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TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DA RELAÇÃO ENTRE SEMIÓTICA, PUBLICIDADE E IMAGEM1
RESUMOEste artigo traça um paralelo entre a proposta de Dubois sobre os estágios históricos dos modos de compreensão da imagem fotográfica, vinculados ao índice, ao ícone e o símbolo semióticos, e o uso da imagem na publicidade. Mudanças na condição do consumidor foram acompanhadas de alterações no uso das imagens publicitárias. O objetivo inicial de uso das imagens era o de mostrar o objeto a ser consumido, consubstanciado em seu ícone perfeito e real. Posteriormente, foi agregado valor simbólico à mercadoria. Atualmente, a publicidade procura, por meio dos índices, insinuar o prazer da fruição do objeto.
Palavras-chave: semiótica; imagem; publicidade.
ABSTRACTThis paper draws a parallel between the proposed Dubois on the historical stages of understanding modes of the photographic image, linked to the index, the icon and the semiotic symbol, and the use of images in advertising. Changes in consumer conditions have been accompanied by changes in the use of advertising images. The initial objective of the images use was to show the object to be consumed, embodied in his right and real icon. It was later added symbolic value to the goods. Currently, advertising demand, through the indices imply the pleasure of the enjoyment of the object.
Keywords: semiotics; image; advertising.
Ao discorrer sobre as transformações da condição humana, Bauman (2002)
destaca que o homem da modernidade sólida, fruto do sistema industrial
fordista, é aquele considerado manipulável, influenciável. Seu destino era ser
submetido pelos meios de comunicação de massa e pelas estratégias
engendradas pelos comunicadores para construir a figura do “consumidor”, o
sujeito que, finalmente, foi alçado à condição de cidadão de primeira classe na
modernidade líquida de nossos tempos.
O homem moderno clássico é o sujeito típico dos estudos iniciais Do campo
da Comunicação. Assim, as estratégias publicitárias eram projetadas tendo em
perspectiva o consumidor padrão, um tipo representativo da massa, pois nos
1 AUTOR: Paulo Roberto Gomes Pato, doutor em Ciência da Informação (Universidade de Brasília). Texto publicado em janeiro de 2016.
1
primórdios a propaganda buscava sua afirmação e linguagem. Antes mesmo
de 1930, já haviam sido incluídos nos vocabulários “clássicos” da comunicação
rituais de recepção e processos de circulação, mas “o período inicial, no
entanto, foi de caos e mudança, tentativa e erro.” (KELLER, 2004, p. 185).
A possibilidade responsiva do consumidor no período inicial da publicidade,
particularmente a norte-americana, restringia-se a enviar correspondência aos
anunciantes, como o fez um pequeno consumidor rural estadunidense ao
reclamar sobre determinadas imagens impressas nos catálogos de compra à
distância da Sears Roebuck, no início do século XX:
Por favor, coloquem pés nas senhoras do catálogo, para que elas sejam bonecas de papel mais bonitas. Nós nunca encontramos senhoras com pés para completar nossas famílias [...] não coloquem preços nas pernas delas. (KELLER, 2004, p. 203).
Como se percebe, as imagens não apenas mostravam um produto
qualquer, mas ganhavam aspecto lúdico nas mãos dos pequenos e futuros
consumidores da zona rural. Ao montar suas “famílias” com paper dolls
improvisadas, esses jovens se apropriavam de “modelos” gestados pelos
primeiros publicitários, o que auxiliava na construção de sistemas de
representação, significação, domesticação, unificação e dominação do público.
Os pés das mulheres não eram mostrados, ao contrário do que ocorria com
pés de crianças e homens, por regras de “pudor”. Mas as crianças ainda não
sabiam disso...
Os catálogos de venda por correspondência são instituição genuinamente
norte-americana, e funcionam como emblema central da modernidade clássica.
Nos anos iniciais de desenvolvimento, de 1895 a 1906, passaram por grandes
mudanças e ajustes ao modificar sua abordagem na busca por construir o
consumidor e consolidar seu público. Desenvolveram-se convenções
discursivas na medida em que o consumidor via e lia os catálogos e consumia
os produtos ali estampados, enquanto era iniciado no discurso da venda por
correspondência. Muitos aspectos estruturais e de abordagem do
leitor/consumidor surgiram nesse período e se tornaram parte do vocabulário
clássico da propaganda (KELLER, 2004).
2
“Surfando na rede” em busca de representações para compor este artigo,
encontramos as imagens adiante acompanhadas da citação subsequente. O
blog do qual extraímos as imagens e o texto são de responsabilidade de quatro
jovens moças estudantes de Informação e Documentação da Universidade de
Zaragoza, Espanha, campo de conhecimento de nossas pesquisas. Segue o
comentário que reflete a percepção da(s) redatora(s) sobre as imagens
publicitárias em questão.
Figura 1 – Propaganda de 1950 do perfume Chanel 5
Fonte - Disponível em: <http://famousphotos.wordpress.com/2009/12/21/chanel-n%C2%BA-5-de-1950-a-la-actualidad/>. Acesso em: 20 jul. 2013.
Surfando na rede, encontrei um anúncio de Chanel n. 5, que foi publicado em uma revista em 1950. À direita está um anúncio do mesmo perfume publicado em 2000. Uma vez que se passaram 50 anos, normalmente estaria mudada a maneira de atingir o público; mas, se ela funciona, por que mudar? A exceção que confirma a regra. Muitos outros, tais como a Coca-Cola, mudaram (FAMOUSPHOTOS, 2009, grifo nosso, tradução nossa).
3
Figura 2 - Propaganda de 2000 do perfume Chanel 5
Fonte - Disponível em: <http://famousphotos.wordpress.com/2009/12/21/chanel-n%C2%BA-5-de-1950-a-la-actualidad/>. Acesso em: 20 jul. 2013.
O Chanel 5 foi lançado em 1921 e é o primeiro perfume da Maison Chanel,
sendo um líder mundial de vendas. Em 1955, cinco anos após a publicação do
primeiro anúncio (Figura 1), Marilyn Monroe declarou o seguinte em reposta
provocante a um jornalista que quis saber o que ela usava para dormir:
“Apenas duas gotinhas de Chanel 5”2. A afirmação certamente não passou
despercebida pelos donos da marca e muito menos pelos publicitários, ou até
mesmo foi emitida em função de algum acordo comercial.
O interessante no texto do blog das estudantes é que ele aponta para dois
fatores que julgamos básicos e pertinentes à nossa análise sobre imagens,
semiótica e propaganda e suas relações e transformações. O primeiro diz
respeito às mudanças na mensagem publicitária, e o segundo é o fato de se
afirmar que a campanha do Chanel 5 se apresenta como exceção à regra. Ou
seja, toda a publicidade mudou – com o que concordamos –, exceto as
campanhas do Chanel 5, do que discordamos.
Afirmar isso tendo em vista a contraposição das duas imagens revela o
quanto o ícone, o referente, o objeto existente no mundo visível é dominante
nas mentes dos leitores, indexadores e mesmo pesquisadores. A Figura 1 é
tipicamente uma reprodução tipográfica. Algumas letras com pouco
2 Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/autor/marilyn_monroe/2/>. Acesso em: 16 jul. 2013.4
entintamento – C, E e L – destacam a precariedade do processo de impressão.
Em função das características técnicas da tipografia e suas inevitáveis
limitações – impressão por contato direto e pressão – e da clicheria –
construção da imagem “a traço” no clichê por meio de grossos fios definidores
de seu contorno –, o “peso” do recipiente do perfume confere “materialidade” e
“solidez” ao objeto. A função primeira do anúncio é cumprida: apresentar o
produto. Ou, mais precisamente, reiterar a imagem do mais famoso ícone da
perfumaria de todos os tempos, o clássico vidro cujo desenho pouco foi
alterado. A massa cinza, como pano de fundo no qual se destacam fios
horizontais, apenas reforça a materialidade da embalagem ao prendê-la ao
chão.
Na Figura 2 a composição é a mesma. O texto e a embalagem foram
mantidos como elementos centrais da narrativa. Mas a mensagem é outra. Se
no primeiro anúncio o ícone semiótico, a forma, se impõe como elemento
central, sólido e plantado no chão, no segundo a figura do vidro quase
volatizou. O que restou da embalagem foi a insinuação de sua presença
translúcida, a indicação fantásmica e indicial do produto, o odor, a própria
fragrância “materializada”. A mensagem deslocou-se da embalagem – visível,
porque icônica – para a substância, o aroma, o índice invisível, mas “sentido”
de alguma maneira. A forma, antes sólida, misturou-se ao fundo vaporizado. É
interessante destacar que o líquido do perfume é amarelado e não está
“presente” nos anúncios, pois efetivamente não é isso o que interessa
“mostrar”. No primeiro anúncio o importante é enfatizar a forma. No segundo,
com a forma já sobejamente conhecida pelo consumidor, insinua-se o que
decorre do líquido que ali é invisível, a fragrância, o perfume em si; porém, sem
perder a referência icônica historicamente construída pela publicidade.
Portanto, o que impera no segundo anúncio é o índice, a indicação sensível de
uma possibilidade. Certamente não é possível, nessa situação, sentir
diretamente o perfume pelo olfato. Mas é possível “senti-lo” pela visão. O
recurso visual utilizado para atingir tal fim foi o da fusão, diluição e
esmaecimento do ícone, sua incorporação ao fundo que passa de massa sólida
a algo etéreo e gasoso, leve e suave. Restou apenas o “espírito” da
embalagem, que é, em última análise, o aroma característico do produto. Esse 5
ajuste fino das camadas de signos só é possível em função dos softwares
gráficos. Ao trabalhar layers e transparências, o designer gráfico empresta
fluidez e leveza ao vidro, modificando a essência da mensagem. Algo típico da
atual modernidade líquida que nos fala Bauman (2002).
O primeiro anúncio do Chanel 5 espelha a estratégia fundamental presente
nos primórdios da Publicidade, embora o anúncio seja de 1950. Mostrar o
produto, seu ícone, era torná-lo real e palpável para o consumidor. Vendia-se
algo sólido e visível, quase passível de ser apreendido e manipulado. Esse
modelo de anunciar se vincula à modernidade sólida de Bauman (2002). A
mentalidade, as possibilidades técnicas, os padrões de consumo e as relações
entre produto e consumidor emergem da imagem. O fordismo do antigo
capitalismo sólido está representado pela mecânica do processo tipográfico
baseado na prensa de Gutenberg, o qual reflete seu “peso” no anúncio. As
possibilidades técnicas do clichê limitam a imagem a traços grosseiros, e a
prensa deixa transparecer as barreiras do processo, desde os problemas de
falta ou excesso de tinta até as falhas de impressão.
Sem eliminar as estratégias da primeira fase, o segundo anúncio
exemplifica a terceira fase do uso da imagem na publicidade, o que
entendemos ser uma tendência na publicidade atual e que se alinha à
modernidade líquida de Bauman (2002). A leveza e fluidez é sua característica
básica. A mensagem é mais sensorial que cerebral. A apresentação do produto
via ícone ainda ocorre, evidentemente, porque esse sempre se apresenta no
início do processo interpretativo. Mas, como afirma Landowski (2001, p. 127),
se a publicidade contemporânea tem alguma eficácia é porque não procura dar
lição de moral ou ser explicitamente persuasiva. Sua estratégia consiste em
povoar nosso universo de simulacros, “um mundo imaginário e pregnante que
nos engloba como uma segunda intimidade [...] não as segundas intenções,
mas aquilo mesmo que se deixa de fato ver, e até sentir.”
O ícone, o índice e o símbolo formam a mais fundamental divisão dos
signos (CP 2.275). Esse signo é da natureza de uma aparência, existindo apenas na consciência, apesar de, por conveniência, nós o estendermos
para as aparências visíveis dos objetos, que excitam na consciência a imagem
6
desses objetos (CP 4.447). O signo icônico mantém uma relação de
semelhança com seu objeto, na qual a realidade efetiva do objeto é desnecessária para a sua significação possível (CP 2.276). Peirce (CP
2.278) afirma que só é possível comunicar diretamente alguma ideia por meio de um ícone, e todo método de comunicação indireta de alguma ideia
deve depender, para seu estabelecimento, de um ícone.
Se o ícone é a base qualitativa para se entender o objeto representado, a
compreensão só ocorre com a ajuda dos índices. O índice se define pela
relação real com o objeto. Podemos inferir que o índice só diz algo porque está
vinculado a um ícone. Nada pode apontar, a não ser pela relação com algum
ícone.
Segundo Peirce (1998), a linguagem e todo o pensamento abstrato,
realizado por meio de palavras, são de natureza simbólica. As palavras são
símbolos, pois são signos convencionados, leis que de certo modo os falantes
de uma determinada língua devem seguir para poder comunicar
satisfatoriamente. Os símbolos nem exibem os próprios caracteres significados, como fazem os ícones ao mostrar o objeto, nem tampouco asseguram a realidade dos seus respectivos objetos, como indicam os
índices ao se vincularem “carnalmente” aos objetos que indicam.
Podemos vincular os diferentes usos da imagem na propaganda aos
estágios evolutivos históricos da análise fotográfica como proposto por Dubois
(1986), cuja base são os três principais signos semióticos, o ícone, o índice e o
símbolo. Segundo o autor, nos primórdios a fotografia era percebida como a
realidade em si, seu ícone analógico correspondente ponto a ponto ao objeto;
em um segundo estágio, a fotografia constituiu-se em símbolo, em material
moldado segundo as necessidades e visão do fotógrafo e, no caso da
publicidade, toda a gama de profissionais e necessidades comunicativas sobre
determinado produto; finalmente, no terceiro estágio a fotografia mostra-se
apenas como um índice da realidade, uma insinuação do visível do qual
emana.
Nessa perspectiva, mostrar o ícone, a imagem explícita do produto,
repousava sobre a necessidade de torná-lo reconhecível pelo consumidor no 7
ato da compra. A associação entre o produto e uma determinada necessidade
de uso ocorria em função da identificação icônica. No período inicial da
propaganda, apresentar o produto ao consumidor era imperativo, se não para
incitar a compra, ao menos para o reconhecimento do produto nas prateleiras.
O valor de uso se sobrepunha ao valor simbólico, e o desejo era direcionado ao
objeto, logo, ao ícone, sua imagem perfeita e “real”.
O caráter passivo do receptor parecia patente nesse período inicial. Não
havia uma perspectiva analítica desenvolvida pela sociedade e pelos
consumidores em relação aos meios. Assim, parecia evidente a ligação entre
meio, manipulação e efeito. A expansão da sociedade de consumo foi exitosa
em função da adesão das massas. Nesse sentido, a propaganda teve papel
decisivo na criação de necessidades e disseminação de novas práticas e
hábitos de consumo.
Com a ampliação crescente, a sofisticação do mercado e a emergência de
inúmeras mercadorias concorrentes, apenas mostrar o produto não garantia
vantagem competitiva. Portanto, era necessário vincular um valor secundário
ao valor primário de uso. Assim, o valor simbólico passa a impregnar o produto
e acaba por assumir o papel principal. “Parecer com” é mais que “ter”, e o valor
simbólico passa a dominar os enunciados da publicidade. Carros possantes,
mulheres bonitas e sensuais, astros e estrelas de Hollywood assumem o papel
de modelos a serem copiados e emprestam seus corpos e valias para as mais
diversas encenações. O desejo pelo produto se afasta definitivamente do
simples ato de usá-lo. Afinal, se “um cachimbo não é um cachimbo”3, um
sabonete4 não é simplesmente “um sabonete”, uma vez que sua assustadora
composição química é oculta pela “aparência”.
3 Referência a “Ceci n'est pas une pipe” (“Isto não é um cachimbo”), pintura de René Magritte.4 Composição do sabonete Lux: Sodium stearate/oleate/palmitate/linoleate/laurate/myristate, aqua, calcium carbonate, parfum, sodium chloride, helianthus annuus seed oil, sodium carbonate, glycerin, titanium dioxide, CI 12490, etidronic acid, tetrasodium EDTA, PEG-40 hydrogenated castor oil, trideceth-9, paullinia cupana seed extract, 1,2-hexanediol, actindia chinensis fruit juice, caprylyl glycol, citrus aurantifolia juice, nonfat dry Milk, wine extract, vanilla planifólia fruit extract, cocos nucifera fruit extract, CI 74160, CI 77266, benzyl acetate, benzyl salicylate, butylphenyl methylpropional, eugenol, geraniol, hexyl cinnamal, limonene, linalool. Disponível em: <http://www.mercadomacae.com.br/index.php/sabonete-lux-suave-degusta-me-90g.html>. Acesso em: 14 jun. 2013.
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Figura 3 - Lux e Marlene Dietrich
Fonte - Disponível em: <http://www.brigite.com.br/blog/?p=37>. Acesso em: 21 jul. 2013.Figura 4 - Lux e Jane Fonda
Fonte 1 - Disponível em: <http://www.brigite.com.br/blog/?p=37>. Acesso em: 21 jul. 2013.
Produtos os mais diversos “agregam valor” e passam à condição de objetos
de desejo. Carros, bolsas, sapatos, bebidas e um sem fim de objetos e gadgets
adquirem personalidade e as transferem aos seus felizes possuidores. O
consumo passa a distinguir o consumidor. Porém, a fetichização do objeto no
mundo ocidental sofreria um baque ao final do século passado com a entrada
da China na arena do comércio global. Utilizando estratégia semelhante à do
Japão do pós-guerra, copiar produtos ocidentais e os espalhar pelo mundo, os
chineses foram além ao inundar o planeta com suas réplicas dos principais
objetos de desejo dos consumidores ocidentais. Relógios, bolsas, roupas,
carros, tênis de marca ou qualquer outra coisa passível de cópia foi e está
9
sendo produzida em escala mastodôntica. O valor agregado simbólico das
grandes marcas, construído pacientemente pela indústria e pela publicidade
ocidental, ruiu frente a cópias e falsificações cada vez mais difíceis de serem
detectadas. Portanto, patroa e empregada podem usufruir igualmente de suas
bolsas Louis Vuitton. O status proporcionado pelo objeto sofreu um duro revés
pela falsificação. A cópia e a falsificação instituíram, enfim, o simulacro do
simulacro.
Se não é suficiente ao consumidor utilizar uma bolsa pelo simples ato de
carrear carteira, chaves, documentos e nem mesmo ostentar alguma
vinculação simbólica por essa ter sido diluída e rebaixada pela cópia, resta
sentir o prazer sensorial de “possuir” o objeto. O Chanel 5 pode ser imitado,
copiado, mas sua fragrância, como segredo industrial, permanece inalcançável.
Copia-se a aparência, sua exterioridade material, o referente icônico. Apropria-
se até de seu simbolismo. Mas não se alcança sua essência. Assim, indicar ao
consumidor que há um valor que permanece inalterado é mostrar que a
sensação de usufruí-lo é maior até que o seu poder simbólico. Portanto, o “ter”
e o “parecer” deram lugar ao “sentir”. É a volta do valor de uso com nova
roupagem. Não mais utilitário, para resolver alguma demanda ou expurgar
algum odor, mas para proporcionar “fruição”, já que todas as demandas pela
sobrevivência estão satisfeitas, de certo modo, na modernidade líquida.
Pompeu (2012) afirma que a “vida já foi mais fácil para o pessoal da
propaganda e do marketing”, pois acredita que os chavões e slogans que
poluíram a imaginação dos consumidores por décadas perderam efeito. Elenca
uma lista dos chavões: mulheres bonitas e pouco vestidas, homens bonitos e
bem vestidos, vovós e vovôs alegres e sadios, famílias inteiras impecavelmente
felizes, além dos campeões da exibição: gente jovem, gente jovem, gente
jovem. Questiona em seguida: será que esses “perfumes de sedução” seguem
funcionando? Alguém ainda acredita que conquistará a mulher desejada com
um sedan? Crê que se transformará no designer premiado, ou na escritora best
seller ao comprar um computador “da hora”? Ou mesmo algum prestador de
serviço acredita que basta dizer que é bom? Uma grife internacional pode
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ignorar uma denúncia de envolvimento com trabalho escravo? Num mundo
inundado de informações, será possível vender gato por lebre?
Respondendo a essas indagações, Pompeu (2012) afirma: não. Enfatiza
que algo está mudando de forma profunda nas relações de mercado e
comunicação. E diz que esse algo em mudança é o consumidor. Agora “ele
tem o poder de acessar informações de qualquer lugar. Esteja em Arapiraca ou
Tóquio”. Tem ferramentas para comparar serviços, calcular custo-benefício,
acompanhar a imagem social das marcas, testar a qualidade dos produtos. E
tem também uma arma mortal contra enganações: difundir sua avaliação por
meio das redes sociais. Hoje, amigos influenciam muito mais do que pregações
publicitárias.
Mas não há solução para esse cenário? É o fim do jogo para profissionais
da propaganda e do marketing? Pompeu (2012) diz que há solução e afirma
que o mercado e a arte da sedução ainda seguirão vivos por longo tempo. Só
que agora precisam ser redimensionados, redesenhados, reescritos. Conclui
que será preciso “pôr mais inteligência e transparência nas mensagens.
Encarar o público como parceiro. Compreender finalmente que antes de serem
consumidores, a Maria e o Zé são cidadãos conectados”.
Em entrevista à revista “Meio e Mensagem”, veículo dirigido aos
publicitários, John O’Keefe, diretor global de criação do WPP5, ao ser
questionado sobre suas campanhas preferidas e o que elas representam para
o futuro do mercado, responde: “Gosto de peças que falam à emoção. São
sempre sobre elas que as pessoas conversam e isso faz com que acabem
perdurando.” (TURLÃO, 2013, p. 28).
É nessa perspectiva que entendemos a presença dos índices, signos fluidos
que, antes de mostrar, como fazem os ícones, ou de afirmar, como agem os
símbolos, apenas insinuam possibilidades discursivas, sugerem estados
sensoriais e emotivos. Se o ícone apresenta o objeto e o símbolo representa o
desligamento e permite a linguagem abstrata, o índice, como pólo afetivo, 5 WPP Group é uma multinacional britânica de publicidade e relações públicas fundada em 1971. É considerada atualmente a maior Agência de Publicidade do mundo, possui mais de 3000 escritórios em 110 países e emprega mais de 162.000 pessoas. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/WPP_Group http://pt.wikipedia.org/wiki/WPP_Group >. Acesso em: 23 jul. 2013.
11
sensorial e participativo “esquenta” a comunicação, arrasta-nos e nos acorrenta
aos fenômenos, às coisas e às imagens.
Cremos ter demonstrado que o icônico e o simbólico estão abrindo espaço
para o indicial em uma comunicação dialógica que privilegia as sensações, a
memória e as alusões, e permite ao espectador/leitor/consumidor de qualquer
grupo social dialogar e preencher com suas próprias experiências mundanas
os espaços da informação e da comunicação, realizando uma leitura mais
“sensível” que “simbólica”, mais pessoal que massiva, afinando sua
sensibilidade ao produto representado.
As mensagens gráficas visuais, particularmente as publicitárias, diante da
nova realidade do receptor/consumidor e das transformações sociais,
tecnológicas e de paradigma, com o fim das grandes narrativas e a emergência
das diferenças e das minorias, sofrem do que chamamos de “esgotamento
simbólico”. Ou seja: embora as mensagens construídas sobre signos cujos
valores foram convencionalmente construídos e disseminados ao longo do
tempo (mulher + carro = poder; poder = força = beleza + sexo, etc.) ainda
tenham presença significativa nas mídias, entendemos que novos “valores”
informacionais estão emergindo.
Na atualidade fragmentada em “realidades díspares”, o discurso de mão
única, unificante e agregador, não tem o mesmo apelo como no passado.
Como afirma Michel Serre no prefácio da obra de Lyotard (1998, p. xi,
comentário do autor), “é impossível submeter todos os discursos (ou jogos de
linguagem) à autoridade de um metadiscurso que se pretende a síntese do
significante, do significado e da própria significação, isto é, universal e
consistente.”
Se os valores e práticas sociais são cada vez mais compartimentados,
diferenciados, específicos e plasmados em diferentes “tribos”, embora
contraditoriamente veiculados e partilhados pelas mídias de forma global,
parece-nos que o antigo paradigma comunicacional de massa é insuficiente
frente aos atuais desafios da comunicação e da informação em suas buscas
por caminhos para atingir diferentes extratos de usuários ou consumidores.
“Para despertar o interesse de alguém por um enunciado e fazer com que ele o 12
retome, vai ser preciso que o outro leve alguma vantagem; portanto, venha a
ser seu co-signatário ou co-produtor, apropriando-se disso seja lá de que
maneira for.” (BOUGNOUX, 1994, p. 41). Se comunicação é, antes de tudo, por
em comum, a oposição entre o simbólico e o indicial coloca em oposição
também a informação e a comunicação. A informação não é algo idêntico e
nem possui o mesmo sentido tanto para o emissor quanto para o receptor, mas
deve ser constituída durante o processo de comunicação.
O símbolo, como as palavras, pode ser contestado e contraposto, pois tem,
em certa medida, seu “valor” preestabelecido e convencionado pelo uso social
– embora nem sempre concordemos com esse “valor”. Sabemos, porém, que
é impossível negar algo pelo indicial, uma vez que esse é apenas “sensação”,
a indicação de alguma possibilidade. Como afirma Bougnoux (1994, p. 76, grifo
nosso), “[...] aquilo que não se pode falar fica mostrado analógica e
indicialmente”. Ou seja, mostra-se algo (o ícone) com alguma indicação
sensível e possível vinculada a esse algo (o índice). Para finalizar, devemos
enfatizar que os índices não são signos descontextualizados, idiossincráticos e
subjetivos. Eles são partilhados socialmente e têm valor estruturado. Porém,
diferentemente dos ícones e símbolos, são mais sutis e se ocultam sob a
presença dominante dos ícones, aos quais sempre se ligam. Portanto,
perceber e indexar índices pressupõe a análise cuidadosa das imagens.
ReferênciasBAUMAN, Zygmunt. Modernidad líquida. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2002.
BOUGNOUX, Daniel. Introdução às ciências da informação e da comunicação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
DUBOIS, Philippe. De la verosimilitud al índex. In: El acto fotográfico: de la representación a la recepción. Barcelona: Paidós, 1986.
FAMOUSPHOTOS.wordpress.com. Disponível em: <http://famousphotos.wordpress.com/2009/12/21/chanel-n%C2%BA-5-de-1950-a-la-actualidad/ >. Acesso em: 20 jul. 2013.
KELLER, Alexandra. Disseminações da modernidade: representação e desejo do consumidor nos primeiros catálogos de venda por correspondência. In:
13
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