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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP DANIEL REI CORONATO DISTENSÃO E UNIVERSALISMO: A POLÍTICA EXTERNA DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO IMPÉRIO BRASILEIRO (1870-1889) MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP DANIEL REI CORONATO DISTENSÃO E UNIVERSALISMO: A POLÍTICA EXTERNA DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO IMPÉRIO BRASILEIRO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

DANIEL REI CORONATO

DISTENSÃO E UNIVERSALISMO: A POLÍTICA EXTERNA

DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO IMPÉRIO BRASILEIRO

(1870-1889)

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2013

DANIEL REI CORONATO

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de Mestre em

Ciências Sociais (área de concentração:

Ciência Política), sob a orientação do Prof.

Dr. Edison Nunes.

SÃO PAULO

2013

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

____________________________________________________________

____________________________________________________________

AGRADECIMENTOS

A realização dessa dissertação só foi possível graças à colaboração e

paciência de vários amigos, familiares e instituições, às quais tentarei agradecer

sem deixar ninguém de lado.

Inicialmente, quero agradecer ao Prof. Henrique Altemani pelos conselhos

no período que foi meu orientador, colaborando de forma crucial na definição da

temática e no recorte histórico.

Agradeço também ao meu orientador Prof. Edison Nunes, que aceitou o

desafio em um momento decisivo e me possibilitou enxergar problemas e

possibilidades onde não as tinha visto. Sua franqueza e pragmatismo

possibilitaram desviar de muitos obstáculos durante a pesquisa.

Por fim, quero agradecer ao Prof. Clodoaldo Bueno pelas inúmeras

sugestões feitas durante a Qualificação e pela gentileza ao expor o que havia

para se melhorar.

Dos amigos e familiares, não poderia deixar de mencionar meus pais

Alberto e Sandra, pelo apoio irrestrito aos meus sonhos; aos meus irmãos Raquel

e Marcel, esse último colaborando, revisando, sugerindo mudanças e melhorias; e

a Amanda, pela paciência e ajuda em diversos aspectos do trabalho; por fim,

todos os amigos e companheiros de programa.

Não poderia deixar de agradecer ao Museu Paulista da USP pela

inestimável ajuda com as fontes e materiais de pesquisa, como também a CAPES

(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela

colaboração no custeio da pesquisa.

“O passado é o prólogo”

“What’s past is prologue”

(William Shakespeare – A Tempestade, Ato II, Cena 1)

RESUMO

O presente trabalho tem como eixo central o estudo das relações

exteriores do Império Brasileiro durante o período de 1870-1889, fundamentando-

se na intenção de compreender o sentido geral da política externa nas últimas

décadas do período monárquico. O objetivo será discutir e colocar à prova a

análise da política externa do período e avaliar se a Distensão e o Universalismo

teriam sido, de fato, os eixos essenciais de atuação externa nas décadas que

antecederam a derrocada do regime monárquico.

O estudo desse período conclusivo e dramático da trajetória nacional

pretende contribuir com as pesquisas históricas das relações internacionais do

Brasil e possibilitar uma maior compreensão à Política Externa Brasileira do

período Imperial, preenchendo a grande lacuna existente nas análises da atuação

externa dos últimos anos do Império Brasileiro. A explicação para essa realidade

é que se conveniou olhar para o processo de erosão do regime monárquico

brasileiro como sendo regido por uma supremacia dos assuntos internos sobre as

problemáticas internacionais. Todas as crises institucionais e políticas dos anos

finais do reinado de D. Pedro II parecem comprovar essa tese, especialmente

pelo desenrolar dos eventos que culminariam em 15 de Novembro de 1889, com

a Proclamação da República.

Apesar dessa preponderância da esfera doméstica, o período é rico em

aspectos elementares do processo de constituição histórica da política externa do

Brasil. Nele são apresentados processos que agem como grandes catalisadores

de movimentos internos, sistêmicos e especialmente nas relações múltiplas de

poder, que derivaram em certas peculiaridades na execução e entendimento do

interesse nacional.

Palavras-Chave: Brasil, História da Política Externa Brasileira, Império Brasileiro

ABSTRACT

The present work has as its central axis to study of foreign relations of the

Brazilian Empire during the period 1870-1889, with the primary intention to grasp

the general meaning of foreign policy in the last decades of the monarchic period.

The objective will be to discuss and try to put to the test analysis of foreign policy

of the period and assess whether the Distension and Universalism would have

been, in fact, the main thrusts of activity outside in the decades leading up to the

overthrow of the monarchy.

The study of this period of dramatic and conclusive trajectory national

intends to contribute with historical studies of international relations in Brazil,

enabling a better understanding of Brazilian Foreign Policy of the Imperial period

and fill in the large gap in studies of external action concerning the last years of

the Empire Dollars. The explanation for this is that reality became common to look

at the erosion process of the Brazilian monarchy as being ruled by supremacy of

the home affairs on international issues. All institutional and political crisis of the

last years of the reign of D. Pedro II seemed to support that theory, especially the

unfolding of events that culminated on November 15, 1889, with the proclamation

of the Republic.

Despite this preponderance of the domestic sphere, the period is rich in

elementary aspects of the historical constitution of the foreign policy of Brazil.

Therein are presented processes that act as major catalysts of internal

movements, especially in systemic and multiple relations of power, which

stemmed in certain peculiarities in the implementation and understanding of the

national interest.

Keywords: Brazil, History of Brazilian Foreign Policy, Brazilian Empire

Sumário

1. INTRODUÇÃO......................... .......................................................................................... 8

1.1 A Política Externa Imperial e a Visão Paradigmática ...................................................... 10

1.2 O Paradigma Liberal-Conservador e o Sentido da Política Exterior: Distensão e Universalismo................... ................................................................................................... 12

1.3 Metodologia da Pesquisa ............................................................................................... 20

2. A DISTENSÃO EXTERNA .............................................................................................. 26

2.1 As Repúblicas do Subsistema do Prata ......................................................................... 40

2.1.1 O Fim da Guerra do Paraguai ..................................................................................... 41

2.1.2 A Paz em Separado e o Acirramento das Negociações .............................................. 44

2.1.3 O Encerramento das Negociações e a Distensão no Prata ......................................... 56

2.1.4. As Consequências da Guerra do Paraguai para a Política Externa ............................ 60

2.2 A Diplomacia Imperial para o Pacífico ............................................................................ 65

2.2.1 A Neutralidade na Guerra do Pacífico e as Repúblicas do Pacífico ............................ 66

2.3 A Distensão Histórica do Império e os Ideais de Integração no Continente Americano........................... ................................................................................................. 71

2.3.1 O Confederalismo Bolivariano e a Inflexão Imperial .................................................... 74

2.3.3 Os Congressos Durante o Final do Império ................................................................ 85

3. O UNIVERSALISMO EXTERNO ..................................................................................... 91

3.1 A Neutralidade na Guerra Franco-Prussiana e as Relações com a Alemanha ............. 101

3.2 As Relações com a França .......................................................................................... 105

3.3 As Relações com a Santa Sé....................................................................................... 108

3.4 As Relações com a Grã-Bretanha ................................................................................ 112

3.5 O Problema da Mão-de-Obra ....................................................................................... 116

3.6 As Relações com os Estados Unidos ........................................................................... 126

3.7 As Viagens de D. Pedro II e o Prestígio Imperial ......................................................... 131

3.8 A Primeira Conferência de Washington ....................................................................... 135

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 143

REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS ...................................................................................... 146

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 147

8

1. INTRODUÇÃO

O período que vai de 1870-1889 é essencial na história do Império, por

ser aquele que reúne o auge e o declínio do regime monárquico. O presente

trabalho tem como eixo central o estudo das relações exteriores do Império

Brasileiro durante esse período, fundamentando-se na intenção de compreender

o sentido geral da política externa nas últimas décadas de Império Brasileiro. O

objetivo será discutir e tentar colocar à prova a análise da política externa do

período e avaliar se a Distensão e o Universalismo teriam sido de fato, os eixos

essenciais de atuação externa nas décadas que antecederam a derrocada do

regime monárquico, como sugere Amado Luiz Cervo na obra História da Política

Exterior do Brasil (2008). O estudo desse momento conclusivo e dramático da

trajetória nacional pretende contribuir com os estudos históricos das relações

internacionais do Brasil e possibilitar uma maior compreensão à Política Externa

Brasileira.

Inicialmente, torna-se importante ressaltar a grande lacuna existente nos

estudos de política externa referente aos últimos anos do Império Brasileiro. A

explicação para essa realidade se dá no fato que se conveniou olhar para o

processo de erosão do regime monárquico brasileiro como sendo regido por uma

supremacia dos assuntos internos sobre as problemáticas internacionais. Todas

as crises institucionais e políticas dos anos finais do reinado de D. Pedro II

parecem comprovar essa tese, especialmente pelo desenrolar dos eventos que

culminariam em 15 de Novembro de 1889, com a Proclamação da República. A

preponderância da esfera doméstica não diminuiu as cores da atividade externa,

apresentando na sua execução vários processos que agiram como grandes

catalisadores de movimentos internos, sistêmicos e especialmente nas relações

múltiplas de poder.

As pesquisas em Relações Internacionais, e, portanto, também o estudo

aqui pretendido em Política Externa, enfrenta dois perigos primários: o de

considerações sobre os fatos desprovidos de reflexões teóricas ou de teorizações

9

sem o apoio da análise histórica. (HALLIDAY, 2007, p.13) A atuação externa de

um país é incompreensível sem um esforço de situá-la em sua concretude

histórica, usando de um aparato teórico capaz de lidar com suas peculiaridades.

A política externa, entendida aqui como sendo o exercício de “traduzir as

necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de

controle de uma sociedade sobre seu destino”, não se situa no domínio das

fatalidades. (LAFER, 2009, p. 16-17) Apesar de ser impossível desconsiderar a

atuação do imponderável, sua atuação não se esgota na clássica dicotomia entre

causas e efeitos, como se o curso da história humana ocorresse à revelia da ação

dos indivíduos e dos agrupamentos humanos. A política externa “desafia a

argúcia do estudioso que vai à busca da inteligibilidade da ação humana no

tempo”, pois seu principal objetivo é dar um sentido aos processos históricos

dispersos no tempo. (CERVO & BUENO, 2008, p. 11)

A política de um Estado ou a compreensão de um fenômeno político

qualquer passa pelo conhecimento do processo histórico, pois, se não é possível

conhecimento absoluto sobre a verdade que cerca o observador, nada também

pode ser apenas casual e fruto de fatores contingenciais. (BANDEIRA, 2003,

p.36) Dessa forma, a natureza de uma determinada política externa torna-se

averiguável apenas por meio do exame dos atos políticos realizados, contudo,

não basta apenas o exame dos fatos. Para dar compreensão a uma política

externa, devemos enfocar a realidade política com uma espécie de esboço

racional, ou seja, um mapa que nos sugira as suas possíveis direções.

(MORGENTHAU, 2003, p.6) Nessa pretensão reside a essência do estudo

proposto, ou seja, realizar um esforço para compreender o sentido e dar maior

inteligibilidade à Política Externa Brasileira.

Além disso, a temática de pesquisa e o processo de escolha do recorte

temporal são as duas variáveis que em conjunto nos darão a dimensão do objeto

e sua relevância. Em ambos os casos, especialmente no que se refere ao período

histórico a ser pesquisado, a escolha é arbitrária e sujeita a dúvidas quanto a sua

10

neutralidade. Logo, torna-se elementar exemplificar os fatores que pautaram essa

escolha e definir a matriz teórica a ser trabalhada.

1.1 A Política Externa Imperial e a Visão Paradigmática

Como foi apontado no início da Introdução, o período de 1870-1889 foi

vital na trajetória do Brasil monárquico por reunir o momento áureo e a derrocada

do Império. A grande questão que pode ser levantada é: Afinal, como se

comportou a política externa do Brasil durante esses anos? Quais foram os seus

eixos de atuação e seu sentido de atuação? Para ajudar a responder a essa

pergunta, e outras que venham a surgir durante a discussão proposta, além de

evitar uma análise puramente dos fatos históricos, procuraremos delimitar um

marco conceitual para o debate. A diversidade teórica das relações internacionais

nos ajuda nessa caminhada, sendo essa uma das maiores forças da área.

(HALLIDAY, 2007, p.15-16)

Com a necessidade de dar sentido para a discussão por meio de um

marco conceitual pautado na teoria, usaremos o conceito de paradigma da forma

como Amado Luiz Cervo propõe na sua obra Inserção Internacional: formação

dos conceitos brasileiros (2008). O paradigma1 é normalmente definido como uma

representação compreensiva do real. Nas ciências exatas e naturais ele é o elo

que articula em uma teoria uma série de leis científicas. Quando uma lei é

rejeitada pela experiência, o paradigma cai. Em ciências humanas, o paradigma

tem a mesma importância de reunir as matérias que é objeto de investigação,

mas não apresenta a mesma rigidez. Nesse caso, a sua função é dar

inteligibilidade ao objetivo e iluminá-lo por meio de um aparato conceitual, dando

1 A discussão de paradigma é extensa. As perspectivas mais importantes são: a crença de que um paradigma

único (normal) é desejável, por Thomas Khun na obra A Estrutura das Revoluções Científicas (1962); o

outro argumento defende que a diversidade é desejável, realizado por Paul Feyerabend na obra Contra o

Método (1977).

11

uma “compreensão orgânica ao complexo mundo da vida humana”. (CERVO,

2008, p.65-67)

O paradigma em Relações Internacionais corresponde a um método que

envolve determinados pressupostos. Em primeiro plano, por trás do paradigma,

podemos verificar a existência de uma ideia de nação, que o povo e seus

dirigentes, fazem de si mesmo e do resto do mundo. Esse elemento nos

esclarece o conjunto de valores dessa sociedade, nos revelando os desígnios

duradouros da política exterior. Em segundo plano temos a percepção de

interesse, ou seja, a forma como o interesse nacional é entendido. Cada

paradigma vai modificar a visão destes, especialmente para os formuladores das

políticas externas. Por último, o paradigma envolve a elaboração dessa política,

condicionando tendências de médio e longo prazo, envolvendo modos de se

relacionar o interno ao externo e o cálculo estratégico que orienta as decisões.

Da análise paradigmática se espera uma organização da matéria, sempre

complexa e dispersa na realidade, conferindo o grau possível de inteligibilidade.

Por outro lado, ela possibilita “colher as determinações internas e os

condicionamentos externos, os fins da política, o peso da ideia de nação e da

cosmovisão” (CERVO, 2008, p.66). Sua função é ser uma referência para a

pesquisa, como um mapa de investigação, mostrando os pontos de chegada e

saída. Importante ressaltar que o paradigma pressupõe uma longa duração, não

servindo à análise de conjunturas passageiras, na medida em que as fatalidades

de curto espaço de tempo devem se encontrar dentro do escopo do próprio

paradigma.

Segundo a proposta de Amado Luiz Cervo (2008, p.67), as relações

internacionais do Brasil deram origem a quatro paradigmas: o liberal-conservador,

que se estende do século XIX a 1930; o desenvolvimentista, entre 1930 e 1989; o

normal ou neoliberal; e o logístico, sendo que os três últimos coexistem de 1990

para frente. Cada um deles possui um modo de funcionamento e cosmovisão

próprios que se encaixam em seus fundamentos. O objeto de interesse dessa

pesquisa se centrará no primeiro deles, o liberal-conversador, que engloba o

12

período histórico desse estudo. A metodologia usada a partir dele será a base

conceitual para a investigação e elaboração das conclusões desse trabalho.

1.2 O Paradigma Liberal-Conservador e o Sentido da Política Exterior:

Distensão e Universalismo

Os estudos do século XIX, tempo histórico deste trabalho, são essenciais

para constatarmos que o desenvolvimento desse período de fato merece a

insígnia da mudança e da revolução que lhe é usualmente designada, sendo ele

adjetivado como o “veloz” século XIX, no qual “numa década, se completavam

transformações que dantes se mediam por cem anos”. (ALMEIDA, 2001, p.13) A

Revolução Industrial criou euforia e novos espaços para a convivência das ideias

e percepções da realidade, sendo um período de ampla ascensão de diversas

formas de conhecimento.

O crescente avanço do capitalismo, durante a marcha do século como

sistema econômico e acompanhado das notórias tentativas de sistematização das

diversas áreas do saber, fez do século XIX um período marcado pela mutação

permanente. Essa aliança entre o saber e as possibilidades econômicas resultou

em um sentimento geral de euforia. Diversas áreas como a Economia, a Física, a

Metalurgia, entre outras, tiveram progressos até então incomensuráveis,

transparecendo para seus contemporâneos um processo com possibilidades

infinitas.

Na arte, o individualismo e ritmo intenso das cidades, cada vez maiores e

mais cosmopolitas, impulsionaram a criação de diversos movimentos, de

perspectivas completamente díspares. De um lado, o Romantismo criticava as

alterações dessa emergente sociedade industrial e buscava refúgio na tradição,

na vida próxima à natureza e a exaltação dos sentimentos amorosos. Do outro,

temos correntes como o Realismo e o Naturalismo, que valorizavam a reflexão

crítica da sociedade que estavam inseridos. Nos dois casos, as reações foram

diferentes aos mesmos desafios, ou seja, o fim das comunidades e a inserção de

13

uma nova forma de viver que caminhava para uma autonomia política e que ao

mesmo tempo destruía a noção de coletividade para consolidar o individualismo

moderno.

No campo das ideias, poucos e tão influentes períodos da história

humana podem se comparar ao século XIX. A sua efervescência criativa

contemplou e propiciou a criação de axiomas que ainda norteiam boa parte das

escolas de pensamento. Na literatura, temos a publicação de clássicos como:

Frankenstein, de Mary Shelley; Folhas de Relva, de Walt Whitman; Madame

Bovary, de Gustave Flaubert; Guerra e Paz, de Tolstoi; Orgulho e Preconceito, de

Jane Austen; entre muitos outros. Nesse período também transitaram múltiplas

perspectivas científicas que influenciaram a forma como o mundo até então era

visto. Grandes obras como: Democracia na América, de Alexis de Tocqueville; A

Origem das Espécies, de Charles Darwin; O Capital, de Karl Marx, entre outras,

mudaram o papel do homem, sua religiosidade, a sociedade que o rodeava, o

significado de liberdade, sua visão da história e acima de tudo a inserção do

indivíduo na realidade social que o circundava.

Em suma, pouquíssimas esferas da vida humana passaram intocadas

pela marcha inexorável do século XIX. O reflexo primordial se deu nos campos

econômico e político. Desde as décadas finais do século XVIII e os primeiros anos

do XIX, o sistema internacional2 vivenciou uma nova dinâmica, representada

pelas revoluções que as caracterizaram, tornando toda a estrutura absolutamente

instável. Com a dupla revolução, ou seja, a revolução burguesa e a industrial,

novos axiomas passaram a frequentar as pautas dos Estados. A nova distribuição

do poder e a lógica capitalista se tornaram preponderantes para os cálculos de

atuação e tomada de decisão, resultando em um dos períodos mais originais, de

2 “Um sistema de estados (ou sistema internacional) se forma quando dois ou mais estados têm

suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que

se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo. Naturalmente, dois ou mais

estados podem existir sem formar um sistema internacional, neste sentido.” (BULL, 2001, p.15)

14

movimentações constantes e determinantes para a formação e consolidação de

um sistema mundial de Estados.

O centro do sistema internacional global era a Europa, que apoiados

por essas mudanças, conseguiram transformar seus valores, interesses e

padrões de conduta, em um sistema universal de regras padronizadas,

convertendo-se em poderoso instrumento de expansão das potências centrais. Na

periferia do sistema, a América Latina foi compelida a adotar o modo europeu na

conduta diplomática, no modo de fazer comércio, de organizar a produção e das

suas organizações políticas.

O principal instrumento desse ordenamento eram os tratados bilaterais,

que resultavam em uma capacidade de produzir regras para o mundo, reservada

às estruturas centrais do capitalismo, que influíam diretamente na organização

interna dos estados periféricos. Amado Luiz Cervo vai criticar os cepalinos3 da

América Latina por não perceberem essa forma de gerar poder em escala global,

3 A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) é um órgão da Organização das

Nações Unidas (ONU), criada em 1948, e concebida para produzir estudos que apoiassem aos

governos desta região a programarem políticas públicas que minimizassem o atraso econômico, a

miséria e a desigualdade social, pela qual se destacaram intelectuais importantes, tais como Celso

Furtado, Enzo Faletto, Fernando Henrique Cardoso, Raúl Prebisch, entre outros. A vertente

desenvolvimentista desse pensamento conseguiu elaborar vários conceitos que ganharam

importância no pensamento latino americano. Conceitos originais desse corrente são os de

Prebisch como centro-periferia, indústria de base, mercado interno, renda salarial e especialmente

dos termos desiguais de troca, à teoria do desenvolvimento de Celso Furtado, até novamente

Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto que aprofundaram o estudo da relação entre

dominação e dependência, por meio da análise estrutural. Todos esses conceitos são atrelados ao

poder nas relações internacionais e à estratégia de conduzir-se por vantagens comparativas

naturais (América Latina) ou intangíveis (países desenvolvidos) (CERVO, 2008, p.73)

15

uma vez que esses não trabalhavam com o “conceito de sociedade internacional4

indutora de ordenamento global”.

Por meio desse instrumento, os europeus introduziram a chamada

política das portas abertas, que na prática significava a abertura do mercado da

periferia aos produtos manufaturados europeus e, por consequência, bloqueava

suas atividades de expansão manufatureiras. Esse liberalismo tinha como

característica basilar possuir apenas uma face para fora e não aceitar o caminho

inverso. Essa inclinação só se alterou quando o centro pode operar suas

vantagens intangíveis, como o conhecimento, a tecnologia e a organização

empresarial para a manutenção do abismo entre as partes. Essa lógica da

prevalência de um centro e uma periferia, com funções complementares no

sistema de produção, resultou na divisão internacional do trabalho, derivando em

vantagens comparativas para o núcleo hegemônico do capitalismo. (CERVO,

2008, p.68-69)

Apesar da conjuntura pouco favorável, a execução da política externa

brasileira feita pelos negociadores imperiais na época da Independência tentou

fazer valer os direitos dos exportadores de produtos primários, contudo, demorou

décadas até a diplomacia brasileira, com muita dificuldade, conseguir conquistar

os principais mercados mundiais, especialmente o norte-americano, para os

produtos do setor agroexportador. A ideologia do corpo dirigente brasileiro era do

4 “Existe uma "sociedade de estados" (ou "sociedade internacional") quando um grupo de estados,

conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se

considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de

instituições comuns. Se hoje os estados formam uma sociedade internacional é porque,

reconhecendo certos interesses comuns e talvez também certos valores comuns, eles se

consideram vinculados a determinadas regras no seu inter-relacionamento, tais como a de

respeitar a independência de cada um, honrar os acordos e limitar o uso recíproco da força. Ao

mesmo tempo, cooperam para o funcionamento de instituições tais como a forma dos

procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional,

assim como os costumes e convenções da guerra.” (BULL, 2001, p.19)

16

liberalismo de matriz europeu, que influenciou na construção das instituições

políticas e na organização da sociedade, salvo a exceção da escravidão.

A política externa e a inserção internacional do Brasil durante a

vigência do paradigma liberal-conversador teve dois alicerces capitais: a vertente

liberal com um maior primado sobre os assuntos da esfera econômica; e o

conservador na esfera da política e do jogo geopolítico. A submissão e a

autonomia são as imagens que representam cada um deles respectivamente,

mesmo que de uma forma limitada. Apesar da inclinação apresentada nas

matérias mencionadas, não houve momentos de subserviência completa,

comprovados, por exemplo, pela dura resistência à manutenção da escravidão,

mesmo com as mais fortes pressões internacionais. Também não houve completa

soberania, uma vez que vários objetivos externos tiveram de ser intermediados

por potências centrais.

A vertente liberal do paradigma se reforçará em política externa no

corpo dirigente brasileiro durante todo o período Imperial, defendendo o livre jogo

das forças econômicas e da manutenção da condição de periferia com a

assinatura dos tratados desiguais e, depois dele, da política aduaneira. Os

estadistas e o corpo dirigente brasileiro do século XIX mostram a face

conservadora do paradigma. Em sua maioria, eram realistas que entendiam que a

ordem resultaria do primado da autoridade sobre os ideais. Compreendiam ser

necessário exercer certo controle sobre o subsistema5 platino de relações

internacionais e a negociação firme das fronteiras nacionais. A face liberal e a

conservadora, apesar dos termos parecerem ser excludentes, formavam o núcleo

duro de atuação externa do país. (CERVO, 2008, p.70).

5 “Em termos abstratos, um subsistema adquire realidade própria na medida em que os Estados e

os povos vivem espontaneamente a solidariedade do seu destino, mesmo na ausência de um

equilíbrio local de forças militares, e estabelecem uma diferença entre o que acontece dentro e

fora da sua região geográfica e histórica.” (ARON, 2002, 495)

17

A política externa representada pelo paradigma liberal-conservador,

portanto, seguindo as considerações levantadas por José Luiz Werneck da Silva

sobre o Brasil Imperial (2009, p.13), em consonância com o modelo de Amado

Luiz Cervo, seria duas faces da mesma moeda: uma face dependente e

relativamente submissa às estruturas centrais, especialmente a Inglaterra; e outra

que se apresentava dominante e relativamente autônoma, especialmente perante

as questões envolvendo o subsistema do Prata.

Dessa combinação de perspectivas, temos a figura dos liberais-

conservadores, que eram de fato o segmento detentor do poder na sociedade

brasileira. Em sua maioria, eram compostos por grandes proprietários de terras e

burocratas ligados aos primeiros, que tratavam os seus próprios interesses como

sendo os nacionais:

Aqueles dirigentes confundiam, logicamente, o interesse nacional com os próprios interesses, ou seja, os do grupo socioeconômico hegemônico: dispor de mão-de-obra, exportar os frutos da lavoura e importar bens diversificados. A diplomacia da agroexportação, conceito elaborado por Clodoaldo Bueno, não explica toda a política exterior do Brasil, mas retrata a essência da funcionalidade do Estado na área externa. Tendo sido apropriado pelas elites sociais, o Estado manobrava o processo decisório em política exterior voltado àquela leitura restrita do interesse nacional que faziam os dirigentes. (...) Os impactos sobre a formação nacional são bem conhecidos de nossos historiadores: ilusão de modernidade em ilhas urbanas de consumo ou fazendas interioranas e atraso econômico da nação (CERVO, 2008, p.70)

Como toda teoria deve ser tomada de forma crítica, exatamente pela

impossibilidade de abarcar toda a realidade a sua volta, a visão paradigmática

proposta por Cervo tem algumas limitações. A análise por paradigmas apenas

nos dá um quadro de referência, mas só tem validade com um complemento

histórico que tão somente pode vir da análise dos fatos e dos atos políticos,

deixando muitas lacunas possíveis no seu entendimento central.

Além disso, em alguns momentos fica a sensação de que existe na

concepção deste paradigma um axioma indireto que consistiria no pressuposto de

18

que a política externa do Brasil deveria ter como meta central o desenvolvimento

nacional. Essa é uma percepção desenvolvimentista, que tem como base o

interesse nacional repousando na meta de romper a dependência externa e

vencer o atraso econômico e social. Apesar da enorme validade dessa

perspectiva e sua importância para o entendimento das relações internacionais, a

escolha desse elemento como sendo fundamental esconde ou diminui outros

pontos importantes para a condução dos assuntos externos e do próprio interesse

nacional, como se na impossibilidade de avanços substantivos em matéria de

desenvolvimento, a política externa deveria ser simplesmente taxada de

fracassada.

Ainda assim, a visão paradigmática proposta por Cervo em política

externa permite evitar confusões metodológicas e pautar uma discussão mais

sólida dentro do tema proposto. Compreendemos por ela os contornos mais

importantes da atuação externa e a cosmovisão dos detentores do poder,

possibilitando a procura do sentido da política externa no período de 1870-1889.

O paradigma nos dá uma visão de longo prazo, por isso se torna

elementar a compreensão das forças que interagiram na conjuntura do período

que vai do término da Guerra do Paraguai (1870), até a queda da monarquia

(1889). A hipótese do trabalho, defendida na obra História da Política Exterior do

Brasil (2008), porém, carente de um estudo sistematizado, é que ao final do

Império duas grandes tendências interagiam uma sobre a outra. A primeira delas

seria uma Distensão externa, especialmente vinculada pelos eventos no

subsistema do Prata e a segunda seria um Universalismo externo, especialmente

nas questões econômicas e de prestígio. As lógicas da Distensão e do

Universalismo se revelam de forma categórica dentro do funcionamento do

paradigma liberal-conversador. Aparentemente contraditórias, as duas tendências

conteriam o sentido da política externa naqueles anos.

A primeira delas, a Distensão Externa teria sido, segundo a hipótese

defendida por Cervo, desejada e administrada pelo Estado por inúmeros fatores,

dentre eles: Primeiro - A Guerra do Paraguai desviou recursos e provocou grave

19

crise interna, ocasionando grandes repercussões na estrutura das instituições

imperiais; Segundo - Os velhos conflitos com a Inglaterra, da navegação do

Amazonas e das fronteiras estavam apaziguados; Terceiro - A Distensão era

condição necessária para evitar um novo conflito ao sul, dessa vez contra a

Argentina. (CERVO, 2008, p.129-130)

Dentro do paradigma, a Distensão funcionaria como um impulso da

vertente conservadora, imprimindo uma tentativa de manter a soberania e a

balança de forças da região platina. A distensão seria a face da moeda que tem a

autonomia como emblema, mas que por força das circunstâncias, ou seja, por

estar o Império voltado a si mesmo para solução dos problemas internos, teria

sido a melhor saída para a manutenção da estabilidade regional e evitado uma

guerra que não desejava e nem podia levar a cabo.

Do outro lado, o Universalismo seria a representação da perspectiva

liberal do paradigma. No período que compreende os anos de 1870-1889, teria se

imprimido maior prestígio e extensão na ação externa, refletidas especialmente na

presença cada vez mais marcante do Império nos congressos, feiras, foros de

arbitramento internacional, viagens do Imperador e finalmente aceitando

participar, juntamente aos Estados Unidos, com as propostas pan-americanistas.

Se por um lado o retraimento era necessário, em uma fase que as crises internas

sugavam as energias do país, também não era aconselhável estar fora da

ampliação capitalista global. A Alemanha de Bismarck agenciava as relações

internacionais europeias e se preparava com os Estados Unidos para

desempenhar um papel mais ativo no cenário mundial, tornando o sistema, como

um todo, mais complexo e demandando do Império decisões de circunstância. A

diplomacia da agroexportação vai aproveitar desse impulso para aumentar seus

mercados e se beneficiar de forma mais intensiva do impulso cosmopolita do

comércio internacional desse período de avanço capitalista global. (CERVO &

BUENO, 2008, p.129-130)

As duas tendências, Distensão e Universalismo, se sobreporiam e se

uniriam, segundo a hipótese levantada, norteando as decisões externas no

20

período de 1870-1889. Usando como base os axiomas do paradigma liberal-

conservador, analisaremos os eventos ocorridos na política externa daqueles

anos para dar ou não validade ao modelo proposto.

1.3 Metodologia da Pesquisa

Nos caminhos da pesquisa, muitos são os obstáculos e dificuldades a

serem vencidos. Para auxiliar nessa empreitada, contamos com a inestimável

ajuda de trabalhos produzidos no meio acadêmico e fontes do governo brasileiro,

possibilitando o uso de instrumentos conceituais e teóricos. Dentre as fontes

essenciais, podemos ressaltar as Falas do Trono6, as Consultas da Seção dos

Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado7, os arquivos ministeriais do

período, com atenção especial ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e os

Relatórios apresentados à Assembleia Geral8, além dos Tratados e acordos

firmados no período.

O grande desafio desse tipo de pesquisa é evitar que as escolhas dos

objetos sejam arbitrárias, dando ênfase para algum fator em detrimento de outro.

Para solucionar o problema da amplitude do estudo e o longo recorte histórico

proposto, se mostrou importante mapear quais eram os principais temas da

política externa. Para que o processo fosse o mais fidedigno possível, a agenda

internacional do Império foi retirada das fontes oficiais de maior abrangência do

período, ou seja, nas Falas do Trono e nos Relatórios do Ministério dos Negócios

Estrangeiros.

6 Falas do Trono. Prefácio de Pedro Calmon. São Paulo Cia. Melhoramentos, 1977.

7 O Conselho de Estado e a política externa do Império: Consultas da Seção dos Negócios

Estrangeiros / Centro de História e Documentação Diplomática. – Rio de Janeiro: CHDD; Brasília:

FUNAG, 2009.

8 Relatório da Repartição de Negócios Estrangeiros (RRNE)

21

A primeira delas, as Falas do Trono9, revelou quais assuntos estavam na

pauta das mais relevantes esferas do poder Imperial. A importância da

consolidação dessas informações foi fundamental. As Falas do Trono revelaram

um resumo seguro, com uma periodicidade quase anual e de relevância impar.

Nela se versava sobre política interna, finanças, problemas internos diversos, etc.,

e claro, os mais primordiais temas internacionais.

Como metodologia para separar os pontos elementares em política

externa de outros mais tangenciais, ou seja, menos prioritários para entender os

movimentos gerais da diplomacia Imperial no período, foram mapeados os

assuntos de forma esquemática e visual nos quadros a seguir:

9 “A Fala do Trono era a oração com que o Imperador abria e encerrava a sessão legislativa,

chamada pela Constituição de 24 de março de 1824, ‘sessão Imperial de abertura’ – a 3 de maio e

‘também Imperial’ a última do ano, ‘reunidas ambas as câmaras’ em assembleia geral (art. 18 e 19

da Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824) (...) Vale dizer que o

conjunto dessa conversa, da suprema autoridade com os delegados da massa, oferece à História,

que pretende documentar-se, um farto material de questões, de soluções, de ideias, de propósitos,

de resistências, de afirmativas e negações, absolutamente precioso, tanto para o retrospecto

político como para o panorama social. (CALMON, 1977, p.7-8)

22

Quadro 1 – A Política Externa nas Falas do Trono (1870-1877):

Falas do Trono (1870-1877)

Países Mencionados Assuntos de Política Externa

1870 Paraguai Guerra do Paraguai

Tratado da Tríplice Aliança

1871

Paraguai Acordo Prévio de Paz

Europa (sem distinção de países)

Viagem do Imperador

Estados Unidos e Grã-Bretanha

Convite de Arbitramento

1872

**** Viagem do Imperador

Paraguai Ajustes de Paz em Separado

Argentina Dúvidas e Reclamações Sobre o Acordo Império-

Paraguai

1872-1873

Argentina e Paraguai Acordo de Paz - Acordo Preliminar Realizado

Argentina, Portugal, Itália e Grã-Bretanha

Tratados de Extradição

Portugal Cabo Transatlântico Brasil-Europa

1873

Peru Convenção Postal

**** Cabo Transatlântico Brasil-Europa

Áustria Exposição Industrial

1874

Argentina e Paraguai Acordo de Paz - Sem Solução

Grã-Bretanha Convenção Consular

Bélgica Tratado de Extradição

Argentina Convenção Postal

1875

Paraguai Definição das Fronteiras do Império com o

Paraguai

Alemanha, Itália, França e Bélgica

Convenção Postal

Argentina Negociação do Acordo de Paz

Santa Sé Questão Religiosa

1877

**** Viagem do Imperador

Grã-Bretanha Convenção Postal

Portugal Convenção Consular

Argentina e Paraguai Celebração dos Tratados de Paz, de Limites e de

Comércio

Paraguai Retirada das Tropas Imperiais de Assunção

**** União Geral dos Correios

Chile Convenção Postal

**** Acessão do Império à Convenção Telegráfica

Internacional

23

Quadro 2 – A Política Externa nas Falas do Trono (1878-1889):

Falas do Trono (1878-1889)

Países Mencionados Assuntos de Política Externa

1878 Espanha Convenção Consular

1879

Uruguai Tratado de Extradição

**** Adesão à Convenção Postal Universal de Paris

Repúblicas do Pacífico Neutralidade na Guerra do Pacífico

1880

Chile, Peru e Bolívia Prolongamento da Guerra do Pacífico

França e Estados Unidos Arbitramento entre a República Francesa e os

EUA

1881-1882 Holanda Tratado de Extradição

Chile, Peru e Bolívia Prolongamento da Guerra do Pacífico

1882

Chile, Peru e Bolívia Prolongamento da Guerra do Pacífico

China Celebração o Tratado de Amizade, Comércio e

Navegação

Alemanha Convenção Consular

1883

Chile, Peru e Bolívia Prolongamento da Guerra do Pacífico

**** Incentivo à Imigração

Grã-Bretanha, França e Chile Convite de Arbitramento

1884 Chile, Peru e Bolívia

Paz Entre o Chile e o Peru; Bolívia e Chile Permanecem em Guerra

Bélgica Convenção Consular

1886

Argentina Comissão Mista para Tratar dos Territórios em

Litígio

Alemanha, Bélgica e Chile Convite de Arbitramento

Uruguai Neutralidade nas Questões Internas Uruguaias

1887

**** Epidemia e Fechamento de Portos

Argentina Trabalhos da Comissão Mista para Tratar dos

Territórios em Litígio

**** Viagem do Imperador

1888

**** Viagem do Imperador

Argentina Trabalhos da Comissão Mista para Tratar dos

Territórios em Litígio

Argentina, Uruguai Convenção Sanitária

1889 ****

Participação no Congresso de Estados da América do Sul

**** Estímulo à Imigração

24

A pluralidade de países, acordos e temas apontados pelas Falas do

Trono se mostrou clara. De forma preliminar, ela demonstra uma atividade

externa permanente e afinada com os grandes eventos de sua época. Por meio

deste grande mapa, foi possível delimitar com mais atenção os assuntos

obrigatórios, criando um grande trajeto de investigação e análise.

Após essa etapa, coube averiguar nos Relatórios do Ministério dos

Negócios Estrangeiros outros tópicos de relevância tratados em suas exposições

e cruzar com as informações reveladas pelas Falas do Trono. Todos os Relatórios

desde o princípio da Guerra do Paraguai (1865) até os primeiros anos da

República (1902) foram analisados, dando subsidio documental e histórico para

análise. Seu conteúdo reafirmou a importância dos objetos já mencionados, além

de apresentar uma infinidade de questões externas à análise política.

No período que vai de 1870-1876, o principal assunto são as

consequências da Guerra do Paraguai, os acordos por ela gerados e a escalada

de tensão entre o Império e a República Argentina. Durante todo o período, com

mais ou menos atenção, os relatórios tratam das questões gerais de limites, as

relações com os Estados Unidos, Inglaterra e outras potências; a posição do país

frente à Guerra Franco-Prussiana e a subsequente relação com a Alemanha. As

problemáticas regionais e o avanço das ideias interamericanas, como exemplo

final, a Conferência de Washington tem uma importância fundamental, como será

visto nos próximos capítulos. A questão da mão-de-obra será outro assunto que

tomará atenção dos formuladores de política externa, e terá na missão à China

um dos episódios narrados com mais elementos a se explorar. As viagens do

Imperador e a influencia de D. Pedro II na política externa do período também são

apresentadas, além algumas outras questões secundárias; todas citadas e

tratadas com mais ou menos atenção.

Finalizada essa fase, passamos a investigar as notas, despachos e

tratados firmados no período. Atenção especial foi dada para aqueles com vínculo

nos grandes temas do período, que poderiam auxiliar com mais exatidão na

25

investigação do sentido geral da política externa do período e já apontados com

maior destaque nas Falas do Trono e nos Relatórios.

Com o apoio dessas fontes, a exposição será dividida em dois grandes

eixos, sendo o primeiro com intuito de apresentar e discutir a política externa

norteada pelo princípio da Distensão externa, onde serão apresentadas as

origens do processo de erosão do regime e suas consequências na atuação

internacional; o segundo tratando do Universalismo da diplomacia Imperial,

englobando as relações com o resto do mundo, em especial com os países

centrais do sistema global. Com isso, poderão ser tratados de forma ampla e

pormenorizada os aspectos mais elementares do processo, estruturando a

discussão da política externa com base no aparato conceitual e paradigmático

exposto nessa introdução.

26

2. A DISTENSÃO EXTERNA

A palavra Distensão tem múltiplos entendimentos. De forma geral, o

termo é usado como sendo o ato ou efeito de distender, uma diminuição ou

ausência de tensão ocasionada por um relaxamento ou afrouxamento. Há o uso

da palavra para descrever também processos de continuação, prolongamento e

desenvolvimento. No sentido sociopolítico, ele é usualmente atribuído “à

diminuição ou término das tensões entre países, entre a população, ou parte dela,

e o governo, entre grupos dentro de uma sociedade”. (HOUAISS, 2012).

A política exterior do final do Império, segundo a hipótese levantada por

Amado Luiz Cervo (2008), teria se comportado na sua vertente conservadora

conforme o paradigma vigente, de forma a procurar a Distensão para evitar o

conflito com a Argentina e se voltar aos temas internos. Dentro da esfera de

Distensão, deve-se considerar que o raio de atuação dessa política foi apenas

regional, ou seja, nos assuntos sul-americanos. Esse seria o máximo de inserção

autônoma que o Império era capaz de suportar, o que irá diferir vertiginosamente

a relação com as potências centrais.

Dentro desse contexto, o final da Guerra do Paraguai simbolizaria o

paradoxo do período de diversas formas. O ano de 1870 representou o período

áureo do Império e suas instituições. Sua força no âmbito regional era

incontestável, ao mesmo tempo em que a progressiva deterioração do equilíbrio

político institucional começava a minar a estabilidade do regime monárquico. O

fenômeno político que levou a Proclamação de República em 1889 derivou dos

dois grandes problemas que o Império foi incapaz de solucionar de forma

satisfatória: a abolição da escravatura e o novo papel dos militares no momento

seguinte ao final do conflito. (Calmon, 2002, p.237-238) Além disso, problemas

com a Igreja e a pressão das oligarquias, alocadas ou não em partidos,

(CHACON, 1981, p.53) colocariam em xeque as bases de sustentação da

monarquia. A deterioração e substituição do regime são a raiz da Distensão

27

externa, e só podem ser compreendidas com um recuo histórico, mais

especificamente na origem do sistema político Imperial.

Esse início se dá com a gênese da participação brasileira para o sistema

internacional, no ano de 1808, quando o mundo ibérico foi acometido de

mudanças profundas, que influenciariam sua parte europeia e americana

consequentemente. Neste ano, Napoleão Bonaparte impôs a Carlos IV e seu filho

Fernando VII da Espanha que abdicassem do trono em favor de José Bonaparte e

se exilassem na França. Em Portugal, quando Napoleão adentrou pelo país, o

príncipe regente português João fugiu para o Rio de Janeiro, levando consigo não

somente a corte, mas toda a estrutura burocrática do Governo Português. Além

dos arquivos, a biblioteca real e o tesouro público, acompanhavam junto do

príncipe aproximadamente 15.000 pessoas, que variavam entre funcionários do

Governo, seus familiares, como também alguns dos abastados da sede do

Império Português.

Enquanto o Brasil recebia a própria estrutura real da metrópole, a América

Espanhola não reconhecera a nova autoridade imposta por Napoleão, sendo que

emergiram juntas administrativas, muitas das quais, governavam em nome de

Fernando VII, recusando-se a receber ordens de juntas semelhantes formadas na

Espanha. Obviamente a oposição não tardou a chegar, sendo que grandes

conflitos se seguiram nesse período. Após a derrota de Napoleão, os líderes

locais que gozaram da autonomia e adquiriam grande experiência de autogestão,

não aceitaram a volta o status anterior, mesmo com a recondução de Fernando

VII em 1814. Este não aceitava a autonomia dos líderes locais e empreendeu

esforços militares para restabelecer a submissão das colônias.

A resistência dos americanos levou a um derramamento de sangue,

especialmente quando o parlamento espanhol, sob um Governo constitucional,

em 1820, provou ser somente um pouco mais ameno do que o rei, em relação

aos planos de autogoverno. A completa independência resultou na criação de

inúmeras Repúblicas Americanas. Em contraste com o resto da região, João (que

se tornou D. João VI) elevou o Brasil à condição de Reino, unido a Portugal, e

28

permaneceu no Rio de Janeiro, até que as cortes exigiram seu retorno à Lisboa,

em 1820, e que aceitasse uma constituição liberal. D. João VI deixou seu filho

Pedro como príncipe regente no Brasil, e em 1822, este tomou medidas para

declarar o Brasil independente, coroando a si mesmo como D. Pedro I. O Brasil,

deste modo, tornou-se formalmente independente como uma monarquia

constitucional. (GRAHAM, 2001, p.17-56) Formava-se, junto com a independência

das colônias inglesas que formaram os Estados Unidos, uma nova geografia de

poderes dentro da estrutura internacional de Estados que era centrada na Europa.

O Brasil Imperial, cercado por diversas Repúblicas, inovou com a

originalidade da presença de um príncipe português disposto a tomar a liderança

do movimento que culminaria com a independência, sendo decisivo para garantir

que, apesar dos percalços inexoráveis em movimentos de separação política,

houvesse uma transição com estabilidade institucional, social e a manutenção da

unidade territorial. Apesar de carregar consigo a legitimidade dinástica, foi

impossível para D. Pedro I passar ileso de um período de tensões e conflitos

políticos constantes, especialmente pelas desconfianças sobre seu

comprometimento com o constitucionalismo, e, acima de tudo, dúvidas sobre a

sua real autonomia frente à antiga metrópole portuguesa, especialmente pelos

laços familiares do Imperador. (BETHELL & CARVALHO, 2001, p. 699)

A Assembleia Constituinte foi um dos palcos mais importantes no arranjo

de forças políticas no início da vida do país. Convocada inicialmente pelo ainda

Príncipe Regente, em 3 de junho de 1822, mas só instalada oficialmente em 3 de

maio de 1823, foi um foro de violentos embates sobre a organização futura do

Estado Brasileiro. Mesmo com os mais ferozes críticos afastados do arranjo de

1822, como Joaquim Gonçalves Ledo e Cipriano Barata, tanto os tidos liberais

“moderados” quanto os “extremados” tentaram conter os poderes do Imperador,

especialmente aqueles que permitiam vetar leis e dissolver o parlamento.

Prevendo um desastre se a Assembleia, em curso, conseguisse de fato

seus objetivos, em 12 de novembro de 1823, D. Pedro a dissolveu à força e

imediatamente criou um Conselho de Estado que rapidamente redigiu uma

29

constituição. A decisão de dissolução inflou a oposição ao Imperador, jogando

boa parte da imprensa contra aquilo que foi categorizado como uma atitude

arbitrária e despótica. Seria um fim abrupto na relação cordial do monarca com a

sociedade política imperial.

No plano internacional, o imobilismo gerado pelos tratados do período da

Independência e a desastrada guerra contra as Províncias Unidas do Prata, na

qual, o Brasil perde a região Cisplatina, atual Uruguai, dá o abalo decisivo na

estabilidade institucional do país. Apesar da recusa de D. Pedro I, em 1830, após

a morte de seu pai D. João VI, de assumir a coroa portuguesa sua por direito, não

deixava de ser um estrangeiro para seus súditos, reinando em uma terra que não

era a sua. O clima de hostilidade e ódio crescente resultaram nos fatos que

derivaram na abdicação do Imperador Pedro I do Brasil, ocorrida em 7 de abril de

1831, em favor de seu filho D. Pedro de Alcântara, futuro D. Pedro II, então com

apenas cinco anos.

O novo Imperador, D. Pedro II, de sangue Habsburgo e Bragança, era

demasiadamente jovem para assumir uma função ativa, sendo que nos anos que

se seguiram foi preparado para suas futuras funções de monarca. No campo

político foi instituída uma Regência para administrar o país, marcada por uma

grande descentralização administrativa e aumento das lutas internas. Por um

período de dez anos reproduziu-se no Brasil, em escala reduzida, o fenômeno

centrífugo que agitou as colônias espanholas após a prisão de Carlos IV e

Fernando VII. Agitações populares, revoltas federalistas, três delas separatistas, e

ampla movimentação desestabilizadora, colocaram o Brasil e sua unidade

nacional em sério perigo. Da Cabanagem no Pará, passando pelos Farroupilhas

no Sul do país e pela Sabinada na Bahia, até a Balaiada no Maranhão, entre

outros diversos movimentos, as demandas das elites locais e de setores sociais

negligenciados desde a Independência pela Corte do Rio de Janeiro se fizeram

ouvir. (CARVALHO, 2012, p.90-97)

Na órbita palaciana, liberais e conservadores digladiavam pela disputa do

poder e na representação de alguns dos seus ideais. Em geral, a disputa das

30

duas correntes de pensamento variavam na organização política que o Império

deveria ter, sendo que com pouca variação, dominariam a cena política do Brasil

Império até seu momento derradeiro. Os conservadores defendiam um Estado

forte e altamente centralizado, e um Governo formado pelas classes por eles

chamadas de conservadoras, ou seja, na sua maioria proprietários de terra

voltados para a exportação, por grandes comerciantes e pela burocracia,

concentrados especialmente nas províncias do Rio de Janeiro, Bahia e

Pernambuco. Os liberais defendiam uma descentralização política e

administrativa. Em geral eram mais abertos às medidas como abolição do tráfico

de escravos, e congregavam, especialmente, os proprietários rurais que tinham

sua produção voltada ao mercado interno, como Minas Gerais, São Paulo e Rio

Grande do Sul, além da classe média urbana. (CHACON, 1981, p.35-36)

Em 1840, os conservadores no poder haviam aprovado várias medidas de

centralização política e redução da autonomia das províncias, causando grande

descontentamento entre os redutos liberais. Com medo de que novas reformas

aumentassem ainda mais o componente de centralização do Estado, recorreram

a uma causa popular que pedia a antecipação da maioridade do Imperador, que

só se daria em dezembro de 1843. A movimentação teve um apoio generalizado

da corte e a população aderiu em peso. D. Pedro, com apenas quatorze anos,

aconselhado por seus mestres e tutores, aceitou a antecipação e sua maioridade

foi aprovada pela Assembleia Geral.

Durante toda a década de 1840, o Brasil aprenderia a lidar com mais

naturalidade com o Poder Moderador. Nos tempos de seu pai, D. Pedro I, a falta

de ‘brasilidade’ do representante real instigava a oposição permanente a sua

figura, algo que D. Pedro II não teria de se preocupar. Brasileiro, Habsburgo e

Bragança, contava com ampla base de legitimação simultaneamente nacional e

dinástica. A Constituição Politica do Império do ‘Brazil’, de 25 de março de 1824,

que perduraria até a República, sendo até hoje a constituição que mais tempo

durou na história do Brasil, foi o caminho para a introdução do ‘quarto’ poder, ou

seja, a fonte constitucional do poder real. Inspirados pelo pensamento do francês

Benjamin Constant, o texto e a lógica de funcionamento da constituição de 1824

31

foram baseados na divisão dos poderes e tinha no centro de suas noções

constitucionais a ideia de representação. Sua estrutura visava limitar qualquer

poder que pudesse ser tão poderoso a ponto de sufocar os outros e ao mesmo

tempo dar voz aos anseios de amplos setores da sociedade.

Esse foi o momento de consolidação e ajuste dessa concepção de

Estado, algo que estava incompleto desde a Independência e sofreu sério revés

durante a Regência. Os liberais, que pelo apoio à maioridade do Imperador foram

chamados a compor o primeiro gabinete do Segundo Reinado, logo perderiam

seu posto e os conservadores voltariam ao poder. Temerosos da volta dos

conservadores, recorreram às armas. Entre 1842-44, os liberais foram derrotados

no campo de batalha pelas forças legais, e o Imperador já com alguma

experiência, usou das prerrogativas do Poder Moderador, oferecendo-lhes anistia

e a chance de voltar ao Governo. Nesse momento fica claro que a alternância de

poder era possível sem a necessidade de recorrer à violência, e o poder

monárquico poderia arbitrar e regulamentar as querelas políticas, legitimando de

uma vez o poder de D. Pedro II. A última rebelião do período regencial, a

Farroupilha, em 1845 é encerrada com um acordo entre a elite local e o Governo

Central; e a última grande rebelião liberal, a Praieira, derrotada em 1845, fazendo

com que a estabilização caminhasse a passos largos.

Com a consolidação definitiva do Poder Moderador, da alternância entre

conservadores e liberais sob os olhos atentos do Imperador e da estrutura de

representação legislativa, o Brasil finalmente teve tranquilidade interna para sair

do imobilismo que o aprisionava desde a Independência e criar uma matriz de

política que o acompanharia até o final do Império. Eliminadas as revoltas,

consolidado finalmente o regime, o Governo passa a olhar para os outros

problemas urgentes, que perpassam a área social, econômica e a política

externa.

A escravidão foi um dos pontos mais importantes e urgentes a serem

tratados. Na época da Independência, o Brasil tinha como objetivo central a

aceitação nacional do seu novo status de soberania. Nesse período, o poder

32

britânico e seu reconhecimento era algo que o recém-empossado Governo

brasileiro não poderia deixar de abrir mão. O Império pagou um alto preço, e entre

eles estava à determinação para que o tráfico de escravos fosse extinto. Proibido

em 1831 pelo acordo com a Grã-Bretanha, ele conseguiu inicialmente reduzir o

fluxo de vinda de negros ao Brasil, mas com a escassez e completa dependência

das estruturas econômicas dessa mão-de-obra, seu ritmo se intensificou. Os

britânicos sentindo-se contrariados dos seus interesses, autorizando a sua

Marinha a atacar e dar tratamento de piratas aos navios negreiros, levando-os a

julgamento nos tribunais do Vice-Almirantado. A medida foi extremamente

impopular na imprensa e nas ruas. Ela foi encarada com um completo desrespeito

à soberania nacional, além de ameaçar frontalmente uma das matrizes essenciais

da economia Imperial.

Na década de 1850, os conservadores gozavam de força e prestígio

interno e, incapazes de fazer frente aos ditames britânicos, resolvem de vez abolir

o tráfico. A nova lei aprovada na Assembleia e publicada em 4 de setembro de

1850 conseguiu aquilo que a anterior de 1831 não foi capaz: reprimir e extinguir

de fato o tráfico negreiro. Apesar de não solucionar o problema da escravidão

dentro do país, a abolição foi essencial no esforço de fazer valer as

determinações do Estado central e resolver um litígio que vinha se arrastando

desde a década de 30 com os britânicos. Além disso, a década foi marcada pela

criação de um código comercial e a mudança da lei fundiária que previa a venda

de terras públicas para o financiamento de contratação de mão-de-obra livre para

suprir os inconvenientes do fim da vinda dos escravos negros.

Na esfera internacional, o período foi de definição sobre o ponto mais

essencial durante todo o Império: a questão platina. Desde a perda da Cisplatina,

na guerra de 1828, o Brasil manteve-se em um distanciamento que foi quebrado

quando se viu obrigado a definir sua posição em função da política de Rosas,

governador do Estado Confederado de Buenos Aires, que com suas pretensões

expansionistas interferira no Uruguai a favor de Oribe. O Brasil preocupou-se

ainda mais quando Oribe passou a hostilizar os proprietários brasileiros que

33

habitavam o Uruguai, levando o Governo brasileiro a romper relações com Rosas

em 1851 e aliar-se com seus inimigos na disputa:

Em 1852, Rosas foi derrotado pelas forças aliadas na batalha de Monte Caseros. Com essa intervenção, o ministério, sob a influência de Paulino José Soares de Sousa, futuro visconde do Uruguai, definiu a política do país na área, que poderia ser resumida na frase: não conquistar e não deixar conquistar. O alvo principal da política era, naturalmente, a Confederação Argentina. (CARVALHO, 2012, p. 101)

A década de 1860 foi marcada pela luta política e efervescência do

debate público, sendo uma das décadas de mais intensa mobilização, discussão

de ideias e longos embates em conferências públicas e no Legislativo.

Internamente, o receio de revoltas ou com uma possível fragmentação haviam

sido deixados no passado, fazendo desse um período centrado, sobretudo, nas

grandes disputas sobre a natureza do sistema político. Aos poucos os liberais

começaram a colocar dúvidas sobre pontos essenciais do regime, em especial

matérias constitucionais. Na mira das críticas estavam à vitalidade dos cargos

senatoriais, as eleições indiretas, a longa discussão sobre centralização política e

administrativa, a dependência do Judiciário ao Executivo e o Poder Moderador.

As propostas reformistas só se abstinham de contestar àquela altura o sistema

político, ou seja, a monarquia constitucional. (CARVALHO, 2012, p.103-110)

O amplo processo de debates políticos foi interrompido por um

acontecimento imprevisto: a Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do Paraguai,

iniciada ao final de 1864, colocando Argentina, Brasil e Uruguai em uma inusitada

aliança contra a República do Paraguai. Naqueles anos nenhum assunto podia

rivalizar com o conflito em marcha. Sua importância se deu tanto no acirramento

das contradições internas, mas também na visão de mundo sobre o Brasil. Não

nos cabe aqui problematizar e contextualizar as causas e o andamento da guerra,

já que as consequências na política externa serão tratadas em um espaço

oportuno ainda neste estudo. De qualquer forma, a questão fronteiriça e a livre

navegação dos rios, especialmente o Paraná, foram cruciais para levar a

34

escalada dos eventos à maior contenda internacional da história da América do

Sul.

O entendimento geral no início dos combates era de que seria um conflito

rápido e uma vitória sem maiores consequências. A guerra, entretanto, se

estendeu por cinco anos, representando consideráveis perdas materiais para

todos os envolvidos, especialmente ao Paraguai, que perdeu parte significativa da

sua população masculina. Com o fim da guerra, em 1870, o Paraguai não foi

submetido a um acordo geral de paz, tendo que selar seus acordos

individualmente com cada parte envolvida. À Argentina foi reconhecida a atual

província de Formosa, localizada entre os rios Pilcomayo e Bermejo. Além disso,

a soberania argentina foi reconhecida sobre a atual província de Missões, no

nordeste do país, território que se encontrava em litígio e que foi ocupado pelas

forças de López durante o conflito. O Brasil, em 1872, conseguiria a

reinvindicação de livre navegação no Rio Paraná e o reconhecimento pelas

autoridades paraguaias dos territórios reclamados desde os tempos coloniais,

sendo que o novo limite entre o Império e o Paraguai passou a ser os rios

Paraguai, no oeste, e Apa, no sul.

A Guerra do Paraguai, nascida durante um gabinete liberal, sob a chefia

de Zacarias, constituiu o ponto inicial da crise que desencadearia o Império. A

ruptura entre o experiente marechal Caxias, que àquela altura era comandante

das forças brasileiras no Paraguai, e os liberais, provocou a queda do Gabinete e

a volta dos conservadores ao Governo (1868). Os liberais encararam como um

golpe sério ao equilíbrio de poder que deveria ser patrocinado pela Coroa, e se

distanciam do regime. Apesar de historicamente as tentativas de limitar os

poderes imperiais e a acentuação do federalismo fossem tradicionais no

movimento liberal brasileiro, a partir desse momento acrescenta-se ataques à

própria instituição monárquica. (DONGHI, 2005, p.194-198)

O apoio do Imperador à Caxias não garantiu o apoio dos militares.

Outrora herói do exército, fazia parte de uma geração de militares que dominaria

a cena pela última vez durante a Guerra do Paraguai. Do conflito, emerge uma

35

nova geração, mais consciente da própria força e mais exigente em face da

Coroa, a qual se revela pouco sensível às pressões dos militares. O conflito que

obrigou a esforços imprevisíveis ao corpo das forças armadas resultou em uma

estruturação renovada, o que contrastava com a classe política cada vez mais

distante das suas demandas. Se não todo o exército, mas ao menos os oficiais

mais jovens, descobriram no positivismo a ideologia adequada para legitimar seus

posicionamentos.

No positivismo, os oficiais encontraram também os instrumentos para

formular os moldes de um novo modelo de autoritarismo de tipo progressista,

contrariando o padrão encontrado no resto da América Latina, e se mostrando

sensível a causas como a abolição da escravidão. Delineia-se assim uma

corrente militar Repúblicana, especialmente no exército, que consegue um poder

de difusão à medida que é usada como instrumento de defesa dos interesses da

corporação militar do corpo de oficiais. Em 1885, essa corrente se alinha em

defesa de um colega, ameaçado de punição por ter criticado o ministro da guerra

em um jornal. Era o ponto final da estabilidade institucional e do apoio de um dos

principais alicerces do regime.

O Repúblicanismo dos militares não foi o único a se manifestar no

período. Em 1870, foi redigido o Manifesto Repúblicano que trazia várias

reivindicações e ataques ao regime. O “Manifesto Repúblicano” que chegaria ao

Rio de Janeiro levado pela voz do primeiro número do periódico A República, de 3

de Dezembro de 1870, tinha como líderes Quintino Bocaiúva, Joaquim Saldanha

Marinho e outros, que viriam inclusive a participar do futuro Governo Repúblicano.

Apesar de ainda não contar com apoio e representatividade política consistente,

os novos ideais Repúblicanos defendidos pelos civis passariam a influenciar,

mesmo que ainda marginalmente, a política brasileira. A visão sobre o Brasil e

seu papel no mundo sofreria um processo de lenta mudança nos anos que se

seguiram e a visão Repúblicana ganharia cada vez mais força:

36

Somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de Governo é, em sua essencia e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem da oppressão no interior, a fonte perpetua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam. Perante a Europa passamos por ser uma democracia monarchica que não inspira sympathia nem provoca adhesões. Perante a América passamos por ser uma democracia monarchisada, aonde o instincto e a força do povo não podem preponderar ante o arbítrio e a omnipotencia do soberano. Em taes condições pode o Brazil considerar-se um paiz isolado, não só no seio da América, mas no seio do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este Estado de cousas, pondo-nos em contacto fraternal com todos os povos, em solidariedade democratica com o continente que fazemos parte. (Manifesto Repúblicano de 1870).

No livro O Ocaso do Império, Oliveira Vianna vai tomar como sendo a

primeira grande fissura no sistema parlamentarista o caso do Gabinete Liberal de

1868. (VIANNA, 2006, p.26) Desse pequeno período que se estende a queda de

Zacarias (1868) ao Manifesto Repúblicano (1870), está o ponto de partida de todo

o movimento político que desembocará no golpe deflagrado pelos militares, que

resultaria na destruição do último Gabinete e a queda do Império:

Este fato (golpe de 1868) – a queda dos liberais chefiados por Zacarias – é decisivo para o prestígio das instituições em nosso país. Pode-se dizer que o grande processo de desintegração do sistema monárquico data daí – e isto pela maneira singular por que se operou a modificação da situação parlamentar, em perfeito contraste com as ideias dominantes no nosso ambiente político por aquele tempo, reflexo, por sua vez, das ideias dominantes no ambiente político do mundo. (VIANNA, 2006, p.8)

O regime monárquico ainda enfrentaria outras ameaças às suas colunas

de sustentação. O choque entre a maçonaria, que tinha o presidente do Conselho

como Grão-Mestre, e o clero, comprometeram ainda mais a monarquia,

comovendo a população e permitiu a oposição ao regime armar-se usando os

descontentes como ponto de apoio. A ordem Imperial se enfraquecia com a

postura de vários grupos políticos, aa perda do apoio seguro e decisivo do

exército, além da debilidade da relação com a Igreja.

37

A decadência geral da sociedade Imperial era evidente e se abateu em

quase todas as esferas da vida institucional. O último grande desafio ao Império

seria a questão da escravidão, apesar de ter perdido muito da sua importância

desde a proibição do tráfico negreiro na metade do século. A liberdade para os

filhos dos escravos, a ‘Lei do Ventre Livre’ decretada em 1871, apressou ainda

mais o desaparecimento de uma instituição já em declínio. A queda foi

vertiginosa: em 1850, os escravos eram dois milhões e meio, em 1874 caiu para

um milhão, e em 1887, setecentos e cinquenta mil. (CALÓGERAS, 1957, p. 373-

383)

O Imperador declarava-se favorável a emancipação, a ponto de

preocupar os velhos oligarcas que ainda usavam da mão-de-obra escravista. Com

o passar dos anos, havia um consenso em toda a sociedade de que não

demoraria muito a ocorrer à libertação dos cativos. O maior problema era a

indefinição sobre a indenização aos proprietários, algo que as finanças brasileiras

não tinham condição de enfrentar. Por outro lado, os setores emergentes

cafeeiros não necessitavam mais recorrer à mão-de-obra negra e se negavam a

colaborar em qualquer acordo sobre indenização. Finalmente, em 1888, pelas

mãos da Princesa Isabel, chegou-se à emancipação sem indenização de qualquer

espécie. O Barão de Cotegipe tentou resistir até o último momento contra a

tomada dessa medida. Em conferência com a Princesa-Regente, que o havia

inquerido sobre a demora na solução da questão, teria ouvido a profética resposta

de Cotegipe: “Vossa Alteza redimiu uma raça, mas perdeu seu trono” (COTEGIPE

apud CALÓGERAS, 1957, p.382)

Nesse momento demoliu-se a última trincheira que protegia o Governo

Imperial: os agrários escravagistas consideraram-se isentos da obrigação de

fidelidade à monarquia que tanto haviam defendido. O Brasil do café não

precisava mais da escravidão; a imigração europeia cobriria essa necessidade. A

expansão demográfica passara em 1872, de dez milhões, para quatorze milhões

em 1888. A velha ordem institucional pesava e limitava as margens de autonomia

da oligarquia emergente cafeeira. A corrente Repúblicana cada vez mais popular

no exército, enraizada na Província de São Paulo, sede de vanguarda do

38

desenvolvimento da produção do café, e em uma das províncias mais povoadas

do Brasil no momento, Minas Gerais, que se afastava cada vez mais dos

monarquistas. (COSTA, 1987, 357-360)

O Imperador pouco fez para defender a monarquia e nunca cogitou

pugnar pela coroa contra a vontade popular (CALÓGERAS, 1957, p.394). Seu

longo reinado foi baseado especialmente no seu prestígio, e com ele ajudara a

manter a unidade nacional mesmo nos conjunturas mais difíceis. Nos momentos

finais viveu seu período de maior tranquilidade pessoal, com viagens ao exterior e

contato com a cultura dos países centrais. Viajou por museus, assistiu a

espetáculos teatrais e musicais, e teve a oportunidade de transitar nas rodas mais

exclusivas de artistas, intelectuais e cientistas. Na França, teve contato com

grandes nomes como Victor Hugo e foi eleito membro do Institut de France. Em

1887, a sua saúde deteriorara, forçando-o a se tratar na Europa, onde esteve a

beira da morte no mês de maio de 1888. Ao voltar ao Brasil em agosto, não tinha

mais condições de governar, mas não aceitou renunciar. Foi acusado de naqueles

anos de ter aceitado quase com fatalismo a queda do regime, como se a

República fosse inevitável, não se preocupando nem em preservar a monarquia

para sua filha. (CARVALHO, 2012, p.126-127)

A abolição, assim como as tentativas de reforma introduzidas pelo último

gabinete de Ouro Preto, deveria ser vista como uma forma da monarquia

preservar-se, uma vez que antecipariam mudanças que mais cedo ou mais tarde

lhe seriam exigidas, no entanto, foram inócuas ao encaminhar do

desenvolvimento histórico. Os Repúblicanos, com auxílio do apoio recém-

conquistado em 1889 do Marechal Deodoro da Fonseca, que foi líder dos

conservadores no exército e historicamente apoiara D. Pedro II, deferiu um Golpe

de Estado, que não encontrou a menor resistência e alheio de qualquer

participação popular.

O Golpe estava marcado para o dia 17 de Novembro de 1889, mas um

boato de que Deodoro seria preso, e a Guarda Nacional atacaria os quartéis,

anteciparam os eventos para o dia 15. Cerca de seiscentos militares

39

congregaram-se no Campo de Santana, em frente ao comando geral do Exército.

Aproximadamente às 9 horas, Deodoro se encontrou com o Visconde de Ouro

Preto, último presidente do Conselho de Ministros e o depôs, sem tocar no

assunto do regime. O Imperador, avisado e sem dar muito crédito às noticias,

desceu de Petrópolis em direção à capital. O dia foi de grande indefinição, até que

somente à noite, quando Deodoro soube da indicação de que um inimigo pessoal

iria substituir Ouro Preto no gabinete, decidiu-se pela Proclamação da República.

A família Imperial foi intimidada a deixar o país na madrugada do dia 17.

Foi escolhido o período matinal para evitar grandes aglomerações, uma vez que

os golpistas receavam que movimentos e tumultos pudessem ocorrer, gerando

derramamento de sague. O navio os levou a Lisboa, onde o Imperador e sua

família foram recebidos com honras de Estado pelo seu sobrinho Carlos I,

decretando o fim do Império. (CALÓGERAS, 1957, p. 398-399)

Na atuação internacional, foco de interesse do estudo, no interlúdio

entre o fim da Guerra do Paraguai (1870), até a crise derradeira (1889),

prevaleceria a Distensão externa como força da face soberana, conforme os

termos do paradigma. Durante os anos finais do regime, as relações com o Prata

seriam intensas, especialmente antes de 1876. A relação e a proximidade com os

países da região faziam com que as Repúblicas platinas fossem a prioridade

sempre presente na pauta de assuntos externos e destino prioritário da projeção

de poder Imperial. Com a consolidação da Argentina como uma ameaça

potencial, o subsistema platino foi o palco mais importante da atuação

internacional no período.

Não se pode dizer o mesmo do Pacífico. A floresta Amazônica e as

Cordilheiras dos Andes funcionaram historicamente como uma barreira quase

intransponível dentro do continente, fazendo com que qualquer aproximação

fosse difícil e desafiadora. Com exceção da Guerra do Pacífico e da aliança virtual

com o Chile, não houve maiores interações na região. O reatamento das relações

cortadas com o Peru por conta da Guerra do Paraguai marcou um período de

40

maior tranquilidade e afastamento do Império para a região, deixando

transparecer uma possível Distensão histórica. (RRNE, 1869, p.18)

Por fim, foi às propostas interamericanas um dos grandes desafios ao

Império. Nelas, o Brasil monárquico tinha de lidar com seus vizinhos

Repúblicanos, e tentar a todo custo evitar que sua influência minasse as bases

fundamentais das instituições do país. Diferente do aspecto fundamentalmente

conjuntural do Prata, seria nesse caso uma Distensão histórica do Império com

finalidades objetivas.

Dessa forma, a investigação e a exposição desse capítulo serão

divididas em três partes: o primeiro tratando do Prata, das consequências da

Guerra do Paraguai e da Distensão na região; a segunda explorando as questões

do Pacífico e das questões que obrigaram o Império a se posicionar; e por último

os ideais americanistas e a relação do Brasil com os fóruns regionais. As

discussões se centrarão no objetivo de revelar em qual medida o sentido da

Distensão esteve presente nos mais importantes eventos do período aqui tratado.

2.1 As Repúblicas do Subsistema do Prata

No dia 01 de Março de 1870, morria em Cerro Corá o ex-presidente do

Paraguai, Solano López, encerrando o longo conflito. Em toda a parte, o Governo

Imperial declarava sua felicidade com o desfecho dos combates. O Império se

apoiava na tese que a guerra, apesar do enorme ônus para o país, seria

necessária para a defesa do interesse nacional. O relatório da Repartição dos

Negócios Estrangeiros de 1869-1870, apresentado à Assembleia Geral pelo então

Ministro Barão de Cotegipe, congratulava a vitória como um “triunfo da moral”,

exaltando a participação do Brasil e dos aliados como sendo a de defensores de

uma “causa justa, da liberdade e da civilização”. (RRNE, 1869, p.1-2) Na Fala do

Trono (1977, p.392-393), durante a abertura da Assembleia Geral em 6 de Maio

de 1870, D. Pedro II afirmava que a história atestaria em todos os tempos que a

41

geração que lutou a Guerra do Paraguai mostrou uma constante e inabalável

força para recuperar a honra do Brasil.

A situação objetiva, no entanto, apresentava desafios complexos à

diplomacia do Império. De fato, desde a Independência em 1822 até a guerra

generalizada no Prata, diferente das diversas nacionalidades ambíguas e

conflituosas que surgiram do processo de fragmentação do Império Espanhol na

região, o Brasil teve a seu dispor desde o primeiro momento um Estado

relativamente organizado, dispondo de uma burocracia e de um quadro militar

competente, possibilitando uma atuação até aquele período de uma preeminência

na política externa regional. Com o conflito, encerrava-se um ciclo histórico, com o

qual a região passaria a contar com a Argentina consolidada, passando a disputar

espaço de força muito mais acintosa com os brasileiros, começando ainda

durante os últimos eventos da guerra. (BANDEIRA, 2003, p.34-35)

2.1.1 O Fim da Guerra do Paraguai

Assim que as tropas da aliança entraram em Assunção, portanto, antes da

morte de López, os combates cada vez mais raros iam se transformando em

batalhas diplomáticas entre os altos funcionários dos governos da região. A

primeira grande discussão foi sobre a continuidade da guerra, uma vez que com a

capital ocupada, não haveria mais forças materiais para uma perda na campanha.

Os defensores dessa tese, entre eles Caxias, argumentavam que o Tratado da

Tríplice Aliança10 seria categórico nas intenções da guerra ser exclusivamente

com a finalidade de derrubar do Governo paraguaio e nada mais. Para eles, uma

vez destituída a autoridade legal, moral e real do antigo presidente, não haveria

motivos para prosseguir com uma campanha tão onerosa e mortífera. O Governo

10 Tratado de Alliança Offensiva e Defensiva entre o Brazil e as Repúblicas Argentina e Oriental do

Urugay contra o Governo do Paraguay – (Tratado da Tríplice Aliança), 01/05/1865, RRNE, 1872,

anexo I, p. 1-28.

42

Imperial, especialmente o Imperador, entendia ser absolutamente essencial para

os interesses brasileiros a captura do rival, trabalhando em todas as instâncias

para que assim o fosse.

Enquanto a captura não ocorreria, um dos primeiros movimentos do

Império para acelerar o término formal do conflito foi realizado pelo Conselheiro

Paranhos, depois Visconde de Rio Branco, em tentar junto aos representantes

argentinos e uruguaios a criação de um governo provisório no Paraguai. O seu

objetivo era instituir, em uma atitude conjunta com os aliados, quais seriam as

condições e mediante a quais delas poderiam os Governos aliados reconhecerem

o novo poder legal. O seu estabelecimento era uma necessidade não só para os

paraguaios, mas para todos os aliados, para que houvesse uma autoridade legal

com representatividade, tendo a função de tratar das problemáticas oriundas da

guerra.

A lógica que determinava as ações de Paranhos era a clássica visão dos

conservadores sobre os domínios do Prata, que desde de 1868, com a volta ao

poder, pretendiam desempenhar: a defesa da autonomia e independência do

Paraguai e Uruguai em contraposição à influência da Argentina e suas pretensões

de expansão. Dessa forma, ao almejar um equilíbrio de poder platino, conseguiria

o Governo Imperial conservar o status quo da região e o mesmo tempo

resguardar-se de que não seria ameaçado em seus interesses.

No dia 31 de março de 1869, trezentos paraguaios se reuniram em

Assunção, nomeando nessa ocasião três membros, encarregados em nome do

Governo do Paraguaio de entender-se com os plenipotenciários aliados a respeito

do estabelecimento de uma autoridade que fosse a expressão “legítima da

soberania popular” e que contribuísse para a derrubada dos resquícios do poder

de López e seus seguidores. (RRNE, 1869, p.3)

Em uma das primeiras conferências entre os representantes da Aliança,

Paranhos ofereceu a seus colegas um apontamento de bases para os ajustes

preliminares. Inicialmente afirmava que o Governo Provisório deveria ser livre

escolha dos cidadãos paraguaios, constituídos por pessoas que garantissem a

43

paz, a estabilidade e a capacidade administrativa, definidos em eleições livres.

Definia a adesão do Paraguai aos termos do Tratado da Tríplice Aliança, dessa

forma, teriam direitos e autoridade moral e legal para ajustes complementares. O

acordo afirmava que apesar da adesão ao Tratado garantir plena liberdade no

exercício da sua soberania, no que se refere à guerra, e aos direitos dos aliados,

por conta das causas e consequências da mesma guerra, ficaria ligado aquele

pacto a proceder de inteiro acordo com os aliados, ou seja, reparações e outras

necessidades oriundas da guerra. Além disso, o Governo Provisório não poderia

entrar em contato com López ou qualquer pessoa que o represente e os generais

aliados ficariam inteiramente livres e independentes do Governo provisório nas

operações contra o inimigo comum, sendo esse obrigado a cooperar nas

operações aliadas. Sua jurisdição civil e criminal não se estenderia aos quartéis,

acampamentos e indivíduos pertencentes à Aliança, além de garantir a livre

navegação dos rios às nações aliadas. (RRNE, 1869, p.3-5)

Para finalizar, sugeria nas propostas, no intuito de “animar o espirito de

união entre os paraguaios e de assegurar o apoio ao novo Governo, conviria à

criação de uma Junta Governativa composta por três membros”, tendo um deles o

título de presidente e exercendo o poder administrativo de delegação e

representação. (RRNE, 1869, p.3-5)

Logo houve divergência entre os representantes da aliança no que se

refere à questão dos poderes de influir no Tratado da Tríplice Aliança pelo

Governo Provisório do Paraguai. Em memorando do plenipotenciário argentino

(RRNE, 1869, p.3-5), seu representante afirmava que só convinha “dar a mão aos

poucos paraguaios que existem em Assunção” ajudando-os a constituírem um

governo provisório que prepare a futura organização do país e que o poder de

realização de Tratados, que demandam garantias futuras, seria demais para essa

etapa do processo. O Governo do Uruguaio foi pelo mesmo caminho, lamentando

discordar do representante de Sua Majestade Imperador do Brasil, mas entendia

que a celebração dos ajustes de paz só poderia ser realizado com o Governo

definitivo do Paraguai e “carregado de legitimidade popular”.

44

Após a troca de memorandos, em uma conferência final foram assinados

dois protocolos, sendo que a proposta de Paranhos foi aceita quase na íntegra,

com exceção à capacidade do Governo provisório em realizar Tratados. (RRNE,

1869, p.3-5) Essas condições foram comunicadas por nota coletiva de 8 de Junho

de 1869 e assinado no dia 20 de Junho pelo Governo Provisório do Paraguai:

1. Estabelecia a paz entre o Império do Brasil, a República Argentina, a

República Oriental do Uruguai e a República do Paraguai;

2. Aceitação dos Termos do Tratado da Tríplice Aliança pelo Paraguai;

3. Livre navegação dos rios as nações aliadas;

4. Os Aliados se comprometem a não influir direta nem indiretamente

na política e eleição do futuro governo permanente;

5. Liberdade do Paraguai em defender sua soberania territorial,

deixando os litígios de fronteira fora da lógica da conquista.

O protocolo adicional afirmava que eleições deveriam ocorrer três meses

após a criação do Governo Provisório, no entanto, as eleições só foram realizadas

no dia 24 de novembro do mesmo ano. Do pleito saíram vencedores: D. Cirilo

Antonio Rivarola como presidente e Caio Miltos como vice. No mesmo dia foi

realizado o juramento à Constituição, a primeira da história do país, redigida com

bases nas constituições dos Estados Unidos, Argentina e de outros países,

abrindo espaço para as negociações definitivas de paz.

2.1.2 A Paz em Separado e o Acirramento das Negociações

Com o encaminhar das conversas, o grande problema para o Império

ficava por conta das ações argentinas e seu interesse territorial na guerra.

Absolutamente proibido pelos termos da aliança, a conquista territorial parecia ser

45

um desejo da Argentina que o Brasil entendia ser essencial neutralizar. As

movimentações mais explícitas ocorreram quando o general chefe do exército

argentino ocupou a região do Chaco e as autoridades argentinas afirmaram por

meio de uma comunicação que a região era exclusivamente sua, e não havia

nada o que fazer ali as autoridades paraguaias. A comunicação formal foi

resposta à atitude do Governo do Paraguai em ter ordenado que suas autoridades

sujeitassem um cidadão americano, chamado de Eduardo Hopkins, ao imposto

correspondente à sua indústria de corte de madeiras instalada na região. A região

caiu imediatamente em litígio, já que o Paraguai afirmou que a região do Chaco

pertencia a seu território, não aceitando a posição do vizinho.

O argumento da República Argentina consistia em afirmar que o território

em questão lhe pertencia exclusivamente, e que a posse dele por parte do

Paraguai foi uma usurpação. Sua reinvindicação pela força das armas aliadas

seria, portanto, uma ocupação material e lógica. Apesar disso, alegava que a

vitória não dava direito por si só de declarar as definições de fronteira e que o

Tratado definitivo deveria ser negociado com o Paraguai. Nessa linha, a Argentina

defendia que não resolveu a questão de limites unilateralmente, mas sim, tomou

pelo direito da vitória o que entendeu ser seu, mas declarou que estaria disposto

a devolver se o Paraguai apresentasse melhores provas. (RRNE, 1869, p.9-11) A

ocupação também não significaria que não queria discutir com a Bolívia suas

reinvindicações, já que essa área também estava em disputa com aquele país

muito antes desse período, e sua decisão foi adiada para após os entendimentos

da Guerra do Paraguai.

A delicada situação merecia uma resposta sábia do Império, uma vez que

sem os ajustes de paz assinados por todos os membros da aliança com o

Paraguai, a escalada dos desentendimentos poderia ter um resultado trágico.

Paranhos, portanto, tentou criar uma postura neutra, afirmando que respeitava o

ato praticado pelo general argentino, mas não vinculando responsabilidade desse

ato ao Governo Imperial, já que apenas o Tratado da Aliança poderia estabelecer

os ajustes finais da paz. Para reforçar a isenção do Brasil na questão, renovou em

termos amigáveis o que previa o Tratado da Tríplice Aliança, e a única ressalva

46

relativa de sua parte ficou aos direitos que a Bolívia alegava ter sobre uma parte

do Chaco. As forças brasileiras que estavam no Chaco permaneceram lá, como

faziam antes, onde achassem mais convenientes, pelos termos da aliança.

Não seria o primeiro problema desse tipo durante o processo. O Governo

argentino solicitou também durante esse período a desocupação da ilha do Atajo,

em que existe uma posição naval brasileira, usando como argumento que a ilha

prestava-se com facilidade ao contrabando. A ilha do Atajo fica na foz do rio

Paraguai, e foi ocupada desde a invasão do Paraguai para poder ser usada como

ponte para as operações militares da aliança, servindo como um ponto de apoio

para os sítios em Tuynty, Curapaity e Hummaitá. Os generais brasileiros

ocuparam a ilha, certo de que estavam em território inimigo, já que ali existia um

posto militar paraguaio, denominado guarda do Cerrito.

Foram trocadas notas entre o Governo Imperial e o da República

Argentina, nelas reconhecendo que a ilha de Atajo não pertencia ao Brasil. O

Governo Imperial solicitou a saída das tropas brasileiras que a estavam

ocupando, mas eximiu-se de qualquer responsabilidade quanto à questão de

domínio sobre ela. A situação caminhava para um acirramento que ia contra os

interesses brasileiros.

Além disso, os representantes paraguaios enviaram à Corte, em maio

de 1871, o Sr. Carlos Loizaga, ministro das relações exteriores, para solicitar a

garantia do Governo Imperial, ou ao menos apoio moral para um empréstimo

pretendido pelo seu país, destroçado pela guerra. O apoio moral referido consistia

em fazer saber nas praças financeiras que, caso fosse necessário, o Brasil não

apresentaria objeção nenhuma derivada das definições de paz.

O Império respondeu não poder tomar sobre si a responsabilidade dos

empenhos financeiros de outros países, mas que sempre animado das intenções

mais justas e benévolas para com o Paraguai, não se opunha, e torcia para que

conseguisse realizar a operação de captação de crédito que almejavam, apenas

devendo ter atenção para que tal operação não prejudicasse os direitos dos

aliados à reparação. O alto escalão paraguaio se indignou com a recusa

47

brasileira, criando um mal estar que acirraria ainda mais os sérios problemas

envolvendo as negociações de paz.

O comportamento do Império em todas essas matérias pouco variou no

que se refere à doutrina em política externa. Como demonstração dessa visão,

por ocasião de uma das três vezes que viajou ao exterior, D. Pedro II dirigiu

conselhos à filha Isabel, que o substituiu como regente. Para exemplificar os

contornos desses princípios, cabe à citação do seguinte trecho da carta

endereçada a ela, e que endossa o espírito Imperial na relação com a esfera

internacional:

Cumpre ceder logo no que for justamente reclamado. Com os nossos vizinhos devemos ser generosos, e evitar tudo o que nos possa fazer sair da neutralidade a todos os respeitos, sem sacrifícios, todavia da honra nacional, que não depende, por nenhuma forma, do procedimento de quaisquer brasileiros, que tenham sido causa de seus justos sofrimentos em país estrangeiro. Esta política é às vezes dificílima; mas, por isso mesmo tanto mais necessária. Creio que assim desaparecerão finalmente as prevenções da parte de nossos vizinhos cujas instituições devemos considerar tão necessárias à sua prosperidade, com a qual não podemos deixar de lucrar, como julgamos das nossas quanto a nosso progresso. (D. PEDRO II – CARTAS À PRINCESA ISABEL – 03/05/1871)

Rio Branco entendia e tentava executar essa doutrina durante sua missão

na região. Pouco depois, o Visconde foi obrigado a interromper os trabalhos da

sua missão nas Repúblicas do Prata, após concluir o acordo prévio entre os

aliados, pois havia sido nomeado para o cargo de novo presidente do Conselho

de Ministros. Seria o começo do gabinete de maior duração na política imperial,

marcando uma época de transformações profundas do Brasil. (TORRES, 1968,

p.75)

O acordo tinha como objetivo uniformizar as propostas que seriam

apresentadas ao Paraguai, para que fosse possível realizar o Tratado Definitivo

de Paz. Os principais artigos versavam sobre11: Art.1 – haveria desde a data do

11 Negociações e ajustes definitivos de paz com a República do Paraguay, 25/01/1871

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Tratado, paz entre o Imperador do Brasil, a República da Argentina, a República

Oriental do Uruguai, a República do Paraguai, e seus cidadãos; Art. 3 a 6 – O

Paraguai aceitaria como dívidas de guerra o total dos gastos com a campanha

dos aliados, além dos danos e prejuízos às propriedades públicas e particulares

argentinas, brasileiras e uruguaias. Seriam criadas três comissões mistas, cada

uma das quais compostas por dois juízes e dois árbitros, para examinar as

questões das indenizações provenientes a cada estado. Em caso de divergência

entre os juízes, seria escolhido um dos árbitros e este decidiria a questão. Os

artigos também fixavam dois anos de prazo para apresentação de todas as

reclamações que deviam ser julgadas nas comissões mistas. A dívida seria paga

pelo Paraguai, à medida que se for liquidando, em apólices ao par, que venceriam

o juro de seis por cento e teriam a amortização de um por cento por ano; Art. 7 a

9 – A navegação dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai seria livre para o comércio

de todas as nações desde o Rio do Prata até os portos habilitados e para os

navios de guerra das nações ribeirinhas. A lei não se estendia aos afluentes para

comércio, mas se mantinha para os navios de guerra dos estados ribeirinhos,

ficando proibidos navios de guerra de países fora da região sem autorização

expressa; Art. 15 – Os membros da aliança se comprometeriam a respeitar, cada

um por sua parte, a independência, soberania e integridade do Paraguai, e a

garanti-las coletivamente durante o prazo de cinco anos; Art. 17 – O Paraguai,

como Estado soberano e perfeitamente independente, declarar-se-ia

perpetuamente neutro, e também seria reconhecido como tal por outras partes

contratantes, nos casos de guerra entre os seus vizinhos ou entre algum desde e

qualquer outra potência. A questão de limites ficou adiada para ser decidida

durante as negociações com o governo definitivo paraguaio. (RRNE, 1871, p.3-

18)

No dia 09 de Agosto, foi incumbido ao Barão de Cotegipe, na condição de

enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em missão especial nas

Repúblicas Oriental do Uruguai, Argentina e do Paraguai, substituindo Rio Branco

na tentativa de uma paz que fosse benéfica ao Império. A missão foi realizada

juntamente com o representante argentino, Manuel Quintana, e o representante

49

uruguaio Adolfo Rodríguez. O grupo entregou em 3 de novembro as credenciais

ao presidente do Paraguai, iniciando as negociações.

As tratativas entre os plenipotenciários ficaram seriamente comprometidas

por divergência sobre uma cláusula que garantia a independência, a integridade

territorial e neutralidade da República do Paraguai, obrigando aos povos

ribeirinhos a não levantar, sobre seu litoral e ilhas, fortificações ou baterias que

pudessem impedir a liberdade de navegação comum. O representante argentino

argumentou que essa disposição, pela sua natureza, tinha força de lei e deveria

ser submetida à sua Câmara dos Deputados. O Barão de Cotegipe afirmou ser

esse artigo um protocolo já aprovado em consonância com os termos da aliança,

logo não poderia ser desaprovado por outros. Além disso, o plenipotenciário

brasileiro temia que essa possibilidade de necessidade de aprovação pudesse

trazer consequências inesperadas. A delegação do Uruguaia acompanhou o

Brasil e entendeu ser válida a manutenção dos termos como previamente

acordados.

Além dessa problemática, outra divergência residia no fato da Argentina

querer reafirmar a cláusula do art.º 16 do Tratado da Tríplice Aliança, que tratava

da posse da região do Chaco. Cotegipe ponderou que uma decisão dessa

natureza seria extremamente prematura, e que deveria ser discutida

posteriormente entre a Argentina e o Paraguai. Sua tese se baseava na projeção

que nenhum acordo que saísse daquele escopo seria aceito no futuro, e que

muito possivelmente, pela desigualdade de condições, o Paraguai sairia

prejudicado caso houvesse uma definição de limites com todos os aliados ao

mesmo tempo. Os desentendimentos com o Brasil culminaram com o retorno do

representante argentino à Buenos Aires, levando Cotegipe, ansioso por uma

resolução rápida das tratativas de paz com o Paraguai a negociar a paz em

separado com o Paraguai.

Com a retirada do ministro plenipotenciário da Argentina para Buenos

Aires, o Barão de Cotegipe recebeu do Paraguai uma nota na qual este indagava

sobre a posição brasileira frente à decisão do enviado argentino. O Governo do

50

Paraguai desejava saber se realmente cessariam as negociações entre este e os

aliados, devido aos acontecimentos. Cotegipe respondeu12:

Nenhuma dúvida tenho em abrir negociações para o ajuste das questões pendentes entre o Brazil e o Paraguay, desde que o Governo da República nisso convenha enomeie o plenipotenciário com quem eu deva tratar (...) Estou convencido de que o Sr. plenipotenciário argentino fallará em nome do seu Governo e não dos aliados, havendo-lhe eu communicado a resolução de entabolar negociação com o Governo do Paraguay, desde que elle a isso se recusasse e sabendo que o Sr. Ministro plenipotenciário oriental achava-se de perfeito accôrdo com aminha opinião. (RRNE, 1871, p.16-17)

As negociações foram retomadas sem a presença dos aliados e resultaram

no Tratado Loizaga-Cotegipe, em 9 de janeiro de 1872, que incluíam quase na

íntegra as cláusulas negociadas por Rio Branco. Essencialmente o Tratado tinha

como objetivo referendar a paz e amizade entre o Império e a República do

Paraguai, mas também versava sobre limites, comércio, navegação, entrega de

criminosos e desertores, todos aprovados pelo congresso paraguaio e ratificados

pelo Governo Imperial.

As negociações sobre limite se encaminharam para estabelecer a fronteira

entre o Brasil e o Paraguai no rio Apa, não levando em consideração o rio Igurei

que constava no Tratado da Tríplice Aliança. A fronteira negociada coincidia com

a que Paranhos propusera na década de 1850 ao Paraguai, ainda governado por

Carlos Antonio López, pai do presidente Francisco Solano López, e remonta ao

período colonial, quando Portugal e Espanha desejavam a região, dando à

requisição uma áurea de desinteresse brasileiro em expandir seu território além

daquelas em litígio há muitos anos. A navegação livre pelos rios paraguaios foi

estabelecida, dessa forma, o Brasil conseguia uma via fluvial para a província do

Mato Grosso. A paz final determinava também que os gastos brasileiros com a

guerra eram de responsabilidade paraguaia.

12 Nota do Governo paraguaio ao plenipotenciário brasileiro, 13/12/1871.

51

O Império rompia com um dos principais pontos do Tratado da Tríplice

Aliança, o artigo 6º, com o qual os países se comprometeram a não negociar a

paz em separado. O argumento do Império quanto às acusações de contrariar o

Tratado da Aliança foi que o acordo de paz prévio entre as nações aliadas e o

Paraguai já havia sido assinado. A Argentina demonstrava nessa questão o

interesse de seu país em anexar parte do território paraguaio. O Brasil prevendo

que a se manutenção dos termos da aliança fosse mantida na íntegra, o Paraguai

seria envolvido em uma rede de influência direta argentina, algo que contrairia os

interesses brasileiros na região. O Império necessitou abrir mão do legalismo para

prosseguir com sua atuação histórica de proteção ao Paraguai e Uruguai como

estados soberanos, independentes e aliados brasileiros na região para

contrabalançar a presença argentina.

As notícias de que o plenipotenciário brasileiro estaria negociando

separadamente com os paraguaios a paz definitiva, levou jornalistas de Buenos

Aires a serem hostis ao Brasil, acusando-o de violar o Tratado da Aliança do 1º de

maio de 1865. A opinião pública da República Argentina via nos ajustes firmados

em Assunção como a criação de um protetorado brasileiro sobre o Paraguai, além

de significar uma aliança dos vencedores com o vencido, algo categorizado como

pérfida e desleal para vários jornais argentinos. O próprio presidente argentino

Sarmiento descreveu um cenário de extrema tensão entre as duas potências

regionais, uma vez que a paz assinada por Cotegipe levaria a uma situação

guerra ou a simples aceitação do seu país de que o Paraguai passaria a ser uma

província brasileira. (DORATIOTO, 2002, p.465-467)

O Império sabia que era necessário responder as acusações feitas ao

tratado para não deslegitimar o avanço. Em resposta à imprensa argentina e aos

seus agentes diplomáticos, a defesa do Brasil enviou circulares ao governo

argentino, afirmando que: Primeiro - O Brasil não pretendeu do Paraguai

concessões que este não pudesse e não devesse fazer aos outros aliados;

Segundo - Que exigiu, na questão dos limites, menos do que estava estabelecido

no Tratado da Tríplice Aliança; Terceiro - Que não tinha pretensão e nem lhe foi

oferecida nenhuma espécie de protetorado; Quarto - Que sua garantia à

52

independência do Paraguai não exclui a garantia coletiva; Quinto - Que o Brasil

não violou nenhum termo no Tratado, que mantém seus compromissos, e estará

sempre pronto a entender-se com seus aliados para empreendimentos comuns;

Sexto - Que o Brasil optou pela paz em separado quando depois de repetidos

esforços e de um adiamento de dois anos, não lhe deixaram outra opção após as

declarações e retirada do negociador argentino; Sétimo - Que a questão do

Chaco era a única dificuldade oferecida aos ajustes definitivos de paz entre a

Argentina e o Paraguai, mas que o Governo Imperial estava certo de que a

sabedoria e prudência do gabinete de Buenos Aires venceria essa dificuldade,

sem criar uma situação complicada para si e para seus aliados, e sem agravar a

sorte do estado paraguaio, extremamente dependente da aliança, merecendo a

continuação de um procedimento justo e generoso. (RRNE, 1871, p.18-19)

A resposta brasileira não diminuiu a perplexidade causada pela paz em

separado. O Presidente Sarmiento sabia, porém, que não tinha condições

materiais para fazer o Império recuar nos Tratados assinados e defender seus

direitos resguardados no Tratado da Tríplice Aliança no Chaco pelas vias

militares, pois a inferioridade era notória, especialmente no aspecto naval. Desse

momento em diante, o Governo da Argentina tentou superar sua debilidade e

encomendou nos estaleiros ingleses a construção de oito belonaves de maior

porte e uma flotilha de pequenas torpedeiras, criando uma marinha moderna de

guerra. O Império, por sua vez, também buscou fortalecer sua Marinha já

existente, lançando ao mar nos anos seguintes uma canhoneira e uma corveta,

além de um encouraçado e dois cruzadores. A corrida militar aumentava a tensão

entre os dois países que pareciam caminhar a uma guerra. (DORATIOTO, 2002,

p.465-467)

O quadro militar de uma corrida armamentista e o tom das notas

diplomáticas mostrava que a guerra era eminente, mas ao considerar sua

fragilidade militar, restou à Argentina uma saída diplomática. Na metade de 1872,

enviou ao Rio de Janeiro uma missão especial com a finalidade de chegar a um

acordo sobre os pontos pendentes entre os dois países a respeito dos ajustes

definitivos de paz com o Paraguai. Para essa missão foi incumbido o Brigadeiro

53

Geral D. Bartolomé Mitre, ex-presidente argentino durante a Guerra do Paraguai,

com o caráter de enviado extraordinário e ministro plenipotenciário. Mitre chegou

à corte no dia 6 de Julho, sendo recebido pouco depois pelo Imperador em

audiência pública. Assim que se realizaram as negociações diretas entre os dois

Governos, Mitre convidou o Brasil para finalizar as negociações referentes ao

Tratado de Paz, no entanto, achou por bem o Governo Imperial convidar o

Uruguai e o Paraguai para sentar a mesa de negociações.

Por meio da Legação em Montevidéu, o Governo Imperial lembrou a

importância de se fazer representar nas conferências que, em nome da aliança,

poderia necessitar de sua aprovação conjunta. Em nota da Legação Imperial ao

Uruguai, do dia 24 de Setembro de 187213, o Império convidava aos

representantes uruguaios para discutirem os assuntos referentes à paz. (RRNE,

1871, Anexo I – p.67) A resposta Uruguai veio em nota do dia 1 de Outubro de

187214, afirmando que as negociações são exclusivamente assunto do Brasil e da

Argentina, e o Governo Oriental julgou ser mais prudente não tomar parte nos

debates, ao menos “por enquanto”. (RRNE, 1871, Anexo I – p.64-66) A intenção

uruguaia era manter-se a distância, porém não totalmente alheio às questões,

assim conseguiria conservar sua imparcialidade, que seria extremamente

necessária se houvesse um rompimento entre os dois vizinhos, podendo agir

como agente conciliador em favor da paz. Segundo afirmação da nota:

O interesse da República Oriental consiste em que se dê um conflito que poderia ter funestas e incalculáveis consequências, é ele demasiadamente sincero para que o Governo do Brasil possa duvidar da lealdade de suas vistas, que neste caso lhe inspira a sua conduta. (RRNE, 1871, Anexo I – p.67)

O Governo Imperial, tendo conhecimento desta resposta, em nota do dia

04 de Novembro de 187215, recomendou a sua Legação em Montevidéu que

13 Nota do Governo Imperial ao Governo do Uruguai, 24/09/1872.

14 Nota do Governo uruguaio ao Brasil, 01/10/1872.

15 Nota do Governo Imperial ao Governo do Uruguai, 04/11/1872.

54

declarasse oficialmente que não insistiria para demovê-lo das suas escolhas, mas

que não lhe era possível aceitar os fundamentos em que essa se assentava.

(RRNE, 1871, Anexo I – p.66) A nota ressaltava que as tratativas da conferência

não eram assuntos exclusivamente de argentinos e brasileiros, mas sim sobre

direitos e obrigações contraídos no Tratado da Tríplice Aliança. Caso o Governo

Uruguaio entendesse ser melhor abster-se, seria por um ato de vontade e

responsabilidade exclusivamente sua. E, finalmente, que se prometiam bons

ofícios se infelizmente não chegasse a um acordo o Brasil e a Argentina, o mais

certo e eficaz seria tomar parte nas negociações como lhe cabia sendo membro

da aliança, colaborando com suas observações e seus votos para evitar um

rompimento que pudesse levar a um conflito.

Com a recusa uruguaia, as negociações foram retomadas no dia 5 de

Novembro de 1872 apenas entre o plenipotenciário nomeado pelo Império,

Marquês de S. Vicente, e o da República Argentina, Bartolomé Mitre. As

negociações se encaminharam até o dia 19, chegando a um acordo assinado por

eles de forma a resolver as questões pendentes entre os dois países relativos a

paz com o Paraguai. Dentre os vários pontos no Tratado destacam-se: Primeiro -

Ficou declarado e acordado que o Tratado do 1º de maio de 1865 continuava em

vigor, com todas as obrigações impostas por ele; Segundo – Ficou declarado que

a paz em separado do Brasil continuava também em seu pleno vigor; Terceiro - A

Argentina negociaria por sua parte com o Paraguai o seu respectivo Tratado de

Paz, comércio e navegação, assim como limites, respeitando ao Tratado da

Aliança. O Uruguai estava igualmente convidado, conjuntamente ou não com a

Argentina, a celebrar com o Paraguai tratados de mesma natureza; Quarto - Que

os aliados retirariam suas tropas três meses depois de celebrados os Tratados

definitivos de paz entre os aliados e a República do Paraguai, ou antes, caso os

aliados concordarem entre si. Caso demorasse mais de seis meses daquela data,

o Brasil e a Argentina se entenderiam a fim de marcar um prazo razoável para a

desocupação. Ficava subentendido também que o Brasil desocupará ao mesmo

55

tempo a ilha de Atajo, foco de litígio com a Argentina; Quinto – O Paraguai

reconheceria as dívidas de guerra, nos termos do art. 1416 do Tratado da Tríplice

Aliança; Sexto – Concluídos os ajustes definitivos dos outros aliados, entrar em

pleno e inteiro vigor o compromisso da garantia de todos eles a favor da

independência e integridade do Paraguai.

O acordo realizado entre Brasil e Argentina acerca da paz definitiva com o

Paraguai obrigava o Governo Imperial a cooperar eficazmente com sua força

moral, quando os aliados julgassem oportuno, para que a República Argentina e o

Uruguai chegassem a um acordo amigável com o Paraguai. Para dar

cumprimento a essa obrigação, confiou ao Barão de Araguaia uma missão

especial no Paraguai com o caráter de enviado especial extraordinário e ministro

plenipotenciário. O representante argentino nas negociações foi o general

Bartolomé Mitre, o mesmo das negociações no Rio de Janeiro, no ano anterior.

O representante brasileiro chegou a Assunção e logo apresentou suas

credenciais, mostrando a disposição do Governo Imperial em honrar o

compromisso firmado por Mitre no Rio de Janeiro. A tensão se iniciou logo com a

chegada do Barão do Araguaia, recebendo a informação do Governo Paraguaio

que estava decidida a não entrar em negociação com o general Mitre sem que

fosse primeiramente revogado o decreto argentino sobre a posse do Chaco.

O Presidente do Paraguai, Salvador Jovellanos, desistiu dessa requisição

logo depois, por vários motivos. Inicialmente o Paraguai já havia protestado sobre

as determinações argentinas sobre o Chaco e a ocupação da Villa Ocidental,

além de reconhecer o fato de que a Argentina ter enviado um ministro com plenos

poderes para ajustar os seus limites era um reconhecimento tácito de que não

16 Art.14º Os aliados exigirão desse Governo o pagamento das despesas de guerra que se viram

obrigados a aceitar, bem como reparação e indenização dos danos e prejuízos às suas

propriedades públicas e particulares e às pessoas de seus concidadãos, em expressa declaração

de guerra; e dos danos e prejuízos verificados posteriormente com violação dos princípios que

regem o direito da guerra. (Tratado da Tríplice Aliança, 01/05/1865, RRNE, 1872, Anexo I, pp. 1-

28)

56

bastavam as suas determinações unilaterais para resolver os litígios de ambas às

partes. Ficou claro que recusar uma negociação, que poderia inclusive restaurar o

território perdido, parecia ser pretexto para dificultar as negociações, algo que não

seria vantajoso ao próprio Paraguai.

As negociações se estenderam entre os meses de abril e junho de 1873,

sendo acompanhadas muito de perto pelo representante brasileiro, que ao menos

oficialmente tentou fazer parecer o Império neutro na questão. Como já se

enunciava antes das negociações, a principal desavença entre as duas partes

diziam respeito à posse do Chaco. A Argentina, que demonstrara estar aberta a

uma discussão mais ampla no Rio de Janeiro, mostrou-se intransigente sobre seu

pretenso direito de posse a todo o território em disputa. O Paraguai, por

orientação do Império, deixava claro que só aceitaria um acordo em que tivesse

que ceder até o rio Pilcomayo, ficando todo o resto sob seu território. A postura

firme dos paraguaios causou um aumento ainda maior da tensão nas

negociações, obrigando Mitre, uma vez que não haveria acordo, a voltar a Buenos

Aires dar explicações ao governo do seu país.

Ainda em 1873, o Paraguai assinou o seu Tratado de paz, amizade e

comércio com o Governo Oriental, colocando ponto final nas pendências em

aberto. A Argentina, portanto, era no final de 1873, o único dos países que

participou do conflito contra López que ainda não havia assinado o Tratado com o

Paraguai.

2.1.3 O Encerramento das Negociações e a Distensão no Prata

Dentro do Paraguai, havia uma estabilidade fraca, que eventualmente

rompia mudando completamente a conjuntura política. Na esfera interna, duas

revoluções se acometeram contra o seu Governo, sendo que nas duas vezes o

Governo Imperial foi solicitado a intervir em favor da ordem, tranquilidade e

segurança da capital Assunção, ameaçada pelos revolucionários. A primeira delas

foi vencida e a segunda houve conciliação entre as partes.

57

Em 1873, a primeira revolução, e várias tentativas de golpe ocorreram

durante a estadia do Barão de Araguaia e do general Mitre, capitaneada por

Bernadino Caballero e outros. O Barão de Araguaia, em ofício enviado ao

Governo Imperial no dia 23 de Maio de 187317, confirmou que depois de uma

conferência com o Presidente Paraguaio, general Mitre e ele, após ser exposto o

estado crítico do país, agitados pela revolução, lhe foi requisitado socorro dos

aliados para manter a ordem e a segurança de Assunção. (RRNE, 1873, Anexo I,

p.123) De comum acordo, a ajuda foi assegurada e o acordo foi levado a

conhecimento do general Barão de Jaguarão e do chefe de divisão Francisco

Pereira Pinto, para o seu devido efeito em caso de necessidade. Os combates

ocorreram até meados de Julho, sendo rechaçados pelas forças aliadas.

No início de 1874, o Governo do presidente Jovellanos enfrentou a

segunda rebelião. Novamente uma intervenção aliada foi solicitada, como no

primeiro caso para manter a ordem pública, das vidas e propriedades na capital.

Por outro lado, os chefes revoltosos pediram bons ofícios ao ministro brasileiro

para que pudesse haver uma solução amigável para a questão. Após vários

combates, um acordo entre os revoltosos e o Governo legal foi formulado, no

qual, seus principais termos davam conta da criação de um ministério de

conciliação, desarmamento geral de todas as forças após a criação do mesmo e

reconhecimento das despesas da guerra da revolução e indenização dos

prejuízos causados pela mesma.

O acordo foi firmado, mas pouco depois houve uma grave crise e

perturbou-se a harmonia duramente conquistada pelos bons ofícios. Com a ajuda

do ministro Imperial, no entanto, houve nova reconciliação e o fim do processo

revolucionário. A nova cena política foi dominada pelos líderes da rebelião, que

receberam nomeação para algum Ministério. Em 25 de junho, Juan Bautista Gill,

um dos ministros nomeados após o fim da revolução, foi eleito presidente do

Paraguai, com apoio manifestado do Império. Na Argentina, em 12 de outubro,

17 Oficio da missão especial do Brasil ao Governo Imperial, 23/05/1873.

58

Nicolás Avellaneda chegou ao poder, tentando desde o início o Governo Imperial

atuar como conciliador entre a Argentina e o Paraguai, sem conseguir grandes

avanços.

Com a ascensão de Gill no Paraguai e de Avellaneda na Argentina, as

negociações ganharam uma nova dinâmica. Após o fracasso das negociações

entre a Argentina e o Paraguai, foram ao Rio de Janeiro o representante argentino

D. Carlos Tejedor e o paraguaio Jayme Soza. O representante brasileiro foi o

Visconde do Rio Branco, autorizado a prestar apoio moral estipulado no acordo

de 19 de Novembro de 1872 e a concluírem quaisquer ajustes concorrentes em

matéria de acordo.

Durante o período de quatro conferências na capital do Império, os

representantes Tejedor e Sosa firmaram um acordo sem a presença do Brasil, no

qual o Chaco, em litígio, seria dividido entre os dois, e Villa Ocidental se

conservaria Argentina, em troca das indenizações que o Paraguai deveria pagar

pela guerra. O acordo firmado descontentou profundamente o Império, e em nota

do Governo Imperial ao Governo Argentino assinado pelo barão de Cotegipe em

31 de Agosto de 1875, afirmava que “não teve conhecimento perfeito do ajuste

concluído entre os plenipotenciários Argentino e Paraguaio.” (RRNE, 1876, p.15-

16) A nota afirma também que não teve conhecimento e nem poderia ter, uma vez

que a última conferência ocorreu um dia antes do ajuste final, logo o acordo foi à

revelia brasileira. A nota seguiu com um tom elevado, acima do costumeiro usado

mesmo em momentos críticos, acusando a Argentina de patrocinar uma espécie

de guerra de conquista, algo totalmente excluído do Tratado da Aliança, uma vez

que tirava vantagens do derrotado em troca de gastos de guerra. Além disso,

afirmava que o Brasil nunca havia se oposto à Argentina para reivindicar o que

considerava ser seu, e o fato do Tratado entre eles não estar assinado não

constituía uma desigualdade nascida no seio da aliança, mas de um “estado de

cousas anormal que a República Argentina, que não intencionalmente tem creado

para si e para seus aliados.” E a nota conclui que a realidade é que com exceção

a ilha do Cerrito, a Argentina “já ocupa os pontos principaes do território que

disputa com o Paraguay”. (RRNE, 1876, p.15-16)

59

A diplomacia brasileira pressionou fortemente o Presidente Gill para que

desautorizasse qualquer acerto daquele tipo, e sob o argumento que seus

representantes acordaram cláusulas sem o seu consentimento, optou por não

ratificar o acordo. A presença de tropas brasileiras na capital e a forte influência

brasileira no Governo de Assunção foram decisivas para que o desfecho não

fosse contra as vontades do Império.

O impasse se prolongava com consequências sérias para o Paraguai, que

com a recusa do Brasil em conceder um empréstimo, além da má relação com as

autoridades brasileiras, tentou uma aproximação com a Argentina. No final de

novembro já havia especulações de que o Paraguai e a Argentina estariam

negociando de forma secreta, e que Villa Ocidental seria mesmo território

argentino. Em dezembro, uma tentativa de golpe apoiada pelo representante

brasileiro, sem o conhecimento do Governo Imperial foi um ponto sem volta nesse

afastamento. Felipe José Pereira Leal, chefe da Legação brasileira em Assunção

foi afastado do cargo e substituído por Antônio Araújo e Gondim, mas as relações

nunca mais foram às mesmas. O presidente Gill recebeu então, apesar do receio,

garantias de que o afastamento do Império não lhe seria prejudicial. A

aproximação com a Argentina resultou, em 03 de fevereiro de 1876, no Tratado

de Paz, Limites, Amizade e de Comércio e Navegação entre os dois Governos.

(DORATIOTO, 2002, p.467-469)

O Brasil, como “prova de deferência e de espírito conciliador que muito

contribuiu para o bom êxito da negociação, (...) evitou cuidadosamente tudo

quanto pudesse causar-lhe desnecessária dificuldade”, apesar de considerar que

o justo seria que as novas negociações ocorressem na corte. (RRNE, 1876, p.6)

O Tratado determinou o rio Paraguai como o limite entre a Argentina e o

Paraguai, sendo que o território do Chaco Central e Missões ficariam mesmo com

a Argentina. O restante do Chaco foi dividido em duas partes, com a renúncia

Argentina das suas pretensões entre a Bahía Negra e o rio Verde. O litígio sobre

Villa Ocidental continuaria e seria levada a arbitragem internacional, no entanto,

ficaria sob administração argentina até que fosse decidido seu destino. As dívidas

de guerra, sob as regras da aliança, foram também reconhecidas pelo Paraguai.

60

As tropas brasileiras se retiraram no dia 03 de junho de 1876, encerrando

a ocupação e sendo tema de destaque na Fala do Trono proferida pela Princesa

Isabel:

As forças brasileiras, que ocupavam a capital do Paraguai, recolheram-se ao Império. A disciplina, de que deram constante e apreciável testemunho, e os sacrifícios, que por anos suportaram, têm direito a que deste lugar, eu, em nome do Imperador e da nação, lhes dirija um voto de agradecimento e louvor. (FALAS DO TRONO, 1977, p. 439)

A independência, soberania e integridade territorial do Paraguai só foram

totalmente asseguradas por um protocolo assinado em Montevidéu, no dia 30 de

Julho de 187718, que determinava o prazo de cinco anos a contar da sua

assinatura para que a segurança coletiva fosse mantida. (RRNE, 1877, p.3-4)

2.1.4. As Consequências da Guerra do Paraguai para a Política Externa

Com a retirada das tropas de ocupação, já era possível enxergar com

mais clareza as consequências do conflito para o Império e seu impacto direto

nos anos que se seguiram até a queda da monarquia. As perdas de

aproximadamente 50 mil mortos brasileiros foram trágicas, em um país que

contava com uma população de nove milhões de habitantes, desses 139 mil

participaram da guerra, ou seja, 1,5% da população. A guerra também foi o ápice

do Império e sua obra de unificação, tornando-se um fato de fortalecimento da

identidade nacional a existência de um inimigo. (DORATIOTO, 2002, p.458-461)

O Brasil pouco ganhou da Guerra com o Paraguai, que arruinado pelo

conflito, sequer pode pagar uma parcela da dívida de guerra. (PRADO JR., 1974,

p.193) A longa e árdua campanha, em pleno processo de sua formação

18 Protocolo de Garantia colletiva da independência, soberania e integridade territorial do Paraguay

61

econômica, colocou o Império em uma situação delicada. No terreno econômico

os resultados foram nulos, já que não havia lucro possível em uma guerra contra

um vizinho militarmente equipado e economicamente fraco, que não representava

ameaça a sua própria economia. Do ponto de vista do desenvolvimento, o único

resultado positivo da vitória foi a ocupação de pequena área de fronteira, e

assegurar a navegação dos rios Paraná e Paraguai, com grande importância para

as comunicações com a província do Mato Grosso. O conflito também

comprometeu as finanças públicas, já que as grandes despesas causaram

profundos desequilíbrios na vida financeira do país. Apesar de o próximo decênio

a guerra ser de volta promissora do crescimento econômico, prova que o Império

seria naquele momento um organismo vivo em pleno crescimento, e as

repercussões imediatas foram agudas.

No plano regional, os anos seguintes de política do Partido Conservador

foram determinantes para evitar que a Argentina se apossasse de todo o Chaco,

como estava estipulado no Tratado da Tríplice Aliança, especialmente pela opção

deliberada na Distensão externa. A preocupação sempre foi em evitar o aumento

da fronteira com a Argentina, obrigando o Império a aliar-se com o vencido para

impedir a concessão territorial argentina por direito. Apesar da hegemonia

brasileira no Prata estar enfraquecida durante os acordos entre o Paraguai e a

Argentina, em 1876, os objetivos do Império foram alcançados. O território em

disputa foi retomado por solução arbitral dos Estados Unidos e a autonomia do

Paraguai garantida, sendo esse último o desejo mais explícito da diplomacia

Imperial.

Quanto à questão da indenização de guerra, essa provocou grandes

discussões, especialmente no Conselho de Estado. Pelo Tratado Definitivo de

Paz assinado em Assunção entre o Império e o Paraguai, ficou estipulado que

uma convenção especial iria se reunir para decidir quanto o Paraguai deveria

pagar ao Brasil, sendo que o Governo se comprometeu a usar de benevolência

nessa decisão. As discussões são esclarecedoras, e mostram como a diplomacia

usou dessa matéria para neutralizar a posição argentina. No parecer do

Conselheiro de Estado Bernardo de Souza Franco, a preocupação era evidente:

62

As exigências do Império parece que devem limitar-se, por um lado, pelas considerações tiradas da impossibilidade em que ficou o Paraguai de satisfazer uma dívida muito avultada e da má figura que faria o Império em exigi-la. Do outro lado, está a grande conveniência de não aliviar de todo o Paraguai de encargos que tornem menos cobiçada a sua absorção por alguns dos países vizinhos. (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS,1871-74, p.164)

O parecer do Conselheiro de Estado Barão das Três Barras também ia

na mesma direção:

Os cálculos do Tesouro elevam as despesas da guerra a 500 mil contos: seria grande generosidade do vencedor reparti-las em partes iguais com o vencido, dando-lhe longos prazos de modo a acomodar o pagamento às circunstâncias financeiras do devedor. Mas a questão do dinheiro não é a que deve preocupar o Brasil, até porque a insolubilidade do devedor tira-lhe toda a importância. Cumpre atender a outros interesses maiores. Pouco importa averiguar nosso estado financeiro, quando o devedor não pode contribuir para melhorá-lo. O que vale liquidar uma grande dívida, quando ela é puramente nominal? Quanto ao do Paraguai, sabemos que é deplorável no presente; e todos os cálculos relativos ao futuro serão falíveis. (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1871-74, p.165-166)

Para finalizar, o parecer duro do Conselheiro de Estado Francisco de

Paula de Negreiros Sayão Lobato:

(...)é mais do que suspeita a Confederação Argentina, para se pronunciar sobre a matéria, estreme do impulso do próprio interesse: é de primeira intuição que, adquirido o Chaco, pela sua parte, terá a Confederação alcançado sobeja indenização dos gastos da guerra, tão inferiores aos do Brasil e, pois, lhe é muito fácil a generosidade na aparente renúncia de toda a indenização dos gastos da guerra, como custosa ao Brasil a extrema redução de indenização dos enormes gastos, no que dará prova de verdadeira generosidade (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1871-74, p.169)

Como se pode ver, usando o expediente das indenizações, o Brasil

diminuiu infinitamente seu valor para um patamar muito mais crível de

pagamento, apesar de considerar a dívida apenas nominal. O perdão dela

também não era positivo para os objetivos do Império, uma vez que a sua

63

existência garantiria que a Argentina não ameaçasse o Paraguai o anexando, o

que consequentemente faria dela responsável pela enorme quantia da dívida para

com o Brasil.

Ano após ano, a morosidade das comissões para julgar os valores de

indenização era retratada pelo Governo Imperial. Conforme os dispositivos da paz

de 1872, as dívidas de guerra eram públicas, Paraguai ao Império e para com os

particulares prejudicados pelo conflito, podendo o Governo apenas diminuir a

parte que lhe cabia, ou seja, as dívidas para com o Estado Brasileiro. Algumas

reclamações sequer haviam sido julgadas em 1879 e o relatório de 1880 trazia a

situação trágica em que se encontrava o governo guarani:

Por falta de recursos para remunerar sufficiente numero de empregados confiou o ser o serviço da expedição (de apólices de pagamento) a um só, e esse, o Contador Geral, sobrecarregado de trabalho, não póde desempenhar a sua commissão com breviedade. (RRNE, 1879, p.6)

A situação elucida a situação precária que irá se encontrar o Paraguai nos

anos que se seguiram até o final do Império e além. A derrota foi causa de uma

ruptura definitiva do modelo de crescimento econômico que era realizado no país,

além de minar todas as bases de expansão capitalista em todo o seu sistema

produtivo. A reorganização levou décadas, e em termos comparativos com os

vizinhos, o Paraguai não conseguiria alcançar os mesmos patamares do período

pré-guerra. Para o Uruguai, as repercussões da guerra foram menores, apesar de

o país ter sido o pivô central dos eventos que culminaram no conflito. Algumas

convulsões internas se sucederam, mas em geral as consequências foram

pequenas. (DORATIOTO, 2002, p.483-485)

Na Argentina, o descontentamento do interior do país com o conflito e da

aliança com o Império, contribuiu para a eclosão de várias rebeliões contra o

Governo Central, que ao conseguir reprimi-las, consolidou definitivamente o

Estado e suas bases de legitimação. Com os presidentes Bartolomé Miltre (1862-

68) e Sarmiento (1868-74), a Argentina organizava pela primeira vez um exército

nacional e permanente, reprimindo as dissidências federalistas. O presidente

64

Nicolás Avellaneda (1874-80) deflagrou a campanha para extermínio dos índios,

promoveu a federalização de Buenos Aires, isto é, elevando a cidade como

capital da Argentina. Com a estruturação do Estado, a rivalidade com o Brasil

continuou a acirrar-se, levando em 1882 o general Julio A. Roca, então presidente

da Argentina afirmar ser “inevitável” uma guerra contra o Brasil, uma “guerra fatal

a que ambos os países estariam destinados por contraposição de interesses e

choque de civilizações”, especialmente pelo acirramento de litígios de fronteira.

(BANDEIRA, 2003, p.48-51)

Se para a Argentina, as relações internacionais platinas durante os anos

imediatos ao final do conflito constituíam-se como sendo um fracasso territorial e

dos seus interesses regionais, a consolidação estrutural interna vai criar uma

geração na década de oitenta que será lembrada como uma era de ouro na sua

história. Com um crescimento econômico espetacular, mantido a uma taxa anual

de mais ou menos cinco por cento, a Argentina impulsionou seu lugar de

destaque no contexto regional e até mesmo global. Sua transformação foi em

grande parte resultado das mudanças que ocorreram na América e na Oceania e

na corrente principal do comércio mundial. De forma geral e sintética, a Argentina

se beneficiou enormemente do estabelecimento das novas rotas de comércio, a

redução dos custos de transporte, o aumento do comércio mundial, além do

movimento agudo iniciado pelo deslocamento de capital e trabalho para a periferia

do sistema.

A contenda pela região de Missões será então o palco do último grande

embate com o Brasil durante o período Imperial, apenas resolvido por laudo

arbitral pelo presidente Cleveland, em 1895, portanto já na República Brasileira,

dando ganho de causa ao Brasil. Até essa resolução, embora efetivamente os

dois lados não quisessem a guerra, e a corrida armamentista iniciada no período

após a guerra levaria a um acirramento das tensões, só houve um

recrudescimento das relações em 7 de setembro de 1889, quando em Buenos

Aires a negociação do Tratado que iria submeter a região à resolução arbitral foi

assinado.

65

Apesar da rivalidade com a Argentina, as relações do Império para o todo

platino será de uma vigilância a distância, apenas comparecendo em caso de

necessidade. Com relação ao Paraguai, a partir de 1876 até o fim da monarquia,

ela deixou de ser prioritária, embora a sua importância como contrapeso à

influência argentina fosse extremamente importante. As relações próximas com o

Uruguai, na mesma matriz de pensamento com relação ao Paraguai, se

mantiveram nos últimos anos do Império. De forma geral, a política para a região

seria norteada pela Distensão externa, nos moldes apresentados anteriormente

nesse estudo, apesar dessa configuração só poder ser vista em todos os seus

contornos após a retirada das tropas brasileiras de Assunção, em 1876.

2.2 A Diplomacia Imperial para o Pacífico

As relações do Império e as Repúblicas do Pacífico foram raras ou

mesmo sazonais na maior parte do período Imperial. Com a Hispano-América, só

o Prata mereceu atenção constante e vigilante por parte do Império durante toda

a sua duração. Desse fato, originou-se uma ampla tradição de pensamento sobre

a política exterior que negligenciava essa esfera diplomática, por entender que

nela não residiam discussões elementares para o entendimento do processo

histórico. Nos últimos anos, alguns autores passaram a procurar nessa esfera de

interação algo que pudesse auxiliar no desenho mais completo da diplomacia

Imperial, e entre tantos, o que mais inovou foi Luís Cláudio Villafañe G. Santos,

em sua obra O Império e as Repúblicas do Pacífico: As Relações do Brasil com

Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia (1822-1889), que realizou uma análise

sobre as relações do Brasil com as repúblicas do Pacífico.

Segundo sua obra e as fontes consultadas para esse trabalho, apenas

alguns problemas, especialmente nas demarcações de fronteira e definição de

limites ocupavam a agenda Imperial para a região, marcando as relações do

Império com essas repúblicas com afastamento, ou Distensão histórica, como

usados nos moldes desse estudo.

66

Ainda assim, o período que compreende os anos de 1870-1889 foi

marcado por uma alteração das interações ocasionais com o Pacífico por

momentos de interesse agudo e contínuo. Contribuiriam para isso problemáticas

residuais da Guerra do Paraguai, acertos de limite, convites para congressos

internacionais, e acima de tudo a Guerra do Pacífico. Esse último foi um dos

assuntos internacionais mais mencionados nas Falas do Trono, trazendo enorme

preocupação para o Império sobre a estabilidade na região.

2.2.1 A Neutralidade na Guerra do Pacífico e as Repúblicas do Pacífico

Com o final da década de 1860, o quadro geopolítico sul-americano

sofreu importantes alterações. Enquanto no Prata a Guerra do Paraguai alterara

definitivamente o quadro político regional, no Pacífico, após o fim da ameaça de

recolonização, encarnada na Guerra da Quádrupla Aliança contra a Espanha,

ressurgiam as tensões entre os antigos aliados, especialmente por questões

econômicas. Além disso, a crescente rivalidade entre Argentina e Chile pela

disputa da posse da Patagônia e dos Estreitos ao sul do continente quase

levariam a uma guerra com potencial de envolver todos os países da região. Esse

quadro de política continental transformou a interação entre os países das duas

regiões em uma caricatura da política de balança de poder europeia, com várias

sucessões de propostas de alianças e contra-alianças, às quais o governo

Imperial evitou ao máximo associar-se. Desse caleidoscópio de alianças,

resultaria apenas um resultado concreto, o Tratado de 1873 entre a Bolívia e o

Peru. (SANTOS, 2002, p.166-167)

Desse período nasce o embrião do mito que se arrastaria durante muitas

décadas de uma aliança entre o Brasil e o Chile. Apesar de o Império ter negado

qualquer tentativa de estabelecer qualquer tipo de pacto, o governo de Santiago

não abandonou a ideia de ter auxílio brasileiro em caso de conflito com a

Argentina. Para o Império, a falta de interesse tinha várias razões: inicialmente

não havia peso econômico que vinculasse os dois países; no plano político, uma

67

aliança com o Chile só aumentaria as tensões com a Argentina, cada vez mais

fortalecida e vivendo um período de esplendor econômico. O Governo Chileno

nada fez para negar as suspeitas, pelo contrário, sempre que pode as reforçou

para usar como contrapeso nas relações internacionais da região. Em outra

oportunidade chegou a pedir ao Imperador que se apresentasse como árbitro dos

litígios de fronteira com a Argentina, algo que foi negado pelo Ministério dos

Negócios Estrangeiros para que não suscitasse mais dúvidas sobre a

neutralidade do país frente às questões envolvendo os dois. (SANTOS, 2002,

p.126-127)

Em 1879 eclodiu a chamada Guerra do Pacífico (1879-1883), o segundo

conflito mais intenso e importante da América do Sul, colocando em lados opostos

o Chile, que por mais mal preparado que estivesse, estava a muitos passos de

distância dos seus confrontadores, e do outro a Bolívia e o Peru. A escala do

conflito tem sua gênese desde a Independência das Repúblicas do Pacífico,

quando o Chile e seus vizinhos do Norte, a Bolívia e o Peru, vinham disputando a

linha de fronteira do deserto do Atacama. As discussões mornas tiveram um

grande revés quando os recursos do território, especialmente o guano e o nitrato,

se tornaram passíveis de exploração comercial e o capital estrangeiro se

apressou a explorá-los. As relações entre os vizinhos, que era regida por uma

sucessão ininterrupta de tratados foi alterada, quando por uma anulação unilateral

da Bolívia de um Tratado com o Chile sobre os interesses estrangeiros em

Antofagasta, cidade que fazia parte do território boliviano, precipitou uma grave

crise diplomática. O Peru, ligado por um Tratado de Aliança defensiva e ofensiva,

tentou desesperadamente evitar o conflito. Assim que teve conhecimento da

aliança dos vizinhos, o Chile tentou pressionar ambos os países a ceder, e diante

da recusa das autoridades bolivianas, declarou a guerra.

A Guerra do Pacífico obrigou o Governo Imperial a afirmar qual era seu

posicionamento, especialmente pela desconfiança generalizada de que o Império

teria uma aliança com o Chile, além de ter surpreendido a legação brasileira em

Santiago que sempre imaginou que o conflito viria das querelas com a Argentina e

não com a Bolívia e o Peru. Em nota do dia 27 de Maio de 1879, o Ministério

68

encaminhou circular aos Presidentes das Províncias, lamentando sinceramente

que a questão não tivesse sido resolvida por meios pacíficos, fazendo votos para

que em breve a paz se restabelecesse. Por ordem do Imperador, o Governo

Imperial decidiu manter a mais estrita neutralidade. Nas Falas do Trono, o tom era

de preocupação e reafirmação da neutralidade:

Continuam inalteráveis as relações de benévola reciprocidade, que cultivamos com as potências estrangeiras. Lamento que perdure a guerra, que infelizmente travou-se entre algumas repúblicas do Pacífico. Neutros, como devemos ser, nessa luta de nações amigas, faço sinceros votos para que seja a paz entre elas quanto antes restabelecida, segundo o exigem os sentimentos de humanidade e os interesses da civilização (FALAS DO TRONO, 1977, p.457)

Alguns incidentes atrapalharam a neutralidade brasileira. O mais

importante foi o bloqueio decretado pelo Chile aos portos peruanos. O bloqueio

apenas nominal por parte dos chilenos levou a secretaria de Relações Exteriores

do Peru, em nota do dia 14 de Janeiro de 188019, reclamar da atitude do rival.

Segundo o Governo Peruano, impotente para fechar a entrada dos principais

portos da sua extensa costa por meio de uma ocupação real, o Chile introduziu no

Pacífico o “bloqueio de papel”, ou seja, onde não há forças suficientes para se

valer da determinação. (RRNE, 1880, Anexo I - p.15-16) A nota termina por

afirmar que os países neutros tem o direito de considerar o bloqueio inócuo, uma

vez que concordar com ele seria uma condescendência que poderia de algum

modo prejudicar a própria neutralidade.

O Governo brasileiro, em nota de 7 de Abril de 188020, afirmou que não

tendo o Chile forças o bastante para bloquear efetivamente os portos peruanos,

esse tende a introduzir no Pacífico a prática dos “bloqueios de papel’’, que não é

19 Nota do Governo Peruano ao Governo Imperial, 14/01/1880.

20 Nota do Governo Imperial ao Governo Peruano, 07/04/1880.

69

reconhecido por nenhuma potência. O Governo Imperial, respaldados na

Convenção de Paris, de 1856, da qual era signatário, não reconheceria a

obrigatoriedade do bloqueio se não fosse efetivo e voltasse às atividades

comerciais de antes do pretenso cerco. (RRNE, 1880, Anexo I - p.16)

Com o prolongamento da guerra, o Império por meio do seu corpo

diplomático ofereceu aos três beligerantes os seus bons ofícios para o

restabelecimento da paz. Nenhum dos países mostrou-se interessado. Logo

depois, o Governo da Argentina convidou o Brasil para uma mediação conjunta.

Essa proposta foi aceita pelo Império, e foi seguido de várias trocas de

correspondências sobre o melhor modo de se proceder. Infelizmente, no entanto,

os resultados foram nulos, levando a chancelaria brasileira a lamentar o fato da

atuação conjunta não ter surtido resultados, especialmente por razão de

problemáticas oriundas da guerra e da política interna de cada um dos países

envolvidos. As legações imperiais em Lima, Santiago e em La Paz também se

prestaram durante o período, com aprovação do Governo, a fazer chegar

socorros aos peruanos que estavam prisioneiros no Chile, e a obter dos

comandantes das forças chilenas as concessões e garantias das ambulâncias do

Peru e da Bolívia.

Apesar da falta de preparação de ambos os lados e um início incerto, as

forças navais e terrestres chilenas venceram a guerra de forma categórica. O

Chile, resistindo à pressão regional em favor de um tratamento magnânimo aos

vizinhos derrotados, saiu do conflito com substancial aumento territorial, incluindo

as regiões de nitrato do Atacama, transformando os minérios em grande riqueza

nos anos seguintes, correspondendo a aproximadamente a metade da receita

comum do Governo. (BLACKMORE, 2008, p.415-416)

Terminada a guerra, o Chile assinou em 23 de junho de 1881, com o

representante argentino um Tratado de Limites, que fazia desaparecer o espectro

de uma guerra travada ao longo de todas as suas fronteiras, reconhecendo a

Patagônia como Argentina. A perspectiva de abandonar as reinvindicações sobre

a Patagônia foi objeto de intensos debates no parlamento chileno. Alguns dias da

70

assinatura do Tratado, o ministro brasileiro em Santiago, João Duarte, recebeu

Adolfo Ibañez, ex-ministro das relações exteriores do Chile, para contar-lhe a

situação das discussões no parlamento. Ele relatou que o argumento para aceitar

aquele Tratado residiria no fato de que entre os parlamentares chilenos havia a

certeza de que nenhum apoio poderia esperar do Império em caso de um conflito.

A intenção de Ibañez era conseguir uma garantia para negar o Tratado:

Assim sendo, afirmou que o Brasil, ‘com uma só palavra que nos inspire confiança, um ‘sim’ transmitido pelo telégrafo, o Tratado será imediatamente desaprovado sem que seu nome apareça até o momento oportuno e, chegada essa oportunidade, poderá contar com um decidido aliado’. Com esse telegrama, Ibañez poderia convencer os demais parlamentares de que o Império se poria ao lado do Chile frente a uma eventual agressão argentina (SANTOS, 2002, p.141-142)

Quando informados da proposta, a chancelaria brasileira instruiu seus

representantes a confirmar ao chileno que não havia nenhuma intenção do

Império em concordar com aquela ideia. Por falta de apoio do Império, então, foi

aprovado o Tratado e ratificado pelo congresso chileno.

Pouco depois, a Itália, a Grã-Bretanha e a França fizeram com o Chile

três convenções, em cada uma se ajustou respectivamente as reclamações sobre

as operações executadas por forças chilenas nos territórios e a costa do Peru e

Bolívia fossem submetidas a um julgamento definitivo de três comissões, um dos

quais seria designado pelo Imperador. D. Pedro II aceitou o encargo, e de acordo

com os seus Ministros, nomeou o ministro plenipotenciário em Washington,

Conselheiro Felippe Lopes Netto. Antes da escolha ser realizada, o Governo

Imperial argumentou com o Chile sobre a conveniência de mandar apenas um só

juiz para as três comissões, para assim assegurar a harmonia das decisões, o

que foi aceito pelo governo chileno. Após várias reclamações sobre sua conduta,

Lopes Netto foi substituído pelo senador Lafayette Rodrigues Pereira, que em

dezembro de 1886 renunciou ao posto. O terceiro e último escolhido foi o Barão

de Aguiar de Andrada, e os julgamentos duraram até o ano de 1888.

71

Por fim, nos últimos anos do Império, o meio obrigatório de arbitragem em

questões territoriais estava para ser discutido em Washington, em 1889. A

perspectiva de ter o problema reaberto alarmava o governo chileno, que então

visando obter o apoio do Império contra a adoção desse principio, enviando à

corte Manuel Villamil. Conseguiu do Brasil a promessa que não sustentaria esse

preceito, mantendo-se fiel às orientações do Congresso de Paris, as quais

rejeitavam a obrigatoriedade de arbitramento, além de coordenarem as posições

nas negociações que viriam a ocorrer. No entanto, antes que o congresso

ocorresse, caiu a monarquia brasileira e as orientações não se mantiveram as

mesmas.

O último baile oferecido pelo Imperador foi, aliás, em homenagem à

tripulação do navio de guerra “Almirante Cochrane”, que se encontrava no Rio de

Janeiro, sendo inclusive oferecido pelo governo de Santiago o transporte para o

Imperador deposto ir ao seu exílio europeu. Ainda assim, um mês depois,

reconheceria o novo regime Republicano. (SANTOS, 2002, p.160-161)

2.3 A Distensão Histórica Do Império E Os Ideais De Integração No

Continente Americano

Desde a independência, a adoção do regime monárquico alçou o Império

a um modelo que não identificava paralelos com seus vizinhos. O Estado

Brasileiro se apresenta à comunidade internacional em 1822, preocupado em

reivindicar um papel de novo membro e ator internacional. A verdade é que na

ocasião, o Brasil tinha pouco de brasileiro: o Governo agia e pensava aos moldes

europeus, na medida em que era ainda um transplante direto do Estado

Português. Em contrapartida, os nexos de família entre D. Pedro e a princesa

Leopoldina, em 1816, se não ajudariam no processo de reconhecimento do novo

status político do Brasil pelos outros Estados, serviria ao menos para sustentar a

única monarquia americana. (CERVO & BUENO, 2008, p.22-23)

72

Foi com a construção formal do Estado Brasileiro por meio da

Constituição de 1824, e a escolha pelo modelo de monarquia constitucional, que

fez o Brasil dar sua originalidade ao sistema internacional. Sua posição passa, e

isso perdurará até o final do Império, a ser sustentada externamente por se

chocar ao sistema americano e ao Repúblicanismo continental. Em uma escolha

entre ser americano ou europeu, o Império terá quase que invariavelmente sua

escolha orientada pela segunda opção. Dentro desse quadro constitucional, o

Brasil além de destoar do resto, trazia consigo a problemática de geograficamente

estar localizado em um continente que não tinha, e não queria na maior parte do

tempo, ter ligações profundas. A ideia de América não casava com as opções

adotadas pelas elites imperais, criando um abismo que permearia toda e qualquer

proposta de criação de um sistema legitimamente americano.

É importante notar que a denominação Novo Mundo foi uma fórmula

encontrada para consolidar a tese de que a América era um terreno aberto e

totalmente novo e, portanto, poderia chegar a ser outra Europa. Essa primeira

ideia da terra americana era extremamente positiva, revestida por uma exaltação

da exuberância e diversidade da natureza e especialmente na idealização da

figura indígena. Com o decorrer da colonização e com a empresa colonial

funcionando na sua plenitude, essa interpretação benevolente foi revertida e a

definição americana passou a ser dada como um suposto caráter de inferioridade

e decadência. (SANTOS, 2004, p.56-7). Essa nova tese americana acabaria por

despertar uma reação intelectual e política das elites criollas na América

espanhola, alimentando ainda mais os diversos movimentos de independência:

Mas a ilusão é aqui (na América) mais forte do que a realidade porque emerge diretamente de uma experiência americana básica: a de que é possível fundar uma nova ordem e, mais ainda, a de que é possível fundá-la com a consciência profunda de um continuum histórico. Na verdade, a expressão «Novo Mundo» só ganha sentido face a um Mundo Antigo, mundo que, se bem que admirável por outras razões, foi rejeitado por não ter podido encontrar solução para os problemas da pobreza e da opressão. (ARENDT, p.27, 1979)

73

Do ponto de vista político, se pode considerar que a intenção de criar

um sistema interamericano inicialmente foi dada como uma reação à tese

antiamericana, criando rupturas ideológicas entre o Novo e o Velho Mundo. O

mundo criado pela ordem da Santa Aliança, conservadora e avessa às demandas

nacionais, não era e nem poderia ser aceita pelos povos americanos. Thomas

Jefferson, um dos mais proeminentes Founding Fathers, criou em suas cartas

datadas de 1808, 1809 e 1811, o conceito de hemisfério ocidental, relatando ser a

unidade dos povos americanos devida à similaridade de seus modos de

existência, o que os diferenciaria do resto do mundo. (SANTOS, 2004, p. 58)

O conceito de hemisfério ocidental é um dos primeiros para designar

politicamente o conjunto das Américas. A unidade geográfica do continente é

assim vista como sendo uma unidade histórica única, diferenciada apenas pelas

diferentes latitudes de zonas exploradas, mas em desacordo com o estado da

cultura dos povos europeus da época colonial. Porém, apesar do advento das

nacionalidades e das rivalidades continentais que nasceram já durante as

Guerras da Independência, a ideia de ruptura com a Europa e seu sistema

permaneceu pautando as iniciativas de integração por muito tempo. O repúdio à

ideia de ser absorvido novamente pelo sistema europeu fez com que qualquer

movimento que pudesse lembrar as ideologias da ‘Velha’ Europa causassem

reações, por vezes exacerbadas.

A independência, especialmente na América espanhola e nos Estados

Unidos, conquistada à custa de sangrentas batalhas e por períodos de grandes

incertezas ressaltou as diferenças fundamentais entre as teses europeias e

americanas. Diferente do Brasil, como afirma Halperin Donghi (2005, p.94), que

teve sua capital colonial, o Rio de Janeiro, tornada imprevistamente sede da corte

portuguesa, e tendo sua independência feita por um membro de uma dinastia

europeia reinante na antiga metrópole, o resto da América sofreu pesada herança

material, e especialmente no inconsciente dos povos que participaram das suas

lutas pelo fim do regime colonial. Esse sofrimento reforçou a tese de clivagem

entre América e Europa, ainda mais com a perspectiva sempre aparente de uma

74

possível tentativa de retomada pelos europeus dos antigos impérios coloniais e

consequentemente de risco da volta de perda da liberdade política.

Em cada parte do continente, vários movimentos nasceram dessa

perspectiva. Apesar de, como afirma Hélio Lobo (1939) na sua obra O Pan-

Americanismo e o Brasil, o termo pan-americanismo, lugar comum nas análises

sobre integração continental, só ter sido usado pela primeira vez nos Estados

Unidos por ocasião da Primeira Conferência Internacional Americana, a

originalidade da tentativa de criação de sistema americano ressoou na política do

continente durante todo o século XIX. A história dos movimentos interamericanos

contou com duas vertentes originais: a norte-americana, inicialmente concebida

como uma doutrina de interesse continental, encarnada na Doutrina Monroe, e o

Bolivarianismo, explicitado pelas ideias do Libertador Simón Bolívar no Congresso

do Panamá. Para o Brasil, significava lidar com o ‘outro’ irreconciliável, já que era

o único Estado a ter no sistema dinástico sua base fundamental de legitimação

nacional.

2.3.1 O Confederalismo Bolivariano e a Inflexão Imperial

Para entender a relação do Império com os movimentos de integração,

especialmente os Bolivarianos, se faz é necessário um breve recuo histórico. A

Doutrina Monroe, antes dela, foi um alicerce fundamental na gênese do processo

interamericano. Na declarada Guerra de Independência das antigas colônias

espanholas em todo o continente (1810), as Treze Colônias já se constituíam

como uma república organizada no norte do continente americano. Com o

reconhecimento da independência das novas nações nascidas do escombro do

Império Espanhol pelos americanos, ocorreu um processo nascente de

solidariedade que foi intensificado com a manifestação política de proteção

continental anunciada pelo presidente Monroe. (LOBO, 1939, p.3-4) Segundo

Delgado de Carvalho, a Doutrina Monroe, nascendo nos primórdios da

75

independência dos países latino-americanos, despertou o “entusiasmo e

aprovação, esperanças e fé.” (CARVALHO, 1959, p.295)

Na obra, História Diplomática do Brasil, Delgado de Carvalho (1959, p.

282) afirma que a “Doutrina Monroe nos dá a impressão de um instrumento de

música cujas cordas desprendem árias diferentes, segundo a inspiração de quem

as tange”. A figura desenhada por ele demonstra a amplitude com que o

monroísmo foi entendido, já que seu conceito é tão difícil de definir que, durante

toda a história do presidencialismo americano, nunca a interpretação feita por dois

presidentes americanos consecutivos foi idêntica, apesar de todos se sentirem na

obrigação de dar sua visão ao conceito.

De forma sintética, podemos caracterizar a doutrina como sendo a

obrigação moral dos Estados Unidos em se interessar e intervir nos assuntos do

continente americano, e não ver com indiferença o interesse que outros países,

especialmente da Europa, poderiam vir a manifestar. (CARVALHO, 1959, p.282-

283) Sua aplicabilidade à realidade continental e aos inúmeros ataques sofridos

por sua eficácia e verdadeiras intenções por trás do discurso americanistas, fez

com ela adquirisse uma áurea de pouca credibilidade, quase sempre sendo citada

como exemplo perigoso de um imperialismo disfarçado em princípios de direito

internacional. O fato é que a doutrina se confunde com a própria história da

construção dos Estados Unidos e da América Latina e sua aplicabilidade muito se

deve aos momentos políticos dos norte-americanos.

A doutrina Monroe surge com a tentativa da Santa Aliança, que reunia

as potências vencedoras da Guerra contra Napoleão Bonaparte, de suprimir a

revolução na Espanha de 1820. Porém esta doutrina contou com a oposição

britânica, que não estava disposta a apoiar qualquer intervenção reformista no

hemisfério ocidental e o ministro de Negócios Estrangeiros Britânico, George

Canning, propôs uma ação conjunta com os Estados Unidos para manter a Santa

Aliança fora do alcance das colônias espanholas na América. Do ponto de vista

geopolítico, a Grã-Bretanha queria manter a América Latina fora do alcance de

outra potência europeia, já que isso mudaria a dinâmica da política mundial. O

76

argumento britânico era de que a Espanha, com ou sem suas colônias, era uma

potência de segunda ordem, mas se outra força europeia assumisse o controle do

antigo Império Espanhol, a posição tanto dos Estados Unidos quanto da Grã-

Bretanha ficaria seriamente afetada.

No radar britânico também estava à ameaça restauradora, que após a

invasão da Espanha pelos franceses, comandados por Napoleão Bonaparte,

havia deixado as colônias a seus próprios recursos e livre iniciativa. A posterior

restauração dos Bourbon no trono Espanhol configurava, assim, uma ameaça às

conquistas realizadas sobre a maioria da antiga rede de comércio espanhol e que

beneficiava, sobretudo, aos ingleses. Entretanto, as vitórias de San Martin e de

Simon Bolívar haviam demonstrado que a presença europeia não era condição

essencial para a manutenção de sistemas políticos razoavelmente estáveis na

América Latina, sendo possível, sim, reconhecer aqueles movimentos como

legítimos aos povos sul-americanos.

Os Estados Unidos compreenderam a gravidade das preocupações

britânicas, mas não confiaram em uma aliança para ações conjuntas com a ex-

metrópole. Sentindo-se forte, pela conjuntura política do momento, o presidente

Monroe e Quincy Adams, seu Secretário de Estado, proclamaram em 1823 a

Doutrina Monroe, que excluía o colonialismo europeu a partir de uma decisão

unilateral:

Com a doutrina Monroe, proclamada em 1823, o oceano que separava os Estados Unidos da Europa tornou-se um fosso. Até esse momento, a regra principal da política externa americana tinha sido a do não envolvimento nas disputas europeias de poder. A doutrina Monroe deu o passo seguinte, declarando que a Europa não devia envolver-se nos assuntos americanos. E a noção de Monroe do que constituía os assuntos americanos era, na realidade, extensiva: compreendia todo o hemisfério ocidental. [...]. Declarou que os Estados Unidos considerariam qualquer extensão do poder europeu a qualquer porção deste hemisfério como perigosa para a paz a segurança nacional. (KISSINGER, 2007, p.26)

Se, em 1823, os Estados Unidos avisaram aos europeus de que

deveriam se afastar do hemisfério ocidental, já em 1845 a explicação da

77

incorporação do Texas foi tratada como sendo necessário para prevenir que um

estado independente se tornasse aliado ou dependente de uma potência

estrangeira, ameaçando a segurança nacional dos Estados Unidos. Em outras

palavras, a doutrina Monroe justificava a intervenção americana não só contra

uma ameaça existente, mas contra qualquer possibilidade de desafio aberto –

assim como os europeus fizeram com o equilíbrio de poder. (KISSINGER, 2007,

p.27)

A Doutrina Monroe muitas vezes está ligada a uma tentativa de

enfrentamento dos Estados Unidos a graves situações. Uma política cujo objetivo

essencial é o paradigma de segurança dos Estados Unidos. Se os dois princípios

que regeram os ideais de 1823 tivessem se mantido intactos, o do não

restabelecimento de colônias europeias na América e o da não intervenção,

poderiam até supor que a doutrina teria sido uma base aceitável para uma

verdadeira política pan-americana, ou mesmo um sistema de regulação do ainda

emergente sistema interamericano. O fato é que os preceitos defendidos e

recepcionados, em um primeiro momento com grande euforia pelos políticos

emergentes dos diversos estados americanos, se transformaram em decepção e

sinônimo de uma crescente assimetria de poder no continente.

O diplomata boliviano Gaston Nerval (pseudônimo), citado por Delgado

de Carvalho (1959, p.287), afirma que há duas Doutrinas Monroe, “a autêntica,

original na Mensagem de 1823, e a outra, a dos sucessores de Monroe, mal

compreendida, mal interpretada e mal empregada”. Desta forma, não se pode

considerar a Doutrina Monroe como uma base para uma política interamericana,

já que seu caráter unilateral e absolutamente não afirmativo vai de encontro a

qualquer ideia de unidade continental. Interessante assinalar que a própria

extensão geográfica da exclusão pretendida variou, sendo que o presidente

James K. Polk em 1845 reduziu a “zona de proteção americana” apenas à

América do Norte.

A doutrina transformava-se, assim, em uma ferramenta de grande

elasticidade, casada a cada necessidade conjuntural política da sua época. Até o

78

final do século XIX, a doutrina seguiu com usos diversos, mas sem criar maiores

expectativas acerca do seu projeto interamericano. Entretanto, como seus autores

visavam resolver contingências momentâneas e favorecer interesses americanos,

ao invés de fomentar uma noção de unidade continental, a doutrina passou a ser

vista como uma prática nociva para a manutenção da paz e da autonomia

continental. Os políticos das novas nações independentes não aceitavam a ideia

de trocar uma dominação de uma potência europeia por outra, dentro do seu

próprio continente.

Dessa forma, os movimentos de integração feitos na América

espanhola recém-emancipada, tinham três grandes sentimentos: permitir a

manutenção e o fortalecimento das conquistas das guerras de independência,

conquistar real autonomia politica-institucional para os novos estados, rompendo

ideologicamente com o Velho continente, ou seja, com o modo europeu de fazer

politica e por fim estabelecer uma autonomia aos Estados Unidos.

A Carta da Jamaica, escrita em 1815 pelo Libertador Simón Bolívar, é

um marco inicial nesse processo de construção de um sentimento interamericano,

independente e absolutamente novo. Bolívar propunha formar no Novo Mundo

uma única nação, com vínculos que ligassem suas partes entre si e como um

todo. Mais do que uma simples confederação, a base da sua proposta explicitava

uma unificação clara e formal, baseada no que seria “para si” essa América: os

países hispano-americanos, já que eles tinham uma origem única, uma língua

hegemônica, costumes próximos e uma mesma religião. O ideal de se formar uma

unidade fundamentada juridicamente em um Governo, para os diversos Estados

que viriam a formar essa Confederação, mostrava uma noção política diferente de

América, já que nessa proposta estavam excluídos o Brasil e os povos de origem

anglo-saxã, ao norte. (BOLÍVAR. Carta da Jamaica-1815)

Para Bolívar, e explicitado com muita preocupação, a escolha do

melhor regime de Governo era crucial para que pudesse assegurar os ganhos da

guerra de independência, garantir a prosperidade e, acima de tudo, garantir a

capacidade de guerra em uma eventual tentativa de reconquista espanhola, que

79

àquela altura estava extremamente presente na mente das elites criollas. O

projeto de Bolívar era amplamente apoiado pelo Repúblicanismo, já que, para ele,

as pequenas Repúblicas eram regimes de Governo mais confiáveis pelo seu

caráter durável, e melhor para assegurarem os ideais americanos que todos os

povos hispano-americanos tanto almejavam. No ideal do Libertador, todas as

pequenas repúblicas partilhariam assento em uma Confederação com um único

Governo, tendo sua sede no Panamá, onde as diversas nações poderiam dialogar

entre si e com o resto do mundo sobre a paz, a guerra e as demais questões

internacionais:

¡Qué bello sería que el istmo de Panamá fuese para nosotros lo que el de Corinto para los griegos! Ojalá que algún día tengamos la fortuna de instalar allí un augusto Congreso de los representantes de las repúblicas, reinos e imperios a tratar y discutir sobre los altos intereses de la paz y de la guerra, con las naciones de las otras tres partes del mundo.” (BOLÍVAR. Carta da Jamaica-1815). 21

Os ideais de Simon Bolívar e suas iniciativas resultaram em uma

vertente diferente daquela de segurança continental estipulada pelo Governo de

Washington. Ainda, no seu período embrionário, já davam uma dimensão nova e

evidenciavam, entre outras coisas, um novo modo de se fazer política

internacional. O americanismo Bolivariano nasce como paradigma ainda hoje não

realizado por completo:

21 Que bonito seria se o istmo do Panamá fosse para nós o que foi Corinto para aos

gregos! Esperemos que algum dia nós tenhamos a sorte de instalar ali um augusto congresso dos

representantes das repúblicas, reinos e impérios, para deliberar sobre os altos interesses da paz e

da guerra, com as nações das outras três partes do mundo. (Bolívar. Carta da Jamaica-1815 -

Tradução nossa)

80

Tinha sem dúvida o pan-americanismo Bolívariano grandiosos ideais a perseguir: implantar soberanias temperadas por interesses comuns supranacionais, regulamentados por acordos de comércio, por meios de se evitar a guerra, de superar os conflitos de fronteira, de uniformizar o direito público, de conciliar os litígios por arbitramentos obrigatórios, em suma, a criação do direito internacional americano, visando compensar o esfacelamento político regional resultante das independências políticas. (CERVO & BUENO, 2008, p. 142)

Bolívar organiza e inicia um movimento que se repetiria por quase todo

o século XIX. Com o Congresso do Panamá, em 1826, iniciava uma série de

reuniões que seriam a base de atividade interamericana, funcionando como um

fórum onde as proposições poderiam ser colocadas em pauta e as ideias

poderiam sair do campo teórico para adquirir contornos na realidade.

O Congresso se inicia por proposta do próprio Bolívar, (que não

compareceu, por se encontrar envolvido com problemas no Alto Peru) sendo essa

a primeira reunião com intuito claro dos plenipotenciários de criar uma

organização supra estatal, dotada de códigos de conduta e regulamentação para

todos os Estados representados. Encabeçados pelos Estados Unidos da

Colômbia (Colômbia, Venezuela e Equador), o convite foi enviado por Bolívar

para Buenos Aires, México, Peru e Chile. Por sua vez, Francisco de Paula

Santander, libertador da Colômbia, estendeu o convite aos Estados Unidos, ao

Império do Brasil e à Guatemala. (CARVALHO, 1959, p. 296)

Aceitaram o convite, mas deixaram de comparecer, os Estados Unidos,

o Brasil, o Chile e Buenos Aires. As razões foram diversas: Buenos Aires não

aceitava nenhuma autoridade supranacional; os Estados Unidos discutiram tanto

no Senado a questão, que seus representantes não chegaram a tempo; o Chile

também chegou tarde. Quanto ao representante nomeado pelo Brasil, ele nem

sequer chegou a partir:

Tendo desejos de entrar em relações com as novas repúblicas e trabalhar em concerto com elas para a prosperidade geral da América, como se expressou, evitava o Brasil comprometer-se em projetos de anfictiônia, como os que se anunciavam, além de saber que, nos planos políticos do Libertador, se continha, a propósito de nossa guerra na Cisplatina, o de uma coligação para arrancar da América a planta exótica, isto é, nossa Monarquia. (LOBO, p. 11-12, 1939).

81

No dizer de Delgado de Carvalho, referindo-se aos resultados do

Congresso do Panamá “só se pode dizer que foram um glorioso fracasso”.

(CARVALHO, p. 297, 1959). De todas as matérias discutidas e não ratificadas,

tratou-se de solução de litígios por arbitramento, de abolição do tráfico, de

garantias de integridade territorial, de incremento das relações comerciais, da

criação de ações e práticas para tornar efetiva a Doutrina Monroe. Apesar do não

avanço nessas importantes questões, cada vez mais com o afastamento do

tempo da reunião ocorrida no Istmo do Panamá cresce a importância e o valor

que aqueles delegados ainda não estavam em condições para compreender.

Com o fracasso de suas ideias, Hélio Lobo nos conta que Bolívar teria

exclamado “He arado en el mar”22. O andamento da história mostraria, no entanto,

que o Congresso do Panamá lançaria sementes do que viria a ser o direito

interamericano moderno e foi o primeiro de uma série de congressos que se

realizariam sempre sobre a égide e inspiração das ideias do Libertador.

Aproximadamente vinte anos depois foram feitas novas tentativas,

cabendo ao Peru à iniciativa. Novamente o perigo da reconquista pairava sobre

as Repúblicas da região e um pacto defensivo se fazia necessário para conter a

ameaça externa. Em dezembro de 1847 reuniram-se em Lima os representantes

da Bolívia, Chile, Equador e Nova Granada. Assim como no Panamá, vários

dispositivos deixaram de ser assinados, mas mantiveram-se as ideias

Bolivarianas, fazendo com que algumas questões referentes ao comércio, guerra

e direitos fossem discutidos.

Após esse encontro, teríamos mais alguns outros Congressos

interamericanos, todos tratando de temas de interesse regional e sempre

permeados da questão de segurança e ameaça externa. Uma segunda

Conferência de Lima foi reunida em 1864 e outra de fins jurídicos realizada em

1878. Todas tomadas pelo ideal americano criado por Bolívar, mas sem realizar

os ideais do Libertador. O sistema americano de estado estaria sempre norteado

22 Algo como: é como arar no mar

82

pelas forças da assimetria entre a Grande República do Norte e os países do Sul,

e pelas múltiplas tentativas de criar na América algo que na Europa não foi

possível: um verdadeiro instrumento de regulação entre os Estados que aqui

nasceram.

De todos os congressos interamericanos, Panamá (1826), Lima (1847-

1848), Santiago (1856), Washington (1856), Lima (1864-1865) e novamente

Washington (1889-1890), o Brasil somente participou do último desses encontros

- a Primeira Conferência Interamericana, convocada pelos Estados Unidos. O

Governo Imperial, desde 1826, ocasião do Congresso do Panamá, entendia que

essas iniciativas poderiam ser uma fonte de resistência. O Governo era norteado

pela Distensão histórica que resultava na ambivalência de entender que, ao

mesmo tempo, poderia se tornar uma frente comum contra os interesses

brasileiros e, também, pelo receio de se ver excluído, caso algumas das

iniciativas propostas alcançassem sucesso.

Além disso, o Império foi na América, pelo menos até 1889, um grande

problema para uma configuração segura do continente na visão dos seus

vizinhos. O Brasil e sua monarquia bragantina, foi um dos destaques de um

quadro marcado por Repúblicas, e especialmente na América do Sul viam na

antiga colônia portuguesa uma ameaça constante à manutenção da

independência e no Imperador brasileiro um possível instrumento da Santa

Aliança nos assuntos americanos. Apesar de a história diplomática dar pouco

suporte a essa tese, essa lógica permeou todo o período Imperial brasileiro.

Apesar disso, as originalidades dos instrumentos aqui empregados fizeram do

sistema interamericano um dos menos intempestivos, e mesmo com alguns

conflitos de largas proporções, nunca vivenciou um estado de guerra geral que

arrastasse todos os membros para a destruição mútua.

A explicação para a excepcional firmeza e consistência da política

americanista do Império está, como já mostramos, na natureza de legitimação do

Estado Brasileiro em contraste com seus vizinhos americanos. A adoção de um

regime monárquico condicionava a política externa brasileira para temer e por

83

vezes repudiar as iniciativas interamericanas. Ao adotar o modelo de legitimação,

como sendo o princípio dinástico, os vizinhos americanos passaram a

representar, no imaginário, o Império como sendo o outro irreconciliável. Deve-se

ressaltar que a identidade das Repúblicas americanas nascia exatamente na ideia

de ruptura com o Antigo Regime e metaforicamente com a Europa. A noção de

Novo e Velho Mundo, América e Europa, influenciava decisivamente as iniciativas

interamericanas, tornando para o Império a tarefa de associar-se muito difícil, sem

colocar em xeque sua própria base de legitimidade:

O Império via-se civilizado e europeu, e assim de uma natureza distinta daquela de seus anárquicos vizinhos. Integrar-se a eles seria pôr em risco a própria essência de sua identidade. Se a ideia de civilização propagada pelas elites brasileiras era, estranhamente, compatível com a escravidão a exclusão da maioria da população do corpo politico da nação, a adoção do nacionalismo e da cidadania como fonte de legitimação do Estado era potencialmente explosiva em uma sociedade fracamente integrada regionalmente e com população composta em grande parte por escravos. (SANTOS, 2004, p.28)

O Brasil sentia enorme dificuldade em integrar-se com seus vizinhos,

que tinham como principal bandeira a ideia de ruptura com os antigos laços, uma

síntese ideológica pautada na diferença entre América e Europa, nascida

especialmente nos movimentos pela independência ocorridos em toda a América.

No continente americano, ao lado dos Estados Unidos, o Brasil representava uma

variante linguística e de costumes. No ponto de vista da política externa, a Guerra

Cisplatina e a Guerra do Paraguai foram, diversas vezes, interpretadas como um

movimento do Império em realizar suas ambições egoístas e expansionistas. O

Governo Imperial chegou a reconhecer a fugaz experiência do Império de

Maximiliano no México, uma precipitação que não colaborou para melhorar a

imagem ou ao menos evitar tensões desnecessárias com as Repúblicas vizinhas.

A própria constituição do quadro político brasileiro não propiciava a

integração continental. Os estadistas brasileiros do século XIX, formados na

escola de pensamento conservador, eram essencialmente realistas. Para o corpo

institucional e político brasileiro, a ordem resultaria do primado da autoridade

sobre os ideais. As instituições pretendidas pelos hispânicos e tidas como

84

utópicas pelos imperiais, não lhes davam garantias, resultando em um deliberado

afastamento ou Distensão. Por isso, não acreditavam que as relações

interamericanas pudessem fluir de forma harmônica, oriunda de estatutos

jurídicos convencionados pelos Estados, negando participarem do Congresso de

Lima (1878) e aceitando a contragosto participar do convite americano de 1881

para uma conferência, que não aconteceu por causa da guerra do Pacífico.

(CERVO & BUENO, 2008, p.142)

O realismo brasileiro também denotava uma habilidade fundamental

para a diplomacia no período. O Governo Imperial nunca se obstou

categoricamente a qualquer iniciativa pelo temor de que qualquer movimentação

nesse sentido evoluísse para um foro puramente hispânico e antibrasileiro. A

ameaça de reconquista espanhola e as rivalidades entre as Repúblicas diminuíam

a eminência desses perigos, mas convinha ao Governo acompanhar congresso

por congresso, ponderar sobre a decisão de participar ou não, dependendo das

conveniências e conjunturas políticas do momento, e protelar ao máximo a

presença brasileira:

Aceitou o convite para participar do Congresso do Panamá, mas seu enviado não chegou. Acompanhava desde 1840 o possível ‘congressos geral de plenipotenciários dos Estados americanos’, respondia positivamente ao convite chileno, depois ao mexicano, mas não esteve em Lima, em 1847, em última análise porque os hispânicos consideravam sua presença dispensável. Aderiu em1864 ao pensamento de um congresso americano a convite do Peru, mas não compareceu para evitar debate sobre a guerra da tríplice aliança. Recusou o convite do Peru para o Congresso de Lima (1878) alegando não acreditar em seu propósito de uniformizar as legislações de alguns Estados. Após aceitar o convite norte-americano de 1881, manifestou-se contrário ao congresso oficioso de Caracas (1883) por ocasião do centenário de Bolívar, quando se lançou um projeto de ‘União dos Estados Americanos’, sob a forma de aliança ampla, cujas consequências não se podia medir. Esteve presente pela primeira vez em um congresso americano em 1888, em Montevidéu, para firmar quatro convenções sobre direito internacional privado, que aliás não ratificou (CERVO & BUENO, 2008, p. 142-143)

O Governo brasileiro contrapunha a diplomacia idealista do

interamericanismo como sua própria diplomacia pragmática e realista, pela qual

resolveu totalmente ou parcialmente, durante o Império, todos os problemas

85

centrais de relacionamento, como limites, navegação, comércio e segurança. A

Distensão externa, pensando no sentido de um afastamento vigilante, foi exercida

de forma peculiar e exitosa.

2.3.3 Os Congressos Durante o Final do Império

Após a Guerra do Paraguai e o acirramento de forças no âmbito

interno, a adesão parcial ao pan-americanismo passa a representar uma tentativa

do Império de se adequar à nova conjuntura, sendo que em um contexto mais

amplo o Imperador se esforçava para trocar ‘a coroa pela cartola’. Durante o

período final do Império, ou seja, entre 1870 e 1889, o Brasil foi convidado para

participar de vários fóruns e convenções. Em sua maioria, versavam sobre a

tentativa de criar um direito interamericano que pudesse regular com mais

facilidade as relações da região. O Império foi chamado a participar das reuniões

por diversas vezes, mas as respostas em maioria foram reativas, em consonância

com a política histórica de Distensão externa para com o tema, apesar de

experimentar uma morosa flexibilização.

Em um deles, o Governo peruano convidou o Brasil, por meio de nota

expedida pelo seu ministério das relações exteriores no dia 11 de Dezembro de

187523, a mandar representantes a um congresso de plenipotenciários

jurisconsultos para tratar de uniformizar as legislações dos diversos Estados

Americanos. As pretensões eram ousadas, dentre elas a de chegar a um acordo

geral em matéria de leis civis, uniformidade na legislação de casamentos,

formalidades nas relações externas, códigos de extradição uniformizados,

legislação comercial no que se refere à falência e privilégios, propriedade

intelectual, uniformidade de pesos e medidas, sistema monetário e uma

convenção posta entre os Estados Americanos. O Governo Peruano argumentava

23 Nota do Governo peruano ao Governo Imperial, 11/12/1875.

86

que “com o desenvolvimento das relações internacionais, as rápidas

communicações entre os povos mediante estabelecimento da navegação a vapor

e da correspondência telegráfica”, mudava a dinâmica das relações entre os

povos do continente americano, e essa problemática deu origem um projeto para

lidar com esses ‘novos’ desafios. (RRNE, Anexo I, p.191-193)

Em nota do dia 20 de abril de 187624, assinada pelo Barão do Cotegipe

em nome do ministério dos negócios estrangeiros, o Império reconheceu à

conveniência e a necessidade de se tornarem uniformes as legislações nos

pontos indicados. (RRNE, Anexo I, p.193-194) Ainda assim, o Governo Imperial

alegou que essa matéria só seria resolvida em futuro remoto, porque “depende de

trabalho lento e constante e muito mais acção scientifica individual e colletiva do

que a acção diplomática”. O posicionamento brasileiro assegurou que esperaria

os resultados dos trabalhos internacionais das nações europeias sobre direito

internacional antes de qualquer outra posição e que conviria um congresso geral,

antes do que exclusivamente americano, como proposto pelo Governo Peruano.

O Império, sem negar a necessidade da discussão, mas pelos motivos expostos,

julgou conveniente não tomar parte no projeto do congresso, apesar de agradecer

o convite a ele dirigido.

Em outro caso, em uma reunião na cidade de Caracas, no dia 14 de

Agosto de 1883, os representantes de alguns Estados Americanos firmaram uma

ata contendo declarações que procuravam o estabelecimento de uma União

Americana e à convocação de um congresso. O convite partiu do Presidente dos

Estados Unidos da Venezuela, imbuídos de espírito americanista por ocasião das

festas do centenário do Libertador Símon Bolívar. O encarregado de assuntos

brasileiros foi consultado verbalmente sobre a possibilidade de tomar parte na

conferência, e respondeu que não estava autorizado para isso. Por seu

intermédio, logo depois disso, o Governo Imperial foi convidado a aderir às

referidas declarações.

24 Nota do Governo Imperial ao Peru, 20/04/1876.

87

O Governo Imperial após refletir sobre o convite optou por diversos

motivos a não aceitar a proposta venezuelana. Inicialmente, a ata que se lavrou

foi assinada pelo Primeiro Magistrado da Venezuela, e exprimia o pensamento do

seu Governo; mas além dele foi também assinada por agentes diplomáticos e

consulares de outros Governos Hispânicos presentes em Caracas para fim

diverso, sem poderes que o autorizassem a tratar de um assunto tão amplo e

complexo. A ata, portanto, não tinha base suficiente para a solicitação de adesão.

Quanto às declarações em sua generalidade, ela tratava de uma ampla

e perpétua aliança para todos que com ela se comprometessem, algo com

consequências difíceis de prever, segundo o Governo Imperial. Além disso, vários

itens iam contra os interesses históricos brasileiros. Suas menções não incluiam a

parte portuguesa da América25 e em outros temas versavam sobre uma resolução

única para os litígios territoriais, obrigatoriedade da arbitragem como única

solução de toda a controvérsia, e uma tentativa de unificação do direito

internacional e dos pesos e medidas. (RRNE, Anexo I, p. 210-212)

O Império também não considerou conveniente se sujeitar a qualquer

uma dessas decisões do congresso, uma vez que as questões territoriais,

segundo o Governo Brasileiro vinham sendo resolvidas de forma direta e

amigável; não podia contrair compromisso algum sobre os direitos do cidadão

sem violar algumas disposições da constituição Imperial; além de manter as

opiniões já registradas em outros fóruns de mesma natureza sobre unificações de

direito internacional privado e outras questões.

Por fim, outro ponto de interação e conflito foram as questões de

saúde, que tiveram momentos dramáticos no pós-guerra especialmente na região

platina, originando vários congressos para tratar da questão. Em um dos casos,

uma grande epidemia se acometeu de Montevidéu durante três meses, e por isso

a República Argentina fechou os portos aos navios uruguaios, como medo de

uma possível contaminação. A epidemia não cessou por conta dessa medida,

25 Nota do Governo Venezuelano à Legação Imperial (Protocolo da Conferencia), 08/10/1883.

88

com reclamação do Uruguai a tal procedimento. Para que fossem retiradas tais

deliberações, exigiu-se que Montevidéu se impusesse quarentena aos navios

procedentes dos portos brasileiros, sob pretexto que no Império havia surtos de

febre amarela. A exigência foi atendida, impedindo-se que tivessem livre prática

os navios procedentes do Brasil para Buenos Aires e Montevidéu, com exclusão

dos que não tivessem passado pelo país recebendo passageiros, carregamento

ou malas. Várias foram às reclamações por parte do Império.

Classificada como “vexatória medida”, que não era aconselhada pelo

estado sanitário do Império, só serviria para prejudicar o comércio e excitar os

ânimos entre os dois países. Internamente, a Direção da Associação Comercial

do Rio de Janeiro enviou uma representação contra essa medida à repartição de

negócios estrangeiros, da qual foram comunicadas as legações em Buenos Aires

e Montevidéu, fazendo as recomendações necessárias para que sejam

defendidos os interesses comerciais brasileiros. Para tentar solucionar a questão,

o governo Imperial expediu poderes ao seu ministro, Conselheiro Antonio José

Duarte de Araujo Gondim, para celebrar com os plenipotenciários das Repúblicas

do Uruguai, Argentina e Paraguai, que iriam se reunir em Montevidéu para discutir

uma convenção que regule o regime sanitário que deveria ser aplicado em cada

um dos estados com relação às embarcações procedentes de lugares

infecionados ou suspeitos, mas não houve resolução para o caso. (RRNE, 1871,

p.25)

Os recorrentes problemas sanitários levavam problemas e reclamações

de lado a lado na região do Prata, especialmente por medidas adotadas

unilateralmente para evitar a invasão de alguma epidemia do país vizinho. O

Brasil por meio do então ministro Cotegipe, respondendo às legações das

Repúblicas da região platina, afirmou que o único meio de evitar questões desta

natureza seria uma convenção que regulasse os direitos e deveres recíprocos de

cada Estado, e não imposição de opiniões que contrariam interesses de um e de

outro. Da iniciativa brasileira nasceu uma convenção sanitária que ocorreu no Rio

de Janeiro em 25 de Novembro de 1887. O Paraguai, convidado a participar das

conferências em que seriam discutidos os atos internacionais, alegou falta de

89

tempo, mas que poderia oportunamente aderir, assim como outros Estados da

América do Sul.

Finalmente, o Brasil recebeu um convite simultâneo dos governos

argentino e uruguaio, por comunicado do Ministério das Relações Exteriores do

Uruguai, datado do dia 1º de Março de 1888, a participar de um congresso no

qual se formulariam tratados sobre matérias compreendidas no Direito

Internacional Privado. O convite foi aceito, mas não mandou logo seus

plenipotenciários, autorizando que os Ministros residentes em Montevidéu e

Buenos Aires a representá-lo no ato da abertura do Congresso e nos

subsequentes que não exigissem discussão. O nome escolhido para participar

das conferências ficou a cargo do Conselheiro de Estado Domingos de Andrade

Figueira, pela aptidão com as matérias que iam ser discutidas.

O Congresso foi aberto no dia 25 de Agosto de 1888 e foram firmados

Tratados sobre: propriedade literária e artística; processo judicial; marcas de

comércio e de fábrica; patentes; direito comercial internacional; direito penal

internacional; direito civil internacional; exercício de profissões; além de um

protocolo adicional estabelecendo regras gerais para a aplicação das leis de

qualquer Estado contratante nos territórios dos outros, nos casos determinados

nos referidos Tratados. O plenipotenciário brasileiro só assinou os primeiros cinco

Tratados e o protocolo adicional, abstendo-se quanto aos outros por razões

diversas. Em geral, os Tratados continham, nos seus dispositivos, atribuições que

iam contra as leis internas do Império ou continham matérias que o

plenipotenciário considerou sendo fora da esfera do direito internacional.

Os casos destacados pelos Relatórios da Repartição dos Negócios

Estrangeiros (RRNE) demonstram a inflexibilidade apresentada pelo Império até

os últimos anos de regime monárquico em suportar qualquer intenção mais

profunda de criação de um verdadeiro interamericanismo, apesar de ser possível

vislumbrar pequenas aberturas nessa conduta. A Distensão externa e histórica

representada nas iniciativas regionais, sempre acompanhadas de uma constante

vigilância para evitar qualquer coalisão antibrasileira, foi o sentido atribuído pelos

90

formuladores da política externa e pela elite Imperial para evitar qualquer

consequência que poderia afetar a estabilidade do regime monárquico. Essa

postura só começou a ser alterada quando as forças internas passaram a

questionar a validade de tal conduta ou quando um problema prático obrigava a

atuar na direção contrária a Distensão histórica, como no caso dos diversos

problemas sanitários. Esse impulso de afastamento iria contrastar

vertiginosamente com os impulsos Universalistas verificados para com as

potências centrais e fora do contexto regional, tema esse do próximo capítulo.

91

3. O UNIVERSALISMO EXTERNO

Assim como Distensão, são muitos os sentidos atribuídos ao termo

Universalismo. Seu uso é normalmente conferido em descrições e adjetivações

sobre o caráter universal ou universalista de uma conduta ou instituição. O mais

frequente dos seus usos é aquele em que define uma “tendência de se tornar

universal uma religião, uma ideia, um sistema, etc., fazendo com que se dirija ou

abranja a totalidade e não um grupo particular”. (HOUAISS, 2012)

A tendência ao Universalismo na política externa Imperial teria sido

elevada como sentido norteador de sua atuação por conta de uma conjuntura

onde o retraimento não era aconselhável, segundo a hipótese levantada por

Amado Luiz Cervo (2008). Sua atuação seria explicada pela face subordinada de

atuação externa, aquela que condicionava e beneficiava os setores

agroexportadores, alinhados com o elemento liberal do paradigma liberal-

conservador. As transformações no cenário internacional do período que se

estende entre a Guerra do Paraguai e a Proclamação da República são

essenciais para reforçar o sentido Universalista na postura externa Imperial,

conforme se faz necessário esclarecer de forma mais objetiva antes de uma

análise mais focada em cada uma das ações externas do período

individualmente.

A maior dessas alterações acontece no começo da década de 1870,

quando tem início o sistema europeu de alianças criada por Otto von Bismarck.

Ainda que a pentarquia do Concerto Europeu26, fundado em 1815 pelo Congresso

26 O Concerto Europeu, iniciado pelos Acordos de Viena (1814-1815), puseram fim a um quarto de

século de levantes e de guerras, trazendo novo equilíbrio para o sistema europeu. O mapa da

Europa foi redefinido sem se levar em conta aspirações dos povos ou qualquer direito dos

inúmeros príncipes destituídos pelos franceses, mas com considerável atenção ao equilíbrio dos

cinco grandes: a Rússia, a Grã-Bretanha, a França, a Áustria e a Prússia. A declaração das cinco

92

de Viena para conter os efeitos da Revolução Francesa, fosse a característica

essencial do sistema político europeu, o equilíbrio de poder tornou-se diferente

durante o período de 1870-1889. A França experimentou uma fase de

introspecção após a derrota na guerra Franco-Prussiana, tentando de alguma

forma restaurar seu prestigio internacional abalado pela derrota. A Grã-Bretanha,

que desde o final das Guerras Napoleônicas dominava a economia global,

passava a conhecer um incômodo pluralismo econômico oriundo das outras

potências industriais, vendo-se forçada a repensar a sua política de isolamento

dos assuntos continentais. A Áustria e a Rússia, alijadas pela nova conjuntura,

passaram a desempenhar um papel menor daquele que vinham realizando até

então.

Dessa forma, o arranjo central das forças europeias se centrou na

Alemanha, que apesar de possuir potencial econômico e militar suficientemente

poderoso para romper com toda a lógica dos poderes consagrados desde Viena,

optou nesse período uma postura cautelosa, protegendo a recém-unificação e

neutralizando a possibilidade de um revanchismo francês. (LESSA, 2008, p.131-

133) A construção vitoriosa do Segundo Reich constituiu o evento mais

importante do último quartel do século XIX, e a influência da sua presença e do

seu chanceler Bismarck foi tão grande, que é possível falar em um sistema

Bismarckiano no período que compreende entre 1870-1890:

potências foi formalizada em 1818 pela Declaração de Aachen (Aquisgrana), em que declaravam

sua intenção de manter uma união íntima de consultas regulares para a preservação da paz.

(WATSON, 2004, p. 334-335) Como Hobsbawn (2007, p.168-172) afirma: “Os reis e estadistas

não eram mais sábios nem tampouco mais pacíficos do que antes. Mas inquestionavelmente

estavam mais assustados”, e talvez por isso eles tenham sido inusitadamente tão bem-sucedidos.

De fato, não houve nenhuma guerra total na Europa, nem qualquer conflito armado entre duas

grandes potências, da derrota de Napoleão à Guerra da Crimeia (1854-1856). Além disso, com

exceção desta, não houve nenhuma guerra que envolvesse mais do que duas grandes potências

entre 1815 e a Primeira Guerra Mundial.

93

A paz não era confortável. (...) O equilíbrio que havia mantido e ajustado desde Viena, primeiro na paz, e depois em guerras menores, tornou-se estável. Durante alguns anos, o controle considerável de Bismark e seu hábil malabarismo diplomático mantiveram a ordem europeia. Lembrando o destino de Napoleão, ele estava determinado a evitar uma querela com a Rússia ou com a Inglaterra. (...) Em todo o sistema, ele fez com que a sua Prússia aumentada se comportasse como uma potência satisfeita e pronta a cooperar. (Watson, 2004, p. 348)

As intenções de Bismarck foram atendidas, agindo de forma a preservar a

paz e a consolidação do Império, ao passo que impediram a França de levar a

cabo qualquer pretensão de seu nacionalismo chauvinista. Morgenthau, no

clássico A Política Entre as Nações (2003, p.92) afirma que Bismarck soube usar

dos tratados de aliança de forma muito particular, já que ele empregou da função

frequente de preservar o status quo em uma determinada área. Segundo ele,

após a conclusão vitoriosa da Guerra Franco-Prussiana, e a fundação do

Segundo Reich, em 1871, Bismarck tentou proteger a posição hegemônica

conquistada na Europa pela Alemanha, e para isso recorreu a alianças para

prevenir e isolar a França em qualquer intuito de uma guerra de vingança. Já em

1879, a Alemanha e a Áustria concluíram uma aliança de defesa mútua contra a

Rússia e, em 1884, a França e a Rússia firmaram uma aliança defensiva contra a

combinação da Alemanha com a Áustria.

O sistema bismarckiano irá durar até 18 de março de 1890, quando o

Chanceler de Ferro se indispôs com o herdeiro do trono alemão por problemas de

política interna e renuncia ao posto. Durante todo o período, conseguiu

transformar as relações internacionais europeias em um sistema que girava em

torno da Alemanha. Para o sistema mundial, que dependia e tinha relações

diretas com a Europa, era uma nova porta na relação com os países centrais. O

sistema europeu conviveria com uma nova multipolaridade, muito mais aguda do

que aquela experiência vivenciada durante todo o século XIX até então,

especialmente pela emergência de novas potências e o declínio de outras, dando

uma dinâmica original ao sistema.

94

Dentro dessa lógica que vai de 1870 a meados de 1890, os nacionalismos

e as rivalidades geravam grandes pressões na Europa. De uma forma geral, o

período foi marcado por uma grande expansão territorial para fora das fronteiras

continentais do Velho Continente, resultando em um deslocamento das tensões

para fora do centro do sistema. As pretensões coloniais foram vorazes no

período, sendo que a partir da segunda metade da década de 1870 o continente

africano em sua quase totalidade já estava retaliado. Apesar disso, dentro do

intervalo entre 1870-1889, essa competição por novos mercados não teve

maiores consequências para a política continental europeia, sendo que suas

crises foram em sua maioria administráveis.

No geral, os europeus se focaram na gerência da prática competitiva por

meio de acordos e da regulação da nova corrida colonial, por exemplo, a

Conferência de Berlim (1884-1885) que realizou a partilha da África entre as

diversas potências que nela participaram. A Alemanha, por exemplo, via com

benevolência as pretensões francesas nas possessões coloniais, já que

desviavam o foco do rival a não intervir no equilíbrio de poder europeu. (LESSA,

2008, p.131-133)

Na economia, o período foi marcado por uma longa recessão econômica

na Europa e mudança paulatina no poder mundial. Ainda que os ritmos das

correntes de comércio se mantiveram crescendo, a produtividade cresceu de

forma abrupta, gerando um grande descompasso entre a oferta e a demanda,

afetando diretamente os preços. As relações econômicas se mundializaram,

transformando as realidades locais por meio do capital dos países centrais, cada

vez mais pulverizados ao redor do planeta. Os fluxos financeiros alcançaram

níveis inéditos, especialmente pela velocidade decorrente das novas tecnologias.

A Grã-Bretanha, por conta da grande acumulação de riquezas nas

décadas anteriores, especialmente pelo pioneirismo do desenvolvimento

industrial, tinha supremacia nos investimentos estrangeiros e na capilaridade do

seu capital ao redor do globo. Ao mesmo tempo em que os concorrentes

industriais (especialmente Alemanha, Estados Unidos, França) concorriam contra

95

a sua participação nos fluxos de comércio internacional, crescia a importância do

mercado financeiro para a economia do país, que passara a ser a partir de 1870 o

maior exportador de investimentos do mundo e de serviços como fretes e

seguros. Londres deixava de ser a capital industrial de outrora, tornando-se a

praça financeira mais importante do planeta, elevando a economia britânica a um

novo patamar. De forma sintética, a Grã-Bretanha que atuou durante um longo

período como o motor industrial da economia global, agora atuava como centro

financeiro de uma estrutura global que se tornava cada vez mais complexa.

O período também será marcado por profundas transformações na

relação do homem com o meio, como consequência do maciço desenvolvimento

científico que tiveram consequências irreversíveis para a economia e a sociedade.

A formação de um novo paradigma tecnológico, usualmente chamado de

Segunda Revolução Industrial ou Revolução Técnico-Científica, diferia do primeiro

por não se tratar de mudanças nos processos produtivos decorrentes de

experimentos ocasionais de homens práticos, ou seja, de um empirismo

tecnológico, sendo que sua principal base foi a ciência, sendo usada pelas

grandes empresas para produção de novos modos de produção e tecnologia.

Além do uso ostensivo de novas fontes de energia, como a eletricidade e o

petróleo, a revolução nos transportes e nas telecomunicações, com o

desenvolvimento das técnicas de refrigeração e pasteurização, foi possível o

translado mais rápido e seguro dos gêneros alimentícios, o que colaborou para a

diminuição global dos preços. Com a abertura do Canal de Suez, em 1869, que

reduziu as distâncias do Ocidente com o Oriente, e entregou comercialmente uma

parte substancial do planeta que estava apartada do centro do sistema

internacional, provocou uma queda acentuada no preço dos produtos agrícolas.

(LESSA, 2008, p.122-131)

Com as novas tecnologias e a influência cada vez mais esmagadora da

pesquisa e desenvolvimento na capacidade de produção, houve uma crescente

concentração empresarial, uma vez que os competidores menores não podiam

arcar com as despesas necessárias para manter a rentabilidade. Com a crise da

superprodução, a disputa por mercados tornou-se cada vez mais feroz, uma vez

96

que a oferta crescia em escala muito superior a capacidade de aquisição de

novos mercados. Essa conjuntura econômica estagnou, ou em alguns casos

forçou a queda dos salários, ao mesmo passo que com a revolução incessante

nas técnicas de produção, a oferta de novos empregos também sofria

consequências negativas.

A estrutura social europeia sofria por conta da depressão econômica,

sendo que o aumento da pobreza criava uma pressão que só conseguiu ser

moderada com as imigrações ultramarinas, cujo volume cresceu

exponencialmente nos anos 1880, até tornar-se um fenômeno generalizado,

especialmente em países que haviam sofrido grandes perdas por ainda terem

economias extremamente dependentes do campo. Entre os principais, podemos

citar a Itália, a Espanha, Áustria-Hungria, Rússia e toda a região balcânica, e tinha

como seus principais destinos a América, entre eles o Brasil, ávido por mão-de-

obra por conta da questão servil. Para se proteger dessa tendência, a maioria dos

países centrais interromperam décadas de liberalismo econômico, e passaram a

executar medidas de proteção à economia e criação de reservas de mercado,

criando obstáculos ainda maiores para a recuperação econômica.

A depressão que marcou o período de 1870-1890, aliado a velocidade e

intensidade da industrialização em várias partes do globo e os ideais nacionalistas

do período, fizeram desse ciclo um dos mais elementares na formação do que

iríamos conhecer como um sistema global de Estados. A integração econômica e

política, sendo acompanhada das transformações resultantes da chegada do

capital em diversas regiões que antes estavam distantes da lógica capitalista,

fizeram desse um momento de violentas transformações. Por um lado, a

conjuntura levou os britânicos a serem cada vez mais eclipsados por novos

adversários, em uma estrutura com a qual nenhum poder isolado poderia resolver

todas as disputas e por outro, com a competição por mercados e o colonialismo, a

defesa comercial encarnada no protecionismo deu fim a décadas de expansão do

liberalismo econômico.

97

Voltada para a produção de produtos primários e de exportação, a

América Latina passou por sérias mudanças por conta das alterações no sistema

capitalista global. Após décadas de crises internas, os países da região

começavam a respirar a consolidação do projeto econômico-político das suas

elites, que tem nesse período o nascedouro de uma hegemonia que só irá sofrer

seus primeiros revezes decisivos por ocasião da Primeira Grande Guerra. A

aceitação e preferência das elites locais de forma quase incondicional com a sua

posição na divisão internacional do trabalho trouxe um avanço rápido no

crescimento material e um período de esplendor, consolidação política e dos

arcabouços institucionais, só possíveis pela nova conjuntura. (MALAMUD, 2005,

p.327) Em muitos casos, o crescimento econômico se deu em ambiente

representativo, quase sempre com o Parlamento em seu pleno funcionamento,

dando ao período a sua versão latina americana da belle époque. A presença

europeia na região se fez sentir, especialmente na economia, com a circulação de

capitais, tecnologias e produtos; social, pela chegada massiva de imigrantes

europeus em vários países sul-americanos; e finalmente política, por pressão de

estarem presentes nos acordos comerciais, necessários para as potências

europeias na briga por novos mercados.

Nesse complexo sistema internacional estava inserido o Brasil, composto

por sua sociedade baseada em uma economia agrária, um regime político de tipo

monárquico, que ainda fazia uso da mão de obra negra na sua estrutura de

produção e estava inserido em uma lógica global e especialmente regional muito

díspar daquela que se fazia presente no país. A nova ordem internacional que

vinha se consolidando desde a metade do século XIX foi o desafio essencial para

os formuladores de política externa do Império do Brasil. O Império se esforçava

para manter a intensidade dos vínculos políticos e econômicos mantidos pelo país

com o resto do mundo, especialmente do centro, saindo de um bilateralismo para

um universo crescente do multilateralismo, sendo essa uma tendência crescente

até o final da monarquia. (ALMEIDA, 2001, p.375-381)

98

Em 1851, a Exposição Universal do Crystal Palace, em Londres,

realizada pela “iniciativa privada”, dava início a uma sucessão de conferências,

congressos, seminários científicos e industriais. É nessas reuniões, com múltiplos

objetivos, normalmente vinculados a algum assunto “técnico”, que se ressaltam a

maior participação de atores no jogo da política mundial, denotando uma

amplitude universalista nas relações internacionais. Os convites foram usuais em

toda a década de 1870, e especialmente de 1880. Os Relatórios do Ministério dos

Negócios Estrangeiros contêm uma infinidade de convites ao Brasil, sendo

solicitado para quase todos os assuntos consideráveis do período, entre eles:

convenções postais, união postal, acordos referente aos mares, convenção

telegráfica, acordos de proteção industrial e de marca, exposições internacionais,

entre outros.

O Império participou das mais importantes realizações do período, em

especial as grandes Exposições ‘Universais’ do período. Em 1876, milhões de

visitantes foram visitar a Feira da Filadélfia para conhecer a invenção do telefone,

entre eles o próprio Imperador, em uma das suas visitas internacionais, que junto

do presidente americano Grant, inaugurou a exposição, em plena euforia do

centenário da independência dos Estados Unidos. Na Feira de Paris, em 1889,

onde foi inaugurada a Torre Eiffel, o Brasil foi representado com um grande

pavilhão, próximo à torre. A importância desses eventos se dava na promoção

comercial e aumento do prestígio do Império, que por mais que tivesse àquela

altura uma econômica praticamente monoprodutora, sua ação determinava a

importância brasileira ao resto do mundo.

No comércio internacional, a alteração na matriz das exportações do

Império determinou a reorientação geográfica do destino dos produtos brasileiros,

especialmente com a Grã-Bretanha, mercado modesto para o essencial café,

perdendo importância principalmente para os Estados Unidos, mas também para

países da Europa continental, marcando assim um Universalismo também na

atuação econômica externa. (ABREU & LAGO, 2010, p.24)

99

O café foi um dos responsáveis para essa atuação e agente

fundamental na tentativa Universalista da política externa brasileira. Com sua

cultura totalmente adaptada ao solo do sudeste do Brasil, e com o fácil

escoamento da produção e armazenagem, a mercadoria era o mais bem

sucedido produto brasileiro no comércio internacional durante o período final do

Império. Na década de 1870 foram introduzidos vários tipos de despolpadores

mecânicos e aperfeiçoadas as técnicas de torrefação. Na de 1880, uma praga

assolou os concorrentes asiáticos do café brasileiro, fazendo com que a

conjuntura favorável expandisse rapidamente as plantaçõe. Se durante a década

de 1830, as exportações de café eram de aproximadamente 60.000 toneladas

anuais; em 1871 o Brasil exportaria 216.000 toneladas, chegando até os últimos

anos do Império na casa das 888.000 toneladas. (DEAN, 2008, p.669-670)

A partir de 1873, o café brasileiro teve assegurada a livre entrada no

mercado americano com a política Republicana do “free breakfast table”. No final

dos 1880, o Brasil era responsável por aproximadamente 70% do total de

importações de café dos Estados Unidos, o que contrastava com a Europa, onde

o café era pesadamente taxado por impostos de importação ou sobre consumo.

As exportações para a Grã-Bretanha caíram de forma vertiginosa, enquanto as

exportações para os Estados Unidos tendiam a ultrapassar 40% do total (ver

quadro 3).

A mudança da estrutura de origem das importações no período

Imperial também refletiu a mudança das posições dos países centrais no sistema

capitalista global. O declínio da capacidade competitiva das importações

britânicas foram paulatinamente substituídos por produtores concorrentes,

especialmente a Alemanha e os Estados Unidos (ver quadro 3). O Brasil dependia

quase que exclusivamente de importações para o suprimento de um amplo leque

de bens manufaturados. Em meados dos 1870 “artefatos de algodão”

correspondiam a 27,5% das importações, bebidas a 18%, peixes a 10%,

“artefatos de lã” a 6,6%, trigo e farinha de trigo a 5%, carvão a 3,9%. Máquinas

respondiam por apenas 1,7% do total, embora sua importância tenha talvez

dobrado na década de 1880 (ABREU & LAGO, 2010, p.24)

100

Quadro 3 – Setor Externo (1820-1889)

Brasil: Setor Externo, 1820-1889*

1820 1830 1850 1870 1889

Estrutura

Café (% do total) 18,4 43,8 48,1 56,6 61,5

Açúcar (% do total) 30,1 24 21,2 11,8 9,9

Algodão (% do total) 20,6 10,8 6,2 9,5 4,2

Couros e Peles (% do total) 13,6 7,9 7,2 5,6 3,2

Borracha (% do total) 0,1 0,3 2,3 5,5 8

Destino – Exportações

Grã-Bretanha (% do total) 17,4 27,9 35,5 36,9 13

Estados Unidos (% do total) 0 16,6 32,4 29,3 43

França (% do total) 34,8 6 6,1 8,7 11,7

Alemanha (% do total) 17,1 11,8 5 7,6 14,8

Origem - Importações

Grã-Bretanha (% do total) 40 48,4 53,3 51,5 31,4

Estados Unidos (% do total) 0,6 11,8 8,5 5,6 12,4

França (% do total) 7,8 12 13,5 14,6 8

Alemanha (% do total) 7,6 5 5,9 6,8 9,4

* Média por década. Fonte: IBGE, EHB, 1990; IBGE, Anuário, 1939-1940; BALBI (2004) apud ABREU & LAGO (2010, p.23-24)

A procura por maior prestígio e a procura de resoluções de problemas

internos pelas vias externas também se fizeram sentir. As viagens do Imperador,

a tentativa de solução do problema servil, os impactos e as tentativas de solução

da Questão Religiosa, além da pluralidade de parceiros no centro do sistema

internacional, fizeram com que o Império tivesse de se relacionar com os mais

diferentes parceiros, nos mais diferentes temas. A explosão de interações

internacionais, que chamamos aqui de Universalismo pela hipótese de Cervo,

seria, portanto, muito mais reativa do que positiva; ou seja, não foi uma política

deliberada, mas a forma como a conjuntura impôs a necessidade ao Império.

Para analisarmos e por a prova a hipótese será analisada de forma

pormenorizada nesse capítulo os fatos essenciais levantados pelas Falas do

Trono e nos Relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros, divididos em

subitens com as relações bilaterais mais importantes e outros assuntos de grande

relevância.

101

3.1 A Neutralidade na Guerra Franco-Prussiana e as Relações com a

Alemanha

Um dos grandes desafios que o sistema internacional reservou ao

Governo Imperial foi à posição durante a Guerra Franco-Prussiana. O Brasil, em

14 de agosto de 1870, recebeu um comunicado do Sr. Hocmelle, encarregado de

negócios da França, que por ordem do seu governo, declarava que para defender

a honra e o interesse dos franceses, seu governo viu-se na necessidade de

declarar guerra à Prússia e seus aliados que lhe prestavam auxílio. O Imperador

dos franceses deu ordem afim de que, durante a guerra, os comandantes de suas

forças de terra e de mar que conservassem neutras as regras do direito

internacional, e se conformem especialmente aos princípios assistidos na

declaração do Congresso de Paris, de 16 de Abril de 1856.27

O Brasil respondeu que declarava manter a mais “escrupulosa

neutralidade”, como era do interesse do Brasil. (RRNE, 1870, p.7) A autoridade

Imperial declarava lamentar profundamente que o desentendimento entre a

França e a Prússia não pudesse ser resolvida de forma pacífica e amigável. De

acordo com circular expedida aos presidentes das províncias de 27 de Agosto de

1870, o Imperador determinou que fosse cumprido por todas elas o mais rigoroso

processo de neutralidade, incluindo auxílio às embarcações litigantes, uso do

telégrafo para anunciar a chegada e partida de navios de alguns dos lados ou

qualquer outro ato que pudesse comprometer a posição oficial do país. (RRNE,

1870, p.7)

Durante o conflito, vários problemas na condição de país neutro

constrangeram o Brasil e criaram zonas de atrito com os países litigantes. Em um

27 Congresso de Paris, de 16 de Abril de 1856: 1º O corso é e fica proibido; 2º O pavilhão neutro cobre a

mercadoria inimiga, com exceção do contrabando de guerra; 3º A mercadoria neutra, com exceção do

contrabando de guerra, não pode ser apresada sob pavilhão inimigo. 4º Os bloqueios, para serem

obrigatórios, devem ser efetivos, isto é, mantidos por força suficiente para proibir o acesso ao litoral inimigo.

102

deles, no dia 14 de Setembro de 1870, entraram no porto do Rio de Janeiro os

navios mercantes alemães Lucie e Concordia, que haviam sido apreendidos pelo

navio de guerra francês Hamelin. Esse fato originou uma discussão diplomática

entre o governo Imperial e as legações prussianas e francesas.

Além dessa problemática, ocorreu em 17 de Outubro do mesmo ano

um caso de dezoito passaportes, dados pelo cônsul da França a cidadãos

franceses, com a declaração de que estes se achavam contratados para o serviço

militar, e que deviam apresentar-se ao seu país à autoridade competente. O chefe

de polícia entendeu que devia recusar o visto, por ser contra a neutralidade do

Brasil, uma vez que não era lícito a nenhum agente de qualquer um dos

beligerantes arregimentarem forças militares do seu governo por meio de

recrutamento ou de contratos semelhantes no território brasileiro.

Com o avançar das tropas prussianas, o corpo diplomático manifestou

ao Conde de Bismark, por intermédio do seu ministro dos negócios estrangeiros,

o desejo de serem avisados no caso de bombardeamento de Paris e habilitados

para se retirarem da cidade, assim como de que lhes fossem autorizado expedir

cada semana um correio exclusivamente diplomático. O Chanceler Alemão

respondeu que não poderia por questões militares avisar sobre a ocupação e

confrontos em Paris e que autorizaria a saída de cartas abertas dos agentes

diplomáticos, uma vez que seu conteúdo não resultasse inconveniente ao serviço

militar.

Os membros do corpo diplomático mandaram então uma nota coletiva

ao Conde Bismarck, na qual disseram que aceitariam de bom grado as ordens,

porém, era impossível para eles, por conta do compromisso da confidencialidade

dos dados, mandarem cartas abertas, ficando então impossível encaminhar

relatórios oficiais com os respectivos governos. (RRNE, 1871, p.23-26)

Com o bombardeamento de Paris, em outra nota coletiva, datada em

13 de Janeiro de 1871, o corpo diplomático denunciando à Bismarck os

desastrosos efeitos do bombardeamento da cidade, pediu intervenção para que

as autoridades militares providenciassem aos súditos das potências neutras

103

meios de salvarem seus familiares e pertences. A resposta do Chanceler

ponderou que a reclamação do corpo diplomático não encontrava nos princípios

de direito internacional suficiente base para sua justificação. Sua nota afirmava

que as pessoas que estabeleciam residência em uma região de guerra e nela

permaneceram por livre vontade durante as operações de guerra deviam estar

preparadas para os inconvenientes que dela resultassem. Bismarck reitera que

não faltaram avisos e recomendações aos súditos das potências neutras para

deixarem a cidade, sendo que depois destes e durante meses, permitiu-se que os

neutros atravessassem as fronteiras sem outra condição além de provarem sua

nacionalidade e identidade. (RRNE, 1871, p.23-26)

As informações de Bismarck rebatem a acusação feita pelo governo

Imperial que foi recusada a alguns brasileiros a permissão de sair de Paris. O

caso ocorreu em 21 de Novembro, quando se vendo prolongar o cerco, foi

solicitado o pedido e recusado por Bismarck com o argumento de que houve

sequências de abusos resultantes de anteriores concessões, portanto, as

autoridades militares resolveram não renová-las.

A guerra trouxe como resultado a queda de Napoleão III e sua dinastia.

Em nota, o Sr. Julio Favre, ministro dos negócios estrangeiros, comunicou o fato

ao representante do Brasil em Paris. No dia 4 de Abril de 1871, a mesma legação

comunicou que tendo sido declarada a deposição da dinastia, fora proclamada a

República; e que a Assembleia Constituinte nomeou em 17 de Março o Sr. Thiers

Chefe do Poder Executivo e Presidente do Conselho. Em resposta a esse

comunicado e satisfazendo ao pedido francês, o Brasil reconheceu o novo

governo adotado pela França.

Com a nova reorganização do poder na Europa, mudou também a

atuação da Alemanha em escala global. Do ponto de vista político, as relações do

Império com a Alemanha, especialmente comerciais, eram uma prova do caráter

multifacetado do sistema que emergiu nas décadas de 1870 e 1880. Se

culturalmente a preferência das elites imperiais sempre foi pela França e

politicamente as relações mais estreitas eram para com a Inglaterra, a Alemanha

104

despontava naqueles anos como um competidor à altura do desafio. O Brasil

parecia também estar disposto a ampliar seu intercâmbio com outros polos de

poder, e dentro das possibilidades escapar da alternativa britânica. A Alemanha

empenhando-se na concorrência com a Inglaterra, logo após o conflito contra a

França, faz do Império Brasileiro mais um dos cenários em que se desenrolaria o

conflito econômico das grandes potências. (CAMPOS, 2004, p.253-254)

Com o progresso originado pela unificação política, apesar da

constante oposição inglesa, houve espetacular crescimento da marinha mercante

alemã, cabendo a Hamburgo um papel decisivo nos contatos com o Brasil. Em

1867 fundou-se a Hamburg-Sued, cujos vapores, a partir de 1871, levavam pela

primeira vez a bandeira de Hamburgo ao Atlântico Sul e mais onze empresas

diversas. Em 1876, estenderam-se suas linhas ao Brasil o Norddeutscher Lloyd,

que foi fundada em Bremen, pelo Consul H. H. Meyer, em 1857. Nessa época já

se encontrava o Brasil integrado a navegação no amplo episódio de concorrência

teuto-britânica, que ajudaria a culminar na guerra de 1914. Não apenas

empreendimentos procedentes da Alemanha, mas também de alguns alemães

radicados no Brasil, e passou-se depois da unificação a aumentar o intercâmbio

entre os dois países e com o resto da Europa Central, incluindo o Império Austro-

Húngaro, denotando um Universalismo com gênese na conjuntura ímpar do

período.

As atividades desses empreendimentos se expandiram de tal forma

que, mesmo levando em conta o papel secundário do Brasil nos interesses

comerciais alemães, especialmente comparados à África, acabou por

desempenhar um papel importante na luta global por novos mercados. Em vários

produtos importados pelo Brasil, especialmente vinculados à indústria açucareira

no Nordeste, até importações de artigos como louças, vidros, entre outros, cada

vez mais as mercadorias alemãs passaram a rivalizar com qualquer outro nos

portos do Império, especialmente em Santos. No âmbito da exportação, o tabaco

e o café foram os principais itens, apesar do pessimismo do Império com a

capacidade de absorção daquele mercado dos produtos brasileiros. (CAMPOS,

2004, p.259-266)

105

3.2 As Relações com a França

As relações foram amistosas entre o Governo Imperial e o Governo da

França durante os últimos anos da monarquia, salvo os pequenos problemas

durante a Guerra Franco-Prussiana e algumas questões de limites. Do ponto de

vista das relações culturais, a influência francesa foi sentida durante todo o século

XIX e é muito anterior ao período de Universalismo dos anos 1870-1889.

Especialmente nas artes plásticas, a vinda da Missão Francesa no começo do

século e sua permanência durante todo o período Imperial promoveram com êxito

o ensino de esquemas acadêmicos no desenho, na pintura, na escultura e na

arquitetura. (BOSI, 2012, p.227-228)

Na elite Imperial, as representações externas dominantes em todos os

aspectos da vida social e cultural pertenciam à França. A literatura consumida no

país, artigo de luxo em uma sociedade composta de uma pequena elite cercada

por analfabetos, era prioritariamente francesa, sendo que mesmo os romances

ingleses eram traduções francesas. Com exceção de Darwin e Spencer, os

pensadores franceses como Auguste Comte, Ernest Renan Arthur, Conde de

Gobineau, predominavam na vida intelectual da fase final do Império. Apenas a

ópera italiana era mais apreciada do que a francesa nos teatros cariocas e de

outras cidades brasileiras. Na moda, as tendências parisienses eram as mais

procuradas na Rua do Ouvidor, no centro do Rio de Janeiro. (BETHELL, 2012,

p.153)

Grandes políticos, letrados e até o Imperador tinham grande fascínio

pela representatividade da França na história. A capital francesa, Paris, exercia

grande admiração entre a elite Imperial. Joaquim Nabuco, apesar da sua notória

preferencia por Londres, afirmava ser quase impossível chegar pela primeira vez

em Paris e tornar-se indiferente ao maravilhoso que o surpreende a cada passo.

Independente do seu gosto pessoal reconhecia que Paris “foi, e é (era) a paixão

cosmopolita em redor de nós”. (NABUCO, 1963, p. 50-84)

106

Nas trocas comerciais, a supremacia das importações francesas feitas

pelo Império eram de artigos que vestiam e alimentavam o brasileiro, além de

itens para uso doméstico e nas estruturas de produção aqui residentes. As

mercadorias variavam, com preeminência de manufaturas e tecidos, além de

vinhos, manteiga, vestes e produtos industrializados em geral. As exportações

acompanhavam o resto das operações com as potências centrais, com grande

primazia do café, conquistando em alguns exercícios fiscais, inclusive, superávit

nas relações comerciais. (DEVEZA, 2004, p.198-200)

No campo diplomático, o Governo Francês, por meio da legação

brasileira em Paris, solicitou ao Governo Imperial que auxiliasse na comissão

mista para tratar de reclamações de nacionais francesas que sofreram perdas

durante a Guerra de Secessão Americana. A comissão mista seria composta por

três membros, sendo um francês e outro americano, e o terceiro nomeado por

uma terceira potência, nesse caso por comum acordo indicado pelo Imperador do

Brasil. O governo Imperial aceitou o convite e os trabalhos se estenderam até 31

de Março de 1883, e a escolha do Império recaiu sobre o Barão de Arinos,

ministro plenipotenciário em Bruxelas, mostrando o prestígio externo do Império e

o alcance do Universalismo do período. (RRNE, 1879, p.11-12)

Em outra oportunidade, o Governo Francês, por meio da sua legação

no Rio de Janeiro, em detrimento de uma guerra da França contra a China,

classificou o arroz entre os artigos de contrabando, mas que, para não prejudicar

o comércio dos países neutros, admitia que continuasse a ser livre a

comercialização destinada apenas aos portos do Sul do Império Chinês. O

Império, não entendendo o arroz por artigo reputado à guerra, ou seja, sairiam

das regras conveniadas em artigos anteriores entre os dois países, julgou do seu

dever chamar atenção dos franceses sobre a matéria em nota do dia 24 de Abril

de 188528. Apesar de nessa correspondência reafirmar essa resolução, não

comprometia os interesses do Império, uma vez que parecia improvável que

28 Nota do Governo Imperial à Legação da República Franceza (1884)

107

navios brasileiros fossem a China e ali se empregassem no transporte de arroz;

ainda assim, pedia atenção para que se evitasse qualquer situação que pudesse

comprometer interesses brasileiros legítimos na região. (RRNE, 1884, Anexo I,

p.57-58)

Por fim, houve um incidente em 1886, classificado por Delgado de

Carvalho como “um acontecimento mais cômico do que sério no Amapá”. O

incidente tem origens que remontam o período colonial e estava em litígio as

áreas na fronteira norte do país com a Guiana Francesa. A questão teve início

quando um geógrafo francês, Jules Gros, fundou uma república no contestado: a

República do Cunani, com um Ministério e uma ordem honorífica, a “Estrela do

Cunani”. A nova vizinha do Brasil teve pouca duração, mas motivou alguns

protestos da parte do Governo Francês que tomou para si a defesa da região, não

gerando grandes consequências. (CARVALHO, 1959, p.203)

Por fim, no apagar das luzes do regime monárquico, o Brasil teria uma

participação importante na Exposição Universal de Paris, em 1889. Originalmente

concebida em um formato nacional, no intuito de comemorar o centenário da

Revolução Francesa, foi fortemente criticada pelos monarquistas e passou a

sofrer o boicote das principais casas reais da Europa. O Império havia por um

decreto de 1888 autorizado a criação de uma comissão para o evento, com um

gasto de até 300 contos de réis, mas chegou a hesitar quanto a sua participação.

Depois de muita discussão, e com restrições orçamentárias, o Brasil, a última

monarquia da América, aceitou participar da exposição. (ALMEIDA, 2001, p.240-

242)

Para a exposição, a comissão brasileira preparou uma grande obra de

apresentação do Brasil, Le Brésil em 1889, além de um pavilhão em três andares

de ferro e vidro, inaugurado em 14 de Junho de 1889. O projeto foi assinado pelo

renomado arquiteto francês Louis Dauvergue, ocupando 1.2 mil metros quadrados

em uma ótima localização perto da Torre Eiffel, mostrando um país progressista,

recém-emancipado da questão escravista, em pleno desenvolvimento econômico

e moderno. O sucesso e a impressão positiva causada foram tão grandes, a

108

ponto de ter ocorrido uma verdadeira consternação da opinião pública francesa

com a queda da monarquia, já nos momentos finais da exposição na capital

parisiense.

3.3 As Relações com a Santa Sé

A constituição de 1824 referendava o Catolicismo como sendo a religião

oficial do Império29, o que trazia consequências imediatas nas relações com as

autoridades da Igreja em Roma. (CALÓGERAS, 1957, p. 348-351) No Brasil,

diferente do ocorrido em várias repúblicas hispânicas, as duas instituições

conviveram com relativa harmonia e respeito mútuo. A grande mudança ocorreu

quando o Papa Pio IX (1846-1878) mudou as diretrizes da Igreja e estabeleceu a

autoridade suprema do papado. Como efeito dessa mudança, os bispos e padres

no Brasil começaram a se rebelar contra a subordinação do Estado.

O conflito se iniciou na sentença do Bispo de Olinda, Dom Vital, que

julgou interditada uma irmandade da cidade de Recife por não ter afastado os

membros notoriamente maçons (5 de janeiro de 1873). A irmandade viu-se na

impossibilidade de cumprir o mandato episcopal, e o Bispo impôs à corporação a

pena de interdito. No Pará, o bispo Dom Antônio de Macedo Costa agiu de forma

idêntica (março de 1873). A irmandade recorreu, segundo as leis do Império, à

Coroa. Interpelado pelo presidente da província, o Bispo limitou-se a declarar que

semelhante recurso era condenado por várias disposições da Igreja, preferindo

assim deixar sua causa à revelia, a dar uma prova de submissão às leis do país.

Depois de ouvir o Conselho de Estado, o Imperador por meio do Ministro do

29 Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas

as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso

destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO

BRASIL DE 25 DE MARÇO DE 1824)

109

Império respondeu que o ato foi uma desobediência formal das leis imperiais,

declarando, em suma, que as atitudes foram completa oposição aos poderes do

Estado. (CALÓGERAS, 1957, p. 351-360)

O Governo, para evitar o agravamento do conflito, resolveu enviar em

missão especial o Ministro plenipotenciário do Brasil em Londres, Barão de

Penedo. As ordens dadas a ele eram de procurar obter que o Papa deixasse de

instigar os bispos à sua desobediência e, ao contrário, aconselhá-los que agissem

em conformidade com os preceitos constitucionais e com as regras de

convivência entre as relações da Igreja e o Estado. O Império usava da política

externa como instrumento de solução interna, algo que se mostrou vital durante

aqueles anos. (CALÓGERAS, 1957, p. 360-363)

As instruções no trato com os representantes da Santa Sé davam o

tom das animosidades:

(...)tanto nas conferencias que tiver, como nas communicações que dirigir ao cardeal secretario, usará V. Ex. de uma linguagem moderada, mas firme. O Governo Imperial não pede favor, reclama o que é justo e não entra em transacção. (RRNE, 1873, p.42)

Dando continuidade às instruções, foi informado que em paralelo à

missão com o Papa, o Governo Imperial ordenou abertura do processo contra o

Bispo de Pernambuco e, deixando claro sua intenção, se necessário, de

empregar outros meios legais para solucionar o caso.

Em Roma, o enviado brasileiro dirigiu-se aos representantes da Santa

Sé em inúmeras conferências e conversas sobre o caso. Em oficio de 25 de

Novembro de 1874, o Barão de Penedo comunicava a solução final da questão,

como a mais “completa e satisfaria possível”. Com desfecho das negociações,

ficou acertado que o Papa estaria disposto a empregar os meios que julgasse

apropriados para por fim ao “deplorável conflito”. Dentre os métodos que ele se

referia estava uma carta que seria endereçada ao bispo de Olinda, fazendo

110

censuras sobre seu posicionamento e recomendando que levantasse os interditos

lançados sobre as igrejas da sua diocese. (RRNE, 1873, p.42)

A carta que seria enviada ao bispo foi mostrada ao Barão de Penedo e

declarava que a atitude do bispo causara ao Santo Padre um grande pesar. Dizia

que o bispo entendera mal as instruções da Santa Sé, e que se houvesse a

tempo o consultado sobre o assunto, teria lhe poupado essa amargura. Por fim, o

Papa ordenava que restabelecesse o antigo estado das coisas, ou seja, a volta da

paz da Igreja com o Estado Imperial.

Permanecia ainda o problema do julgamento do Bispo. O Barão

afirmou não ter levado a questão aos encontros, já que seria demais pretender

que a Santa Sé reconhecesse o direito que, segundo a Igreja, só ela tem direito.

Dom Vital foi preso em 24 de janeiro de 1874 e enviado ao Rio de Janeiro, onde

pouco depois, foi condenado a quatro anos de prisão com trabalho forçado, algo

que ocorreria em breve com o bispo do Pará, também envolvido com a questão.

No Supremo Tribunal de Justiça e durante a sentença proferida, o

representante apostólico no Brasil afirmou ser essa uma violação dos direitos e

leis da Igreja, especialmente da imunidade eclesiástica e protestou contra o

pretenso abuso. A resposta do Império foi enérgica, e em uma nota do Governo

Imperial aos representantes apostólicos do dia 1ª de Março de 187430, disse:

O tribunal, que julgou o Rev. Bispo de Olinda e que há de julgar o do Pará, é o Supremo Tribunal de Justiça do Império, por nossas leis competentes; e esta competência não depende do juízo de nenhuma autoridade estrangeira, seja ella qual fôr. (RRNE, 1874, Anexo I, p.307-308)

O protesto foi considerado pelo Império impertinente e nulo, e como tal

sem capacidade de produzir algum efeito, no entanto, o conflito entre a Santa Sé

e o Brasil não se resolveu com a resposta. Em nota do cardeal secretário de

30 Nota do Governo Imperial à Nunciatura Apostólica, 01/03/1874.

111

Estado à Legação Imperial junto a Santa Sé, do dia 30 de Março de 1874,

afirmava que:

(...) o sr. barão de Penedo assegurou (...) que seu Governo não tomaria medida alguma desagradável entre o bispo de Pernambuco e, era muito natural que assim acontecesse, achando-se pendentes as negociações entre a Santa Sé e o Governo Imperial. (RRNE, 1873, p.44)

O Governo Imperial alegou que não duvidava das palavras do

Secretário de Estado de Sua Santidade, mas não podia deixar de ter inteira fé ao

seu agente, cujas informações contrariam aquela versão. O Governo afirmou que

sabendo a Santa Sé da inteira independência dos poderes políticos do Estado, e

tendo conhecimento que uma vez o processo instaurado, devia seguir todos os

trâmites legais, não deveria ser surpresa o ocorrido. Por fim, alegou ser

impossível ao Barão de Penedo ter feito uma promessa que não estava

autorizado e que em nenhum caso seria cumprida. Além disso, reafirmava que

nos ofícios trocados entre a Santa Sé e o Império, havia a informação do

procedimento judiciário, e a surpresa do representante do papado deve ter ficado

a cargo de pensar que apenas as palavras do Santo Padre poderiam resolver por

si só a questão.

Em seguida o Papa enviou uma carta ao Imperador ameaçando-o com

o juízo divino que: "quanto mais alto estiver alguém, mais severo será o ajuste de

contas". Em uma análise política precisa, o Santo Padre também disse que

"Vossa Majestade (...) descarregou o primeiro golpe na Igreja, sem pensar que ele

abala ao mesmo tempo os alicerces do seu trono". A Questão Religiosa só iria se

resolver definitivamente em 1875, durante o Ministério de Caxias, quando este

obtém do Imperador a anistia aos religiosos, porém, o estrago causado seria

permanente e fundamental para a derrocada do regime. (BARROS, 1974, p. 362-

363)

112

3.4 As Relações com a Grã-Bretanha

Se a face subordinada e liberal tinha um grande farol, não podia ser

outro que não o britânico. Apesar de se enquadrar dentro do Universalismo

daqueles anos, as relações com a Grã-Bretanha são anteriores e fundamentais

na compreensão do Brasil. O tema basilar das relações do Império com os

ingleses se centrou historicamente na discussão acerca da natureza desse

vínculo, ou seja, se o Brasil teria ou não sido um mero interlocutor dos interesses

britânicos na América do Sul, em especial na região do Prata. A árdua disputa

pelo entendimento do verdadeiro caráter dessa relação entre os dois atores não

chegou a nenhum consenso, mesmo que tenha se conveniado por alguns setores

da intelectualidade atribuir ao Brasil um papel de representante de uma espécie

de Império informal britânico. Por outro lado, grandes nomes como Oliveira Lima,

no capítulo sobre o Império e a Política Exterior da obra O Movimento da

Independência – O Império Brasileiro (1821-1889) sentencia que a Grã-Bretanha

“nunca exerceu sobre o Brasil a espécie de protetorado que sob o disfarce de

aliança de há séculos exerce sobre Portugal.” (LIMA, 1962, p.468)

De qualquer forma, o Império gozou nos últimos anos de uma inegável

margem de autonomia frente à política externa britânica, especialmente após a

extinção do tráfico negreiro, o reatamento das relações diplomáticas depois do

término da Questão Christie (1862-1865) e o apaziguamento das disputas

regionais, originando uma relação entre os dois países no mínimo amigáveis.

O Império sempre lidou de forma extremamente dual em relação às

requisições inglesas: era corriqueiro estes fazerem exigências exorbitantes, e em

geral, a diplomacia do Império respondia verbalmente e publicamente manifestava

suas intenções de satisfazer aos pedidos; por outro lado, usava do expediente de

adiar, procrastinar e tornava insignificante grande parte da substância objetivada

pelos britânicos. A única diferença se dava quando as forças internas se

somavam aos pedidos britânicos ou quando entendia ser necessário realmente

tomar determinada posição, o Império cedia. (GRAHAM, 2004, p.168-172)

113

Apesar de a relação de subordinação ser o elemento condicionador

das ligações entre os dois Estados, o Brasil parecia usar desse expediente para

de alguma forma resguardar um pouco de sua autonomia frente ao poder

britânico. Esse recurso não invalida o paradigma e sua face subserviente ao

capitalismo europeu, mas demonstra que a simplificação da análise pode resultar

em sínteses que não levam em conta toda a realidade.

As questões econômicas, especialmente comércio e investimentos,

eram sem dúvidas, as matérias essenciais entre os dois países naqueles anos.

Não que se possam ignorar as esferas de influência cultural, sobretudo nos

núcleos da intelectualidade brasileira, entre eles Rui Barbosa e Joaquim Nabuco,

esse último, confesso apaixonado pelos ingleses e grande apreciador das suas

instituições. De qualquer forma é incontestável terem sido os interesses britânicos

no Império de ordem acentuadamente econômico, incluindo nesse contexto a

questão da escravidão, tão cara à diplomacia destes. A Lei do Ventre-Livre, em

1871, muito deve à pressão britânica, fruto de uma das mais acirradas

controvérsias entre o Brasil e a Inglaterra, que era a questão servil.

As relações econômicas da Grã-Bretanha com o Brasil, e com toda a

América Latina durante os anos de 1870 e de 1880, representaram uma época de

ouro para esses países, especialmente pelo salto exponencial dos setores da

economia baseados na exportação. Essa explosão se deu, especialmente, pelo

aumento da demanda (inclusive inglesa) de gêneros alimentícios e matérias-

primas, que só foi possível pela revolução comandada pelos britânicos nas

comunicações e nos transportes, além da maciça entrada de capitais daquele

país. O tamanho dos investimentos estrangeiros na América Latina é difícil de

mensurar, porém, há algum consenso de que o investimento britânico era de ao

menos 200 milhões de libras em 1880, sendo que quase um quarto de valor seria

investimento no Brasil. Naqueles anos era desnecessária qualquer interferência

direta nos assuntos da região, e em especial do Império, uma vez que o avanço

das relações econômicas fazia das intervenções diretas absolutamente

dispensáveis. Usualmente as elites viam com muito bons olhos a penetração do

capital britânico, recebendo daquela fonte os benefícios da modernização

114

capitalista, parecendo ser essa uma das explicações mais elementares do

Universalismo daqueles anos para com o centro do sistema capitalista.

(BETHELL, 2009, p.582-598)

A situação britânica, no entanto, não foi isenta de dificuldades e

desafios. As ameaças alemãs e especialmente norte-americanas incomodavam a

primazia comercial na região, apesar de até o derradeiro momento da queda da

monarquia, os investimentos de nenhum deles tirarem a soberania do capital

britânico. No comércio imperavam as importações de produtos manufaturados,

especialmente têxteis, artigos de algodão, mesmo quando as manufaturas têxteis

brasileiras começaram a produzir sua própria roupa. Vários artigos de produção

também vinham da Grã-Bretanha, e isso contribuía para aumentar a dependência

estrutural da economia brasileira àquele país.

As exportações de café para com os britânicos nunca alcançaram os

patamares que o mercado americano possuía, sendo que somente com o

aumento da produção de borracha que o mecanismo exportador brasileiro voltou

a vender produtos em grande escala. Nessas condições deficitárias, as

importações deveriam ser pagas por outros meios pelo Império. Um dos meios

mais relevantes desse pagamento consistia nos lucros obtidos pelos

comerciantes britânicos no Brasil. Em meados de 1870, a sociedade de Philips

Brothers & Co. exportava anualmente cerca de meio milhão de sacas de café,

avaliadas em 2 milhões de libras esterlinas, e outra importante sociedade

mercantil, a de E. Johunston & Co. abriu uma filial em Santos em 1881, sem

contar as múltiplas empresas de transporte, que praticamente monopolizavam os

fretes internacionais dos produtos brasileiros. Além disso, as casas bancárias,

empresas de serviços urbanos, as ferrovias, ou seja, quase todos os serviços

essenciais tinham presença hegemônica do capital direto britânico, e assim o foi

durante todo o período final do Império. (GRAHAM, 2004, p.172-180)

Na diplomacia, o caso das Guianas merece alguma atenção. A origem

deste litígio se deu quando um alemão chamado Schombourg fez nos anos de

1836 e 1838 algumas viagens e explorações pelo Rio Branco, e pela Guiana

115

Britânica, sobre a qual escreveu uma obra intitulada A descripition of British

Guyna, publicada em 1840 na capital britânica. Pouco depois da sua partida para

a Inglaterra, um missionário inglês chamado Youd saiu de Demerára e

estabeleceu uma missão no campo do Pirára. O Presidente da província do Pará,

à qual pertencia o território naquele momento, tendo conhecimento do ocorrido,

ordenou que um oficial acompanhado de uma escolta intimidasse o missionário a

voltar para os territórios de possessão britânica. A execução dessa ordem gerou

longas discussões, na qual o governo britânico declarou ao Brasil que os índios

de Pirára, que por ele considerava independentes, tinha se colocado sob sua

proteção.

O impasse terminou temporariamente com um acordo provisório, cujas

principais condições eram o Brasil retirar qualquer destacamento da região,

reconhecer provisoriamente a neutralidade do território, sob a condição de ficarem

as tribos de índios independentes e de posse exclusivamente do terreno até a

decisão definitiva dos limites. Em 1843, não se tendo um acordo sobre as bases

de um tratado definitivo, foi mandado a Londres o Conselheiro Araujo Ribeiro,

depois Visconde de Rio Grande, para negociar um sobre limites com a Guiana

Britânica. A negociação foi interrompida pelos britânicos, e o território ficou

neutralizado.

Em 1887, sendo o Barão de Cotegipe o Ministro dos Negócios

Estrangeiros, expediu à legação Imperial em Londres instruções para propor um

ajuste por meio de uma comissão mista encarregada de reconhecer o dito

território, como um ato preparatório para um tratado definitivo de limites. Houve

grande esforço para a resolução da contenda pela região, especialmente em

1888, quando uma tentativa feita pelo Barão de Penedo junto ao Lord Salisbury

para a nomeação de uma comissão mista encarregada de reconhecer o território

litigioso, mas não surtiu efeito algum. (CARVALHO, 1959, p.212) A definição só

se daria em 1904, mediante arbitragem do rei da Itália, Victor Emanuel II, que

alegou ser impossível definir qual o direito preponderante na região litigiosa,

resolvendo assim dividi-la.

116

3.5 O Problema da Mão-de-Obra

Nenhum assunto ocupou maior atenção dos homens do Império

naqueles últimos anos de regime monárquico do que o sistema servil. A

escravidão era a contradição mais essencial da sociedade brasileira, uma vez que

a sua autoimagem, projetada pelas velhas elites, especialmente sobre os

vizinhos, traziam no Império a ideia de civilização e luzes. O fim da Guerra do

Paraguai trouxe uma nova fase nas questões abolicionistas, e sua luta contra “o

cancro que roía as entranhas da sociedade brasileira”, como bem definiu José

Bonifácio. (CARVALHO, 2007, p.130)

Desde a Guerra de Secessão Americana, o Imperador já havia

demonstrado interesse em resolver a questão escravista, ao menos sobre os

filhos de escravos nascidos no Brasil. A tese sustentada pelos defensores da

alternativa gradual de eliminação da mão-de-obra escrava residia no argumento

de que controlando e eliminando a vinda de novos cativos para o Brasil, com a

posterior iniciativa do ‘Ventre Livre’, a prática se erradicaria naturalmente. Seria

uma forma de conter os movimentos abolicionistas que passaram a cada vez

mais encampar a sua luta no cenário político Imperial.

Para a diplomacia era grande o desafio. A pressão vinha de

importantes setores da opinião pública interna, além das pressões externas

originadas especialmente pela Inglaterra e no final da década de 1880 da Santa

Sé. Incapaz de evitar as consequências da manutenção da escravidão, coube à

diplomacia o papel naquelas duas décadas de potencializar qualquer avanço

rumo à abolição e ao mesmo tempo trabalhar para garantir que não faltasse mão-

de-obra. Em mais um caso, a face Universalista externa deveria agir para garantir

e solucionar as demandas internas.

117

Por ocasião da promulgação da lei de reforma servil, pela Lei nº2040

de 28 de Setembro de 1871, a ‘Lei do Ventre Livre’31, o Império recebeu diversas

congratulações por parte das legações estrangeiras e consulados, que felicitaram

por haver adotado uma tão importante reforma econômica e social, algo que “não

podia deixar de ser acolhida com satisfação pelas nações civilizadas”.

Aproveitando a oportunidade, as legações brasileiras na Europa e na América

manifestaram a satisfação que causou ao Império a realização de uma medida

tão importante para o futuro do Brasil. (RRNE, 1871, p.28)

Foram muitas as trocas de ofícios e notas oficiais congratulando o

Império pelo avanço na emancipação, demonstrando a pluralidade das relações

do Brasil naquele momento. Dentro os principais foram: a Santa Sé, Portugal,

Estados Unidos, França, Rússia, Alemanha, Itália, Bélgica, Áustria, Espanha,

Peru, Uruguai, Chile, Argentina, Países Baixos, Suécia, Noruega, Baviera,

Dinamarca, Suíça e Bolívia.

O conteúdo pouco variou entre elas, que de forma sintética se

mostravam extremamente alegres com a iniciativa do país estar lidando com

tamanho problema. A Legação portuguesa, por exemplo, felicitou o Império por

ser “de agora em diante livres todos os que nascerem nas terras de Santa Cruz”,

e dessa forma elevando o país no conceito de “todos os povos cultos”.32 O

representante alemão, Hermann Haupt, ressaltou o fato de o Brasil ter resolvido

pacificamente e espontaneamente uma questão, que “tem custado a outros

países rios de sangue e profundos abalos”.33 O encarregado Thomaz Clement

Cobbold, da Grã-Bretanha, ressaltava que a promulgação daquela lei contribuiria

para fortalecer os laços de amizade entre os dois povos, em clara alusão à

histórica requisição britânica para que o Império acabasse com a instituição

31 Art.1º - Os filhos da mulher escrava, que nasceram no Império desde a data desta lei, serão

considerados de condição livre. Lei nº2040 de 28 de Setembro de 1871.

32 Nota de S. Magestade Fidelissima de Portugal ao Governo Imperial, 28/08/1871.

33 Nota da Legação da Alemanha ao Governo Imperial, 30/09/1871, RRNE, 1871.

118

escravocrata.34 (RRNE, 1871, Anexo I, p.402-412) O governo Imperial fez questão

de responder a todos com o agradecimento devido e trabalhou para potencializar

o prestígio externo conquistado com essa medida.

Internamente, não obstante, a Lei do Ventre Livre mostrava-se tacanha

perto das pretensões dos abolicionistas e setores da sociedade favoráveis a

abolição imediata. As maiores críticas versavam sobre seu dispositivo legal que

respeitava o princípio de inviolabilidade do domínio do senhor sobre o escravo,

além de efetivamente ter proporcionado um avanço questionável. (NABUCO,

2000, p.3-6) Após período de apatia sobre o assunto, o movimento abolicionista

fundou em setembro de 1880 a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, com

participação ativa de Joaquim Nabuco, que faria dessa a maior luta de sua vida.

O declínio da população escrava, apesar de ainda não estar

emancipada como gostariam os grupos abolicionistas, era perceptível. Em 1874,

a população escrava no Brasil era de 1.540.829; em 1884 eram 1.240.806, e em

1887, ou seja, nos últimos momentos antes da abolição, a população era de

723.419. O aumento dos preços dos escravos e a falta que sentiam as áreas

cafeeiras da região Sudeste, especialmente São Paulo, de mão-de-obra para a

produção rural fizeram com quem houvesse uma procura enorme por alternativas

além da escravista. Ainda assim, contrariando o movimento geral de praticamente

todas as regiões brasileiras, São Paulo passou a usar cada vez mais desse tipo

de força de trabalho, sendo que no período de 1874, com 80.000 escravos, a

província passa a 107.329 pouco antes da Lei Aurea. (REIS, 2000, p.91)

A sensação geral de que a manutenção da escravidão seria temporária

e que a solução de trazer escravos de outras regiões do país era apenas

paliativa, levaram os fazendeiros de café e seus representantes no governo a

pensar seriamente a partir dos anos 1870 e 1880 em uma alternativa viável para a

agricultura do Império. A preferência notória sempre foi pela mão-de-obra

europeia, especialmente pelos laços civilizatórios e pelas teses carregadas de um

34 Nota da Legação da Grã-Bretanha ao Governo Imperial, 02/10/1871.

119

grande componente racista, onde predominaria a ideia de transformar a

população negra em branca por meio da imigração. Não era essa a primeira

iniciativa, sendo que elas remontam desde os primeiros anos do Império, contudo,

por conta da distância, da língua e o caráter exótico, o potencial imigrante não se

sentia tentado a se aventurar no Brasil.

Apesar das dificuldades, a crise europeia e a mudança nas matrizes

econômicas auxiliou o Império na recepção de estrangeiros a procura de uma

melhor oportunidade de vida. O grande problema é que a quantidade de

imigrantes ainda era incipiente para compensar as dificuldades em substituir a

mão-de-obra escrava, e até a década de 1880, São Paulo, o maior polo de

necessidade de braços para a lavoura, só havia recebido algumas centenas de

imigrantes ao ano. (IBGE, 1960)

A Repartição dos Negócios Estrangeiros foi mobilizada para auxiliar na

empreitada. Em 1872, o regulamento consular preocupado com a atração cada

vez mais necessária de imigrantes e recomendava que os Cônsules se

esmerassem em indagar se havia “pobres robustos, trabalhadores e diligentes no

serviço, entre criados de servir, lavradores, ferreiros, carpinteiros, pedreiros e

mais ofícios mecânicos dispostos a emigrar.” (CASTRO, 2009, p.146)

As grandes dificuldades não paravam por ai. Teve a diplomacia

Imperial de lidar com inúmeros casos problemáticos que comprometeriam a já

complicada imigração ao Brasil. Em um deles, a Legação alemã, por nota de 28

de Abril de 1872, protestou contra o fato de um padre católico ter casado duas

mulheres alemãs da colônia de Santa Leopoldina mesmo sabendo que elas eram

casadas com protestantes. O assunto foi levado ao Conselho de Estado e seu

parecer foi: Primeiro - Que o sacerdote católico, pelo fato de conferir matrimônio,

violou os cânones aceitos no Brasil, e, além disso, incorreu em criminalidade, não

podendo, contudo, ser processado senão por queixa dos ofendidos; Segundo -

Que as ditas alemãs cometeram poligamia, e podiam ser processadas mediante

ação pública ou particular; Terceiro - Convinha chamar atenção aos bispos

brasileiros para os inconvenientes de ordem pública, que poderiam acarretar fatos

120

semelhantes, comprometendo inclusive a imigração alemã ao Brasil. (RRNE,

1873, p.45-46)

Outros problemas se seguiram. Em agosto de 1875, uma circular do

Governo da França publicou um ato proibindo a imigração para o Brasil, por

necessidade de proteger seus cidadãos contra abusos de alguns agentes de

colonização. Poucos colonos franceses vinham ao Brasil, sendo a questão de

importância moral, e talvez por isso muito maior do que parecesse à primeira

vista. O problema aumentou quando em setembro de 1875 o Governo Italiano

também tomou a mesma medida. A legação em Roma foi instruída a interceder

sobre o caso e recebeu a resposta do que a imigração era livre, mas a medida era

destinada apenas a impedir abusos por parte de agentes de imigração. Pouco

depois houve mudança de ministério na Itália, e o novo Ministro do Interior

expediu outra circular, substituindo a primeira por uma série de dispositivos para

prevenir abusos, mas respeitando o direito de imigração a todos os italianos.

Entre esses e outros problemas, o relativo insucesso na atração de

imigrantes europeus durou até a abolição da escravidão, incitando o Governo

Imperial a considerar a importação de força de trabalho chinesa. A prática não era

nova, já que naquela mesma época os Estados Unidos faziam uso do mesmo

expediente, os chamados coolies, trazidos para a construção das grandes linhas

ferroviárias que deviam unir as duas costas. Na América do Sul a prática não era

novidade, uma vez que o Peru também havia recorrido a essa saída. Pelo porto

de Callao, entre 1850 e 1874, haviam entrado no país um total de 87.952

trabalhadores chineses, mais de um quarto dos quais, 25.303, chegaram ao país

no biênio de 1871-1872. (BONILLA, 2001, p.556-557)

Em 1880, ao custo de 120 contos de réis especialmente alocados na

ocasião, decidiu-se enviar uma missão diplomática especial à China. (ALMEIDA,

2001, p.364) Na esfera interna, longos foram os debates sobre o assunto. O alto

custo da missão à China e as disputas acerca da imigração levaram a

apaixonados debates nas tribunas parlamentares. O grande adversário da

proposta era Joaquim Nabuco, e mais tarde, Alfredo d’Escragnolle Taunay, sendo

121

o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Antônio Moreira de Barros, o principal

defensor da empreitada.

A oposição à imigração chinesa contava com algumas das maiores

inteligências da época, que souberam combatê-la com grande veemência,

dissuadindo as diversas vozes no confronto de ideias do Parlamento. Os

argumentos eram de várias naturezas: políticos, econômicos, históricos,

biológicos e até mesmo racistas. (CERVO, 1981, p.178-180) Em um dos

momentos de maior exaltação, na sessão do dia 3 de Setembro de 1879, Nabuco

afirma que:

Perguntei em primeiro lugar se os chins eram reclamados pela lavoura e provei que não. A lavoura do Norte não os quer, a lavoura do Sul não os pediu. Mas, sendo os chins reclamados pela lavoura, serão eles convenientes? Não, por muitos motivos: etnologicamente, porque vêm criar um conflito de raças e degradar as existentes no país; economicamente, porque não resolvem o problema da falta de braços; moralmente, porque vêm introduzir na nossa sociedade essa lepra de vícios que infesta todas as cidades onde a imigração chinesa se estabelece; politicamente, afinal, porque, em vez de ser a libertação do trabalho, não é senão o prolongamento, como até disse o nobre ministro, do triste nível moral que a caracteriza e a continuação ao mesmo tempo da escravidão. (NABUCO, 2010, p.241)

Nabuco após uma série de antagonismos nos discursos, ao mesmo

tempo exalta e rebaixa os povos asiáticos, apelando às leis da evolução das

espécies, e conclui que se viessem os chineses, aos poucos iriam dominar a

civilização ocidental, transformando-a em uma civilização imóvel e asiática. O

medo de que a lógica de escravidão se reconstituísse também estava na sua

tese, uma vez que vários chineses que foram para Cuba, Peru e Hong Kong

tinham contratos que se assemelhavam ao sistema escravista. Moreira Barros foi

à tribuna e refutou as ideias de Nabuco, que por vezes subiu a tribuna para

defender-se. Ainda assim, o crédito para a viagem foi aprovado, mesmo sob

fortes protestos de vários setores políticos.

Com os valores disponíveis para a viagem, a delegação estava

incumbida de propor, negociar e concluir um tratado de amizade, comércio e

122

navegação com a China. Além disso, havendo possibilidade, se atentasse

também a demanda crescente por imigrantes de trabalhadores agrícolas, cada

vez mais escassos depois das últimas reformas no trabalho escravo. Para este

fim foram nomeados em caráter de enviados extraordinários o ministro

plenipotenciário Eduardo Callado, então ministro residente no Paraguai, e o Chefe

de Divisão Arthur Silveira da Motta.

Um primeiro acordo com a China foi firmado em 5 de Setembro de

1880, que os brasileiros aceitariam, se não fosse possível realizar mais algumas

alterações. A tentativa que se fazer novas negociações foi bem sucedida em

quase todos os pontos submetidos à revisão, e o novo tratado então foi aprovado

e assinado em 3 de outubro de 1880, pelo representante brasileiro Callado.

Estava prevista a promulgação para alguns meses após ter sido assinado e

aceito, uma vez que por conta da grande distância, a demora tornava-se

inevitável. Na segunda fase da negociação, o governo pode corresponder-se com

o representante brasileiro pelo telégrafo.

O tratado foi finalmente promulgado pelo decreto nº8651 de 24 de

Agosto de 188235 e tinha como os principais artigos: 1º Tratado afirmava que

haveria paz perpétua e amizade entre os Impérios do Brasil e da China, além de

estar livre de um para outro o transito de súditos, inclusive para residência; 2º

Para facilitar as relações dos dois Estados, ficaram acertados que se julgasse

conveniente, os dois poderiam trocar nas respectivas capitais representantes

diplomáticos, gozando dos dois lados de todas as prerrogativas, isenções e

imunidades concedidas aos agentes diplomáticos; 3º A troca de consulados para

os portos e cidades mais importantes também estaria resguardada; 4º e 5º O

trânsito e o comércio poderiam ser efetuados por súditos dos dois países,

conforme regras pré-estabelecidas; 6º Os súditos e navios mercantes das duas

nações contratantes ficariam sujeiras, nos portos abertos da outra, aos

35 Tratado de amizade, commercio e navegação celebrada entre o Brazil e a China em 03/10/1881

– Promulgado 24/06/1882.

123

regulamentos comerciais em vigor, ou que pudesse vir a vigorar. (RRNE, 1882,

Anexo I, p. 41-52)

Além disso, os súditos dos dois países não seriam obrigados a pagar

imposto de importação ou exportação mais elevada do que pagavam os súditos

da nação mais favorecida; Artigo 7º Os navios de guerra de cada um dos dois

Estados seriam admitidos nos portos do outro, e seriam tratados no mesmo pé

que os da nação mais favorecida. Os comandantes dos navios de guerra

brasileiros, na China, tratariam em pé de igualdade com as autoridades locais; 9º

Os brasileiros na China que tivessem qualquer motivo de queixa contra algum

chinês, deveriam se dirigir-se ao cônsul brasileiro. Se um chinês tivesse alguma

reclamação contra um brasileiro na China, deveria o cônsul brasileiro ouvi-lo e

esforçar-se por fazê-los chegar a um acordo amigável. 10º Os súditos brasileiros,

na China, que cometessem algum crime contra súditos chineses, seriam presos

pela autoridade consular e punidos pelas leis brasileiras. Os súditos chineses que

fossem culpados de um ato contra brasileiros na China, seriam presos e punidos

pelas autoridades chinesas. Em regra geral, todo o processo civil ou criminal na

China, deveria ser julgado em conformidade com as leis e pelas autoridades da

nação a que pertencia o réu acusado. Se, na China, qualquer súdito chinês fosse

autor ou cumplice contra algum súdito brasileiro, a autoridade chinesa informaria

o fato a autoridade consular brasileira e ambas nomeariam agentes para a

captura dos criminosos, os quais não poderiam ser protegidos ou ocultados. 13º

Os súditos chineses no Brasil teriam livre acesso aos tribunais e justiça, ficando

sobre as regras brasileiras, e gozariam dos direitos e privilégios da nação mais

favorecida. (RRNE, 1882, Anexo I, p. 41-52)

O Brasil fazia seu tratado desigual, típico do período e extremamente

semelhante àqueles que as potências centrais impunham a diversos Estados ao

redor do mundo, conforme foi mencionado na introdução. O episódio, um dos

mais coloridos e interessantes do período, deixa com contornos claros as

justificas para o argumento do sentido Universalista da conduta internacional.

124

O grande objetivo da negociação, que era a introdução de

trabalhadores no Brasil em benefício da agricultura não foi alcançado diretamente.

Apesar dos esforços dos representantes brasileiros, houve grande resistência do

Governo Chinês, contudo, havia fé na capacidade do artigo 1º do tratado, que

versava sobre a capacidade dos súditos dos dois países contratantes poderem ir

de um Estado para outro residir, pudesse indiretamente ter o efeito esperado.

Ainda assim, a imigração pretendida não foi alcançada, sendo

considerada a missão um total fracasso para uma parcela dos deputados. Não se

pode, porém, atribuir total perda de tempo à missão brasileira na China, uma vez

que à resistência se deu por conta dos líderes chineses estarem àquela altura

sensibilizados com as campanhas de difamação contra os seus imigrantes. Por

isso, tomaram a defesa de seus súditos e não aceitaram o acordo, apesar de ter

conseguido garantir a abertura dos portos brasileiros ao comércio e a imigração

voluntária chinesa. (CERVO,1981, p.184-187) A imigração chinesa foi apenas

esporádica nos momentos derradeiros do Império, ainda que a imigração

europeia, especialmente portuguesa, italiana e alemã tenham aumentado

substancialmente.

Por fim, ainda faltava dar o último golpe na escravidão e destruir a

instituição escravista. Durante esse período, o Imperador teve de viajar à Europa

para tratamento médico, e em 1887, deixou a regência para sua filha Isabel.

Notoriamente favorável à abolição e uma católica fervorosa, fizeram com que

Joaquim Nabuco, um dos mais notáveis abolicionistas, políticos do Império e

ferrenho opositor da mão-de-obra chinesa, fosse por intermédio de amigos em

Londres visitar o Papa Leão XIII e solicitar uma Encíclica36 de condenação à

escravidão.

Nabuco sempre lastimou a neutralidade do clero perante a escravidão.

A sua esperança, e do partido abolicionista, só reacenderam quando por ocasião

do jubileu de Leão XIII, a Igreja publicou cartas convidando os seus diocesanos a

36 Mensagem dirigida pelo Papa, em formato de carta, a todos os fiéis católicos

125

oferecer como dádiva ao Santo Padre cartas de liberdade aos escravos. Ele sabia

que recorrer ao Papa inspiraria mais do que qualquer outra coisa a Princesa

Isabel a realizar o projeto de finalmente acabar com a instituição escravista, além

de considerar legítimo o uso da opinião pública mundial como arma contra esta.

Com cartas de apresentação assinadas pelo cardeal Manning, obtidas por seus

colegas da Anti-Slavery Society e Mr. Lilly, da União Católica Inglesa, foi

recepcionado pelo Pontífice. (NABUCO, 1963, p.222-224)

Em seu diário do dia 10 de Fevereiro de 1888, Nabuco escreveu:

Hoje, o Papa recebeu-me em audiência particular e conversou cerca de uma hora comigo, prometendo-me publicar brevemente a sua Encíclica aos bispos brasileiros contra a escravidão (...) Não vi a mínima vacilação no seu espírito a respeito do modo de pronunciar-se na questão. Interrogou-me sobre as disposições do governo, dos partidos, da família Imperial, dizendo mais de uma vez: ‘Quando o Papa falar, [os católicos] hão de obedecer’(NABUCO, 2006, p.258)

Leão XIII prometeu que publicaria a Encíclica o mais breve possível, mas

Nabuco esperava que fosse divulgado antes da abertura do Parlamento Imperial

em Maio, o que não se concretizou por pressões de Cotegipe junto ao Vaticano.

Apesar de tentar ao máximo protelar a publicação do conteúdo da Encíclica, seu

conhecimento se tornou público e contribuiu para a abolição da escravidão, pela

Lei Áurea de 13 de maio 1888.

A Princesa Izabel explicitava a importância do momento para a história do

país na Fala do Trono, em 3 de Maio de 1888:

Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo com o espirito cristão e liberal das nossas instituições. Mediantes providências que acautelem a ordem na transformação do trabalho, apressem pela imigração o povoamento do país, facilitem as comunicações, utilizem as terras devolutas, desenvolvam o crédito agrícola e a aviventem a indústria nacional, pode-se asseverar que a produção sempre crescente, tomará forte impulso e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos.(FALAS DO TRONO, 1977, p. 504)

126

Terminada a escravidão, a grande maioria dos imigrantes, 60% em

1888/1889, eram de italianos em São Paulo, que colhia os benefícios por estar

desde a metade da década de 1880 subsidiando as passagens. O Censo de 1890

mostrava uma população de 22% de estrangeiros em São Paulo, a maior parte de

italianos, usados em grande escala na produção do café. Assim, os anos finais do

Império foram marcados pelo início em massa da imigração italiana, somando

uma nova dimensão aos múltiplos vínculos do Brasil com a Europa, e impactando

de forma aguda em várias esferas diplomáticas do período republicano.

(BETHELL, 2012, p.152-153)

3.6 As Relações com os Estados Unidos

Os Estados Unidos conquistaram sua independência da Grã-Bretanha

após uma sangrenta guerra de independência no século XVIII, com a ajuda do

então maior inimigo de sua ex-metrópole, a França. O primeiro Estado americano

era dominado e em grande escala ocupado por povos de origem britânica ou de

outras origens europeias. Seus valores e princípios vinham de uma tradição

extremamente marcada pelo pensamento europeu, sendo que a organização

política do Estado americano foi amplamente influenciada pelas ideias do Velho

Continente, apesar de boa parte da ideologia do novo Estado estar baseada na

ideia de superação e até mesmo antagonismo para com os europeus. (WATSON,

2004, p. 371)

Tornado poderoso pela expansão a partir da costa leste e dotado de um

sistema econômico e politico inovador, em um continente rico e virtualmente

inexplorado, os Estados Unidos já surgiram como Nação em condição de exercer

supremacia continental. Como aponta Kissinger, na obra Diplomacia (2007, p.21),

dois fatores são essenciais para entender a projeção mundial dos Estados Unidos

para os assuntos internacionais: seu poder, em rápida expansão, e o desmoronar

gradual da lógica do sistema internacional centrado na Europa.

127

Os Estados Unidos traziam um novo impulso para o modelo Ocidental

que entrava, ainda no século XIX, em uma fase de grande crise, sendo que sua

política externa acompanhava essa evolução. Nos primeiros anos da República

Americana, as questões internacionais refletiam o seu interesse nacional, que

tinha como meta essencial o fortalecimento da independência de uma nova

nação. Por diversas vezes, os fundadores manipularam as potências da época,

França e Grã-Bretanha, usando os argumentos de não alinhamento e

neutralidade como armas efetivas no jogo global e sempre que possível negando

o modo europeu de fazer política internacional. A própria expansão para o oeste,

em territórios não pertencentes às antigas Treze Colônias, eram para os políticos

americanos considerados como um assunto interno da América e não uma

questão de política externa. Evitando o jogo europeu, que desencadeara

inúmeras guerras para prevenir a ascensão de forças potencialmente dominantes,

e se centrando em um crescimento rápido no âmbito interno, inspirado pela

confiança do processo revolucionário e suficientemente afastado para engrenar a

sua política, os Estados Unidos se tornavam distantes e imparciais

suficientemente para seguir um caminho novo na realidade internacional.

(KISSINGER, 2007, p.23)

Com o passar dos anos, a política americana teve pouca inflexão. A tese

básica dos Estados Unidos era defender a causa da desaprovação da política

europeia baseada no equilíbrio de poder, enquanto consideravam a sua expansão

como sendo um “destino manifesto”. De forma sintética podemos dizer que,

durante todo o século XIX, a política externa americana era basicamente cumprir

seu destino e permanecer livre de qualquer envolvimento estrangeiro. Dentro

desse quadro histórico e político, a decisão de excluir a política europeia do poder

no hemisfério ocidental, usando se necessário alguns dos métodos da diplomacia

europeia, era absolutamente inovadora. (KISSINGER, 2007, p.23-24)

Na década de 1860, contradições internas levaram a Guerra de

Secessão Americana (1861-1865), entre o Norte industrial e Sul escravocrata. Em

1865, o povo americano estava exaurido pela longa guerra civil. Os quatro anos

de carnificina haviam deixado mais de seiscentos mil soldados mortos e mais um

128

número não conhecido de inválidos e muitos cidadãos de luto por algum parente

ou conhecido. Para a história americana, no entanto, o conflito e a vitória do Norte

significou a abolição da escravidão, a preservação do governo central e o término

das longas disputas internas que permeavam o país desde a independência.

(SCHOULTZ, p.101, 2000)

A conquista da estabilidade interna possibilitou um avanço rápido rumo ao

desenvolvimento econômico e militar. No ano de 1885 os americanos já haviam

ultrapassado a Grã-Bretanha, até então considerada a maior potência industrial

do mundo em termos de produção. No limiar do século, os Estados Unidos já

consumiam mais energia do que a Alemanha, a França, a Áustria-Hungria, a

Rússia, o Japão e a Itália juntos. Após a Guerra Civil, a produção de carvão, os

carris de aços, as estradas de ferro e a produção de trigo já estavam entre as

maiores do planeta. A imigração e a vibrante economia produziam um acúmulo de

riqueza em uma velocidade não antes vista e parecia acelerar. (KISSINGER,

p.28, 2007)

Com exceção do breve interlúdio dos anos de Guerra Civil, dando espaço

para que a Europa assumisse posições na região, a influência dos Estados

Unidos na América Latina foi ampla. Durante o intervalo que se estende entre

1870-1889, ainda não se verá com contornos claros o imperialismo na condução

dos assuntos hemisféricos como nos anos subsequentes, mas tornava-se a partir

de então cada vez mais impossível mensurar qualquer impacto na região sem

considerar a influência americana.

Nos anos de 1870, já não havia dúvidas sobre o papel crescente de poder

da grande República do continente. A fascinação era exercida em vários setores

da sociedade Imperial, especialmente entre os núcleos Repúblicanos e mesmo

entre monarquistas, caso de Joaquim Nabuco, que apesar da sua preferência

pelas instituições britânicas, reconhecia a pujança da nova nação que pareciam

“estar inventando a vida, como se nada existisse até hoje”. (NABUCO,1963,

p.157) A posição cada vez mais central que os Estados Unidos desempenhavam

no jogo mundial fazia com que sua presença não pudesse ser negligenciada.

129

Historicamente, as relações do Império com os Estados Unidos sempre

foram cordiais, a iniciar pelo fato de terem sido os primeiros a reconhecer a

Independência com Portugal e as animosidades terem sido rapidamente

solucionadas. Apesar de alguns atritos originados pela tentativa americana de

apresentar bons ofícios durante a Guerra do Paraguai, e encontrando a total

recusa por parte do Brasil, com o fim do conflito, em 1870, as relações bilaterais

passaram a ser ditadas pelo respeito mútuo. Em 1876, no tempo da Presidência

Grant, D. Pedro II fez uma visita aos Estados Unidos, onde passou por várias

cidades e deixou uma impressão muito positiva da sua figura e do Brasil, algo que

iremos tratar mais adiante. (CARVALHO, 1959, p.362-363)

No campo diplomático, houve vários convites do Brasil para participar de

convenções e fóruns internacionais, o mais importante deles, o Congresso de

Washington, de iniciativa americana, será retomado mais à frente. Em um dos

momentos de maior relevância na relação bilateral, os Governos dos Estados

Unidos e da Grã-Bretanha, desejando chegar a acordo amigável relativo às

reclamações provenientes de atos durante a guerra entre os Estados do Norte e

os do Sul da União Americana, celebraram um Tratado, assinado em Washington,

em 8 de Maio de 1871, com o fim de darem solução as reclamações de ambos os

lados.

Conforme com o art.1º do mesmo Tratado, as reclamações seriam

levadas a um tribunal de arbitramento, composto de cinco membros, sendo um

deles nomeados pelo Imperador do Brasil. (RRNE, 1871, p. 02-03) O convite foi

feito em notas entregues no dia 21 de Agosto de 1871, sendo que os

representantes dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha manifestaram inteira

confiança que o Imperador, amigo comum dos dois Estados, julgaria com espírito

de justiça e imparcialidade que o distingue. O pedido foi acompanhado de um

sincero desejo que D. Pedro II não recusasse a prestar os bons ofícios que lhe foi

solicitado. As Falas do Trono mencionaram o fato com grande destaque,

mostrando a importância e prestígio conferido ao governo Imperial:

130

O governo Imperial foi convidado para nomear um dos árbitros que, em virtude do tratado de Washington, tem de decidir as reclamações pendentes entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América. Aceitei aquele convite com o cordial desejo de dar novo testemunho de nossa amizade às duas altas partes contratantes, e de corresponder à confiança que elas depositam no governo do Brasil (FALAS DO TRONO, 1977, p.401)

O convite foi recebido de bom grado pela Princesa Isabel em nome do

Imperador, e por meio do Decreto de 13 de Setembro de 1871, foi nomeado como

membro do tribunal de arbitramento o Sr. Barão de Itajabá, ministro

plenipotenciário na França. As legações dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha,

ao terem conhecimento da nomeação, declararão que lhes fora agradável a

notícia da escolha.

Ainda que cordiais, as relações do Brasil com os Estados Unidos

sofreram alguns abalos substanciais. O mais importante deles foi em 1869,

quando houve a suspensão das relações entre o Império Brasileiro e os Estados

Unidos. Alguns anos antes, 1867, o general Webb, representante norte-americano

na corte do Rio de Janeiro conseguiu, por meio de uma política de ameaças e

pressão, uma enorme quantia de indenização do Império por supostas perdas de

proprietários de navios americanos. Após conseguir as reparações pretendidas,

reclamou indenização pela embarcação Canadá, que havia encalhado a mais de

dez anos. As relações se estremeceram e foram rompidas em 10 de maio de

1869. O Governo Americano desautorizou a atitude de Webb e restabeleceu as

relações com o Império.

Em 1872, depois de pedido da Legação Brasileira na capital americana,

os Estados Unidos entenderam que o Brasil sofreu uma extorsão no caso da

reparação de 1867, especialmente no caso de um dos navios, o Caroline. O

Governo Americano, em ação contra o Webb, atribuiu ao general a culpa por

embolsar parte considerável da indenização paga pelo Brasil, remetendo apenas

uma parte ao Departamento de Estado e de “segundo a qual elle gastou parte do

dinheiro recebido em subornar brazileiros que exerciam funcções oficiais” (RRNE,

1874, p.22-28)

131

Após várias investigações, também no Brasil, sobre a corrupção que

poderia ter havido, chegou-se a conclusão que não houve influencia oficial dentro

do Governo em favor de Webb. A reclamação foi paga unicamente, segundo o

Marquês de Caravellas, porque o Governo Imperial quis evitar rompimento com

os Estados Unidos, já que na ocasião necessitava de toda a energia e recursos

na guerra contra López. (RRNE, 1874, p.22-28) Optou naquela situação por não

abalar as relações por conta de um assunto financeiro. Em 1974, o Governo

norte-americano devolveu ao representante brasileiro US$96.406,73, valor

correspondente a quantia paga pelo Caroline, acrescido de juros anuais de 6%.

(BANDEIRA, 1978, p.114)

As relações diplomáticas, em geral amistosas, escondiam um

crescimento enorme da participação americana na economia brasileira,

eclipsando junto de outros desafiantes, como a Alemanha e a França, o domínio

histórico britânico. No ano de 1870, os Estados Unidos, segundo dados

apresentados por Bethell (2012, p.172), respondiam por aproximadamente 6%

das importações brasileiras, especialmente farinha e laticínios, sem que não

houvesse um grande investimento direto significativo da sua parte no Brasil. Aos

poucos essa realidade mudaria: em 1880 a Singer Manufacturing Co., uma

subsidiária da Standard Oil, especializada em vaselina, abriu escritórios no Rio de

Janeiro e as exportações brasileiras com destino os Estados Unidos ultrapassou

os 15% nos anos 1840 para aproximadamente 30% a 40% nos anos de 1870 e

1880. Data dos últimos anos do Império, especificamente 1872, a eliminação da

tarifa sobre o café, fazendo com que quase dois terços do café exportado pelo

Brasil tivessem destino o mercado americano.

3.7 As Viagens de D. Pedro II e o Prestígio Imperial

O Imperador realizou três longas viagens entre as décadas de 1870 e

1880, causando ampla repercussão interna e pelos lugares de seu destino,

imprimindo grande prestígio externo, tão caro ao Império. A viagem do Imperador

132

pelos mais importantes seios políticos, científicos e intelectuais do período parece

ser a metáfora perfeita para justificar o sentido Universalista da ação externa. A

discussão sobre o assunto, contudo, é vasta, uma vez que o real impacto dessas

viagens para o prestígio nacional ainda não é totalmente consensual e perpassa

inclusive a própria estrutura constitucional Imperial.

O regime monárquico caracterizava e condicionava as opções do Império,

agindo simultaneamente e norteando as opções disponíveis. A relação da Casa

Imperial com as monarquias europeias era fator de grande relevância para o

próprio Imperador e para a posição do país nas redes de interesses

internacionais. Internamente, o regime levou a uma grande concentração da

política externa nas mãos do Executivo e do Imperador. Com o Conselho de

Estado, os ministros e especialmente com o monarca, figura que nas querelas

internacionais todos devem aconselhar-se e a quem todos devem se submeter às

decisões, fizeram com que a tomada de decisão na esfera externa ficasse

extremamente encapsulada.

A política externa em todas as suas faces é por definição a atribuição

mais essencial da figura do chefe de Estado. Nele reside a personificação da

Nação e, portanto, sua face externa. No caso de um regime monárquico, como

era o brasileiro, o Imperador era a personificação do Brasil, estando dentro ou

fora do Império, na situação que fosse. Apesar de absolutamente óbvio que a

passagem do Imperador do Brasil, por onde quer que ele fosse, tivesse causado

grande mobilização, para não dizer comoção, torna-se difícil avaliar se as suas

viagens realmente foram um instrumento para elevar o prestígio Imperial, ou

meramente viagens particulares, de um Imperador cansado e entediado pelos

longos anos de atividade política sem trégua.

As opiniões se dividem na importância das viagens e suas consequências

práticas. Amado Luiz Cervo, por exemplo, atribue grande relevância para o

Império e sua visão externa:

133

Empreendeu três importantes viagens pelo Ocidente (1871, 1875 e 1887), durante as quais estabeleceu contatos de alto nível com governos e instituições dos Estados Unidos, de quase todos os países europeus, incluindo a Rússia dos czares, o Império Otomano, a Grécia, a Terra Santa e o Egito. O chefe do Estado brasileiro tornava assim o país mais conhecido e respeitado no exterior. (CERVO & BUENO, 2002, p.135-136)

A grande controvérsia das viagens foram as acusações de uma

possível falta de conteúdo diplomático e a reação desfavorável que produziram

nos meios políticos, da imprensa e da opinião pública do Império. Os críticos

afirmavam que as visitas eram apenas turísticas e com pouca profundidade nos

contatos mantidos, além das dúvidas suscitadas quanto ao real interesse que

teria levado D. Pedro II a decidir por elas. O caráter ambíguo das viagens era,

inclusive, reiterado pelos meios oficiais. No Relatório da Repartição dos Negócios

Estrangeiros de 1881, afirmava-se que:

Com maior jubilo vos communico que a presença de Sua Magestade o Imperador e de sua Augusta Consorte na Europa, foi saudada por modo summamente lisongeiro a nação brazileira. Apezar de viajarem como simples particulares, forao Suas Majestades acolhidos em todos os paízes que visitárão com demonstrações de especial symphatia e consideração (RRNE, 1871, p.1-2)

Após grandes discussões no Parlamento, uma vez que pelo art. 10437 da

constituição do Império era obrigatório à liberação deste para que a ausência do

Imperador não configurasse abdicação do trono, o Imperador embarcou para a

primeira delas, mesmo com gritos da oposição, especialmente pelo momento

político sério após o término da Guerra do Paraguai. O Imperador confiante que o

Gabinete Rio Branco equilibraria o quadro de inquietações políticas, não hesitou

37 Art. 104. O Imperador não poderá sahir do Imperio do Brazil, sem o consentimento da

Assembléa Geral; e se o fizer, se entenderá, que abdicou a Corôa. (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA

DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 25 DE MARÇO DE 1824)

134

em fazer a primeira viagem, ainda mais quando recebeu a noticia do falecimento

de sua filha, Princesa Leopoldina, Duquesa de Saxe. (GOUVÊA, 1978, p.107-108)

Usando das prerrogativas de um chefe de estado que tinha ligações

com várias casas reinantes europeias e por ser monarca do maior país da

América do Sul, o Imperador conseguiu acesso natural aos mais restritos meios

políticos e culturais, que renderam ganhos na promoção da sua autoimagem, e

por consequência, a imagem do Império no exterior.

Do dia 25 de maio de 1871 a 30 de março de 1872, visitou Portugal,

Espanha, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Itália, Ásia Menor e Palestina.

Durante o percurso, se encontrou com diversas personalidades do mundo político

e acadêmico-intelectual, como: Thiers, a rainha Vitória, o rei Leopoldo, Guilherme

I, Francisco José I da Áustria, Vitor Emanuel, Papa Pio IX, Leão XIII, Gladstone,

Alexandre Herculano, Gobineaus, Richard Wagner e Camilo Castelo Branco.

(DANESE, 1999, p.246)

A segunda viagem se estendeu do dia 26 de março de 1876 a 26 de

setembro de 1877, após ter visitado os Estados Unidos – no momento histórico do

primeiro monarca em visita pelo país -, visitou o Canadá, Alemanha, Suécia,

Finlândia, Rússia, Áustria, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Holanda, Suíça e

Portugal. O trecho relativo aos Estados Unidos tornou-se o mais conhecido, pois

não só percorreu várias cidades em todo o Estados Unidos, além de ter

acompanhado o presidente Grant na Exposição da Filadélfia, por ocasião do

centenário da Independência americana:

E, para realçar o significado histórico do dia, o Imperador do Brasil mostrará, pela sua presença, a amizade do Brasil ao nosso povo e o interesse pela feira internacional. O caráter americano da Exposição do Centenário sobreleva no fato notável de que os governantes das suas grandes nações americanas tomarão parte na solenidade. (GUIMARÃES, 1961, p.225)

Essa viagem foi dedicada a contatos sociais, oficiais e com grandes

acadêmicos e cientistas. Nos Estados Unidos conheceu Alexander Bell e falou ao

135

seu invento, o telefone, a sensação da exposição; encontrou o filósofo Emerson e

os poetas John Whittier e Longfellow. Na Europa, reencontrou Gobineau, que foi

guia de parte da viagem do Imperador na sua segunda passagem pelo continente.

Encontrou por duas vezes Victor Hugo e Alexandre Herculano, além de visitar

Guilherme I, o czar Alexandre II e o Papa Pio IX. Por fim, na sua terceira viagem,

dessa vez com fins médicos, ficou fora do Império entre 30 de junho de 1887 a 22

de agosto de 1888, visitando Portugal, França, Alemanha, Bélgica e Itália.

(DANESE, 1999, p.246-247)

Pouco depois cairia a monarquia brasileira, mas com poucas exceções, a

impressão geral deixada pelo Imperador ao mundo não criou grande comoção

sobre a adoção do regime Repúblicano. O poliglota soberano, Bragança e

Habsburgo, com livre circulação entre os círculos mais restritos dos países

‘civilizados’, deixou por onde passou a melhor das impressões, transparecendo

uma visão modernizadora do exótico reino do Atlântico Sul.

3.8 A Primeira Conferência de Washington

As iniciativas interamericanas, como foram vistas em momento

oportuno, foram um dos focos mais acentuados de Distensão, inflexão e

resistência da autoridade Imperial, apesar da pequena abertura apresentada em

alguns eventos. Seria apenas com o Congresso de Washington, norteada pelos

impulsos Universalistas, que o Império aceitaria se encontrar com todo o

continente pela primeira vez na mesma tribuna, dando início a uma história de

convivência em escala continental. Não deixa de ser paradoxal a queda do regime

monárquico ocorrer em paralelo a esse evento de enormes proporções. Com a

dupla influência de mudanças internas e alterações profundas nas relações de

poder continentais e mundiais, o Brasil foi convidado a ter assento nas

deliberações daquele que seria o Primeiro Congresso de Washington, realizado

em 1889.

136

James G. Blaine foi um dos primeiros e mais importantes articuladores

da ideia de um encontro continental. O ideal de hemisfério ocidental, defendido

por Jefferson, as relações pacíficas, a mediação de conflitos, a redução da

influência europeia e o aumento do comércio dos Estados Unidos, tudo se

encontra ligado de maneira intrínseca. Nesse contexto, o Governo Imperial foi

convidado pelos Estados Unidos, por meio da sua Legação no Rio de Janeiro, no

dia 3 de Fevereiro de 188238, a participar com dois representantes de um

congresso de todas as nações americanas, que ocorreria em Washington, no dia

22 de novembro do mesmo ano. (RRNE, 1882, Anexo I - p.3-4) O assunto que

seria discutido versaria sobre os meios mais oportunos de manter a paz no

continente americano. Entendendo ser a matéria muito complexa e de difícil

resolução, mas digna de apreciação, o Governo Imperial aceitou participar como

lhe foi solicitado, em consonância com o Universalismo para com as potências

centrais.

O Governo americano indicou a abertura com tanta distância, com a

esperança de que Bolívia, Chile e Peru, que estavam em guerra, pudessem

comparecer ao encontro, porém, o objetivo não foi alcançado. Por meio de uma

nota39 ao Governo Brasileiro do dia 9 de Agosto de 1882, o Governo americano

adiou indefinidamente a sua realização. (RRNE, Anexo I, p.39-40) As causas

apresentadas foram duas: primeiramente a continuidade da Guerra do Pacífico, já

que era considerado essencial a uma reunião que fosse tratar de evitar a guerra

ter a mais profícua e harmoniosa relação entre seus participantes; segundo por

que o Congresso, a quem o Governo Americano submetera o projeto de

convocação, não havia tomado nenhuma resolução a esse respeito. A nota

terminava por ressaltar que não foi totalmente inútil o convite para a reunião, uma

vez que chamou a atenção de todos os povos da América para a necessidade de

38 Nota da Legação Americana ao Governo Imperial, 03/02/1882.

39 Nota da Legação Americana ao Governo Imperial, 09/08/1882.

137

se pensar numa alternativa de paz hemisférica, fazendo com que as relações

internacionais do continente se dirigissem de forma mais satisfatória a todos.

Após o fracasso ao tentar convocar uma conferência anos antes, a

ideia de um papel mais ativo dos Estados Unidos no continente ganhou maior

apoio no final década de 1880. Em maio de 1888, o Congresso solicitou ao

Presidente Grover Cleveland que convidasse os Estados latino-americanos para

uma conferência que trataria de assuntos de interesse geral. (SMITH, 2009,

p.616-617) A convocação formulada pela Secretaria de Washington fora feita nos

termos mais convidativos e sedutores. Nela, descrevia que todos os estados

independentes da América estariam em absoluta igualdade, a necessidade de

franqueza e de simpatia, e a mais absoluta ausência de maquinações secretas e

alianças egoístas, recomendando prudência, oportunidade e disposição pacífica.

Junto do convite de participação endereçado, o Governo Imperial é

informado que a conferência seria incumbida de tomar em consideração as

medidas tendentes à conversação e prosperidade dos Estados da América, tais a

formação de uma união aduaneira americana; estabelecimento de comunicação

regular e frequente dos portos; estabelecimento de um sistema uniforme de

regulamentos sobre importação e exportação; criação de um sistema uniforme de

pesos e medidas e de leis protetoras às patentes; adoção de uma moeda comum

de prata, que seria emitida por cada um dos governos, com curso legal em todas

as transações comerciais continentais; acordo sobre um plano definitivo de

arbitragem a fim de se resolver pacificamente os conflitos e evitar a guerra; e, por

fim, considerar quaisquer outros assuntos relativos à prosperidade dos diversos

Estados representados na conferência.

A ambiciosa agenda de discussão, o caráter interamericanista do

convite e o fato de ter sido feito pela maior potência continental, logo provocou

grandes discussões acerca do tema. No final de 1888, o Conselho de Estado

realizou consulta conjunta das seções dos Negócios Estrangeiros e da Fazenda,

questionando se devia ou não aceitar o convite; caso aceitá-lo, para quais

assuntos iria se dispor discutir ou se algum deles ele solicitaria excluir.

138

A lucidez dos membros do Conselho deve ser registrada. O

Conselheiro de Estado, Marquês de Paranaguá, por exemplo, registra a mudança

de paradigma continental e a situação brasileira no continente em detrimento às

iniciativas interamericanas. Afirma:

Não é só um dever de cortesia, a aceitação, por nossa parte; é de alta política, quaisquer que sejam as vistas daquela grande nação [...]. Devemos, igualmente, ter em vista que os Estados Unidos, sendo uma nação eminentemente manufatureira, a conferência sugerida pode, com razão, despertar ciúmes das potências rivais da Europa, cujas simpatias não nos convém alienar. E, pois, é sobremaneira delicada e difícil a nossa posição: se, por um lado, o Brasil, única monarquia na América, não deve isolar-se do convívio, sempre útil, das nações do mesmo continente, por outro lado – nada tendo a recear, ao contrário, tudo a esperar das nações da Europa – não pode, de maneira nenhuma, entrar em liga contra elas. (CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1875-89. p.336-7).

Na mesma consulta realizada, o Conselheiro de Estado Lafayette

Rodrigues Pereira faz observações de grande valor analítico:

O Brasil é uma potência americana e a mais importante, por sua população, riqueza, civilização e poder, entre as sul-americanas. [...]. A abstenção do Brasil de se fazer representar na conferência importaria de sua parte, como que o abandono de interesses internacionais, a que razoavelmente não pode nem deve ser estranho; e abriria espaço a suspeita de que alimenta repugnância de entrar no sistema de política internacional, que evidentemente se forma entre os Estados americanos, e de participar da solidariedade que, em termos corretos, deve existir entre povos vizinhos e que ocupam o mesmo continente: suspeita que naturalmente se suscitaria, porque o Brasil já tem sido arguido, na tribuna e na imprensa de alguns Estados da América do Sul, de mais imbuído do espírito europeu do que do americano, suspeita que convém afastar, porque tenderia a nos colocar debaixo de uma certa prevenção da parte desses Estados, a nos alienar a sua confiança e a pôr-nos em isolamento.(CONSULTAS DA SEÇÃO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, 1875-89, p.339)

As intenções do Governo americano visavam estabelecer instrumentos

que viabilizassem o programa de expansão capitalista sobre o continente. Apesar

de fazer concessões aos idealistas, a iniciativa americana dava contornos

pragmáticos e trazia pela primeira vez a esfera econômica para discussões que

sempre tiveram como plano central as questões políticas. Pela via do

139

panamericanismo, os Estados Unidos miravam uma reserva de domínio

continental, semelhante como procediam aos colonialistas europeus em suas

áreas de expansão. Em uma hábil manobra, os americanos conseguiriam por

meio das propostas do encontro manter o protecionismo diante das outras

grandes potências capitalistas e agir de forma liberal no contexto regional, criando

uma Zollverein, ou seja, um mercado comum, que fundasse bases concretas de

uma política claramente nacionalista. (CERVO & BUENO, 2008, p.144)

Foram decisivas para o aceite do convite e participação ativa nas

discussões que se desenrolaram durante a reunião as perspectivas de poder no

continente, a mudança da esfera interna e o peso dos assuntos tratados, que

poderiam colocar em jogo o interesse nacional em todos os aspectos. O impulso

Universalista, ligado a subordinação aos países centrais, incluídos aqui os

Estados Unidos, também foi decisivo por essa opção, mesmo reticente sobre qual

seria sua contribuição. Todos os países americanos aceitaram o convite dos

Estados Unidos, especialmente por ponderarem, como o Brasil, que os assuntos

tratados não poderiam ser simplesmente ignorados.

O Governo Imperial, preocupado com tais questões, deu as instruções

que convinham para a manutenção da clássica posição brasileira de neutralidade

e cordialidade. A proposta de pesos e medidas não era oportuna para o Império,

já que no entendimento brasileiro, o sistema adotado no país era o melhor e não

parecia provável outro o substituir; o direito de invenção já contemplado em

Tratado assinado em Montevidéu, sem que ainda houvesse um pronunciamento

oficial do Governo àquela altura; quanto à propriedade literária, o Governo

Imperial também havia firmado em Montevidéu um acordo, sem que o Governo

tivesse naquele momento enunciado o seu juízo; as marcas de comércio já

possuem uma resolução legislativa expedida em 23 de outubro de 1875, que

regulava o direito que tem o fabricante e o negociante de criar marcas para os

produtos de sua indústria e do seu comercio, além disso, o Brasil havia ajustes

em separados com várias nações, e era signatário da convenção de 1883 de

propriedade industrial; na extradição de criminosos, o Império tinha o imperativo

140

legal de se o criminoso reclamado for cidadão brasileiro, não poderia ser

entregue, a não ser que seja um caso de crime político.

Foi claro sobre a posição do não estabelecimento de arbitragem dentro

do continente, pois sentia que poderia ser vítima das históricas antipatias anti-

monarquistas e não convinha aceitar arbitragem das “inconstantes Repúblicas do

continente”, além do fato de temer a possibilidade dos Estados Unidos usarem de

instrumento e, como projeção de sua força, virasse árbitro da região. Em relação

à União Aduaneira, novamente o Brasil tinha interesses diversos do que era

proposto na conferência para a qual fora convidado.

O Brasil, que iniciara a conferência como Monarquia e terminaria como

República, participou da Conferência de Washington mesmo que pronto para

discordar de todos os pontos essenciais na discussão. A alternativa de ser o único

Estado a não comparecer e o Congresso transformar-se em tribuna antibrasileira

fez com que o Governo assumisse o ônus do tipo de negociação que o Império

estava pronto a fazer.

Porém, o fim do Império reverteu a situação e permitiu a delegação

brasileira participar ativamente e de forma propositiva no encontro. A chefia da

missão passou para Salvador de Mendonça, que recebeu dos novos

representantes da República mudanças elementares nas instruções anteriores, ou

seja, carregar a participação brasileira de um “espírito americano”. (SANTOS,

2004, p. 127) Essa mudança se traduziu na reversão da questão do arbitramento

obrigatório, que passou a ser apoiada em conjunto com a abolição da conquista

territorial por meio de guerras. Mendonça rompia assim com a tradição de uma

diplomacia iniciada desde o início do Império, tornando-a positivamente

caudatária dos interesses econômicos e políticos da grande potência do Norte.

(CERVO & BUENO, 2008, p.144-145)

O resultado final da conferência foi modesto, em detrimento à sua

ousadia programática: os planos de criação de uma União Aduaneira hemisférica

foram negados por liderança conjunta da Argentina e do Brasil; o arbitramento

obrigatório sofreu sérias objeções do Chile, que havia obtido importantes

141

conquistas territoriais na Guerra do Pacífico. Todavia, a conferência criou a União

Internacional das Repúblicas Americanas, com um Conselho Comercial das

Repúblicas Americanas autorizado a coletar e divulgar informações relativas às

tarifas e às regulamentações comerciais. (SMITH, 2009, p.617)

Apesar dos resultados questionáveis, o Congresso de Washington foi a

maior e a última grande expressão interamericana durante o século XIX. A

originalidade do encontro pela relevância e substancialidade dos assuntos

tratados, a união de todos os plenipotenciários em prol de discussões de

interesse geral e o caráter americano foi de grande importância histórica. O

encontro, realizado na capital americana, criou laços que sedimentariam espaços

que viriam a ser ocupados com a criação do direito interamericano no século

seguinte. Do ponto de vista econômico foi um grande avanço, já que o fórum deu

espaço para temas antes deixados em segundo plano e para as contingências

políticas.

Para o Brasil, foi também a primeira demonstração das prioridades

políticas do governo republicano que viria a sofrer várias alterações no seu curso

externo, mas que, naquela altura, foi recepcionado de forma geral com grande

entusiasmo. Terminada a conferência, o Brasil tentou bilateralmente estabelecer

com os Estados Unidos uma aliança ofensiva e defensiva, mas não conseguiu

interessar os americanos, que acabariam por firmar com o novo governo

brasileiro, em 31 de janeiro de 1891, um convênio comercial. Terminava assim a

longa tradição Imperial quanto ao resto do continente, e acima de tudo, demolida

as bases de legitimação do poder monárquico, foram possíveis uma aproximação

mais efetiva com o resto dos vizinhos continentais. O novo regime abandonou, em

detrimento à política realizada durante todo o Império, a oposição sistemática às

iniciativas interamericanas.

Com o fim do regime, findou o período de negação e passou a tentar,

de fato, criar uma identidade americana, algo impossível nos períodos anteriores.

A participação peculiar brasileira na Conferência em Washington foi emblemática

nesta mudança de paradigma. O Brasil mudaria sua situação marcada pelo

142

isolamento e passaria a atuar como um dos líderes no avanço dos ideais

interamericanos, que culminariam com a criação da Organização dos Estados

Americanos e das diversas organizações internacionais regionais.

De qualquer forma, a síntese do período Imperial é de profunda

resistência, ou mesmo de uma impossibilidade a uma ‘americanização’ efetiva da

sua política externa, sendo traduzida na sua relação com o interamericanismo

continental. Uma afinidade próxima com os vizinhos e uma ruptura ideológica com

o sistema europeu poderia representar desarticulações, especialmente na esfera

interna, algo que o Império não permitiu acontecer durante toda sua duração.

Cabe reafirmar que mesmo contando com posição diversa daquela que seria

tomada pela República posteriormente, foi ainda durante o regime monárquico

que houve o aceite do convite para o Congresso, o que denota uma pressão das

circunstâncias sobre os tomadores de decisão do Império, refletindo no sentido

Universalista da medida.

143

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As duas tendências, Distensão e Universalismo, se sobrepunham e se

uniam para formar o grande periscópio das relações internacionais do Império no

período de 1870-1889. Essa hipótese testada, baseada nos eventos ocorridos na

política externa daqueles anos, com base na análise do paradigma liberal-

conservador, revelou que de fato foram elas os principais eixos de atuação e o

sentido máximo da atuação externa, ainda que caibam algumas ressalvas,

especialmente quando analisados os eventos de forma mais minuciosa.

No subsistema do Prata, onde reside boa parte da face soberana e

autônoma do Império, apenas em 1876, com a retirada das tropas de Assunção

pode-se afirmar haver uma verdadeira Distensão da região. As relações após

esse período tornaram-se cada vez menos centrais para os últimos anos do

Império, o que não significou um período livre de sérios contratempos. Apesar da

escalada de tensão entre Brasil e a Argentina no pós-guerra, levando muitos a

acreditarem na guerra inevitável, essa possibilidade não se concretizou. No

Uruguai e no Paraguai a influência brasileira oscilou, especialmente pelo aumento

da presença argentina. De qualquer forma, a política da Distensão evitou a guerra

e possibilitou uma vigilância distante, o que contrastava com as soluções de força

das décadas anteriores.

Com o Pacífico, as interações ocasionais foram substituídas por

momentos de interesse contínuo, especialmente se ressaltarmos a atenção dada

pelas Falas do Trono, notadamente fonte que só tratava dos assuntos da mais

alta urgência e relevância para o Império. Contribuiriam para isso problemáticas

residuais da Guerra do Paraguai, acertos de limite, convites para congressos

internacionais, e acima de tudo a Guerra do Pacífico. No entanto, é impossível

dizer que as relações com aquela parte da América do Sul teriam evoluído para

algo além de uma lógica de distanciamento histórico. Diferente da região platina,

o Império não tinha intenção ou mesmo possibilidades de projetar seu poder

144

naquela região, transparecendo uma Distensão histórica e não apenas

conjuntural, como no caso do Prata.

Algo muito semelhante com o ocorrido nas tentativas interamericanistas,

especialmente as com tendências fundadas no Bolivarianismo. Usando a noção

de Distensão como sinônimo de distanciamento, o período pode ser interpretado

como sendo a reprodução da tendência histórica do Império de resistência a

qualquer uma dessas experiências, ainda que as pressões externas obrigassem o

Brasil a abrir algumas frentes de conversa. Mesmo quando por força das

circunstâncias foi obrigado a participar de qualquer tribuna internacional, e assim

evitar a formação de qualquer coligação antibrasileira, as recomendações aos

representantes imperiais eram de manter a neutralidade e minar qualquer medida

que contrariasse o interesse histórico do regime e suas elites. Mesmo no caso

emblemático e paradoxal do Congresso de Washington, quando o Brasil entra

uma Monarquia e sai República, as primeiras instruções ainda durante o regime

Imperial eram de resistência a qualquer inovação desagradável aos interesses

nacionais. Sendo assim, ainda que estivesse nesse último caso sob o efeito do

Universalismo externo, como foi visto, muito mais reativo do que propositivo, o

Império ainda era incapaz de ultrapassar certas barreiras, especialmente por

essas contrariarem as velhas instituições imperiais.

A explosão do multilateralismo após a adoção do sistema bismarckiano

na política continental europeia, a pauta ampla de assuntos com as principais

potências capitalistas e a mudança nos fluxos de comércio internacional dos

produtos brasileiros, especialmente o café, foram fundamentais para reforçar esse

sentido último de Universalismo. A abertura de novos mercados auxiliou a

consolidar a dominação da elite agroexportadora também pela política externa, se

transformando em um dos elementos primordiais de inserção internacional. Um

dos caminhos para isso foi a participação em todos as conferências, congressos,

seminários científicos e industriais possíveis, como meio de usar do prestígio

desses eventos como motor propulsor do aumento das exportações.

145

A experiência global do período obrigava o Império, o Imperador e todos

os formuladores de política externa de expandirem as relações em níveis até

então inéditos, denotando claramente a vertente Universalista como sentido da

condução dos assuntos externos. Isso vai ficar claro no uso ostensivo da esfera

internacional para auxiliar em graves problemas internos, inclusive alguns deles

responsáveis diretos pela queda do regime, como a Questão Religiosa e a

Questão Servil; e na procura pelo prestígio externo, simbolizado nas viagens de

D. Pedro II aos recantos mais civilizados do globo e das inúmeras arbitragens e

mediações nos quais o Brasil foi convidado a participar. As duas tendências,

portanto, foram fundamentais para dar inteligibilidade ao período e se apoiam com

maior ou menor assertividade nos eventos mencionados do período.

146

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