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O-Humanismo-como-Categoria-Constitucional-2ª

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O humanismo como categoria constitucional

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Belo Horizonte

2012

Carlos Ayres Britto

O humanismo como categoria constitucional

2ª reimpressão

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© 2007 Editora Fórum Ltda. 2010 – 1ª reimpressão 2012 – 2ª reimpressão

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,

inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.

Editora Fórum Ltda.Av. Afonso Pena, 2770 – 15º/16º andares

Funcionários – CEP 30130-007Belo Horizonte – Minas GeraisTel.: (31) 2121.4900 / 2121.4949

[email protected]

Editor responsável: Luís Cláudio Rodrigues FerreiraCoordenação editorial: Olga M. A. Sousa

Bibliotecária: Alessandra Rodrigues da Silva – CRB 2459 – 6ª RegiãoProjeto gráfico e formatação: Walter Santos

Capa: Michelangelo, A criação de Adão, detalhe.

Britto, Carlos Ayres

O humanismo como categoria constitucional / Carlos Ayres Britto. 1. ed. 2. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

124 p.ISBN 978-85-7700-088-3

1. Humanismo. 2. Poder Judiciário. 3. Justiça. 4. Democracia. 5. Cons-tituição. I. Britto, Carlos Augusto Ayres de Freitas. II. Título.

CDD: 342 CDU: 342(81)

B862h

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BRITTO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. 1. ed. 2. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 124 p. ISBN 978-85-7700-088-3.

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A todas as pessoas que procuram fazer do breve o intenso. Modo infalível de se fazer da eternidade uma experiência.

Também a todos os juízes que abrem as janelas do Direito para o mundo circundante, solícitos aos reclamos de uma justiça que se quer tão real quanto a vida que há lá fora.

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“Bom mesmo é ir à luta com determinação e abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem mais se atreve e a vida é muito para ser insignificante”

Charles Chaplin

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Sumário

C A P Í T U L O I

O humanismo como ilustração mental ...............................................................................................15

C A P Í T U L O I I

O humanismo como doutrina de exaltação ou culto à humanidade ..........19

C A P Í T U L O I I I

O humanismo como expressão de vida coletiva civilizada .......................................25

C A P Í T U L O I V

O humanismo como transubstanciação da democracia política, econômico-social e fraternal ........................................................31

C A P Í T U L O V

O necessário vínculo operacional entre humanismo e Direito ..............................37

C A P Í T U L O V I

O descompasso entre a teoria e a prática humanista como atestado de pobreza eficacial do Direito ............................................................................................43

C A P Í T U L O V I I

A imperiosa mudança de mentalidade como condição de encurtamento de distância entre o discurso humanista e sua prática .......51

C A P Í T U L O V I I I

A mudança de mentalidade que implique analogia entre o humanismo e a justiça e que ainda diferencie justiça em abstrato e justiça em concreto ............................................................................................................55

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C A P Í T U L O I X

O operador do Direito na condição de ponte entre a justiça em abstrato e a justiça em concreto ......................................................................................................59

C A P Í T U L O X

A estrutura dual do próprio cérebro humano como impulso para a busca da justiça em concreto ....................................................................................................65

C A P Í T U L O X I

A inteireza do ser que maneja a reflexão e se abre para a intuição ............71

C A P Í T U L O X I I

O sentimento como o lado do cérebro que mais interage com o mundo dos valores. O rebento da consciência .................................................77

C A P Í T U L O X I I I

A Constituição como o Direito mais axiológico e de mais forte compromisso humanista .......................................................................................................................................87

C A P Í T U L O X I V

A Constituição dirigente como garantia de efetivação do humanismo .....91

C A P Í T U L O X V

A Constituição dirigente como imperativo de reconceituação das chamadas “normas constitucionais programáticas” ............................................101

C A P Í T U L O X V I

O Poder Judiciário como garantidor da Constituição dirigente e do humanismo .........................................................................................................................................................107

C A P Í T U L O X V I I

Conclusão: a governabilidade constitucional como o clímax da governabilidade humanista ..................................................................................................................115

BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................................................................................119

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C A P Í T U L O I

O humanismo como ilustração mental

1.1. Humanismo é vocábulo plurissignificativo. Polissêmico, então, como passamos a expor.

1.2. Uma das mais conhecidas acepções do verbete é de aprofundado conhecimento das línguas e litera­turas antigas. Inicialmente, cultivo do grego e do latim. Com o passar do tempo, cultivo também do italiano e do francês, que nesse conjunto de idiomas é que foi escrita a maior parte das obras representa tivas da literatura ocidental (nela encartada a poesia). Sem obscurecer, registre-se, a contribuição do inglês em que se expressou o gênio de William Shakespeare, tanto quanto o espanhol de que se valeu Miguel de Cervantes para compor o seu imortal “DON QUIJOTE DE LA MANCHA”.

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1.3. Outra vertente do vocábulo é a de pendor ou gosto pelas ciências ditas “humanas”, em oposição

ao estudo das ciências tidas como “exatas”. Dicotomia

que bem se manifestava na antiga divisão dos cursos de

formação escolar de 2º. grau, aqui no Brasil, em “curso

clássico” e “curso científico”. Ambos preparatórios para o

exame-vestibular dos cursos de nível superior, sendo que

o clássico se destinava ao estudo das ciências humanas;

também chamadas de ciências sociais.

1.4. O engate lógico já se percebe: humanista é a

pessoa versada nas referidas línguas, ou, então, voca-

cionada para as ciências sociais; pois que se trata de

um modelo acadêmico de humanismo. Humanismo

dos doutos, subjetivado, marcadamente, nos filólogos,

historiadores, filósofos, juristas, cientistas políticos,

literatos, enfim. Estrato social ainda hoje referido como

ícone de erudição ou cultura comumente adje tivada de

enciclopédica. Tudo muito próprio de uma sociedade

que exagera um pouco no prestígio à pura ilustração

mental de suas intelectualizadas elites, confundindo,

não raras vezes, bons costumes com boas maneiras;

acúmulo mecânico de informações com aprofundada

formação cultural; talento com memória; conhecimento

com sabedoria.

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1.5. Era, e ainda é, residualmente, o humanismo típico de uma sociedade não por acaso apelidada de bacharelesca; ou seja, palavrosa, enfatuada, conser va dora (conservadora no plano da Política, conservadora no plano das convenções sociais). O que não tem impe dido o despontar de estudiosos que aliam ao mais sólido lastro cultural o mais vivo compromisso com a emancipação político-social das massas empobrecidas.

1.6. O mais vivo compromisso, acresça-se, também com o fazer da questão nacional uma trincheira de resistência a um tipo de colonialismo mental que responde pela descrença em nossa incomparável originalidade. Esse colonialismo invisível, camuflado, que, na aguda percepção de Eduardo Galeano, “te convence de que a servidão é um destino e a impo tência, a tua natureza: te convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser” (em O livro dos abraços. 11. ed. Porto Alegre: LP&M , 2004. p. 157).

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C A P Í T U L O I I

O humanismo como doutrina de exaltação

ou culto à humanidade

2.1. Uma terceira dimensão conceitual do humanismo se nos dá como doutrina. Consiste num conjunto de princípios que se unificam pelo culto ou reverência a esse sujeito universal que é a humanidade inteira. Logo, o humanismo no sentido de crença na aventura humana. Isto no pressuposto de ser o homem a obra-prima da Criação. O “animal político” de que falava Aristóteles, porquanto dotado da aptidão de sobrepor ao espontâneo mundo da natureza o elaborado mundo da pólis; ou, como viria a teorizar Rousseau, o homem como

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único ser capaz de pactuar com os seus semelhantes uma vida em “estado de sociedade”, tendo por contraponto um virginal “estado de natureza”.1

2.2. De fato, o desenrolar do tempo tem situado o gênero humano no centro do universo. Da procla-mação de que “o homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras) ao “cógito” de René Descartes, passando pela máxima teológica de que todos nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, o certo é que a pessoa humana passou a ser vista como portadora de uma dignidade inata. Por isso que titular do “inalienável” direito de se assumir tal como é: um microcosmo. Devendo-se-lhe assegurar todas as condições de busca da felicidade terrena.

2.3. Essa altissonante dignidade do ser humano está pressuposta na Magna Charta Libertatum dos ingleses, de 1215, e com explicitude passou a figurar nas modernas declarações constitucionais de direitos, numa espécie de viagem civilizatória sem volta. Isto ainda a partir da própria Inglaterra, sobretudo com a Petition of Right, de 1628,

1 Ver a obra O contrato social (Princípios de Direito Político), de Jean-Jacques Rousseau, Ediouro, tradução de Antônio de P. Machado, estudo crítico de Afonso Bertagnoli, capítulo VI, p. 34-36. Quanto à expressão “estado de sociedade”, de se ver que ela ganhou foros de positivação jurídica na secção I da “Declaração de Direitos”, de Virgínia, datada de 16 de junho de 1776.

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a Lei de Habeas Corpus, de 1679, e o Ato de Estabelecimento, de 12 de junho de 1701, assim como das emblemáticas declarações de direitos das revoluções liberais que se deram nos Estados Unidos da América e na França. Aqui, tendo por linha de partida a famosa “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 26 de agosto de 1789; ali, a menos conhecida porém igualmente meritória “Declaração de Direitos de Virgínia”, datada de 16 de junho de 1776.

2.4. Diga-se mais: toda essa perspectiva do humanismo até hoje conserva o seu originário caráter político-civil de prevalência do reino sobre o rei. Que outra coisa não significou senão a consubstanciação de três paulatinas e correlatas idéias-força: a) o Direito por excelência é o veiculado por uma Constituição Política, fruto da mais qualificada das vontades norma tivas, que é a vontade jurídica da nação; b) o Estado e seu governo existem para servir à sociedade; c) a sociedade não pode ter outro fim que não seja a busca da felicidade individual dos seus membros e a perma nência, equilíbrio e evolução dela própria.2

2 Expressam bem essas três idéias-força as seguintes passagens da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789: “Art. 1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na

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2.5. Mas é claro que, por conhecido desdobramento histórico desses três entrelaçados princípios reitores, o que se deu foi uma considerável ampliação na lista dos clássicos direitos individuais, como, verbi gratia, o direito à informação, ao desembaraçado acesso às instâncias judiciárias, ao tratamento não-precon ceituoso e até mesmo favorecedor dos segmentos sociais historica-mente discriminados (notadamente o dos negros e dos índios, das mulheres e dos portadores de deficiência). Tanto quanto se verificou o reconhe cimento formal dos direitos de cunho econômico-social, mormente os de matriz constitucional e incluídos, hoje, no rol dos direitos fundamentais da pessoa humana (Santo Agostinho dizia que “sem um mínimo de bem-estar material não se pode sequer servir a Deus”). Sendo que tais direitos de índole econômico-social se filiam, historicamente, às Consti tuições mexicana (1917), soviética (1918) e alemã (Weimar, 1919), enquanto que

utilidade comum”; “Art. 2º. O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”; “Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação (...)”; “Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral (...)”; “Art. 16. Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.

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os direitos neste nosso estudo designados por fraternais se definem com mais precisão nas Constituições portuguesa de 1976 e brasileira de 1988.3

2.6. É o que se pode designar por constitu cionalismo cumulativo. Um constitucionalismo crescentemente superavitário, como se dá com a ciência e a cultura, a ponto de autorizar a ilação de que, graças a ele, o Estado de Direito termina por desembocar num Estado de direitos. O que não significa uma generalizada situação de afrouxa-mento dos deveres e responsabilidades de cada indivíduo para com o próprio Estado e a sociedade civil. As duas coisas bem podem conviver na mais perfeita harmonia.

3 Constituições de cujo preâmbulo faz parte o vocábulo “fraterno (a)” como objetivo a ser alcançado ora pelo “País” (Portugal), ora pela “sociedade” (Brasil).

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C A P Í T U L O I I I

O humanismo como expressão de

vida coletiva civilizada

3.1. Passo a consignar uma terceira significação do humanismo. Não sem antes realçar o seguinte: toda essa histórica e formal proclamação de ser a pessoa humana portadora de uma dignidade “inata” é o próprio Direito a reconhecer o seguinte: a huma nidade que mora em cada um de nós é em si mesma o fundamento lógico ou o título de legitimação de tal dignidade. Não cabendo a ele, Direito, outro papel que não seja o de declará-la. Não propriamente o de constituí-la, porque a constitutividade em si já está no humano em nós.

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3.2. Em palavras outras, a circunstância do humano em

nós é que nos confere uma dignidade primaz. Dignidade

que o Direito reconhece como fator legitimante dele

próprio e fundamento do Estado e da sociedade.

Percepção tão recorrente nos escritos do inglês John

Locke e do franco-suiço Jean-Jacques Rousseau, tanto

quanto no iluminismo francês de Voltaire, Diderot,

Marat, Mirabeau, Danton e Emanuel Joseph de Sieyès

(todos eles sob ponde rável influência de Rousseau, tanto

quanto Rousseau foi ponderavel mente influenciado por

Locke). Mas uma percepção que também permeia os

ensinamentos dos místicos e as composições dos poetas,

de que serve de amostra este belíssimo verso dos artistas

brasileiros Tom-zé e Ana Carolina: “Cada homem é

sozinho a casa da huma nidade”. Sem falar no antológico

poema “Tabacaria”, do português Fernando Pessoa, que

principia com os seguintes versos:

“Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte disso, tenho em mim todos os sonhos

do mundo”.

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3.3. Não há negar. O princípio jurídico da dignidade da pessoa humana decola do pressuposto de que todo ser humano é um microcosmo. Um universo em si mesmo. Um ser absolutamente único, na medida em que, se é parte de um todo, é também um todo à parte; isto é, se toda pessoa natural é parte de algo (o corpo social), é ao mesmo tempo um algo à parte. A exibir na lapela da própria alma o bóton de uma originalidade que ao Direito só compete reconhecer até para se impor como expressão de vida comum civilizada (o próprio Direito a, mais que impor respeito, se impor ao respeito, como diria o juiz-poeta sergipano João Fernandes de Britto).

3.4. Sucede que, ao reconhecer por modo jurídico a inata dignidade da pessoa humana — sobretudo quanto à modelagem de um pluralismo que não desem boque jamais no preconceito como traço cultural, de parelha com a preceituação de uma aproximativa igualdade de acesso às fontes do poder, da riqueza e do saber —, a sociedade termina por se autoconferir a cre dencial de civi lizada. O qualificativo de evoluída. Sendo esse, precisa mente, o terceiro significado do huma nismo: tra­duzir uma vida em comum que mereça o galardão de cul turalmente avançada. Entendendo-se por sociedade culturalmente avançada, ao menos no plano norma-tivo, a que institui: a) mecanismos de oportunidades

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aproximativamente iguais nos campos da política, da

economia e da educação formal; b) acesso facilitado

aos órgãos do Poder Judiciário, aos serviços públicos

e à seguridade social (saúde, previdência e assistência

social); c) vivência de um pluralismo político e também

cultural (ou social genérico), tendo este por limite a não-

incidência jamais em preconceito.

3.5. Por que estamos a indicar esses domínios de

interação humana como denotadores de humanismo,

neste último sentido de sociedade evoluída ou cultu-

ral mente avançada? Porque são eles que, em seu conjunto, mais respondem pela qualidade de vida de todo um povo. Por isso que jurisdicizados, contem-

pora neamente, como situações jurídicas ativas que se

desfrutam às expensas do Estado e de toda a sociedade.

E em se tratando de direitos ambientais, sociais e do

tipo fraternal, a sua efetividade se eleva à condição de

dado conceitual de toda a economia do País. É dizer,

economia que já não restringe a sua noção de dina mismo

à abertura para as inovações tecnológicas e aos ganhos

de produtividade; tem que passar pelo atendimento às

neces sidades de preservação do meio ambiente e às postu-

lações de segurança social e de uma deci dida integração

comunitária (logo, fraternal).

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3.6. Convém repetir, com ligeiros acréscimos: focado pelo prisma dos interesses do todo social, o desenvol-vimento tem que ser mais do que um mecâ nico ou linear crescimento econômico. Ele há de exibir uma dimensão política ou de soberania nacional, pela exigência que se lhe faz de ser um desenvol vimento do tipo auto-sustentado ou sem temerária dependência externa. Como também há de exibir três outras dimensões: a) a dimensão da pura justiça social, a se dar por um progressivo compartilhamento dos seus frutos com todos os estratos de que a sociedade se compõe; b) a dimensão do mesmo e respeitoso tratamento para os referidos grupos de pessoas que até hoje experimentam o travo da discriminação social (por isso que destinatárias da compensação em que se traduz a ferramenta das ações afirmativas; d) a definitiva absorção da idéia de equilíbrio ecológico enquanto elemento de sua própria definição. É como está, por sinal, na própria Consti tuição brasileira de 1988, conforme um pouco mais à frente comprovaremos.

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C A P Í T U L O I V

O humanismo como transubstanciação da democracia política,

econômico-social e fraternal

4.1. Eminentemente cultural, portanto, é essa terceira dimensão conceitual do humanismo. Visto, porém, sob roupagem jurídica, e mais especifica mente sob roupagem jurídico-constitucional, esse padrão de humanismo se confunde com a própria democracia. Transubstancia­se na democracia que grada tivamente se impôs como idéia-força ou princípio de organização dos Estados e das socie dades nacionais do Ocidente, após a segunda guerra mundial.

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4.2. Deveras, a Democracia ocidental dos dias correntes é a que se constitui em inexcedível para digma de mobili dade vertical nos campos, justamente: a) da política enquanto área específica do poder governamental-adminis trativo; b) da economia en quanto fonte de toda riqueza material; c) da educação formal enquanto espaço de um saber direcionado “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205 da Constituição brasileira de 1988). Tudo isso de parelha com as citadas relações sociais de facilitado acesso à jurisdição, aos serviços públicos e à seguridade social, mais o pluralismo político e o social genérico (estes últimos a significar o direito de ser pessoalmente inconfundível com quem quer que seja, contanto que esse direito de ser diferente não resvale para a prática da discriminação de outrem). Sendo que o campo da política é de ser entendido na sua renovada configuração político-civil, de modo a abarcar os clássicos e novos direitos individuais (dentre estes, o direito à informação, à ética na Adminis tração Pública e às ações afirmativas), a vigorar de modo paralelo às relações de soberania popular e de cida dania. Já o campo da economia, a se materializar na dualidade básica do capital e do trabalho, de sorte a compor uma ordem econômico-financeira de prestígio, a um só tempo, da

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liber dade de iniciativa e do atendimento das necessi dades materiais básicas dos empregados e dos trabalha dores autô nomos. E quanto ao campo do saber, enfim, a se espraiar pelos domínios da educação formal, dos cursos profis sio nalizantes e do mencionado preparo para o exercício da cidadania.

4.3. Sendo assim, dá-se verdadeira fusão entre vida coletiva civilizada (culturalmente vanguardeira, foi dito) e democracia. Isto no sentido de se entender por vida em comum civilizada aquela que transcorre, circularmente, nos arejados espaços da contem porânea democracia. Com o que o humanismo e a democracia passam a formar uma unidade incin dível. Inapartável.

4.4. Recolocando a idéia: status civilizatório ou elevado padrão de civilidade de todo um povo é uma terceira dimensão conceitual do huma nismo. A mais recorrente, por sinal. A ser alcançada mediante mecanismos de Direito positivo que já se contêm no contemporâneo conceito de democracia. Demo cracia que em Constituições como a portuguesa de 1976 e a brasileira de 1998 ostentam os seguintes traços fisionômicos:

I – democracia procedimentalista, também conhe-cida por Estado Formal de Direito ou Estado Democrático de Direito, traduzida no modo

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popular-eleitoral de constituir o Poder Político (composto pelos parlamentares e pelos que se investem na chefia do Poder Executivo), assim como pela forma dominantemente represen tativa de produzir o Direito legislado;

II – democracia substancialista ou material, a se operacio nalizar: a) pela multiplicação dos nú-cleos decisórios de poder político, seja do lado de dentro do Estado (desconcentração orgânica), seja do lado de fora das instâncias estatais (descentralização personativa, como, por amos-tragem, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular); b) por mecanismos de ações distribu ti vistas no campo econômico-social. Vínculo funcional, esse (entre a democracia e a segurança social), que a presente Constituição italiana bem expressa na parte inicial do seu art. 1º., verbis: “A Itália é uma República demo crática fundada no trabalho”;

III – democracia fraternal, caracterizada pela positi-vação dos mecanismos de defesa e preservação do meio ambiente, mais a consagração de um pluralismo conciliado com o não-preconceito, espe cial mente servido por políticas públicas de ações afirmativas que operem como fórmula de com pen sação das desvan tagens historicamente

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sofridas por certos grupamentos sociais, como os multirreferidos segmentos dos negros, dos índios, das mulheres e dos portadores de deficiência física (espécie de igualdade civil-moral, como ponto de arre mate da igualdade política e econômico-social).

4.5. É o quanto basta para a dedução de que o huma-nismo enquanto vida coletiva de alto padrão civili za tório é aquele que transcorre nos mais dilatados cômodos da contemporânea democracia de três vértices: a procedi-mentalista, a substancialista e a fraternal. Os dois termos (humanismo e democracia) a se interpe netrar por osmose, e não mais por simples justaposição. Donde a metáfora da transubstanciação.

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Jefferson Carús Guedes e Luciane2 2Jefferson Carús Guedes e Luciane2 2 3/8/2009 09:02:113/8/2009 09:02:11

marcelop
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C A P Í T U L O V

O necessário vínculo operacional

entre humanismo e Direito

5.1. Esse atualizado humanismo significa atribuir à humanidade o destino de viver no melhor dos mundos. A experimentar o próprio céu na terra, portanto. Mas assim transfundido em democracia plena, ele passa a manter com o Direito uma relação necessária. O Direito enquanto meio, o humanismo enquanto fim. É como dizer: o humanismo, alçado à condição de valor jurí-dico, é de ser realizado mediante figuras de Direito. Que são os institutos e as instituições em que ele, Direito Positivo, se decompõe e pelos quais opera. No caso, e perti nen temente à formatação do Estado, tais figuras de

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Direito se traduzem em coisas como audiências públicas, sufrágio universal, voto direto e secreto, eleições perió -dicas, refe rendos, iniciativa popular, programações orça -men tárias, polí ticas públicas, acordos internacionais (entre as políticas públicas, as de natureza tributária que se mostrem seleti va mente estimuladoras de uma ordem econômico-financeira que se volte para a crescente partilha social dos seus ganhos).

5.2. Não que as Constituições precisem nominar o humanismo. Basta que elas falem de democracia para que ele esteja automaticamente normado. Como se pode concluir dos incisos de I a V do art. 1º. da Constituição de 1988, que, sob a denominação de “fundamentos” da República Federativa do Brasil, fez da democracia (logo, do humanismo) uma feérica estrela de cinco pontas: “sobe rania”, “cidadania”, “dignidade da pessoa humana”, “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, “pluralismo político”. Sendo que a expressão “digni dade da pessoa humana”, ali naquele dispositivo, ainda não é todo o humanismo; é a parte do humanismo que mais avulta, de modo a ocupar uma posição de centralidade no âmbito mesmo dos direitos funda mentais de todo o sistema constitucional brasileiro.

5.3. Também por instantânea dedução, infere-se que, dissolvendo-se na democracia, ou em outro valor universalmente aceito como o próprio fim de uma

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civilizada convivência humana (paz, bem comum, justiça, bem-estar geral...), o humanismo não podia ficar do lado de fora do Direito. Não podia ser indi ferente ao Sistema Jurídico de cada povo soberano. Sabido que o Direito é a realidade normativa que mais se aproxima dos atributos da unidade, coerência e plenitude. Única, além do mais, a se caracterizar pela heteronomia e garantida possibilidade de execução dos seus comandos (só as normas jurídicas são “impe rativos autorizantes”, preleciona Goffredo Telles Júnior). Numa frase, o Direito é o mais engenhoso esquema que a humanidade até hoje concebeu para viabilizar o absolutamente necessário “estado de sociedade”. Estado de sociedade sem o qual a expe riência humana estaria condenada à barbárie, num autofágico pugilato de todos contra todos. O anti-humanismo por definição.4

4 O rousseauniano estado de sociedade pressupõe, já foi dito, um contrato social que Afonso Bertagnoli assim comenta: “Em sentido mais filosófico, o contrato aparece como forma bilateral ou multilateral, incluindo compromissos recíprocos. O contrato social de Rousseau — também designado como pacto social — é o conjunto de convenções fundamentais que, ainda que nunca hajam sido formalmente enunciadas, resultam implícitas na vida em sociedade, sendo a sua fórmula a designada de que cada um de nós coloca em comum a pessoa em seu total poderio, sob a suprema direção da vontade geral; em conseqüência, recebemos, cada um, uma parte indivisível do todo comum” (prefácio do livro O contrato social, anteriormente indicado).

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5.4. Por assim entender foi que o emblemático Von Ihering falou do Direito como o complexo das próprias condições existenciais da sociedade, garantidas pelo Poder Público. “O modus vivendi” possível, na síntese feliz de Tobias Barreto, por se constituir numa “força cultural destinada a ser domadora das forças naturais da vida” (apud José Silvério Leite Fontes, em O pensamento jurídico sergipano, Ed. UFS, ano de 2003, p. 19). Tudo na linha dos brocardos latinos que tanto se sabe de cor e salteado: “ubi societas ib jus”, “ubi jus ib societas” (onde houver sociedade haverá direito, onde houver direito haverá sociedade), a traduzir duas realidades que se exigem e se complementam, na trama de uma dialética de verdadeira “implicação e polaridade”, na precisa linguagem de Miguel Reale.

5.5. Realmente, salta aos olhos que o Direito é o sistema de normas que melhor concilia imperatividade com exigibilidade. Imperatividade, na medida em que todo dispositivo jurídico é um comando, uma deter minação, um mandamento, uma ordem, enfim, ditada por órgãos e agentes de pronto referidos como auto ridades do Sistema. A própria face visível do poder. Exigibilidade, a seu turno, por sempre haver previsão legal de sanções ou medidas de constrição que tais autoridades ficam habilitadas a impor contra quem lhes resista às determinações. De modo coerente, aliás, com o princípio da presunção de

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verdade e licitude dos atos do Poder Público. Princípio que, na Consti tuição de 1988, tem uma de suas matrizes no seguinte enunciado:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios:

II – recusar fé aos documentos públicos”.

5.6. São considerações que cimentam a radica lidade deste juízo: mais do que não poder ser visto como um indiferente jurídico, o humanismo teria mesmo que se positivar como a própria democracia de três vértices. Principalmente se considerarmos que esse paradigma de democracia é um processo de afirmação do poder ascendente. Que é um poder que nasce de baixo para cima, e não de cima para baixo. Logo, poder umbilicalmente compro metido com os interesses da maioria do povo (situada na base da pirâmide social), e não daquelas pessoas já situadas no topo da hierarquia estatal, ou econômica. Noutro dizer, próprio da democracia é o constante empenho para tirar o povo da platéia e colocá-lo no palco das decisões que lhe digam respeito. De passivo espectador para autor do seu próprio destino. “Todos decidindo sobre tudo”, como preconizava Rousseau. Quem quer que seja a dizer o

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que quer que seja (acrescentamos), de sorte a se poder inferir que ela, democracia, é o único regime que faz da mais ampla participação popular o aplainado caminho de busca da mais abrangente inclusão social e integração comuni tária (nunca é demais lembrar que a palavra comunidade vem de comum unidade, na holística percepção espiritual-quântica de que, afinal, “tudo é um”).

5.7. E aqui vem o arremate da idéia do necessário traço de união entre o humanismo como valor cultural genérico e a democracia como específico valor jurídico, a ponto de o primeiro se dissolver na segunda: é que não há nada de essencial ao humanismo que já não se contenha no espectro atual da democracia. Por isso que esta o absorve e a ele comunica sua natureza de tema central de Direito Constitucional.

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O descompasso entre a teoria e a prática humanista

como atestado de pobreza eficacial do Direito

6.1. Juridicamente, pois, estamos a lidar com preciosas formulações regratórias. Lapidares “normas de organização e de conduta” (Bobbio), tracejadoras de um padrão de humanismo que já é a própria democracia de três vértices. Mas não podemos esquecer que mesmo um excelente referencial normativo para o concreto agir humano ainda não é o concreto agir humano. Pois o certo é que o humanismo não se tem feito acompanhar senão de uma prática muito aquém dos prometidos mundos e fundos. Tem sido algo muito mais retórico do que real.

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Bom para a auto-estima das pessoas patrimonializadas e dos países ditos desenvolvidos, mas incapaz de esconder a vexatória verdade de que somente uma micro-minoria de seres humanos é que vive de regular para ótimo. Já a macro-maioria, muito ao contrário, vive mesmo é de ruim para péssimo. Como evidenciam os dramáticos des níveis de riqueza e de saber entre os Estados Unidos da América do Norte e países membros da União Européia, de um lado, e, de outro, parte dos países da Ásia e a grande maioria dos povos da África e da América do Sul. Tanto quanto as gritantes assimetrias entre habitantes dos próprios Estados mais ricos. No interior deles, então. Não sendo despropositado dizer, trocadilhando, que o planeta está empanturrado de gente com fome.5

5 Um dos maiores paradoxos da globalização é que ela universaliza a informação mais aliciante para o consumo de tudo quanto é bem material, porém elitiza a respectiva aquisição. Do que decorre uma crescente insatisfação por parte das massas econômica e socialmente excluídas, a se manifestar sob a forma tendencial de violência urbana. O que faz eclodir, a seu turno, o conhecido fenômeno da criminalidade de situação ou de ambiência de vida. Pelo que ela, globalização, bem pode ser visualizada como correia de transmissão desse maestro ideológico que atende pelo nome de “neoliberalismo”. Fincado, este, no tripé economicista da financeirização (trânsito sem fronteiras do capital especulativo, sempre sedento dos mais altos juros), da terceirização e da privatização. Estes dois últimos aspectos incessantemente denunciados na arrebatadora fala e nos luminosos escritos de Celso Antônio Bandeira de Mello.

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6.2. Numa frase, o humanismo dos dias atuais ainda é mais de fachada do que autêntico. Feito o ditado popular do “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”, mesmo no círculo de uma economia mundial que atravessa um eufórico período de autopropulsão. Daí que os enver-gonhados semáforos e marquises de Nova Iorque (capital financeira dos Estados Unidos da América) e de Bruxelas (capital política da União Européia) não consigam esconder que por debaixo deles há grupos de mendigos dividindo com a sarjeta suas últimas sobras de gente. Isso como conseqüência do fato de que o presente modelo de globa lização reduz tão sistematicamente postos de trabalho para o homem de baixa instrução escolar que já se pode dizer que a luta de classes, hoje, é entre desempregados e desempregadores. Assim como agudiza o problema do fechamento das fronteiras dos países economi camente mais prósperos para as levas e levas de imigrantes que o exausto sistema produtivo dos seus países de origem não tem como absorver. A comprovar que esse padrão globalizante de vida não significa livre circulação de pessoas e idéias, propriamente, porém de capitais avessos a qualquer tipo de controle jurídico por parte dos Estados de baixo teor de poupança interna (por isso que dispostos a pagar juros muito mais altos que os praticados nos países de origem desses capitais tão sanguessugas quanto voláteis).

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6.3. Ora bem, constatar esse renitente quadro factual de esqualidez do humanismo é também comprovar que o Sistema Jurídico dos Estados soberanos não vem cumprindo a sua específica função de qualificar a vida dos seus humanos destinatários, ao menos como característica central. Sabido que tal qualificação é a que se põe como exigência mesma da justiça enquanto “valor fundante do Direito” (Miguel Reale). E que a realização de nenhum valor humano essencial pode ter outra ferramenta institucional mais eficaz do que ele, Direito Positivo.

6.4. Nesse ritmo argumentativo, e somente para tomar de empréstimo o discurso da Constituição de 1988, é de se pôr em realce a marcante atualidade do que ele tem como objetivos fundamentais da Repú blica Federativa do Brasil, a saber: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desen volvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem pre con ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Nada obstante, o que se tem ao rés-do-chão ou no plano dos fatos? Tem-se que na Terra Brasilis o humanismo persiste como um ideal de reduzido teor de concretude democrática. Pois inquestionável é que pelas bandas de cá prosseguem de extrema gravidade os descompassos sócio-regionais;

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o subemprego; a incipiente educação ambiental do povo e até dos governantes; os mais atávicos precon ceitos; a teimosíssima indistinção entre o espaço público e o privado (confunde-se tomar posse nos cargos com tomar posse dos cargos); uma economia informal que não pára de crescer e cada vez mais sem-cerimônia; a triste ciranda do contingenciamento de despesas de investimento para a formação dos altíssimos superávits primários (em torno de 4,5% do PIB) com que são pagos os juros mais altos do mundo à casta dos rentistas; os estratosféricos lucros do setor bancário (só no primeiro semestre do corrente ano de 2007 o Banco Itaú e o Banco Bradesco obtiveram lucros que, somados, ultrapassaram a casa dos 8 bilhões de reais; a corrupção sistêmica, enfim. Corrupção que mais responde por u’a massiva exclusão socioeconômica e que já se manifesta no enquadrilhamento de não poucos setores das classes “dominante e dirigente” (Gramsci) para o profissionalizado saque do patri mônio e dos dinheiros públicos. Donde o seguinte comentário de Marcelo Neves:

“A corrupção sistêmica se associa ao problema da

exclusão. De um lado, a subinclusão significa que

amplos setores sociais dependem das exigências dos

subsistemas da sociedade mundial complexa (ter

conta no banco, educação formal, saúde etc.), mas

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não têm acesso aos respectivos benefícios. No campo

do direito, isso implica subordinação aos deveres

impostos pela ordem jurídica, mas falta de acesso

a direitos básicos. De outro lado, a sobreinclusão

significa que certos setores privilegiados têm acesso

aos bene fícios dos sistemas sociais, mas não se

subordinam às suas imposições restritivas, o que

implica exercício dos direitos sem subordinação a

deveres” (artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo,

caderno A3, edição de 27 de junho de 2007).6

6.5. Também Eduardo Lins da Silva, num rompante

de santa indignação, bradou que “a corrupção é nefasta

não apenas por ser imoral. Ela é uma das causas mais

6 Certo que economistas e cientistas sociais de peso, como o português Antônio Borges, não deixam de creditar ao atual sistema econômico brasileiro a virtude dos investimentos que dão mostras de se deslocar do mercado financeiro para a produção, tendo por pano de fundo uma certa continuidade histórica de políticas públicas, taxa de inflação competentemente controlada, responsabilidade fiscal, moeda forte e crescentes níveis de exportação (conferência feita em seminário promovido pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no dia 9 de julho de 2007, sob a coordenação do professor-doutor Manoel Carlos Lopes Porto). Mas impossível negar que permanecem assustadores os altos índices brasileiros de economia informal, o baixo teor de renda per capita e coisas como prostituição e trabalho infantil, trabalho escravo, moradores de rua, catadores de lixo, proliferação de favelas nos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife.

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profundas da ineficiência e aumento de custos em

qualquer organismo no qual ocorra” (mesmo jornal

Folha de S.Paulo, caderno A, p. 3, em data de 10 de

junho de 2006). Renitência num patrimonialismo que

chega ao mais deslavado saque do Erário, pois o fato

é que o padre Antônio Vieira, desde o século XVII,

já denunciava o colonizador espanhol e o português

com estas corajosas palavras: “os governadores chegam

pobres às Índias ricas e saem ricos das Índias pobres”

(referindo-se às Índias Ocidentais, nome dado à América

por Cristóvão Colombo, que acreditava haver atingido a

Ásia). Caldo de cultura que responde pela triste afirmativa

de que “a corrupção é o cupim da República”, feita pelo

presidente da Assembléia Nacional Constituinte brasi-

leira de 1986/1988, deputado Ulysses Guimarães. Tudo

a mostrar a permanência da necessidade de um redobrar

de esforços de toda a sociedade civil e das instituições

públicas para a compreensão de que, ali onde a ética na

política não é tudo, a política não é nada.

6.6. Cabe perguntar, naturalmente: que meto dologia ou providência institucional a tomar, diante de tão grandes distâncias entre o discurso e a prática do Direito? Como fazer da melhor normatividade em abstrato a melhor experiência? Acasalar o dever-ser dos comandos

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legislativos e o ser das concretas relações interindividuais e intergrupais? Sair das pranchetas da Constituição para entrar nos altiplanos da vida?

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A imperiosa mudança de mentalidade como

condição de encurtamento de distância entre o discurso

humanista e sua prática

7.1. Reperguntando: como principiar a reduzir o tamanho desse enorme fosso entre um discurso tão altruísta e uma prática tão egocêntrica? Penso que por uma radical mudança de mentalidade. Uma decidida disposição para retrabalhar a noção de humanismo, que já não deve ser visto apenas como o caminho que vai da humanidade para o homem, porém, simultanea mente, do homem para a humani dade. Equivale a dizer: o humanismo é culto

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ou exaltação à humanidade, sem dúvida, contanto que tal reverência também se dê perante cada qual das células de que essa humanidade se compõe. Chegue até ao ser humano em carne e osso. Ser humano, ajunte-se, tão mais fisicamente próximo de nós quanto carente de oportunidades socioeconômicas e de igual tratamento cortês, respeitoso, fraterno.

7.2. Esse novo humanismo de necessária mão dupla absorve, sim, a referida máxima de que “o homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras), porém, primeiro, o homem enquanto gênero; isto é, de sorte a abranger todos os exemplares masculinos e femininos sem nenhuma exceção. Depois, todos os homens e mulheres em suas efetivas condições exis tenciais de idade, regionalidade, cor da pele, etnia, classe social, conformação psicofísica, assim como em suas preferências rigorosamente pessoais: a reli giosa, a filosófica, a profissional, a partidária, a sexual, etc.. Pois somente assim é que se consegue viver numa “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, conforme a profissão de fé que se lê no preâmbulo da Constituição brasileira de 1988.

7.3. De fato, não é só amando a humanidade que se ama o homem, porém, reciprocamente, é amando o

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homem que se ama a humanidade. Até porque é muito fácil, muito cômodo, muito conveniente dizer que se ama o sujeito universal que é a humanidade inteira. Difícil, ou melhor, desafiador é amar o sujeito individual que é cada um de nós encarnado e insculpido. Aqui, um ser humano em concreto, visível a olho nu, ao alcance da nossa mão estendida ou do nosso ombro solidário. Ali, não. Ali o que se tem é um abstrato sujeito coletivo. Tão espacialmente distante quanto fisionomicamente indefinido. Logo, amor sem risco nenhum de que nos façam as únicas perguntas que mais importam para a definição da nossa persona lidade: como efetivamente lidamos com os nossos pais, filhos, esposos e esposas, de papel passado ou não? Em clima de amor, efetiva presença e responsabi lidades divididas? Dando-lhes o exemplo pessoal de toda uma vida permeada de compromisso ético e devoção cívica? E quanto aos nossos empregados, colegas de trabalho, porteiros do nosso condomínio, ascensoristas dos prédios que freqüentamos, jornaleiros, garçons, entregadores de pizza? Como nos relacionamos com cada qual deles? Chamando-os pelos respectivos nomes? Reconhecendo seus elementares direitos e dispensando-lhes um tratamento cordial? Do mesmo jeito que apreciamos ser pessoalmente tratados?

7.4. Essas as perguntas que mais contam, dissemos, porque não pode haver humanismo sem humanistas.

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República sem republicanos. Como impossível é praticar a democracia sem demo cratas. O que nos remete para os domínios do nexo causal entre o modo habitual de agir de uma cole tividade (práxis) e a sua peculiar visão de mundo. Donde a referência a uma urgente mudança de mentalidade, para que, na senda do verbo que se faz carne, o olimpicamente objetivo se transmute em concretos fazeres subjetivos.

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A mudança de mentalidade que implique

analogia entre o humanismo e a justiça e que ainda

diferencie justiça em abstrato e justiça em concreto

8.1. Bem, para nós, os operadores do Direito, os lidadores jurídicos, a aplicação dessa nova mentalidade ao nosso cotidiano labor passa por uma analogia entre o humanismo e a justiça; isto é, passa pela colocação da justiça como tema-alvo de estudo, como fizemos até agora com o humanismo.

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8.2. Explico. A justiça em abstrato, aquela que desfila pela passarela do Ordenamento legislado (a partir da Constituição), essa costuma ser de boa qualidade em todos os Estados onde vigora o sistema jurídico da democracia de três vértices. E assim em abstrato ou em tese, é justiça que bem corresponde às mais depuradas postulações humanistas. O problema, então, não é esse. O gargalo do Direito não está aí, porque nunca se contestou que esse tipo retórico de justiça incor pora, sim, os avanços que têm assinalado a marcha triunfalmente democrática do constitucio nalismo oci dental dos últimos 20, 25 anos (tirante a ditadura cubana, não há mais como esconder). Porém não passa de justiça como discurso legislado ou valor simbó lico, insista-se. Por isso mesmo que distante, fria, orgulhosa de sua imperturbável objetividade (“a lei é um padrão objetivo de justiça”, escreveu Hans Kelsen). Justiça meramente pensada, por conseguinte, e não propriamente vivida. Necessária referência teórica, é certo, no sentido de que, sendo a justiça das leis, coloca-se como inafastável ponto de partida para a resolução dos casos concretos (“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, reza o inciso II do art. 5º da Constituição do Brasil). Não, porém, como necessário ponto de chegada.

8.3. Ponto de chegada — essa a questão central — é a justiça que quase todo litígio ou caso concreto exige

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somente para si. Com exclusividade, destarte, porque o mais das vezes cada caso é um caso mesmo. E cada caso é um caso, o mais das vezes, devido à irre primível versatilidade da vida, que é surpreendente e novidadeira por sua própria natureza. Um arrumar as malas para o infinito, como no inspirado verso de Fernando Pessoa. Daí porque habitualmente irredutível às formulações jurídico-positivas. Aos esquemáticos enunciados do Direito legislado.

8.4. Como de remansoso conhecimento, a lei em sentido material quer valer para todas as ações a que se refere e por isso é que se adorna do atributo da generalidade. Quer valer para todos os sujeitos a que se destina e por esse motivo se confere a característica da impessoalidade. Quer valer para sempre (enquanto não for revogada ou formalmente mexida, lógico) e daí o seu traço de abstratividade. Ora, querendo-se assim genérica, impessoal e abstrata — é dizer, querendo-se, de uma só cajadada, imperante para tudo, para todos e para sempre, a lei não tem como fugir do discurso esquemático ou clicherizador da realidade; que é um discurso inescondivelmente simplista. Donde ter que pagar um preço por esse discurso-rótulo, e esse preço que a lei paga por incidir num tipo de comunicação verbal reducionista é a sua exposição a interpretações

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polissêmicas e à contínua rebeldia da vida (cambiante por natureza).

8.5. Fechando o pensamento: a justiça das dispo-sições legislativas é abstrata. A justiça do caso entre partes é concreta. A primeira está para a humani dade assim como a segunda está para o homem. Ambas são mutuamente complementares, na acepção de que as duas se imbricam e nenhuma é mais básica do que a outra. E as duas juntas são o que o direito é: dual, bifronte, binário, como na figura mitoló gica de Jano. Corresponde a falar: o Direito é, na sua estru turalidade, tanto a abstrata justiça das leis (inclusive e sobretudo a justiça das Constituições) quanto a empí rica justiça das decisões judiciais. E também na sua funcionalidade o Direito é binário, porque tanto se manifesta sob a forma de norma geral (Direito-lei) quanto sob a forma de norma individual (Direito-sentença).

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O operador do Direito na condição de ponte

entre a justiça em abstrato e a justiça em concreto

9.1. Nessa perspectiva, se o Direito é estrutural e funcionalmente bifronte, o que importa para o lidador jurídico é transitar pelo sempre custoso, trabalhoso, é certo, mas necessário e instigante caminho do meio (medius in virtus). Em linguagem metafórica, nem ancorar tão-só no cais da justiça objetiva, nem navegar exclusivamente no mar da justiça do caso concreto. Pois muitas vezes o cais do porto apenas contém a primeira metade do Direito. Situação em que a outra metade só pode estar nas ondulações do mar aberto.

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9.2. No tema, o princípio regente das coisas continua a ser o da complementaridade (implicação e polaridade, conforme Reale). Por isso que, se a primeira metade do Direito condiciona o visual da segunda, esta última costuma repercutir sobre aquela primeira para redimensionar o respectivo perfil. Uma como que a ajudar a outra para a feitura de um trabalho comum de plenificação. Como num aparelho auto-reverse. Ou numa gangorra em que o justo-real só pode se postar em ambos os assentos. Donde a ilação de que o resgate da norma jurídica em sua inteireza exige um processo de interpretação que seja: a) uma virginal revelação do que se contém no texto norma tivo ainda sem a influência do caso concreto; b) um refundir dessa inicial revelação, se o caso concreto reverberar sobre o texto que o descreve.

9.3. Noutro modo quiçá mais ilustrativo de colocar a idéia: entre o texto legislado e a decisão judicial navega o sentido. Ali, algo significante. Aqui, algo significado. Mas algo significado que pode ser o fruto de idas e vindas do intérprete entre o texto referente e o caso referido, se a relação entre ambos caracterizar-se por uma tão mútua quanto irresistível influência. É quando o dever-ser do Direito se concilia com o ser da vida e aí já não há descompasso entre a justiça como formulação meramente objetiva e a justiça material do caso entre partes. O que nos transporta para recente entrevista do

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ministro César Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, na parte em que Sua Excelência assim verbaliza o mais belo ideal de todo o Poder Judiciário nacional: “Nosso maior sonho é ter um Judiciário brasileiro que possa distribuir justiça não como iguaria de festa, mas como o pão nosso de cada dia” (p. 19 do número 83 da revista Justiça e Cidadania, mês de junho de 2007).

9.4. Também em Konrad Hesse, na sua profissão de fé pelo reconhecimento de mais e mais força normativa à Constituição, lê-se:

“O significado da ordenação jurídica na realidade e

em face dela somente pode ser apreciado se ambas

— ordenação e realidade — forem consideradas

em sua relação, em seu inseparável contexto, e

no seu condicionamento recíproco. Uma análise

isolada, unilateral, que leve em conta apenas um

ou outro aspecto, não se afigura em condições de

fornecer resposta adequada à questão. Para aquele

que contempla apenas a ordenação jurídica, a norma

‘está em vigor’ ou ‘está derrogada’; não há outra

possibilidade. Por outro lado, quem considera,

exclusivamente, a realidade política e social, ou não

consegue perceber o problema na sua totalidade, ou

será levado a ignorar, simplesmente, o significado da

ordenação jurídica.

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‘A despeito de sua evidência, esse ponto de partida

exige particular realce, uma vez que o pensamento

constitucional do passado recente está marcado

pelo isolamento entre norma e realidade, como se

constata tanto no positivismo jurídico de Escola de

Paul Laband e Georg Jellinek, quanto no ‘positivismo

sociológico’de Carl Schmitt. Os efeitos dessa

concepção ainda não foram superados. A radical

separação, no plano constitucional, entre realidade

e norma, entre ser (sein) e dever ser (sollen) não

leva a qualquer avanço na nossa indagação. Como

anteriormente observado, essa separação pode

levar a uma confirmação, confessa ou não, da tese

que atribui exclusiva força determinante às relações

fáticas. Eventual ênfase numa ou noutra direção leva

quase inevitavelmente aos extremos de uma norma

despida de qualquer elemento de realidade ou de uma

realidade esvaziada de qualquer elemento normativo.

Faz-se mister encontrar, portanto, um caminho entre

o aban dono da normatividade em favor do domínio

das relações fáticas, de um lado, e a norma tividade

despida de qualquer elemento da realidade, de

outro. Essa via somente poderá ser encontrada se se

renunciar à possibilidade de responder às indagações

formuladas com base numa rigorosa alternativa.

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A norma constitucional não tem existência autônoma

em face da realidade. A sua essência reside na sua

vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende

ser concretizada na realidade. Essa pretensão de

eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada

das condições históricas de sua realização, que

estão, de diferentes formas, numa relação de interde-

pendência, criando regras próprias que não podem ser

desconsi deradas” (em A força normativa da Constituição.

Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 13-15).

9.5. Elucidar é preciso, porém, que estamos a falar de “texto normativo” como expressão sinônima de “dispositivo”. Enunciado que se exprime em signos lingüísticos ou estruturas de linguagem, natural mente. Corresponde a dizer: dispositivo ou texto normativo é qualquer das partes lógicas de que se compõe o esqueleto, a estrutura formal de toda Consti tuição, todo código, toda lei, todo regulamento. Logo, partes que se exteriorizam sob a forma de um artigo, ou de um parágrafo, um inciso, uma alínea, um número arábico, na invariável condição de invólucro de norma jurídica. Seja uma norma-princípio, seja uma norma-preceito ou simplesmente “regra”, ambas as categorias a ter o seu conteúdo significante e grau de eficácia desvelados a cada momento de sua particularizada

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aplicação. Donde o caráter de descoberta-construção, assim geminadamente, da norma afinal aplicada. Com o que o próprio conteúdo do justo deixa de ser uma formulação tão prévia quanto definitiva para se tornar uma constante garimpagem nos veios do processo cultural da vida.

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A estrutura dual do próprio cérebro humano

como impulso para a busca da justiça em concreto

10.1. Como aceder, porém, aos apelos do justo em concreto? Esse justo em concreto que certamente é algo vivo, cambiante, como tudo o mais que faz parte da mesma corrente sanguínea do mundo? Que virtude leva o intérprete a atentar para a força rever berante do caso entre partes, de maneira a passar do justo contingente para o justo objetivo e vice-versa, quantas vezes for preciso para o visual da norma por inteiro?

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10.2. Resposta: por efeito de uma virtude pessoal que atende pelo nome de senso de justiça real, material. Que não é senão sensibilidade social à flor da pele. Ou o mais sólido compromisso com a vida no seu eterno agora (Krishnamurti, Osho, Eckhart Tolle, Neal Donald Walsch, William Segal), sem, contudo, perder de vista as coordenadas mentais do Direito legislado. Qualidades próprias daqueles que agregam ao manejo da reflexão o espocar da intuição. Essas duas outras categorias que provêm, respectivamente, do hemisfério esquerdo e do hemisfério direito do cérebro humano. Como sempre disseram os místicos orientais e passaram a dizer os maiores expoentes da física quântica.

10.3. Particularmente ilustrativo desse pensar quân-tico são os ensaios da norte-americana Danah Zohar, para quem

“A mais revolucionária e, para nossos fins, a mais

importante afirmação que a física quântica faz

acerca da natureza da matéria, e talvez do próprio

ser, provém de sua descrição da dualidade onda-

partícula (...) a afirmativa de que todo ser, no nível

subatômico, pode ser igualmente bem descrito

como partículas sólidas, como um certo número de

minúsculas bolas de bilhar, ou como ondas, como as

ondulações na superfície do oceano. Mais que isso, a

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física quântica prossegue dizendo que nenhuma das

duas descrições tem real precisão quando isolada e

que tanto o aspecto onda como o aspecto partícula

do ser devem ser levados em conta quando se

procura compreender a natureza das coisas. É a

própria dualidade do processo básico. A ‘substância’

quântica é, essencialmente, ambos: o aspecto onda e

o aspecto partícula.

Esta natureza tipo Jano do ser quântico está

condensada numa das colocações mais funda mentais

da teoria quântica, o princípio da complementaridade,

que declara que cada modo de descrever o ser, como

onda ou como partícula, complementa o outro e que

o quadro completo somente surge do ‘pacote’. Como

os hemis férios direito e esquerdo do cérebro,

cada uma das descrições fornece um tipo de

infor mação que falta à outra (...)” (em O ser quântico,

publicado pela Editora Best Seller, p. 24-25, ano de

1990, tradução de Maria Antonia Van Acker, mas

sem os caracteres negritados).

10.4. Façamo-nos entender com mais clareza. O cérebro humano, também ele, tem duas dimensões. Dois hemisférios. Dois lados, enfim. O primeiro lado é o da mente, que tenho como sinônimo de intelecto ou inteligência. O segundo lado é o do sentimento, que

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também designo por alma ou coração (coração-neurônio, lógico, e não coração-músculo-cardíaco). Sendo que este lado sentimento é tão intuitivo quanto o lado da mente é reflexivo.

10.5. Muito bem. Pelo uso de sua porção mente, o cérebro faz-se reflexivo para poder seqüenciada mente isolar, analisar, descobrir e conhecer tudo que preexista a ele. Sem tirar nem pôr. Indiretamente ou por metó dicas aproximações do objeto investigado. Discursivamente. Já pelo uso de sua porção senti mento, o cérebro faz-se contemplativo e por um passe de intuição captura o real. É dizer: o cérebro libera a nossa imaginação para que ela possa, num súbito de percepção, privar da intimidade do real e nele provocar um tipo inovador de reação. Donde se afirmar que a intuição é criativa, enquanto a razão, especulativa. Nesta residindo o conhecimento, e, naquela, a sabedoria (é de Einstein a proposição de que, “nos momentos de crise, só a inspiração supera o conhecimento”).

10.6. Diga-se agora: quando se movimenta nos quadrantes do Direito-lei, a mente se volta para o conhecimento do texto normativo e assim é que a apreende a justiça objetiva ou em abstrato. Caminho inverso ao do sentimento, que, ao interagir com o fenô-meno jurídico, o faz mediante uma particularizada linha

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direta com o caso entre partes, se vier a intuir que tal caso é dotado de reflexividade o bastante para desencadear no dispositivo que o descreve um efeito reciclador da sua inicial compreensão. É o que se pode chamar de reação normativa inédita do texto, mas não inédita por inexistir anteriormente, porém inédita por somente ganhar espaço de irrupção após impactar-se com a reverberação do caso concreto. Vale dizer, reação virginal do texto que se depara com o surgimento de um espaço anímico no sujeito que o visualiza pela ótica da vida em seu ininterrupto e sempre novidadeiro fluir (“o ser das coisas é o movimento”, anotava Heráclito, fundador da Escola Jônica).

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Jefferson Carús Guedes e Luciane2 2Jefferson Carús Guedes e Luciane2 2 3/8/2009 09:02:113/8/2009 09:02:11

marcelop
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A inteireza do ser que maneja a reflexão

e se abre para a intuição

11.1. A dedução é imediata: o lidador jurídico assim ao mesmo tempo reflexivo e intuitivo somente concilia o Direito legislado com a vida vivida porque antes disso se concilia consigo próprio. Se se prefere, o intérprete que faz uso dos dois elementares lados do cérebro somente tem a chance de apanhar o Direito por inteiro porque ele mesmo se permite encontrar-se em plenitude. Não incompleto ou muti lado, quando como refreia em si uma das duas elementares funções do seu próprio cérebro.

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11.2. Foi nesse específico sentido — acredito — que o poeta Vinícius de Moraes afirmou que “a vida só se dá pra quem se deu”. Vale dizer: a vida só se dá por inteiro a quem por inteiro se dá a ela. E não seria assim na sinérgica relação entre o Direito e seu intérprete? Mormente o seu jurisdicional aplicador? O Direito a reconhecer, orteguianamente, “eu sou eu e as minhas circuns­tâncias”? Circunstâncias de que faz parte o juiz que sobre ele atua na plenitude do seu potencial reflexivo e intuitivo? Como no poema de Fernando Pessoa,

“Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa, Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive”.

11.3. Em diferentes palavras, se o cérebro humano se manifesta ora como inteligência ora como sentimento, porque as duas coisas juntas são o que ele efetivamente é, também assim o Direito ora se manifesta como justiça da lei (vida pensada) ora como justiça do caso concreto (vida vivida), porque as duas coisas são o que

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ele efetivamente é. A justiça da lei a ser descoberta pela inteligência (mente, intelecto), a justiça do caso concreto a ser intuída pelo sentimento (alma, coração). Os dois envolvidos no mesmo e altaneiro empenho de alcançar um ponto de unidade que deixe para traz a própria dualidade por eles originariamente formada. Ponto de unidade que vai possibilitar a visão estelar do justo por si mesmo; que é o justo tão auto-evidente que afasta ou dispensa qualquer discussão em torno dele. Porque o seu acontecer já é um absoluto convencer.

11.4. A se colocar um nome específico nesse ponto de unidade entre o pensamento e o sentimento, tenho como apropriado o termo “consciência”. Esse vocá-bulo a que Pascal expressamente recorreu, quando disse que “Ciência sem consciência é ruína da alma”. Isso de permeio com uma das frases mais recorrentes da cultura ocidental, que é reconheci damente a de que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. A mesma consciência, por sinal, de que falam os místicos orientais com a designação de “terceiro olho”. Esse olho que ninguém vê, por certo, mas que para eles é o único a ver tudo.

11.5. Esse mesmo termo “consciência” também perpassa a mencionada obra de Konrad Hesse (embora sem nenhum comentário quanto ao seu particula rizado modo

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de surgimento), como espécie de mola propulsora de uma psíquica “vontade de Consti tuição”. Isso para que ela, Constituição, venha a se dotar de “força ativa”. Daí a seguinte passagem do prefácio que traz a abalizada assinatura do ministro Gilmar Mendes: “Sem desprezar o significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição, confere Hesse peculiar realce à chamada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). A Constituição, ensina Hesse, transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem-se presentes, na consciência geral — particular mente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille sur Verfassung)” (p. 5, negritos à parte).

11.6. Por outro modo de dizer as coisas, sem afeti vi-dade a andar de braços dados com a inteligibilidade não se chega ao ponto ômega da consciência e aí já não se tem a garantia da efetividade do Direito-justo. Quer o Direito-justo a desatar dos comandos adjetivos ou processuais (sobretudo as chamadas garantias constitucionais do processo), quer o Direito-justo a desabrochar dos pre ceitos substantivos ou materiais (especialmente os rotulados de “direitos fundamentais” pelas próprias Constituições positivas).

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11.7. Esse o caminho para se fazer da melhor regração em tese a melhor experiência cotidiana. Para relacionar por modo holístico (unitário, portanto) o dever-ser do Direito legislado e o ser das concretas decisões judiciais. Para aproximar um pouco mais o Ordenamento Jurídico romano-germânico (nações latinas e germânicas) e o da tradição anglo-americana (common law). Somar à vontade da Constituição a vontade de Constituição do operador jurídico. Tornar cada homem em particular um decidido humanista. Um militante, enfim, da máxima cristã do “amai ao próximo como a vós mesmos”. Pois não se pode ignorar que o Direito, como ensinava o sergipano Tobias Barreto, “não é só uma coisa que se sabe; é também uma coisa que se sente”. Talvez até uma coisa que se sente em primeiro lugar ou com anterioridade em relação à inteligência, pois não se pode esquecer jamais que o próprio substantivo “sentença” vem do verbo “sentir” (é da poetisa Adélia Prado o juízo de que “o olhar amoroso sobre as coisas descobre um sentido atrás daquilo, na perspectiva final do sentido da vida”).

11.8. Deveras, o fiat lux é a subida do operador jurídico aos páramos da própria consciência. Porque somente ela é que lapida o observador em um nível tal de depu ração que lhe permite ver o quanto de mais lapidado já se encontra, potencialmente, na própria realidade observada. Antes da

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consciência, o observador é um; depois da consciência, ele já é outro. Mármore em estado bruto versus a Pietá de Michelangelo. Inexplicável dom de picotar o manto da noite e flagrar o dia escondido lá dentro.

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O sentimento como o lado do cérebro que mais interage

com o mundo dos valores. O rebento da consciência

12.1. Ainda um tanto é de se comentar sobre a disponibilidade da pessoa humana para o seu lado coração (alma, sentimento, conforme insistentemente anotado). É que esse lado coração tem a propriedade de mais fortemente interagir com a esfera dos valores. Assim entendidos os bens coletivos que se aninham nas regiões ônticas do civismo, da ética, da verdade, da estética e da bondade. Mais: interação com o

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mundo onde se hospeda, num momento da mais intensa luminosidade, a decisão justa para o caso concreto. Que para esse padrão de justiça é que o Direito

se põe como o anseio maior da humanidade. Anseio sem

o qual “já não valeria a pena que os homens vivessem

sobre a terra”, para lembrarmos festejada pregação de

Immanuel Kant.

12.2. Essa propriedade que tem o sentimento de nos

catapultar para o mundo dos valores é, portanto, a que mais

intrinsecamente qualifica a existência. Porque nos valores

estão os mais sólidos fundamentos e os mais cristalinos

propósitos de toda uma vida individual e ao mesmo

tempo coletiva (conforme vimos nos “fundamentos” e

nos “objetivos fundamentais” da República Federativa

do Brasil, versados, respectiva mente, nos arts. 1º. e 3º. da

Constituição de 1988). Neles residindo a elevação do ser

a um patamar muito acima da sua mera biologicidade e

até mesmo da sua mais cartesiana racionalidade. Pois que

se trata de uma elevação que já é enlevo, encantamento,

êxtase tão-só experimentado pelos que se vêem a serviço

do seu próprio crescimento interior e do aprimoramento

do Direito e da sociedade. Feito o mesmo Kant a dizer,

tomado de seráfico orgulho: “o céu estrelado sobre mim

e a lei moral dentro de mim”.

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12.3. Fácil perceber que são eles, os valores, usinas de comportamentos sociais convergentes, porque inter-na lizados como bens coletivos; quer dizer, bens que favorecem a todos. Operando, então, como fatores de fixidez, estabilidade, coesão, o que já se traduz num contínuo plasmar do que se poderia designar por uma alma comum. Uma só personalidade ou caráter comuni tário. Tudo por se tratar de idéias-força que se vão depurando no cadinho da História, de maneira a ganhar a objetiva consistência dos costumes. Daí que muitas vezes o desrespeito a eles seja socialmente tido por um escândalo ou proceder absolutamente intolerável, porque o fato é que os valores, assim guindados à condição de locomotivas sociais, vão-se se tornando leis em sentido natural. Com um poder de persuasão ou uma vis-atrativa ainda maior que a resultante das leis em sentido estatal-positivo.

12.4. Seja como for, e para além de todo debate filosófico sobre as características centrais dos valores (domínio da axiologia pura), são eles a mais consis-tente forja de um padrão de conduta retilíneo, firme, solidário e transparente. Não sinuoso, não bruxuleante, não egoístico, não opaco. Por isso que formadores de uma decantada práxis. Donde o reconhecimento de que, uma vez internalizados, passam a fazer parte da natureza mesma de cada pessoa e do corpo social por inteiro.

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Aqui, plasmando o caráter coletivo e se tornando fator de coesão nacional (renove-se a proposição). Ali, injetando no moral de cada indivíduo a seiva da alegria e da paixão sem soberba por uma personalidade que deixa de ser filha do acaso pra se tornar uma obra de arte.

12.5. Como também uma obra de arte, em certa medida, pode se tornar a própria descoberta-construção da norma de que o julgador precisa para a justa resolução do caso concreto. Afinal — ainda uma vez recorro ao magistério de Tobias Barreto — há um pouco de ciência em cada arte, e um pouco de arte em cada ciência. Sendo que essa arte jurídica está para o sentimento assim como a ciência do Direito está para o pensamento. E se trou xermos essas noções para o campo da decisão judicial, deduzi-remos que a fundamentação da sentença tem que ser uma obra de ciência, enquanto a respectiva conclusão (parte dispo sitiva), uma obra de arte.

12.6. Repaginando a proposição, pensamento e alma fazem como que um matrimônio por amor para o empírico partejar do rebento que ainda há pouco chamamos de “consciência”. Consciência que é próprio das pessoas que se postam na existência com toda pureza de propósitos e que por isso têm maiores chances de operar em seu interior a fusão do eu e do nós; do particular e do geral; do individual e do universal; do breve e do eterno. O que

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as leva com muito mais facilidades a focar o Direito com um novo par de olhos. A surpreender nos dispositivos-objeto uma certa propriedade, um determinado aspecto, uma dada possibilidade normativa que o puro intelecto não consegue enxergar sozinho (“o essencial é invisível aos olhos”, dizia Antoine de Saint Exupery). Ou, por outra, uma franja que seja da normatividade agasalha-dora do justo-concreto já estava lá no Ordenamento, mas que deixou de acontecer por falta, justamente, de espaço consciencial no operador jurídico (não raras vezes essa franja de normatividade somente se obtém por uma refinada ponderação de valores que se veiculam por princípios que, embora harmônicos no plano do dever-ser em que o Direito legislado consiste, se antagonizam no concreto mundo do ser).7

12.7. Em suma, algo de constitutivamente novo se desprende do dispositivo-objeto, ou dos dispositivos-alvo, quando em contato com o operador que se adorna do

7 Para o que tem especial serventia o critério hermenêutico da proporcionalidade em sentido estrito, que leva o intérprete a se perguntar qual dos princípios em concreto estado de tensiona-mento ofende menos a Constituição como um todo, se vier a ser o escolhido para reger o caso concreto. Ou, inversamente, qual dos princípios em estado de fricção mais confirma os comandos todos da Constituição, se vier a ser escolhido para a regência do conflito entre partes.

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halo da sua própria consciência. Sendo que esse algo de constitutivamente novo já é o ponto de engate da justiça em abstrato com a justiça do caso concreto. Do Direito enquanto ciência e da justiça enquanto arte.

12.8. Não que esse modo consciencial de interagir com o Direito passe a significar uma recusa ao emprego do que desde sempre se chamou de “métodos de inter-pretação jurídica”. Não é isso. A interpretação do Direito continua a ser feita por esses tradicionais métodos, que mais recentemente passei a substituir pelo fraseado “processo hermenêutico”. Processo hermenêutico, óbvio, com as fases ou etapas que a idéia mesma de processo evoca. No caso, as primeiras quatro fases se nos dão por uma forma solteira ou em separado (fase literal, fase lógica, fase teleológica, fase histórica ou histórico-evolutiva), enquanto a de n. 5 é a única a se nos dar por uma forma casada ou em bloco (fase sistemática ou contextual). Com o seguinte acréscimo de idéia:

I – em todo esse processo hermenêutico nenhuma das fases é de ser aprioristicamente descartada;

II – o espaço da consciência pode se abrir para qualquer das etapas do processo, ou para duas delas, ou três, ou todas indistintamente, seja por efeito do que na teoria quântica é explicado como o poder de interferência do observador consciente

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“no acontecer” da realidade obser vada, seja por efeito daquela fenomenologia do imponderável que William Shakespeare insuperavelmente grafou, no Hamlet, com a asserção de que entre o céu e a terra há muito mais coisas do que supõe a nossa vã filosofia.8

12.9. Fenomenologia do imponderável — acabamos de falar — porque das insondáveis regiões da existência (categoria maior que a de sociedade) é que partem os estímulos de irrupção dos nossos mais profundos sentimentos de amor, solidariedade, família, nação, bem comum, entre outros diletos vizinhos de porta do que vimos designando por senso de justiça real ou material, sensibilidade social à flor da pele, firme compromisso com a vida em seu tão ininterrupto quanto renovado passar. É a parte da existência que os antigos gregos chamavam

8 No que toca ao poder de interferência do observador consciente no acontecer da realidade observada, a mesmo Danah Zohar escreve (p. 293, op.cit.): “Em resumo, a cosmovisão quântica enfatiza o relacionamento dinâmico como a base de tudo o que existe. Diz que o nosso mundo surge através de um diálogo mutuamente criativo entre mente e corpo (interior e exterior, sujeito e objeto), entre o indivíduo e seu contexto material e pessoal, e entre a cultura humana e o mundo da natureza. Dá-nos uma visão do ser do homem como livre e responsável, reagindo aos outros e ao ambiente, essencialmente relacionado e naturalmente comprometido, e, a cada instante, criativo”.

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de “fortuna”, para se referir àquilo de que a ciência nem a filosofia até hoje não conseguiram dar conta. E que Santo Agostinho preferia denominar de doce mistério, na companhia dos teólogos que o sucederam no tempo.

12.10. Essa categoria do mistério, vê-se, é a que se aloca na esfera do “incognoscível”, para formar com o conhecido e o desconhecido os três possíveis estados-de-existência. Incognoscível, não no sentido de anticientífico, mas de inacessível à ciência. Pois o certo é que os fenômenos situados nos domínios do mistério (aí encartado o Divino) têm por nota caracte rizadora nem a sua possibilidade de confirmação nem a sua possibilidade de desconfirmação pela ciência. São fenômenos a eclodir na seara do indizível ou do inefável. Coisas que não são apropriáveis pelo ser humano, porque existem, justamente, para do ser humano se apropriar num rompante da mais alumbrada emotividade. A exigir, para sua objetiva descrição, deslocamentos semânticos já situados nos domínios da licença poética. Algo assim como dizer que o desemprego é uma dor que atinge o osso da alma. Neruda a escrever que “a palavra é uma asa do silêncio”. Ou como na história que Eduardo Galeano conta sobre um garoto que, ao ver pela primeira vez a monumental estrutura líquida do mar, disse para o pai ali ao lado, cambaleando em cada fibra do corpo e sacudido

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de tremores em cada corda vocal: “pai, me ajude a olhar” (op. cit., p. 15). Donde os seguintes comentários de Rajneesh Srhee Baghuann (que foi professor de filosofia da universidade de Jabalpur, vindo a se tornar, com o pseudônimo de Osho, um dos místicos mais influentes da história da Índia):

“O intelecto está envolvido com o conhecido e o

desconhecido, não com o incognoscível. E a intuição

trabalha com o incognoscível, com o que não pode

ser conhecido. (...) A intuição é possível porque o

incognoscível existe. (...) A razão é um esforço para

conhecer o desconhe cido, e a intuição é a ocorrência

do incognoscível. Penetrar o incognoscível é possível,

mas explicá-lo não. (...) Deixe a razão atuar em seu

próprio campo, mas lembre-se de que existem esferas

mais profundas” (em Intuição: o saber além da lógica.

São Paulo: Cultrix, 2001. p. 12-13).

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C A P Í T U L O X I I I

A Constituição como o Direito mais axiológico

e de mais forte compromisso humanista

13.1. Se voltarmos, porém, à consideração de que o novo humanismo é um gravitar na órbita dos valores mais paradigmaticamente democráticos, e que os valores mais paradigmaticamente democráticos já não podem deixar de se positivar como figuras de Direito, con cluiremos que o teórico habitat desse novo huma nismo é a Constituição Positiva. Isto por ser a Consti tuição Positiva o mais onivalente repositório de valores jurídico-democráticos. A casa normativa deles, por excelência.

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13.2. Deveras, sendo a Constituição a lei de todas as

leis que o Estado produz, os valores nela positi vados são

também os valores de todos os valores que as demais

leis venham a positivar. Reexplicando: os valores de

berço constitucional são o hierárquico referencial de

todos os outros valores de matriz infraconstitucional.

Valores, estes últimos, que de alguma forma têm que se

reconduzir aos primeiros, pena de invalidade (que para

isto serve o princípio da supremacia formal e material da

Constituição). Tudo afunilando para esse valor-síntese

em que se traduz a democracia de três vértices.

13.3. Esse reconhecimento da Constituição como o

inicial e o derradeiro espaço lógico de toda a axio logia

jurídico-democrática transfere para ela, contudo, a mais

imediata responsabilidade pela prefalada subeficácia do

Direito quanto à concreção do novo humanismo. Que é

o humanismo diluído na multi citada democracia de três

vértices. Ela, Constituição, a responder primeiro pela

fragilidade operacional de todo um sistema normativo

que quanto mais particu lariza os seus comandos mais

a desrespeita. Numa espécie de ricochete que evoca

José Saramago a falar, desalentado, que a única espécie

que não deu certo foi o ser humano, porque inventou

a crueldade.

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13.4. Não pode ser diferente a crítica. Se os diplomas

constitucionais dos dias presentes se tipi ficam pela

centralidade do tratamento que dispensam à democracia

de três vértices, como deixar de primei ramente acusá-

los pela sua reduzida taxa de empírica aplicação? Se o

fato em si do baixo teor de concreção constitucional

da democracia é um factual dar às costas ao novo

humanismo que sob a túnica dessa democracia mesma

se jurisdiciza?

13.5. Nessa ambiência lógica de casa por definição

dos valores jurídicos, todos afunilando para esse

novo humanismo que é a democracia de três vértices,

a Constituição ganhou uma importância tal que já

não pode deixar de fazer da preocupação com a sua

máxima efetividade o seu princípio instrumental de

maior envergadura. Máxima efetividade por si mesma

ou por merecimento próprio, o que recoloca na agenda

das prioridades com que deve trabalhar o profissional

do Direito o tema que se convencionou chamar de

dirigismo constitucional. Dirigismo constitucional ou

“Constituição dirigente”, a significar um tipo de Direito

que atua no centro do poder político para conduzi-lo.

Vinculá-lo com todo rigor ou sem possibilidade de

escape. Imperativamente, por conseguinte.

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C A P Í T U L O X I V

A Constituição dirigente como garantia de efetivação do

humanismo

14.1. Este o necessário foco, a que se precisa retornar com toda urgência. E se falo de retornar com toda urgência é porque a idéia de Constituição dirigente atravessa um período de esmaecimento, depois de esgrimida com todo entusiasmo por juristas do elevado porte de um José Joaquim Gomes Canotilho (Constituição dirigente e a vinculação do legis lador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Ed., 1994). Esmaecimento que se

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deve, em grande parte, a duas ordens de consideração:

a primeira, pelo receio de que o ativismo judiciário em

defesa desse caráter diretivo da Constituição termine

por negar ao Poder Executivo o que é próprio dele:

governar, administrar, tocar o Estado no ritmo acelerado

com que se dão os próprios fatos deste século mais e mais

internetizado e da informação eletrônica em tempo real;

a segunda, residente no respeito a uma natural cláu sula

financeira “da reserva do possível”, sabido que os deveres

estatais para com os investimentos em infra-estrutura

econômica e social, na ampliação e modernização de

órgãos como o Poder Judiciário, o Ministério Público,

os Tribunais de Contas e as defen sorias públicas, na

prestação dos serviços públicos, no atendimento dos

direitos econômico-sociais e no desencadear das ações

afirmativas implicam desem bolso de recursos nem

sempre orçamentariamente disponíveis, nem passíveis

de extraordinário aporte.

14.2. Percalços financeiros à parte, o que se deve perguntar é se determinada Constituição é ou não do tipo dirigente. Se ela mesma fez da gover-nabilidade que é própria do Poder Executivo uma governabilidade caracteristicamente consti tu cional. Submetida, portanto, não apenas a meios de atuação de

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logo figurantes da Lei Maior, como também a bases de inspiração que se enlaçam inex trincavelmente a metas e programas de governo que nessa mesma Lei Maior estejam previstos.

14.3. No caso brasileiro, a resposta nos parece afirmativa. A começar pela anotação de que:

I – todo o a priori lógico da montagem do Estado e do governo brasileiro já está no que a nossa Constituição denominou, no seu art. 1º., de “funda-mentos” da República Federativa do Brasil. Ei-los, ainda uma vez: “soberania” (inciso I), “cidadania (inciso II), “dignidade da pessoa humana” (inciso III), “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (inciso IV), “pluralismo político” (inciso V);

II – já no seu art. 3º. a Constituição passou a nominar os “objetivos fundamentais” dessa mesma República Federativa, a saber: “construir uma socie dade livre, justa e solidária” (inciso I), “garantir o desen vol vi mento nacional” (inciso II), “erradicar a pobreza e a margi na lização e reduzir as desi gual dades sociais e regionais” (inciso III), “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discri minação” (inciso IV);

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III – por modo estratégico, a nossa Magna Carta situou entre os fundamentos do seu art. 1º. e os objetivos do seu art. 3º. os Poderes da União, literis: “Art. 2º. São poderes da União, inde pendentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Vale dizer, a Constituição teve o cuidado de fazer dos três elementares Poderes da União verda deiros elos ou pontes entre as normas-base do seu art. 2º. e as normas-fim do seu art. 3º, de sorte a deixar claro que os Poderes existem para, inspirados nos fundamentos da República, prestigiando sempre tais fundamentos, concretizar os fins a que essa mesma República se destina. Ou velar para que tais fins não deixem de ser eficazmente procurados, que é o modo próprio de atuação do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas (que para tanto foram aquinhoados com atribuições extraordina ria-mente facilitadoras do exercício de suas dilatadas competências).

14.4. Mas não ficou nisso a nossa Lei Mais Alta. Ao longo do seu encorpado rol de dispositivos foi ante cipando para os governantes os programas ou as políticas públicas (normas-tarefa) mais servientes

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daquelas normas-base (“fundamentos”) e normas-fim (“objetivos fundamentais”) com que recheou o seu título de n. I, adjetivado de “Princípios Funda mentais”. São coisas como “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”, “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações”, “executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras”, “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, todas encartadas nas competências materiais da União (art. 21, incisos X, XVIII, XXII e XXIV, respectivamente). E já no círculo das compe tências materiais comuns a todas as pessoas políticas federadas, listou programas com a mesma carga de acentuada faticidade, como, por exemplo: “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”, “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”, “propor cionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”, “preservar as florestas, a fauna e a flora”, “fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar”, “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”, “combater as causas da pobreza e

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os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavo recidos”, “estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito” (art. 23, incisos II, III, V, VII, VIII, IX, X e XII, respectivamente). Isto sem deixar de embutir nas competências materiais tipica mente municipais o dever de “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (inciso V do art. 30, sem negritos no texto original).

14.5. Fez mais a Lei Fundamental desta nossa Terra de Santa Cruz. Jungiu o desempenho das atividades econômicas a coordenadas constitutivas de deveres como a “defesa do consumidor” e “do meio ambiente”, “busca do pleno emprego” e “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e adminis-tração no País” (incisos V, VI, VIII e IX do art. 170, nessa ordem). Sem deixar de dizer que todo o sistema financeiro nacional só pode ser estruturado “de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade” (art. 192) e que “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvol vimento

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cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal” (art. 219).9

14.6. Tudo isso e muito mais — como o regime jurídico dos serviços públicos (art. 175), da política agrí-cola e fundiária e da reforma agrária (arts. 184 a 186), da seguridade social (art. 194 a 204), da educação, da cultura e do desporto (arts. 205 a 217), da ciência e da tecnologia (arts. 218 e 219), da comunicação social (arts. 220 a 224) e do meio ambiente (art. 225) — tudo isso e muito mais, dizíamos, só para evidenciar que ela, Constituição Federal, não se fez tão robusta de dispositivos por amor à prolixidade. Nada disso! Ela se fez inusitadamente recamada de dispositivos para detalhar as coisas e assim revestir-se da força de governar o próprio governo e a

9 Mesmo no exclusivo campo da iniciativa privada, se esta é positivada como um direito de todos (parágrafo único do art. 170), a partir da apropriação individual de certos bens de produção (inciso II do mesmo art. 170), ainda assim é um geminado direito-dever. Um direito que têm as pessoas naturais de realizar a sua vocação para os negócios, é certo, mas debaixo de um propósito último que a Constituição vocaliza como de “justiça social”. Não sendo por outra razão que o art. 170 (caput) estatui que o fim da ordem econômica é “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. No que é seguido (esse dispositivo) pelo art. 193, segundo o qual “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social”. Comandos de significação mais clara, impossível!

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sociedade. Chegando ao requinte de incluir no título devotado aos “Direitos e Garantias Fundamentais” situações jurídicas ativas que já correspondem àquela noção do “mínimo existencial”, de modo a sobre pujar a própria cláusula financeira da reserva do possível. Caso típico, inicialmente, do inciso LXXIV do art. 5º., segundo o qual “o Estado prestará assis-tência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Depois, o inciso IV do art. 7º., determinante de que o salário mínimo seja fixado em ordem a atender aos seguintes itens de des pesas do trabalhador e sua família: “moradia, alimen tação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Itens de despesas que ela mesma, Constituição, designa por “necessidades vitais básicas”, resultando óbvio que “necessidades vitais básicas” não comportam desatendimento. Têm que ser supridas como o epicentro mesmo da democracia social, por se tratar de lídima questão de honra

humanista.

14.7. Efetivamente, ou se faz dessa espécie diretiva de Constituição uma trilha de obrigatório palmilho pelos governantes, exatamente naquilo em que eles atuam enquanto governantes mesmos, ou se renuncia à idéia de que ela é feita pra valer. Feita para governar de modo

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permanente quem governa de modo transitório. Isto por ser a expressão formal de uma vontade que também se define como permanente, que é a vontade da nação brasileira. A se impor à vontade apenas quadrienal dos que se investem nos cargos parlamentares e naqueles de chefia do Poder Executivo.

14.8. É isso mesmo. Mais do que ser a Lei Fun-damental do Estado e de todo o povo brasileiro, a Constituição é a Lei Fundamental de toda a nação brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o futuro, é instituição que tanto engloba o povo de hoje como o povo de ontem e o povo de amanhã. Logo, à semelhança de cada família em particular, nação é um misto de idéia e sentimento que faz a contemporaneidade não perder de vista a ancestralidade nem deixar de se antenar com a posteridade (“A nação é uma alma; um princípio espiritual”, disse Renan).

14.9. Assim visualizada como produto dessa reali dade

atemporal que é a nação, a Magna Lei Federal exprime uma vontade coletiva que já é transgeracional desde o seu nascedouro. Vontade que unifica história e geografia do Brasil por todo o tempo. Por isso que de natureza permanente, a preponderar sobre a vontade transitória dos governantes que se sucedem a cada eleição geral.

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CAPÍTULO XV

A Constituição dirigente como imperativo de reconceituação

das chamadas “normas constitucionais programáticas”

15.1. Para esse tipo de Constituição assumidamente dirigente, reduz-se em muito a serventia do proverbial conceito de normas constitucionais programáticas. Conceito que as tem como normas de eficácia apenas limitada ou parcial (é como está no próprio livro que escre vemos em parceria com o pranteado Celso Ribeiro Bastos, que a editora Saraiva publicou, no ano de 1982, com o título de Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais), mesmo em se tratando daquelas definidas como “normas-

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tarefa”. Vale dizer, normas que encerram programas de governo, é certo, porém como uma simples diretriz, um complacente roteiro, u’a mera indicação para uma desejável atuação gover namental. Desejável, mas não exatamente compulsória.

15.2. Agora, não. Agora a programaticidade tem que ser vista como descrição dos programas mínimos de todo e qualquer governo. Antecipado molde para o recorte de políticas públicas passíveis de ampliação, sem dúvida, mas não de descarte. Um fazer primeiro o que a Constituição ordena, impessoalmente, para somente depois se pensar (havendo folga financeira) em empreitadas que já signifiquem a personalizada ocupação da cadeira do Poder por esse ou aquele bloco de parlamentares, por esse ou aquele chefe do Poder Executivo. Aqui, bastando que tais empreitadas (sempre de assento legal) sejam compatíveis com o Magno Texto. Não o afrontem. Ali, mais que uma fria ou linear compatibilidade, mais que um simples não-desrespeitar a Constituição, um somente fazer o que ela imperativamente deter mina. Logo, um contracenar no palco das ações político-administrativas sem a mínima possibilidade de fuga do script constitucional.

15.3. Nesse ponto é que o novo conceito de normas constitucionais programáticas exige que elas sejam, mais

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que tudo, o nervo e a carne das programações orçamentárias, das concretas políticas públicas e dos atos, acordos e tratados internacionais. Com o que a Constituição se torna, na prática, o que ela já é em teoria: o mais estru-tural, abarcante e permanente projeto nacional de vida.

15.4. É assim debaixo de um novo e operacional conceito (os conceitos operacionais são os que tornam eficazes os comandos constitucionais) que elas, normas constitucionais programáticas, passam a encarnar o máximo de segurança jurídica. Pois já se sabe previa-mente, em boa medida, o que os governantes deverão fazer. Inclusive e sobretudo no campo das atividades econômicas e financeiras, devido a que os empresários são os agentes sociais mais aferrados à idéia de não-alteração das regras jurídicas sob cujo vigor fizeram os seus cálculos de investimentos. Assus tados como passarinhos e prontos para fugir como coelhos, segundo o jargão midiático.

15.5. Acresce que, debaixo desse novo e opera-cional conceito é que se cria toda uma ambiência psicossocial exigente de um mais denso conhecimento da Constituição pelos agentes estatais de proa, já a partir da respectiva disputa eleitoral. Dado que deverão saber por anteci pação — esse é o ponto — que chegarão ao poder para trabalhar com pautas normativas que

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encerram um quase completo programa de governo e

de administração pública. Inclusive quanto à precedência

valorativa de deter minadas ações oficiais perante outras,

como, v.g., as consubstanciadoras da idéia nuclear do

mínimo exis tencial. Ou da “absoluta prioridade” que o

art. 227 (cabeça) impõe aos deveres estatais-societários

para com as crianças e os adolescentes. Aí, sim, fará todo

sentido a solenidade de uma posse presidencial que se dá

mediante “o compromisso de manter, defender e cumprir

a Constituição, observar as leis, promover o bem geral

do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a

independência do Brasil” (art. 78 da Carta de Outubro).

15.6. É certo que nem todo comando do tipo

programático se define como norma-tarefa ou de

antecipada política pública (a programaticidade ainda

marca presença nos dispositivos que veiculam princípios

estruturantes e fins a alcançar, conforme se lê em Normas constitucionais programáticas, p. 253, Editora Revista dos

Tribunais, da autoria de Regina Maria Macedo Nery

Ferrari). Mas o que importa é a nova atitude para vê-las,

dogmaticamente, como orde nações que se entrelaçam

para compor um quadro de inescapável vinculabilidade

estatal-societária. Mais estatal do que societária, sem

dúvida, mas que pelo menos aí nesse âmbito do Estado

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elas se revistam da sua necessária dimensão operativa. Como tudo que é feito para alcançar o plano das ocorrências fáticas.10

10 Verdade é que não se pode obrigar o legislador a legislar. Mas, ainda aqui, a Lei Republicana de 1988 contém eficaz remédio para tal inapetência legiferante. Por isso que aviou o receituário do mandado de injunção, de modo a possibilitar ao Poder Judiciário preencher o vácuo de legislação com um tipo de sentença que, excepcionalmente, se define como de aplicação primária da Constituição (sem a intercalação da lei, portanto). Embora válida tão-somente para as partes em litígio. E se considerarmos que somente cabe a impetração do mandado injuntivo no pressuposto de uma norma constitucional “de eficácia limitada” que deixou de ser regulamentada, não faz sentido responder a esse tipo de norma de eficácia limitada com uma sentença igualmente de eficácia limitada... A decisão judicial tem mesmo de ser mandamental em plenitude.

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O Poder Judiciário como garantidor

da Constituição dirigente e do humanismo

16.1. Acontece que a Constituição, por mais humanista que seja, por mais que ela prestigie a Democracia de três vértices, não pode fazer o milagre de atuar sem os seus humanos aplicadores. São eles — e somente eles — que particularizam por modo progressivo os comandos dela constantes. Particu larização que obedece à seguinte e natural ordem cronológica: principia com os atos do Poder Legis lativo, passa em imediata seqüência pela

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atuação do Poder Executivo (ou dos particulares que atuam, ou deixam de atuar, após a edição do Direito-lei), para terminar nas decisões do Poder Judiciário. Donde a lógica enumeração que faz o art. 2º. da Constituição de 1988, a saber: “São três os Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.11

16.2. Se o Judiciário vem nominado por último, é por se constituir, não-propriamente num aplicador do Direito-lei em sentido material, mas numa instância que vai dizer se aquele que elaborou o Direito-lei e o outro que o aplicou empiricamente (ou deixou de aplicar) agiram ou não de modo válido. O que já pressupõe um terceiro momento lógico na vida do Estado e do Próprio Direito, que é o julgamento. Afinal, jurisdição em processos de índole subjetiva é exatamente isso: um aguardar a protagonização dos dois primeiros momentos lógicos da legislação e da execução para, e só então, aferir da sua englobada juridicidade.

11 Cogitando-se, porém, dos processos de índole objetiva ou em abstrato, instaurados por efeito da propositura de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), a atuação do Supremo Tribunal Federal já se faz por atalho ou per saltum, no sentido de que não precisa aguardar a prática de nenhuma conduta sub-lege ou de concreta aplicação de diploma normativo federal, ou estadual.

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16.3. É nessa formatação institucional que o Poder Judiciário se revela como instância especificamente garantidora da efetividade dos comandos constitucionais. A esfera de poder que não pode jamais deixar de sentenciar (contrapartida necessária da garantia de acesso à jurisdição ou da não-negação de justiça) e que, na interpretação do Magno Texto, demarca as fronteiras da válida atuação dos outros dois Poderes e dela própria. Operando, então, como escudo ou guardião da Constituição. O que avulta ainda mais de importância quando se trata do Supremo Tribunal Federal, esse guardião-mor de toda a ordem consti tucional brasileira. Oficiando assim nos processos de controle concentrado de constitucionalidade como nos feitos de controle difuso ou desconcentrado.

16.4. De pronto, contudo, advirta-se: para desem-penhar com autenticidade o seu estratégico ofício, o Judiciário, ainda mais que os outros dois Poderes, tem que se apetrechar da sobredita “vontade de Constituição”. Disponibilizar-se para ela com o fervor cívico-profissional de quem sente e sabe que:

I – a Constituição que provém de uma Assembléia Nacional Constituinte eleita pelo voto popular — caso da brasileira de 1988 — é o mais legítimo dos diplomas jurídicos. É que tal modalidade de Assembléia presenta a nação enquanto realidade

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anterior, exterior e superior ao Estado. Pelo que a submissão dele, Estado, a deveres e respon-sabilidades passa a ter um fundamento lógico superador da idéia de autolimitação; ou seja, esse fundamento lógico deixa de ser interno ao Estado para se tornar exógeno, porque residente na superior vontade normativa da nação. Por isso que a elaboração constituinte é o único momento jurídico que vai da sociedade ao Estado, enquanto todos os outros momentos jurídicos já são aqueles que vão do Estado à Socie-dade. Também por isso que a primeira macro-classificação do Direito Positivo não é aquela que o tem como Direito Público e Direito Privado; mas, sim, a classificação que o bifurca em Direito-Constituição e Direito Pós-Constituição. A Cons ti tuição a ocupar solitária centralidade no âmbito do Ordenamento Jurídico a que dá início (início lógico, não cronológico, segundo a irreto-cável proposição de Hans Kelsen);

II – essa tão legitimada Constituição de 1988 foi

elaborada com o explícito desiderato de “ins-

tituir um Estado democrático” (parte inicial do

preâmbulo da nossa Lei Mais Alta). Mas não

um Estado democrático qualquer. Porém um

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Estado democrático “destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a

liber dade, a segurança, o bem-estar, o desen vol-

vi mento, a igualdade e a justiça como valores

supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e

sem preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional,

com a solução pacífica das controvérsias” (ainda

de acordo com os seqüenciados dizeres do mesmo

preâmbulo). Por conseguinte, uma democracia

requinta damente estruturada para garantir ao País

a melhor qualidade de vida política, econômico-

social e fraternal. Que já é a tradução do mais recor-

rente humanismo e razão de ser da cen trali dade

material de que ela, democracia de três vértices,

desfruta no interior da Consti tuição mesma;

III – o acesso a um Poder Judiciário independente é, em si mesmo, elemento conceitual do Estado de Direito, conforme preconizava Giorgio Balladori Pallieri. Além do que a maior de todas as garantias constitucionais (Mauro Capelleti, José Afonso da Silva), porque logicamente condicionadora da eficácia de todas as outras situações jurídicas subjetivas.

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16.5. Melhor motivação de trabalho para o Poder Judiciário, inconcebível! Estou a dizer: melhor inspi ração não pode haver para que os magistrados se postem diante do Texto Magno com toda reverência, entusiasmo e gratidão. Até porque a legitimação deles como agentes estatais de primeiro escalão advém desse mister de guardar um Diploma que surgiu por efeito de uma originária e permanente vontade nor ma tiva da nação. Diferente da legitimidade que tipifica os outros dois Poderes, já resultante de uma quadrienal escolha eleitoral do povo. E já vimos que a nação é mais do que o povo aqui e agora, por encarnar uma instância atemporal de poder. A instância em cujas mãos invisíveis é manejada a também invisível agulha com que se costura a unidade do passado, do presente e do futuro de um povo.

16.6. Exatamente por se colocar a serviço da vontade permanente da nação, depositada no corpo normativo da Constituição originária, é que a chamada atuação contramajoritária do Poder Judiciário em nada ofende a pureza do protoprincípio da Separação dos Poderes. Como não agride o sumo princípio da Democracia, pois a majoritariedade que é inerente a ela, Democracia, tem a precedê-la uma outra e mais alta majoritariedade: a que provém das decisões tomadas pela nação que se reúne em Assembléia Constituinte. Por isso que importa conhecer

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a sobe rania de que trata a Constituição, de uma parte, e, de outra, a soberania que trata da própria Consti­tuição (elaborando-a de modo temporalmente inicial, processualmente incondicionado e materialmente ilimi-tado). Esta, titularizada unicamente pela nação. Aquela, dividida entre o Estado e o povo que lhe serve de âmbito pessoal de incidência das respectivas leis.

16.7. Mas é claro que tal legitimidade judiciária será tanto mais autêntica quanto sustentada no poder-dever de reconhecer à Constituição o seu caráter dirigente. Para que a governabilidade legislativa e executiva seja tão-só a que verdadeiramente conta: a governabilidade constitucional. Não outra.

16.8. Esse o desafio do Poder Judiciário brasileiro: entender que a meta é a fonte. Como no filme de Steven Spillberg, de nome “A volta para o futuro”, o que incumbe às nossas instâncias jurisdicionais é fazer a viagem de volta para a Constituição de 1988, sempre e sempre, porquanto nos princípios por ela alber gados e no seu nítido caráter dirigente é que se tem todo o potencial de futuridade. O que ainda repercute por modo afirmativo na auto-estima jurídica de toda a popu lação brasileira, que passa a ver juízes e tribunais a home nagear mais o Direito que a sociedade fez para o Estado do que o Direito que o Estado fez (e faz) para a sociedade. Aqui, o Direito

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pós-Constituição; ali, a originária Constituição Positiva, diploma jurídico tão insimilar que nem número tem.

16.9. Essa oficial e cristalizada compreensão de ser a Constituição de 1988 um tipo de Direito que atua diretamente no centro do poder político-administrativo é tudo de que a Ciência Jurídica precisa para se assumir como pós-positivista; quer dizer, modelo de Ciência do Direito que tem nos prin cípios jurídicos uma força normativa ainda maior que a das regras, de par com o entendimento de que os valores nesses princípios transfundidos são os que mais conferem uni dade material à Constituição e promovem a espon-tânea adapta bilidade dela às mutações do mundo circundante. Sem maior necessidade de um formal processo de emenda ou revisão, portanto.

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Conclusão: a governabilidade

constitucional como o clímax da

governabilidade humanista

17.1. Não se diga, todavia, que esse modo mais orgânico de entender e praticar a Constituição termina por fazer do Poder Judiciário uma instância de governo da pólis. Um usurpador de funções que só podem ser exercidas pelos Poderes eminentemente políticos da nossa República Federativa, que são o Legislativo e o Executivo. Não é isso, porque uma coisa é governar (que o Judiciário não pode fazer). Outra coisa é impedir

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o desgoverno (que o Judiciário pode e tem que fazer). É como falar: o Judiciário não tem do governo a função, mas tem do governo a força. A força de impedir o desgoverno, que será tanto pior quanto resultante do desrespeito à Constituição.

17.2. O que interessa ao povo, à economia, à nação e ao Poder Judiciário é essa governabilidade constitu-cional. Governabilidade que, tornada uma práxis, corresponderá ao clímax do humanismo. O clímax do humanismo e da democracia de três vértices em que ele se consubstancia como categoria jurídica. E tudo a depender de u’a Magistratura que se assuma como reverente, entusiasmada e orgulhosa escudeira de uma Carta Política não por eufemismo chamada de “Constituição cidadã” e “Constituição-coragem” pelo parlamentar que mais esteve à frente da epopéia constituinte de 1986/1988: Ulysses Guimarães.

17.3. Que o fecho deste pequeno livro passe pela afirmativa — agora feita — de que o Sistema Jurí dico brasileiro tem virtualidades emancipatórias que há muito estão à espera de aplicadores que se disponham a auscultá-lo com o tensiômetro da consciência. Consciência que tem como ponto de partida, não o Congresso Nacional, não o Palácio do Planalto, menos ainda a Casa Branca ou o Palácio de Buckingham, mas o sensível e ao

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mesmo tempo destemido coração de cada juiz. Esta a razão pela qual Martin Luther King, ao visitar um país estrangeiro e ser informado da excelência do Direito Legislado ali produzido, res pondeu: não quero saber das suas leis. Quero saber dos seus intérpretes.

Brasília, 4 de setembro de 2007

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Esta obra foi composta em fontes Garamond e ClearyGothic Light, corpo 7 a 22 e impressa em papel couchê fosco 90 g (miolo) e

Supremo 350 g (capa) pela Gráfica e Editora O Lutador. Belo Horizonte/MG, agosto de 2012.

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