-gentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal. Entretanto, (ii) tal dispositivo foi editado

O Direito Constitucional e a Política • 465

sob a égide da Constituição 1967-1969, o que permitiu questionar se foi ou não recepcionado à luz da Constituição de 1988. (iii) A Carta Magna atual atribui poder privativo aos Tribunais para elaborar os seus respectivos regimentos internos, desde que conforme as normas processuais vigentes (art. 96, inc. I, a), e dispõe que compete privati-vamente à União legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I). (iv) A Lei 8.038/90, ao instituir normas referentes ao trâmite processual perante o STJ e o STF, aponta que em ação penal originária a ins-trução se dará também conforme o Regimento Interno do Tribunal (art. 2o), e com o término de tal fase, o Tribunal procederá ao julga-mento na forma determinada pelo Regimento Interno (art. 12). (v) Para cinco dos Ministros integrantes da Corte a não previsão legal do recurso impedia o acolhimento, frente ausência de taxatividade. (vi) Em 18 de setembro de 2013, o Plenário do STF decidiu pelo cabi-mento do recurso de embargos infringentes na Ação Penal 470, pois entendeu por maioria simples que o Regimento Interno do Tribunal foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988, e que o legisla-dor não o revogou de forma tácita ou expressa quando se manifestou. Ao adotar tal posicionamento, a Corte divergiu da opinião pública formada em torno do caso, autorizando questões relativas à legitimi-dade democrática da deliberação judicial que se opõe ao entendimen-to majoritário no seio social. O problema não é novo, desde que a Suprema Corte Norte-Americana julgou o caso Marbury v. Madison em 1803, muitos foram os argumentos utilizados para se opor ao modelo de controle judicial, desde “juiz não tem voto” (dificuldade contramajoritária) até “o que juiz decide não pode ser revisto” (difi-culdade democrática). Para a análise da problemática posta, o presen-te artigo adotou o método indutivo no qual foi possível alcançar uma regra geral a partir de um caso específico, em questão o cabimento dos embargos infringentes na AP 470 e o reflexo na discussão acer-ca da legitimidade democrática da jurisdição constitucional. Após o desenvolvimento, puderam-se obter as seguintes propostas conclusi-vas: (i) Não cabem embargos infringentes em ação penal originária, isto porque os arts. 2o e 12 da Lei 8.038/96, ao fazerem referência à

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figura do Regimento Interno do STF, em momento algum delegam competência normativa ao Tribunal para instituir recurso de natureza processual, devendo-se, assim, entender pela não recepcionalidade do art. 333 que faz referência aos embargos infringentes. (ii) Por outro lado, em mais de uma ocasião, a Corte monocraticamente afirmou a existência de tal figura recursal, o que implica dizer que tão somente na AP 470, por deferência à segurança jurídica, o Tribunal acertou pelo cabimento, porém deveria ter sido claro ao expor que se cuidava de situação excepcional. (iii) As constituições existem para que seus efeitos sejam perpetuados no tempo, e que não venham a sucum-bir diante de maiorias transitórias, o STF foi capaz de manter sua tradição garantista mesmo com o forte apelo popular, que influen-ciou a conduta de Ministros integrantes da própria Corte. (iv) Neste sentido, legitimou-se democraticamente ao permitir o debate aberto sobre a matéria, feito de modo crítico, e com aporte argumentativo substancialmente fundamentado nos autos.

conStrucción deliberAtivA de unA dogmáticA conStitucionAl del procedimiento pArlAmentArio:

el cASo colombiAno1

Leonardo García Jaramillo Departamento de Gobierno y Ciencias Políticas, Universidad EAFIT-

Medellín, Colombia. [email protected]. Profesor visitante, Instituto Tecnológico Autónomo de México (ITAM). Abogado con estudios en Filosofía.

Magíster en Humanidades, con énfasis en estudios políticos. Estudiante del Master en Global Rule of Law and Constitutional Democracy, Istituto Tarello per la Filosofia del Diritto – Università Degli Studi Di Genova, Italia. Coeditor con

Miguel Carbonell de El canon neoconstitucional.

Se ha argumentado que la Corte Constitucional Colombiana es el tribunal judicial más poderoso del mundo, incluso respecto de la Corte Suprema de los Estados Unidos2, asimismo que supone en La-tinoamérica el punto de inflexión que marca el inicio y establece las bases para el desarrollo de una forma constitucional durante las dos últimas décadas. Con su numerosa jurisprudencia, particularmente sensible a la desigualdad y la discriminación, la Corte ha visibilizado muchos problemas permitiendo que adquieran relevancia política. En el contexto del diseño de estándares de constitucionalidad la Corte ha seguido el planteamiento neoconstitucional de alcanzar su legitimidad popular a partir del establecimiento de sólidos criterios argumentativos y de abordajes creativos e interdisciplinarios en casos difíciles.

La Corte ha tomado una serie de decisiones sobre temas aban-donados por la política tradicional. La multiplicidad de cuestiones sobre las que ha decidido y el contenido de sus sentencias (funda-mentación, enfoque teórico, metodología y creatividad), así como el progresismo que las ha inspirado, son factores importantes en el examen sobre la novedad del constitucionalismo colombiano y so-bre los asuntos en los que se ha situado a la vanguardia del consti-tucionalismo en la región. En su prolija jurisprudencia, además de legislación negativa, ha tomado decisiones que suscitan críticas desde

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diversos sectores pero que al tiempo han hecho a Colombia un país interesante en términos de derecho comparado3.

Uno de los principales asuntos que han merecido la atención de la Corte –que sin embargo no ha merecido particular atención doctri-naria o académica– es la construcción de una dogmática constitucional del procedimiento parlamentario. A partir de esta dogmática puede reconocerse que la concepción democrática de los constituyentes, y la que ha reivindicado la Corte en su jurisprudencia, es la deliberativa en la versión defendida por autores como Nino, Sunstein y Habermas.

Con esta dogmática la Corte ha desarrollado, respecto del pro-cedimiento parlamentario de aprobación de leyes y actos legislativos, los principios constitucionales que consagran el carácter democrá-tico, pluralista, transparente e incluyente del Estado Colombiano. La etapa propiamente deliberativa del procedimiento parlamentario, previa a la votación, cuenta con unos presupuestos particularmente importantes para realizar el principio democrático y para proteger el diseño de la forma de gobierno establecido por el Poder Consti-tuyente. La dogmática constitucional estabiliza los argumentos y la interpretación del derecho. Este tipo de dogmática se concibe como un grupo de conceptos y categorías en los que se sostiene el derecho constitucional y a partir de los cuales se estructura. Conforme a tales conceptos y su interpretación el derecho adquiere coherencia inter-na4. La buena dogmática exige una adecuada fundamentación teóri-ca, por lo cual la Corte ha recurrido a argumentos deliberativos en la fundamentación de su jurisprudencia sobre la elusión del Congreso de la normativa constitucional y reglamentaria que incorpora preci-samente el ideal deliberativo de la democracia en el procedimiento de expedición de leyes y reformas constitucionales.

El estudio de los precedentes es esencial para estructurar la na-turaleza del derecho como una empresa racional guiada por la ra-zón práctica5. En la ponencia se presentan los precedentes que se ha tomado la Corte Constitucional en desarrollo de la normativa sobre el procedimiento parlamentario en amparo de principios cons-titucionales. Los precedentes en esta materia se han organizado en

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los siguientes temas: Debate, deliberación y votación; principio de instrumentalidad de las formas; principios de consecutividad, identi-dad y unidad de materia; publicidad de proyectos y de convocatorias a sesiones; principio deliberativo y mayorías necesarias para aprobar proyectos; “No taxation without Representation” y racionalidad deli-berativa; elusión deliberativa por falta de consulta previa; y relación entre amplitud deliberativa y capacidad de acción legislativa.

Notas

1 Este artículo presenta algunos resultados de la investigación desarrollada como tesis de maestría en humanidades con énfasis en estudios políticos. Director: Mauricio García Villegas.2 David Landau, “Political Institutions and Judicial Role in Comparative Cons-titutional Law”, en: Harvard International Law Journal. Vol. 51, No. 2, 2010.3 Juan Carlos Henao (ed.) Diálogos constitucionales de Colombia con el Mun-do. Bogotá, Universidad Externado - Corte Constitucional, 2013.4 Manuel Aragón Reyes, “Las singularidades de la interpretación constitucio-nal y sus diferencias respecto de la interpretación de la ley”, en: Juan Carlos Henao (ed.) Diálogos constitucionales de Colombia con el mundo. Op. cit. 5 Neil MacCormick – Robert S. Summers (eds.) Interpreting Precedents: A comparative study. Op. cit., p. 6.

A preSSão JudiciAl noS cASoS de omiSSão legiSlAtivA e A AuSênciA de vontAde políticA: umA introdução à

neceSSidAde do diálogo entre oS podereS

Karina Denari Gomes de MattosAutora de diversos ensaios tais como “Fidelidade Partidária: análise crítica

da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” e “Supremo Tribunal Federal: O caso paradigmático da Corte Constitucional brasileira”, mestranda em Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FDUSP,

Brasil, e-mail: [email protected].

Na esteira da doutrina constitucional europeia, a brasileira parte tradicionalmente do princípio da plenitude do ordenamento, e desta forma, a existência de vazios normativos é tida como uma anomalia do sistema – e necessariamente, passível de correção.

Seja pela previsão de instrumentos constitucionais de combate à omissão legislativa e administrativa sobre a indeclinabilidade da jurisdição, seja pelos instrumentos do Mandado de Injunção e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão na Constituição Fe-deral, a prevenção e repressão de lacunas é tida como consequência direta da adoção de um sistema jurídico de base positivista.

Nos casos de omissão legislativa, quando o magistrado avoca para si a mens legislatoris muitas vezes o faz sem a dimensão acerca do juízo de oportunidade vinculado àquela diretriz, e ao catalisar este momento de regulamentação da lacuna normativa que, até então, não era relevante o suficiente para a atuação legislativa, gera algumas consequências no cenário político.

Esta atuação do STF nos temas de omissão legislativa (censura política, concessão de prazo, correção direta da omissão - inter partes ou erga omnes), sugere uma decisão completamente apartada da deli-beração parlamentar, o que sugere algumas reflexões: há identificação de pontos de vista entre o Legislativo e o Judiciário no reconheci-mento das omissões normativas? Qual a consequência desta tomada de decisão produzida externamente ao órgão político responsável?

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Dois casos que podem ser brevemente mencionados servem de base ao debatemos a receptividade do Legislativo e Executivo à de-terminação judicial: a regulamentação do Fundo de Participação dos Estados - FPE e a regulamentação da criação de Municípios, ambos tratados pelo STF recentemente.

No caso do FPE, o prazo dado pelo STF até dezembro de 2012, e posteriormente a extensão até 27 de junho de 2013, acabou geran-do uma movimentação parlamentar que encerrou o processo legisla-tivo finalmente. Com a edição da Lei Complementar n. 143/2013 a omissão normativa foi suprida. Porém, ainda que promulgada e publicada, segundo a doutrina ela não atende às previsões constitu-cionais, ou ao menos, às diretrizes postas pelo STF.

Tanto o é, que em agosto de 2013, por meio da ADI n. 5.069 (Relator Ministro Dias Toffoli) o governador de Alagoas ataca parte das modificações que a LC n. 143/2013 procedeu na LC n. 62/1989. Argu-menta o legitimado que a nova lei apenas renovou até 31 de dezembro de 2015 os coeficientes já declarados inconstitucionais pelo STF e os trans-formou em piso para os repasses a partir de 2016, mantendo por mais alguns anos o estado de inconstitucionalidade já reconhecido pelo STF.

O ajuizamento desta ADI demonstra a singular situação jurídica em que a atuação legislativa sem a vontade política subjacente acabou por agravar a situação jurídica que já padecia de inconstitucionalida-de. Ainda que a expressão seja popular, é caso típico em que vemos “pior a emenda que o soneto”.

Outro caso representa a mesma situação é a questão ainda alvo de divergência entre Executivo e Legislativo sobre a lei regulamenta-dora da criação, fusão, incorporação e desmembramento de municí-pios no Brasil. Alvo de ação direta de inconstitucionalidade no STF, a ausência normativa tinha a intenção de barrar o aumento de despesa relacionado a este tipo de demanda dos entes federativos, e por este motivo nunca havia sido editada a lei complementar federal a que se referia o art. 18 §4º da CF.

Após concessão de prazo de 18 meses para atuação na ADI n. 3682, foi publicada a Emenda Constitucional n. 57/2008 que anistiava a cria-

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ção dos municípios inconstitucionais até então. A demanda para atuação legislativa sobre o tema permaneceu, já que os municípios criados após o lapso previsto ainda estavam em situação de inconstitucionalidade.

Tendo em vista a ausência de vontade política para a elabora-ção normativa, e por trazer à baila fatores orçamentários dificilmente pacificados entre os atores do processo legislativo, a lei ainda não foi criada e assistimos ao segundo veto integral da presidente sobre o projeto de lei referente ao tema (PLS n. 104/2014), ao dividir o Congresso acerca da melhor solução a ser adotada.

O fortalecimento das instâncias políticas, mediante a valoriza-ção do diálogo entre as Casas é a única medida que permite, neste e em outros casos de omissão legislativa, a efetivação dos direitos de-mocraticamente assegurados e o privilégio da vontade constitucional.

tWo levelS of SociAl rightS: A democrAtic JuStificAtion of JudiciAl revieW

Leticia MoralesPostdoctoral fellow at the Institute for Health and Social Policy and the

Faculty of Law, McGill University, Montreal, Canada. E-mail: [email protected].

A vast increase in the number of social and economic claims in the last decade in Latin America and South Africa has produced strong views in favor of and against the idea of constitutional so-cial rights. Many legal scholars and human rights practitioners hold that the guarantee of social rights is a requirement of a just soci-ety, which in turn justifies the imposition of strong judicial review over policy and legislation. However, theories of distributive justice and the principles they proscribe are always subject to persistent dis-agreement amongst the citizens of a modern democracy, resulting in considerable uncertainty about what follows from imputing such social rights. In addition, strong constitutional protection is deemed controversial because judges are an unelected body which is given considerable power to impose a particular conception of social jus-tice upon the polity (or its elected representatives) when deciding the constitutionality of social rights policies. For these reasons, critics such as Jeremy Waldron or Richard Bellamy have condemned strong judicial review of rights in general (and presumably also social rights) as illegitimate in democratic societies, insisting it must remain the purview of democratically controlled institutions.

This paper examines the legitimacy of constitutionally protect-ing social rights through the mechanism of judicial review. I argue for the protection of social rights as demands of democracy. In doing so, I distinguish between two levels of social rights. A first level should be understood as part of the preconditions of democratic legitimacy that safeguard the  effective political participation of all citizens. A

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second level, by contrast, consists of social rights as demands of social justice shared by the majority of the society. These rights are very im-portant for promoting justice, but are not strictly speaking necessary for producing democratic legitimacy. The second level of social rights is therefore a legitimate focus for democratic disagreements. The two levels are distinguished internally through the test of preconditions. A careful empirical analysis of the practical conditions that guarantee political participation specifies the content of the first level. Adopt-ing this pragmatic approach, I argue the proposed account is not vulnerable to the problem of persistent value disagreements in con-temporary democratic societies.

Finally, this paper claims that the compound model of social rights justifies a distinctive institutional division of labour in relation to its constitutional protection. The first level of social rights is legiti-mately protected through strong judicial review. Hard cases might be best solved by mechanisms of weak judicial review including dialogic proposals between different public institutions, while the content and scope of the second level of social right should be decided by the democratic assembly, and remain free of judicial interference.

A AplicAção JudiciAl do direito nA SupremA corte: o Jogo do colegiAdo

Paula Pessoa PereiraDoutoranda e mestre em Direito das Relações Sociais, com ênfase em Direito

Processual Civil na Universidade Federal Paraná. Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia. Membro do Núcleo de Pesquisa de Direito Processual Civil Comparado da UFPR. Membro da Asociación Colombiana de

Derecho Procesal Constitucional. Membro da Asociacón Mundial de Justicia Constitucional. País: Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

A Jurisdição constitucional é vista como mecanismo contramajo-ritário para tomar decisões sobre assuntos em que os cidadãos conside-ram de extrema importância para a justiça e os direitos fundamentais. Nossa prática de delegar certas questões para os Tribunais Constitucio-nais para tomar a decisão final (ao menos no nível processual) reflete uma desconfiança na tomada de decisões democráticas na arena po-lítica. Mas essa desconfiança que temos, bem vistas as coisas, está nas pessoas e não na regra da maioria, uma vez que adotamos esta regra no campo processual para resolver os desacordos surgidos na interpretação constitucional. Desse modo, como podemos justificar a prática da re-gra da maioria na deliberação judicial colegiada?

Os defensores do controle judicial de constitucionalidade, mui-tas vezes, argumentam em seu favor, a partir do potencial delibera-tivo dos tribunais e seu papel como representantes de uma “razão pública”, ao passo que os críticos da revisão judicial normalmente argumentam que a deliberação nos tribunais tende a ser muito pobre e, por isso, não justifica o seu caráter contramajoritário, até porque decidem através do método da regra da maioria, a mesma tomada no plano legislativo. Por certo, a falta de debate acerca das regras internas e das variáveis práticas de deliberação dos tribunais, pode promover ou dificultar fortemente a legitimidade de um tribunal.

Neste contexto, a forma da deliberação acerca da interpretação constitucional nos tribunais apresenta-se como decisiva. Os recentes

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acontecimentos no Supremo Tribunal Federal, inclusive, nos demons-tra o quão mal compreendemos a natureza do julgamento coletivo (que contam com votos estruturalmente aberrantes) e como proble-mático pode ser a falta de conhecimento sobre as questões decorrentes.

E é neste ponto que reside o objeto desta pesquisa. Queremos dizer com isto que o presente artigo tem por objetivo investigar o desenho insti-tucional do órgão colegiado a fim de verificar se esse é capaz de propocio-nar a realização da função normativa constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal, qual seja, a de definir a interpretação constitucional.

A decisão coletiva pode ser feita por três processos principais: de-liberação, negociação e votação. O que nos interessa aqui é a relação entre a deliberação e a votação. Muitos órgãos colegiados combinam deliberação e agregação. Quando não é necessária unanimidade, os membros de um grupo podem deliberar extensivamente e, se opiniões ficam aquém do consenso, a negociação não é uma opção, sendo a votação inevitável. Como regra, as decisões tomadas pela Suprema Corte não seguem o critério da uanimidade e a regra da maioria, haja vista os desacordos jurídicos existentes sobre a interpretação das nor-mas constitucionais. Fato este que não mitiga o potencial deliberativo dos tribunais, quando bem compreendido o papel da regra da maioria.

Nesse cenário, a questão que se coloca é a seguinte: na estrutura argumentativa da decisão judicial, onde esta regra deve ser aplicada, na fundamentação ou da conclusão? A investigação desta questão se impõe para que possamos fornecer elementos teóricos para a constru-ção de uma justificação adequada para a regra da maioria como um princípio razoável para resolver o desacordo sobre mérito de questões complexas de justiça, direitos fundamentais e interpretação constitu-cional entre os membros da Suprema Corte Constitucional.

Esse problema da regra da maioria na estrutura argumentativa da decisão e votação, embora seja estudado no âmbito da ciência po-lítica, cabe perfeitamente no estudo das decisões judiciais, dado que o que pode ser afirmado a propósito de um tribunal coletivo pode ser afirmado em relação a qualquer assembleia deliberativa, conforme a crítica proposta por Jeremy Waldron.

O Direito Constitucional e a Política • 477

Mas quais os problemas decorrentes da regra da maioria na estrutura argumentativa da decisão colegiada? Primeiro, a regra da maioria quando tomada em consideração apenas na conclusão da decisão pode acarretar o que a doutrina política chama de paradoxo doutrinal ou dilema discursivo, o que implica dizer que a decisão to-mada não necessariamente reflete as questões consideradas e delibe-radas pela Corte, uma vez que o resultado é divergente das premissas, fato este que acarreta a própria nulidade da decisão por ausência de coerência. Segundo, porque a aplicação do direito pela Corte Supre-ma Constitucional, que trabalha com a definição da interpretação e sentido da norma constitucional no sistema, implica a sua vinculação para todos os demais tribunais e juízes, de modo que o a criação do direito está na fundamentação da decisão e não na sua conclusão.

Por fim, acrescentamos que o problema aqui exposto não é de-sacreditar ou deslegitimar o controle jursidicional de constitucionali-dade das leis, mas, ao contrário, é reafirmar seu papel contramajoritá-rio por meio da disposição do acesso à Corte para a tutela dos direitos fundamentais, colocando em pauta a discussão do método da regra da maioria na deliberação da decisão colegiada como forma de justi-ficar a legitimidade da jurisdição constitucional enquanto instituição responsável pela criação do direito.

o Supremo tribunAl federAl no combAte à deformAção do proceSSo político e eleitorAl e A vontAde de conStituição

(Wille zur verfASSung).

Williana Ratsunne da Silva ShirasuAluna do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu (Mestrado) em Direito da

Universidade Federal do Ceará. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Camile Araújo de FigueiredoAluna do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu (Mestrado) em Direito

da Universidade Federal do Ceará. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].

Em conformidade com as lições de Konrad Hesse, a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung) pressupõe uma ordem normati-va inquebrantável, sujeita a um constante processo de legitimação, mantendo-se vigente através de atos de vontade. Nesse contexto, a interpretação relaciona-se à concretização da norma, sendo decisiva para consolidar e preservar a força normativa da Lei Fundamental. Em busca de garantir a supremacia constitucional confere-se ao Su-premo Tribunal Federal, no Brasil, a condição de intérprete maior das disposições constitucionais, cabendo-lhe, assim, dizer por último o direito. Tal atribuição consubstancia-se no controle de constitucio-nalidade, através do qual se torna possível afastar qualquer antinomia em relação aos preceitos constitucionais. O presente trabalho, a par-tir disso, volta-se à análise acerca do papel desempenhado pelo STF no contexto político eleitoral brasileiro no tocante à compatibilização das normas eleitorais aos ditames constitucionais. Objetiva verificar o papel desempenhado pela corte supracitada no combate à defor-mação do processo eleitoral sob a perspectiva da vontade de Cons-tituição. Ademais, procura analisar se o exercício de tal atribuição, quando acarreta impactos na seara política, seria uma afronta à teoria da separação dos poderes e, em última instância, à soberania popular. Nesse sentido, o fito deste trabalho considera as premissas básicas

O Direito Constitucional e a Política • 479

do Direito Eleitoral, observando-se, sob certa ótica, a concretização da independência do eleitor e a lisura do processo eleitoral. Com-preende também que o Poder Judiciário, no âmbito de atuação do STF, exerce papel fundamental visando a proteção da probidade e da moralidade na realização do processo político, sendo ente fundamen-tal para trazer normalidade e legitimidade às eleições, afastando-se condutas intoleráveis, discrepantes da Constituição. Por corolário, é necessário apresentar casos em que a corte em epígrafe desempenha seu papel no tocante à concretização da vontade de Constituição. Um dos casos mais recentes foi o do reconhecimento da constitucio-nalidade da Lei Complementar nº. 135/2010, popularmente conhe-cida como “Lei da Ficha Limpa”. Esta lei foi objeto do controle de constitucionalidade concentrado de normas, quando da apreciação pelo STF das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs. 29 e 30, bem como da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.578. Contudo, estes julgamentos enfrentaram o princípio da anualidade das normas que alteram o processo eleitoral, razão pela qual os efei-tos daqueles julgados foram de natureza prospectiva (ex nunc), só valendo a partir das eleições de 2012. Nesse passo, através da atuação do STF, promoveram-se diversas alterações relevantes na compreen-são dos normativos supracitados. Dentre estas, destacam-se a proi-bição de candidatos (instituição de inelegibilidade) pretendentes a mandatos eletivos que foram condenados em decisões colegiadas de segunda instância e a majoração da inelegibilidade de 3 (três) para 8 (oito) anos. Outra importante alteração, como preleciona Marlon Reis, deu-se na perspectiva de classificação das inelegibilidades, que já não são mais classificadas como normas de caráter sancionatório, pois são tidas como condições jurídicas que afastam o registro da candidatura quando sua hipótese de incidência é realizada no mundo fenomênico. Nesse passo, não há mais como aplicar os princípios do direito penal, como os da irretroatividade e da não culpabilidade, eis que a inelegibilidade possui o conteúdo de um requisito negativo. Dessa forma, vê-se que a competência do STF possui impactos em diversas esferas, transcendendo aspectos meramente infraconstitucio-

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nais para um perfeito alinhamento às diretrizes constitucionais. Com isso, tem-se assegurada a garantia da preservação da força normativa da Lei Fundamental, constantemente legitimada quando efetivada a vontade de Constituição. Inegáveis, porém, são os desafios vivencia-dos no contexto do processo político eleitoral brasileiro, que revelam que a garantia da vontade de Constituição não está concentrada ab-solutamente no Poder Judiciário, na figura do STF. Na verdade, sua realização vincula-se ao bom funcionamento dos três Poderes harmo-niosamente, pois, ainda que seja profícua a atuação do STF como intérprete constitucional, a efetivação da Wille zur Verfassung possui essencialmente um viés material, de índole democrática, já que não se desvincula da realidade política e social.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; vontade de Constitui-ção; soberania popular.