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TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE SEMIÓTICA, PUBLICIDADE E IMAGEM 1 RESUMO Este artigo traça um paralelo entre a proposta de Dubois sobre os estágios históricos dos modos de compreensão da imagem fotográfica, vinculados ao índice, ao ícone e o símbolo semióticos, e o uso da imagem na publicidade. Mudanças na condição do consumidor foram acompanhadas de alterações no uso das imagens publicitárias. O objetivo inicial de uso das imagens era o de mostrar o objeto a ser consumido, consubstanciado em seu ícone perfeito e real. Posteriormente, foi agregado valor simbólico à mercadoria. Atualmente, a publicidade procura, por meio dos índices, insinuar o prazer da fruição do objeto. Palavras-chave: semiótica; imagem; publicidade. ABSTRACT This paper draws a parallel between the proposed Dubois on the historical stages of understanding modes of the photographic image, linked to the index, the icon and the semiotic symbol, and the use of images in advertising. Changes in consumer conditions have been accompanied by changes in the use of advertising images. The initial objective of the images use was to show the object to be consumed, embodied in his right and real icon. It was later added symbolic value to the goods. Currently, advertising demand, through the indices imply the pleasure of the enjoyment of the object. Keywords: semiotics; image; advertising. Ao discorrer sobre as transformações da condição humana, Bauman (2002) destaca que o homem da modernidade sólida, fruto do sistema industrial fordista, é aquele considerado manipulável, influenciável. Seu destino era ser submetido pelos meios de comunicação de massa e pelas estratégias engendradas pelos comunicadores para construir a figura do “consumidor”, o sujeito que, finalmente, foi alçado à condição de cidadão de primeira classe na modernidade líquida de nossos tempos. O homem moderno clássico é o sujeito típico dos estudos iniciais Do campo da Comunicação. Assim, as estratégias publicitárias eram projetadas tendo em perspectiva o consumidor padrão, um tipo representativo da massa, pois nos 1 AUTOR: Paulo Roberto Gomes Pato, doutor em Ciência da Informação (Universidade de Brasília). Texto publicado em janeiro de 2016. 1

TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE SEMIÓTICA, PUBLICIDADE E IMAGEM

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TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE SEMIÓTICA, PUBLICIDADE E IMAGEM1

RESUMOEste artigo traça um paralelo entre a proposta de Dubois sobre os estágios históricos dos modos de compreensão da imagem fotográfica, vinculados ao índice, ao ícone e o símbolo semióticos, e o uso da imagem na publicidade. Mudanças na condição do consumidor foram acompanhadas de alterações no uso das imagens publicitárias. O objetivo inicial de uso das imagens era o de mostrar o objeto a ser consumido, consubstanciado em seu ícone perfeito e real. Posteriormente, foi agregado valor simbólico à mercadoria. Atualmente, a publicidade procura, por meio dos índices, insinuar o prazer da fruição do objeto.

Palavras-chave: semiótica; imagem; publicidade.

ABSTRACTThis paper draws a parallel between the proposed Dubois on the historical stages of understanding modes of the photographic image, linked to the index, the icon and the semiotic symbol, and the use of images in advertising. Changes in consumer conditions have been accompanied by changes in the use of advertising images. The initial objective of the images use was to show the object to be consumed, embodied in his right and real icon. It was later added symbolic value to the goods. Currently, advertising demand, through the indices imply the pleasure of the enjoyment of the object.

Keywords: semiotics; image; advertising.

Ao discorrer sobre as transformações da condição humana, Bauman (2002)

destaca que o homem da modernidade sólida, fruto do sistema industrial

fordista, é aquele considerado manipulável, influenciável. Seu destino era ser

submetido pelos meios de comunicação de massa e pelas estratégias

engendradas pelos comunicadores para construir a figura do “consumidor”, o

sujeito que, finalmente, foi alçado à condição de cidadão de primeira classe na

modernidade líquida de nossos tempos.

O homem moderno clássico é o sujeito típico dos estudos iniciais Do campo

da Comunicação. Assim, as estratégias publicitárias eram projetadas tendo em

perspectiva o consumidor padrão, um tipo representativo da massa, pois nos

1 AUTOR: Paulo Roberto Gomes Pato, doutor em Ciência da Informação (Universidade de Brasília). Texto publicado em janeiro de 2016.

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primórdios a propaganda buscava sua afirmação e linguagem. Antes mesmo

de 1930, já haviam sido incluídos nos vocabulários “clássicos” da comunicação

rituais de recepção e processos de circulação, mas “o período inicial, no

entanto, foi de caos e mudança, tentativa e erro.” (KELLER, 2004, p. 185).

A possibilidade responsiva do consumidor no período inicial da publicidade,

particularmente a norte-americana, restringia-se a enviar correspondência aos

anunciantes, como o fez um pequeno consumidor rural estadunidense ao

reclamar sobre determinadas imagens impressas nos catálogos de compra à

distância da Sears Roebuck, no início do século XX:

Por favor, coloquem pés nas senhoras do catálogo, para que elas sejam bonecas de papel mais bonitas. Nós nunca encontramos senhoras com pés para completar nossas famílias [...] não coloquem preços nas pernas delas. (KELLER, 2004, p. 203).

Como se percebe, as imagens não apenas mostravam um produto

qualquer, mas ganhavam aspecto lúdico nas mãos dos pequenos e futuros

consumidores da zona rural. Ao montar suas “famílias” com paper dolls

improvisadas, esses jovens se apropriavam de “modelos” gestados pelos

primeiros publicitários, o que auxiliava na construção de sistemas de

representação, significação, domesticação, unificação e dominação do público.

Os pés das mulheres não eram mostrados, ao contrário do que ocorria com

pés de crianças e homens, por regras de “pudor”. Mas as crianças ainda não

sabiam disso...

Os catálogos de venda por correspondência são instituição genuinamente

norte-americana, e funcionam como emblema central da modernidade clássica.

Nos anos iniciais de desenvolvimento, de 1895 a 1906, passaram por grandes

mudanças e ajustes ao modificar sua abordagem na busca por construir o

consumidor e consolidar seu público. Desenvolveram-se convenções

discursivas na medida em que o consumidor via e lia os catálogos e consumia

os produtos ali estampados, enquanto era iniciado no discurso da venda por

correspondência. Muitos aspectos estruturais e de abordagem do

leitor/consumidor surgiram nesse período e se tornaram parte do vocabulário

clássico da propaganda (KELLER, 2004).

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“Surfando na rede” em busca de representações para compor este artigo,

encontramos as imagens adiante acompanhadas da citação subsequente. O

blog do qual extraímos as imagens e o texto são de responsabilidade de quatro

jovens moças estudantes de Informação e Documentação da Universidade de

Zaragoza, Espanha, campo de conhecimento de nossas pesquisas. Segue o

comentário que reflete a percepção da(s) redatora(s) sobre as imagens

publicitárias em questão.

Figura 1 – Propaganda de 1950 do perfume Chanel 5

Fonte - Disponível em: <http://famousphotos.wordpress.com/2009/12/21/chanel-n%C2%BA-5-de-1950-a-la-actualidad/>. Acesso em: 20 jul. 2013.

Surfando na rede, encontrei um anúncio de Chanel n. 5, que foi publicado em uma revista em 1950. À direita está um anúncio do mesmo perfume publicado em 2000. Uma vez que se passaram 50 anos, normalmente estaria mudada a maneira de atingir o público; mas, se ela funciona, por que mudar? A exceção que confirma a regra. Muitos outros, tais como a Coca-Cola, mudaram (FAMOUSPHOTOS, 2009, grifo nosso, tradução nossa).

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Figura 2 - Propaganda de 2000 do perfume Chanel 5

Fonte - Disponível em: <http://famousphotos.wordpress.com/2009/12/21/chanel-n%C2%BA-5-de-1950-a-la-actualidad/>. Acesso em: 20 jul. 2013.

O Chanel 5 foi lançado em 1921 e é o primeiro perfume da Maison Chanel,

sendo um líder mundial de vendas. Em 1955, cinco anos após a publicação do

primeiro anúncio (Figura 1), Marilyn Monroe declarou o seguinte em reposta

provocante a um jornalista que quis saber o que ela usava para dormir:

“Apenas duas gotinhas de Chanel 5”2. A afirmação certamente não passou

despercebida pelos donos da marca e muito menos pelos publicitários, ou até

mesmo foi emitida em função de algum acordo comercial.

O interessante no texto do blog das estudantes é que ele aponta para dois

fatores que julgamos básicos e pertinentes à nossa análise sobre imagens,

semiótica e propaganda e suas relações e transformações. O primeiro diz

respeito às mudanças na mensagem publicitária, e o segundo é o fato de se

afirmar que a campanha do Chanel 5 se apresenta como exceção à regra. Ou

seja, toda a publicidade mudou – com o que concordamos –, exceto as

campanhas do Chanel 5, do que discordamos.

Afirmar isso tendo em vista a contraposição das duas imagens revela o

quanto o ícone, o referente, o objeto existente no mundo visível é dominante

nas mentes dos leitores, indexadores e mesmo pesquisadores. A Figura 1 é

tipicamente uma reprodução tipográfica. Algumas letras com pouco

2 Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/autor/marilyn_monroe/2/>. Acesso em: 16 jul. 2013.4

entintamento – C, E e L – destacam a precariedade do processo de impressão.

Em função das características técnicas da tipografia e suas inevitáveis

limitações – impressão por contato direto e pressão – e da clicheria –

construção da imagem “a traço” no clichê por meio de grossos fios definidores

de seu contorno –, o “peso” do recipiente do perfume confere “materialidade” e

“solidez” ao objeto. A função primeira do anúncio é cumprida: apresentar o

produto. Ou, mais precisamente, reiterar a imagem do mais famoso ícone da

perfumaria de todos os tempos, o clássico vidro cujo desenho pouco foi

alterado. A massa cinza, como pano de fundo no qual se destacam fios

horizontais, apenas reforça a materialidade da embalagem ao prendê-la ao

chão.

Na Figura 2 a composição é a mesma. O texto e a embalagem foram

mantidos como elementos centrais da narrativa. Mas a mensagem é outra. Se

no primeiro anúncio o ícone semiótico, a forma, se impõe como elemento

central, sólido e plantado no chão, no segundo a figura do vidro quase

volatizou. O que restou da embalagem foi a insinuação de sua presença

translúcida, a indicação fantásmica e indicial do produto, o odor, a própria

fragrância “materializada”. A mensagem deslocou-se da embalagem – visível,

porque icônica – para a substância, o aroma, o índice invisível, mas “sentido”

de alguma maneira. A forma, antes sólida, misturou-se ao fundo vaporizado. É

interessante destacar que o líquido do perfume é amarelado e não está

“presente” nos anúncios, pois efetivamente não é isso o que interessa

“mostrar”. No primeiro anúncio o importante é enfatizar a forma. No segundo,

com a forma já sobejamente conhecida pelo consumidor, insinua-se o que

decorre do líquido que ali é invisível, a fragrância, o perfume em si; porém, sem

perder a referência icônica historicamente construída pela publicidade.

Portanto, o que impera no segundo anúncio é o índice, a indicação sensível de

uma possibilidade. Certamente não é possível, nessa situação, sentir

diretamente o perfume pelo olfato. Mas é possível “senti-lo” pela visão. O

recurso visual utilizado para atingir tal fim foi o da fusão, diluição e

esmaecimento do ícone, sua incorporação ao fundo que passa de massa sólida

a algo etéreo e gasoso, leve e suave. Restou apenas o “espírito” da

embalagem, que é, em última análise, o aroma característico do produto. Esse 5

ajuste fino das camadas de signos só é possível em função dos softwares

gráficos. Ao trabalhar layers e transparências, o designer gráfico empresta

fluidez e leveza ao vidro, modificando a essência da mensagem. Algo típico da

atual modernidade líquida que nos fala Bauman (2002).

O primeiro anúncio do Chanel 5 espelha a estratégia fundamental presente

nos primórdios da Publicidade, embora o anúncio seja de 1950. Mostrar o

produto, seu ícone, era torná-lo real e palpável para o consumidor. Vendia-se

algo sólido e visível, quase passível de ser apreendido e manipulado. Esse

modelo de anunciar se vincula à modernidade sólida de Bauman (2002). A

mentalidade, as possibilidades técnicas, os padrões de consumo e as relações

entre produto e consumidor emergem da imagem. O fordismo do antigo

capitalismo sólido está representado pela mecânica do processo tipográfico

baseado na prensa de Gutenberg, o qual reflete seu “peso” no anúncio. As

possibilidades técnicas do clichê limitam a imagem a traços grosseiros, e a

prensa deixa transparecer as barreiras do processo, desde os problemas de

falta ou excesso de tinta até as falhas de impressão.

Sem eliminar as estratégias da primeira fase, o segundo anúncio

exemplifica a terceira fase do uso da imagem na publicidade, o que

entendemos ser uma tendência na publicidade atual e que se alinha à

modernidade líquida de Bauman (2002). A leveza e fluidez é sua característica

básica. A mensagem é mais sensorial que cerebral. A apresentação do produto

via ícone ainda ocorre, evidentemente, porque esse sempre se apresenta no

início do processo interpretativo. Mas, como afirma Landowski (2001, p. 127),

se a publicidade contemporânea tem alguma eficácia é porque não procura dar

lição de moral ou ser explicitamente persuasiva. Sua estratégia consiste em

povoar nosso universo de simulacros, “um mundo imaginário e pregnante que

nos engloba como uma segunda intimidade [...] não as segundas intenções,

mas aquilo mesmo que se deixa de fato ver, e até sentir.”

O ícone, o índice e o símbolo formam a mais fundamental divisão dos

signos (CP 2.275). Esse signo é da natureza de uma aparência, existindo apenas na consciência, apesar de, por conveniência, nós o estendermos

para as aparências visíveis dos objetos, que excitam na consciência a imagem

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desses objetos (CP 4.447). O signo icônico mantém uma relação de

semelhança com seu objeto, na qual a realidade efetiva do objeto é desnecessária para a sua significação possível (CP 2.276). Peirce (CP

2.278) afirma que só é possível comunicar diretamente alguma ideia por meio de um ícone, e todo método de comunicação indireta de alguma ideia

deve depender, para seu estabelecimento, de um ícone.

Se o ícone é a base qualitativa para se entender o objeto representado, a

compreensão só ocorre com a ajuda dos índices. O índice se define pela

relação real com o objeto. Podemos inferir que o índice só diz algo porque está

vinculado a um ícone. Nada pode apontar, a não ser pela relação com algum

ícone.

Segundo Peirce (1998), a linguagem e todo o pensamento abstrato,

realizado por meio de palavras, são de natureza simbólica. As palavras são

símbolos, pois são signos convencionados, leis que de certo modo os falantes

de uma determinada língua devem seguir para poder comunicar

satisfatoriamente. Os símbolos nem exibem os próprios caracteres significados, como fazem os ícones ao mostrar o objeto, nem tampouco asseguram a realidade dos seus respectivos objetos, como indicam os

índices ao se vincularem “carnalmente” aos objetos que indicam.

Podemos vincular os diferentes usos da imagem na propaganda aos

estágios evolutivos históricos da análise fotográfica como proposto por Dubois

(1986), cuja base são os três principais signos semióticos, o ícone, o índice e o

símbolo. Segundo o autor, nos primórdios a fotografia era percebida como a

realidade em si, seu ícone analógico correspondente ponto a ponto ao objeto;

em um segundo estágio, a fotografia constituiu-se em símbolo, em material

moldado segundo as necessidades e visão do fotógrafo e, no caso da

publicidade, toda a gama de profissionais e necessidades comunicativas sobre

determinado produto; finalmente, no terceiro estágio a fotografia mostra-se

apenas como um índice da realidade, uma insinuação do visível do qual

emana.

Nessa perspectiva, mostrar o ícone, a imagem explícita do produto,

repousava sobre a necessidade de torná-lo reconhecível pelo consumidor no 7

ato da compra. A associação entre o produto e uma determinada necessidade

de uso ocorria em função da identificação icônica. No período inicial da

propaganda, apresentar o produto ao consumidor era imperativo, se não para

incitar a compra, ao menos para o reconhecimento do produto nas prateleiras.

O valor de uso se sobrepunha ao valor simbólico, e o desejo era direcionado ao

objeto, logo, ao ícone, sua imagem perfeita e “real”.

O caráter passivo do receptor parecia patente nesse período inicial. Não

havia uma perspectiva analítica desenvolvida pela sociedade e pelos

consumidores em relação aos meios. Assim, parecia evidente a ligação entre

meio, manipulação e efeito. A expansão da sociedade de consumo foi exitosa

em função da adesão das massas. Nesse sentido, a propaganda teve papel

decisivo na criação de necessidades e disseminação de novas práticas e

hábitos de consumo.

Com a ampliação crescente, a sofisticação do mercado e a emergência de

inúmeras mercadorias concorrentes, apenas mostrar o produto não garantia

vantagem competitiva. Portanto, era necessário vincular um valor secundário

ao valor primário de uso. Assim, o valor simbólico passa a impregnar o produto

e acaba por assumir o papel principal. “Parecer com” é mais que “ter”, e o valor

simbólico passa a dominar os enunciados da publicidade. Carros possantes,

mulheres bonitas e sensuais, astros e estrelas de Hollywood assumem o papel

de modelos a serem copiados e emprestam seus corpos e valias para as mais

diversas encenações. O desejo pelo produto se afasta definitivamente do

simples ato de usá-lo. Afinal, se “um cachimbo não é um cachimbo”3, um

sabonete4 não é simplesmente “um sabonete”, uma vez que sua assustadora

composição química é oculta pela “aparência”.

3 Referência a “Ceci n'est pas une pipe” (“Isto não é um cachimbo”), pintura de René Magritte.4 Composição do sabonete Lux: Sodium stearate/oleate/palmitate/linoleate/laurate/myristate, aqua, calcium carbonate, parfum, sodium chloride, helianthus annuus seed oil, sodium carbonate, glycerin, titanium dioxide, CI 12490, etidronic acid, tetrasodium EDTA, PEG-40 hydrogenated castor oil, trideceth-9, paullinia cupana seed extract, 1,2-hexanediol, actindia chinensis fruit juice, caprylyl glycol, citrus aurantifolia juice, nonfat dry Milk, wine extract, vanilla planifólia fruit extract, cocos nucifera fruit extract, CI 74160, CI 77266, benzyl acetate, benzyl salicylate, butylphenyl methylpropional, eugenol, geraniol, hexyl cinnamal, limonene, linalool. Disponível em: <http://www.mercadomacae.com.br/index.php/sabonete-lux-suave-degusta-me-90g.html>. Acesso em: 14 jun. 2013.

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Figura 3 - Lux e Marlene Dietrich

Fonte - Disponível em: <http://www.brigite.com.br/blog/?p=37>. Acesso em: 21 jul. 2013.Figura 4 - Lux e Jane Fonda

Fonte 1 - Disponível em: <http://www.brigite.com.br/blog/?p=37>. Acesso em: 21 jul. 2013.

Produtos os mais diversos “agregam valor” e passam à condição de objetos

de desejo. Carros, bolsas, sapatos, bebidas e um sem fim de objetos e gadgets

adquirem personalidade e as transferem aos seus felizes possuidores. O

consumo passa a distinguir o consumidor. Porém, a fetichização do objeto no

mundo ocidental sofreria um baque ao final do século passado com a entrada

da China na arena do comércio global. Utilizando estratégia semelhante à do

Japão do pós-guerra, copiar produtos ocidentais e os espalhar pelo mundo, os

chineses foram além ao inundar o planeta com suas réplicas dos principais

objetos de desejo dos consumidores ocidentais. Relógios, bolsas, roupas,

carros, tênis de marca ou qualquer outra coisa passível de cópia foi e está

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sendo produzida em escala mastodôntica. O valor agregado simbólico das

grandes marcas, construído pacientemente pela indústria e pela publicidade

ocidental, ruiu frente a cópias e falsificações cada vez mais difíceis de serem

detectadas. Portanto, patroa e empregada podem usufruir igualmente de suas

bolsas Louis Vuitton. O status proporcionado pelo objeto sofreu um duro revés

pela falsificação. A cópia e a falsificação instituíram, enfim, o simulacro do

simulacro.

Se não é suficiente ao consumidor utilizar uma bolsa pelo simples ato de

carrear carteira, chaves, documentos e nem mesmo ostentar alguma

vinculação simbólica por essa ter sido diluída e rebaixada pela cópia, resta

sentir o prazer sensorial de “possuir” o objeto. O Chanel 5 pode ser imitado,

copiado, mas sua fragrância, como segredo industrial, permanece inalcançável.

Copia-se a aparência, sua exterioridade material, o referente icônico. Apropria-

se até de seu simbolismo. Mas não se alcança sua essência. Assim, indicar ao

consumidor que há um valor que permanece inalterado é mostrar que a

sensação de usufruí-lo é maior até que o seu poder simbólico. Portanto, o “ter”

e o “parecer” deram lugar ao “sentir”. É a volta do valor de uso com nova

roupagem. Não mais utilitário, para resolver alguma demanda ou expurgar

algum odor, mas para proporcionar “fruição”, já que todas as demandas pela

sobrevivência estão satisfeitas, de certo modo, na modernidade líquida.

Pompeu (2012) afirma que a “vida já foi mais fácil para o pessoal da

propaganda e do marketing”, pois acredita que os chavões e slogans que

poluíram a imaginação dos consumidores por décadas perderam efeito. Elenca

uma lista dos chavões: mulheres bonitas e pouco vestidas, homens bonitos e

bem vestidos, vovós e vovôs alegres e sadios, famílias inteiras impecavelmente

felizes, além dos campeões da exibição: gente jovem, gente jovem, gente

jovem. Questiona em seguida: será que esses “perfumes de sedução” seguem

funcionando? Alguém ainda acredita que conquistará a mulher desejada com

um sedan? Crê que se transformará no designer premiado, ou na escritora best

seller ao comprar um computador “da hora”? Ou mesmo algum prestador de

serviço acredita que basta dizer que é bom? Uma grife internacional pode

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ignorar uma denúncia de envolvimento com trabalho escravo? Num mundo

inundado de informações, será possível vender gato por lebre?

Respondendo a essas indagações, Pompeu (2012) afirma: não. Enfatiza

que algo está mudando de forma profunda nas relações de mercado e

comunicação. E diz que esse algo em mudança é o consumidor. Agora “ele

tem o poder de acessar informações de qualquer lugar. Esteja em Arapiraca ou

Tóquio”. Tem ferramentas para comparar serviços, calcular custo-benefício,

acompanhar a imagem social das marcas, testar a qualidade dos produtos. E

tem também uma arma mortal contra enganações: difundir sua avaliação por

meio das redes sociais. Hoje, amigos influenciam muito mais do que pregações

publicitárias.

Mas não há solução para esse cenário? É o fim do jogo para profissionais

da propaganda e do marketing? Pompeu (2012) diz que há solução e afirma

que o mercado e a arte da sedução ainda seguirão vivos por longo tempo. Só

que agora precisam ser redimensionados, redesenhados, reescritos. Conclui

que será preciso “pôr mais inteligência e transparência nas mensagens.

Encarar o público como parceiro. Compreender finalmente que antes de serem

consumidores, a Maria e o Zé são cidadãos conectados”.

Em entrevista à revista “Meio e Mensagem”, veículo dirigido aos

publicitários, John O’Keefe, diretor global de criação do WPP5, ao ser

questionado sobre suas campanhas preferidas e o que elas representam para

o futuro do mercado, responde: “Gosto de peças que falam à emoção. São

sempre sobre elas que as pessoas conversam e isso faz com que acabem

perdurando.” (TURLÃO, 2013, p. 28).

É nessa perspectiva que entendemos a presença dos índices, signos fluidos

que, antes de mostrar, como fazem os ícones, ou de afirmar, como agem os

símbolos, apenas insinuam possibilidades discursivas, sugerem estados

sensoriais e emotivos. Se o ícone apresenta o objeto e o símbolo representa o

desligamento e permite a linguagem abstrata, o índice, como pólo afetivo, 5 WPP Group é uma multinacional britânica de publicidade e relações públicas fundada em 1971. É considerada atualmente a maior Agência de Publicidade do mundo, possui mais de 3000 escritórios em 110 países e emprega mais de 162.000 pessoas. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/WPP_Group http://pt.wikipedia.org/wiki/WPP_Group >. Acesso em: 23 jul. 2013.

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sensorial e participativo “esquenta” a comunicação, arrasta-nos e nos acorrenta

aos fenômenos, às coisas e às imagens.

Cremos ter demonstrado que o icônico e o simbólico estão abrindo espaço

para o indicial em uma comunicação dialógica que privilegia as sensações, a

memória e as alusões, e permite ao espectador/leitor/consumidor de qualquer

grupo social dialogar e preencher com suas próprias experiências mundanas

os espaços da informação e da comunicação, realizando uma leitura mais

“sensível” que “simbólica”, mais pessoal que massiva, afinando sua

sensibilidade ao produto representado.

As mensagens gráficas visuais, particularmente as publicitárias, diante da

nova realidade do receptor/consumidor e das transformações sociais,

tecnológicas e de paradigma, com o fim das grandes narrativas e a emergência

das diferenças e das minorias, sofrem do que chamamos de “esgotamento

simbólico”. Ou seja: embora as mensagens construídas sobre signos cujos

valores foram convencionalmente construídos e disseminados ao longo do

tempo (mulher + carro = poder; poder = força = beleza + sexo, etc.) ainda

tenham presença significativa nas mídias, entendemos que novos “valores”

informacionais estão emergindo.

Na atualidade fragmentada em “realidades díspares”, o discurso de mão

única, unificante e agregador, não tem o mesmo apelo como no passado.

Como afirma Michel Serre no prefácio da obra de Lyotard (1998, p. xi,

comentário do autor), “é impossível submeter todos os discursos (ou jogos de

linguagem) à autoridade de um metadiscurso que se pretende a síntese do

significante, do significado e da própria significação, isto é, universal e

consistente.”

Se os valores e práticas sociais são cada vez mais compartimentados,

diferenciados, específicos e plasmados em diferentes “tribos”, embora

contraditoriamente veiculados e partilhados pelas mídias de forma global,

parece-nos que o antigo paradigma comunicacional de massa é insuficiente

frente aos atuais desafios da comunicação e da informação em suas buscas

por caminhos para atingir diferentes extratos de usuários ou consumidores.

“Para despertar o interesse de alguém por um enunciado e fazer com que ele o 12

retome, vai ser preciso que o outro leve alguma vantagem; portanto, venha a

ser seu co-signatário ou co-produtor, apropriando-se disso seja lá de que

maneira for.” (BOUGNOUX, 1994, p. 41). Se comunicação é, antes de tudo, por

em comum, a oposição entre o simbólico e o indicial coloca em oposição

também a informação e a comunicação. A informação não é algo idêntico e

nem possui o mesmo sentido tanto para o emissor quanto para o receptor, mas

deve ser constituída durante o processo de comunicação.

O símbolo, como as palavras, pode ser contestado e contraposto, pois tem,

em certa medida, seu “valor” preestabelecido e convencionado pelo uso social

– embora nem sempre concordemos com esse “valor”. Sabemos, porém, que

é impossível negar algo pelo indicial, uma vez que esse é apenas “sensação”,

a indicação de alguma possibilidade. Como afirma Bougnoux (1994, p. 76, grifo

nosso), “[...] aquilo que não se pode falar fica mostrado analógica e

indicialmente”. Ou seja, mostra-se algo (o ícone) com alguma indicação

sensível e possível vinculada a esse algo (o índice). Para finalizar, devemos

enfatizar que os índices não são signos descontextualizados, idiossincráticos e

subjetivos. Eles são partilhados socialmente e têm valor estruturado. Porém,

diferentemente dos ícones e símbolos, são mais sutis e se ocultam sob a

presença dominante dos ícones, aos quais sempre se ligam. Portanto,

perceber e indexar índices pressupõe a análise cuidadosa das imagens.

ReferênciasBAUMAN, Zygmunt. Modernidad líquida. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2002.

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