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Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S5-S11 5 ARTIGO DE REVISÃO Instituição: Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais Endereço para correspondência: Cássio da Cunha Ibiapina Avenida Professor Alfredo Balena, 190, Sala 4061 Belo Horizonte – MG, Brasil CEP: 30130-100 email: [email protected] 1 Hematologista da Fundação Hemominas 2 Hematologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil. 3 Acadêmicas de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil. 4 Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil. 5 Pneumologista Pediatrica do HC UFMG – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil. RESUMO A doença falciforme é a enfermidade monogênica mais comum no Brasil, sendo uma afecção sistêmica que potencialmente pode afetar vários órgãos e sistemas. O pulmão é um dos órgãos mais acometidos e as complicações na doença falciforme resultam em significante morbimortalidade na faixa pediátrica. Nesse contexto, o presente artigo apresenta as principais manifestações respiratórias da doença falciforme, em virtude da importância do diagnóstico precoce e da abordagem inicial por parte dos pediatras, especialmente da síndrome torácica aguda (STA), da hipertensão arterial pulmonar e da associação com a asma brônquica. O conhecimento por parte dos pediatras da abordagem adequada das manifestações respiratórias citadas no presente artigo de revisão é fundamental para o sucesso do tratamento, sendo também relevante o atendi- mento inicial adequado e o manejo do procedimento. Palavras-chave: Anemia Falciforme; Asma; Síndrome Torácica Aguda. ABSTRACT The Sickle Cell Disease is the most common inherited genetic disorder in Brazil being a systemic disease that can powerfully affect several organs and systems. The lungs are one of the most affected and the consequences of the Sickle Cell Disease result in a significant morbid-mortality in pediatric patients and, in this context, the present article presents the main pulmonary manifestations of the stated disease. The article also considers the impor- tance of an early diagnosis and the initial pediatric approach to these manifestations espe- cially in: the Acute Chest Syndrome, Pulmonary Hypertension and the association of Sickle Cell Disease with Asthma. The acknowledgment by the Pediatricians of these respiratory manifestations is fundamental for the success of the treatment, and the initial assessment and adequate management of the procedure are also extremely relevant. Key words: Sickle Cell Diseases; Asthma; Acute Chest Syndrome. INTRODUÇÃO A doença falciforme é a enfermidade monogênica mais comum no Brasil. Esti- ma-se que o número de indivíduos com o traço falciforme seja de 7.200.000, com prevalência na população geral entre 2 e 8%. 1 É caracterizada por mutação do gene da beta-hemoglobina, que resulta na subs- tituição do ácido glutâmico pela valina na cadeia beta-globulina, gerando uma he- moglobina anômala (HbS). Essa hemoglobina é menos solúvel que a hemoglobina normal, quando desoxigenada. A Hb S desoxigenada polimeriza, levando à forma- Pulmonary manifestations of sickle cell disease Ana Karine Vieira 1 , Márcia Kanadani Campos 2 , Isabella Aparecida de Araujo 3 , Graziella Câmara Santos Lopes 3 , Cássio da Cunha Ibiapina 4 , Sílvia de Sousa Campos Fernandes 5 Anemia falciforme e suas manifestações respiratórias

Traço falciforme

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Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S5-S11 5

artigo de revisão

Instituição:Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência:Cássio da Cunha IbiapinaAvenida Professor Alfredo Balena, 190, Sala 4061Belo Horizonte – MG, BrasilCEP: 30130-100email: [email protected]

1Hematologista da Fundação Hemominas2Hematologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.3Acadêmicas de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.4Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.5Pneumologista Pediatrica do HC UFMG – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

resUMo

A doença falciforme é a enfermidade monogênica mais comum no Brasil, sendo uma afecção sistêmica que potencialmente pode afetar vários órgãos e sistemas. O pulmão é um dos órgãos mais acometidos e as complicações na doença falciforme resultam em significante morbimortalidade na faixa pediátrica. Nesse contexto, o presente artigo apresenta as principais manifestações respiratórias da doença falciforme, em virtude da importância do diagnóstico precoce e da abordagem inicial por parte dos pediatras, especialmente da síndrome torácica aguda (STA), da hipertensão arterial pulmonar e da associação com a asma brônquica. O conhecimento por parte dos pediatras da abordagem adequada das manifestações respiratórias citadas no presente artigo de revisão é fundamental para o sucesso do tratamento, sendo também relevante o atendi-mento inicial adequado e o manejo do procedimento.

Palavras-chave: Anemia Falciforme; Asma; Síndrome Torácica Aguda.

aBstraCt

The Sickle Cell Disease is the most common inherited genetic disorder in Brazil being a systemic disease that can powerfully affect several organs and systems. The lungs are one of the most affected and the consequences of the Sickle Cell Disease result in a significant morbid-mortality in pediatric patients and, in this context, the present article presents the main pulmonary manifestations of the stated disease. The article also considers the impor-tance of an early diagnosis and the initial pediatric approach to these manifestations espe-cially in: the Acute Chest Syndrome, Pulmonary Hypertension and the association of Sickle Cell Disease with Asthma. The acknowledgment by the Pediatricians of these respiratory manifestations is fundamental for the success of the treatment, and the initial assessment and adequate management of the procedure are also extremely relevant.

Key words: Sickle Cell Diseases; Asthma; Acute Chest Syndrome.

iNtrodUÇão

A doença falciforme é a enfermidade monogênica mais comum no Brasil. Esti-ma-se que o número de indivíduos com o traço falciforme seja de 7.200.000, com prevalência na população geral entre 2 e 8%.1

É caracterizada por mutação do gene da beta-hemoglobina, que resulta na subs-tituição do ácido glutâmico pela valina na cadeia beta-globulina, gerando uma he-moglobina anômala (HbS). Essa hemoglobina é menos solúvel que a hemoglobina normal, quando desoxigenada. A Hb S desoxigenada polimeriza, levando à forma-

Pulmonary manifestations of sickle cell disease

Ana Karine Vieira1, Márcia Kanadani Campos2, Isabella Aparecida de Araujo3, Graziella Câmara Santos Lopes3, Cássio da Cunha Ibiapina4, Sílvia de Sousa Campos Fernandes5

Anemia falciforme e suas manifestações respiratórias

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portância do diagnóstico precoce e da abordagem inicial por parte dos pediatras.

síNdroMe toráCiCa agUda (sta)

A síndrome torácica aguda (STA) é a segunda causa de hospitalização na doença falciforme e é responsável por até 25% das causas de óbito. Após o primeiro episódio, há muitas chances de recorrência, sendo imperativo o diagnóstico preciso. É importan-te salientar que episódios repetidos estão associados ao desenvolvimento de doença pulmonar crônica e mortalidade precoce.3,4

A definição da STA é o aparecimento de um in-filtrado pulmonar novo acompanhado de febre e/ou outros sinais e sintomas respiratórios nos pacientes com doença falciforme. A incidência é mais alta nas crianças de menor idade com a forma homozigota (Hb SS), variando entre 3 e 25 por 100 pessoas/ano.4

A etiologia é multifatorial, sendo implicadas cau-sas infecciosas e não infecciosas. Nas causas infec-ciosas, citam-se bactérias, microrganismos atípicos e vírus; nas causas não infecciosas, a embolia gorduro-sa e o infarto pulmonar. Em elevado número de casos não é possível definir a etiologia.4

As bactérias mais comumente envolvidas são as Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae, porém esse perfil vem se modificando devido à ampla cobertura vacinal para esses patógenos. Série multicên-trica envolvendo acentuado número de pacientes pediá-tricos e adultos encontrou alta incidência de C. pneumo-niae, M. pneumoniae e vírus respiratório sincial.4,5

É importante ressaltar os dados de alguns estudos que demonstram que cerca de 50% dos pacientes com STA são admitidos no hospital por outras causas, sen-do a mais comum por crise vaso-oclusiva. Os sintomas da STA apareceram, em média, 2,5 dias após a admis-são. A crise álgica pode ser um pródromo da síndro-me torácica aguda, sendo necessárias reavaliações clínicas e radiológicas frequentes para identificação precoce da doença. Existe correlação entre síndrome torácica aguda e complicações neurológicas como alteração do estado mental, crises convulsivas e anor-malidades neuromusculares. Ademais, aumenta-se o risco de acidente vascular cerebral devido à hipóxia.5

As Figuras 1, 2, 3 e 4 ilustram a radiografia inicial à admissão, com evolução para quadro grave de sín-drome torácica aguda que, com adequada aborda-gem, evoluiu muito bem.

ção de hemácias com forma anômala. Essa forma de foice é mais rígida e densa, com tendência à obstru-ção da microvasculatura. Há que se considerar, ain-da, que as hemácias que contêm Hb S estão constan-temente expostas a danos mecânicos que levam ao estado de hemólise intravascular crônica.1,2

Na literatura especializada, existe tendência a di-vidir a doença falciforme em subfenótipos. Um seria o fenótipo cujos pacientes têm tendência a hipervis-cosidade e vaso-oclusão. Esses indivíduos teriam concentração de hemoglobina mais elevada e esta-riam mais sujeitos a crises álgicas, síndrome toráci-ca aguda e osteonecrose. O outro subfenótipo seria o dos pacientes com tendência a hemólise crônica mais grave e anemia mais acentuada.1,2

A hemólise crônica varia de intensidade de acor-do com os genótipos, sendo mais grave na forma homozigota da doença (HbSS) e menos grave nos indivíduos que são afetados concomitantemente pela alfa-talassemia. O grau de hemólise pode ser avalia-do pela contagem de reticulócitos, nível de bilirrubi-na indireta e concentração de desidrogenas láctico. A anemia hemolítica está implicada em algumas complicações da doença falciforme, pois diminui a biodisponibilidade do óxido nítrico (ON). O ON de-sempenha importante papel no relaxamento da mus-culatura endotelial, que leva à vasodilatação, além de exercer efeito antiagregante, antitrombótico e an-tioxidante. A hemoglobina livre no plasma resultado da destruição eritrocitária consome o ON, gerando meta-hemoglobina e nitrato bioativo. Outro mecanis-mo que diminui o ON seria a liberação de arginase pelas hemácias lisadas que, por sua vez, quebra a L--arginina, que é um substrato para a formação do ON. Dessa forma, ocorre tendência ao desequilíbrio, com vasoconstrição e consequente proliferação endote-lial. Ademais, a redução na biodisponibilidade do ON na anemia falciforme está associada a algumas manifestações da doença, como hipertensão pulmo-nar, priapismo, úlcera de membros inferiores e, possi-velmente, acidente vascular isquêmico.3

A doença falciforme é uma afecção sistêmica que potencialmente pode atingir vários órgãos como pulmão, rins, sistema nervoso central e sistema car-diovascular. O pulmão é um dos órgãos mais aco-metidos e as complicações na doença falciforme resultam em significativa morbimortalidade na faixa pediátrica. Nesse cenário, o presente artigo tem por objetivo apresentar as principais manifestações res-piratórias da doença falciforme, em virtude da im-

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apresentaram-se mais comumente com crises dolo-rosas concomitantes ou prévias à STA. Na ausculta pulmonar, os sinais mais encontrados foram crepita-ções e diminuição do murmúrio respiratório, porém o exame físico foi normal em 35% dos casos. A mor-talidade geral foi de 1,8%, com marcante diferença entre as faixas etárias. No grupo com faixa etária abaixo de 20 anos, foi de 1,1% e nos adultos 4,3%.6

Em relação ao tratamento ideal, esse tópico ain-da não é completamente estabelecido. O uso de cor-

O Estudo Cooperativo de Doença Falciforme nos Estados Unidos apresentou dados de mais de 3.751 pacientes portadores de doença falciforme e estudou a síndrome torácica aguda.6 Os sintomas mais comu-mente encontrados foram febre, tosse e dor torácica. A frequência dos sintomas variou conforme as faixas etárias, sendo febre e tosse mais comuns entre as crianças menores (dois a quatro anos), a incidência de dor torácica, dispneia, calafrios, tosse produtiva e hemoptise foi aumentando com a idade. Os adultos

Figuras 1 e 2 - Radiografias de tórax em PA e perfil mostrando padrão intersticial peribrônquico com imagem de opacidade em faixa, de aspecto triangular, localizada em segmento lateral do lobo superior direito.

Figuras 3 e 4 - Radiografia de tórax em PA e perfil mostrando opacidade alveolar importante em todo lobo superior direito, com infiltrado intersticial difuso em ambos campos pleuropulomonares e cefalização de fluxo.

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uma das maiores causas de morbimortalidade nos adultos com hemoglobinopatias, incluindo a anemia falciforme e talassemia. Estudos recentes vêm sendo publicados para elucidar o papel da hipertensão pul-monar na faixa etária pediátrica.6,7

A definição da HAP seria aumento na pressão ar-terial pulmonar e da resistência vascular pulmonar. A prevalência de hipertensão pulmonar diagnosticada por ecocardiografia chega a 30% nos adultos porta-dores de doença falciforme. Em pesquisas de autóp-sia, esse número aumenta para 75%.3,9 Vários estudos retrospectivos mostram que pacientes com anemia falciforme que tenham hipertensão pulmonar têm pior prognóstico.8 O sintoma mais comum é a disp-neia progressiva, que muitas vezes é confundida com a sintomatologia da doença de base.

A hipertensão pulmonar parece representar a manifestação pulmonar da vasculopatia sistêmica encontrada na anemia falciforme juntamente com o priapismo, o acidente vascular cerebral e a falên-cia renal. A fisiopatogenia da hipertensão pulmonar provavelmente está relacionada à hemólise crônica, causando disfunção endotelial e estresse oxidativo/inflamatório, hipóxia crônica, troboembolismo crôni-co, doença hepática crônica, sobrecarga de ferro e asplenia.9

A hémolise crônica leva à diminuição da biodis-ponibilidade do óxido nítrico (ON), que é um radical livre com propriedades biológicas únicas, produzido pela célula endotelial que, em última análise, vai pro-duzir vasodilatação. A hemoglobina livre no plasma, produto da lise eritrocitária, reage com o ON produ-

ticosteroide parece ter benefício na síndrome toráci-ca aguda moderada a grave, porém está associada a rebote de crise vaso-oclusiva e alta taxa de reinter-nação hospitalar. A transfusão sanguínea simples ou exsanguineotransfusão deverá ser realizada em caso de hipoxemia e essa prática parece diminuir o tempo de internação e a chance de reinternação.4 Tanto a transfusão simples como a exsanguineotransfusão resultam em melhora da oxigenação, porém deve-se evitar exagerado aumento na concentração de hemo-globina, devido ao risco de elevação da hiperviscosi-dade sanguínea.

O uso de antibioticoterapia é imperativo, utili-zando-se antimicrobiano de espectro ampliado e cobertura para microrganismos atípicos. Deve-se sempre tentar identificar o patógeno envolvido com base em culturas e, nos casos mais graves e com suspeita de embolia gordurosa, a broncoscopia de-verá ser realizada.6

Os brocodilatadores devem ser usados em pa-cientes com hiper-reatividade de vias aéreas, sen-do que alguns autores sugerem o uso para todos os pacientes.6

Quanto à analgesia e à hiper-hidratação, elas de-vem ser usadas de maneira criteriosa, devido ao risco de piora do quadro clínico. Os narcóticos podem le-var a hipoventilação e atelectasia; e a hiper-hidrata-ção ao quadro de congestão pulmonar.6

Na literatura existem relatos isolados de uso de inalação de óxido nítrico para os casos refratários, com sucesso.6

O diagnóstico preciso de síndrome torácica agu-da é extremamente importante, uma vez que a re-corrência é muito comum. É interessante salientar que o esquema de hipertransfusão e o uso de hidro-xiureia são eficazes na prevenção de novos episó-dios. O transplante de medula óssea também tem papel promissor nos pacientes mais graves e com muitas recidivas.6,7

A Tabela 1 apresenta o sumário da abordagem a pacientes com STA.

HiperteNsão arterial pUlMoNar (Hap)

O avanço no tratamento da doença falciforme le-vou ao aumento da sobrevida e, consequentemente, ao reconhecimento de novas complicações da do-ença. Entre elas, a hipertensão arterial pulmonar é umas das complicações graves que vêm se tornando

Tabela 1 – Sumário da abordagem de pacientes com STA

tratamento recomendação

oxigenioterapia Manter saturimetria acima de 92% e/ou po2 > 70

analgesia Usar com cautela

antibioticoterapiaBactérias encapsulasClamydophila pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae

transfusão Hipóxia persistente po2 < 75 mmHg ou queda de 25% em relação a po2 basal

exsanguineotransfusãoNas condições acima citadas para a transfusão nos casos com hemoglobina acima de 8 g/dl

Broncodilatador devem era usados em pacientes com broncoespasmo

Hiper-hidratação Manter paciente hidratadoatenção aos pacientes predispostos à iCC

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bilirrubina indireta aumentada). Achado de hipóxia, isoladamente, também estava associado ao aumento da JRT.10 Numa perspectiva semelhante, estudo con-duzido por Colombatti et al.12 acompanhou 75 crian-ças abaixo de 10 anos com doença falciforme. Encon-trou-se prevalência de 21,6% de JRT > 2,5m/s.13 Essa prevalência, mais alta que a do estudo anterior, prova-velmente pode ser explicada pela população estuda-da, que era composta de 85% de imigrantes africanos. É amplamente conhecido que a doença falciforme tem ampla variação fenotípica entre as populações. Alguns grupos étnicos expressam mais gravidade das manifestações da doença. É importante salientar que este estudo, oportuno e original, acompanhou popu-lação de crianças mais jovens, sugerindo que os sinais de hipertensão pulmonar aparecem de maneira pre-coce na infância, diferentemente do que era descrito na literatura. Dessa forma, recomendou-se a realiza-ção anual da ecocardiogafia a partir de três anos para todas as crianças com doença falciforme.13

A Tabela 2 apresenta o sumário da abordagem de pacientes com HAP.

O tratamento da hipertensão pulmonar na ane-mia falciforme ainda é pouco estudado. Existem difi-culdades de se utilizarem fármacos específicos para a hipertensão pulmonar, devido às particularidades fisiopatológicas da anemia falciforme, como baixa concentração de hemoglobina e alto débito cardí-aco. Deve-se sempre enfatizar o caráter preventivo, com a identificação precoce dos sinais de hiperten-são pulmonar. É possível, então, adotar medidas para diminuição da hemólise, como o uso de hidroxiureia e hipertransfusão crônica.9

zindo meta-hemoglobina. Há, consequentemente, limitação da vasodilatação. A vaconstrição leva ao estresse oxidativo/inflamatório e angiogênese. Outro mecanismo seria a liberação de arginase a partir da destruição eritrocitária que metaboliza a L. arginina para a produção de ON. É interessante observar que estudos iniciais sugerem que o uso de arginina pa-rece melhorar a hipertensão pulmonar em pacientes com doença falciforme. Esses mecanismos contri-buem para o desenvolvimento progressivo da vascu-lopatia da doença falciforme, caracterizada por vaso-constrição, hiperplasia da camada íntima e muscular endotelial e trombose.3

A esplenectomia parece ser um fator de risco de desenvolvimento da hipertensão pulmonar. A retira-da do baço ou a asplenia funcional aumenta a cir-culação de mediadores plaquetários e eritrocitários, que levariam à ativação plaquetária com adesão ao endotélio vascular e trombose.8 O priapismo também foi identificado como fator de risco de HP, na verda-de podendo ser tão somente uma associação de qua-dros clínicos com base fisiopatológica comuns.8,9

Atualmente, vem-se tentando realizar métodos de screening para detecção precoce da hipertensão pulmonar. Um deles é a medida de velocidade do jato de regurgitação da tricúspide (JRT) para estimar-se a pressão arterial pulmonar sistólica. É uma medida simples, com boa correlação com a medida da pres-são arterial pulmonar através do cateterismo cardía-co direito, que é o padrão-ouro para o diagnóstico. A JRT > 2,5 m/s corresponde à pressão arterial sistólica de 30 mmHg, que é o proposto para a definição de hipertensão pulmonar. Para a realização dessa me-dida, o paciente deve estar em estado clínico estável, sem ter tido eventos agudos da doença falciforme, como crises vaso-oclusivas ou síndrome torácica aguda nas últimas semanas.8

Estudos conduzidos na população adulta eviden-ciaram que JRT > 2,5 m/s foi marcador independente de risco de morte, com risco relativo de 10,1 em rela-ção aos pacientes com JRT < 2,5m/s.10

A prevalência e a evolução do aumento da velo-cidade de regurgitação na tricúspide (JRT > 2,5 m/s) na infância ainda vêm sendo estudadas. Minniti et al.11

analisaram o perfil ecocardiográfico de 600 crianças e adolescentes (< 20 anos) norte-americanas portado-ras de anemia falciforme e encontraram JRT > 2,6 m/s em 11%. Em relação aos sinais de hemólise crônica, eles encontram-se aumentados (contagem elevada de reticulócitos, LDH, transaminases e concentração de

Tabela 2 – Sumário da abordagem de pacientes com HAP

diagnóstico recomendação

ecocardiografia anual

teste de caminhada em 6 minutos

ainda não validado para hemoglobinopatias, porém pode ser usado para acompanhamento, após instituição do tratamento

exames laboratoriais

afastar doenças do colágenosorologias para as hepatites virais e HivFunção hepática, cinética de ferro

Cintilografia pulmonar avaliação do trombembolismo pulmonar crônico hipertensivo

oximetria noturna identificação da desaturação noturna

Cateterismo cardíaco Medida direta da pressão da artéria pulmonar

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Asma brônquica e doença falciforme

O diagnóstico de asma brônquica em pacientes com doença falciforme está associado ao aumento de crises álgicas, síndrome torácica aguda e morte. Dessa forma, torna-se evidente a importância do diagnóstico precoce e adequado, objetivando otimi-zação do tratamento profilático.12

Estudos demonstram que crianças com asma brô-nquica têm risco aumentado de desenvolver síndrome torácica aguda quando admitidas no hospital com cri-se álgica.13 Essa relação de asma e síndrome torácica aguda não está tão bem documentada na população adulta. A explicação é que se trata, provavelmente, de duas doenças inflamatórias. A inflamação das vias aé-reas da asma levaria à potencialização da inflamação vascular resultando em vaso-oclusão. Outro ponto le-vantado seria a baixa ventilação/perfusão, levando à hipóxia e, consequentemente, à vaso-oclusão.12,14

Na revisão bibliográfica realizada não foram encontrados protocolos ou guias de tratamento es-pecíficos de manejo da asma brônquica na anemia falciforme, porém, devido à importância dessa asso-ciação, há recomendação de avaliação criteriosa de asma tanto para adultos quanto para crianças com anemia falciforme.15,16

CoNsideraÇões FiNais

São inegáveis os avanços que propiciaram longe-vidade e qualidade de vida às pessoas com a condi-ção17-22, principalmente nos últimos cinco anos, com a implementação das ações da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falcifor-me.18 Entretanto, é importante salientar que os co-nhecimentos, por parte dos pediatras, da abordagem adequada das manifestações respiratórias citadas no presente artigo de revisão são fundamentais para o sucesso do tratamento, especialmente na abordagem a intercorrências clínicas, quando o atendimento ini-cial é geralmente feito pelos pediatras. O manejo ade-quado é peça chave para o sucesso do tratamento.

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Artigo de revisão

Instituição:Ambulatório São Vicente do Hospital das Clínicas da

Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência:Juliana Gurgel Giannetti

Av. Alfredo Balena, 190 – Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG – Brasil

CEP: 30130100E-mail: [email protected]

1 Fisioterapeuta, mestre em Ciências da Saúde pela Facul-dade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Professora Adjunta doutora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade

Federal de Minas Gerais-UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

resUMo

As doenças neuromusculares acometem a unidade motora, podendo comprometer os neu-rônios do corno anterior da medula, as raízes nervosas e os nervos periféricos, a junção neuromuscular ou o músculo. Podem ser de origem genética ou adquirida. Na infância predominam as de origem genética, sendo as mais frequentes a distrofia muscular tipo Du-chenne e a amiotrofia espinhal progressiva. Vários métodos e escalas foram propostos para a avaliação e acompanhamento aos pacientes com doenças neuromusculares, tais como a escala de força manual, conhecida como medical research counsil (MRC), a goniometria e escalas funcionais. Entre as escalas funcionais, destaca-se a escala medida da função motora (MFM), uma vez que ela pode ser utilizada em qualquer doença neuromuscular, é de fácil aplicação e de baixo custo. O presente estudo é uma revisão bibliográfica não sistemática sobre as doenças neuromusculares mais comuns na infância e os instrumentos de medida úteis na avaliação dos pacientes portadores dessas doenças.

Palavras-chave: Doenças Neuromusculares; Transtornos Musculares Atróficos Ativida-de Motora; Escalas; Escala Medical Research Council.

ABstrACt

The neuromuscular diseases affect the motor unit, and may compromise the neurons of the anterior horn of the spinal cord, the nerves’ roots and the peripheral nerves, the neuromus-cular junction or the muscle. They can have genetic or acquired origin. The genetic origin diseases predominate in childhood, and the most frequent are the Duchenne muscular dys-trophy and the spinal muscular atrophy. Several methods and scales were proposed for the assessment and monitoring of patients with neuromuscular diseases, such as the manual strength know as medical research council (MRC), the goniometry and the functional scales. Among the functional scales the motor function measure (MFM) is noteworthy, as it can be used in any neuromuscular disease, is easily applicable and has low cost. This study is a bibliographic review on the most common neuromuscular diseases in childhood and the useful measuring instruments for the assessment of patients with these diseases.

Key words: Neuromuscular Diseases; Muscular Disorders, Atrophic; Motor Activity; Scales; Medical Research Council Scale.

iNtrodUÇão

As doenças neuromusculares são afecções que acometem a unidade motora, podendo comprometer os neurônios do corno anterior da medula, a raiz nervosa e os nervos periféricos, a junção neuromuscular ou o músculo.

Neuromuscular diseases and usefull instruments in the motor evaluation of children and adolescents

Gabriela Palhares Campolina Diniz1, Laura Maria de Lima Belizário Facury Lasmar2, Juliana Gurgel Giannetti2

Doenças neuromusculares e instrumentos úteis na avaliação motora em crianças e adolescentes

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Doenças neuromusculares e instrumentos úteis na avaliação motora em crianças e adolescentes

revisão dA literAtUrA

Semiologia das doenças neuromusculares

O primeiro passo na avaliação do paciente com doenças neurológicas é o reconhecimento dos sinais neurológicos e sua classificação nas várias síndro-mes neurológicas, uma vez que, quando reconhe-cidas, organiza-se a propedêutica a ser realizada e, consequentemente, o estabelecimento do diagnósti-co é facilitado.

Classicamente, diante de um paciente com fraque-za muscular, duas síndromes motoras devem ser dife-renciadas com base nos sinais neurológicos encontra-dos (Tabela 1): a síndrome do neurônio motor superior e a síndrome do neurônio motor inferior. A primeira revela-se com fraqueza muscular associada a hiperto-nia, hiperreflexia e sinal de Babinski, ao contrário da segunda, cuja fraqueza muscular é mais acentuada e associa-se a hipotonia, hipo ou arreflexia tendínea.6

As doenças neuromusculares, como descrito em sua própria definição, acometem a unidade motora. Portanto, manifestam-se clinicamente como a sín-drome do neurônio motor inferior. De acordo com sinais neurológicos mais específicos, pode-se inferir a topografia da lesão na unidade motora (Tabela 2). Desta forma, destaca-se que o predomínio proximal da fraqueza muscular é observado principalmente nas doenças musculares, enquanto que o déficit de força distal sugere envolvimento do nervo. A presença de fasciculações indica lesões no corno anterior, enquan-to que a fatigabilidade pode estar associada a lesões na junção mioneural. Os reflexos osteodentíneos são normais nas doenças que acometem a junção mioneu-ral (ex: miastenia gravis), mas frequentemente estão diminuídos ou ausentes nas demais localizações.6

A estimativa é de que uma em cada 3.000 pessoas apresente algum tipo de doença neuromuscular1. Nos Estados Unidos, a prevalência estimada de pessoas com doenças neuromusculares é de 400.000 pesso-as.2 As doenças neuromusculares (DNMs) podem ser classificadas em genéticas ou adquiridas.

Na infância, as doenças neuromusculares mais comuns são de origem genética, entre as quais se destacam a distrofia muscular de Duchenne (DMD), que apresenta incidência em torno de 1:3.500 nasci-dos do sexo masculino, e a amiotrofia espinhal pro-gressiva, cuja incidência é de 1 para 10.000 a 12.000.3

Nas últimas décadas, o acentuado avanço no co-nhecimento fisiopatológico e genético das doenças neuromusculares culminou com algumas perspec-tivas de tratamento: estudos-pilotos utilizando dife-rentes drogas para tratamento da amiotrofia espinhal progressiva (AEP) a partir de dados moleculares que realçaram a importância do gene SMN24 e o uso do PTC124 e dos oligonucleotídeos antisense para o tra-tamento da DMD5.

Desta forma, ressalta-se a importância dos estu-dos e desenvolvimento de instrumentos de medidas para avaliar de forma mais objetiva a função motora tanto para acompanhar individualmente os pacientes como também para avaliar a resposta aos tratamen-tos que estão surgindo.

É importante que os pacientes com DNM sejam acompanhados por equipe multidisciplinar em cen-tros especializados, mas mantenham seu víncu-lo com os profissionais de saúde da família da sua unidade básica de saúde (UBS) e o diálogo entre o centro especializado e a UBS seja contínuo. Essa re-visão tem o objetivo de fornecer instrumentos para a avaliação de crianças e adolescentes com doenças neuromusculares.

Tabela 1 – Diferenças semiológicas entre síndrome do neurônio motor superior e inferior

sintomas síndrome do neurônio motor superior síndrome do neurônio motor inferior

Fraqueza Presente Presente e mais acentuada

Tônus Aumentado (hipertonia elástica) Diminuída ou normal

Reflexos osteotendíneos Aumentados (hiperativos) Diminuídos (hipoativos/abolidos)

Trofismo muscular Pouca atrofia (tardia) Atrofia leve a grave

Fasciculação Ausente Presente (lesões do corno anterior)

Distribuição da fraqueza Em grupo/distal Focal ou generalizada

Reflexo cutâneo abdominal Ausente Presente (ausente nas lesões dos nervos abdominais)

Reflexo cutâneo plantar Em extensão (sinal de Babinski) Em flexão ou abolido

Fonte: Adaptado Mutarelli (2000)6.

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Doenças neuromusculares e instrumentos uteis na avaliação motora em crianças e adolescentes

Clinicamente, manifesta-se por hipotonia global e fraqueza muscular, que é simétrica e proximal, sendo que os membros inferiores são mais afetados do que os superiores e estes, por sua vez, mais afetados do que a musculatura facial e o diafragma. Há variabili-dade na gravidade do fenótipo.4,10

A classificação internacional da AEP é baseada na idade de início da doença e capacidade funcional máxima atingida. A amiotrofia espinhal grave (tipo 0) é rara e requer suporte ventilatório ao nascimento, sendo muito restrita a expectativa de vida. A artro-gripose múltipla congênita pode estar presente como um sinal clínico desse fenótipo.10

Cerca de 50% dos pacientes com AEP são porta-dores do tipo I, também chamada de doença de Wer-ning-Hoffman. É caracterizada por grave fraqueza e hipotonia ao nascimento ou nos primeiros seis meses de vida. Os pacientes só conseguem assentar-se com suporte e geralmente o óbito ocorre devido à insufici-ência respiratória nos dois primeiros anos de vida, se não houver suporte ventilatório. Os recém-nascidos apresentam hipotonia e tipicamente têm paralisia flá-cida simétrica.10

Já a amiotrofia espinhal tipo II tem início depois de seis meses e antes de um ano e meio de idade. Nesse caso, as crianças adquirem a capacidade de assentar-se independentemente, mas não de ficar de pé ou deambular; e pode ocorrer tremor das mãos.10 A fraqueza resulta em complicações ortopédicas e respiratórias. O prognóstico depende do comprome-timento respiratório.

A amiotrofia espinhal tipo III, também referida como doença de Kulgelberg-Wellader, tem início entre 18 meses de idade e no início da infância. A expectativa de vida desse grupo geralmente não é reduzida. Todos os pacientes adquirem capacida-de para deambulação, entretanto, podem tornar-se dependentes de cadeira de rodas durante a ado-lescência ou quando adultos. Essa perda ocorre

Classificação das doenças neuromusculares

As doenças neuromusculares, de origem genética ou adquirida, são classificadas de acordo com a locali-zação da lesão na unidade motora: neurônios motores do corno anterior da medula, raiz nervosa, nervo peri-férico, junção mioneural ou a fibra muscular. Na infân-cia, as principais doenças que acometem o neurônio motor do corno anterior da medula são a atrofia espi-nhal progressiva (I, II, III) e as enteroviroses (polio-li-ke). A síndrome de Guillain Barré e as polineuropatias sentitivo-motoras (doença de Charcot-Marrie-Tooth) são exemplos de doenças que acometem a raiz ner-vosa e o nervo periférico. O envolvimento da junção mioneural é observado nas síndromes miastênicas congênitas, bem como na miastenia gravis e no botu-lismo. Nas miopatias e distrofias musculares há aco-metimento da fibra muscular (ex: distrofia muscular de Duchenne e Becker, distrofia miotônica, miopatias congênitas miopatias metabólicas e inflamatórias).7

Amiotrofia espinhal progressiva

A amiotrofia espinhal progressiva (AEP) é uma doença autossômica recessiva causada por deleções ou mutações pontuais do gene SMN 1 (survival motor neuron), que leva à degeneração dos motoneurônios no corno anterior da medula espinhal. É a segunda doença neuromuscular mais comum na infância, atingindo aproximadamente 1:10.000-1:12.000 crian-ças.8 A frequência de portadores é de 1:50.4

É uma doença progressiva que combina a intera-ção entre o processo patogênico primário, que é a perda de motoneurônios, juntamente com o processo fisiológico secundário, caracterizado pela reinervação colateral.9 Os sintomas da AEP refletem a degeneração dos neurônios motores e dos núcleos dos nervos cra-nianos, que geram fraqueza muscular e atrofia.10

Tabela 2 – Topografia da lesão no neurônio motor inferior e sinais clínicos

topografia Corno Anterior Nervo Junção Mioneural Músculo

Fraqueza Focal, pode ser assimétrica Focal e distal Difusa Difusa e proximal em membros

Tônus Flácido Flácido Normal Flácido

Atrofia Presente (acentuada e precoce) Presente Ausente Presente e tardia

Fasciculação Presente Ausente Ausente Ausente

Reflexos osteotendíneos Diminuído ou ausente Diminuído ou ausente Normal Diminuído ou ausente

Distúrbio de sensibilidade Ausente Presente Ausente Ausente

Fonte: Adaptado de Mutarelli (2000)6.

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Distrofia muscular de Duchenne/Becker

A distrofia de Duchenne (DMD) é uma forma de distrofia muscular progressiva, com herança recessi-va ligada ao cromossomo X. É a doença neuromuscu-lar mais comum na infância, com incidência de um em cada 3.000 a 3.500 nascimentos do sexo masculi-no. Já a distrofia tipo Becker (DMB), alélica à DMD, é cerca de 10 vezes mais rara.11

Clinicamente a diferença entre essas duas formas está na idade de início e velocidade de progressão da doença. Na DMD, os sinais clínicos iniciam-se en-tre três e cinco anos de idade, caracterizados como quedas frequentes, dificuldades para subir escadas, correr e levantar-se do chão. A fraqueza muscular é simétrica e acomete inicialmente extensores da coxa e da coluna. Tal comprometimento clinicamente ma-nifesta-se pelo sinal de Gowers e marcha anserina, com acentuação da lordose e báscula de bacia. Com a progressão da doença, há comprometimento da musculatura dos membros superiores inicialmente proximais e depois dos grupos distais.12

A perda da capacidade de deambulação levando ao confinamento em cadeira de rodas ocorre geral-mente até 12 anos de idade. O comprometimento dos músculos intercostais verifica-se tardiamente e altera a dinâmica respiratória. Além disso, nota-se envolvimento da musculatura cardíaca, além de pro-blemas ortopédicos, como escoliose, que surgem ge-ralmente em fase mais avançada da doença.14 Cerca de 30 a 50% dos pacientes com DMD têm déficit cog-nitivo de intensidade variável. Os afetados raramente sobrevivem após a terceira década sem suporte ven-tilatório. Já na DMB, os sintomas iniciam-se em geral na segunda década, os afetados mantêm a marcha após os 16 anos e a velocidade de progressão é ex-tremamente variável.11

O produto gênico da DMD e da DMB é uma proteína do citoesqueleto da membrana da fibra muscular denominada distrofina, cuja função mais provável é manter a estabilidade da membrana da célula muscular.11

Cerca de 60% dos casos de DMD e DMB são cau-sados por deleções no gene da distrofina, 5 a 6% são duplicações e o restante são mutações de ponto.15 A diferença entre DMD e DMB depende da manuten-ção ou não do quadro de leitura de ácido ribonu-cleico mensageiro (RNAm). Na DMB a deleção é em fase, isto é, o quadro de leitura do RNAm é mantido e tem-se como resultado uma proteína quantitativa-

porque, apesar da fraqueza por si só não progre-dir, a perda funcional pode acontecer devido ao aumento do tamanho corporal, sem haver, contu-do, aumento para suprir essa demanda extra.8 Es-ses pacientes apresentam fraqueza muscular leve a moderada da musculatura proximal, que pode causar dificuldade para subir escadas e levantar--se do chão. Ocasionalmente, pode registrar-se pseudo-hipertrofia de panturilhas e aumento dos níveis sanguíneos de creatinofosfoquinase (CPK). Esses casos são também descritos como forma pseudomiopática e podem simular quadro de dis-trofia muscular de Duchenne.4,8,10

A AEP tipo IV apresenta heterogeneidade genéti-ca, ou seja, nem sempre é causada por deleções no gene SMN1. A forma de herança é variada, podendo haver herança autossômica dominante. O fenótipo usualmente está associado à fraqueza que se inicia após os cinco anos. Os pacientes não perdem a de-ambulação quando adultos, a fraqueza é moderada e complicações respiratórias são menos comuns.

Outras formas de AEP incluem amiotrofia espi-nhal com estresse respiratório (SMARD), amiotro-fia espinhal e bulbar (doença de Kennedy), AEP com hipoplasia ponto cerebelar tipo 1 e amiotrofia espinhal distal.10

A AEP é causada por diferentes tipos de muta-ções na cópia telomérica do gene SMN1, sendo que em torno de 95% dos casos o defeito genético é uma deleção dos exons 7 (lócus 5q 12.2-q13.3). A cópia centromérica é o gene SMN2, que pode estar ausente em 5 a 10% da população normal, entretanto, sempre está presente nos pacientes com AEP. O número de cópias do gene SMN2 está relacionado à gravidade da doença. A maioria dos pacientes com AEP tipo 1 possui uma a duas cópias do gene SMN2, a maioria dos pacientes com AEP tipo 2 possui três cópias do SMN2 e os pacientes com AEP tipo III possuem três a quatro cópias do gene SMN24.

Com o avanço da Biologia Molecular e da Ge-nética, alguns tratamentos começaram a ser pro-postos. Um deles é aumentar os níveis de proteí-nas SMN. As estratégias usadas seriam ativação da expressão gênica do SMN2, prevenção da deleção do exon 7 e estabilização da proteína SMN. Outra estratégia é a identificação de medicamentos que possam promover neuroproteção, substituição do SMN1 usando terapia gênica e substituição de neurônios motores ou células musculares usando células-tronco.10

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Doenças neuromusculares e instrumentos uteis na avaliação motora em crianças e adolescentes

de fase. O RNA mensageiro resultante codifica uma proteína funcionante. Ensaios clínicos envolvendo pacientes com DMD estão sendo conduzidos na Eu-ropa e encontram-se em fase I/II. A segunda forma de tratamento, ou seja, a supressão de mutações que levam à parada de leitura prematura (stop códon) traduz-se na utilização do PTC124 (ataluren). Essa droga permite a leitura do RNA mensageiro pelo ri-bossoma, que não identifica tais mutações, levando à formação de uma proteína funcional com troca de apenas um aminoácido. Na atualidade, os ensaios clínicos com o PTC124, em pacientes com DMD, en-contram-se em fase IIb.5

Métodos de AvAliAÇão

Na busca de instrumentos de avaliação que per-mitam acompanhamento que traga dados mais ob-jetivos ou quantifique a progressão do quadro clíni-co de pacientes com DNM, diversos métodos foram propostos. Entre eles, citam-se as avaliações de força muscular realizadas pela escala Medical Research Council (MRC) ou por meio de dinamômetro, esca-las de avaliação funcional, avaliações de amplitudes articulares (goniometria) e avaliações de função pul-monar. Todas surgiram com a finalidade de avaliar a progressão da doença e a resposta a possíveis trata-mentos instituídos.

Escala manual de força muscular (Medical Research Council)

A escala Medical Research Council (MRC) foi de-senvolvida originalmente e utilizada durante a Segun-da Guerra Mundial com o objetivo de graduar a for-ça muscular utilizando-se os seguintes indicadores: 0=sem contração muscular; 1=contração discreta; 2=movimento ativo no plano horizontal; 3=movimen-to ativo contra a gravidade; 4=movimento ativo con-tra a resistência; 5=força muscular normal.

Em geral, a avaliação clínica rotineira de força muscular em pacientes com doenças neuromuscu-lares é feita por meio dessa escala. Sua importância para medir a força muscular vem sendo evidenciada desde 1981, a partir de um protocolo feito por Brooke et al.18 para avaliação de meninos com distrofia mus-cular de Duchenne que, além de outras medidas, afe-riu a força muscular por intermédio da MRC.

mente reduzida ou deletada internamente, mas par-cialmente funcional. Já na DMD a deleção é fora de fase, ou seja, o quadro de leitura do RNAm não é mantido, tem-se uma proteína muito alterada e que é rapidamente degradada. Além disso, o sítio da de-leção é muito importante na determinação da gra-vidade do quadro clínico. Deleções nas regiões de ligação da distrofina a outras proteínas (região C ter-minal e N terminal) resultam, na maioria dos casos, em quadros mais graves.15

Aproximadamente 1/3 dos casos de DMD é causa-do por mutações novas e 2/3 são herdados de mães portadoras.13 A maioria (mais de 90%) das mulheres portadoras de mutações no gene da distrofina é as-sintomática. Entretanto, essas mulheres têm risco de 50% de passar o gene defeituoso para sua descen-dência, isto é, metade dos filhos pode ser doente e metade das filhas portadora do defeito genético que, geralmente, não apresenta sinais clínicos da doença.

Atualmente, o diagnóstico de DMD/DMB pode ser confirmado a partir de estudo molecular do gene da distrofina, que com base na técnica utiliza-da pode revelar deleções e duplicações (reação em cadeia de polimerase – PCR multiplex ou Multiplex ligation-dependent probe amplification – MLPA) ou por meio de estudo imuno-histoquímico da proteína em tecido muscular.11

As mutações de ponto só podem ser identificadas a partir do sequenciamento do gene, o que é muito dispendioso devido ao tamanho do gene.

Na prática clínica, atualmente, o tratamento da DMD consiste no uso de corticoterapia, cujo bene-fício está no prolongamento do tempo de deambu-lação, associada à fisioterapia motora e respirató-ria. Além disso, verificou-se significativo avanço no acompanhamento da função pulmonar e cardíaca desses pacientes, a partir de medidas preventivas, su-porte ventilatório não invasivo e uso de drogas (enzi-ma conversora de angiotensina - IECA) que causam o remodelamento da fibrose miocárdica. Tais medidas modificaram a história natural da doença e hoje a so-brevida desses pacientes é maior.16,17

Hoje novas perspectivas de tratamento capazes de corrigir o defeito genético estão surgindo. Entre elas, citam-se o deleção e a supressão de mutações que levam à parada de leitura prematura (stop có-don). A primeira consiste na utilização de oligonu-cleotídeos antisense em pacientes com deleções de um exon, removendo os exons seguintes, que con-têm mutação de parada de leitura ou mutação fora

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Doenças neuromusculares e instrumentos úteis na avaliação motora em crianças e adolescentes

recimento dessas contraturas pôde ser retardado naquelas que continuaram a deambular com ajuda de tutor. As crianças que perderam a marcha desen-volveram contraturas de quadril e joelho. Entretanto, quando elas eram mantidas na posição de pé com a ajuda de órteses, as contraturas mostraram-se meno-res. Já a contratura em flexão plantar se desenvolveu precocemente.19 Os autores sugeriram a inclusão da goniometria como um dos métodos a serem utiliza-dos na elaboração de um protocolo de avaliação de crianças com DMD.19

Desta forma, ressalta-se que o acompanhamento das contraturas articulares é fundamental na ava-liação fisioterápica de pacientes com doenças neu-romusculares, uma vez que esses encurtamentos podem ser a causa de perda da função motora, que pode estar associada ou não à diminuição da força muscular.

Escalas funcionais

A análise dos déficits motores e particularmente da força muscular é usada frequentemente no acom-panhamento a pacientes com DNM. Entretanto, a ava-liação de força muscular isolada não reflete as habili-dades funcionais do indivíduo. Estas dependem das diferentes formas com que o músculo pode ser afeta-do nas compensações musculares e nas limitações articulares. Desta maneira, uma avaliação funcional torna-se mais apropriada na investigação da capaci-dade motora de pacientes com DNMs.

A procura por um método de avaliação que pos-sa quantificar e acompanhar a evolução da força muscular e função motora dos pacientes com DNM tem sido constante na literatura. A marcante hetero-geneidade de apresentação e de evolução das DNMs tornou um desafio a elaboração de um método de avaliação único, simples e de rápida aplicação. Vá-rias escalas de avaliação foram propostas, porém mostraram-se complexas ou específicas para algu-mas doenças neuromusculares, dificultando sua apli-cação na prática clínica.

Entre as escalas mais utilizadas na avaliação de pacientes com DMN, citam-se: Hammersmith Motor Ability Scale (HMAS), escala de Russman e, mais re-centemente, a Medida da Função Motora (MFM).

A escala funcional Hammersmith Motor Ability Sca-le (HMAS) foi criada inicialmente para análise de DMD e incluía itens que analisavam as funções de pé, trans-

Posteriormente, vários estudos realizados com intuito de acompanhar a evolução da doença em pacientes com DMD utilizaram a escala MRC. Esta mostrou-se útil no seguimento dos pacientes, reve-lando correlação do declínio da força muscular com o aumento da idade.19 Além disso, observou-se boa reprodutibilidade intra e interexaminador.20

Comprovando, ainda, a importância da avaliação da força muscular por meio da MRC, foi pesquisada a força muscular de pacientes com DMD, com o objeti-vo de prever a perda de marcha. A conclusão foi que uma força muscular de extensores de quadril inferior a três e força de dorsiflexão inferior a quatro repre-sentam alto risco de perda de marcha em dois anos.21

Cita-se, ainda, uma pesquisa feita em pacientes com amiotrofia espinhal tipo 2 e 3, na qual a análise da força muscular foi baseada na MRC. Os resultados revelaram que todos os pacientes apresentaram 20% de diminuição da força muscular, comparativamente a crianças normais. Além disso, esses pacientes exi-biram acentuada perda muscular nos membros infe-riores e aqueles que deambularam eram mais fortes do que os que não tinham essa função.9

Entretanto, outro estudo investigou a força mus-cular de diversos grupos musculares de crianças com distrofia muscular congênita com deficiência da merosina. Constatou-se que a avaliação da força muscular fica comprometida nas articulações com deformidades.22

Avaliação de amplitudes articulares (goniometria)

Muitas das doenças neuromusculares cursam com encurtamentos musculares que podem evoluir para contraturas articulares. Nesse sentido, a ava-liação das amplitudes articulares é importante para acompanhar os graus de encurtamento. O método utilizado é a goniometria.

Várias pesquisas mostram a importância dessa avaliação em pacientes com doenças neuromuscula-res e revelam boa reprodutibilidade intra e interexa-minador.20,23

Ainda, a goniometria constitui-se em método útil para acompanhar a evolução da função motora de pacientes com DNM, conforme descrito por Scot et al. (1982), em estudo que revelou o seguinte resul-tado: poucas crianças desenvolveram contratura de quadril ou joelho enquanto deambulavam e o apa-

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Doenças neuromusculares e instrumentos uteis na avaliação motora em crianças e adolescentes

nificativos gastos financeiros além de apresentar boa reprodutibilidade.25 Além disso, estudo demonstrou que o escore total de 70% da escala MFM e de 40% da dimensão 1 são valores que predizem a perda da marcha em um ano em pacientes com DMD.26

Em 2008, a escala MFM desenvolvida foi validada em português, em um trabalho que mostrou boa con-fiabilidade e mínima variabilidade na sua aplicação27.

Em 2009, em Minas Gerais, a escala MFM foi uti-lizada por Diniz et al.28 em um grupo de 34 crianças e adolescentes com diagnóstico de DMN, acompanha-dos no ambulatório de doenças neuromusculares do HC-UFMG. Com o objetivo de avaliar a evolução dos pacientes foi aplicada a escala MFM em dois momen-tos, inicial e final, com intervalo de seis meses. Hou-ve perda estatisticamente significante na dimensão 1 da escala no intervalo de seis meses. Além disso, nos 20 pacientes com DMD os resultados revelaram corre-lações moderadas a fortes entre os escores de força muscular e as dimensões da escala, tanto no momento inicial quanto no momento final. A escala destacou--se como método útil, com resultados reprodutíveis na avaliação e acompanhamento a pacientes com DNMs como previamente descrito na literatura, e foi incorpo-rada à avaliação rotineira de pacientes no ambulatório de doenças neuromusculares do HC-UFMG.28

CoNClUsão

As DNMs acometem a unidade motora e, por isso, manifestam-se semiologicamente como síndrome do neurônio motor inferior.

Numa avaliação mais detalhada, observa-se que as manifestações clínicas das DNMs variam de acor-do com a topografia da lesão na unidade motora. Verifica-se que, em relação à fraqueza muscular, as doenças musculares mostram comprometimento mais proximal, enquanto que nas doenças do nervo o déficit é mais distal. Além disso, o curso clínico das DNMs é variável, podendo apresentar lenta ou rápida progressão ou até mesmo curso estável com discreta melhora ao longo dos anos.

Destaca-se, nos últimos anos, expressivo avan-ço no conhecimento fisiopatológico e genético das DNMs, que vem contribuindo para o desenvolvimen-to de novas estratégias de tratamento dessas doen-ças. Portanto, instrumentos de medida tornam-se fundamentais não só para o acompanhamento indi-vidual dos pacientes, mas também para avaliar a res-

ferências de supino para prono, e vice-versa, e subir escadas. Em 2003, foi adaptada para AEP com ativida-des que incluíram rolar, assentar, levantar a cabeça a partir da posição de prono e supino, deitar, levantar, engatinhar, apoiar-se nos antebraços na posição de prono, ajoelhar, entre outras. Essa escala exibiu repro-dutibilidade interexaminador de mais de 99%.8

A escala de Russman investiga habilidades como sentar, engatinhar, ficar de pé, andar, subir e descer escadas, elevar braços, flexionar antebraços, flexio-nar e estender punhos e ser capaz de elevar e/ou conseguir sustento cervical23. E pesquisa movimentos isolados, como estender e flexionar os punhos, e não reflete a habilidade funcional, como estender o punho em um alcance, por exemplo. Além disso, a função de engatinhar é importante para crianças pequenas e não para adolescentes e adultos, o que pode gerar certo constrangimento durante sua aplicação.

Em 2005, um grupo de pesquisadores franceses desenvolveu e validou a escala para doenças neuro-musculares, a Motor Function Measure (MFM). Trata--se de uma escala de avaliação funcional composta de 32 itens subdivididos em três dimensões: a) di-mensão 1 - de pé e transferências, com 13 itens; b) dimensão 2 - função axial e proximal, com 12 itens; c) dimensão 3 - função distal, com sete itens. Cada item é pontuado de zero a três, sendo zero não conseguir fazer o movimento, um esboçar o movimento, dois fazer a função de forma lenta ou com compensações e três movimentar-se de forma correta e em veloci-dade normal. A validação incluiu 303 pacientes com idades entre 6-62 anos, com as seguintes doenças: distrofia muscular de Duchenne, distrofia muscular de Becker, distrofia muscular de cinturas, distrofia fáscie-escápulo-umeral, distrofia miotônica, miopa-tia congênita, distrofia congênita, amiotrofia espinhal progressiva e neuropatia hereditária.24

A MFM preenche uma lacuna na avaliação da função motora dos pacientes com DNM, uma vez que pode ser aplicada a qualquer paciente com do-ença neuromuscular com idade a partir de seis anos. Além disso, apresenta três dimensões diferentes que podem ser utilizadas isoladamente ou em conjunto, permitindo uma avaliação objetiva de pacientes com fraqueza tanto proximal quanto distal. Outra vanta-gem é a possibilidade de sua utilização em pacientes com gravidade diferente ou em um mesmo paciente em diferentes momentos do curso da sua doença (ex: cadeirante e não cadeirante). Os trabalhos revelam, ainda, que ela é de fácil aplicação, não despende sig-

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Doenças neuromusculares e instrumentos úteis na avaliação motora em crianças e adolescentes

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No entanto, em 2005, foi desenvolvida a MFM, que é uma escala funcional e tem se mostrado útil e acessível na investigação das DNMs. Ela é dividi-da em três dimensões que avaliam postura de pé e transferências, função axial e proximal e função dis-tal de membros. Desta forma, salienta-se que a MFM apresenta algumas vantagens em relação às demais previamente desenvolvidas: pode ser utilizada para qualquer DNM, é de fácil aplicação, permite avalia-ção separada das dimensões, necessita de pouco tempo para sua aplicação (com tempo médio de 30 minutos) e tem baixo custo e boa reprodutibilidade.

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Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S20-S2420

Artigo de revisão

Instituição:Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico,

Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Belo Horizonte-MG, Brasil.

Endereço para correspondência:Viviane Kanufre

Avenida Alfredo Balena, n°110Serviço de Nutrição e Dietética

E-mail: [email protected]

1 Nutricionista do Hospital das Clínicas e do Serviço Especial de Genética – Ambulatório de Fenilcetonúria - Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas

Gerais - UFMG. Belo Horizonte-MG, Brasil.2 Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade

de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Médica do Serviço Especial de Genética –

Ambulatório de Fenilcetonúria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo

Horizonte-MG, Brasil.3 Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Coordenador do Serviço Especial de Genética do Hospital das Clínicas Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Belo Horizonte-MG, Brasil.

resUMo

A fenilcetonúria (PKU), a mais frequente das doenças genético-metabólicas, pode ser encontrada em diversos grupos étnicos, com incidência estimada em 1/21.175 nasci-dos vivos no estado de Minas Gerais. O tratamento da PKU é dietético e caracterizado pela restrição de fenilalanina (phe) associada ao uso de um substituto proteico – mis-tura de L-aminoácidos ou hidrolisado proteico – isento ou com traços de phe. No apor-te calórico da dieta dos fenilcetonúricos predominam alimentos ricos em carboidratos simples e gorduras. A dieta hipercalórica durante a infância e a adolescência pode conduzir a distúrbios como sobrepeso e obesidade. Estudos indicam, ainda, que crian-ças com PKU podem ser predispostas à obesidade por apresentarem modificações na composição corporal, levando a alterações no metabolismo basal. Nessa breve revisão são apresentados estudos que demonstram a associação entre fenilcetonúria e excesso de peso.

Palavras-chave: Fenilcetonúrias; Dieta; Obesidade.

ABstrACt

Phenylketonuria (PKU), the most frequent genetic metabolic diseases can be found in various ethnic groups, with an estimated incidence of 1/21.175 births in the state of Minas Gerais. The treatment of PKU is dietetic and made by phenilalanina (phe) restriction asso-ciated with the use of a protein substitute - a combination of L-amino acids or hydrolyzed protein - free or with traces of phe. Calorie intake from the diet in PKU is complemented by foods rich in simple carbohydrates and fats. The high calorie diet during childhood and adolescence may lead to disorders like overweight and obesity. Studies also indicate that children with PKU may be predisposed to obesity because they have changes in body composition, leading to changes in basal metabolism. In this brief review we discuss studies that demonstrate the association between overweight and phenylketonuria.

Key words: Phenylketonurias; Diet; Obesity.

iNtrodUÇão

Programas de triagem neonatal tiveram início na década de 1960 em alguns pa-íses desenvolvidos. No Brasil, apenas em 1976, numa ação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo, foram feitos os primeiros testes de triagem, inicialmente para fenilcetonúria e alguns anos depois para hipotireoidismo congênito. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente tornou a triagem neo-natal obrigatória em todo o território nacional e em 1992 uma lei complementar de-

Special diet and phenylketonuria: a challenge of body weight maintenance

Viviane Kanufre1, Ana Lúcia Pimenta Starling2, Rocksane de Carvalho Norton2, Marcos José Burle Aguiar3

Fenilcetonúria e a dieta especial: um desafio para a manutenção do peso corporal

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S20-S24 21

Fenilcetonúria e a dieta especial: um desafio para a manutenção do peso corporal

de phe adequadas no sangue.10,11 Por ser um amino-ácido essencial, a phe não pode ser completamente removida da dieta, sendo imprescindível à síntese e à regeneração das proteínas endógenas.12 A tirosina, cuja produção é comprometida nos indivíduos fenil-cetonúricos, deve ser suplementada mediante a utili-zação do substituto proteico.

oBjetivo

O presente estudo tem como objetivo discutir a ocorrência de excesso de peso e os seus prováveis fa-tores determinantes em pacientes com fenilcetonúria.

Método

A partir da consulta às bases Medline e Scielo e tendo como palavras-chave fenilcetonúria, dieta e obesidade, foram selecionadas publicações relacio-nadas aos temas alimentação e excesso de peso em fenilcetonúricos. Secundariamente, foram determi-nadas as prevalências de excesso de peso entre as crianças e adolescentes fenilcetonúricos acompa-nhados pelo Serviço Especial de Genética no ambu-latório de fenilcetonúria do Hospital das Clínicas da UFMG em dois períodos.

FeNilCetoNúriA e exCesso de peso

Os fenilcetonúricos, pelas particularidades de sua alimentação, bem como possíveis alterações na com-posição corporal, são considerados grupo vulnerável ao excesso de peso.

A dieta prescrita aos fenilcetonúricos tem como objetivo manter as concentrações sanguíneas de fe-nilalanina consideradas seguras para o sistema ner-voso central. As proteínas naturais, com altos teores de phe, são proibidas na dieta dos fenilcetonúricos, pois ainda que oferecidas em reduzidas quantidades, ultrapassam cotas diárias de fenilalanina toleráveis para esses pacientes. Desse modo, a ingestão de carnes, leite e derivados, ovos, leguminosas, alguns cereais (aveia, centeio, milho, trigo) e todas as prepa-rações ou produtos que os contêm é proibida. Frutas, verduras, legumes e produtos especiais para fenilce-tonúricos, que possuem entre moderada e baixa con-centração proteica, têm sua ingestão controlada. En-

terminou a obrigatoriedade de triagem neonatal para a fenilcetonúria e para o hipotireoidismo congênito.1

O Programa de Triagem Neonatal de Minas Ge-rais (PETN-MG) foi criado em 1993, tendo o Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Fa-culdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (NUPAD-FM-UFMG) como referência técnica.2 Na atualidade, o PETN-MG contempla mais de 95% dos nascidos vivos no estado, abrangendo 100% dos municípios mineiros. Mensalmente, são realizados 23.000 testes de triagem enviados de cerca de 5.000 postos de coletas municipais para diagnóstico de fenilcetonúria, hipotireoidismo con-gênito, anemia falciforme e fibrose cística.3 A fe-nilcetonúria (PKU), a mais frequente das doenças genético-metabólicas, pode ser encontrada em di-versos grupos étnicos, com incidência estimada em 1/21.175 nascidos vivos no estado de Minas Gerais.4 Decorre de erro inato do metabolismo de aminoá-cidos de caráter autossômico recessivo resultante de perda ou diminuição da atividade da enzima fenilalanina hidroxilase, o que impede a hidroxila-ção da fenilalanina (phe) em tirosina (tyr).5 Na PKU, quando os níveis de phe no sangue estão elevados, uma segunda via do metabolismo, fisiológica, mas pouco eficiente, é acionada na tentativa de excre-tar a phe excessiva. Neste caso, são produzidos os ácidos fenilpirúvico, fenilacético e fenil-lático. As elevações sanguíneas persistentes de phe e de seus metabólitos ácidos ocasionam lesões neurológicas que se manifestam clinicamente, e de forma mais grave, como retardo mental irreversível.6,7 Níveis ele-vados de phe no sangue podem também inibir, por competição, o transporte de outros aminoácidos, notadamente para o cérebro, especialmente a tiro-sina e o triptofano, tanto através da barreira hema-toencefálica quanto da membrana citoplasmática neuronal, resultando, também, reduzida síntese de proteína e de neurotransmissores.7

O tratamento da PKU deve ser instituído precoce-mente, antes do 21° dia de vida, e tem como objetivo diminuir a quantidade de phe no sangue, garantindo concentrações sanguíneas seguras que impeçam o aparecimento de manifestações clínicas da doença.6 Consiste na restrição dietética de phe associada ao uso de um substituto proteico – mistura de L-aminoá-cidos ou hidrolisado proteico – isento ou com traços de phe5,8,9, fundamental para completar o aporte pro-teico indispensável ao crescimento e desenvolvimen-to neuropsicomotor e para manter as concentrações

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S20-S2422

Fenilcetonúria e a dieta especial: um desafio para a manutenção do peso corporal

cativas de gasto energético entre os dois grupos, após ajuste do IMC. Os fenilcetonúricos australianos con-sumiam dieta hipolipídica (< 25% da energia prove-niente de gorduras) em comparação com as crianças saudáveis de idade similar (< 36% da energia prove-niente de gorduras). Os autores compararam, ainda, a população de fenilcetonúricos dos Estados Unidos com a australiana e concluíram que a norte-america-na tem peso aumentado em relação à da Austrália, possivelmente por apresentar mais ingestão dietética de lipídios. Os autores concluem que é provável que a composição da dieta seja o fator mais importante na determinação da gordura corporal.

Scaglioni et al.20 realizaram um estudo com 97 crianças italianas com hiperfenilalaninemias diag-nosticadas precocemente, das quais 19,6 e 24,7% ti-nham sobrepeso e 4,1 e 6,0% tinham obesidade aos dois e oito anos de idade, respectivamente. Detecta-ram que o IMC no primeiro ano de idade estava po-sitivamente associado ao sobrepeso aos oito anos. Entretanto, não encontraram associação significativa entre sobrepeso aos oito anos de idade e ingestão de macronutrientes nos primeiros anos.

Vanja et al.21 avaliaram o crescimento e excesso de peso de 124 crianças fenilcetonúricas aos quatro anos de idade e compararam ao de crianças norte--americanas sem PKU. Observaram tendência a au-mento de peso nos fenilcetonúricos de ambos os sexos, principalmente nas meninas, na medida em que envelheciam, em comparação com as crianças norte-americanas não afetadas.

White et al.22 estudaram os fatores fortemente associados ao sobrepeso em fenilcetonúricos com quatro anos de idade, em comparação com crianças PKU eutróficas. Avaliaram que o sobrepeso aos dois anos foi o melhor preditor do excesso de peso aos quatro anos de idade. Ressaltaram, ainda, a baixa condição socioeconômica (para ambos os sexos) e o sobrepeso dos pais (somente para o sexo feminino) como outros prováveis fatores de risco de excesso de peso aos quatro anos.

Mcburnie et al.23 compararam o crescimento de 133 fenilcetonúricos norte-americanos (dois a 10 anos de idade) e verificaram que, em média, crianças PKU pesam mais que as sem a doença; e que níveis san-guíneos de phe aumentados associavam-se a altos níveis de peso corporal, principalmente com relação às meninas (p<0,001). Especularam que a adesão à dieta pode ser fator importante na determinação da tendência ao sobrepeso.

tre os alimentos que podem ser ingeridos livremente estão os ricos em carboidratos simples (açúcar, mel, geleias, balas, picolés, pirulitos, refrigerante comum, suco artificial) e as gorduras (óleo vegetal, margari-na).13 Por tudo isso, as proporções de proteínas, gor-duras e carboidratos na dieta desses pacientes não correspondem ao recomendado para a alimentação de crianças saudáveis. Lactentes pequenos podem manter o aleitamento natural sob rígido controle e uso concomitante do substituto proteico e, em geral, toleram bem a alimentação prescrita. Pré-escolares com alimentação supervisionada pelos pais também se mantêm controlados, entretanto, escolares e ado-lescentes têm dificuldades para aderir adequada-mente à dieta. Atualmente, preconiza-se o tratamento por toda a vida.14-15

O aporte calórico da dieta dos fenilcetonúricos, complementado com alimentos ricos em carboidra-tos simples e gorduras, é fundamental, sobretudo nos primeiros anos de vida, para a promoção do crescimento e do desenvolvimento adequados.16 Com o avançar da idade, aumenta a variedade de alimentos consumidos, inclusive os industrializados (ricos em açúcares e gordura vegetal hidrogenada) e os alimentos especiais com baixo teor de phe, muitas vezes, em preparações com alto teor caló-rico.17 Nas consultas ambulatoriais, os pacientes e seus familiares são orientados a controlar a inges-tão desses alimentos, pois o consumo de uma dieta hipercalórica durante a infância e a adolescência pode conduzir a distúrbios como sobrepeso e obe-sidade.16 Diante de tantas restrições necessárias ao tratamento dos fenilcetonúricos, os familiares têm resistência em restringir, ou mesmo reduzir, esses alimentos na rotina diária.

A complementação de proteínas na dieta é reali-zada com a mistura de aminoácidos, responsável por cerca de 80% da proteína dietética diária dos fenil-cetonúricos. Há recomendação de ingestão proteica de até 150% daquela indicada para indivíduos sem a doença. Estudos têm demonstrado que os fenilceto-núricos apresentam crescimento adequado, mesmo quando esse limite não é atingido.18 O excesso de pro-teínas, além do acentuado consumo de carboidratos, pode ser mais um fator na gênese do excesso de peso nessa população.

Allen et al.19 avaliaram, na Austrália, o gasto ener-gético de repouso (GER) de 30 fenilcetonúricos (4,6-17,0 anos de idade) e de 76 controles normais (4,3-18,4 anos de idade) e não encontraram diferenças signifi-

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S20-S24 23

Fenilcetonúria e a dieta especial: um desafio para a manutenção do peso corporal

CoNClUsão

Morbidades relacionadas ao excesso de peso são menos frequentes na infância. Entretanto, a perspec-tiva de dieta com alto teor calórico por toda a vida torna o grupo de pacientes fenilcetonúricos mais vul-nerável aos danos causados pela obesidade. Desse modo, o acompanhamento do estado nutricional desses pacientes merece atenção redobrada por par-te dos profissionais envolvidos no seu atendimento.

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Dados brasileiros relativos à obesidade infantil são ainda limitados, especialmente entre os pacien-tes com fenilcetonúria. Abrantes et al.24 avaliaram a prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes do Nordeste e Sudeste brasileiros. Fo-ram utilizados dados da pesquisa sobre padrões de vida coletados em 1997 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a amostra foi com-posta de 3.317 crianças e 3.943 adolescentes, com idade média de 122,9 meses. Foram consideradas obesas as crianças com escore z (peso/altura) supe-rior a dois. A prevalência média de obesidade entre as crianças de dois a 10 anos foi mais alta na região Sudeste (11,2%). Esse resultado representa valor mais baixo que os obtidos em crianças com PKU, com a mesma idade, avaliadas no SEG-HC-UFMG.

No ano de 2007 foi realizado um estudo trans-versal no SEG-HC-UFMG com avaliação de 125 pa-cientes de dois a 12 anos de idade com fenilceto-núria, diagnosticados precocemente. Para a análise do estado nutricional das crianças e adolescentes foi utilizado o índice de massa corporal (IMC), se-gundo o padrão de referência do Center for Disease Control (CDC, 2000), com pontos de corte estabele-cidos pelo grupo de estudo em obesidade infantil da Força Tarefa Internacional para Obesidade.25 A prevalência de obesidade encontrada nesse estudo foi de 11 (8,8%) e com sobrepeso 21 (16,8%). Quan-do foram acompanhadas as crianças com idades entre dois e 10 anos de idade, classificadas de acor-do com o parâmetro peso/altura (> p 95), apurou-se prevalência de obesidade de 18 (18,4%) e 3 (3,4%) com risco de obesidade. Em 2009, foram avaliadas 144 crianças e adolescentes fenilcetonúricos com idades de quatro a 15 anos, que estavam em acom-panhamento no ambulatório especializado SEG--HC-UFMG. Os critérios utilizados para a avaliação antropométrica foram os mesmos do estudo do ano de 2007. Foram identificados 101 pacientes eutrófi-cos (70,1%), dois com baixo peso (1,4%), 25 com so-brepeso (17,4%) e 16 (11,1%) com obesidade. Essas avaliações, realizadas no SEG-HC-UFMG, demons-tram a frequência do excesso de peso entre pacien-tes com fenilcetonúria. Possivelmente resultante da oferta de alimentação com altas concentrações de carboidratos simples e gorduras associada a deter-minantes metabólicos dessa população, o excesso de peso deve ser monitorado e controlado, de forma a evitar comorbidades que promovam ainda mais restrições na vida desses pacientes.

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S20-S2424

Fenilcetonúria e a dieta especial: um desafio para a manutenção do peso corporal

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Artigo de revisão

Instituição:Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da UFMG – NESCON. Belo Horizonte, MG- Brasil.

Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG- Brasil.

Endereço para correspondência:Rua Cristal, nº: 15, Centro, Divinópolis, MG – Brasil. CEP: 35500-044. E-mail: [email protected]

¹Professora do curso de Enfermagem da Fundação Edu-cacional de Divinópolis - Universidade Estadual de Minas Gerais (FUNEDI-UEMG). Divinópolis-MG, Brasil.

2Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte-MG, Brasil.

resUMo

Este estudo tem como objetivo aprimorar conhecimentos e melhorar a prática diária na assistência à saúde da criança. Buscou-se utilizar referências a partir do ano de 1987, conseguidas em bibliotecas virtuais e acervo pessoal de Pediatria. Os textos foram submetidos à leitura exploratória, interpretativa e seletiva. O presente estudo busca a reflexão sobre a consciência e o comportamento de pais e cuidadores, tentando, assim, orientar sobre a importância da suplementação de ferro na primeira infância. As considerações finais insistem em compreender os problemas advindos da não suple-mentação ou da suplementação inadequada de ferro, visando a uma atitude reflexiva mais cautelosa e zelosa de pais e cuidadores sobre essa prática, também sobre a neces-sidade de mais estudos sobre os benefícios e malefícios pouco discutidos e difundidos advindos desta.

Palavras-chave: Anemia Ferropriva; Ferro/Uso Terapêutico; Deficiência de Ferro/ Terapia; Saúde da Criança.

ABstrACt

This study it has as objective to improve knowledge and to improve practical the daily in health care of the child. One searched to use references from the year of 1987, obtained in virtual libraries and personal collection of Pediatrics. The texts had been submitted to the Exploratory, interpretive and selective reading. The present study it searchs a reflection on the conscience and the behavior of parents and caregivers, thus trying, to guide on the importance of the suplementation of iron in first infancy. The final thoughts insist on understanding the problems resulting from or not supplementation of inadequate iron supplementation, aiming at a more cautious attitude reflective and caring for parents and caregivers about this practice, also on the need for more studies on the benefits and disadvantages discussed and little derived from this broadcast.

Key words: Anemia, Iron-Deficiency; Iron Deficiency/therapy; Iron/therapeutic use; Child Health (Public Health).

introdUção

A deficiência de ferro é um estado no qual ocorre redução da quantidade total de ferro e o fornecimento de ferro torna-se insuficiente para as necessidades dos tecidos e as necessidades para formação de hemoglobina dos eritrócitos. A anemia por defici-ência de ferro (ADF) refere-se à condição de fornecimento insatisfatório de ferro à me-dula óssea, com consequente redução da concentração sanguínea de hemoglobina.1

Silva et al.2 ressaltam que a anemia por deficiência de ferro é uma carência nu-tricional de grande prevalência em diversas populações do mundo. Os principais

Refletions about iron supplementation in children

Karla Amaral Nogueira Quadros1, Eugênio Marcos Andrade Goulart2

Reflexões sobre a suplementação de ferro na população infantil

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Reflexões sobre a suplementação de ferro na população infantil

processo saúde-doença, o que limita as possibilida-des de ação para solução do problema, devido à sua visão de cunho curativo e não comprometimento com a prevenção. Referem, ainda, sobre a necessi-dade de se considerar a realidade exterior ao orga-nismo humano, aos processos e condições sociais e econômicas, seja pelas deficiências qualitativas e quantitativas alimentar ou pela deficiência do sanea-mento ambiental. Desta forma, os autores enfocam a relevância da saúde pública centrada não só no indi-víduo, mas na coletividade, para melhorar os diferen-tes processos sociais e biológicos.

No entanto, as organizações internacionais abor-dam essa visão social sugerindo três estratégias para prevenção da anemia por deficiência de ferro: edu-cação nutricional, fortificação de alimentos e suple-mentação com ferro. De acordo com tais estratégias, o Brasil tornou obrigatória a fortificação das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico a partir de 2004 e implantou a suplementação preventiva com sulfato ferroso para grupos vulneráveis a partir de 2005.

Cardoso et al.7 colaboram com a temática dis-cutida salientando a necessidade de intervenções visando ao controle da prevalência da anemia por deficiência de ferro, pela magnitude da deficiência nutricional e pelo conhecimento de seus efeitos na qualidade de vida, na morbidade e na mortalidade.

Mesmo diante de várias estratégias adotadas em vários países, há consenso internacional de que os programas para prevenção e controle da anemia por deficiência de ferro não têm sido efetivos. Novos de-senhos de programas centrados na suplementação com ferro passam a considerar não apenas a eficá-cia, mas também a efetividade, ou seja, a capacidade de produzir os efeitos desejados sob condições espe-radas de uso.8

Para Silva et al.2, a suplementação medicamento-sa com ferro é estratégia indispensável à prevenção da anemia. Na literatura, são apresentadas diversas propostas de dosagens profiláticas de ferro para pre-venção da anemia nos primeiros anos de vida, tendo como modelo o da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos comitês de Pediatria e propostas específi-cas de órgãos oficiais de países, como o Ministério da Saúde (MS) do Brasil.9

Após diversas diferenças de condutas profis-sionais e discordâncias teóricas, surgiu a seguinte inquietação sobre a temática e a necessidade de es-tudar os benefícios e possíveis malefícios da suple-

malefícios associados à anemia na infância são os déficits no desenvolvimento mental e psicomotor, alterações comportamentais, diminuição da resistên-cia às infecções e desaceleração dos processos de crescimento.

Já Pereira et al.3 descrevem inúmeras funções orgânicas comprometidas com a instalação do qua-dro de anemia, como: transporte de oxigênio aos tecidos, reações de oxidação e redução, imunidade humoral e celular, síntese de ácido desoxirribonuclei-co (DNA), síntese de neurotransmissores da mielina, entre outras atividades vitais, que acabam por com-prometer o desenvolvimento físico e mental infantil.

Várias são as definições de anemia ferropriva ou anemia por deficiência de ferro, mas trabalharemos com o conceito mais amplo apresentado pela Orga-nização Mundial de Saúde4, que a conceitua como um processo patogênico no qual a concentração de hemoglobina contida nos glóbulos vermelhos encon-tra-se baixa, advinda da carência nutricional, sendo relevante por suas repercussões para o desenvolvi-mento infantil e sua magnitude de prevalência, cul-minando em políticas públicas para sua prevenção e controle no Brasil.

Colaborando com o pensamento apresentado na conceituação do tema, anteriormente Pereira et al.3 fizeram referências às condições socioeconômicas como responsáveis pela composição dos quadros de anemia e carências nutricionais, principalmente de ferro e de vitamina A. As autoras apresentaram os se-guintes fatores como determinantes de anemia: bai-xo nível escolar materno, falta de saneamento básico, rede de esgoto e tratamento de água. Curta duração do aleitamento materno exclusivo, diarreia e precá-rio estado nutricional são relatados como de forte impacto na diminuição dos níveis de hemoglobina.

Para Monteiro et al.5, a anemia ferropriva em crianças é um dos principais problemas nutricionais enfrentados no campo da saúde pública, sendo ne-cessária a implementação de ações para essa proble-mática países em desenvolvimento.

De acordo com estimativas da Organização Mun-dial de Saúde4, a anemia afeta cerca de 30% da po-pulação mundial, sendo que a metade dessa preva-lência pode ser atribuída à deficiência de ferro; em crianças entre seis meses e dois anos verificam-se prevalências de anemia superiores a 50%.

Martins et al.6 completam o pensamento apresen-tado referindo que a saúde pública tem alicerçado suas propostas de intervenção numa explicação do

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Reflexões sobre a suplementação de ferro na população infantil

mento celular e diferenciação, transporte de oxigê-nio e outros. Mas é também um potente pró-oxidante celular, de modo que seu excesso pode ser prejudi-cial aos diversos processos celulares.10

Com a deficiência de ferro, a anemia se apresenta com seus sintomas clínicos e sequelas advindos da redução da concentração de hemoglobina no san-gue, que prejudica o transporte de oxigênio tecidual, reduzindo a capacidade de trabalho e o desempenho físico em indivíduos anêmicos.11

Outros autores enfatizam que quando a deficiên-cia de ferro acontece nos primeiros dois anos de vida ocorrem a possibilidade de atraso no desenvolvimen-to psicomotor e alterações de comportamento.12-14.

Quanto ao crescimento, Silva et al.2 preconizam que o possível efeito da suplementação com ferro pode ser decorrente das alterações causadas no sis-tema imune, que repercutem no risco de morbidade.

De Maeyer et al.11 discorrem que o tratamento com ferro medicamentoso deve ser utilizado em to-das as crianças com diagnóstico clínico-laboratorial de anemia, posto que correções somente alimenta-res não corrigem a anemia. O tratamento de escolha deve ser sempre a via de administração oral de ferro, deixando a administração parenteral reservada para pacientes com intolerância ao ferro oral. Para trata-mento da anemia ferropriva, o sulfato ferroso é o sal de escolha, por seu baixo custo e alta biodisponibili-dade. A correção da anemia normalmente ocorre em seis semanas, mas a reposição das reservas de ferro somente em quatro a seis meses, devido à diminui-ção da absorção de ferro após correção da anemia.

De acordo com o Manual Operacional do Pro-grama Nacional de Suplementação de Ferro do Mi-nistério da Saúde, a suplementação diária com sais de ferro, forma clássica de administração nos progra-mas voltados para a prevenção da anemia, tem como dose preconizada 1 mg/Kg peso/dia ou 5 mL de xa-rope semanal, apresentação de 125 mg/5mL até os 24 meses de vida. E para tratamento, dosagem de 3 mg/Kg/dia; crianças prematuras devem receber doses de 2 mg/Kg/dia até os 12 meses e, posteriormente, conti-nuar com a prescrição de crianças a termo.9

De acordo com Alves e Moulin15, agentes que fa-cilitem a absorção do ferro, como carnes e vitamina C, podem ser introduzidos para melhorar a absorção deste, bem como os agentes inibidores, como refrige-rantes e chás, devem ser evitados.

Diversos são os estudos, como o de Monteiro et al.5 e Pereira et al.3, que discutem sobre a hipótese de

mentação com ferro na infância. E também sobre a divulgação deste trabalho, que visa a englobar o pensamento de diversos estudiosos, com o intuito de melhor esclarecer e levar à reflexão acerca desta questão os profissionais que lidam com essa prática diária. Optou-se aqui por abordar as medidas de co-nhecimento dos colegas de profissão e, ao conside-rar o conteúdo específico sobre o tema, encontrou-se significativa lacuna entre os conhecimentos teórico e prático.

Diante do apresentado, este estudo se justifica pelo pouco conhecimento dos benefícios e possíveis malefícios da utilização dessas diferentes dosagens profiláticas de ferro, acarretadas por restrito número de pesquisas sobre a temática e sobre o pouco co-nhecimento apresentado pelos profissionais de saú-de. Considera-se extremamente relevante conhecer os benefícios e possíveis malefícios da utilização des-sas diferentes dosagens profiláticas de ferro, a fim de conscientizar os profissionais da área da saúde para a assistência infantil.

Vale ressaltar a responsabilidade em “assegurar ao cliente assistência de enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudên-cia” descrita no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, expressa na Resolução COFEn nº 240, artigo 16, do capítulo III das responsabilidades.

MÉtodo

Este estudo buscou identificar as publicações re-lacionadas aos benefícios e malefícios da utilização dessas diferentes dosagens profiláticas de ferro, a fim de oferecer subsídios para o trabalho da equipe de saúde na busca de melhoria da qualidade do atendi-mento prestado.

Os artigos foram localizados nas bases de dados LILACS, SCIELO e MEDLINE, no período de junho a dezembro de 2009, utilizando-se as palavras-chave: anemia, benefícios e ferro, e posteriormente foram submetidos à leitura exploratória, interpretativa e se-letiva.

revisão dA LiterAtUrA

O ferro é um nutriente essencial ao funcionamen-to de diversos processos bioquímicos, como reação de transferência de elétrons, regulação do cresci-

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Reflexões sobre a suplementação de ferro na população infantil

ferro via medicamentosa fica sob a responsabilidade do governo.

Para Iannotti et al.10, as variações entre os benefí-cios e malefícios da suplementação com ferro variam em função dos níveis iniciais de hemoglobina e dos indicadores do estado nutricional de ferro utilizados. Os efeitos benéficos da suplementação com ferro têm sido comprovados principalmente entre crianças anêmicas, embora a suplementação com dosagens profiláticas de ferro possa atingir elevado número de crianças não anêmicas. 

Em consonância com Monteiro et al.5, Pereira et al.3 discutem, além dos prejuízos cognitivos da ca-rência, o retardo no crescimento e desenvolvimento motor e mental, a diminuição da atividade física, sen-timento de insegurança, fadiga e desatenção.

O estudo realizado por Silva et al.2 mostrou que o conteúdo e a frequência no oferecimento das doses profiláticas de ferro não influenciaram o crescimen-to das crianças não anêmicas. No geral, os lactentes apresentaram melhoria nos índices peso/idade e peso/comprimento durante a suplementação. Acredi-tam que os benefícios da suplementação com ferro sobre o crescimento poderiam ser embasados pela melhoria do apetite, da ingestão alimentar e, conse-quentemente, do fortalecimento do sistema imune, acarretando diminuída morbidade.

Possíveis malefícios

Alguns dos primeiros trabalhos a exporem os pos-síveis malefícios foram os de Yip et al.20 e de Gillespie et al.16 sobre a necessidade de tratamento adequado, evitando-se a sobrecarga de complementação com ferro, devido ao excesso de ferro influir na absorção de outros minerais (ex: zinco). Ademais, a sobrecar-ga crônica de ferro (hemocromatose ou talassemia) também influi na carcinogênese. Discutem, ainda, os casos de consumo acidental por crianças, que acar-retam intoxicação de ferro.

Dijkhuizen et al.21 e Sachdev et al.22 discutiram sobre a ausência dos efeitos esperados com a suple-mentação de ferro, não mencionando benefícios ou malefícios.

O trabalho de Dewey et al.23 informa sobre a estra-tégia de suplementação de ferro em países distintos, com pontos maléficos em comum, como na Indoné-sia e na Suécia, onde os estudos com lactentes sem deficiência de ferro constataram reduzido ganho de

equivalência da efetividade da suplementação diária e semanal. Mas em busca literária o que se observa é que nada sobre o assunto se confirmou.

Gillespie et al.16 destacam que a suplementação com ferro como medida preventiva tem ampla chan-ce de sucesso quando dirigida a grupos específicos, como gestantes, lactantes e pré-escolares. Para su-plementação de escolares, aconselha-se a realização de rastreamento, e não a cobertura de toda a popula-ção, uma vez que é medida usualmente desnecessá-ria, impossível e cara.

Discordâncias quanto à suplementação com ferro na população infantil

Baseado no fato de que o excesso de ferro pode acarretar prejuízos, estudos veem sendo realizados desde 1993, a fim de se conhecer os malefícios e be-nefícios da suplementação com ferro em crianças não anêmicas. Mas o que se percebe é que os malefí-cios não são divulgados ou são omitidos, partindo-se do princípio de que somente há benefícios com essa estratégia.

Benefícios

Em 1993, alguns dos primeiros estudiosos do as-sunto - Angeles et al.17 - iniciaram as discussões des-crevendo os benefícios provenientes da estratégia, mas sem discuti-los.

Os estudos de Soemantri et al.18 e de Thu et al.19 também não encontraram diferenças nos efeitos das suplementações com ferro no estado nutricional de crianças não anêmicas.

Monteiro et al.5 indicam as consequências advin-das da deficiência de ferro nos primeiros anos de vida como relevantes para o crescimento e desenvol-vimento infantil, enfocando prejuízo no desenvolvi-mento cognitivo e baixo rendimento escolar.

Os mesmos autores referenciados identificam a fortificação de alimentos com ferro e distribuição de suplementos medicamentosos com sais de ferro pela rede pública de saúde como sendo as duas interven-ções com mais possibilidade para controlar a anemia ferropriva em crianças. No entanto, em países em desenvolvimento, alimentos fortificados com ferro são caros e, por isso, pouco utilizados pela maioria da população. A necessidade da suplementação de

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Reflexões sobre a suplementação de ferro na população infantil

sária, e discutir sobre caminhos diferentes para uma suplementação eficaz.

Acreditando ser o reconhecimento dos efeitos da deficiência de ferro e da suplementação adequada e/ou inadequada na qualidade de vida das crianças de fundamental importância é que se acredita na neces-sidade de se envolver todos os níveis da assistência à saúde na implementação dessa ação.

A falta de divulgação sobre a suplementação com ferro culmina, ainda, em expressiva falta de conhe-cimento tanto apresentada na prática diária quanto nos trabalhos de estudiosos sobre o assunto, que não conseguem chegar a consenso sobre os malefícios e benefícios dessa.

Recomendam-se maiores estudos e divulgação dos resultados encontrados sobre a temática a fim de orientar os profissionais quanto à melhor assistência a ser prestada de forma individualizada e humanizada.

Vale ressaltar que, de acordo com este estudo de revisão de literatura, poucos são os trabalhos sobre os possíveis malefícios da suplementação com ferro. Por-tanto, conclui-se que o ferro profilático deve ser usado nas situações recomendadas pelos órgãos competen-tes (Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Pe-diatria), mesmo com as ressalvas de possíveis malefí-cios, até que novas recomendações sejam publicadas.

Por se tratar de uma pesquisa feita a partir de in-quietações advindas da prática diária de enfermagem na assistência à saúde da criança, permite-se pensar também na possibilidade de sugerir discussões em equipe visando melhorar a estratégia de trabalho quanto à temática abordada.

reFerÊnCiAs

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Em seu estudo, Fischer et al.24 citam alguns prová-veis prejuízos causados pela suplementação com fer-ro, como a inibição competitiva do ferro em relação à absorção do zinco, necessário ao processo de cresci-mento. Contudo, registram a inexistência de evidên-cias que demonstrem relação entre os suplementos de ferro e a diminuição nos níveis séricos de zinco.

Leão et al.25 apresentam somente uma frase, sem discuti-la em seu livro de “Pediatria Ambulatorial”, no capítulo sobre alimentação, referindo ao assunto da seguinte forma: “o uso indiscriminado de ferro em doses maiores que as referidas, que só devem ser em-pregadas para tratamento na anemia ferropriva, não é isento de riscos”.25:311

Devido às suas propriedades químicas, o ferro não é eliminado facilmente do corpo, possui alto poder oxidativo, pode causar danos na absorção e/ou no metabolismo de outros nutrientes e supressão na atividade das enzimas.10 Observaram que, entre as crianças com deficiência de ferro, a concentração de hemoglobina foi melhorada com a suplementação de ferro, houve reduções nos déficits cognitivos e desen-volvimento motor, mas, o ganho de peso foi prejudi-cado em crianças não anêmicas e os efeitos sobre a altura foram inconclusivos.

ConCLUsÕes

Discutir sobre os benefícios e os malefícios da suplementação com ferro infantil não é tarefa fácil, dadas as discordâncias entre os estudiosos da área e as pesquisas realizadas.

O presente estudo buscou reflexão sobre a cons-ciência, o conhecimento e o comportamento de pro-fissionais de saúde, tentando, assim, orientar sobre a importância de se conhecerem os benefícios e ma-lefícios advindos da prática de suplementação com ferro na primeira infância. O intuito foram também minimizar os prejuízos e efeitos da não suplementa-ção de ferro, bem como da suplementação desneces-

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Reflexões sobre a suplementação de ferro na população infantil

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Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S31-S37 31

Artigo de revisão

Instituição:Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte – MG, Brasil.

Endereço para correspondência:José Andrade Franco NetoRua: André Cavalcanti 136, apto.201Bairro: GutierrezBelo Horizonte – MG, Brasil. CEP 30430-110Email: [email protected]

1Residente de gastroenterologia e hepatologia pediátrica do Hospital das Clínicas de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil.2Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.3 Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroentero-logia do Hospital das Clínicas da UFMG.4 Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroentero-logia do Hospital das Clínicas da UFMG.5 Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG e Membro do Setor de Endoscopia Pediátrica do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG.6Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil.

resUMo

Há trinta anos, Gauderer, cirurgião-pediatra, e Ponsky, endoscopista-pediatra, de-senvolveram a gastrostomia endoscópica percutânea (GEP). A GEP apresenta como princípio a aproximação do estômago à parede abdominal, sem necessidade de sutura ou laparotomia, com a criação de uma abertura artificial no estômago. Ela tem se demonstrado método simples, seguro e efetivo de nutrição enteral por acesso gástrico e apresenta vantagens como baixo custo, menos tempo de hospitalização e menos morbidade quando comparada à gastrostomia tradicional. Tem sido amplamente utilizada na infância, principalmente em crianças com comprometimento neurológico e com impedimento à alimentação por via oral e como via de suplementação alimentar em doenças crônicas e debilitantes. As principais contraindicações incluem hipoal-buminemia e distúrbios de coagulação. A antibioticoprofilaxia com cefazolina uma hora antes do procedimento é obrigatória. A mais utilizada é a técnica pull (Gauderer e Ponsky) devido à sua simplicidade e segurança. As complicações da GEP são divididas em maiores e menores, sendo as últimas as mais comuns. É essencial que pacientes e familiares sejam bem-orientados sobre o procedimento.

Palavras-chave: Gastrostomia; Endoscopia Gastrointestinal; Gastrostomia/contra-indi-cações; Endoscopia Gastrointestinal/contra-indicações.

ABstrACt

Thirty years ago, Gauderer, a pediatric surgeon, and Ponsky, a pediatric endoscopist, developed percutaneous endoscopic gastrostomy (PEG). PEG is based on approximation of the stomach to the abdominal wall without the need of suture or laparotomy, creating an artificial opening in the stomach. PEG has proven to be a simple, safe and effective enteral nutrition method by gastric access, providing advantages such as low cost, with shorter hospitalization and morbidity when compared to traditional gastrostomy. PEG has been widely used in childhood, especially in children with neurological impairment that are unable to be orally fed and as form of supplementation in chronic and debilitat-ing diseases. Major contraindications include hypoalbuminemia and coagulation disor-ders. Antibiotic propylaxis with cefazolin an hour before the procedure is mandatory. The most used technique is pull technique (Ponsky and Gauderer) due to its simplicity and safety. Complications of PEG are divided into major and minor, the latter being the most common. It is essential that patients and families are well informed about the procedure.

Key words: Gastrostomy; Endoscopy, Gastrointestinal; Gastrostomy/contraindications; Endoscopy, Gastrointestinal/contraindications.

Thirty years of percutaneous endoscopic gastrostomy:A review of literature

José Andrade Franco Neto1, Alexandre Rodrigues Ferreira2, Paulo Fernando Soutto Bittencourt3, Simone Diniz Carvalho4, Paulo Pimenta Figueiredo Filho5, Paula Cardoso Diniz6

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S31-S3732

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

necrose nasal, sinusite, além do aumento do refluxo de secreção gástrica. Outras desvantagens da SNE são a facilidade de obstrução, a alta chance de remo-ção acidental e o efeito estético e social.3

Entre as condições neurológicas, a paralisia cere-bral é a indicação isolada mais comum para implan-tação da GEP.6 As indicações mais frequentes estão sintetizadas na Tabela 1.

Nos pacientes com doença cardíaca congênita, a desnutrição é um problema. Vários fatores contri-buem para os distúrbios de crescimento e redução do estado nutricional nessas crianças. O gasto ener-gético está aumentado devido ao incremento do trabalho cardíaco e pulmonar. Adicionalmente, a falência cardíaca direita pode resultar em congestão intestinal, em diminuição da absorção enteral e na enteropatia perdedora de proteína. Além disso, failu-re to thrive resulta em ingestão calórica insuficiente. A GEP foi destacada como método seguro e confiável para suporte nutricional enteral de longo prazo em crianças com doença cardíaca congênita.7

A desnutrição é um problema comum em pacien-tes com fibrose cística, sendo sua etiologia multifato-rial, levando à deficiência de enzimas pancreáticas e ao aumento do gasto calórico associado à doença pulmonar crônica.9 A melhora nutricional nesses pa-cientes é fundamental para aumento da sobrevida e melhora da função pulmonar. Os mecanismos para melhorar o estado nutricional incluem educação dietética, otimização do tratamento com reposição de enzimas pancreáticas e tratamento de infecções pulmonares. Entretanto, em um grupo de pacien-tes, particularmente aqueles com doença pulmonar avançada, esses mecanismos descritos são insufi-cientes para manter o peso adequado. Nesses casos, devem-se incluir terapias adicionais mais intervencio-nistas, incluindo o uso de nutrição parenteral total, SNE e GEP. Desde a implantação da GEP ela tem sido o método de escolha para a nutrição adequada de pacientes com fibrose cística e dificuldade de ganho

iNtrodUÇão

Gastrostomia endoscópica percutânea (GEP) foi descrita inicialmente por Gauderer e Ponsky em 1980. A gastrostomia cirúrgica ou a sonda nasoentéri-ca (SNE) foi incorporada às rotinas pediátricas como método alternativo e seguro, para a nutrição enteral prolongada, em pacientes com dificuldade ou impos-sibilidade de nutrição por via oral.1 Trata-se de méto-do eficaz, com baixa morbimortalidade, baixo custo e tempo de hospitalização reduzido. Até os anos 80, as técnicas para colocação de uma sonda de gastros-tomia usavam cirurgia convencional ou minilaparo-tomia, métodos mais invasivos e acompanhados de altas taxas de complicações.2

A GEP constitui-se em uma fístula controlada, temporária ou permanente, da luz gástrica com a pele, apresentando como princípio a aproximação do estômago à parede abdominal, sem necessida-de de sutura ou laparotomia, com a criação de uma abertura artificial no estômago, ou seja, a gastrosto-mia.1 É método simples, seguro, rápido, com baixas taxas de complicações e de fácil manuseio.2

A comparação de sua efetividade e riscos com de outras formas comuns de administração de dieta en-teral (cirúrgica ou por SNE) ou parenteral é alvo de ensaios prospectivos e revisões.3 A tendência geral ressalta vantagem desse método, inclusive quanto a estética, autonomia, facilidade de manejo pelos pa-cientes e familiares, menos interferência no processo de reabilitação, com melhores resultados nutricio-nais em comparação com as outras formas de admi-nistração de dieta.4

Estudos demonstraram taxas de sucesso de mais de 95% para a GEP, tempo de procedimento de 15-30 minutos, excelente tolerância pelos pacientes, baixa morbidade (6-16%) e mortalidade muito baixa rela-cionada ao procedimento (0-1%).

iNdiCAÇões

A principal indicação da GEP é a impossibilidade de alimentação oral por período superior a três me-ses. Também está indicada para crianças cujo tempo de uma refeição excede 30 a 40 minutos devido à dis-fagia e para quadros frequentes de aspiração pulmo-nar de alimentos.5

A substituição da SNE pela GEP é frequente, pois o uso prolongado de SNE propicia irritação laríngea,

Tabela 1 - Principais indicações da GEP

indicações de geP

desordens neurológicasdoença cardíaca congênitadoenças malignasFailure to thriveFibrose císticasíndrome de Pierre robin

doença pulmonar crônicaFissura de lábio e palatodoença renaldoença de Crohnsíndrome do intestino curto doenças metabólicas

* Fonte: srinivan et al.6, modificado.

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S31-S37 33

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

de peso.9 Logo, há evidências de que a restauração precoce do estado nutricional melhora a resposta ao tratamento de exacerbações respiratórias, evita a piora progressiva da função pulmonar, aumenta a sobrevida e melhora a qualidade de vida.9

CoNtrAiNdiCAÇões

As contraindicações podem ser divididas em abso-lutas e relativas, algumas delas ilustradas na Tabela 2.

A implantação de uma sonda da GEP em crianças com shunt de derivação ventrículo-peritoneal (DVP) não é uma contraindicação absoluta, embora exis-tam estudos que demonstrem aumento da incidência de infecção e necessidade de remoção da DVP em até 30% dos casos. O uso de antibiótico profilático antes da realização da GEP tem evidenciado diminui-ção no risco de infecção da DVP.8-10

A GEP tem sido contraindicada nos pacientes com insuficiência renal em diálise peritoneal devido a mais morbidade e mortalidade.11 Estudo multicên-trico envolvendo 23 unidades de diálise pediátrica avaliou 27 crianças submetidas à GEP. Registrou-se peritonite nos primeiros sete dias após o procedimen-to em 36% dos pacientes (10/27). A infecção fúngi-ca foi a principal etiologia da peritonite em 26%. Em

quatro crianças foi necessário interromper a diálise peritoneal e substituí-la pela hemodiálise, verifican-do-se dois casos de óbito. No entanto, em 67% dos pacientes a diálise peritoneal foi reintroduzida com sucesso após a realização da GEP. Os autores conclu-íram que a GEP em pacientes em diálise peritoneal apresenta alto risco de peritonite fúngica e de poten-cial falha da diálise peritoneal, devendo os riscos da realização da GEP em relação à gastrostomia cirúrgi-ca serem avaliados cuidadosamente. O uso de profi-laxia antifúngica e antibacteriana antes da realização do procedimento e a interrupção da diálise por dois a três dias podem diminuir os riscos de complicações.11

Atenção especial deve ser dada aos pacientes com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) de-vido à controvérsia do papel da GEP no desenvolvi-mento ou exacerbação dessa doença. Muitos fatores podem estar envolvidos, como a alteração do ângulo de His, aumento do volume alimentar com conse-quente distensão gástrica, dismotilidade esofagiana com diminuição da pressão no esfíncter esofágico in-ferior e esvaziamento gástrico lento.12 Isch et al.13 de-monstraram que a incidência pós-operatória de DRGE após implantação da GEP é relativamente bai-xa, especialmente quando não há DRGE clínico no pré-operatório. Nos casos em que o DRGE, clínico e radiológico, estava ausente no pré-operatório, 72% dos deles não tiveram evidência de DRGE após im-plantação da GEP. Entre as crianças que possuíam DRGE antes de se submeterem à gastrostomia, 25% não apresentaram RGE após a GEP e apenas dois necessitaram da fundoplicatura de Nissen ou sonda de gastrojejunostomia. A resolução da DRGE clínico pode ter sido causada pela melhora na função da re-gurgitação ou do estado nutricional.12

Estudo prospectivo com 68 crianças demonstrou diferença entre o aparecimento ou não de RGE pa-tológico após colocação da GEP. O estudo concluiu que 60,3% dos pacientes com pHmetria negativa para DRGE mantiveram-se inalterados antes e após a colo-cação de GEP e 5% daqueles com comprovação da DRGE também mantiveram-se inalterados; 12 pacien-tes (17,6%) desenvolveram a DRGE com a GEP e em 10 (14,7%) houve melhora da doença, comprovado por pHmetria. Nesse mesmo estudo foi constatada piora significativa do índice de refluxo em nove pa-cientes nos quais a GEP foi implantada no antro. Con-cluindo, esse estudo sugere fortemente que não há aumento no risco de desenvolver RGE após implan-tação da GEP.12

Tabela 2 – Contraindicações absolutas e relativa da GEP

Absolutas relativas

Recusa do paciente Hipertensão porta

Paciente com doença em fase terminal Hepatomegalia

Coagulopatia não compensada ou grave Gastrectomia subtotal

Impossibilidade de passagem do endoscópio para cavidade gástrica Obesidade grave

Estômago intratorácico Ascite

Lesões ulceradas, infiltrativas ou infectadas em parede abdominal, no local de inserção da sonda

Cirurgia abdominal prévia em andar supramesocólico que não favorece posicionamento da sonda

Lesões ulceradas na mucosa gástrica, no local de inserção da sonda

Fístula esofágica

Ausência de motilidade intestinal Peritonite difusa

Ausência de transiluminação visível no ato do procedimento da gastrostomia.

Fístula proximal de intestino delgado

Quando o estômago não pode ser aproximado à parede abdominal Varizes esofágicas

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S31-S3734

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

sob visualização endoscópica2. O próximo passo é a escolha da técnica a ser utilizada.2

São três as técnicas mais utilizadas para a reali-zação de uma gastrostomia endoscópica: técnica pull (Gauderer-Ponsky), push (Sachs-Vine) e punção (Russel). As técnicas podem ser associadas ou não à técnica de sutura (Hashiba), que consiste na fixação da parede gástrica à parede abdominal utilizando dois a quatro pontos em U.2

A técnica pull inicia-se com a técnica safe tract, no qual a agulha usada para a anestesia é inserida na parede abdominal em direção à luz gástrica com o êmbolo tracionado até que entrem bolhas de ar na seringa - o que deve ocorrer ao mesmo tempo em que a agulha é visualizada entrando no estômago. É feita uma incisão na pele (1 cm) com o bisturi e dissec-ção dos planos até a aponeurose. É inserida agulha calibrosa (jelco 14), sob visão endoscópica, até a luz do estômago. Passa-se um fio guia longo pela agulha, que é apreendido pelo endoscopista com a alça de polipectomia. O fio é, então, retirado com o endos-cópio pela cavidade oral, sendo fixado à sonda de gastrostomia, que percorre o esôfago e o estômago até ser exteriorizada pela parede abdominal. O en-doscópio é reintroduzido para verificar o correto posicionamento da sonda, sendo que a aproximação das paredes gástrica e abdominal é mantida por tra-ção entre o anteparo interno o externo.2

A principal desvantagem da técnica pull é o alto risco de contaminação ou implantação de tecido neoplásico na parede abdominal, visto que a sonda de gastrostomia percorre o trato gastrointestinal alto antes de se exteriorizar. A vantagem da técnica é sua simplicidade e segurança, sendo atualmente a mais utilizada pelos endoscopistas.2

CUidAdos Pós-oPerAtórios

Após as primeiras 24 horas, a sonda de gastros-tomia deve ser observada para avaliar se o anteparo externo não está muito justo devido ao edema pós--operatório da parede abdominal. Caso seja detecta-da tal situação, o anteparo externo deve ser ligeira-mente afrouxado. Os demais controles são feitos com sete dias, um, três e seis meses após a GEP, período de mais complicações.2,5 A dieta pode ser reintrodu-zida quatro a seis horas após o procedimento e não há manipulação de alça intestinal reduzindo o risco de íleo paralítico.16

Existem controvérsias na literatura se essas crian-ças devem ser submetidas rotineiramente à gastros-tomia associada a procedimento antirrefluxo (fundo-plicatura) ou à gastrostomia apenas. Van der Zee et al.14 salientaram que a implantação da GEP não tem efeito adverso na realização de cirurgia antirrefluxo.

CUidAdos Pré-oPerAtórios

A orientação aos familiares quanto ao procedimen-to, seus riscos e complicações é a primeira medida a ser adotada. O preparo pré-operatório começa com investigação para avaliar possíveis contraindicações.

Os pacientes ficam de jejum de acordo com a fai-xa etária e dieta utilizada. Os exames laboratoriais necessários para a internação são hemograma, pla-quetas, coagulograma e albumina. As coagulopatias são contraindicações ao procedimento. A antibioti-coprofilaxia com cefazolina 50 mg/Kg (máximo 1 g) em dose única uma hora antes do procedimento é obrigatória (grau de evidência A).2,5,15-17

A sonda a ser utilizada deve ser escolhida confor-me a idade do paciente, em menores de um ano, 14 a 20 Fr. e em maiores de um ano, de 20 a 24 Fr. Os cateteres de poliuretano parecem ser mais resisten-tes à deteriorização do que os cateteres de silicone e estão associados a menos complicações durante as primeiras quatro semanas de uso.15

téCNiCAs oPerAtóriAs

Após cuidados pré-operatórios adequados, o pa-ciente é posicionado em decúbito dorsal e a aneste-sia geral ou sedação é realizada de acordo com os critérios do anestesiologista. Realiza-se a antissepsia do abdome. O endoscopista posiciona o endoscópio no estômago e, então, é realizada a transiluminação da parede abdominal, com o objetivo de observar se não há vísceras ou órgão sólido interposto entre o estômago e a parede abdominal. A insuflação deve ser ideal para evitar a interposição de cólon, princi-palmente em crianças pequenas. O assistente realiza a digitopressão na parede abdominal, escolhendo o ponto da gastrostomia, que deve ser preferencial-mente na parede anterior da junção corpo-antro, correspondente ao quadrante superior esquerdo do abdome. Realiza-se, então, a infiltração anestésica com lidocaína a 2% no ponto escolhido para a GEP,

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S31-S37 35

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

A mortalidade associada ao procedimento é infe-rior a 1%.2

A infecção no sítio pode variar de 5,4 a 30%, sen-do a complicação mais comum.2,17 O principal trata-mento é a prevenção com antibioticoterapia2,17, mas, uma vez instalada a infecção, o tratamento se dá com medidas locais mais antibióticos. Estudos mostram que baixas taxas de infecções da parede abdominal após a técnica push versus a técnica pull sugerem que a contaminação pela orofaringe de fato contribui para essa complicação. Outras medidas que dimi-nuem o risco de infecção incluem técnica adequada, tamanho adequado da incisão na pele e evitar tração excessiva do cateter ou compressão entre o anteparo interno e externo.18

O vazamento através do orifício da sonda varia de 1-2%2,18. Está relacionado ao uso de agentes corro-sivos (ácido ascórbico para cicatrização, aumento da secreção ácida, lavagem da sonda com peróxido de hidrogênio2,18, inflamação cutânea, desenvolvimento de tecido de granulação exofítica ao redor do esto-ma, Buried bumper syndrome18, torção da sonda com ulceração de um dos lados do trajeto e ausência de anteparo externo.

A saída inadvertida da sonda ocorre em 1,6 a 4,4% dos casos2, metade antes da maturação do trajeto fistuloso (sete a 10 dias), nos pacientes em uso crôni-co de corticoesteroides, desnutridos ou com ascite. Esse processo pode demorar três a quatro semanas.19 Com o trajeto imaturo, a parede do estômago afasta--se da parede abdominal anterior, formando-se uma perfuração livre para a cavidade peritoneal. Se essa complicação é identificada imediatamente, pode-se colocar uma segunda sonda de gastrostomia usando--se o mesmo sítio de punção na parede abdominal.19 Se houver demora na identificação, na ausência de si-nais de peritonite, deve-se se descomprimir o estôma-go com sonda nasogástrica, iniciar antibioticoterapia de amplo espectro e refazer a gastrostomia em sete a 10 dias. No caso de remoção tardia da sonda, é acei-tável a colocação de um cateter com balão tipo Foley, certificando-se da posição intragástrica da sonda.19

Burried bumper syndrome (BBS) é caracterizada por complicação da migração do anteparo interno para a parede gástrica ou parede abdominal.18 O principal fator precipitante é a tensão excessiva en-tre o anteparo externo e interno. Fatores adicionais incluem anteparo interno muito rígido, desnutrição e cicatrização ineficaz e ganho de peso significante em resposta à nutrição enteral. É uma complicação inco-

A sonda de gastrostomia deve ser mantida aberta até a primeira dieta e deve-se injetar 30 mL de SGI 5% para verificar a permeabilidade da sonda. A sonda deve ser mobilizada (sentido horário e anti-horário) e lavada com 40 mL de água filtrada após cada dieta. Deve ser realizada limpeza da parede abdominal ao redor da sonda com SF 0,9%.2

Após oito a 12 semanas do procedimento inicial, quando existe aderência adequada entre o estômago e a parede abdominal, as sondas de GEP podem ser substituídas por dispositivo rente à pele ou botons.5

Quando o cateter não é mais necessário, ele pode ser removido por tração, mantendo-se o orifício do estoma com curativo oclusivo, obtendo-se o fecha-mento espontâneo em um a dois meses.5

CoMPliCAÇões

As complicações podem dividir-se em maiores e menores (Tabela 3). Complicações maiores ocorrem, no total, em 1 a 2% dos casos e complicações meno-res em 7 a 14%.5,18

Complicações menores

As complicações menores são as mais comuns, relacionadas à colocação da sonda de gastrosto-mia.2,5 Estão diretamente relacionadas a estado nutri-cional do paciente, medicações em uso e cuidados com a sonda.2,5

Tabela 3 – Complicações menores e maiores da GEP

Complicações Menores Complicações Maiores

Vazamento através do orifício da gastrostomia

Desenvolvimento ou exacerbação da DRGE

Granuloma Peritonite

Infecção local da parede abdominal Fístula gastrocolocutânea

Dor local Obstrução intestinal

Dificuldade de tolerar dieta Hemorragia grave

Dificuldade dos pais em usar a sonda Sepse

Hemorragia digestiva alta discreta Fasciíte necrotizante

Pneumoperitônio Pneumonia aspirativa

Úlceras de contato Vazamento intraperitoneal do conteúdo gástrico

Deslocamento da sonda Perfuração transgástrica

Febre

Saída inadvertida da sonda

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S31-S3736

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

a insuflação gástrica com ar e aspirar o conteúdo gás-trico antes e após o procedimento.1,2,18

A fasciíte necrotizante é rara, mas potencialmente fatal. A mortalidade varia entre 30 e 70%2. Manifesta--se com edema, eritema e equimoses localizados na parede abdominal, que progridem para a formação de bolhas e, eventualmente, choque séptico. O tra-tamento consiste em antibioticoterapia sistêmica e debridamento cirúrgico.

CoNClUsão

O papel da gastrostomia endoscópica percutânea está bem estabelecido, desde a sua criação, e vem sendo amplamente utilizada em pacientes pediá-tricos e adultos, possibilitando suporte nutricional seguro e efetivo com baixas taxas de mortalidade e morbidade. As complicações podem ser evitadas com técnica meticulosa, antibioticoprofilaxia e cui-dados na manipulação da sonda pós-implantação. Trata-se de técnica operatória simples e com vanta-gens significativas sobre a gastrostomia cirúrgica e a sonda nasoentérica, devendo ser amplamente difun-dida entre pediatras e especialistas da área.

reFerÊNCiAs

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mum, porém séria do GEP, ocorrendo na frequência de 0,3 a 2,4%.18 Em pacientes pediátricos, essa taxa é mais alta, 6,7%. Clinicamente, a síndrome manifesta--se com dificuldade de infusão da dieta pela sonda, vazamento ao redor da sonda, dor abdominal ou in-fecção local.18

Obstrução da sonda externa é encontrada em mais de 45% dos pacientes. A administração de ali-mentos e medicamentos espessos deve ser evitada. O tratamento é a limpeza com 30 a 60 mL de água in-jetados em uma seringa a cada quatro horas. A água morna é a melhor substância para desobstrução da sonda. Todo medicamento deve ser completamente dissolvido em água para ser injetado.18

Complicações maiores

A localização do intestino delgado anterior à pa-rede gástrica pode formar uma fístula gastrocolocu-tânea se a alça estiver interposta entre o estômago e a parede gástrica.1,2 Na maioria das vezes, os pacien-tes são assintomáticos, mas pode haver febre transi-tória ou íleo paralítico. O problema só é descober-to quando há retirada da sonda ou quando a sonda passa para dentro do cólon. Nesse caso há diarreia quando da administração da dieta. O diagnóstico é feito injetando-se contraste pela sonda de gastrosto-mia. A conduta é a retirada da sonda, aguardando-se o fechamento espontâneo.1,2

Gastroparesia e íleo terminal podem ocorrer oca-sionalmente em 1-2%19, como referido antes. Como não há manipulação de alça intestinal, existem pou-cas chances de que se verifique íleo paralítico. A suspeita se dá frente à persistência de distensão ab-dominal e à ausência de ruído hidroaéreo. Alguns pacientes beneficiam-se com metoclopramida e/ou eritromicina.18

Volvo gástrico é complicação rara2,18, vista prin-cipalmente em pacientes pediátricos. Já foi demons-trado estômago, cólon transverso e intestino delgado ao redor da sonda de GEP. O tratamento é cirúrgico, incluindo o reposicionamento intestinal e da sonda com ou sem gastropexia.18

O risco de aspiração relacionado à implantação da GEP é baixo (0,3 a 1%).18,19 Fatores de risco de aspi-ração incluem posição supina, sedação, comprome-timento neurológico e idade avançada. Para prevenir aspiração, deve-se evitar sedação excessiva, otimizar

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S31-S37 37

Trinta anos de gastrostomia endoscópica percutânea: uma revisão da literatura

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Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S38-S4338

AtuAlizAção terApêuticA

Instituição:Unidade de Tratamento de Queimados Pediátrica do

Hospital João XXIII. Belo Horizonte-MG, Brasil.

Endereço para correspondência:Rua Sergipe, 15/1103

Funcionários, CEP 30.130-170 Belo Horizonte, MG – Brasil

e-mail: [email protected]

1 Acadêmicos do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG.

Belo Horizonte-MG, Brasil.2 Pediatra da Unidade de Queimados do Hospital João

XXIII. Belo Horizonte-MG, Brasil.

reSuMo

A queimadura é um dos acidentes mais frequentes em Pediatria, com altas taxas de mortalidade. As complicações mais frequentes são o choque hipovolêmico, a desnu-trição progressiva e as infecções. O presente artigo tem por objetivo fazer uma aborda-gem do choque hipovolêmico na criança queimada. Discutem-se a fisiopatologia, as diversas modalidades de tratamento propostas na literatura e as vantagens e desvan-tagens de cada uma. Foi realizada revisão da literatura, abrangendo as bases de dados MEDLINE, LILACS e Cochrane Library, utilizando os descritores burn, fluid resuscita-tion, shock e child, no período de 1993 a 2008.

Palavras-chave: Queimaduras; Queimaduras/terapia; Choque; Soluções para Reidrata-ção; Criança

ABStrAct

Burning is one of the most common causes of accidents in pediatrics, with high rates of mortality. The most common complications are hypovolemic shock, progressive malnourishment and infections. This article describes an approach to the hypovolemic shock in the burned child. The pathophysiology, the various types of treatment used and its vantages and disadvantages are described here. A literature review was performed, comprising MEDLINE, LILACS and Cochrane Library databases with the keywords burn, fluid resuscitation, shock and child, from 1993 to 2008.

Key words: Burns; Burns/therapy; Shock; Rehydration Solutions; Child

introdução

As queimaduras são graves acidentes que acometem tanto crianças quanto adul-tos. Acompanham-se de importante sofrimento para o paciente, tanto pelas lesões quanto pelo tratamento instituído, representado pelos banhos e curativos diários, desbridamentos cirúrgicos, enxertias cutâneas, punções venosas, coleta de sangue para exames laboratoriais e abordagem fisioterápica. São frequentes as complica-ções clínicas, destacando-se o choque hipovolêmico e hiponatrêmico, a desnutri-ção progressiva pelo aumento do gasto energético e as infecções, tanto da ferida quanto sistêmicas. Os sobreviventes levam marcas traumáticas pelo resto da vida, tanto físicas quanto emocionais. São comuns as cicatrizes, as deformidades com limitações físicas e dificuldades de adaptação social.

A Sociedade Brasileira de Queimaduras estima a sua frequência anual em torno de 1.200.000.1 No Hospital João XXIII, são atendidas cerca de 1.200 crianças por ano,

Fluid resuscitation in the burned child

Pedro Henrique de Lima Prata1, Walter Ferraz Flávio Júnior1, Antônio Tarcísio de Oliveira Lemos2

Reparação volêmica na criança queimada

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S38-S43 39

Reparação volêmica na criança queimada

clínico, mas os danos evidenciados à microscopia eletrônica se prolongam até a quarta semana. Habi-tualmente, os capilares normais permitem o livre flu-xo de água e eletrólitos, mas impedem a passagem da albumina, cujo peso molecular é de 60.000 Kd. A vasodilatação presente na queimadura permite a passagem de substâncias com peso molecular aci-ma de 250.000 Kd. Há movimento maciço de prote-ínas, água e eletrólitos do espaço vascular para o extravascular, com redução do volume do líquido in-travascular e consequentes desidratação, choque hi-povolêmico, insuficiência renal aguda e hipoprotei-nemia grave. A albumina, administrada nessa fase, passa ao espaço extravascular. Após restauração da perfusão capilar, a albumina retida no espaço extra-vascular contribui para a formação de edema e au-mento dos riscos de complicações pulmonares.6-7,12-13

No paciente queimado há diminuição dos débitos cardíaco e urinário. O excessivo líquido extravascu-lar comprime os vasos sanguíneos, já em sofrimento pela hipovolemia e aumento da viscosidade, poden-do acarretar aumento da área necrosada. O edema provocado pela vasodilatação capilar, em geral, se limita à área queimada e proximidades. Mas, nas queimaduras que atingem mais de 40% da superfície corporal, aparece anasarca. Esta se dá pelo aumento de sódio e potássio intracelulares, devido à diminui-ção da ação da ATP-ase, e é agravada pela hipoalbu-minemia.5-7,10-12,14-16

peculiAridAdeS dA criAnçA

A criança apresenta algumas peculiaridades que a tornam ainda mais hidrolábil, favorecendo o apare-cimento mais precoce da desidratação. A primeira é a maior quantidade de água total do organismo: 80% no recém-nascido, 60% à idade de um ano e 58% no adulto. Outra característica é o percentual da distri-buição dos líquidos no compartimento extracelular, logo, disponíveis para perdas: 40% no recém-nascido, 25% à idade de um ano e 18% no adulto. A criança possui, ainda, maior superfície corporal em relação ao peso, sendo essa relação 1,5 vez maior no recém--nascido do que na criança de 10 anos e três vezes maior se comparada com a do adulto. O cálculo da superfície corporal na criança varia conforme a fai-xa etária, como pode ser visto na Tabela de Lound & Browder, citada a seguir.3

200 das quais, de mais gravidade, necessitam ser in-ternadas na Unidade de Tratamento de Queimados.2

Aproximadamente 85% das queimaduras em crianças ocorrem no domicílio, a maior parte na cozinha. A escaldadura é o agente mais importante, seguida das lesões de natureza térmica, por contato com produtos químicos e radiação solar. Os aciden-tes por eletricidade, embora pouco frequentes, pro-vocam importantes danos músculo-vasculares, com consequentes mutilações; 60% das crianças queima-das são do sexo masculino.2,3

O presente artigo faz uma abordagem das diver-sas modalidades de reparação volêmica da crian-ça queimada, hospitalizada, tendo como principal objetivo a prevenção do choque hipovolêmico e hiponatrêmico.

FiSiopAtologiA

As queimaduras não são doença só da pele, pois todo o indivíduo se torna enfermo, tanto física quanto psicologicamente. Além das altas taxas de mortalidade, acompanham-se frequentemente de complicações: 4-11

■ Choque hipovolêmico; ■ queda da defesa imunitária, o que predispõe às

complicações infecciosas; ■ aumento do catabolismo proteicocalórico, com

esgotamento das reservas energéticas e consumo progressivo da massa muscular e hipoalbumine-mia grave;

■ anemia progressiva devido à hemólise, diminui-ção da vida média das hemácias, sangramento, desbridamentos e enxertias cutâneas, coletas de sangue, úlcera de estresse, complicações infec-ciosas e anemia prévia à queimadura;

■ sequelas físicas e emocionais e dificuldade de ajustes sociais.

O choque do paciente queimado é do tipo hipo-volêmico e hiponatrêmico. A destruição celular pela queimadura provoca liberação de grande quantida-de de mediadores sistêmicos e celulares (cininas, anafilotoxinas, histamina, serotonina, metabólitos do ácido araquidônico, radicais livres de O

2, prosta-glandinas, entre outros), que levam ao aumento da permeabilidade capilar, com pico em torno de oito horas. A partir do segundo dia já se observa rege-neração capilar quase completa, do ponto de vista

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S38-S4340

Reparação volêmica na criança queimada

queimaduras mais extensas utiliza-se a hidratação por punção venosa percutânea. A dissecção venosa deve ser evitada, a não ser nos casos de instabilidade hemodinâmica.

O débito urinário é o principal parâmetro para avaliação da volemia e perfusão tissular, pois a libera-ção maciça de catecolaminas mantém o pulso cheio, a frequência cardíaca elevada e a pressão arterial normal ou elevada. Nas queimaduras acompanhadas de lesões inalatórias, há aumento de 50% das neces-sidades de aporte hídrico. O volume urinário deve ser mantido em torno de 1,5 mL/Kg/h e, nas queimadu-ras elétricas, 2 mL/Kg/h, devido ao risco adicional de insuficiência renal aguda pela hemoglobinúria e mioglobinúria consequente à intensa rabdomióli-se. Em alguns desses pacientes pode ser necessário prescrever NaHCO

3 (33 mL para cada litro de solução administrada, em substituição ao NaCl), mantendo--se o pH urinário acima de 6,5. Nesses casos torna-se necessário monitorar também o pH e o K+ sanguíne-os, devido aos riscos de hipopotassemia e alcalose metabólica. O esquema de fluidoterapia não deve ser rígido, recomendando-se ser adaptado à resposta de cada paciente em particular.5,19

Hidratação venosa nas primeiras 24 horas

Fórmula de reparação (Parkland modificada): ■ 3 mL x Peso x %SCQ. Considerar 50% como má-

ximo de SCQ.Solução de manutenção (necessidades fisiológicas):

■ 100 mL x Peso até 10 Kg; ■ 1.000 mL + 50 mL/Kg entre 10 a 20 Kg; ■ 1.500 mL + 20 mL/Kg para crianças com peso aci-

ma de 20 Kg.

repArAção volêMicA

O primeiro atendimento à criança queimada, como a todo paciente traumatizado, segue as nor-mas básicas do Suporte Avançado de Vida no Trau-ma (ATLS®). A reparação volêmica não deve ser atrasada, pois o choque pode se instalar rapidamen-te. Deve ser iniciada já no primeiro atendimento, se possível no local onde se deu o acidente. Não há consenso em torno de uma única fórmula de repa-ração dos distúrbios hidroeletrolíticos do paciente queimado. Vários esquemas têm sido propostos por diversos autores como sendo o mais adequado. En-tretanto, todos eles têm em comum algumas pecu-liaridades: urgente necessidade de se repor fluido sequestrado e perdas, a fim de se restaurar a vole-mia, manter a perfusão tissular, os débitos cardía-co e urinário. Recomenda-se acompanhar de perto as prescrições e resultados, a fim de se fazerem os ajustes individuais necessários. A correta reposição volêmica contribui para melhor prognóstico, ao pas-so que a inadequada leva fatalmente a choque, in-suficiência renal aguda, acidose, edema, isquemia tissular e predisposição às complicações infeccio-sas. Não há vantagem alguma em se administrarem volumes acima do necessário, pois o edema leva à compressão dos capilares, com isquemia, infecção e aprofundamento das lesões. 3,6,12,13,16-18

Esquema de reparação volêmica proposto

Nas crianças com queimaduras com extensão inferior a 15% da superfície corporal (10% se menor de um ano) basta a hidratação oral, baseada nas perdas e necessidades fisiológicas. Naqueles com

Tabela 1 - Cálculo da superfície corporal - Lund & Browder modificada

% dos segmentos que variam com a idade

< 1 ano 1 a 4 anos 5 a 9 anos 10 a 14 anos 15 anos > 15 anos

cabeça 19 % 17 % 13 % 11 % 9 % 7 %

coxa 5,5 % 6,5 % 8,0 % 8,5 % 9 % 9,5 %

perna 5 % 5 % 5,5 % 6 % 6,5 % 7 %

% dos segmentos que não variam com a idade

pescoço 2 % Mão 2,5 %

tronco 26 % nádega 2,5 %

Braço 4 % pé 3,5 %

Antebraço 3 % genital 1,0 %

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S38-S43 41

Reparação volêmica na criança queimada

glicosada isotônica 5%, na proporção de 2:SGI / 1:SF e administrado igualmente ao longo das 24 horas. Acrescentar KCl e gluconato de cálcio. No cálculo do volume administrado, considerar a in-gestão oral ou por bomba de infusão enteral.

SoluçõeS hipertônicAS

Nos pacientes críticos, apenas 20% do volume lí-quido administrado permanecem na circulação uma a duas horas após infusão: no tratamento do choque é necessário repor o líquido perdido, assim como o déficit vascular. O grande volume de líquidos de repa-ração necessário no tratamento do paciente queima-do pode vir a se constituir em um problema a mais, ou seja, mais edema comprimindo os capilares e teci-dos em sofrimento levando à extensão da área necro-sada. A utilização de soluções hipertônicas tem por objetivo a restauração mais rápida da volemia, com redução do edema provocado pela hiper-hidratação, que está associada a injúrias pulmonares.

Na vigência de choque, há acúmulo de água no espaço celular. Essas soluções promovem rápida ex-pansão dos espaços vascular e intersticial, pelo des-vio de água do intracelular para o extracelular, com aumento da osmolaridade intracelular.5,15

Principais características das soluções hipertônicas

São hiperosmolares, o que permite rápido aumen-to do volume plasmático e do débito cardíaco, com pronta recuperação do choque e do débito urinário. Há, ainda, redução da resistência vascular periférica e pulmonar e diminuição do trabalho cardíaco. Além disso, diminui a pressão intracraniana e causa vaso-dilatação sistêmica e pulmonar. A recuperação do fluxo intestinal contribui para a diminuição da trans-locação bacteriana.15

A administração de soluções hipertônicas per-mite a diminuição do fluxo hídrico para o tecido queimado.21,22 Admite-se que haja redução de 40% do volume líquido administrado. Outra vantagem do menor volume das soluções hipertônicas é a de atin-girem mais rapidamente a temperatura corporal do que assoluções isotônicas, cujos volumes são bem maiores, protegendo o paciente com grande queima-do contra os graves efeitos da hipotermia. Embora

Administra-se no primeiro dia solução fisiológica 0,9% pura (310 mOsm/L, 154 mEq/L Na+; 154 mEq/L Cl).

■ Modo de administração: nas primeiras oito horas, administra-se a metade do volume da fór-mula de reparação + ⅓ do relativo às necessida-des fisiológicas. A contagem de tempo é feita a partir do momento em que ocorreu a queimadura e não do momento em que a criança chegou ao hospital. Nas 16 horas seguintes, administram--se: ½ da fórmula de reparação + os ⅔ restantes da de necessidades fisiológicas. Considerar no vo-lume administrado a ingestão oral ou por bomba de infusão enteral. Embora o pool de potássio e cálcio esteja diminuído, não se deve administrá-lo no primeiro dia, pois a potassemia e calcemia es-tão normais devido à liberação plasmática desses elementos pelas células lesadas. Exemplo: crian-ça com 30 Kg de peso e queimadura atingindo 40% da sua superfície corporal deverá receber, no primeiro dia, solução fisiológica 0,9%: 3.600 mL (3 x 30 Kg x 40%) de reparação mais 1.700 mL de manutenção. Nas primeiras oito horas: 1.800 mL (½ da reparação) + 566 mL (⅓ da manutenção). A solução restante deverá ser administrada nas outras 16 horas.

Alguns estudos têm evidenciado vantagens na re-dução do tempo de infusão da primeira solução em quatro horas, em vez de oito.20

Hidratação venosa no segundo dia

Fórmula de reparação: 2 mL x Peso x %SCQ + solução de manutenção. A

solução fisiológica 0,9% é diluída com solução gli-cosada isotônica 5%, na proporção de 1:SGI / 1:SF e administrado igualmente ao longo das 24 horas. Acrescentar KCl 10% e gluconato de cálcio a 10%, respectivamente, 2 mL e 1 mL para cada 100 mL da solução de manutenção. Considerar no volume ad-ministrado a ingestão oral ou por bomba de infusão enteral.

Hidratação venosa no terceiro dia

Fórmula de reparação: ■ 1 mL x Peso x %SCQ + Solução de manutenção.

A solução fisiológica 0,9% é diluída com solução

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S38-S4342

Reparação volêmica na criança queimada

de 1 mL/Kg de peso/hora. A seguir, administra-se so-lução fisiológica 0,9%, conforme preconizado para as 16 horas seguintes à hidratação venosa nas primeiras 24 horas.

Solução a 7,5%

Contém 1.250 mEq/L de Na+ e osmolaridade de 2.400 mOsm/L. No preparo de 100 mL desta solução, utilizam-se 35 mL de NaCl a 20% + 65 mL de NaCl a 0,9%. Infundir 4 mL/Kg de peso em 30 minutos, se-guido da administração de solução fisiológica 0,9%, conforme preconizado para as 16 horas seguintes à hidratação venosa nas primeiras 24 horas.

Complicações das soluções hipertônicas

As soluções hipertônicas, administradas corre-tamente, não trazem altos riscos. Se infundidas ra-pidamente podem causar hipernatremia (acima de 160 mEq/L) e mielinólise e há riscos de hemorragia cerebral em crianças menores de três anos de idade. A acidose hiperclorêmica é outra complicação pos-sível, quando se administram rapidamente soluções hipertônicas. Essas soluções não são recomendadas na hidratação em recém-nascidos. Pode ser utilizado acesso venoso periférico para a sua administração.

prevenção

As queimaduras são a principal causa de aciden-tes fatais ocorridos no domicílio nos primeiros nove anos de vida. Queimaduras deixam marcas para sem-pre: os resultados do tratamento, por melhores que sejam, acompanham-se de graus variados de seque-las. É bom lembrar que os acidentes não se devem ao acaso, ao contrário, são previsíveis, logo, devem ser evitados. Os programas de prevenção devem abran-ger aspectos educacionais, visando à mudança de comportamento; legislativos, garantindo as medidas de prevenção propostas; tecnológicos, com o objeti-vo de modificar o ambiente ou o produto que levam ao trauma.

não haja consenso sobre a adoção da reidratação hipertônica, estudos clínicos indicam que ela é, no mínimo, tão benéfica quanto a isotônica. 5,17,18,21,22

Principais indicações das soluções hipertônicas

■ Grande queimado crítico: na criança considera-mos queimaduras que atingem 30% ou mais da superfície corporal.

■ Atraso no primeiro atendimento: o paciente chega chocado ou evoluindo para o choque. A solução hipertônica permite rápida recuperação do cho-que e pronto restabelecimento dos débitos cardí-aco e urinário.

■ Queimaduras circulares podem provocar garrote-amento de membros e comprometer o fluxo san-guíneo das extremidades. Quando localizadas no tronco, podem provocar dificuldade respiratória.

■ Lesões extensas de face e pescoço levam ao risco de insuficiência respiratória pelo edema. As solu-ções hipertônicas reduzem o tamanho do edema secundário à reparação hídrica.

■ Queimaduras com lesões inalatórias.

QueiMAdurAS coM leSõeS inAlAtóriAS

Tipos de soluções hipertônicas

Há diferentes tipos de soluções hipertônicas para o tratamento do paciente com grande queimado. As mais utilizadas contêm NaCl 1,5% ou 7,5%.

Solução a 1,5%

Contém 250 mEq/L de Na+ e osmolaridade de 500 mOsm/L. No preparo de 500 mL desta solução utilizam-se 16 mL de NaCl a 20% + 484 mL de NaCl a 0,9%. Administram-se bolus de 10 mL/Kg de peso, até a restauração da perfusão capilar e da volemia, medida principalmente pelo fluxo urinário em torno

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S38-S43 43

Reparação volêmica na criança queimada

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Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S44-S5144

Relato de caso

Instituição:Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG – Brasil.

Endereço para correspondência:Professora Laura Maria de Lima Belizário Facury Lasmar

Avenida Professor Alfredo Balena, 190, Sala 4061Belo Horizonte – MG, Brasil

CEP: 30130-100email: [email protected]

1 Grupo de Pneumologia Pediátrica do Hospital das Clíni-cas. HC da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG,

Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Serviço de Radiologia do Hospital das Clínicas.

HC da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, MG – Brasil.

ResUMo

A Bronquiolite obliterante pós-infecciosa (BOPI) é caracterizada por obstrução crônica do fluxo aéreo associada à lesão inflamatória das pequenas vias aéreas, que se mani-festa clinicamente pela persistência de sintomas como taquipnéia, sibilância, tosse e hipoxemia por mais de 2 meses após um episodio de bronquiolite viral aguda (BVA) e/ou pneumonia viral. A BOPI não é tão rara, já que 10% dos lactentes podem ter BVA e 1% deles podem evoluir para BOPI. Descrevemos o caso de um paciente com história típica, mas com diagnóstico tardio e elevada morbidade. Os resultados dos exames laboratoriais e de imagem são aqui apresentados. A evolução desse caso ratifica a im-portância de investigação apropriada da criança com doença obstrutiva crônica. Para se reduzir a potencial morbidade e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com BOPI, são necessários a suspeita e o diagnóstico mais precoce por parte do pediatra e o acompanhamento multidisciplinar.

Palavras-chave: Bronquiolite Obliterante; Bronquiolite Viral; Diagnóstico Precoce; Criança.

aBstRact

Post-infectious Bronquiolitis Obliterans (PIBO) is characterized by chronic airflow obstruction associate to inflammatory injury of small airways, clinically suspected by the persistence of symptoms such as tachypnea, wheezing, cough and hypoxaemia for more than 2 months after an episode of acute viral bronquiolitis (AVB) and/or viral pneumonia. PIBO is not so rare, since 10% of infants may have AVB and 1% of them may develop BOPI. We describe the case of a patient with a typical history of PIBO, but with delayed diagnosis and high morbidity. Results of the laboratorial exams and image are presented in this study. The evolution of this case emphasizes the importance of appropriate investi-gation of chronic obstructive illness in children. It is necessary to stimulate early suspicion and diagnosis by pediatricians and follow-up by a multidisciplinary team, in order to decrease potential morbidity and improve quality of life of these patients.

Key words: Bronchiolitis Obliterans; Bronchiolitis, Viral; Early Diagnosis; Child.

INtRodUÇÃo

Bronquiolite obliterante (BO) é uma síndrome de obstrução crônica do fluxo aéreo associada a lesão inflamatória das pequenas vias aéreas. Existem diversas etiologias envolvidas na gênese desse quadro, incluindo transplante de órgãos, doenças do tecido conjuntivo, infecções, uso de substâncias irritantes e a forma

Post infectious bronchiolitis obliterans: importance of early diagnosis and pediatric management

Laura Maria de Lima Belizário Facury Lasmar1, Cássio da Cunha Ibiapina, Silvia de Sousa Campos Fernades1, Natália da Silva Champs1, Mariana Viana Pimenta1, Daiana Elias Rodrigues1, Juliara Márcia Henriques da Silva1, Andréa Costa Morais Amaral1, Bernardo Schettino Motta1, Jesiana Ferreira Pedrosa2

Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S44-S51 45

Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

75 e estatura entre percentil 50 e 75, saturação de oxi-gênio entre 95 e 96%; PFE: 190 L/min (51%), baquetea-mento digital, diâmetro ântero-posterior aumentado, crepitações difusas e sibilos em base no hemitórax direito. Apresentava queixa de chieira contínua, tosse produtiva, dispnéia aos médios esforços que se man-tinham desde os 9 meses de idade. Apresentava rinite alérgica intermitente leve, com prurido de orofaringe.

Iniciou acompanhamento com pneumologia pe-diátrica, manteve-se uso de Salmeterol/fluticasona spray 25/125mg (2 jatos pela manhã e á noite ) e foi iniciada a propedêutica para pneumopatia crônica para elucidação do quadro.

Foram realizadas culturas de escarro evidencian-do crescimento por Staphylococcus aureus em 2 cul-turas, sendo no entanto descartado tuberculose atra-vés de exame de BAAR negativo e cultura negativa para micobactérias e teste tuberculínico (PPD).

O teste de cloretos no suor apresentou valores en-tre 7,8 e 8,37 mEq/L (VR: até 40 mEq/L), descartando a possibilidade de fibrose cística.

A dosagem de imunoglobulinas evidenciou IgE total de 314 UI/mL (VR: até 116 UI/mL), IgA de 388 mg/dL (VR: 53 – 204 mg/dL), IgG de 2360 mg/dL (VR: 698 – 1560 mg/dL), IgM de 155 mg/dL (VR: 31 – 188 mg/dL), repetindo o exame em 24/03/10, com IgE de 368 UI/mL (VR: até 200UI/mL), IgA de 380 mg/dl, IgM de 132 mg/dl e IgG de 1830 mg/dl, iniciando a prope-dêutica para exclusão de imunodeficiência.

De forma complementar foi realizada a imunofe-notipagem de linfócitos em 09/06/09 apresentou CD3 de 68% (1286 cel/mm3), CD4+ de 32% (613 cel/mm3), CD8 de 31,7% (600 cel/mm3), CD4/CD8 = 1,02 e LB de 14,4 % (273 cel/mm3), assim finalizando a propedêuti-ca excluindo-se de imunodeficiência primária.

O teste de oxidação da dihidro-rodamin eviden-ciou perfil de oxidação neutrofílica aparentemente normal, excluindo o diagnóstico de doença granulo-matosa crônica.

A dosagem de alfa1-antitripsina apresentou dosa-gem de 1,67 g/L (VR = 0,9 – 2 g/L), descartando defici-ência de alfa1-antitripsina.

A radiografia de tórax mostrava opacidades linea-res e reticulares no pulmão direito, de aspecto fibro-cicatricial, no terço superior formando uma bolha e na base apresentando bronquiectasias. Notava-se ainda redução do volume pulmonar direito com des-vio do mediastino ipsilateralmente e hiperinsuflação compensatória do pulmão esquerdo, associada a re-baixamento da hemicúpula diafragmática, aumento

idiopática. Em crianças, o quadro ocorre mais comu-mente após as infecções das vias aéreas inferiores geralmente bronquiolite viral aguda (BVA) ou pneu-monia ( PNM) sendo então denominada bronquiolite obliterante pós-infecciosa.1

Na literatura especializada não existem estudos sobre a prevalência da BOPI na população pediá-trica. Especulava-se até há pouco tempo ser a BOPI uma doença rara, mas estudos feitos em serviços de pneumologia têm mostrado que a prevalência é pro-vavelmente maior do que se pensava.1-2Ademais os s avanços da terapia intensiva, permitiram a sobrevi-vência de muitas crianças com infecções respirató-rias virais graves que podem desenvolver BOPI.3

Como a BVA pode ocorrer em até 10% das crian-ças no primeiro ano de vida e estima-se que cerca de 1% dos pacientes com esse quadro possa desenvolver BOPI, pode-se inferir o potencial impacto que a BOPI tenha na população pediátrica, entretanto esta doen-ça ainda não tem chamado atenção dos pediatras.1

Em trabalho realizado na unidade de Pneumo-logia Pediátrica do Hospital da Clinicas da UFMG envolvendo 23 pacientes com BOPI demonstrou que houve atraso no diagnóstico e no referenciamento ao HC e 70% deles foram encaminhados com diagnósti-cos de asma e pneumonia de repetição.2

Esse artigo tem por objetivo relatar o caso de uma criança atendida no Hospital das Clínicas da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) pelo serviço de pediatria e pela unidade de pneumologia pediátrica do HC, com o diagnóstico de bronquiolite obliterante pós-infecciosa.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 11 anos, hígido até os 9 meses de idade, quando foi internado em sua cida-de natal no interior de Minas Gerais devido a quadro de pneumonia. Fez uso de antibióticos e nebulização com broncodilatador de curta duração durante a inter-nação. Após esse episódio apresentou quadros recor-rentes de febre e broncoespasmo, sendo medicado em várias consultas em serviços de pronto atendimento com antibioticoterapia. Aos 7 anos de idade, foi inter-nado novamente, com diagnóstico de pneumonia.

Ao exame físico mostrava-se em regular estado geral, corado, hidratado, anictérico, acianótico e sem linfonodomegalias. Apresentava pressão arterial 110 x 70 mmHg, temperatura 36,9º C; peso no percentil

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S44-S5146

Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

O paciente foi internado para preparo pré-ope-ratório, sendo instituída antibioticoterapia com cef-triaxona e clindamicina por 21 dias ( etapa essencial para o tratamento do quadro supurativo pulmonar), além de fisioterapia respiratória diária sendo subme-tido a pneumectomia direita.

O procedimento transcorreu sem intercorrências, tendo sido realizada toracotomia latero-posterior com pneumectomia após ligadura do brônquio fonte e va-sos hilares pulmonares. O pulmão direito apresentava--se com bolhas contendo secreção purulenta em seu interior (Figura 4). O paciente foi então encaminhado para recuperação no centro de terapia intensiva pe-diátrico e extubado após 24h da cirurgia. Manteve-se afebril, com O

2 inalatório por 24 horas com melhora do quadro e manterá o acompanhamento em atenção compartilhada por pediatra, pneumopediatra e fisio-terapeuta respiratório.

A Figura 1 apresenta o aspecto do pulmão pul-mão direito com cor rósea discretamente pálida, com bolhas contendo secreção purulenta em seu interior.

dIscUssÃo

O presente caso descreveu um quadro de BOPI grave cuja agressão inicial ao pulmão se deu os 9 me-ses de idade e que manteve sintomatologia respira-tória crônica com elevada morbidade, perda impor-tante de função pulmonar e exclusão funcional do pulmão evoluindo para a pneumectomia aos 11 anos.

do espaço retroesternal e hipertransparência pulmo-nar desse lado. (Figura 1)

A prova de função pulmonar evidenciou distúrbio ventilatório obstrutivo acentuado com capacidade vital forçada (CVF) reduzida( VEF1 43%; CVF63%) e o teste de difusão com monóxido de carbono com redução leve.

O ecocardiograma mostrou coração desviado em bloco para hemitórax direito, devido a patologia pul-monar, com sinais de hipertensão arterial pulmonar. Repetido em 19/05/09 com PSAP de 34 mmHg (limite superior da normalidade).

A broncoscopia evidenciou secreção purulenta espessa em brônquio de LID, não foi visualizado cor-po estranho, laringe e traquéia endoscopicamente normais e supuração pulmonar em LID.

Na cintilografia pulmonar foi demonstrado exclu-são funcional do pulmão direito e perfusão e aeração no pulmão esquerdo preservadas .

A tomografia computadorizada de tórax demons-trava desvio significativo do mediastino para a direita, redução volumétrica do pulmão direito, bronquiec-tasias císticas, opacidades centrolobulares e faixas de atelectasias subsegmentares interpostas, acome-tendo predominantemente o lobo médio. O pulmão esquerdo apresentava hiperexpansão compensatória, discretas bronquiectasias cilíndricas na língula e nos segmentos basais do lobo inferior e redução da atenu-ação do parênquima pulmonar. (Figuras 2 e 3)

Foi, assim, decidido por conduta cirúrgica, com lo-bectomia ou pneumectomia de acordo com o acome-timento pulmonar observado durante o ato cirúrgico.

Figura 1 - A radiografia de tórax mostrando opacidades lineares e reticulares no pulmão direito, de aspecto fibrocicatricial, no terço superior formando uma bolha e na base apresentando bronquiectasias.

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S44-S51 47

Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

Os principais agentes infecciosos causadores da BOPI em crianças são os vírus: adenovírus, vírus do sarampo, vírus influenza, parainfluenza e vírus sin-cicial respiratório (VRS). Dentre eles, o mais comu-mente associado à BOPI é o adenovírus. Os sorotipos 3, 7 e 21 são descritos como os de maior virulência e, cerca de 30% a 60% dos casos de infecção por adeno-vírus evoluem para BOPI.4

Todos agentes etiológicos têm em comum, a fa-culdade de lesar células epiteliais do trato respirató-rio durante o quadro agudo. Essa lesão leva a necro-se do epitélio bronquiolar e infiltrado inflamatório peribronquial, intraepitelial e intersticial.5

No presente estudo não dispomos da informação sobre o agente etiológico e o diagnóstico do evento inicial, mas pela descrição do quadro de broncoes-pamo grave aos 9 meses é possível que tenha sido uma BVA. O reconhecimento precoce do agente etio-lógico é muito importante para a implementação de medidas que reduzam os surtos hospitalares e ade-mais quando o adenovírus é isolado é associado com maior probabilidade de evoluir para BOPI.6-8

Atualmente a investigação da etiologia viral por imunofluorecência é feita em muitos centros, o que permite a identificação do vírus em casos de BVA, es-pecialmente nos casos mais graves de BVA. Entretan-to muitos pacientes são encaminhados meses após o evento inicial no qual não foi identificado o agente 1-2

Ainda não está claro o motivo pelo qual algumas crianças evoluem para BOPI após um episódio de BVA. Especula-se que a carga viral, a resposta imuno-lógica, fatores genéticos e ambientais possam estar relacionados.9-11

Alguns possíveis fatores de risco para a ocorrên-cia de BOPI têm sido sugeridos: BVA por adenovírus (OR=49,9), duração da hospitalização maior que 30 dias (OR=27,2), pneumonia multifocal (OR=26,6), necessidade de ventilação mecânica (OR=11,9) e hi-percapnia (OR=5,6).4,11Com relação à ventilação me-cânica, ainda não está claro se ela é um indicador de gravidade da doença ou se seria responsável, ainda que parcialmente, pela indução direta de lesões nas vias aéreas.4-11

Estes fatores de risco de maior gravidade do epi-sodio inicial apontam para a necessidade de acom-panhamento rigoroso após quadros de BVA e/ou PNM para identificação mais precoce da BOPI.11

A maioria das crianças hospitalizadas por BVA torna-se – a assintomática em torno de 5 a 7 dias, em algumas quando o episodio inicial for mais gra-

Figura 4 - O pulmão direito evidenciando bolhas con-tendo secreção purulenta em seu interior

Figura 2 - A tomografia computadorizada de tórax demonstra desvio significativo do medias-tino para a direita, redução volumétrica do pulmão direito, bronquiectasias císticas, opacidades centrolobulares e faixas de atel-ectasias subsegmentares interpostas, acom-etendo predominantemente o lobo médio.

Figura 3 - Tomografia evidenciando bronquiectasias cilíndricas na língula e nos segmentos ba-sais do lobo inferior e redução da atenu-ação do parênquima pulmonar.

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Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

O aumento das imunoglobulinas séricas, associa-do à presença de cultura de escarro positiva encon-trados no nosso paciente, sugere um processo infec-cioso crônico e persistente. A presença de infecção adenoviral latente é confirmada pela presença da proteína 5E1A do adenovírus no núcleo de células epiteliais nos pulmões de animais infectados. As exa-cerbações poderiam acontecer por agentes externos e também pela ativação do vírus latente nas células epiteliais.12

O diagnóstico precoce da BOPI deve ser realizado em bases clínicas considerando a persistência dos sintomas de sibilância, tosse, taquipnéia, crepitações e hipoxemia por 60 dias após um episódio de BVA ou PNM viral e após a exclusão de outras entidades mórbidas que cursam com sintomas respiratórios persistentes, tais como fibrose cística, tuberculose, malformações congênitas, deficiência de alfa – 1 an-titripsina, doença do refluxo gastro esofágico e imu-nodeficiências.1-5, 9-11

Os achados da radiografia de tórax durante o epi-sodio inicial são inespecíficos, mas podem sugerir a hipótese de BOPI e auxiliar na exclusão de outras doenças.Podem ocorrer graus variáveis de hiperinsu-flação, atelectasias e aprisionamento aéreo.1-5,9-11

A tomografia computadorizada de tórax de alta resolução( TCAR) é importante para a identificação dos achados que possam corroborar o diagnóstico de BOPI, para a avaliação mais acurada da localiza-ção e extensão das lesões e, exclusão de outras do-enças como malformações Os principais achados da TCAR são espessamento brônquico, bronquiectasia, atelectasia e áreas mistas de hipo e hiperatenuação. A imagem de hipo e hiperatenuação, chamada tam-bém de perfusão em mosaico ou padrão em mosaico de atenuação pulmonar, é o sinal mais importante das lesões nas pequenas vias aéreas.13-14

Estudos de função pulmonar realizados pela es-pirometria demonstraram padrão de obstrução fixa e grave e redução de fluxos expiratórios, geralmente sem resposta ou com resposta mínima a prova bron-codilatadora.15

A cintilografia pulmonar de ventilação e perfu-são é um método com elevada sensibilidade para a avaliação da localização e extensão da lesão, sendo as áreas hipoperfundidas correspondentes a regiões com vasoconstrição hipóxica.1

A biópsia pulmonar a céu aberto é capaz de mostrar as alterações histológicas da doença, sen-do o padrão ouro de diagnóstico. No entanto, com

ve podem persistir com sintomas por duas semanas ou mais. Em torno de 25% dos pacientes pode evo-luir com quadros de sibilância recorrente após um episodio de BVA, mas que melhoram com a idade. Entretanto os pacientes que evoluem para BOPI têm sibilância persistente, crepitações apesar do uso de corticoesteróides e/ou broncodilatador.1-11

No caso descrito no presente estudo o paciente evoluiu, após o quadro inicial aos 9 meses de idade, com quadro de sibilância contínua, crepitações, tos-se produtiva e dispnéia aos médios esforços a despei-to do tratamento corticoesteróides inalatórios.

Com a persistência dos sintomas como taquip-néia, tosse, sibilância e/ou crepitações após um epi-sodio de BVA ou pneumonia viral deve-se pensar no diagnóstico de BOPI. Muitos desses pacientes são se-guidos por vários anos com o diagnóstico de asma, no entanto, a resposta insatisfatória a corticóides e broncodilatadores, orais e/ou inalatórios, chama a atenção para a possibilidade de outro diagnóstico. A presença de crepitações ao longo do seguimento é uma alteração marcante no exame físico da maioria dos pacientes com BOPI.1-11

Em crianças maiores com BOPI observa-se in-tolerância aos exercícios físicos, tosse ou expecto-ração crônicas, diminuição do murmúrio vesicular, pneumonias de repetição, comprometimento do ganho de peso e altura, episódios de hipoxemia e dessaturação secundários a exercícios físicos e/ou durante o sono. A baixa saturação arterial de oxigê-nio pode ser um indicador de gravidade e a hipo-xemia já foi descrita em até metade dos pacientes. Nos casos mais graves pode ocorrer deformidade torácica, baqueteamento digital e sinais e sintomas de hipertensão arterial pulmonar.1-11

As complicações como atelectasias persistentes, bronquiectasias com supuração pulmonar, podem levar a um ciclo vicioso de manutenção do processo inflamatório, podendo evoluir com exclusão funcio-nal do pulmão acometido 1

No presente estudo a radiografia e a tomografia de tórax, demonstraram bronquiectasias e atelecta-sias e o paciente evoluiu com exclusão funcional de um pulmão. Em sua história há relato de crises de sibilancia recorrente e febre, indicando que apresen-tou várias exacerbações, que podem ter contribuí-do para a formação de mais lesões pulmonares. O grande intervalo de tempo entre o evento inicial e o diagnóstico e as exacerbações podem ter contribuí-do para a piora clinica.

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S44-S51 49

Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

ção clínica, dando-se preferência aos β2-agonistas de curta duração. A fisioterapia respiratória é útil, princi-palmente em pacientes com bronquiectasias e atelec-tasias, cujas funções mucociliares estão prejudicadas pela alteração inflamatória da árvore brônquica.1,2

A antibioticoterapia é necessária nesses pacien-tes na ocasião de exacerbação clínica, principalmen-te em meses de inverno. O Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae são os principais mi-croorganismos identificados nesses pacientes, sen-do a amoxicilina, a ampicilina, o cloranfenicol e o sulfametoxazol-trimetoprim os antibióticos de esco-lha.1,2 Pacientes com quadros de infecção crônica e múltiplos cursos de antibióticos podem desenvolver infecção por pseudomonas que justificam seu trata-mento10. Macrolídeos tem sido utilizado por causa de seu papel antiinflamatório, mas mais estudos são ne-cessários.7

A suplementação com oxigênio pode ser necessá-ria por períodos prolongados (meses ou até anos), e alguns pacientes fazem uso deste permanentemente, sendo, no entanto, necessárias pequenas concentra-ções de O2 para manter a saturação acima de 94% (FiO2 de 0,25 a 0,4).1,3

A DRGE pode estar presente por aumento da pres-são abdominal devido a hiperinsuflação pulmonar, sendo o tratamento obrigatório por poder influenciar o prognóstico, podendo-se utilizar dieta espessada, posicionamento adequado, evitando-se a posição su-pina, inibidores da secreção ácida e medicação para acelerar o esvaziamento gástrico.1,3

A exposição ao fumo deve ser evitada, assim como contato com doenças respiratórias virais, a fim de evitar exacerbações da doença. As imunizações devem ser aplicadas conforme o calendário vacinal, tendo as vacinas para prevenção de doenças respira-tórias, como as vacinas para Haemophilus influenzae tipo b, pneumococo e influenza, papel importante na redução de exacerbações infecciosas.1-2

Em pacientes com bronquiectasias localizadas, ou com colapso lobar crônico, a ressecção do lobo acometido pode evitar maior freqüência de exacerba-ções infecciosas e redução da necessidade de fisiote-rapia. Recentemente tem sido proposta a cirurgia de redução de volume pulmonar em casos de extrema hiperinsuflação pulmonar, com resultados encoraja-dores.19 A opção de transplante deve ser considerada em pacientes com quadro obstrutivo grave persisten-te, com declínio da função pulmonar e necessidades crescentes de oxigênio suplementar.17-20

o advento de exames não invasivos como a TCAR, a biópsia atualmente é considerada dispensável na presença de história típica e TCAR sugestiva . É preciso ressaltar que devido a heterogeneidade da distribuição das lesões pulmonares, o material ob-tido pela biópsia pulmonar pode à vezes conter al-terações histopatológicas leves, que podem passar despercebidas.1,3,5,16

Na BOPI os testes de função pulmonar são impor-tantes no diagnóstico devido as suas características de obstrução das vias aéreas. Em decorrência das di-ficuldades na realização de provas de função pulmo-nar em lactentes e com a necessidade do diagnóstico mais precoce, os pesquisadores têm estudado a cor-relação entre exames de imagem e achados clínicos para facilitar o diagnóstico precoce.

Colom e Teper (2009) propuseram um escore capaz de predizer a probabilidade de uma criança com idade inferior a 2 anos com doença pulmonar obstrutiva crônica apresentar BOPI, sem a utilização de estudos da função pulmonar em crianças, não disponíveis em alguns hospitais. O escore foi desen-volvido através da atribuição de pontos às seguintes variáveis: história clínica típica (4 pontos), infecção por adenovírus (3 pontos) e uma TCAR com padrão em mosaico (3 pontos). Um escore ≥ 7 foi capaz de prever o diagnóstico de BO com uma especificidade de 100% e uma sensibilidade de 67%. Por história típi-ca entende-se uma criança previamente sadia, com um episódio grave de BVA e hipoxemia respiratória crônica por mais de 60 dias (SpO2 <92%) em repouso por 15 min respirando ar ambiente.9

A BOPI parece ter impacto igual aos de doenças crônicas pediátricas como, por exemplo, a fibrose cística, entretanto ainda não tem um protocolo de-finido para tratamento e acompanhamento como na fibrose cística.

O tratamento durante a fase precoce da doen-ça tem sido realizado em alguns centros com altas doses de corticóide sistêmico (pulsoterapia) com o objetivo de impedir a progressão da doença de pro-cesso inflamatório proliferativo para constritivo.17-18 Entretanto para justificar tal abordagem ensaios clí-nicos devem ser realizados.10

Uma vez instalado o quadro clinico crônico de BO, o paciente deve ser acompanhado em atenção compartilhada entre o pediatra e a equipe mutidi-ciplinar.Os broncodilatadores podem ser indicados nos pacientes que apresentam resposta evidenciada através do estudo da função pulmonar e/ou da avalia-

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S44-S5150

Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

co desta complicação. A evolução da BOPI é variável, com alguns pacientes que permanecem assintomáti-cos após alguns anos e outros ficam sintomáticos e com obstrução fixa nas provas de função pulmonar. Dentre os pacientes acompanhados na Unidade de Pneumologia Pediátrica do HC, 72,3% permanece-ram sintomáticos e os valores de função pulmonar não melhoraram ao longo do seguimento.

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O curso da bronquiolite obliterante pode variar dependendo do grau de agressão inicial. Embora a maioria dos pacientes portadores de BO pós-infec-ciosa apresente quadros leves a moderados, e baixa mortalidade, alguns pacientes evoluem desfavoravel-mente, com perda acelerada de função pulmonar, hipoxemia e retenção de CO2, levando à hipertensão pulmonar e cor pulmonale.1-2,20-23

coNclUsÃo

A BO é uma síndrome clínica grave provavelmen-te mais prevalente do que é relatada, merecendo atenção dos pediatras. Como na maioria dos casos ocorre secundariamente a uma bronquiolite viral aguda e esta é a IVAI mais freqüente em lactentes, essa estimativa nos faz imaginar o impacto em poten-cial que a BO pós-infecciosa poderia representar em nossa prática pediátrica.

Devemos suspeitar da persistência por mais de 8 semanas dos sintomas e sinais respiratórios e anor-malidades radiológicas após o episódio inicial de bronquiolite viral aguda.

A criança com doença obstrutiva crônica necessi-ta de uma investigação apropriada, que deve ser feita em centros de referência que disponham de recursos para diagnóstico específico e diferencial dessa con-dição, porém, o acompanhamento conjunto com o pediatra é essencial. A partir do diagnóstico estabele-cido, o pediatra deverá centralizar o acompanhamen-to, dando atenção especial a nutrição, imunizações, avaliação e tratamento das exacerbações infecciosas e suporte emocional.

Ainda não há protocolo definido de abordagem da BOPI, mas o diagnóstico precoce o tratamento de suporte e o acompanhamento médico adequado podem proporcionar melhoria da qualidade de vida e da função pulmonar dos pacientes, assim a dissemi-nação desses conhecimentos entre os pediatras é fun-damental para o sucesso terapêutico dos pacientes.

Apesar de antigamente ser considerada uma complicação rara, dados mais recentes sugerem que a BOPI é mais freqüente do que se pensava anterior-mente. Estimativas demonstram que aproximada-mente 1% dos pacientes com BVA pode desenvolver BOPI. Levando-se em consideração que 10% de crian-ças podem ter BVA, é possível que haja sub-diagnósti-

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S44-S51 51

Bronquiolite obliterante pós-infeccciosa: importância do diagnóstico precoce e da abordagem pediátrica

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Educação Médica

Instituição:Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM. Sete

Lagoas - MG, Brasil

Endereço para correspondência:Rua Plinio de Moraes, 885/101

Cidade Nova - CEP 31.170.170 - Belo Horizonte-MG, BrasilE-mail: [email protected]

1 Professora do Curso de Nutrição - Centro Universitário de Sete Lagoas - UNIFEMM. Sete Lagoas-MG, Brasil.2 Professora dos Cursos de Enfermagem e Nutrição -

Centro Universitário de Sete Lagoas - UNIFEMM. Sete Lagoas-MG, Brasil.

RESuMo

Trata-se de um breve relato de experiência de estágio realizado pelos alunos do curso de Nutrição do Centro Universitário de Sete Lagoas-Minas Gerais, no Programa de Aten-ção Primária- Estratégia Saúde da Família. Nesse estágio foram realizadas consultas de avaliação nutricional às gestantes, com ênfase a uma escuta acolhedora, de forma ética e cuidadosa em uma perspectiva sistêmica de saúde. Observou-se a importância dessa escuta diferenciada, para sensibilização e aprimoramento da formação dos alunos da área da saúde, agregando benefícios ao processo de Promoção da Saúde dos pacientes.

Palavras-chave: Relações Médico-Paciente; Anamnese; Pacientes/história.

aBSTRacT

This is article shows a brief of training experience developed by the students of Nutrition Course from Sete Lagoas University Center, Minas Gerais State, in Primary-Care Program, Family Health Strategy. At this stage, nutritional consultations assessment of pregnant women was carried out, with an emphasis on listening ethically and carefully in a health systemic perspective. We observed the importance of differentiate listening for sensibiliza-tion and improving the students training in the health area, adding benefits to the health promotion of patients process.

Key words: Physician-Patient Relations; Medical History Taking; Patients/history.

“Construímos o mundo a partir de laçosafetivos. Esses laços tornam as pessoase as situações preciosas, portadoras devalor. Preocupamo-nos com elas.Tomamos tempo para dedicarmos a elas. Sentimos responsabilidade pelo laço quecresceu entre nós e os outros. A categoria cuidado recolhe todo esse modo de ser. Mostra como funcionamosenquanto seres humanos”.

Lenonardo Boff

The importance of listening in the performance of professional health

Patrícia Fonseca Costa1, Valéria Tassara2

A importância da escuta na atuação do profissional da Saúde

Rev Med Minas Gerais 2010; 20(4 Supl 3): S52-S53 53

A importância da escuta na atuação do profissional da Saúde

estágio supervisionado na Estratégia Saúde da Famí-lia surge como uma possibilidade de vivenciar a práti-ca do exercício profissional na área de saúde pública precocemente, buscando direta conexão entre a teo-ria aprendida em sala de aula desde o início do curso e a prática profissional. As habilidades desenvolvidas ao longo do estágio são de fundamental importância para a formação do profissional generalista, humanis-ta e crítico, características fundamentais ao nutricio-nista, conforme descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Nutrição.6

É importante, ainda, ressaltar a relevância das Insti-tuições de Ensino Superior no princípio da indissocia-bilidade da pesquisa-ensino-extensão, no qual estão inseridas a justiça social, a solidariedade e a cidada-nia.7 Os alunos do estágio iniciam o desenvolvimento dessas habilidades humanas a partir do momento que vivenciam a realidade da Estratégia Saúde da Família, atuando, em conjunto com o supervisor de estágio, na intervenção nutricional de gestantes e nutrizes atendi-das por essa estratégia.

Desta maneira, o estágio supervisionado na Es-tratégia Saúde da Família proporciona ao acadêmico desenvolver habilidades, inclusive a da escuta diferen-ciada, para compreender melhor a inserção social do seu cliente/paciente. Essa habilidade, aliada à sólida formação técnica e humanista, resulta em um profissio-nal consciente do seu papel social na saúde e apto para provocar transformações junto às gestantes e puérperas em relação aos seus hábitos alimentares e estilo de vida.

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A escuta na atuação do profissional da saúde faz--se importante pela própria necessidade das pessoas de conversar. Conversar significa, em sua origem, “dar vol-tas com o outro” 1 no sentido de visualizar de um outro ângulo e atribuir outros significados às suas histórias, em vez de recolher e aprisionar em si mesmas seus sofri-mentos. O profissional da saúde desenvolve escuta sen-sível para dar voltas com o outro com ética e cuidado.

Nesse aspecto, os alunos do curso de Nutrição do Centro Universitário de Sete Lagoas-MG tiveram a opor-tunidade de, no estágio supervisionado na Estratégia Saúde da Família, aprender a desenvolver escuta acolhe-dora de forma ética e cuidadosa às pessoas, especifica-mente às gestantes, em uma visão sistêmica de saúde.2

Uma vez que (co)construimos as aulas da disci-plina de Psicologia da Saúde, nessa perspectiva sistê-mica do processo adoecimento/saúde, o aluno pode escutar, dentro do possível, a pessoa em seu contexto de relações, ou seja, a pessoa faz parte de uma famí-lia, grupo social e religioso; possui atividades de tra-balho, lazer e/ou comunitária. Portanto, a pessoa ao longo da vida tece sua rede pessoal, familiar e social.3

Essa breve, porém significativa, experiência de estágio dos alunos demonstra que conversar com os pacientes nesse âmbito integrado em saúde favore-ceu, no caso das gestantes, que elas se expressassem sobre sua angústia e expectativas em relação a seu estado gestacional nutricional e emocional; e aos alu-nos, que eles sentissem a importância dessa escuta diferenciada do profissional da saúde. Além dos co-nhecimentos técnicos específicos, há, no campo da Nutrição, algo mais simbólico e intersubjetivo e vol-tado para questões sociais. As práticas alimentares que respeitam as diferenças culturais e são capazes de se sustentar social, econômica e ambientalmente podem ser consideradas promotoras de saúde.

Diante disso, torna-se necessário ao aprendizado do aluno da Nutrição a prática/estágio integrada em saúde para ter a oportunidade de vivenciar sua atuação no estágio, compreendendo a inter-relação dos aspec-tos biogenéticos, orgânicos e emocionais na história e contexto de vida do paciente. Isso lhe possibilita, ainda, identificar a demanda dos pacientes para atendimento psicológico e encaminhar a informação para o profis-sional gerenciador da instituição, beneficiando ainda mais o processo de promoção da saúde dos pacientes.

De acordo com Santos et al.5, na formação do acadêmico ocorre um hiato entre os conhecimentos biológicos e sociais, entre a teoria e a prática, como também entre o ciclo básico e o profissionalizante. O

Anotações

Geraldo Magela Gomes da CruzFaculdade de Ciências Médicas de Minas GeraisBelo Horizonte – MG, Brasil

Henrique Leonardo GuerraSindicato do Médicos do Estado de Minas GeraisBelo Horizonte – MG, Brasil

Jacques NicoliUniversidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas Belo Horizonte – MG, Brasil

Jair de Jesus MariUniversidade Federal de São Paulo, Departamento de PsiquiatriaSão Paulo – SP, Brasil

João Carlos Pinto DiasFundação Oswaldo Cruz , Centro de Pesquisas René Rachou Belo Horizonte – MG, Brasil

João Galizzi FilhoUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Leonor Bezerra GuerraUniversidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas Belo Horizonte – MG, Brasil

Marco Antônio RodriguesUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Maria Inês BoechatDept. of Radiological SciencesDavid Geffen School of Medicine at UCLAUniversity of CalifórniaLos Angeles – CA, USA

Mauro Martins TeixeiraUniversidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas Belo Horizonte – MG, Brasil

Mônica Silva Monteiro de CastroCooperativa de Trabalho Médico Ltda., Unimed-BHBelo Horizonte – MG, Brasil

Naftale KatzFundação Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisas René RachouBelo Horizonte – MG, Brasil

Orlando da SilvaDepartment of Paediatrics, UWONeonatal Intensive Care UnitLondon, Ontario, Canada

Protásio Lemos da LuzUniversidade de São Paulo – IncorSão Paulo – SP, Brasil

Renato Manuel Natal JorgeUniversidade do PortoPorto – Portugal

Roberto Marini LadeiraSecretaria Municipal de Saúde de Belo HorizonteBelo Horionte – MG, Brasil

Rodrigo Correa de OliveiraFundação Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisas René Rachou, Laboratório de ImunologiaBelo Horizonte – MG, Brasil

Sandhi Maria BarretoUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Sérgio Danilo PenaUniversidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas GENE – Núcleo de Genética MédicaBelo Horizonte – MG, Brasil

William HiattColorado Prevention CenterDenver, Colorado, USA

Revista Médica de Minas Gerais

EDITOR GERALEnio Roberto Pietra Pedroso Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

EDITORES ASSOCIADOSCirurgiaAlcino Lázaro da SilvaUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte – MG, Brasil

Andy Petroianu Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte – MG, Brasil

Tarcizo Afonso Nunes Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte – MG, Brasil

Clínica MédicaDavid de Pádua BrasilFaculdade de Ciências Médicas de Minas GeraisBelo Horizonte – MG, Brasil

Manoel Otávio da Costa RochaUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Ginecologia e ObstetríciaFernando Marcos dos ReisUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte – MG, Brasil

PediatriaEnnio LeãoUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte – MG, Brasil

Maria do Carmo Barros de MeloUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Saúde ColetivaMaria da Conceição J. Werneck CôrtesUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte – MG, Brasil

Saúde MentalHumberto Corrêa da SilvaUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte – MG, Brasil

CONSELHO EDITORIALAntônio Luiz Pinho RibeiroUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Aroldo Fernando CamargosUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Dulciene Maria Magalhães QueirozUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina Belo Horizonte – MG, Brasil

Enio Cardillo VieiraUniversidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas Belo Horizonte – MG, Brasil

Fábio Leite GastalCooperativa de Trabalho Médico Ltda., Unimed-BHBelo Horizonte – MG, Brasil

Federico LombardiUniverstá degli Studi di MilanoMilano, Italy

Gerald MinukUniversity of Manitoba, Department of Internal MedicineManitoba, Canadá