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Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada Instituto de História CÍNTIA JALLES DE CARVALHO DE ARAUJO COSTA ARQUEOASTRONOMIA COMPARADA: O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado Rio de Janeiro 2017

O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado - PPGHC

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em História Comparada Instituto de História

CÍNTIA JALLES DE CARVALHO DE ARAUJO COSTA

ARQUEOASTRONOMIA COMPARADA: O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado

Rio de Janeiro

2017

2

CÍNTIA JALLES DE CARVALHO DE ARAUJO COSTA

ARQUEOASTRONOMIA COMPARADA: O céu pintado, gravado, escrito e digitalizado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como Requisito parcial para a obtenção de grau de doutorado. Linha de pesquisa: Poder e Instituições. Rio de Janeiro 18 de dezembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________

Professora Doutora Leila Rodrigues da Silva - Orientadora PPGHC/UFRJ

______________________________________________________________________

Professora Doutora Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva - PPGHC/UFRJ

______________________________________________________________________

Professor Doutor André Leonardo Chevitarese - PPGHC/UFR J

______________________________________________________________________

Professora Doutora Maura Imazio da Silveira- MPEG/MCTIC

______________________________________________________________________

Professor Doutor Rundsthen Vasques de Nader – OV/UFRJ

______________________________________________________________________

Professor Doutor Paulo Duarte Silva – suplente PPGHC/UFRJ

______________________________________________________________________

Professor Doutor Rodrigo dos Santos Rainha – suplente - UERJ

Rio de Janeiro 2017

3

JALLES, Cíntia. Arqueoastromia comparada: o céu pintado, gravado, escrito e digitalizado/Autor: Cíntia Jalles de Carvalho de Araujo Costa, 2017. 131f.: il. Orientação: Leila Rodrigues da Silva. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História Comparada - Instituto de História - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.

1. Arqueoastronomia 2. Isidoro de Sevilha

3. Populações ágrafas 4. Arte Rupestre

4

À dinâmica celeste do meu micro cosmo: - a Theóphilo e Dilnah, estrelas mais antigas, que continuam a

emitir luz apesar de não mais estarem presentes; - a Lucas e Théo, estrelas em formação, cujas luzes iluminam o

meu caminho; e -a Célio, estrela gêmea e parceira no cuidado das

estrelas mais novas.

5

AGRADECIMENTOS

Ao Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTIC), instituição da qual

orgulhosamente faço parte, que propiciou as condições para a realização desta tese.

Aos Institutos de pesquisa arqueológica que sempre contribuíram para a minha formação e em

especial ao Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), ao setor de Arqueologia do Museu

Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e ao Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas (IBPA).

À minha amiga-irmã e orientadora, Leila, que sempre foi o meu elo com a vida acadêmica.

À minha irmã-amiga e, por que não dizer, também "orientadora", Fernanda, que além de todo

apoio e incentivo dado, foi a responsável pela redução dos erros gramaticais e ortográficos,

que por aqui possam ocorrer.

Aos demais familiares que, além do apoio constante, foram fundamentais para o meu bem

estar físico e emocional. Em especial a Grace, por me manter "lúcida" e a Nathália, pela

paciência e cuidado com meus filhos, em momentos cruciais.

À Maria da Conceição de Moraes Coutinho Beltrão, do Museu Nacional (MN/UFRJ), pela

sempre gentil disponibilização do material arqueoastronômico, majoritariamente utilizado em

minhas pesquisas e aqui exposto mais especialmente.

Aos colegas do Programa de Estudos Medievais (PEM/UFRJ), meu último reduto acadêmico,

responsáveis pela minha melhor apreensão do mundo medieval.

Aos professores e amigos do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC),

em particular aos que se dispuseram a contribuir mais uma vez, participando da banca do

doutorado.

6

Aos meus amigos e parceiros de longa data, cujas contribuições vão muito além do que posso

relatar academicamente. Em especial à Maura que, além da amizade e parceria nas pesquisas

arqueoastronômicas, disponibilizou parte do seu valioso tempo para ler alguns capítulos e dar

sugestões.

Ao meu amigo Rundsthen, astrônomo do Observatório do Valongo (OV/UFRJ) e também

parceiro na Arqueoastronomia, pelo auxílio constante no entendimento de questões mais

relativas às Ciências Exatas.

Aos colegas do MAST - que esperam ansiosamente a conclusão da tese - pelo apoio e

consideração em minhas "ausências". Em especial aos analistas de sistema, Sérgio e Francisco

- pelo suporte na preparação do banco de dados; aos sempre parceiros, Cíntia e Janderson - no

suporte diário, e a Luci Meri pela digitalização de imagens para o Banco de dados e para a

tese.

Aos meus pais, que mesmo não mais estando presentes, transparecem nos diversos aspectos da minha vida, principais referências em tudo que consigo realizar.

Aos meus filhos, sempre muito presentes, estimulando-me a seguir sempre em frente, em busca de novos desafios.

Ao meu companheiro, que no meio de tudo isso, constrói a ponte de ligação entre os meus ascendentes e descendentes, passado e futuro, enriquecendo o meu presente.

A todos os demais, que mesmo não estando descritos nesta página, moram em meu coração e

sabem que fizeram parte, positivamente, da minha trajetória.

MUITO OBRIGADA!

7

Resumo

A observação da dinâmica celeste, seja por razões religiosas ou mesmo para a

administração das atividades rotineiras, tem ensejado, desde os períodos

mais remotos, a sua utilização como mapa, calendário e até como “relógio”. A

posse deste conhecimento tem se mostrado essencial aos detentores do poder,

no uso e controle das mais diversas sociedades.

Através do exame minucioso dos registros deixados pelas diferentes sociedades que nos

antecederam no passado – particularmente as populações ágrafas -, conseguimos, com relativa

facilidade, perceber a importância dos referenciais astronômicos na sua organização,

sobrevivência e desenvolvimento. As relações de poder, no entanto - apesar de se

constituírem fortemente como hipóteses plausíveis e relevantes – são extremamente difíceis

de extrair unicamente a partir dos vestígios arqueológicos, que representam, na realidade, uma

parcela mínima sobre uma sociedade não mais existente.

Tendo em vista o restrito material documental oferecido pelas populações ágrafas, faremos

uso de diversos registros disponíveis sobre o conhecimento astronômico em distintas

sociedades separadas no espaço-tempo, mas que partilham uma subsistência diretamente

dependente das alterações ambientais.

Ilustraremos algumas possibilidades com o material oferecido pelos registros elaborados por

Isidoro de Sevilha, nos momentos iniciais da sociedade medieval, demonstrando como o

conhecimento astronômico - verificável em diferentes períodos históricos - acaba se

evidenciando como mais uma ferramenta de controle e poder nas relações sociais.

E, tendo em vista as diferentes possibilidades de uso do saber astronômico, presente no

cotidiano e organização de qualquer sociedade humana, traduzido e representado em

diferentes suportes – pintados, gravados e escritos - propomos aqui uma nova metodologia de

atuação, inserindo a utilização de uma base digital, para agilizar a comparação entre os

documentos arqueológicos recuperados por numerosas instituições de pesquisa.

8

Abstract

The observation of celestial dynamics, whether for religious reasons or even for the

administration of routine activities, has provided, since the periods more remote, its use as a

map, calendar and even as "clock". The possession of this knowledge has proved essential to

the holders of power, in the use and control of the most diverse societies. Through close

scrutiny of the registers left by the different societies that preceded us in the past - particularly

the staple populations - we have, with relative ease, been able to perceive the importance of

astronomical references in their organization, survival and development. Power relations,

however - though strongly constituting plausible and relevant hypotheses - are extremely

difficult to extract solely through archaeological remains, which represent, in reality, a

minimal share of a no longer existing society. Given the limited documentary material offered

by the staple populations, we will make use of various records available on astronomical

knowledge in separate societies in space-time, but sharing a subsistence directly dependent on

environmental changes. We will illustrate some possibilities with the material offered by the

records elaborated by Isidore of Seville, in the early moments of the medieval society,

demonstrating how the astronomical knowledge - verifiable in different historical periods -

ends up being evidenced like another tool of control and power in the social relations. And,

given the different possibilities of using astronomical knowledge, present in the daily life and

organization of any human society, translated and represented in different supports - painted,

engraved and written - we propose here a new methodology of action, inserting the use of a

digital base to expedite the comparison of archaeological documents recovered by numerous

research institutions.

9

SUMÁRIO:

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................11

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14

CAPÍTULO I - CAMINHOS DA ASTRONOMIA ............................................................25

1.1 - Considerações introdutórias.............................................................................................26

1.2 - A Astronomia isidoriana...................................................................................................27

1.2.1 - Isidoro de Sevilha..........................................................................................................28

1.2.2 - Astronomia no início da Idade Média...........................................................................29

1.2.3 - Astronomia e Astrologia................................................................................................33

1.2.4 - Documentação de referência..........................................................................................35

- A obra Etimologyae......................................................................................................36

- A obra De natura rerum...............................................................................................38

1.3 - Considerações parciais......................................................................................................41

CAPÍTULO II - ARQUEOASTRONOMIA........................................................................43

2.1 - Considerações introdutórias.............................................................................................43

2.2 - Histórico...........................................................................................................................45

2.3 - Arqueoastronomia brasileira.............................................................................................51

2.3.1 - Arte rupestre..................................................................................................................54

2.3.2 - Outros suportes..............................................................................................................57

2.3.3 - Etnoastronomia .............................................................................................................61

10

2.4 - O Projeto Central..............................................................................................................63

2.5 - Considerações parciais......................................................................................................67

CAPÍTULO III - REPRESENTAÇÕES ASTRONÔMICAS............................................69

3.1 - Considerações introdutórias..............................................................................................69

3.2 – Registro arqueológico .....................................................................................................70

3.3 – Registro histórico.............................................................................................................77

3.3 - Considerações parciais......................................................................................................86

CAPÍTULO IV - CAMINHOS DA ARQUEOLOGIA........................................................88

4.1 - Considerações introdutórias..............................................................................................88

4.2 - Sistema de informações arqueoastronômicas ..................................................................90

4.3 - Banco de dados em construção.........................................................................................95

4.4- Considerações parciais.....................................................................................................106

CONCLUSÃO.......................................................................................................................107

TERMOS, SIGLAS E OUTRAS DENOMINAÇÕES.......................................................111

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................117

11

APRESENTAÇÃO

Após muitos anos dedicados à Arqueologia brasileira, redirecionamos - ao ingressar

no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) no início dos anos de 1990 - nossas

pesquisas para uma nova especialidade: a Arqueoastronomia. Desde então, vimos trabalhando

com vestígios deixados por populações ágrafas que, de alguma forma nos remetam ao modo

de vida que aquelas sociedades teriam, a partir do conhecimento que hoje caracterizamos

como astronômico.

Devido às limitações impostas normalmente ao material arqueológico de forma geral -

seja pela dificuldade de obtermos informações sobre seus autores, seja pelas perdas

significativas que o material sofre com o passar dos anos em seus aspectos físicos - e,

especificamente, àqueles que possuam alguma relação com a Astronomia, a trajetória das

pesquisas arqueoastronômicas tem seguido o seu curso com a superação de numerosos

percalços, cotidianamente encontrados em seu caminho.

Foi preciso percorrer um longo trajeto, organizando reuniões sistemáticas, seja em

pequenos ou grandes grupos de discussão, com outros profissionais interessados no tema para

encontrarmos formas de entender melhor o significado dos registros arqueológicos que

fizessem referência à compreensão do universo que nos rodeia. Seja por marcações para a

utilização prática dos referenciais astronômicos, seja pela implicação, mesmo simbólica,

desses registros no cotidiano dessas populações.

Atualmente, já é possível ter uma pequena ideia do quanto a relação com o céu e com

toda a dinâmica celeste vai muito além daquilo que hoje restringimos em áreas de

conhecimento estanques que, em muitos casos, não dialogam entre si, impedindo-nos, dessa

forma, de alcançar a esfera do saber global de nossos ancestrais mais remotos que aqui

generalizamos por povos ágrafos. E esse avanço se deve, principalmente, à qualidade

científica dos estudos etnográficos, realizados com maestria em nosso país.

12

Não pretendemos discutir a gama de informações que um único vestígio pode trazer,

até porque, não existem os relatos de seus autores e estes materiais representam apenas um

pequeno fragmento das culturas que os produziram. A intenção é resgatar possibilidades de

entendimento, a partir da comparação com outras sociedades que, por analogia, têm muito a

oferecer, iluminando, por assim dizer, os caminhos da Arqueologia.

A comparação com outras culturas, ainda que não possa responder às nossas

indagações, contribui, indubitavelmente, para ampliar nosso "leque de opções", o que, por si

só, impulsiona o desenvolvimento da pesquisa, com o aumento e aprimoramento das questões

formuladas.

Como exemplo de uma comparação desafiadora, fazemos uma especial referência ao

período medieval inicial, mais especificamente ao que denominamos de período isidoriano,

diretamente relacionado à produção intelectual atribuída a Isidoro de Sevilha, no início da

Idade Média, que tem servido como referência para o levantamento de questões que

extrapolam o normalmente obtido pela pesquisa arqueológica. A erudição e sistematização do

conhecimento apreendido desde a Antiguidade concedeu ao bispo sevilhano um lugar de

destaque na organização de material relacionado ao que identificaremos como saber

astronômico.

E, no que diz respeito aos elementos arqueoastronômicos, ou seja, àqueles encontrados

no registro arqueológico, apresentaremos, mais destacadamente, o material procedente de

pesquisas arqueológicas realizadas no sertão baiano, que fazem parte dos resultados obtidos

pelo Projeto Central, coordenado pela Profa. Dra. Maria da Conceição de Moraes Coutinho

Beltrão. Mais especificamente, sobre o material proveniente de um sítio arqueológico,

denominado e conhecido internacionalmente por Toca do Cosmos, registrado no Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, como CNSA BA00253, de acordo com o

Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), sistema de gerenciamento do patrimônio

Arqueológico. A escolha por este sítio ocorreu em razão da quantidade/qualidade dos

registros arqueoastronômicos que contém.

13

Os dados disponíveis até o momento, na Arqueologia brasileira, são insuficientes para

permitir identificar as diversas relações que permeiam o saber astronômico aqui destacado.

Como contribuição, propomos aqui a utilização de uma nova ferramenta metodológica, que

permitirá sistematizar informações arqueoastronômicas, ainda dispersas em relatórios e

arquivos institucionais da pesquisa arqueológica.

Os elementos relacionados ao saber astronômico existentes no registro arqueológico,

encontram-se, na maioria das vezes, restritos aos relatórios técnicos institucionais. A

sistematização desses dados em um suporte digital específico – que estamos propondo com

esta tese - permitirá a troca e complementação de informações entre os pesquisadores e

dinamizará a investigação em Arqueoastronomia. Pois nem todas as informações resgatadas e

publicadas estão diretamente relacionadas a este saber, ainda em estado latente na

Arqueologia brasileira.

Pensando em proporcionar o melhor acompanhamento da tese desenvolvida,

ofereceremos pequenos esclarecimentos introdutórios, no intuito de facilitar sua leitura.

14

INTRODUÇÃO

O Museu de Astronomia e Ciências Afins - MAST/MCTIC – e sua equipe de

pesquisadores, ao longo dos 32 anos de sua existência, têm buscado reconstruir a trajetória da

nossa Ciência, a partir de aspectos destacados como relevantes, em distintos espaços e

períodos da nossa História.

No esforço de recuperarmos a história do conhecimento astronômico a partir de

diferentes períodos da História, quase sempre nos deparamos com textos elaborados a partir

de descobertas astronômicas. Ao buscarmos a origem para a formação de todo esse

conhecimento anterior que propiciou tais descobertas, chegamos, sem muito esforço, aos

primórdios da humanidade.

Objeto e problemática

A Arqueologia, que nasceu como ciência no século XVIII, com as escavações de

Pompéia, na Itália,1 vem tentando identificar e conhecer aspectos do desenvolvimento de

sociedades humanas - incluindo comportamento, adaptações e mesmo simbolismos - a partir

dos vestígios remanescentes. Ela é imprescindível para o conhecimento de sociedades ágrafas

e bastante útil no estudo de sociedades contemporâneas – tendo em vista a sua capacidade de

estudar o comportamento humano em seus aspectos não registrados pela escrita. Pois, “(...)

um dos principais objetivos da Arqueologia deve ser correlacionar a estrutura dos restos

materiais com os elementos de conduta de um sistema cultural.” 2

1PROUS, André. Arqueologia Brasileira. 1ª. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992. p. 5. 2 WATSON, P.; LeBLANC, S.: e REDMAN, C. El método científico en Arqueología. Madrid: Alianza, 1987. p. 36.

15

Ao tentar compreender o passado humano a partir de restos fragmentados da cultura

material de sociedades não mais existentes, a Arqueologia busca constantemente investigar

novos aspectos que permitam alcançar melhor o seu objetivo. Para tanto, conta com o apoio

de diversas áreas do saber que, em cooperação mútua, têm alcançado resultados antes

inesperados.

A Arqueoastronomia, que envolve uma parceria mais direta da Arqueologia com a

Astronomia, “tem por objetivo compreender o papel que a Astronomia tinha na vida cotidiana

dos povos antigos, como ela influenciava a sociedade, como as culturas observavam o céu e

de que forma materializavam estas observações”.3

Com o avanço das pesquisas arqueológicas, temos a noção – e aqui cabe ressaltar o

papel fundamental da pesquisa etnográfica – da enorme diversidade de grupos que habitaram

o nosso território e que geraram, por assim dizer, uma infindável quantidade de

conhecimentos que começamos a descobrir e que ainda representam uma parcela mínima de

sua ciência.

O conhecimento astronômico, traduzido e representado em diversas formas está

presente no cotidiano e organização de qualquer sociedade humana. Pode ser verificável em

diferentes períodos históricos e acaba se evidenciando como mais uma ferramenta de controle

e de poder nas relações sociais.

O registro do tempo e seu controle foi um dos aspectos que motivou a realização deste

trabalho. O exercício do poder4 e suas manifestações têm sido objeto de pesquisa desde que se

passou a identificá-lo em diferentes tipos de registros, geralmente escritos, oriundos de

diferentes períodos e sociedades conhecidas historicamente.

3JALLES, C.; SILVEIRA, M. I.; NADER, R. V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia. Arqueoastronomia: o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013. p. 36. 4 Conceito amplamente discutido, principalmente pelas Ciências Sociais e que aqui nos interessa, principalmente por estar manifestado - mesmo que implicitamente - nas representações astronômicas utilizadas para o controle de distintas sociedades. Para maiores referências de aplicação na Arqueologia, ver RENFREW, COLLIN & BAHNN, Paul. Archaeology Theories, Methods and Practice. London: Thames and Hudson Ltd, 1993.

16

Assim, através de referências históricas – particularmente relacionadas a Isidoro de

Sevilha - buscamos problematizar relações como as de poder,5 aqui estabelecidas em torno do

conhecimento e controle do tempo. Uma vez que o período isidoriano - anterior ao advento da

nova tecnologia - não contava com aparatos capazes de ampliar consideravelmente a

capacidade de observação dos fenômenos astronômicos, podemos pressupor que a relação

com céu era muito mais contemplativa e ao mesmo tempo imprescindível do que a

estabelecida em tempos atuais, o que nos remete a necessidades mais

aproximadas/semelhantes às das populações ágrafas, em períodos ainda mais remotos.

Apesar de identificarmos com clareza a necessidade do ser humano de se orientar a

partir dos referenciais astronômicos, tal tarefa apresenta-se extremamente árdua quando

olhamos para os registros elaborados pelas populações ágrafas – majoritariamente

representados em painéis rupestres – sem o subsídio de outro documento que nos auxilie a

encontrar respostas para uma enorme gama de indagações. O “que registrar” e “de que forma”

são questões iniciais deste processo que se manifesta, na realidade, como de

autoconhecimento.

As relações de poder, como constituídas no contexto de Isidoro, provavelmente

também o foram para as sociedades ágrafas que elaboraram os diversos registros

astronômicos identificados nos painéis rupestres espalhados pelo mundo e que se constituem

como objeto básico, fundamental para a construção da nossa História da Astronomia.

Deste modo, entender um pouco mais sobre as diferentes manifestações do saber

astronômico, acaba por permitir a elaboração de novas estratégicas, fundamentais para o

avanço da pesquisa arqueológica.

5 E para isso nos valemos do trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu, que tem se destacado pela inovação dos objetos de análise e a investigação sobre a produção simbólica e relações informais de poder. Cf.: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: DIFEL/Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989: _____.A Economia das Trocas Linguísticas. o que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996; e _____. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2003.

17

Referencial historiográfico

Ao examinarmos a produção historiográfica dedicada ao estudo da obra monumental

de Isidoro, bispo de Sevilha no período de 600 a 6366, deparamo-nos com uma grande

quantidade de textos.7 A cada dia, autores dedicados ao estudo da vida e obra do bispo

hispalense se reproduzem, na proporção do alcance de seus escritos de referência. Autores

como Jacques Fontaine, cuja tese de doutorado foi pioneira para o conhecimento do bispo, A.

Muñoz Torrado8, J. Pérez de Urbel9, I. Quiles10, J. Madoz11, e tantos outros, contribuem com

análises minuciosas do universo de Isidoro de Sevilha.12

Diversos são os aspectos relacionados à obra de Isidoro de Sevilha na consolidação de

uma Igreja em construção. Sua atuação como bispo foi "marcada pela ascendência política

que exerceu sobre alguns dos monarcas visigodos,13 assim como pelo esforço de organização

da instituição eclesiástica na Península Hispânica."14 Aqui, interessam-nos especificamente

aqueles relacionados às formas de manifestação do conhecimento adquirido e aplicado,

relacionado à Astronomia.

6Cf.FERRÁNDIZ ARAUJO, Carlos. Isidoro de Sevilla. In: GONZALEZ FERNÁNDEZ, Julián. (Coord.). San Isidoro: doctor de las Españas. Sevilla, León, Cartagena: Caja Duero. Fundación Cajamurcia. Fundacion El Monte, 2003.p.27-28. 7 Boa parte deste material encontra-se disponibilizado na coleânea San Isidoro Doctor Hispaniae. Cf.: San Isidoro. Doctor Hispaniae. Sevilla: Cabildo Colegial de San Isidoro, Caja Duero, Fundación Caja Murcia Y Fundación El Monte, 2002. 8MUÑOZ TORRADO, A. San Isidoro de Sevilla: Imprenta Alvarez y Zambrano, 1936. 9 PÉREZ DE URBEL, J. San Isidoro de Sevilla. Barcelona: Labor, 1940. 10 QUILES I. San Isidoro de Sevilla. Buenos Aires: Espasa-Calpe Argentina, 1945. 11 MADOZ, J. San Isidoro de Sevilla. Semblanza de su personalidad literaria. León: Consejo Superior de Investigaciones Científicas y Centro de Estudios e Investigaciones San Isidoro, 1960. 12HERRERA CARRANZA, Joaquín. El pensamiento de San isidoro de Sevilla y su influencia histórica a través de autores del siglo XX. Grupo de Trabajo Scripturium Isidori Hispalensis del Aula de la Experiencia. Universidad de Sevilla. Disponible en http://institucional.us.es/aulaexp/PanelP/ISIDORO%20JOR%20INV.pdf. Acesso em março de 2016. p.1. 13Recaredo, Sisebuto, Suintila e Sisenando. 14 SILVA, Leila R. O bispo na obra de Ecclesiasticis Officiis de Isidoro De Sevilha. In SANTOS, B. S. & COSTA, R. (Orgs.). Anais do VIII Encontro Internacional da Idade Média: Filosofia, Artes, Letras, História e Direito. Cuiabá: EDUFMS, 2011. p.19.

18

O conhecimento da dinâmica celeste e de suas consequentes alterações é essencial

para garantir o uso adequado do tempo e o bom desempenho dos empreendimentos e tarefas a

ele relacionados. O controle do tempo além de empregado para administrar as alterações

ambientais é também, e principalmente, utilizado como instrumento de poder, exclusivo de

alguns, para exercer o controle sobre os demais.

Tomando por base a ciência astronômica do período, destacaremos o papel de Isidoro

de Sevilha ao difundir os saberes recuperados da Antiguidade - cuja sistematização

demonstrou a sua especial habilidade para organizar o conhecimento adquirido das culturas

clássicas e pagãs -, adequando-o de acordo com a sua função de bispo e porta-voz

autorizado15 de uma Igreja em expansão.16

O reconhecimento de sua autoridade, apoiado em sua erudição - sobre os diferentes

saberes acumulados até o seu período17 - atribuiu-lhe um poder simbólico18 estratégico no

trato, não só das questões religiosas, como também das questões sociais e políticas.

O saber astronômico, traduzido e representado em diversas formas, evidencia-se como

mais uma ferramenta de controle e poder nas relações sociais. Nesse sentido, observamos que

a autoridade eclesiástica de Isidoro - cuja atuação, como mencionado anteriormente, estava

longe de se restringir ao campo religioso - ultrapassava o estabelecido pela sua função

episcopal.

O controle sobre a dinâmica celeste expressa o quanto o tempo cósmico pode ser

transformado pelas sociedades humanas que o cristalizam, conforme seus interesses sociais,

econômicos, culturais, políticos e religiosos.

15 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas. o que falar quer dizer. Op Cit., p. 89-91. 16SILVA, Leila Rodrigues da. A normatização da sociedade peninsular ibérica nas atas conciliares e regras monásticas: as concepções relacionadas ao corpo (561-636) – um projeto em desenvolvimento. Jornada de Pesquisadores do CFCH, 6, 2004, Rio de Janeiro. In: Atas ... Rio de Janeiro: CFCH, 2004. (meio digital). 17 Tornou-se importante, não só por todo o conhecimento que sistematizou, como também pela citação de textos de outros autores, dos quais não temos mais vestígios além dos fragmentos presentes em sua obra. 18 Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 7-8.

19

Como detentor carismático dessa ferramenta de controle e poder, Isidoro utilizou o

saber astronômico não só para definir o mundo, delimitando o cosmos para relacioná-lo com o

microcosmo - o homem -, como também fez uso do pensamento simbólico para associações

de cunho religioso: Sol com Cristo e Céu com Igreja, p. ex.

A ciência dos astros e a dinâmica celeste ofereciam, desta forma, além dos referenciais

de ordem prática na organização de tarefas cotidianas, a possibilidade de sua utilização

simbólica - fundamental na adaptação do conhecimento (pagão) produzido anteriormente -

para fins exegéticos.

Ao longo da História, Isidoro de Sevilha tem sido abundantemente estudado, citado, e

também criticado. A despeito de todas as suas referências, apologéticas ou não, a sua

marcante presença é fruto de um trabalho laborioso e de sua considerável posição na história

de sua época. Em função dos diversos textos a ele atribuídos, é reconhecido na historiografia

pela extensão de sua obra no tempo e no espaço.

Isidoro continuou sendo, de fato, um dos autores mais lidos e reverenciados por seus escritos e por sua personalidade. A Espanha medieval o venerou como um doutor e, a partir do século XI, como um campeão da cristandade hispânica “reconquistadora".19

Com relação às populações ágrafas, muitos são os autores que dedicaram suas

pesquisas ao estudo e discussão dos conteúdos apresentados nos diversos registros elaborados

por nossos ancestrais. Configurados por pinturas e gravuras - encontrados em suportes

variados como paredes de grutas, cavernas, abrigos, blocos, etc. – esses registros são

englobados pelo termo “arte rupestre”.

19 “Isidoro ha seguido siendo, en efecto, uno de los autores más leídos y referenciados en sus escritos y en su persona, y la España medieval lo veneró como un doctor, y, a partir del siglo XI, como un campeón de la cristiandad hispánica ‘reconquistadora”. Cf.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid:. Encuentro, 2002. p. 287.

20

Só no nosso território, citando as palavras de Joaquim Perfeito da Silva20 com base no

levantamento bibliográfico realizado por André Prous21 para a Arqueologia Brasileira, “[...]

verificaram-se 275 títulos, cujas referências se faziam diretas às pinturas e gravuras rupestres

do Brasil.” Sem contar a grande quantidade de trabalhos com títulos mais gerais, que apesar

de não fazerem nenhuma referência direta, contêm informações sobre este tipo de vestígio

também.22 Ressaltamos que as informações arqueoastronômicas são ainda mais restritas do

que o registro rupestre em sua totalidade, já que se trata de uma temática ainda pouco

explorada.

Pesquisadores como: Carlos Echevarne,23 Andrei Isnardis,24 Edithe Pereira,25 Anne-

Marie Pessis,26 Loredana Ribeiro,27 Paulo Seda,28 entre tantos outros, têm contribuído

diretamente para o estudo desse tipo de remanescente cultural através, não só de publicações

atualizadas sobre as descobertas ocorridas em suas áreas de pesquisas, como também por

meio de participações em encontros internacionais periódicos para avaliação e debate sobre

esse material arqueológico especificamente.

Porém, apesar de ser um tema de grande interesse para os arqueólogos, assim como

muito atrativo para os leigos em geral, a arte rupestre ainda é um objeto de estudo que

necessita – mais do que a maioria dos vestígios – de uma enorme gama de informações

externas ao objeto em si. Como salientava Annette Laming-Emperaire, são os únicos vestígios

20 Do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. 21 Em 1980 e 1985 o arqueólogo André Prous publicou importantes levantamentos sobre a história da pesquisa e da bibliografia arqueológica no Brasil, que até hoje servem de referência para diversos outros trabalhos. 22PERFEITO DA SILVA, Joaquim. “ARTE RUPESTRE”: conceito e marco teórico. Em Rupestreweb, PERFEITO DA SILVA, Joaquim. “ARTE RUPESTRE”: conceito e marco teórico. Em Rupestreweb, Disponível em: < http://www.rupestreweb.info/conceito.html> 2004. p.1. Data de acesso: out/2014.. 23 Do departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 24 Do departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 25 Da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCTIC). 26 Do departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 27 Do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). 28 Do Núcleo de Estudos das Américas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas (IBPA).

21

deixados consciente e voluntariamente pelos homens pré-históricos.29 E, provavelmente por

esta mesma razão, são os mais complexos e difíceis de estudar.

Assim como diversos outros estudiosos, os autores Jean Clottes e David Lewis-

Wiliams atribuem aos xamãs a tarefa de elaboração dos registros rupestres. No livro “Los

chamanes de la prehistoria” os autores dedicam uma parte da obra à arte dos San, tribo sul-

africana cujas manifestações artísticas realizadas pelos xamãs, têm sido comparadas à arte

paleolítica.30

Abordagem teórico-metodológica

A comparação em História sempre se fez necessária desde que, a partir dos nossos

referenciais, tentamos entender o outro, ainda desconhecido e com o qual possuímos pouca

familiaridade. Em Arqueologia, esta necessidade torna-se mais evidente pela total ausência de

documentos escritos elaborados pelas sociedades que pretendemos estudar.

Com o intuito de conhecer uma sociedade em seus diferentes aspectos, os arqueólogos

sempre se associaram a outros pesquisadores - de outras áreas inclusive - e compararam

períodos, no intuito de compreender o funcionamento dos diversos aspectos envolvidos na

composição da sociedade estudada.

Assim, seguindo os referenciais propostos pela História Comparada e fundamentados

no pensamento de Jürgen Kocka, acreditamos que a abordagem comparativa nos permite

identificar questões e problemas que de outra forma seriam negligenciados.31 E, pressupondo

que esta abordagem nos permita separar unidades distintas, antes de reuni-las em confronto,

29 PROUS, André. Op Cit. p. 509. 30 Para eles, estas manifestações artísticas possuem um significado religioso e estão diretamente relacionadas ao xamanismo e seus rituais. CLOTTES, J.; LEWIS-WILLIAMS, D. Los Chamanes de la Prehistoria. Madrid: Ariel, 2010. p. 110-112. 31 KOCKA, Jürgen. Comparison and beyond. History and Theory, Middletown, 2003. p.40.

22

trabalharemos com sociedades distanciadas espaço temporalmente, na expectativa de que,

após a análise em separado, possamos melhor compreender, com as similaridades e

diferenças, os pontos em comum.32

Acreditamos que a partir de um constante exercício de diálogo entre documentos com

suportes distintos, é possível estabelecermos uma troca de informações sobre períodos e

realidades sociais que não poderiam ser de outra forma confrontados. Resolvemos direcionar

o nosso olhar, também para o período medieval, rico no que diz respeito à documentação

escrita, porque acreditamos que essa contraposição possibilita um debate legítimo entre aquilo

que é documentado intencionalmente e comportamentos que vão além do que é explicitado

pela escrita, tais como as relações hierárquicas de poder estabelecidas a partir da utilização do

conhecimento, que subsistem na base da organização social dos grupos onde foram geradas.

E como ainda não possuímos elementos suficientes, que nos permitam identificar no

registro arqueológico, as relações como as de poder, por exemplo, propomos o

emprego/aplicação de uma nova metodologia que destacaremos no capítulo 4,

evidenciando/apontando um novo caminho para a pesquisa arqueológica.

Documentos

Os registros astronômicos históricos - aqui destacados para também iluminarem os

caminhos da Arqueologia - são aqueles atribuídos a Isidoro de Sevilha, no período medieval

inicial, onde podemos verificar formas de controle social pela utilização de calendários na

organização de práticas diversas.33

32 Conforme também sistematizado por BARROS, José D´Assunção. História Comparada: um novo modo de ver e fazer a História. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 01, n. 01, 2007. p. 5. 33 Os calendários litúrgicos, estabelecidos por atas conciliares, regras monásticas, epistolários e mesmo sermões são, reconhecidamente, importantes expressões do poder eclesiástico, Cf.: SILVA, Paulo Duarte. Calendário Litúrgico e Poder Episcopal nos reinos romano-germânicos: considerações historiográficas. Brathair, 12, 1, p. 137-151, 2012.

23

Para esse período, serão utilizados como referência dois documentos elaborados por

Isidoro de Sevilha. O primeiro, Etymologiae (Etimologias), é uma obra de natureza

enciclopédica – composta por vinte livros - que reúne e apresenta, de forma sistemática,

conhecimentos acumulados até o período da sua produção, por volta de 634, dos vários

campos do saber. Bastante significativa, entre outras razões por registrar a transformação do

conhecimento desde a Antiguidade até o século VII. Outra obra, De natura rerum (Sobre a

natureza das coisas), dedicada ao rei Sisebuto, embora seja um escrito considerado menos

importante de Isidoro de Sevilha,34 é um manual de tratamento sistemático das ciências

físicas, que responde perguntas sobre pontos obscuros, sobre os elementos e sobre fenômenos

naturais. Como é comum na abordagem de Isidoro, essa obra faz referência tanto aos

conhecimentos clássicos pagãos quanto aos ensinamentos cristãos, ambos tratados como

autoridades.

O conhecimento astronômico identificado nessas obras de Isidoro – que até hoje

desperta interesse entre os estudiosos da área - apresenta a visão de mundo do seu tempo. A

partir da compreensão dessa visão de mundo, pretendemos iniciar nossa investigação e

destacar o papel da ciência astronômica no início da Idade Média. E os calendários – uma

materialização do modelo astronômico vigente, aceito pelas autoridades eclesiásticas - são,

sobretudo, instrumentos de poder institucional e religioso.

Para as populações ágrafas – nosso principal objeto de estudo - os documentos básicos

de pesquisa serão os registros rupestres com referências astronômicas, bem como os relatórios

das pesquisas a eles relacionados,35 principalmente nos casos em que a pesquisa

arqueoastronômica, especificamente, não foi realizada, não havendo, portanto, publicações

com esse enfoque.

Dentre os projetos de Arqueologia brasileira que coletaram material específico sobre a

temática arqueoastronômica, daremos especial atenção ao material procedente do projeto

34 Não possui edições acessíveis como as versões disponibilizadas para Etimologias, por exemplo. 35Todo sítio arqueológico que possui autorização para pesquisa, gera uma grande quantidade de documentos que normalmente só são levados a público após o término das pesquisas, conforme as questões levantadas pelo pesquisador/equipe responsável.

24

arqueológico que vem sendo desenvolvido por pesquisadores do Museu Nacional da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ) na região do município de Central, na

Bahia, e, mais especificamente do sítio arqueológico Toca do Cosmos. Assim sendo,

apresentaremos como referência neste trabalho, alguns registros rupestres identificados pelo

Projeto Central36 que se destaca pelo tempo de pesquisa e dedicação ao amadurecimento de

questões relacionadas à Astronomia de populações pretéritas.

36Sob a coordenação de Maria da Conceição de Moraes Coutinho Beltrão, que vem realizando pesquisas na região há mais de três décadas.

25

1 - CAMINHOS DA ASTRONOMIA

"A astronomia é útil porque nos eleva acima de nós mesmos; é útil porque é grande, é útil porque é bela; isso é o que se precisa dizer. É ela que nos mostra o quanto o homem é pequeno no corpo e o quanto é grande no espírito, já que nesta imensidão resplandecente, onde seu corpo não passa de um ponto obscuro, sua inteligência pode abarcar inteira, e dela fluir a silenciosa harmonia. Atingimos assim a consciência de nossa força, e isso é uma coisa pela qual jamais pagaríamos caro demais, porque essa consciência

nos torna mais fortes".1

Considerada a mais antiga das ciências naturais, a ciência que estuda os astros e todos

os fenômenos que ocorrem para além da atmosfera terrestre, sempre ocupou lugar de destaque

no interesse humano. Seja por questões de ordem prática, que fazem da dinâmica celeste um

referencial básico para organização e sobrevivência dos seres humanos, ou mesmo por

questões religiosas, a predição de eventos confere ao céu, um papel prático e mesmo

espiritual, com funções de mapa, calendário e de "relógio".

Ainda que o início da Astronomia - tal como conhecemos - seja difícil de precisar, não

é errado supor que o interesse pelo céu e a observação da dinâmica celeste envolva um

período quase tão antigo quanto o da existência humana. Indícios arqueológicos remontam há

milhares de anos e comprovam a plena observação e registro de fenômenos celestes cíclicos e

esporádicos.

A ciência responsável pelo estudo desses vestígios deixados por nossos antepassados,

a Arqueoastronomia - que particularmente nos interessa e que abordaremos mais

especificamente no próximo capítulo - tem se valido da análise de diversas outras culturas na

tentativa de minimizar a fragilidade das esparsas informações resgatadas pela Arqueologia até

o presente - que costuma alcançar o máximo a partir do mínimo.

1 POINCARE, Henri. O Valor da Ciência. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995. p. 92.

26

Estudar as "Astronomias" de outras sociedades, mesmo que distanciadas no espaço e

no tempo, contribui não só para o entendimento do que somos hoje, como também esclarece

os mecanismos de assimilação do conhecimento adquirido por diferentes culturas no decorrer

da História.

1.1 - Considerações introdutórias

No Brasil, a ciência astronômica, institucionalizada, passa a ter o seu desenvolvimento

diretamente associado à implantação dos cursos de pós-graduação, no início da década de

1970.2 Atualmente, frentes diversificadas de trabalho existem em diferentes instituições do

país e, se quisermos uma boa amostra dessa pesquisa, podemos encontrar na obra organizada

pelo astrônomo Oscar Matsuura, História da Astronomia no Brasil,3 em dois volumes, que

reúne 44 artigos de astrônomos e historiadores da ciência. A obra, que naturalmente não

incorporou todos os trabalhos de relevância, é, de toda a forma, a mais atualizada referência

geral da área e contribui para a compreensão do que já foi feito, do que está em andamento e

das perspectivas futuras da Astronomia no Brasil.

Entretanto, a fim de obtermos mais informações que permitam auxiliar os caminhos da

Arqueologia, vamos retroceder no tempo e abordar um período em que a tecnologia era mais

simples e a observação do céu, mais necessária. Acrescentando uma boa quantidade de

documentação escrita, sistematizada, contaremos com um diferencial que nos permita

entender alguns desígnios da mente humana e, então, encontraremos uma sociedade que,

centrada em seus próprios objetivos, permita iluminar os nossos. Aqui, faremos referência ao

período medieval inicial e, mais especificamente, à Astronomia Isidoriana, que, com sua

riqueza de detalhes, permite o aumento das nossas perspectivas de estudo sobre um período

mais remoto - o de sociedades ágrafas - que não conta com tal aparato documental.

2 STEINER, João E. Astronomia no Brasil. In: Ciência e Cultura. São Paulo: SBPC, 2009. v.61. n.4. p.45. 3 MATSUURA, Oscar T. (Org). História da Astronomia no Brasil. Recife: Cepe, 2014.

27

1.2 - A Astronomia isidoriana

"Eu irei satisfazer sem demora o desejo do teu espírito recorrendo aos antepassados, explicando de alguma forma o cálculo do dia e do mês, além do final do ano e a sucessão das estações, também a natureza dos elementos, finalmente, o curso do sol e da lua e as consequências de alguns astros, ou seja, como presságios de ventos e tempestades, bem como a posição da terra e a alternância das marés."4

O período isidoriano - assim denominado pela marcante atuação deste bispo sevilhano

- foi marcado pela considerável quantidade de obras produzidas no reino visigodo, pelo

segmento eclesiástico de uma forma geral. A produção atribuída a Isidoro de Sevilha tem

proporcionado material de interesse para a pesquisa em diversas especialidades. A ordenação

dos distintos campos do saber contidos, por exemplo, em sua obra enciclopédica -

Etimologias - tem se mostrado essencial para a divulgação, e, até mesmo, recuperação do

conhecimento adquirido no passado. Profícuo na produção de documentação escrita, o

período foi responsável pela sistematização do conhecimento adquirido pelas culturas

anteriores - clássicas e pagãs - e sua reordenação de forma cristianizada.

4"Yo satisfaré sin demora el deseo de tu espiritu recorriendo a los antepassados, explicando de alguna manera el cálculo del día y del mes, además los extremos del año y la sucesión de estaciones, también la naturaleza de los elementos, finalmente el curso del sol y de la luna y las consecuencias de algunos astros, es decir, como presagios de vientos y tempestades, así como la posición de la tierra y la alternancia de las mareas." (CF.: ISIDORO DE SEVILHA, 2011:2). "Dum te praestantem ingenio facundiaque ac uario flore litterarum non nesciam, inpendis tamen amplius curam et quaedam ex rerum natura uel causis a me tibi efflagitas suffraganda. Ego autem satisfacere studeo animoque tuo decursis priorum monumentis non demoror expedire aliqua ex parte rationem dierum ac mensium, anni quoque metas et temporum uicissitudines naturam etiam elimentorum, solis denique ac lunae cursus et quorundam causas astrorum, tempestatum scilicet signa adque uentorum nec non et terrae positionem alternosque maris aestus".(CF.: ISIDORO DE SEVILHA, 1987:1)

28

1.2.1 - Isidoro de Sevilha

Até o presente momento, não temos como saber a data e o local precisos do

nascimento de Isidoro. Com base nos documentos conhecidos é possível fazer uma

estimativa. Conforme relatado por Antonio Hernández Parrales, seus pais saíram de Cartagena

no ano de 554, antes do seu nascimento.5 Uma vez que se tornou bispo em 601 e que era

necessário ter o mínimo de trinta anos de idade para o cargo, podemos presumir que o seu

nascimento deve ter ocorrido antes de 570.6 Por todo o exposto na bibliografia referente, não é

errado supor que ele seja de Sevilha mesmo e que tenha nascido entre 560 e 570.7

Com a morte precoce de seu pai, a educação de Isidoro ficou a cargo de seu irmão

mais velho Leandro, que o antecedeu no cargo episcopal e lhe proporcionou familiaridade

com os livros das ciências, tanto religiosas como profanas. O conhecimento acumulado desde

cedo permitiu que Isidoro - por mais de trinta anos no bispado de Sevilha - fosse reconhecido

por seus contemporâneos como um erudito sem precedentes, exercendo enorme influência

religiosa, social e política na Hispânia visigoda.

Isidoro influenciou de maneira decisiva a trajetória política da Hispânia delimitando -

no IV Concílio de Toledo em 633 - 8 o poder do rei e o dever de obediência baseado na

fidelidade e na lealdade. O rei arbitrário perdia o direito de reinar, enquanto o rei virtuoso

ficava plenamente legitimado. Desse modo, o exercício do poder real passava a ser um dever

5HERNÁNDEZ PARRALES, Antonio. El XIV centenario del nacimiento de San Isidoro, Arzobispo de Sevilla. Boletín del Instituto de Estudios Giennenses, 1960. p.10-11. 6 MADOZ, Jose. San Isidoro de Sevilla. Semblanza de su personalidad literaria. León: CSIC/Centro de Estudios e investigaciones San Isidoro,1960. p.4. 7 HERRERA CARRANZA, Joaquín. Op. Cit. p. 2. 8 Dentro do que comporta a ampla atividade conciliar - não só por decisões religiosas como também políticas - durante os anos do Reino Visigodo católico espanhol , destacamos a participação de Isidoro, particularmente no IV Concílio ocorrido na cidade de Toledo - capital do reino visigodo. O quarto concílio toledano, realizado na Igreja de Santa Leocádia no final do ano de 633, foi provavelmente presidido por Isidoro de Sevilha, já idoso, que propôs a maior parte do que foi aprovado. Por sua influência foi proclamado, por exemplo, que todos os bispos criassem seminários em suas sés metropolitanas seguindo um modelo de escola que o próprio Isidoro criara em Sevilha.

29

e não um direito e qualquer outra forma de usurpação do poder passava a ser considerada

crime execrável. 9

Entre os diversos motivos que enfatizam o interesse de Isidoro pela Astronomia,

podemos ressaltar que, além de ser um conhecimento essencial para o bom desempenho da

vida eclesiástica e suas celebrações (calendário das festas litúrgicas), também se tornou útil,

conforme observa Jacques Fontaine, fora da Igreja: "contra a persistência em terras

hispânicas, (...), da astrologia erudita e imemoriais religiões astrais, contra os terrores arcaicos

causados à população das zonas rurais pelos eclipses, contra as especulações planetárias da

heresia priscilianista10".11

1.2.2 - A Astronomia no início da Idade Média

Quando pesquisamos a Astronomia no início da Idade Média, é muito comum

encontrarmos referências à existência de uma lacuna no desenvolvimento das ciências

"fundamentais" neste período. Na verdade, tal lacuna pode ser verificada desde o Império

Romano, quando percebemos claramente o destaque para a engenharia e a arquitetura.

O período medieval inicial foi mais caracterizado pelo aperfeiçoamento do modelo

existente - aceito pelas autoridades eclesiásticas - do que por descobertas inovadoras. O

astrônomo era, antes de tudo, um estudioso e não um investigador. E aqui ressaltamos o

trabalho de Isidoro na sistematização dos saberes mais substanciais da época e,

9 HERRERA CARRANZA, Joaquín. Op. Cit. p. 4. 10 Doutrina cristã pregada por Prisciliano, no século IV, com base em ideais de austeridade e pobreza, desenvolvida na Península Ibérica (Hispânia romana) e que foi posteriormente considerada como heresia pela igreja Ortodoxa. 11" (...) contra la persistencia en tierras hispânicas, (...), de la astrología erudita y de religiones astral es inmemoriales, contra los terrores arcaicos provocados en la población de las zonas rurales por los eclipses, contra las especulaciones planetarias de la herejía priscilianista." Cf.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Madrid: Encuentro, 2002. p. 221.

30

destacadamente, daqueles responsáveis pela transmissão do conhecimento astronômico, o que

nos permite delinear a visão de mundo presente em sua obra.

O saber astronômico era valorizado, não só pela inserção do indivíduo no cosmos,

como também pelo sentido metafórico e cristão de busca pelas "coisas do alto". A partir da

delimitação do objeto da Astronomia12 e a definição do cosmos, Isidoro demarca a associação

com o homem - microcosmos." (...) Desta forma, à imagem do mundo (Céu e Terra), o

homem possui corpo e alma. Tal como as esferas do mundo (celeste, terrestre e infernal), três

são as esferas humanas: inteligência, corpo e carne".13

Os conhecimentos astronômicos e/ou geográficos de Isidoro de Sevilha podem ser

extraídos da leitura de alguns capítulos da obra enciclopédica Etimologias14 (Etymologiae) e,

de forma mais concisa e específica, na obra Sobre a natureza das coisas (De natura rerum).

A despeito da relevância do conteúdo astronômico sistematizado em sua obra,

destacamos alguns aspectos que, embora difusos e simbólicos, estavam em conformidade com

a sua função eclesiástica. Algumas incoerências tornam-se evidentes no processo de reunião

dos conhecimentos clássicos e pagãos com os contidos nas Escrituras.

Ao descrever, por exemplo, os cinco círculos da esfera celeste - ártico, trópico,

equinocial, antártico e trópico invernal - para determinar as zonas climáticas, faz relação com

a presença dos mesmos círculos sobre a Terra, assim considerada como uma esfera15. E se

12"Astronomia significa 'lei dos astros', e estuda, até onde o conhecimento permite, o curso dos astros, suas configurações e as relações que estes têm uns com os outros e com a Terra"/ "Astronomia est astrorum lex, quae cursus siderum et figuras et habitudines stellarum circa se et circa terram indagabili ratione percurrit." Cf.: ISIDORO DE SEVILHA, Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M. Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 454.1982. 13 ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. A respeito dos homens e dos seres prodigiosos. Revista da USP, n. 23, São Paulo, 1994. p. 78. 14 Além do capítulo III (sobre a Matemática) que apresenta a definição de Astronomia, também encontramos material relacionado, especialmente nos capítulos IX (linguagens, povos, reinos e cidades), XIII (o mundo e suas partes) e XIV (a geografia). 15"Em sua definição de mundo, os filósofos dizem que há cinco círculos, chamados pelos gregos de paralelos, ou seja, zonas em que se dividem a superfície (círculo) da terra (orbis terrae)."/"In definitione autem mundi circulos aiunt philosophi quinque, quos Graeci παϱαλλήλονϛ - id est zonas - uocant, in quibus diuiditur orbis terrae."CF.: ISIDORO DE SEVILLA. De Natura Rerum Liber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967. p. 22-23.

31

contradiz, quando afirma que indianos e bretões vêem o Sol ao mesmo tempo no momento do

alvorecer16 - só compatível com uma terra plana.

A concepção de mundo está manifestada nos mapas que pretendiam demonstrar o

mundo em sua totalidade, como era então conhecido. Segundo a tradição vigente na literatura

geográfica desde o período helenístico, atribuía-se ao continente asiático a mesma superfície

que o Europeu e o Africano juntos.17

A superfície da Terra se divide em três partes, das quais uma é chamada Europa, a outra Ásia e a terceira África. A Europa é separada da África desde o último extremo do oceano até as Colunas de Hércules. A Ásia é separada da Líbia pelo Egito e pela foz do rio Tanais, que desemboca no lago Maeotis [ mar Azov ]. A Ásia, como diz o mais bem-aventurado Agostinho, estende-se desde o meio-dia para o norte, passando pelo leste. A Europa, do norte para o ocidente e, em seguida, a África do ocidente ao meio-dia. Portanto, metade do mundo está dividida em duas partes - Europa e África - e a outra metade é ocupada apenas pela Ásia. Estas duas partes se fizeram assim para que o mar penetre suas águas, banhando a separação entre as terras, formando o grande mar [Mediterrâneo]. Os geômetras estimaram que a extensão da terra é de 180.000 estádios.18

Isidoro ressalta a explicação sobre a divisão em três continentes - algo comum na

tradição geográfica e etnográfica greco-romana - reforçando a coexistência do legado pagão

16"O sol é semelhante para os indianos e para os bretões que o vêem levantar-se ao mesmo tempo. Seu tamanho aparente não é menor para os orientais do que para os ocidentais quando nasce e quando se põe"/ "Similis sol est Indis et Brittanis eodem momento uidetur cum oritur nec uergens in occasum minor apparet orientalibus, existimatur". CF.: Ibidem. p. 32. 17 ALBALADEJO VIVERO, Manuel. El conocimiento geográfico en las "Etimologias" isidorianas:algunas consideraciones. IBERIA. 2 (1999). p.205. 18"Regio autem terrae uidetur trifarie esse diuisa, e quibus una pars Europa, altera Asia, tertia Africa uocatur. Europam igitur ab Africa diuidit mare ab extremis oceani finibus et Herculis columnis. Asiam autem et libyam cum Aegypto disterminat os Nili fluminis quod Canopicon appellatur. Asiam autem - ut ait beatissimus Augustinus - a meridie per orientem usque ad septemtrionem peruenit. Europa uero a septentrione usque ad occidentem, adque inde Africa ab occidente usque ad meridiem, unde uidentur orbem dimidium duae tenere Europa et Africa; alium uero dimidium sola Asia. Sed ideo illae duae partes factae sunt, quia inter utramque ab oceano ingreditur quidquid aquarum terras interluit et hoc mare magnum nobis facit. Totius autem terrae mensuram geometrae centum octoginta milium stadiorum et quinque existimauerunt."Cf.:ISIDORO DE SEVILLA. De Natura RerumLiber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967. p.79.

32

com o pensamento cristão. Os três continentes são representados como domínios dos filhos de

Noé: Sem (Ásia), Jafet (Europa) e Cham (África).19

Representação impressa do mapa T- O por Günther Zainer, Augsburgo, 1472, ilustrando a primeira página do capítulo XIV das Etimologias de Isidoro de Sevilha.

Os mapas T-O como são conhecidos - onde o "T" representa a divisão entre os três

continentes e o "O" o oceano ao redor - são caracterizados por sua alta carga teológica,

descrevendo o mundo segundo a ideia de Isidoro de Sevilha. Tal perspectiva serviu como

referência até o final da Idade Média (século XV), quando os renascentistas com suas novas

descobertas, e principalmente com a descoberta do "Novo Mundo" (Américas), começaram a

elaborar novos tipos de mapas.

O mapa,20 descrito nas Etimologias, apresenta claramente referências cristãs - nomes

bíblicos - em sua escrita. Mais do que representar o mundo, buscava representar uma visão

19MOLINA MARIN, Antonio Ignacio. La geografía en la historiografia cristiana: el inicio de la separación entre geografia e história. In Geographica: ciencia del espacio y tradición narrativa de Homero a Cosmas Indicopleustes. Antigcrist (Murcia) XXVII, p. 379-397, 2010. p. 388. 20 Este conceito de cartografia medieval representa apenas o hemisfério norte de uma Terra esférica, dedução feita a partir da projeção da porção habitada do mundo conhecida nos tempos romanos e medievais.

33

cristã da Terra conhecida. O paraíso (jardim do Éden), por exemplo, era geralmente

representado pela Ásia, situada na parte superior do mapa.

1.2.3 - Astronomia e Astrologia

Podemos observar na obra de Isidoro uma distinção entre o que hoje consideramos o

campo de atuação da Astronomia e aquele que normalmente definimos por Astrologia. A

primeira, que ele identifica como mais prática e científica, estudaria as evoluções dos corpos

celestes, auxiliada por números. A segunda, que caracteriza como mais supersticiosa, teria por

objeto o estudo da influência desses corpos celestes sobre o destino do homem.

Os romanos dão aos dias da semana os nomes dos planetas, ou seja, das estrelas errantes. O primeiro dia tem o seu nome a partir do Sol, que é o primeiro de todos os astros; o segundo da Lua; o terceiro da estrela Marte, chamada Vésper; o quarto da estrela Mercúrio; o quinto da estrela Júpiter, chamada Phaeton; o sexto da estrela Vênus, chamada Lúcifer, a mais brilhante de todas as estrelas; o sétimo da estrela Saturno. Os pagãos deram aos dias da semana, os nomes destas sete estrelas porque acreditavam que elas exerciam sobre eles certa influência. Afirmam receber do Sol o sopro vital, da Lua o corpo, de Mercúrio a palavra e a sabedoria, de Vênus o prazer, de Marte o ardor das paixões, de Júpiter a moderação e de Saturno a tranquilidade.21

21"(....) Apud Romanos autem hi dies a planetis - id est erracticis stellis - nomina ceperunt. Primum enin diem a sole uocatum dicimus, quia princeps est omnium siderum, sicut et idem dies capud est cunctorum dierum, secundum a luna, quae soli et splendore et magnitudine proxima est, et exinde mutuat lumen; tertium ab stella Martis quae uesper uocatur; 3.quartum a stella Mercurii, quam quidam candidum circulum dicunt; quintum a stellaIouis, quam phaethonta dicunt; sextum a Venerisstella, quam luciferum asserunt, quae inter omnia sidera plus lucis habet; septimum a stella Saturni, quae septimo caelo locata XXX annis fertur explere cursum suum. 4. Proinde autem gentiles ex his septem planetis nomina diebus dederunt e o quod per eosdem aliquid sibi effici existimarunt dicentes habere ex sole spiritum, ex luna corpus, ex Mercuri linguam et sapientiam, ex Venere uoluptatem, ex marte feruorem, ex Iole temperantiam, ex Saturno tardi tatem.Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. De Natura Rerum Liber. Editado por Gustavus Becker, Amsterdam: Verlag Adolf M. Hakkert, 1967. p. 09-10.

34

Por influência cristã, após a penetração definitiva do Cristianismo nos fundamentos da

ideologia oficial do poder romano, as leis romanas adquiriram um compromisso mais exigente

em sua luta contra o que consideravam ser superstição mântica e astrológica.22

Na tradição latina, os termos Astronomia e Astrologia se misturavam, reunindo tanto

os conhecimentos úteis para a Igreja - como a fixação de ciclos e ofícios litúrgicos para o

cômputo pascoal p.ex. - com os de associação suspeita com a superstição pagã. O que levou

os Padres da Igreja a expressar sua desconfiança com a ciência dos astros, normalmente

descrita como Astrologia.

As superstições, diretamente relacionadas com o diabo, opor-se-iam à religião, que

buscava a harmonia com Deus. Estariam vinculadas a um paganismo difícil de erradicar. A

magia implicava em um pacto com o diabo, enquanto a adivinhação era menos reprovável, já

que o objeto de alguns adivinhos era mais parecido com os dos "científicos", os matemáticos

e os médicos.23

É nesse contexto que, conforme expõe Pablo Martín Prieto, Isidoro sentiu necessidade

de estabelecer, no 27º capítulo do 3º livro das Etimologias uma distinção clara entre

Astronomia e Astrologia, por avaliar as práticas consideradas supersticiosas como um forte

obstáculo à evangelização.

A autoridade de Isidoro é responsável por ter estabelecido e fixado com clareza, para a posteridade medieval, os limites definidos dos campos semânticos ainda hoje associados às duas vertentes do conhecimento sobre os astros.24

Apesar de evidenciar diferenças entre a Astronomia e a Astrologia em um período em

que a divisão entre os campos de conhecimento era difícil de definir,25 Isidoro demonstra, em

22MARTÍN PRIETO, Pablo. Isidoro de Sevilla frente a los límites del conocimiento: etimología, astrología, magia. Temas Medievales, Buenos Aires, v.13, n.1, p. 125-156, ene./dic. 2005, p.134. 23 VERDON, Jean. Las supersticiones en la Edad Media. Buenos Aires: El Ateneo, 2009. p.12. 24 "... la autoridad de Isidoro es responsable de haber estabelecido y fijado con claridad, para la posteridad medieval, los limites definidos de los campos semánticos aún hoje asociados a las dos vertientes del conocimento sobre los astros". MARTÍN PRIETO, Pablo. Op. Cit. p.135. 25Os grandes astrônomos - desde Ptolomeu até Kepler - eram também astrólogos.

35

diversas ocasiões, uma atitude ambígua, porém reveladora do pensamento medieval ao

aceitar, por exemplo, preceitos astrológicos médicos e também se preocupar com os efeitos

nefastos provocados pela passagem de um cometa.26

1.2.4 - Documentação de referência

As diversas obras atribuídas a Isidoro de Sevilha - cuja produção literária foi arrolada

pelo bispo Bráulio de Saragoça27 em documento conhecido como Renotatio Isidori - são

fundamentais para a compreensão do contexto em que estão inseridas as emblemáticas

atuações deste bispo. Isidoro ficou conhecido como um dos mais importantes intelectuais da

Igreja no período visigodo. Sua trajetória no bispado de Sevilha é marcada pelo empenho na

organização da instituição eclesiástica na Península Hispânica e pela influência que exerceu,

não só pelos seus escritos, como também pela sua atuação no II Concílio de Sevilha (619) e

no IV de Toledo (633).28

Dentre os diferentes temas abordados nos dezessete escritos, com temáticas variadas

que foram amplamente reproduzidas ao longo do medievo, daremos especial atenção ao saber

astronômico que apesar de ser apresentado muitas vezes de forma simbólica, é portador de

uma quantidade de referências clássicas cujos "originais" se perderam no tempo, pela

História. A utilização desse conhecimento na administração de atividades diversas mostrou-se

essencial aos detentores do poder e fundamental no processo de fortalecimento da Igreja em

expansão.

Este saber - foco da abordagem selecionada para nossa pesquisa - será observado à luz

de duas das suas obras - Etymologiae e De natura rerum - que examinaremos mais

detalhadamente a seguir. 26 SAMSÓ, Julio. La Astrología en España durante la Alta Edad Media. Berceo, Historia 16, n. 41, p. 102-109, 1979. p. 102. 27 Reconhecido como discípulo de Isidoro. 28 Cf. SILVA, Leila R.O paradigma de monge nos De ecclesiasticis officiis e Regula Isidori. In: Anais do XXV Simpósio Nacional de História - ANPUH. Fortaleza, 2009.

36

A obra Etymologiae

A distribuição atual do conteúdo das Etimologias, nem sempre corresponde em

exatidão ao da primeira fase de elaboração compilada por Isidoro. A obra, solicitada por

Bráulio, bispo de Saragoça, foi enviada ainda não editada (Codex Inemendatus). No entanto,

já teria circulado com uma dedicatória ao rei visigodo Sisebuto, antes que Bráulio tivesse

revisado.29 Esta seria a principal razão para a existência de dois blocos principais de

manuscritos. Um, com um texto mais curto, com vários elementos omitidos, e outro, de texto

mais longo com o acréscimo de interpolações.

Manuel C. Diaz y Diaz, estima que existiram cinco mil cópias da obra e que sua

difusão começou muito cedo, desde meados do século VII, em diferentes versões que, quando

contrastadas, tendiam a ser alteradas com o objetivo de completar as informações ausentes em

determinados exemplares.30

Etymologiae, de forma enciclopédica e composta por vinte livros31, é a obra que mais

expressa a ampla instrução do autor e é também a que se tornou mais conhecida e analisada.

Registra a transformação do conhecimento desde a Antiguidade até o século VII,

apresentando, de forma sistemática, o que foi acumulado pelos diversos campos do saber.

Inicialmente elaborada para atender a um pedido do monarca Sisebuto (612 -621), essa

obra possuía outras motivações que Jacques Fontaine, distinguiu em quatro tipos: melhorar a

cultura das elites leigas e eclesiásticas do reino, oferecendo-lhes uma espécie de manual

prático; prosseguir a busca de um saber global, através da via aberta pelo enciclopedismo

29 Provavelmente por volta de 659, conforme DIAZ Y DIAZ na introdução da obra ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M. Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 102. 30 Ibidem p. 200 e 211. 31 I - Gramática; II - Retórica e Dialética; III –Aritmética, Geometria, Música e Astronomia; IV – Medicina; V - leis e tempo; VI - livros e ofícios eclesiásticos; VII - Deus, anjos e santos: hierarquias de Céu e Terra; VIII - Igreja e seitas; IX - línguas, povos, reinos, cidades e títulos; X - Etimologia; XI - homem; XII –animais; XIII - Mundo e suas partes; XIV - Terra e suas partes; XV –prédios públicos e estradas; XVI - pedras e metais; XVII- agricultura; XVIII – guerra, jurisprudência e jogos; XIX –navios, casas e vestes; XX - provisões e mobiliário.

37

helenístico e romano; voltar a dar um sentido mais puro às palavras, contribuindo para a

reconstrução linguística do latim, em uma Hispânia que ainda o falava; e, finalmente, atender

a curiosidade pessoal do próprio Isidoro sobre alguns conhecimentos profanos, que poderiam

ser considerados supérfluos para um bispo do século VII. 32

Etimologias inicia - como o próprio nome indica - explicando as origens das palavras

em diversos campos do saber. Isidoro acreditava que a partir de uma interpretação sobre a

origem dos vocábulos seria possível conhecer a essência das palavras e dos nomes, além de

apreender a sua realidade. A Etimologia desempenhava aqui um duplo papel, epistemológico

e teológico, pois agia tanto como meio de unificação do conhecimento quanto como uma

forma de reconduzir os nomes e as coisas até o criador. Mas, no decorrer dos vinte livros que

a compõem, torna-se muito mais que um trabalho sobre a linguagem, expressando, sobretudo,

a visão de mundo de seu tempo.

A teoria astronômica em Etimologias consistia na definição do que é o mundo, o céu,

o lugar da esfera e seu curso, o eixo do céu e abóbada celeste, quais são as regiões do céu, que

cursos seguem o sol, a lua e os astros, etc.33A partir dessa delimitação do objeto da

Astronomia e definição do cosmos passaria a sua ligação com o homem – microcosmos. Em

diversas ocasiões apresenta características do pensamento simbólico, como na definição do

movimento e intensidade do Sol e na sua associação espiritual como o próprio Cristo, ou

ainda do Céu com a Igreja.

Com a hegemonia do cristianismo, o interesse geral dos intelectuais eclesiásticos

esteve direcionado para o conhecimento das Sagradas Escrituras, sobretudo pelas reflexões

proporcionadas pelos Padres da Igreja. Dessa forma, o conhecimento herdado da cultura

clássica foi, aos poucos, sendo esquecido.34

32FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Op. Cit., p. 122-124. 33 ISIDORO DE SEVILHA, Etimologías. Madrid: Edición Bilingüe Latín-Español, de J. Reta e M. A. M. Casquero, con introducción de Manuel C. Díaz y Díaz. Madrid: BAC, 1982. p. 457. 34Conforme introdução de Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. Los círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011. p.3.

38

Neste contexto, destacamos a obra de Isidoro de Sevilha, cuja elaboração, para muitos,

seria suficiente para colocar em destaque o nome do bispo no período da História em que

viveu e que o sucedeu. Foi fundamental para a propagação da cultura greco-latina na Hispânia

visigoda tornando-se, com o passar dos anos, uma das principais fontes de assimilação dos

trabalhos de Aristóteles e de outros gregos em toda a Europa.

Entre os autores conhecidos e utilizados por Isidoro, podemos agregar, conforme as

especificidades destacadas por Joaquín Herrera Carranza:

- Padres da Igreja: São João Crisóstomo, Tertuliano, São Jerônimo, Orígenes, Santo Agostinho e São Gregório Magno. Com relação à história cristã: Orósio e Eusébio de Cesárea. - História pagã: Suetônio, Salústio, Tito Lívio, Júlio César e Varrão Na História natural e medicina: Plínio, Celso, Columela, Hipócrates, Galeno e Dioscórides. - Criação literária: Virgílio, Cícero, Catão, Horácio, Sêneca, Cina, Lucano, Catulo, Ovídio, Apuleio, Enio, Terêncio, Marcial e Aurélio Clemente Prudêncio. - Pensamento filosófico: Demócrito, Porfírio, Platão, Aristóteles, Epicuro, Heráclito, Lucrécio, Boécio, Cassiodoro e Mário Vitorino35.

A obra De natura rerum

A obra é, de fato, uma espécie de manual de cosmologia que foi escrito por Isidoro de

Sevilha, durante o reinado do rei Sisebuto - entre 612 e 621 -36 com o objetivo de explicar o

mundo de forma resumida e esquemática, atendendo a um pedido do monarca visigodo.

35"*Padres de La Iglesia: San Juan Crisóstomo, Tertuliano, San Jerónimo, Orígenes, San Agustín y San Gregorio Magno. Conrelación a la historia cristiana: Orosio y Eusebio de Cesárea. *Historia pagana: Suetonio, Salustio, Tito Livio, Julio César y Varrón. Enlahistoria natural y medicina: Plinio, Celso, Columella, Hipócrates, Galeno y Dioscórides. *Creación literaria: Virgilio, Cicerón, Catón, Horacio, Séneca, Cinna, Lucano, Catulo, Ovidio, Apuleyo, Ennio, Terencio, Marcial y Aurelio Prudencio Clemente. *Pensamiento filosófico: Demócrito, Porfirio, Platón, Aristóteles, Epicuro, Heráclito, Lucrecio, Boecio, Casiodoro y Mario Victorino.".Cf.:HERRERA CARRANZA, Joaquín. Op. Cit., p.6. 36que alguns autores, tais como Jacques Fontaine, costumam relacionar com a necessidade que o bispo teve de esclarecer um eclipse total ocorrido em 613. Cf.:FONTAINE, Jacques, Isidoro de Sevilha, padre de la cultura

39

Em contraste com Etymologiae, De natura rerum não possui edições de fácil acesso.

Podemos destacar algumas características que a tornam relevante para o esclarecimento de

questões relacionadas à transmissão do conhecimento astronômico e para o exercício do poder

incluído na sua propagação.

Escrita em cerca de quarenta e oito capítulos, a obra abrange temas astronômicos,

meteorológicos, de cálculo para o cômputo do tempo e sobre os elementos que formam a

matéria do universo. Tem início com uma explicação sobre as divisões do tempo - os dias, a

noite, a semana, os meses, o ano, as estações - e segue analisando o que se encontra entre o

céu e a terra. O firmamento, tal como concebido na Bíblia, é abordado em trinta capítulos da

obra. A água, segundo elemento, é tratada nos cinco capítulos seguintes. A terra, terceiro

elemento, é tratada em dois capítulos e o fogo só é mencionado em uma série de

considerações sobre o Etna. Ou seja, o céu - e todas as manifestações que produz e que lhe

estão associadas - ocupam o 1º lugar no entendimento sobre a natureza.37

De forma sintética De natura rerum foi elaborada para padronizar o tempo e os

costumes, estabilizar os sentidos ortodoxos da mensagem e dissipar superstições. Pois, ao

explicar as leis do universo, revelava um saber verdadeiro, esclarecendo, desta forma, erros

que embaçavam a vista e obscureciam a alma.38

Com a intenção de explicar o mundo de forma resumida, Isidoro utilizou como recurso

didático, a exibição de representações circulares. O elevado número dessas imagens acabou

por atribuir uma segunda denominação ao De natura rerum, que passou a ser conhecido por

Liber rotarum - Livro das rodas - que Jacques Fontaine afirma ser frequente desde o século

VIII.

europea. In: CANDAU MORON, José M.; GASCÓ, Fernando et RAMIREZ de VERGUER, Antonio (Eds.). La conversión de Roma. Cristianismo y Paganismo. Madrid: Clásicas, 1990. p.261. 37Cf. RUCQUOI, Adeline. La percepcion de la naturaleza en la Alta Edad Media. Flocel Sabaté. Natura i desenvolupament. El medi ambient a l'EdatMitjana, Pagès, pp. 73-98, 2007, Càtedra d'Estudis Medievals Comtat d'Urgell, Balaguer. <halshs-00530797>2010.p.73. 38 Cf. DELL'ELICINE, Eleonora Ariadna. Acerca de la naturaleza de las cosas: Isidoro de Sevilla y el intento de cristianizar el saber pagano sobre el cosmos. XIV Jornadas Interescuelas/Departamentos de História. Universidade Nacional de Cuyo, 2013. p. 2-3.

40

O emprego de representações circulares faria parte de uma tradição antiga "segundo a

qual o tempo e o espaço, por assim dizer, estão encerrados na perfeição, por sua vez finita e

infinita, da figura circular – projeção plana da esfera". Os círculos nos ajudariam a perceber

mais claramente "os complexos harmônicos da fórmula annus mundus homo", que

resumiriam por sua vez, a "visão unificada do universo e do homem, assim como as razões de

sua solidariedade constante ao longo do tempo.” 39

As representações circulares, que serão mais extensamente apresentadas no terceiro

capítulo, são destacadas no mínimo em dezoito capítulos40 da obra.41

Os cinco círculos do mundo Os elementos do mundo42

39"(...) según la cual el tiempo y el espacio, por así decirlo, están encerrados en la perfección, a la vez finita e infinita, de la figura circular –proyección plana de la esfera" .(...)los complejos armónicos de la fórmula annusmundus homo". (...) una visión unitaria del universo y del hombre, así como las razones de su constante solidaridad a lo largo del tiempo". CF.: FONTAINE, Jacques. Isidoro de Sevilla: génesis y originalidad de la cultura hispánica en tiempos de los visigodos. Op.Cit. p. 211. 40 A saber: I - Sobre os dias; III - Sobre a semana; IV - Sobre os meses; V - Sobre a correspondência dos meses; VI - Sobre os anos; VII - Sobre as estações; X - Sobre os cinco círculos do mundo; XI - Sobre os elementos do mundo; XII - Sobre o Céu e seu nome; XIII - Sobre os sete planetas celestes e suas revoluções; XIV - Sobre as águas que estão acima dos céus; XV - Sobre a natureza do Sol; XVI - Sobre as dimensões do Sol e da Lua; XVIII - Sobre a luz da Lua; XXIII - Sobre a posição das sete estrelas errantes; XXXI - Sobre o arco-íris; XXXVI - Sobre os nomes dos ventos; e XLVIII - Sobre as partes da Terra. 41 Dispostos na versão facsímile de 2011. 42 Círculos procedentes de um código dofinal do século IX, originário da Bretanha ou Gales, constituído por 43 folhas em pergaminho, conservadas na biblioteca Estadual da Baviera e reproduzidos no livro Los círculos de De natura rerum, 2011.

41

As representações circulares - com ocorrência significativa em diversos tipos de

documento - 43 têm dado conta de explicar o mundo em diferentes períodos e contextos. Só o

estudo desse elemento gráfico, bem como o seu poder simbólico na organização e controle

sociocultural, já seria o suficiente para destacar a relevância do estudo astronômico na obra.

1.3 - Considerações parciais

Ainda que a Astronomia esteja visivelmente caminhando a “passos largos” tornando-

se, a cada dia, uma ciência com tecnologia e produção intelectual “de ponta”, para a

Arqueologia, entretanto, o mais propício a esclarecimentos será justamente o conhecimento

advindo de observações – e suas respectivas relações – isentas dos aparatos tecnológicos e os

desdobramentos da ciência moderna.

Analisar sociedades mais diretamente dependentes de observações celestes e o

conhecimento produzido sobre as relações que permeiam este saber, provocam indagações

mais pertinentes ao registro arqueológico originário de sociedades ágrafas.

Destacamos aqui o período isidoriano, que além de apresentar farta documentação

escrita – diferentemente da documentação básica apresentada pela Arqueologia -, foi

responsável pela sistematização do conhecimento produzido anteriormente, propiciando-nos

um amplo conhecimento do saber astronômico produzido pelas culturas anteriores, clássicas e

pagãs.

O conhecimento contido nas duas obras de Isidoro de Sevilha, aqui mais

destacadamente apresentadas, retrata a extensa erudição do autor, que fez uso da bagagem

adquirida pela leitura dos filósofos clássicos e de sua formação religiosa, procurando - como é

comum em toda a sua obra - combinar as informações de procedência pagã com os

ensinamentos das Escrituras. Para tal, fez uso, em diversas ocasiões, de linguagem simbólica -

43 Cf exposto em JALLES, Cíntia. Pintado, Gravado e Escrito: A materialização do saber astronômico em diferentes formas de registro. In: BARBOZA, Christina Helena da Motta (Org.). Histórias de Ciência e Tecnologia no Brasil (Mast: 30 anos de pesquisa, v.3). 1ed. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, v. 3, p. 09-22, 2016. p.20.

42

em associações de cunho religioso - o que tem gerado críticas quanto à transmissão do

conhecimento "científico".44 Por outro lado, o uso de símbolos, proporciona material

adequado para associações com outros tipos de representações encontradas em grupos sociais

diversificados.

O estudo dos símbolos tem se apresentado como forte aliado em pesquisas realizadas

sobre sociedades - em geral, ágrafas - que não contam com o apoio documental escrito

necessário para a identificação de relações como as de poder, que são objeto de interesse para

a nossa pesquisa atual.

Fazendo uso das palavras de Pierre Bourdieu, lembramos que "as relações de

comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder, que dependem, na forma e

no conteúdo, do poder material e simbólico acumulados pelos agentes (ou pelas

instituições)".45

Desta forma, como exercício inicial para este tipo de estudo e reconhecendo as

relações de poder envolvidas na transmissão do conhecimento astronômico aqui destacado,

podemos descrever a obra de Isidoro de Sevilha, como uma verdadeira manifestação de

autoridade. Ao conduzir o saber astronômico recuperado e sistematizado desde a Antiguidade,

não só reúne explicações sobre o cosmos, como delibera orientações sobre o comportamento

humano em direta associação, o microcosmos.

44 Ver: introdução de Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Cf.: ISIDORO DE SEVILLA. Los círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011. p.3; e SAMSÓ, Julio. Astronómica Isidoriana. Faventia, 1: 167-174, 1979. p. 167. 45 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 11.

43

2- ARQUEOASTRONOMIA

"A Arqueoastronomia é um ramo recente da ciência que utiliza os conceitos e conhecimentos da Astronomia e da Arqueologia. Tem por objetivo compreender o papel que a Astronomia tinha na vida cotidiana dos povos antigos, como ela influenciava a sociedade, como as culturas observavam o céu e de que forma materializavam estas observações".1

A Arqueoastronomia é mais um exemplo de uma bem-sucedida união entre duas

ciências já bem consolidadas em seus respectivos objetos de estudo. O fruto deste casamento

é uma ciência, relativamente jovem, que vem reunindo, dia a dia, alicerces para a sua

aplicação prática a partir de novas bases teóricas. Assim sendo, utiliza os conhecimentos e

conceitos tanto da Astronomia como da Arqueologia.

Neste capítulo, apresentaremos um quadro da pesquisa arqueoastronômica que vem

sendo realizada, particularmente no Brasil, a partir dos vestígios resgatados pelo Projeto de

Central na Bahia.2 As informações astronômicas recuperadas por esse projeto arqueológico

têm servido de base para o levantamento e mesmo o esclarecimento de questões levantadas

por outros projetos de pesquisa brasileiros.

2.1 - Considerações introdutórias

A Arqueologia - que se evidenciou como ciência no século XVIII, a partir das

escavações de Pompéia, na Itália - vem, desde então, buscando compreender distintas

sociedades humanas, com base em diferentes tipos de vestígios encontrados em locais

utilizados, mesmo que brevemente, por diferentes grupos humanos. Apesar do enfoque no

passado - quando se torna essencial -, a Arqueologia, por possuir métodos que auxiliam o

1 Cf.:JALLES, C.; SILVEIRA, M. I.; NADER, R.V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia. Arqueoastronomia: o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013. p. 36. 2 Que abordaremos mais detalhadamente no item 2.4.

44

estudo do comportamento humano em geral, também pode ser muito eficaz no estudo de

sociedades mais recentes, no que se refere a comportamentos não registrados pela escrita.3

Os locais onde são encontrados tais vestígios, denominados sítios arqueológicos, são

exaustivamente trabalhados por arqueólogos que, necessariamente, estabelecem parcerias com

outras áreas de conhecimento humano, no melhor uso do conceito de interdisciplinaridade.

Em parceria com a Astronomia, busca compreender o conhecimento de diferentes

sociedades sobre a dinâmica celeste, a partir dos vestígios arqueológicos com conteúdo

astronômico. Combina o conhecimento e as modernas técnicas da Arqueologia com a precisão

numérica da Astronomia prática.

Desta forma, a Arqueoastronomia procura entender como estas culturas se

relacionavam com a natureza e de que forma correlacionavam os eventos celestes aos

cósmicos. O interesse do arqueoastrônomo é voltado, tanto para o posicionamento das estrelas

como para a cultura que as observa e as registra.

As diversas pesquisas arqueoastronômicas realizadas até o momento destacam a

importância do conhecimento astronômico para a organização de diferentes grupos,

orientando desde atividades básicas de caça, coleta, pesca e plantio, até a disposição de

assentamentos, formação de sistemas de marcação do tempo – calendários - e cosmologia.

Como os métodos de observação e os interesses astronômicos variavam conforme os

diferentes períodos e lugares, consideramos a Arqueoastronomia como uma ciência que

pesquisa sobre as "Astronomias" de outros tempos. E, por ser uma ciência jovem, muitas

questões que vêm sendo formuladas não puderam ainda ser respondidas.

3 Conforme podemos observar em resultados de pesquisas em Arqueologia histórica, tais como: TAVARES, Reinaldo. A Apropriação ético-cultural dos resultados da Pesquisa Arqueológica no cemitério dos pretos novos, Gamboa, Rio de Janeiro. In: CAMPOS, Guadalupe N; GRANATO, Marcus (Orgs.) Anais do IV Seminário de Preservação do Patrimônio Arqueológico. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, p. 444-457. 2016; NAJAR, Rosana. Para além dos cacos: a Arqueologia Histórica a partir de três superartefatos (estudo de caso de três igrejas jesuíticas) Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 6, n. 1, p. 71-91, jan.- abr. 2011.

45

2.2 - Histórico

O início das pesquisas em Arqueoastronomia remonta ao final do século XIX, quando

o astrônomo inglês Norman Lockyer publicou uma série de trabalhos sistemáticos de

Astronomia antiga, a partir de monumentos arqueológicos,4 inspirando o desenvolvimento da

Arqueoastronomia. Mas foi somente na década de setenta que foram estabelecidas as bases

para a constituição da disciplina científica, a partir de simpósios internacionais e publicação

de revistas especializadas.5

Desde 1981, quando estudiosos de diversas partes do mundo se reuniram, em Oxford,

para uma conferência internacional sobre Arqueoastronomia, os pesquisadores interessados na

temática continuam se encontrando repetidamente em diferentes partes do mundo.6 Tem-se

então um panorama do tema, com apresentação de trabalhos diversificados sobre o emprego

de novas teorias e técnicas que podem ser utilizadas como referência para novos trabalhos.7

Depois da “Oxford VII”, estas conferências que enfocam os trabalhos realizados em

Arqueoastronomia e Etnoastronomia - agora englobadas pelo termo Astronomia Cultural -8

têm estado sob a responsabilidade da Sociedade Internacional de Arqueoastronomia e

Astronomia na Cultura (ISAAC).9

Em 2003, a partir da realização do Congresso Internacional de Americanistas de

Santiago do Chile, nasceu a Sociedade Interamericana de Astronomia Cultural (SIAC),10 que

4 LOCKYER. The Dawn of Astronomy. A study of the temple worship London: The MIT Press. 1894. 5 CARVALHO, E.; JALLES, C. Pesquisas em Arqueoastronomia no Brasil: estudos, problemas e possibilidades. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 6., 1997, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro. Sociedade Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, 1997. p. 84 -87. 6 Os encontros, com periodicidade de quatro anos, continuaram a ser conhecidos como Oxford International Conference on Archaeoastronomy II, III, e assim por diante, independentemente do local onde são sediados. 7 Ver RUGGLES, Clive L. N. (Ed.). Archaeoastronomy and Ethnoastronomy: Building bridges between cultures. Proceedings of the 278th Symposium of the International Astronomical Union and “Oxford IX” International Symposium on Archaeoastronomy, Lima, Peru: Cambridge Universty Press. 2011. 8 Termos semelhantes como Astronomia na cultura e Astronomia antropológica também são usados e todos incluem as áreas interdisciplinares da Arqueoastronomia e da Etnoastronomia. Cf.: LIMA, Flávia P. et al. Relações céu-terra entre os indígenas no Brasil: distintos céus, diferentes olhares. In História da Astronomia no Brasil (2013). MATSUURA, Oscar (Org.) Recife: CEPE, 2014. v.I. p. 86-128.2014. p. 98. 9 International Society for Archaeoastronomy and Astronomy in Culture - ISAAC. 10 Sociedad Interamericana de Astronomía Cultural - SIAC.

46

agrupa pesquisadores atuantes nas áreas de Arqueoastronomia, Etnoastronomia e História da

Astronomia. Esta Sociedade11 realiza encontros anuais nos quais, além de apresentar novos

resultados de pesquisa, ministra cursos e palestras que contribuem para a formação de novos

profissionais atuantes nas Américas. É, juntamente com a Sociedade Europeia para

Astronomia na Cultura (SEAC)12 e a Sociedade Internacional de Arqueoastronomia e

Astronomia na Cultura (ISAAC), uma das três associações internacionais que trabalham com

Astronomia Cultural.

O presidente da Sociedade Interamericana de Astronomia Cultural (SIAC), Alejandro

Martín López, da Universidade de Buenos Aires, define, em publicação recente sobre as

contribuições da Astronomia Cultural, este novo ramo da ciência:

A Astronomia Cultural é um campo acadêmico relativamente novo, mas que reflete uma longa tradição. O termo, cunhado na década de 1990 (IWANISZEWSKI, 1990, 1991; RUGGLES; SAUNDERS, 1990)13, abrange uma ampla gama de estudos cujo objetivo é, mediante uma variedade de técnicas, analisar sob que formas as sociedades constroem conhecimentos e práticas relacionadas ao espaço e aos fenômenos celestes. Trata-se de fazer perguntas sobre como nós seres humanos construímos socialmente ideias e ações relativas a esta dimensão particular da experiência que parece ter um singular poder de fascínio para uma enorme variedade de culturas.14

11 Que atualmente conta com a participação de membros de 7 países (de maioria iberomericana). 12 Société Européenne pourl'Astronomie dans la Culture - SEAC. 13IWANISZEWSKI, S, Astronomia Kak kul'turnaia sistema. In: GURSHTEIN, A. A. Na rubezhakhpoznaniia vselennoy. Moskva: Nauka, 1990. p. 67-73. ______. Astronomy as a cultural system. Interdisciplinarni izsledvaniya, n. 18, p. 282-288, 1991; RUGGLES, C.; SAUNDERS, N. (Eds) Astronomies and cultures.Niwot: University Press of Colorado, 1990. 14La astronomía cultural es un campo académico relativamente nuevo, aunque recoge una larga tradición. El témino, acuñado en la década de 1990 (IWANISZEWSKI, 1990, 1991; RUGGLES; SAUNDERS, 1990), engloba un amplio conjunto de estudios cuyo objetivo es, mediante una diversidad de técnicas, analizar las formas en que las sociedades construyen conocimientos y prácticas referentes al espacio celeste y sus fenómenos. Es decir que se trata de hacerse preguntas sobre como los seres humanos construimos socialmente nuestras ideas y acciones referentes a esta particular dimensión de la experiencia que parece tener un singular poder de fascinación para un enorme abanico de culturas. Cf. Introducción de LÓPEZ, A. M.. In BORGES, L. C. Diferentes Povos, Diferentes saberes na América latina. Contribuições da Astronomia Cultural para a História da Ciência. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2015.

47

Apesar do número de profissionais envolvidos nesta área ter se multiplicado no mundo

inteiro nos últimos anos - o que é facilmente observado pelas associações mencionadas

anteriormente -, é uma ciência relativamente nova que ainda tem um longo trajeto a percorrer.

No Brasil, os trabalhos relacionados a esta temática ganharam destaque quando, a

partir de 1982,15 uma equipe de pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ, coordenada pela

arqueóloga Maria da Conceição de Moraes Coutinho Beltrão, trazia à tona uma série de

descobertas de cunho notadamente arqueoastronômico, feitas no município de Central, na

Bahia.

O projeto, amplamente divulgado, ganhou destaque na mídia e teve o seu conteúdo

trabalhado por diversas equipes interdisciplinares, nacionais e internacionais. E, como tudo

que é novo e ainda desconhecido pela maioria, gerou não só entusiasmo, como também, muita

polêmica.16

Passados alguns anos, em meados dos anos de 1990, o Museu de Astronomia e

Ciências Afins (MAST/MCTI), a partir de uma parceria estabelecida com o Instituto de

Arqueologia Brasileira (IAB)17, passou a se dedicar à pesquisa arqueoastronômica, realizando

pesquisas em Varzelândia18, no norte do estado de Minas Gerais. O projeto -

Arqueoastronomia no município de Varzelândia - MG: uma proposta de estudo19 - foi

apresentado publicamente no ano de 1997, tanto nacionalmente, no VI Seminário Nacional de

História da Ciência e da Tecnologia, realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro

(UERJ)20, como internacionalmente, no XXth International Congress of History of Science,

15 Cf. BOAVENTURA, Edivaldo (Org.) Maria Beltrão e a Arqueologia na Bahia: o projeto Central. Salvador: Quarteto, 2014:41. 16Apesar dos arqueólogos serem unânimes sobre a importância dos referenciais astronômicos no desempenho de diferentes atividades no cotidiano das sociedades passadas, os registros relacionados ao campo da Astronomia têm sido - até mesmo por falta de conhecimento nesta área específica - normalmente relegados a outras categorias classificatórias mais abrangentes. Quando as descobertas de Central vieram à tona - com conteúdo inegavelmente astronômico - diversas discussões sobre registros semelhantes de outras regiões ficaram evidenciadas pela diferença de enfoque. 17 Instituição particular de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos. 18Município pertencente à bacia do Verde Grande, afluente da margem direita do rio São Francisco, inserida no que se compreende por polígono das secas. 19 Sob a coordenação de Cíntia Jalles (MAST/MCTIC). 20Anais do VI Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 1997.

48

realizado no Centre d'Histoire des Sciences et des Techniques, Université de Liège

(Belgium).21

Tal projeto visava testar a aplicabilidade de uma abordagem arqueoastronômica no

município de Varzelândia, que já era pesquisado pelo IAB e que oferecia uma boa

contextualização em função da grande quantidade de informações acumuladas por mais de

duas décadas de pesquisas anteriores. O conhecimento gerado por tais pesquisas permitiria

correlacionar as evidências arqueoastronômicas - abundantes na região - com as demais

informações sobre os grupos humanos que habitaram o município.

A escolha do município de Varzelândia, apesar de se mostrar acertada para o

desenvolvimento de um projeto de Arqueoastronomia, tendo em vista a grande quantidade de

informação complementar gerada após tantos anos de pesquisas realizadas pelo IAB, na

região,22 ainda era insuficiente para dar conta de um conhecimento que começava a despontar

no cenário nacional. Seria preciso uma quantidade de material relacionado, tão ampla que

fosse capaz de produzir um panorama inicial sobre a Astronomia das populações ágrafas

brasileiras. E este panorama seria muito restrito e tendencioso caso fosse produzido a partir de

um único referencial regional, no caso, do norte mineiro.

Em Arqueologia, tendo em vista que o que possuímos sobre o grupo estudado é

sempre uma parcela mínima da sociedade em questão, a maior quantidade de informações -

mesmo se advindas de contextos diferentes - permite a elaboração de questões mais

qualificadas, que, por sua vez, possibilitam levantar hipóteses mais plausíveis. Tal

confrontação torna-se indispensável para a construção de um quadro, ainda que generalizado,

destas populações tão pouco conhecidas. Apesar de a Arqueologia ter progredido

extraordinariamente nas últimas décadas - proporcionando-nos um conhecimento tão diferente

daquele encontrado nos livros didáticos responsáveis pela nossa formação básica - o que de

fato conhecemos ainda representa muito pouco para o amplo entendimento dos grupos que

produziram os vestígios culturais remanescentes que pesquisamos. 21Caderno de resumos do XXth International Congress of History of Sience, 1997. 22Com grande quantidade de trabalhos, artigos apresentados em congressos e teses, abordando amplamente diversos temas que facilitam a compreensão dos grupos que habitaram a região no passado.

49

A necessidade de ampliar esses horizontes motivou a organização, em 1998, no Museu

de Astronomia e Ciências Afins (MAST), da primeira Oficina de Arqueoastronomia, que

reuniu arqueólogos, astrônomos e outros pesquisadores com interesses afins, para apresentar,

discutir e avaliar a relevância deste tipo de enfoque nas pesquisas realizadas pelas instituições

participantes. Acompanhando o encontro de três dias, foi também organizada no MAST uma

exposição,23 aberta ao público, que ofereceu uma mostra do que é a Arqueoastronomia, das

ciências envolvidas no seu estudo e do material coletado sobre o tema em pesquisas

arqueológicas realizadas pelo IAB em Varzelândia.

Como extensão da Oficina de Arqueoastronomia e com o apoio do Planetário da

cidade do Rio de Janeiro, foi oferecido, no ano de 2000, um curso de Astronomia básica para

arqueólogos,24 a partir de reivindicações dos pesquisadores que participaram do evento em

1998.

A partir dessa oficina, e de posse de um material bem mais abrangente que foi enviado

por pesquisadores de outras instituições brasileiras para este tipo de estudo,25 verificamos a

ocorrência de registros similares que, acompanhados por distintos trabalhos de pesquisas

arqueológicas, nas diferentes regiões do Brasil, permitiram o acréscimo de informações

relacionadas à cosmologia dos grupos, que dificilmente poderiam ser evidenciadas a partir de

um único referencial. Registros recorrentes como os círculos concêntricos26 e outros símbolos

associados ao conteúdo astronômico27 vêm sendo cada vez mais estudados e trabalhados de

forma destacada e em diferentes contextos.

23 Intitulada "O homem e o cosmos: visões de Arqueoastronomia no Brasil" (organização e curadoria Cíntia Jalles). 24 O curso foi ministrado, em sua maior parte, pelo astrônomo Oscar T. Matsuura (atualmente colaborador do MAST e do programa de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia - HCTE/UFRJ). 25 Material remetido por participantes do evento e reunido em publicação com o mesmo título da exposição. 26 Conforme exemplificado no trabalho apresentado por ocasião do XXVIII Simpósio Nacional de História - Anpuh (JALLES, C. As representações astronômicas no De Natura Rerum e nos painéis rupestres das populações ágrafas brasileiras. In: Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História – ANPUH. Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios. Florianópolis, 2015). 27 Como as representações de lagartos regularmente associados a imagens e/ou eventos astronômicos (TAVARES & BELTRÃO, 2014. p. 79). Também associado ao sol, o lagarto, como a cobra e a tartaruga são representados em associações como o sol ou algum evento astronômico (constelações, por exemplo).

50

Círculos concêntricos

Arte rupestre - Serra do Sol - PA. Foto: E. Pereira Sobre os meses. Isidoro de Sevilha28

Dessa forma, contando - a partir de 2003 - com a parceria institucional do Museu

Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCTI) e a colaboração científica do Observatório do

Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV/UFRJ), o MAST realizou em 2004,

uma nova exposição29, desta vez itinerante, com material proveniente de outras regiões

brasileiras e organizou a publicação de um livro-catálogo com imagens da exposição e textos

de arqueólogos, antropólogos, historiadores, museólogos e astrônomos. Essa mostra teve

como principal resultado a consolidação de parcerias antigas e estabelecimento de outras

novas, que se mostraram cruciais para o desenvolvimento da disciplina.

Os trabalhos para organização e montagem da mostra levaram ao início da elaboração

de um banco de dados que pudesse reunir as informações provenientes das diversas

instituições participantes. Tal proposta facilitará os caminhos da Arqueoastronomia, por meio

de consulta e acesso a informações. Este novo canal possibilitará maior intercâmbio entre as

instituições e homogeneização das informações, em uma base de referência sistematizada.

28 Cf.: Isidoro de Sevilha. Los círculos de De natura rerum, 2011. p.11. 29 Intitulada "Olhando o céu da Pré-História. Registros astronômicos no Brasil. Curadoria de Cíntia Jalles e Maura Imazio.

51

2.3 - Arqueoastronomia brasileira

No Brasil, as pesquisas arqueológicas vêm trazendo à tona, principalmente nos últimos

anos, um vasto campo de investigação para esta nova disciplina. Trabalhos importantes vêm

sendo realizados em diversas regiões brasileiras. Porém, apesar da existência de pesquisas

com amplo conteúdo arqueoastronômico, trata-se de uma temática ainda pouco explorada.

Os vestígios arqueológicos pertinentes ao campo da Arqueoastronomia

majoritariamente encontrados e pesquisados no Brasil são os registros rupestres. Estes

registros, identificados pelo termo geral de arte rupestre, englobam todas as sinalações -

pintadas ou gravadas - elaboradas pelo homem em suportes de pedra, tais como paredes de

grutas, abrigos, etc.

Registros arqueoastronômicos

Pintura de Central - BA. Foto: R. Nader. Gravura de Central - BA. Acervo: M. Beltrão.

52

Sítios arqueológicos identificados como relacionados aos fenômenos astronômicos -

tais como estruturas megalíticas,30 alinhamentos de pedras e construções arquitetônicas - são

também objeto de pesquisa que precisam ser analisados em profundidade por esta nova área

interdisciplinar.31

Estruturas megalíticas

Calçoene - AP. Foto: M. Cabral.

Atualmente, em projetos de cooperação científica com outras instituições de pesquisa

(MPEG e OV/UFRJ, mais diretamente)32 o MAST tem reunido novas informações pertinentes

ao campo da Arqueoastronomia para o banco de dados, sistematizando as informações sobre

30 Sítios com megálitos quase sempre apresentam evidências de terem sido usados como instrumentos para observação de fenômenos celestes. Este é o caso das pesquisas realizadas nos últimos anos em Calçoene, no Amapá. Cf.: CABRAL, Mariana; SALDANHA, João. Calçoene megalithic observtory. 2010. Disponível em http://www.wondermondo.com/Countries/SA/BRA/Amapa/Calcoene.htm . 31 CABRAL, M. P., SALDANHA, J. D. M.. (2008). "Um sítio, múltiplas interpretações: o caso do chamado “Stonehenge do Amapá” (PDF). Revista de Arqueologia Pública. v.3 n.1(3). 2008. CABRAL, M. P., SALDANHA, J. D. M.. (2008). "Paisagens megalíticas na costa norte do Amapá" (PDF). Revista de Arqueologia 2 (21): 09-26. 32 A parceria com o Museu Goeldi teve início em 2002 através do Projeto Vestígios Arqueoastronômicos no Brasil, subprojeto As representações astronômicas na arte rupestre brasileira. A equipe atual é formada por integrantes das três instituições: Maura Imazio da Silveira - MPEG; Rundsthen Vasques de Nader - OV/UFRJ; e Cíntia Jalles (Coord.) - MAST.

53

os registros rupestres com motivos astronômicos ainda dispersas pelo país. O banco propiciará

ainda a integração de diversos pesquisadores e instituições através do intercâmbio das

informações coletadas sobre o tema. Tal projeto já reuniu material oriundo de sítios

arqueológicos de norte a sul do país, mais especificamente dos estados do Amapá, Pará,

Tocantins, Paraíba, Bahia, Minas Gerais e Paraná. O estudo desses painéis permite identificar

diversos aspectos do cotidiano dos diferentes grupos que habitaram o Brasil no passado.

Registros de algumas instituições colaboradoras

Serra da Lua - PA. Foto: E. Pereira/MPEG. Lapa da Pintura - MG. Acervo IAB

Toca do Pintado - BA. Acervo: M. Beltrão Ilha dos Martírios-TO. Foto: E. Pereira/MPEG

54

A divulgação de novas e diferentes informações alusivas ao tema propiciarão a

identificação de novos dados, que poderão ser eficazes no melhor entendimento da "Pré-

História"33 brasileira, além de fornecer dados para uma comparação necessária à compreensão

do conhecimento astronômico destas populações.

No Brasil as pesquisas em Arqueoastronomia ainda são isoladas e, portanto, difíceis de

enquadrá-las num estudo geral, necessário ao desenvolvimento da disciplina, que requer uma

quantidade maior de dados, que possam ser comparados e reunidos como peças de um

“quebra-cabeça”.

Para avaliarmos o conhecimento astronômico de grupos humanos que habitaram

diferentes regiões do Brasil pelas representações, encontradas na arte rupestre, torna-se

necessário efetuar um levantamento detalhado dos sítios arqueológicos com representações

astronômicas nas diversas regiões brasileiras. Como ponto de partida, faz-se necessário um

registro minucioso das imagens tanto de forma “isolada” como em possíveis interações no

conjunto dos painéis com sinalações astronômicas a que pertencem. Em etapa posterior,

buscar seu significado neste tipo de manifestação artístico-cultural.

2.3.1 - Arte rupestre

(...) estamos diante de um marco fundamental: pela primeira vez o homem preocupa-se em registrar e perpetuar uma ideia.34

No Brasil, a pesquisa arqueoastronômica está diretamente associada ao estudo da arte

rupestre,35 já que é principalmente nos painéis rupestres que encontramos sinais de registros

33Conceito polêmico que na História é eventualmente revisitado. Entre outras coisas por não comportar toda a História existente antes do surgimento da escrita, tal como conhecemos. 34 SEDA, Paulo. Arte rupestre: comunicação e magia no Brasil antigo. In AZEVEDO NETTO, C. X.A representação e interpretação de um antigo sistema de informação: os grafismos rupestres no Brasil.UFPB. 2013. p. 13. (prefácio) 35Expressão consagrada pela Arqueologia que não privilegia a análise estética. Para maiores referências, ver PROUS, PROUS, André. Arqueologia Brasileira. 1ª. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,

55

astronômicos. É um campo de investigação cuja interpretação é particularmente difícil.

Entender um pouco mais sobre essas sinalações e suas representações é de singular

importância para a compreensão da própria cultura em questão.

Graças à qualidade desses registros rupestres – cujos corantes e fixadores são ainda

objeto de estudo em diversas instituições de pesquisa em todo o mundo36 – podemos, até hoje,

observar painéis de conteúdos distintos, espalhados por todo o planeta. Para a elaboração

destes painéis foram utilizados diversos tipos de instrumentos e várias substâncias de

naturezas distintas para preparar as tintas.

As gravuras eram realizadas por técnica de polimento (fricção entre uma pedra e a

superfície rochosa) e/ou picoteamento (efetuado por martelamento utilizando-se uma pedra

como batedor e outra como formão). As pinturas eram elaboradas em cores únicas ou

combinadas. As tintas eram obtidas a partir de matérias-primas derivadas de minerais,

vegetais e animais. Para tanto, adicionava-se água e um fixador a essa matéria-prima. As

cores eram, predominantemente, vermelho, amarelo, preto e branco, podendo ser usadas de

forma isolada (pinturas monocromas) ou combinadas (pinturas policromas). Pequenos

recipientes como conchas, cabaças, cerâmica, ou mesmo rochas, eram utilizados como suporte

para misturar as tintas (paletas de cores). Para a realização do desenho eram utilizados

diversos instrumentos, variando de acordo com o tipo de pintura, a técnica e a consistência da

tinta: o dedo, “pincéis” feitos de pelos ou vegetais, gravetos, espátulas (sobretudo no caso de

tintas mais pastosas), borrifadores, etc. O encontro destes instrumentos em escavações, assim

como de pigmentos utilizados para pintura, ou mesmo de um pedaço da rocha (pintado ou

gravado) associado a um contexto, por exemplo fogueira ou ossos, é importante para que se

possam realizar datações e estabelecer cronologias.

1992.p.510; AZEVEDO NETTO, C. X. A representação e interpretação de um antigo sistema de informação: os grafismos rupestres no Brasil. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. p.44 SEDA, P. A questão das interpretações em arte rupestre no Brasil. CLIO. Série Arqueológica (UFPE), Recife: UFPE, v. 1, n.12, p. 139-167, 1997.) 36Equipes interdisciplinares e internacionais têm reunido esforços na tentativa - por meio de análises diversas - de identificar a composição desses materiais. Cf.: LAGE, M. C. S. M.. Análise química de pigmentos de arte rupestre do sudeste do Piauí. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, suplemento 2. p. 89-101. 1997; e CAVALCANTE, L. C. D.; ABREU, R. R. S.; LAGE, M. C. S. M.; FABRIS, J. D. Conservação de Sítios de Arte Rupestre: resultados preliminares do estudo químico de pigmentos e depósitos de alteração no sítio Toca do Pinga da Escada. Revista de Arqueologia, 21, n.2: 41-50, 2008.

56

Através desses painéis, podemos identificar diversos aspectos do cotidiano dos

diferentes grupos que por aqui passaram e deixaram suas marcas. E um aspecto de

fundamental importância para a sobrevivência de um grupo é o conhecimento astronômico.

A necessidade de orientação por referenciais astronômicos era essencial para regular o

bom desempenho de numerosas atividades das populações pré-coloniais tais como caça,

pesca, coleta, agricultura, etc, que dependiam diretamente desse conhecimento para seu

planejamento e execução.

As representações astronômicas, tais como as figuras classificadas como sóis, luas e

outras imagens celestes, são bastante comuns na arte rupestre brasileira. Ao mesmo tempo,

são muito controversas, pois ainda geram dúvidas na sua interpretação. Além da

representação dos astros, também podemos observar diversos registros que são associados a

sistemas de marcação de tempo, onde também estão implícitas observações celestes.

Alguns registros rupestres com sistemas de marcação de tempo

Pintura em Tanques – PA e Gravura em Ilha dos Martírios - TO. Fotos: E. Pereira/MPEG.

57

Painel do Pilão - PA. Foto: E. Pereira/MPEG Lapa do Mutambal - MG. Acervo IAB

Por se tratar de uma temática de difícil interpretação, precisamos, antes de tudo, buscar

entender as imagens contidas nos diversos painéis rupestres e suas representações no contexto

cultural do grupo a que pertencem.

2.3.2 - Outros suportes

Até há pouco tempo, no Brasil, os registros rupestres foram a principal fonte para

identificação e estudo da Arqueoastronomia. Atualmente, novas descobertas, como estruturas

megalíticas,37 alinhamentos de pedras e mesmo representações astronômicas em outros

suportes, além do rupestre, ampliam a gama de possibilidades.

37 Como as que vêm sendo estudadas por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – IEPA.

58

Estruturas megalíticas

Sequência do solstício em Calçoene - AP. Foto: M. Cabral.

Embora a pesquisa arqueoastronômica brasileira originalmente tenha baseado as suas

pesquisas no estudo dos grafismos rupestres - devido a sua notória prevalência sobre os

demais vestígios - podemos observar que dentre as distintas culturas indígenas - pretéritas e

atuais - existem diversos tipos de suporte nos quais são registradas representações

astronômicas e outros indicativos de suas cosmologias. Informações astronômicas e/ou

cosmológicas ocorrem também em objetos de madeira, cestaria, pintura corporal, etc. No

entanto, o registro arqueológico praticamente limita essas observações a materiais mais

resistentes às intempéries, tais como cerâmico, ósseo, lítico, entre outros.

Conforme mencionado anteriormente, no Brasil a pesquisa arqueoastronômica vem se

desenvolvendo principalmente vinculada à arte rupestre. Buscando novas possibilidades,

resolvemos - com uma equipe interinstitucional de pesquisadores - 38 ampliar a pesquisa para

outros suportes. Desta forma, a partir de 2013, elaboramos um outro projeto para pesquisa de

informações astronômicas em material cerâmico arqueológico.39 Mais especificamente no

38 Entre O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e o Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OV/UFRJ). 39 Vinculado ao mesmo projeto, equipe e coordenação descritos na nota n.32 e intitulado As representações astronômicas em vestígios arqueológicos: cerâmica do Baixo Amazonas.

59

material arqueológico do Baixo Amazonas, analisando coleções acondicionadas na Reserva

Técnica de Arqueologia Mário Ferreira Simões, do Museu Paraense Emílio Goeldi.40

A cerâmica do Baixo Amazonas é muito elaborada, contendo símbolos culturais -

tanto explícitos como implícitos - representativos para o estudo da Astronomia daqueles

povos. As decorações - tanto plásticas como pintadas - têm permitido identificar registros

astronômicos bem como representações simbólicas que remetem à ligação do homem com o

cosmos (cosmovisão).

Cerâmicas do Baixo Amazonas

Cultura Santarém. Acervo RTMFS - MPEG

40As coleções arqueológicas do Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG foram formadas desde a sua fundação, no século XIX em 1866. Atualmente o acervo da Reserva Técnica Ferreira Mário Simões é composto por um conjunto numeroso e variado de objetos representativos da diversidade cultural dos povos que habitavam a Amazônia antes da ocupação europeia, de imensa importância histórico-cultural e científica. Possui aproximadamente 120 mil objetos (inteiros e fragmentados) e mais de 2 milhões de fragmentos procedentes de diversas regiões da Amazônia.A Amazônia foi povoada por diversos grupos em diferentes períodos, com vestígios que datam de 11.000 anos - encontrados na caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre/PA - (ROOSEVELT et al, Paleoindian cave dwellers in the Amazon: the peopling of the Americas. Science, vol. 272, n. 5260, p. 373-384, Apr. 19 1996.). Ainda nesta região foi registrada a cerâmica mais antiga das Américas - Proveniente do Sambaqui de Taperinha/ PA- com datações em torno de 8.000 anos (ROOSEVELT et al, Eighth millennium pottery from a prehistoric shell midden in the Brazilian Amazon. Science, vol. 254, p. 1621-1624, Dec. 13 1991). Por volta do ano 1000 A.D., a região foi habitada por sociedades hierárquicas e populosas, com organizações sociopolíticas complexas e cultura material sofisticada. A maioria delas desapareceu nos séculos XVI e XVII, a partir do estabelecimento dos europeus na região.

60

Um estudo comparativo anterior - apresentado no Encontro Internacional de

Arqueologia Amazônica de 2008 - realizado com o material cerâmico arqueológico do Baixo

Amazonas e arte rupestre de Monte Alegre, demonstrou que existem diversas semelhanças

temáticas e estilísticas entre os motivos representados nos dois tipos de suportes.41

Motivos astronômicos na cerâmica e arte rupestre

A parte superior do desenho é reprodução de cerâmica de Santarém e a parte inferior é de painéis rupestres de Monte Alegre -PA.

Os materiais mais perecíveis como madeira e palha - que também se constituem

amplamente como suportes de registros astronômicos nas culturas atuais - só são encontrados

no registro arqueológico em raras condições especiais. Assim, é através da Etnoastronomia

que podemos ter parâmetros capazes de ampliar os nossos referenciais arqueoastronômicos.

41 PEREIRA, Edithe. Arte Rupestre e cultura material na Amazônia brasileira. In:Arqueologia Amazônica. PEREIRA, E; GUAPINDAIA, V. (Org) Belém: MPEG; IPHAN; SECULT, p 259-283 . v.1. 2010. p.279.

61

2.3.3 - Etnoastronomia

“O calendário de diferentes povos se organiza pelo aparecimento e desaparecimento no céu de astros ou conjuntos de estrelas. Assim sendo, é possível estabelecer correlações entre representações indígenas sobre agrupamentos de estrelas e as constelações convencionais adotadas pela identificação do céu da Astronomia de planetários contemporânea.”42

No Brasil o potencial para a pesquisa em Etnoastronomia - que tem por objetivo

estudar o conhecimento astronômico de povos atuais - é favorecido pela existência de

diversos grupos indígenas que habitam o país até os dias de hoje e cuja vida cotidiana é

influenciada diretamente pela observação do céu.

Naturalmente, as diferentes culturas atribuem significados distintos a um mesmo

evento astronômico, uma vez que cada uma "(...) possui sua própria estratégia de

sobrevivência, que se reflete na adequação entre as atividades de subsistência e o ciclo das

estações, (...) As constelações sazonais, por exemplo, podem ter significado e utilidade

diferente para cada uma delas."43

Atividades de subsistência como a caça, a pesca e a coleta de produtos disponíveis no

ambiente, além de formas de manejo e de cultivo de diferentes produtos agrícolas permitem

identificar como a influência da alternância das estações do ano nas atividades desses povos é

marcante. Cada grupo possui sua própria visão de mundo e, consequentemente, formas

diferentes de representá-lo e identificá-lo nas observações celestes.

O movimento aparente das constelações - que, aliás, são bem diferentes das

identificadas pela visão greco-romana que adotamos em nossa sociedade - corresponde a uma

42FAULHABER, Priscila. Astronomia e cosmovisão Ticuna. In: Olhando o Céu da Pré-História: registros arqueoastronômicos no Brasil. JALLES, C.; IMAZIO, M. (Org.). Rio de Janeiro: MAST, 2004. p.9 43 AFONSO, G; NADAL, C. Arqueoastronomia no Brasil. In :História da Astronomia no Brasil (2013). MATSUURA, Oscar (Org.) Recife: CEPE, 2014. p.54.

62

interpretação da sazonalidade e consequentemente da disponibilidade de recursos

relacionados à fauna e à flora, assim como dos distintos períodos para plantar ou colher.

Algumas constelações indígenas brasileiras

Constelação Desâna: Cabeça Onça44 Constelação Guarani: Ema45

C. Tikuna: Tartaruga e queixada do Jacaré46 Céu Tikuna; onça e jacaré47

44 Fonte: RIBEIRO, Berta; KENHÍRI, Tolemãn. Chuvas e constelações: calendário econômico dos índios Dessana. Ciência Hoje - Amazônia, p.14-23, 1981. 45 Fonte: AFONSO, Germano. Arqueoastronomia brasileira. Universidade Federal do Paraná: UFPR, 2000. CD-ROM. 46 Cf.: FAULHABER, Priscila (Org.). Magüta Arü Inü: jogo da memória, pensamento Magüta. Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT, 2003 . CD-ROM.

63

Para auxiliar a interpretação dos registros elaborados pelos grupos atuais, contamos

ainda com a possibilidade de estudo das narrativas simbólicas - os mitos - que passam através

das gerações o conhecimento adquirido na tentativa de explicar a dinâmica celeste.

Estudar a Astronomia indígena dos grupos atuais nos permite então, no mínimo,

ampliar os referenciais sobre o conhecimento astronômico dos grupos do passado, que

deixaram registradas suas observações, tornando-se uma abordagem eficaz no esclarecimento

de questões arqueoastronômicas.

2.4 - O Projeto Central

“O Projeto Central foi iniciado em 1982, no interior do estado da Bahia,

tendo recebido este nome em face à grande riqueza de sítios arqueológicos existentes em seu território, além de estar no centro das caatingas regionais. A área de estudo - denominada Região Arqueológica de Central - foi delimitada e registrada em 1983, englobando vários municípios em um total de 270 mil km², hoje reduzida, a pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN, a 100 mil km².”48

Dentre os projetos que coletaram material específico sobre a temática de

Arqueoastronomia, escolhemos trabalhar mais concentradamente com os registros realizados

pelo Projeto Arqueológico de Central, no estado da Bahia.

O projeto Central, sob a coordenação de Maria da Conceição Moraes Coutinho

Beltrão49, é, provavelmente, o mais conhecido pelo público em geral tanto pela grandiosidade

das imagens com conteúdo astronômico, quanto pela sua ampla divulgação pela mídia.

47 Céu Tikuna observado em 12/11/2002, mostrando a briga da onça com o jacaré. Cf.: FAULHABER, Astronomia e cosmovisão Ticuna. Op. Cit. p.29. 48 <http://www.mariabeltrao.com.br/portfolio-item/pesquisas-arqueologicas-no-interior-do-estado-da-bahia/ > Acesso em outubro de 2016. 49 Profa. titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

64

O Projeto, que teve início em 1982, recebeu o nome em homenagem ao município de

Central - BA, que concentra grande quantidade dos sítios pesquisados. A região definida pelo

Projeto é de 100.000 km² e engloba a Planície Calcária, as Serras Quartzíticas da Chapada

Diamantina e a região oeste do estado da Bahia.50

O Projeto, no que diz respeito à pesquisa arqueoastronômica, é pioneiro no Brasil e

oferece material propício ao estudo que ora realizamos. Entre as diversas publicações

resultantes das pesquisas desenvolvidas na região, encontramos uma série de significados

possíveis atribuídos aos registros rupestres de conotação astronômica, que são apresentados

resumidamente em um texto sobre a Astronomia na pré-história da Bahia.51 As representações

são, de maneira geral, agrupadas em: comunicação ideográfica; regras ecológicas; prescrições

e restrições sociais e religiosas; práticas mágico-religiosas; e o conhecimento astronômico em

si.

Após mais de 30 anos de pesquisas em diversos municípios da região, foram

registrados mais de 400 sítios arqueológicos e paleontológicos, distribuídos em abrigos,

grutas, canyons, boqueirões, etc. Como a maior concentração de sítios encontra-se na planície

calcárea da Chapada Diamantina, as escavações e levantamentos dos registros rupestres,

também foram lá inicialmente centralizados, sendo posteriormente expandidos para as serras

quartzíticas, a leste e a oeste da planície.52

Os registros rupestres são abundantes em toda a região e a riqueza de material

propício ao estudo da Arqueoastronomia fez com que destacássemos este projeto com relação

aos demais53, pois seu conteúdo revela não só "a antiguidade e a complexidade do

50 Cf.: BELTRÃO, Maria. O projeto Central. In: BOAVENTURA, Edivaldo (Org.) Maria Beltrão e a Arqueologia na Bahia: o projeto Central. Salvador: Quarteto, 2014. p.41. 51 Ver TAVARES & BELTRÃO, 2014. 52<http://www.mariabeltrao.com.br/portfolio-item/pesquisas-arqueologicas-no-interior-do-estado-da-bahia/> (acesso em outubro de 2016). 53 Desde o início das pesquisas arqueoastronômicas no Brasil, diversas regiões têm apresentado material promissor para esse tipo de estudo, fazendo parte, inclusive, do inventário reunido pelo MAST para as exposições organizadas sobre o tema e também se integrando ao banco de dados que está sendo organizado. A escolha pela região de Central foi feita com base no tempo de pesquisas realizadas na área e também pelo conteúdo - quase exclusivo em alguns sítios - diretamente relacionado à Astronomia

65

conhecimento do homem pré-histórico brasileiro, mas também que tal conhecimento está

intimamenete relacionado ao seu mundo mágico-religioso (cosmológico)."54

O sítio arqueológico Toca da Esperança55 tem se apresentado como um dos mais

importantes sítios localizados na região arqueológica de Central, por oferecer uma datação

mais antiga em relação aos demais, não só da região como possivelmente das Américas.56

Porém, será o sítio Toca do Cosmos que concentrará a nossa atenção no momento, tendo em

vista o seu potencial para a pesquisa arqueoastronômica.

Mapa com a localização dos sítios Toca do Cosmos e Toca da Esperança

54 BELTRÃO, M. Op.Cit. 2014. p.41. 55Os trabalhos de prospecção e escavação realizados na área da Toca permitiram identificar a estratigrafia composta por quatro camadas além da camada superficial, que tornou evidentes as alternâncias climáticas (períodos secos e úmidos) por que passou a região (Beltrão & Danon, 1987; Beltrão et al., 1987a; Beltrão et al., 1987b; Lumley et al., 1987b e 1988). 56 BELTRÃO, Maria. O projeto Central. In: BOAVENTURA, Edivaldo (Org.). Maria Beltrão e a Arqueologia na Bahia: o projeto Central. Salvador: Quarteto, 2014. p. 41.

66

O sítio arqueológico Toca do Cosmos recebeu esse nome justamente porque parece ter

todo o cosmos representado em seu interior. Possui não só diversas representações de eventos

cíclicos (sol, lua, agrupamento de estrelas em prováveis constelações), como também de

alguns eventos astronômicos únicos (como a passagem de um cometa, p. ex.). Conta com

diversos painéis que nos remetem a uma provável utilização como sistemas de contagem e

outros que já foram inclusive, identificados como calendários solar, lunar e lunissolar.57

Registros astronômicos da Toca do Cosmos – BA

Passagem de um cometa de cauda longa e curva associado à estrela Vênus.58 Foto: C. Jalles.

57BELTRÃO, Maria. (Coord.). Arte rupestre: as pinturas rupestres da Chapada Diamantina e o mundo mágico-religioso do homem pré-histórico brasileiro. Rio de Janeiro: organização Odebrecht, 1994. 58 JALLES, Cíntia; IMAZIO, Maura. Olhando o Céu da Pré-História: registros arqueoastronômicos no Brasil. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2004.

67

Calendário lunar e correção do lunar para o solar.59 Acervo: M. Beltrão.

2.5 - Considerações parciais

A Arqueoastronomia, reunindo dois campos específicos do saber - Arqueologia e

Astronomia - tem estudado o conhecimento astronômico do homem no passado bem como os

desdobramentos decorrentes da aplicação deste conhecimento no cotidiano de diversas

sociedades passadas. Esta tarefa, apesar de dificultada pela ausência de maiores relatos sobre

os agentes que produziram os vestígios arqueológicos remanescentes, tem contado com a

contribuição, cada vez maior de outras disciplinas, no fornecimento de informações

complementares que auxiliam a melhor compreensão do nosso objeto de pesquisa. Dentre

elas, a Etnoastronomia, tem se destacado - especialmente em nosso país - permitindo ampliar

os referenciais da pesquisa arqueoastronômica.

59 Cf.: BELTRÃO, M.. O Alto Sertão. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010.

68

A consolidação de parcerias científicas tem se mostrado crucial para o

desenvolvimento da disciplina. A coleta e organização das informações provenientes das

diversas instituições colaboradoras têm promovido o crescimento da pesquisa

arqueoastronômica brasileira, possibilitando, entre outros aspectos relevantes, um maior

intercâmbio entre pesquisadores e instituições brasileiras, que começam a delinear um perfil

deste tipo de conhecimento.

Mesmo que, a princípio, os pesquisadores brasileiros tenham fundamentado suas

pesquisas arqueoastronômicas no estudo da arte rupestre - devido a sua prevalência sobre os

demais vestígios arqueológicos - outros tipos de suportes têm sido observados por seus

registros relacionados ao conhecimento astronômico e/ou cosmológico das culturas estudadas.

Isso sem contar com aqueles elaborados sobre materiais perecíveis que - a não ser sob raras

condições de preservação - só podem ser identificados através da pesquisa etnográfica.

Apesar do número de profissionais envolvidos com a pesquisa arqueoastronômica ter

se multiplicado - não só pelo mundo de uma forma geral, como também, especificamente no

Brasil - ainda temos muito que avançar.

Poucos são os projetos, com enfoque arqueoastronômico, desenvolvidos em nosso

país. Assim sendo, a escolha do Projeto Central como representativo para as populações

ágrafas brasileiras nos parece adequada, tendo em vista não só o tempo de pesquisas

arqueológicas realizadas na região, como também a quantidade de material de cunho

astronômico disponibilizado para a pesquisa proposta.

69

3 - REPRESENTAÇÕES ASTRONÔMICAS

"Quer falemos de arte móvel ou de santuários de gruta/ar livre, várias questões se levantam à partida. A primeira diz sem dúvida respeito ao próprio artista pré-histórico, a segunda ao conteúdo da simbologia gráfica por ele utilizada. A terceira, indissolúvel das restantes, refere-se ao enquadramento social de ambos."1

Uma vez que na Arqueologia, não podemos contar com o apoio de documentos

escritos, que permitam identificar mais facilmente relações humanas como as de poder, ter a

oportunidade de observar aspectos de um saber - no caso o astronômico - em representações

gráficas, também em períodos com abundância do suporte escrito, incontestavelmente

acrescenta informações preciosas e agrega conhecimento ao estudo de símbolos e outras

manifestações culturais.

Por serem as relações Céu/Terra, fundamentais para a sobrevivência e bem estar dos

seres humanos, as representações astronômicas encontram-se manifestadas sob formas

variadas, em diferentes suportes, de períodos distintos e por toda a História da humanidade.

3.1 - Considerações introdutórias

Os registros astronômicos sempre estiveram presentes na história da humanidade e são

estabelecidos de acordo com o interesse e conhecimento específico de cada sociedade. Mas,

apesar das manifestações culturais serem distintas, a interdependência do homem com o

universo a sua volta, não é. Também não é por acaso que determinadas imagens parecem estar

amplamente difundidas, mesmo em culturas que se encontram distanciadas no espaço e no

tempo. São desenhos carregados de simbolismos, sendo alguns praticamente inerentes ao ser

humano. E, ainda que não possamos afirmar que estas figuras, tão recorrentes, representem a 1 GONÇALVES, Victor. O mito, o rito e o resto. In: LEROI-GOURHAN, André. As religiões da pré-história. Lisboa: Edições 70, 1983. p. 17.

70

mesma coisa para as mais diversificadas culturas, é um exercício investigativo enriquecedor,

perceber semelhanças entre grupos humanos variados que se apresentam, inicialmente, tão

diferentes.

3.2 - Registro arqueológico

As imagens que fazem parte do registro arqueoastronômico são de forma e conteúdo

diversificado e nem sempre são destacadas como fonte de saber astronômico. Elas podem ser

de associação direta representando astros - mais facilmente identificados como tal - ou de

conhecimento formado a partir das observações, como é o caso dos sistemas de contagem,

que indicam, frequentemente, marcação temporal sugerindo a elaboração de calendários.

Registros arqueoastronômicos associados a calendários

Gravuras situadas na Pedra do Ingá – PB. As cavidades circulares sequenciais serviriam como marcadores de tempo.2

2 Cf.: ALEMANY, Francisco Pavia. El calendário Solar da "Pedra do Ingá" una hipótesis de trabajo. Boletim série ensaios, n.4. Rio de Janeiro: Instituto de Arqueologia Brasileira, 1986.

71

Pintura representando um calendário solar de 31 dias com sol poente,

situada na Toca do Cosmos - BA.3 Foto: C. Jalles

Algumas imagens como as circulares, por exemplo, tão frequentes nos registros

culturais mais variados, acumulam uma carga de informações, que não pode ser demonstrada

e/ou comprovada diretamente a partir da pesquisa arqueológica, mas podem, com o auxílio de

outros referenciais, ampliar o número de questões a serem trabalhadas no processo de análise

do material resgatado. O círculo - bastante comum no mundo das representações - está

normalmente associado ao céu, ciclos celestes e, portanto, ao tempo e suas representações.

"Em primeiro lugar, o círculo é um ponto estendido; participa da perfeição do ponto. Por conseguinte, o ponto e o círculo possuem propriedades simbólicas comuns: perfeição homogeneidade, ausência de distinção ou de divisão. O círculo pode ainda simbolizar não mais as perfeições ocultas do ponto primordial, mas os efeitos criados; noutras palavras, pode simbolizar o mundo, quando se distingue de seu princípio. Os círculos concêntricos

3 Cf.: BELTRÃO, Maria (Coord.). Arte rupestre: as pinturas rupestres da Chapada Diamantina e o mundo mágico-religioso do homem pré-histórico brasileiro. Rio de Janeiro: organização Odebrecht, 1994.

72

representam categorias de ser, as hierarquias criadas. Para todas essas categorias, eles constituem a manifestação universal do Ser único e não manifestado. Portanto, o círculo é considerado em sua totalidade indivisa... O movimento circular é perfeito, imutável, sem começo nem fim, e nem variações. Define-se o tempo como uma sucessão contínua e invariável de instantes, todos idênticos uns aos outros...O círculo simbolizará também o céu, de movimento circular e inalterável..." 4

Na Arte Rupestre, esse tipo de imagem - circular - prevalece sobre as demais e pode

ser encontrada associada a diversas outras - geométricas, figurativas e mesmo zoomorfas -

que, ainda que não tenham sido inicialmente caracterizadas como tal, são de cunho

notadamente astronômico. Todo o material arqueológico - no que diz respeito ao saber

astronômico - que foi reunido até o momento, tem forte associação com a coleta de

informações e controle sobre a dinâmica celeste.

"Em outro nível de interpretação, o próprio céu torna-se símbolo, o símbolo do mundo espiritual, invisível e transcendente. Mais diretamente, porém, o círculo simboliza o céu cósmico, particularmente em suas relações com a terra. Nesse contexto, o círculo simboliza a atividade do céu, sua inserção dinâmica no cosmo, sua causalidade, sua exemplaridade, seu papel providente. E, por essa via se junta aos símbolos da divindade debruçada sobre a criação, cuja vida ela produz, regula e ordena (CHAMPEAUX G., dom STERCKX S. (O.S.B.), Introduction au monde des Symboles, Paris, 1966. p. 28)."5

4 CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. p. 250. 5 Ibidem.

73

Registros circulares recorrentes em grafismos rupestres

Fonte Grande I -BA. Foto: R. Nader Lapa do Janelão - MG. Foto: L. Ribeiro

Outra imagem constante nos registros rupestres e igualmente associada às

manifestações gráficas do conhecimento astronômico - observado e eternizado nas

representações rupestres - é a espiral.

"Ela manifesta a aparição do movimento circular saindo do ponto original; mantém e prolonga esse movimento ao infinito: é o tipo de linhas sem fim que ligam incessantemente as duas extremidades do futuro... (a espiral é e simboliza) emanação, extensão, desenvolvimento, continuidade cíclica, mas em progresso, rotação criacional (CHAMPEAUX G., dom STERCKX S. (O.S.B.), Introduction au monde des Symboles, Paris, 1966. 25)."6

6 Ibidem. p. 397-398.

74

Registros espirais recorrentes em grafismos rupestres

Lapa dos Bichos - MG. Acervo: UFMG Lajedo do Cadena - PA. Foto: E. Pereira

Quase tão recorrentes como os círculos concêntricos, conseguimos percebê-las

também em outros suportes arqueológicos como em peças de cerâmica e artefatos líticos,

entre outros.

Registros espirais em suporte cerâmico e lítico

Acervo da Reserva Técnica Mario Ferreira Simões - MPEG. Foto: C. Jalles

75

Tal forma, que apresenta o movimento circular saindo do ponto original, mantendo e

prolongando esse movimento ao infinito, encontra-se manifestada em todas as culturas,

sempre carregada de significações simbólicas. Frequente, também no mundo natural, pode ser

matematicamente explicada pela sucessão lógica de números inteiros/naturais - geralmente, de

0 e 1 e que cada número subsequente representa a soma dos dois anteriores. A assim

denominada Sequência de Fibonacci, apesar de conhecida desde a Antiguidade, recebeu este

nome por ter sido difundida pelo matemático italiano, Leonardo de Pisa,7 que no início do

século XIII,8 descreveu o avanço de uma população de coelhos, a partir dessa sucessão. 9

A sequência, que está presente em diversos fenômenos da natureza, é infinita - 0, 1, 1,

2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987, 1597, 2584... - e considerada, por sua

aplicação, como uma das maravilhas da Matemática.

Por exemplo:

A partir de dois quadrados de lado 1, podemos obter um retângulo de lados 2 e 1, se

adicionarmos a esse retângulo um quadrado de lado 2, obtemos um novo retângulo 3x2. Se

adicionarmos agora um quadrado de lado 3, obtemos um retângulo 5x3. Formando assim,

a sequência de Fibonacci.

7 Popularmente conhecido como Fibonacci (do latim Filius Bonacci), é tido como o primeiro grande matemático europeu da Idade Média. 8 Com a publicação em 1202 do Liber Abaci (Livro do Ábaco ou Livro de Cálculo), que introduziu os numerais hindu-arábicos na Europa. 9Ao longo dos experimentos, ele se deparou com uma sequência onde um número é igual a soma dos dois anteriores. A série, uma das mais famosas da matemática, ficou conhecida como série ou sequência de Fibonacci. Ao dividir cada termo pelo anterior, o resultado sempre fica próximo do número phi (Φ = 1,618034…) número sublime, que organiza o universo em uma mesma proporção - chamada de divina -, está por traz de importantes obras da arquitetura clássica, em pinturas e esculturas renascentistas e na natureza, incluindo no corpo humano.

76

Ao utilizarmos um compasso e traçarmos o quarto de circunferência inscrito em cada quadrado, encontraremos uma espiral formada pela concordância de arcos cujos raios são elementos da sequência de Fibonacci.10

Essa forma, considerada satisfatória do ponto de vista estético por suas proporções, foi chamada retângulo áureo.11

O retângulo de ouro pode ser dividido em um quadrado e em outro retângulo de ouro

em um processo que pode se repetir infinitas vezes, mantendo-se a mesma proporção. Para os

gregos, o retângulo áureo representava a lei da beleza matemática. Ele aparece em diversas

obras da arquitetura e escultura gregas clássicas.12

10 RIBEIRO, Thyago. <https://www.infoescola.com/matematica/sequencia-de-fibonacci.> Acesso em Outubro 2017. 11 ibidem 12A divisão áurea é conhecida desde os pitagóricos de 500 anos a.C e o Parthenon por exemplo, construído em Atenas por volta de 430-440 a. C., tem em sua base um retângulo de ouro.

77

3.3 - Registro histórico

No período histórico, os mais variados tipos de registros foram responsáveis pelos

estudos dos símbolos que possuímos na atualidade, dos quais retiramos algumas

interpretações que já fazem parte, inclusive, do senso comum. Neste trabalho, destacamos

algumas que podem ser encontradas em diferentes dicionários de símbolos13 e que são,

sobretudo, encontradas nos registros arqueológicos.

Portanto, dando seguimento ao que foi apresentado no primeiro capítulo, sobre os

caminhos da Astronomia, daremos especial atenção aos registros astronômicos referentes ao

período isidoriano, destacando os de forma circular, que representam a principal forma de

explanação gráfica dos conhecimentos transmitidos por Isidoro de Sevilha, concentradamente

reunidos na obra De natura rerum, apresentada no referido capítulo.

Isidoro, ao utilizar este recurso gráfico para a explicação do mundo, corroborou o

conceito de perfeição divina associado à figura circular. A mensagem, transmitida

didaticamente, reproduzia, não só o conhecimento científico, mensurável, como também o

imensurável, perceptível na grandeza dos fenômenos naturais diretamente atribuídos ao

Criador.

Assim, ao difundir os saberes pagãos recuperados da Antiguidade, adequava-os de

acordo com a sua função de bispo e porta-voz autorizado14 de uma Igreja em expansão.15 E,

de acordo com o poder simbólico16 que lhe foi atribuído, passava as diretrizes para a

13Aqui, reunimos informações principalmente de: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 24ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009; e LEXIKON, Herder. Dicionário dos símbolos. São Paulo: Cultrix,1997. 14 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. 15SILVA, Leila Rodrigues da. A normatização da sociedade peninsular ibérica nas atas conciliares e regras monásticas: as concepções relacionadas ao corpo (561-636) – um projeto em desenvolvimento. Jornada de Pesquisadores do CFCH, 6, 2004, Rio de Janeiro. In: Atas ... Rio de Janeiro: CFCH, 2004. (meio digital). 16 Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre. Op.Cit., p. 7-8.

78

regulamentação da sociedade, nos aspectos religiosos e também sociais, jurídicos, econômicos

e políticos.

Ao explicar sobre os dias, por exemplo, definia o que era adequado e inadequado nos

dias considerados fastos – em que tudo corria bem – e os nefastos – em que somente a

atividade religiosa era permitida.17

Sobre os dias - capítulo I - Natura Rerum - Isidoro de Sevilha

17 Cf,: ISIDORO DE SEVILHA. Los círculos de De natura rerum. Introducción, traducción y compilación: Luis A. Saiz Montes; Mariano Esteban Piñeiro. Valladolid: Maxtor, 2011. p. 5

79

A explicação sobre a semana, de acordo com a denominação romana com base no

nome dos planetas para os dias da semana, destacando o sábado como feriado desde a origem

do mundo e o primeiro dia depois do feriado, como do Sol, o primeiro astro.18

Sobre a semana - capítulo III - De Natura Rerum – Isidoro de Sevilha

18 Cf.:ISIDORO DE SEVILHA. op cit. 2011. p.7.

80

A explicação sobre os meses, um ciclo lunar, abarcando de uma lua nova à outra, que

os antigos definiram como o tempo que a Lua leva para percorrer o círculo do zodíaco e que

os pagãos nomearam segundo suas divindades, começando por Marte. Para os latinos, todos

os meses começam nas calendas19 e para os hebreus, com a volta da lua nova.20

Sobre os meses - capítulo IV - De Natura Rerum

19 Na antiga Roma, calendário fazia referência ao dia em que se deviam pagar pelos empréstimos recebidos, cobrança que devia coincidir com as calendae, o primeiro dia de cada mês. (CF.:POZA YAGUE, Marta. Los labores de los meses en el Románico. Revista Digital de Iconografia Medieval, vol.I. nº1. 2009:31. 20 Cf. ISIDORO DE SEVILHA. op cit. 2011. p. 9.

81

Sobre a correspondência dos meses capítulo V - De Natura Rerum 21

O ano - revolução circular do sol durante os 12 meses - é apresentado por Isidoro, no

capítulo VI, em vários tipos, de acordo com a distinção feita pelos sábios. Sendo eles: o ano

solar ou civil - de 365 dias - determinado ao longo de 12 meses pela revolução de um só astro;

o ano natural, quando a lua se interpõe entre o sol e nossos olhos, produzindo um

obscurecimento total se seu disco, o eclipse; o ano magno, intervalo de tempo que leva para

os astros voltarem ao seu ponto de origem, o que levaria 19 anos; o ano solsticial, relacionado

ao tempo que leva o sol para dar uma volta ao redor de todos os signos do Zodíaco; o ano 21 Correspondência dos meses para a medida das horas. Conforme nota de Saiz Montes & Esteban Piñeiro na versão fac-símile do De natura Rerum, o escritor e agrônomo romano do século IV, Rutilo Tauro Emiliano Paladio, compôs um tratado sobre os trabalhos do campo ao longo do ano Opus agriculturae em 14 livros que abordam as questões agrícolas detalhadamente, finalizando cada livro (do XII ao XIII) que recebem os nomes dos meses do ano com uma tabela De horis, útil para calcular a hora de cada dia medindo a sombra projetada pelo nosso corpo quando iluminado pelo sol. Nessa tabela, é feita a correspondência entre os meses, agrupando-os de dois em dois (tal qual apresentada por Isidoro no capítulo V). O bispo de Sevilha se apoia nela e não dispõe a tabela para o cálculo da hora diurna. Ibidem. p.11.

82

lunar, de 354 dias que corresponde ao ano comum, transcorridos em 12 meses lunares; o ano

embolismal - no qual a páscoa se atrasa, que é de 384 dias, composto de 13 lunações; o ano

bissexto, que se dá a cada quatro anos com a adição dos quatro quartos acumulados para

formar o dia completo; e o ano jubilar - ano de perdão - que chega a cada 49 anos; além de

outros conjuntos de anos como as olimpíadas, o lustro, a era.22

Sobre os anos - capítulo VI - De Natura Rerum

As estações - quatro consideradas pelos latinos - são originadas pelos movimentos dos

astros, a saber: o inverno, quando o sol permanece nas regiões meridionais e a noite tem

22 Ibidem, p.12.

83

duração maior que o dia; a primavera, quando o sol se retira das regiões meridionais e se põe

em cima da terra, igualando a duração dos dias e das noites; o verão, quando o sol nasce para

o norte, aumenta os dias e reduz as noites; e o outono, quando o sol desce do alto do céu

moderando a força de seu fogo.23

Sobre as estações - capítulo VI - De Natura Rerum

Resumindo, o ano se explica pelo movimento do sol e o transcurso dos meses. As

estações dão lugar a mudanças alternadas; os meses para completar as diferentes fases da lua.

A semana abarca 7 dias. O dia e a noite se renovam pela alternância da luz e das trevas. A

hora é a reunião dos momentos.24

23 Ibidem, p 14-15. 24 Ibidem, p.15.

84

E assim, Isidoro prossegue utilizando imagens circulares em outros capítulos da obra,

como quando explica sobre os cinco círculos e os elementos do mundo - apresentados

anteriormente - 25 e ainda sobre o céu e o seu nome, sobre os sete planetas celestes e suas

revoluções, sobre as águas que estão acima dos céus, sobre a natureza do sol, sobre as

dimensões do sol e da lua, sobre a luz da lua, sobre a posição das sete estrelas errantes, sobre

o arco-íris, sobre o nome dos ventos e sobre as partes da terra.26

Sobre o céu - cap. XII DNR Sobre os sete planetas - cap. XIII DNR

Sobre as águas - cap. XIV DNR Sobre o sol - cap.XV DNR

25 No capítulo 1 desta tese. 26 Ibidem, p. 20-34.

85

Dimensões do sol e da lua - cap. XVI Sobre a luz da lua - cap. XVIII

Posição das 7 estrelas - cap. XXIII Sobre o arco-íris - cap. XXXI

Sobre os ventos - cap. XXXVII Sobre a terra - cap. XLVIII

86

3.4 - Considerações parciais

As representações astronômicas - amplamente encontradas em todos os tempos e

culturas - ratificam a inegável importância deste saber na organização dessas diferentes

sociedades, seja pela orientação de atividades básicas essenciais à sobrevivência,

seja pela inserção do homem no grupo a que pertence.

O registro arqueológico, diversificado em formas e suportes, apresenta algumas

imagens tão recorrentes que, ainda que não possuam documentação escrita como em outros

períodos históricos, a possibilidade de associação entre elas27 permite a elaboração de

questões mais apropriadas ao esclarecimento de ações latentes na cultura material.

O registro histórico, por sua vez, tem permitido a construção de uma linguagem

simbólica - também manifestada em diferentes períodos - que, apoiada por documentações

auxiliares, provoca e auxilia a investigação arqueológica.

Ao destacarmos o papel de Isidoro de Sevilha na difusão dos saberes - recuperados

sistematizados - da Antiguidade, ratificamos o reconhecimento de sua autoridade, que acabou

lhe atribuindo um poder simbólico28 estratégico no trato, não só das questões religiosas, como

também das questões sociais e políticas.

Como detentor carismático dessa ferramenta de controle e poder, Isidoro utilizou o

saber astronômico não só para definir o mundo, delimitando o cosmos para relacioná-lo com o

microcosmo - o homem -, como também fez uso do pensamento simbólico para associações

de cunho religioso: Sol com Cristo e Céu com Igreja, p. ex.

27 Conforme verificaremos no próximo capítulo. 28 Definido por Pierre Bourdieu como "o poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem" Cf.: BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989. p. 7-8.

87

A ciência dos astros e a dinâmica celeste ofereciam, desta forma, além dos referenciais

de ordem prática na organização de tarefas cotidianas, a possibilidade de sua utilização

simbólica - fundamental na adaptação do conhecimento (pagão) produzido anteriormente -

para fins exegéticos.

88

4 - CAMINHOS DA ARQUEOLOGIA

“No que diz respeito a períodos mais remotos, a Arqueologia – em parceria com a Astronomia, no que reconhecemos por Arqueoastronomia – vem tentando, através da sua busca de interlocução com os registros deixados por populações ágrafas, perceber e identificar a importância dos referenciais astronômicos na organização, sobrevivência e desenvolvimento daquelas sociedades.” 1

A pesquisa arqueológica, sempre auxiliada por outras ciências em sua trajetória, vem

procurando conhecer e mensurar, de alguma forma, os passos da cultura humana, a partir de

fragmentos cerâmicos, líticos, ósseos, malacológicos, entre tantos outros vestígios

remanescentes.

Ao tentar compreender o passado humano a partir de restos fragmentados da cultura

material de sociedades não mais existentes, busca constantemente investigar novos aspectos

que permitam alcançar melhor o seu objetivo. Para tanto, conta com o apoio de diversas áreas

do saber que, em cooperação mútua, têm alcançado resultados antes inesperados.

A fim de recuperar o saber astronômico de populações ágrafas e, portanto, em

parceria com a Astronomia, vem pesquisando diferentes culturas, através de informações

sobre a dinâmica celeste, que podem estar contidas em diferentes suportes arqueológicos.

4.1 – Considerações introdutórias

Embora se pretenda, na realidade, entender qual o significado cultural dos registros

encontrados, os avanços na pesquisa arqueoastronômica – principalmente no Brasil - ainda

1 JALLES, Cíntia. Pintado, gravado e escrito: a materialização do saber astronômico em diferentes formas de registro. In: Christina Helena da Motta Barboza. (Org.). Histórias de Ciência e Tecnologia no Brasil (Mast: 30 anos de pesquisa, v.3). 1ed.Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2016, v. 3, p. 10.

89

estão muito mais relacionados aos tipos de registros existentes do que às observações que os

propiciaram, ou seja, como a cultura captou e representou os diversos eventos astronômicos.

De fato, as informações apreendidas a partir dos vestígios arqueológicos – mesmo em sua

totalidade – ainda representam uma parcela muito pequena das práticas das sociedades de

tempos mais remotos que conseguimos recuperar a partir de seu legado material.

Para avaliarmos o universo de informações astronômicas obtidas a partir do material

arqueológico encontrado em nossas pesquisas, daremos especial atenção aos elementos

observados a partir do estudo da arte rupestre - mais expressivo no que diz respeito aos

registros de observações celestes -, ainda que observemos a sua assimilação em outros

suportes arqueológicos.2

Por ser um campo de conhecimento ainda em formação, a pesquisa em

Arqueoastronomia – particularmente no Brasil - precisa ser ampliada, de modo a abranger um

maior número de informações que permitam a formação de um quadro inicial mais robusto –

ainda que generalizado – sobre o conhecimento astronômico das populações que habitaram o

território nacional no passado mais remoto. Um passo importante nesse sentido é o

estabelecimento de colaborações entre pesquisadores de diferentes instituições, visando à

reunião de novos materiais, bem como a troca de ideias e o aprofundamento das discussões.

Iniciativas, tais como as apresentadas anteriormente,3 que abrangem oficinas, cursos,

seminários e exposições podem ser ainda intensificadas por ações que promovam a

divulgação de conteúdo desse campo também para leigos, que serão, em última instância, os

responsáveis pelo apoio ao crescimento das pesquisas e atividades nesse campo. 4

Para potencializar as parcerias institucionais e facilitar a difícil tarefa da Arqueologia

ao buscar interpretar os vestígios culturais remanescentes de sociedades ágrafas - que esbarra

2 Conforme exposto no item 2.3 (capítulo sobre Arqueoastronomia) 3 No histórico das pesquisas em Arqueoastronomia, capítulo 2. 4 Aqui destacamos a publicação de material didático como o livro Olhai pro céu, olhai pro chão (JALLES, C.; SILVEIRA, M. I.; NADER, R. V. Olhai pro céu, olhai pro chão. Astronomia e Arqueologia. Arqueoastronomia: o que é isso? Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2013), que foi distribuído em escolas e bibliotecas e também junto a kits pedagógicos elaborados pelo então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

90

na falta de maiores informações sobre os seus autores - estamos propondo um novo caminho

que almeja promover um maior intercâmbio de informações arqueológicas, permitindo a

circulação de material de cunho arqueoastronômico que, uma vez sistematizado, propiciará o

tratamento de informações comparáveis em suas semelhanças e diferenças culturais, espaciais

e temporais. Desta forma, estamos iniciando – no Museu de Astronomia e Ciências Afins - a

elaboração de um banco de dados que pretende ampliar o sistema de informações sobre a

jovem e desprovida Arqueoastronomia.

4.2 – Sistema de informações arqueoastronômicas

O desenvolvimento das pesquisas em Arqueoastronomia no Brasil, além de reforçar a

importância dos suportes rochosos, onde encontramos a maior parte dos vestígios, já nos

permitiu perceber que uma grande quantidade de registros apresenta formas semelhantes. São

essas similaridades, independentemente das distâncias no tempo e no espaço, que nos levaram

a refletir sobre a aparente universalidade de determinados padrões de comportamento

humano.5 No caso da Astronomia, manifesta-se o mesmo impulso no sentido de transmitir e

perpetuar as observações realizadas em diferentes locais, períodos e sociedades. Quando

ocorrem fenômenos celestes extraordinários, observados simultaneamente em diferentes

lugares, esse impulso torna-se particularmente verificável. Um exemplo é a explosão da

supernova6 de 1054,7 que foi muito registrada pelos astrônomos chineses e árabes, mas

também identificada em registros rupestres arqueológicos em Chaco Canyon, no Novo

México, Estados Unidos,8 e em Central, na Bahia.9

5 Também verificável no estudo sobre os simbolismos no decorrer da História. 6 Evento astronômico que ocorre durante os estágios finais da evolução de algumas estrelas e é caracterizado por uma explosão muito brilhante. 7 Também conhecida por SN1054, foi amplamente vista da Terra a partir de 4 de julho de 1054 e esteve brilhante o suficiente para ser vista por 23 dias à luz do dia e por 653 dias à noite. A poeira remanescente da SN1054 é agora conhecida por Nebulosa do Caranguejo, na constelação de Touro. 8 Cf.: ZEILIK, Michael. Keeping the sacred and planting calendar: archaeoastronomy in the Pueblo Southwest. In: AVENI, Anthony F. (ed). World Archaeoastronomy. Oxford International Conference of Archaeoastronomy (2nd: 1986: Mérida, México). Cambridge University Press, 1989, pp 143-166.

91

Registros rupestres da Supernova 1054

Em Chaco Canyon – Novo México – USA e em Central - Bahia - BRASIL

Descobertas como essa, além de demonstrarem a aplicação de informações obtidas

pela pesquisa arqueoastronômica, na datação de vestígios arqueológicos difíceis de datar

como a Arte Rupestre, corroboram a necessidade imperiosa do intercâmbio de informações

resgatadas pela pesquisa arqueológica, relacionadas ao campo da Astronomia.

A falta de conhecimento, neste campo específico do saber – pertinente às ciências

exatas - pela grande maioria dos arqueólogos – cientistas humanos por excelência – faz com

que grande parte das informações, diretamente relacionadas ao saber astronômico, seja

negligenciada e/ou fique “adormecida” em relatórios técnicos de pesquisa esperando a leitura

de um profissional com experiência na área. Isso é possível porque os arqueólogos, cientes de

que a sua intervenção no sítio arqueológico acaba por destruí-lo, elaboram relatórios minuciosos, a

fim de que o que foi destruído possa, ao menos parcialmente, ser reconstituído em laboratório.

9 A identificação de registros rupestres encontrados na Bahia com a supernova de 1054 foi feita pelo astrônomo Rundsthen Vasques de Nader (OV\UFRJ). Informações sobre essa descoberta foram fornecidas pela autora em comunicação apresentada no X Simpósio Internacional de Arte Rupestre – SIAR, que teve lugar em Julho de 2014, em Teresina (PI). Cf.: JALLES, Cíntia. Pintado, gravado e escrito: a materialização do saber astronômico em diferentes formas de registro. In: Christina Helena da Motta Barboza. (Org.). Histórias de Ciência e Tecnologia no Brasil (Mast: 30 anos de pesquisa, v.3). 1ed.Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2016, v. 3, p. 12.

92

O IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,10 que responde

pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, reúne e disponibiliza as informações

gerais sobre os sítios trabalhados, permitindo-nos visualizar os tipos de sítios pesquisados

pelas diversas instituições brasileiras. Porém, informações mais precisas, emitidas após

análises criteriosas do material arqueológico resgatado, só são normalmente apresentadas em

trabalhos científicos, posteriormente, e de acordo com as questões específicas de interesse de

cada pesquisador.

A partir do portal do IPHAN,11 encontramos o Cadastro Nacional de Sítios

Arqueológicos – CNSA, que faz parte do Sistema de Gerenciamento do Patrimônio

Arqueológico – SGPA e onde podemos realizar consultas sobre os sítios cadastrados por

estado.

O SGPA foi concebido em 1997 com o objetivo de estabelecer padrões nacionais para

a identificação de sítios, coleções e registros de documentações arqueológicas, em

conformidade com a Lei nº 3.924/61. Desde que foi implantado, em 1998, o sistema já

cadastrou mais de 17.500 sítios.

10 Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Cultura que completou 80 anos em 2017. 11 portal.iphan.gov.br

93

Outro grande problema relacionado aos registros arqueoastronômicos é que os sítios

arqueológicos, de uma forma geral, e os de arte rupestre especificamente, estão, em muitos

casos, ameaçados de destruição. Por estarem “fixadas” em paredões calcários, as pinturas e

94

gravuras só podem ser resgatadas pelos pesquisadores, através de fotos e desenhos. A

construção de rodovias, a especulação imobiliária e a extração de cal, por exemplo – sem

contar com ações de outros destruidores, mais associadas ao desconhecimento sobre a

importância desses registros - vêm devastando sítios inteiros, que só podem ser

salvaguardados pelo trabalho exaustivo do arqueólogo. Daí a urgência de serem devidamente

trabalhados, antes de serem aniquilados pelo desenvolvimento implacável e inevitável das

grandes cidades.

O que estamos propondo na presente tese é um instrumento de trabalho coletivo que,

devidamente alimentado, renderá frutos a todas as instituições de pesquisa participantes. Além

disso, será gerenciado por quem tem competência específica no campo da Arqueoastronomia.

95

Inicialmente idealizado a partir do material coletado para a organização das exposições

realizadas anteriormente no MAST12 e agora contando com a contribuição de novos parceiros

encontrados em nossa trajetória de pesquisa, estamos consolidando – a partir desta tese – e

com a inestimável colaboração do analista de sistema Francisco Bruno Bezerra Castro,13 a

estruturação de um banco de dados que servirá de alicerce para o desenvolvimento das

pesquisas em Arqueoastronomia.

Quando implantado - o protótipo que ilustraremos a seguir - e tomando por base as

instituições participantes, terão seus projetos de atuação apresentados por Estado, com os

sítios catalogados por cada projeto – em execução ou mesmo concluído -, os tipos de vestígios

de cada sítio, os suportes de realização do registro evidenciado, as imagens em contexto e

isoladas - tanto referenciadas em seus painéis/bases como com as pesquisas adjacentes - até

que possamos confrontá-las com os demais registros existentes em outros sítios e trabalhados

por outras instituições. Em um item para observações, teremos a chance de visualizar as

publicações existentes – técnicas e científicas - sobre o material selecionado e também

correlacioná-las ao cadastro do IPHAN.

4.3 - Banco de dados em construção

Conforme exposto no item anterior, os diferentes projetos institucionais serão listados

por suas áreas de atuação em projetos de pesquisas arqueológica que possam evidenciar

registros com conteúdo astronômico. Assim, os primeiros projetos a serem trabalhados serão

os que possuem registros rupestres, que possuem predomínio das informações relacionadas ao

saber astronômico.

12 Conforme descrevemos no histórico da Arqueoastronomia (capítulo 2). 13 Colega do Mast, lotado na Coordenação de História da Ciência e Tecnologia – COHCT.

96

Cada instituição será convidada a participar com o envio dos registros resgatados

referenciados/abalizados por suas pesquisas locais/específicas, e permitirá a utilização das

imagens/dados pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins14 e posterior divulgação - por

instrumento jurídico – do material sob sua guarda, com objetivos explícitos de contribuir com

o desenvolvimento da Arqueoastronomia Brasileira.

Tecnicamente falando, o sistema aqui proposto ainda não está em um servidor web

dedicado e sim funcionando temporariamente em um computador do Mast e - de acordo com

o exposto pelo analista responsável, Francisco Castro – através de outra ferramenta chamada

XAMPP, que nada mais é que um repositório das ferramentas que utilizaremos nessa primeira

fase, a saber:

- Linguagem utilizada para desenvolvimento: PHP;

- Servidor web: Apache;

- CMS (sistema gerenciador de conteúdo): Joomla 3.4

- Servidor gerenciador de banco de dados: MySql.

PHP é uma linguagem para desenvolvimento “cliente servidor” já consolidada no

mercado e responsável por gerenciar as funções do site com o servidor web e o banco de

dados.

14 Instituição centralizadora das informações inventariadas pelo projeto ora coordenado por Cíntia Jalles.

97

Exemplo de código PHP

Joomla é um gerenciador gratuito de conteúdo (CMS), que vem crescendo no

mercado, cuja função é facilitar e agilizar o desenvolvimento de criação de páginas web, tanto

na parte gráfica quanto na parte de código.

Interface administrativa do Joomla

98

O MySql é o servidor do banco de dados. Sua função é armazenar tudo que for

referente à informação, nesse caso, referente aos sítios arqueológicos, pinturas, gravuras, etc,

cadastrados.

Interface utilizando o Xampp para gerenciar

As informações iniciais, dizem respeito às imagens que já foram submetidas para a

realização das mostras anteriores – ilustradas ao longo desta tese -, sendo que para o protótipo

aqui demonstrado, destacaremos aquelas pertencentes ao material coletado pelo Projeto

Arqueológico Central, coordenado pela Profa. Dra. Maria Beltrão do Museu Nacional da

Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Visando a melhor compreensão da abrangência dos elementos relacionados ao nosso

sistema de informações, selecionamos algumas imagens em print para a demonstração do

passo a passo do banco de dados proposto e em execução.15

15 Inicialmente alimentado com material das instituições parceiras e aqui exemplificado com o do projeto Central, mais especificamente com o do sítio arqueológico Toca do Cosmos – BA.

99

Na tela inicial – home - apresentamos o nosso trabalho na instituição e colocamos em

destaque algumas imagens de registros rupestres de relevância para a pesquisa

arqueoastronômica.

100

Utilizando o filtro das instituições participantes, obtemos informações sobre os

diferentes projetos institucionais com material de relevância para a o estudo da

Arqueoastronomia, bem como a área de atuação de cada um deles e o pesquisador

responsável.

101

Um caminho alternativo pode ser filtrar informações pelo nome do projeto, onde

também encontraremos o detalhamento dos dados sobre a área de atuação, os sítios

cadastrados e trabalhados, a Instituição responsável e o coordenador do projeto.

102

Após selecionarmos um determinado sítio, visualizamos seus registros,

contextualizados e também de forma isolada.

103

A partir da seleção de uma determinada imagem, podemos localizar outras associadas

através do scan indicado no menu de opções.

104

No mapa de conteúdo, serão acrescentados os referenciais de localização, também

apoiados pelos dados do IPHAN.

105

E, para finalizar, um conjunto de informações, textos e referências bibliográficas sobre

Arqueoastronomia, que serão acrescentadas pelos trabalhos gerados pela utilização,

interinstitucional, do banco de dados.

106

4.3 – Considerações parciais

A Arqueologia, buscando compreender sociedades tão diferentes da nossa, costuma se

associar a diversas outras áreas de conhecimento na tentativa de entender um pouco mais

sobre esses grupos, a partir de restos fragmentados de suas culturas. Em parceria com a

Astronomia, busca compreender o conhecimento que tais sociedades teriam sobre a dinâmica

celeste, a partir de vestígios arqueológicos relacionados ao tema.

No Brasil, a pesquisa no campo da Arqueoastronomia está diretamente associada ao

estudo da arte rupestre - já que é principalmente nos painéis rochosos que encontramos sinais

de registros astronômicos em inscrições pintadas ou gravadas.

O Museu de Astronomia e Ciências Afins, em projeto de cooperação científica com o

Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG/ MCTI – e com apoio de diversas instituições

brasileiras, vem reunindo imagens com representações astronômicas identificadas em painéis

de arte rupestre espalhados por todo o território nacional.

Os dados, recolhidos de forma padronizada, permitirão quantificar e comparar

informações, além de fornecerem subsídios para o reconhecimento de elementos

astronômicos, com o objetivo de se traçar um perfil do conhecimento astronômico do homem

no passado.

107

CONCLUSÃO

Ao iniciarmos o doutorado, já tínhamos em mente, a dificuldade de identificar/deduzir

as relações de poder a partir dos vestígios remanescentes da cultura material dos povos

ágrafos. E o tema, logo de início gerou comentários impressionantes, tanto pela dúvida -

perfeitamente plausível - quanto pelo vislumbre da chegada de algo novo que poderia trazer

benefícios para a ciência Arqueológica.

Terminamos essa etapa, com a satisfação do dever cumprido e cientes de que o

trabalho, tendo gerado questões suficientes para alimentar a pesquisa arqueoastronômica nos

próximos bons anos, traz ainda outras provocações que estão apenas começando a serem de

fato absorvidas e que ainda demandarão grandes debates na comunidade científica/acadêmica

global.

Por meio do exame minucioso dos registros deixados pelas diferentes sociedades que

nos antecederam no passado – objeto da Arqueologia - conseguimos, com relativa facilidade,

perceber a importância dos referenciais astronômicos na organização, sobrevivência e

desenvolvimento dessas sociedades. As relações de poder, no entanto - apesar de se

constituírem como hipóteses plausíveis e relevantes – são extremamente difíceis de serem

extraídas unicamente dos documentos arqueológicos, que representam, na realidade, uma

parcela mínima da sociedade não mais existente.1

Os trabalhos com enfoque arqueoastronômico têm trazido à tona uma enorme

quantidade de material arqueológico que - apesar de representar, indiscutivelmente a

importância e necessidade desse referencial para a organização das diferentes sociedades -

têm levantado mais questões que propriamente apresentado conclusões. As particularidades

relatadas em diferentes estudos de caso apontam aspectos esclarecedores que, se divergem em

1 Por esta razão, recorre-se, com frequência, a dados etnográficos provenientes de outros períodos e regiões.

108

muito na sua forma, convergem na interdependência do ser humano não só com o ambiente

que o cerca, mas também, fortemente, com o grupo a que pertence.

Ao destacarmos o conteúdo astronômico presente na obra de Isidoro de Sevilha,

pretendemos não só problematizar as relações de poder envolvidas na transmissão deste

conhecimento no período medieval inicial – explícitas e implícitas no discurso isidoriano -,

como também recuperar a História e desenvolvimento da Astronomia nesta etapa, ainda

pouco abordada pelos historiadores desta Ciência.

A impossibilidade de certificar a intenção dos agentes produtores da cultura material

que chegou a nossas mãos, não nos impede de idealizar, a partir de exemplos históricos e

mesmo de outras culturas ágrafas, passadas e atuais, teorias certamente mais consistentes com

a grandeza do material arqueológico hoje disponibilizado.

O material de conteúdo astronômico, ainda acessível nos sítios arqueológicos

brasileiros, é de tal magnitude que não é à toa que o sítio Toca dos Cosmos na Bahia - que foi

especialmente escolhido para ser o piloto no nosso banco de dados - está sendo proposto -

pela comunidade arqueológica e astronômica internacional, para o título de Patrimônio

Cultural Astronômico da Humanidade.

Ao destacarmos a pesquisa arqueoastronômica como essencial, convém

ressaltarmos alguns fatores atribuídos ao seu desenvolvimento no Brasil. O primeiro deles foi,

sem sombra de dúvida, o projeto pioneiro desenvolvido pela equipe do Museu Nacional

coordenada pela professora Maria Beltrão, conhecido como Projeto Central. O segundo fator

é a persistência de outras pesquisas realizadas em diferentes pontos do país, que continuaram

trabalhando com o tema, apesar de todos os percalços e de resistências para a realização de

estudos na área. O terceiro diz respeito às novas descobertas, que acabam por alterar os rumos

da pesquisa atual, como é o caso das pesquisas realizadas pelo Centro de Pesquisas

Arqueológicas - CPArq, do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do

109

Amapá - IEPA, em sítio com estruturas megalíticas em Calçoene – Amapá.2 E, por último,

mas não menos importante, os interesses e questionamentos de novos pesquisadores que,

através de suas constantes perguntas e demandas aos seus orientadores, acabam por incentivá-

los a romperem antigos paradigmas.

A cada dia novos projetos - mesmo que não tratem especificamente do tema - vêm

evidenciando a necessidade constante de aprofundarmos a pesquisa sobre o conhecimento

astronômico do homem no passado. Agora, contando com novas técnicas - principalmente

computacionais - e descobertas, a Arqueoastronomia vem se transformando, de inicialmente

polêmica, para inevitável.

O Banco de dados em Arqueoastronomia aqui apresentado é mais uma ferramenta para

este desenvolvimento, sendo a nossa principal contribuição para as pesquisas nesta área. Ele

conseguirá resolver o atual problema relacionado à dificuldade dos arqueólogos em dispor de

informações que fogem da área de sua competência, uma vez que poderão apenas informar

suas pesquisas sobre a especialidade que lhes compete, no caso, sobre a Arte Rupestre e ao

mesmo tempo disponibilizar o material para aqueles que poderão fazer a diferença, os

arqueoastrônomos.

Pelo simples fato de alimentarem o banco de dados, os pesquisadores terão um retorno

- com as novas possibilidades sobre o seu material - sem afetar o trabalho feito anteriormente,

que poderá ser disponibilizado de acordo com os interesses particulares e também linkados

com o cadastro do IPHAN. Dessa forma, todos ganham, independentemente do grau de

conhecimento que possuam sobre a dinâmica celeste e seus diversificados registros pintados,

gravados, escritos e agora, digitalizados.

Desta forma, toda informação disponibilizada e devidamente processada - como as que

foram adquiridas e compartilhadas com os demais colegas, durante o doutorado - ainda que

2 CABRAL, Mariana; SALDANHA, João. Calçoene megalithic observtory 2010. Disponível em < http://www.wondermondo.com/Countries/SA/BRA/Amapa/Calcoene.htm >. Acesso em outubro de 2017.

110

não tenham resolvido todas as questões iniciais, indubitavelmente aprimoraram o nível delas,

impulsionando a estruturação de uma ferramenta coletiva que deverá alterar os rumos da

pesquisa realizada nos moldes atuais.

Para concluir, assumimos que tudo isso é apenas o início. Mas seguros que demos

mais um passo.

111

TERMOS, SIGLAS E OUTRAS DENOMINAÇÕES

Abrigo - ou "abrigo-sob-rocha", é um tipo de sítio arqueológico coberto, onde a distância da

boca ao fundo é menor que a altura. Ao contrário das grutas ou cavernas, onde a distância da

boca ao fundo é igual ou maior que a altura.

Ano embolismal - Ano em que se adiciona um mês suplementar de 30 dias destinado a

restabelecer a concordância entre anos lunares e anos solares.

Arqueologia – Ciência que estuda os povos do passado a partir das marcas e vestígios de suas

culturas. Apesar do enfoque no passado, possui métodos próprios que auxiliam o estudo o

comportamento humano em geral. É também eficaz no estudo de sociedades contemporâneas,

particularmente no que diz respeito a comportamentos não registrados pela escrita.

Astronomia – Ciência que estuda os astros e todos os fenômenos que ocorrem para além da

atmosfera terrestre. Trata de tudo que se passa fora de nosso planeta e também com a própria

Terra como parte do Sistema solar.

Astronomia Cultural – Campo acadêmico relativamente novo, cujo objetivo é analisar sob

que formas as sociedades constroem conhecimentos e práticas relacionadas ao espaço e aos

fenômenos celestes. Reúne os estudos realizados pela Etnoastronomia e pela

Arqueoastronomia.

Arqueoastronomia – Ramo recente da ciência que utiliza os conceitos e conhecimentos da

Astronomia e da Arqueologia. Tem por objetivo compreender o papel que a Astronomia tinha

na vida cotidiana das populações pretéritas.

Arte rupestre – expressão consagrada pela Arqueologia, que trata dos registros elaborados

sobre as superfícies rochosas, por populações pretéritas, sem privilegiar os aspectos estéticos.

112

Calendário lunar - É um calendário formulado de acordo com as fases da lua. Também

usado nos calendários hebraico e islâmico.

Calendário lunissolar – É um calendário baseado nos movimentos da Lua e do Sol, no qual

se procura harmonizar a duração do ano solar com os ciclos mensais da Lua através de

correções periódicas. Os doze meses lunares têm ao todo 354 dias, devido ao fato de a

duração do mês lunar ser de, aproximadamente 29,5 dias. Os dias que faltam para

corresponder ao ciclo solar obtêm-se através da introdução periódica de um 13º mês. Países

como a Índia ainda adotam ambos os calendários.

Calendário solar – É um calendário cuja marcação é baseada nos movimentos diário e anual

do sol. Historicamente, atribui-se aos egípcios sua primeira utilização, há cerca de 6000 anos.

CNSA – Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos. Apresenta os sítios arqueológicos

brasileiros cadastrados no IPHAN, com todo o detalhamento técnico e filiação cultural dos

Sítios Arqueológicos.

Cultura material – Conjunto de objetos apropriados por uma determinada sociedade. Pode

incluir tanto objetos apreensíveis como vasilhas de cerâmica, pontas de flecha ou adornos,

quanto elementos da paisagem tais como um muro, uma estrada ou uma roça.

Estruturas megalíticas – Construções monumentais com base em grandes blocos de pedra –

megálitos. Sítios com esse tipo de estrutura, frequentemente apresentam evidências de terem

sido usados como instrumentos para observação de fenômenos celestes.

Etnoastronomia – Tem por objetivo estudar o conhecimento astronômico atual de diferentes

povos. No Brasil o potencial para este estudo é ampliado pela existência de diversos grupos

indígenas que habitam o país até os dias de hoje.

113

Eventos astronômicos cíclicos – são aqueles que acontecem com periodicidade e

regularidade bem determinadas, tais como os movimentos diários e anuais do Sol, as fases da

Lua ou o nascer e pôr de estrelas e constelações, servindo para a elaboração de sistemas de

marcação de tempo (calendários).

Eventos astronômicos únicos ou extraordinários - não podem ser previstos

matematicamente ou por uma observação sistemática do movimento celeste e ocorrem sem

aviso prévio, aleatoriamente. Nesta classificação podemos incluir os cometas, os meteoros e

as explosões estelares (supernovas).

Gravuras – Registros gráficos realizados por técnica de polimento (fricção entre uma pedra e

a superfície rochosa) e/ou picoteamento (efetuado por martelamento utilizando-se uma pedra

como batedor e outra como formão).

IAB – Instituto de Arqueologia Brasileira. É uma instituição particular de caráter científico-

cultural, sem fins lucrativos (ONG). Fundada em 29 de abril de 1961, dedica-se à pesquisa,

ensino e divulgação da Arqueologia Brasileira. É credenciada junto ao Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para Guarda de Acervos Arqueológicos.

IBPA – Instituto Brasileiro de Pesquisas Arqueológicas. Instituição científico-cultural sem

fins lucrativos, fundada em 29 de março de 2012, por um grupo de pessoas envolvidos com a

pesquisa arqueológica.

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Como responsável pela

preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro, reúne e disponibiliza as informações gerais

sobre os sítios pesquisados pelas diversas instituições e pesquisadores brasileiros.

ISAAC - Sociedade Internacional de Arqueoastronomia e Astronomia na Cultura

(International Society for Archaeoastronomy and Astronomy in Culture).

114

Joomla - É um gerenciador gratuito de conteúdo (CMS), que vem crescendo no mercado,

cuja função é facilitar e tornar mais ágil o desenvolvimento de criação de páginas web, tanto

na parte gráfica quanto na parte de código.

Linguagem PHP - É uma linguagem para desenvolvimento “cliente servidor”, já consolidada

no mercado e responsável por gerenciar as funções do site com o servidor web e o banco de

dados.

MAST – Museu de Astronomia e Ciências Afins. É uma unidade de pesquisa do Ministério

da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC, criada na cidade do Rio de

Janeiro no dia 8 de março de 1985. Tem como missão ampliar o acesso da sociedade ao

conhecimento científico e tecnológico por meio da pesquisa, preservação de acervos,

divulgação e história da ciência e da tecnologia no Brasil.

MN - Museu Nacional da UFRJ. Vinculado ao Ministério da Educação. É a Instituição

científica mais antiga do Brasil e o maior museu de história natural e antropológica da

América Latina. Foi criado em 06 de Junho de 1818 por D. João VI, sendo denominado de

Museu Real. Em 1946 foi incorporado à Universidade do Brasil e atualmente integra a

estrutura da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

MPEG – Museu Paraense Emílio Goeldi. É uma instituição de pesquisa vinculada ao

Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação do Brasil. Desde sua fundação, em 1866, suas

atividades concentram-se no estudo científico dos sistemas naturais e socioculturais da

Amazônia, bem como na divulgação de conhecimentos e acervos relacionados à região.

MySql - É o servidor do banco de dados. Sua função é armazenar tudo que for referente à

informação. Nesse caso específico, referente aos sítios arqueológicos, pinturas, gravuras, etc,

cadastrados.

115

Pinturas – Registros gráficos elaborados com pigmentos obtidos a partir de matérias-primas

derivadas de minerais, vegetais, e animais. Eram predominantemente executadas nas cores

vermelha, amarela, preta e branca, que podiam ser usadas de forma isolada (pinturas

monocromas) ou combinadas (pinturas policromas).

RTMFS – Reserva Técnica Mário Ferreira Simões, do Museu Paraense Emílio Goeldi. O

acervo arqueológico desta reserva é composto por aproximadamente 120 mil objetos inteiros

e parcialmente fragmentados e mais de 2 milhões de fragmentos de artefatos, procedentes de

diversas regiões da Amazônia, caracterizando-se como um dos maiores acervos mundiais, de

reconhecida importância histórica, cultural e científica.

Saber astronômico – aqui utilizado principalmente para realçar a distinção com o que

conhecemos por Astronomia na atualidade. Envolve os aspectos mais relacionados ao

uso/aplicação do conhecimento adquirido pela observação da dinâmica celeste, nos grupos

considerados.

SEAC - Sociedade Europeia para Astronomia na Cultura (Société Européenne

pourl'Astronomie dans la Culture)

SIAC - Sociedade Interamericana de Astronomia Cultural (Sociedad Interamericana de

Astronomía Cultural). Criada em 2003, a partir da realização do Congresso Internacional de

Americanistas de Santiago do Chile.

Sítios arqueológicos – Locais com vestígios deixados por populações pretéritas.

Considerados bens da União, são parte do patrimônio nacional e podem estar relacionados a

momentos distintos de ocupação, que vão desde períodos relativamente recentes (históricos)

até épocas bem anteriores.

116

SGPA – Sistema de Gerenciamento do Patrimônio Arqueológico. Estabelece padrões

nacionais para a identificação de sítios, coleções e registros de documentações arqueológicas.

Supernova - Evento astronômico que ocorre durante os estágios finais da evolução de

algumas estrelas e é caracterizado por uma explosão muito brilhante.

Registros rupestres – registros deixados por populações pretéritas, elaborados sobre

superfícies rochosas, que representam elementos de suas culturas através de pinturas, gravuras

e esculturas.

Vestígios arqueológicos – Todo e qualquer objeto da cultural material de uma determinada

sociedade, resgatado pelas pesquisas arqueológicas.

117

BIBLIOGRAFIA

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