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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS CCHEL COLEGIADO DE HISTÓRIA O NASCIMENTO DO SENTINELA DA LIBERDADE: AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DO CAPITÃO AMÉRICACOMO PROPAGANDA ESTADUNIDENSE NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL CARLOS EDUARDO BOARETTO PEREIRA MARECHAL CÂNDIDO RONDON. PR 2010

O NASCIMENTO DO SENTINELA DA LIBERDADE: AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DO CAPITÃO AMÉRICACOMO PROPAGANDA ESTADUNIDENSE NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL

COLEGIADO DE HISTÓRIA

O NASCIMENTO DO SENTINELA DA LIBERDADE: AS HISTÓRIAS

EM QUADRINHOS DO CAPITÃO AMÉRICACOMO PROPAGANDA

ESTADUNIDENSE NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

CARLOS EDUARDO BOARETTO PEREIRA

MARECHAL CÂNDIDO RONDON. PR

2010

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL

COLEGIADO DE HISTÓRIA

O NASCIMENTO DO SENTINELA DA LIBERDADE: AS HISTÓRIAS

EM QUADRINHOS DO CAPITÃO AMÉRICACOMO PROPAGANDA

ESTADUNIDENSE NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

CARLOS EDUARDO BOARETTO PEREIRA

Trabalho de Conclusão de Curso, sob a

orientação da Professora Carla Luciana

Silva, apresentado à Banca Examinadora

como exigência parcial a obtenção do título

de Licenciado em História, pela

Universidade Estadual do Oeste do Paraná,

Campus de Marechal Cândido Rondon.

MARECHAL CÂNDIDO RONDON. PR

2010

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer aos meus familiares pela força que me deram durante esse processo.

Aos meus pais Paulo Pereira e Suely Aparecida Boaretto Pereira, pela paciência,

compreensão, apoio necessários para a realização desse trabalho. Meu avô Osvaldo Eugênio

Boaretto, minhas duas irmãs Paula Boaretto Pereira e Talita Boaretto Pereira, meus tios

Sidney Aparecido Boaretto, Sergio Marcos Boaretto e Sandra Marta Boaretto, por todo

suporte que me deram durante essa trajetória.

Agradecer especialmente a minha orientadora Profª. Drª. Carla Luciana Silva, pela

paciência, debates, orientações, apontamentos, aulas, que foram de fundamental importância

para a construção desse trabalho.

Aos três membros originais do “quarteto fantástico” Carlos Felipe, Lucas e Ederson,e

ao membro que se integrou mais tarde Marcelo, pelas Cocas-Cola e conversas nos intervalos

das aulas.

Aos amigos de “trampo”, Profª. Msª Maria José, Prof. Dr. Fábio Ruela, Rúbia e

Fagner, pela tolerância e ajuda durante esses dois anos de estágio no Laboratório de Ensino de

História. Aos amigos de banda Vilmarson, Mutley e Marcos, pelos ensaios e shows sempre

bem humorados. Aos amigos do Observatório do Mundo Contemporâneo, Profª. Drª.

Aparecida, Guilherme e Marcos. Aos amigos de faculdade, Patrícia, Sandra, Prof. Dr. Márcio,

Profª. Msª Carla Corandi, Suzane, Juliana, Prof.Ms. Marcos Vinicius, Prof.Ms.Luis Fernando,

Prof. Dr. Marcos Stein, Boris Becker, Marcos Meinez,Prof.Ms. Barraca, Jonas Vassoura,

Lucas P., Marcos Vinicius, Cíntia, Tineneu, Sabugo, Izabel, Alexandre Ramos, Tonho

Branco, Prof. Ms Alexandre, pelos apontamentos, discussões, textos e livros indicados ou

pelo simples fato de me distraírem durante o processo desse trabalho. Aos amigos de bar,

Jeca, Marcelo Boroske, Paula, Cândoca, Emerson, Luiz, Priscila, Kleber, Boçal, Kelvin, Guto,

Digo, Roberta, Tiago Ruzza, Patrícia Dama, pelas cervejas, tequilas, vodkas, whiskies, runs,

gins tomados, churrascos, pizzas, festas feitas, que me ajudaram a relaxar durante esse

processo. Por último, mais não menos importantes minhas amigas Taty, Juliana e Jéssica,

pelas brigas e conversas, quase que diárias que tanto me fazem bem.

RESUMO

PEREIRA, Carlos Eduardo Boaretto. Análise O nascimento do Sentinela da

Liberdade: As histórias em quadrinhos do Capitão América como propaganda

estadunidense na Segunda Guerra Mundial.Trabalho de Conclusão de Curso.

Graduação Licenciatura em História – Universidade Estadual do Oeste do

Paraná. Marechal Cândido Rondon. 2010 .

O objetivo dessa pesquisa é investigar a abordagem do HQ do Capitão América nas relações

sócio-econômicas com o contexto da Segunda Guerra Mundial. Os HQ (Histórias em

Quadrinhos) assim como as novelas, séries de TV, filmes e desenhos animados, são

produções fictícias, que em sua maioria trazem elementos do cotidiano político, econômico do

momento em queestão sendo produzidas, expressam as perspectivas ideológicas de seus

autores e, portanto essas produções culturais não são livres de intenções. Ao entrar em contato

com o HQ do Capitão América, percebi que havia várias possibilidades de investigações, por

ser um quadrinho que se originou durante o período da Segunda Guerra Mundial nas vésperas

dos ataques de Pearl Harbor, ataque este que segundo a historiografia oficial, foi o estimulo

que faltava para os Estados Unidos da América entrar no confronto mundial. O instigante é

que o principal inimigo mostrado nesse HQ analisado é Hitler líder alemão. O HQ nos

permite pensar quais as questões que estão por trás dessa representação, entre outras como o

patriotismo, contexto histórico no qual foi produzido, possibilita pensar perspectivas de

subjetividade do documento, a analise das personagens, dos símbolos figurativos, como

uniforme, armas, inimigos, amigos, gêneros de linguagens, entre outros aspectos que se têm

no decorrer das historietas. É o conjunto desses elementos que mostrará o posicionamento

assumido pela revista.

Palavras Chaves: Segunda Guerra; HQ; Capitão América.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .06

CAPÍTULO 1 - Cena 1, tomada 1: Apresento-lhes, os inimigos e os amigos do Capitão

América.....................................................................................................................................10

CAPÍTULO 2 - Cena 2, tomada 1: Ao abrir as cortinas, apresento-lhes Capitão

América.....................................................................................................................................28

CONCLUSÃO..........................................................................................................................64

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................72

INTRODUÇÃO

“É o Capitão e eu contra os inimigos da liberdade1”.

Bucky

Este trabalho de conclusão de curso é o resultado de uma pesquisa que unificou dois

interesses pessoais, a leitura de histórias em quadrinhos e a Segunda Guerra Mundial.

Meu interesse por histórias em quadrinhos despertou-se na minha infância devido aos

jogos de fliperamas e de vídeo-game que continham como personagens heróis retirados das

histórias em quadrinhos,como por exemplo, X-Men, Marvel Vs. Street Fight, X-Men Vs.

Street Fight,Homem-Aranha,Heróis Marvel e Batman. Esse interessa também ocorreu devido

aos desenhos animados televisionados que também foram inspirados em revistas de historias

em quadrinhos, como Batman, Homem Aranha e X-Men.

Ao descobrir que esses personagens haviam sido retirados de histórias em quadrinhos,

comecei a procurar as revistas desses personagens, mais especificamente do X-Men. O X-

Men é um grupo de personagens mutantes, composto por Ciclope, Jean Grey, Fera, Homem

de Gelo e Anjo, criados por Stan Lee e Jack Kirby na década de 1960 e que foi lançado

através da editora de historias em quadrinhos estadunidense Marvel Comics, que também têm

entre seus lançamentos personagens como Homem-Aranha e Capitão América.Naturalmente

ao ler essas histórias em quadrinhos, entrei em contado com diversos personagens novos,

tendo em vista que muitas destas histórias, eventualmente, se entrelaçavam e os seus

personagens dividiam as mesmas aventuras.

Um desses super-heróis o qual mais me chamou a atenção foi o Capitão América,

justamente por ele ter uma identidade maior dos símbolos dos EUA, não só devido suas

roupas, que estampam as cores e a bandeira estadunidense, mas também o conteúdo geral dos

assuntos abordados nas suas histórias. O que me intrigaram, já que havia notado esses

1Bucky, Capitão América as Primeiras histórias, Abril de 1992.

7

elementos em algumas das produções cinematográficas a qual havia assistido, porém nunca

com uma perspectiva crítica.

Pesquisando sobre esse herói, descobri que ele havia sido publicado pela primeira vez

durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto após os conflitos, ele havia sumido.

Eventualmente ao passar dos anos, os editores da Marvel, o relançavam, mas sem o mesmo

sucesso de vendas dos inícios dos anos 1940.

Quando ingressei no Ensino Médio, já tinha um grande interesse pela matéria de

História, parte pelas próprias histórias em quadrinhos, desenhos animados e filmes que faziam

referências à matéria e parte também por assuntos que professores já haviam abordado

durante minha formação escolar. Um desses assuntos era a Segunda Guerra Mundial, pois,

havia assistido alguns documentários específicos e lido algumas reportagens que me

chamaram à atenção para suas causas e conseqüências no mundo contemporâneo, embora,

minha visão dos desdobramentos ocorridos, não tinham uma preocupação crítica, e nem

poderia.

Contudo apenas ao freqüentar o curso superior de História, percebi que esses meus

dois interesses de adolescência poderiam ser aprofundados, e sim desta vez com uma visão

crítica a cerca de suas produções, cujas inquietações poderiam se tornar parte de uma

pesquisa.

Apesar de não existir uma extensa bibliografia sobre o assunto e a dificuldade de

encontrar as histórias em quadrinhos desse período, minha intenção com esse projeto é

analisar as primeiras histórias em quadrinhos do Capitão América, compreendendo essa

revista como uma produção cultural, não isenta de influências do seu contexto histórico, a

Segunda Guerra Mundial.

O trabalho converge esses dois assuntos aparentemente dissociados, tendo em vista

que entendemos que as produções culturais são condicionadas por uma identificação política,

econômica, social e/ou ideológica e que seus autores expressam em suas obras, perspectivas,

sonhos e ideais. Nenhuma obra é pura de intenções, as histórias em quadrinhos, assim como

filmes, novelas, séries de TV, desenhos animados, dentre outros, e mesmo como produções

fictícias trazem elementos da vida cotidiana, política, econômica do momento a qual em que

está sendo produzida.

O objetivo desse trabalho é analisar a fonte “Capitão América: As Primeiras

Histórias”, considerando a revista em conjunto com uma bibliografia adequada, é essa

perspectiva que vai nos ajudar a perceber os elementos intrínsecos e extrínsecos desta

8

produção cultural.Verificando as figuras de linguagens e o discurso que consiste essa história

em quadrinhos, é que poderá identificar sua função ideológica.

Dividimos o trabalho em dois capítulos, o primeiro “Cena 1, tomada 1: Apresento-lhes

os inimigos e os amigos do Capitão América” é uma revisão bibliográfica sobre a situação da

Europa no pós Primeira Guerra Mundial e como se deu a acessão do Fascismo e Nazismo,

principalmente na Itália e Alemanha respectivamente, seus conflitos com os partidos

comunistas e posteriormente o início do conflito.Em seguida esboço o “conflito no pacífico”2,

o embate entre os EUA e o Japão que culminou na entrada dos EUA nos conflitos da Segunda

Guerra.

Posteriormente, apresentamos uma contextualização do período, abordando algumas

produções culturais produzidas tanto na Alemanha, quando nos EUA e as suas conotações

ideológicas. Tratamos mais especificamente dessas produções constituídas nos EUA, devido o

significado que elas tomam durante o conflito, o forte discurso anti-nazista após 1939, e ao se

tornarem um “exército” indo literalmente ao campo de batalha.

O segundo capítulo “Cena 2, tomada 1: Ao abrir as cortinhas, apresento-lhes Capitão

América”. É constituído pelo cerne do trabalho, a análise da fonte escolhida, “Capitão

América: As Primeiras Histórias”, em edição lançada em 1992 que traz na integra os

conteúdos das revistas Capitão América Comics nº 1 e nº 2, criadas por Joe Simon e Jack

Kirby, que foram editados pela Timely e lançados em Abril e Março de 1941.

Dividimos as análises em dois blocos, o primeiro contém todas as histórias editadas

em abril de 1941, são elas: “Caso nº 1. Conheça o Capitão América”; “Sando e Omar”;

“Rathcone” e “Capitão América e o Enigma do Caveira Vermelha”. O segundo bloco de

análise contém apenas a segunda historieta editada na revista de março de 1941, “Prezo na

fortaleza nazista”.

Delimitamos assim esses dois blocos, pois não haveria tempo suficiente para a analise

de todo o conteúdo dos HQ‟s. O segundo motivo é separar os personagens inimigos do

Capitão América em “irreais” e “reais”, tendo em vista que no primeiro bloco contém apenas

fictícios, e no segundo aparecem personagens reais.

Na conclusão fazemos a conexão entre os dois capítulos, finalizando o trabalho com a

perspectiva de que o Capitão América é um herói que apesar do aparente discurso anti-nazista

2Termo retirado do artigo da Gabriele Rodrigues. “O Conflito na Ásia” In. PADRÓS, H. S.; RIBEIRO Luis

Dário T.; GERTZ, René (org.). Segunda Guerra Mundial, da crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre.

Editora Folha da História. 2000. p.182.

9

suas prerrogativas vão indicando uma crítica maior à figura de Hitler e não ao regime em si

que ele comanda.

A quem serve o Capitão América? O Capitão América serve a muitos propósitos entre

eles a unificação de um discurso anti-Hitler.

Portanto, ao avançar as próximas páginas vocês verão um Capitão América como

nunca haviam visto, acomodem-se e sintam-se a vontade. Ao abrir as cortinas apresento-lhes:

Capitão América.

CAPÍTULO 1

Cena 1, tomada 1: Apresento-lhes, os inimigos e os amigos do Capitão

América

É de fundamental importância para essa pesquisa apontar primeiramente alguns

antecedentes da Segunda Guerra Mundial, que articulados com suas produções culturais,

podem nos ajudar a entender os HQ´s do Capitão América.

Assim como a maioria dos historiadores, entendemos que a Segunda Guerra Mundial

concretamente é a conseqüência das disputas que ocorreram durante e pós Primeira Guerra.

A situação mundial criada pela Primeira Guerra era inerentemente instável,

sobretudo na Europa, mas também no Extremo Oriente, e, portanto não se

esperava que a paz durasse. A insatisfação com o status quo não se restringia

aos Estados derrotados, embora estes, notadamente a Alemanha, sentissem

que tinham bastantes motivos para ressentimentos, como de fato tinham.

Todo partido na Alemanha, dos comunistas na extrema esquerda aos

nacionais-socialistas de Hitler na extrema direita, combinava-se na

condenação do Tratado de Versalhes como injusto e inaceitável3.

Essa instabilidade econômica nos países pós-guerra gerava conflitos internos, mais

especificadamente conflitos de classe, pois apesar das dificuldades econômicas das

populações em geral, várias indústrias nesses países lucraram com o conflito.

Esses conflitos também enalteceram a esperança de uma revolução socialista, a

exemplo do que aconteceu na Rússia. O clima pós Primeira Guerra, era propício para

agitações populares e uma possível revolução. Na Alemanha e na Itália as agitações

mobilizaram tanto militantes de esquerda, e também da extrema direita, insatisfeitos com as

políticas econômicas de seus países, tendo em comum os ataques ao Tratado de Versalhes.

A insurreição dos soldados e operários, então organizados em conselhos

(sovietes), alastrara-se por várias cidades alemãs, num prenúncio do que

poderia vir a ser uma autêntica revolução socialista. A revolta, entretanto, foi

abafada em 1919, mediante uma impiedosa repressão, na qual vários dos

3HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. 2ª Edição. São Paulo. Editora

Companhia das Letras. 1998. p.43.

11

mais destacados dirigentes e líderes do movimento, entre os quais Rosa

Luxemburgo e KarlLiebknecht, foram assassinados4.

Nem mesmo a repressão que o governo alemão levou a cabo foi suficientemente

efetiva para satisfazer os anseios de uma burguesia assustada com a proletarização, o que

causava a insegurança das classes dominantes. Esse foi o objetivoda insurreição de 1923,

comandada por Hitler,para instalar-se no poder e controlar essas agitações populares.

Seguindo o exemplo de Mussolini na Itália, Hitler, no entanto, não possuía apoio suficiente

para isso, o que culminou no fracasso do levante.

Na Itália, a situação de tensão social não era diferente, mesmo a nação tendo sido uma

das potências vitoriosas no conflito anterior.

A participação neste conflito em nada elevou o seu status. Ao contrário.

Tendo-se aliado aos países que sagraram-se vencedores, a burguesia italiana

saiu da guerra sem ver atendidas as principais promessas territoriais (nos

Bálcãs e no norte/nordeste da África) pelas quais, em 1915, rompera sua

neutralidade. O saldo foi profundo desgaste material e humano, que abalou

ainda mais a precária situação econômica. As difíceis condições de vida, a

escassez de alimentos e matérias-prima e o crescente furor nacionalista

impulsionado pelo sentimento de perda, associados às manifestações

populares contra a miséria (invasões de terras, greves, ocupações de fabrica e

saques), trouxeram o caos político caracterizado por freqüentes trocas de

governos, via de regra, imponentes frente à crise. Neste clima de

instabilidades e insatisfação, condimentado pelo temor de uma revolução

socialista, brotou e, a partir de 1922, firmou-se o fascismo5.

Podemos perceber que mesmo a Alemanha e a Itália passando por processos diferentes

no pós Primeira Guerra, suas características internas de recessão, agitação e proletarização se

assemelharam causando um forte sentimento de medo e preocupação na sua classe média e

burguesia, o que fez com que essa burguesia se identificasse com as propostas nazi-fascistas.

Claro que esse processo não é tão simples e direto, trataremos mais adiante dos dois

casos com mais atenção.

Não vamos aqui esmiuçar o que foi o pensamento intelectual de articulação dos

teóricos que pensaram o fascismo, mas pretendemos entender como que esse projeto político

se instalou nos dois países que promoveram e articularam as invasões e ataques que geraram o

segundo conflito mundial.

Para identificar alguns desses elementos do Fascismo se faz necessário a leitura de

Leandro Konder, “Introdução ao Fascismo”. Para ele é necessário que se entenda que “O

4ZENOR, Fernando. Relações Internacionais no período do entre guerras. In. PADRÓS, H. S.; RIBEIRO Luis

Dário T.; GERTZ, René(org.). Segunda Guerra Mundial, da crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre.

Editora Folha da História. 2000. p.16. 5Idem, p. 17.

12

conceito de direita é imprescindível a uma correta compreensão do conceito de fascismo”6, ou

seja, “a direita é o gênero de que o fascismo é uma espécie”7.

Todavia a direita não aspira modificar o sistema vigente, por mais “liberal” e não

homogênea que pareça, ela apenas o altera perante uma situação de risco a sua posição

dominante. Os liberais se aliaram a extrema-direita para conservar sua posição desigual ao

resto da população, portanto o fascismo nada mais é que uma saída da burguesia, tanto

italiana quanto alemã para evitar a revolução socialista.

Em sua essência, a ideologia da direita representa sempre a existência (e as

exigências) de forças sociais empenhadas em conservar determinados

privilégios, isto é, em conservar um determinado sistema socioeconômico

que garante o estatuto de propriedade de que tais forças são beneficiárias.

Dai o conservadorismo intrínseco da direita8.

As divergências entre capitalistas liberais a favor do estado mínimo e conservadores

que apostam num “capitalismo de estado” criam disputas para sua manutenção como classe

hegemônica, entretanto ambas as frações concordam com a manutenção do sistema capitalista

e com a repressão contra revoltas e agitações. E quando as classes mais baixas se organizam e

resistem, a direita tende a se reordenar e se unificar rapidamente, pois têm um inimigo em

comum que pode modificar a ordem vigente.

O próprio sistema em cuja defesa as classes dominantes se acumpliciam –

um sistema que gravita em torno da competição obsessiva pelo lucro privado

– impede que as forças sociais em que se consiste a direita sejam

profundamente solidárias: elas se unem para objetivos limitados da luta

contra o inimigo comum9.

No período pós Primeira Guerra esse inimigo comum é o comunismo e a revolução

socialista na Rússia. Como já mencionado os Partidos Comunistas viam na Rússia uma

inspiração de revolução para seus próprios países, faziam greves e muitas vezes insurreições,

a exemplo da já citada na Alemanha que foi sufocada não só pelo estado como também por

milícias fascistas. Essas manifestações geraram fortes repressões, em contra partida na

maioria dos países da Europa instalam-se governos fascistas ou simpáticos a esse modelo.

O movimento proletário se aviva com essas tensões generalizadas na Europa. Na

contensão do vírus comunista, foi levada a cabo uma política de cordão sanitário

(total isolamento) contra a URSS. Não só isso. A terrível ameaça desencadeou uma

febre de governos autoritários, ditaduras de direita e fascistas pela a Europa: Hungria

6KONDER, Leandro. Introdução ao Fascismo. Rio de Janeiro, graal, 1977. p. 5.

7Idem, Ibidem, p. 5.

8Idem, p. 6.

9Ibidem, p. 6.

13

(1920-1944, Almirante Horty); Itália (1922-1945.], Mussolini); Espanha (1923-

1931, Primo de Rivera, depois 1936-1975, Franco); Albânia (1924-1939, Rei Zog);

Polônia (1926-1939, Marechal Pilsdski e RadzSmigly); Iugoslávia ( 1929-1934, Rei

Alexandre); Romênia (1930-1944, Rei Carol até 1940 depois Antonescu) Áustria

(1932-1938, Dollfus depois Schuschingg); Estônia (1932-1940, K Päts);

Alemanha(1933-1945, Hitler); Portugal (1933-1974, Salazar até 1970 depois M.

Caetano); Lituânia (1934-1940, A. Smetona); Letônia(1934-1940, K. Ulmanis)

Bulgária(1934-1943 série de governos ditatoriais); e a Grécia (1936-1940, Metaxas).

Apesar das diferenças entre esses governos serem maiores que as semelhanças,

todos eles possuem um ponto em comum: o anticomunismo. Essa configuração

política que corresponde a mais de cinquenta porcento da Europa solidifica a teoria

de que o fascismo é o último recurso do capitalismo, quando sente suas bases

gravemente ameaçadas pelo movimento proletário10

.

Entretanto dois países foram fundamentais para que essa política fascista tomasse

proporções continentais e sua expansão externa gerasseum conflito que mudou todas as

relações sociais, políticas, econômicas e ideológicas dos anos 30 e 40, a Itália e Alemanha.

Itália

Mussolini entendeu que a Itália não havia sido “recompensada” como deveria por ter

entrado no conflito. Konder aponta que Mussolini era um apoiador incondicional da

intervenção da Itália na Primeira Guerra, e teria por isso sido afastado do partido socialista

italiano. Quando fundou seu jornal para propagandear a causa intervencionista recebeu ajuda

financeira de grandes empresários que se beneficiaram com a intervenção da guerra11

.

Essa ligação é um indício para explicar os rumos que o fascismo tomou após os

conflitos, se considerarmos que o apoio da classe média e da burguesia industrial e agrária

foram fundamentais para Mussolini chegar ao poder.

Como já citado, houve uma grande concentração de renda pela burguesia industrial.

Esse elemento,associado com o êxito rural que ocorreu durante o período do conflito

culminaram em uma maior concentração de renda, e de pessoas nas cidades.

A guerra tinha acentuado o processo de concentração na indústria italiana,

proporcionando grandes lucros à siderúrgica, a indústria automobilística, à

indústria química. A Fiat decuplicara seu capital. Os grupos maiores – Iiva e

Ansaldo – cresceram enormemente. O setor agrário entrou em crise a

produção agrícola baixou, os capitais se deslocavam para a indústria, em

busca dos superlucros. O processo de concentração por sua vez, liquidava

muitas pequenas empresas e ameaçavam a pequena burguesia com a

10

DE CASTRO, Nilo André Piana. “A ascensão do Nazismo e a construção do III Reich”. In. PADRÓS, H. S.;

RIBEIRO Luis Dário T.; GERTZ, René(org.). Segunda Guerra Mundial, da crise dos anos 30 ao Armagedón.

Porto Alegre. Editora Folha da História. 2000. p. 64. 11

KONDER, 1977. Op. Cit. p. 30.

14

proletarização. A inflação pesava sobre a massa trabalhadora e sobre as

chamadas classes médias, acentuando o descontentamento e a insegurança.

(De 1914 a 1920, a moeda Italiana perdeu 80% de seu valor.) Acrescente-se

a isso o fato de que os trabalhadores rurais e pequenos proprietários

agrícolas tinham sido retirados pela própria guerra do isolamento e da

marginalização secular em que se achavam em face da vida política do país,

e passaram a se agitar, a protestar confusa, mas apaixonadamente contra a

miséria crescente que os envolvia. Os combatentes desmobilizados (600.000

italianos tinham morrido nos campos de batalha, 500.000 tinham sido feridos

e voltaram mutilados para casa) não foram unanimemente escolhidos como

heróis pela população irritada; e compreenderam logo que não ia ser fácil,

para eles, reintegrarem-se na vida civil, nas condições sociais com que se

depararam12

.

Mussolini apoiou-se nessa massa de ex-combatentes, e através de seu jornal

denunciava o que para ele seriam “os inimigos da pátria”. Para a sustentação da teoria, o

fascismo na Itália precisou fundamentalmente criar uma “necessidade de indicar aos seus

liderados uma direção clara e permanente para canalizar a energia deles”13

. Pensando nessa

unificação é que deveria criar “um principio sagrado”. Esse princípio sagrado, “a pátria”, que

invocaria o sentimento de solidariedade entre os ex-combatentes.

Era imprescindível um princípio sagrado, posto acima de qualquer discussão,

imune a qualquer dúvida, capaz de funcionar como bússola quando o barco

tivesse de manobrar em meio à tempestade, um valor supremo que nunca se

degradasse e pudesse alimentar incessantemente a chama da fé no coração

do combatente14

.

Na Itália Mussolini usou expansivamente o mito da nação e para que se mistificasse a

figura do Estado acima das relações sociais, utilizando de um conceito marxista, associado

com o mito da nação, para justificar que a Itália seria uma “Nação-proletária”, explorada

pelos países liberais, França e Inglaterra.

A nação italiana era evidentemente uma realidade: uma realidade complexa,

uma sociedade marcada por conflitos internos profundos, dividida em

classes sociais cujos interesses vitais se chocavam com violência. Mussolini

fez dela o mito, uma idéia do nacionalista de direita Erico Corrandioni,

apresentou a Itália como uma “nação proletária”, explorada por outras

nações, e acusou seus ex-companheiros socialistas de utilizarem o

proletariado italiano para, com suas reivindicações enfraquecerem

internamente o país em proveito dos inimigos que a Itália tinha no exterior15

.

Assim obteve a “desculpa” de perseguir os comunistas, eliminando teoricamente a luta

de classe e indicando o inimigo a ser combatido internamente.

12

KONDER, 1977. Op. cit. p. 31. 13

Idem, p. 10. 14

Ibidem, p. 10. 15

Idem, p. 11.

15

O sentido social conservador dessa idéia era claro: tanto na Alemanha como

na Itália, os trabalhadores eram convidados a ver em seus compatriotas

capitalistas não os beneficiários de um sistema social baseado na exploração

interna, mas sim colegas proletarizados (ou em vias de proletarização),

vítimas de um sistema de exploração internacional16.

Viam também como inimigos não só as potências imperialistas mais desenvolvidas

como a Inglaterra e a França, mas os próprios governos liberais italianos, que foram omissos

ou coniventes ao aceitarem os tratados pós Primeira Guerra.

Apesar de sua fragilidade intrínseca, o mito fascista da nação mostrou-se

eficiente: brandindo-o exaltadamente, o fascismo conseguiu recrutar adeptos

em todas as classes sociais (inclusive nas classes, que nada teriam a lucrar

com a sua política)17

.

A recessão pós-guerra atingiu profundamente a classe média, que mesmo não

ganhando com a guerra, se via acima do proletariado, e com o medo de uma revolução

socialista e a possível tirada de seus privilégios, fez com que essa classe média se agarrasse

nas políticas fascistas. É essa burguesia aliada às elites italianas, da igreja, do exército, da

burguesia industrial e agrária, que marchou por Roma e colocou Mussolini no poder em 1922,

ao qual ele só deixaria o poder fuzilado em 1945.

Alemanha

A crise pós-guerra era efetivamente mais grave na Alemanha do que na Itália, isso

porque como já mencionamos os tratados de guerra, e principalmente o tratado de Versalhes,

exigia que a Alemanha honrasse vários compromissos por se tratar de uma nação vencida.

Já mencionamos também que a Revolução Russa criou um inimigo a ser combatido,

pois em uma situação como a da Alemanha, em que a maioria de sua população estava

passando dificuldades de sobrevivência, foi o ambiente perfeito para se difundir a idéia de

quebra da ordem social vigente.

Ao final da Primeira Guerra, espalhados por toda a Europa, os socialistas e

os comunistas cresciam. Na esteira dos custosos êxitos da Revolução Russa,

toma vulto a revolução na convulsionada Alemanha. Acuada pelo Tratado de

Versalhes, que lhe tirava o direito de manter um exército superior a cem mil

homens, uma força aérea e uma marina de guerra; despojada de parte

significativa de seus territórios e todas as suas colônias e, além disso,

16

KONDER, 1977. Op. Cit. p. 12. 17

Idem, p. 14.

16

arcando com pesadas reparações de guerra, a República Alemã, criada em

cinco de Novembro de 1918, deparava-se com um quadro catastrófico. Além

do famigerado Tratado de Versalhes, existiam as tropas desmobilizadas,

grupos de extrema direita atuando violentamente e a massa operária pronta

para rebelar-se18

.

Os movimentos de esquerda na Alemanha foram reprimidos com ferocidade, como

mencionamos antes o assassinato dos líderes espartaquistas. Paralelamente com esses

movimentos de esquerda, surgiam também movimentos e partidos ligados a extrema direita,

caso do então chamado “Partido dos Trabalhadores Alemães”.

Nesse mesmo ano de 1919, na mesma Munique, ingressava no pequeno

Partido dos Trabalhadores Alemães (Deutsche Arberterpartei) Adolf Hitler.

Um ex-cabo austríaco do exército imperial alemão, profundamente anti-

semita, bom orador e ardoso defensor da unidade dos povos germânicos

numa grande Alemanha. Em fevereiro de 1920, ele já era a principal

liderança dentro do partido, mudando inclusive seu nome para Partido

Nacional-Socialista dos trabalhadores Alemães de abreviatura nazi19

.

Hitler também utilizou da mesma tática de Mussolini de criar culpados para a recessão

que havia na Alemanha, e esta atraiu aliados para sua causa, principalmente os ex-

combatentes e nacionalistas, criando também a aversão aos inimigos e legitimando a caça dos

mesmos, como visto mais tarde explicitamente nos campos de concentração.

O programa do partido apresenta uma linha bastante confusa, na qual

mistura anti-semitismo, revanchismo, um nacionalismo febril e virulento, e

idéias “revolucionárias” no campo social (que serão abandonadas ao passo

em que o nazismo se aproxima do poder). 20

Castro aponta também alguns destes “ideais revolucionários” do programa do partido

nazista de 1920, antes desses serem abandonados:

Acabar com a cidadania dos judeus; conquistar colônias para a expansão do

povo alemão; realizar reformas agrárias; aumentar a participação dos

trabalhadores nos lucros das empresas; prender os que enriqueceram com a

guerra e não cumprir o Tratado de Versalhes21

.

E como havíamos mencionado, apesar da pouca expressão que o partido apresentava,

Hitler influenciado pelas ações do italiano Mussolini, tentou o golpe de 1923.

Em 1923, a crise econômica havia se aprofundado na Alemanha. A hiper-

inflação grassava. Os nazistas são ainda um pequeno e truculento partido

18

DE CASTRO, 2000. Op. Cit. p. 62. 19

KONDER, 1977. Op. Cit. p. 63. 20

Idem, p. 65. 21

DE CASTRO, 2000. Op. Cit. p.64.

17

regional, quase sem expressão fora da Baviera e de Munique, mas o seu líder

já sonha alto. Aproximando-se de lideranças militares como Ludendorf, os

nazistas tentam um golpe de estado na Baviera, conhecido com o Putsch de

Munique ou Putsch da Cervejaria. A tentativa de repetir a marcha de

Mussolini (A marcha dos fascistas italianos sobre Roma, que levou

Mussolini ao poder em 1922, na Itália) falha; o grupo é desbaratado e seu

líder preso e levado a julgamento22.

O Julgamento de Hitler serviu mais para propagandear suas idéias, já que ele mesmo

fez sua defesa,utilizando de um discurso efervescente e enérgico, que continha os conceitos e

pensamentos ideológicos articulados com suas propostas. Não bastante, seu julgamento foi

difundido pelo rádio para toda a Alemanha, o que acarretou a simpatia de alguns setores mais

conservadores da sociedade.

É certo que Hitler não queria a mudança da ordem vigente, pois ele não propunha

acabar com o capital, no entanto ele entendia, assim como Mussolini, que a Alemanha estava

sendo explorada pelas nações mais “evoluídas”, França e Inglaterra e que, como já

mencionado, enxergavam a Alemanha e a Itália como nações exploradas, proletárias

(novamente importando e modificando o conceito marxista).

Assim a exploração interna é deixada de lado, a Itália e a Alemanha estavam

sendo proletarizadas por outras nações, os capitalistas italianos e alemães

estavam sendo explorados por estrangeiros. O mito da nação contido no

fascismo consegue conquistar adeptos em todas as classes sociais,

principalmente nas camadas médias, que eram as mais sujeitas à

proletarização e aos efeitos da crise23

.

Condenado, Hitler cumpriu apenas nove meses de prisão, momento em que escreveu

seu livro “MeinKampf” (Minha Luta), em que intensifica a acusação da conspiração judaica.

Hitler tratou no livro para além de criticas aos socialistas, o “problema judeu”, o anti-

semitismo.

Assim, todas as mazelas eram projetadas nos judeus, enquanto a perfeição

devia ser o alemão puro, ou a raça idealizada. Essa identificação do dito

inimigo interno dissimulado, permitirá mais tarde a expropriação do capital

dessas pessoas, dos bens, do trabalho, da vida e até mesmo dos seus restos

mortais. A pureza racial era mostrada como passaporte para o Vahalla

(paraíso nórdico). Mesmo um modesto operário fazia parte do povo

escolhido para liderar o mundo, pois todo alemão é um senhor. Contudo,

existe a hierarquia interna com grande apreço pela concentração financeira,

chamada estrategicamente de capital nacional24

.

22

KONDER, 1977. Op. Cit. p.65. 23

DE CASTRO, 2000. Op. Cit. p. 67. 24

DE CASTRO, 2000. Op. Cit. p.68.

18

Com a política da raça, do inimigo externo, do mito da nação, Hitler isolava a luta de

classe internamente, mas não a eliminava, a “disfarçava” em um hierarquia da sociedade, que

mantinha a “ordem” entre as classes. O que devemos entender é que neste contexto no qual

Hitler “pregou” suas idéias, as contradições sociais não foram, apagadas, mas meramente

dissimuladas.

Hitler dizia que o capitalismo estava doente, e que os nacionais-socialistas

não queriam destruí-los, mas sim, curá-lo. Isso seria possível através da

distinção entre os bons capitalistas (nacionalistas e produtivos) e os maus

(especuladores e judeus em geral). Mostrava o movimento nazista uma

impressionante capacidade de se adaptar a novas situações, munido de uma

ideologia superficial e até mesmo maleável, mas eficiente e funcional como

nenhuma outra25.

Identificamos ainda que essa “mutação ideológica” do nazi-fascismo é a unificação da

direita em frente ao inimigo comum, o comunista. Assim como Konder menciona em seu

livro “Introdução ao Fascismo”.

O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães chegou ao poder também

condicionado pelo distanciamento que a social-democracia e os comunistas tornaram ainda

maior nas eleições subseqüentes a crise de 1929, e com o a adesão dos médios e grandes

burgueses alemães.

O abandono da via “revolucionária” de Hitler e o distanciamento das políticas mais

“progressistas” do partido, levaram ao aumento dos seus fundos monetários através do apoio

dos grande empresariado e esse apoio serviu para a nomeação de Hitler como chanceler em

1933. Ao chegar ao poder, precisava ainda consolidar sua força política.

Os nazistas não perdem tempo. Em vinte e sete de fevereiro de 1933, antes

de completar trinta dias de governo, ocorre o incêndio do Reichstag. As

acusações contra os comunistas são lançadas durante as tentativas de apagar

o fogo. Começam a ser presos comunistas e social-democratas antes que

aconteça rescaldo do prédio calcinado. O bode expiatório é um holandês, de

nome Marinus Van der Lube, portador de uma carteira do Partido

Comunista. Um desequilibrado que acabou sendo julgado e decapitado26

.

Esse episódio serviu para que se endurecessem mais contra os opositores do regime,

principalmente os comunistas, além de instituir vários decretos, como aponta Castro

“suspende por decreto as liberdades individuais civis”27

, para “abolir toda e qualquer

25

Idem, p.69. 26

Idem, p.72. 27

DE CASTRO, 2000. Op. Cit. p. 73.

19

autonomia dos estados e nomeando governadores nazistas para cada região da Alemanha”28

,

declara o monopartidarismo29

.

Com a posse de Hitler intensificou-se as manobras para garantir que os nazistas

tivessem plenas “liberdades” para executarem seus objetivos, mas, no entanto sua base, os SA

não estavam satisfeitos com os caminhos que o partido estava tomando.

As atividades constantes das SA marcha, reuniões e brutalidades contra

judeus ou comunistas interferiam no funcionamento das fábricas e na

produtividade das mesmas, pois os empregados membros daquelas tinham

faltas abonadas, fato que fazia o número de SA continuar a crescer. Esse

absenteísmo desacelerava a produção e gerava protestos dos grandes barões

do Reichur (região de concentração de indústrias pesada na Alemanha)

diretamente com o Führer. “Os responsáveis são os SA” afirma Krupp. “Essa

gente quer uma espécie de bolchevismo de botas e sem cérebro que seduz

muita gente”. Essa afirmação de Krupp não era de toda errada. Parece ser

mesmo verdade que os SA estavam descontentes com o rumo legalista de

Hitler, seus dirigentes queriam ser condutores da Wermacht (exército alemão

Nazista) e banir a velha guarda aristocrata. Também se falava em

descontentamento geral das SA, pois, cada vez mais o partido se afastava

dos aspectos populistas originários de seu programa e que eram identificados

com o socialismo e os interesses dos trabalhadores. A formidável dimensão

das SA causava temor em Hitler quanto à possibilidade de um golpe30.

Podemos avaliar com essa referência, que primeiro Hitler não tinha domínio total da

sua base e por isso enfatizou sua política no totalitarismo e na perseguição dos que são contra

o regime. E que segundo, se nota o vínculo que Hitler irá criar com o capital, a ponto de

promover um verdadeiro massacre contra os SA, o que foi conhecido pela “a noite das longas

facas”, em foram eliminados mais de mil homens, com a justificativa de estarem planejando

um golpe.

O mito do inimigo interno e da nação, aliados à persuasão pela força, ajudou no “bom

funcionamento” do regime.

Enquanto movimento, o nazismo era, inicialmente, uma reunião de

indivíduos de tendências políticas contratantes ou de ideologia pouco

definida, sendo talvez, a frustração pela derrota da Alemanha na Primeira

Guerra e o descontentamento com República de Weimer, os únicos pontos

realmente consensuais. Justamente em torno do racismo, que o Partido

Nacional-Socialista resolverá seus problemas de coesão. O discurso de

pureza racial permitia apresentá-la como uma revolução social alternativa,

tanto à democracia liberal como ao comunismo – uma espécie de populismo

militarista. A idéia de uma “Alemanha acima de tudo”

(Deusschtlandüberalles) colocava não só a Alemanha acima de qualquer

nação, mas principalmente acima de qualquer conflito de classe entre os

28

Ibidem, p. 73. 29

Idem, p. 74. 30

Idem, p. 75

20

próprios alemães. Por fim, o anti-semitismo fornecia o “bode expiatório”,

um culpado para as dificuldades enfrentadas pelo povo alemão. O próprio

anti-semitismo passava pela desvalorização das diferenças sociais, uma vez

que a maioria dos judeus passavam pelas mesmas dificuldades enfrentadas

pela classe média e operária, na maioria dos países europeus. A política

racial do nazismo foi fundamental para esse elo, como vimos a ideologia

nazista não era uma terceira via entre o capitalismo e o socialismo e suas

propostas frágeis, e é na política racial que eles vão unificar suas

divergências, “fantasiar” a luta de classes e fomentar uma guerra, que além

de imperialista se tornará ideológica.31

Por fim iremos concordar com Konder que analisa o fascismo em relação a

periodização do capitalismo nos países centrais do último.

O fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo,

que procura se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo

monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável de

uma política de conteúdo social conservador, que se disfarça sob a máscara

“modernizadora”, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical,

servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos

racionalistas-formais de tipo manipulatorio. O fascismo é um movimento

chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antisocialista, antioperário. Seu

crescimento num país pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido

capaz de minar as bases de forças potencialmente antifascista

(enfraquecendo-lhe a influência junto às massas); e pressupõe também as

condições da chamada sociedade de massa de consumo dirigido, bem como

a exigência nele de um certo nível de fusão do capital bancário com o capital

industrial, isto é a existência de capital financeiro32.

Portanto Hitler e Mussolini tinham interesses imperialistas, pois além de

estabelecerem uma mudança na política e economia de seus respectivos governo, estavam

dispostos a entrarem em guerra por territórios que julgavam necessários para o

desenvolvimento e modernização de suas nações. Entretanto suas intenções se chocariam com

as de outras nações.

Enquanto a Alemanha e à Itália nos anos 30 abriam caminho para suas expansões

territoriais, o Japão no Pacífico também começaria uma investida contra seus vizinhos

asiáticos, no entanto entraria em choque com o EUA.

31

KIELING, César. A Questão Étnica e Racial In. PADRÓS, H. S.; RIBEIRO Luis Dário T.; GERTZ,

René(org.). Segunda Guerra Mundial, da crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre. Editora Folha da

História. 2000.p. 166. 32

KONDER, 1977. Op. Cit. p. 21.

21

A guerra além do front

Apesar dos EUA nos anos 30 manterem uma política isolacionista, se preocupando

apenas com as questões internas, e do continente americano, seu governo exerceu forte

influência política e econômica no Pacífico e mesmo não participando diretamente da

primeira parte dos conflitos na Segunda Guerra, tinha fortes interesses comerciais na região,

onde também estava em processo a expansão territorial levada a cabo pelo governo do Japão,

gerando um conflito de interesses imperialistas.

[...] Devido à guerra com a China (até então aliada dos norte-americanos), o

Japão sofreu boicotes econômicos, embargos comerciais (principalmente de

petróleo) e pressões diplomáticas. Até o início da década de 40, o país

resistiu em função da aliança com a Tailândia, que lhe permitiu realizar uma

forte ofensiva contra a Indochina, como também da assinatura do Pacto

Tripartite, com Alemanha e Itália em 194033

.

Esse pacto influenciou o Japão a tomar ofensiva de conquista contra os outros países

asiáticos, atitude que teve como conseqüência o início dos conflitos diplomáticos com os

EUA, que também usufruíam de forte política de influências na Ásia.

[...] Além disso, devido às constates derrotas dos Impérios Coloniais e à

necessidade, cada vez mais premente, de matérias primas e de formação de

um cinturão de defesa, os japoneses voltaram os seus interesses para

sudoeste asiático. Entretanto, a conquista de tais territórios era inviável em

função da forte presença militar norte-americana na região (principalmente

nas Filipinas). Os interesses de ambos os países na Ásia eram excludentes;

crescia a disputa imperialista. Os EUA pressionavam para a retirada das

forças armadas nipônicas o que, em última instância, significava a rendição

do Japão; A guerra contra os EUA era inevitável34.

Podemos perceber que o que estava em jogo no conflito no Pacífico era a hegemonia

do controle de mercados e territórios influenciados pelas duas nações, mesmo isso não sendo

propriamente uma guerra declarada. Com o decorrer do impasse diplomático e com os

confrontos na Europa encaminhando para uma guerra, os japoneses apostaram num ataque aos

estadunidenses. “Pearl Harbor foi bombardeada por uma força tarefa nipônica em 7 de

dezembro de 1941”35

.

33

RODRIGUES, Gabriela. O Conflito na Ásia In: In. PADRÓS, H. S.; RIBEIRO Luis Dário T.; GERTZ,

René(org.). Segunda Guerra Mundial, da crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre. Editora Folha da

História. 2000.p.182. 34

Idem, Ibidem, p. 182. 35

Ibidem, p. 182.

22

Portanto, diferentemente da Primeira Guerra, a Segunda Guerra Mundial teve três

grandes frentes de conflitos, uma na Europa, outra na África e a terceira no Pacífico. Além de

outra frente, caracterizada pela produção cultural e sua veiculação em termos de comunicação

de massas36

.A Guerra ideológica esteve presente nas produções culturais dos anos 20 e 30 e

de maneira mais intensa durante os conflitos nos anos 40.

Mussolini e Hitler utilizaram dos meios de comunicação de seu tempo (jornais e

rádios) para que suas diretrizes fossem propagadas de maneira rápida e eficaz, além de

manterem controle direto sobre eles, noticiando apenas o que seria de interesse dos regimes.

Os nazistas tiveram contatos com as produções de documentários já nos anos 1920.

O nazismo e o cinema têm ligações remotas que datam de antes da ascensão

de Hitler ao poder. Entre 1923 e 1925, muitos alemães puderam ver, pela

primeira vez, a figura de Adolf Hitler em documentários que cobriram o

Pustch da cervejaria e o julgamento que se seguiu. Então o movimento

nazista era um fenômeno regional, limitado à Baviera. A Universum Akition

Film, mais conhecida mundialmente como UFA, a principal produtora de

filmes alemães, se encarregaria de manter, sempre que possível alguma nota

sobre o movimento “revolucionário” (como era chamado na época) de

extrema direita nessa fase mais embrionária do nazismo37

.

Como havíamos mencionado anteriormente, Hitler ficaria conhecido na Alemanha

posteriormente a essa tentativa de golpe em 1923. Como Castro aponta, a relação do Nazismo

com o grande capital e a simpatia da burguesia com o movimento fomentaria uma

“propaganda” positiva das atividades do partido e de sua figura maior Hitler.

A UFA era uma empresa fundada em 1917, no final do primeiro conflito

europeu. Tinha larga dependência do grande capital, principalmente da

empresa de Krupp e de sua indústria bélica. Essa mesma Krupp, junto com

Thissen e suas indústrias poderosas, aparecem entre as principais

contribuintes para o Partido Nacional Socialista dos trabalhadores Alemães

(nazista). Era natural que o nazismo ganhasse espaço no cinema, visto que

tanto um como outro eram financiados pelo mesmo investidor38.

O cinema foi um dos meios que o governo nazista utilizou para propagandear os feitos

do regime não só na Alemanha, mas também nos territórios ocupados chegando à marca de

1097 filmes de 1933 a 194539

. Entretanto, Castro aponta que apenas 96 desses filmes foram

feitos pelo Ministério da Propaganda, entretanto, isso não diminuiria a simpatia e a exaltação

do regime nas películas. O que nos indica que também ouve um forte engajamento dos setores

produtores de filmes na política nazista.

36

Entenderemos aqui como comunicação de massas os HQs, produções cinematográficas e o rádio. 37

DE CASTRO, 2000. p. 279. 38

Ibidem, p. 279. 39

Idem. 282.

23

Muitos autores já mencionaram a relação dúbia que os EUA mantinham em relação ao

regime nazista durante os anos de 1930, essa relação também é nitidamente vista nas

produções cinematográficas do período.

Em Hollywood, ao iniciar-se a guerra, imperava ainda o famoso

isolacionismo. Os anos que a Europa se tensionou política e militarmente

não haviam repercutido no cinema americano de forma eficiente, filmes

politizados não eram a tônica hollywoodiana. Os EUA começavam a emergir

do caos da quebra da bolsa de 1929 e o cinema cumpriu um papel importante

na propagação do New Deal durante toda a década de trinta. Filmes sobre

crise internacionais como a Guerra Civil Espanhola não eram bem vistos,

embora alguns tenham sido rodados, como Bloqueio (EUA, 1938, Direção

WillianDieterle) o mais célebre deles40.

Castro avalia que essa “tônica hollywoodiana” de fazer filmes politizados era apenas

no quesito internacional já que ele mesmo aponta que o cinema foi um dos grandes

propagandeadores do “New Deal”, para em seguida mencionar o verdadeiro motivo para o

“isolacionismo” do cinema.

Até 1939 a situação não mudou muito. Embora começassem a aparecer

filmes falando sobre nazismo, eles mantinham uma crítica muito sutil. Foi

montado o comitê do Cinema para a Cooperação com a Defesa Nacional, em

1940, tentando mudar o direcionamento isolacionista assumido pelos EUA.

Contudo, o filme de Charles Chaplin. O grande Ditador, rodado em 1939 e

lançado em 1940, foi muito mal visto, pois comprometia a imagem de

neutralidade de Hollywood. Houve diversos protestos contra Chaplin e suas

instrumentalizações política do cinema. Essas posições defensivas estavam

baseadas na lógica mercantil das produções americanas. Sendo o cinema a

principal indústria de exportação dos Estados Unidos, não podia correr risco

de ter censurada a exibição de seus filmes em países simpáticos ao

fascismo41.

Essa política do cinema de Hollywood transparece a política do próprio governo dos

EUA, que via o nazismo com bons olhos, mesmo porque para ele era uma excelente política

anticomunista, em sua visão um inimigo muito mais perigoso.

Ao divulgar a intenção de realizar-lo, em 1934, o autor sofreu diversas

represálias, e não só de simpatizantes do nazismo. Entre 1934 e 1939, foram

imensas as pressões para que abandonasse o projeto. Lembre-se que, na

década de 30”para muitos direitistas, ser antinazista equivalia a ser

bolchevique”; e já nos anos 50, Chaplin foi vítima do macartismo. Um

aspecto a destacar foram as pressões diplomáticas realizadas pelos países do

Eixo, proibindo a exibição de seus filmes em 1937 e ameaçando proibir

todos os filmes note americanos caso Chaplin levasse adiante seu projeto.

Assim, aconteceram imensas pressões da indústria cinematográfica para que

o Grande Ditador não fosse rodado. Além do interesse da indústria

40

DE CASTRO, 2000. Op. Cit. p. 275. 41

Idem, p. 276.

24

cinematográfica norte-americana no mercado alemão, aponta-se a

conveniência das potências capitalistas liberais diante da ascensão do

fascismo42.

O impasse das filmagens e produção do filme nos permite pensar a influência política

que sofriam as produções culturais, que tinham uma preocupação além da confecção dos

filmes, mas também a mercantilização, reforçando o caráter comercial que a indústria cultural

irá desenvolver nos anos subsequentes. No entanto essa política sofre uma modificação após

a declaração de guerra feita pela Inglaterra à Alemanha.

Com a declaração de guerra pela Inglaterra, a situação tornou-se mais

favorável, ao menos nos Estados Unidos. A United Artists, que até então

pressionara para que Chaplin desistisse do filme, passou a estimular a sua

conclusão o quanto antes43.

E após a declaração de guerra, Hollywood e sua indústria sofreram modificações nos

seus roteiros, personagens e publicações para inserirem-se no coletivo de apoio a guerra.

A necessidade de informar a população sobre as dimensões do conflito,

sobre o “caráter” dos inimigos e os objetivos americanos de defender a

liberdade, passou a ser cuidadosamente planejada nos estúdios. Por sua vez

os documentários também ganharam uma larga importância. Consagrados

diretores americanos como Frank Capra, John Huston. John Ford,

GeogerKukor e muitos outros ingressaram nesse campo. Literalmente

fardados, eles rodaram e, principalmente, realizaram montagens de imagens

assinando filmes informativos e de propaganda. A principal série de filmes

documentais conscientizadores de guerra chamou-se WhyWeFight (Por Que

Combatemos) e foi produzido por uma equipe de diretores comandada por

Frank Capra44.

Além da forte propaganda cinematográfica, os atores também engajavam-se nas

propagandas pró-guerra, muitas vezes se alistando nas forças armadas para incentivar também

a participação de civis no conflito.

Antes da exibição de qualquer filme de ficção se exibiam curtas de

atualidades da guerra, rodados de forma industrial e subvencionados pelo

governo. Esses curtas retratavam desde as mudanças no cotidiano americano,

passando pelas fábricas de armamentos, pelas frentes de combate e pela

ampla cobertura do alistamento voluntário das grandes estrelas de

Hollywood; Clark Gable e James Stewart na aviação, Tyrone Power nos

fuzileiros e, assim por diante, quase todos os artistas importantes ou

secundários como Ronald Reagan, estavam fardados e muitos realmente

42

WEIMER, Rodrigo de Azevedo. O Grande Ditador In: Cinema e Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre,

URGS, 1999. p. 37. 43

WEIMER, 1999. Op. Cit. p. 37. 44

DE CASTRO, Nilo André Pianna. Segunda Guerra Mundial e Cinema In. PADRÓS, H. S.; RIBEIRO Luis

Dário T.; GERTZ, René(org.). Segunda Guerra Mundial, da crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre.

Editora Folha da História. 2000. p. 277.

25

entraram em combate, o que era amplamente divulgado na mídia

americana45.

Esse tipo de publicidade tinha o intuito de mobilizar a população num “esforço

conjunto de guerra”. Não é a toa também que muitas produções que tiveram seus enredos com

o tema de Guerra foram ganhadores de Academy Awards, a exemplo de “Rosa da Esperança”,

“Casablanca”46

.

A temática da guerra incorporou-se em muitas produções culturais, filmes, desenhos

animados, histórias em quadrinhos. Muitos personagens foram criados durante o conflito, que

é o caso do nosso objeto de pesquisa o Capitão América, e outros reelaborados para

“combaterem” os inimigos dos EUA na guerra, a exemplo do Pato Donald, que nos anos 30

era apenas um coadjuvante nas produções do estúdio e durante a guerra protagoniza vários

curtas, chegando a ganhar um Academy Awards em 1943 com “A Face do Fuhrer”47

, como

“Melhor animação”. Outro personagem que ganhou um novo sentido durante a guerra foi

Namor.

O Namor, em especial, aparecia em suas histórias como inimigo dos Estados

Unidos sendo combatido pelo Tocha Humana. Mas, com as ameaças

nazistas, juntaram forças para combater um inimigo comum, mostrando

assim como Inglaterra e a URSS, servindo, de certa forma, como exemplos

para humanidade48.

A Walt Disney World fez inúmeras produções no decorrer do conflito, entre a citada

“A Face do Füher”.A imagem do Pato Donald no início do desenho em um campo, onde

presume-se que seja um quartel alemão, quando o desenho corta para um outro cenário, onde

ele trabalha na indústria armamentista em linha de produção. Na última parte o desenho revela

que Donald apenas estava dormindo e tendo um sonho ruim e logo aparecem referências à

bandeira americana e termina o desenho com ele em posição de sentido e declarando amor aos

EUA.

Uma dura crítica ao que se presumia que acontecia nas fabricas armamentista da

Alemanha nazista, uma espécie de escravismo dos trabalhadores, porém, nos EUA práticas

similares eram aplicadas no intuito de um esforço geral da população em torno da causa de

um bem comum, a luta para defender a nação do inimigo comum, os nazistas.

45

Ibidem, p. 277. 46

É interessante ressaltar que o filme é de 1942 47

VALESCO, Barbara Marcela Reis Marques de. Das Disney's Face Representações do Pato Donald na

Segunda Guerra Mundial (1942-4).Brasília,2009. Disponível em ENDEREÇO DA WEB. Acessado em

25/09/2010. Sem página. 48

OLIVEIRA, Fernando Feitosa de. Representações humanas nas história em quadrinhos do Homem -Aranha.

Rondon 2005. p.12.

26

Outro desenho “Como nasce uma criança nazista”, a mesma linha de pensamento foi

proposta, de propaganda anti-nazista, criticando a educação alemã, num esforço de condenar

as instâncias governamentais e inocentar a população em geral, retirando-a do processo e

legitimando um governo autoritário e sem representação popular.

A Disney pretende com essas produções criar a “face” maléfica do “fuher”, ou seja,

simplificar a estrutura política da Alemanha e seus avanços bélicos imperialistas na figura

caricatura de Hitler e resumindo sua pessoa em um louco, ignorando as relações sociais e o

contexto histórico do país, incluindo o apoio de setores da população civil, como já

mencionamos nas produções filmatográficas feitas na Alemanha nazista.

[...] o verdadeiro perigo que representa para países dependente como o

nosso. A ameaça não é por ser o porta-voz do “american way of life”, o

modo de vida do norte-americano, mas porque representa o “american dream

of life”, o modo por que os EUA se sonham a si mesmo, se redime o modo

por que a metrópole nos exige que representemos nossa própria realidade,

para sua própria salvação49.

A tese de Ariel e Armand sobre a produção dos quadrinhos da Disney é interessante

para pensar esse desenho, já que não é uma reprodução fiel do que se ocorreu na Alemanha

Nazista, mas uma produção com o olhar norte-americana sobre o assunto. Ou seja, o

“american dream of life” que citam os autores, é a expansão das suas produções culturais

como propaganda ideológica dominante.

A indústria cultura de guerra fomentou muitos outros artifícios para juntar aliados em

sua causa.

Não bastando todo esse cuidado para desencadear a mobilização da opinião

pública no interior dos EUA, as produções cinematográficas americanas

serviram como embaixadoras do “Tio Sam” para possíveis aliados, como no

caso a América latina. A política de boa vizinhança, lançada por Roosevelt

no final dos anos trinta e início dos quarenta, contou com larga divulgação

cinematográfica. No caso brasileiro, além de levar Carmem Miranda para

estrelar vários filmes na América do Norte, o Brasil recebeu um

personagem-símbolo concebido pelos estúdios Disney: Zé Carioca (Joe

Carioca), que apareceu dividindo o estrelato com o Pato Donald e outros

personagens em dois filmes Alô Amigos! (Saludos Amigos: 1943 direção

Walt Disney) e Você já foi à Bahia (The Trhee Caballeros: 1945 direção

Normam Ferguson). Ambos os filmes enaltecendo as relações pan-

americanas e homenageando não só no Brasil, mas Argentina, Bolívia,

Chile, Peru, México e Uruguai numa clara utilização do cinema para

interesses dos Estados50.

49

DORFMAN, Ariel. MATTELART, Armand. Para ler o pato Donald: Comunicação de massa e colonialismo.

Tradução por Álvaro de Moya. RJ, Paz e Terra, 1980. p.127. 50

DE CASTRO, 2000. Op. Cit. p. 278.

27

Essas relações desenvolvidas pelos filmes, desenhos animados, histórias em

quadrinhos, humanizam seus personagens a ponto de servirem como “embaixadores da

liberdade” a favor dos interesses dos “irmãos americanos”, no entanto, podemos perceber que

essa preocupação é na verdade uma estratégia para não perderseus aliado sem suas áreas de

influência, mesmo porque, alguns governos da América Latina tinham mais semelhanças com

os governos ligados ao Eixo do que com os Aliados, a exemplo do Brasil.

Com isso, podemos concluir inicialmente que a Segunda Guerra Mundial caracterizou-

se pela nova modalidade, a guerra ideológica. EUA, Inglaterra, França, Japão, URSS,

Alemanha e Itália, mobilizarão não apenas soldados e armas para os conflitos, mas também,

escritores, diretores, atores, personagens de desenhos animados, historias em quadrinhos para

uma batalha que modificou os quadros sociais de uma geração. É nessa perspectiva que

vamos analisar o super-herói Capitão América.

CAPÍTULO 2

Cena 2, tomada 1: Ao abrir as cortinas, apresento-lhes Capitão

América

Do Herói ao Super-Herói

Entre diversos autores que desenvolveram pesquisas sobre historias em quadrinhos,

Nildo Viana, denomina os períodos que caracterizam a história desse gênero em três, sendo a

primeira fase de 1895 a 1928, a época de tiras, é uma seqüência curta de imagens geralmente

diárias publicadas em jornais e periódicos que se inicia com o Yelow Kid, considerado o

primeiro personagem do gênero, caracterizado por personagens como caricaturas, pois não

possuem uma história complexa, são personagens que ilustram uma notícia ou que contém

historias curtas. O segundo período é quando as tiras se transformam em revistas próprias,

semanais ou mensais, nesse período consiste na mudança de conceito nos quadrinhos, ou seja,

os personagens caricaturados da primeira fase, cedem espaço para os gêneros de aventura, os

heróis. Essa fase se inicia 1929 e vai até 1939, que contem personagens como Flash Gordon e

os personagens da Disney, esses personagens ganham suas próprias revistas, além de suas

histórias serem baseada nas aventuras, como por exemplo, aventuras desbravadoras, a

exemplo do Tarzam e Fantasma, esses não possuem super poderes. O último período é

quando entra em cena o gênero de super aventuras de 1939 até os dias de hoje51

, Super-

Homem, Batman e o personagem da nossa “história” Capitão América, suas histórias são

baseado nas super-aventuras de seus personagens, com inimigos superpoderosos, mutantes,

ou aventuras que incube o personagem principal em salvar a terra de alguma ameaça mortal.

Essa demarcação temporal das historietas é ilustrativa, apenas para mostrar os diversos

gêneros que foram produzidos e ainda são encontrados, seja nos jornais, revistas de notícia e

entretenimentos e nas suas próprias revistas em quadrinhos.

51

Essa definição de período foi tirada do livro de Nildo Viana. Heróis e Super-Heróis no mundo dos Quadrinhos.

Rio de Janeiro, Achiamé, 2005.

29

As mudanças de um gênero para outro foram muito significativas para o mundo dos

quadrinhos, em que quase todo assunto foi e são abordados nelas, desde aventuras coloniais

até personagens da vida cotidiana. Assim essas produções se inseriram nas relações sociais

das pessoas e a partir disso começaram a retratar suas vivências.

Nossa pesquisa, entretanto, não tem como objetivo problematizar esses períodos e suas

contradições, entendemos que outros autores já o fizeram com muito mais competência, nossa

pesquisa pretende apenas, entender o Capitão América na relação com seu meio e tempo.

Para isso se faz necessário entender o que difere um Herói de um Super Herói, já que o

Capitão América surge justamente nessa mudança de período onde os heróis cedem espaço

para os super-heróis.

Em sentido amplo o herói é um individuo que possui qualidades

consideradas especiais, tais como habilidades físicas, mentais ou morais. A

coragem é atributo mais característico do herói. A qualificação de herói, no

entanto, não é reservada apenas ao mundo da fantasia, pois ele é aplicável a

indivíduos concretos que se destacam em nossa sociedade. O herói, portanto

possui uma existência real. Ele pode ser transportado para a literatura, as

historias em quadrinhos, cinema, e televisão etc. 52

Já o super-herói é o ser com poderes superiores aos humanos, esses indivíduos

possuem capacidades de força, velocidade, agilidade entre outras superiores aos de um

humano comum. “O que distingue um super-herói de um herói? A primeira resposta, e a mais

simples, é a de que os heróis possuem habilidades excepcionais mais humanamente possíveis

enquanto que o super-herói possuem habilidades sobre-humanas”53

.

O nosso personagem, portanto, caracteriza-se por ser um super-herói, tendo em vista

que possui características super-humanas modificadas através de uma experiência em

laboratório, como mostra a figura número 01.

52

VIANA, Nildo. Heróis e Super-Heróis no mundo dos Quadrinhos. Rio de Janeiro, Achiamé, 2005. p. 37. 53

Idem, p. 38.

30

Figura 01 Capitão América as primeiras Histórias p.12.

1º Quadro, cientista: Hoje esse rapaz alistou-se no exército e

foi recusado pois suas condições físicas! Sua oportunidade de

servir ao país parecia perdida.

2º Quadro, cientista: Mal sabe ele que o soro ejetado em seu

sangue desenvolve rapidamente os tecidos elevando sua

estatura e inteligência a um nível espantoso.

3º Quadro, narrador:As pessoas na sala observação a cena,

espantadas!

3º Quadro, Figurante 1: M.mas v-vejam

3º Quadro, figurante 2: Ele... Está mudando

3º Quadro, Figurante 3: Deu certo, deu certo

4º Quadro, Observem! Eis o coroamento de anos de

trabalho: O primeiro de um exército de super-agentes física

e mentalmente capazes de aterrorizar espiões e sabotadores!

5º Quadro, cientista: Nós o chamaremos de Capitão

América. Filho... Porque assim como você, a América

ganhará força para proteger!

6º Quadro, narrado: Mas, a mão inimiga alcança as fileiras

dos altos oficiais dos EUA: Um deles presentes pertence a

Gestapo de Hitler.

6º Quadro, Espião anônimo 1: Este experimento jamais

chegará ao teste fina.

Os super-poderes do Capitão América tem portanto, uma origem de cunho

tecnológico, já que faz parte de uma experiência com um soro desenvolvido para aumentar as

suas características humanas. Na maioria dos HQs, os super-heróis têm seus DNA

modificados ou por acidentes54

, ou mutações55

, seres divinos ou espaciais56

e os humanos que

utilizam de seu poder aquisitivo ou habilidades intelectuais para desenvolverem armas para se

tornarem super.57

Com isso discordo de Nildo Viana.

[...] podemos distinguir três tipos de super-poderes: o poder tecnológico, o

poder mágico e o poder energético (ou “cósmico”). O poder tecnológico é

uma extensão do corpo humano, é um instrumento (roupa, arma etc) que

permite ao seu portador ultrapassar os limites humanos (voar, lançar raios

etc); o poder mágico se inspira no pensamento religioso e daí que vem o seu

caráter misterioso, inclusive de sua origem; o poder energético é um poder

que extrai da natureza, ou seja, o ser humano (ou qualquer outro ser) se

apossa da energia (cósmica ou qualquer outra) e ela se torna uma parte dele.

A diferença entre poder tecnológico e o poder energético ou mágico se

encontra no fato de que o portador do primeiro depende do seu aparato

54

Meta Humanos, esses acidentes podem ser tanto por explosões nucleares (Hulk) ou por espaciais (Quarteto

Fantástico), ou alguma modificação genética causada por alguma experiência após o nascimento, Capitão

América. 55

Mutantes, essas mutações são causadas no DNA antes do nascimento, um mutante ao contrário de um Meta

humano, já nasce com superpoderes, esses personagens são criados após os anos 60, os X-man. 56

São alienígenas , mitológicos, ou mágicos que se inserem nos universos dos super-heróis a exemplo de Super-

Homem e Mulher Maravilha, respectivamente. 57

Esses são geralmente personagens ricos, a exemplo de Batman, Homem de Ferro, e Arqueiro Verde.

31

tecnológico (Batman depende de sua roupa, cinto, carro etc.; o Homem de

Ferro depende de sua armadura) enquanto que o poder em sua própria

estrutura orgânica. No mundo dos super-heróis, a magia (o sobrenatural) e a

ciência (o tecnológico) se misturam e mantêm suas especificidades.

Entendo que o poder tecnológico não precisa ser necessariamente uma máquina ou um

ser robótico, como já utilizamos como exemplo, o Capitão América, que foi modificado

geneticamente através de um experimento de laboratório, seu poder deriva das pesquisas

tecnológicas desenvolvidas e aplicadas por um cientista.

Outro exemplo é o Sr. Fantástico58

modificado geneticamente através de um acidente

no espaço, apesar de adquirir superpoderes, utiliza de seu intelecto para desenvolver aparelhos

para conter seus inimigos, ou seja o “poder tecnológico” aliado ao “poder energético”.

Também podemos verificar no personagem do X-Men, Wolverine59

que possui uma mutação

genética de nascimento, com alto poder de regeneração e ao utilizar desse poder, um cientista

insere em seu corpo um esqueleto de adamantium60

tornando-o uma arma poderosa, ai vemos

“poder tecnológico” aliado ao “poder genético”.

Portanto, em meu entendimento o poder tecnológico é ligado a qualquer

desenvolvimento de tecnologias que eventualmente derem vantagens aos personagens, seja

elas sobre poderes energéticos ou armas.

Essa análise permite-nos uma questão muito interessante, com o desenvolvimento do

capitalismo, se tende a uma “corrida” por novas tecnologias, em tempos de guerra essa

“corrida” vai passar a ser no campo armamentístico, o Capitão América é um super soldado

que foi modificado geneticamente para combater nos campos da Segunda Guerra. O

Wolverine e o Sr. Fantásticos, surgiram nos anos 60 em plena guerra fria e a corrida

espacial/armamentista, ou seja, o desenvolvimento capitalista, está de maneira intrínseca nos

HQs dos super-heróis.

Nossa pesquisa, pretende verificar essas caraterísticas nos enredos dos HQs do Capitão

América.

58

Líder do Quarteto Fantástico. 59

Personagens do X-Men. 60

Um metal ultra resistente que existe apenas no universo Marvel. O escudo do Capitão América é feito desse

mesmo material.

32

Ao abrir as cortinas, apresento-lhes Capitão América

A história em quadrinhos, “Captain América Comics, editado pela a editora Timely -

antecessora da Marvel. Data de Março de 1941”61

.

O que chama a atenção na primeira edição de Capitão América é justamente o

principal inimigo mostrado nela, Hitler líder alemão e quem faz os ataques a Pearl Harbor são

os japoneses, os quais também são os principais conflitantes no Pacífico pela hegemonia

imperialista antes da declaração de guerra.

A fonte a qual utilizaremos na nossa pesquisa é “Capitão América: As Primeiras

Histórias”, uma edição lançada em 1992, que publica na integra os conteúdos das revistas

Capitão América Comicsnº 1 e nº 2, lançados em 1941. A capa que encaderna as duas

primeiras revistas reeditadas no início dos anos 90 é um recorte da capa do segundo HQ

lançada em Abril de 1941 (ver página 47). Abaixo podemos visualizá-la na figura 02:

Capitão América as primeiras Histórias, Capa.

Não vamos analisar todas as histórias da revista, pois o tempo não nos permitiu,

mesmo assim as histórias analisadas apresentam várias características semelhantes umas das

outras como, os inimigos do Capitão América, que são espiões alemães que tentam sabotar

meios de comunicação, indústrias de guerra, seqüestrar e matar políticos estadunidenses.

61

Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo: Abril, 1992. p. 5.

33

Relacionarei os personagens interligando-os quando achar necessário, já que para as

personagens serem compreendidas necessitam estar no seu espaço social e interagindo com

esse, ou seja, o Capitão América só é o Capitão América, quando interage com seus inimigos,

assim como os seus inimigos só tem sentido de existência quando estão executando suas

“missões”, formando um ciclo social de dependência.

Já nas primeiras páginas do HQ, percebe-se que o Capitão América não surge por

acaso e que representava não apenas mais um herói que foi reelaborado para combater os

nazistas em histórias fictícias, a exemplo de tantos outros que surgiram durante o final dos

anos 30 e que na década de 40, durante a Guerra, apareceram em suas edições com um forte

discurso nacionalista e anti-nazista, a exemplos de Super-Homem, Batman, Mulher

Maravilha, e os já citados anteriormente Namor e o Pato Donald.

O que faz o Capitão América diferente é que ele não é um alienígena com super

poderes (Super-Homem), nem um ser mitológico (Diana princesa amazona, Mulher

Maravilha), um deus marinho (Narmor, que é o senhor de Atlântida) ou um animal (Pato

Donald), e apesar de Bruce Wayne (Batman) ser um humano sem poderes sobrenaturais, ele é

um “playboy” de Gotham City62

que após o assassinato de seus pais, herda uma imensa

fortuna, com esse dinheiro ele constrói seus equipamentos. Portanto esses outros personagens

possuem pouca identificação com a maioria da população estadunidense da época e muito

menos com os soldados que lutavam durante a guerra, ou seja, contrário dessas outros

personagens Steve Rogers é um cidadão comum.

A diferencia de Steve Rogers, o Alter Ego63

do Capitão América, das outras

personagens é, portanto sua história antes de ser tornar um super-herói. “Hoje, esse rapaz

alistou-se no exército e foi recusado por suas condições físicas sua oportunidade de servir ao

país parecia perdida”64

, o que seria um personagem perfeito para incentivar não só as tropas

americanas, como vários outros jovens a se alistarem.

[...] o Capitão América era um panfleto e havia público para ele. Um público

que foi com o Capitão América para as trincheiras, quando sua tiragem foi

toda comprada pelo governo estadunidense e distribuída entre seus “soldados

franzinos”. Jovens que se alistaram no exército estadunidense e que viam na

62

Gotham City, cidade fictícia a qual reside o herói Batman. 63

Alter ego ou alterego (do latim alter = outroego = eu) pode ser entendido literalmente como outro eu, outra

personalidade de uma mesma pessoa. O termo é comumente utilizado em análises literárias para indicar uma

identidade secreta de algum personagem ou para identificar um personagem como sendo a expressão da

personalidade do próprio autor de forma geralmente não declarada. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Alterego. Acessado em 02.11.09. 64

Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo: Abril, 1992. p. 12.

34

personagem, a inspiração para que pudessem manter o seu ideal enquanto

combatentes da guerra65.

O Capitão América, assim como outros personagens da época,irão servir de

propaganda, vão se alistar e combater o inimigo, como vimos no primeiro capítulo, o

alistamento de estrelas de Hollywood e de personagens famosos de filmes e desenhos. Essa

indústria cultural vai utilizar-se dessas artimanhas para incentivar não só o alistamento de

combatentes como também aumentar os investimento para a indústria de guerra.

Luciana Zamprogne Chagas, no artigo “Capitão América: interpretações sócio-

antropológicas de um super-herói de histórias em quadrinhos”,faz uma análise da

personagem, e percebe alguns elementos significativos que aparecem no Capitão América.

Em seu primeiro número existem diversos elementos que vão dando a característica desse

personagem e de sua proposta. Chagas também faz uma analise bastante detalhada da

primeira capa do Capitão América (figura 03), e mostra várias possibilidades de se pensá-la.

Capitão América as primeiras Histórias, capa original da

primeira revista do Capitão América de 1941.

65

CHAGAS, Luciana Z. Capitão América: interpretações sócio-antropológicas de um super-herói de histórias

em quadrinhos. In: SINAIS - Revista Eletrônica. Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, v.1, n3. p.140.

35

Essa capa também nos mostrar alguns elementos, que vão identificar qual é a missão

do Capitão América.

Como já dito anteriormente, a Capa da revista #1 do Capitão América –

também sua primeira aparição – é emblemática: nada menos do que o super-

herói socando Hitler. Além disso, existem na capa, diversos detalhes que

compõe um visual declaradamente hostil aos nazistas. É importante pensar,

também, no impacto visual que essa capa trouxe a quem a leu em 1941 e a

quem lê agora. Confeccionada com o intuito de fortificar o sentimento

patriota e nacionalista nos soldados e cidadãos estadunidenses, ela tenta

demonstrar algo como a Alemanha nazista, e conta com uma grande

bandeira do partido ao fundo, e diversas outras suásticas espalhadas pela

cena. Outro ponto interessante é que enquanto o Capitão América soca o

“Fuehrer”, três soldados ao fundo, de hierarquias diferentes dentro do

exército alemão, tentam matá-lo a tiros. É como se o Capitão América

estivesse lutando não só contra aquelas pessoas que ali estavam, mas contra

toda a Alemanha nazista. Outra figura que destoa é, ao fundo, um homem

com fones de ouvidos olhando para uma televisão enorme, cuja tela contém

um homem de terno e chapéu – possível espião nazista – acionando um

dispositivo de dinamite e uma grande explosão, de algum prédio, onde está

escrito “Fábrica de equipamentos de Guerra” um trocadilho, pois em inglês

essa frase “U.S. Munitions Works” também poderia ser identificada como

“as armas dos Estados Unidos funcionam”. Outro ponto que vale ser

ressaltado é uma janela que se encontra na margem direita da composição,

cujas grades estão tortas e quebradas, o que nos leva a entender que foi por

esse espaço que o Capitão América entrou, sozinho, no Quartel General de

Hitler. Ainda na capa, no primeiro plano da figura, existe uma mesa, com um

mapa dos Estados Unidos e uma folha rosa embaixo, onde se podem ler

algumas letras das palavras que nos levam a frase: “planos de sabotagem

para os Estados Unidos”. Atrelando isso à frase anterior, de que as “armas

dos Estados Unidos funcionam”, e a toda composição da figura percebe-se a

mensagem que se passa: o inimigo é fraco, pois precisa traçar planos de

sabotagem e espionagem, todo o exército luta contra apenas um soldado

estadunidense. Em contrapartida, a superpotência de guerra “Yanke”,

simbolizada na figura de um super soldado66

.

Apesar da autora apenas analisar detalhadamente a capa da primeira edição de 1941 e

uma parte da história, “O Nascimento da Sentinela da Liberdade”, que é prelúdio das demais

histórias contidas na revista, suas indicações são ricas para analisar as demais histórias que

fazem parte da nossa pesquisa.

O Governo aprova um projeto secreto para criar um exército de super-

soldados. Steve Rogers foi o primeiro voluntário. O professor maluco de

nome “Reinstein” injeta em Rogers um líquido especial e o transforma em

um super-soldado, nomeando-o: “nós devemos chamá-lo de Capitão

América filho! Porque, como você, a América deverá ganhar a força e a

coragem para guardar nossas fronteiras!" (Captain América #1, 1941). Logo

66

CHAGAS, Luciana Z. Capitão América: interpretações sócio-antropológicas de um super-herói de histórias

em quadrinhos. In: SINAIS - Revista Eletrônica. Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, v.1, n3. p.144.

36

em seguida, um nazista espião mata o professor e a fórmula morre com ele,

deixando o Capitão América só na tarefa de sentinela das fronteiras67.

Primeiramente o termo “O professor maluco” usado pela autora é um termo pejorativo

e que em minha analise não procede na característica do personagem. Ele faz parte de uma

sequencia de cenas que iniciam na representação do presidente dos EUA que ironicamente

diz em uma frase “O que sugerem cavalheiros? Um personagem de quadrinhos? Talvez o

Tocha Humana no exército resolvesse nosso problema!”. Essa afirmação mostra que a

intenção do documento é criar uma espécie de realidade dos ataques, ou seja, o HQ passa a

representar um ataque eminente. Em seguida descreve uma experiência ultra-secreta que

envolveria o desenvolvimento de uma arma secreta. Essa arma secreta é o Capitão América,

Rogers é tratado com um ser existente no mundo real, por isso das suas caraterísticas, ele

pode ser confundido facilmente com qualquer jovem e é essa a aparência do Capitão que o

HQ vai procurar frisar no seu decorrer.

Quando o Dr. Reinstein aparece não tem uma fisionomia de louco, pelo contrário sua

semiótica representa um cientista preocupado com a “arma” que está desenvolvendo, em

nenhum momento sua fala trás expressões de “cientista maluco”, ou a conotação dos seus

traços.

Outro elemento que aparece nesse prelúdio, que estará muito presente nas demais

historias da revista são as sabotagens dos espiões nazistas que se articulam para atacar os

EUA, e o Capitão América sempre estará como um “Sentinela” para salvaguardar as

fronteiras do país. Já que o desfecho dessa cena é a morte do Dr. Reinsteinpor um espião

nazista.

Esse prelúdio contém em seu final uma propaganda, como podemos verificar na figura

04:

67

CHAGAS, Luciana Z. Capitão América: interpretações sócio-antropológicas de um super-herói de histórias

em quadrinhos. In: SINAIS - Revista Eletrônica. Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, v.1, n3. p.140.

37

Figura 04 Capitão América as primeiras Histórias p.15.

Em meia página e num quadrinho inteiro, tem a seguinte descrição em preto e amarelo

num fundo rosa. “Veja como você pode se tornar membro das Sentinelas da Liberdade do

Capitão América e Unir-se ao grande herói em sua guerra contra os espiões e inimigos que

ameaçam a nossa independência...”68

. Ao lado, outro letreiro em forma de círculo, de cor roxa

escrito em cores verde amarela e preta. “Envie 10 cents à TinelyPublication para custo de

correio e receba um distintivo oficial e cartão de membro”69

. Embaixo desses dois letreiros

um desenho que supostamente seria o distintivo dos sentinelas da liberdade, é uma miniatura

do escudo do Capitão América, que até então era triangular, no escudo ao centro superior uma

imagem do rosto do Capitão América, do lado direito à imagem do Bucky e do seu lado

esquerdo a imagem do rosto da Betty Ross70

, o escudo tem sua parte superior com a estampa

dos rostos dos heróis, e na parte inferior as cores e listras da bandeira estadunidense com os

dizeres Sentinela da liberdade e um lugar para um número, que seria para identificar o número

da inscrição desse possível ajudante do Capitão América. Também há uma ilustração do que

seria o cartão de membro das Sentinelas da liberdade, “Membros dos Sentinelas da Liberdade.

“Juro solenemente apoiar os princípios dos Sentinelas da Liberdade e ajudar o Capitão

América em seu combate contra espiões nos EUA”71

. Essa parte da revista nos mostra a

intenção da editora em semear o ideal patriótico e como os leitores do HQ, deveriam se portar

68

Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo: Abril, 1992. p. 15. 69

Ibidem, p. 15. 70

Investigadora do governo americano que aparece eventualmente nas aventuras do Capitão América. 71

Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo: Abril, 1992. p.5.

38

diante essa ameaça, essa representação mostra que a revista tende a unificar os leitores

entorno de um inimigo comum, os nazistas. A revista tem a intenção de semeando a ideia de

que Hitler e seus aliados ganhando a guerra e ameaçarem a posição política de influências dos

EUA, sua liberdade e transformariam a “democracia americana” numa ditadura comandado

por um louco. A pergunta que nos suje é: Através do HQ é possível entender se esse conflito era

baseado em questões políticas entre dois inimigos com ideologias diferentes ou se eram por interesses

comerciais divergentes?

Essa página aliada à introdução da revista pode nos dar uma ideia da intenção dessas histórias.

O perfil recomendado pelo editor aos criadores era o de um tipo não muito

agressivo, que usasse a violência como último recurso, mas que fosse capaz

de abrir caminho até o líder nazista com seus próprios punhos. Por isso sua

única arma é o escudo, instrumento mais identificado com a defesa do que

com o ataque72.

A primeira ideia que temos é: Os criadores desse HQ deveriam desenhar um super-

herói que tivesse identificação com a grande maioria dos cidadãos estadunidenses em idade

para combate. A segunda é que as historias teriam em seu enredo sabotagens feitas por esses

espiões para que os mesmos cidadãos tomassem partido contra um inimigo comum, os

nazistas.

Considerando que em tempos de guerra o contingente das forças armadas tende a

aumentar, o HQ serve de “incentivo” para os jovens se alistarem, ao verem seu país sendo

“atacado” e seus direitos em risco. Os temas de liberdade e manutenção da democracia vão

estar presentes nos discursos das personagens no decorrer do HQ.

Com exceção de Hitler todos os inimigos mostrados nessas revistas, são personagens

fictícios, e que em sua maioria, como já citamos anteriormente, articulam seus planos de

espionagens e sabotagem todos nos EUA.

Na primeira história já podemos perceber que essa onda de sabotagens tem um cunho

propagandista. Na primeira página aparecem os dois vilões dessa história, Sando aparece no

canto esquerdo superior e Omar logo em baixo dele, deixando a entender que Sando manipula

as ações de Omar. No meio da página um navio do exército estadunidense sendo afundado e

logo embaixo uma fabrica de munições explodindo, ambas as imagens simbolizando

sabotagens, já que não mostram nenhum sinal de ataques inimigos. No canto superior direito

aparece a imagens do Capitão América em movimento, dando a impressão de que ele está

correndo para lutar contra esses vilões. Na parte de baixo, do lado esquerdo, aparece um casal

72

ALENCAR, Marcelo. Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo: Abril, 1992. p. 5.

39

visualizando o nada, com a impressão de que elas estivessem assistindo a um show, em nossa

interpretação essa imagem é proposital, pois essa história tem como ponto principal um show

de previsões do futuro realizado por Sando e Omar. Na lateral inferior direita aparece Bucky a

frente da bandeira dos EUA e uma tarjeta, como se um narrador declamasse, apresenta os

seguintes dizeres: “Que ligação havia entre a onda de sabotagens as industrias de defesa

Americanas e o estranho homenzinho que conseguia prever o futuro? Só o Capitão América

poderá resolver esse enigma”73

Essa mesma imagem Bucky através de um Balloon74

exclama

os seguintes dizeres: “ É o Capitão e eu contra os inimigos da liberdade”.75

Como podemos

observar na imagem nº 05.

Figura 05 Capitão América as primeiras Histórias.p.16.

O contexto dessa história gira em torno de Sando e Omar, ambos realizam shows

lotados em que Omar faz previsões de ataques a bases militares, monumentos, pontes, etc,

desconfiados, pois em um jornal há uma notícia de mais uma explosão ocorrida numa

instalação do exército, o Forte Bix, Steven Rogers e Bucky, vão assistir ao um show, e

quando Omar faz uma previsão sobre a queda de uma ponte onde poderia ferir vários civis,

73

Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo: Abril, 1992. p. 16. 74

É uma “semântica” característica das revistas em quadrinhos “Elemento fundamental dessa semântica é, antes

de mais nada, o signo convencional da “nuvenzinha” (que é precisamente a “fumacinha”, o „ectoplasma‟, o

“balloon”) o qual, se traçado segundo algumas conversações, terminando numa lâmina que indica o rosto do

falante, significa “discurso expresso.” ECO, Umberto. “Leitura de „Steve Canyon‟”. In. Apocalípticos e

Integrados. São Paulo: Perspectiva S.A., 2001. p.145. 75

Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo: Abril, 1992. p. 16.

40

Steve Rogers se transforma em Capitão América e vai até a ponte onde ele não consegue

evitar a tragédia, no entanto ele decide voltar para descobrir como Omar realiza essas

previsões, ao chegar ao teatro invadem o palco e Capitão América, pergunta ao Sando: “ Eu

faço as perguntas! Como os dois sabiam que a ponte iria cair? Fale!”, Capitão América acerta

um soco em Sando e diz “Desculpe Sando, mais você não vai escapar”, ao ouvir um grito de

mulher, anunciado por uma tarjeta no canto do quadrante76

, o Capitão América se dirige aos

bastidores do show e descobre que na verdade Sando é Von Krantz um agente alemão e que

Omar é apenas um fantoche e as previsões na verdade são distrações para outros agentes

nazistas fazerem as sabotagens e que ele também mantém uma repórter como prisioneira, é a

primeira aparição de Bety Ross. Após Von Krantz contar seus planos de sabotar o país,

Capitão América e Bucky entram em combate corporal, derrotando assim os seus inimigos.

Na história seguinte “O Tabuleiro de Xadrez”, aparece dois vilões, um uma caveira, e

o outro uma pessoa, um agente nazista chamado “Rathcone” jogando xadrez, as peças desse

jogo representam agentes do governo estadunidenses que vão ser mortos durante o decorrer da

história, além dos personagens Capitão América e Bucky. Aparece o Capitão América ao

fundo da imagem na posição agachada, dando a impressão que ele está chegando devagar,

espionando o jogo dos dois outros personagens. Essa cena se passa em um esconderijo

subterrâneo e ao fundo desse esconderijo pode se ver uma bandeira com a suástica, como o

próprio HQ informa “numa parte oculta da cidade” como o visto na figura 06:

76

Iconografia típica dos quadrinhos, quadrante é o quadrinho, o lugar onde a cena acontece.

41

Figura 06. Capitão América as primeiras Histórias. p. 23.

A caveira dessa capa não representa nenhum personagem que tenha relação com a

história, mas sim o espectro da morte, tendo em vista, que logo embaixo aparece o mesmo

personagem humano, Rathcone jogando xadrez sozinho, outro elemento que nos faz imaginar

essa representação da caveira como símbolo da morte é que as pessoas mortas durante o

decorrer da história são assim escolhidas conforme o personagem manipula as peças do

tabuleiro. Como vemos nas próximas páginas na figura 07. O personagem Rathcone

manipulando uma peça que tem as características físicas do Almirante Perkins, ele emite uma

ordem aos seus capangas e eles executaram o plano que é matar o Almirante. Em um outro

quadrinho inferior aparece Steve Rogers dizendo ao Bucky referindo-se ao Almirante como

um dos “maiores líderes” que eles têm.

42

Figura 07 Capitão América as primeiras Histórias p.24.

1º Quadrante, Rathcone: Você é um homem importante

almirante... Importante de mais pra minha causa! É pena deixar

seus amigos subitamente!

2º Quadrante, Rathcone: Apesar de ser um homem forte, sou

superior a você! Não falara hoje pois o estou removendo do jogo!

O almirante Perkins Morrerá esta noite!

3º Quadrante, Narrador: Numa sala vizinha agentesestrangeirso

ouvem atentamente um receptor de ondas curtas.

3º Quadrante, espião anônimo 2: Parkin Morrerá essa noite.

4º Quadrante, espião anônimo 2: Número 15 e 3... Ao trabalho

4º Quadrante , espião anônimo 3: Iá, HerrKámelon! Mas porque

nucnavemosRathcone?

5º Quadrante, espião anônimo 2: Vocês não vêem agora... Mas o

tempo virá quando toda a América se curvará ante ele... Ante

fuehrer do novo Reich

6º Quadrante, narrador; Hora da palestra... E figuras militares

se reunem para a sessão.

7º Quadrante Bucky: Ah... Eu nunca gostei dessas reuniões!

7º Quadrante Steve Rogers: Ora Bucky... Isso não é jeito de

falar! O Alm. Perkins é um dos nosso maiores lideres!

Aprenderemos muito com ele!

8º Quadrante, Bucky: Mas eu quero sair e caçar bandidos...

8º Quadrante, Steve Rogers Shh! O almirante já está chegando!

Na próxima página a qual podemos observar na figura 08 o Almirante aparece morto,

personagens figurantes77

dizendo “Alguém pegue o assassino Sujo” ou “linchem ele...

Linchem”, Esse ultimo “linchem” em negrito o que característica na simbiótica dos

quadrinhos uma ênfase na palavra, caracterizando ferocidade na entonação. Nessa página

ainda Bucky e Steve Rogers iniciam uma perseguição aos suspeitos de assassinato, no entanto

Steve Rogersdiz “Esse é um problema da América! Vamos ver o que o Capitão fará”, logo

aparecem o Capitão América e Bucky com os uniformes de combate.

77

Vamos usar o conceito de figurantes para determinar personagens que não têm nome no decorrer dos

quadrinhos, são personagens que exercem participação, mas apenas em determinadas cenas, ou seja, personagens

figurativos.

43

Figura 08 Capitão América as primeiras Histórias p.25.

1º Quadrante, personagem anônimo 2 : O almirante está

esquisito!

1º Quadrante, personagem anônimo 3: Parece que algo terrível

aconteceu!

2º Quarante, personagem anônimo 4: Ele está morto!

3º Quadrante, narrador: Em poucos momentos o auditório é

tomado por um caos de homens furiosos!

3º Quadrante, personagem anônimo 5: Alguém pegum o

assassino sujo!

3º Quadrante, personagem anônimo 6: Lichem ele... Lichem!

4º Quadrante, Steve Rogers; Vamos Bucky! O criminoso não

esperará por aqui!

5º Quadrante, Bucky: Lá está ele... Fugindo!

5º Quadrante, Steve Rogers Este é um problema da América!

Vejamos o que o Capitão fará.

6º Quadrante, Narrador: Com uma troca-relâmpago, o recruta

Rogers torna-se o terror dos espiões e bandidos... O Capitão

América!

6º Quadrante, Capitão América: pronto garoto? Vamos lá!

6º Quadrante, Bucky: UAU!

7º Quadrante, Capitão América: Acha que pode dar conta do

Recado Bucky?

7º Quadrante, Bucky: Claro que posso! O que você acha que eu

sou... Um bebê?

No decorrer dessa história aparecem inúmeros combates corpo a corpo entre o Capitão

América, Bucky e seus inimigos, vários desses combates têm como cenários vielas escuras e

seus inimigos sempre retratados como traiçoeiros. Ao vermos na figura 09 um desses combates

Bucky enfrenta um inimigo, em um dos quadrinhos o seu oponente diz “Duas mortes em uma

noite! Ah! Serei condecorado por isso!”.

Figura 09 Capitão América as primeiras Histórias.p. 26.

44

Essa frase da personagem dá a entender que a condecoração na Alemanha nazista não

é feita por feitos heróicos, como salvar vidas, ou evitar desastres, mas sim por assassinar

inimigos, agir de modo anti-heróio, ou seja, ele vai contra a ética e a moral do herói, feito esse

que justifica sua morte no próximo quadrante.

A próxima página tem como desfecho desse cenário o Capitão América salvando

Bucky e rende seu inimigo, após essa luta corporal e a imobilização de seu oponente, Capitão

América tenta retirar informações do espião, mas ele não entrega seu líder, o Capitão então

utiliza de tortura para retirar informações, no entanto quando o oponente decide cooperar com

o Capitão, entra em cena uma mão com um revolver ocultando, um personagem a qual efetua

os tiros, assim o primeiro figurante é morto, essa cena é totalmente justificada, já que vimos

anteriormente que esse sujeito não possui uma “boa índole”, logo as ações do Capitão que é

torturá-lo são plenamente justificadas. O figurante oculto foge enquanto que o Capitão diz:

“Morto por um dos seus próprios homens! Lá vão eles Bucky! Corra”. Nessa próxima fala do

Capitão ele se exime da culpa, já que os próprio companheiros dele o matam, O Capitão não

suja suas mãos ao mata-lo, mas não sente culpa ou remorso, pois a maldade deve ser punida.

O sujeito foge, e, portanto Capitão América e Bucky voltam para seus disfarces no quartel.

Figura 10 Capitão América as primeiras Histórias p.27.

1º Quadrante, Capitão América: Ai vai uma medalha que você

não poderá usar.

2º Quadrante, Capitão América: Se você gosta de viver...

Comece a falar! E depressa!

2º Quadrante, Espião 3: Nós nunca falamos.

3º Quadrante, Capitão América: Não é uma pena? Isso pede um

pequeno aperto de garganta!

3º Quadrante, espião 3: Não... Não! AG-GH! Eu... Eu falo!

4º Quadrante, narrador: Súbito, o rugido de uma pistola corta o

ar silencioso da noite.

5º Quadrante narrador: O Agente Nazista cai morto, quando o

Capitão América repele outras balas!

6º Quadrante, Bucky: O que estamos esperando?

6º Quadrante, Capitão América: Morto por seus prórpios

homens! Lá vão eles Bucky! Corra!!!

7º Quadrante, Bucky tarde de mais... Nunca s pegaremos!

8º Quadrante, Capitão América: A única coisa a fazer é voltar

ao campo como recruta Rogers e mascote Bucky! Vamos,

garoto!

A página seguinte mostra mais uma movimentação do Rathcone em seu tabuleiro,

dessa vez a vítima é um general. Ele passa a ordem mais uma vez e seus capangas vão atrás

45

de executar o serviço. Nos quadros abaixo aparece o recruta78

Steve Rogers recebe ordens para

servir de sentinela na barraca do General, mas ao chegar nela encontra o general morto.

Figura 11 Capitão América as primeiras Histórias p.28.

1º Quadrante , narrador: Nisso de volta ao esconderijo de Rathcone...

E ao tabuleiro de Xadres.

1º Quadrante, Rathcone: Um gênio militar a menos para bloquear

caminho à ditadura! Neste ritimo, governarei até minha pátria!

2º Quadrante, Rathcone: Hmmm... Deixa ver... Tomarei o general

Ellsworth !ele também deve ser removido! O General Ellsworth

morrera essa noite!

3º Quadrante, Rathcone: O general morrerá está noite!

4º Quadrante, espião 2: Herr estrangulador... Ou melhor número 13

chegou sua hora de servir à nossa pátria !

4º Quadrante, Herr: Eu irr dar tratamentaezpecial a chegenral!

5º Quadrante, narrador: Num campo do exército...

6º Quadrante, Sargento: Bela noite, você não acha, Rogers?

6º Quadrante, Steve Rogers: Podia ser pior!

7º Quadrante, Sargento: E vai ser, você montará guarda na tenta do

General Ellswoworth! Mexa-se!

8º Quadrante, Steve Rogers: Engraçado... Só porque Ellsoworth vem

aqui para inspeção, eles põem um sentinela lá na porta!

8º Quaddrante, Bucky: Vai ver ele é sonâmbulo!

9º Quadrante, Bucky: Parece que o general teve um dia duro!

9º Quadrante, Steve Rogers: É vamos dizer que estamos de serviço!

Interessante nessa página é ver Rathcone mencionar que a morte do general será mais

um elemento fora de seus planos, cujo fim é transformar os EUA em uma ditadura. Ele se

sente vitorioso, pois se seus planos de conquistar os EUA dessem certo, logo conquistaria

grande prestigio. A importância de se conquistar um território como o dos EUA, o

credenciaria inclusive para governar o seu país de origem.

Esse quadrante apresenta mais uma vez a falta de escrúpulos entre os espiões nazistas,

acentua que os mesmos almejam o poder para benefício próprio. Com essa representação o

autor contrapõe os dois modelos, o de “democracia” dos EUA e o de “ditadura” na Alemanha,

assim demonstra para o leitor a necessidade de combater esses espiões para garantir a

democracia.

78

Já mencionamos que o recruta Steve Rogers é alter Ego do Capitão América, portanto seu papel nas aventuras

do Capitão América é totalmente o contrário do Herói, é um sujeito submisso e atrapalhado, como vamos ver no

decorrer da análise.

46

Figura 12 Capitão América as primeiras Histórias p. 28.

O desfecho dessa história é o Capitão América descobrindo o esconderijo de Rathcone e

também a descoberta de plantas de centros industriais e militares nesse esconderijo, no entanto em

combate o Capitão América prende os seus inimigos e calmamente chama os policiais, abandonando o

cenário e deixando a prisão para os “homens da lei”, observamos a figura nº 13.

Figura 13 Capitão América as primeiras Histórias p. 38.

1º Quadrante, Bucky: O que acha? Ele queria tomar o país!

1º Quadrante, Capitão América: Hmm... As localizações dos

centros industriais das Américas do Norte e do Sul!

2º Quadrante, Capitão América: Vamos deixar tudo aqui e chamar

o F.B.I! É hora de irmos embora!

3º Quadrante, Capitão América: Sim... Nós pegamos Rathcone e

seu grupo de espiões! Eles vão esperar... Estão dormindo!

4º Quadrante, Narrador: Com o dever cumprido os heróis

desaparecem na escuridão!

5º Quadrante, manchete de um jornal: Sabotadores presos em

batida: Pouco se sabe do misterioso Capitão América que subjugou

a quadrilha inteira com a ajuda de um companheiro adolescente.

6º Quadrante, Steve Rogers: Vista seu uniforme de gala, Bucky! O

major Fields quer que vejamosoutra palestra!

6º Quadrante, Bucky: Que?

7º Quadrante, narrador: No quartel general...

7º Quadrante, Major Fiels: É só o que eu queria ler, Rogers... Prá

mostrar do que o exército precisa! Gostaria de saber quem é esse o

Capitão América...

A última história desse primeiro bloco traz o personagem mais significativo das histórias em

quadrinhos do Capitão América, depois de Hitler, o Caveira Vermelha:

47

Figura 14 Capitão América as primeiras Histórias p. 39.

Essa história é sua primeira aparição, e apesar dele ter em seu uniforme um símbolo da

suástica, sua principal característica é o vermelho em seu nome e em sua aparência. Nossa

interpretação é que essa seja uma alusão ao comunismo e a União Soviética, tendo em vista

que nesse período a União Soviética ainda mantinha o pacto nazi-soviético, portanto, a leitura

que temos é que o autor via a União Soviética e a Alemanha como países onde não havia

liberdade e por isso estariam do mesmo lado.

O Caveira Vermelha assim como Rathcone, têm pretensões de tomar o governo

estadunidense e transformá-lo numa extensão do Reich, como podemos ver os planos dele na

figura 15:

Figura 15 Capitão América as primeiras Histórias p.42.

1º Quadrante, Caveira Vermelha: Como vocês sabem, o maior

problema para se derrubar um governo é dinheiro!

1º Quadrante espião anônimo 6: Yeah

2º Quadrante, Caveira Vermelha: Enquanto cuido de oficiais militares,

quero que vocês saqueiem o Banco Nacional! Se falharem, morrerão!

Esse quadrante é muito interessante na medida que ele ataca o capital finânciero dos

EUA, ou seja, roubar o dinheiro do “Banco Central”. O Caveira Vermelha além de derrubar o

governo dos EUA, quer saqueá-lo eliminar suas reservas, o “seu rico” dinheiro.

Outra semelhança com Rathcone é que o Caveira Vermelha mata elementos do alto

comando dos EUA, no entanto ele o faz com um tipo de veneno, o Caveira Vermelha na

48

verdade é um homem com uma máscara, essa por sua vez serve de elemento para assustar

suas vítimas com a distração o Caveira injeta o veneno nas vitimas, como podemos observar

na figura 16:

Figura 16 Capitão América as primeiras Histórias p. 51.

1º Quadrante, Capitão América: Faz muito sentido Bucky! Este é o

olhar da morte do Caveira Vermelha!

1º Quadrante, Bucky: Não peguei!

2º Quadrante, Capitão América; O truque era deixar as vítimas

apavoradase então enjeta nelas este veneno, fazendo parecer que seu

olhar as matou!

2º Quadrante, Caveira Vermelha: E daí?

3º Quadrante, Capitão América: Você é só um assassino Caveira... Ou

...Maxon! A queda do avião também foi obra sua! Mas você jamais

derrubará esse país.

4º Quadrante, narrador: O vilão tenta pegar sua arma, e...

4º Quadrante, Caveira Vermelha: Eu ainda não estou vencido!

4º Quadrante, Bucky: Nada Disso!

5º Quadrante, Bucky: Não pode ficar com a prova da acusação!

Na última cena Bucky tenta impedir que o Caveira Vermelha mexa na prova,

mostrando que o personagem tem uma ligação com a legalidade, “Não pode ficar com a prova

da acusação” ou seja ele tem a intenção de que ele seja “julgado”.

Essa página também nos traz uma informação até então desconhecida sobre a

personalidade do Capitão América, ele deixa o Caveira Vermelha morrer, Buck pede alguma

explicação, entretanto o Capitão América se nega a falar do acontecido. O herói, não pode

sujar suas mãos para matar um inimigo, por mais perigoso e mal caráter que seja, no entanto

ao deixar o Caveira Vermelha morrer, o Capitão América se exume da responsabilidade, não

há a necessidade de explicar o porque deixou ele morrer. Os atos do Caveira Vermelha

justificam o silêncio do Capitão América.

49

Figura 17 Capitão América as primeiras Histórias p.51.

1º Quadrante, Bucky: Seu idiota! Rolou sobre a siringa!

1º Quadrante, Caveira Vermelha: UGH!

2º Quadrante, Bucky: Mas você viu tudo, por que não impediu que ele se

matasse?

2º Quadrante, Capitão América: Não quero falar nisso!

Não há conflito entre Bucky e Capitão América, mesmo intrigado com o ato de seu

“herói” e parceiro, ele aceita a não explicação.

Essa representação nos da um indicio de como o soldado deve se comportar no campo

de batalha. O soldado ao defender seu país pode atacar e matar os soldados inimigos, pois a

justificativa é de que os soldados nazista são maus e estão querendo dominá-los.

Figura 18 Capitão América as primeiras Histórias p.52.

1º Quadrante, bilhete: Quando os EUA forrem parte do grande

Reich, o posto de ministro de toda a indústria americana será a

recompensa por seu excelente trabalho de espionagem. O Füeher!

2º Quadrante, narrador: Assim termina a carreira sangrenta de

GerogeMaxon... O Caveira Vermelha!

3º Quadrante, narrador: De volta ao capo... Steve Rogers e Bucky

descansam em sua barraca.

4º Quadrante, narrador: Mas o trabalho do Capitão América

nunca termina, pois é preciso combater os inimigos do país.

Aguardem o próximo número.

O Desfecho dessa história mostra o apresso que o Caveira Vermelha teria no Reich.

Essa é mais representação da insistência de que os espiões do Reich estariam invadindo os

EUA.

Esses quadrantes nos mostram que o autor tenta indicar que os Nazistas, não têm como

preocupação atacar e conquistar territórios na Europa, mas sim avançar e acabar com a

“Democracia” nos EUA, assim tendo que todos deverão ficar em alertar para identificar o

inimigo. A carta assinada pelo Füeher é um indicio do exemplo que vimos no primeiro

capítulo, os EUA, assim como a Itália e Alemanha, vai criar um “inimigo interno”, isso

permite os EUA utilizar do seu jargão de “atacar para se defender”. Esse é o incentivo que

mencionamos anteriormente, o incentivo para cada estadunidense se unir e lutar contra o

inimigo.

50

No segundo e último bloco do nosso recorte separamos apenas a historia em que

aparece Hitler, essa história contem algumas características diferentes das outras, primeiro

aparece um personagem real nos quadrinhos, Hitler, segundo é a primeira história que ocorre

longe do território dos EUA.

Figura 19 Capitão América as primeiras Histórias p. 69.

Dividimos a capa da historieta em duas partes para podemos analisá-las melhor, a

primeira parte mostra Capitão América empurrando Hitler, Bucky faz uma espécie de “cama

de gato” fazendo o ditador cair em uma lata de lixo, essa imagem tem o intuito de

desmoralizar o líder alemão, numa alusão à frase “lixo no lixo”. O Capitão América está

numa “fortaleza nazista” como podemos observar na cena acima. Nessa cena há três soldados

nazistas, um deles atirando diretamente no Capitão, no alto de um pilar aparece outro soldado

mirando uma metralhadora para o “herói” e o terceiro apenas parado olhando para o

personagem, também nesse local, contém uma suástica pendurada na parede, ao que parece é

uma caverna, indicando como vimos na primeira capa, o Capitão América indo de encontro

com Hitler e combatendo com seus próprios punhos o inimigo. Nessa historieta o Capitão

América invade a Alemanha, em nossa analise essa é a única utilizada que passa fora dos

EUA, o que mostra uma nova fase da ação dos EUA, a qual ele não pode ficar apenas na

defensiva esperando o inimigo, mas ele foi para o ataque no território inimigo.

51

Figura 20 Capitão América as primeiras Histórias p.69.

A segunda metade da capa traz um discurso de dois personagens, o primeiro é um

figurante que inicia seu discurso chamando as democracias a se unirem em torno da

Inglaterra, e o segundo é Henry Baldwin, é em torno desse segundo personagem que a história

vai se desenvolvendo. Ele diz “Sou firme defensor das democracias! Darei o que tenho para

derrotar nossos inimigos”, o primeiro elemento que nos aparece é que oficialmente o EUA

não está na guerra e isso é representado nos HQ, entretanto, deveria haver um apoio contra o

Reich e para isso o autor utiliza mais uma vez do embate “Democracia versus Ditadura”,

também utiliza da semântica própria dos meios de comunicação impressos de dar ênfase na

frase através do negrito, essa frase tem como intuito que todo cidadão deveria depositar em

seu país a esperança da vitória, assim deveria abrir mão de seus bens para que permanecessem

livres.

Vimos no primeiro capítulo que a Disney ao produzir o “Espírito de 43” tenta

construir a idéia de que a guerra também é de cada cidadão e que ele deve pagar seus

impostos em dia, dessa maneira fica implícito a necessidade de se arrecadar dinheiro para o

financiamento da guerra.

É importante verificar que no contexto no qual o quadrinho do Capitão América é

produzido, temos uma conjuntura diferente nos países envolvidos, a França dividida, parte

alinhada com o Reich e parte aliada com a Inglaterra em guerra com os Nazistas. E a União

Soviética, que tinha uma postura ambígua, nesse momento não era vista como um país

importante para o desfecho do conflito mundial.

Portanto essa demonstração ao contrário do desenho da Disney, não indica diretamente

a propaganda de arrecadação de fundos, mas sim uma tentativa de modificar a opinião pública

para que os EUA entrasse na Guerra.

52

Figura 21 Capitão América as primeiras Histórias p. 70.

1º Quadrante, Bucky: É isso que eu chamo de americano!

1º Quadrante, Steve Rogers: Precisamos de outros como ele,

Bucky! Vamos... Baldwin está indo embora!

2º Quadrante, narrador: Mal sabe a multidão que Steve

Rogers é o famoso Capitão América e o menino com ele é

Bucky!

2º Quadrante, Steve Rogers: Aposto que esta conferência vai

causa encrenca, por isso vamos acompanhá-lo!

3º Quadrante, narrador: Mas olhos cruéis observam o tímido

financista que sai à rua.

3º Quadrante, espião anônimo 7: Aquele é o Sr. Baldwin!

4º Quadrante, Baldwin: M-Mas eu n-não entendo!

4º Quadrante, espião anônimo 7: Não precisa entender

Baldwin! Entre!

Observamos no último quadrinho que o personagem Henry Baldwin tem a

nacionalidade estadunidense e que o discurso é feito nos EUA, outro elemento interessante é a

fala do Recruta Rogers, já prevenindo seu assistente de que algo poderia acontecer ao Henry

Baldwin, já que ele pretende assinar um pacto com a Inglaterra de auxilio, esse pacto

simboliza a união entre as democracias. Podemos entender que está posto nos quadrinhos dois

projetos, democratas e autoritários, no entanto, questões econômicas e sociais não são

expostas, e nem as contradições dessas democracias, não há uma crítica ao sistema econômico

dos nazistas, a suas políticas raciais, apenas colocam os como inimigos da democracia e

supostamente um agressor.

Nos dois quadrinhos abaixo percebemos que espiões sequestram o Sr. Baldwin.

Capitão América as primeiras Histórias p. 70.

1º Quadrante, Baldwin: Nazistas? Não vão me pegar!

1ºQuadrante, semântica de golpe: Pow!

1º Quadrante, Fritz: Hummel

2º Quadrante, voz de Bucky: Abaixo Hitler!

2º Quadrante, espião anônimo 7: Zegure-o, Fritz vou... O que?

3º Quadrante, Fritz: ACH! Quem foi?

3º Quadrante, espião anônimo 7: Quem ousa insultar, o grande

Füehrer?

Semântica de Mudança de cena, quadrinho com os nomes do

Capitão América e Bucky

4º Quadrante, Capitão América: Aqui está a resposta espião!

Uma luta corporal entre os Capitão América e os espiões nazistasse inicia, mas mesmo

assim, o Henry Baldwin é sequestrado.

53

Figura 22 Capitão América as primeiras Histórias p.71.

1º Quadrante, Bucky: Esses Apagaram! Eu... Ei! O Carro

sumiu! E Baldwin também!

1º Quadrante, Capitão América: É e bem debaixo do nosso

nariz!

2º Quadrante, narrador: Nisso, num sedã que atravessa a

noite.

2º Quadrante, Heinrichi: Seus amigos americanos foram

enganados, Yá, Herr Baldwin?

2º Quadrante, Baldwin: É evidente! Mas aonde estão me

levando... E por que?

2º Quadrante, Fritz; Não fale Heinrichi! Já dissemos demais!

3º Quadrante, manchetes de jornais: Financista desaparece!

Baldwin Levado para Europa? F.B.I Atribuiu rapto de

Baldwin a Quinta Coluna!

4º Quadrante, Bucky: O que está pensando em fazer, Capi?

4º Quadrante, Steve Rogers: Provavelmente Europa? E...

Parece lógico!

Interessante desse próximo quadrante é que aparecem notícias sobre o

desaparecimento de Baldwin, atribuindo o mesmo a Quinta Coluna79

, que no HQ seria uma

espécie de espiões organizados para sabotar industrias ou setores do exército estadunidenses,

aparece também noticias como “Financista desaparecido” o que da a entender que as

esperanças sumiram com o desaparecimento do mesmo. Rapidamente Capitão América apesar

do seu aparentemente fracasso ao deixar Baldwin ser sequestrado, anuncia a Bucky que ele

tem uma ideia de onde o personagem pode estar.

O desfecho desse quadrante tem o Capitão e Bucky se disfarçando, o Capitão de

“vovó” e Bucky de neto, para saírem do quartel sem que os descobrissem. Pegam um avião e

desembarcam em Portugal, não mencionam nada sobre a ditadura de Salazar, de lá se

encaminham para a França onde o território está ocupado pelos nazistas. Esse quadrante é

interessante, pois percebemos um forte apelo dramático ao ver soldados nazistas coagindo

pessoas, soldados mutilados, além de utilizar de várias suásticas e soldados empunhando

armas, guiando tanques de guerra para dar ênfase ao domínio nazista na França. No centro da

figura Bucky e Capitão América, Capitão América da uma lição de heroísmo quando diz a

79

Quinta coluna é um termo usado para se referir a grupos clandestinos que trabalham dentro de um país ou

região, ajudando a invasão armada promovida por outro país em caso de guerra internacional, ou facção rival no

caso de uma guerra civil. Por extensão, o termo é usado para designar todo aquele que auxilia a ação de

forasteiros, mesmo quando não há previsão de invasão. O termo ganhou força no curso da Segunda Guerra

Mundial, denominando aqueles que, de dentro dos Países que combatiam o Eixo, apoiavam a política de Guerra

nazista e de seus aliados, tal como aconteceu com parte dos alemães que habitavam os Sudetos ou com os

fascistas Brasileiros. A ação de uma quinta coluna não se dá no plano puramente militar. Assim como os demais

partícipes de uma guerra, os elementos quinta-colunistas agem por meio da sabotagem e da difusão de boatos.

Em outras palavras, pode-se dizer que a força da quinta coluna reside tanto na possibilidade de "atacar de

dentro", como na capacidade de desmobilizar uma eventual reação à agressão que se intenta. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Quinta_coluna. Acessado em 22.10.10.

54

Bucky, “Poderiamos ficar e arrumar a França... Mas temos que seguir para a Alemanha.” Essa

frase tem uma conotação ainda que isolacionista. Capitão América não está preocupado com o

avanço dos nazistas na Europa, mas sim com seu personagem estadunidense, tendo em vista

que os EUA não se metem nas questões dos outros países, apenas quando tem envolvimento

seu próprio povo, ou seja, para o Capitão o auxilio à França se faz necessário, mas primeiro se

deve salvar o mundo.

Essa imagem da França representada torre Eiffel, também passa uma outra mensagem,

o que pode acontecer com os EUA se eles permitirem que a Alemanha invada os EUA, se não

combaterem o inimigo em seu próprio terreno.

Figura 23 Capitão América as primeiras Histórias p.74.

1º Quadrante, Steve Rogers: Não entendo Bucky! Primeiro nós

o vemos... Depois, nada! Por duas vezes, Baldwin evaporou sob

nossos narizes!

1º Quadrante, Bucky: è mesmo vovô... Quero dizer, Capi! Acho

que a resposta está em Algum lugar da Europa!

2º Quadrante, narrador: Pousando em Lisboa, o Capitão

América e Bucky rumam para a françaescravizada pelo

nazismo.

3º Quadrante, narrador: Outrora alegre, Paris não é uma bela

visão sob o domínio do conquistador nazista.

3º Quadrante, Steve Rogers: Poderiamos ficar e arrumar a

França... Mas temos que seguir pra Alemanha!

No próximo quadrante temos a imagem de Henry Baldwin, entretanto é um espião que

tem o “nome” de 3-21. Vimos ao longo do HQ que muitos dos espiões nazistas não têm

nomes, e quando os têm são sugestivos, como Ratchone e Caveira Vermelha. Isso para nós

passa a ideia de que os soldados nazistas não têm identidades, são elementos que são

manipulados na medida que seus comandantes querem. Vimos que essa representação está na

maioria das produções desse período feitas nos EUA, como o exemplo de “como nasce uma

criança nazista” onde seu personagem principal Hans é manipulado a pensar apenas aquilo

que o partido quer que ele pense. Essa ideia passa que o único modo de “salvar” as pessoas na

Alemanha é derrubar seu governo manipulador. Vimos também no primeiro capítulo que essa

é uma ideia equivocada, pois as políticas nazistas tiveram muito aceitação na Alemanha,

principalmente na classe média, logo o HQ tira a intervenção social das pessoas, anulá-os

55

como sujeitos históricos, a população não passa de pessoas que não podem mudar seu destino

é preciso ajudá-los. Ai que entra o super-herói, como esse aspecto o Capitão América elimina

a revolta popular, no HQ não se menciona a organização de resistência na França, elimina as

contradições. Desse modo o HQ serve de panfleto para as ações do próprio EUA, serve para

colocar que sem a ajuda dos estadunidenses o mundo conhecerá a tirania de Hitler.

Figura 24 Capitão América as primeiras Histórias p. 70.

1º Quadrante, Narrador: Em algum lugar da Alemanha...

1º Quadrante, soldado nazista 1: Tudo está pronto, Yá, 3,21?

1º Quadrante, 3,21: Ah, meus bons amigos! Certamente! Até

agora, o plano não falhou! Confundimos completamente os EUA!

2º Quadrante, 3,21: Não. Veem? Eu sou Henry Baldwin! Devo

assinar um pacto com a Inglaterra que fará os países menores se

unirem com as democracias! Ah, Ah! Agora podem me levar a

Herr Hitler para o exame final

3º Quadrante, soldado nazista 2: HeilHittler!

3º Quadrante, soldado nazista 1: Heil Hitler!

4º Quadrante, 3,21: Tudo está como desejado em Füeher?

4º Quadrante, Hitler: Sim, 3-21! Agora o resto do meu plano!

No HQ podemos verificar que o autor cria diversas maneiras que os nazistas utilizam

de artimanhas para enganar os “aliados”.

Como podemos verificar no quadrante acima e abaixo vemos Hitler com um sujeito

maligno e que pessoalmente cuida de todos os assuntos, o autor o representa enquanto

gerenciador de todos os planos, isso exclui a responsabilidade dos demais alemães dos atos da

Alemanha Nazista, como mencionamos antes. Demonstra também que a “dominação” do

mundo por Hitler não está ligada as questões comerciais ou políticas, não menciona as

consequências da Primeira Guerra e a Crise de 29, as misérias e as tensões que esses fatores

trouxeram para os países da Europa, resume a guerra apenas a “loucura” de um homem,

Hitler.

No quadrante abaixo percebemos que o jogo de luz feito pela arte do desenho,

escurece a face do Füeher, com essa arte, a expressão maligna fica mais evidenciada.

56

Figura 25 Capitão América as primeiras Histórias p. 70.

1º Quadrante, Hitler: O mundo todo espera que você assine o pacto

com a Inglaterra!Isso fará o resto da Europa se alinhas com as

democracias, mas...

2º Quadrante, Hitler: ... Vocã não assinará o pacto! O assinará com

Mussolini... Que trará a Europa para o nosso lado, deixando as

democracias encurraladas!

3º Quadrante, Hitler: Der Tag chegou enfim... Minhamaior Blitz está

pronta para ser lançada sobre o mundo! Não falharemos!

3º Quadrante. Todos fazem a Saudação: Heil Hitler!

4º Quadrante, manchetes de Jornais: Henry Baldwin Encontrado!;

Baldwin Vivo na Europa; Desaparecimento foi truque para enganar

inimigo. Financista assinará o pacto amanhã no palácio de

Buckingham!

Outro elemento que o autor explora exacerbadamente é o termo “Democracia” em

nenhum momento ele problematiza o termo, apenas deixa no ar que Hitler quer transformar o

mundo numa extensão da Alemanha, eliminar as democracias e instalar um regime

autoritário.

Baldwin representa o apoio dos EUA a Inglaterra, apesar de não estar no conflito

oficialmente até Dezembro de 1941. Os EUA apoia de maneira diplomática a Inglaterra.

Hitler tenta fraudar esse tratado utilizando de um falso Baldwin, mas o Capitão

América e Bucky descobrem seu plano a tempo e desmascaram o impostor.

Figura 26 Capitão América as primeiras Histórias p. 77.

1º Quadrante, narrador: ... E a velha senhora imediatamente

torna-se o famoso herói!

1º Quadrante, figurante 4: Ora, é o Capitão América

1º Quadrante, figurante 5: O que ele veio fazer na Europa?

1º Quadrante, figurante 6: Três vivas pro Capitão!

2º Quadrante, Capitão América: Agora uma pequena limpeza!

2º Quadrante, figurante 5: Veja! O ianque é falso!

3º Quadrante, Capitão América: Henry Baldwin sempre levou a

bengala na mão esquerda! Você leva na direita!

3º Quadrante, 3,21: Droga!

4º Quadrante, narrador: Súbito uma submetralhadora dispara

da janela de um carro!

4º Quadrante, espião nazista 8: Eles pegaram 3-21!

4º Quadrante, espião nazista *: Ele nunca falará... Depois desta

dose de chumbo!

O Capitão América é recebido com festividades, tendo a impressão que seus feitos já

são reconhecidos em todo o mundo, essa representação remete à importância dos EUA de

57

interferir no conflito, ter o reconhecimento de seu poder bélico, e esse poder imprescindível

para a vitória.

Ao desmascarar o falso Baldwin, surge um carro com metralhadorasque atira contra o

espião matando-o. Mais um vez, a representação de que o Capitão América não elimina seus

inimigos. Por sua vez os espiões são eliminados por seus próprios companheiros,

representação que sugere a queima de arquivo. Como vimos essa característica vai aparecer

repetidamente nos HQsdo Capitão América, porque um herói não pode “sujar” suas mãos

matando um ser humano por mais “perverso” que ele seja, entretanto a “maldade” de seus

inimigos é tanta que seus atos “inescrupulosos” extrapolam o limite da humanidade matando

seus próprios companheiros, a própria atuação dos sujeitos que são “assassinados” justificam

sua morte, ou seja, a justiça foi feita.

Figura 27 Capitão América as primeiras Histórias p.77.

1º Quadrante, Bucky: Os nazistas sujos!

1º Quadrante, Capitão América: Vamos Bucky atrás deles!

2º Quadrante, narrador: Com a força de um caminhão, o

Capitão América e Bucky seguram o Sedã!

2º Quadrante, Capitão América: Semântica para designar

força: OOOOAAA!

3º Quadrante: Capitão América: Saiam da toca ratos

Nazistas!

Mais uma vez, Capitão América e Bucky demonstram uma foça sobre-humana para

deter os nazistas.

Bucky e Capitão América vão utilizar para denominar a natureza dos Nazistas algumas

expressões como “Nazistas Sujos” ou “Ratos Nazistas”, essas palavras significam que os

Nazistas são sujeitos inescrupulosos e traiçoeiros. Essa caracterização claramente mostra a

definição de bem e malintrínseca nos HQs, um herói luta contra o mal, que assombra a paz no

interior da sociedade.

58

Figura 28 Capitão América as primeiras Histórias p.78.

1º Quadrante, Capitão América: Agora podem voltar se

conseguirem, cretinos!

2º Quadrante, Bucky: Vamos embora, Capi! O falso Baldwin

morreu, mas achei esse bilhete nele!

3º Quadrante, várias pessoas: Não se vá Capitão América!;

Precisamos de Você; Onde está o verdadeiro Henry Baldwin?

3º Quadrante, soldado inglês 1: Cáspite!

4º Quadrante, narrador: Depois...

4º Quadrante, Capitão: Agora estamos SOS! Deixe ver essa

nota, Bucky!

4º Quadrante: Bucky: Aqui está Capi!

O Capitão América e Bucky derrotam os outros espiões nazistas. Rapidamente Bucky

encontra um bilhete que demostra que o verdadeiro Baldwin está vivo, deixam o que parece

ser a Inglaterra, porque um soldado com a característica dos soldados reais ingleses exclama

uma palavra de saudação para os dois.

Figura 29 Capitão América as primeiras Histórias p. 78.

1º Quadrante, Bucky: Nossa! O que diz agora?

1º Quadrante, bilhete: A Floresta é negra o rio vem depois

Baldwin está preso no campo vinte e dois.

2º Quadrante, Capitão América: Simples: Bucky! Baldwin

está num campo de concentração na floresta Negra!

3º Quadrante, narradorNo Campo de concentração da

Floresta Negra...

3º Quadrante, Soldado nazista 3: Quem vem lá?

4º Quadrante, Capitão: Somos os irmãos Smith e viemos

ter com algumas tropas de choque!

Descobrem que o verdadeiro Baldwin está num campo de concentração na Floresta

Negra, em alemão Schwarzwald, região de florestas montanhosas às margens do rio Reno.

Não há registros historiográficos sobre existência de campos de concentração nessa região, no

entanto o HQ já demonstra o conhecimento dos EUA desses campos.

Balwdin estando preso num campo de concentração, considero essa interpretado,

como esse personagem sendo preso político, fazendo menção assim, ao que acontecia aos

adversários políticos de Hitler, que eram perseguidos, presos e muitas vezes eliminados.

59

No Campo de Concentração ao meio de explosões e tiros Bucky e Capitão América

enfrentam sozinhos sem nenhuma arma apenas com o escudo, os soldados nazistas, essa

representação reafirma a ideia do editorial da revista: “O perfil recomendado pelo editor aos

criadores era de um tipo não muito agressivo, que só usasse a violência como último recurso,

mas que fosse capaz de abrir caminho até o líder nazista com o próprio punho”80

.

Figura 30 Capitão América as primeiras Histórias p. 79.

1º Quadrante, Narrador: enquanto isso um

soldado dispara impiedosamente uma

metralhadora sobre os lutadores!

2º Quadrante, Bucky: Rápido, Capi! Pegue a

granada desse soldado!

3º Quadrante, arremedo da granada!

4º Quadrante, narrador: A grana atinge o alvo e o

ninho de metralhadora é despedaçado!

4º Quadrante, semiótica de explosão: Boom

Outra característica que se repete no HQ o alto escalão alemão mostrado de maneira

satirizada, no entanto aparecem cometendo atrocidades como a tentativa de eliminação do

Baldwin.

Figura 31 Capitão América as primeiras Histórias p.80.

1º Quadrante, soldado nazista 4: Heil Hitler!

1º Quadrante, Goering: Heil Hitler!

1º Quadrante, Hitler: Heil! O que foi agora?

2º Quadrante, soldado nazista 4: O ianque está no

campo! O Capitão América!

3º Quadrante, Hitler: Aquele shiweiniamque quer

estragar meus planos? Ah! Essa é boa!

4º Quadrante, Baldwin: N-Não! Vocês têm que me soltar!

4º Quadrante, Hitler: Primeiro, a morte de canhão!

80

Revista Capitão América: As primeiras histórias. São Paulo. Abril, 1992. p. 5

60

No entanto o Capitão América consegue salvar no último momento Baldwin da

execução.

Figura 32 Capitão América as primeiras Histórias p.80.

1º Quadrante, Hitler: Vamos vera execução, HeerGoering!

1º Quadrante, Goering, Ah, Ah! Um prazer, MeinFüehere!

2º Quadrante, soldado nazista 6: Preparar, apostar?

3º Quadrante,soldado nazista 6: Fogo!

3º Quadrante, Capitão América, semântica e barulhos de bala

com a boca: FFF-FFT-SPUTTER-

3º Quadrante, Goering: Que houve?

4º Quadrante, Capitão América: Saudações Cavalheiros!

4º Quadrante, Bucky: Olá, Adolf!

4º Quadrante, Hitler: Der yanqueshiwein!

Quando Adolf descobre o Capitão América, sirenes81

tocam e uma grande quantidade

de soldados, tanques e até aviões surgem para combater o Capitão América e Bucky.

Figura 33 Capitão América as primeiras Histórias p. 81.

1º Quadrante, narrador: Em instantes, o alamento do

sinal de ataque é ouvido...

1º Quadrante, semântica de sirene:

ERREEEEEEEEEEE

2 Quadrante, narrador: E a infantaria ataca, e...

3º Quadrante, narrador: Rápidas unidades mecanizadas

se mobilizam para ofensiva...

4º Quadrante, narrador: temidos bombardeiros de

mergulho Stuka. Avançam para se unirem a Blitz contra

o Capitão América!

5º Quadrante, Capitão América: todo o exército nazista

contra nós!

6º Quadrante, Bucky: Verdade, Capi!

7º Quadrante, Bucky: Cuidado Capita, ai vem um

bombardeiro!

8º Quadrante, aviador nazista: Agora, servir a pátria...

Capitão América torrado!

O autor enfatiza a batalha de um homem, super-soldado contra um exército, como

Viana mencionou, em seu livro:

Um super-herói só é super-herói quando tem que colocar em prática seus

poderes e isto só ocorre havendo uma população de seres poderoso num

mundo em que ele vive e combate, ou seja, o super-herói só pode existir, ao

81

É mais uma “semântica” característica dos quadrinhos que repete os sons através de palavras.

61

contrário do herói, em constante relação com o super-vilões e com outros

super-heróis. Em poucas palavras o super-herói só pode existir havendo um

mundo habitado por seres superpoderosos.82

O Capitão América é um ser que habita o mundo real, interage com o mundo real, no

entanto deve ter super poderes para derrotar seus inimigos, Hitler não é um ser super

poderoso, mas contém em seu comando um exército, o Capitão precisar ser forte e corajoso,

para derrotar esse exército, essa relação que aparenta ser contraditória, mostra que todos

precisam ser como o Capitão América como vimos no início do capítulo, a editora chama o

público para ser um “sentinela” junto com o Capitão América, portanto ele tem super poderes,

mas ele representa o esforço que cada soldado deve fazer para enfrentar Hitler, um super-

herói pode ter super poderes, mas também pode se superar. Por isso que o Capitão América é

um super-herói diferente, ele não retrata um ser inalcançável como o Super-Homem, que

contém visão de raio-x, voa, e visão de calor, ele é um cidadão comum, que na visão da

revista, queria servir seu país.

Figura 34 Capitão América as primeiras Histórias p. 82.

1º Quadrante, Capitão América e Bucky batem com um avião

em um galpão!

2º Quadrante, narrador: Quando o Capitão AméricaeBucky

investigam o prédio onde bateram, encontraram...

2º Quadrante, Capitão América: Ora! Quem está aqui!

2º Quadrante, Bucky: E a guerra acontecendo lá fora!

3º Quadrante, Goering: Você pega o grande, Aldof, e eu pego o

pequeno!

3º Quadrante, Hitler: Não Hermann! O pequeno é meu!

4º Quadrante, narrador: Súbito, Bucky corre em direção aos

dois!

4º Quadrante, Narrador: Não discutam! Ambos podem ficar

comigo!

Mas ao mesmo tempo que o autor retrata Hitler com a feição maligna, ele também

utiliza da satirização do mesmo, covarde e que se faz necessário apenas Bucky para derrota-

lo, ou seja, para eliminar os nazistas, não precisa ser forte, e ter super poderes, basta ter

coragem. Aparentemente parece ser outra contradição, mas essa representação mostra que o

importante não é ter força, mas coragem para o combate.

82

VIANA, Nildo. Heróis e Super-Heróis no mundo dos Quadrinhos. Rio de Janeiro, Achiamé, 2005. p. 37.

62

Figura 35 Capitão América as primeiras Histórias p. 83.

1º Quadrante, Bucky: Os dois estão satisfeitos?

1º Quadrante, Hitler: UUUUFFF

1º Quadrante, Goering: AAAGGHH

2º Quadrante, Capitão América: Bom trabalho,

Bucky! Agora vamos pegar Baldwin!

3º Quadrante, narrador: Desamarrando Baldwin, O

Capitão remove o saco que cobria a cabeça do

prisioneiro.

3º Quadrante:, Baldwin: Onde estou?

3º Quadrante, Capitão América: Na Alemanha, Sr.

Baldwin! Mas será levado de volta a Inglaterra!

3º Quadrante, Bucky: Capitão! Aviões!

4º Quadrante, sujeito não identificado: É a RAF!

Capitão América captura Hitler e Goring e liberta Baldwin. Na última cena, aparecem

aviões da RAF(Royal Air Force) a Força Aérea Britânica. Mais uma vez mostra que o Capitão

salva o dia, e que os personagens reais estão atrasados, chegando quando já estão resolvidos

os problemas.

Figura 36 Capitão América as primeiras Histórias p.83.

1º Quadrante, Narrador: Respondendo ao sinais do Capitão

América, os aviões britânicos pousaram...

1º Quadrante, Bucky: Por aqui rapazes!

1º Quadrante, Baldwin: Estamos salvos!

2º Quadrante, manchetes de jornais: Extra! Extra! Capitão

América deixa Reich de pernas para o ar!; Baldwin assina

com a Inglaterra!; Henry Baldwin resgatado dos alemães;

Hitler e Goering na lata do lixo.

3º Quadrante, narrador: De volta ao campo do exército,

nosEstados Unidos...

3º Quadrante, Sargento: Hmmm... Aí vêm Rogers e o garoto

tenho uma bela surpresinha para eles!

4º Quadrante, Sargento: Fugindo, hein? Vou ensiná-los a

vagabundear aqui! Uma semana de guarda! E cale a boca!

4º Quadrante, Steve Rogers: Sim, Sr.

As notícias dão a entender que o Capitão América não elimina o Reich, mas o

desmoraliza e que a guerra não acabou, portanto ainda é preciso continuar a lutar. A ordem se

estabelece e só assim o Steve Roger volta para casa. Chegando no quartel, ele é punido por

ter fugido e por conseqüência não cumprido suas atividades enquanto recruta.O sargento não

63

sabe quem na verdade é Steve Rogers, por isso, interpreta seu ato de fuga do quartel como

indisciplina, e o puni.

Steve Rogers aceita sem reclamar essas punições, sempre com um sorriso, muitas

vezes de deboche, pois tem a sensação do dever cumprido, ou seja, essa representação de

Rogers indica que há muitos serviços no quartel e que todos devem fazê-lo sem vergonha ou

reclamação, por mais heróico que você seja, a deveres a se cumprido e cada um tem o seu, a

harmonia do cosmos depende disso.

Essa representação transcende o exército e tem a função de organizar a própria

sociedade, cada sujeito tem o seu papel na sociedade, e deve cumpri-lo com orgulho.

A revista tende a passa a idéia de que o herói é aquele que luta nos campos de batalha,

mastambém aquele que faz o trabalho braçal, todos agem em função de ajudar o país, com

trabalho, disciplina e respeitando as hierarquias.

CONCLUSÃO

Ao fechar as cortinas e ao apagar as luzes, Capitão América, mostra

quem ele realmente é

Os elementos que são indicados nessas histórias nos mostram como o Capitão

América se relaciona com seu meio. Em primeiro lugar o Capitão América surge por que há

um conflito, ele tem a função de organizar e estabelecer a ordem novamente.

Para se pensar os HQs do Capitão América, também se faz necessário outros

apontamentos, como os de Ariel Dorfoman e Manuel Jofre fazem em “Super-Homem e seus

amigos do peito”. Apesar das discussões desse livro serem pautadas no personagem Zorro83

.

Este livro é rico e seus apontamentos são muito significativos ao pensar o Capitão América e

sua revista.

Ao nos mostrar Zorro, nos apresentam suas metodologias de como se pensar as

histórias em quadrinhos de super-heróis. Para eles, essas revistas são transmissores de uma

ideologia ligada ao capital, principalmente do pensamento liberal estadunidense,

representantes do pensamento da classe dominante. Os eventos que elesvão descrevendo ao

longo das analises feitas das historias em quadrinhos do Zorro, vão apontando os indicativos

de como essas revistas em quadrinhos não servem apenas de entretenimento.

Numa primeira e simples leitura podemos observar que o Zorro enfrenta e

resolve um problema central-a defesa do Vale do Potro Selvagem-e também

as suas derivações (por exemplo, a tentativa de fuga de Silver), utilizando

recursos indispensáveis: sua força física, sua perícia e habilidade, sua

capacidade de persuasão através da palavra, e sua moral irrepreensível. É um

homem superdotado que consegue superar qualquer obstáculo que lhe

aparece no caminho. Quando se afasta, identificado para o leitor e para os

demais personagens, não restam dilemas nem dificuldades. Tudo é

harmonia, felicidades84

.

83

Esse personagem é o Lone Ranger, pistoleiro, personagem esse que fez muito sucesso nos anos 60 na América

Latina, chamado de Llanero Solitário em espanhol e que no Brasil recebeu o nome de Zorro. Não confundir com

o personagem da Disney, o espadachim. DORFMAN, Ariel; JOFRÈ, Manuel. Super-Homem e seus amigos do

peito. Paz e terra, Rio de Janeiro, 1978. p.11 84

DORFMAN, Ariel; JOFRÈ, Manuel. Super-Homem e seus amigos do peito. Paz e terra, Rio de Janeiro, 1978.

p. 27.

65

Zorro tem como objetivo nessa história conservar o Vale do Potro Selvagem e vai

utilizar de suas habilidades para mantê-lo como está.

O Capitão América nas historias analisadas tem como ponto central a Segunda Guerra

Mundial, mas não o conflito geral na Europa e sim, o “Ataque dos espiões nazistas em solo

estadunidense”, isso já fica claro na primeira capa analisada, a qual os dizeres dessa capa

sinalizam a defesa das fronteiras dos EUA, percebemos que todas as historias descritas tinha

como inimigo um espião, assim o Sentinela da Liberdade utiliza de suas habilidades sobre

humanas para combater esses espiões.

Trata-se, como em qualquer estrutura de ficção em que predomina a ação, de

destruir um adversário que veio perturbar a tranqüilidade do cosmos. As

façanhas do protagonista são imprescindíveis para garantir o bom

funcionamento deste mundo, através da eliminação do foco ameaçador. Há

uma crise que se manifesta de maneira intensa e somente quando essa

situação crítica estiver superada, o justiceiro poderá prosseguir sua viagem85.

Dorfman e Jofre acentua que a perturbação “a tranquilidade do cosmos” nas historias

do Zorro, é a perturbação à ordem social vigente, os inimigos de Zorro, ora são bandidos que

atacam propriedade privadas ou o fazendeiro que tenta expandir seu capital de maneira imoral

ao querer destruir um vale que é um bem natural de uso de todos, como essa história analisada

por eles. Então Zorro só resolve esses conflitos e segue viagem no momento em que prende os

bandidos ou utiliza de sua conduta moral para alertar o fazendeiro, que essa não é uma

maneira legitima de aumentar sua riqueza.

Nas historietas do Capitão América também existe um começo e um fim, quem

perturba a ordem são esses espiões nazistas, disposto a atacarem os EUA e o transformarem.

A ordem vigente demonstrada no HQ é a democracia dos EUA, assim o Capitão América

utiliza de seus poderes para expulsar os espiões e livrar os EUA da ameaça da “Ditadura”. O

Capitão América só segue para próxima historieta quando derrota esses inimigos.

Zorro tem em sua personalidade a moral e a ética burguesa, de defesa da acumulação

do Capital, ele não reprime o fazendeiro por querer expandir seu capital, mas apenas por não

o fazer de maneira moral e ética.

Aparentemente, joga-se na cara de Bruno seu excessivo afã de lucro, seu

capitalismo desenfreado. É um homem obcecado pelo amor ao dinheiro (que

menciona várias vezes como primordial para ele: subordinou tudo ( sua

85

DORFMAN, 1978. Op. Cit. p. 27.

66

ética, o futuro de seu filho, o futuro da terra) à procura de lucros. É um

homem que “perdeu a cabeça”86.

A historieta do Zorro, não condena Bruno por ser um latifundiário, ou por querer ficar

rico utilizando dos recursos naturais, mas por querer sua riqueza de modo fácil.

Assim em um nível complementar, o conflito se apresenta entre o Dinheiro e

a Virtude. Notemos, entretanto, que Zorronão impugna o fato de que Bruno

enriqueça. Pelo contrário, sugere até uma maneira legitima de fazê-lo: caçar

cavalos na planície. Não podemos entender de forma alguma que o autor da

historieta esteja atacando por ele ser um homem rico. É evidente que Bruno

não explora os homens para se tornar endinheirado, já que esses recebem

seus salários e bons tratos, e tratam de ser fiel ao patrão. As relações entre

Bruno e seus homens assim o revelam; inclusive permitem-se descordar

quando acreditam equivocado. A única fonte de ingresso do latifúndio,

portanto, é a própria natureza. O conflito não se trata entre Bruno e os

assalariados, posto que estes não constituem uma força que produz

dividendos nem aumenta os lucros; são um fator permanente, passivo e leal

durante todo transcurso da ação. O conflito se dá entre Bruno e os produtos

da terra. Ele deseja maximizar a exploração desses recursos naturais

(cavalos). Esta é a razão pela qual rechaça a solicitude de Zorro: nas grandes

planície é muito difícil de capturar cavalos. Perde-se tempo ( e esforço), e

portanto dinheiro. É evidente, então, que o que nos aparecia a principio

como uma contradição entre dinheiro e virtude, era de fato um antagonismo

entre a virtude e todo o dinheiro que se consegue quando se excede certos

limites. As reservas morais de Bruno esgotaram-se porque seu dinheiro não

foi obtido de acordo com certas normas mínimas de conveniência e respeito.

Basta que ele renuncie à perseguição de cavalos selvagens, e se converta em

seu guardião obstinado, para que volte a ser uma figura exemplar,

substituindo o próprio Zorro na defesa do vale. Continuando lucrando, sem

dúvida, mas agora em seu devido lugar: a planície87.

Não há nenhuma lei que impeça Bruno de caçar os cavalos no Vale, o próprio Zorro

admite isso, no entanto caçar cavalos no Vale, eliminaria a reserva natural, esse conflito,

portanto não é entre o Capital e suas conseqüências, mas sim, entre o que se pode ou não fazer

para aumentar esse Capital.

O repúdio à atitude de Bruno, parte de um dos problemas que mais preocupa

o homem norte-americano dos últimos 20 anos: a super exploração dos

recursos naturais, trouxe como consequência fenômenos como a

contaminação atmosférica e das águas, as perturbações climatológicas e as

da ecologia, o envenenamento da flora e da fauna, o despojamento

sistemático do meio em que deverá desenvolver-se a existência humana.

Basicamente estes problemas derivam do sistema capitalista, que se

preocupa com o destroçar riquezas a fim de obter lucros a curto prazo. A isto

se somam os males endêmicos e típicos dessa forma de organização social: a

falta de planificação, competição desenfreada, ausência de restrições e de

controle e de responsabilidades específicas, em suma,

86

Idem, p. 28. 87

Ibidem, p.28.

67

“theaffluentsocietyisaneffluentsociety” (a sociedade opulenta, é uma

sociedade poluída-numa tradução livre). Claro que separado do contexto

social, abandonada à sua própria evolução autônoma, a tecnologia avançada

tende a produzir efeitos indesejáveis88.

Percebemos que o autor transfere para as histórias do Zorro o dilema da sociedade,

como manter a produção, sem que se destrua a si próprio. Ao abrir os olhos de Bruno, Zorro,

tem essa resposta, manter o Vale do Potro Selvagem é manter espaços vitais, as reservas que

minimamente permitem os recursos naturais para a sobrevivência, logo, o herói salva o dia,

mantém a ordem de modo que não haja conflito, escondendo as contradições.

Como afirmamos no primeiro capítulo as obras fictícias são fruto de sua época,

quando foram produzidas a historias analisadas por Dorfman e Jofre, já havia uma discussão

em torno das questões ambientais no processo de industrialização, apesar da historia de Zorro

se passar no velho oeste, o autor consegue transportar as discussões para a revista.

Da mesma forma Joe Simon e Jack Kirby trazem as discussões reais para os HQ. No

período em que as historias do Capitão América estão sendo produzidas os EUA mantinham

relações comerciais com diversos países, apesar de se manter longe dos conflitos na Europa.

Quando a Alemanha declarou guerra à França e à Inglaterra, e também invadindo

outros países na Europa, o EUA percebeu que sua participação no conflito seria necessária

para manter sua hegemonia comercial, política e econômica, ou seja, não poderia perder áreas

de influência para a Alemanha.

Nas histórias do Capitão América, quem ameaça essa ordem, são os nazistas, os

espiões que invadem os EUA e boicotam as indústrias, prédios do governo, seqüestros de

figuras ilustres da elite, ou seja, um boicote ao desenvolvimento do capital estadunidense, por

isso o Capitão América está ali, para mediar esse processo, ele é o elo que vai mostrar ao

consumidor de HQ, o que está acontecendo na guerra, não vai utilizar da verdade, mas sim do

que lhe interessa ser a verdade, assim como Zorro, ele vai defender o interesse do Capital dos

EUA.

Sabemos que a opinião pública estadunidense, assim como o próprio governo não via

interesse na participação dos conflitos da Europa. “De qualquer modo a opinião pública

estadunidense encarava o Pacífico (ao contrário da Europa) como um campo normal para a

ação dos EUA, mais ou menos como a América Latina.”89

entretanto quando a ameaça da

Alemanha a hegemonia dos EUA se faz presente, os estadunidenses procuram imediatamente,

88

DORFMAN, 1978. Op. Cit. p.30. 89

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. 2ª Edição. São Paulo. Editora

Companhia das Letras. 1998. p. 48.

68

uma forma de entrar no conflito, essas produções culturais vão auxiliar no engajamento da

guerra.

Jofre assim como Dorfman, aponta a falta das relações políticas nas histórias em

quadrinhos, além da falta dos conflitos sociais.

O trabalho, a política ou a procriação, são os temas frente aos quais, o gênero

é mais renitente. É o que acontece com os conflitos sociais de qualquer tipo:

diferenças sociais, por exemplo. Quando o trabalho aparece, como no caso

de Super-homem, que na sua verdadeira personalidade cotidiana (a de Clark

Kent) é jornalista do “Planeta”, só serve como chamariz para uma

identificação mais profunda com o super-herói ou para motivar novas

aventuras. Porém surgem prefeitos (na Disneylândia), mas sempre fazendo

discursos ou inaugurando estatuas, nunca atuando politicamente. O que tenta

ser uma família normal, nunca é: Falta à mãe ou “os filhos” que são na

verdade sobrinhos 90.

As revistas do Capitão América apresentam semelhanças com a revista de Zorro ou

com outras publicações do gênero. Steve Rogers, o alter ego do Capitão América não possui

um emprego com salário, no entanto ele é um recruta de um quartel, apesar de não ser um

“emprego” ele é submetido às ordens de seus superiorda mesma forma, e as ordens são

descascar batatas, limpar os banheiros do quartel ou o estábulo, sempre submisso ao seu

Sargento. Essa postura é clara da maioria dos super-heróis.

Na revista do Capitão América, representa a hierarquia do exército e a função de cada

soldado, dentro do quartel, a benevolência, humildade, mesmo sendo um herói, quando não

está vestido com tal, é um ser humano normal e harmonioso, trabalhador e obediente das

disciplinas da sociedade, sem reclamar dos seus superiores, dos salários ou dos serviços, essa

é a disciplina que um soldado deve ter, mas do que isso é como o cidadão comum também

deve se portar, realizar suas tarefas diárias, obedecendo às hierarquias, realizando seu trabalho

de maneira humilde, sem reclamações.

Não mostra as contradições dos soldados nazistas, os trabalhos nas industrias ou a

industria de armas, mesmo porque os soldados não podem se reconhecer como iguais, é por

isso que a revista utilizasse do bem e do mal. Ao utilizar esses termos os trabalhadores da

indústrias bélicas, os soldados que fazem o trabalho dura não vão reclamar, pois estão

inseridos em um projeto maior, que é deter o inimigo externo.

O nazismo de Hitler o utiliza dessa tática quando expõe que cada alemão seja ele

trabalhador ou não é um ser superior, elimina a luta de classe.

90

DORFMAN, Ariel; JOFRÈ, Manuel. Super-Homem e seus amigos do peito. Paz e terra, Rio de Janeiro, 1978.

p.102.

69

Os agentes políticos no interior da revista, também não agem ativamente para resolver

problemas da população, quando aparecem, os norte-americanos, estão procurando modos de

defender o estado das posições de seus adversários, e os nazistas tramando atacar os EUA.

Ao dividir a realidade social objetiva em parcelas diferentes e estaques, que

nunca se tocam, anula-se uma característica estrutural do mundo

contemporâneo, (e de uma sociedade de classe) seu caráter problemático,

contraditório, conflito e dinâmico. Este parcelamento é o que permite não

mostrar as contradições entre o capital e o trabalho, ao eliminar, por

exemplo, tudo o que seja laboral91.

Jofré e Dorfman analisam as revistas em quadrinhos, no geral, sem identificar as

particularidades das revistas, ou seja, cada revista propõe uma discussão diferente, quando se

analisa num todo, não se identifica as peculiaridades delas.Mesmo assim os apontamentos

feitos por eles são muito ricos paraà analise do personagem do Capitão América. A falta de

conflito de classe, a defesa da estrutura econômica capitalista, a ausência de pensamento

crítico, entre outros, mas o interessante das analises de Jofré para se pensar as revistas em

quadrinhos do Capitão América, é a sua idéia do bem e do mal.

Um dos principais recursos presente nos quadrinhos é o maniqueísmo.

Mediante ele se mostra o mundo humano fragmentado e polarizado em bons

e maus. Esta demarcação ética tende a resolver-se no clímax, onde sempre

vencem os bons. Bons são todos os super-heróis, porque representam à

justiça e defendem a lei92.

Na revista em quadrinhos, o Capitão América é bom porque se alistou no exército e foi

voluntário para defender as linhas americanas na guerra, é justo e nunca provoca a morte de

seus adversários, mesmo eles sendo retratados como maus, covardes, ratos, indignos e sem

honra. A relação do Capitão com seus inimigos é um embate representado entre o bem e o

mal, entre o Loiro, alto e bonito, o herói e o feio e asqueroso, o bandido.

Essa relação entre bem e mal, permite ao Capitão América utilizar da tortura e até a

não importar-se com a morte de seus inimigo, sua ação é justificada pelos próprios atos de

traição que esses espiões cometeram, essa justificativa também serve ao ataque a Pear Harbor

e para o convencimento da opinião pública de que a guerra era eminente, por isso com os

ataques a pessoa de Hitler e não ao povo germânico a revista oculta as relações sociais que

existe e limita-se a colocar que a guerra é fruto das loucura de um homem, Hitler.

Além da ausência dos negros, também existe a ausência da crítica ao extermínio de

judeus, como vimos há referencias claras ao campo de concentração e de extermínio, já que

91

Idem, p.103. 92

Ibidem, p.103.

70

vimos Balwdin ser preso, e quando estava preste a ser eliminado, e o Capitão América o

salva. No entanto em nenhum momento os HQ‟s mostram outros presos desses campos, ou

seja, podemos ver que o autor não crítica o extermínio dos políticos contrários ao regime, ou

dos judeus, ciganos, homossexuais,dentre outros que foram exterminados no Holocausto.

Notemos também que se pegarmos a imagem do Capitão América, há semelhança com a

distinção do que seria o “ideal nazista” é muito semelhante.

As medições raciais, baseadas principalmente em dimensões cranianas,

altura e padrões de cores de olhos e cabelos, eram destinadas a mapear a

população alemã dentro de uma tipologia das variações dos indivíduos

arianos. Um dos efeitos dessa orientação era institucionalizar a seleção de

indivíduos por critério raciais, com consideráveis vantagens para tipos

nórdicos (altos, loiros e de olhos azuis). Especialmente nas SS93.

A crítica posta no HQ evade a crítica sobre o ideário criado pelos nazistas para

justificar as perseguições políticas e de extermínio.

O Mistério é: por que Hitler já inteiramente esgotado na Rússia, declarou

gratuitamente guerra aos EUA, dando assim ao governo de Roosevelt a

oportunidade de entrar no conflito europeu ao lado da Grã-Bretanha, sem

enfrentar esmagadora resistência política em casa? Pois havia muito pouca

dúvida na mente de Washington de que a Alemanha nazista constituía um

perigo muito mais sério, ou de qualquer forma mais global, para a posição

dos EUA – e do mundo – que o Japão. Os Eua portanto preferiam

concentrar-se mais em ganhar a guerra contra a Alemanha do que contra o

Japão, e concentrar seus recursos de acordo. O calculo foi correto. Foram

necessáriomais três anos e meio para derrotar a Alemanha, após que o Japão

foi posto de joelhos em três meses94.

Como percebemos no primeiro capítulo que as empresas estadunidenses já vinham

investindo desde 1939 nas produções desses meios de comunicação de massas em prol da

guerra, mesmo sem participar dos conflitos, o governo dos EUA já tinha consciência de que

poderia ser necessário entrar na guerra e tanto que o fizeram.

Como indagamos no início do Segundo Capítulo, “Através do HQ é possível entender

se esse conflito era baseado em questões políticas entre dois inimigos com ideologias

diferentes ou se eram por interesses comerciais divergentes?”

Como percebemos na leitura de Konder, o nazi-fascismo foi a salvação última do

capitalismo na Europa.

93

KIELING, César. A Questão Étnica e Racial In. PADRÓS, H. S.; RIBEIRO Luis Dário T.; GERTZ,

René(org.). Segunda Guerra Mundial, da crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre. Editora Folha da

História. 2000.p. 167. 94

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. 2ª Edição. São Paulo. Editora

Companhia das Letras. 1998. Pág 48.

71

Através da nossa pesquisa percebemos que o HQ do Capitão América utiliza,

guardada as devidas proporções, do mesmo princípio de pátria apropriado por Hitler e

Mussolini. É importante mencionar que nesse período as histórias do Capitão América eram

produzidas apenas para consumo interno.

Nessa medida entendemos que apesar da dúbia participação dos EUA durante todo o

conflito, internamente havia uma produção de filmes, documentários, histórias em

quadrinhos, desenhos, em fim uma gama de produções baseadas nos conflitos e na

necessidade de intervenção dos EUA contra a Alemanha nazista.

Aliado com a consolidação da Revolução Soviética e a expansão nazifascista, os EUA

entra na guerra, apesar das contradições dessa sua participação, para impedir o avanço

daqueles que poderiam colocar em risco sua hegemonia comercial e política no mundo.

O Capitão América foi um produto de guerra, como sua ida para o front, quando foi

distribuído para os soldados estadunidenses, sua função era a de homogeneizar o pensamento

desses soldados, convergindo seus pensamentos e ações em prol da guerra, encorajando-os e

unificando-os entorno do inimigo interno, o “espião nazista” e a “ditadura”.

Na formação da sua identidade tem as características de um herói comum, entretanto

sua coragem se sobressai na medida em que ele vence um inimigo e abre caminho para

combater o próprio Hitler, percebemos que a construção do enredo das histórias desses dois

números vai evoluindo para a construção do discurso do confronto eminente, ou seja, o

fortalecimento do discurso de “antes que eles nos ataquem devemos atacá-los”.

Portanto, ao fechar as cortinas e ao apagar das luzes, vimos a quem o Capitão América

serviu. Serviu para manter, internamente, o pensamento estadunidense de nação livre, e a

posição que eles deveriam assumir mundialmente de protetores da democracia e da liberdade,

discurso que após o fim dos conflitos em 1945 irá se consolidar na medida em que a Guerra

Fria se intensificou, mas isso é assunto para os próximos episódios.

72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1999.

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de Janeiro, 1978.

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HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. 2ª Edição. São Paulo.

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crise dos anos 30 ao Armagedón. Porto Alegre. Editora Folha da História. 2000.

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Donald na Segunda Guerra Mundial (1942-4).Brasília,2009. paginas rasuradas.

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2005.