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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Uberlândia - MG – 19 a 21/06/2015 1 Um estudo da marca Harry Potter e a relação da produtora Warner Bros. com os fãs da saga 1 Jéssica Adriana Araújo Salvattori FERREIRA 2 Rosane Vasconcelos ZANOTTI 3 Universidade Federal do Espirito Santo, Vitória, ES Resumo O trabalho tem como objetivo identificar as estratégias utilizadas pela produtora Warner Bros. para a manutenção da marca Harry Potter e entender como os fãs são usados para esse propósito. O estudo foi desenvolvido a partir de um levantamento bibliográfico. A pesquisa tem como base a teoria da cultura da convergência, defendida por Jenkins (2008). Diante desse fenômeno esse estudo se torna totalmente pertinente, visto que os fãs passaram a ter um papel de destaque na missão de construir e manter a marca e as empresas tiveram que aprender a lidar com essa nova situação. Será apresentado aqui uma base teórica para a compreensão desses acontecimentos. Palavras-chave Harry Potter; Cultura da convergência; Fandom; Warner; Estratégias de marketing. Objetivo O objetivo geral da pesquisa é descobrir como os fãs foram e ainda são usados para manter a marca Harry Potter ativa. Para tanto alguns objetios específicos foram determinados como entender o processo de construção e manutenção de uma marca através do estudo de conceitos de marketing. Em seguida entender a relação da Warner com a marca Harry Potter e a importância que ela tem para a empresa. E também descobrir como se dá a relação entre a Warner e os fãs da saga. Metodologia 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Publicidade e Propaganda, da Intercom Júnior XX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 19 a 21 de junho de 2015. 2 Estudante de Graduação 8º semestre do Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda da UFES, email: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Comunicação Social da UFES, email: [email protected]

Um estudo da marca Harry Potter e a relação da produtora

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Uberlândia - MG – 19 a 21/06/2015

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Um estudo da marca Harry Potter e a relação da produtora Warner Bros. com os

fãs da saga1

Jéssica Adriana Araújo Salvattori FERREIRA2

Rosane Vasconcelos ZANOTTI3

Universidade Federal do Espirito Santo, Vitória, ES

Resumo

O trabalho tem como objetivo identificar as estratégias utilizadas pela produtora Warner

Bros. para a manutenção da marca Harry Potter e entender como os fãs são usados para

esse propósito. O estudo foi desenvolvido a partir de um levantamento bibliográfico. A

pesquisa tem como base a teoria da cultura da convergência, defendida por Jenkins

(2008). Diante desse fenômeno esse estudo se torna totalmente pertinente, visto que os

fãs passaram a ter um papel de destaque na missão de construir e manter a marca e as

empresas tiveram que aprender a lidar com essa nova situação. Será apresentado aqui

uma base teórica para a compreensão desses acontecimentos.

Palavras-chave

Harry Potter; Cultura da convergência; Fandom; Warner; Estratégias de marketing.

Objetivo

O objetivo geral da pesquisa é descobrir como os fãs foram e ainda são

usados para manter a marca Harry Potter ativa.

Para tanto alguns objetios específicos foram determinados como entender o

processo de construção e manutenção de uma marca através do estudo de conceitos de

marketing.

Em seguida entender a relação da Warner com a marca Harry Potter e a

importância que ela tem para a empresa.

E também descobrir como se dá a relação entre a Warner e os fãs da saga.

Metodologia

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Publicidade e Propaganda, da Intercom Júnior – XX Congresso de

Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 19 a 21 de junho de 2015.

2 Estudante de Graduação 8º semestre do Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e

Propaganda da UFES, email: [email protected]

3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Comunicação Social da UFES, email: [email protected]

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O método utilizado foi a revisão bibliográfica de autores que discutem

marketing nas suas mais diversas formas, convergência, mudança de estratégias

midiáticas e também aqueles que discutem o mundo dos fãs e seus desdobramentos.

Foram feitos fichamentos dos livros e artigos lidos para uma melhor

compreensão e aproveitamento dos conteúdos que resultaram na elaboração deste

trabalho.

As Marcas

Para se construir uma marca e sua imagem é necessário que sejam definidos

sua identidade e posicionamento, a partir disso é que se traça um plano de comunicação

e marketing que define como ela será trabalhada dali para frente.

A identidade é como a empresa se vê, é o que ela quer passar para o público

e imagem é justamente o que o consumidor enxerga e entende dessa identidade. Já o

posicionamento está diretamente ligado à segmentação do público, que faz a diferença

na escolha da linguagem, por exemplo, que será utilizada.

“Quando se define a cara da empresa, deve-se decidir para quem vai se

mostrar a ‘cara’” (MOURA; ARAÚJO, 2014, p.15). O ideal é que esses elementos

estejam bem alinhados para proporcionar melhores experiências aos consumidores. Isso

mostra que uma marca tem que ser criada “de dentro para fora”, ou seja, antes de

começar a divulgar informações ou tentar falar com o público deve-se ter bem definido

quais os objetivos da marca, o que ela deve mostrar e onde quer chegar.

Dado esse primeiro passo é hora de partir para o “mundo exterior”,

começando por tornar sua marca conhecida. É o reconhecimento que vai dar um ar de

familiaridade à marca e Aaker (1998) coloca que

Usualmente, é desperdício tentar comunicar os atributos da marca sem que o

nome esteja estabelecido o suficiente para permitir uma associação com eles.

Um nome é como uma pasta de arquivo especial na mente, que pode ser

preenchido com fatos, nomes e sentimentos. Sem esse arquivo disponível na

memória, os fatos e sentimentos se perdem e não podem ser rapidamente

acessados quando necessários (AAKER, 1998, p. 66).

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Por isso que na “fase inicial de construção da marca, seus elementos devem

ser planejados de forma a gerar sentimentos positivos no público-alvo”. (KOTLER;

KELLER, 2006, p. 275).

Quando uma marca passa a ser reconhecida é necessário que se crie algo

maior para associar a ela, a marca tem que ter valor e é aí que o brand equity ganha

destaque. Ele pode ser definido como

[...] o valor agregado atribuído a produtos e serviços. Esse valor pode se refletir

no modo como os consumidores pensam, sentem e agem em relação à marca,

bem como nos preços, na participação de mercado e na lucratividade que a

marca proporciona à empresa. O brand equity é um importante ativo intangível

que representa valor psicológico e financeiro para a empresa. (KOTLER;

KELLER, 2006, p.270).

O valor de uma marca é formado por diversos ativos que interferem na

percepção que se tem dela. Entre esses ativos estão a lealdade à marca e a qualidade

percebida do produto ou serviço em questão.

A qualidade percebida influencia diretamente as decisões de compra e a

lealdade à marca, especialmente quando um comprador não está motivado ou

capacitado a fazer uma análise detalhada [...] Além do mais, a percepção de

qualidade pode ser a base para a extensão da marca. (AAKER, 1998, p. 20).

Outro conceito importante a ser trabalhado é o de lovemarks, mas,

primeiramente, deve-se entender o contexto de marketing que estamos vivendo

atualmente. Pode-se dizer que o marketing tem três “fases” onde em cada uma delas o

direcionamento e trabalho com a marca são feitos de forma diferente.

O primeiro deles é conhecido como Marketing 1.0. Esse tipo de marketing

vem dos primórdios da era industrial, quando o que mais importava era baratear ao

máximo o produto para aumentar as vendas. Esse é o marketing voltado para o produto.

Já o Marketing 2.0 veio junto com a era da informação e é o marketing

voltado para o cliente. Seguindo a máxima de que “o cliente tem sempre razão” os

profissionais da área precisam trabalhar pensando sempre no público alvo e segmento,

mas tratando-os como participantes passivos dessa transação.

A mais recente fase do marketing é o chamado Marketing 3.0, onde ao invés

de “tratar as pessoas simplesmente como consumidoras, os profissionais de marketing

as tratam como seres humanos plenos: com mente, coração e espírito” (KOTLER;

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KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 4). Apesar de ainda haverem profissionais e

empresas que utilizam o Marketing 1.0 e o 2.0, a tendência é cada vez mais que todos

passem a adotar o Marketing 3.0, pois cada vez mais os consumidores

[...] buscam empresas que abordem suas mais profundas necessidades de justiça

social, econômica e ambiental em sua missão, visão e valores. Buscam não

apenas satisfação funcional e emocional, mas também satisfação espiritual, nos

produtos e serviços que escolhem (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN,

2010, p. 4).

O consumidor alcançou um papel de destaque nunca experimentado

anteriormente. É importante perceber que

O empowerment do consumidor é a plataforma para sua conversa. A conversa

muitos-para-muitos é o que torna uma rede de consumidores poderosa. A

história de uma marca não tem significado algum quando os consumidores não

estão falando sobre ela. No Marketing 3.0 a conversa é a nova propaganda

(KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 72).

Retomando ao importante ativo do brand equity, a lealdade é a peça chave

nesse jogo. Aaker (1998, p. 50) ressalta cinco pontos que, segundo ele, são necessários

para criar e manter uma lealdade à marca, que são: tratar corretamente o consumidor;

ficar próximo do consumidor; medir/gerenciar a satisfação do consumidor; criar custos

de mudança e proporcionar extras. Esses pontos na verdade são a base para se ter uma

relação de respeito com o consumidor.

Mas chega um momento em que as marcas despertam mais do que respeito,

o respeito é a base de tudo mas não é o suficiente. As pessoas passam a ter sentimentos

reais, passam a amar as marcas. As marcas passam a ser como parte da família, como

aquela Coca-Cola no almoço de domingo que não pode faltar. Passam a interferir na

criação de caráter, como todas as crianças que cresceram assistindo desenhos da Disney

e suas lições morais. Passam a ser mais do que objetos de desejo, passam a ser objetos

de sacrifício, como quem fica dias em uma fila em frente à Apple Store só para ter a

conquista de ser o primeiro a comprar o novo lançamento. Essas marcas alcançaram um

patamar em que todas as marcas querem chegar, essas são as lovemarks, ou, marcas de

amor.

Essas são as marcas que têm os consumidores mais fiéis. Aqueles que não a

trocam por nada, independente de haverem críticas ao modo de produção, ao conteúdo,

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ou até mesmo à qualidade, eles não se importam, na verdade é nesse momento que eles

defendem suas marcas do coração. Se for necessário até brigam para provar que estão

certos. Nem mesmo um preço mais atraente da concorrência é capaz de fazê-los mudar

de ideia.

“Grandes marcas sempre estiveram cercadas de grandes histórias. Marcas

que aspiram transformar-se em lovemarks deve desenvolver a habilidade interativa de

ouvir e gerar meios para coletar histórias das experiências de seus consumidores”

(ROBERTS, 2005, p. 90). Essa técnica é chamada de storytelling, que seria justamente a

habilidade de contar histórias.

“Storytelling é uma das formas mais poderosas de dar vida a sua marca,

sendo um dos principais componentes de uma estratégia de marketing de conteúdo”

(CARVALHO, 2014). Histórias envolvem, emocionam e facilitam a criação de uma

conexão entre marca e cliente.

Roberts (2005) relata que “as histórias alimentam as lovemarks. É por meio

delas que explicamos o mundo para nós mesmos e atribuímos valor àquilo que amamos.

Todos sabem que uma grande história, no momento certo, pode mudar nossa opinião

[...]” (ROBERTS, 2005, p. 88). Por isso é necessário que uma boa história seja criada

para a base da marca.

É importante ressaltar também que “as Lovemarks não são propriedade dos

fabricantes, dos produtores, das empresas. São das pessoas que as amam” (ROBERTS,

2005, p. 74). É aí que percebemos que na verdade, as lovemarks não têm mais meros

clientes, elas têm verdadeiros fãs.

Antigamente ser fã era um ato quase que solitário, salvo por alguns amigos

que poderiam compartilhar dos mesmos gostos que os seus. Mesmo que houvessem

muitos fãs de determinada coisa/pessoa, essa troca era algo muito pequeno. A internet

mudou completamente esse cenário. Os fandoms4 ganharam cada vez mais adeptos e

passaram a agir de forma global. Hoje em dia é fácil se conectar com fãs, da mesma

série ou filme que você, que morem do outro lado do mundo. É muito mais fácil

compartilhar informações e interagir.

A segunda “revolução” no mundo dos fãs foram as mídias sociais que

agilizaram ainda mais o processo de interação e compartilhamento. As pessoas

passaram a seguir seus objetos de interesse bem de perto. Ganharam também o direito

4 Fandom é a junção de duas palavras inglesas, fan e kigndom (se traduzidas literalmente seria o reino dos fãs). Essa

palavra é utilizada para denominar as comunidades de fãs que existem, principalmente na internet.

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de conversar diretamente com eles seja para elogiar, perguntar ou até mesmo reclamar.

Por isso hoje os “ profissionais de marketing não têm mais controle total sobre suas

marcas, pois agora estão competindo com o poder coletivo dos consumidores”

(KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 11).

Harry Potter e a Indústria do Cinema

Em 1997 um livro sem a menor pretensão estava sendo lançado, no entanto

ele conquistou leitores do mundo todo, se tornou filmes, games, roupas e acessórios.

Desde que “nasceu” ele só cresceu. Ficou grandinho o suficiente para ser considerado

um fenômeno e se tornou objeto de estudo de muitos pesquisadores, desde então.

Harry Potter não foi criado para ser um sucesso. Na verdade ele subvertia

tudo o que se pregava na indústria editorial britânica na época. Em um momento onde

os livros infantis tinham que vir recheados de lições morais e com histórias curtas e

pouco densas, Harry Potter e a Pedra Filosofal (primeiro livro da série) teve que “ouvir”

muitos nãos até ser de fato aceito para publicação.

Entretanto, todos os que apostaram nessa ideia (desde secretárias e agentes

literários às editoras) se encantaram pela história desde o primeiro momento em que se

dispuseram a ler.

Depois de sua dificuldade inicial Harry Potter passou a abrir muitas portas e

se superar a cada momento. Harry Potter entrou para a lista de bestsellers do New York

Times (a mais importante do segmento nos Estados Unidos) e ficou. Além de bater

recordes de permanência na lista (oitenta semanas) J. K. Rowlling, autora dos livros,

também conseguiu o feito de ter quatro livros da saga (todos os lançados até o

momento) ocupando os primeiros lugares da lista. (ANELLI, 2011).

A cada livro lançado mais a saga ia sendo definida como “fenômeno”. “Em

junho de 1998, além da Inglaterra, Harry já tinha sido publicado, ou estava para ser

lançado na França, Alemanha, Itália, Holanda, Grécia, Finlândia e Dinamarca”

(ANELLI, 2011, p.76), e isso foi somente o começo. Neste mesmo ano (passado apenas

um desde o lançamento do primeiro livro) a Warner Bros. já começou a negociar os

direitos de transformar a saga em filmes.

A Time Inc. e a Warner Communications Inc. se mesclaram no ano de 1990

tornando-se a Time Warner. Em 2001 houve uma nova fusão, agora com a America

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OnLine (AOL), se transformando assim em um dos maiores conglomerados de

entretenimento do mundo. Nesse mesmo ano foi lançado o primeiro filme da saga:

Harry Potter e a Pedra filosofal. Em pouco tempo foram lançados uma série incontável

de produtos.

Janet Wasco ressalta que “while Hollywood films historically have helped

sell some products, the deliberate production of additional commodities associated with

the film commodity has accelerated tremendously over the past few decades. Until the

1960s/1970s, relatively little mershandising activity took place in Hollywood, except to

Disney”5. Isso é interessante porque hoje o parque do Harry Potter, que fica na

Universal Studios, é tratado muitas vezes de igual para igual com relação ao parque da

Disney, mesmo a Disney tendo essa longa tradição em investimento de mershandising.

Um exemplo disso é o outdoor da Tia Penha, empresa que promove viagens que tem

como carro chefe a viagem à Disney, que pode ser visto na Figura 1.

Figura 1: imagem retirada do site Tia Penha6

Como podemos perceber ambos os parques são colocados em pé de igualdade, isso

demonstra o quanto Harry Potter cresceu e trouxe retornos em tão pouco tempo.

É inegável o valor que Harry Potter acumulou, se tornando a “galinha dos

ovos de ouro” da Warner. Só com a bilheteria dos filmes a Warner Bros. arrecadou mais

de 8 bilhões de dólares. “Segundo estimativas, nos últimos dez anos, os livros da

5 Esse trecho pode ser traduzido como: “Enquanto os filmes de Hollywood historicamente ajudaram a

vender alguns produtos, a produção deliberada de mercadorias adicionais associadas com a mercadoria

filme acelerou enormemente ao longo das últimas décadas. Até a década de 1960/1970, relativamente

pouca atividade de mershandising teve lugar em Hollywood, exceto para a Disney”. 6 Disponível em: <www.tiapenha.com.br> Acesso em: 11 abr 2015.

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escritora JK Rowling, que viraram filmes, jogos de videogame e até parques temáticos,

movimentaram cerca de 20 bilhões de dólares7”. Esse dado não é o mais atualizado, pois

foi tirado de uma matéria publicada em 2011, mas já dá uma prévia de quanto a série

foi, e continua sendo, extremamente lucrativa.

Os fãs na era da convergência

Apesar de existirem sagas antecessoras de sucesso, como Star Trek e Star

Wars, Harry Potter teve a influência de um fator muito importante para sua

popularização e globalização: a popularização da internet.

A internet contribuiu para que fãs do mundo inteiro compartilhassem ideias

e emoções, confabulassem teorias a respeito da história e contribuiu para que diversas

comunidades fossem criadas. Tudo isso aumentou consideravelmente a expectativa e

repercussão a respeito de tudo que envolvesse a história do bruxinho.

Junto com todo esse furor da internet, em meio a essas comunidades de fãs,

começaram a se popularizar também as primeiras fanfictions (histórias criadas pelos

fãs). Harry Potter acabou se tornando um exemplo nítido da nova cultura que estava

crescendo, a cultura da convergência. Convergência é descrita por Jenkins (2008, p.29)

como sendo um “fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos”. Ele

coloca ainda que essa cultura é caracterizada por “comportamento migratório dos

públicos dos meios de comunicação que vão a quase qualquer parte em busca das

experiências de entretenimento que desejam”, exatamente como os fãs de Harry Potter

agem.

Novas tecnologias reduziram os custos de produção e distribuição, expandiram

o raio de ação dos canais de distribuição disponíveis e permitiram aos

consumidores arquivar e comentar conteúdos, apropriar-se deles e colocá-los de

volta em circulação de novas formas. (JENKINS, 2008, p.45)

Toda essa mobilização mundial pegou a produtora Warner de surpresa. Com

os direitos sobre a marca Harry Potter recém-adquiridos, em 2001, “o estúdio seguia

7 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/como-a-warner-vai-continuar-lucrando-

com-o-fim-do-harry-potter> Acesso em: 11 mai 2015.

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uma antiga prática de procurar websites cujos domínios usassem frases protegidas por

direitos autorais ou marcas registradas” (JENKINS, 2008, p. 246).

O estúdio, é claro, encontrou uma série de websites que infringiam esses

direitos, se apropriavam de personagens, cenários, da história como um todo. Ele

decidiu então agir, contactar os donos desses sites e ameaçar tirá-los do ar, mas agindo

dessa forma eles não tinham ideia da reação que iriam desencandear. Heather Lawver,

16 anos, era editora de um site chamado Daily Prophet, inspirado no jornal fictício de

mesmo nome que existe na série. Assim que soube dessas ameaças ela criou uma

organização chamada Defense Against the Dark Arts (na série a “defesa contra as artes

das trevas” se trata de uma disciplina ensinada em Hogwarts, escola de magia). Segundo

ela a

Warner foi muito inteligente ao escolher o alvo de seus ataques... Atacaram um

bando de crianças na Polônia. Que ameaça elas representavam? Foram atrás de

sites insignificantes, de jovens entre 12 e 15 anos. Mas subestimaram a

interconexão de nossa comunidade de fãs. Subestimaram o fato de que

conhecíamos aquelas crianças da Polônia, conhecíamos os sites insignificantes e

gostávamos deles (apud JENKINS, 2008, p. 246).

Essa fala da Heather deixa claro o quanto as relaçãoes na internet se tornaram mais

fortes e sem fronteiras. A Waner Bros. errou ao tratar o fato como já vinha sendo tratado há

muito tempo e não considerar as mudanças midiáticas e comunicacionais que estavam

acontecendo. Heather também foi notificada, assim como várias outras crianças de diversas

partes do mundo. A questão é que elas não se deixaram abater. Apesar de algumas terem ficado

com medo do que poderia acontecer, outras, amparadas por seus pais, amigos e a mídia,

resolveram encarar a Warner de frente. Esse fato ficou conhecido como PotterWar, ou Guerra

do Potter.

A produtora se viu em uma situação extremamente complicada e até então inédita.

Ao mesmo tempo em que queria defender seus direitos sobre a marca ela percebeu que poderia

sair perdendo nessa disputa, afinal os fãs são justamente o público que viria a comprar seus

produtos. E ela estava certa em pensar assim, pois um boicote à empresa foi considerado pelos

fãs. Eles não deixariam de gostar da série, muito menos deixariam de ler os livros, mas

deixariam de comprar os produtos vendidos pela produtora.

A Warner Bros. voltou atrás e deixou que os fãs continuassem a produzir conteúdo

sobre a saga, apenas com a condição de que não fossem comercializados produtos sem a prévia

autorização da empresa. Após esse ocorrido os próprios executivos admitem que foi um erro

enviar as tais cartas aos fãs, Diane Nelson, vice-presidente da Warner Bros. na época, disse em

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entrevista: “Nós fomos ingênuos... a carta do estúdio foi resultado de uma falta de comunicação.

Nunca tivemos a intenção de fechar Web sites” (apud ANELLI, 2011, p. 117).

Os fãs sairam vitoriosos dessa disputa e demonstraram em “primeira mão” o poder

cada vez maior nas mãos dos consumidores.

Considerações Finais

Os fãs não são apenas consumidores, por isso não seria nem justo tratá-los

como tal. A função deles na construção de uma marca vai muito além de apenas

comprar. São eles que dão o gás necessário para que uma marca não se acabe, são eles

que defendem e divulgam sem cobrar nada em troca, apenas pelo simples prazer de

fazê-lo.

“O fato é que as marcas de amor são criação e propriedade das pessoas que

amam. Onde há um cliente apaixonado, há uma marca de amor” (ROBERTS, 2005, p.

71). Afinal são essas pessoas que as mantem, não pode-se tirar o direito delas de

construir e se apropriar das marcas. Há coisas além da relação de troca (compra e

venda) envolvidas, há sentimentos, há amor.

Amor diz respeito à ação. Diz respeito à criar um relacionamento expressivo. É

um processo constante de se manter em contato, trabalhar com consumidores,

entendê-los, conviver com eles. E é isso que os profissionais de marketing

perspicazes, designers sensíveis e pessoas sábias fazem todos os dias nos

pontos-de-venda e nas linhas de produção. (ROBERTS, 2005, p. 74).

Em resumo, no atual contexto de mercado e até mesmo social não tem como

uma marca sobreviver e mais do que isso, se tornar realmente relevante sem se doar

inteiramente aos seus consumidores.

Referências bibliográficas

AAKER, David A. Marcas Brand Equity: gerenciando o valor da marca. 11. ed. São

Paulo: Elsevier: Negócio, 1998. xviii, 309 p.

ANELLI, Melissa. Harry e seus fãs. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

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CARVALHO, Henrique. [Infográfico] Storytelling: Como Contar Histórias

Inesquecíveis Que Se Vendem Praticamente Sozinhas. Viver de Blog, 2014. Disponível

em: <http://viverdeblog.com/storytelling/?utm_source=Facebook&utm_medium=Soc

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. 380 p.

KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 3.0: as

forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2010. 215 p.

KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. 12. ed. São

Paulo, SP: Prentice Hall, 2006. xxii, 750 p.

MOURA, Davi Jeremias da Silva; ARAÚJO, Ana Beatriz Alves de. Marca,

Posicionamento e Brand Equity: um levantamento teórico. Revista Tecnologia e

Informação, ano 1, n. 3, p.7 – 19, 2014.

ROBERTS, Kevin. Lovemarks: o futuro além das marcas. São Paulo: M. Books do

Brasil, 2005. 221 p.

WASKO, Janet. How Hollywood Works. London; Thousand Oaks, Califórnia: Sage,

2003. 248 p.