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A TENSÃO ENTRE O SIGILO DAS VOTAÇÕES, A SOBERANIA DOS
VEREDICTOS E O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO NO TRIBUNAL DO JÚRI –
ESTUDO DE DIREITO COMPARADO
Resumo:
O presente artigo aborda a dificuldade de se compatibilizar o princípio
constitucional in dubio pro reo com a disciplina legal do procedimento de competência do
Tribunal do Júri, tendo em vista a possibilidade de decisão por maioria simples e a imensa
importância dada pela lei ao sigilo da votação e à soberania dos veredictos. A partir de estudo
de direito comparado baseado em decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos da
América, busca-se estabelecer a relação com a disciplina do processo de competência do
Tribunal do Júri no Brasil. São, em seguida, analisadas as principais características do
processo de competência do Tribunal do Júri no direito brasileiro, para construir a hipótese
central deste estudo: se o privilégio legal ao sigilo das votações e à soberania dos veredictos
permite que o princípio in dubio pro reo tenha verdadeira efetividade no Tribunal do Júri.
Essa hipótese é testada através de pesquisa da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais em apelações fundadas no art. 593, inc. III, alínea d, do Código de Processo Penal e, a
partir dos resultados obtidos, conclui-se que o referido princípio constitucional não possui a
efetividade desejável no Tribunal do Júri brasileiro. Por fim, indicam-se possíveis soluções de
lege ferenda para aumento da sua efetividade.
Palavras chave: Júri. Direito comparado. Estados Unidos da América e Brasil. In dubio pro
reo.
Abstract:
This article addresses the difficulty on harmonizing the constitutional principle
in dubio pro reo (proof beyond a reasonable doubt) with the Jury’s legal discipline, given the
possibility of conviction by simple majority and the great importance given to the secrecy of
the jurors’ decision processes and sovereignty of the verdict. The Article starts by, through a
compared law study based on the U.S. Supreme Court rulings, establishing a relation with the
legal discipline of the Jury’s procedure in Brazil. This raises the main question addressed by
the Article: whether the legal supremacy of the vote’s secrecy and the sovereignty of the
decision allow the principle in dubio pro reo to achieve real effectiveness. This hypothesis is
tested by a research of the jurisprudence of Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Minas
2
Gerais State Court of Appeals) regarding appeals based on article 593, n. III, a of Brazilian
Penal Procedure Code. Considering the obtained data the Article reaches the conclusion that
the aforementioned constitutional principle does not have the desired effectiveness in Brazil’s
Jury procedure. Finally, possible solutions are given, in order to seek increased effectiveness
of the principle.
Keywords: Jury. Compared law USA and Brazil. In dubio pro reo.
Sumário: 1. Introdução; 2. A decisão pelo tribunal do júri no
direito brasileiro; 3. Apodaca v. Oregon – a votação do júri e
o devido processo legal; 4. A tensão entre o sigilo da votação
e a presunção de inocência; 5. A apelação e o definitivo
sacrifício do in dubio pro reo; 6. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
Em 2009 foi submetida à Suprema Corte do Estados Unidos arguição de
inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição do Estado de Oregon que prevê a
possibilidade de haver condenação pelo júri, mesmo não sendo unânime a votação dos
jurados. Permite a Constituição daquele Estado a condenação do réu, desde que dez, dentre os
doze jurados, assim o decidam.
O caso em que a inconstitucionalidade da permissão da condenação não
unânime (desde que os votos pela absolvição não fossem mais do que dois) foi submetida à
Suprema Corte foi o processo nº 08-1117, Scott David Bowen v. Oregon.
Em 8 de dezembro de 2008 foi solicitada autorização para requerer o Writ of
Certiorari, distribuída ao Juiz Anthony M. Kennedy, que deferiu o pedido. O writ foi
impetrado em 4 de maio de 2009. Foram apresentadas manifestações por amici curiae a favor
e contra o pedido do peticionário Bowen e, em 5 de outubro daquele ano, o caso foi recusado.
3
Conforme explica João Gualberto Garcez Ramos1:
“Hoje, é indiscutível que a Suprema Corte exerce ‘poder de supervisão’
(supervisory power), sobre as decisões judiciais de qualquer tribunal do país,
seja ele estadual, seja ele federal.
Esse poder se exercita, na prática, de uma única maneira: através dos
‘mandados de certificação’ (writs of certiorari).
(...)
Por meio dos atuais ‘mandados de certificação’, a Suprema Corte requisita dos
demais tribunais informações a respeito de um determinado caso por eles
julgado, revê os argumentos utilizados na decisão; colhe, se achar necessário,
novos argumentos orais, discute os fundamentos e emite uma decisão sobre a
correta interpretação da Constituição nesses casos”.
A recusa deveu-se ao fato de que a Corte entendeu não ser o caso de rever os
precedentes datados de 22 de maio de 1972 – Apodaca v. Oregon, 406 U.S. 404 e Johnson v.
Louisiana, 406 U.S. 356 – que, na ocasião, afirmara não ser inconstitucional a possibilidade
de condenação não unânime pelo júri. A esse propósito, mais uma vez a lição de RAMOS:2
“Como padrão, esse aceite ocorre quando os juízes entendem (a) que o caso
envolve uma questão federal importante, (b) que há conflito relevante de
interpretação da lei ou da Constituição entre Cortes estaduais ou entre estas e
Cortes federais ou (c) que a decisão envolve ‘questão de direito’ que merece
rediscussão no âmbito da Suprema Corte”.
Não verificada qualquer dessas hipóteses, a Suprema Corte dos Estados Unidos
decidiu manter seus precedentes no sentido de que a possibilidade de condenação não
unânime não ofende a Constituição daquele país. Ainda assim, as discussões travadas nas
decisões de 1972 fornecem um subsídio interessante para refletir acerca da forma legal de
decisão pelo Júri no Brasil.
Assim, neste estudo, abordaremos como é a disciplina legal da decisão do
Tribunal do Júri no Direito brasileiro, no que pertine ao objeto deste estudo. Em seguida,
examinaremos a decisão proferida pela Suprema Corte dos Estados Unidos em Apodaca v.
1 RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de processo penal norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006, p. 90. 2 Idem, p. 91.
4
Oregon e Jonhson v. Louisiana. Por fim, relacionaremos essa análise à disciplina do Júri no
Brasil.
2. A DECISÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI NO DIREITO BRASILEIRO
Não é exagero afirmar que, dentre os princípios envolvidos diretamente no
processo e, sobretudo, no julgamento pelo Tribunal do Júri no Brasil, dois deles estão, senão
completamente, em grande medida ausentes.
Um é o da fundamentação das decisões (CF, art. 93, IX). Conquanto esteja o
princípio da fundamentação das decisões inserido no meio de extenso rol de artigo da
Constituição que trata do funcionamento do Poder Judiciário (ao lado de outros incisos que
tratam de subsídios e de aposentadoria), não se nega – e nem se poderia – a natureza fundante
desse princípio dentro da ordem constitucional.
Trata-se de verdadeira condição de legitimidade do ato de força exarado pelo
Poder Judiciário. É dizer, somente será legítimo o ato de força contido no comando sentencial
quando ao jurisdicionado for dado saber com exatidão os motivos de fato e de direito que
levaram o julgador a decidir desta ou daquela maneira. A lição de Aury Lopes Jr:3
“A motivação das decisões judiciais é uma garantia expressa no art. 93, inc. IX,
da Constituição e é fundamental para avaliação do raciocínio desenvolvido na
valoração da prova. Serve para o controle da eficácia do contraditório, e de que
existe prova suficiente para derrubar a presunção de inocência”.
Logicamente, não há que se falar em fundamentação das decisões no
julgamento pelo júri, na medida em que as decisões dos jurados são tomadas com base na
íntima convicção e a condição de validade do veredicto é exatamente o sigilo da votação. Ou
seja, se no processo de competência do juiz togado4 a fundamentação da decisão é condição
de legitimidade e validade do ato, no caso do júri, é a falta de fundamentação que o legitima e
lhe confere validade. Fernando da Costa Tourinho Filho sustenta:5
3 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 243. 4 Não será usada a terminologia empregada pelo Código de Processo Penal “de competência do juiz
singular”pois, nesse caso, estar-se-ia excluindo indevidamente as ações penais originárias. 5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal v. 4. 32ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 142.
5
“Julgando de acordo com a sua íntima convicção, sem a obrigação de dar
satisfação a quem quer que seja, a não ser à sua própria consciência, julgar
sabendo que sua decisão é soberana, visto porvir do povo, assim o Tribunal do
Júri ampara mais ainda o direito de liberdade. É, como afirmou o Professor
Lauria Tucci em sua obra já citada, ‘a mais democrática instituição jurídica
brasileira”.
A conclusão deste trabalho mostrará que a opinião exposta na tradicional obra
citada é por demais otimista. Sigilo e soberania não são necessariamente suficientes para
assegurar a democracia. Afinal, o júri está a exercer um (grave) poder e o exercício de poder
sem accountabilty pode levar ao arbítrio, salvo se suficientemente amparado o indivíduo
submetido a esse poder por um sólido arcabouço de garantias fundamentais.
Por outro lado, não seria, logicamente, o caso de afirmar pura e simplesmente a
inconstitucionalidade (ou não recepção pela Constituição de 1988) dos dispositivos do Código
de Processo Penal que levam a essa situação porque, na verdade, toda essa ordem de ideias
encontra amparo no próprio texto constitucional.6
A questão, então, é saber se é possível compatibilizar a garantia do
jurisdicionado de saber por que foi condenado com a garantia do jurado de que sua decisão é
sigilosa. Esse é um dos temas que serão abordados.
O outro princípio constitucional que não se apresenta no processo e julgamento
pelo júri é o da presunção de inocência7. E nesse caso, a não incidência desse princípio não
conta com qualquer amparo constitucional. É o regramento legal do procedimento que o
exclui da equação. Veja-se por que:
Pode-se, simplificando, dizer que, no procedimento dos crimes dolosos contra
a vida, há três decisões fundamentais: a que recebe a denúncia; a que pronuncia o acusado; e o
6 Art. 5º, inc. XXXVIII, alínea b. 7 Esse princípio, enunciado com base no art. 5º, inc. LVII, da Constituição da República, recebe denominações
as mais diversas na doutrina (estado de inocência, presunção de não culpabilidade, dentre outros). Entendemos
que o tradicional presunção de inocência permanece sendo o mais adequado porquanto trata-se, efetivamente, de
presunção. A situação inercial de qualquer cidadão que se vê investigado, indiciado ou processado pelo Estado é,
efetivamente, a de inocente. E sobre essa situação incide, sim, uma presunção, o que significa que essa inércia
somente será rompida pela efetiva prova da existência do crime (fato típico, ilícito e culpável) e de sua autoria e,
ainda, se for estritamente observada a garantia do devido processo legal.
6
veredicto do Conselho de Sentença. Supostamente, aquelas duas primeiras estariam,
realmente, fora da incidência de referido princípio, que incidiria nesta última decisão que,
efetivamente, aprecia em sua inteireza o mérito da questão. As duas primeiras, segundo se diz,
são orientadas pelo dito princípio in dubio pro societate. O veredicto do Conselho de
Sentença seria, então, orientado pelo in dubio pro reo. A lição de Eugenio Pacelli de
Oliveira:8
“É costume doutrinário e mesmo jurisprudencial o entendimento segundo o
qual, nessa fase de pronúncia, o juiz deveria (e deve) orientar-se pelo princípio
do in dubio pro societate, o que significa que, diante de dúvida quanto à
existência do fato e da respectiva autoria, a lei estaria a lhe impor a remessa
dos autos ao Tribunal do Júri (pela pronúncia)”.
Sobre essa dicotomia – in dubio pro societatis contra in dubio pro reo –
entendemos relevante uma reflexão breve, mas que merece mais do que uma nota de rodapé.
Essa dicotomia parece-nos de todo imprópria. Afinal, falar em in dubio pro
societate contra in dubio pro reo indica que, no processo penal, o réu está em posição de
antagonismo em relação à sociedade. Para um contratualista, faz até sentido afirmar que o
delinquente, quando comete o delito, põe-se em posição antagônica em relação à sociedade.
Mas, por força do próprio princípio da presunção de inocência, a confusão entre acusado e
delinquente é inconstitucional.
Conquanto seja lugar comum (em especial na primeira hora e meia de debate
no Tribunal do Júri) a afirmação de que o titular da acusação representa o interesse da
sociedade, pensamos não ser verdadeira essa afirmação. Não, ao menos, no marco do Estado
Democrático de Direito que tem em seu núcleo mais elementar a cláusula do devido processo
legal. O próprio OLIVEIRA9 adverte:
“... não vemos como aceitar semelhante princípio (ou regra) em uma ordem
processual garantista”.
8 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de processo penal. 16ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 722/723. 9 Idem.
7
Afinal, se o processo penal se desenvolve e se decide em cada uma de suas
fases com base nessa dicotomia, a decorrência lógica seria que toda absolvição por
insuficiência probatória seria uma decisão contrária ao interesse social. Pensamos, contudo,
que a decisão que dá efetividade a garantia fundamental (no caso, a da presunção de
inocência) está em total e absoluta consonância com o interesse público na máxima
efetividade do sistema de garantias.
Assim, é constitucionalmente mais adequado dizer que, na fase de recebimento
da denúncia e na fase de pronúncia, afirmar que, nelas, a dúvida se resolve a favor do
prosseguimento do processo.
Mas, seja como for, o fato é o seguinte: ao deliberar sobre o recebimento da
denúncia, a dúvida sobre autoria/materialidade leva ao seu recebimento; ultimada a fase de
sumário, havendo dúvida sobe autoria/materialidade, pronuncia-se. E, apesar de,
lamentavelmente, o recebimento de denúncia continuar sendo um mero despacho (isso
quando não é um mero carimbo), a pronúncia requer concreta e idônea fundamentação, nos
termos do art. 413 do CPP.
E na sessão de instrução e julgamento em plenário, quando, supostamente, o in
dubio pro reo deveria se manifestar em todo seu esplendor, o que acontece? Aury Lopes
Junior, ao comentar a apelação que se funda na alínea d do permissivo legal, sintetiza com
maestria10:
“Tudo isso evidencia, uma vez mais, a problemática estrutura do júri brasileiro,
pois não efetiva a garantia constitucional do in dubio pro reo contida na
presunção constitucional de inocência. No Tribunal do Júri, o réu pode ser
condenado a partir de uma prova frágil e ilhada no contexto probatório, e seu
recurso não será admitido, mesmo com uma prova amplamente favorável à sua
tese defensiva, pois a decisão dos jurados não é absolutamente desconectada da
prova dos autos”.
E é verdade. A lógica que preside cada fase decisória do processo, a decisão
por íntima convicção e a sistemática recursal excluem a garantia da presunção de inocência.
10 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pp. 1244/1245.
8
Essa somente se aplica – mas tampouco se verifica – se estiver dentro da consciência de cada
um dos membros do Conselho de Sentença.
A questão que se propõe, então, é a seguinte: as cláusulas constitucionais do
sigilo das votações e da soberania dos veredictos são óbice intransponível a que o in dubio
pro reo tenha real e efetiva aplicabilidade no Tribunal do Júri?
As decisões proferidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América em
Apodaca v. Oregon e a discussão travada em Bowen v. Oregon podem servir de parâmetro
interessante para tentarmos propor soluções para a questão aqui proposta.
3. APODACA v. OREGON – A VOTAÇÃO DO JÚRI E O DEVIDO PROCESSO
LEGAL
A instituição do júri nos Estados Unidos da América deita raízes na Common
Law britânica e no sistema judicial das Treze Colônias. A Sexta Emenda à Constituição dos
Estados Unidos da América dispõe:
In all criminal prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and
public trial, by an impartial jury of the state and district wherein the crime
shall have been committed, which district shall have been previously
ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the
accusation; to be confronted with the witnesses against him; to have
compulsory process for obtaining witnesses in his favor, and to have the
assistance of counsel for his defense.
Como se vê, em não mais do que um parágrafo, a garantia do juiz natural, da
ampla defesa, do contraditório são claramente enunciadas. No que se refere ao objeto deste
estudo, é assegurada constitucionalmente a submissão do acusado da prática de qualquer
crime a julgamento pelo júri, do local onde a infração, em tese, foi cometida.
Há dois casos paradigmáticos julgados pela Suprema Corte que trataram de
duas questões extremamente sensíveis ao funcionamento do Júri naquele país: Williams v.
9
Florida (39 U.S. 78, decidido em 22 de junho de 1970)11, em que se debateu sobre o número
de jurados que deve compor o júri e Apodaca v. Oregon (406 U.S. 404, decidido em 22 de
maio de 1972)12, em que se debateu a necessidade de unanimidade no júri e ao qual daremos
mais atenção.
Em Williams, a questão submetida à Suprema Corte foi se a lei do Estado da
Florida, ao prever, em casos em que não era cabível a pena de morte, que o júri seria
composto de seis pessoas ofendia a Sexta Emenda à Constituição.
O juiz White, redator da decisão da Corte, expôs as possíveis teorias e opiniões
acerca da exigência de serem doze os membros do júri, relatando que esse costume
incorporou-se à Common Law no século XIV. E conclui:
The question before us is whether this accidental feature of the jury has been
immutably codified into our Constitution.
Após interessante histórico da matéria, a decisão chega ao ponto central de sua
fundamentação, ao afirmar que a garantia constitucional do julgamento pelo júri não se
relaciona com o número de jurados. Afirma a decisão:
…the essential feature of a jury obviously lies in the interposition between the
accused and his accuser of the common sense judgment of a group of laymen,
and in the community participation and shared responsibility that results from
that group's determination of guilt or innocence. The performance of this role
is not a function of the particular number of the body that makes up the jury.
To be sure, the number should probably be large enough to promote group
deliberation, free from outside attempts at intimidation, and to provide a fair
possibility for obtaining a representative cross-section of the community. But
we find little reason to think that these goals are in any meaningful sense less
likely to be achieved when the jury numbers six than when it numbers 12 --
particularly if the requirement of unanimity is retained.
Como se vê, um dos aspectos centrais que mantém a função principal do júri –
interposição entre acusação (Estado) e acusado – não se vincula propriamente ao número de
jurados, mas à exigência de que a decisão seja unânime. Em outras palavras, a Suprema Corte
11 Disponível em http://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/406/356#writing-USSC_CR_0406_0356_ZS
lido em 13/10/2014. 12http://www.law.cornell.edu/supct/search/display.html?terms=unanimous%20jury&url=/supct/html/historics/US
SC_CR_0406_0404_ZO.html, lido em 26/08/2013
10
declara em Williams que aqueles princípios fundamentais enunciados na Sexta Emenda são
assegurados pela exigência de unanimidade na decisão dos jurados.
Dois anos depois, a questão atinente à unanimidade foi submetida à Suprema
Corte – Apodaca v. Oregon – sendo a opinião da Corte relatada pelo mesmo juiz White. Mais
uma vez, White faz um resgate das origens do costume de se exigir decisão unânime dos
jurados. Relata-se que a proposta original de redação da Sexta Emenda, na Câmara dos
Deputados, continha a exigência de unanimidade. Essa redação, contudo, foi modificada no
Senado. Após mais discussão na Câmara, a Emenda veio a ser aprovada com a redação que
transcrevemos acima, sem qualquer referência a unanimidade.
No caso em questão, Robert Apodaca, Henry Morgan Cooper Jr. e James
Arnold Madden foram acusados (em processos distintos) de agressão armada, furto a
residência e apropriação indébita, respectivamente. Apodaca e Madden foram condenados por
11 votos a 1 e Cooper por 10 votos a 2.
O Art. I, § 11 da Constituição do Estado do Oregon, no que é pertinente ao
caso, estabelece:
… in the circuit court ten members of the jury may render a verdict of guilty or
not guilty, save and except a verdict of guilty of first degree murder, which
shall be found only by a unanimous verdict, and not otherwise.
Na petição à Suprema Corte, o argumento central da defesa era que a
possibilidade de que o júri (salvo no caso de homicídio doloso) possa condenar e absolver por
decisão unânime seria contrária exatamente ao princípio in dubio pro reo ou, na locução
comum norte-americana, proof beyond a reasonable doubt.
A essa alegação, a Corte respondeu:
Petitioners' argument that the Sixth Amendment requires jury unanimity in
order to give effect to the reasonable doubt standard thus founders on the fact
that the Sixth Amendment does not require proof beyond a reasonable doubt at
all. The reasonable doubt argument is rooted, in effect, in due process, and has
been rejected in Johnson v. Louisiana, ante, p. 356.
11
O julgamento mencionado, Johnson v. Louisiana tinha o mesmo objeto de
Apodaca v. Oregon, já que o Estado da Louisiana é o outro cuja Constituição prevê a
possibilidade de condenação ou absolvição por júri não unânime. Ambas decisões são de
1972.
Em linhas gerais, o que restou decido em Johnson e em Apodaca é que a
previsão da possibilidade de um júri não unânime decidir pela condenação não viola a regra
da prova além da dúvida razoável. Entretanto, a decisão da Corte sublinha que, tanto no
Oregon quanto na Louisiana, a lei exige ampla maioria de votos; a divergência manifestada
por duas (Apodaca) ou três (Johnson) pessoas dentre um conjunto de doze não é bastante para
por em dúvida a culpa do acusado. Ainda que essa minoria tenha manifestado dúvida acerca
da culpa, se uma ampla maioria dos jurados não se convenceu com essa divergência, deve-se
privilegiar o juízo de certeza que nove, dez ou onze jurados partilharam.
Neste ponto, é essencial realçar que o sistema de decisão pelo júri nos Estados
Unidos é radicalmente diferente daquele que se adota no Brasil. Nosso Código de Processo
Penal previa e continua a prever depois da reforma de 2008 a absoluta proibição de qualquer
contato entre os jurados. Na verdade, embora coletiva, a decisão do júri no Brasil não é
colegiada, decidindo cada membro do Conselho de Sentença conforme sua intima convicção.
Não há uma decisão; há sete decisões, que se somam.
Nos Estados Unidos, os membros do júri, em total isolamento e sigilo, debatem
a causa sob seu julgamento, sendo não só permitido, mas incentivado que os jurados tentem
persuadir uns aos outros sobre a opinião que formaram a partir do exame da prova e do debate
entre as partes.
Assim, a Suprema Corte concluiu nos dois casos em análise que, se o debate
entre os jurados resultou em certeza para a ampla maioria, a regra da reasonable doubt não
restou violada e, tampouco, a cláusula do devido processo legal (14ª Emenda) da qual ela
decorre diretamente.
12
Não obstante, é conveniente ressaltar que em um e outro caso, a larga maioria é
destacada como elemento que conserva a efetividade dessa regra.
4. A TENSÃO ENTRE O SIGILO DA VOTAÇÃO E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
A despeito da diferença entre os sistemas de decisão adotados no Brasil e nos
Estados Unidos, no que se refere à interação entre os jurados em busca de um consenso sobre
culpa ou inocência do acusado, há um ponto comum: o sigilo. Em um e outro sistema, não é
dado ao jurisdicionado saber qual o caminho lógico percorrido pelo jurado para alcançar essa
ou aquela conclusão. No sistema norte-americano, não se pode propriamente falar em íntima
convicção plena dos jurados, na medida em que as opiniões de cada um são debatidas. No
sistema brasileiro, em virtude da absoluta incomunicabilidade, a convicção é completamente
íntima.
A despeito disso, sendo os debates dos jurados norte-americanos secretos, os
motivos que levaram à decisão do colegiado são desconhecidos, assim como no sistema
brasileiro.
Como já observado anteriormente, não há como postular o afastamento desse
sigilo, na medida em que é previsto constitucionalmente. Logo, o mecanismo de controle da
eficácia do princípio da presunção de inocência que ordinariamente funciona no processo de
competência do juiz togado (a fundamentação da decisão como condição de validade do ato)
não há de funcionar no júri.
Sendo, porém, o in dubio pro reo princípio de inegável índole fundamental
(cláusula pétrea, na verdade) há de se encontrar outra forma de se garantir sua presença no
tribunal do júri. E, registre-se, aqui não se está a afirmar que os júris decidem ordinariamente
sem consideração pelo in dubio pro reo. O que se afirma é que, pela sistemática legal do
procedimento de competência do Tribunal do Júri, não se tem a menor ideia se, tendo havido
dúvida, em que sentido ela se resolveu: se a favor do réu ou a favor da acusação. É dizer, em
caso de condenação, podemos mesmo ter segurança de que os jurados não tinham qualquer
13
dúvida acerca da culpa do acusado? Dizemos segurança e não certeza porque essa, nunca
teríamos, considerado o sigilo da votação.
A esta altura, já está claro que o ponto central é a previsão legal de que as
decisões do Tribunal do Júri são tomadas por maioria. Quatro dentre sete votos são suficientes
para condenar o acusado.
Se a quase metade dos jurados não está convencida da culpa do acusado, não
há como afirmar que culpa não seja duvidosa. Mesmo considerando como adequadas as
decisões da Suprema Corte norte-americana em Apodaca e Jackson, exige-se ampla maioria
de votos para preservar o in dubio pro reo. A ampla maioria, disse a Suprema Corte, conserva
a confiabilidade do sistema. A condenação por meros quatro votos possui, mesmo, essa
confiabilidade?
O constituinte brasileiro elegeu os crimes dolosos contra a vida para submissão
ao júri sob a consciência de que, pela natureza singular desses delitos, o julgamento deve ser
deixado a cargo do juiz de fato, do membro do povo. Entende-se que o julgamento deve ser
popular e não técnico. E costuma-se dizer que aqueles sete cidadãos que decidem sobre a
liberdade do acusado da prática de crime doloso contra a vida são representantes da sociedade
local. É a comunidade do local em que o crime foi praticado a quem toca a grave função de
decidir pela culpa ou inocência de seu co-cidadão.
Insista-se: se a quase metade dos jurados não está convencida da culpa do
acusado, não há como afirmar que aquela comunidade efetivamente acredita na culpa do réu.
Qual a segurança desse veredicto cuja motivação é e sempre será sigilosa? Sublinhe-se que o
que aqui se defende não é a abolição do sigilo (até porque seria defesa inconstitucional), mas
que se busque um meio minimamente eficaz de se o conciliar com o in dubio pro reo.
E se, na sistemática anterior à Lei 11.689/2008, essa realidade já era presente,
duas modificações por ela trazida tornam ainda mais obscuro o caminho da condenação, mais
distante a possibilidade de ter o mínimo de segurança de que o in dubio pro reo dirigiu o
veredicto.
14
Já dissemos sobre a não fundamentação da decisão dos jurados. A sistemática
anterior, contudo, assegurava, de certa forma, algum conhecimento ao jurisdicionado sobre os
motivos que levaram os jurados a esta ou aquela decisão.
A exigência da redação anterior à do art. 484 do Código de Processo Penal, no
sentido de que fosse formulado um quesito para cada ponto da acusação e da defesa permitia
que as partes soubessem com bastante segurança porque o júri condenou ou absolveu.
A crítica que se fazia a essa sistemática – e que foi acolhida na reforma para
abolir tal sistema em troca do quesito genérico sobre a absolvição – era exatamente a sua
complexidade e, por conseguinte, o relevante número de anulações de julgamentos por defeito
na formulação dos quesitos ou falha na forma de submissão à votação do Conselho de
Sentença.
No entanto, na sistemática anterior, se, por exemplo, o réu que alegou ter agido
em legítima defesa própria restasse condenado, saberia que o foi porque o júri considerou que
o uso dos meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio
não foi feito moderadamente e que esse excesso decorreu de dolo. O Ministério Público
saberia que o réu foi absolvido por inexigibilidade de conduta diversa e não por legítima
defesa.
Em busca de simplificação do procedimento e de se evitar possíveis nulidades,
sacrificou-se o pouco de fundamentação que a lei garantia ao veredicto do júri.
A outra modificação trazida pela Lei 11.689/2008 que também sacrificou a
possibilidade de se, ao menos, tangenciar os motivos da decisão (e, portanto, ter alguma
segurança de que o princípio in dubio pro reo foi observado) foi a previsão de que, na votação
dos quesitos, apurado o quarto voto “sim” ou “não”, encerra-se a apuração. Tal determinação,
por óbvio, visa a reforçar ainda mais o sigilo das votações. Louvando essa inovação, afirma
TOURINHO FILHO:13
13 Op. cit. p. 146.
15
“... ao chegar à quarta cédula com o ‘sim’, ou o com o ‘não’, a sigilação será
perfeita. Ninguém saberá como votaram os outros 3 jurados”.
Mas sacrifica ainda mais o conhecimento da decisão pelas partes. Afinal, se os
quatro primeiros votos no quesito referente à autoria são afirmativos, nunca se saberá se a sua
afirmação é unânime ou por maioria. É possível que, se os quatro primeiros votos foram
“sim”, os outros três que não foram apurados tenham sido “não”.
O projeto de Novo Código de Processo Penal (PL nº 8045/10 da Câmara dos
Deputados) traz interessante iniciativa, aumentando de sete para oito o número de jurados no
Conselho de Sentença (art. 349), permitindo, assim, o empate na decisão que, obviamente,
tem por consequência a absolvição.
Exige-se, dessa forma, uma maioria um pouco mais larga do que de apenas um
voto para que seja o acusado condenado. É inegável o reconhecimento de que um veredicto
decidido por apenas um voto é duvidoso.
Mais adequado seria que, em um conselho formado por oito jurados, fosse
exigido um mínimo de seis votos pela condenação. A condenação por cinco votos
corresponde a menos de dois terços do conselho e esse quorum qualificado atribuiria muito
mais segurança ao veredicto.
O fato é que, na sistemática atual, na tensão entre o sigilo da votação e a
presunção de inocência, a segurança quanto aquela retira quase por completo a segurança
desta.
5. A APELAÇÃO E O DEFINITIVO SACRIFÍCIO DO IN DUBIO PRO REO
Se, no julgamento pelo júri, a proteção ao sigilo da votação retira a garantia de
efetividade do princípio da presunção de inocência, em grau recursal esse princípio é
definitivamente sacrificado com a entrada em cena da soberania dos veredictos.
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Assim como o sigilo das votações, a soberania dos veredictos tem assento
constitucional, no inc. XXXVIII, do art. 5º. O fato, porém, de o veredicto ter assegurada a
soberania não o torna intangível. Até porque soberanas são todas as decisões emanadas do
Poder Judiciário, sejam proferidas pelos juízes de fato, sejam pelo juiz togado.
E não se olvide que o mesmo inc. XXXVIII, do art. 5º da Constituição assegura
a plenitude da defesa. Que obviamente pressupõe a possibilidade de ter a decisão do júri
submetida a revisão por outro juízo e também faz pressupor a presunção de inocência.
E assim, a sistemática recursal envolve também uma tensão: a soberania dos
veredictos contra a plenitude da defesa e, por conseguinte, o in dubio pro reo. É por isso que o
art. 593 do CPP estabelece que, quanto ao mérito da questão, a apelação somente procede se a
decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. Ou seja, mesmo que o
Tribunal de segundo grau se convença de que a prova dos autos é duvidosa, mantém-se
intocado o veredicto porque, afinal, ele é soberano. E toda a jurisprudência é nesse sentido,
sendo bastante para ilustrar a Súmula Criminal número 28 do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais.14
Pode-se tentar justificar esse rigorismo afirmando que, se o escopo do
julgamento da apelação tivesse a amplitude da apelação que se funda no inc. I, do art. 593,
haveria o risco de o Tribunal de Justiça substituir-se ao Tribunal do Júri, dele usurpando a
competência constitucional para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Além, é
evidente, de vulnerar a soberania do veredicto. OLIVEIRA15 defende:
“Por mais compreensível e louvável que seja a preocupação com o risco de
erro ou desvio no convencimento judicial do júri popular, o fato é que o
aludido dispositivo legal põe em xeque a rigidez da soberania das decisões do
júri”.
Neste ponto, ousamos discordar do autor citado. Não existe, a nosso ver, poder,
soberano que seja imune a controle jurisdicional. Quando nada, porque assim o exige o inciso
14 A cassação do veredito popular por manifestamente contrário à prova dos autos só é possível quando a decisão
for escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do contexto probatório, nunca aquela que opta por uma das
versões existentes. 15 Op. cit. p. 884.
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XXXV, do art. 5º, da Constituição. Afinal, se o sufrágio, universal e secreto, fonte do próprio
poder do Estado, na forma preâmbulo da Constituição, não é alheio ao controle da Justiça
Eleitoral, ao se cassar um mandato obtido mediante abuso de poder econômico ou político
está-se a pôr em xeque a soberania popular?
Não temos dúvida em afirmar que a dita soberania dos veredictos, mais que
princípio inerente ao Tribunal do Júri, é verdadeiro dogma. Mas esse dogma cria o seguinte
problema, que pôde ser empiricamente identificado.
No site de busca de jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
informando as expressões de busca “júri”, “apelação” e “manifestamente”, limitando a
pesquisa aos acórdãos publicados entre 01 de janeiro 2014 e 30 de setembro de 2014, foram
retornados 476 resultados16.
Desses 476 resultados retornados, 9 se referem, na verdade, a apelações contra
impronúncias ou absolvições sumárias ou recursos em sentido estrito e foram, portanto,
excluídos dos cálculos.
Assim, foram localizadas 467 apelações fundadas no art. 593, inc. III, alínea d
do Código de Processo Penal, ou seja, cuja fundamentação é o julgamento manifestamente
contrário à prova dos autos.
Foram analisadas as apelações interpostas pela defesa e pelo Ministério
Público. Dentre as apelações defensivas, foram contabilizadas as providas, as não providas e
as não conhecidas (por força da disposição do § 3º do art. 593 do CPP). Dentre as apelações
interpostas pelo Ministério Público, foram contabilizadas as providas e as não providas, já que
todas foram conhecidas.
Esclareça-se que, para fins de definição e categorização em “provida” e “não
provida”, foi levado em consideração apenas o acolhimento ou não, pelo Tribunal, da
alegação de julgamento manifestamente contrário à prova dos autos. Eventuais provimentos
16 Acesso em 30/09/2014.
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parciais para redução ou aumento das penas aplicadas foram desprezados, por fugirem ao
objeto deste estudo. Não houve nenhum acórdão, dentre os analisados, que tenha reconhecido
nulidade posterior à pronúncia. Não houve, também, análise da fundamentação dos acórdãos
ou consulta aos autos dos processos. Portanto nenhum juízo ou crítica se faz sobre o acerto ou
não das decisões ou de cada decisão isoladamente.
Assim, aplicando-se os critérios acima explicados, constatou-se: dentre as 467
apelações fundadas na alínea d do inc. III do art. 593, do Código de Processo Penal, 372, ou
79,66% foram interpostas pela defesa e 95, ou 20,34% foram interpostas pelo Ministério
Público.
Dentre as 372 apelações defensivas, 10 (2,69%) não foram conhecidas por
aplicação do § 3º do art. 593 do CPP17. Quanto às 362 que foram conhecidas, 350, ou 96,69%
não foram providas e apenas 12, ou 3,31% foram providas, determinando-se a submissão do
réu a novo julgamento.
Já quanto às apelações interpostas pelo Ministério Público, 55 delas (57,89%)
não foram providas e 40, ou 42,11% foram providas, cassando-se o veredicto e determinando
a realização de novo julgamento.
Para melhor visualização dos dados coletados, vejam-se os gráficos seguintes:
17 Se a apelação se fundar no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados
é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se
admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.
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Figura 1 – Total de apelações com acórdão publicado entre 01/01/2014 e 30/09/2014
Figura 2 – Resultados dos recursos interpostos pela defesa
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Figura 3 – Resultado dos recursos interpostos pelo Ministério Público
É necessário esclarecer que a crítica não é, de modo algum, destinada ao
Tribunal de Justiça de Minas Gerais ou mesmo ao teor dessas decisões, até por não terem
sido, como já dito, examinadas as provas de cada processo.
Não obstante, é possível afirmar com segurança que a absolvição ou decote de
qualificadora ou, ainda, o reconhecimento de causa de diminuição de pena tem maior chance
de ser cassada em sede de apelação do que a condenação, o reconhecimento de qualificadora
ou a rejeição de causa de diminuição de pena. O fato de haver mais recursos defensivos do
que ministeriais, em si, não causa surpresa. Considerando que, na pronúncia, afirmou-se a real
probabilidade de a acusação ser acolhida em plenário, é de se esperar mais condenações que
absolvições. Se o número de absolvições fosse maior ou mesmo igual ao de condenações,
haveria sério problema na pronúncia. Entretanto, o número de recursos defensivos ser quase o
quádruplo do que o de ministeriais sugere um desequilíbrio. E, sobretudo, o fato de, nos nove
meses apreciados, quase metade dos recursos do Ministério Público terem sido providos e
apenas 3,31 % dos recursos defensivos que foram conhecidos terem recebido provimento
torna a suspeita de desequilíbrio uma quase certeza.
E isso não pode ser creditado apenas a entendimentos de determinados
desembargadores ou câmaras. É a própria sistemática legal do júri, inclusive em sede recursal,
que causa essa disparidade.
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E a raiz disso está na fórmula legal “julgamento manifestamente contrário à
prova dos autos” e na sua interpretação jurisprudencial (exemplificada pela já mencionada
Súmula 28 do TJMG).
O que se aprecia no recurso é se há o mínimo de prova a sustentar o veredicto,
não se esse observou o princípio in dubio pro reo. E essa constatação é suficiente para
explicar o porquê de, nos nove meses analisados, apenas 3,31% dos recursos defensivos
conhecidos terem sido providos.
Ora, considerando-se que a denúncia foi recebida e que o réu foi pronunciado,
é evidente (salvo caso de vício na própria pronúncia, que se existe, decorre do malfadado in
dubio pro societatis) que o mínimo de prova contra o réu existe.
E é aí que reside a verdadeira perversidade: pronuncia-se o réu ante o menor
indício de autoria; no julgamento pelo júri, não se conhece (e nem se poderia conhecer) o
fundamento da decisão de cada jurado; a condenação pode ser (e sequer teremos certeza,
salvo em caso de a apuração dos votos empatar em três a três) pela diferença de um voto. E o
réu, condenado, não será socorrido pelo in dubio pro reo em sede recursal.
O princípio in dubio pro reo, que não pode ser dissociado da plenitude da
defesa, é suplantado amplamente pelo sigilo das votações e pela soberania dos veredictos.
O balanceamento dessa situação de vulnerabilidade do réu somente pode ser
alcançado por dois meios: exija-se, senão unanimidade, larga maioria de votos, como
destacado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em Apodaca e Johnson; ou se altera o
cabimento da apelação contra a decisão do júri, passando-se a admitir a cassação do veredicto
não só em casos de decisão “escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do contexto
probatório”, para usar os termos da Súmula 28 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, mas
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sempre que o Tribunal verificar que a decisão foi baseada em prova duvidosa, deverá cassar o
veredicto para submeter o réu a novo julgamento.18
6. CONCLUSÃO
O resultado da pesquisa realizada nos acórdãos publicados pelo Tribunal de
Justiça de Minas Gerais no período especificado impressiona pela imensa disparidade entre o
número de recursos defensivos providos e não providos. Sobretudo, se comparados com os
números referentes aos recursos interpostos pelo Ministério Público.
Parece difícil compreender porque, ao decidir contrariamente ao réu, o júri está
errado em apenas 3,31% das vezes e, ao decidir favoravelmente, o júri está errado em 42,11%
dos veredictos. O percentual de erros a favor da defesa é, realmente, 14 vezes maior?
O que se nos afigura é que o próprio critério legal de controle jurisdicional das
decisões do júri não é constitucionalmente adequado. É compreensível que, com imensa
frequência, a condenação não seja considerada manifestamente contrária à prova dos autos,
isso é, proferida em absoluta dissonância com o conteúdo probatório dos autos. Afinal, se o
réu foi pronunciado (presumindo-se que a pronúncia obedeceu ao art. 413 do CPP), alguma
prova convincente contra o réu há de ter sido produzida durante o sumário.
O que se verifica, então, é que, na verdade e na prática, os requisitos
necessários para pronunciar e para condenar o réu não são substancialmente diferentes.
Afinal, para uma e para outra decisão (aquela, juízo de mera admissibilidade; essa, juízo de
mérito) serem mantidas, basta a existência de prova a respaldar a tese acusatória.
O sigilo das votações e, sobretudo, a permissão legal para que se condene o réu
por maioria simples afasta o in dubio pro reo do julgamento pelo júri. A lógica do art. 593,
inc. III, alínea d do CPP afasta o in dubio pro reo do julgamento da apelação. Se a prova
produzida no sumário é duvidosa, pronuncia-se; se a prova em se baseou a condenação é
18 Não se admitindo, porém, novo recurso sob a mesma fundamentação, completando a conciliação do in dubio
pro reo com a soberania dos veredictos.
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duvidosa, mantém-se o veredicto, pois havendo prova que sustente uma e outra tese, a decisão
não terá sido manifestamente contrária à prova dos autos.
Em suma, o júri, mesmo em dúvida, está autorizado a condenar e a lei não
oferece qualquer remédio contra isso. A sistemática do procedimento de competência do júri é
inteiramente alheia à garantia constitucional da presunção de inocência. Se se pretende dar a
devida eficácia a essa garantia fundamental, é essencial que seja aumentado o número de
jurados e exigida, no mínimo, maioria qualificada para condenar o réu. Sem que haja essa
necessária alteração legislativa, a jurisprudência deveria passar a interpretar a alínea d do inc.
III do art. 593 do CPP de modo diverso, admitindo a cassação do veredicto em caso de dúvida
manifesta. Afinal, é mesmo contraditório que o órgão julgador negue provimento a recurso
em sentido estrito contra a pronúncia por haver dúvida e, não produzida nenhuma prova nova
em plenário , em apelação, o mesmo órgão (prevento) mantenha a condenação que se proferiu
com base na mesma prova outrora dita duvidosa.
BIBLIOGRAFIA
LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013
OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de processo penal. 16ª edição. São Paulo: Atlas, 2012
RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de processo penal norte-americano. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 90.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal v. 4. 32ª edição. São Paulo: Saraiva,
2010