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UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA
FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO (FaAC)
LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
THAIS OLIVEIRA SILVA
UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM
Santos – SP
2012
UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA
FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO (FaAC)
LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
THAIS OLIVEIRA SILVA
UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de licenciado em Artes Visuais à Banca Examinadora, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Kalassa El Banat.
Santos – SP
2012
THAIS OLIVEIRA SILVA
UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção
do título de Licenciado em Artes Visuais à Comissão Julgadora da Universidade
Santa Cecília.
Data de aprovação: __/__/__
__________________________________
Orientador
_________________________________
Professor
_________________________________
Professor
DEDICATÓRIA
Dedico esta Pesquisa à minha avó “Góia” (IN MEMORIAN) e tudo o que ela me
ensinou sobre esta terra que amo tanto.
AGRADECIMENTOS
Não tenho palavras para agradecer às seguintes pessoas que me possibilitaram a
realização deste trabalho:
Primeiramente ao Osmário, meu colega de curso, que desde o primeiro ano letivo
de Artes acreditou em meu potencial criativo, brigando muitas vezes comigo para
que eu também pudesse acreditar. Se não fosse tão chato e implicante comigo,
Osmário, certamente eu nem teria esta bela produção de fotografia artística.
Ao Bruno por ter me acompanhado em muitos de meus trilhares por esta querida
Itanhaém, fotografando este cidade que nós a amamos.
À minha família por ter me dado valores morais que o tempo nunca irá apagar.
Ao fotógrafo português João Evangelista que além-mar ajudou-me a ler minhas
próprias imagens, desvendando mistérios por trás das composições fotográficas.
À professora Ana Kalassa que desde o primeiro ano do curso influenciou-me na
busca da excelência em Arte/educação, abrindo um novo horizonte a respeito da
leitura de imagens. Agradeço também a orientação deste trabalho, a ter-me feito
tantas revisões, cansativas, porém necessárias.
À Ana Maria Ferreira, a querida Nana, a qual é uma forte influência no ensino de
Arte a mim desde meus primeiros anos em que leciono. Agradeço por ter acreditado
em mim naquela época, certamente a opção pelo curso de Artes deve-se em boa
parte à influência dela, que mesmo sem saber, em apenas uma reunião pedagógica
em minha antiga escola, deixou um lugar reservado em meu coração e uma grande
admiração, principalmente por ter sido meu referencial teórico deste trabalho.
Aos participantes do grupo “Volta Conceição de Itanhaém” e do “Instituto
Ernesto Zwarg”, que pelo amor a esta terra vêm lutando bravamente para que
nossos patrimônios cultural, histórico e natural não se percam pelo caminho. A
batalha de todos vocês não é em vão. É algo admirável e já estamos colhendo seus
frutos.
Fig.1: Vivendo na Arte. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012.
“Toda obra de arte é uma personalidade. O artista vive nela, depois de ela ter vivido
longo tempo dentro dele.”
(Vargas Vila)
RESUMO
O presente trabalho visa através da poética pessoal, ressaltar o papel do
fotógrafo como um filtro cultural, imprimindo em cada fotografia seu olhar único, suas
vivências, sua ideologia a respeito de sua cidade. A metodologia utilizada consiste
em pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. A utilização do paradigma do
horizonte em transversal o qual foi adotado é para reforçar a ideia de que a
fotografia é aquilo que o fotógrafo quer mostrar, bem como é o que o fotografado
quer que se mostre e o que o leitor quer e pode perceber. Como resultado da
pesquisa, averiguamos que fotografia é a impressão humana antes e depois do
disparo da câmera.
Palavras-chave: Fotografia – Memória – Vivências.
Lista de Figuras
Figura 1: Vivendo na Arte. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012... Pág. 06
Figura 2: Trilhares sob este chão. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012... Pág.
63
Figura 3: Caiçara. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 72
Figura 4: Longo caminho Vertiginoso. Foto de Thais Oliveira Silva, 18. Mar. 2012...
Pág. 75
Figura 5: Esther e Netos. Foto de Thais Oliveira Silva. 31. Jan. 2012... Pág. 78
Figura 6: Aquele que desliza manso ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva 01.
Abr. 2012... Pág. 80
Figura 7: Cores e Formas de um sonho matutino. Foto de Thais Oliveira Silva 01.
Abr. 2012... Pág. 82
Figura 8: Quem há de prender o meu Olhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez.
2012... Pág. 88
Figura 9: Grades não o seguram. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Fev. 2012... Pág.
89
Figura 10: Seresteiros caiçaras. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012... Pág.
101
Figura 11: Arrecadação de prendas. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012...
Pág. 109
Figura 12: Ganhastes um Jubileu. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012... Pág.
110
Figura 13: Os Reis aqui estão. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012... Pág. 113
Figura 14: Império do Divino Espírito Santo. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.
2012... Pág. 115
Figura 15: Bandinha do Divino. Foto de Thais Oliveira Silva 20. Mai. 2012... Pág. 117
Figura 16: Erguido por muitas mãos. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012...
Pág. 120
Figura 17: Cortejo do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012... Pág. 120
Figura 18: As Bandeirinhas de Emídio e Volpi. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.
2012... Pág. 121
Figura 19: Erguida do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012... Pág. 122
Figura 20: Fé e Tradição bem guardada. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.
2012... Pág. 123
Figura 21: Disposição Evidente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág.
124
Figura 22: Procissão pelo Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 06 de Maio de 2012...
Pág. 125
Figura 23: Rampa do Convento. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012... Pág.
128
Figura 24: Fragmentos de um passado tão distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 27.
Dez. 2012... Pág. 129
Figura 25: Marcas de um passado distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr.
2012... Pág. 130
Figura 26: Presença do Ausente I. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012... Pág.
133
Figura 27: Portas Cerradas... Até quando? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr.
2012... Pág. 134
Figura 28: Passagem Secular. Foto de Thais Oliveira Silva.06. Mai. 2012... Pág. 137
Figura 29: Quem vencerá? A Fé ou os Cupins? Foto de Thais Oliveira Silva 12. Dez.
2011... Pág. 137
Figura 30: Conceição de Itanhaém sob a Redoma de Vidro. Foto de Thais Oliveira
Silva. 12. Dez. 2012... Pág. 138
Figura 31: Eternamente Barroca. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011... Pág.
139
Figura. 32: Anchieta e Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012... Pág.
140
Figura 33: Matriz de Santana vista sob um dia ensolarado. Foto de Thais Oliveira
Silva 04. Mar. 2012... Pág. 141
Figura 34: Matriz de Santana vista sob a fina garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16.
Mar. 2012... Pág. 142
Figura 35: O Passado está Presente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012...
Pág. 144
Figura 36: Casa de Câmara e Cadeia. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012...
Pág. 145
Figura 37: Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011... Pág. 146
Figura 38: Guardiã dos Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jan. 2012... Pág.
147
Figura 39: Seus telhados velhos, o mar e a serra além. Foto de Thais Oliveira Silva.
08. Jan. 2012... Pág 150
Figura 40: Enredado. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012... Pág. 152
Figura 41: Presença do Ausente. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012. Pág...
153
Figura 42: Tantas funções, um mesmo prédio I Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan.
2012... Pág. 154
Figura 43: Tantas funções, um mesmo prédio II. Foto de Thais Oliveira Silva. 12.
Jan. 2012... Pág. 155
Figura 44: Estrada dos Eucaliptos. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Dez. 2011... Pág.
156
Figura 45: Multicores ao Rei dos Reis. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012...
Pág. 158
Figura 46: A última Trombeta. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012... Pág. 158
Figura 47: In Sion Firmata Sun. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012... Pág.
159
Figura 48: Isolamento. Foto de Thais Oliveira Silva.18. Mar. 2012... Pág. 160
Figura 49: Sob o Sol Matutino. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 162
Figura 50: Abandono. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012... Pág. 163
Figura 51: Vila São Paulo. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág. 164
Figura 52: Resistentes ao Tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Abr. 2012... Pág.
164
Figura 53: Oxidação Vertiginosa. I Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012... Pág.
165
Figura 54: Oxidação Vertiginosa. II Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág.
167
Figura 55: Presença do Ausente II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág.
168
Figura 56: Ponte enferrujada. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011... Pág. 169
Figura 57: Encontros e despedidas. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012...
Pág. 170
Figura 58: Círculo Vicioso. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 171
Figura 59: “Fotografar é atribuir Valor”. Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012... Pág. 173
Figura 60: Unidos Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012... Pág. 174
Figura 61: Manhã Chuvosa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012... Pág. 175
Figura 62: Chão Natalino. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Dez. 2012... Pág. 176
Figura 63: História de Pescador. Foto de Thais Oliveira Silva. 17. Dez. 2011... Pág.
177
Figura 64: Todos te olham, quem te vê? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...
Pág. 178
Figura 65: Pão Amanhecido também sustenta. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar.
2012... Pág. 180
Figura 66: Malas prontas já ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr.
2012... Pág. 180
Figura 67: Qual o seu Trilhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 183
Figura 68: Por enquanto, este é meu lar... Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr.
2012... Pág. 184
Figura 69: Primeiro Encontro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 186
Figura 70: Mamãe Orgulhosa com seu Bebê. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr.
2012... Pág. 186
Figura 71: Curumins. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 187
Figura 72: Devolvam minha terra! Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág.
188
Figura 73: A Velha Figueira e a Matriz. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012...
Pág. 191
Figura 74: Um momento único: banho de luz! Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar.
2012... Pág. 193
Figura 75: Flamboyant natalino. Foto: Thais Oliveira Silva. 02. Dez. 2011... Pág. 196
Figura 76: Acalanto pra Você. Foto de Thais Oliveira Silva. 11. Jan. 2012... Pág. 197
Figura 77: Sinuosas formas de uma árvore. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.
2012... Pág. 198
Figura 78: Um Gesto de Amor. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012... Pág.
198
Figura 79: Segurem-me, companheiras minhas! Foto de Thais Oliveira. 12. Jan.
2012... Pág. 200
Figura 80: Rio Branco. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág. 209
Figura 81: Floresta Retorcida. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 210
Figura 82: Rio Preto. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 211
Figura 83: Amanhecer sob a Boca da Barra. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr.
2012... Pág. 212
Figura 84: Navegando Eternamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jul. 2012...
Pág. 214
Figura 85: O Rio lhes dava seu suprimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr.
2012... Pág. 214
Figura 86: Espelho d`água. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2011... Pág. 215
Figura 87: Rumo ao Mar aberto. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012... Pág.
216
Figura 88: Praia dos Pescadores. Foto de Thais Oliveira. 20. Abr. 2012... Pág. 219
Figura 89: Preparações. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 220
Figura 90: Calmaria. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012... Pág. 221
Figura 91: Pesca sob a fina Garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012...
Pág. 222
Figura 92: Badejo I sob o Rio Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva 09. Dez. 2011...
Pág. 223
Figura 93: Liberdade abaixo da Modernidade. Foto de Thais Oliveira Silva.05. Jul.
2012... Pág. 223
Figura 94: Liberdade Abaixo da Modernidade II. Foto de Thais Oliveira Silva 05 de
Jul. 2012... Pág. 224
Figura 95: A Cultura Caiçara não Morrerá! Foto de Thais Oliveira Silva 04. Mar.
2012... Pág. 226
Figura 96: A Praia é só nossa! Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012... Pág.
227
Figura 97: Há pouco estive embrenhado no mato, caçando. Foto de Thais Oliveira
Silva. 08. Jan. 2012... Pág. 228
Figura 98: Liberdade, apenas liberdade. Foto: Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012...
Pág. 229
Figura 99: O Jantar está na Mesa! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág.
229
Figura 100: Lugar ao Sol I. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 230
Figura 101: Lugar ao Sol II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 231
Figura 102: O olhar. Foto: Thais Oliveira Silva. 04. Dez. 2011... Pág. 232
Figura 103: Miss. Simpatia. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012... Pág. 234
Figura 104: Persistente Desconfiança. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mr. 2012...
Pág. 234
Figura 105: Êxtase. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012... Pág. 235
Figura 106: Esconde-esconde. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Mai. 2012... Pág.
236
Figura 107: Deprimido. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012... Pág. 237
Figura 108: Á espera de quem não irá retornar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan.
2012... Pág. 237
Figura 109: Na Instabilidade do diagonal. Foto: Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012...
Pág. 238
Figura 110: Por favor, não me siga! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Abr. 2012...
Pág. 238
Figura 111: Afetos. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Jan. 2012... Pág. 239
Figura 112: O olhar suplicante. Foto de Thais oliveira Silva 18. Jan. 2012... Pág. 240
Figura 113: Rua do Suarão. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012... Pág. 242
Figura 114: Perspectiva Ecológica. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012... Pág.
243
Figura 115: A beleza do Verde e do Vermelho. Foto de Thais Oliveira Silva. 17. Dez.
2012... Pág. 244
Figura 116: Lugar Ideal. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012... Pág. 245
Figura 117: Antigamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág. 246
Figura 118: Estradinha de Terra. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág.
247
Figura 119: Vista do Morro Piraguyra. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Abr. 2012...
Pág. 248
Figura 120: Trilha do Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012...
Pág. 249
Figura 121: Não temos mais Portal Místico. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev.
2012... Pág. 250
Figura 122: Floresta de Pedras. Foto de Thais Oliveira Silva 26. Fev. 2012... Pág.
251
Figura 123: O Profano e o Sagrado. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012...
Pág. 252
Figura 124: Passarela de Anchieta. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Dez. 2011...
Pág. 253
Figura 125: Ação do tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág. 254
Figura126: Aqui Jaz um Condomínio I. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011...
Pág. 255
Figura 127: In Memorian. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011... Pág. 256
Figura 128: Aqui jaz um Condomínio II. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev. 2012...
Pág. 256
Figura 129: Incandescente nascimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...
Pág. 260
Figura 130: Sutilezas do amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Mar. 2012...
Pág. 261
Figura 131: Braços Etéreos. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012... Pág. 262
Figura 132: Também tenho minha luz. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012...
Pág. 262
Figura 133: Amanhecer na Praia dos Pescadores I. Foto de Thais oliveira Silva. 02.
Mar. 2012... Pág. 263
Figura 134: Amanhecer na Praia dos Pescadores II. Foto de Thais oliveira Silva. 02.
Mar. 2012... Pág. 264
Figura 135: Amanhecer na Praia dos Pescadores III. Foto de Thais oliveira Silva. 02.
Mar. 2012... Pág. 265
Figura 136: Reflexos Matutinos. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Mar. 2012... Pág.
266
Figura 137: Nascer do Sol na Praia dos Sonhos. Foto de Thais Oliveira Silva. 02.
Mar. 2012... Pág. 266
Figura 138: Primeiras Tentativas I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012... Pág.
267
Figura 139: Primeiras Tentativas II. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012...
Pág. 268
Figura 140: Primeiras Tentativas III. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012...
Pág. 268
Figura 141: Infinito Azul. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012... Pág. 270
Figura 142: Maresia Onipresente. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012... Pág.
271
Figura 143: Querida Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág.
272
Figura 144: Cai a tarde. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2012... Pág. 274
Figura 145: Sob uma tarde nublada. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012...
Pág. 275
Figura 146: O último a sair do mar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2011...
Pág. 276
Figura 147: Praia da Saudade I. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012... Pág.
277
Figura 148: Praia da Saudade II. Foto de Thais Oliveira Silva. 23. Dez. 2012... Pág.
278
Figura 149: Manguezal do Morro Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan.
2012... Pág. 278
Figura 150: Jundu. Foto de Thais Oliveira Silva. 22. Jan. 2012... Pág. 279
Figura 151: Contemplação. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012... Pág. 280
Figura 152: Uma manhã memorável. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...
Pág. 281
Figura 153: Só ficou a lembrança. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág.
283
Figura 154: Insondável I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág. 286
Figura 155: Insondável II. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág. 286
Figura 156: Insondável III. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág. 287
Figura 157: Conchinhas do Amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...
Pág. 288
Figura 158: Longas tardes de Verão. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012...
Pág. 288
Figura 159: Uma Tarde na Praia. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012... Pág.
289
Figura 160: Praia do Sonho vista da janela num dia chuvoso. Foto de Thais Oliveira
Silva. 30. Abr. 2012... Pág. 291
Figura 161: Uma janela sob o Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012... Pág.
298
Figura 162: Uma Face? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez. 2012... Pág. 300
Figura 163: Natureza Encarcerada. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág.
301
Figura 164: Espiando através do Muro. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012...
Pág. 302
. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................Pág. 21
CAPÍTULO 1: FOTOGRAFIA: ARTE MECÂNICA OU CIÊNCIA
ARTÍSTICA?......................................................................................................Pág. 24
1.1: É o espelho do real?.........................................................................Pág.33
1.2 Fotografia e memória.........................................................................Pág.43
1.3: Henri Cartier-Bresson: o momento decisivo na fotografia..............Pág.53
CAPÍTULO 2: TRILHARES SOB ESTE CHÃO (POÉTICA VISUAL)..................Pág.62
2.1: Indelével herança caiçara................................................................Pág.70
2.1.1: Seu Sertório, o barqueiro.....................................................Pág.76
2.2: O olhar criativo.................................................................................Pág. 83
CAPÍTULO 3: O PASSADO AINDA ESTÁ PRESENTE (séries
fotográficas)......................................................................................................Pág. 90
3.1: Sobre Itanhaém ...............................................................................Pág. 93
3.2: Patrimônio Imaterial................................................................Pág.97
3.2.1: Volta Conceição de Itanhaém!..........................................Pág.100
3.2.2: Reisado.................................................................Pág. 103
3.2.3: Festa do Divino .....................................................Pág.114
3.3: Centro Histórico....................................................................Pág.126
3.3.1: Convento Nossa Senhora da Conceição................Pág.127
3.3.2: Igreja Matriz de Santana........................................Pág.135
3.3.3: Casa de Câmara e Cadeia e Casarios..................Pág.143
3.4: Bairros tradicionais..........................................................................Pág.147
3.4.1: Guaraú e Baixio.................................................................Pág.148
3.4.2: Belas Artes........................................................................Pág.152
3.4.3: Suarão...............................................................................Pág.155
3.5: Início da linha férrea na cidade.......................................................Pág.160
3.5.1: Linha férrea atualmente....................................................Pág.169
3.6: Recortes da vida cotidiana..............................................................Pág.171
3.6.1: Todos te olham, quem te vê? ...........................................Pág.178
CAPÍTULO 4: PERSISTENTE NATUREZA (séries fotográficas).................Pág.190
4.1: A arte em defesa do meio ambiente..............................................Pág. 200
4.1.2: O grande “gnomo da Juréia”: Ernesto Zwarg....................Pág.203
4.2: Amazônia Paulista...........................................................................Pág.208
4.2.1: Pescadores Remanescentes caiçaras.............................Pág.217
4.3: Animais “itanhaenses” ....................................................................Pág.226
4.4: Estradinhas de terra e recantos arborizados..................................Pág.242
4.5: Itanhaém, pedra que canta.............................................................Pág.247
CAPÍTULO 5: NAMORADA DO SOL (séries fotográficas)...............................Pág.257
5.1: Ascenção e queda do rei sol..........................................................Pág.258
5.2: Praia e mar......................................................................................Pág.269
5.3:Recortes da Vida cotidiana na praia................................................Pág.283
CAPÍTULO 6: ABSTRAINDO O COTIDIANO A TODO O MOMENTO (séries
fotográficas)......................................................................................................Pág.290
CONCLUSÃO...................................................................................................Pág.303
PLANO DE ENSINO.........................................................................................Pág.305
ANEXOS...........................................................................................................Pág.318
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................Pág.325
WEBGRAFIA.....................................................................................................Pág.311
21
INTRODUÇÃO
O presente trabalho irá tratar a respeito da Fotografia, descrevendo o
processo criativo bem como a análise da fotografia em nosso cotidiano.
A importância deste projeto reside no fato de que atualmente a sociedade
tenha relações afetivas com a fotografia, pois ela congela momentos significativos a
nós, eterniza laços de união que às vezes não existem mais, nos emociona sempre,
dando-nos a impressão de posse sobre aquele lugar, aquele fato ou daquelas
pessoas registradas na imagem. Portanto é um tipo de corrente artística
amplamente reconhecida e valorizada, principalmente afetivamente por todos.
Desenvolver uma poética visual utilizando um meio artístico tão usual e
consagrado pelo senso comum e a partir disto quebrar uma regra fundamental do
mesmo, que é o de deixar constantemente a linha do horizonte na diagonal, pode,
para muitos, ser visto tal atitude como um desrespeito àquilo que consideram o
espelho do real, mas sendo uma série artística, onde o objetivo é o de imprimir sua
visão, sua vida na fotografia, consegue justificar o inusitado enquadramento
fotográfico, deixando bem claro que a Arte pode e deve muitas vezes transgredir leis
acadêmicas quando o objetivo central é o de expressar-se.
Durante o encaminhamento da pesquisa buscou-se resolver o seguinte
problema: Sendo o fotógrafo um filtro cultural, como ele pode imprimir sua marca
pessoal em fotografias que registram suas memórias e vivências em sua cidade?
Neste caminhar, procurou-se criar uma série fotográfica de cada ponto da
cidade no qual eu percorri e que foi significativo na minha história de vida, fazendo
assim uma releitura do real, bem como desenvolver um paradigma do horizonte
transversal a fim de colocar em xeque toda a construção através de mais de um
século pelo senso comum que a fotografia é a realidade congelada.
A pesquisa a ser realizada neste trabalho teve uma abordagem qualitativa,
pois ela se trata de um registro e descrição de minha poética pessoal. Os Objetivos
22
dessa pesquisa fazem dela uma pesquisa descritiva, pois estarei descrevendo qual
foi o processo histórico da câmera fotográfica como também dissertar sobre como a
sociedade contemporânea está intimamente envolvida com a fotografia.
Enquanto procedimento, este trabalho realizou-se por meio de pesquisa
bibliográfica que parti pela leitura de registro disponível e publicado para comparar
minhas experiências e hipóteses com conhecimentos preexistentes.
Tenho um grande afeto por minha cidade desde a infância. A partir deste
pressuposto, toda poética pessoal aqui descrita esta intimamente relacionada com
minhas lembranças de menina, com tudo o que vi e vivenciei nesta terra, agora
registrados nesta série fotográfica, onde me expresso intensamente através de
minhas cores altamente saturadas, com o forte contraste e com a utilização do
paradigma do horizonte em transversal, em que percebemos nas imagens
enquadradas em diagonal haver dinamismo, força e instabilidade. Estas palavras me
descrevem. Em cada fotografia um pouco de mim estará impresso. Com a criação
da conta no Site Olhares, voltado para a divulgação das fotografias artísticas, <
http://olhares.uol.com.br/gatapreta1> entrei em contato com diversos fotógrafos
brasileiros e portugueses o que me possibilitou ler de outro modo cada imagem que
eu produzia, bem como apreciar a obra de outros fotógrafos, já experientes. O
Fotógrafo português João Evangelista influenciou-me profundamente, através de
suas leituras sob minhas imagens fotográficas, as quais me fizeram perceber as
sutilezas encontradas em cada composição.
O presente trabalho está disposto na seguinte ordem: no primeiro capítulo,
trataremos a respeito da fotografia e seu envolvimento com a sociedade desde sua
invenção. No capítulo dois, descreveremos a poética pessoal aqui encontrada. No
capítulo três, veremos as descrições a respeito da série fotográfica “O Passado
Ainda Está Presente”, onde enfocamos os lugares de nossa memória. No capítulo
quatro, encontraremos as descrições a respeito da série fotográfica “Persistente
Natureza”, onde percebemos a forte presença da natureza nesta cidade. No capítulo
cinco, estão as descrições a respeito da série fotográfica “Namorada do Sol”, em
que abordaremos nossa relação com o Mar e o Sol. No capítulo seis, conheceremos
23
as descrições a respeito da série fotográfica “Abstraindo o Cotidiano”, onde
estaremos dissertando a respeito desta forma peculiar de se registrar a realidade.
24
1: FOTOGRAFIA: ARTE MECÂNICA OU CIÊNCIA ARTÍSTICA?
Em l839, a Academia de Ciências da França, em Paris, anuncia para o mundo
a invenção de um revolucionário processo de fixação da imagem através da luz em
placa metálica, o daguerreótipo, nome que homenageia Louis Jacques Mandé
Daguerre, o seu inventor oficial e que teria chegado a essa descoberta a partir do
aperfeiçoamento das pesquisas de Joseph Nicéphore Niépce.
Nesse mesmo ano, em Londres, a denominação fotografia é comunicada
oficialmente à Royal Society pelo químico e astrônomo inglês John
Herschel, provavelmente com base nas experiências de Willian Henri Fox
Talbot, inventor do processo negativo e positivo, conhecido como calótipo.
Assim, pode-se constatar que a fotografia é um exemplo de descoberta
múltipla, ou seja, num dado momento a solução de determinados problemas
passa a preocupar mais de uma pessoa, em diferentes lugares, de forma
independente e simultânea. (FONSECA, 2008, p. 1)
A câmera fotográfica não é invenção de apenas um homem, mas a soma de
várias descobertas, até mesmo o invento renascentista denominado câmara escura,
que é um dos mais importantes no campo da óptica, foi crucial para o aparecimento
da máquina fotográfica e consequentemente da fotografia, é já descrito por autores
do século XVI. Leonardo da Vinci (1452- 1519) já a conhecia e usava, a par de
outros artistas, para esboços de pinturas. De acordo com Kossoy (2001), desde o
renascimento, o homem serviu-se da câmera escura, instrumento que facilitava o
desenho preciso de uma paisagem que por alguma razão lhe interessou conservar a
imagem. O desenho formava-se no interior da câmera e através dele delineavam
suas formas.
Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) morreu sem poder ter acompanhado o
reconhecimento de seu invento. Seu continuador e colaborador Louis-Jacques
Mandé Daguerre (1787-1851) espera até 1839 para ter sua criação reconhecida na
Academia de Ciências e Artes, no Instituto Francês, conforme nos aponta Andrade
25
(2002) e isso ocorre graças ao discurso do físico Arago (1786 – 1853), que defende
brilhantemente a tese na câmara dos deputados afirmando:
Quando os inventores de um novo instrumento o aplicam à observação da
natureza, o que eles esperavam da descoberta é sempre uma pequena
fração das descobertas sucessivas, em cuja origem está o instrumento.
(BENJAMIM apud ANDRADE, 2002, p.34)
A fotografia nasce em pleno Romantismo e em meio às grandes
transformações sociais e econômicas e desde o início mostra-se instigante,
provocando reações contrárias de artistas e intelectuais. Logo no início há uma
compulsão na busca de retratos de estúdio e poder admirar a sua própria imagem,
tudo isto bem mais barato que as pinturas a óleo, até então um privilégio da
burguesia. Andrade nos aponta que: “Essa é uma das principais razões da fotografia
sofrer discriminação: o fato de industrializar e comercializar a arte.” (ANDRADE,
2002, p.34)
A população divide-se em opiniões a respeito da fotografia. Não se consegue
chegar a um consenso. Até mesmo no meio artístico há múltiplas opiniões, já que o
medo da industrialização da arte destinada ao retrato era algo real. Porém, a
captação da câmera fotográfica vai além de registrar pessoas. Fotógrafos passam a
catalogar imagens da natureza, onde obtemos um registro muito mais fidedigno e
preciso do que um desenho a mão, os quais passam a chamar atenção da ciência.
O responsável pelo valor científico atribuído às capturas fotográficas foi Fox
Talbot (1800-1877) quando utiliza a câmera para capturar fragmentos da realidade.
Fotografava insetos, conchas, plantas e flores para botânicos. Estas imagens são
registradas na publicação do livro de Talbot, conforme Andrade (2002) expõe, no
livro intitulado “The Pencil of Nature”, de 1842.
Vemos que com o avanço tecnológico, a sociedade deseja libertar-se de
fantasias e imprecisões que poderiam ser encontrados em antigos registros e
desejam que a câmera fotográfica os auxiliem a ver o mundo com clareza, precisão
científica.
26
O desenvolvimento industrial, juntamente com o aprimoramento da técnica
fotográfica, transformou conceitos e valores, sobretudo da burguesia. A partir daí
surge uma nova consciência da realidade e uma apreciação, da então
desconhecida, Natureza. Andrade (2002, p.35) afirma: “Exige-se exatidão científica e
uma reprodução fiel da realidade em obras de arte, o que desperta olhares para a
fotografia.”.
Deste modo, a fotografia paulatinamente vai ganhando terreno em nossas
vidas, devido à sua prestigiada forma de reprodução que até hoje muitos acreditam
ser o espelho da realidade, portanto, tendo este poder de capturar instantes de
nossas vidas com maestria, passamos a utilizá-la compulsivamente, conforme nos
mostra Martins (2008):
A vida complexa, cheia demais, cheia de gente, de edifícios, de coisas sem
vida, congestionada de solicitações visuais, encontrou na fotografia um
meio de guardar o que “vale a pena”, o que queremos que fique.
Diferentemente da pintura, em que o detalhe é o elemento significativo da
composição, não raro o decodificador simbólico do que o artista está
querendo dizer com o que parece ser o principal. Na fotografia, que nasce
em preto-e-branco, sem a carga simbólica das cores, que nasce binária e
simplificadora, não é estranha essa ausência de recursos interpretativos.
Ela atende, justamente, à necessidade social e também subjetiva de
ordenar imaginariamente o irrelevante da vida cotidiana e cinzenta que
nasce com a modernidade, da qual a câmera fotográfica é um dos
instrumentos mais espetaculares. (MARTINS, 2008, p.40)
Como percebemos nesta declaração do autor, assim que a fotografia entra na
vida cotidiana da sociedade há a abertura para uma nova visão do que nos cerca. A
partir disto, passamos compulsivamente a colecionar imagens para então
compreender nossa vida, observando seus fragmentos registrados nas fotografias.
Conforme exposto por Fonseca (2008), a fotografia mostra o quanto uma
forma de representação técnica e simples era esperada ansiosamente pela
sociedade industrializada do século XIX, a qual já pressentia que possuía a
27
tecnologia necessária para colocar em prática um sonho antigo da humanidade: o de
fixar momentos da existência.
O fascínio diante de uma fotografia surge principalmente dessa sua
capacidade de reproduzir, de forma bem convincente, o instante. A ilusão
de sua captura é algo que a aproxima da magia, mesmo sabendo que, para
a sua realização, há uma explicação científica que aponta para o uso de
recursos ópticos, químicos e técnicos necessários à revelação de cada
imagem. (FONSECA, 2008, p.7)
Tal magia ultrapassou décadas, as quais formaram mais de uma centena de
anos. O instante em que capturamos algo nas imagens fotográficas sempre nos
causará fascínio: estamos eternizando um momento de nossas vidas. Ele está aqui,
em nossas mãos, palpável a qualquer momento e em qualquer lugar.
Benjamim apud Andrade (2002) esclarece que o processo de reprodução das
imagens passou por uma grande aceleração, pois o olho apreende mais depressa
que a mão que desenha. A partir daí, a imagem situa-se no mesmo nível que a
palavra oral. Com o decorrer dos anos e a melhoria da tecnologia, a fotografia
testemunhava infinitamente mais que uma criação artística, já que sua velocidade é
insuperável à técnica humana de também registrar a realidade.
A partir de 1888, a fotografia estava nas mãos do homem comum, conforme
nos informa Martins (2008), devido à invenção de George Eastman (1854- 1932), a
câmera com rolo de filme. Desde então já não havia as limitações físicas do
equipamento profissional. A máquina era portátil e poderia ser levada para qualquer
lugar. O lema publicitário veio bem a calhar: “Você clica e nós fazemos o resto”.
Aparece então a “fotografia vernacular”, a foto reduzida a apenas clicar, ou seja, a
fotografia ingênua, onde as pessoas costumam registrar diversos fatos de sua vida
pouco se importando com a composição da imagem, concebida apenas para retratar
os personagens e descontextualizá-los do cenário, onde a ênfase cai sobre o
registro da pessoa.
Sobre o uso indiscriminado da fotografia vernacular pela sociedade, Sontag
(2006) observa:
28
Desde seu início, a fotografia implicava a captura do maior número possível
de temas. A pintura jamais teve um objetivo tão imperioso. A subsequente
industrialização da tecnologia da câmera apenas cumpriu uma promessa
inerente à fotografia, desde seu início: democratizar todas as experiências
ao traduzi-las em imagens. (SONTAG, 2006, p.18)
Hoje em dia temos ainda mais efervescente está prática graças à imagem
digital, a qual possibilita a visualização da figura mesmo se não a imprimir sob o
papel. Sempre teremos conhecidos que durante os primeiros anos de vida de seus
filhos, por exemplo, fizeram mais de dez mil registros fotográficos da criança em
diversas cenas e situações.
E Tavares (2009), também a respeito da “fotografia vernacular”, chama nossa
atenção para este assunto, fazendo-nos refletir sobre a fotografia e o seu lugar na
arte:
Pensemos um pouco como os mais puristas amantes da pintura, mesmo da
contemporânea: a fotografia mata por completo o conceito canônico de
artista. A fotografia permite, grosso modo, que qualquer pessoa possa ser
artista. Um bom enquadramento do tema, uma obturação perfeita, o efeito
da lente especial ou o tratamento digital fazem com que o comum cidadão
possa ser num ápice, um artista. (TAVARES, 2009, p.7)
Como percebemos com esta informação, há muito mais chances de um leigo
sair-se bem com uma produção fotográfica do que em outras áreas artísticas, tais
como pintura e escultura. Uma luz favorável, uma boa percepção do local já seria
suficiente.
Seria então a fotografia uma arte mecânica, a qual qualquer um poderia
realizá-la? Não há a construção subjetiva como também a objetiva, que qualquer
obra de arte deve ter? Na época em que a fotografia surgiu, a ciência e a arte
traçavam percursos distintos. Muzardo (2010) declara:
29
Enquanto aquela enaltecia o rigor metodológico e técnico, esta se abria
para a subjetividade e livre criação, uma vez que havia sido liberada do
trabalho de imitar a natureza e as demais coisas existentes. Nesse meio,
surgia a fotografia, que ora se assemelhava com a ciência, ora com a arte.
(MUZARDO, 2010, p.2)
Deste modo, a fotografia representava, paralelamente, uma cópia da
realidade, fato que é posto em dúvida atualmente; e uma criação artística: a razão e
a emoção. Seria, portanto, “a forma híbrida de uma ‘arte exata’ e, ao mesmo tempo,
de uma ‘ciência artística. ’” (FABRIS apud MUZARDO, 2010, p.2) Atualmente ainda
não está descartado estas duas facetas da linguagem fotográfica. Ela está tanto no
campo científico quanto no artístico em iguais medidas.
Como nos orienta a autora, anteriormente a esta constatação, quando apenas
criam que a fotografia era capaz de unicamente copiar a realidade, havia um
argumento apresentado onde dizia que uma máquina não possibilitava interferência
intelectual sobre sua representação, não devido, necessariamente, ao fato de não
haver interferência manual do operador, do fotógrafo, mas por estar muito mais
voltada para o mecânico do que para o intelecto.
Porém, eles não perceberam que não se pode abolir o caráter artístico da
fotografia, visto que ela envolve construção, fantasia, desejos, maneiras de
manipular e registrar a realidade, elementos como cores, luz, sombra, planos e
calor. Entretanto, seu caráter científico, contudo, também não pode ser descartado,
pois a evolução tecnológica influencia a maneira de se realizarem as fotografias, sua
construção e disseminação.
A difusão da fotografia provocou um forte abalo no meio artístico.
Primeiramente achava-se que a fotografia e sua capacidade de reproduzir o real
tinham relegado a um segundo plano qualquer tipo de pintura:
Mais tarde, acreditava-se que o mesmo fato tinha liberado a “verdadeira
arte” da necessidade de ser uma cópia do real, dando-lhe espaço para a
criatividade, ideia que foi defendida por artistas e intelectuais da época,
30
como o poeta Baudelaire, o qual [...] “enfatiza a separação arte/fotografia,
concedendo a primeira um lugar na imaginação criativa e na sensibilidade
humana, própria à essência da alma, enquanto à segunda é reservado o
papel de instrumento de uma memória documental da realidade, concebida
em toda a sua amplitude”. (MAUAD apud MUZARDO, 2010, p.3)
Nesse momento, notamos a crença na correspondência entre fotografia e
realidade, a imagem produzida pela câmera como sendo um espelho do que de fato
aconteceu, tal crença que influenciou até mesmo em como se dá o desenrolar dos
fatos relacionados à história da fotografia:
Pode-se dizer que a própria história da fotografia confunde-se com as
diferentes abordagens aplicadas em sua análise, ora encarando-a como
uma transformação do real – o discurso do código e da desconstrução –,
ora como um vestígio do real, uma referência, ou seja, algo que não é uma
cópia perfeita do concreto, do real, visto que o modifica e possui
características distintas, como a bidimensionalidade e o fato de selecionar
pontos no espaço e no tempo; além de ser um resíduo da realidade
impresso em uma imagem, e, portanto, uma transformação da realidade,
uma interpretação desta (MUZARDO, 2010, p.3)
Andrade (2002, p.36) propõe o seguinte questionamento: “Seria a fotografia
uma nova forma de arte ou um auxílio para a ciência?” Ainda que o público ficasse
fascinado com as cópias exatas da natureza, os pintores realistas investiam no
exato uso das cores e formas da realidade, conservando a imaginação como algo
subjetivo. O interesse pela realidade exterior desviou o artista da arte imaginativa
levando-o a natureza. De acordo com a autora, os artistas interessaram-se
progressivamente pela luz, os chamados impressionistas. Delacroix baseava-se em
fotografias para pintar seus quadros. Monet observava a paisagem marcada pela
leitura da luz, com suas pinceladas suaves, fingindo copiar a realidade e dando aos
artistas da época a “possibilidade de enxergar mais do que a imagem real.”
(ANDRADE, 2002, p.36)
Com o passar de pouco tempo, à fotografia foi-lhe atribuído o peso de
expressar o real, a foto sendo vista como prova, necessária e suficiente que atesta a
existência do que é visível.
31
Andrade (2009) nos adverte que:
Embora torne o mundo mais preciso de informações e conhecimento, a
fotografia não é uma cópia quimicamente revelada da realidade, não é
apenas seu registro documental e científico. É uma realidade revelada,
resgatada, atingida e, para alguns, até roubada. (ANDRADE, 2009, p.41)
As primeiras fotos obtidas pelo daguerreotipo de tão perfeitas, com tamanha
nitidez registrada, conseguia amedrontar as pessoas, que tinham a impressão de
que aqueles pequenos rostos as observavam. Por este e outros motivos, a fotografia
passou a ser um mistério cheio de magias. Ao observar atentamente uma imagem
fotográfica, percebemos a cumplicidade do fotógrafo com o fotografado. A técnica
mais exata que consegue dar às suas criações um poder mágico, “que um quadro
nunca terá para nós”. (BENJAMIM apud ANDRADE, 2002, p. 47)
Esta magia, evidentemente seria atacada pala Igreja Católica que a via como
“transgressora e pecadora, tão perigosa e diabólica que foi condenada por
reproduzir a natureza que só poderia ser contemplada pelos olhos abençoados dos
pintores.” (Andrade, 2002, p. 47)
Além de assombrar a Igreja, a fotografia foi uma provocadora das mais
diversas reações esta invenção que mediante fixação de uma imagem em uma
placa iodada suscitou inúmeras dúvidas e aclamações contrárias. Espanto para os
leigos, os que desconheciam o processo de sua antecessora, a câmara escura.
Medo nos artistas que tinham como função registrar a história e compor retratos
através de sua arte. Indignação, em alguns intelectuais que temiam a contaminação
da fotografia na “Arte pela arte” (Andrade, 2002, p.34)
Entretanto, com o passar do tempo, a fotografia foi acolhida e reconhecida
seu valor artístico:
A pintura, está claro, não se extinguiu em 1839, como previu afoitamente
um pintor francês; os ressentidos logo pararam de denegrir a fotografia
32
como uma cópia servil; e em 1854 um grande pintor, Delacroix, declarou
gentilmente como lamentava que uma invenção tão admirável tivesse
chegado tão tarde. (SONTAG, 2006, p. 131)
A fotografia conseguiu finalmente seu merecido reconhecimento como uma
modalidade artística. A prova mais absoluta é o acervo de vários museus de arte
que já não possuem apenas nas suas exposições permanentes a pintura e a
escultura, mas lá está a fotografia e o vídeo. (TAVARES, 2009)
Porém, seus detratores ainda não foram extintos, há ainda muitas críticas a
respeito da fotografia, mas Sontag (2006) nos orienta:
Mas é improvável que a defesa da fotografia como arte um dia venha cessar
completamente. Enquanto a fotografia não for apenas um modo voraz de
ver, mas sim um modo de ver que precisa ter a pretensão de ser especial e
distintivo, os fotógrafos continuarão a buscar abrigo (quando não cobertura)
no santuário profanado, mas ainda prestigioso da arte. (SONTAG, 2006,
p.146)
Como percebemos, os fotógrafos ainda continuarão a tomar nomenclaturas
da arte, bem como muitas de suas características para afirmarem-se como artistas e
não como meros operadores de uma máquina. Deste modo, é correto sim afirmar
que ela é uma ciência artística e uma arte mecânica, nunca podendo negar sua
dicotomia:
A fotografia tem um destino duplo... Ela é filha do mundo do aparente, do
instante vivido, e como tal guardará sempre algo do documento histórico ou
científico sobre ele; mas ela é também filha do retângulo, um produto das
belas-artes, o qual requer o preenchimento agradável ou harmonioso do
espaço com manchas em preto e branco ou em cores. Neste sentido, a
fotografia terá sempre um pé no campo das artes gráficas e nunca será
suscetível de escapar deste fato. (BRASSAÏ apud KOSSOY, 2001, p. 48)
33
1.1: É o espelho do real?
A fotografia é a busca do espelho que não mente, da durabilidade, da permanência, da nossa
inteireza. De certo modo, na cotidianidade, que é seu tempo, a fotografia não documenta a vida
cotidiana senão nas suas carências e absurdos. O amor pela fotografia é o amor pelo ausente e é a
luta contra os mistérios da ausência. Nesse sentido, há na cultura do objeto fotografado um certo
remanescente da sociedade tradicional, que permanece sutilmente oculta no mundo contemporâneo
como desejo de totalidade, como repulsa da fragmentação e do estranhamento. (MARTINS, 2008,
p.56)
Construída ou tomada no calor da hora, a fotografia é ainda vista pela
sociedade em geral como a evidência do que aconteceu no momento em que o
fotógrafo voltou sua câmara para um determinado referente. O caráter testemunhal
da fotografia, ainda tão valorizado nesse momento em que as tecnologias da
informação apontam para uma desnaturalização do real, “parece fornecer uma
âncora para uma sociedade que não consegue romper de vez com a materialidade
do mundo”. (FABRIS, 2007, p. 2) Ela fomenta na sociedade um desejo antigo: “Toda
fotografia tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a
congelar em imagem um aspecto do real, em determinado lugar e época.”
(KOSSOY, 2002, p.36)
Somos fascinados pelo poder da fotografia. Ela atrai e encanta gerações por
diversos motivos, sobre este deslumbre, Sontag (2006) fala:
Nosso sentimento irreprimível de que o processo fotográfico é algo mágico
tem uma base genuína. Ninguém supõe que uma pintura de cavalete seja,
em nenhum sentido, co-substancial a seu objeto; ela somente representa ou
alude. Mas uma foto não é apenas semelhante a seu tema, uma
homenagem a seu tema. Ela é uma parte e uma extensão daquele tema; e
um meio poderoso de adquiri-lo, de ganhar controle sobre ele. (SONTAG,
2006, p. 172)
34
As fotografias ao nos ensinar um novo código visual, modificam e ampliam
nossas ideias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos direito de
preservar. Para ela, “o resultado mais extraordinário da atividade fotográfica é nos
dar a sensação de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça – como
uma antologia de imagens”. (SONTAG, 2006, p.13)
Diniz (2007) fala a respeito da imagem fotográfica, que de maneira diferente
de uma imagem pintada (produzida para retratar uma realidade exposta) ou de um
texto narrativo (como os jornalísticos), ela adquiriu a função de retratar a realidade
com grande propriedade. Graças às atribuições que lhe são conferidas, a fotografia
consegue trazer, para o tempo presente, fragmentos do passado como
representação verídica de uma realidade, de modo que o leitor os aceite sem
questionamentos. Conforme Martins (2008), desde o século XIX, em Paris, os
policiais capturavam a fotografia do procurado, antes de capturarem o próprio
perseguido, tamanha era sua aceitação e propriedade.
A fotografia consegue garantir seu poderio, pois, “qualquer que tenha sido a
razão que levou o fotógrafo a registrar o assunto, não haverá dúvida de que o
mesmo de fato existiu.” (KOSSOY, 2001, p.103) Neste interim, Martins (2008) nos
lembra de que há certa insistência entre historiadores e sociólogos, na suposta ideia
de que a fotografia congela um momento do processo social. Porém, este
pressuposto entra em conflito com a polissemia da imagem, em especial a
fotográfica.
O ângulo em que a imagem foi captada e as inúmeras possibilidades que se
apresentam ao fotógrafo no momento da captura desta levam o leitor a fazer uma
interpretação influenciada pelo fotógrafo, a qual, nem sempre condiz com a
realidade dos fatos ou de uma situação. (DINIZ, 2007)
A polissemia da fotografia não decorre apenas das múltiplas leituras que
dela possam ser feitas. O próprio objeto tem uma carga de sobre-
significados que a intenção documental do fotógrafo pode anular ou mutilar.
Um certo direcionismo fotográfico, tanto em relação à escolha do tema,
quanto em relação ao ângulo, à composição e outros recursos fotográficos
empregados na concepção da imagem, é inevitável. Mesmo o sociólogo ou
antropólogo que documenta fotograficamente, e faz da fotografia o seu
35
instrumento de pesquisa e registro, quando define com objetividade a
documentação, cria imagens de ficção que podem ficar adjacentes a
diferentes momentos e procedimentos das ciências. A própria realidade
fotografada, pessoas ou situações, já em si mesma um cenário teatral e
polissêmico, desde os equipamentos de identificação que as pessoas usam
até os arranjos de cenários e paisagens que vão compor a fotografia.
(MARTINS, 2008, p. 169)
Nesta citação, o autor faz-nos refletir que as imagens fotográficas sempre
levarão uma carga subjetiva, onde irá transparecer um pouco do fotógrafo e suas
escolhas para a composição fotográfica. Diniz (2007) faz-nos também observar que
os diversos olhares para uma mesma direção podem ser distintos quanto às suas
percepções. Cada um dos envolvidos (o fotógrafo, o fotografado e o leitor da
imagem) tem uma percepção que se relaciona à sua realidade subjetiva,
entendendo-se que o conhecimento interno é influenciado pelo externo. Neste
sentido, seguindo o pensamento do autor, pode ocorrer que um pequeno detalhe na
imagem fotográfica desperte mais atenção do leitor do que, exatamente, a ideia
proposta pelo fotógrafo, quando a produziu. Kossoy (2001) também divide o mesmo
pensamento, considerando as imagens fotográficas ambíguas:
Ambiguidade porque jamais o signo coincide com a coisa vista pelo artista,
porque o signo jamais coincide com aquilo que o espectador vê e
compreende, porque o signo é por definição fixo e único e, também por
definição, a interpretação é múltipla e móvel. (FRANCASTEL apud
KOSSOY, 2001, p.135)
A fotografia, portanto, desperta no observador aquilo que ele crê, não sendo
referência a uma única verdade preexistente. Deste modo, é preciso que se
“questione o que se vê em uma imagem e que se reconheça que a interpretação
realizada vem sempre carregada da subjetividade, que é fruto do meio sociocultural
em que se está inserido”. (DINIZ, 2007, p. 7)
A imagem fotográfica pode ter um valor que não é encontrada apenas no
visível, mas, principalmente, no que é sugerido e que se revela de acordo com a
36
bagagem sociocultural de cada leitor que, a partir das reflexões realizadas, avança,
ampliando os seus horizontes e a sua maneira de ver.
Sontag (2006) é clara explicando que “como cada foto é apenas um
fragmento, seu peso moral e emocional depende do lugar em que se insere. Uma
foto muda de acordo com o contexto que é vista.” (SONTAG, 2006, p. 122) Portanto
em nossas interpretações encontram-se divergências exatamente pelo fato de nós
termos vidas e vivências diferentes. Interpretações estas que sempre serão
fomentadas pelas próprias imagens fotográficas:
Assim, o olhar para uma imagem fotográfica pode ser comparado a um
olhar para vida, porque distintos seres humanos, mediante uma mesma
realidade e um mesmo problema, podem reagir de forma absolutamente
diferente, ou seja, positiva ou negativamente, pois o que é de extrema
importância para uns, pode não ter nenhum significado para outros. Tudo
depende da visão de mundo e da concepção de realidade de cada
indivíduo.
Todavia, a imagem fotográfica não é um instrumento passivo, pois tem o
poder de transformar por meio da reflexão que instiga no observador.
Assim, ao mesmo tempo em que a bagagem cultural de cada indivíduo
influencia na interpretação da imagem, a imagem convida o observador a
refletir, questionar, analisar, fato que propicia o desenvolvimento da
construção social e cultural, possibilitando, até mesmo, a diminuição de
preconceitos. Assim, a percepção sensível do leitor interfere na construção
de narrativas etnográficas que auxiliam a aproximação dos indivíduos em
uma sociedade. (DINIZ, 2007, p.10)
Koury (2004) também nos orienta a esta direção, nos mostrando que também
o uso da fotografia tem um significado variado de acordo os discursos produzidos a
partir dos elementos conotados que a constituem. Uma mesma fotografia representa
infinitas formas de apreensão e apropriação segundo os usos a que se encontra
submetida. E hoje em dia seu uso está amplamente estendido a todas as dimensões
na sociedade.
37
O mundo torna-se de certo modo “familiar” após a invenção da fotografia, o
homem passou conhecer realidades distantes que outrora era impossível, ou no
máximo insuficientes, através da via oral, da escrita ou de gravuras. Porém, a
informação era fracionária, de acordo com Kossoy (2004, p. 27): “Microaspectos do
mundo passaram a ser cada vez mais conhecidos através da representação. [...] O
mundo tornou-se assim portátil e ilustrado”. Entretanto devido a sua condição de
conseguir registrar “o aparente e as aparências”, ela se tornaria uma arma temível,
sujeita a toda sorte de manipulações, pois na medida em que a sociedade a vê e a
aceita como espelho do real, a expressão da verdade, é possível, produzir toda sorte
de ideologias através de uma imagem.
O mundo hoje está condicionado, irresistivelmente, a visualizar. A imagem
quase substituiu a palavra como meio de comunicação. Tabloides, filmes
educativos e documentais, películas de massa, revistas e televisão rodeiam-
nos. Parece até que a existência da palavra está ameaçada. A imagem é
um dos principais meios de interpretação, e sua importância está se
tornando cada vez maior. (Abbott apud Fabris, 2007, p.2)
Imaginemos que diria a autora desse texto, publicado em 1951 no Universal
Photo Almanac, diante da potência da imagem hoje em dia? Berenice Abbott estaria,
sem dúvida, espantada com o domínio crescente da cultura visual e com sua
presença em todos os aspectos do cotidiano sob a forma de fotografias, de imagens
digitais, interativas, videográficas, televisivas, médicas, e imagens transmitidas até
mesmo por satélite. (FABRIS, 2007) Porém Sontag (2006) é clara ao nos informar
que:
Não é a realidade que as fotos tornam imediatamente acessível, mas sim as
imagens. Por exemplo, hoje os adultos podem saber com exatidão como
eles, seus pais e seus avós eram quando crianças – um conhecimento que
não era acessível antes da invenção da câmera, nem mesmo para aquela
pequena minoria em que era costume encomendar pinturas de seus filhos.
[...] Os sentidos dos retratos convencionais na residência burguesa dos
séculos XVIII e XIX era confirmar um ideal de modelo (proclamar a posição
38
social, embelezar a aparência social); em vista desse propósito, fica claro o
motivo por que seus proprietários não sentiam necessidade de ter mais de
um retrato. A foto-registro mais modestamente, confirma apenas que o tema
existe; portanto, por mais que a pessoa tenha, elas nunca serão demais.
(SONTAG, 2006, p. 181)
No ato da decisão por qual aspecto uma imagem deveria ter, ao preferir uma
exposição à outra, conforme nos esclarece a autora, o fotógrafo sempre impõe
padrões a seus temas. Num certo sentido a câmera captura a realidade, mas é uma
realidade interpretada, como uma pintura ou um desenho. Até mesmo em ocasiões
em que se exige imparcialidade, há ainda a interpretação no ato da captura. Kossoy
(2001) fala a respeito da composição de uma imagem fotográfica ser imprescindível
de elementos que em conjunto operam como um ciclo:
Três elementos são essenciais para a realização de uma fotografia: o
assunto, o fotógrafo e a tecnologia. São estes os elementos constitutivos
que deram origem através de um processo, de um ciclo que se completou
no momento em que o objeto teve sua imagem cristalizada na bidimensão
do material sensível, num preciso e definido espaço e tempo. (KOSSOY,
2001, p.102)
O produto final, a fotografia, segundo Kossoy (2001), é resultado da ação
humana, o fotógrafo, que num determinado tempo e espaço escolheu um assunto e
que, para registrá-lo, empregou os recursos oferecidos pela tecnologia disponível.
O ato fotográfico mantém vínculo com o momento histórico, pois tem seu
desenrolar em um determinado momento histórico, esta fotografia também traz em si
características a respeito da tecnologia aplicada, bem como nos mostra um
fragmento selecionado do real.
A escolha de um determinado aspecto, a preocupação na organização visual
dos detalhes que compõem o assunto, bem como o uso e o domínio de uma
determinada tecnologia são fatores decisivos que influenciarão no resultado final da
39
fotografia. Estes fatores dependem do primeiro elemento do qual depende a
fotografia: a ação do fotógrafo como filtro cultural como afirma Kossoy (2001). Sobre
o fotógrafo, o autor prossegue dizendo que o registro visual documenta, por outro
lado, “a própria atitude do fotógrafo diante de realidade; seu estado de espírito e sua
ideologia acabam transparecendo em suas imagens, particularmente naquelas que
realiza para si mesmo enquanto forma de expressão pessoal.” (KOSSOY, 2001,
p.43). Quanto às imagens de registros históricos, o autor prossegue dizendo:
É certo que a fidedignidade do conteúdo de uma fonte histórica está
diretamente ligada com seu autor, e nesse sentido é mister que se tenham
detalhes de sua vida, de seu comportamento individual e social, de sua
situação econômica, bem como de sua obra, conjunto de informações cuja
determinação em profundidade não é tão simples de se alcançar pelo pouco
que se sabe acerca da vida dos pioneiros fotógrafos, autores das imagens
que devemos examinar. (KOSSOY, 2001, p.105)
É necessário também enfocar a posição do ser fotografado, pois ele também
irá interferir na imagem obtida, ele nunca estará passivo. (SONTAG, 2006). Quando
alguém é fotografado por um estranho, geralmente apruma-se, faz pose ou até
veste-se “apropriadamente” para posar. Como nos aponta Martins (2008):
[...] o vestuário usado como disfarce e maquiagem, como instrumento da
ficção da identidade e da autoimagem, pode fazer mais revelações
sociológicas do que a fotografia invasiva do sociólogo que flagra
desprevenidos seus sujeitos de referência. [...] Ao sociólogo da imagem é
indispensável ter em conta que o próprio fotografado, em muitas
circunstâncias, é um poderoso coadjuvante do ato fotográfico e que,
portanto, o real é a forma objetiva de como a ficção subjetiva do fotografado
interfere na composição e no dar-se a ver para a concretização do ato
fotográfico. (MARTINS, 2008, p.15)
40
Martins (2008) ainda nos mostra que não apenas em fotos desprevenidas e
concebidas por fotógrafos não familiares ocorre a representação, mas em todas as
imagens fotográficas da sociedade, como percebemos nesta declaração:
A fotografia reforça a necessidade de representar. Nas fotografias, as
pessoas fazem supor. Ao mesmo tempo, a fotografia se prepõe como
apontamento de memória e não como memória, como lembrete do que se
perdeu no cotidiano, na banalização, na secundarização de certos
acontecidos, e não quis se perder. No entanto a fotografia diz menos do
acontecido. [...] “O real sentido de qualquer fotografia nunca pode ser total e
objetivamente conhecido ou previsto, especialmente por um observador
externo que não esteve inicialmente envolvido em algum momento da
criação da imagem”. (WEISER apud MARTINS 2008)
A polissemia da foto vai de encontro à tese frequente de que a fotografia é o
congelamento de um momento da história ou de uma biografia. A fotografia desde
sua aceitação pela sociedade se tornou uma necessidade social, mais intensa na
classe média, e relativamente menos intensa nas classes populares. Ela não
documenta o cotidiano, pois faz parte do imaginário e cumpre funções de revelação
e ocultação na vida cotidiana. Portanto, as pessoas são fotografadas representando-
se na sociedade. A foto documenta, como atriz, a sociabilidade como dramaturgia.
Ela é parte da encenação. Ela reforça a teatralidade, as ocultações, os
fingimentos. Traz dignidade à falta de dignidade, ao simplismo repetitivo da
vida cotidiana. As pessoas se mostram representando, mas recorrem
constantemente à fotografia para mostrar-se como terceira pessoa, a
verdadeira, a que não está ali na cena, mas que está na foto. A fotografia
“conserta” o fato de que na vida cotidiana a apresentação social desmente a
representação social. Ela é o rodapé esclarecedor da compostura, do
decoro. (MARTINS, 2008, p. 44-45)
41
Deste modo, de acordo com Martins (2008), a foto “conserta” para si e para
os outros os estragos da rotina da vida. E não apenas o fotografado, mas o fotógrafo
também é protagonista da realização da imagem, ao escolher determinada
iluminação, contrastes tonais, assim, o próprio fotógrafo, é o fotografado invisível. “A
fotografia documenta as mentalidades de quem fotografa, de quem é fotografado, e
de quem a utiliza, problemáticas agregações à polissemia” (MARTINS, 2008, p.58)
Estas representações conforme Martins (2008) fala, nós vemos em nosso dia-
a-dia, quando um fotógrafo amador escolhe um cenário que venha enobrecer seus
fotografados, ou quando estes mesmos colocam suas “roupas de domingo”, a fim de
apresentarem-se com uma aparência melhor do que é a do dia-a-dia em seus
trabalhos cotidianos. Um sociólogo irá querer retratar as pessoas em situações em
que apareçam como são verdadeiramente. Mas, as pessoas dirão, com razão, que
seu verdadeiro ser está naquilo que acreditam que são e não naquilo que
apresentam ser. O autor afirma: “A fantasia é um dado fundante da identidade,
mesmo que dela não existam evidências factuais. As pessoas são o que imaginam
ser e o que querem que os outros pensem que são.” (MARTINS, 2008, p.49)
Muitos se sentem nervosos e apreensivos antes de serem fotografados: não
por recearem, como os antigos o aprisionamento de suas almas, mas, segundo
Sontag (2006), as pessoas temem a desaprovação da câmera, a perda da juventude
com o decorrer dos anos, com o decorrer da vida muitas vezes amarga, dura:
Eu não tinha este rosto de hoje
Assim tão calmo, assim tão triste, assim tão magro
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
42
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
(Cecília Meireles. Retrato. In: Obra Poética. Rio de Janeiro, Nova Aguiar, 1987)
As pessoas querem uma imagem idealizada: algo que os mostre da melhor
maneira possível. Quando a fotografia não mostra o que eles esperam, sentem-se
frustrados, insatisfeitos. Sentem-se “violentados”:
Tal qual um carro, uma câmera é vendida como uma arma predatória – o
mais automatizada possível, pronta para disparar. O gosto popular espera
uma tecnologia fácil e invisível. Os fabricantes garantem a seus clientes que
tirar uma foto não requer nenhuma habilidade ou conhecimento
especializado, que a máquina já sabe de tudo e obedece a mais leve
pressão da vontade. É tão simples como virar a chave de ignição ou puxar o
gatilho. (SONTAG, 2006, p.24)
A “câmera - arma” não mata. Portanto esta metáfora de Sontag (2006) parece
não passar de um blefe. Mas não foi por acaso que utilizamos o verbo “disparar”
para o ato de capturar uma imagem. Há algo predatório quando tiramos fotos. De
acordo com Sontag (2006, p.25): “Fotografar pessoas é violá-las, ao vê-las como
elas nunca se veem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem ter;
transforma pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos”. Martins
apud Byers (2008) nos esclarece que a fotografia está além de ser um produto da
tecnologia, mas um produto da interação humana: pessoas sendo fotografadas,
pessoas tirando fotografias, pessoas olhando fotografias. Nenhuma das partes será
passiva, portanto.
Andrade (2002) nos convida a refletir a respeito da fotografia: “É preciso
sempre tomar cuidado com a câmera. Ela revela e incomoda. Mas irá a fotografia
43
além do que mostra a realidade? Ou além da palavra, ou melhor, do registrado? O
ato fotográfico é visionário?” (ANDRADE, 2002, p.48)
Estas questões sempre fomentarão nossas polissêmicas interpretações a
respeito da imagem fotográfica. Ao nos depararmos com uma mesma imagem, cada
um de nós será convidado a inclinar-se sobre elas e senti-las com nossas próprias
vivências:
A sabedoria suprema da imagem fotográfica é dizer: “Aí está a superfície”.
Agora, imagine – ou, antes, sinta, intua – o que está além, o que deve ser a
realidade, se ela tem este aspecto. Fotos, que em si mesmas nada têm a
explicar são convites inesgotáveis à dedução, à especulação, à magia.
(SONTAG, 2006, p.33)
1.2: Fotografia e memória
“Toda fotografia é um resíduo do passado. Um artefato que contém em si mesmo um
fragmento determinado da realidade registrado fotograficamente”. (MARTINS, 2001, p.45)
Na atualidade, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão difuso quanto
o sexo e a dança. Porém isto não significa que ela seja praticada assiduamente pela
grande massa como uma forma de arte, mas sim como um rito social, uma proteção
contra a ansiedade, como um instrumento de poder. Em sua observação, as famílias
são acompanhadas pelas câmeras, sobretudo as famílias de classe média alta e
bem menos pela classe baixa (MARTINS, 2008). O ato de não tirar fotografias dos
filhos, sobretudo quando estão ainda são pequenos, é tido como um gesto de
indiferença da parte dos pais assim como não comparecer à fotografia de formatura,
um sinal de rebeldia juvenil. (SONTAG, 2006)
Através das fotografias, cada família constrói uma crônica visual de si mesma,
de acordo com Sontag (2006), tornando-se um rito de vida em família exatamente
44
quando esta está se fragmentando. É a presença silenciosa de alguém já ausente,
sendo “inevitável a emoção diante da fotografia”. (MARTINS, 2008, p. 45)
Principalmente pelas ausências de hoje em dia lá presentes. Os mortos reais e
simbólicos, como os pais que se separaram e distanciaram-se da família, a
namorada ou o namorado que não é mais, o amigo que deixou de sê-lo. Neste
contexto, ela se torna não como um mero fragmento de imagem, mas se propõe
como “memória dos dilaceramentos, das rupturas, dos abismos e distanciamentos,
como recordação do impossível, do que não ficou e não retornará.” (MARTINS,
2008, p. 45). Cada família terá sua “caixa de sapato” onde irá guardar suas
lembranças emocionadas, onde ilustram suas histórias de vida, o consagrado
“álbum de família”. (SILVA, 2008)
Alguém conhece um exercício melhor para reviver o passado que a
apreciação de nossas próprias fotografias? Vendo-as, o homem reflexe sobre a
importância que a fotografia tem em nossas vidas. Kossoy (2001, p.100) acrescenta
que: “quando o homem vê a si mesmo através de velhos álbuns, ele se emociona,
pois percebe que o tempo passou e a noção de passado se lhe torna de fato
concreta. [...] estamos envolvidos afetivamente com os conteúdos daquelas
imagens.” Estas fotografias nos dizem muito a nosso respeito, de como éramos, de
como eram nossos familiares e amigos.
Em nossa imaginação reconstruímos a trama dos acontecimentos dos quais
atuamos em diferentes épocas e lugares. Nas palavras de Kossoy (2001, p.100),
“Essas imagens nos levam ao passado numa fração de segundo. [...] Através das
fotografias reconstruímos nossas trajetórias ao longo da vida” Diante destes
fragmentos interrompidos de vida, que muitas vezes revemos, uma insuportável,
irremediável e até mesmo constrangedora fonte de recordação e emoção.
Entretanto, deve-se saber que:
A fotografia é uma das grandes expressões da desumanização do homem
contemporâneo, sobretudo porque permitiu a separação cotidiana da
pessoa em relação à sua imagem. Não é incomum que, com o passar do
tempo, ou com a distância, os amantes amem a pessoa que está na
45
fotografia e percam de vista e de afeto a pessoa que se deixou fotografar.
(MARTINS, 2008, p. 23)
Atualmente existem outros meios para se registrar cenas, como a filmagem,
mas neste caso, ela é o fluxo contínuo de imagens pouco selecionadas, em que
cada uma delas cancela a precedente. Já a fotografia é um momento privilegiado,
convertido num pequeno objeto que as pessoas podem guardar e olharem quantas
vezes desejarem. (SONTAG, 2006) Com toda nostalgia de nosso tempo,
colecionamos compulsivamente imagens de momentos inesquecíveis, pois sabemos
que ele não será eterno.
Quando temos medo, atiramos, mas quando ficamos nostálgicos, tiramos
fotos. [...] Ao fotografar, participamos da mortalidade, de toda nossa
vulnerabilidade e mutabilidade das relações humanas e do espaço físico,
estamos com foto, testemunhando a dissolução implacável e irreversível do
tempo ao cortar uma fatia deste momento e congelá-la”. (SONTAG, 2006, p.
26-27)
Melancolicamente sabemos que a cena registrada ali na imagem não se repetirá
jamais. Aquele momento vivido e congelado pela fotografia é sem retorno. Ai está a
razão pela qual muitos de nós valorizamos intensamente mais a imagem fotográfica
do que um registro escrito. A canção abaixo traduz este pensamento:
“Rasgue as minhas cartas
E não me procure mais
Assim será melhor
Meu bem!
O retrato que eu te dei
Se ainda tens
Não sei!
46
Mas se tiver
Devolva-me!”
[...]
Adriana Calcanhotto. Devolva-Me. In: Público. Renato Barros e Lilian Knapp. Rio de Janeiro, SONY,
2000.
Sotilo (2006, p. 01) a descreve como memória fixa num tempo, mas que
retoma o seu movimento, a sua animação ao ser observada neste ato rememorativo.
“Registro este que abriga certo “recorte espacial” e uma “interrupção temporal”,
fazendo-nos construir realidades diversas”.
Podemos dizer que a fotografia se tornou um mecanismo aliviador da
memória, já que compartilhamos com ela alguns momentos significativos os quais
podemos deixar registrados no papel fotográfico, e sempre que quisermos lembrar-
nos do fato voltamos à imagem. Podemos ter como exemplo com o fato de que
quando viajamos, registramos cada impressão da experiência, sendo impossível de
ser armazenada em sua plenitude, mas a fotografia acaba por dar este suporte
detalhado destes momentos o qual nossa memória não suportaria. (SONTAG, 2006)
Koury (2008), a respeito do registro fotográfico acrescenta:
Duplo do real, a fotografia é apresentada como o real reproduzido. Como
uma cópia que tem o poder de apropriar o real referenciado pela fixidez
intemporal de sua ação. Como passado em revelação para o olhar que
observa, a fotografia parece realizar sua utopia de produtora da memória.
(KOURY, 2008, p.102)
A memória é então informada pela fotografia, indicando momentos
insubstituíveis que constroem uma vida para si e para os outros. Como uma
ausência permanentemente prisioneira de um presente que já aconteceu, como
portadora no presente de um registro que já foi, a fotografia parece estabelecer as
bases necessárias à exclusão do referente, pela sua inclusão fixada nos registros
que cada foto revela.
47
A industrialização praticada em larga escala possibilitou a popularidade da
fotografia, contudo esta perdendo sua qualidade artística. Com o advento cada vez
mais crescente “tirar” fotografias tornou-se hábito das famílias, de acordo com
Andrade (2002, p.49), eternizando momentos de festas, aniversários, casamentos,
viagens, batizados. E prossegue afirmando: “Todas estas imagens nos levam a
resgatar o prazer do instante, do momento presente e do ausente, daquilo que
passou, mas permanece na memória.” Deste modo, tiramos fotografia para nos
apropriar do objeto, do momento que desaparecerá. Existe, uma magia no momento
que imortalizamos as pessoas e o tempo nas fotos. Para tribos urbanas, fotografias
são: “como provas de sua existência, de sua identidade e história.” (ANDRADE,
2002, p.49)
De acordo com o pensamento da autora, cada fotografia detém uma
presença. As evocamos ao guardar em nossas carteiras, em nossas casas imagens
de nossa família, de animais, de santos, de nossos ídolos para fazer presente o que
está ausente. Andrade (2002, p.49) afirma que: “nossa identidade individual
depende da memória – e a fotografia é uma atividade fundamental para o contorno
dessa identidade, seja para autoafirmação, seja para o conhecimento.”
Tanto olhar fotografias como captá-las é semelhante a congelar por instantes
o tempo. E é aí que reside seu encantamento, o fascínio no momento do clique. “O
ato de acionar o botão de uma máquina fotográfica é o único em que o tempo
interno está de acordo com o tempo externo.” (ANDRADE, 2002, p 50)
Barthes apud Andrade (2002) afirma: “Aquilo que a fotografia reproduz até o
infinito só aconteceu uma vez: ela repete magicamente o que nunca mais poderá
repetir-se existencialmente.” (p. 50) Deste modo podemos perceber o real motivo
desta necessidade compulsiva de a cada dia pessoas registrarem momentos felizes
de suas vidas em fotografias, temerosos de tê-los em mãos apenas o registro, mas
ao mesmo tempo não viver o momento novamente.
Assim, ao refletir sobre um passado que se foi e que permanece na
intemporalidade fria da foto, referencia a própria fotografia como ilusão da
manutenção dos momentos queridos eternamente presentes. Cria, ao
48
mesmo tempo, o vazio da fixidez que pode ser tocada, acariciada,
observada, mas que permanece como não sendo o objeto do desejo.
(KOURY, 2008, p.102)
A fotografia vista como lembrança, fomenta no olhar que vê um resumo da
memória pessoal. A imagem significa gestos, atos e sentimentos, construindo redes
de significados que singularizam a lembrança pelo ato emocionado que provoca no
observador. Pela cumplicidade que se estabelece entre aquele que observa e
aquele que a foto representa, referenciado e fixo na ausência presente de um tempo
e de um espaço que não mais existem, embora continuem a existir na realidade da
foto. (KOURY, 2008)
Sotilo (2006), fala sobre este ato do fotógrafo de fixar o tempo e a época
deixando um registro do presente, em que no instante fotografado torna-se passado,
fotografar a nossa trajetória de vida é um mecanismo contra o medo do
desaparecimento e a necessidade de preservar se faz presente neste ritual.
Esses instantes são retomados no momento em que se abrem os álbuns de
fotografia, eles são suportes que torna presente essa ausência, essa transitoriedade.
Dentro deste universo, manusear, olhar, recordar essas imagens torna-se um ato
ritualístico, “sendo este a presentificação de um momento significativo, e que se
atualiza no discurso”. (SOTILO, 2006, p.3) A saudade, este sentimento nostálgico,
pode nos levar á fotografia, mas também a própria necessidade de pertencimento,
enfatiza a importância que esses laços afetivos têm em nossas vidas nos levando a
contemplá-las. “Podemos dizer que esses sentimentos sempre perseguiram e
atormentaram o ser humano, o medo do esquecimento, de não eternizar uma
história, de tudo terminar, de ter o seu fim, a morte”. (SOTILO, 2006, p.6).
A fotografia dribla a morte e a solidão do sujeito que observa pela sensação
de “onipotência do possuir recortes fixos de um real comprovadamente e
intemporalmente existente, na realidade da foto; a foto torna-se o referente de si
mesma”. (KOURY, 2008, p.106) Pensemos em nossos momentos que uma simples
olhada numa fotografia nos anima, retendo no papel o momento de felicidade ali
impresso. Lá estávamos com pessoas queridas, podemos retornar a tais
49
sentimentos vividos naquele momento só do fato de observarmos nossas
fotografias.
Evocada, a foto realiza o anseio de trazer situações e mantê-las sob
controle, na imobilidade eterna registrada e apreendida pelo ato fotográfico.
O que provoca uma sensação de poder e de posse sobre o outro ou sobre o
si mesmo registrado, ao mesmo tempo em que onipotencializa as relações
do observador com as imagens reveladas e por ele possuídas. (KOURY,
2008, p.103)
A fotografia é manuseada em momentos de busca de afetos, positivos ou
negativos, “que recomenda para situações felizes ou não tanto, mas, próximas da
felicidade na distância que as fotos aproximam sem, contudo, trazê-las de volta [...]
O que permite consolo ou tormento em quem se debruça nas impressões que a foto
trás”. (KOURY, 2008, p.103)
Toda fotografia representa em seu conteúdo uma interrupção do tempo e,
portanto da vida. O fragmento selecionado do real, a partir do instante em
que foi registrado, permanecerá para sempre interrompido e isolado na
bidimensão da superfície sensível. [...] Sem antes nem depois; este é um
dos aspectos mais fascinantes em termos do instante contínuo recortado da
vida que se confunde com o nascimento do descontínuo do documento.
(KOSSOY, 2001, p.44)
Tal instante recortado do cotidiano fica ali aprisionado no papel fotográfico,
congelando aqueles sorrisos familiares eternamente. O ato de fotografar tais
momentos felizes nada mais é do que para nos momentos tristes que todos nós
passamos durante a vida, podemos retornar ao saudoso momento lembrando-se
que a noite escura de tal tristeza ou saudade que estamos passando logo findará
com a chegada de mais uma manhã promissora, contendo mais sorrisos em novas e
agradáveis situações.
50
“Quando temos medo, atiramos, quando ficamos nostálgicos, tiramos fotos.”
(SONTAG, 2006, p.25) Vivemos numa época nostálgica, conforme nos constata
Sontag (2006), logo as fotografias ativam ainda mais esta nostalgia. Para a autora,
A fotografia é uma arte elegíaca, uma arte crepuscular. A maioria dos temas
fotográficos tem, justamente, em virtude de serem fotografados, um toque
de pathos. Um tema feio ou grotesco pode ser comovente porque foi
honrado pela atenção do fotógrafo. Um tema belo pode ser objeto de
sentimentos pesarosos porque envelheceu, ou decaiu, ou não existe mais.
Todas as fotos são “memento mori”. Tirar uma foto é participar da
mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa (ou
coisa). Justamente por cortar uma fatia deste momento e congelá-la, toda
foto testemunha a dissolução implacável do tempo. (SONTAG, 2006, p.26)
Para ilustrarmos a citação acima, basta apenas nos recordarmos de parentes
e amigos mortos, ainda preservados em fotografias, em que sua presença exorciza
parte de nossas angústias para Sontag (2006), elas suprem nossa relação portátil
com o passado.
Uma foto é tanto uma pseudopresença quanto uma prova de ausência.
Como o fogo da lareira num quarto, as fotos – sobretudo a de pessoas, de
paisagens distantes e remotas, do passado desaparecido – são estímulos
para o sonho (SONTAG, 2006, p.26)
Comparadas com a televisão, elas são mais memoráveis do que imagens em
movimento, pois há uma nítida fatia do tempo, já nas imagens em movimento há um
fluxo de imagens pouco selecionadas, onde a imagem anterior cancela a próxima.
“Cada foto é um momento privilegiado, convertido em um objeto diminuto que as
pessoas podem guardar e olhar outras vezes”. (SONTAG, 2006, p. 28)
“A fotografia é o inventário da mortalidade.” (SONTAG, 2006, p.85) Agora,
com apenas o apertar do obturador, dotamos um momento de uma ironia póstuma,
51
mostrando que aquelas pessoas incontestavelmente estavam presentes num
determinado lugar e época. Através das fotos foram agrupadas e num instante
depois, se dispersaram seguindo o curso de seus destinos independentes.
Assim como o fascínio exercido pelas fotos é um lembrete da morte, é
também um convite ao sentimentalismo. As fotos transformam o passado no
objeto de um olhar afetuoso, embaralham as distinções morais e desarmam
os juízos históricos, por meio do pathos generalizado de contemplar o
tempo passado. (SONTAG, 2006, p. 86)
Uma fotografia é apenas um fragmento e, através do avanço do tempo,
conforme nos informa a autora, tudo o que a prende vai se afrouxando e então ela
fica solta à deriva num passado flexível e abstrato, aberto a qualquer tipo de leitura e
de associações com outras fotografias.
Após o evento, a foto ainda existirá, conferindo ao evento uma espécie de
imortalidade (e de importância) que de outro modo ele jamais desfrutaria.
Enquanto pessoas reais estão no mundo real matando a si mesmas ou
matando pessoas reais, o fotógrafo se põe atrás de sua câmera, criando um
pequeno elemento de outro mundo: o mundo imagem, que promete
sobreviver a todos nós. (SONTAG, 2006, p.22)
As fotos são os objetos mais misteriosos de todos os que compõem o
ambiente que identificamos como sendo moderno. Elas são realmente experiências
capturadas. Fotografar, para Susan Sontag (2006, p.14) “é apropriar-se da coisa
fotografada. Significa por a si mesmo em determinada relação com o mundo,
semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao poder.”.
Esse encantamento outorgado à fotografia justifica o horror que os
primitivos tinham em deixar-se fotografar, o mesmo terror vindo dos
52
espelhos que refletem a imagem, mas não a retém. A fotografia, no entanto,
é espelho da memória: imobiliza nossa imagem para sempre. (ANDRADE,
2002, p.48)
É possível tornar visível o invisível nas fotografias “na própria evidência visual
fotográfica contida nas coisas que restaram de quem lá esteve e já não está. De
certo modo, nos resíduos da humanidade dos que partiram, as fotos nos dizem que
sociedade é esta”. (MARTINS, 2008, p.27) Basta lembrarmos que através das
imagens fotográficas podemos observar qual era a moda daquele tempo, a posição
social dos fotografados ante algumas informações ali impressas, de até mesmo a
linguagem corporal dos personagens da cena congelada pela fotografia.
O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento
do gesto da paisagem, e, portanto, a perpetuação de um momento, em
outras palavras, da memória: memória do indivíduo, da comunidade, dos
costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. A cena
registrada na imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado
pelo registro fotográfico, é irreversível. (KOSSOY, 2001, p. 155)
A vida, no entanto, prossegue, mas a fotografia segue preservando aquele
cenário com seus personagens. Com o passar dos anos, os retratados envelhecem
e morrem, o mesmo ocorre com o fotógrafo e todo o cenário ali registrado, mas de
todo este processo apenas a fotografia sobrevive, ora na impressão original, ora
reproduzida. (KOSSOY, 2001)
Estivemos naquele determinado momento e fomos felizes (ou não). A
fotografia registrou-o. Sem a imagem, o cotidiano seria impossível. Mesmo quando
não temos uma fotografia para cada situação, nosso imaginário cria a imagem em
nós e para nós. De certo modo, hoje em dia, pensamos fotograficamente.
(MARTINS, 2008) No que se concerne ao fato de observarmos cenas na
tridimensionalidade de nossas vidas e imaginarmos a composição na
53
bidimensionalidade. O eterno desejo de fotografar momentos bons, memoráveis pelo
medo de que se não o registrarmos o perderemos para sempre.
Fotografia é memória e com ela se confunde. Fonte inesgotável de
informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida
individual e social. Registro que cristaliza, enquanto dura, a imagem –
escolhida e refletida – de uma ínfima porção de espaço do mundo exterior.
É também a paralisação súbita do incontestável avanço dos ponteiros do
relógio: é, pois o documento que retém a imagem fugida de um instante da
vida que flui ininterruptamente. (KOSSOY, 2001, p. 156)
1.3: Henri Cartier-Bresson: o momento decisivo na fotografia
É preciso abordar o tema a passos de lobo, mesmo em se tratando
de uma natureza morta. É preciso aproximar-se sigilosamente como um
gato mas ter o olhar agudo. Nada de atropelos; não fustiga-se a água antes
de pescar. [...] O melhor é fazer que esqueçam o fotógrafo e o aparelho,
que é sempre demasiado visível. (BRESSON, 2004, p.19-20)
O fotógrafo Henri Cartier-Bresson (1908- 2004), influenciou-me nas minhas
composições fotográficas decisivamente. Com ele, aprendi a olhar de perto a
pessoa, o vislumbrar até mesmo no cenário, elementos que revelem a personalidade
do fotografado. O irônico é que não foram suas imagens fotográficas, mas sim sua
fala a respeito de suas composições quando as li em Martins (2008). Admiro-o, pois
ele incluía intencionalmente em suas composições elementos que faziam de sua
fotografia não apenas um documento de um rosto, mas documentou a mentalidade,
o mundo da pessoa retratada.
54
Quando Bresson formulou a ideia de “momento decisivo” foi particularmente
baseado em suas próprias fotografias:
A ideia de momento remete a fotografia para o inevitável de sua inserção na
vida cotidiana e no banal, daquilo que flui sem ficar. Mas a ideia do decisivo
remete a fotografia para sua dimensão propriamente estética, pra aquilo que
faz do que é passageiro o tema da fotografia que permanece, a chispa
espiralada e imaginada que reveste a fotografia de sentido porque a remete
aos parâmetros da criação e da universalidade do humano. (MARTINS,
2008, p.60).
Na tese do fotógrafo, há a recusa do casual, do mero clicar como sinônimo de
fotografar, mesmo que para documentar. O momento decisivo permite a Bresson
conciliar em sua obra fotográfica o fotógrafo e o artista respeitado que ele era.
Se o artista tem diante de si o objeto de sua arte, que ele se submete calma
e docilmente, já o mesmo não ocorre com o fotógrafo documentarista, que
fotograva acontecimentos, objetos constituídos no átimo do que é fugaz, a
mais passageira das dimensões dos processos sociais. Portanto, o
fotógrafo, que espera do ato fotográfico a foto sobreviva ao instante e
permaneça densa de sentido e rica de expressão, deve munir-se da
paciência para que a composição não cotidiana do cotidiano se desenhe
subitamente diante de sua objetiva sem se diluir no seu caráter fugido,
banal e propriamente cotidiano. (MARTINS, 2008, p.61)
A forte ideia do momento decisivo opõe-se vigorosamente à banalidade do
flagrante e do congelamento. A fotografia que se encaixa nos moldes do momento
decisivo, conforme percebe Martins (2008, p.63), “chega à sociologia com um
quadro visual de referência que é em si interpretativo, com o deciframento da
imagem já proposto esteticamente.” O flagrante é um acaso; o momento decisivo é
bem mais do que isto, sendo uma espera elaborada, uma construção mental prévia,
esteticamente definida. Não é acidental quando o fotógrafo visite previamente o
55
cenário em que transcorrerá o que registrar. Porém, deve-se ser objetivo e racional
apenas antes e depois, nunca durante o ato fotográfico, já que:
Cartier-Bresson comparou-se a um arqueiro zen, que tem de transformar-se
no alvo para ser capaz de atingi-lo; “pensar é algo que tem de ser feito
antes e depois”, diz ele “nunca durante o processo de tirar uma foto”. O
pensamento é visto como algo que turva a transparência do fotógrafo e
infringe a autonomia daquilo que é fotografado (SONTAG, 2006, p. 133)
Como estética fotográfica, entendemos através de Martins (2008) a
simplicidade das coisas, das pessoas fotografadas e das situações sociais que são
objetos do ato fotográfico e da existência do sentido do belo, do dramático, do
poético que pode ser encontrado até mesmo no que parece banal repetitivo. O autor
finaliza este assunto dizendo: “O ver estético da fotografia erudita é que pode
levantar o véu dos mistérios do viver sem graça.” (MARTINS, 2008, p.62)
Para uma boa apresentação do tema, conforme Bresson (2004), as relações
de forma devem ser estabelecidas rigorosamente. Ele as encara reconhecendo o
ritmo de superfícies, de linhas ou valores. O aparelho deve apenas imprimir a
decisão do olho na película. A totalidade vista de uma só vez é a composição da
fotografia. Bresson (2004, p. 23) acrescenta: “A composição é uma coalizão
simultânea, a coordenação orgânica de elementos visuais. Não se compõe
gratuitamente, é preciso uma necessidade e não é possível separar o fundo da
forma”.
Em fotografia há uma espécie de pressentimento de vida e ela deve captar,
no instante o movimento, o equilíbrio expressivo. Bresson (2004) nos orienta a que
nossos olhos avaliem e meçam constantemente, pois modificamos as perspectivas
com uma flexão dos joelhos introduzindo coincidências de linhas por simples
deslocamentos da cabeça. Fotógrafos compõem ao mesmo tempo em que apertam
o disparador. Podemos subordinar o tema na composição ou sermos tiranizados por
ele, por este motivo, a composição deve ser uma de nossas preocupações
constantes, conforme diz Bresson (2004, p. 25), mas no momento de captar, ela “só
56
pode ser intuitiva, pois estamos às voltas com instantes fugidos em que relações são
instáveis. Para aplicar a relação da “seção áurea”, o compasso áureo deve estar
dentro do seu olho.”.
Para ele, a fotografia encenada não o agrada. Para ele, sua câmera
fotográfica é como um bloco de esboços, seu instrumento da intuição e de sua
espontaneidade, onde naquele instante decide e questiona ao mesmo tempo. O
fotógrafo Cartier-Bresson pensa que: “Para “significar” o mundo, é preciso sentir-se
implicado no que se descobre através do visor. Esta atitude exige concentração,
disciplina de espírito, sensibilidade e um sentido de geometria.” (BRESSON, 2004,
p.12) Mediante a uma grande economia, Bresson chega à simplicidade de
expressão, fotografando sempre com o maior respeito ao objeto e a si mesmo.
Deste modo, o respeito não se encontra apenas no ato da captura, indo além.
Bresson apud Martins (2008), fala sobre as seleções que o fotógrafo faz antes de
dar a ver sua fotografia.
Há a seleção que fazemos quando olhamos através do visor para o objeto;
e há a seleção que fazemos após o filme ter sido revelado e copiado. Após
revelar e copiar, deve-se colocar de lado as fotos que, embora todas sejam
corretas, não são a mais forte. (MARTINS, 2008, p.28)
De acordo com Meucci (1999), ele amou a liberdade acima de tudo, não se
deixando se prender. A liberdade é sua religião. Por este motivo, não gostava de
sentir-se encarcerado pelos grilhões da fama. “Não gosta da luz ofuscante. Não
gosta que tirem fotografias deles... diz que não quer que façam com ele, aquilo que
fez toda a vida com os outros. Cobre o rosto sempre que pode”. (MEUCCI, 1999,
p.1)
Cartier-Bresson é artista de vanguarda, um lírico que fez poesia através da
câmera fotográfica. Tendo graça e leveza, sempre passava invisível apenas com
sua Leica em mãos, sem o uso do tripé. É neste adjetivo que está sua genialidade.
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Minha paixão nunca foi pela fotografia “em si mesma”, mas pela
possibilidade, ao esquecer de si mesmo, de registrar numa fração de
segundo a emoção proporcionada pela tema e a beleza da forma, quer dizer
uma geometria despertada pelo que é oferecido. O disparo fotográfico é um
dos meus blocos de esboços. (BRESSON, 2004, p. 33)
O que detonou sua vida de fotógrafo foi a fotografia de Martin Munkasci
publicada na Revista Photographies em 1931, em que três meninos negros nus no
Congo saem correndo em direção às ondas do mar, numa coreografia de dança,
com a liberdade genuína do ser humano, “totalmente livres sem obstáculos,
poderosamente sensuais, exuberantes, joviais, vivos... leves e verdadeiros,
brincando entre si, como se fossem os únicos possuidores da verdade humana”.
(MEUCCI, 1999, p.1) Nesta imagem, eles personificam a liberdade, a carne sem
pecado. Seus movimentos foram então congelados praticamente no ar. O momento
exato que expressava aquela situação foi congelado nesta fotografia:
“que impressionou Bresson por toda a vida. 'O equilíbrio plástico desta foto
suspende seu ímpeto pela vida... um retorno às origens... a mais nobre
humanidade. ' Dizem aqueles que o conhecem, que é a única foto em sua
parede... Esta foto foi o gatilho de sua efervescente carreira de fotógrafo”.
(MEUCCI, 1999, p.1)
Após esta imagem, ele continuou fazendo a estética do corpo humano em
suas fotos, introduzindo um novo conceito de liberdade no fotojornalismo, sem
perder a graça e a leveza de um artista verdadeiro.
Nada é pesado em suas fotos, apesar do drama. Todas são
minuciosamente e incansavelmente compostas com a simplicidade de um
gênio. Ele esmagou como ninguém, sem fazer barulho. Ele apareceu como
ninguém sem, ao menos, se exibir. Mas, com um artista inato, toda a sua
referência é pictórica, não resta a menor dúvida... Concluindo pela sua
composição. A geometria das formas é uma tônica em suas imagens.
(MEUCCI, 1999, p.2)
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De acordo com Tavares (2008), a França contribuía para a arte na fotografia
com um dos nomes mais sonantes da vertente do documentário social: Henri
Cartier-Bresson. O interesse do fotógrafo recaía no observar das pessoas, no seu
cotidiano e nas circunstâncias excepcionais da vida. Cartier-Bresson, com os seus
trabalhos, prova que o resultado da arte fotográfica não estava na máquina, mas sim
no olho do fotógrafo que, de forma subjetiva, percepciona determinado momento e o
captura.
Nas palavras do grande fotógrafo:
Fotografar é prender a respiração quando nossas faculdades se conjugam
diante da realidade fugida; é este momento que a captura da imagem é uma
grande alegria física e intelectual. Fotografar é pôr na mesma linha de mira
a cabeça, o olho e o coração. (BRESSON, 2004, p. 11)
Henri Cartier-Bresson nasceu em 22 de agosto de 1908, em Paris. É
descendente de uma família proeminente da indústria têxtil. Mas Bresson nasceu
artista e não seguiu a carreira de sua família. Frequentou a École Fénélon e o Lycée
Condorcet em Paris. Estou pintura com Cotenet (1922-23) e com André Lhôte (1927-
28). Estudou pintura e filosofia na Universidade de Cambridge. Seu contato com a
pintura, de acordo com Galassi (2010) transformou Cartier-Bresson em um fotógrafo
dotado de surpreendente intuição visual materializada em fotos claras, elegantes e
perfeitas quanto à composição e equilíbrio, dotadas de coesão em sua narrativa
visual.
Começou como fotógrafo em 1931 recebendo influências do surrealismo. Em
1939, viajou para a África, onde permaneceu por um ano. Trabalhou como
vaporeiro, vendendo bugigangas e carne salgada que ele mesmo caçava e
preparava. Lá também adquiriu malária e sua primeira câmera fotográfica de
segunda mão feita por Krauss. Mas todos os filmes que fotografou lá foram
deteriorados pela umidade. “Para nós, o que desaparece, desaparece para sempre:
daí nossa angústia e também a originalidade essencial do nosso ofício.” (BRESSON,
2004, p. 19) Mas apesar de tudo, esta viagem mudou sua vida.
59
Apesar do fracasso das primeiras fotografias, a África não somente mudou
sua vida, como o tirou da pintura e o colocou na fotografia. Quando voltou à Paris,
imediatamente comprou uma Leica, que o acompanhou por toda a vida:
Tinha descoberto a Leica: ela se tornou prolongamento do meu olho e não
me deixa mais. Eu andava o dia inteiro com o espírito alerta, procurando
nas ruas a oportunidade de fazer ao vivo fotos como de flagrantes delitos.
Tinha sobretudo o desejo de capturar numa só imagem o essencial o
essencial de uma imagem de uma cena que surgisse. (BRESSON, 2004,
p.16)
Nesta época, foi então publica na edição anual da Revista Photographies, a
famosa foto de Munkasci, que deu novo rumo a sua carreira. Daí para frente, ele
saiu para o mundo para fotografar. Em 1935, partiu para o México e para New York,
onde permaneceu por um ano também. Neste período deixou de fotografar. Fez
filmes com Paul Strand, retornando em 1936 para Paris, onde trabalhou até 1939,
com o cineasta francês Jean Renoir, filho do pintor, também fazendo filmes.
A Segunda Guerra Mundial tinha começado. Bresson foi prisioneiro de guerra
dos alemães por três anos. Tentou fugir três vezes e só conseguiu na última vez. De
volta a Paris trabalhou na Resistência Francesa. Voltou a filmar novamente depois
da guerra, dirigindo Le Retour, um documentário sobre os campos nazistas e a volta
da guerra. Mas sua falta de controle no processo de colaboração de produção de
filmes, finalmente fez Bresson optar pela fotografia. Em 1946 viu a chance de
recomeçar sua carreira fotográfica. De acordo com Meucci (1999), Bresson ficou
sabendo que o MOMA estava planejando uma exibição póstuma de suas fotos,
através do curador Beaumont Newhall e sua mulher, Nancy, pois achavam que ele
havia morrido na guerra. Informados de que Bresson estava vivo, a exposição foi
transformada em uma retrospectiva de suas fotos em meio de carreira. Ele viajou
para New York em agosto de 1946, com suas histórias dos campos de
concentração, tentativas de fuga e trabalho clandestino executado para a
Resistência Francesa.
60
Meucci (1999) nos informa que no ano de 1947, Cartier-Bresson, Robert
Capa, David 'Chim' Seymour e George Rodger, criam a Agência Magnum. Sobre o
acontecimento Bresson (2004) declara: “Fundamos a nossa cooperativa em 1977, a
Magnum Photos, que difunde nossas reportagens fotográficas através da revista
francesa e estrangeiras. Continuo sendo um amador, porém não mais diletante”.
(BRESSON, 2004, p.17)
De acordo com Galassi (2010), o repertório imagético de Cartier-Bresson
atingiu um porte impressionante em razão não apenas de seu talento, mas de traços
pessoais e subjetivos, tanto na própria imagem, quanto nas legendas de cada uma:
O estilo de Henri Cartier-Bresson encontra-se inteiro na sua escritura:
testemunho, legenda ou dedicatória, é sempre uma arte breve. [...] Henri
Cartier-Bresson descobriu este seu dom suplementar, ao escrever um
prefácio que imediatamente passou a ser referência maior para os
fotógrafos mas hoje merece ser lido de maneira menos restritiva: como uma
arte poética plena. Assim como deve ler suas reações vigorosas, suas
lembranças discretas, mas precisas, cheias de humor e de afeição. (MACÉ
in BRESSON, 2004, p.9)
Entre 1948 e 1950, gastou a maior parte do seu tempo na Índia, Burma,
Paquistão, China e Indonésia. Fotografou o fim do domínio britânico na Índia e o
assassinato de Mohandas Gandhi. Na China ele fotografou os primeiros meses de
Mao Tse Tung. (MEUCCI, 1999) Este período estabeleceu sua reputação como foto-
jornalista de incomparável sensibilidade e habilidade. Suas fotos capturaram os
novos acontecimentos da época e a vida cultural dos países que fotografou. Depois
de três anos voltou para casa e produziu o livro IMAGES À LA SAUVETTE. O livro é
composto por imagens tiradas rapidamente sem premeditação.
Continuou fotografando pelo mundo, Europa, antiga União Soviética, Japão,
China, México, Índia. Mas na metade da década de 60, ele voltou insatisfeito com o
seu trabalho. Foi para a Agência Magnum com a intenção de destruir tudo. O editor
de fotografia e escritor Romeo Martinez convenceu Bresson a permitir que o editor
61
Robert Delphire o printer da Magnum, Pierre Gassman, editassem um trabalho com
suas melhores fotos. Esta foi aparentemente a segunda vez que ele tentou destruir
suas fotos. A primeira foi na época da guerra, quando ele teria destruído as fotos e
pedido ao pai para guardar os negativos em uma lata e depositar em um cofre no
Banco.
Em 1966, Bresson retirou-se da Magnum, mas permitiu que a Agência
continuasse a distribuir suas fotos. Em 1970, com 62 anos, casou-se com a fotógrafa
Martine Frank. A partir daí, parou de fotografar profissionalmente, dedicando-se
somente à pintura e ao desenho. (MEUCCI, 1999)
O fotógrafo faleceu em 2004 aos 96 anos de idade.
62
2:TRILHARES SOB ESTE CHÃO (POÉTICA VISUAL)
As estrelas que de noite eu via
Todas elas lá no céu estão
Mesmo sem vê-las durante o dia
Piscam no céu com o sol gordão
São trilhares de estrelas e eu nem sabia
Que estão lá no céu até mesmo de dia
Como pode o céu ter tanta estrela?
Como pode? Parece um mar de areia...
A areia que na praia eu via
Tantos grãos estão lá no chão
Punhadinho de areia que eu pego na mão
Tantos grãos que não cabem na numeração
São trilhares de grãos e eu nem sabia
Que esse número aumenta de noite e de dia
Como pode uma praia ter tanta areia?
Como pode? Parece um céu de estrelas...
Tanta areia, tanta estrela
Tanta areia tanta estrela.
Palavra Cantada. Trilhares. In Canções Curiosas. Paulo Tatit e Edith Derdyk. São Paulo, Eldorado,
Selo: Palavra Cantada, 1998.
63
Fig. 2: Trilhares sob este chão. Foto de Thais Oliveira Silva. 29 de Jan. 2012.
Minha poética visual foi norteada pela infância. A minha e a de meus queridos
alunos das quintas séries A e B de 2011 da Escola Municipal Noêmia Salles
Padovan, localizada em Itanhaém, aos quais lecionei Artes ao substituir a professora
titular, a qual estava afastada por licença médica durante este ano letivo.
Com eles, pude perceber particularidades de Itanhaém que eu já havia
esquecido, pequenas, mas tão grandiosas cenas deixadas para trás. Meus queridos
alunos, os quais com minha orientação durante as aulas dadas leram, interpretaram
e criticaram diversas imagens de nossa cidade. Imagens de ontem e de hoje. Até
que chegamos à parte de produzirmos também. Como seriam nossas imagens?
Como nós vemos nossa cidade? Eles produziram plasticamente, através de
produções de desenhos com lápis de cor, caneta hidrocor e tinta vitral. No primeiro
trimestre do ano supracitado, trabalhamos o assunto.
64
Meus alunos eram responsáveis e estavam envolvidos neste estudo, trazendo
sempre dúvidas e informações sobre nossa cidade. Planejei realizar um projeto-ação
com eles no ano de 2012, que durasse um ano letivo, e este seria o meu trabalho de
conclusão de curso, mas a direção e coordenação da escola não me permitiram,
pois a professora titular retornou e escolheu lecionar para estes alunos. Porém, a
semente plantada nestas duas classes, durante o trimestre de 2011 nunca será
arrancada.
Assim como Exupéry (2006), também penso que as crianças sabem o que
procuram, pois prestam atenção em seus caminhos, seu olhar é apurado. Não quero
perder este olhar jamais.
Foi por eles que ousei trilhar pelo caminho inusitado da fotografia com o
enquadramento em diagonal. Não foi algo que fui precursora, certamente não estou
sendo impertinente ao utilizar o termo “inusitado”, já que o grande percursor deste
enquadramento é Alexander Rodchenko (1891 – 1956), artista plástico, escultor,
fotógrafo e designer gráfico russo, sendo um dos fundadores do construtivismo
russo e design moderno russo. Sua fotografia era socialmente engajada, inovadora,
e oposta ao retrato estético da época. Ciente da necessidade de uma série
documental de fotografia analítica, ele fotografou frequentemente seus assuntos em
ângulos ímpares, geralmente muito de acima de ou abaixo, para chocar o
espectador. Suas imagens eliminaram o detalhe desnecessário, enfatizaram a
composição diagonal dinâmica, e foram concebidas com o posicionamento e o
movimento dos objetos no espaço.
Após Rodchenko, outros fotógrafos ousaram uma ou outra fotografia
neste enquadramento, mas não há nenhum registro que algum outro fotógrafo tenha
fotografado uma vasta série neste enquadramento. Apaixonei-me por este
enquadramento, pois sua principal característica é conferir à imagem dinamismo e
movimento, ela reflete a mim mesma. Não é estática, nem formal. Tem energia,
conduz o olhar dum canto a outro da imagem. Senti-me forte e segura ao poder
estar presente em diversos recantos de minha terra, especialmente no alvorecer, um
momento sempre belo, e realizar seu registro.
65
A minha força, sem dúvida, chegou-me através da liberdade em estar
utilizando o meu paradigma do horizonte em transversal. Sem ele, as imagens
obtidas continuariam maravilhosas, mas estariam estáticas, solenes. Estas duas
características não me representam nem um pouco, prefiro todo este dinamismo,
sensação de movimento, instabilidade que o enquadramento em diagonal nos
confere.
Bresson (2004) nos conta que a câmera fotográfica não é um instrumento
apto para responder o porquê das coisas, ela é antes feita para evocá-lo, e noutras
vezes, ela pergunta e responde ao mesmo tempo. Deste modo, minhas imagens são
questões, inicialmente aos meus alunos e agora a quem quer que seja: E se o
mundo fosse inclinado? Você é capaz de perceber o que se encontra ao seu redor,
em seu cotidiano? Eu desconstruí locais para que eles os percebessem atentamente
e os reconstruíssem (ou não). Foi um recurso didático e lúdico utilizado para atrair o
olhar dos alunos para seu próprio lugar, tantas vezes menosprezado. Gosto de
brincar com a possibilidade de te molhar com o rio ou o mar, quando ele está
inclinado. A vertigem de ver minha terra tão querida inclinada. Quero e preciso de
Arte para me libertar e imprimir todas minhas fantasias, excentricidades. Bresson
(2004, p.12) me assegura que isto é possível, já que fotografar: “É uma maneira de
gritar, libertar-se, não de provar nem afirmar sua própria originalidade. É uma
maneira de viver”. Tencionei retratar minha cidade de modo que me representasse.
As fotos de paisagens são, na verdade, “paisagens interiores”. Os ideais
são antiéticos. Na medida em que a fotografia é (ou deveria ser) sobre o
mundo, o fotógrafo conta pouco, mas na medida e que é o instrumento de
uma subjetividade questionadora e intrépida, o fotógrafo é tudo. (SONTAG,
2006, p.138)
Eu ousei permanecer com este olhar, pelos meus alunos, desejei ver minha
cidade de um modo imaginativo, poético, único, para que eles também a vissem
assim e desejassem apreciar cada vez mais nossa terra.
66
Acredito e não sou a única a crer que o professor de artes precisa manter
sempre uma poética visual, também Favero (2008, p. 09), fala que “ao afastar-se da
prática artística, o artista – professor inibe o movimento criativo gerador de todo o
processo pertinente ao ensino de arte”. Deste modo procurei como arte educadora
desenvolver uma poética visual, para que esta pesquisa sobre Itanhaém não
estivesse apenas a cargo dos alunos, mas também de mim. Eu desejei preparar um
material de leitura estimulante aos meus alunos.
Ao questionar-me: como devem ser imagens para as crianças? Pude
encontrar as respostas com Lewis (2009), que mesmo não enfocando imagens, mas
sim textos escritos para crianças, aborda a questão com sabedoria. Clive Staples
Lewis (1898-1963) foi o grande criador de “As Crônicas de Nárnia”, em que num
artigo posterior à série de livros, fala que para se escrever para crianças não há
fórmulas mirabolantes, basta escrever o que você gostaria de ler.
Como minha série fotográfica é uma narrativa visual, baseei-me nesta
declaração do autor para trabalhar: fotografei o que eu gostaria de ver sobre minha
cidade, após uma aula, quando discutíamos acerca das imagens nos folhetos
turísticos. Desejei vê-la de um modo único, especial, fantasioso, que mantivesse
minha personalidade, desejei uma série fotográfica em que me revelasse.
Aliás, tudo na história deve brotar da estrutura de caráter do autor. Para
escrever para crianças, temos de partir dos elementos disponíveis de nossa
imaginação que temos em comum com elas. Somos diferentes de nossos
pequenos leitores não por nos interessarmos menos, ou menos seriamente,
pelas coisas de que estamos tratando, mas por termos outros interesses de
que as crianças não compartilham. A matéria de nossa história deve fazer
parte do mobiliário de nossa mente. Foi essa, a meu ver, uma característica
de todos os grandes escritores de literatura infantil, mas nem todos o
compreendem. (LEWEIS, 2009, p. 750)
Muitos se sentiriam constrangidos a admitir que sua criação seja pautada em
sua infância, mas eu não. Aprendi com Lewis (2009) a não ter medo da crítica
recheada de desprezo, quando, como é no caso dele, escrever livros de fantasia. A
67
crítica utiliza o termo “adulto” como sinal de aprovação. Identifico-me com o autor,
pois busquei o lado lúdico e fantasioso do enquadramento em diagonal. Realmente
deixei meu lado “criança” aflorar muito mais no processo criativo do que meu lado
“adulto”, racional. Porém, nas palavras de Lewis (2009, p. 173) “os críticos para
quem a palavra “adulto” é um termo de aplauso, e não um simples adjetivo
descritivo, não são nem podem ser adultos,” pois, preocupar-se em ser adulto ou
não, envergonhar-se de que se é infantil são características da infância e da
adolescência. Quando persistentes até a idade adulta, é algo bem preocupante.
Não há nada de errado em não perder um gosto que tínhamos quando
éramos criança. Não é um motivo de vergonha. Vergonhoso é, de acordo com o
autor, não aceitar as coisas novas. Nós não devemos levar nossa vida nunca
negando o passado, deixando vivências preciosas para trás, mas sim
acrescentando, a cada dia, nunca substituindo, mas sim crescendo. Este é o real
sentido da palavra. Criei, portanto esta série fotográfica encarando meus leitores
alvo (os alunos das quintas séries A e B do ano de 2011) como iguais a mim. De
uma itanhaense para outros itanhaenses.
Uma das particularidades que percebi durante a escrita dos significados de
cada foto a mim, foi que tudo foi norteado pelas lembranças de minha infância, de
quando minha avó nos levava para passear em diversos lugares daqui. O que
Martins (2008) fala sobre a polissemia de significados para cada um, obviamente
para o fotógrafo o significado também muda de acordo com o contexto em que está
inserido, de acordo o seu momento de vida. Tenho certeza de que se minha avó
ainda estivesse viva, estas séries seriam completamente diferentes, pois eu não
teria tanta sede por visitar estes lugares significativos de minha infância. A dor do
luto ainda é recente.
Ao observarmos uma fotografia, devemos estar conscientes de que a nossa
compreensão do real será forçosamente influenciada por uma ou várias
interpretações anteriores. Por mais isenta que seja à interpretação dos
conteúdos fotográficos, o passado será visto sempre conforme a
interpretação primeira do fotógrafo que optou por um determinado aspecto,
o qual foi objeto de manipulação desde o momento da tomada de registro e
68
ao longo de todo processamento, até a obtenção da imagem final.
(KOSSOY, 2001, p.113)
Todos nós temos um porto seguro depois de um longo dia de trabalho. O meu
era observar as cadeias de montanhas que compõem a Serra do Mar ao longe,
azuladas, distante de nossa cidade. Uma rápida observação do alto da rodovia
Padre Manoel da Nobrega, pela ciclovia, quando esta alcançava pontos altos, como
os viadutos dos bairros Jardim das Laranjeiras e Cidade Anchieta e quando
atravessava o Rio Itanhaém. Às quatro horas da tarde, o sol confere-lhes um brilho
prateado muito especial. Quando o céu está limpo, sem nuvens, os raios solares
incididos sobre elas, revelam-nos detalhes tão maravilhosos que em dias nublados
em não via. As texturas das montanhas, cada uma daquelas árvores compondo uma
imensa cadeia de montanhas. Gostava de sentir seus tons azuis, devido à
atmosfera. Era sempre um prazer observar as sutilezas das mudanças de tons a
cada conjunto de montanha, percebendo, portanto a distância de cada uma até a
mim. As mais claras aquelas tingidas de um azul anil tão diluído me fazia sonhar... O
que estaria acontecendo naquele lugar?
Assim como o colecionador, o fotógrafo é animado por uma paixão que,
mesmo quando aparenta ser paixão pelo presente, está ligado ao passado.
[...] É acima de tudo, uma afirmação da existência do tema. Sua
honestidade (a honestidade de olhar cara a cara, da ordenação de um
grupo de objetos), que equivale ao padrão de autenticidade do
colecionador; sua qüididade – quaisquer virtudes que o tornem único. O
olhar do fotógrafo profissional, sôfrego e superiormente obstinado, é um
olhar que não só resiste á classificação e à avaliação tradicionais dos
temas, como busca, de forma consciente, desafiá-las e subverte-las. Por
esta razão, sua abordagem do assunto em foco é bem menos aleatória do
que em geral se alega. (SONTAG, 2006, p. 93)
Meu olhar também se dirigia ao céu, observar seus desenhos, suas texturas,
principalmente às nuvens próximas ao sol, durante o entardecer. As que mais me
69
encantam são as nuvens estriadas, cirros rosados esguios mostram-se depois de
temporadas chuvosas, minutos, apenas minutos deste espetáculo multicolorido.
Apenas instantes... E logo se voltam a acinzentar-se, logo o sol está posto e a noite
vem mais uma vez. Tudo é sempre rápido. Poucos percebem este espetáculo.
O fotógrafo é, por excelência, o artista mais rápido que existe. Essa rapidez
de execução da obra de arte acrescenta uma responsabilidade enorme ao
fotógrafo: captar o “momento certo”, o enquadramento perfeito, a expressão
ideal. É, sem hesitações, este o maior anseio do fotógrafo-artista. A obra de
arte “instantânea”, no sentido fotográfico do termo, concede a qualquer
observador, a qualquer amante de arte, o grato prazer de apreciar e
contemplar as diferentes “paisagens”, tal como, da mesma forma, a pintura
o permite.
O fotógrafo ao “clicar” ou ao “recrear” as composições, recorrendo, neste
caso último, às novas tecnologias de digitalização ou multimídia, convida o
contemplador à colocação de diversas questões. À semelhança do pintor,
convida o observador a refletir, a interpretar, da forma que entender a obra
de arte. (TAVARES, 2009, p.7)
De acordo com o pensamento de Bresson (2004), em tudo o que olhamos no
mundo, até mesmo em nosso universo pessoal, lá está um tema. Basta sermos
lúcidos para tudo o que está passando e honestos face ao que sentimos face ao que
estamos vendo. Nas palavras do grande fotógrafo: “Em fotografia, a menor das
coisas pode ser um grande tema.” (BRESSON, 2004, p.20) Deste modo, a cada
saída de casa, nos mais insignificantes caminhos, eu estava atenta a qualquer
momento para obter uma boa imagem.
O fotógrafo apenas mostra os ponteiros do relógio, mas ele escolhe o
instante, um lance, uma resposta, de erguer o aparelho à linha da mira do
olho, prender na pequena caixa econômica o eu surpreendeu, capturar em
pleno voo sem trapaças, sem deixar escapar. Faz-se pintura ao tirar-se uma
foto. (BRESSON, 2004, p.41)
70
2.1: Indelével herança caiçara
Chão caiçara
Caminhos que vamos trilhar
Saboreando em descobertas
O jeito de ser e viver do povo praiano
Que ainda existe sem que percebamos
Mas que está aí para nos ensinar
A amar e a cuidar da nossa terra
Acentuando os caminhos
Ao encontro das nossas raízes,
Da nossa história!
(Ana Maria Ferreira. In: Itanhaém, um Mar de Histórias. Expoente: Itanhaém, 2008)
As histórias das pessoas contam a história de Itanhaém. Estas histórias se
entrelaçam se misturam e se fundem formando um tecido com cheiro de mar e gosto
de comida caiçara, música, poesia e esperança.
Esperança de que a brisa marítima espalhe pelos ares a nossa história de
raiz, que conte para quem chega ou não conhece que aqui vive uma gente simples,
hospitaleira, cheia de fé, que gosta de lembrar em relatos como viviam aqui. Tanta
gente, tanta história, tanta saudade! Gente com a mesma herança: a cultura caiçara.
E o levar no sangue as primeiras marcas de miscigenação aqui no Brasil: do
indígena do litoral com o colonizador português. (BRANCO, 2005)
Encontramos como característica dessa gente o jeito simples e por que não
dizer poético de ser; é um povo simples, que trabalha duro de sol a sol, e tem a lua
como referência para plantar, pescar, caçar. Usa o mar com sabedoria para a sua
alimentação e faz dele seu meio de sobrevivência. Na mata busca os seus remédios
71
naturais e é na areia da planície litorânea que produz e cultiva sua lavoura, extraindo
dos solos da restinga o seu alimento.
Entretanto, a autora nos lembra de que a palavra “cultura” carrega
inúmeros preconceitos, que se estendem desde a significação elitista, de uma
pessoa com estudo, culta, até a comparação de determinados graus de
manifestação cultura de um povo, tendo como referência a cultura europeia, dita
erudita. Deste modo, “a cultura caiçara, como a de outros grupos que
permaneceram à margem do desenvolvimento intelectual nacional, é referida com
maior travo de subalternidade.” (BRANCO, 2005, p.21) Tanto que seus herdeiros
muitas vezes recusam o termo “caiçara” por pejorativo, tendo-o como “caipira,
matuto, homem ordinário, malandro e vagabundo” – são estes os significados mais
comumente encontrados nos dicionários brasileiros. Segundo a análise da autora,
este fato ocorreu devido o desenvolvimento do país.
A própria história nacional encarregou-se de traçar um modelo unificado de
comportamento para toda população na medida em que se foram expandindo as
instituições escolares, de saúde, medidas judiciárias e principalmente os meios de
comunicação, com enfoque na televisão, esta que tem um enorme poder de
padronizar populações de norte a sul do país (BRANCO 2005). Se pudermos
mencionar a grande falha cometida em relação à cultura caiçara é que esta é na
visão da autora, em comparação às outras culturas de nosso país é pouco estudada
e por isso tem sido vítima de preconceitos até mesmo de seus próprios herdeiros.
Os dicionários explicam a origem da palavra caiçara (“kaai´as”, segundo
Houaiss, 2000) que significa “cerca de ramos para vedar o trânsito”. [...] O
termo foi aplicado aos que viviam junto às praias, em economia de
subsistência baseada na pesca, extração de palmitos e alguns frutos
silvestres e uma fraca agricultura onde predominavam os roçados de
mandioca, milho, arroz, fazendo uso tanto do entrelaçado de ramos na
construção como no preparo das armadilhas para pescar e caçar e na
proteção do solo cultivado sobre o qual deixavam parte das árvores
derrubadas. O benefício deste uso é o aporte de alguma sombra e adubo no
solo por conta do apodrecimento das folhas e da madeira – é a roça de
tocos ou coivara. (BRANCO, 2005, p.22)
72
Fig.3: Caiçara. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012.
Na Figura 3 observamos o cercado da casa de uma família caiçara tradicional
do Bairro do Rio Acima, onde ainda guardam inúmeras tradições. Podemos
encontrar a população caiçara em toda costa dos estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Paraná a Santa Catarina. Tanto pelos traços físicos, como os culturais,
revelam a miscigenação do índio com o português.
A religião predominante é a católica, proveniente da tradição portuguesa, o
ato de ajuda mútua, o mutirão é um costume europeu trazido para cá e até hoje
preservados em comunidades caiçaras. Já a construção da habitação, as técnicas
agrícolas e artesanais para a confecção de produtos domésticos, inclusive receitas
culinárias e medicinais revelam a contribuição indígena para esta cultura. Sobre a
contribuição lusitana, Branco (2005) ainda nos informa: “A origem europeia desta
população notava-se na cor dos olhos, claros, nos conhecimentos técnicos – pesca
carpintaria, marcenaria; o sangue indígena estava presente no manejo da terra e da
mata, nas táticas de sobrevivência, nas crenças.” (BRANCO, 2005, p.27)
O caiçara é o povo praiano que em perfeita harmonia com o meio que o
cerca, usando o mar como “mercearia e geladeira”, coletando na mata todos os seus
73
medicamentos, cultivando a terra litorânea, fazendo-a produzir a contento apesar da
muita areia e pouca fertilidade dos solos da restinga.
Através de sua criatividade e habilidade, o caiçara se moldou ao meio sem
grandes conflitos ambientais. “Convivendo com a Mata Atlântica, o caiçara
recuperou antigos conhecimentos indígenas sobre o uso das plantas, medicinais e
alimentares, aprimorou a técnica do entalhe em madeira para construção de canoas
e casas de moradia.” (BRANCO, 2005, p.28)
Todas estas características acompanham o nosso modo de viver, nós,
descendentes de caiçaras, nós que, na maioria, não vivemos mais em comunidades
ribeirinhas ou praianas, mas que temos ascendentes familiares ou até mesmo
influência indireta de outras pessoas vinda a nós como a maresia cobre nosso ar.
A mim esta influência chegou através de minha avó. Seu nome era Gloria
Silva Oliveira (1934 – 2011), mas era conhecida por todos como Glorinha. Eu e
meus irmãos a chamávamos de Góia e devo a ela tudo o que sei e sou. Minha avó
nasceu em Iguape, uma cidade caiçara e deveras antiga do Brasil, mas seu pai é
daqui de Itanhaém mesmo. Sua mãe, minha bisavó que era desta cidade; deste
modo ela passou infância e começo da juventude nas duas cidades, absorvendo
costumes das duas comunidades caiçaras do litoral sul. Porém, antes de completar
a maioridade ela mudou-se para São Paulo, para trabalhar como empregada
doméstica, morando nestas casas. Parou apenas quando se casou e ainda
permaneceu em São Paulo. As suas férias de verão eram passadas aqui em sua
terra tão amada, mas sempre retornava para a capital.
Contudo, após muitos anos, o casamento desfez-se e finalmente minha avó
voltou para Itanhaém. Ela amava esta terra, possuía uma admirável disposição para
percorrer toda esta cidade a pé, uma herança caiçara (FERREIRA, 2008) a qual eu
também herdei. Minha mãe também se mudou para cá após seu casamento
romperem-se anos após. Como ela ainda era jovem e com três crianças para criar
sozinha, ela resolveu mudar-se para perto de sua mãe.
Em nossa infância, a figura de minha avó esteve muito presente em minha
vida e na de meus dois irmãos. Minha mãe trabalhava durante o dia e ela cuidava de
74
nós. Recebemos a herança caiçara a cada dia de maneira prazerosa. Como era
gostoso viver deste modo!
Minha avó era católica fervorosa, sempre ia às missas de domingo,
participava das festas religiosas da cidade, como a festa do divino e a do reisado e
eu quando criança não entendia todo este processo. Era belo, mas não
compreensível pra mim. A festa do Divino é um momento muito especial para a
cidade, onde lindas bandeiras vermelhas são espalhadas pela praça. Há a Casa do
Império, há o Imperador, sua Imperatriz e o Capitão do Mastro. Deste simbolismo
todo, em minha inocência, apenas pensava “como é lindo! Parece um conto de
fadas! Olha que lindo o vestido da imperatriz”, mas sempre ia vê-los, pelo menos em
minha infância, quando era minha avó que decidiam quais seriam meus passeios. E
realmente eram fantásticos!
Eu estudava de manhã e não via a hora de ir logo pra casa, almoçar e sair
para passear com minha avó. Como éramos bastante humildes, íamos sempre a pé.
Íamos até a praia deste modo, não apenas na que era na reta de nossa casa, mas
nas que certamente lembravam a juventude de minha avó, praia do centro, dos
pescadores, boca da barra, creio que ela queria compartilhar de seus “jardins
secretos” conosco. Gostava também de andar a pé pela linha do trem, gostava de
sentir adrenalina a mil, pois se o trem viesse e ainda estivéssemos na ponte, ela
tremeria... Aquela ponte toda enferrujada que temo até hoje, a qual guarda tantas
lembranças...
Na Figura 4 podemos ver o registro que fiz dela onde pretendi enfocar a
vertigem e o medo que me causava. Certamente a lembrança mais forte é a da
queda da ponte, em plenas nove horas da manhã num dia até aquele momento
tranquilo de 1946. Meu irmão mais velho que era muito levado comigo sempre ficava
me pondo medo quando minha avó nos contava este fato que se misturou a fantasia
quando acrescentou que até hoje mora um Mero de 12 metros em um dos vagões
submersos do trem acidentado de outrora. Hoje eu percebo o valor destas histórias
ouvidas no lugar ocorrido, tantos e tantos quilômetros que andávamos a pé... Não
foram em vão... Como não tínhamos dinheiro para comprar lanches, ela fazia
bolinhos de fubá ou banana verde frita para comermos no caminho e era tão bom!
75
Passamos por tanta dificuldade financeira, mas por sua infinita sabedoria caiçara,
ela não deixou que isso nos abatesse, pois a vida em liberdade e a simplicidade
eram mais importantes. Esta lição eu nunca me esqueci.
Fig.4: Longo Caminho Vertiginoso. Foto de Thais Oliveira Silva, 18. Mar. 2012.
Branco (2005), sobre a carência desenvolvida entre estes, declara:
“A vida das populações caiçaras é, acima de tudo, uma história de sofrimento
e sobrevivência extremamente difícil onde estavam sempre presentes a fome, a
subnutrição e um rol de doenças fatais.” (BRANCO, 2005, p. 27) Quando eu saía
com a “Góia”, minha avó, eu ia observando tudo, todo meu caminhar com muito
cuidado. Adorava o mar, seu odor característico, o contato das ondas com meu
corpo e bem mais do que isto, gostava de vê-lo... Tinha um enorme desejo de
fotografá-lo.
Adorava-o, porém não tinha condições financeiras ter uma câmera
fotográfica, sempre que via algo agradável, pensava: “que bela imagem isto seria...”
Às vezes me entristecia, pois quando passávamos por necessidades em minha casa
chegava a pensar que nunca teria esta chance. Ao completar treze anos, minha mãe
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me deu uma câmera analógica compacta, mas foram poucas fotos reveladas, eram
realmente inacessíveis naquele tempo os gastos com filmes e revelações, por isso
eu apenas brincava de fotografar. Este aspecto lúdico foi muito bom para meu
desenvolvimento hoje, pois todas as composições que eu sempre quis eternizar
durante este tempo, agora eu estou concretizando. Lembranças, vivências e
sentimentos de mais de vinte anos de trilhares por este chão caiçara estão
infundidos em minhas imagens.
2.1.1: Seu Sertório, o barqueiro.
Oi o rio de Itanhaém...
Meu barco virou saudade
No rio de Itanhaém
Na hora de ir embora
O remo chora também
Adeus velho amigo rio
Adeus noroeste adeus
Vou ver se lá no sertão
os rios ainda são meus
adeus, adeus, adeus...
(Recolhido por Ernesto Zwarg. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Expoente: Itanhaém, 2008)
77
O “Tio Sertório”, como minha avó se referia a ele carinhosamente, foi, a meu
ver, um homem de sorte, pois conhecia muito bem o Rio Itanhaém, esteve lá durante
muitos anos de sua vida.
“Vamos à casa do Tio Sertório hoje à tarde?”
Esta frase permaneceu em minha memória por um longo tempo. Minha avó
ficava radiante quando mencionava este nome. A figura deste senhor não se
encontra em minhas memórias, já que o vi até meus quatro anos de idade, mas eu
me lembrava do bom humor e euforia de minha avó quando caminhávamos até sua
casa.
Sertório Domiciano Silva (1908 – 1988) era irmão de Anselmo Silva (1904 –
1975), pai de minha avó. Minha mãe me conta que os dois eram muito semelhantes
fisicamente, seu rosto, voz, apenas a estatura os diferenciava: meu bisavô era mais
alto. Acredito que minha avó gostava de ir à casa de seu tio para vê-lo e por
instantes, ter seu pai de volta. Mas certamente gostava de ir, pois Tio Sertório era
amoroso, atencioso, sempre com um sorriso sincero em seu rosto.
Para saber mais sobre este notório caiçara, fui recebida em sua casa, onde
Seu Sertório também morava, no dia 31 de janeiro de 2012 por uma de seus doze
filhos, Esther Maria Silva Lima (1944-). Uma senhora simples, amigável, que com
nostalgia e orgulho, contou-me sobre seu falecido pai. Através de suas palavras
pude perceber o quanto ela ainda o admirava, o quão grande o afeto era, mesmo
transcorridos vinte e quatro anos de seu falecimento por derrame cerebral. Dona
Esther recebeu-me com seus netos e filhos, e no dia da visita quis retratá-la, ela foi
ao quarto vestir sua melhor camisa e chamou esta parte da família para
acompanharem-na, escolhendo também o local da captação, que em minha opinião
desfavoreceu a imagem devido à alta luminosidade, mas ela quis ser registrada no
sofá onde seu pai costumava descansar após o trabalho (FIGURA 5).
Itanhaém recebeu seus préstimos praticamente por toda sua vida. Nascido
nesta cidade, desde os sete anos de idade ele trabalhou nestas terras. Seu trabalho
mais notório certamente foi a travessia de barco sobre o Rio Itanhaém: dos que
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desejavam ir ou vir da “Vila Velha” (Centro da cidade) para a “Vila Nova” (Belas
Artes) ou para a “Praia do Meio” (Praia do Sonho).
Sertório Domiciano da Silva nasceu em 28 de Setembro de 1898,
descendente de índios Tupi Guarani, filho de José Domiciano da Silva e Laurinda
Maria das Neves, casou-se em 05 de Julho de 1930 com Vitória Maria da
Conceição, com quem teve 12 filhos.
Figura 5: Esther e Netos. Fotografia de Thais Oliveira Silva. 31. Jan. 2012.
Seu Sertório foi uma figura muito respeitada por todos que o conheceram. Era
um barqueiro da travessia do Rio Itanhaém antes da construção da ponte calçada.
Este caiçara itanhaense é sempre lembrado com grande saudade e carinho por
antigos moradores muitos dos quais ainda se recordam de terem feito travessia em
sua canoa. Em entrevista, Esther (31. Jan. 2012) nos conta o quanto ele era amado
por todos e como o povo antigo confiava nele, apesar de haver outros barqueiros,
Seu Sertório era sempre procurado de um modo singular, os moradores antigos que
desejavam atravessar cantavam da margem do Rio Itanhaém: “Seu Sertório... Traga
a barca...” E o bom caiçara nunca lhes negava, não importa qual seja o horário.
Esther lembra que até mesmo durante a noite ele era requisitado e mesmo se
79
estivesse já deitado, levantava-se e ajudava a quem precisava. De acordo com
Branco (2005), lembram os antigos que a ponte existente era apropriada unicamente
para a passagem do trem, que corria por ela praticamente suspenso nos trilhos. Por
volta de 1950 esta mesma ponte foi melhorada quando colocaram tábuas largas
entre os trilhos para possibilitar a passagem de pedestres.
Num dia de trabalho mostrou-se altruísta ao saltar nas águas do Rio Itanhaém
para salvar uma mulher com um bebê que havia caído acidentalmente no rio quando
atravessava a ponte recém-inaugurada. Sertório era muito alegre, amava nadar e
sempre fazia questão que ele mesmo ensinasse seus filhos a nadar antes mesmo
de aprenderem a caminhar direito.
Gostava também de "prosear" com os amigos e de pescar. Homem de
aspecto simples, com seus fortes traços indígenas, alegre e gentil, um típico caiçara
itanhaense (tabacudo). Em noites de verão, contemplava as estrelas sobre a luz da
lua e ao som de seu violão e a melodia de seus 12 filhos, o caiçara passava
momentos descontraídos ao lado de sua grande família, em um verdadeiro “luau
familiar”.
As histórias que Itanhaém guarda sobre este caiçara caracterizam a
coragem, honestidade e a simplicidade deste homem rude de grande sabedoria da
vida.
Seu Sertório faleceu aos 90 anos de idade, em Itanhaém. Em sua
homenagem a ponte sobre o Rio Itanhaém leva o seu nome. Um caiçara memorável.
A ponte, portanto, hoje se chama “Sertório Domiciano da Silva”, uma homenagem ao
saudoso barqueiro que sempre foi tão estimado por todos, sendo um típico filho da
terra, homenagem realizada em 12 de Fevereiro de 1.990, através do Decreto
Municipal nº 1.331/90.
Ferreira (2008, p. 106) descreve o Caiçara de um modo belo e poético, em
que me identifiquei com minha poética visual: “Aquele que desliza manso pelo rio ao
alvorecer, cortando as águas claras ou escuras com sua canoa que percorre a
trajetória ribeirinha”. A Figura 6 retrata uma cena extremamente bela, porém
cotidiana em Itanhaém, onde toda alvorada o Caiçara traça seu caminho silencioso
80
pelo Rio rumo ao mar em movimentos suaves, porém precisos oriundos de uma rica
experiência que lhe permite conhecer muito bem este seu velho amigo, o Rio.
Fig.6: Aquele que desliza manso ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva 01. Abr. 2012
Quando eu atravesso a Ponte Sertório Domiciano sob o Rio Itanhaém, situada
no final do Centro da cidade e início do bairro da Praia dos Sonhos, minha alma se
transporta para o passado... Meu coração se enche de saudades de tudo aquilo que
eu nem vi ou vivi, mas, que de tanto ouvir dos antigos, principalmente de minha avó
é como se eu estivesse vivendo o momento deles... O momento em que o caiçara
morava próximo ao mar, memoráveis anos antes da especulação imobiliária, em que
o caiçara foi expulso de suas terras, de centenas de anos, para dar lugar a casas de
veraneios e colônias de férias “regularizadas”, com escritura em seus nomes.
(BRANCO, 2005)
Até 1940-50 viam-se, próximos à praia, alguns pequenos povoados
formados por casas de bambu, taquara [...], telhados de sapé ou folhas de
palmeira [...] Nos terrenos não havia cerca, o uso era comunitário. Por este
litoral despovoado, cada família cultivava a terra que necessitava – a
81
mandioca era cultivada perto das casas sobre a areia branca da restinga – e
produzia o suficiente para o complemento da dieta familiar. [...] Somente
após 1960 é que o caiçara, pressionado pelo avanço da expansão
imobiliária, deslocou-se da linha da praia para o interior – o sertão. A partir
desse momento o pescador praiano perdeu o acesso fácil ao mar.
(BRANCO, 2005, p. 36)
De lá de cima da ponte, vê-se o encontro mágico das águas doces com as
salgadas do Mar no local denominado Boca da Barra. É belo ver, durante o ano, o
comportamento destes dois gigantes, ora homogêneos, quando é difícil notar o
começo ou o fim de cada um, ora desiguais, tanto na coloração, quanto na
movimentação de suas águas. É nostálgico observar lá de cima uma pequena canoa
indo encontrar-se com o mar, o sol e o rio numa linda manhã de outono, a qual eu
registrei uma série fotográfica em que denominei “Minha força está na Solidão do
Amanhecer”, efetuada nos dias 01 e 20 de Abril de 2012.
A vista aérea do Rio é belíssima, pois também a ponte construída no local
auxilia nossa percepção de nuances da paisagem, pois ela não é reta, sempre no
mesmo nível, a ponte descreve um caminho sinuoso, muito belo, em que a
construção humana harmoniza-se à “construção” do Arquiteto Supremo: o
maravilhoso encontro das águas ladeado pelo morro do Sapucaetava e a praia da
Boca da Barra. Porém, sempre me persiste a ideia de observar o rio em seu nível,
possuir uma canoa e deixar vagar lentamente sob a influência da relativa correnteza
do rio ou então, com um remo, ao alvorecer encontrar-me com o Rei Sol, nascido
com todo seu esplendor, em sua barca solar após sua vitoriosa jornada em terras
sombrias.
Minha poética visual baseou-se nestas travessias imaginárias sob o Rio
Itanhaém, as quais durante toda minha infância eu as fazia, e agora, adulta, ainda
ouso imaginar-me atravessando o rio Itanhaém com o uso de uma canoa, podendo
visualizar o Rio em ângulos que nunca vi, sentindo a força de sua correnteza em
certas épocas, a predominante calmaria em outras, deslizando solitariamente em
direção ao alvorecer, contemplando os primeiros raios solares não mais de cima da
ponte, mas no nível do rio, estando em harmonia com ele e também com o sol,
82
sentindo suas cores em mim, suas incríveis e saturadas cores que me acompanham
até os dias de hoje em todas minhas produções artísticas, influenciando-me a
saturar as cores de minhas composições que opto não deixa-las em preto e branco
quando se trata do nascimento do sol.
O nascer do sol visto deste local foi o mais encantador que pude presenciar
em meus trilhares sob minha cidade. Lá, o rio, o mar e o céu se fundem. Um imenso
plano avermelhado, dourado, violeta que me seduziu definitivamente. O nascente se
tinge do vermelho vivo - a cor da rebeldia – lado a lado com o ouro pálido da
pacificação e da vida. E esse contraste profundo forma a paisagem ideal. Tudo lá é
um sonho, suas cores, sua forma, seu aroma. O alvorecer neste lugar é único.
Fig.7: Cores e Formas de um sonho matutino. Foto de Thais Oliveira Silva 01. Abr. 2012
A Figura 7 foi obtida poucos minutos após a Figura 6, onde ainda podemos
ver um pequeno ponto escuro no rio, o qual é o Caiçara e sua canoa a poucos
metros do mar. Este alvorecer possui um elemento chave, sob o qual pude compor
esta cena. A nuvem que está encobrindo o Sol tem um formato sugestivo, gosto de
ver desenhos em nuvens e em primeira vista, assim que abri o portão da casa de
meu namorado e comecei a fotografar, na Praia dos Pescadores, logo visualizei um
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grande jacaré abocanhando o Sol, tentando ofuscar seu intenso brilho, porém, só
quando cheguei ao alto da ponte Sertório foi que pude ver que seu formato
belíssimo proporcionou reflexos únicos ao Rio e ao Céu neste dia, tal qual uma
ampulheta etérea fosse colocada em nossos domínios neste momento, talvez para
nos lembrar do quanto o tempo é efêmero. Ele não para.
2.2: O olhar criativo
Nas primeiras horas da manhã
Desamarre o olhar
Deixe que se derrame
Sobre todas as coisas belas
O mundo é sempre novo
E a terra dança e acorda
Em acordes de sol
Faça de seu olhar imensa caravela
(Roseana Murray. Receita de Olhar. In: Receitas de Olhar. São Paulo, FTD, 1999)
Ao utilizar o termo “Olhar Criativo” para se descrever o processo de minha a
poética visual, baseei-me na visão de Ostrower (2009) onde esta vê a criatividade de
maneira mais profunda e humana do que a muitos que a consideram um privilégio
de uma pequena minoria. Em suas palavras: “Consideramos a criatividade um
potencial inerente ao homem, e a realização desse potencial uma de suas
necessidades [...] De fato criar e viver se interligam”. (OSTROWER, 2009, p.5)
Os processos criativos não devem ser vistos apenas ligados ao fazer artístico.
Em nossa época, as artes são vistas como área privilegiada do fazer artístico, em
que se encontra liberdade de ação e um vasto envolvimento emocional e intelectual,
84
acreditam que unicamente o trabalho artístico é possuidor da criatividade, porém a
autora não é concomitante a este pensamento. Para ela, o criar deve ser entendido
num sentido global, “como um agir integrado em um viver humano.” (OSTROWER,
2009, p.5)
Basicamente, criar é dar forma a algo novo; é a capacidade de relacionar,
configurar, significar. O homem cria, não porque desejou, mas sim “porque precisa;
ele só pode crescer enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma,
criando” (OSTROWER, 2009, p.10)
Mesmo em se tratando de operações intelectuais ou conceituais, a criação
acontece principalmente através da sensibilidade. Mesmo que o senso comum
insista, a sensibilidade não é apenas um dom de artistas e de alguns poucos
privilegiados. Em si ela é um patrimônio de todos os seres humanos. Mesmo que
seja em diferentes graus, ou até em áreas sensíveis diferentes, todos temos desde o
nascimento, um potencial de sensibilidade. Tendo sempre em vista que a mesma é
a porta de entrada de sensações, representando uma abertura constante ao mundo
e nos liga rapidamente ao que acontece ao nosso redor. Como nos atesta a autora,
a sensibilidade, portanto se converte em criatividade ao ligar-se estreitamente a uma
atividade significativa para o indivíduo.
Ao homem torna-se possível interligar o ontem ao amanhã. Ao contrário dos
animais, mesmo os mais próximos na escala evolutiva, o homem pode
atravessar o presente, pode compreender o instante atual como extensão
mais recente de um passado, que ao tocar no futuro novamente recua e já
se torna passado. Dessa sequência viva ele pode reter certas passagens e
pode guarda-las, numa ampla disponibilidade, para algum futuro ignorado e
imprevisível. (OSTROWER, 2009, p. 18)
Não devemos perder de vista que a criação se desdobra no trabalho, vendo-o
como uma necessidade que logo irá gerar as possíveis soluções criativas. Nem a
arte existiria criatividade se nós não a encarássemos como um fazer intencional,
produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver. “Retirando à arte o
85
caráter de trabalho, ela é reduzida a algo de supérfluo, enfeite, talvez, porém,
prescindível a existência humana.” (OSTROWER, 2009, p.31) Infelizmente persiste o
vício de considerar que a criatividade só existe nas artes e isto só faz crescer a
deformação da realidade humana.
Este pensamento desumaniza o trabalho em geral, reduzindo-o a uma rotina
mecânica, sem convicção ou visão ulterior da realidade, excluindo
consequentemente a conscientização espiritual pertinente ao trabalho, através da
atuação significativa para sim mesmo. Por este motivo até hoje a arte está submersa
neste mar de subjetivismos: enquanto o fazer humano é reduzido a atividades não
criativas, à arte, uma imaginária “supercriatividade deformante” (OSTROWER, 2009,
p.39), em que não existem delimitações, um não comprometimento do artista com a
matéria. E é exatamente o contrário do que deve ser feito, conforme nos esclarece
Ostrower, que ao fazer, “ao seguir certos rumos a fim de configurar uma matéria, o
próprio homem se configura. [...] Estruturando a matéria, também, dentro de si
mesmo ele se estruturou. Criando, ele se recriou” (OSTROWER, 2009, p.51)
Em todas as matérias com que o homem lida se fará sentir sua ação
simbólica. Em todas as linguagens, ao articular uma matéria, o homem
deixa sua marca, simboliza e indaga, movido por sua pergunta ulterior, que
é pelo sentido de viver. Rearticulada, a matéria retorna ao homem. Na
forma configurada, cada pergunta encerra uma resposta. (OSTROWER,
2009, p.53)
Este é o caminho que se encontra a frente de qualquer ser humano. A sua
orientação só lhe será revelada ao longo do trilhar. Este caminho não se compõe de
pensamentos, conceitos, teorias, nem de emoções – no entanto é resultado de tudo
isto. Este caminhar envolve uma série de vivências, onde cada decisão e a cada
passo será de vital importância para seu crescimento. A autora continua a nos
esclarecer, revelando-nos que cada indivíduo terá que descobrir seu próprio
caminho, descobrirá caminhando, sem que o resultado seja aleatório. Andando,
cada um configura o seu caminhar. No seu tempo, “ chegará a seu destino.
Encontrando, saberá o que buscou” (OSTROWER, 2009, p. 76) A intuição o ajudará.
86
A intuição vem a ser um dos mais importantes modos cognitivos do homem.
Ao contrário do instinto, permite-lhe lidar com situações novas e
inesperadas. Permite que, instantaneamente, visualize e internalize a
ocorrência de fenômenos, julgue e compreenda algo a seu respeito.
Permite-lhe ser espontâneo. (OSTROWER, 2009, p.56)
Por espontaneidade entendemos: ser flexível, sem a rigidez defensiva ante o
mundo, permitindo configurar espontaneamente tudo o que toca. A autora ainda
propõe que venhamos desvincular a noção da criatividade da busca da genialidade,
de originalidade e mesmo de invenção, sendo esta entendida como invento de uma
novidade.
Uma vez que estes atributos como ser genial, original e inovador
correspondem ao legado do Renascimento, já que na época a individualidade
procurava impor-se socialmente, época esta que se avaliavam as qualidades
extraordinárias de um trabalho realizado. Hoje estas ideias ainda persistem: a
sociedade nos pede que sejamos “criativos, originais e geniais”. Infelizmente, em
nosso tempo, só consegue ser criativos os que conseguem ser “genial”. A autora
prossegue admitindo:
Não alguém que fosse espontâneo, autêntico, imaginativo, autêntico,
imaginativo, sensível, tampouco se concebe que o potencial criador do
homem possa desdobrar-se no trabalho ou em função da maturidade
alcançada, na visão generosa da convivência humana, pois a própria
criatividade é considerada como algo inteiramente à margem do natural.
(OSTROWER, 2009, p.133)
A genialidade proposta desde então é um parâmetro esmagador para
qualquer tipo de processo normal de maturação. E ainda de acordo com Ostrower
(2009), seu valor é arbitrário e superficial. Este padrão desconsidera a possibilidade
de cada pessoa encontrar-se dentro de sua própria sensibilidade de ser valorizada
87
naquilo que ela realmente pode fazer. Entretanto, há condições de vida em que
muitos estão enjaulados, com horários e prioridades que não sejam suas próprias
vidas, impossibilitando cada vez mais que tais pessoas vejam em seus trabalhos
algo que irá ajuda-los a desenvolverem-se espiritualmente, enfim integralmente em
todas as áreas, nesta sociedade que Ostrower (2009, p.134) denomina de
“fragmentada e complexa”.
Portanto, tendo em vista o pensamento vivo da autora, criar é bem mais do
que inventar, mais do que produzir algum fenômeno novo. Criar é dar forma a um
conhecimento novo que é ao mesmo tempo integrado em um conhecimento global.
Nunca deve ser tratado como algo isolado. O ato de criação por ser integrado em
todas as áreas de sua vida, irá enriquecê-lo espiritualmente tanto a si mesmo,
quanto ao indivíduo que irá recebê-lo: Ambos se renovam de alguma maneira. No
que se diz respeito á arte, a novidade em si não é qualificação para o que
denominamos criativo, não é suficiente enquanto o novo permanecer apenas um
aspecto circunstancial externo, que não reestrutura a linguagem. A autora justifica-
se dizendo:
Ao configurar a experiência da realidade em um determinado momento
histórico, a forma expressa os conteúdos vividos e define o momento
expressivo. Como configuração do momento, ela é intransferível e é e é
definitiva, não podendo ser superada por qualquer outra forma. O momento
da vivência, esse sim, poderá ser seguido por outros momentos que, por
sua vez, haverão de requerer novas formas. Mas a forma não. Uma vez
fisicamente configurada, ela existe em si, precisa e completa. Em sua
estrutura se concretiza uma significação. Ela, forma plenamente inter-
relacionada e ordenada em múltiplos níveis, seletiva na ênfase e nos meios
de expressão, obra de arte no decorrer dos anos continua com suas
qualificações intactas. Cada vez que a vemos e a revemos, ela se renova
em nós e nos renovamos nela. Ela não se esgota nem se repete na
renovação, porque nós não nos repetimos em momentos de nossas vidas.
Não fosse assim, como ouvir comovidos uma sonata pela décima vez? Por
que olhar o mesmo quadro, já familiar, reler um livro, rever uma peça de
teatro? Por que arte? A novidade passou ao primeiro encontro com ela.
(OSTROWER, 2009, p. 137)
88
Fig.8: Quem há de prender o meu Olhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez. 2012
Desejo, portanto, expressar-me livremente, sem as amarras que podem nos
sufocar todas as possibilidades de criação latentes em nós. Desejo sim, através do
enquadramento em diagonal não aceito pelas regras de fotografias na maioria dos
casos que eu a utilizei, e com meu profundo desejo de quebrar regras que me
impedem de me expressar plenamente, transmitir todo meu dinamismo e
instabilidade e força, com minhas cores sempre saturadas e, quando optei por
composições monocromáticas, com seus contrastes bem marcados. Entendendo
que:
Ser livre significa compreender, no sentido mais lúcido e amplo que a
palavra pode ter. Significa um entendimento de si, uma aceitação em si da
necessidade da existência em termos limitados. A vivência desse
entendimento é a mais plena e a mais profunda interiorização a que o
indivíduo possa chegar. Ser livre é ocupar o seu espaço na vida [grifo
nosso] (OSTROWER, 2009, p.165)
89
Ao observar a cena que registrei na Figura 8, logo me identifiquei com este
gato preto, idealizei a imagem tal como um autorretrato. Este felino estava numa
casa vizinha à minha antiga casa da Rua das Andorinhas, local onde morei logo que
cheguei a Itanhaém e assim que o vi, ele retribuiu seu olhar com uma mesma
intensidade. Tivemos um diálogo silencioso, eu estava no início de minha poética
visual, em Dezembro de 2011, mas desde esta imagem tive forças e convicção que
grade alguma era capaz de aprisionar ou condicionar o meu olhar.
Tal qual o Sol. É possível impedir seu nascimento? Com tamanha tecnologia
desenvolvida pelo homem contemporâneo, ele nunca irá conseguir impedir o
nascimento do Rei Sol. Ainda que a noite anterior tenha sido de intenso sofrimento,
angústia, frustração ou dor, tais elementos não são suficientemente fortes para
impedir o percurso do Sol. A Figura 9 foi registrada no estacionamento do prédio no
qual resido e, numa segunda-feira, mais um dia de trabalho, após uma tempestade
no dia anterior, o Sol tinge todo o firmamento com cores intensas, refletidas
difusamente sobre o esfarelamento das nuvens, produzindo um efeito estimulante
em quem quer que o observe.
Fig.9: Grades não o seguram. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Fev. 2012
90
3: O PASSADO AINDA ESTÁ PRESENTE
Andar para trás para trás para trás
Dar a mão para a mãe para a avó-bisavó
Feche os olhos abra os olhos feche e abra
A porta da roda da morte e da vida
Essa é a dança ciranda do tempo
Entre na água no meio do vento
E semeie futuro em terra azul
(Roseana Murray. Receita de Viajar no Tempo. In: Receitas de Olhar, 1999)
Realizei a série fotográfica intitulada “O Passado ainda está presente” no
período de Dezembro de 2011 a Maio de 2012. Desde criança tenho uma profunda
admiração pelo Centro Histórico e qualquer que seja a construção ou até mesmo
objetos que tenham sobrevivido centenas de anos e se achegado a nós. Acredito
que estes lugares guardam um pouco dos antigos moradores e por isso é para mim
gratificante poder percorrer os mesmos trilhares que os itanhaenses eternos
percorreram antes de mim. Pode até ser considerada uma atitude medíocre, mas
sempre que estou nos lugares históricos, fecho os olhos por instantes e imagino-me
integrada a comunidade passada, trilhando nosso chão, que em sua maioria era de
areia branca, ouvindo o badalar dos ora calados sinos do Convento, apreciando
cada instante da vila isolada, a antiga Vila Nossa Senhora da Conceição de
Itanhaen.
Optei pelo uso monocromático do sépia, editado de diversas formas,
intervindo em sua tonalidade e temperatura, para compor esta série com o objetivo
de enfatizar a nostalgia nelas encontradas, como se aqui o tempo não houvesse
91
passado. O passado ainda está presente, não apenas nestas construções, mas nas
muitas memórias deste povo.
Bechelli (1997) ilustra com perfeição este fato através de seu poema, onde
fala acerca desta mesma nostalgia e afeição por nossa cidade.
Itanhaém... Em teu chão se vão
muitos passos que pisam e passam
deixando espaços e marcas de uma história
onde a glória dos teus sonhos e saudades
perpetuam vozes, cantos, encantos e choro...
mortes, folias, procissões e festas em coro...
revividos no falar e rir das velhas lembranças
ditas naquela mesma janela, porta ou esquina,
fazendo selar minh´alma nas tuas tradições
e vontades dos itanhaenses eternos...
Idas e vindas de tempos e sinas
que se esvaem pelas Bandeiras em ação,
nas boas-vindas e ladainhas a contemplar
o Divino, os Reis e a padroeira Conceição...
No mergulhar em setenários e novenas
de orações, completar o meu caminhar
em tuas ruas e telhados, ora molhados
por lágrimas de um tempo de outrora,
engasgando toda hora, o querer gritar
o quanto dela gosto e nela vivo.
E sonho que lá do alto do Itaguassu
o vento da liberdade atravessará
o antigo Convento com seu sino ora calado,
qual um hino clamado, anunciando
por onde o olhar avistar: da serra do mar,
do nascer do sol, ou na luz da lua cheia,
que toda vida brotada, regada e vivida
em teu chão quadrissecular será
mais uma fonte a irrigar e alimentar
tua memória em muitos outros corações.
92
Itanhaém... Sempre te amarei...
Seja em bacia ou canto de pedra alegre
pelos teus recantos e encostas de um mar
a eternizar em beijos e abraços n´areia,
o emoldurar da tua velha Vila: o largo da Matriz,
o casario, o rio... E ao fundo o badalar dos sinos
ecoando, serenamente, o palpitar do meu peito
pela saudade e certeza de ver-te
para sempre marcada em meu ventre
que plenamente aceita, toca e te sente...
(Ernesto Bechelli. Itanhaém, minha saudade in Itanhaém em Prosa e Verso,1997)
Para registrar os aspectos do passado de minha cidade, baseei-me na
proposta de Possamai (2008) que nos apresenta modos de descrever itens icônicos
que compõem uma imagem fotográfica de vista urbana. Para tanto, busquei registrar
sempre o local da imagem fotográfica, se foi efetuada no Centro histórico ou nos
Bairros tradicionais, qual a tipologia urbana apresentada, ou seja, se tratava de uma
avenida, rua, esquina, parque, praça, enfim, seu limite urbano. Busquei também
registrar se a imagem fotográfica foi tomada de uma vista panorâmica, se foi vista
parcial, vista pontual ou vista interna. Busquei também pontuar a temporalidade das
imagens, tanto no quesito diurno e noturno, quanto nas condições climáticas, pois
certamente elas influenciam na apresentação final da imagem.
Os aspectos que continham acidentes naturais também foram registrados,
buscando perceber se tratava de arborização, várzea, ou morro. Como se travava de
fotografias de lugares em que há uma grande circulação de pessoas durante o
expediente comercial, foi necessário registrar também os elementos móveis, ou seja,
os personagens que apareciam nas tomadas das vistas destes lugares, observando
se tratava-se de poucos transeuntes ou de uma multidão e qual era o gênero e a
faixa etária encontrada nas imagens captadas. Busquei também registrar de modo
em que os nossos meios de transportes pudessem aparecer nas imagens, para
enfim registrar todos os aspectos desta minha geração na cidade de Itanhaém.
93
3.1: Sobre Itanhaém
Pedra de um canto
Feito bacia ou panela
Para lavar e comer
O azul do céu ou do mar.
Ver seu verde bordando
A boca da barra do rio
Encantando-se com
A tez caiçara d´areia.
Brilhando sob um sol intenso
Sempre presente a colorir
Do menino
Que corre pelo caminho
Onde um dia o jundu
O cobria de sombra
Levando consigo a visão plena
Do mar tocando a serra
Em benção serena
Anunciada pelos sinos do
Convento e da Matriz
Que por um triz
Deixou a certeza
Da fé responder
Aos apelos de quem nunca
Chorou lágrimas
Pelos Paranambucos
De nossas vidas,
Miragens e lutas...
94
(Ernesto Bechelli. Pedranhaém. In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997)
Itanhaém é uma cidade do litoral paulista, que está localizada entre os
municípios de Peruíbe e Mongaguá. Seu nome vem do tupi-guarani (ita – pedra;
nhaém – sonora ou que canta) e que quer dizer “pedra que canta”. Este nome,
segundo Ferreira (2008, p.12) “deve-se, talvez, ao som do vento passando entre
duas grandes rochas no alto do Paranambuco”.
Ferreira (2008) relata os aspectos geográficos da cidade:
Sua área é de 599,1 quilômetros quadrados e faz divisa também com
municípios de São Paulo e São Vicente, a nordeste; Juquitiba, a noroeste;
Pedro de Toledo, a oeste; Peruíbe, a sudeste; Mongaguá, a leste, e o
Oceano Atlântico, ao sul. Seu relevo é constituído por uma baixada a
aproximadamente três metros acima do nível do mar, com pequenos morros
na faixa litorânea, como os Morros de Sapucaetava, Piraguyra, Itaguaçu,
Púlpito do Anchieta e o Paranambuco, com afloramento da Serra do Mar no
interior do município. São 26 quilômetros de praia, baías, costões rochosos
e pequenas enseadas banhadas pelo Oceano Atlântico. A rede fluvial é
extensa, destacando-se como principal o rio Itanhaém. O município
apresenta clima tropical marítimo, com temperatura média de 27°C.
Benedito Calixto aponta Martim Afonso como sendo o fundador da cidade de
Itanhaém, por ocasião de sua estadia em São Vicente, entre 22 de janeiro de 1532 e
abril de 1532. Foi ele quem escolheu o local da povoação e da capela, a qual
recebeu o nome de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. É considerada uma
das mais antigas igrejas do Brasil.
Itanhaém, de acordo com Ferreira (2008), surgiu no local onde se localizava
um aldeamento de índios, os “Itanhaéns”, os quais habitavam junto ao Rio Itanhaém,
próximo ao morro Itaguaçu, onde se encontra o Convento (porém o curso deste rio
foi modificado mais tarde). Segundo Caldas (2011), “Os missionários da Companhia
95
de Jesus, até sua expulsão, no século XVIII, foram os que mais se ocuparam da
catequese dos silvícolas Itanhaéns”. (CALDAS, 2011, p. 8)
Martim Afonso o escolheu por ser um local agradável, com riquezas naturais
e com a chegada dos primeiros colonos e dos jesuítas começa a colonização. De
acordo com Caldas (2011), sem considerar os silvícolas “Itanhaéns”, os dois
primeiros moradores de Itanhaém foram Cristovam Gonçalves e João Rodrigues.
Porém Benedito Calixto deixa bem claro em seus registros que a Vila de
Itanhaém era muito pobre em relação às outras do país. (FERREIRA, 2008)
De 1654 a 1771 Itanhaém é transformada em sede de Capitania, pois esta
era sua antiga vila, a Condessa de Vimieiros, Dona Mariana de Souza Guerra, sob a
denominação de Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, com uma
vasta jurisdição: de Paranaguá até o Cabo Frio. Por este fato, Itanhaém passa a ter
um pelourinho, bandeira e insígnias, com a inscrição Angulus Ridet (Recanto
Risonho – aprazível). Itanhaém passa então a ser governada por capitães-mores.
De acordo com Ferreira (2008), a escolha de Itanhaém como cabeça de Capitania
foi um erro administrativo, pois havia outras vilas maiores e mais populosas, tal
como São Paulo de Piratininga.
Em 06 de Novembro de 1906, pela lei nº. 1.021, Conceição de Itanhaém
passa a denominar-se apenas Itanhaém.
Quanto à data da fundação da cidade, há uma discussão, pois em 1956, pela
lei nº. 14/56 ficou decretado que o dia 22 de abril seria o dia em que se comemora o
dia da fundação da cidade, porém há a controvérsia apresentada por Rosendo
(2008), o qual afirma que a data da fundação é no dia 08 de dezembro, dia em que
comemoramos o dia da Padroeira da cidade, Nossa Senhora da Imaculada
Conceição. O autor é contundente ao defender sua tese.
Os intrépidos navegadores lusitanos eram homens de fé e cheios de
religiosidade. Na partida das caravelas rumo ao desconhecido, recebiam a
aprovação da realeza e as bênçãos dos altos dignatários da Igreja, que
exortavam os viajantes a tomar posse das terras que descobrissem em
96
nome de Deus e dos mártires do catolicismo, expandindo, dessa forma, o
cristianismo pelo Novo Mundo.
Assim sendo, as terras descobertas eram nomeadas em homenagem ao
santo do dia ou por fatos religiosos marcantes na ocasião. Foi pela páscoa
que Cabral avistou a terra, razão pela qual o nome de Monte Pascoal ao
outeiro que se destacava naquele ponto do litoral sul da Bahia; São Vicente,
considerada a mais antiga cidade brasileira, foi fundada em 22 de janeiro,
dia consagrado a São Vicente Mártir; Rio de Janeiro, que veio a ser sede da
Coroa Imperial, foi fundado em 20 de janeiro – dia de São Sebastião –,
recebendo a denominação de São Sebastião do Rio de Janeiro [...]
Itanhaém, fundada por Martim Afonso de Souza e batizada como Vila de
Nossa Senhora da Conceição [...] no Morro do Itaguaçu [...] manda erguer
uma capela em homenagem à Imaculada Conceição. [...] Dia 08 de
Dezembro, consagrado pala Igreja à Nossa Senhora da Conceição, sempre
foi a data máxima de Itanhaém: o Dia da Padroeira. [...] Desde o mais antigo
memorialista da região – Frei Gaspar da Madre de Deus -, passando pelo
incansável e minucioso historiador itanhaense Benedito Calixto de Jesus e
pelos cultores de nossas tradições (Izaias Cândido Soares, Capitão
Mendes, João Alves Ferreira, Emygdio Emiliano de Souza, Totó Mendes,
Nilo Soares Ferreira, Costa e Silva Sobrinho, Edson Telles de Azevedo e
Jaime Mesquita) não há qualquer referência ao dia 22 de abril como data de
fundação de Conceição de Itanhaém. Essa data, completamente
equivocada, foi estabelecida em sessão da Câmara, realizada em 22 de
abril de 1956 (424 anos depois de sua fundação). Segundo vozes da
oposição, na época, essa data foi escolhida para homenagear o Doutor
Adhemar de Barros, o controvertido político, que aniversariava neste dia.
Se forem levadas em conta as evidências históricas e os costumes
da época do descobrimento, a fundação da Itanhaém deu-se no dia 08 de
dezembro, consagrado a Nossa Senhora da Conceição. [...] (ROSENDO,
2008, p. 24-25)
97
3.2: Patrimônio Imaterial
É nas festas populares que todos se reúnem nas praças centrais
vestindo seus trajes mais bonitos, com os melhores sentimentos aflorados
num sorriso. Mas mesmo para a comemoração de alegrias e tradições
festivas a cultura popular vem perdendo seus adeptos já que os mais jovens
não querem participar de cantos, músicas e teatralizações que nada se
parecem com o que estão acostumados. Mesmo assim, com persistência, o
caiçara sai, todos os anos, carregando um mastro, tocando um bumbo, ao
som das violas e rabecas afinadas de um modo estranho aos nossos
ouvidos, e vão as “bandeiras” com sua comitiva caminhando pelas ruas da
cidade, entoando hinos há muito cantados. De porta em porta os festeiros
se anunciam, dando as “Boas Festas” a quem os recebe. (BRANCO, 2005,
p. 129)
Estas tradições festivas são reconhecidas por todo Brasil, são semelhantes,
pois a herança é portuguesa. E o povo que comemora, é brasileiro. (BRANCO,
2005) Cada uma delas encontra-se diversas memórias, em que ao percorrer a rua
onde se faz a procissão há tantos anos, a comunidade ali inserida rememora tantos
fatos, uma saudade única, pois ali estão diversas pessoas dividindo uma mesma
lembrança.
O historiador Pierre Nora definiu como “lugares de memória” (NORA, 1997)
locais materiais ou imateriais nos quais se encarnam ou cristalizam as
memórias de uma nação, e onde se cruzam memórias pessoais, familiares
e de grupo: monumentos, uma igreja, um sabor, uma bandeira, uma árvore
centenária podem constituir-se em “lugares da memória”, como espelhos,
os quais, simbolicamente, um grupo social ou um povo se “reconhece” se
“identifica”, mesmo que de maneira fragmentada. Estes “lugares” ou
“suportes” da memória coletiva funcionam como “detonadores” de uma
sequência de imagens, ideias, sensações, sentimentos, vivências
individuais ou de grupo, nem processo de “revivenciamento” ou de
“reconhecimento” das experiências coletivas, que tem o poder de servir
98
como substância aglutinante entre os membros do grupo, garantindo-lhes o
sentimento de “pertença” e de “identidade”, a consciência de si mesmos e
dos outros que compartilham esta vivência. [...] Quanto mais ricas e
diversificadas as experiências vividas e compartilhadas por um grupo de
pessoas vivendo em comunidade, mais rica e complexa será esta
“Memória”, ou rememoração. (HORTA in SILVA, 2008, p. 111-112)
Quando usamos o termo “Patrimônio”, estamos nos referindo às coisas
consagradas as quais têm grande valor para comunidades ou nações. A ideia nos
remete de acordo com Vianna in Silva (2008, p.119) à “riqueza construída e
transmitida, herança ou legado que influencia o modo de ser e a identidade dos
indivíduos e grupos sociais”.
Mas é uma noção relativa, pois depende de quem está falando, qual o seu
ponto de vista. Podem ser sob a perspectiva afetiva, econômica, ambiental ou
cultural. “Patrimônio cultural diz respeito aos conjuntos de conhecimentos e
realizações de uma sociedade, que são acumulados ao longo de sua história e lhe
conferem os traços de sua singularidade em relação às outras sociedades.”
(VIANNA in SILVA, 2008, p. 119) Dentre ás outras espécies de animais, nós somos
diferentes, pois a nossa diversidade ocorre através das inúmeras configurações
socioculturais no tempo e no espaço. Pensemos na sociedade das abelhas ou
formigas que são sempre idênticas, as sociedades humanas são sempre únicas,
pois suas culturas também as são.
Para esta autora, devemos entender cultura os “valores, crenças, práticas e
costumes; ética, estética, conhecimentos e técnicas, modos de viver e visões do
mundo que orientam e dão sentido às existências individuais e coletivas humanas.”
(VIANNA in SILVA, 2008, p.119) Desde o final da segunda guerra mundial têm-se
discutido questões acerca do patrimônio cultural da humanidade e em 1989 houve
um documento da UNESCO, “Recomendações sobre a salvaguarda do folclore e da
cultura popular”. Este material enfatiza a necessidade de cooperação para tanto
salvar quanto para o incentivo à transmissão destes conhecimentos e a liberdade de
vivê-los e aplica-los em seu dia-a-dia.
99
A atual legislação brasileira segue as recomendações da UNESCO, criando
nos artigos 215 e 216, da Constituição promulgada em 1988, a proteção ao
Patrimônio Cultural, que abrange:
Tanto obras arquitetônicas, urbanísticas e artísticas de grande valor o
patrimônio material quanto manifestações de natureza “imaterial”,
relacionadas à cultura no sentido antropológico: visões de mundo,
memórias, relações sociais e simbólicas, saberes e práticas; experiências
diversificadas nos grupos humanos, chaves das identidades sociais.
Incluem-se aí as celebrações e saberes da cultura popular as festas, a
religiosidade, a musicalidade e as danças, as comidas e bebidas, as artes e
artesanatos, os mistérios e mitos, a literatura oral e tantas, tantas
expressões diferentes que fazem nosso país tão diverso e rico. (VIANNA in
SILVA, 2008, p.121)
O principal modo de preservação de patrimônio material é o tombamento, que
opera no país desde a primeira metade do século XX. Já a legislação para o
patrimônio imaterial é bem mais recente, datando do ano 2000, no Decreto nº 3.551
de 04 de Agosto. O modo de salvaguardá-los é o registro em livros, tais como livros
de tombos e as políticas de preservação e fomento que devem ser estabelecidas.
Porém, apenas a legislação não é capaz de garantir a segurança e proteção destes
bens. As leis os garantem, mas ele é efetivamente preservador se houver uma
vivência voluntária das pessoas da comunidade.
Os documentos engavetados, os inventários, a descrição dos bens contidos
nos livros do Iphan são apenas referências dos bens, mas não dão conta
dos bens em si, que tem natureza dinâmica e intangível. O patrimônio
imaterial como as festas e celebrações, as músicas, a dança, a comida,
saberes e técnicas próprias da cultura popular só se conservarão,
efetivamente, se vividos por pessoas em condições, com garantias,
liberdade e interesses em vivenciá-los de modo dinâmico e criativo.
(VIANNA in SILVA, 2008, p.122)
100
Desta forma, esta legislação só será eficaz quando o patrimônio imaterial for
amplamente conhecido por toda sociedade e estas estejam mobilizadas para
estarem atuando para que ele se perpetue.
Analisando a palavra “comemorar” em sua etimologia, de acordo com Silva
(2008, p.191), significa “lembrar com”. Assim, ao comemorarmos as festas
populares, estamos com nossa comunidade, estaremos relembrando junto com
outras pessoas aquilo que foi importante para nossa comunidade.
Assim, ao comemorar uma de nossas festas populares, estaremos
relembrando e bem mais do que isto, pois:
As festas são, sobretudo, eventos e celebrações nos quais é mais
claramente percebido o caráter dinâmico da cultura popular. Ao mesmo
tempo em que se enraízam em cada membro do grupo social, seus valores,
suas normas e suas tradições abrem espaços, continuamente para novas
maneiras de representar o sentir, o ser e o viver no mundo atual, numa lenta
– às vezes mesmo imperceptível, o que não dizer inexistente – mas efetiva
mudança de mentalidade. [...] Uma oportunidade para se aprender que a
modernidade não precisa ser necessariamente encarada como algo ruim,
dissolvente da tradição, principalmente se o novo puder ser integrado à
herança recebida, passada de geração em geração pelos mestres da
tradição. (SILVA, 2008, p.192)
3.2.1: Volta Conceição de Itanhaém!
O grupo “Reisado de Itanhaen”, que a duras penas vem mantendo
essa belíssima tradição, por iniciativa de seu saudoso “Alferes” Carlos
Alberto Ferreira, e hoje sob o comando do acadêmico Ernesto Bechelli,
deflagrou um movimento intitulado “Volta, Conceição de Itanhaen!”,
objetivando o resgate do antigo nome da cidade e a verdadeira data de sua
fundação: 08 de dezembro. (ROSENDO, 2008, p. 67)
101
O movimento “Volta, Conceição de Itanhaém” é formando por itanhaenses
apaixonados por nossas tradições, descendentes ou não de caiçaras que há anos
estão com muito empenho mantendo viva nossa cultura. Na Figura 10 podemos
observar parte dos seresteiros que compõem o grupo do Reisado de Itanhaém, com
seu Alferes Bechelli no primeiro plano, à esquerda da imagem tocando seu violão.
Desde a década de oitenta do século passado estes nobres moradores desejam
resgatar a história ligada à manifestação de fé dos primeiros moradores e o que isso
hoje representa na memória, tradição e autonomia dos que a amam.
O movimento busca o retorno do nome da cidade para Conceição de
Itanhaém, modificado em 1906 sem nenhuma consulta à sua população. Junto
também quer a mudança da data comemorativa de sua fundação para 08 de
Dezembro, dia este dedicado a Nossa Senhora Da Conceição de Itanhaém, que é
muito mais próximo da real intenção dos fundadores da Vila Nossa Senhora da
Conceição de Itanhaém, do que o decidido decreto, depois de quatrocentos anos
(em 1956) para homenagear a data de aniversário de um político, impondo-se o dia
22 de Abril.
Fig.10: Seresteiros caiçaras. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012.
102
Ernesto Bechelli (1958-) concedeu-me uma entrevista no dia 17 de janeiro de
2012, a fim de esclarecer alguns pontos a respeito deste movimento. Ele que é um
itanhaense dedicado ao cultivo de nossas tradições e da cultura em geral. Desde
sua mocidade, como relata, participa destas festas tradicionais e nunca se afastou
destas. Em entrevista conta que a partir de 2005 este movimento, concernente às
festas teve sua consolidação, pois foi criada a APRODIVINO (Associação Pró Festa
do Divino), uma instituição não governamental que cuida para que a Festa do Divino
Espírito Santo ocorra bem, apoiando os festeiros, apoiando a Igreja no sentido de
organização, resgatando tudo o que ficou perdido com o decorrer do tempo. Na
década de sessenta a Folia do Divino havia terminado e com esta organização, ela
retorna de uma forma mais simplificada. Logo após o Carnaval até a Festa do
Divino, dá em torno de sessenta dias, até que as bandeiras percorram por diversos
bairros, alcançando o número de seiscentas casas, não apenas arrecadando
prendas, mas abençoando aos festeiros. Tal evento tem como objetivo de arrecadar
fundos e prendas para a Festa do Divino, que, após esta década até o ano de 2005,
havia ficado na responsabilidade de apenas algumas famílias tradicionais de
Itanhaém. Portanto, com o retorno da Folia do Divino, um número considerável de
pessoas passou a auxiliar, para que a festa se tornasse maior e mais consolidada. A
Prefeitura de Itanhaém também tem sua participação, ao auxiliar a organização e ao
contratar músicos de renome que se consagraram no meio da Música de Raiz, entre
eles, Inezita Barroso (1925-), Almir Sater (1956-) e Renato Teixeira (1945-) já
estiveram presentes em nossas comemorações desde o ano de 2005.
Retornando à modificação do nome de nossa cidade, para Bechelli (16. Jan.
2012),
A veneração à Virgem Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém é
evidente, por isso que por anos o nome da cidade era Conceição de
Itanhaém, quando ela se tornou município, e então em 1906 houve uma lei
que tirou “Conceição”, ficando só o Itanhaém. E ai a gente até entende, que
foi um processo que aconteceu muito no Brasil, quando se tornou república,
a retirada nos nomes que tinham alguma relação com os Santos. Muitos
pensam que esta ação foi fomentada pela Maçonaria, mas enfim, foi um ato
institucional da República por todo o Brasil, para de uma vez cortar os laços
com a Igreja, concernente a seu poder que anteriormente concorria com o
103
poder “humano”, por assim dizer. E aqui no estado de São Paulo tiveram
vários municípios que tiveram seus nomes trocados e Itanhaém foi um
deles.
Alguns municípios reverteram, um exemplo que a gente tem foi o
de São José do Rio Preto, foi para Rio Preto, mas o pessoal brigou e voltou
a ser como era. Mas Itanhaém neste processo ninguém falou nada e ficou
Itanhaém. Nós temos o movimento ai na cidade para o retorno do nome
“Conceição de Itanhaém”, pra resgatar essa ligação com Conceição e outra
é a questão da data de fundação, onde na época de 1956, encontraram
várias cidades sem data oficial de fundação registrada e para homenagear o
Governador de São Paulo, da época de Getúlio Vargas, Adhemar de
Barros, e em função disso várias cidades a partir deste ano teriam de
comemorar o dia de sua fundação em 22 de Abril.
Para nós, tem muito mais a ver o dia 08 de Dezembro do que esta
data, pois no calendário litúrgico católico é a festa de Nossa Senhora da
Conceição, a Padroeira da Cidade. É comemorada não apenas aqui em
nossa cidade, mas em todo o universo católico, esta data é dedicada a Ela.
Modificar a data seria algo mais fácil, em relação à mudança do nome da
cidade seria um processo muito mais lento e burocrático, nesta cidade que
infelizmente não há muitos registros preservados, a maioria de nossa
história perdeu-se por se tratar de transmissão oral.
3.2.2: Reisado
Partiram [os magos] de suas terras [no Oriente] e, guiados pela luz de
uma estrela resplandecente, chegaram à gruta, em Belém, na Judéia, para
adorar o filho de Deus que havia nascido, ofertando-lhe régios presentes:
Ouro, Incenso e Mirra.
Síntese da Viagem dos Reis Magos baseada no Evangelho de
Mateus (2, 1-12) (TORRES in Silva, 2008, P. 199)
104
Torres (2008) ao utilizar esta passagem bíblica nos mostra como Mateus
apenas faz menção sobre os Magos, não dizendo os seus nomes, número de
participantes, nem o local de procedência no Oriente. Este enigma, para Torres
(2008), tem fomentado inúmeras reinterpretações ao longo dos tempos.
Mâle em 1904 reflete sobre o tema da seguinte maneira:
A imaginação popular cedo foi aos evangelhos, tentando complementá-los,
no que faltava. As lendas originaram-se nos mais antigos séculos da
cristandade. Elas nasceram do amor, de um tocante desejo de conhecer
mais Jesus e aqueles próximos [...] O povo achava os evangelhos muito
sucintos [...] Nenhuma das cenas da infância de Cristo forneceu mais rico
material para o povo que a Adoração dos Magos. Suas misteriosas figuras,
mostradas veladamente nos evangelhos, despertam ávida curiosidade nas
pessoas. (MÂLE apud TORRES in SILVA, 2008, p. 200)
Torres (2008) afirma que o título de Reis atribuído aos Magos do Oriente,
remete à Cesário, Bispo de Arles, da França, no Século VI. No século seguinte, o
Papa Leão I assegurou, em seus Sermões que os Reis Magos eram em número de
três. Já seus nomes somente mais tarde foram estabelecidos.
Durante a Idade Média, as tradições populares do ciclo natalino eram comuns
em toda Europa Cristã.
Os dramas litúrgicos medievais eram utilizados como instrumento de ensino
e divulgação da doutrina cristã. O episódio dos Magos do Oriente, desde
cedo, tornou-se um dos temas prediletos para efeito de dramatização
(Officium Stellae). Representações de rituais litúrgicos relativo aos Magos,
que, a pouco, popularizando-se, transportados para espaços abertos –
praças e ruas. Assim surgiram os cortejos, vinculados aos templos
religiosos das cidades, que encenavam a temática dos Magos, bem como
grupo peditórios, no âmbito dos povoados rurais que, de casa em casa,
levavam a mensagem do nascimento de Jesus Cristo. (TORRES in SILVA,
2008, p. 200)
105
Em 1559, quando os colonizadores, em conjunto com os jesuítas e com o
primeiro Governador Tomé de Souza, no período colonial e nos anos seguintes
trouxeram essas tradições de Portugal para o Brasil. Aqui, a festividade dos Reis
Magos, de acordo com Torres (2008), ocorria sob a forma de canto, danças e
encenação, no processo de catequese e ensino, tanto para os nativos quanto para
os próprios portugueses e, mais tarde, para os escravos africanos. Com o passar do
tempo, ocorreram diferenças de uma região pra outra nas tradições dos Reis. Torres
(2008) observa:
Na medida em que o povoamento expandiu-se, essas ramificações e se
difundiram para todo o território colonizado. Naturalmente, essas tradições
que chegaram ao Brasil sofreram, gradativamente, a influência local pela
incorporação dos elementos da cultura negra e indígena, através de
hibridismos religiosos e culturais, ou seja, como preconizam diversos
folcloristas brasileiros, adquiriram a cor local. (TORRES in SILVA, 2008, p.
202)
O reisado é uma celebração que acontece anualmente entre 26 de Dezembro
a 06 de janeiro, também conhecido como Dia de Reis, quando se revive a visita dos
Reis Magos ao Jesus – Menino. Conta Branco (2005) que durante este período,
todas as noites as comunidades caiçaras ficam animadas com as músicas dos
grupos de cantores, que entoando serenadas tradicionais, vão de porta em porta
despertando do sono a população que os acolhe alegremente:
Acordai se estais dormindo
Este sono tão profundo
Acordai e vindes ver,
As maravilhas do mundo
Lá no céu brilha uma estrela
106
Que os três magos conduziam
Pra adorar o Deus menino
Filho da virgem Maria.
Se tereis de dar o Reis
Dai-nos hoje que é o dia
Dai-nos ouro, dai-nos prata
Que vos damos alegria
Pela prenda que nos destes
Ganhastes um jubileu
Foi a escada que fizestes
Para subirdes ao céu
Agradecemos o Rei (gratos pela acolhita)
Que nos deu com alegria
A recompensa tereis
Aos pés da virgem Maria
Pela prenda que nos destes
Ganhastes um jubileu
Foi a escada que fizestes
Para subirdes aos céus
Vamos dar a despedida
Como deu o São Francisco
Senhores fiquem com Deus
Nós vamos com Jesus Cristo.
E vamos em côro
A sagrada Belém
Saudar o Menino
107
E a Virgem também
(Autor desconhecido. Folia de Reis de Itanhaém In: Cultura Caiçara. Branco. Itanhaém,
2008)
As letras sempre serão semelhantes pelo Brasil afora, já que se trata do
mesmo tema: a anunciação do Nascimento de Jesus, o ritmo é único, é daqui
mesmo. Nossa música é vigorosa, com o tempo forte bem marcado, com uma clara
influência da música portuguesa, destacado em função dos instrumentos de metais
utilizados anteriormente, mas até mesmo hoje em dia, na ausência destes, há ainda
este ritmo vigoroso. Marca os aspectos da Vila Antiga, onde até mesmo nas missas
da Igreja Matriz podiam-se ouvir os sons metálicos e poderosos do Trompete,
trombone, pistão, entre outros. Músicos instruídos pelo memorável musicista Totó
Mendes, Antônio Mendes da Silva Júnior (1890 – 1951), dotado de uma visão de
futuro acima do normal, buscando proporcionar para a cidade a mais elevada cultura
que se podia esperar.
O grupo de Reisado de Itanhaém era constituído apenas por homens, em
sua maioria instrumentistas de sopro, juntos com a banda, havia o Puxador e o
Coro, que acordavam os moradores nas madrugadas do período comemorado. Mais
tarde, os instrumentos de sopro foram substituídos paulatinamente pelos os
instrumentos de cordas. Hoje, o grupo conta com a participação de mulheres e
crianças. No período, por volta das onze horas, o grupo se reúne e sai em
caminhada para visitar as casas. O roteiro não é divulgado para haver o elemento
surpresa da visita, para cultivar o sentido de “acordar” os moradores, dando-lhes
“boas-vindas”.
Estes versos são cantados por todos os presentes seguindo a voz do
puxador. De casa em casa vão repetindo, saudando os moradores e recebendo
suas prendas. Em casas mais tradicionais é feita uma homenagem à bandeira do
Reisado, algumas oração e bênçãos e cantam todos juntos agradecendo. Segue-se
a oração final:
Senhor, Rei dos Reis
108
Abençoe esta família
Que com carinho acolheu
O reviver dos Reis Magos
Em direção à Estrela de Belém,
Anunciando a chegada do Menino-Deus
Aos lares da nossa querida
“Conceição de Itanhaém”.
Sobre todos derrame muita paz, muita luz
E muita vontade de seguir sempre
Os caminhos do Menino-Jesus.
Amém
E assim continua pela noite afora. Em Itanhaém ocorreu adaptações nos
presentes dos Reis Magos ao Menino-Deus. No lugar do ouro, incenso e mirra, aqui
se utiliza pedras douradas, conchinhas do mar e folhas do Ipeguaçu (árvore nativa
local).
O grupo de seresteiros após cantarem em frente a casa, ao término da
canção param e neste ponto, o dono da casa acende as luzes, abre as portas e
convida os festeiros a compartilharem uma simbólica oferenda de bolos e bebidas.
Em Itanhaém, quando os moradores oferecem também prendas, elas são recolhidas
para a realização da festa final de Reis, na Eucaristia. Na Figura 11 temos a imagem
de um dos participantes, o prendeiro, o qual era responsável pela coleta dos
donativos obtidos pela madrugada afora.
Nesta cidade, como pontuou Branco (2005) e como pude observar neste ano
em que acompanhei para fotografar, o Reisado é acompanhado com crianças e
jovens da cidade, onde suas vozes se misturam ao grande coro com seus violões e
vozes afinadas.
A participação de pessoas da mesma família e de amigos nos Grupos de
Reis é um fato de extrema importância para entendermos a resistência das
tradições, na medida em que fica mais fácil se organizar e preservar suas
109
raízes culturais, transmitidas de geração em geração, de pai para filho. [...]
Essa experiência e a aproximação dos mais jovens são fundamentais para
a perpetuação dessas tradições, uma vez que os detonadores do
“conhecimento dos antigos” encontram-se, em sua maioria, em idade
avançada e, em alguns casos, infelizmente não podem mais difundir seu
rico legado. Vivenciando o fato folclórico, as crianças conhecem/absorvem
melhor esse conhecimento transmitido pelos Mestres, reforçando seus laços
culturais e conscientizando-se de sua identidade. (TORRES in SILVA, 2008,
p. 204-205)
Fig.11: Arrecadação de prendas. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012
O grupo, na tradição itanhaense é composto por:
Alferes da Noite, que é responsável pelo roteiro, início do canto, a
retirada e pela organização, inclusive a guarda das prendas recebidas.
110
Segundo Alferes, ajudante de campo do Alferes da Noite que o
secunda em suas funções.
Bandeireiros, aqueles que carregam as bandeiras do Reisado.
Prendeiros, os que pegam as prendas e carregam o carrinho.
Puxadores são aqueles cantores que “puxam o canto” (diz-se daqueles
que iniciam os versos seguidos pelo coro)
Tocadores, os músicos com seus instrumentos.
Reis, os que se fantasiam de Reis Magos e dão as mensagens de casa
em casa.
Coro de vozes, todos aqueles que acompanham a comitiva e o canto.
Fig.12: Ganhastes um Jubileu. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012
Percorri com o grupo de seresteiros por diversos bairros da cidade nas noites
de 02 e 03 de janeiro de 2012, registrando inúmeras cenas desta celebração. Por
111
onde passaram o grupo despertava curiosidade e admiração. A madrugada
transcorreu sem que eu sentisse-me exausta, tal era a energia ali encontrada. Foi
admirável ao ver a disposição de muitas senhoras de idade integradas ao grupo, em
plena madrugada mostrarem-se ainda tão animadas.
A imagem que mais me emocionou foi a deste senhor que recebe o grupo
com imensa alegria. (FIGURA 12) Seu belo sorriso eu tive muita sorte de captá-lo,
pois minha câmera compacta não tem potência para administrar imagens com baixa
luminosidade. Este é o momento em que o morador recebe do Alferes Bechelli e dos
outros participantes as canções que proclamam o Nascimento do Menino Deus e
tantas outras pertencentes ao repertório do grupo, onde exaltam as belezas e
memórias de nossa cidade.
São pertinentes as questões de Andrade (2002, p. 19) para analisarmos esta
imagem (FIGURA 12) “Será que a linguagem visual tem a autonomia de registrar, e
ainda transmitir as emoções de um povo, uma tribo, uma pessoa? Como captar
essas imagens, as imagens sagradas no tempo e no espaço do outro?”.
Aqui estão os Reis cantando
Numa alegria caiçara,
Sob o luar, que na praia
Rebrilha n`água o prateado do sonho
Anunciando que o Menino-Deus
Já é conosco:
...No peixe enrolado na rede
Para saciar a fome
De nossa gente.
...Na mandioca transformada
Em manema do café da manhã
E do peixe do ensopado
...No arroz socado
Dá-nos cuscuz de tão fortes
112
Encontros em festivas alvoradas
...Nesta nossa paisagem
A marcar em cada coração sensível
O seu belo, num memorial fascínio
...Na tradição a se enraizar
Mais e mais, no seio dos que amam
Este chão de pedra e areia...
Aqui estão os Reis acordando,
A todos do sono insistente
Em acabar com as lembranças
De que quando crianças
Não queríamos que tivessem fim.
Aqui os Reis entrando
E celebrando a saudade
Das Boas-Vindas que nos fazem perguntar:
- Onde estão os jundus, cambucás e araçás?
Que na memória despertam
O novo tempo que virá.
Aqui estão os Reis...
Já vão partindo...
Aguardando o ano bem-vindo
Para cantar a eterna esperança
Do sonhos de serem sempre os Reis,
Resgatando pela nova prenda
A certeza de continuar a História
Desta nossa amada Itanhaém,
Com seu povo, sua terra e sua glória...
(Ernesto Bechelli. Reis aqui estão. In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997).
113
Em Itanhaém, há alguns Reisados transcoridos, as figuras dos três Reis
Magos são representada por mulheres, as quais são portadoras do nosso “ouro,
insenso e mirra”. Na Figura 13, vemos as três postadas em frente ao portão de um
dos moradores visitados naquela madrugada. Nesta encenação elas estão sempre à
frente, juntamente com a bandeira do Reisado e á sua retaguarda os demais
seresteiros entoando alegremente cada verso tanto das canções quanto das preces
pertinentes à temática do nascimento de Jesus. Os versos “Acordai se estais
dormindo...” cantados num alegre ritmo lusitano, vigoroso, numa profusão de vozes
carismáticas ainda ecoa em minha mente. Tal experiência jamais me esquecerei.
Fig.13: Os Reis aqui estão. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012
114
3.2.3: Festa do Divino
Meio-dia está perto.
Todos se apertam
Na ânsia de querer ver
O império se abrir
No seu espaço vermelho,
Qual fogo e sangue,
Das vidas que assumem
O novo Pentecostes
Da denúncia...
Na ponta dos pés,
Pisando nas folhas de peguassu,
Pombinhas no peito,
Ar abafado
Todo esforço é feito
Para deslumbrar a Corte
Entronando o Santo Espírito...
É meio-dia
Repicam os sinos
Os rojões estouram
A banda toca
E as bandeiras cruzadas se abrem
Imperador e Imperatriz atentos
Encarnam o símbolo das línguas
Deste Pentecostes
Delator de tantas injustiças e exclusões
Qual manto de dor
115
A encobrir todas as vidas
Que assumem um novo martírio...
Lágrimas nos olhos
Nó na garganta
Aperto no coração
A saudade do Divino se apaga
Pelo menos neste fim de semana
No choro de simplesmente querer
Vive-lo de novo...
Ernesto Bechelli. Império Divino . In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997.
Fig. 14: Império do Divino Espírito Santo. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
116
A festa do Divino Espírito Santo data do começo do século XIV, durante a
construção da Igreja do Espírito Santo, em Alenquer, Portugal, de acordo com
Branco (2005).
É uma festa da liturgia católica celebrada no Dia de Pentecostes, coincide
com a Festa das Colheitas do povo judeu, quando se comemora o
nascimento dos primeiros frutos agrícolas e a libertação espiritual ocorrida
quando Deus entregou as Tábuas da Lei à Moisés, no Monte Sinai. Ocorre
sete semanas após a Páscoa. (BRANCO, 2005, p.131)
A fé espalhou-se por todo o país já no século XVI, com os primeiros
colonizadores e é celebrada desde as primeiras comunidades litorâneas: Itanhaém,
Iguape e Cananéia. Popularmente, a celebração relembra a “abdicação” simbólica
da Imperatriz, rainha Izabel, esposa do rei de Portugal, D. Diniz, em favor do Divino
Espírito Santo a fim de que Portugal saísse de uma grande crise econômica e
política.
Após a saída da crise, como nos conta Branco (2005), a Imperatriz
atendendo aos apelos do povo reinvestiu-se de sua realeza e fez promessa de que
todo ano novo, no Dia de Pentecostes, repetiria simbolicamente a cerimônia de
consagração do Reino Português ao Divino Espírito Santo, levando á Catedral a sua
coroa, o cetro e a sua bandeira. O cortejo e a cerimônia configuravam a promessa
da imperatriz que a partir daquele instante, recolheu-se a um convento e aguardou
os acontecimentos. Portugal a partir daquele momento seria governado pelo Divino
Espírito Santo. Nesta festa religiosa e folclórica, três são os seus principais
personagens – Imperatriz, o Imperador e o Capitão do Mastro – papéis assumidos
simbolicamente pelos filhos das famílias mais antigas, mantendo a tradição.
Quando chegou a Itanhaém (FERREIRA, 2008), a festa do Divino ganhou
cores caboclas com uso e costumes tipicamente regionais como: a bandinha “Folia
do Divino” e a alvorada com cuscuz de arroz; prato típico praiano cuja confecção foi
legada pelos indígenas. Na Figura 15 vemos um grupo de instrumentistas de metal,
os quais interpretam melodias centenárias. Durante o cortejo, pude ir conversando,
117
questionando aos moradores antigos quais eram seus sentimentos em relação à
festa, à tradição guardada e é impossível conter a emoção perante tal assunto. Tais
moradores orgulham-se de poder ouvir novamente, a cada novo ano as melodias
interpretadas pelos instrumentos de metais as quais ouviram outrora.
Fig.15: Bandinha do Divino. Foto de Thais Oliveira Silva 20. Mai. 2012
De modo resumido, a Festa pode se descrever com seu início há Sessenta
dias após o Carnaval, a chamada “Folia do Divino”, com a chegada das bandeiras
preparando os lares e abençoando a todos por onde andam. Um domingo que
antecede à erguida do Mastro há a Folia do Divino no Bairro do Rio Acima,
ocorrendo a procissão de barcos até o local. Após temos a erguida do Mastro,
liderada pelo Capitão do Mastro, dando o início marcante da fé caiçara de outrora e
agora. Neste período são celebrados os Setenários na Igreja Matriz de Santana e as
Procissões pela cidade. A Abertura do Império acontece com a presença do
Imperador e da Imperatriz. O encerramento da festa ocorre com a Descida do
Mastro e a Bandinha do Divino a tudo acompanha.
Os atos litúrgicos desta Festa são marcados pela realização de um Setenário
de preparação espiritual, que tem inicio no domingo e termina no sábado seguinte,
118
véspera do Domingo de Pentecostes, que é festejado com celebrações próprias e a
solene procissão do Divino Espírito Santo. Durante os sete dias que antecedem a
festa, realiza-se, na Igreja Matriz de Santana, à noite, a cerimônia da benção do
Santíssimo Sacramento, com orações e cânticos, destacando-se belíssima
jaculatória.
Algo marcante ocorre fora da Igreja, nas barracas em frente à mesma. É algo
belo de se presenciar. O antigo mutirão, o ajuntamento da comunidade trabalhando
para um mesmo fim ainda permanece. É a Soca do Cuscuz. O cantar das batidas
ritmadas do pilão no sobe de desce de braços fortes vão se sucedendo durante a
soca – são homens que se somam: idosos, habilidosos, iniciantes, curiosos, rapazes
e por que não um pouco mais que crianças. Socando o arroz, a erva-doce e açúcar
que se transforma em farinha perfumando o ar e parando nas peneiras para ser
depurada e moldada em panos de prato habilmente dobrados. Assim essa massa é
levada ao fogo em banho-maria para ser cozida sem a pressa da modernidade.
É assim que o cuscuz caiçara vem percorrendo gerações e esperado não só
pelos devotos do “Divino Espírito Santo”. O cuscuz aqui de Itanhaém é elemento
vital para a nossa festa! Indiferente ao trabalho, a vigília ou sono, o sereno envolve a
cidade noturna e escura, as luzes amareladas ganham nuances nostálgicos
ajudando a compor o cenário da “Vila Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém”. É
o preparo da “Alvorada”!
Pois bem, através de registros orais colhidos das pessoas queridas de
Itanhaém, ficamos conhecendo a iniciativa da família Totó Mendes de tornar
essa acolhida mais calorosa e participativa, então se organizou a “soca
coletiva” e o que era feito no interior das casas em estilo colonial, com suas
portas logo na calçada, passou a ter um local comum, reunindo pilões,
braços fortes, suor, trabalho, risos, fogão à lenha, conversas e cantorias
atravessando a madrugada até o alvorecer do dia com o cuscuz pronto e o
café cheiroso perfumando as ruas. Assim com o toque da “Folia do Divino”,
as pessoas iam se chegando com suas velas nas mãos, iluminando o céu
ainda escuro e úmido com a neblina que sempre emoldurava a procissão no
encontro de todas as idades unidas pela fé e devoção ao Divino Espírito
Santo. (FERREIRA, 2008, p. 205)
119
A geografia urbana da cidade sofreu algumas mudanças e as ruas estreitas
laterais a Matriz se transformaram em um grande calçadão, mas o cordão de gente
que compõe a procissão segue os caminhos do coração percorrendo os caminhos
do núcleo da antiga Vila. (FERREIRA, 2008) Tal Cortejo desperta a curiosidade e
admiração de todos por onde passam.
Hoje, as tendas para o preparo do cuscuz, assim como as barraquinhas de
comes e bebes e brincadeiras são armadas em frente a matriz e o calçadão. A praça
iluminada se prepara para o que é tradição que sobrevive ao tempo e nos ilumina
com a graça do Pai, do Filho e do Divino Espírito Santo.
De acordo com a Tradição, o Mastro encontra-se num local afastado, o qual,
em cortejo, é carregado pelos moradores. Já pela manhã deste dia eu o vi em frente
á Prefeitura Municipal e como eu desconhecia esta tradição meu coração encheu-se
de curiosidade, porém, através de seu intenso vermelho, pude antecipar que estava
relacionada com a Festa do Divino, cor presente em todo o Centro durante a Festa.
Presente nas roupas dos moradores envolvidos na Festa, nas bandeirinhas em
Frente à Igreja Matriz, em pequenos, porém significativos detalhes, ressaltando a
Realeza concedida á Pureza do Espírito Santo, representado pela cor branca. Na
Figura 16, moradores locais estão postados em frente à Prefeitura para iniciar o
Cortejo. Diversas mãos com o auxílio de tecidos também vermelhos, carregam o
Mastro até a Praça Central, Narciso de Andrade, com seus corações transbordantes
de fé e emoções visíveis.
Solene, o mastro é erguido por muitas mãos, altivo e forte como símbolo da
proteção do Divino Espírito Santo sobre nossa cidade. (FIGURA 14) O cenário
aumentava em beleza e até hoje é um momento de muita emoção, onde a
população, emanada pela força da fé, soma-se em um grande encontro de mãos
idosas e novas, ainda procurando o mastro para fazer suas preces e pedidos e não
há quem não se emocione: lágrimas vindas do coração brilham nos olhos dos fiéis (e
os não tão devotos assim) em um movimento único de união, em louvor à
Santíssima Trindade. Como um momento de renovação e a esperança que surge
para emoldurar esse encantamento.
120
Fig. 16 Erguido por muitas mãos. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Como observamos na Figura 17, o Cortejo do Mastro é acompanhado por
diversos moradores. A tomada desta imagem foi feita em frente á atual Biblioteca
Municipal, onde anteriormente era sede da Prefeitura local.
Fig.17: Cortejo do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
121
A tradição é revivida em Itanhaém através de rituais e celebrações que
envolvem muitos simbolismos e sentimentos. (FERREIRA, 2008). Cada cor utilizada,
cada trajeto percorrido, tudo é simbólico, é tradicional e os moradores ousam em
guardá-lo sabiamente.
Fig.18: As Bandeirinhas de Emídio e Volpi. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Observar o Céu acima da Igreja Matriz nesta época tem-se esta visão:
bandeirinhas vermelhas e brancas contra o intenso céu azul de Maio. (FIGURA 18).
Tal tema encantou até mesmo o Pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896 – 1988),
que ao visitar Itanhaém conhece Emídio de Souza (1867 – 1949), um artista local
que retratava a cidade e seu cotidiano com simplicidade e pureza, o qual por conta
disto é considerado o primeiro pintor primitivista brasileiro (FERREIRA, 2008). As
bandeirinhas itanhaenses por certo tempo receberam atenção especial de Volpi,
sendo estas um constante tema.
Os moradores locais, que professam a religião católica anseiam o ano todo
para que as Festas enfim iniciem. Todos sempre com um belo sorriso no rosto, sua
devoção transparecendo em seus rostos iluminados, cheios de esperança e
gratidão.
122
Fig.19: Erguida do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Na Figura 19 temos a imagem de diversas mãos empenhadas para um único
fim: a Erguida do Mastro portando a Bandeira do Espírito Santo. A soma de muito
esforço debaixo do sol de meio dia para um bem comum: a proteção e benção da
divina Terceira Pessoa da Trindade.
A Figura 20 tocou-me profundamente, pois a senhora que está tocando o
mastro chegou-se com muita dificuldade. A multidão estava intensa, uma massa
compacta, todos queriam tocar no Mastro. Provavelmente familiares, conduziram a
cadeira de rodas desta senhora para enfim ela erguer seu braço e com fé, tocar no
Mastro, com a certeza de que o esforço não foi em vão, que a benção da proteção a
acompanharia. Desconheço sua história de vida, mas provavelmente esta não foi a
primeira vez em que ela fez este gesto, observei que havia familiaridade, confiança
ao chegar, acredito que tal fé é praticada desde que suas mãos eram jovens.
123
Fig.20: Fé e Tradição bem guardada. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Elizabeth Cury Bechir Watanabe (1956-) auxilia a todos sempre de bom
coração e disposição evidente. Ela também faz parte da diretoria da APRODIVINO e
bem mais que ocupar cargos da diretoria, estes membros esforçam-se não apenas
academicamente, mas efetivamente, para que todos os preparativos desta Grande
Festa estejam em ordem. Durante a Procissão de barcos para o Bairro do Rio
Acima, eu a observei atentamente, registrando seus atos altruístas durante a
travessia, num domingo bem ensolarado do mês de Maio, onde ficou atenta neste
trapiche até que todos os foliões tivessem atravessado o Rio, para enfim, ela
também ir descansar na outra margem. O posicionamento dela dá-nos a impressão
que ela sente a inclinação da imagem, procurando segurar-se em algo para que não
venha a cair. (FIGURA 21)
124
Fig.21: Disposição Evidente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012
O ponto alto desta festa a meu ver, o qual me tocou profundamente foi a
procissão de barcos pelo Rio Itanhaém até o Bairro do Rio Acima. Fato este já
tradicional de nossa cidade, porém foi minha primeira vez, bem como primeira vez
que andei de barco. A vista fantástica e sempre desejada pude enfim ver: sempre
quis saber como era depois da curva que o Rio descreve, visto do alto da Ponte da
Rodovia Padre Manoel da Nóbrega. Agora lá estava eu, finalmente contemplando
algo que sempre desejei ver. O percurso foi longo, cerce de trinta minutos ou mais,
mas pude fruir cada instante, cada vista, cada nova descoberta. O Rio cortou
diversos bairros que eu já havia percorrido, agora eu os via de maneira singular: do
meio do Rio. A Figura 9 mostra a composição que obtive no dia 06 de Maio de 2012.
Desejei enfocar o belo reflexo do sol da manhã sobre o Rio, com a bandeira em
primeiro plano. A cor viva deste escarlate da bandeira e suas fitas multicores
somados ao tranquilo tom de azul das águas busca a harmonia nesta imagem. O
verde de minha terra, formado pelos manguezais contribuem para a imagem,
auxiliando no belo reflexo sobre o Rio.
125
Fig.22: Procissão pelo Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 06 de Maio de 2012.
Através de e-mail, o fotógrafo português, João Evangelista (2012) lê a
imagem fotográfica desta forma:
Só a originalidade com que você representou esta procissão para mim já deu valor a esta foto! Tudo está aqui sem cair no lado mais banal deste tipo de assunto. A procissão no rio na sua essência máxima! Sobretudo para quem vive neste lugar, pois não precisa de mais nada para perceber o que esta foto representa e que ela foi captada num dia diferente de todos os outros dias do ano.
E com esta composição diagonal, as linhas horizontais no rio passaram a transmitir dinamismo e movimento em vez de estabilidade... E a bandeira que numa composição "normal" estaria bem mais na vertical acaba estando quase na horizontal "roubando" a função de transmitir tranquilidade que era das linhas suaves do rio... O que era tranquilo passou a ser dinâmico e vice-versa.
Muito bom como as coisas mais banais passam a ter um novo significado visual nas suas fotos, Transmitindo sensações que nunca transmitem em composições "normais". Cada pessoa é única e cada visão pessoal também e isso nos enriquece a todos mutuamente com suas particularidades únicas e você é bem a prova disso mesmo.
Quem olha suas fotos como deve ser aprende com sua visão única do mundo que rodeia você... Obrigado Thais!
(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem pessoal] Mensagem recebida
por < [email protected]> em 07. Jun. 2012).
126
3.3: Centro Histórico
Itanhaém... Vila... Hoje, cidade praiana
de simples ruas de areia de algumas casas humildes
na praça Carlos Botelho
Onde as mulheres estendiam suas roupas
para secar no verde gramado onde existe a praça
Itanhaém... dos meninos jogando bola
de meia na praça á noite se reuniam para ouvir histórias
à luz de lampião.
(...)
Itanhaém... Onde lindas moça
aos domingos, depois da missa caminhavam em volta da praça
dando olhares discretos para os rapazes...
o príncipe encantado... E... quando o sol
ia se escondendo suavemente ficavam na janela
sempre observadas pelos olhos atentos dos pais.
(Lina de Lima. Itanhaém, antiga vila. In: Itanhaém em prosa e verso. Itanhaém, 1997)
Nas lembranças de José Rosendo (2008), conta como era a Itanhaém de sua
infância. Ele nos conta que a diversão da garotada era pescar, “passarinhar” ou
brincar no areião. Este espaço estava localizado próximo á Igreja Matriz, hoje
ocupado pelo calçadão da Praça Narciso de Andrade, no Centro de Itanhaém.
Itanhaém era cercada por paliçadas, um muro que protegia o povoamento dos
invasores vindos do mar. As casas eram construídas “parece contra parede”, a fim
de proteger a vila.
O centro histórico é composto pela Igreja Matriz de Santana, o Convento de
Nossa Senhora da Conceição, os Casarios coloniais e a Casa de Câmara e Cadeia.
127
3.3.1: Convento Nossa Senhora da Conceição
Convento secular, velho convento
de minha terra, meu rincão praieiro...
quanta coisa me vem ao pensamento
quando te vejo em cima desse outeiro...
Vetusto, magnífico, imponente,
suspenso sob o céu, cheio de glória
apontando na página presente,
a História do Brasil, a tua História...
Contigo me transponho tempo afora
-sob o clarão do olhar de Nossa Senhora
que vive em tua eterna evocação
E vou de geração em geração
e vou subindo aos paramos divinos
ao badalar saudoso de teus sinos...
(Nilo Soares Ferreira. No tambor itanhaense. In: Poesias e Trovas. Itanhaém, 1999)
Itanhaém consegue manter-se perto de suas raízes apesar de tantas
mudanças ocorridas nestes mais de quatro séculos. Aqui se guarda a fé cristã vinda
com os primeiros portugueses. Por este motivo os lugares sagrados são ainda muito
queridos pelo povo católico e até mesmo por outros pertencentes às demais
religiões, pois são construções que inspiram confiança e excelentes lugares para
meditação.
O Convento de Nossa Senhora da Conceição, localizado no alto do Morro do
Itaguaçu tem sua inauguração oficializada por alvará em 1654 sob o estilo barroco,
mas há indícios de que uma pequena igreja de taipa e barro tenha sido construída
no local por volta de 1533. (FERREIRA, 2008)
128
Fig. 23: Rampa do Convento. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012
Hoje em dia para acessar o Convento, utilizamos uma ladeira cercada de
muralhas e parapeitos. A mesma foi concluída em 1752. Na Figura 23 registrei uma
vista parcial da rampa durante uma tarde ensolarada de verão, conferindo à imagem
uma luz e definições singulares. A vertigem causada pela subida à rampa é
acentuada por este enquadramento, onde reforça ainda mais a subida íngreme.
Mas nem sempre foi assim. Há muito tempo, de acordo com Ferreira (2008),
para se chegar ao convento, as pessoas tinhas que subir uma escada de 83
degraus, onde ainda podemos observar restos de seus degraus em frente ao antigo
Mercado Municipal. Ao lado destes degraus, temos também vestígios da única fonte
que se chegou a nossos dias: Itaguira, local conhecido antigamente como “Porto dos
Frades”, devido à aproximação à escadaria do Convento. Na Figura 24 registrei esta
imagem, onde vemos em primeiro plano alguns dos degraus e, ao fundo, com ainda
vestígios de azulejos lusitanos, a fonte Itaguira, onde há ainda água brotando,
porém, poluída, imprópria ao consumo.
129
Fig. 24: Fragmentos de um passado tão distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012
No dia 22 de março de 1833, a Fonte Itaguira e as demais Fontes de água da
antiga Vila de Itanhaém salvariam nosso convento, unidas obviamente ao esforço da
população. Nesta noite ocorreu um incêndio que destruiu parte do Convento. O
Frade responsável afugentou os morcegos nas vigas dos tetos do Convento neste
dia não com as costumeiras varas secas, mas desta vez com varas flamejantes. Não
demorou muito para que as fagulhas espalhadas no começo da noite iniciassem um
grande incêndio. Na Figura 25 podemos observar os males deste incêndio. Nesta
parte enegrecida encontrava-se as selas dos frades franciscanos, bem como uma
capela-oratório. Diversos documentos locais ali encontrados também foram
destruídos nesta noite. A captação da imagem foi realizada pela manhã, onde vali-
me das sombras contrastantes características das tomadas matutinas de um dia
ensolarado para reforçar ainda mais esta ideia de luto, de perda. Não houve mortos,
porém, parte de nossa História morreu neste incêndio.
130
Fig.25: Marcas de um passado distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
Rosendo (2008) descreve o envolvimento da população durante a tragédia:
Seriam pouco mais de dez horas da noite e o sino já havia batido o toque de
silêncio. Poucas pessoas ainda estavam nas ruas, conversando, quando
foram surpreendidas pelo toque de alarme do sino do Convento. As
primeiras “olhadas” foram dirigidas para o mar à procura das luzes
milagrosas, como dantes acontecia, mas logo foram desviadas pelos gritos
angustiosos que partiam do Largo da Matriz: “Fogo no Convento!”, “Está
pegando fogo!” Em menos de uma hora, organizou-se uma grande
procissão rumo ao Convento.
De todas as casas saíam correndo homens, mulheres e crianças
conduzindo potes, latas, panelas, vasilhames de que dispunham para
carregar água, que era tirada das fontes da “casinha Itaguira”, de poços
particulares, e dos “tubos” existentes no “caminho de baixo”. Outros corriam
pelo caminho do “Rabelo” e “Mãe Benta”, em cujas fontes a água era mais
abundante, dirigindo-se todos com vasilhas cheias pelas ladeiras do
Convento e, no pátio eram entregues aos destemidos homens que lutavam
para salvar do fogo as imagens e outros objetos de valor ao culto religioso.
Essa perigosa batalha e a romaria dos carregadores de água só findou de
131
madrugada, quando o fogo não achou mais o que destruir do vasto edifício,
deixando perpetuada a sua obra nas paredes enegrecidas que resistiram à
fúria do elemento destruidor. O incêndio atingiu tais proporções que as
labaredas se elevaram a uma altura calculada em mais de cinquenta metros
e o clarão foi observado no litoral até o canto dos Itatins e do Itaipu.
Contava minha avó e outras pessoas que tomaram parte nos trabalhos
dessa trágica noite que as imagens que traziam intactas, salvas do
incêndio, eram colocadas sobre uma mesa em frente ao Cruzeiro e, ali, com
velas acesas, as pessoas que não podiam prestar socorro, pela idade ou
invalidez, erguiam suas preces, cantando ladainhas e outras orações à
Virgem Mãe do Redentor, implorando a sua proteção para os que lutavam
pela salvação da igreja. (ROSENDO, 2008, p. 43-44)
É notória e clara a grande influência da Igreja Católica na pequena Vila Nossa
Senhora da Conceição de Itanhaém, tal influência era refletida no cotidiano de
outrora, havia um grande desenvolvimento cultural neste local tão isolado e afastado
das demais Vilas do Litoral, como lemos a seguir as declarações de Rosendo
(2008):
Os colonizadores que aqui se estabeleceram a partir de 1532 deixaram
marcas indeléveis da riqueza de tradições, lendas, usos, costumes e ritos,
legando-nos uma herança cultural esplendorosa. Por longo tempo, esse
conjunto de valores orientou o povo da vila, que se desenvolveu sob o
manto celestial da Imaculada Conceição. Os sábios monges portugueses
que se instalaram no convento, com a incumbência de educar o povo, foram
os responsáveis pelo alto nível cultural que imperou na nascente Vila de
Nossa Senhora da Conceição. (ROSENDO, 2008, p. 66)
Visitei o local durante cinco vezes, desde Dezembro de 2011, a fim de
registrá-lo em diversas condições climáticas e de ângulos diversos. Desde criança
sempre gostei de subir as rampas do Convento, observar a cidade de lá do alto,
saborear a vista da belíssima construção barroca quinhentista. Minha avó sempre
132
nos levava lá e o ponto alto do passeio era o pátio interno do Convento, tão belo
com sua vegetação lindíssima e ruinas de antigas mesas de pedra.
Adorava passar longas tardes neste lugar, absorvendo cada beleza ínfima,
dos belos altares, da galeria do Convento, observar a cidade de mais alto ainda, do
alto de suas janelas, mas infelizmente durante o processo de criação de minhas
séries fotográficas, o Convento manteve-se fechado para reformas. Portanto, minhas
imagens são apenas constituídas da tomadas da rampa, da fachada da Igreja e de
suas vistas panorâmicas, obtidas de diversos pontos do alto do morro do Itaguaçu.
Seguindo os descritores icônicos idealizados por Possamai (2008), registrei imagens
em que acidentes naturais, obras arquitetônicas e tomadas panorâmicas tivessem
seu lugar. O relativamente longo percurso da Rampa do Convento rendeu-me
inúmeras imagens, onde eu sempre busquei pontuar a presença do passado em
nosso cotidiano, convivendo com o presente.
Em minhas captações no Convento não houveram elementos móveis,
descritos por Possamai como pessoas ou meios de transporte. Sempre que subi ao
morro fui desacompanhada e lá assim permanecia, portanto não ocorrem registros
de pessoas nas imagens. Há muito tempo não há mais visitas no local. Os antigos
moradores com os quais conversei choram de saudade do tempo em que passavam
a maior parte de suas vidas neste morro abençoado. Hoje, com a Igreja fechada e
sem celebrações de missas há mais de uma década, há só o silêncio neste lugar.
O céu da Figura 26 me passa ainda mais esta sensação de solidão, uma
nostalgia imensa me invade. Imagem obtida durante o horário da manhã, onde
consegui registrar a sombra deste poste elétrico. Rampa esta que outrora os antigos
moradores da Vila subiam constantemente. Senti a presença silenciosa destes. Eu
não estava sozinha. A partir do sentimento fomentado pela cena, utilizei para
nomear todos nossos lugares amados que hoje em dia encontram-se desertos,
solitários como “a presença do ausente”, termo utilizado por Martins (2008), para
denominar sua série fotográfica nos prédios desertos da Penitenciária do Carandiru,
localizado na cidade de São Paulo, em que utilizamos este termo para evidenciar a
presença dos antigos moradores e frequentadores dos locais. Pode se passar o
133
tempo, o local pode estar assolado, mas uma presença silenciosa continua.
(MARTINS, 2008)
Fig.26: Presença do Ausente I. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
Quem dera suas portas abrirem mais uma vez para que possamos dizer como
Watanabe (1997) do alto de suas janelas barrocas:
Desta janela,
serena paisagem,
tem-se de Itanhaém
que aquece o coração
obra divina da Conceição
Desta janela especial...
deslumbramento real,
do horizonte infinito
das águas do Atlântico.
Na janela...
radiante de ansiedade
134
pela beleza que me invade,
contemplo os morros verdejantes,
seus tesouros fascinantes.
O céu de azul inesquecível
fecha este quadro indelével
desta vista do alto,
do nosso histórico convento.
(Elizabeth Cury Bechir Watanabe. A vista. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)
Seus filhos itanhaenses esperam ansiosos pela abertura de suas portas. E o
ouvir de seus sinos ora calados. Volta, Conceição de Itanhaém!
Fig.27: Portas Cerradas... Até quando? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
135
3.3.2: Matriz de Santana
Minha terra estacou entre os homens e Deus...
foi daqui que saiu a primeira bandeira do Sonho
nos primeiros clarões do dealbar da História...
Foi daqui que partiu a Esperança sorrindo
na doce inspiração que enriquece o planalto...
aqui as gerações se esmeram na Arte
-a pintura, a poesia, a música bendita...
sentimento que vem como um sopro divino
e depois lá se vai, em perfume, no alto...
(...)
Minha Itanhaém é um poema em notas musicais
cantando a imensidão, magnífica, do mar
declarando a amplidão, beatífica do azul;
desfolhando a ilusão de uma flor venturosa...
(...)
Minha terra ao gemer dos sinos à tardinha
é a mais doce emoção que de Deus se avizinha.
(Nilo Soares Ferreira. Minha terra. In: Poesias e trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)
Os sinos da Igreja Matriz de Santana inspiraram o Poeta Nilo Soares Ferreira
a escreverem este belo verso final do poema encontrado na epígrafe do capítulo.
Estes sinos que guiavam a pacata Vila de Itanhaém, sendo tocado diversas vezes
por dia pelos garotos que auxiliavam na igreja.
Quando eu era criança lembro-me de ter ouvido muitas vezes os sinos da
Igreja Matriz. Hoje em dia não sei se o tocam, eu nunca mais pude ouvi-los. Os
sinos do Convento que sempre desejei ouvir. Seus saudosos sinos que chamavam
outrora tantas gerações para virem à missa. É belo observá-lo, uma imponente
136
construção barroca sob um monte, tocando o céu, é até difícil encontrar palavras
para descrever a emoção de vê-lo. Ao conversar com os antigos itanhaenses é
unânime o sentimento de nostalgia que estas construções guardam. Tantas
histórias, tantas lembranças. Suas vidas eram pautadas por estes lugares. Há pouco
tempo nossa terra perdeu a hegemonia católica, pouquíssimas décadas. Itanhaém,
a cidade das duas Igrejas, a do alto do morro dedicada à Virgem Mãe de Deus e a
de baixo, com um forte simbolismo representando sua devoção e humildade ante o
chamado de sua filha, Maria, consagrada à Santana, sua mãe biológica.
A Igreja Matriz de Santana foi construída no século XVIII, época em
que éramos cabeça de Capitania (1642-1679). A Figura 28 retrata a porta lateral da
Igreja, a qual ainda mantém suas características iniciais. Vemos o quanto suas
grossas paredes foram resistentes ao teste do tempo.
A Igreja estava efetivamente em obras no segundo decênio do século XVIII,
momento em que recebe da Fazenda Real, por três anos, "cem mil réis cada ano,
para a obra da capela-mor da Igreja da Vila de Conceição". Como a coroa
portuguesa dedicava atenção especial ao templo religioso, enviando recursos
financeiros todos os anos.
A Igreja é inaugurada em 1761, Porém, a cidade vai progressivamente caindo
em decadência, pois há um grande êxodo em direção á Minas Gerais, devido à
descoberta do ouro no local e sem os recursos portugueses, Itanhaém passou por
tempos difíceis e não pode cuidar da igreja, a qual passou por anos em estado de
deterioração, em função disso acabou mais tarde sendo tombada como Patrimônio
Histórico, recebendo desde então reformas pontuadas no decorrer dos anos.
(FERREIRA, 2008) Devido a este motivo, paulatinamente as missas e celebrações
que lá haviam foram transferidas á Igreja Nossa Senhora da Conceição, construída
há pouco tempo, tendo sua pedra fundamental lançada em 23 de Junho de 2002.
137
Fig.28: Passagem Secular. Foto de Thais Oliveira Silva.06. Mai. 2012
Fig.29: Quem vencerá? A Fé ou os Cupins? Foto de Thais Oliveira Silva 12. Dez. 2011
138
Na Figura 29 enfoquei a ação dos cupins sobre a madeira do assoalho da
Igreja. Alguns meses depois, felizmente, ao retornar ao local e encontrar uma tábua
nova posta sob esta deteriorada. Esta que durante gerações passaram inúmeros
fiéis sobre ela. Um local cheio de lembranças. Portador de certa nostalgia, em que
nas manhãs de domingo, quando ocorrem as missas matinais e no mês de Maio,
com as celebrações do Divino, a memória é revivida. A nave da Igreja é mais uma
vez ocupada.
Fig. 30: Conceição de Itanhaém sob a Redoma de Vidro. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Dez. 2012
A igreja Matriz de Santana abriga uma das mais importantes imagens sacras
brasileiras: a de Nossa Senhora da Conceição, feita de cerâmica há mais de 400
anos. Sua origem ainda causa polemica entre muitos especialistas que a estudaram.
Para alguns, a imagem foi trazida de Portugal por Martim Afonso de Souza, para
139
outros estudiosos ela foi obra de um ceramista nativo, em que não temos dados
precisos de seu nascimento e morte, João Gonçalves Viana. (FERREIRA, 2008)
Vemos na Figura 30 a imagem no fundo da Igreja Matriz sob uma proteção de
vidro. Tal interferência resultou nesta imagem com o reflexo do forro da nave da
Igreja sob Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém.
Fig.31: Eternamente Barroca. Foto de Thais Oliveira Silva.27. Dez. 2011
O altar barroco, com suas infinitas volutas, ornamentos sinuosos e anjinhos
talhados na madeira foi o foco da imagem da Figura 31, onde nesta composição
está em primeiro plano e, ao fundo, a imagem de São José.
A Igreja Matriz de Santana, ao contrário do Convento é um local sempre
visitado, mantendo as portas abertas durante o dia já que está localizada na Praça
Central da cidade, Narciso de Andrade. Deste modo, tenho muito mais registros dela
140
do que do Convento e neste local, quando o captei, foram registradas também
muitas pessoas, transeuntes ou trabalhadores, varredores de rua próximos a ela.
Fig.32: Anchieta e Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
Na Figura 32 busquei compor a relação do beato Padre José de Anchieta
(1534 – 1597) com Itanhaém, o qual passou diversas vezes por estas terras,
catequizando os índios. Focalizei em primeiro plano a escultura do Padre Anchieta,
esculpida por Luiz Morrone (1906- 1998),tendo a Igreja Matriz em segundo plano.
Minhas imagens focaram registrar, principalmente a Igreja Matriz ressaltando
seu tamanho que impressiona sobremaneira. Ela é majestosa, imponente,
destacando-se na Praça central. Busquei registrá-la em diversas condições
climáticas para também absorver sua “mudança de personalidade”, termo utilizado
por Hedgecoe (1996).
Hedgecoe (1996) nos fala sobre trabalharmos nas variações sobre uma
fachada, nos aconselhando a não ficarmos satisfeitos enquanto um determinado
tema só tiver sido fotografado de um único ângulo de enquadramento, pois os
edifícios, como qualquer outro tema, possui personalidade e uma atmosfera que
dependem do modo como forem fotografados. Intuitivamente, bem antes de ler a
141
respeito, busquei registrar de várias tomadas diversos lugares que me foram durante
a infância e ainda são muito significativos a mim. A Igreja Matriz de Santana,
localizada na Praça Narciso de Andrade, centro de Itanhaém, foi a que recebeu mais
registrou meus, onde a enfoquei durante diversas condições climáticas e em
inúmeros ângulos.
Fig.33: Matriz de Santana vista sob um dia ensolarado. Foto de Thais Oliveira Silva. 04. Mar. 2012
Nesta imagem (FIGURA 33) vali-me do sol de meio dia a fim de criar estes
belos contornos de sombras na fachada da Igreja Matriz. O céu está limpo, com
pouquíssimas nuvens, proporcionando à imagem uma bela claridade. À sombra de
uma árvore em frente à Igreja, dois moradores descansam durante seu horário de
almoço.
Na Figura 34 temos a imagem do calçadão úmido decorrente da forte chuva da
noite anterior, proporcionando um belíssimo reflexo à Igreja e demais elementos da
composição. O céu desta imagem é claro, um tipo de nublado condensado, não há
nuvens ameaçadoras de tempestades, mas ainda persiste uma garoa finíssima
neste momento da captação. A inclusão do arvoredo á direita da imagem contribui
ainda mais para o ar soturno. A condição climática proporcionou à imagem um ar
142
lúgubre, sombrio, com os reflexos, diria que até fantasmagóricos refletidos no
calçadão da Praça Narciso de Andrade, Centro de Itanhaém.
Nestes dois exemplos podemos ver o quanto as condições climáticas
interferem em nossa leitura da imagem. Ambas foram focadas de um mesmo ponto,
com deslocamento de apenas dois passos para a Figura 33, mas são diferentes. Em
meu percurso modifiquei não apenas no quesito dos estados em que se encontrava
o tempo, mas a presença de pessoas, as diversas tomadas de infinitos ângulos para
então ter uma nova imagem, uma nova leitura do local.
Fig.34: Matriz de Santana vista sob a fina garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012
.
143
3.3.3: Casa de Câmara e Cadeia e os Casarios
Itanhaém... Vila... Hoje, cidade praiana
de simples ruas de areia de algumas casas humildes
na Praça Carlos Botelho
[...]
(Lina de Lima. Itanhaém, antiga vila. In: Itanhaém em prosa e verso. Itanhaém, 1997)
De acordo com Caldas (2011), a Casa de Câmara e Cadeia era o ponto de
encontro do poder político da época imperial, republicano e República Velha. Ela,
bem como as outras Câmaras da época da colonização, exercia duplo poder
constitucional: o legislativo e o executivo, além de possuírem o direito de indicar o
Presidente da Província, para nomeação, o juiz da respectiva Comarca.
A cadeia que ainda hoje existe é um sobrado, a qual foi construída sobre as
ruínas da primitiva em 1829. Por economia, ou talvez por amor às tradições,
aproveitou-se as paredes então existentes da velha Cadeia - que já tornara-se
também Casa da Câmara; e é por tal motivo que vemos hoje esse edifício, em
desalinho completo com as outras ruas e com o pátio da Matriz de Sant'Ana, do qual
ela ocupava outrora, o centro.
Suas paredes (da primeira construção e reforma) medem 60 centímetros de
espessura. Possui uma parte que, com a reforma, foi agregada na sua parte frontal.
Está em desalinho com o restante do Centro Histórico, pois a rua à qual tinha
dirigida sua parte frontal levava até a Igreja Santa Luzia (que já em 1614 já não mais
existia).
Supõe-se que sua construção date da época em que Itanhaém foi elevada à
categoria de Vila, em 1561, pois só adquiriria tal status se houvessem no local tais
construções. e mais tarde, ganhou o status de Cabeça de Capitania, pois os prédios
obrigatórios que para isso se desse deveriam ser a Igreja, o Pelourinho e a Cadeia,
144
época em que a Vila recebe os moradores da Aldeia do Abarebebê, também muitos
moradores da Vila de São Vicente, refugiados dos ataques dos índios Tamoios, bem
como muitos imigrantes, atraídos pela fama da descoberta de ouro na Capitania de
Itanhaém.
No centro histórico encontra-se também o Gabinete de Leitura, fundado em
05 de agosto de 1888, onde aconteciam eventos culturais e de entretenimento para
o povo da vila itanhaense, lá também se alfabetizava a população. Infelizmente no
ano de 1932, durante a Revolução Constitucionalista, seus livros foram destruídos e
queimados pelos soldados que por aqui permaneceram, pois eles consideravam a
cidade um ponto estratégico e a vigiava, bem como a outras cidades para eles
também consideradas estratégicas.
O casario de nossa cidade tem sua construção todo pautado no estilo
colonial, com suas portas altas, assim como as janelas, que eram ao nível da rua,
sem terraço ou varanda. Casas compridas, com um único corredor que dava acesso
aos quartos e, claro, um quintal nos fundos. (FERREIRA, 2008)
Fig.35: O Passado está Presente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012
145
Em meus trilhares enfoquei também a Casa de Câmara e os Casarios à sua
volta. A arquitetura lusitana sempre me encantou com sua beleza e elegância. Na
Figura 35 busquei enfocar uma cena cotidiana tendo como pano de fundo a lateral
da Casa de Câmara e Cadeia e o restante da Praça Centra. Pela manha, dois
moradores conversam sossegadamente transmitindo-nos tranquilidade, calmaria.
Uma imagem que desde o início me encantou, bem mais depois esta edição,
tornando-a monocromática, foi a Figura 36 optei pelo enquadramento destes ramos
da árvore ao lado da Igreja Matriz, pois me chamou atenção o grafismo confuso
deste. Ao fundo encontra-se a Casa de Câmara e Cadeia. Escolhi esta composição
pois aqui em minha cidade a natureza prevalece sobre a interferência humana,
considerando a área total da cidade. Hoje em dia o local foi transformado no Museu
Conceição de Itanhaém, inaugurado em Abril de 2010, abrigando diversos itens e
utensílios históricos, bem como imagens fotográficas e documentos manuscritos
registrando nossa História.
Fig.36: Casa de Câmara e Cadeia. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012.
146
Já os Casarios, eu optei por não utilizar nenhum tipo de moldura natural no
primeiro plano, enquadrando as belas construções lusitanas de modo limpo. Hoje
em dia grande parte destas casas não são mais moradias e sim estabelecimentos
comerciais, porém sem que reformas não venham interferir no projeto original. O
antigo azul e branco do Casario lusitano foi substituído por multicores impactantes.
(FIGURA 37).
Fig.37: Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011.
A Sentinela deste Conjunto de casas antiquíssimas é a gata registrada na
Figura 38, a qual está sempre atenta ao que acontece a seu derredor. Ela está sob o
muro de umas das últimas casas do local, já que grande parte hoje em dia abriga
estabelecimentos comerciais.
147
Fig.38: Guardiã dos Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jan. 2012
3.4: Bairros tradicionais
Saudade renitente
Lembrando Itanhaém5
Com seus telhados velhos
O mar e a serra além
Nas noites de seresta
Do mar o cantochão
As ondas acompanham
Nas teclas do costão
Saudade do vôo da gaivota
E as cores do poente
148
Dos sinos da velha igrejinha
Chamando aquela gente
Saudade da areia prateada
Quando o sol vem despontando
Do leve balanço da canoa
O rio atravessando...
(Ernesto Zwarg. Saudade renitente.. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)
Na série “Bairros Tradicionais”, eu percorri diversos locais de Itanhaém em
busca deste passado recôndito em simples casas, em objetos que ousam enfrentar
o tempo, em ruas centenárias. É sempre um grande prazer observar e registrar o
passado de minha cidade, que não se encontra apenas no Centro, mas sim em
bairros de pessoas humildes que contribuíram para o crescimento e estabilidade de
Itanhaém.
3.4.1: Guaraú e Baixio
O velho mar me faz
Lembrar Itanhaém
Velhas casas
O convento, a Matriz
O Guaraú,
O baixio, o rio
O Rio pra atravessar,
A cama de Anchieta e o mar;
A serenata na pedra da lua
Para as sereias que vêm do mar.
149
(Ascendino Rocha Zwaarg. O velho mar. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)
O Baixio era um porto fluvial conhecido como Bairro da Felicidade. Era um
pequeno lugarejo de caiçaras com seu trapiche construído em pontaletes e tábuas,
servindo de atracadouro para os barcos de pesca artesanal. (FERREIRA, 2008)
Como estava há uns 300 metros do centro da cidade se descarregavam
pequenos navios de carga que iam rio acima buscar cachos de bananas, fazendo-se
a baldeação para as galeras da Estação de Ferro Sorocabana. Esse trabalho era
desempenhado por operários que transportavam até quatro cachos por vez, a uma
distância de 80 metros, ganhando o salário pelo número de cachos.
No local, há venda de pescados ainda hoje. Algumas marinas se instalaram
às margens do rio, confundindo a paisagem entre o antigo e o moderno, mas os
barcos de pesca dos caiçaras permanecem em seus atracadouros originais.
O Guaraú também é um bairro de ribeirinhos, possuindo um porto ainda ativo
onde guarda inúmeras lembranças do passado. Há, no local, diversas casas de
madeira, preservadas, oriundas da década de trinta, tempo em que era comum este
tipo de moradia na cidade.
150
Fig.39: Seus telhados velhos, o mar e a serra além. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012
Em minhas visitas para fotografar estes bairros fui tomada por uma grande
saudade de minha avó. Sempre íamos ao Guaraú e já morei no bairro do Baixio.
Ambos possuem um odor caraterístico: peixe, claro! Não foi algo enjoativo, porém
nostálgico, é sempre bom voltar ás origens, aos locais da infância.
A imagem que selecionei para representar o bairro do Guaraú foi a Figura 39
tomada do alto da Rodovia Padre Manoel da Nobrega onde se veem os “telhados
velhos” deste bairro secular.
Já para representar minha visão sobre o Baixio, selecionei a imagem abstrata
que podemos observar na Figura 40, o dia 18 de março de 2012 foi bastante
ensolarado e, portanto propício às minhas fotografias, pois sou apaixonada pelas
cores, pela saturação conferida num dia ensolarado do que num dia nublado,
melancólico a meu ver. Minha maior série fotográfica deste dia se concentrou na
linha do trem próximo ao bairro chamando Baixio, no qual morei por alguns meses
quando eu tinha quatro anos. Ao finalizar a série, já estava cansada, com muita
vontade de voltar, mas ao olhar para o início da Rua das Andorinhas algo
adormecido em mim despertou: Minha curiosidade em conhecer o porto da rua, local
que antigamente era um tabu para mim, talvez porque durante alguns dias jovens
151
usarem narcóticos no local quando eu era criança, ou talvez por suas águas serem
profundas e possuírem correntezas, mas neste dia, meu medo foi pequeno perto da
curiosidade. Uma curiosidade guardada por anos deveria ser saciada. Caminhei até
o local. Não havia ninguém, apenas um barco ancorado e outro quebrado na rua.
Absorvi toda beleza do lugar, a visão privilegiada do Rio Itanhaém e do Morro
Piraguyra! Que linda esta minha visão inédita... Pensei em fotografar o morro,
estando ele no segundo plano e o rio no primeiro, mas como já era final da tarde
pensei em usar alguma contraluz, mas o que? Caminhei até o barco quebrado no
canto da rua e vi a rede, gosto do seu grafismo confuso, fotografei-a, mas percebi
que a composição ficaria melhor se eu enredasse o próprio pôr-do-sol, bem como o
lugar, para simbolizar que por tanto anos o lugar que esteve proibido a mim, agora
eu o enredei, prendi-o a mim. É meu.
Gosto muito da confusão que esta foto cria ao primeiro olhar... E como era
uma rede fiquei pensando por alguns segundos que o céu devia ser o mar...
O grafismo das linhas da rede iluminadas pelo sol é bem cativante ao
olhar... Uma bela fotografia para nos ensinar a olhar como deve ser. Bem
visto e mais uma vez parabéns Thais!
(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 12. Abr. 2012)
152
Fig.40: Enredado. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012
3.4.2: Belas Artes
Aqui as gerações se esmeram na arte
A pintura, a poesia, a música bendita...
(Nilo Soares Ferreira. Minha Terra. In: Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)
Itanhaém, por se tratar de uma cidade de veraneio, sempre recebeu muitos
artistas importantes, que vinham descansar em nossas praias. O Bairro do Belas
Artes era local preferido dos artistas paulistas. As ruas deste bairro foram batizadas
com nomes de pintores e artistas plásticos brasileiros consagrados, entre eles:
Almeida Júnior, Vítor Meireles e Pedro Alexandrino.
O Bairro denominado Belas Artes ganhou este nome devido à Associação
Paulista de Belas Artes ter estabelecido uma colônia de férias próxima à estrada de
ferro na década de quarenta. Até então o bairro tinha três denominações, como
153
lembra Caldas (2011): Rio do Poço, que corta suas ruas; Sessenta, porque a parada
Km 60 da Estrada de Ferro Sorocabana; e Vila Nova, porque a Vila velha era o
centro da cidade e a nova estava apenas surgindo, sendo formada principalmente
por famílias vindas do Vale do Ribeira, mais precisamente de Iguape. Na Figura 41
temos a imagem da Linha do Trem passando sobre o Rio do Poço, no Bairro Belas
Artes. Quando eu era criança e caminhávamos até este bairro, lembro-me do medo
que eu sentia ao atravessar esta pequena ponte sem parapeito ou qualquer tipo de
proteção. Víamos o Rio passar sob nossos pés.
Fig. 41: Presença do Ausente. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012
.
Após a desativação da Colônia e a aquisição do prédio pela Prefeitura de
Itanhaém, o local foi usado para diversas funções. Já abrigou o hospital e necrotério
municipal, uma escola de ensino fundamental e atualmente a Casa da Música desde
o ano 2000, local onde ocorrem diversas oficinas culturais, com mais de setecentos
alunos neste espaço, onde também pude aprender a tocar violino e participar da
Orquestra local, hoje extinta, porém é um local que descobre inúmeros talentos
musicais que já representaram com maestria nossa cidade e até mesmo o estado de
154
São Paulo em concursos musicais e participações em Orquestras Sinfônicas
renomeadas.
Eu a registrei numa manhã ensolarada aproveitando as belas sombras
matutinas sobre o pátio do prédio. No segundo plano da Figura 42 vê-se uma
imensa palmeira, possuindo aproximadamente vinte metros. Em diversos pontos da
cidade ainda podemos encontrar árvores nativas centenárias convivendo com
nossas construções. É um belíssimo local que durante o período em que foi colônia
recebeu diversos artistas renomados do Modernismo brasileiro, vindo descansar na
cidade praiana e aproveitar para registrar cenas e locais da Vila Velha (Centro da
cidade) Na imagem da Figura 43, busquei compor uma imagem valendo-me apenas
de elementos geométricos: as pilastras do pátio e os bancos, a fim de contrastar
com a Figura 42, onde a presença das formas orgânicas (as árvores nativas) nos
proporciona outra leitura, já que há uma quebra deste universo apenas geométrico.
Fig.42: Tantas funções, um mesmo prédio. I Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012
155
Fig.43: Tantas funções, um mesmo prédio II. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012
3.4.3: Suarão
Itanhaém minha terra!...
Joia guardada entre a serra
E a majestade do mar,
Só quem não tem sentimento
Não sente o deslumbramento
Que tu vives a inspirar...
(Nilo Soares Ferreira. Itanhaém. In: Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)
156
Fig.44: Estrada dos Eucaliptos. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Dez. 2011
O Bairro denominado “Suarão” possui este nome devido à junção de duas
palavras em tupi-guarani: Çuu, que quer dizer ronco e Aron, que quer dizer onça.
Possui esta nomeação devido aos constantes ataques a aparições de onças por
aquelas terras, as quais causam medo apenas por seus rugidos. O Suarão era um
bairro muito arborizado e felizmente ainda o é em muitos lugares, com muitas
árvores nativas, intercaladas por eucaliptos e árvores frutíferas (BRANCO, 2005),
local onde as crianças brincavam, entre as casas, em terrenos amplos, varridos, sem
distinção de limite de propriedade. “As divisas eram marcadas por uma árvore
especial, mais alta, mais imponente, ou por um riacho que atravessava o terreno.”
(BRANCO, 2005)
O Bairro do Suarão sempre foi um de meus locais prediletos quando eu
estava com problemas respiratórios. Havia e ainda há inúmeras árvores de
eucaliptos, como estas da Figura 44; minha avó sempre me levava até lá, para
colhermos suas folhas medicinais para fazer chá e inalação. A cura chegava a mim
no momento em que eu estava respirando nestas ruas. Realmente minha avó soube
como nunca cuidar de seus netos. O afeto dela unido ao poder medicinal das folhas
de eucalipto curava-me.
157
O que me chama atenção para esta imagem é o belo grafismo formado pelos
galhos e folhas esguias das árvores centenárias. É um dos poucos bairros que ainda
possui muitas ruas de areia branca, como a do mar, relembrando a antiga Itanhaém.
A Igreja Nossa Senhora do Sion do bairro do Suarão foi construída em estilo
romano, é uma das únicas de todo o litoral Paulista nesse estilo, com um belo
interior da Nave Central cujo teto é decorado com a imagem de Nossa Senhora do
Sion, além de seus belos vitrais multicoloridos em todas as janelas retratando
passagens bíblicas da vida de Jesus. Ela compõe um quadro harmonioso com a
praça do centro de Suarão que foi recentemente remodelado.
A igreja foi construída por Joaquim Branco (1862 – 1940), um empreendedor
e visionário, que após visitar a cidade em 1917, se entusiasmou e junto com o
Prefeito da época, Antônio Mendes da Silva Júnior (1890 – 1951), realizaram um
projeto urbanístico, uniformizando o traçado da cidade, logo após a construção da
igreja. A área onde ela foi construída é do Círculo Social do Ipiranga, juntamente
com a área da praça. (FERREIRA, 2008)
Nas Figuras 45 e 46 registrei pormenores da Igreja os quais sempre me
encantaram. Por muito tempo os observo e componho mentalmente diferentes
imagens com estes em relação à estrutura da Igreja.
Na Figura 45, temos a imagem de uma das cenas da Via Sacra, onde Jesus
está carregando sua cruz rumo ao Calvário, onde será crucificado. A presença
marcante do vermelho em sua túnica, como representação de sua realeza
harmoniza-se ao belíssimo azul do manto de Sua Mãe, Maria. Ao editar, deixei a
imagem bem contrastante, a fim de que a parede, que sem edição estava pouco
escurecida, ficasse negra para contrapor-se à luz e às cores do vitral.
Na Figura 46 registrei um dos Anjos da torre da Igreja. Desde o alto até a
fachada estão postados diversos anjos, todos tocando uma trombeta, anunciando a
Volta de Jesus. Este conjunto sempre me impressionou, desde minha infância.
Obtive este Contraluz durante a tarde de um dia ensolarado. Felizmente consegui
registrar o brilho solar difuso através destas nuvens, conferindo à figura deste Anjo
um clima etéreo, com estas luzes, como se estivessem emanando de si mesmos.
158
Fig.45: Multicores ao Rei dos Reis. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012
Fig.46: A última Trombeta. Foto de Thais Oliveira Silva .27. Jul. 2012
Na imagem da Figura 47 tive o cuidado de harmonizar a forma da torre da
Igreja com as folhagens que também estão na vertical. A ligação visual entre as
formas "penduradas" da folhagem e da torre provocam uma aproximação dos
159
planos, dando a sensação que os dois planos principais (folhagem e igreja) estão
muito mais próximos do que são na realidade. O mesmo efeito eu busquei realizá-lo
diversas vezes, com diferentes condições climáticas e outros ângulos. No dia desta
captação o céu estava nublado, como se pode observar na condição esbranquiçada
do firmamento. O título desta foto remete à frase latina inscrita na fachada da Igreja.
Fig.47: In Sion Firmata Sun. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012
A Praça da Igreja Nossa Senhora do Sion também foi um lugar muito
importante para mim, onde minha mãe nos levava para passear aos domingos, as
pouquíssimas folgas dela. Esta experiência de encaixar as trepadeiras
dependuradas das centenárias árvores com a torre da Igreja é algo que fiz inúmeras
vezes quando criança, brincando sozinha. Sou grata por poder concretizar estes
planos outrora infantis.
160
3.5: Início da linha férrea na cidade
A ponte sobre a curva do Rio
Transpôs a modernidade
Na vila praieira encantada
Por anos de isolamento.
[...]
(Sonia Gisela Fonseca. O ontem no presente. In: Itanhaém, beleza em Prosa e Verso. Itanhaém,
1997)
Fig. 48: Isolamento Foto de Thais Oliveira Silva.18. Mar. 2012
Segundo Caldas (2011), a quinta ferrovia do país inaugurada em 16 de
fevereiro de 1867, a São Paulo Railway Company – SPRC (depois Estrada de Ferro
161
Santos-Jundiaí). A primeira composição chega a Itanhaém em 17 de janeiro de
1914. De acordo com relatos dos mais antigos, recolhidos por Caldas (2011), já
nesta primeira viagem, dezenas de famílias desembarcaram com malas e demais
pertences: eram os filhos e esposas dos que construíram a ferrovia e gostaram da
cidade. Este foi o primeiro passa para a formação do bairro denominado “Vila São
Paulo”, onde se registrou um amplo crescimento populacional na cidade nas duas
primeiras décadas do século passado.
Foi a partir da inauguração da linha férrea, em 1914, que Itanhaém passou a
ser conhecida como recanto turístico ideal para as férias de verão, primazia que
antes pertencia a Santos e Guarujá. (CALDAS, 2011) Porém, segundo Rosendo
(2008) o crescimento não foi de modo algum repentino:
Mesmo com a chegada da ferrovia (Southern São Paulo Railway), em 1914,
não houve desenvolvimento significativo na comunidade então existente, fiel
às suas origens e mantendo o bom nível cultural herdado dos monges
franciscanos. Somente com a chegada da rodovia, quando o paulistano teve
facilitado o acesso ás nossas praias é que Itanhaém descobriu seu
potencial turístico, hoje sua maior fonte de renda. (ROSENDO, 2008, p. 69)
As casas dos ferroviários deste período ainda podem ser encontradas na
margem da linha, as mais numerosas na Vila São Paulo e as demais próximas às
antigas estações de Belas Artes, Cibratel, Camboriú e Vila Loty.
. A construção da ferrovia, segundo Caldas (2011) modificou a geografia local,
provocando a abertura de um túnel na rampa do Convento e a transferência do
cemitério que havia ao lado do Morro Itaguaçu. Na Figura 49 temos a imagem da
Rampa do Convento tomada de onde é um estacionamento e travessa atualmente,
porém, como já dito, de onde estou a retratar a imagem era o local do cemitério
primitivo.
Em 1927 a ferrovia passou para o controle da Sorocabana. Até os anos de
1950, segundo Caldas (2011), a estrada de ferro era o único transporte para
162
Itanhaém. Havia a alternativa de se locomover com carros pela praia, vindo desde a
Ponte Pênsil de São Vicente até a cidade. Apenas um acidente grave envolvendo
este transporte foi registrado:
Em registro manuscrito do pintor Emídio de Souza, consta que na manhã do
dia 1º de fevereiro de 1946 houve um acidente com uma locomotiva a
vapor, que despencou sobre o Rio Itanhaém, matando o maquinista e um
guarda-trem. A carta explica que o foguista sobreviveu, porque se atirou na
água antes que a locomotiva tombasse. (CALDAS, 2011, p. 48)
Fig.49: Sob o Sol Matutino. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012
Em 1972, já no período de decadência da linha, passavam ainda por ali pelo
menos seis trens diariamente, e um deles, como descreve Caldas (2011), era
conhecido como “jotinha”, que era um trem misto. Os trens de passageiros foram
suspensos em dezembro de 1997, depois de passarem por ali por 84 anos. Os
desvios da estação foram retirados, os trilhos estão jogados à frente da plataforma.
O armazém foi demolido.
163
Fig. 50: Abandono. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012
A Figura 50 mostra o pormenor da linha do trem ainda visível, pois em certos
trechos é impossível enxerga-los. Nesta imagem, obtida em frente ao Bairro do
Baixio, percebemos o apodrecimento das madeiras utilizadas como sustentação e
apoio, bem como o enferrujamento tanto dos trilhos, quanto de seus grandes
parafusos. Ao aproximar-me para obter esta imagem ainda pude sentir o odor
característico da linha do trem: o enxofre transportado pelos trens de carga que
eventualmente caíam pelo caminho pequenas pedrinhas amarelas. Quantas outras
histórias não guardam estes trilhos?
Fiz diversas tomadas das casas à beira da Linha do Trem, enfocando a bela
harmonia entre as construções e a linha férrea. Tais moradias ainda mantêm
características do passado, a começar pelos seus muros e portões baixos, com
cerca de um metro e a estrutura geral das casas, suas janelas altas e estreitas, seu
chão de cimento queimado vermelho, onde as moradoras ainda os enceram.
164
Fig.51: Vila São Paulo. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012
Na Figura 51 vemos a imagem que captei uma das casas num dia
ensolarado, onde a folhagem destas goiabeiras escurece o primeiro plano,
desenhando assim uma moldura natural para o segundo plano, onde se encontram
as casas.
Fig.52: Resistentes ao Tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Abr. 2012
165
Já na Figura 52, efetuada numa tarde nublada e fria, conferindo a imagem um
clima saudoso, vemos novamente as casas dos antigos trabalhadores da
Sorocabana, onde esta trilha de areia a perder-se de vista é convidativa. Até onde
ela irá?
Quanto ao trajeto da linha do trem, ou seja, o rumo dos trilhos, minhas fotos
concentraram-se em tomadas em frente ao bairro do Baixio e sobre a Ponte sobre o
Rio. É um dos poucos locais em que a linha férrea ainda é visível e de livre acesso.
Realizei a série não apenas num único dia, mas em diversos, buscando também o
registro em diversas condições climáticas.
Na Figura 53, idealizei esta composição baseada em lembranças de minha
infância, em que neste mesmo horário registrado, final da tarde, quando eu sentia
um misto de prazer, adrenalina e medo da altura no alto da ponte, durante este
trajeto sobre o Rio Itanhaém. Desta tomada, vemos os Portos do Baixio, tendo ao
fundo a Ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega e ao longe nossas serranias
imersas em brumas nesta perspectiva atmosférica.
Fig.53 Oxidação Vertiginosa. I Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012
166
A partir da postagem desta imagem no site de fotografia Olhares, o fotógrafo
português João Evangelista expõe o seguinte pensamento:
Uma dos melhores exemplos do uso da composição diagonal!...além da luz
estar fantástica, o facto de você ter incluído e aproveitado o grafismo desta
protecção foi inteligente da sua parte!...além de ser cativante visualmente
tornou esta composição "lógica"!
Se fosse à horizontal, seria mais um efeito de perspectiva como se vê
tantas vezes por ai, mas assim ficou bem mais interessante e original!!!
Bem visto Thais e mais uma vez parabéns!
PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 07. Jun. 2012.
Já a imagem da Figura 54 foi tomada numa tarde nublada e escura. Devido á
tal condição climática o Rio Itanhaém apresenta-se opaco, sem o brilho conferido ao
Rio na imagem da Figura 53. Percebemos que a condição da luz deste dia nos
proporcionou observar ainda mais a condição de deterioração de sua estrutura
metálica. A ferrugem ai apresentada possui um toque de textura. A tomada foi feita
do lado direito da ponte da linha do trem, onde vemos em segundo plano a Ponte
Sertório Domiciliano.
167
Fig.54 Oxidação Vertiginosa. II Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
A imagem da Figura 55 foi registrada no sol do fim da manhã, conferindo
ainda longas sombras á sua frente. É impossível trilhar mais uma vez pela linha do
trem e não me recordar de minha avó, do tempo em que seguíamos não apenas
onde alcança este enquadramento, mas muito além, horas de caminhada a pé por
estes trilhos hoje abandonados. Era costume caiçara andar a pé longos percursos e
quando em minha infância passávamos por ai, não estávamos sozinhos, mulheres,
homens e crianças também percorriam por lá, sempre atentos à aparição dos trens.
Estes que desde sua chegada o povo itanhaense, especialmente ás moças, como
contam os antigos, acenavam alegremente aos moços que se encontravam nos
trens. Levava escondido um batom para apresentarem-se belas, um longo sorriso, o
silêncio do encontro dos olhares... A despedida... Mais uma ilusão...
168
Fig. 55: Presença do Ausente II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012.
Na Figura 56 temos a imagem da ponte da linha do trem sobre o Rio
Itanhaém. A tomada da imagem foi feita numa pequena praia embaixo da ponte,
onde objetivei registrar imagens do estado da estrutura da ponte atualmente A
vertigem causada pela imagem consegue ilustrar o fato de a anterior ponte ter caído
numa manhã do ano de 1946. Atualmente apenas pescadores ousam permanecer
na ponte desativada devido ás inúmeras deteriorações de seus ferros oxidados.
Possuímos uma lenda local baseada neste fato, onde se acredita que um mero (um
grande peixe de doze metros de comprimento) vive nos vagões submersos no fundo
do Rio Itanhaém. A tranquilidade das águas aqui registrada é capaz de esconder um
grande mistério: há ou não um Mero em nosso Rio?
169
Fig. 56: Ponte enferrujada. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011.
3.5.1: Linha férrea atualmente
A mesma praia, a mesma areia esbranquiçada
A mesma ponte enferrujada,
O mesmo rio pra atravessar
O mesmo mar, rugindo eternamente
Dando vida àquela gente
Dando pra depois tirar...
As mesmas pedras, noites tão enluaradas
O luar banhando as casas
Tudo como deixei lá...
Mas nisso que antes era alegria
Só encontro nostalgia
170
E motivos pra chorar
Pra chorar...
(Antônio Bruno Zwarg. Ponte enferrujada. In: Itanhaém, um mar de histórias. Itanhaém: expoente,
2008)
Atualmente, como tratei no capítulo anterior, a linha férrea encontra-se
desativada e bem do que isto: encontra-se abandonada. Foi com muito pesar que
realizei a série fotográfica da estação do Centro da cidade. A estação que outrora foi
local de encontros e despedidas hoje está abandonada, deteriorada e o local onde
ficavam alguns vagões, em frente à estação, está alojado um pequeno parque de
diversões. Dificilmente nota-se a linha férrea em meio ao matagal em que se
encontra. O espaço deserto da estação ainda guarda a presença silenciosa dos
antigos passageiros. (FIGURA 57)
Fig.57: Encontros e despedidas. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012.
Na Figura 58 vali-me de figuras de linguagem para compor minha mensagem.
Tal qual este simples carrossel que representa um círculo contínuo, sinto que a
defesa e manutenção de nossos Patrimônios Históricos possuem uma sucessão,
geralmente ininterrupta e infinita, de atitudes ou a falta dela por parte das
171
autoridades responsáveis que sempre resulta numa situação que parece sem saída,
desfavorável, principalmente para quem se vê capturado por esse tipo de relação,
nós, os moradores locais que, não apenas eu, mas tantos outros amam sua História,
desejando vê-la bem cuidada, preservada os lugares de nossa Memória. “Panis et
Circenses” (do latim “pão e circo”) não são suficientes a nós. Não nos distrairá das
mazelas ao nosso redor. Queremos cultura. E a defesa e manutenção da mesma.
Fig.58: Círculo Vicioso. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
3.6: Recortes da Vida cotidiana
Ah! Itanhaém que guardei comigo
Desde a primeira vez que te vi
Mar tão azul, areias douradas,
Conchinhas, quais tesouros escondidos
Que a gente, caminhando,
172
Por horas apanhava
E, com usura, trazia tão guardadas.
II
Ainda vejo tuas ruas tranquilas
Areia, só areia em toda parte
Nossos pés, em delícia, nela se moviam
Tudo era calmo, pressa não havia
E nossos sonhos, quase reais, viviam...
III
Mal sabia que aqui ficaria
Pra sempre, realizando o inacabado
Quero leva-lo e sei que isto consigo
Por onde for, Minh’ alma já liberta
Cada pedaço de ti irá comigo.
(Elza Cobra Soares. ITANHAÉM... In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)
Percorri minha terra passando invisível, para não perder a fluidez do tema.
Para registrar sem atrapalhar nada a vida em que lá pulsava. Captei diversos
flagrantes da vida cotidiana de Itanhaém neste período de meu processo de criação.
É difícil, se não impossível dissociar nossa vida cotidiana dos lugares
históricos encontrados no Centro da cidade e pelos bairros tradicionais, da praia e
do mar, bem como de nosso contínuo contato com a natureza, seja ela em mata
fechada, seja em cultivar árvores frutíferas em nossas ruas. Nossa vida está
pautada em todas estas áreas, por este motivo, selecionei em minha série, pessoas
anônimas e desconhecidas a mim, vivendo um fragmento de suas vidas em
harmonia a um destes lugares. Foram momentos fortuitos, onde não pedi
autorização para fotografá-los, apenas registrei, há casos em que pedi autorização,
como o grupo das varredoras de rua, da frente de trabalho, em que as retratei em
frente ao casario num dia de chuva intenso e frio, mas mesmo assim ainda são
173
anônimas, pois não lhes pedi seus nomes, quis apenas lhes conferir algum valor, já
que fotografar é atribuir valor. (SONTAG, 2006)
Fig. 59: “Fotografar é atribuir Valor”. Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012.
A Figura 59 mostra este grupo de varredoras de rua muito simpáticas,
limpando a Praça Carlos Botelho, centro, onde estão localizados os Casarios. Ao
posarem para o retrato, não se afastaram de seus instrumentos de trabalho, suas
vassouras, mas as manteram junto a si, com todo respeito e dignidade que se pode
ter por si mesmo.
Através do desenvolvimento de minha poética visual, baseei-me no
pensamento do fotógrafo Cartier-Bresson (2004), onde busquei fotos não
encenadas. Busquei registrar as pessoas de modo honesto e respeitoso. Em
nenhuma das imagens de retratos pedi para que fizessem tal pose ou posassem
perto de tal lugar. Simplesmente os registrava naquele momento em que os
encontrava, buscando captar a essência de cada um dos retratados. Busquei sentir
cada momento, cada local por onde passei para então poder registrar de modo
contextualizado, não algo vago, onde se tira a pessoa para captá-lo. Houve
174
espontaneidade tanto em meu registro, quanto no personagem captado, sempre
existindo o respeito por ele e por mim, enquanto fotógrafa.
Fig. 60: Unidos Foto de Thais Oliveira Silva.27. Dez. 2012
Na Figura 60 registra meu encontro com esta família na Praça do Suarão. Foi
um dia longo, um pouco cansativo, pois eu não estava ainda habituada a fotografar
em grande quantidade num mesmo dia, hábito este que fui galgando
paulatinamente, onde até tal encontro eu havia feito aproximadamente cento e
cinquenta fotografias do centro da cidade até este bairro e o belíssimo sorriso da
garotinha me cativou. Espontaneamente eles postaram-se de frente ao sol
vespertino, em que tal atitude resultou nesta sombra única, deixando a família ainda
mais unida, mais próxima.
175
Fig.61: Manhã Chuvosa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012
Numa manhã chuvosa e fria saí para registrar o cotidiano itanhaense. Na
imagem da Figura 61 está registrada a imagem de um morador que acaba de sair do
Supermercado, com sua sacolinha plástica cheia. A praça Narciso de Andrade neste
momento está deserta, tendo como único personagem apenas este homem sob o
calçadão úmido.
Na cena seguinte (FIGURA 62) há semelhanças e diferenças com a anterior.
São semelhantes apenas no sentido de ter apenas um único personagem, porém as
diferenças prevalecem. Na Figura 62 o personagem percebe que é fotografado,
porém não se incomoda, continua tranquilamente a varrer a frente de sua casa. O
chão está forrado de flores vermelhas e alaranjadas, é algo belo de se ver, pois há
uma profusão de cores nesta cena. O registro foi tomando numa tarde quente de
verão, onde até mesmo este intenso céu azul contribui para a coloração vívida desta
cena única que ocorre apenas durante o mês de Dezembro.
176
Fig.62: Chão Natalino. Foto de Thais Oliveira Silva.19. Dez. 2012
Na Figura 63 aparece um pescador exibindo seus mais novos troféus. Eu
estava também de bicicleta neste dia, meu objetivo não era de fotografar nada
naquele período do dia, tinha algumas obrigações a cumprir, mas tal imagem me
surpreendeu e me cativou. Este senhor ia calmamente atravessando diversos
bairros deixando em evidência seus dois belíssimos peixes. O céu claro deste dia
faz um belo contraste com a pele escura, curtida pelo sol deste homem. Ele estava
se deslocando não pelo meio fio, mas quase no meio da rua, nem por isso os
motoristas dos carros o repreenderam; foi como se todos os presentes naquele
percurso estivessem admirados e dando passagem ao cortejo caiçara, este que
mesmo hoje em dia vivendo tão distante do mar, não o abandona; seu velho amigo é
fiel a ele.
Para fotografá-lo, eu tive que correr na frente dele, para ter tempo de
encontrar a câmera dentro de minha bolsa e posicionar-me em frente à Praça
Ângelo Guerra, localizada no bairro Belas Artes, a fim de que a imagem não saísse
tremida se eu a tivesse feito em movimento, em cima de minha bicicleta. Quando
enfim chegou o vaidoso pescador, o registrei e ainda pude avistá-lo continuar seu
caminho satisfeito e orgulhoso de seu notável feito.
178
3.6.1: Todos te olham, quem te vê?
É preciso aproximar-se sigilosamente como um gato, mas ter o
olhar agudo, nada de atropelos, não fustiga-se a água antes de pescar.
(BRESSON, 2004, p. 19)
Fig. 64: Todos te olham, quem te vê? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012.
Na Figura 64 temos a imagem de um morador de rua dormindo na antiga
estação de trem de Itanhaém. O que me chamou atenção foi o local por ele
escolhido para ali pernoitar. O fotografei por volta das sete horas da manhã, com o
coração aos saltos, temerosa que ele acordasse e tivesse alguma reação violenta.
Ele está descansando já no final da antiga estação de trem, onde sua parede agora
está tomada pelo grafite. Do passado restou apenas a placa indicando a antiga
extensão do município: Suarão à Camboriú. O que me chamou atenção na cena são
os olhos ali representados no grafite, observando este homem ou então que os
olhos não são reais, estão fazendo parte de seus sonhos e pesadelos, onde tantos
olhares dirigem-se a ele, mas não o percebem devidamente. As bocas cheias de
dentes assustadores deste grafite também são um convite à denotação,
179
representando toda maldade e indiferença humana voraz por dilacerar e jogar à
exclusão mais uma alma.
Antes a estação era ponto de encontro... Era matar saudades, eram alegrias,
despedidas... Hoje? Bem... Apenas o esquecimento... Tanto do cenário, quanto dos
atuais personagens, os moradores de rua.
Em meus trilhares por Itanhaém vi diversos tipos de pessoas, cruzei por
muitas ruas; realmente vi muitos rostos. Porém alguns foram mais singulares, mais
intensos, os que mais me chamaram atenção: o rosto dos excluídos sociais, os ditos
moradores de rua. Os registrei em poucas imagens comparadas aos diversos
encontros que tive com eles por nossas ruas. A princípio do meu processo de
criação, a timidez dominou-me e não consegui fotografá-los. Foi a partir do mês de
Abril de 2012 em que alcancei tal amadurecimento.
Em Março de 2012 observei durante algum tempo esta senhora. Era uma
manhã fria e a vi saindo de uma padaria do centro com este saco de pão
amanhecido que muitas padarias locais doam durante as manhãs. Tive muita
timidez, travei-me ao fotografá-la de frente. Desejei, mas não consegui. Minha única
imagem obtida desta senhora é a Figura 65.
A condição climática deste dia, com a fina garoa que caía intensamente
proporcionou à imagem uma áurea singular, como se estivéssemos despertando
naquele momento, porém a imagem não pertence a um sonho bom. Não me refiro à
caridade do dono da padaria, pois isso é algo admirável, mas seria melhor se todos
tivessem condições financeiras para sustentaram-se.
São inúmeros. Todos os dias a população os olham. Mas, quem realmente os
vê? Onde ainda reside a sensibilidade e a empatia?
Na Figura 66, em Abril de 2012, consegui vencer minha timidez e focalizá-los
de frente, olhar em seus olhos, sentir suas reais tristezas. Estes dois homens de
diferentes idades estavam sentados em frente à Igreja Matriz de Santana. Não sei
quem são, de onde vieram, para onde pretendem ir. Quando os observamos,
sentimos sua baixa autoestima, um alto sentimento de exclusão, de não
pertencimento á nossa sociedade.
180
Fig.65: Pão Amanhecido também sustenta. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012
Fig.66: Malas prontas já ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Costa (2005) nos informa a respeito deste processo de exclusão, apontando
suas raízes:
181
A globalização e o avanço tecnológico, que têm alcançado as diferentes
sociedades contemporâneas, têm gerado consequências negativas,
configuradas na reprodução de desigualdades sociais e na falta de
garantias sociais para grande parcela da população. Neste início do século,
constata-se que a civilização, ao longo dos anos, não foi capaz de constituir
um pacto que trouxesse melhorias sociais. A desigual distribuição de bens
sociais, a discriminação, o desrespeito às diferenças, a incerteza, a
involução de valores não são anomalias, mas constituintes do pensamento
globalizado e do processo econômico em curso. (COSTA, 2005, p. 02)
Hoje em dia, de acordo com Costa (2005), as melhorias econômicas ocorridas
em muitos países, já não apontam para a ampliação dos empregos, mas a
diminuição da força de trabalho e infelizmente são consideradas como parte do
progresso. Empregos, como antes eram compreendidos, não existem mais; “o
capital já se tornou a encarnação da flexibilidade. [...] Sem empregos, há pouco
espaço para a vida vivida como projeto, para planejamento de longo prazo e
esperanças de longo alcance”. (CASTEL apud COSTA, 2005, p. 03)
A fragilidade das massas e, de forma mais clara, a exclusão social de grupos
específicos são resultados da desagregação progressiva das proteções ligadas ao
mundo do trabalho. Consistem em processos de “desfiliação”, ou do
enfraquecimento dos suportes de sociabilidade.
Para Costa (2005, p. 02): “Essa tendência encontra terreno ainda mais fértil
nos países atingidos por fortes desigualdades sociais e por grande diferença nas
condições de vida da população. Ou ainda, em países, como o Brasil, em que não
houve uma efetiva constituição do estado de bem-estar social”.
Conforme BAUMAN apud COSTA (2005), em uma sociedade centrada no
consumo, como a que estamos inseridos, há “os jogadores”, “os jogadores
aspirantes” e “os jogadores incapacitados”, aqueles que não têm acesso à moeda
legal. Estes devem lançar mão dos recursos para eles disponíveis, sejam legalmente
reconhecidos ou não, ou optar por abandonar em definitivo o jogo.
182
Infelizmente, é esta a opção que resta àqueles denominados como
“sobrantes”, pessoas normais, mas inválidas, devido à decorrência das novas
exigências da competitividade, da concorrência e da redução de oportunidades e de
emprego, fatores que constituem a situação atual, na qual não há mais lugar para
todos na sociedade.
Nesse contexto, insere-se a população em situação de rua. Grupo
populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes
realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta e a
falta de pertencimento à sociedade formal. São homens, mulheres, jovens,
famílias inteiras, grupos, que têm em sua trajetória a referência de ter
realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de
suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas,
seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço afetivo, fazendo
com que aos poucos fossem perdendo a perspectiva de projeto de vida,
passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia.
(COSTA, 2005, p. 03)
Como podemos perceber com a explanação de Costa (2005), a exclusão
social, que passamos a conhecer, tem origens econômicas, mas caracteriza-se,
também, pela falta de pertencimento social, falta de perspectivas, dificuldade de
acesso à informação e perda de autoestima. Acarretam consequências na saúde
geral das pessoas, em especial a saúde mental, além de relacionar-se com o mundo
do tráfico de drogas.
183
Fig. 67: Qual o seu Trilhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Na Figura 67 focalizei apenas os pés de um morador de rua. Seus inúmeros
cortes e feridas em seus pés nos faz pensar em seu trilhar. Por onde ele andou? O
que o futuro lhe reserva?
Na Figura 68 temos a imagem do dono dos pés captados na Figura 67. Logo
pela manhã passei pelo local e o fotografei. Ele olhou para mim, aceitou ser
fotografado e fechou os olhos novamente, deveria estar muito cansado. Diferente de
tantos andarilhos que avisto pelas ruas, este não possuía nada. Trazia apenas a
roupa do corpo. Sempre o vejo na Alameda Emídio de Souza, local muito procurado
pelos pescadores, porém este homem está sempre alheio a tudo a seu redor,
apenas está lá.
As pessoas em situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas e
sapatos surrados, evidenciando a fragilidade da condição de moradia na rua; no
entanto, nos pertences que carregam, expressam sua individualidade e seu senso
estético. A perda de vínculos familiares, decorrente do desemprego, da violência, da
perda de algum ente querido, perda de autoestima, alcoolismo, envolvimento com
drogas, doença mental, entre outros fatores, é o principal motivo que leva as
pessoas a morarem nas ruas. São histórias de rupturas sucessivas e que, com muita
184
frequência, estão associadas ao uso de álcool e drogas, não só pela pessoa que
está na rua, mas pelos outros membros da família.
Fig.68: Por enquanto, este é meu lar... Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
É possível também encontrar na rua pessoas que há pouco chegaram às
grandes cidades e ainda não conseguiram emprego ou um local de moradia. Além
daqueles que possuem um trabalho ou subemprego, mas que seu ganho não é
suficiente para o sustento, então eles acabam vivendo nas ruas. Outras pessoas
sobrevivem nas ruas, como os catadores de resíduos recicláveis ou de outros
trabalhos eventuais, e acabam dormindo em albergues e abrigos, ou em algum
espaço na rua, diante da dificuldade de retorno para casa nas periferias distantes.
Há, ainda, os “andarilhos”, que se deslocam pelos bairros ou de cidade em cidade,
geralmente sozinhos, não se vinculando a nada. Referem simplesmente que estão
“no trecho”.
Os moradores de rua com que vemos diariamente em nosso caminhar estão
inseridos em algumas destas situações. Vivem num mundo em que não foi criado ou
escolhido pelas pessoas que vivem nas ruas, pelo menos inicialmente, mas para o
185
qual foram empurradas por circunstâncias alheias ao seu controle. Partilham,
contudo, do mesmo destino, o de sobreviver nas ruas e becos das cidades.
Não apenas morados de rua pude registrar neste período, mas também um
grupo singular de pessoas que essencialmente nos dias de feira livre, persistem em
locomoverem-se para cá. São os índios das aldeias do Rio Preto e do Rio Branco,
ambas afastadas de qualquer região habitada. Os registrei durante o dia 20 de Abril,
o qual eu fui visitar a feira livre do centro da cidade.
Em meu percurso, não os encontrei todos unidos, eles estavam espalhados
pela feira e assim, aos poucos pude recordar-me da presença constante destes em
feira livre, gravados em minha memória desde a infância e certamente há bem mais
tempos anteriores a ela.
Na Figura 69 está registrado meu primeiro encontro com algum deles. Logo
no início da Feira do Campão avistei este pequeno menino sentado no chão. Meu
olhar recaiu logo em seus pés e mãos, grossos, feridos. O registrei em diversas
tomadas e percebi que havia nele um misto de curiosidade e timidez durante as
captações. Fiz várias fotografias deste garoto, pois imaginei que seria apenas ele,
esqueci-me que nos dias de feira livre boa parte da comunidade das aldeias
indígenas está presente.
Na Figura 70, já no meio de meu percurso na Feira, encontrei-me com esta
simpática mulher e seu lindo bebê. O modo com que ela carregava seu filho, eu
considerei tão curioso, singular. Apesar do forte calor desta manhã que logo se
aproximava do meio dia, o bebê dormia tranquilamente envolto a estes panos.
186
Fig.69: Primeiro Encontro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Fig.70: Mamãe Orgulhosa com seu Bebê. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Afastados da Feira livre, encontrei este grupo de curumins sorridentes e
curiosos em frente ao antigo Mercado Municipal. De todos os encontros, estes
garotinhos mostraram-se mais curiosos, falantes. Postaram-se em diversas
posições, sorriam efusivamente para a câmera, tendo até mesmo um deles o ímpeto
187
de pedir a câmera para tentar fotografar também. Aprecio esta imagem, pois cada
um deles possui uma feição diferente, um olhar, um sorriso único.
Fig.71: Curumins. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Porém a figura que mais me chamou atenção, sem sombra de dúvidas foi a
desta garotinha, em que vemos na Figura 72; este olhar é poderoso, foi pungente
pra mim, pois sei que estou de mãos atadas... Não posso ajudá-la em curto prazo...
A força que ele transmite é demais... É evidente a falta de cuidados e mimos à
indiazinha, em suas roupas grandes e surradas, em seus pezinhos descalços. A
garotinha estava entre o pai e a mãe... Os três estavam sentados no chão...
Vendendo Palmito, esperando doações... Doações? Não precisavam de doações...
Eles foram os que nos cederam esta bela terra... Espontaneamente? Receio que
não...
Esta série fotográfica eu ousei fazê-la a fim de lembrar a todo o momento à
sociedade desta presença muitas vezes não desejada, mas de uma forma ou de
outra existente. Quer a sociedade queira ou não. “Os “excluídos” estão lá, na
fratura de seu cotidiano, no cotidiano impossível em sociedades e situações em que
188
a repetição é a negação da reprodução e da possibilidade da vida cotidiana”.
(MARTINS, 2008, p.51)
Fig.72: Devolvam minha terra! Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
O que faz a força deste olhar é sua pureza, típico de um olhar de criança
combinado infelizmente com um olhar de adulto, de quem já viu muito e não
merece viver assim!...Como se fosse uma criança que cedo demais está a
desistir dos seus sonhos!... Tornando-se adulta ainda em criança!
Um olhar dirigido a nós adultos e que nos está perguntando: Por quê?...
Um retrato com o olhar mais intenso que já vi!
Mais uma vez parabéns Thais, quando uma foto consegue transmitir uma
emoção e mensagem tão forte, tudo o que diz respeito ao aspecto técnico é
bobagem!... E isso já vem do tempo dos primeiros mestres da fotografia!!!
Se uma foto só é bela pela sua "perfeição" técnica, depressa será
esquecida, uma foto como a sua nunca!
189
(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 07. Jun. 2012.
190
4: PERSISTENTE NATUREZA
Eram as duas árvores frondosas
Que guardavam a entrada da cidade
Eram seus galhos, asas verdejantes
A sombra amiga para a mocidade.
A passarada ali fazia ninhos
E a cigarra, o estrídulo final
E os pirilampos eram como estrelas
De uma eterna noite de natal.
Veio o progresso de cimento armado
E num instante um luzido machado
Deitou por terra uma árvore, a fim
De, coroando o êxito do asfalto
Fazer-lhe sepultura de capim.
Aves assustadas esvoaçaram
Parasitas bravias ao chão rolavam
Bordando de folhagem todo o chão
Uma só árvore ficou; mas tão saudosa
Como ferida em pleno coração
Gentes vieram, gentes que se foram
Sempre tiveram sua sombra. E agora
Emoldurado a vista da montanha
Só uma fecha o painel que a decora
Árvore amiga, diz a velha Igreja
Estou tão triste, pois te vi nascer
Numa saudade de sinos batendo
E a figueira, espetada e triste
191
Vai aos poucos caindo.., morrendo...
(Pedrinha. Figueira Velha. In: Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)
Fig.73: A Velha Figueira e a Matriz. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012
Inicio a série fotográfica “persistente natureza” abordando as centenárias
árvores encontradas na Praça Narciso de Andrade, localizada no centro de
Itanhaém, onde estas persistem em ainda existir, em ainda nos proporcionar
qualidade de vida. Em toda a cidade pude localizar diversas árvores centenárias,
caracterizadas pelos seus tamanhos colossais, dissonantes das demais árvores que
as cercam. Na Figura 28 registrei o corredor entre a Igreja Matriz e a Velha figueira
num dia chuvoso de março. Ao centro percebemos o antigo calçamento de pedras
molhados pela fina garoa que insistia em cair naquela manhã. O tom nostálgico da
cena fez-me refletir a respeito das diversas árvores que havia na Praça, algumas
das quais me lembro de quando era criança e não estão mais lá e desta outra velha
figueira, em que a poetisa Pedrinha nos fala na década de cinquenta do século
passado.
Muitas mudanças ocorreram em nossa cidade. Diversas ruas sem
calçamento, apenas simples estradas de areia fina, hoje são belas avenidas,
192
diversas árvores que “atrapalhavam” o desenho da arquitetura urbana tombaram,
mas ainda há as sobreviventes, as belíssimas moradoras silenciosas desta minha
terra, que nos proporciona ar puro, sombra e moradias para também persistentes
animais selvagens, terrestres ou aéreos. Em que encontramos em cada uma de
nossas ruas e não apenas pontuadas aqui ou ali, mas em grande quantidade em
nossas matas.
De acordo com Ferreira (2008), devido ao fato de nossas terras pertencerem
à Mata Atlântica, uma vasta região de mata fechada que nos cerca, temos como
grande característica a umidade que provém dos encontros de diferentes massas de
ar e dos ventos que vêm do mar, carregados de vapor d'água. Em função do alto
grau de umidade, a vegetação se mantém verde durante todo o ano. A respeito da
luz encontrada nas matas, Ferreira (2008) explica:
Enquanto a água é abundante, a luz no interior da mata é escassa
provocando uma competição entre os vegetais. A busca de uma maior
exposição solar tem como resultado o desenvolvimento de árvores altas,
com copas ralas, que se unem formando um dossel (camada de folhagem
de uma mata composta pelo conjunto das copas das plantas mais altas).
(FERREIRA, 2008, p. 211)
Abaixo dessa cobertura vegetal contínua, adaptado a quantidades menores
de luz, encontra-se outro estrato que é formado por árvores menores e arbustos de
troncos finos e com copas densas. Próximo ao solo, em condições de baixa
luminosidade, temos uma formação de espécies de pequeno porte, plantas jovens e
sementes em germinação.
A competição pela luz entre plantas da mesma espécie é pouco comum, pois
possuem o mesmo grau de tolerância ao sombreamento. Mas entre espécies
diferentes, cujas necessidades luminosas são desiguais, a disputa é muito evidente.
Quando uma planta está disputando uma posição no dossel, frequentemente perde
as folhas. Essa característica, de acordo com Ferreira (2008), permite ao vegetal
193
deslocar todo o gasto de energia que teve em função do crescimento do caule, a fim
de conseguir um espaço ótimo.
As trepadeiras ou lianas, apesar de retirarem nutrientes do solo, prendem-se
aos troncos das árvores através de espinhos, gavinhas ou raízes fixadoras,
chegando a alcançar o dossel. Essa estratégia de crescimento é uma maneira de
atingir os pontos mais altos da floresta.
Como a cobertura absorve a maior parcela dos raios solares, deixando passar
pouca luz, cria-se ao nível do solo um ambiente escuro, pouco ventilado e
constantemente úmido. Essas condições são inadequadas ao desenvolvimento de
muitas espécies vegetais, porém são ideais a musgos e a algumas samambaias,
que precisam de muita água. Abaixo de tantas plantas, entende-se um leito de
folhas depositadas numa chuva leve e permanente de formas e cores. Com elas
chegam ao solo o resto de nutrientes que as árvores não conseguiram extrair das
folhas. No processo de decomposição os minerais vão sendo lentamente devolvidos
ao solo e às raízes para contribuir na formação de novas folhas. Colaborando deste
processo, encontramos no chão da mata um infindável número de fungos.
Fig. 74: Um momento único: banho de luz! Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012
194
Diversas vezes fui às trilhas do Morro do Sapucaetava a fim de registrar o
chão das matas para comprovar estes dados e realmente a luz é bem escassa no
local, dificultando até mesmo a captação com qualidade ali.
Na Figura 74 observamos uma parte da raiz de uma árvore nativa sendo
ocupada por dois fungos, recebendo um pequeno e passageiro raio de luz do sol do
meio dia.
Para Sapienza (2006, p. 07):
Olhar de perto que não é olhar-relâmpago, nem olhar sorrateiro. É olhar
contemplativo que procura (e encontra) o esplendor do ínfimo, nas
maravilhas que se escondem no interior do mundo dos insetos, das flores e
dos detalhes praticamente invisíveis ao olho nu.
Para obter esta imagem não utilizei as lentes especiais da macrofotografia,
que de acordo com Sapienza (2006) só é possível com o auxílio de tais instrumentos
para que detalhes difíceis ou até mesmo impossíveis aos nossos olhos sejam vistos
na imagem fotográfica. O que fiz apenas foi a de me inclinar sob o chão coberto de
folhas úmidas e registrar pequenas, mas maravilhosas sutilizas que geralmente
passam despercebidas por muita gente.
Como iniciei minhas imagens fotográficas sobre minha cidade no mês de
Dezembro, pude acompanhar uma das mais belíssimas composições da natureza
deste mês: o Flamboyant, belíssima árvore ornamental com sua floração vermelha,
que com o passar do mês de Dezembro, mais se caem suas folhas, ficando apenas
em evidência seu intenso vermelho. Em diversas ruas itanhaenses eu as encontre e
registrei durante este mês, pois, assim que Janeiro se anunciou, suas flores
começaram a cair, como se fossem apenas ornamentos natalinos.
Na Figura 75 registrei apenas parte de seus floridos galhos sob um intenso
céu azul.
Mês de Dezembro
os “flamboyants” florescem
195
as ruas todas se aquecem
com um colorido todo especial
laranja, vermelho
verde claro, verde escuro
um brilho de natal.
A cidade parece estar em festa
Atraem olhares, despertam admiração
primorosos, coloridos
de exuberantes matizes
os flamboyants da minha cidade
são pedaços de saudade
espalhadas pelo chão.
Quase em todas as ruas têm
um flamboyant florindo
minha rua tem um lindo também
vendo-os, acredito com certeza
que são um presente da natureza
para deixar mais bonita e acolhedora
minha cidade Itanhaém...
(Nicoletta Brugnoli Bouças. Os “flamboyants” de Itanhaém. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso.
Itanhaém, 1997)
196
Fig. 75: Flamboyant natalino. Foto: Thais Oliveira Silva. 02. Dez. 2011
Na Figura 76 captei esta bela imagem por acaso. Eu e o Bruno, meu
namorado, estávamos voltando de uma série fotográfica na Boca da Barra, eu já
estava cansada, com a câmera guardada, pois já estava anoitecendo e minha
câmera compacta não administra bem as imagens tomadas em baixa luminosidade.
Esta árvore encontra-se ao lado da Ponte Sertório Domiciliano, no início da Alameda
Emídio de Souza e o Bruno estava a um tempo observando a revoada de diversas
Andorinhas à procura de um abrigo para dormir ao anoitecer. Ele me indicou a olhar
para cima e enfim ver esta delicada cena. O bando de Andorinhas encontrou esta
árvore desfolhada e já estavam dormindo sossegadamente. Fiz várias tomadas
desta árvore, fui feliz com a luz, que diferente de minhas expectativas ainda estava
favorável, buscando diversos ângulos, mas buscando mover-me silenciosamente em
respeito ao descanso dos pequeninos, cantando baixinho algum acalanto para eles.
A partir do conselho do Bruno, passei a observar a copa das árvores com
mais atenção, buscando encontrar momentos únicos ou até mesmo registrar a
beleza singular de cada árvore, o belo desenho de seus galhos harmonizando-se ao
restante da cena.
197
Fig.76: Acalanto pra Você. Foto de Thais Oliveira Silva. 11. Jan. 2012
Na Figura 77 registrei a bela copa desta árvore na Praça Benedito Calixto.
Optei pelo tom monocromático a fim de enfatizar as formas sinuosas desta árvore
centenária, a qual é totalmente coberta pelas trepadeiras, também ansiosas por um
lugar ao sol.
198
Fig.77: Sinuosas formas de uma árvore. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Fig.78: Um Gesto de Amor. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012
A árvore localizada à esquerda da Figura 78 eternizou seu mais belo e nobre
gesto. Ao ver sua companheira mais velha e fraca vacilar e tencionar a tombar, esta
desenvolve galhos como se fossem braços e a acolhe a si, envolvendo tais galhos
pelo frágil corpo de sua companheira, segurando-a a fim de evitar sua queda. Um
199
nobre gesto de empatia que inúmeras vezes alguns seres humanos não são
capazes de demonstrar.
Leitor, já teve a vontade de ir até o final de uma estrada apenas por
curiosidade? Eu sim. Numa manhã de janeiro rumei de bicicleta para conhecer o
final de uma estrada em que sempre a utilizei. É a estrada Coronel Joaquim Branco,
que se inicia próximo ao bairro do Savoy, onde residi por muito tempo e se estende
até a Fazenda Mambu, originária da década de trinta, quando a plantação de
banana aqui estava em alta. (CALDAS, 2011). Percorri um espaço geográfico da
cidade muito amplo, apenas motivada pela curiosidade e pelo desejo de registrar a
Mata Atlântica satisfatoriamente preservada ao redor desta estrada que corta muitos
bairros rurais de Itanhaém. Finalmente ao chegar ao tão sonhado final da estrada,
deparo-me com uma das cenas mais impressionantes e belas da cidade. A beleza
do lugar, a solitude que me inspirava a todo momento, o ar puro a meu redor, tudo,
contribuiu para a beleza da Figura 79.
Havia um conjunto de árvores nativas à beira da estradinha que se findava
compondo um momento único: uma delas estava prestes a cair, mas certamente isto
não ocorrerá, pois as demais a estavam segurando, seus galhos já estavam
interligados e ela continua viva, pois suas raízes conseguiram novamente encontrar
o solo. As antigas ramificações de suas raízes ainda estão expostas, as lá no interior
da terra ela conseguiu fixar-se. Conversei com os colonos da Fazenda Mambu e
eles me disseram que ela já está assim há mais de quinze anos. Não apenas
poemas dão vida e sentimentos humanos às árvores, elas mesmas ousam em
comportarem solidariamente umas com as outras. O que torna curiosa a Figura 79,
certamente é o fato de a imagem estar inclinada há a troca de papéis. A única árvore
inclinada, prestes a cair, neste enquadramento agora é a única ereta, com o mundo
em sua volta inclinado.
200
Fig. 79: Segurem-me, companheiras minhas! Foto de Thais Oliveira. 12. Jan. 2012
4.1: A arte em defesa do meio ambiente
Para o fotógrafo canadense Gregory Colbert , que fotografa
momentos de perfeita harmonia entre os animais e os homens em
países como a Índia, o Sri Lanka e a Namíbia: “A natureza é um
poema, e nós, homens, com nossa arrogância, temos de parar de
pensar que somos a parte mais importante dela – somos apenas uma
sílaba”. (TINOCO, 2006, p. 12)
Um dos expoentes na fotografia da natureza daqui do Brasil, sem sombra de
dúvidas é o santista Araquém Alcântara.
Araquém Alcântara (1951) sobre sua criação diz: “A fotografia pra mim é um
caminho de autoconhecimento. Ela é uma ponte para que eu esteja em sintonia com
o universo. Proporciona-me o encontro, às vezes quase místico. É o encontro com a
beleza”. (TINOCO, 2006, p. 05)
201
O fotógrafo fala que não foi uma opção sua a de fotografar a natureza, foi um
chamado da mesma. Sua vontade de preservação o leva a denunciar os maus-tratos
com a natureza, primeiramente em seu lugar de morada, a cidade de Santos, e
depois em diferentes lugares por todo o Brasil.
Engajado na causa da preservação da natureza, de acordo com Tinoco
(2006), é um dos precursores da fotografia ecológica no Brasil, atuando nesse
campo já no início dos anos setenta. Como outros fotógrafos de natureza, Araquém
fica por dias pacientemente na mata para conseguir uma imagem.
... a fotografia de ecologia, a fotografia de natureza. Cresce a cada dia o
número de adeptos, consequentemente vai crescer o mercado. Todo
fotógrafo de natureza é um conservacionista. Ele luta para a preservação
daquele meio que ele fotografa. Então é interessante que hoje em dia estão
surgindo fotógrafos que são anjos da guarda de determinados santuários.
Eles fotografam aqueles lugares, moram próximo àqueles lugares e atuam
nessa comunidade para a defesa desse espaço. (ALCÂNTARA apud
TINOCO, 2006, p.7)
Muitos fotógrafos pioneiros do Brasil preocupam-se com a questão da
preservação da natureza, utilizando a vocação natural da fotografia para
documentar, exaltar e denunciar. “A expansão da consciência ecológica está
registrada na história da fotografia que cria um repertório visual de enorme valor
documental”. (TINOCO, 2006, p.7)
Para o autor, os primeiros registros naturalísticos da terra do Brasil sejam
aqueles produzidos pelos pintores e desenhistas da comitiva de artistas que, entre
1636 e 1645, período de ocupação dos holandeses no nordeste, permanecem no
Brasil contratados pelo então governador Maurício de Nassau (1604 – 1679). Nessa
produção, destacam-se as paisagens que retratam vistas panorâmicas, portos e
fortificações de Frans Post (1612 - 1680), e os tipos etnográficos e exóticos de Albert
Eckhout (1610 - 1665 )
Posteriormente, no século 19, artistas estrangeiros da missão artística
francesa e os naturalistas visitantes integrantes das expedições científicas,
202
deslumbrados pelo cenário tropical, elaboram paisagens, marinhas e cenas
de costume, sobretudo do Rio de Janeiro, documentando com detalhes
aspectos pitorescos da vida brasileira. (TINOCO, 2006, p.8)
Os fotógrafos estrangeiros começam a chegar ao Brasil a partir de 1850,
estimulados pelo imperador D.Pedro II (1825 – 1891), para realizarem um grande
levantamento paisagístico no Brasil. Destaca-se como o mais importante fotógrafo
brasileiro do século 19, Marc Ferrez (1843 - 1923), carioca de origem francesa.
Fotógrafo da Marinha Imperial e da Comissão Geográfica e Geológica do Império,
Ferrez se especializa na produção de vistas e paisagens, tanto urbanas, quanto da
natureza, tendo percorrido o Brasil a serviço de diversas instituições.
Tinoco (2006), a respeito da condição do fotógrafo de natureza, declara:
Todo fotógrafo de natureza tem como um de seus objetivos a preservação
do local que ele escolhe como temática. Na realidade, ele é um ecologista
por princípio. Ao entrar na mata, pensa e age de forma a não agredir. Por
isso, espera pela melhor hora, pela iluminação perfeita, pelo encontro
contemplativo daquilo que deseja eternizar. (TINOCO, 2006, p. 10)
A riqueza da fauna e flora brasileiras, a exuberância de nossas florestas,
aclamadas até no hino nacional, representam concretamente um rico patrimônio
natural ainda em risco pela presença ameaçadora e devastadora do homem.
São as fotografias de Araquém Alcântara e de outros fotógrafos que nos
revelam a diversidade das formas de vida que habitam os brasis, segundo Tinoco
(2006), para nos lembrar dos laços ecológicos e evolutivos que nos ligam aos
demais integrantes da biosfera. Fotograma a fotograma captado.
203
4.1.2: O Grande “Gnomo” da Juréia
Onde andará
O pequeno grande homem
Que defende a mata e os bichinhos?
Estará atrás das árvores
Ou nadando no Rio Preto
Conversando com as águas
Brincando com passarinho?
Todos o olham, poucos o vêm
Pois é preciso alma livre
Pra ver tão verde menino
Em seu nobre caminho
Não lhe falta a coragem
Pra enfrentar grandes batalhas
Está sempre atormentando
Aquele que lhe atrapalha
Amado pelas crianças
As grandes e as pequeninas
Tem nestas os seus amigos
Que não lhe negam abrigo
204
Gnomo franzino e forte
Não pense que está sozinho
Espalhados em outras matas
Existem muitos verdinhos
Cada um na sua floresta
Defendendo seu ideal
Sonhando um mundo melhor
O que não é utopia
Apenas tão natural
Protegida a Juréia
Ainda há muito que fazer
Pois na sua odisseia
Não é bom esmorecer
Vá em frente gnomo amigo
Não se importe com o inimigo
Está sempre em toda parte;
A vida é sua arte!
Os golpes duros são provas
Da força mais que divina
É o vento forte no ramo
Que enverga, depois empina
205
Continue sua luta santa
Ela não será em vão
Cuide do corpo, morada da alma
Pra poder mostrar com calma
O que muitos inda verão...
Ao Ernesto Zwarg Júnior, De sua filha Maricéa
(Maricéa Zwarg. O gnomo da Juréia. In: Em Conceição de Itanhaém, tem! Itanhaém, 1999)
O amor pela natureza e a preservação dela sempre foi um das grandes lutas
do itanhaense Ernesto Zwarg (1925 – 2009). O cheiro de mar, o seu som e a sua
intensidade estão presentes nos nomes de todos os seus filhos que estão cheios de
mar: Marcelo, Marati, Maricéia, Itamar e Márcio. (FERREIRA, 2008).
Ele foi pioneiro no Brasil e líder do Movimento que combate às usinas
nucleares, sendo a primeira voz a se levantar em defesa da Juréia (Peruíbe – SP),
obtendo o tombamento da Estação Ecológica Juréia-Itatins em julho de 1986. Se
não fosse por ele e movimentos como o do SOS Mata Atlântica, uma das maiores
áreas contínuas dos 7% da Mata Atlântica que ainda restam seriam abrigo de usinas
nucleares. Percebendo que o projeto das usinas estava para se concretizar, realizou
um Foro Ecológico nas Ruínas do Abarebebê, em Peruíbe. Muita gente compareceu
inclusive autoridades nacionais e internacionais. O professor expôs os problemas
que trariam as usinas e conseguiu impedir a construção delas pela Nuclebrás.
Lutador, não poupou esforços para defender a natureza e suas belezas não
se de Itanhaém. Vestido de pirata, Zwarg alugou um barco e com autoridades e
simpatizantes a bordo montou uma cena teatral conseguindo devolver as praias aos
banhistas de Cananéia. Temos a grande luta de Zwarg na luta pela preservação do
morro Sapucaetava e se não fosse por ele, a nossa Praia do Sonho estaria repleta
206
de edifícios projetados sem rede de esgoto; é dele o mérito de ter ganhado a
primeira ação popular do mundo contra prédios. (FERREIRA, 2008)
Ernesto é um andarilho por natureza, organizando caminhadas pela Juréia foi
contagiando e despertando o amor pelo “chão” de muitas pessoas que se juntavam
a ele – eram amigos, alunos, ex-alunos, curiosos, estudantes universitários e
jornalistas. Zwarg nos orienta: “(...) sem paisagem, o homem é agredido. Todo ser
humano sofre, sendo contido. Sofre claustrofobia, porque nasceu nômade, nasceu
para ver horizontes, e não para viver preso em concreto. Sofre de stress, e não sabe
que a sua origem está na privação da paisagem.” (FERREIRA, 2008, p. 115)
Como andarilho, vindo de cá para lá nas suas andanças era recebido com
carinho pelo povo caiçara, povo simples e hospitaleiro. O comportamento afável e
carinhoso até com os estranhos que são sempre bem recebidos nas casas caiçaras
partilhando do que comer serviu de inspiração para que Zwarg criasse essa música:
(Indo a pé pra Iguape)
... nóis tamo indo pra Iguape,
nóis tamo indo a pé,
na casa do caiçara nóis vamo pedi café...
Pois é!
Lá no Grajaúna
Na ilha da Esperança
Na praia do Rio Verde
A maré tava baixando
Subindo - baixando
Subindo - baixando
Subindo – baixando
207
... nóis tamo indo pra Iguape,
(...)
Eu vou dançar fandango
Em Uma do prelado
Siri anda de costa
Ou será que anda de lado
De costa – de lado
De costa – de lado
De costa – de lado
...nóis tamo indo pra Iguape,
(...)
A beleza da Juréia
Há nada se compara
Vou descansar meu corpo
Na barra do Icapara
Anda – para
Anda – para
Anda – para
(...)
(Ernesto Zwarg. Indo pra Iguape. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)
208
4.2: Amazônia Paulista
Rio Itanhaém!
Nasceste da junção de dois rios
Branco e Preto.
Vieste vindo vagarosamente
complementando a beleza da natureza...
Enveredaste por caminhos da Mata Atlântica,
pelos mangues, num sem fim de águas... natural
desta terra secular!
Levas a alegria, a recreação e o alimento
por onde passas...
És a beleza e o orgulho
desta terra bendita
pois, dela herdaste o nome!
(Cely Aparecida Faria Spina. Rio Itanhaém. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)
A Baia do Rio Ribeira de Iguape e o Litoral Sul compõem a região dos
Estados de São Paulo e Paraná mais privilegiada pelas belezas que a natureza
pode oferecer. (FERREIRA, 2008)
Ao redor da nossa cidade há uma vasta porção de Mata Atlântica que pode
ser vista por terra e água. São cerca de 2000 km de rios (entre navegáveis, não
navegáveis) Os rios que nascem na serra vão “correndo” com velocidade
percorrendo caminhos de pedras. São borbulhantes e barulhentos e às vezes
formam cachoeiras e quedas, mas quando chegam à baixada, os rios ficam
silenciosos. Vão deslizando devagarinho pelo meio da mata e a transformação
acontece também com sua cor – é mais escura por causa da grande quantidade de
matéria vegetal que se decompõe na água, por isso o fundo dos rios pode ser
lodoso.
Itanhaém antigamente era praticamente uma população ribeirinha. O Rio
sempre foi seu principal veículo. Pelas duas margens do rio: Suarão, a Vila, O Bairro
209
do Poço, Camboriú, O Bairro do Rio Acima, essa gente vinha para as festas da “Vila”
com suas embarcações chegando a cidade no raiar do dia. Todas as famílias tinham
as suas canoas naquele tempo. (FERREIRA, 2008)
Fig.80: Rio Branco. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012
O Rio Branco é um dos afluentes principais do Rio Itanhaém. Ele também é
nosso responsável pelo abastecimento de água potável para a cidade. Branco
(2005) nos descreve o Rio Branco com suas águas claras, pois descem das
cachoeiras da Serra do Mar, onde nosso município faz divisa com São Paulo e São
Vicente, margeando a aldeia dos índios Guarani. O Rio Branco é um dos principais
formadores do Rio Itanhaém. Ele banha terras agrícolas produtoras de banana onde
antes imperavam os arrozais japoneses. De acordo com Branco (2005), os mais
antigos contam que este é um rio de poços profundos onde se escondem os
grandes robalos. “Quando o caiçara abandonou a linha da praia pela pressão
imobiliária foi se refugiar nessas terras, vivendo em sítios de encosta, trabalhando
de assalariado agrícola, cultivando de tudo um pouco.” (BRANCO, 2005, p.81) A
Figura 80 é uma tomada do Rio Branco quando este passa pela Fazenda Mambu, a
qual ao ser redor possui uma bela porção da Mata Atlântica preservada,
surpreendente em cada detalhe. Num dia de céu límpido pude fotografá-lo e
210
eternizar seu belo espelho d`água que tenho guardado em minha mente desde a
infância, quando íamos aos sítios próximos à Fazenda Mambu visitar amigos. Suas
límpidas e gélidas águas, sempre puras e frescas jamais sairão de minhas
lembranças.
Já o Rio Preto, outro afluente do Rio Itanhaém nasce na região das lamas
negras cujos componentes orgânicos são hidratantes naturais. Suas águas são as
responsáveis pelo tom cinzento do mar de Itanhaém quando baixa a maré. A Figura
81 mostra-nos uma porção do Rio em contato com a grande floresta retorcida, os
manguezais, os quais proporcionam a diversidade e riqueza biológica lá existente. A
ondulação das águas captado nesta imagem é devido aos motores dos dois barcos
que participaram da procissão pelo rio rumo ao bairro do Rio Acima, para celebrar a
Festa do Divino.
Em contato com o mar e localizadas onde o rio se expande encontramos
nosso manguezal com suas águas salobras que é inundada pela maré duas vezes
ao dia. Neste local se desenvolve uma vegetação típica do litoral: são bosques de
árvores retorcidas que crescem em terreno de solo negro e lamacento. (FIGURA 82)
Fig.81: Floresta Retorcida. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012
211
Fig.82: Rio Preto. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012
Já o Rio Itanhaém, formado pelo encontro do Rio Preto e Rio Branco,
atravessa a cidade e seu maior atrativo é o encontro das águas com o mar, que
chamamos “Boca da Barra”. No local há duas esculturas representando dois
pescadores locais já falecidos, os quais estão representando suas antigas
atividades: um está numa canoa e o outro, segurando sua rede artesanal. Ambos
foram esculpidos por Ronaldo Lopes (1953), artista plástico local.
O pescador representado na canoa chamava-se Paulo Leandro de Lima
(1915 – 2001), mas era conhecido por seu apelido “Pica-pau”. Natural de Iguape
buscou seu sustento e o de sua família nas águas do Rio Itanhaém, em sua piroga
(pequena canoa de origem indígena) através da pesca artesanal com suas redes e
cercos através do Rio.
Busquei na Figura 83 representar o momento decisivo de um pescador
artesanal: a alvorada, aonde este vai ao encontro de seu grande provedor: o Rio. Os
tons dourados do nascer do sol neste instante proporcionou a imagem um toque
etéreo, onde o Rio e Céu fundem-se, comungam da mesma riqueza de cores e
luzes. O fotógrafo português João Evangelista, a respeito desta imagem declara:
212
Com o enquadramento mais fechado, o olhar se concentra naturalmente
mais sobre a figura do homem!...E como na foto anterior o facto de ele
navegar em terra deu um toque especial à sua foto!...Bem visto a integração
da estátua na paisagem circundante, pois muitos teriam captado só a
escultura como sendo uma curiosidade local!!!!!...Uma simples atracção
turística!!!....A palmeira e a colina no lado oposto fecham visualmente a foto
o que ajuda a concentrar melhor o olhar do observador na área de mais
interesse da imagem!!!
Aqui também você soube captar a transição entre o mundo das sombras e o
mundo da luz, com o espelho do rio como que fazendo a ligação entre os
dois!!!!
Bem visto e parabéns Thais!!!
PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 30. Jun. 2012.
Fig.83: Amanhecer sob a Boca da Barra. Foto de Thais Oliveira Silva.01. Abr. 2012
Na Figura 84 busquei concretizar algo que eu havia tentado diversas vezes
quando iniciei minha poética visual, em Dezembro de 2011: captar a estátua do
213
“Pica-pau” com o rio ao fundo, de modo que desse a impressão de que a mesma
estivesse sob as águas do rio, rumo ao Rio Itanhaém. Porém, apenas em Julho de
2012 obtive uma imagem satisfatória a mim, pois neste dia, além da experiência
adquirida nestes meses percorridos, também me foi favorável à condição climática
deste dia, um belíssimo tom de azul tomou conta de nosso céu, de nossas águas.
Infelizmente o que vemos nesta estátua não é nada admirável: se repararmos
atentamente nas mãos dele, nós percebemos que está faltando seus dedos, obra de
algum vândalo.
Ao conversar com o escultor local, Ronaldo Lopes (1953-), percebi sua
tristeza ao mencionar o fato da depredação de suas obras. Esta estátua que vemos
é a segunda produção do artista, já que a primeira encontra-se em seu atelier,
destruída por baderneiros que, provavelmente acreditaram que eram feiras de
bronze puro e quiseram vender suas partes, porém, ao questionar o artista sobre
seu processo de criação, suas estátuas têm estruturas de ferro, e são de resina,
pontadas posteriormente de tinta spray bronzeadas. Não há nada do tão desejado
bronze, metal que se cair em certas mãos apenas será vendido em ferros velhos,
sem a simples reflexão da validade da obra artística para a população em geral. É
necessária a difusão da Educação Patrimonial, o sentido de pertencimento à
sociedade, o interesse e reconhecimento pela nossa cultura. Quando isto acontecer
não haverá mais tanto desrespeito e desconhecimento por suas origens.
Na Figura 85, temos outra escultura de Ronaldo Lopes, a qual foi depredada
também em suas mãos, as quais estão segurando, desde então precariamente, sua
rede artesanal.
A escultura representa o antigo pescador artesanal José Rodrigues (1914 –
2002), conhecido como Zeca Poitena. Registrei a Figura 85 a manhã de um dia
ensolarado. As sombras alongadas á direita indicam que o sol ainda está
levantando-se, proporcionando a cena luzes pontuadas, onde, entre outros
elementos da cena, as pernas da escultura neste momento estão recebendo mais
luz do que seu tronco e membros superiores. Assim como o pescador “Pica-pau”,
Zeca Poitena também levava sua vida em harmonia com este local, como todo
caiçara possuía sua pele retorcida pelo sol, pela maresia do ar e da água, tendo
214
infinita sabedoria caiçara, a qual permitia a estes homens simples conhecerem tão
bem nossas águas, analisar as condições de pesca através das fases lunares, do
movimento das nuvens, dos pássaros e da ressaca do mar.
Fig.84: Navegando Eternamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jul. 2012
Fig.85: O Rio lhes dava seu suprimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012
215
Quando desenvolvemos harmonia com o local em que vivemos, elevamo-nos,
tornamo-nos melhores do que éramos ou podíamos ser, a natureza é sábia, se
dermos atenção a ela, sempre teremos valiosíssimas lições a tirar.
Minha grande paixão sempre foi observar o espelho d` água, meu querido Rio
Itanhaém é um grande prazer, sentir a mudança do céu, acinzentado em dias
nublados e chuvosos, e saborear o intenso azul de um céu límpido. Tudo sempre
refletido em nossas águas.
Em Janeiro de 2012, observei o quanto as águas do Rio Itanhaém estavam
tranquilas, suaves, por este motivo, pude registrar no dia três deste mês, a imagem
da Figura 86, a qual só se é possível tão espelho d`água quando as águas estão
estáticas, como estavam neste dia. Seu percurso entre o mangue é de perder de
vista. A captação foi tomada do alto da ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega.
Fig.86: Espelho d`água. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2011.
Já a Figura 87 tem a imagem das águas turbulentas devido à aproximação do
mar, pois estamos na Boca da Barra, centro de Itanhaém, encontros das águas
doces e salgadas, e também pela ondulação causada por esta embarcação que está
216
rumando ao mar pela manhã, movimento este seguido por inúmeras embarcações, a
motor ou não ao mar pela manhã, em que pude observar durante meus trilhares.
Aqui funciona bem este tipo de enquadramento, com o barco bem no centro
como que para servir de ponto de apoio a quem fica estonteado com esta
inclinação!
Bem visto Thais e navegando tão perto da praia, parece que o barco está
navegando na fronteira entre o mundo terreno sempre imóvel e estático e o
mundo espiritual representado pela água em constante movimento e cujos
reflexos são tão efémeros como um piscar de olhos!...São sempre
diferentes e por isso acaba por acontecer muitos mais que na paisagem lá
ao fundo!...Basta ficar olhando!
Parabéns Thais!!!
(IPEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em: 12. Abr. 2012)
Fig.87: Rumo ao Mar aberto. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012
217
4.2.1: Pescadores Remanescentes caiçaras
Para o caiçara o rio é tudo – é a principal estrada por onde ele
navega, é o caminho que leva ao porto, à vila mais próxima ou ao mar
quando é preciso jogar uma rede; pelo rio eu os visitantes chegam e se vão,
as lembranças e as notícias, as saudades. O caiçara vive no rio e do rio.
(BRANCO, 2005, p. 83)
Anteriormente tratamos a respeito de dois pescadores caiçaras, os quais
foram eternizados em esculturas na beira da Boca da Barra. Entretanto há tantos
outros espalhados pela cidade, pescadores que herdaram costumes e técnicas de
outrora, técnicas centenárias através de nossos rios e nossas praias.
A faixa de areia que se estende do Boqueirão (Praia Grande) a Itanhaém,
com seus ininterruptos quarenta quilômetros até desembocar no Rio Itanhaém é
denominada Praia Grande. Segundo as descrições de Branco (2005), é uma
extensa praia de mar aberto, onde não existem baías, recôncavos, costões rochosos
ou qualquer proteção contra o vento e as marés. Neste ambiente, segundo Branco
(2005), originaram-se as primeiras comunidades caiçaras de Itanhaém. Estas que
seus pescadores eram do mar e do rio, vivendo atrás de suas dunas, alimentando-
se do que o jundu e a restinga forneciam, lutando contra a arrebentação e a forte
correnteza do canal que dificulta, ainda hoje, a saída das embarcações ao mar. Há
pesca no mar, com o auxílio das redes, próxima da rebentação, mas o nosso mar
não é tão “produtivo como aquele das mansas baías do litoral norte.” (BRANCO,
2005, p. 31).
No município de Itanhaém temos relatos de comunidades caiçaras
construídas tanto em praias de mar aberto como em praias de rio: o acesso
às águas estivera sempre garantido. Até metade do século XX algumas
poucas famílias caiçaras residiam na Praia Itaquanduva (hoje Praia da
Saudade), no sopé do Morro Sapucaetava. Este local é uma praia de rio, na
desembocadura do Rio Itanhaém.
218
A comunidade itanhaense se espalhava em aglomerados esparsos, pelas
duas margens do rio: Suarão, O Bairro do Poço, Camboriú, O Bairro do Rio
Acima. Na Vila dos caiçaras, preferencialmente fixavam suas residências no
caminho do Guaraú e próximo ao Porto do Baixio. Ainda hoje estes portos
são ativos, locais de residência e venda de peixe fresco. (BRANCO, 2005,
p. 32)
No Bairro do Rio Acima está localizada e preservada uma das mais antigas
comunidades caiçaras de Itanhaém.
De acordo com Branco (2005), o mar do litoral sul é aberto, de amplas praias
com ressaca forte, não sendo tão receptivo nem tão aconchegante para os caiçaras
quanto as baías do litoral norte. Neste mar aberto, onde o canal predomina e as
correntezas puxam para o largo, muito além da arrebentação, o caiçara pescador
sempre teve dificuldade em avançar. Estes homens, descendentes dos destemidos
navegantes lusitanos e como bons indígenas que são, preferem ficar mais perto da
costa, na segurança da terra firme.
Tanto no rio, quanto no mar a pesca se fazia com o auxílio da canoa de um
pau só, embarcação instável, porém valente ao enfrentar o mar bravio. A técnica de
construção destas canoas originou-se de duas vertentes: a indígena, onde se utiliza
apenas um único tronco em que é entalhada a canoa e o aperfeiçoamento vindo das
noções portuguesas em construção naval.
Branco (2005) observa que este tipo de embarcação não é adequado para o
mar forte, pois não possui quilha, sendo mais indicada para as águas tranquilas do
rio, onde mantém um vogar suave. Ainda hoje os pescadores locais a utilizam,
porém foi-lhe acrescida uma ampla borda talhada e de meia quilha falsa que, com o
auxílio do motor central, fazem toda a pesca artesanal no litoral sul paulista.
O motor central foi incorporado à canoa por volta de 1940 e 1950 para então
conseguir sobreviver à nova lei de mercado – era preciso pescar cada vez mais,
muito mais além do que a comunidade precisava. Assim, as canoas sendo maiores
e motorizadas, poderiam ir mais longe, mar adentro em busca de cardumes.
Utilizavam a canoa de voga, onde oito remadores se sentavam de costas para o
219
sentido do movimento, os remos presos em cavilhas metálicas nas bordas, remando
cadencialmente sob o comando do timoneiro. Estas canoas maiores eram utilizadas
para pesca de lanço de rede, a pesca de arrastão.
Ao avistar um grande número de cardume perto da praia saíam os
pescadores em suas grandes canoas de um pau só para lançarem suas redes, com
nos descreve Branco (2005). Utilizavam grandes redes de arrasto com centenas de
metros de extensão, tecidas em fibra de algodão muito resistente. Eram redes
bastante longas com as quais os barcos cercavam o cardume. Então com o
cardume já preso, voltavam para a praia e os homens da terra ajudavam, puxando
as pesadas redes para a areia, apenas com a força de seus braços. O peixe maior,
mais valioso seguia para Santos, como ainda informa a autora; os pequenos eram
distribuídos entre os pescadores e a comunidade.
Fig.88: Praia dos Pescadores. Foto de Thais Oliveira. 20. Abr. 2012
A Figura 88 registra o exato momento em que uma canoa de voga está com
seus pescadores preparando-se para partir. Numa manhã nublada, saíram em
busca de cardumes em alto mar. O carrinho em primeiro plano pertenceu a uma
canoa que partiu momentos antes. Como pude observar neste período em que os
220
fotografei a cada determinado período parte-se uma canoa, eles não saem ao
mesmo tempo.
No mesmo dia visitei o Porto do Baixio no qual pude observar a rotina dos
pescadores. Na Figura 89 registrei o momento em que um dos três homens está
pintando uma faixa vermelha em seu barco de pesca. Os bascos de pesca daqui,
em sua maioria, são brancos com faixas vermelhas. Logo mais esta embarcação
estará em alto mar. Em certos períodos algo belo ocorre durante o dia: diversos
pontos espalham-se pela linha do horizonte. Estes pontos são diversos barcos
locais, inúmeros em frente á Praia do Centro. Em certas noites também é possível
vê-los e certamente a vista torna-se ainda mais bela: pontos de luz no infinito breu
que se torna o mar durante a noite. Da terra firme sempre desejo que eles voltem
com bons resultados.
Fig.89: Preparações. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Em mais uma bela tarde de verão fui até o Porto do Guaraú a fim de
fotografar o local. Quem dera se a imagem também fosse capaz de registrar tudo o
que os demais sentidos captam, porém a fotografia é apenas capaz de captar o que
a visão retém, pois se fosse capaz de reter o olfato, certamente a imagem da Figura
221
90 exalaria um odor característico, um misto de odor de peixe, de maresia, de
mariscos. Se o leitor encarou esta última sentença como algo ruim, errou. Para mim
este odor é bom, me faz lembrar-se de quando íamos a este bairro quando criança
com minha avó. Este cheiro me lembra a antiga Vila de Itanhaém. O Porto do
Guaraú sempre foi um local muito procurado, tanto pelos turistas, quanto pelos
pescadores em geral, os que pescam por prazer e os que pescam por
sobrevivência. O pescador da Figura 90 é uma incógnita a mim: não sei se está
pescando por um simples prazer ou a trabalho. Certamente não para ser vendido, já
que uma simples pesca com vara não iria render muitos peixes. Geralmente os
pescadores profissionais utilizam redes a fim de obter um maior número de peixes.
Este homem me transmitiu calma, não havia a urgência de obter mais e mais peixes.
Não. Ele estava simplesmente em harmonia com o local, sentindo tudo a ser redor
com atenção. O belo tom de azul é resultado da captação no final de tarde.
Fig.90: Calmaria. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012
Em minhas observações pela cidade, percebi o quanto da cultura caiçara
ainda é mantido por muitos pescadores daqui. Em meus registros certamente
apareceram turistas amadores, em que naquele momento estavam pescando por
prazer, mas boa parte dos que registrei, o fazem por sua sobrevivência.
222
Fig.91: Pesca sob a fina Garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012
Na Figura 91 temos no primeiro plano a imagem de dois pescadores em uma
canoa tipicamente caiçara. Ao fundo vê-se uma lancha motorizada, vinda do mar, já
que estamos na Alameda Emídio de Souza, com vista para a Boca da Barra, sem
com que a fúria desta sob as águas frias deste dia venha atrapalhar a labuta destes
homens determinados. O próprio clima do dia, com toda esta atmosfera carregada,
devido à garoa constante do dia, resultou numa imagem nostálgica, em memória a
todos os pescadores artesanais que por ai já passaram.
A Figura 92 foi conseguida através de um dia nublado no Porto do Baixio,
quando esta embarcação passava velozmente rumo ao mar. Em primeiro plano
vemos parte de outro barco parado, pois quis incorporar as partes deste, a fim de
que tivéssemos a impressão de dois barcos cumprimentando-se, desejando boa
pesca um ao outro. O belo e discreto reflexo da embarcação o acompanha
silenciosamente.
223
Fig.92: Badejo I sob o Rio Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva 09. Dez. 2011
Fig.93: Liberdade abaixo da Modernidade. Foto de Thais Oliveira Silva.05. Jul. 2012
224
Fig. 94: Liberdade Abaixo da Modernidade II. Foto de Thais Oliveira Silva 05 de Jul. 2012
As Figuras 93 e 94 foram obtidas numa bela manhã de inverno, a qual estava
atípica, com um intenso e acolhedor sol desde cedo. Fui até o Guaraú para
fotografá-lo novamente poiso local é um de meus temas preferidos. No mês de
Janeiro fui fotografá-lo, mas para meu desapontamento, ao chegar estava com o
tempo nublado, escuro. Registrei a cena, pois era significativa: um barco em baixo
da ponte com um nome bem sugestivo: Liberdade . A partir disto fiz a correlação
entre o local em que estava: sob a Ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, que
iniciou sua construção na década de sessenta, possibilitando ainda mais a chegada
de mais turistas, restringindo paulatinamente a liberdade dos caiçaras, com suas
lanchas motorizadas, jet-skis, e a tal especulação imobiliária cada vez mais
agressiva. Desde tal encontro, em Janeiro, demorei seis meses para enfim
encontrar-me com o “Liberdade”. Nesta manhã lá estava a embarcação sob as
sombras da ponte, envolto em belíssimas cores matutinas. O fotógrafo João
Evangelista percebe a relação entre as formas orgânicas e geométricas desta
imagem:
Esta foto e a seguinte, são dos seus melhores exemplos de uma
combinação de paisagem natural com paisagem "geométrica"!!!...onde pelo
225
facto da leitura objectiva ser estranha, devido à inclinação da foto, ou
melhor do assunto pois a foto está direita, o observador se refugia numa
leitura subjectiva e consequentemente mais abstracta!!!...e estas formas
artificiais por não pertencerem ao mundo natural que mais difícil de abstrair,
facilita a redução da foto a linhas e formas subjectivas!!!!...e aí a sua
imaginação desperta e vê muito mais do que aquilo que a leitura objectiva
costuma permitir!!!!
Bem visto e parabéns Thais!!!
E fez muito bem em voltar para captar esta luz que destaca ainda mais a
força destas linhas e com este jogo de sombras e luz surgem novas formas
geométricas que num dia nublado não existem dando mais interesse á sua
foto!!!...infelizmente muitas pessoas se contentam com uma luz "fraquinha"
e acham que já basta!!!
Seu olhar está cada vez mais apurado sim senhora e sendo num tipo de
foto invulgar dá ainda mais mérito à sua pesquisa!!!!... as zonas iluminadas,
por estarem "presas" entre duas áreas de sombra parecem brilhar ainda
mais!!!
Mais uma vez parabéns Thais!!!
PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 07. Jun. 2012.
Muitas vezes meu coração dói ao pensar na possibilidade de os mais jovens
renegarem a cultura e, com a morte dos mais velhos, houver também a partida da
cultura caiçara, porém meu coração alegra-se novamente, pois nossos pescadores
muitas vezes levam seus filhos aos domingos para ensiná-los tal cultura. Diversas
vezes encontrei e registrei crianças manejando precisamente suas varas. E o
melhor: há o prazer neste momento, eles o vivenciam por amor. (FIGURA 95)
226
Fig.95: A Cultura Caiçara não Morrerá! Foto de Thais Oliveira Silva 04. Mar. 2012
4.3: Animais “itanhaenses”
Os gatos tem um jeito
De caminhar em minha alma
Como se minha alma fosse
Um tapete encantado,
Um tapete de lua
Ou uma ponte sobre
Um rio dourado.
(Roseana Murray. In: Luna, Merlin e outros habitantes. Belo Horizonte, Miguilim, 2002)
Para compor a série fotográfica dos “animais itanhaenses”, caminhei por
diversos bairros durante as férias de janeiro para acompanhar a diversidade dos
227
locais, população e seus animais. Percebi que onde quer que eu fosse sempre
encontrava algum animal doméstico passeando pela casa ou quintal, ou, no caso de
gatos, debruçados na janela, sonhadores, preguiçosamente. De herança caiçara
(BRANCO, 2005), encontrei diversas casas nas áreas periféricas em que havia
criações de galinha, cavalos, enfim, toda sorte de animais oriundos de áreas rurais.
Nas fazendas e chácaras mais afastadas, próximas à Serra do Mar, existem famílias
que criam animais selvagens, não para prendê-los, mas os alimenta, convive com
eles e estes são livres, indo e voltando sempre.
Os inseparáveis cães estão tanto nas áreas urbanas, quanto nas áreas rurais
e periféricas. Deitados na soleira da porta, passeando pelas ruas, latindo para quem
passar, brincando com o que estiver em sua frente, embrenhando-se no mato em
busca de sei lá o quê. (FIGURA 97) Houve cães, que encontrei em meus trilhares
que ousavam aventurarem-se até mesmo na praia e os mais ousados entravam no
mar, acompanhados por outros cães ou sós. A felicidade destes era contagiante,
quando nossa cidade está na época em que há pouco ou nenhum turista, as praias
desertas são os locais mais procurados pelos animais “itanhaenses”(FIGURA 96).
Fig.96: A Praia é só nossa! Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012
228
Fig.97: Há pouco estive embrenhado no mato, caçando. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012
Existem também muitos animais na cidade sem dono, mas estes sabem
cuidar de si mesmos, apesar de todas as dificuldades que passam.
Há um cachorro que vive na Orla da Praia do Sonho exatamente: não no
sentido de ir sempre lá, ele mora na praia. Tem um imenso quintal de areia só para
ele cavar o quanto quiser, é um animal adorável que gosta de ficar no calçamento da
Orla, observando atentamente quem passa, com ares de sonhador. Muitos já
tentaram levá-lo consigo, entretanto ele volta, gosta mesmo é da liberdade que a
praia lhe oferece. Os guarda-vidas os alimentam e o protegem dos dias de chuva.
Deram-lhe o nome de Pirata, muito sugestivo, já que este também é apaixonado
pelo mar e pela liberdade. Na Figura 98 vê-se o registro que fiz numa tarde nublada
e solitária. O muro o qual está recostado é o da Orla da Praia do Sonho, o tempo
estava bem frio neste dia, mas ele não estava incomodado nem um pouco. Seu
olhar estava fixo nas ondas do mar à sua frente.
229
Fig. 98: Liberdade, apenas liberdade. Foto: Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012
Fig.99: O Jantar está na Mesa! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012
Em meus trilhares houve diversos encontros com as aves também. Porém
meus registros captaram os urubus e as gaivotas, os quais disputam intensamente a
orla da Praia. No caso dos urubus, obviamente estão interessados nos peixes
putrificados que a maré traz para a praia. Na Figura 99 vemos um urubu e seu jantar
230
sob os olhares de muita gente, já que ainda estamos no mês das férias e os turistas
a moradores ainda frequentam constantemente a praia. Ele não está nem um pouco
interessado com os transeuntes, seu jantar lhe parece apetitoso demais para que
possa ser abandonado pelo medo das pessoas. Algo curioso foi captado nesta
imagem. O reflexo do animal sob a areia úmida forma a imagem de um pássaro
ambíguo: tem-se a impressão de haver duas cabeças, dando então para formar uma
figura de urubu tanto pela esquerda, quanto pela direita.
Já as gaivotas, estas são avistadas sempre em bando. Seu local preferido é a
Praia dos Pescadores, onde esperam quase que com segurando garfo e faca o
retorno dos barcos de pesca. Quando avistam as canoas voltando à praia há uma
efervescente revoada sobre os pescadores, os recebem como os cães a seus
donos. Na Figura 100 temos a imagem de um grupo de gaivotas voltadas para o sol,
de costas para o mar. Elas sabem que não é preciso ficar de frente para as águas, já
que acabaram de se despedir de seus queridos pescadores. Neste momento o que
elas estão procurando é apenas receber os raios solares por todo seu corpo. A
Figura 101 é o registro do momento em que consegui chegar um pouco mais perto
delas sem que saíssem voando. Com minha aproximação elas começam a fugirem,
olhando-me zangadas, já que eu estava atrapalhando o banho de sol delas.
Fig.100: Lugar ao Sol I. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
231
Fig.101: Lugar ao Sol II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Como em minha poética visual não falar dos gatos? Eles me acompanham
desde que vim morar nesta cidade, com quatro anos de idade. Sempre os amei.
Gostava de nomeá-los, senti-los bem perto de mim, apesar das ordens expressas da
minha mãe e do médico para me afastar deles devido meus problemas respiratórios,
mas eu nunca consegui ficar longe deles. Meus hoje em dia, não morando mais em
casa térrea, gosto de andar pela cidade “caçando” gatos, adotando-os nem que seja
apenas por ínfimos instantes. Não sei de onde vem esta atração, se é a leveza tão
bela de seu caminhar, em que parecem estar sempre andando em fios invisíveis,
lindíssimos equilibristas, se é sua atitude não bajuladora, como a dos cães, os gatos
são livres, independentes, mas nem por isso deixam de serem carinhosos tão
amáveis eram os gatos de minha infância, que, ao perceber que estava triste,
achegavam-se a mim, me conheciam de cor e salteado, ficavam tão próximos,
olhando-me profundamente, me aconselhando silenciosamente, com uma paciência
infinita, me contando histórias do mundo dos gatos, aos poucos me ensinando a ser
como eles.
Eu poderia ter sido imparcial e distribuído igualmente as fotografias em
números idênticos aos cães, aos gatos e aos demais animais que apareceram em
232
meus trilhares, mas é impossível, bem como Martins (2008) trata, não há como
fotografar e ser imparcial, a imagem sempre irá te “denunciar”, mostrando quem é
você, o que você ama. E é isto o que amo: não há como evitá-los.
A Alameda Emídio de Souza é um lugar fascinante. Situada próxima à Boca
da Barra, aonde o Rio vem desaguar no mar, o local, encontrado no bairro da Praia
dos Pescadores é sempre procurado por pescadores, amadores ou profissionais;
artesanais ou com aparelhos sofisticados para a pesca e claro: uma infinidade de
gatos. Não digo que eles também são pescadores, nem precisam, pescam com seu
charme e insistência, rodeando os pescadores a qualquer hora do dia e da noite.
Ganham sempre os peixes menores que estes pescam. Gatos que saboreiam
intensamente sua liberdade, chamando atenção dos transeuntes para a harmonia
entre eles e os pescadores. Quando passo por lá percebo o entendimento silencioso
entre eles, é um momento admirável.
Fig. 102: O olhar. Foto: Thais Oliveira Silva. 04. Dez. 2011
Neste local ocorreram minhas primeiras fotografias e qual não será a surpresa
do leitor ao saber que minha primeira fotografia para esta série direcionada ao
registro de Itanhaém, no dia 02 de dezembro de 2011, foi uma gata preta que
233
sempre brinca comigo de “esconde-esconde”. É extremamente arisca, não se deixa
enganar, bajular, mas está sempre a me observar minha lente da câmera
fotográfica.
A Figura 102 mostra a felina me observando com um misto de curiosidade e
medo. Gosto de este olhar, ele é profundo, eu poderia mergulhar nele sem nunca
esquadrinhar todos seus segredos. A beleza desta felina, para mim, encontra-se no
contraste de seus belos pelos negros e seus vivos olhos amarelos.
Eu poderia escrever páginas e páginas de meus encontros e despedidas com
os felinos que encontrei pela cidade, cada qual com uma linda história para me
contar, cada qual com um diferente olhar, as como não é possível, restrinjo-me
apenas a declarar que foram muitos encontros, em diversos e inusitados locais.
Houve o encontro com a gata sentinela dos Casarios do Centro Histórico da cidade,
em que tive de me abaixar para registrá-la embaixo de um carro, tímida, misteriosa.
A felina sabe como vigiar as casas centenárias com seus grandes e encantadores
olhos cor de caramelo e seu macio pelo da cor de neblina
Minha relação com a felina envolveu muita paciência de minha parte, já que
para conseguir a atenção e a simpatia de um gato é preciso muito tempo. Na Figura
103 a gatinha ao ver minha aproximação pulou do muro dos casarios, a qual estava
postada e escondeu-se embaixo de um carro estacionado. Abaixei-me para
fotografá-la e fui recebida com este meio metro de língua para fora.
Os gatos são animais independentes e algumas vezes possuem uma pitada
de arrogância, porém quando conseguimos ganhar sua confiança tornam-se dóceis,
atenciosos, travando conosco longas conversas telepáticas, quando insistem em
encarar-nos por um longo tempo. Na Figura 104 consegui com que ela saísse
debaixo do carro, mas ainda havia desconfiança no ar. Fui paciente até que a bela
felina ficasse a vontade comigo, demonstrando todo carinho peculiar de um gato.
Finalmente registrei o momento da entrega do animal, onde esta estava totalmente à
vontade com minha presença. (FIGURA 105)
234
Fig.103: Miss. Simpatia. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012
Fig.104: Persistente Desconfiança. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mr. 2012
235
Fig.105: Êxtase Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012
Na Figura 106 está registrada uma bela gatinha que acredita que a folhagem
do vaso da porta de minha casa pode escondê-la. Sua mãe, uma gata preta que
cuidamos, dando-lhe sempre carinho e comida levou seus três filhotes para a porta
de nosso apartamento numa madrugada. Certamente seguiu o raciocínio: se eles
são bondosos comigo, certamente o serão com minhas belíssimas filhas. Porém não
tínhamos mais pretensão de ter animais em casa, as demais gatinhas desistiram,
voltando de onde vieram, mas esta foi persistente. Diversas vezes que eu abria a
porta lá estava ela, “camuflada”, certamente pensando: “só um descuido dela e eu
entro e me escondo no guarda-roupa”, como tentou várias vezes. Porém numa tarde
as gatinhas filhotes sumiram. Espero que elas estejam bem, esta era tão sagaz,
conseguindo até mesmo caçar pombos no estacionamento. Os gatos são peritos na
arte do desaparecimento.
236
Fig.106: Esconde-esconde. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Mai. 2012
Augusto era o gato de minha falecida avó. Quando eu ainda morava com ela,
o felino mostrava-se sempre inalcançável, não gostando de colo ou qualquer tipo de
agrados, sua paixão era sair pelo mundo e voltar dias depois, enfim, um gato
boêmio. No dia 04 de janeiro de 2012, em que o registrei, ele estava deprimido,
imóvel em cima da caixa de luz, observando a rua. (FIGURA 107) Foi a primeira vez
que pude passar a mão em seu macio pelo, sem que me custasse um belo arranhão
no braço. Neste dia Augusto aproveitou cada segundo de carinho que estava
recebendo e, em retribuição, como se pressentisse, fez belas poses para minha
lente, como se estas imagens fossem seu pedido de desculpa por tanto tempo de
discórdia entre nós.
Na Figura 108 está registrada uma das poses mais frequentes do gato
Augusto. Por alguns dias ele tornou-se uma espécie de sentinela, estava muito
atento a quem quer que passe, seus olhos focavam apenas a rua. Acredito que ele
daria tudo para rever minha avó.
237
Fig.107: Deprimido. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012
Fig.108: Á espera de quem não irá retornar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012
Aprecio a composição da Figura 109, pois é como se o Augusto estivesse
sentindo a instabilidade da composição em diagonal e divertindo-se com ela,
aproveitando a adrenalina motivada pela inclinação do enquadramento, tendo seu
“mundo inteiro” fotografado. Já que por um longo período aquele era o único lugar
238
em que ele ficava, esperando minha avó regressar, passou dias em vigília, mas
após uma longa espera, ele desistiu, percebendo que para onde ela foi não poderia
mais voltar.
Fig. 109: Na Instabilidade do diagonal. Foto: Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012
Fig.110: Por favor, não me siga! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Abr. 2012
239
O gato da Figura 110 é um dentre os tantos que povoam a Alameda Emídio
de Souza, a qual está ancorada alguns barcos e é frequentada diariamente por
pescadores na Boca da Barra. É um animal extremamente arisco que acredito que
eu levaria uns mil anos até que ele estivesse afetuoso comigo. Na cena registrada,
ele está fugindo de mim, não quer saber de carinho algum, talvez nunca tivessem
lhe proporcionado. Grande parte destes gatos que ali frequentam é arisca,
desconfiam de tudo e de todos, estão a todo o momento em alerta. Busquei nesta
imagem criar um contraste entre a forma quente e suave do gato e as formas mais
rígidas e frias de tudo o que está à sua volta. Ele tem um caminhar cansado e
pesado. Pesado como é tudo o que o rodeia.
Fig.111: Afetos. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Jan. 2012
Há um clima totalmente diverso na Figura 111. Pai e filho trocam carinhos em
uma deliciosa série que fiz destes dois lindos gatos pretos que encontrei no Morro
Piraguyra. Não inclinei a máquina fotográfica nesta imagem, pois não vi
necessidade, já que os próprios corpos destes gatos estão inclinados, num
movimento dinâmico, acolhedor. O filhote é extremamente afetuoso, não desgrudava
de seu pai, exibiam-se para a câmera o máximo que conseguiam.
240
Ainda estão lembrados do gato mal humorado da Figura 110? O que um bom
peixe e uma tonelada de confiança não faz? Este pescador é extremamente
paciente, longanimidade é sua prioridade. Este gato foge de quem quer que se
aproxime dele, mesmo que esteja carregando um imenso peixe. Mas com este
pescador, o gato mal humorado construiu uma ponte. Sempre quando ele vai à
Alameda, o gato lhe procura, gosta de sua companhia, dorme em paz a seus pés
após ganhar os peixes pequeninos que não interessam ao experiente pescador. Na
Figura 112, numa tarde nublada e fria, atípica de verão, o gato esta lhe lançando um
olhar suplicante, pois pressente que o pescador acaba de trazer à tona um peixe
pequenino, mas o homem é paciente, delicadamente está tirando o anzol do peixe.
Instantes depois o gato deliciou-se com seu prêmio.
Fig.112: O olhar suplicante. Foto de Thais oliveira Silva 18. Jan. 2012
Os felinos estarão sempre espalhados pela cidade, e não apenas eles, há
outros tantos animais. Nós sempre compartilharemos o gosto de cria-los, oriundo
dos antigos caiçaras, com seu modo particular de falar, em que Zwarg, neste cordel
do folclore regional, nos fala da relação de um caiçara com seus animais domésticos
e, com o uso da licença poética, transcreve o modo da fala de um caiçara:
241
Onde está esse gatinho miseráve!
Esse gatinho miseráve onde é que está?
Será que está, aqui debaixo da cama?
Ou tá no fogão, sujo de carvão a me esperá?
E onde é que está aquele galo caôlho?
Aquele galo que é viúvo, onde é que está?
Por que num canta? – “brava-gente-brajirêra?”
Que é para o sol! A madrugada despertá...
Tem tanta purga e percevejo nesta “casa”!
Que eu passo o dia inteiro a me coçá!
E eu não sei, se chamo o Corpo de Bombeiro...
Ou se telefono é pra polícia Especiá!
E o cachorrinho que só vive na vizinha?
É lá que tem comida, e eu sou de cozinha...
Esse cão sarnento nunca foi é caçadô!
E tô comendo é só fritura de “içá”...
Essa vizinha, logo tá lavando rôpa!
Ela é viúva e vim aqui pra conversa...
Que qué parpite, prá eu í joga-no-bicho!
E se ela, acertá! – é capaz de me beijá...
(ai que vergonha)
(Ernesto Zwarg. Êta Gatinho Miseráve! In: Em “Conceição de Itanhaen” tem! Itanhaém, Gráfica
Básica, 1999)
242
4.4: Estradinhas de terra e recantos arborizados
Sob o perfil azul da serra
E o murmúrio do Atlântico,
Charmosa Itanhaém encerra
Beleza de lugar romântico.
Esta joia do litoral paulista,
De Anchieta guarda traços.
Cativa-nos à primeira vista,
Com sorrisos e cordiais abraços.
(...)
E nessa evocação ao som do mar,
Itanhaém à luz do sol violeta
É o refúgio ideal para sonhar!
(Benedito Pedro Miguel. Evocação. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)
Fig. 113: Rua do Suarão. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012
243
Como dito anteriormente, a cidade de Itanhaém consegue preservar muito de
seu verde espelhados em cada rua de nossa cidade. O bairro do Suarão é um lugar
privilegiado pois ali encontram-se inúmeras espécies nativas até mesmo centenárias
habitando pacificamente com as moradias ali encontradas.
A Figura 113 foi obtida com a luz do final da tarde, quando esta produz
belíssimas sombras esguias e consistentes. O verde da figura é encontrado em
diversas tonalidades, encontradas no chão da pracinha, coberto de musgo e folhas
caídas, nas copas das árvores e nos pequenos arbustos ao sol, encontrados ao
fundo da imagem, proporcionando-nos uma bela vista.
O Bairro Cidade de Anchieta possui diversas árvores em suas ruas. Na Figura
114 criei esta moldura natural para o carro utilizando os ramos da árvore em primeiro
plano. Por estar distante o carro torna-se tão pequeno perante a árvore, como
deveria ser: a tecnologia nunca deveria ter prioridades sob a natureza em nossas
vidas.
Fig.114: Perspectiva Ecológica. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012
Ao percorrer pelos bairros da cidade fiquei feliz em poder constatar a
presença do verde em cada rua. Os moradores que observei ainda preocupados em
244
manter belos jardins em frente às suas casas, neste sentido, não me refiro apenas a
flores ornamentais vindas de países distantes, mas certamente às plantas nativas da
região, ás nossas simples, as belas flores, árvores, enfim, a vegetação nativa ainda
persistindo em frente á diversas casas, dando vida ao lugar.
Como registrei em duas imagens neste trabalho enfocando a beleza do
Flamboyant, mais uma vez o registro, pois não me canso deste tema de cores tão
vívidas. A árvore da Figura 115 é de um Flamboyant, mas como seu registro foi feito
em Janeiro não há mais sinal das belas flores rubras que assim como os dias do
mês de Dezembro transcorrem, suas flores vão caindo ao chão e se vão. Uma
beleza efêmera a ser apreciada. Na Figura 116 registrei mais uma Rua do Suarão,
como já dito anteriormente, bairro extremamente arborizado. À tarde ensolarada
desta imagem ressalta ainda mais as belas cores das árvores aí captadas, bem
como cria um contraste nos paralelepípedos com a vívida sombra projetada desta
árvore. Aprecio as imagens tomadas nos dias ensolarados, pois as cores do local
ganham um toque mais do que especial.
Fig.115: A beleza do Verde e do Vermelho. Foto de Thais Oliveira Silva. 17. Dez. 2012
245
Na Figura 116 captei a mesma Rua da Figura 113, porém nesta tomada eu
estava no meio da rua e a condição climática também não era a mesma: anunciava-
se chuva a qualquer instante. Na noite anterior havia chovido, era uma questão de
tempo para que as comportas do céu abrissem novamente. Optei pelo uso
monocromático na edição, pois não me agradam cores fracas, sem vida, cores que o
sol não está em sua excelência para ajudar a ressaltá-las. Porém, ao optar pela
eliminação das cores, nos detivemos com mais atenção nas formas, percebemos a
relação entre elas Nesta imagem, a perspectiva conduz nosso olhar ao final desta
rua arborizada. Fica a dúvida no ar: haverá mais árvores onde nossos olhos não são
capazes de enxergar?
Fig.116: Lugar Ideal. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012
A pequena casa registrada na Figura 117 está localizada num belo local. Há
árvores frutíferas à sua volta, um riacho corta seu terreno atrás dela, há diversas
sombras para se descansar por longas horas. Ela ainda preserva características da
Vila de Itanhaém: sua cor é branca, portas e janelas, azuis, seu telhado de cerâmica
e a longa estradinha de terra liga à família que ali reside com o resto do mundo.
Muitos se sentiriam desconfortáveis em tais condições, principalmente pelo fato da
estrada não ser calçada, porém ouso pensar como Ernesto Zwarg.
246
Fig.117: Antigamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012
Muitos outros moradores, principalmente os antigos, motivados pela nostalgia,
também dividem o mesmo pensamento do seresteiro Zwarg (1999):
Se eu fosse prefeito de Itanhaém, tirava todo o calçamento da cidade.
Deixava só na avenida principal. O resto das ruas seria de areia, para as
crianças brincarem tranquilamente. Os carros eu manteria fora, longe das
crianças. E também, mandaria substituis a atual iluminação, porque sou
contra o vapor de mercúrio que mata muitos insetos que a luz de lampião. E
para ter mais dias de luar, eu mandaria que apagassem toda a iluminação
nas praias, para os turistas, especialmente os casais de namorados
poderem ver a luz da lua refletida no mar.
(Ernesto Zwarg – Abril de 1975. In: Em Conceição de Itanhaém,
tem! Itanhaém, 1999)
Certamente a herança dos antigos moradores da Vila Nossa Senhora da
Conceição de Itanhaém concernente à preservação de nossa natureza não
perecerá. Ela está viva e firme por toda a cidade.
247
Fig.118: Estradinha de Terra. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012
4.5: Itanhaém, pedra que canta.
O soprar do vento,
traz o cheiro do mistério
Do além do horizonte
onde o céu não tem limite.
Admirar Itanhaém...
No topo do Paranambuco,
sente-se livre, vento no rosto
o portal como passagem.
Diante de olhares,
recanto espetaculares,
de paisagem exuberante
dessa terra repousante.
248
Instante de magia,
gravada na memória
por toda vida,
Itanhaém querida...
(Elizabeth Cury Bechir Watanabe. Terra de encantos. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso.
Itanhaém, 1997)
Em Itanhaém existe uma infinidade de formações rochosas, convidativas aos
olhos, tanto à beira mar, quanto no interior da cidade e em meio à Mata Atlântica
preservada. Logo no centro da cidade encontramos o Morro Itaguaçu, onde está
localizado o Convento Nossa Senhora da Conceição e consegue manter preservada
toda sua vegetação típica.
Fig.119: Vista do Morro Piraguyra. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Abr. 2012
No Morro Piraguyra encontram-se formas diferenciadas da Mata Atlântica,
pois o morro encontra-se mais afastado da influência marítima, possuindo uma
exuberante vegetação típica. É o maior morro encontrado perto dos locais de
249
urbanização da cidade, sendo o mesmo local de diversas casas alicerçadas em suas
rochas. (FERREIRA, 2008). A Figura 119 retrata a vista do alto do Morro sob a Boca
da Barra. Vali-me da flora local pra ser a moldura natural da imagem, bem como
produzirem uma contraluz.
Localizado próximo ao Iate Clube, no bairro Praia do Sonho, o é Morro
Sapucaetava um dos principais locais escolhidos para realização de trilhas
ecológicas. No local, encontra-se vasta quantidade e diversidade da flora da Mata
Atlântica sob direta influência marítima, além de uma fauna também bastante rica.
Por ser uma área de fácil acesso e quase livre de riscos naturais, as visitas ao local
são apropriadas às crianças. No alto do morro foi construído um mirante rústico,
para apreciação das praias formadoras do conjunto litorâneo itanhaense, que recebe
o nome de Pedra do Espia. O Morro do Sapucaetava foi declarado de utilidade
pública em 15 de março de 1962, onde moradores e turistas fazem trilhas pelo local
preservado. (FERREIRA, 2008). A Figura 120 captou o início da escadaria que nos
leva até as trilhas lá presentes. Percebemos o quanto é difícil à entrada de a luz
solar neste local se observarmos os demais degraus que ascendem.
Fig.120: Trilha do Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012
250
Paranambuco é um dos morros que infelizmente mais sofreu devastações.
Com a construção dos reservatórios de água necessários para a cidade, sofreu
devastação que expôs pedras as quais vieram a ser chamadas de Pedra da Esfinge
e Portal Místico os quais hoje em dia estão interditados. As duas Pedras do
Paranambuco foram as únicas que sobraram após muitos anos de desabamento do
Morro. Fotografias do ano de 1928 mostravam a Pedra da Esfinge encrustada no
Morro e somente após a grande devastação é que as mesmas ficaram expostas.
Fig.121 Não temos mais Portal Místico. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev. 2012
Atualmente, devido ao assoreamento da argila vermelha, por conta das fortes
chuvas do ano de 2011, os “pedestais” que as sustentavam não resistiram e
tombaram uma pedra sobre a outra. (FIGURA 121) Antes do incidente, as duas
pedras, vistas da orla da Praia do Sonho, tinham aparência de uma esfinge, por isso
o nome. Muitos místicos também vinham de vários lugares em busca do “Portal
Místico”, como denominavam o vão entre as duas pedras, porém, hoje em dia, o
local está proibido à visita, com risco de morte, pois as rochas podem desabar a
qualquer momento. O restante da depredação foi obra de um condomínio que não
se concretizou sem antes, porém ter descaracterizado a topografia original do
terreno, nivelando-o e deixando estacas de concreto no local.
251
A pesar de tudo isso, o local permanece como um ponto de observação de
todo Litoral Sul, com uma atmosfera impressionante e uma bela vista que se
descortina sobre o mar, as ilhas e as serras da região, dando uma ideia da
imensidão do local. O lado do Morro Paranambuco que dá para o mar, é conhecido
como Costão e possui uma vegetação rasteira, espinhosa e retorcida pela força dos
ventos marinhos. Ali, pedras enormes são atingidas pela força do mar, compondo
um quadro impressionante. O mar estava calmo como vemos na Figura 122.
Geralmente no local formam-se ondas fortes e violentas que se chocam
constantemente sobre esta grande muralha.
Fig.122: Floresta de Pedras. Foto de Thais Oliveira Silva 26. Fev. 2012
Há formações menores, como o Púlpito de Anchieta, localizado na Praia dos
Pescadores, onde contam que o beato realizava sermões aos índios de lá de cima.
(FERREIRA, 2008).
Idealizei a Figura 123 na intenção de compor nesta mesma cena lembranças
e resquícios de um passado distante místico, sagrado, o qual do alto destas grandes
rochas Anchieta realizava seus fervorosos sermões, com um passado recente
“profano”, por se tratar de uma imagem dedicada à lembrança da gravação da
252
Novela Mulheres de Areia, da Rede Globo, em 1973. A escultura da Mulher de Areia
está de costas para a imagem, como que olhando para o futuro, mas também há
espaço para o local sagrado do antigo missionário. Itanhaém, uma cidade, como
tantas outras que é capaz de dar condições para que o novo e o velho, o sagrado e
o profano possam conviver harmonicamente.
Fig.123: O Profano e o Sagrado. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012
Há as pedras do costão da praia dos Sonhos, onde encontramos a Cama de
Anchieta, localizada ao final da recente “Passarela de Anchieta”, inaugurada em
2006, sendo a obra é estimada no valor de 200 mil reais. Com uma estrutura de 220
metros de comprimento por 1,60 de largura, a passarela, construída com ipê e
materiais derivados do eucalipto ecológico, é resultado da parceria e dos
investimentos da Prefeitura de Itanhaém e das Ilhas Canárias, onde nasceu o
jesuíta. Ao todo, R$ 140 mil foram doados pelo governo espanhol e R$ 60 mil foram
destinados à obra pela Administração Municipal. Através dela, é possível que
pessoas de todas as idades acessem a formação rochosa que, segundo a lenda, por
seu aspecto de cama, encravada entre o costão da Praia dos Sonhos e o mar,
tornou-se o local preferido do beato José de Anchieta (1534 – 1597), para encontrar
descanso e inspiração para compor versos e poemas. (FERREIRA, 2008)
253
Fig. 124: Passarela de Anchieta. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Dez. 2011
Pude visitar a Passarela de Anchieta entre Dezembro de 2011 e Janeiro de
2012. Na Figura 124 está registrada a visita do dia 12 de Dezembro de 2012,
realizada numa tarde de muito sol. Ao fundo temos a imagem do Morro do
Paranambuco e suas grandes pedras, as anteriores Pedra da Esfinge, digo antigas,
pois hoje em dia, não é mais possível ver a perfeita silhueta da esfinge que víamos
anteriormente. O horário para o registro fez toda a diferença, pois a contribuição das
sombras obtidas a partir do sol vespertino, bem como o costão encontra-se em
contraluz, resulta numa satisfatória composição, dando ênfase á Passarela de
Anchieta.
Nas férias de julho consegui obter este belíssimo tom de azul com suas águas
tranquilas, anormal nesta época, em que geralmente o mar encontra-se agitado,
refletindo as cores cinzentas do céu carregado, mas neste dia o sol estava posto em
todo seu esplendor sobre nós. O tom de azul obtido na Figura 125 foi o mesmo em
que consegui obter pela manhã em que registrei o Rio Itanhaém. Algo nos chama
atenção nesta imagem, certamente fica-se curioso ao observar esta rocha central
totalmente rachada ao meio, fato ocorrido através dos anos, pois, ao conversar com
254
os pescadores da Praia dos Pescadores, onde está localizado o Púlpito de Anchieta,
o qual esta rocha está em frente, disseram que há menos de dez anos, a grande
rocha estava apenas com uma rachadura com cerca de dois centímetros, mas, com
a ação constante das ondas e a infiltração das mesmas pelos veios da rachadura, a
rocha encontra-se hoje desta forma. Ao fundo encontra-se a Ilha das Cabras ou
Givura.
Fig. 125: Ação do tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012
Sempre que eu observava os antigos alicerces do nunca realizado
Condomínio no alto do Paranambuco, sempre os vi como se fossem lápides, eu
sempre tive medo. Um conjunto de pedras de concreto povoa o alto do artificial
planalto deste morro. Quando eu era criança, as mais diversas teorias brotaram de
minha mente, era impossível subir ao Morro do Paranambuco e não observá-las,
tentar entender qual sua função ou pelo menos o motivo de suas silenciosas
presenças. Visitei o local já a partir de Dezembro de 2011, quando iniciei esta série
fotográfica, pois havia uma urgência dentro de mim: eu precisava travar um diálogo
silencioso com elas, desejava eternizá-las em diversos ângulos e condições
climáticas. E assim parti a esta busca. Nas Figuras 126 e 127 as registrei durante
uma tarde nublada. O clima do dia, as flores a seu redor conferiu-lhes a aparência
255
de diversas lápides. Um projeto neste local havia falecido. Apenas o projeto? E
quanto à mata nativa deste local? E quanto aos animais que ali viviam em
liberdade? Sua terra seca, com inúmeras fendas que responda qual foi o impacto
ambiental neste lugar. (FIGURA 126)
Aqui jaz uma parte da Mata Atlântica inutilmente.
Fig.126: Aqui Jaz um Condomínio I. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011
Na imagem obtida da Figura 128, há a presença de um silencioso e
persistente urubu, compõe o cenário lúgubre a mim apresentado. Andei em volta
destas pedras, pude até mesmo fotografar o animal de perto e ele não se incomodou
com a minha presença. O que mais contribui para a imagem soturna é a formação
de nuvens encontrada ao fundo, como se fossem espectros oriundos destas lápides/
alicerces.
256
Fig.127: In Memorian. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011.
Fig. 128: Aqui jaz um Condomínio. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev. 2012
257
5: Namorada do sol (séries fotográficas)
Sentado na areia, olho o mar a vida passar
pelo tempo e voltar a rever o jundu tomando conta
da maré, com seus araçás e cambucás...
a batuíra correndo, a gaivota voando
e o garoçá se escondendo...
Vejo a barra do rio e o pescador esperando
o peixe que vem saciar, na partilha do fruto
o relembrar das festas, com alegria e devoção...
a onda sobe molhando meus pés,
levanto e caminho deixando a brisa tocar
meu corpo e mergulhar o olhar Itanhaém
através de sua alma: o mar...
(Ernesto Bechelli. Pelo mar. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1998)
A série fotográfica denominada “namorada do sol” enfoca nosso triângulo
amoroso em que há o relacionamento com o mar, este insondável que nos cerca, e
enamorados pelo sol, o astro sempre presente em nossa vida. Retratos de uma
cidade que possui a pele curtida pelo sol, a paixão pelo seu calor, o prazer do
contato com as águas turbulentas do nosso litoral. Uma série apaixonada, não
apenas vivenciada pela fotógrafa, mas por toda a cidade, que ama e preza nosso
local.
Um imenso mar, um oceano
banha as praias da cidade à beira-mar
se veste de azul, se veste de verde
confunde e encanta o nosso olhar.
mar manso que beija a areia
que espuma as pedras que a pedra quebra
mar, oceano grandioso
soberano guardião de segredos profundos
berço de vida, do início ao fim
incontrolável senhor do mundo
258
mar sereno que reflete a luz
ofuscando o luar num lento vai e vem
que embala e embeleza docemente
o perfil histórico de Itanhaém.
MAR...OCEANO...
(Nicoletta Brugnoli Bouças. Mar... Oceano... In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1998)
5.1: Ascenção e queda do rei sol
Itanhaém,
O mais caiçara dos sóis,
sempre te contemplo de madrugada,
lá nas pedras da praia do sonho,
sinto que Deus, me deu a paz de presente.
Juro que essas pedras cantam vida
e que as estrelas do seu céu
são mais brilhantes
e as do mar, são coloridas.
Quando a gente te fita
e te vê assim tão bonita,
guarda no íntimo seu semblante atraente, pra sempre.
No pôr-do-sol dos seus rios,
vejo a alma dos teus filhos,
versando que Deus,
em sua homenagem,
vinte e quatro horas por dia
usa pincéis de trovador.
(Cecília Fidelli. Juras de amor. In: Itanhaém em prosa e verso. Itanhaém, 1998)
259
Infelizmente nem todos tem esta rica oportunidade de ver o nascimento do sol
em algum lugar aberto, especialmente na praia, onde nada atrapalha a visão do
percurso sutil e arrebatador do maravilhoso astro que nos dá vida. Ousei durante
algumas madrugadas quentes, aventurar-me para ver o nascimento do sol não
apenas da janela de meu quarto, mas em seu principal palco: o mar, onde este pode
brilhar, atua brilhantemente em cada ato de seu espetáculo, modificando sua luz
como se fosse um verdadeiro ator alternando suas vestimentas. São totalmente
maravilhoso estes poucos minutos da hora mágica. A cada instante temos uma cor
nova mostrando-se a nós, de violeta passa-se a vermelho intenso, alaranjado,
amarelo ouro até que finalmente sua luz fique branca durante todo o dia até
finalmente iniciar seu espetáculo da queda, onde mais uma vez há profusões de
cores para enfim mais uma noite nos visitar enquanto o valoroso e destemido Rei
Sol, como descrito nos mitos egípcios, desce às terras sombrias com sua barca,
falece, mas sempre retorna vitorioso a cada manhã. (GOMBRICH, 1999)
Nas primeiras horas de luz, o sol brilha obliquamente sobre a terra e os
raios de luz, viajam através de um grande volume de atmosfera para
alcançar sua posição. São os comprimentos de onda de luz azul, mais
curtos, que se dispersam mais facilmente e são filtrados durante este
trajeto; assim, a luz em volta do sol nascente é frequentemente tingida por
um delicado vermelho rosado. A neblina também é comum ao amanhecer,
convertendo cenas e aspectos familiares em visões de sonho.
(HEDGECOE, 1996, p. 39)
A Figura 129 mostra uma de suas muitas facetas, onde este se mostra
intensamente rubro. Certamente que a imagem da obra de Monet (1840-1926)
estava em minha mente ao compor esta cena. Este vermelho não durou pouco mais
que três minutos, tive de ser ágil para registrá-lo. A imagem foi realizada na Boca da
Barra e felizmente neste dia a maré estava baixa, possibilitando-me registrar a cena
da praia do local, a fim de incorporar também o reflexo do sol em suas águas. Ao
fundo, em contra luz encontra-se o centro da cidade.
260
Fig. 129: Incandescente nascimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012.
Para esta série fotográfica é oportuno citar Martins (2008), quando este fala
sobre a obra “Impressão do nascer do sol”, de Monet, já que busquei, como o pintor,
registrar a luz solar em diversas horas do dia sob inúmeras condições climáticas:
Há nas imagens dessa composição um cromatismo temperado, criado pelo
reflexo da luz nas horas suaves de transição entre o noite e dia e dia e
noite, que são também as melhores horas para fotografar. Nestes
momentos de encontro de luminosidades contrárias, Monet incorpora à sua
pintura a descoberta da supressão dos limites de separação visual entre o
dado “verdadeiro” e o “falso”, produzido pela composição resultante da
impressão visual. Em “Impressão do nascer do sol”, o reflexo da
luminosidade rubra faz do sol um complemento, mais do que o centro da
pintura. Mas um complemento necessário. Há entre o sol, seu reflexo na
água e o reflexo do reflexo nas nuvens uma relação de necessidade
recíproca, uma multiplicação de luminosidade e de escritas visuais que não
se esgotam. Antes, apontam para uma espécie de efeito multiplicador da luz
e seus desdobramentos, além do quadro, de que a pintura é o recorte de
um momento que não anula essa vibração cromática. (MARTINS, 2008, p.
151)
261
As manhãs sempre me favoreceram na concepção destas imagens. Poucas
fotografias foram realizadas durante o horário vespertino, já que muitas vezes as
nuvens encobriam o sol.
Fig. 130: Sutilezas do amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Mar. 2012.
A Figura 130 foi obtida durante uma fria manhã de março. Os tons rosa e
violeta desta imagem foram registrados em tempo oportuno, já que os mesmos
duraram pouquíssimos instantes, transmutando-se para outras cores. A figura que
está em contraluz nesta imagem é a escultura de Serafim Gonzalez (1930-2007),
primeiro ator a interpretar o personagem “Tonho da lua” da novela global Mulheres
de areia, exibida durante a década de setenta. Como a novela foi ambientada na
Praia dos Pescadores daqui da cidade, após as gravações foi-se estabelecido este
memorial de bronze nas rochas encontradas na Praia dos Pescadores.
A imagem da Figura 131 foi tomada do alto da Ponte Sertório ao amanhecer.
O nascimento do Sol foi extremamente encantador neste dia, o qual eu não tenho
palavras para descrever qual foi minha reação ao avistar nos céus estes dois
imensos braços etéreos, os quais um sinalizava uma espécie de “hang loose”,
cumprimento típico entre os surfistas e o outro braço parecia estar amparando o
262
morro. O Sol atrás destas formas encontra-se imenso, poderoso, com seu reflexo
sobre a Boca da Barra. A cidade ainda não acordou em sua maioria.
Fig.131: Braços Etéreos. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012
Fig. 132: Também tenho minha luz. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
263
Encontrei-me com este simpático pescador durante uma alvorada (FIGURA
132). Nesta manhã tanto o Céu quanto o Rio tingiram-se de vermelho. Nuvens
rosadas e acinzentadas pousavam sobre eles. Uma profusão de cores num único
dia. Cores, mas ainda uma fraca luz clareava nosso caminho. O sol estava prestes a
incidir sobre nós sua potente luz, mas, enquanto nós esperávamos o raiar do sol,
este simples pescador que vemos em contraluz nesta imagem liga sua pequena
lanterna mostrando-nos como enfrentou aquela noite escura. Logo não será mais
necessária esta luz artificial, tão ingênua e pequena ante a potência da luz solar.
Fig.133: Amanhecer na Praia dos Pescadores I. Foto de Thais oliveira Silva. 02. Mar. 2012
Outra manhã se inicia, porém tive de ser muito rápida, pois em poucos
minutos eu estaria numa sala de aula, lecionando. Registrei o nascer do sol sob a
Praia dos Pescadores a fim de enfatizar a beleza do local. Percebo que uma
paisagem assim inclinada, através de suas formas e linhas nós podemos ver mais
além que se fosse uma composição horizontal. A paisagem que é belíssima passa a
ter uma dimensão abstrata que a valoriza ainda mais com esta composição. Se
fosse à horizontal nem íamos reparar na força destas linhas de tão "adormecidos"
que estamos de ver tantos nascer-do-sol sempre todos iguais. Pretendi com esta
264
série efetuada neste dia criar atmosferas e enigmas para que itanhaenses, tão
acostumados à paisagem local a vissem mais uma, com atenção, dando atenção à
suas formas, linhas, planos. Observassem a beleza de nossa terra. A Figura 133,
além destas vigorosas linhas que conduzem nosso olhar de um extremo a outro
também possui este equilíbrio que busquei organizar: entre a Ilha das Cabras e
estas pedras em primeiro plano, ambas em contraluz, como se reverenciando ao Rei
Sol.
O espelho d`água da Figura 134 foi obtido apenas com o deslocamento de
alguns passos de distância da Figura 133. Nesta busquei registrar esta bela
duplicação dos céus. Nuvem a nuvem, cor a cor, a Prainha soube como ninguém
igualar-se com o firmamento.
Fig.134: Amanhecer na Praia dos Pescadores II. Foto de Thais oliveira Silva. 02. Mar. 2012
Já a imagem registrada na Figura 135 pretendeu enfocar os resquícios da
presença humana, os pescadores locais que haviam partido antes do nascimento do
Sol. O carrinho posicionado no primeiro plano da imagem possibilitou aos
pescadores levar, com um pouco menos de sacrifício sua canoa. Em breve ela
retornará repleta com as nossas riquezas deste mar que nunca negou suprimento a
265
estes homens. É interessante notar que as linhas formadas pela maré nas areias da
praia seguem um mesmo ritmo do desenho das nuvens estriadas deste céu. Como
numa bela sinfonia, todos estão num mesmo acorde.
Fig.135: Amanhecer na Praia dos Pescadores III. Foto de Thais oliveira Silva. 02. Mar. 2012
Parti para meu local de trabalho satisfeita com minha série realizada neste
dia, porém, em meu caminho ainda encontrava-se a Praia dos Sonhos e as Figuras
136 e 137 foram irresistíveis, não consegui prosseguir sem antes captá-las.
A Figura 136 foi tomada dos areais já úmidos da Praia, a fim de captar
também seu belo reflexo sob o local. O sol intenso refletido através da vidraça deste
prédio me chamava, avisando-me que o seu caminhar sob os céus estava em
processo adiantado. Já estava na hora de eu também ir trabalhar
Um último olhar lançado para trás e capto a Praia dos Pescadores vista da
Praia dos Sonhos. (FIGURA 137) O intenso tom de bronze cobre todo o local. O Sol
está a cada minuto mais intenso, arrebatador. Dirijo-me a meu trabalho, satisfeita
com seus raios solares aquecendo minhas costas, na certeza de que haverá outros
nascimentos do Sol. Ele sempre retorna triunfante, majestoso a cada manhã.
266
Fig.136: Reflexos Matutinos. Foto de Thais Oliveira Silva.02. Mar. 2012
Fig.137: Nascer do Sol na Praia dos Sonhos. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Mar. 2012
Tal tranquilidade, a de esperar pacientemente por oportunidades de registrar
o percurso solar sob a terra foi adquirida com o tempo. Quando paro para refletir em
267
minhas primeiras imagens obtidas deste fenômeno orgulho-me de onde consegui
chegar hoje. Minha primeira tentativa foi no em Janeiro de 2012, eu já estava
empolgada com o fato de estar registrando durante a madrugada a Folia dos Reis
que não consegui dormir o resto desta madrugada, tamanha era minha ânsia de
registrar mais e mais. Dirigi-me até a Praia do Centro ainda escuro e esperei o
nascimento do Sol sob um belíssimo céu sem nuvens.
Assim que percebi a mudança tonal das cores do céu, postei-me entre estes
vegetais para que sirvam de contraluz. (FIGURA 138) Percebo muitos erros meus,
ainda não havia experiência e nem definido minhas próprias regras, como a de
enquadrar a linha do horizonte exatamente nas arestas do visor. Porém elas me são
necessárias para que hoje eu possa refletir sobre estas composições e orgulhar-me
Fig.138: Primeiras Tentativas I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012
Na Figura 139 registrei o quiosque dos pais de meu namorado em contra luz.
A silhueta de cada uma destas árvores ai encontradas, bem como a forma do
quiosque ganharam um tratamento diferenciado devido a esta bela luz que aponta
em nosso horizonte. O céu ainda está escuro, a noite ainda não se foi por completo,
268
mas o dourado está a caminho. Logo ele irá dominar toda a cena com todo seu
esplendor.
Fig.139: Primeiras Tentativas II. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012
Fig.140: Primeiras Tentativas III. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012
269
Finalmente, na Figura 140 temos a imagem do sol já intenso, comparando
com o da Figura 139. Este já é capaz de tingir as águas da Praia do Centro de
Douradas, deixando sob elas seu rastro de luz.
5.2: Praia e mar
Vinha descalço, cansado
e, com o cesto pesado
quase nem podia andar
perguntei, então menino
o que trazes pra vender?
quero comprar, tenho fome,
e não tenho o que comer.
Ele me olhou admirado
olhou meu carro quebrado.
encostou no barranco
sorriu e disse: pois não
e posto o cesto no chão
mostrou-me tudo o que tinha
que dava para um fartão.
Camarão seco, palmito,
um naco de peixe frito
e frutas em profusão...
banana, caju, pitangas,
goiabas, laranjas, mangas
espiga de milho verde
batata doce, cará
e ainda um cacho de indaiá.
270
E enquanto os petiscos eu devorava
o pequenino sem me olhar cantava
uma singela e singular canção
falava na riqueza de sua terra
na água fresca que descia a serra
regando os bananais, descendo pro grotão
nos mantos de arrozais se escondiam
nos goiabais que a muitos enriqueciam
nos vastos palmitais...
E do pescado fresco prateado
das redes cheias de camarões lousados
d´uma fartura que eu não vi jamais
-Mas quem es tu? Falei admirada
e donde vens a pé por esta estrada
que aqui nesta fartura vives na pobreza?
hé? Não me conheces? Não te levo a mal
meu dia chegará, tenho certeza...
Eu sou... O Litoral.
(Pedrinha Zwarg. Terra da promissão. In: Poesias e trovas, 1999)
Fig.141: Infinito Azul. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012
271
O eterno vai e vem das ondas nas praias, das ondas nos costões estarão
para sempre guardados em minha memória, seu som, seu odor característico, sua
bela aparência. Não apenas em escassos dias o visito, mas sempre. O mar me
encanta sobremaneira, preciso observá-lo todos os dias.
E não me refiro a qualquer vista para o mar, mas a de minha cidade, minha
Itanhaém, sempre a verei como um poema musical, cantando a beleza imensa do
nosso mar, a amplidão de nosso céu azul, com suas belas serras azuis que nada
mais são do que imensas várzeas multicoloridas, em diversos tons de verdes, uma
profusão de cores e odores únicos.
O vento praiano é algo delicioso de se sentir e uma pena não poder registrá-lo
em minhas fotografias. Ele me desafia a encará-lo, me conforta, quando estou a seu
favor, nos dias quentes, me traz o cheiro de minha cidade, este odor salino que tanto
me encanta. Gosto de tê-lo em mim para assim eu estar em harmonia com minha
terra, ser uma só com ela, não uma intrusa. A Figura 142 foi realizada num destes
meus percursos onde caminho até a beira-mar para sentir sua maresia em mim. O
local que foi registrado pela manhã é a Praia do Centro, imagem tomada em frente á
Praça 22 de Abril, centro.
Fig.142: Maresia Onipresente. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012
272
Fig.143: Querida Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012
Editei a Figura 143 deixando-a monocromática, para que possamos ater-nos
ás suas formas e a tonalidade existente na cena, que vai da cor intensa das escuras
matas do Morro do Sapucaetava, passando pelos tons médios da grama na orla da
Praia até chegar á pura areia do local. Vemos ao fundo pescadores neste local que
também é muito procurado por eles, onde há o encontro do mar com o rio, porém os
homens estão tão pequeninos ante a beleza e potência do local. Idealizei a cena e
tantas outras neste percurso artístico tendo em mente a busca dos artistas do
Romantismo, onde registravam a natureza sempre bela imensa e o homem sendo
apenas um elemento pequeno na obra. Esta foi minha busca inicial para compor
imagens de paisagens.
Em minha poética visual, as fotos marítimas concentraram-se principalmente
em registrar a Praia dos Pescadores, um local que amo desde minha infância, com
suas águas calmas, características de sua baía, de sua aparência sempre
agradável.
273
A prainha se situa em pequena baía protegida pelo costão rochoso e pela
Ilha Givura (Ilha das Cabras), local até hoje usado pelos pescadores
artesanais para acesso ao mar e venda de peixe fresco. O local foi
“ocupado” na década de sessenta, também pelos pescadores catarinenses,
com suas grandes canoas de voga e motor de popa, grupos semelhantes
na filosofia de vida e origens. Hoje já não se distinguem os catarinenses dos
da terra – todos pescadores caiçaras na luta pela sobrevivência. (BRANCO,
2005, p.33)
O interesse pelo loteamento da Prainha, de acordo com Branco (2005), teve
início logo que a ponte Sertório Domiciliano foi construída sobre o Rio Itanhaém;
hoje este lugar que é um dos mais antigos da cidade está ocupado pela
urbanização.
Fotografei a Prainha numa fria e atípica tarde de Dezembro, que editei
posteriormente, tornando-a monocromática nos tons sépia. (FIGURA 144) O céu
refletido sob os areais úmidos do local seguem a mesma luminosidade. As nuvens
situadas à direita da imagem são as responsáveis pelo escurecimento da imagem,
onde atrás delas está nossa fonte luz, o sol. À esquerda, da imagem não há nuvens,
há um céu límpido, porém o mar está escuro em decorrência do declínio do sol.
Estes pequeninos pontos escuros ao fundo são as persistentes gaivotas à espera da
última canoa. “Logo eles chegarão para nos dar alguns peixinhos”, almejam. Ao
fundo da cena encontra-se em contraluz a escultura dedicada à novela Mulheres de
Areia.
A Praia dos pescadores ficou famosa por ter sido escolhida para as
gravações da primeira versão da novela da Rede Globo Mulheres de Areia, que foi
ao ar em 1973. As cenas eram filmadas, na sua grande maioria na Prainha, e o ator
e escultor Serafim Gonzáles (1930-2007), natural de Santos (SP), era quem fazia as
esculturas na areia antes das gravações. Muitos turistas que vinham a Itanhaém
para acompanhar o ritmo das gravações e os bastidores da novela tiveram
oportunidade de conhecer nossa cidade. (FERREIRA, 2008) Numa pedra, próximo
ao Púlpito do Anchieta, encontra-se uma escultura em bronze, do mesmo escultor,
eternizando o momento aqui na cidade.
274
Fig.144: Cai a tarde. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2012
Registrei a escultura num dia nublado a fim de estudar a relação climática
com o efeito que a mesma causa sob a imagem. A Figura 145 possui, devido ao
clima, um toque nostálgico, onde as cores da cena também contribuem para esta
minha impressão. Se fôssemos compará-la com a Figura 130, a qual foi tomada
deste mesmo local, porém em condições climáticas bem diferentes, nesta, o sol
estava nascendo envolto a diversas cores quentes, deixando a estátua e a Ilha das
Cabras ao fundo enegrecidas. Na Figura 145 ocorre o inverso: o céu está
praticamente sem cor, pálido e as figuras outrora em contraluz agora podemos
observar seus detalhes. Abaixo da figura da mulher encontra-se uma placa de
bronze onde está escrito a respeito da novela e agradecimentos à cidade por ter
cedido tão belo local para as filmagens.
275
Fig.145: Sob uma tarde nublada. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012
No dia dez de Dezembro de 2011 registrei uma série que me foi
extremamente decisiva para que a linguagem fotográfica se fortalecesse em mim.
Após cento e cinquenta fotografias na passarela de Anchieta, um belo ponto
turístico, voltei ao entardecer para a praia dos Pescadores, bairro onde minha avó
sempre nos levava para nadar, por se tratar de uma baía e, portanto, de águas
calmas. Hoje em dia posso estar fotografando ainda mais o local, em todas as horas
do dia, acompanhando o percurso do Sol, pois é o bairro de meu namorado. Durante
as férias estive registrando o local continuamente. Neste dia ao cair da tarde, eu
havia decidido não fotografar mais. Fiquei na beira mar lendo, esperando que ele
saísse do mar. Porém, o crepúsculo tomou toda a atenção do livro. Estava
encantador, com poucas nuvens, conferindo ao céu e ao mar uma uniformidade
fantástica ao cair da tarde com tons de violeta, amarelo, laranja e toda contraluz
produzida por quem ou o quê ousasse estar na frente da belíssima iluminação do
Rei-sol. Rapidamente larguei o livro e recomecei a fotografar, percebi que as
melhores composições seriam as que eu tivesse que entrar na água, molhando pelo
menos até o tornozelo, pois o mar naquela hora já estava recuando, não era
necessário deslocar-se até o fundo. Lá, pude registrar belas composições, onde o
276
mar, os últimos reflexos solares e os de luzes artificiais puderam contribuir para uma
forma harmoniosa e repleta de significações.
Percebi meu potencial para registrar a hora mágica, ou seja, o momento em
que as cores ficam mais agradáveis, a saturação lindamente aumentada com os
detalhes e texturas reveladas, formando sombras suaves. A luz neste período foi-se
modificando a cada minuto, conferindo às minhas fotografias detalhes e
composições únicas. Precisei ser rápida e atenta para registrá-las a tempo até que a
noite chegasse.
Fig. 146: O último a sair do mar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2011.
Finalizei a série registrando o momento em que o último surfista saia do mar.
(FIGURA 146) Aquele que em harmonia com a paisagem sempre deslumbrante
compôs meu lugar ideal, aonde sempre irei para sonhar na certeza de vê-los
realizados um a um.
Além da Praia dos Pescadores, outras praias de Itanhaém fizeram parte de
minha poética pessoal.
277
A Praia da Saudade é uma estreita faixa praia de rio, no sopé do Morro do
Sapucaetava. É uma praia de águas mansas, salgada ou doce conforme a maré
entra ou sai da barra do rio, como observa Branco (2005), está em perfeita situação
para pesca. Antigamente o caiçara armava a rede para encontrar o canal da barra e,
nele, todos os peixes que entravam no estuário para desovar ou alimentar. Perto
desta praia encontra-se um manguezal onde o caiçara até os dias de hoje, coleta
caranguejos, ostras e crustáceos. Na Figura 147 temos a vista da Boca da Barra
tomada da Praia da Saudade numa manhã ensolarada. Porém, como se anuncia ao
fundo, com estas escuras e pesadas nuvens, esta tarde teve mais uma típica chuva
de verão.
Fig.147: Praia da Saudade I. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012
278
Fig.148: Praia da Saudade II. Foto de Thais Oliveira Silva. 23. Dez. 2012
A Figura 148 registra a vista do Centro da cidade tomada do local. No
momento em que estou fotografando, mais um barco de pesca dirige-se ao alto mar.
Na Figura 149 temos a imagem do pequeno manguezal do Sapucaetava.
Fig.149: Manguezal do Morro Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012
279
A praia dos Sonhos teve seu início de povoamento por volta de 1924,
segundo Branco (2005). Em sua orla temos a presença de três prédios construídos
durante as décadas de sessenta e setenta.
A praia de Peruíbe, com 24 quilômetros de extensão tem seu mar calmo, sem
correntezas importantes, vai desde o Rio Itanhaém até o município de Peruíbe,
desaguando nas águas do Rio Piaçanguera. De acordo com Branco (2005), existia
uma comunidade caiçara no local denominado Camboriú, hoje Cibratel II. “Desta
antiga comunidade itanhaense já não resta nenhum indício, a não ser a memória
das pessoas mais idosas e os restos da antiga estação de trem” (BRANCO, 2005, p.
34)
Nas praias de Itanhaém, ainda conseguimos encontrar Jundu, um tipo de
vegetação muito resistente à ação dos ventos e da salinidade (FERREIRA, 2008),
elas são árvores pequenas, de troncos retorcidos e entrelaçados, possuindo folhas
espessas e lustrosas.
Fig.150: Jundu. Foto de Thais Oliveira Silva. 22. Jan. 2012
280
A palavra Jundu origina-se do tupi, que significa “mata ruim”. Sua importância
reside no fato de que ele fixa as dunas de areia e apresenta plantas frutíferas como
a maçãzinha-da-praia. Ela, portanto funciona como uma barreira natural auxiliando
as dunas de areia a impedirem a invasão da maré e da ação dos ventos. Na Figura
150 as formações de Jundu encontram-se em primeiro plano, tendo ao fundo, o
Morro do Sapucaetava envolta à brumas da maresia.
De acordo com Ferreira (2008), o mar do litoral sul é raso, com águas turvas,
arrebentação constante e terra fina. Devido a extensão destas terras, os navegantes
preferiam fazer suas viagens sempre beirando a costa, sem se afastar mais de 500
metros da praia.
Esta arrebentação constante é a marca principal do Praião localizados no final
da faixa de areia que se estende do Boqueirão (Praia Grande) a Itanhaém, com seus
ininterruptos quarenta quilômetros até desembocar no Rio Itanhaém que é
denominada Praia Grande. Segundo as descrições de Branco (2005), é uma
extensa praia de mar aberto, onde não existem baías, recôncavos, costões rochosos
ou qualquer proteção contra o vento e as marés.
Fig.151: Contemplação. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
281
Esta praia, principalmente a praia do Tombo, localizada após o encontro do
Mar com o Rio, é violenta, com grandes e assustadoras arrebentações. Porém, no
dia 7 de Abril estava pacífica, distante, irreconhecível. Não me esquecerei, pois em
toda minha vida nunca havia ido tão profundo em suas areias e agora lá estava eu, a
registrando há uns trinta metros mar adentro, quando em condições normais a faixa
de areia seca não passa de cinco metros. Na Figura 151 temos a imagem de dois
pescadores observando atentamente suas varas de pescar, fincadas nas areias e
bem mais do que isto, acredito que também contemplam a maravilha de paisagem
que se apresentava aos que estavam presente na Praia do Centro neste dia. Os
belos reflexos do nascimento solar são refletidos em toda a praia tornando a imagem
uma só, havendo a junção entre céu e terra.
Na Figura 152 vemos uma cena nada cotidiana, pois normalmente de onde
estou captando a orla do Praião as águas são profundas e agitadas, neste dia suas
tranquilas águas formaram um belíssimo espelho d` água.
Fig. 152: Uma manhã memorável. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012.
Praias de Itanhaém,
Magia de luz e cor,
282
Princesa dos mares do Sul
Devolve o meu amor
Há um ditado
Na minha terra
Amor de praia
Não sobe a serra,
É como a onda
Que beija a areia
Quando é noite
De lua cheia
A onda beija
E vai se embora,
A areia fica
Tão triste e chora
Eu já sabia
Linda criança
Que era tudo onda
Só ficou uma esperança.
(Antônio Bruno e Ernesto Zwarg. In: Itanhaém, um mar de histórias. Itanhaém: Expoente,
2008)
A Figura 153 mostra-nos uma sequência de pequenos quiosques e palmeiras
onde estes apontam em direção ao mar, os quais são encontrados na Praia do
Centro. A imagem foi tomada pela manhã, o que possibilitou a contraluz no primeiro
plano sob um intenso azul encontrado tanto nos céus quanto no mar.
283
Fig.153: Só ficou a lembrança. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012
5.3: Recortes da Vida cotidiana na praia
Itanhaém sonho infindo
É a namorada do mar
O teu luar
E o céu tão lindo
São um convite para a gente amar
Itanhaem magia
De luz e cor
É um doce paraíso
Dos sonhos de amor
Estrelas mil cintilam
No céu azul
284
Grinalda de princesa
Dos mares do sul
(José Rosendo e Ernesto Zwarg. In: Itanhaém, um mar de histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)
Muitos moradores de Itanhaém têm por hábito após o trabalho irem até a
praia para observá-la. É um momento realmente único. Como é singular, ver a tarde
caindo em minha terra. Em dias outonais, onde o frio já se aproxima, poucos ousam
ainda estar na praia, vê-la bem de perto, mas o entardecer vista das areias da praia,
é inesquecível, nossos morros fazendo uma excelente moldura a maravilhosa obra
de arte do Criador, a queda do Rei Sol, este indo numa marcha fúnebre para as
terras sombrias, mas a marcha não é soturna, é bela, o sol se vai, mas deixa após si
uma explosão de tons vermelhos, rosas, laranjas, dourado, ele está partindo, mas
sempre deixa saudades. Até o dia seguinte. E o seguinte. E o seguinte. Itanhaenses
que ao observar algo majestoso nos céus ou no mar, sempre tem o desejo de
fotografar tal imagem a nós apresentada, já que:
É comum, para aqueles que puseram os olhos em algo belo, lamentar-se de
não ter podido fotografá-lo. [...] Aprendemos a nos ver fotograficamente: ver
a si mesmo como uma pessoa atraente é, a rigor, julgar que se ficaria bem
numa fotografia. (SONTAG, 2006, p.102)
Tantos itanhaenses gostam de observarem o mar em diversas ocasiões e
dias. Eu sempre me pego imaginando o que estão pensando naquele momento.
Tanta saudade o mar já não ouviu? Tantas lembranças, de inúmeras gerações desta
terra que tiveram o mar por confidente e este nos ouve e o mar guarda nossas
confidências, choros secretos, escondidos de todos o mar que já presenciou. Tantas
ilusões, tantos dramas que já ouviu. A profundeza do mar inteira a guardar tantos
segredos. Será possível que todas estas ondas espumadas estejam repletas de
lágrimas?
285
Nós que convivemos com o mar podemos até afirmar que o conhecemos,
mas, no entanto, não conseguimos esquadrinha-lo por completo. Ele sempre nos
será surpreendente, nos trazendo sentimentos e emoções únicas. Pode até ser para
muitos ser algo repetitivo este gesto do mar, de vai e vem, mas para aqueles que o
ama, é o movimento de um amante que vem beijar sua amada, a praia, este que
vem másculo e forte, um movimentos tão repentinos, principalmente no Praião, onde
há um turbilhão de ondas sem descanso, local ideal de muita gente, não sei se
porque a vista é estonteante e hipnotizadora ou se é a praia do centro da cidade.
Mas de uma forma ou de outra, sempre será misterioso para quem o olhe, como um
coração humano, impossível de ser sondado.
Na Figura 154 temos a imagem de homem que olha atentamente em direção
ao mar, segurando sua bicicleta. Não sei se ele é um pescador a observar se as
condições climáticas são favoráveis à pesca, se está descansando ou se apenas
procurou o local para ficar consigo mesmo. Mas as motivações deste homem não
nos interessam, é particular. O que importa é que o mar sempre nos responde.
Como também na Figura 155 onde vemos registrado um moço observando o
mar, perdido em seus pensamentos. Eu havia parado ai para descansar e achei
muito interessante a atitude dele, há muito tempo estivera ali, em meio a devaneios,
com os olhos fixos no mar, nunca saberemos o que se passava em sua mente, em
seu coração. Tal como esta mulher encontrada na Figura 156, na Praia do Cibratel
que há muito tempo devaneava sob esta pedra numa tarde quente de verão. A qual
nem mesmo a constante presença de diferentes pessoas a ir e vir não a incomodou,
ela estava totalmente imersa em seus pensamentos. Quais eram eles? São
insondáveis a nós.
286
Fig.154: Insondável I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012
Fig. 155: Insondável II. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012
287
Fig.156: Insondável III. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012
Em cada presença silenciosa onde pude observar diante do mar, lá está meu
testemunho do que pude presenciar, mesmo sem sabermos as motivações de cada
personagem registradas nas imagens fotográficas de estar no local, a simples
presença destes foi capturada.
A imagem do real retida pela fotografia (quando preservada ou reproduzida)
fornece o testemunho visual e material dos fatos aos espectadores
ausentes da cena. A imagem fotográfica é o que resta do acontecido,
fragmento congelado de uma realidade passada, informação maior de vida
e morte, além de ser o produto final que caracteriza a intromissão de um ser
fotógrafo num instante dos tempos. (KOSSOY, 2001, p.37)
Enquanto eu fotografava o nascimento do Sol esta senhora a cada dois ou
três passos abaixava-se a fim de colher as belas conchinhas que o mar havia trazido
a nós neste dia. Com muita simplicidade e espontaneidade ela colecionava seus
tesouros, suas conchinhas, não estava preocupada com absolutamente nada. Seu
foco eram apenas elas. (FIGURA 157)
288
Fig.157: Conchinhas do Amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva.07. Abr. 2012
Fig.158: Longas tardes de Verão. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012
O homem da Figura 158 vinha de longe, vi seu pequeno contorno a uma
distancia considerável aproximando-se de mim paulatinamente. Ele está tranquilo,
289
apenas caminha a beira mar sem levar consigo nenhum pertence. A pureza do azul
da cena fecha este ciclo de calmaria ai existente.
Fig. 159: Uma Tarde na Praia. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012
Aqui todo ecoa não com a urgência das grandes cidades, mas com a calma
dos artesãos de nossa cidade. As caminhadas pelas orlas de nossas praias,
acompanhadas pelo cantar do mar são herança de cada cidadão local. Na Figura
159 temos em primeiro plano um pai atento observando seu pequeno brincar com a
areia do mar e em segundo plano outros tanto personagens, todos calmos, todos
apenas vivendo e fruindo cada momento proporcionado por tão belo local.
Itanhaenses que despertam inveja nos veraneios, não por suas posses, mas
pela paz que nós possuímos; nossa vida levada na calmaria, sem o clamor e a
agitação das grandes cidades. Paz esta que provém da fé católica herdada, onde
permite o descansar em meio a dificuldades, descansar Nele: a Grande Providência,
aquele que figura como o Menino nascido e anunciado pelos Magos, ou pela
Pombinha Branca do alto do Mastro, a Santa Mãe que do alto do Morro Itaguaçu os
abençoa. Aquele que está sempre do lado deste povo simples.
290
6: ABSTRAINDO O COTIDIANO A TODO MOMENTO (séries fotográficas)
Como a fotografia é muito mais um documento impregnado de
fantasia, tanto do fotógrafo quanto do fotografado, quanto do “leitor” da
fotografia, do que de exatidões próprias da verossimilhança. O que o
fotógrafo registra em sua imagem não é só o que está presente ali no que
fotografa, mas também, e, sobretudo, as discrepâncias entre o que pensa
ver e o que está lá, mas não é visível. A fotografia é muito mais indício do
irreal do que do que do real, muito mais o supostamente real recoberto e
decodificado pelo fantasioso, pelos produtos do autoengano necessário e
próprio da reprodução das relações sociais e de seu respectivo imaginário.
A fotografia, no que supostamente revela e no seu caráter indicial, revela
também o ausente, dá-lhe visibilidade, propõe-se antes de tudo como
realismo da incerteza. (MARTINS, 2008, p.28)
O fotógrafo é capaz de converter uma rua da cidade, um momento, o olhar de
uma criança, de um velho, a solidão dum homem em mitos, em concepções
imagéticas que transportam o espectador para novas, e por vezes velhas
dimensões. A fotografia contemporânea, tal como a pintura, tem na sua essência a
criação de metáforas, de conotações, de analogias diversas, conseguindo converter
a objetividade em subjetividade. O visível não é necessariamente aquilo que se nos
é apresentado perante os olhos. (TAVARES, 2008)
Durante todo meu percurso, busquei em cada imagem obtida abstrair o
cotidiano, compor imagens que dessem vazão à conotação, a interpretações
diversas a cada leitura. Entretanto, busquei na série “Abstraindo o Cotidiano” modos
muito mais sugestivos e cheios de significações para registrar minha cidade. Na
Figura 160 busquei captar algo que sempre aprecio observar nos dias de chuva , a
distorção natural que as gotas de chuva provocam nas janelas em meus percursos
cotidianos. Dias chuvosos são melancólicos a meu ver, pois gosto das cores
encontradas nos dias ensolarados, mas são precisos e necessários em nossas
vidas.
291
Na área das emoções a fotografia tenta nestes tempos, como, aliás, já o fez
no passado, de acordo com Tavares (2009), explorar e tratar a condição humana:
desilusão, ansiedade, desespero, solidão, fobia, mas também a alegria, a festa, a
esperança. “O ser humano, na sua relação com o mundo atual, é o centro de
atenção dos artistas mais recentes”. (TAVARES, 2009, p.8)
Fig. 160: Praia do Sonho vista da janela num dia chuvoso. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Abr. 2012.
Para tanto, é necessário ter em mente que:
A fotografia não está enclausurada à condição de registro iconográfico dos
cenários, personagens e fatos das mais diversas naturezas que configuram
os infinitos assuntos a circundar os fotógrafos, onde quer que se
movimentem. A fotografia por ser meio de expressão individual, sempre se
prestou a incursões puramente estéticas; a imaginação criadora é pois
inerente a essa forma de expressão; não pode ser entendida apenas como
registro da realidade factual. A deformação intencional [grifo nosso] dos
assuntos através das possibilidades de efeitos ópticos e químicos, assim
como a abstração, montagem e alteração visual da ordem natural das
coisas, a criação enfim de novas realidades têm sido exploradas
constantemente pelos fotógrafos. Nesse sentido, o assunto teatralmente
292
construído segundo uma proposta dramática, psicológica, surrealista,
romântica, política, caricaturesca etc., embora fruto do imaginário do autor,
não deixa de ser um visível fotográfico captado de um realidade imaginada.
Seu respectivo registro visual documenta a atividade criativa do autor, além
de ser, em si mesmo, uma manifestação de arte. (KOSSOY, 2001, p. 49)
Novamente, Kossoy (2001, p. 50) declara a atuação do fotógrafo como filtro
cultural: “seu talento e intelecto influirão no produto final desde o momento da
seleção do fragmento até sua materialização iconográfica.” Deste modo o
testemunho e a criação são indissociáveis, nas palavras do autor, são um “binômio
indivisível”. Não importa o assunto registrado na fotografia, esta não será nunca
imparcial, documentando sempre a visão de mundo do fotógrafo. Ela é um duplo
testemunho por: “nos mostrar a cena passada, irresistível, ali congelada
fragmentariamente, e por aquilo que nos informa acerca de seu autor” (KOSSOY,
2001, p. 50) O autor prossegue afirmando sobre o poder do fotógrafo na concepção
da imagem:
As possibilidades de o fotógrafo interferir na imagem – e portanto na
configuração própria do assunto no contexto da realidade – sempre
existiram desde a invenção da fotografia. Dramatizando ou valorizando
esteticamente os cenários, deformando a aparência dos seus retratados,
alterando o realismo físico da natureza e das coisas, omitindo ou
introduzindo detalhes, elaborando a composição ou incursionando na
própria linguagem do meio, o fotógrafo sempre manipulou seus temas de
alguma forma: técnica, estética ou ideologicamente. (KOSSOY, 2001,
p.108)
Porém, é difícil quebrar alguns paradigmas na área da fotografia, pois o valor
da mesma como o espelho do real está cristalizado no senso comum. Sontag (2006)
nos lembra de que:
293
O que está escrito sobre uma pessoa ou um fato é, declaradamente, uma
interpretação, do mesmo modo que as manifestações visuais feitas a mão,
como pinturas e desenhos. Imagens fotográficas não parecem
manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da
realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir. [...] Porém, apesar da
presunção de veracidade que confere autoridade, interesse e sedução a
todas as fotos, a obra que os fotógrafos produzem não constitui uma
exceção genérica ao comércio nebuloso entre arte e verdade. Mesmo
quando os fotógrafos estão muito mais preocupados em espelhar a
realidade, ainda são assediados por imperativos de gosto e de consciência.
(SONTAG, 2006, p.16-17)
Tal fato nós podemos observar em nosso cotidiano ao nos depararmos com
as imagens publicitárias, as quais após sua edição tem o enorme poder de seduzir a
população em geral. Para Sontag (2006), a imaginação fotográfica envolve um modo
de produção de imagens fotográficas, a composição e a perspectiva, o apelo a
recursos técnicos para escolher e definir a profundidade de campo, enfim, um modo
de construir a fotografia, de juntar no espaço fotográfico tudo o que da fotografia
deve fazer parte e o modo como deve fazer parte.
O chamado “congelamento” do instante fotográfico é na verdade a redução
das desencontradas temporalidades contidas nos diferentes componentes
da composição fotográfica a um único e peculiar tempo, o tempo da
fotografia. [...] Se a fotografia aparentemente “congela” um momento,
sociologicamente, de fato, “descongela” esse momento ao remetê-lo para a
dimensão da história, da cultura e das relações sociais. O “congelar” não é
mais do que o sublinhar elementos de referência de um imaginário cujo
âmbito não se restringe ao reducionismo dos supostos “congelamentos”.
(SONTAG, 2006, p. 65)
Portando, nestes congelamentos obtidos com nossas imagens fotográficas
pomos em evidência tudo aquilo que denuncia o que apreciamos, quais são nossas
referências estéticas, revelando-nos a todo o momento. Neste sentido, revelando a
condição em que se encontra o fotógrafo:
294
O fotógrafo é, pois uma categoria de observador que se pode realizar
imediata e inteiramente, no vazio verbal, mas não no vazio visual. [...] Ele
fotografa o que vê, muitas vezes sem compreender, mas sem por isso se
sentir frustrado por uma compreensão intelectual que, aliás, não busca em
estado, em primeira instância. (MARESCA apud ANDRADE 2002,
p. 142)
Este sentimento de colecionar intensamente imagens passou a dominar-me
desde Dezembro de 2011. Cada particularidade de minha terra que eu observava e
conseguia visualizar uma boa composição, eu a registrava com minha câmera
fotográfica que me servia como um bloco de anotações.
Deste modo, busquei constantemente observar minha cidade de modo mais
apurado, persistente, buscando ver o que dantes eu não percebia. Para descrever
tal acontecimento, faço das palavras da autora as minhas:
o exercício de fotografar ensinou-me a contemplar as coisas do mundo, a
reparar no movimento da natureza e na natureza dos movimentos. Aprendi
a observar as pequenas coisas dentro de um universo, os detalhes dentro
da globalidade. (ANDRADE, 2008, p.18)
As palavras de Andrade (2002) esclarecem minha proposta em fomentar a
observação acurada do que nos cerca, quando nos fala que sobre a população em
geral onde aprendemos a ver apenas o que precisamos ver. Atravessamos nossos
dias com viseiras, observando apenas uma fração do que nos rodeia. Para Andrade
(2002, p. 54), “Os homens modernos não são tão bons observadores, e o uso da
câmera fotográfica pode auxiliar sua percepção”.
Ainda sobre este mesma abordagem, Andrade (2002), diz:
295
Olhar para o mundo é uma condição, compreendê-lo por meio deste olhar é
uma busca eterna, instigante e fascinante. Fascinante porque é pela
contemplação da beleza do mundo que nos encantamos e nos
apaixonamos. Instigante porque a vontade de mergulhar em seu
desconhecido pode nos levar ao diferente e transformar o que estamos
viciados a enxergar. (p.114)
Com a observação atenta, fazemos parte do mundo e não apenas estamos
inseridos nele. Quanto mais nos aprofundarmos naquilo que enxergamos, mas
conheceremos do objeto e de nós mesmos. “Tecemos nossas conclusões pelos
fragmentos e pelos recortes. Tecemos um olhar por fotografias”. (ANDRADE, 2002,
p.115)
Nesta conturbada vida em que levamos, perdemos a relação com o tempo e
seu direcionamento. Observar, contemplar o nosso meio requer tempo. “Para
saboreá-las, é preciso parar, o que é quase impossível diante do imediatismo de
nossas necessidades diárias. Vida moderna, fugaz e efêmera.” (ANDRADE, 2002,
p.116)
Portanto devemos nos debruçar atentamente sobre nosso tema, registrando-o
com respeito, saboreando o instante vivido:
“Uma grande foto” tem de ser uma expressão plena daquilo que a pessoa
sente a respeito do que é fotografado, no sentido mais profundo, e é
portanto uma expressão verdadeira daquilo que a pessoa sente a respeito
da vida em seu todo. ( ADAMS apud SONTAG, 2006, p. 135)
No ano de 1904, os irmãos Lumière, com base numa técnica própria,
começaram a fazer as primeiras fotografias coloridas, claramente influenciadas pela
pintura impressionista, indício de quanto ainda persistia a dúvida dos fotógrafos em
relação à fotografia “prisioneira da ideologia do verossímil e quanto titubeavam em
abandonar a possibilidade de situá-la no imaginário da arte”. (MARTINS, 2008, p.
151)
296
O impressionismo muito me influenciou no que concerne a fotografar várias
vezes o mesmo lugar, porém variando a perspectiva e principalmente variando em
função do dia e da luz. “Cada momento do dia criava o seu próprio espaço e,
sobretudo, a sua espacialidade singular, através da linguagem do reflexo. [...] Em
diferentes dias e em diferentes momentos do dia eram diferentes as imagens da
mesma coisa.” (MARTINS, 2008, p.158)
Penso que há no impressionismo um ímpeto totalizador na tensão da
linguagem que lhe é própria, traços e cores libertos dos formalismos da
pintura que precedeu, uma luz que procura se expandir, incontida nos
limites do quadro e do enquadramento. A fotografia, como a pintura anterior
ao Impressionismo, se orientará no sentido de sugerir a quem a vê que o
todo já está nela contido, que não há nenhuma continuidade visual além do
que foi fotografado. Em contraste, portanto, com as primeiras holografias,
de imprecisões polissêmicas e impressionistas, sugerindo que o objeto é
apenas o indício de uma visualidade mais extensa, carregada de incógnitas
mais do que seguras certezas. (MARTINS, 2008, p. 152)
Tanto nessas primeiras fotografias quanto na pintura Impressionista,
percebemos a imprecisão de contornos e a intensidade de luz que parecem atender
às necessidades de uma época de explosão do imaginário e do anseio de liberdade
de representar livremente o apresentado, anseio de antepor a liberdade interior do
sujeito à tirania exterior do objeto. Neste conturbado século XIX encontramos:
“Contradição e resistência anárquica aos crescentes constrangimentos do imaginário
contrário, o das precisões de um objetivismo insaciável e castrador”. (MARTINS,
2008, p. 152)
Infelizmente, desde suas origens a fotografia foi capturada para tornar-se servil
do real, sendo apenas seu espelho. Tanto que em apenas meio século de sua
invenção, conforme expõe Martins (2008), o retrato fotográfico era utilizado para
identificação nas fichas policiais e nos passaportes. Há, nesse sentido, uma
necessidade de vigilância, de deixar em cada fotografia os elementos bem visíveis e
apresentáveis.
297
Assim como foi o contexto social para o surgimento do Impressionismo, que em
meio a cenários cinzentos e esfumaçados, das recentes fábricas, os artistas
ansiavam por liberdade, como nos informa Martins (2008), desejando representar
livremente, buscando principalmente a liberdade interior, para que esta se extravase
para o exterior sem nenhuma amarra e flua para sua criação artística. E hoje, é o
que desejei e busquei com esta série fotográfica. Meu contexto social é bem diverso
do momento histórico onde nasceu o Impressionismo, mas, com o mesmo anseio
destes percussores libertos, anseio pela liberdade, bem como anseio por deixar fluir
meu imaginário para cada uma de minhas fotografias. Sem temer aos presentes e
futuros constrangimentos do imaginário contrário, com suas regras definidas e
inalteráveis; cegos devido a seu objetivismo insaciável e castrador (MARTINS,
2008), os quais tentam com suas críticas destrutivas, me “corrigir”, mas quem há de
impedir o meu olhar?
“A fotografia se afastou progressivamente do imaginário de imprecisões reais
em que nasceu sem dele se divorciar completamente.” (MARTINS, 2008, p.159) Sua
nitidez fez com que a sociedade industrial e moderna a aprisionasse. Numa época
em que a pintura explorava, com o Impressionismo, a linguagem imprecisa da
imagem, oriundas da poluição da água e do ar, pelos reflexos gerados pela mesma,
a fotografia estava fazendo o trajeto oposto. A fotografia estava criando seu próprio
mito, de acordo com o autor, buscando o rebuscamento da forma e da semelhança
com o real. Enquanto a pintura optou pela liberdade, a fotografia escolhe sua
submissão ao supostamente documental.
Neste pressuposto, conforme analisa Martins (2008), não é de se admirar que
um pintor, Henri Cartier-Bresson, na condição de fotógrafo, tenha criado uma
linguagem e uma estética libertadora, que é uma saída desta prisão em que a
fotografia foi encerrada. Bresson através do momento decisivo encontra a
espontaneidade e liberdade ao estar previamente no “lugar certo”, assim, o fotógrafo
deve ser ágil e perspicaz. “É que para Cartier-Bresson, coisas e pessoas se definem
na relação e no relativo. A escolha prévia do cenário do momento decisivo da
fotografia é escolha da mediação significante sem a qual o tema, a ação, não terá
sentido.” (MARTINS, 2008, p.160)
298
Seguindo o grande mestre Bresson, pude voltar a diversos cenários onde se
desenrolaram inúmeros fatos de minha vida e os captar de um modo único,
incomum, como é o caso da Figura 161. Onde pude unir lembranças de minha
infância às reflexões artísticas. De minha infância tenho esta posição, que para
captura-la tive que me abaixar, mas quando eu tinha sete anos era este meu
tamanho, minha visão. Eu observava o rio sempre através destas janelas, enfim, as
grades de proteção da ponte da rodovia Padre Manoel da Nóbrega, quando íamos a
pé à casa dos parentes de minha avó.
Fig. 161: Uma janela sob o Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012.
Este conjunto ponte-e-rio sempre esteve guardado em minha mente. E, agora,
anos depois de tantas vivências adicionadas a esta, decidi registrá-la também
direcionando a imagem não apenas ao passado, mas ao presente, às minhas
reflexões a respeito da fotografia.
Propus esta imagem como se estivéssemos posicionados do mundo abstrato,
subjetivo observando o mundo real, objetivo. O contraste de cores quentes, do muro
e frias, do rio também não foi aleatório, desejei que nos dessem este sensação de
oposições de mundos diferentes, mas, que ao mesmo tempo há harmonia. É a
299
liberdade de observar lugares conhecidos ou não com um olhar mais observador,
um olhar que é capaz de unir e imprimir nossas vivências em cada imagem
produzida.
E esta mesma liberdade orientou a concepção de minha série fotográfica, em
que na perspectiva do fotógrafo português João Evangelista o qual suas produções
concentram-se em imagens abstratas, o qual eu contatei através inicialmente do site
olhares e mais tarde através de e-mails, fala a respeito de minha produção:
[...] No seu caso além da leitura subjectiva ou abstracta ser mais complexa
ela só está ao alcance do observador se ele se demorar a olhar suas fotos,
no seu caso o observador é obrigado a olhar como deve ser pois ele só será
"recompensado" com uma leitura mais subjectiva do mundo real se ele fizer
um esforço e isso para mim é bom pois além do observador apurar sua
capacidade de observar fotos, você obriga-o a por em questão a realidade e
o mundo que o rodeia...É bom porque as pessoas estão tão acostumadas e
ver o mundo "direitinho" que acabam por se conformarem com tudo e
aceitam tudo sem pensar...Com essa coisa da vida cada vez mais
apressada e estressada já não põem nada em questão e aceitam tudo sem
pensar duas vezes primeiro!!!
Você está fazendo com que as pessoas voltem a pensar sobre o mundo
que está à sua volta em vez de aceitar tudo sem mais nem menos!
O que você faz é distorcer o objectivo e a realidade para que as pessoas
não possam ter uma leitura óbvia e normal do mundo real, obrigando-as a
se questionarem e buscar uma leitura que torne lógico e aceitável,
acabando por se "refugiarem" numa leitura abstracta e subjectiva em que
uma casa inclinada já não incomoda, pois passou a ser uma forma
independente do que é na realidade e passa a ser aceitável estar
"torta"!!!...Tudo deixa de ser uma paisagem e passa a ser uma harmonia de
forma e linhas que dependendo da sua força visual dão uma imagem
estável ou dinâmica! [...] Quando você inclina o assunto nas suas fotos, é
como se você estivesse dando um 1º passo para que você e o observador
se livre do conformismo e rotina da realidade para depois seguir em
direcção à abstracção!...E ajudando as pessoas a "acordarem" e verem o
mundo com outro olhar!
300
Pelo que eu aprendi sobre abstracção, tudo pode se tornar numa foto ou
obra abstracta por uma simples razão: A verdadeira abstracção tem sempre
origem na realidade!!!!...a própria palavra está dizendo que estamos a
abstrair alguma coisa e no caso da abstracção é a realidade!!!!...Tanto é
verdade que só quando a obra final não tem nada que seja relacionado com
o mundo real é que pode ser chamada de abstracta!...Só ao abstrair a
realidade é que entramos no mundo das formas, linhas, manchas de cor
para criar harmonia sem estarmos presos ao que é familiar e real!
(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 03. Jul. 2012.)
Fig.162: Uma Face? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez. 2012
Neste sentido de busca por formas que nos convidem à reflexão andei por
toda a cidade tentando encontrá-las pra enfim registrar. Na Figura 162 vê-se uma
forma que contém luz e sombra. A primeiro olhar eu reconheci uma face em perfil. O
leitor é livre para ler o que quiser nesta e em qualquer imagem. O importante é ler, é
perceber o mundo que nos rodeia. Tal forma foi realizada pelos reflexos da
iluminação artificial na Praia dos Sonhos numa quente noite de verão a qual saímos
para caminhar sobre ela. Tudo pode ser lido.
301
A Figura 163 é algo que pertence a meu cotidiano. Sempre o vejo em meus
percursos quando vou ao centro utilizando a ciclovia da Rodovia Padre Manoel da
Nóbrega. Diversos postes de eletricidade que desde minha infância os relaciono
com a Torre Eiffel estão dispostos à beira da Rodovia. Registrei a imagem quando
um dos postes está postado em frente a enorme floresta retorcida, o grande
manguezal que se encontra após o Rio Itanhaém em direção ao sul. Focalizei
apenas parte da estrutura a fim de criar uma espécie de prisão, grades à mata
nativa. Felizmente o que lá prevalece é a Mata Atlântica.
Fig.163: Natureza Encarcerada. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012
Estudei o Ensino Fundamental I e II na Escola Estadual Prof. José
Carlos Braga de Souza, localizada no Bairro do Jardim Savoy. Há mais de vinte
anos os muros da escola permanecem nesta condição, deteriorado e com diversas
fendas. Ao passar por lá, na entrada ou saída da escola, minha distração era
enquadrar a paisagem subsequente. (FIGURA 164). Os Morros do Bairro do
Vergara, toda mata que circunda meu antigo bairro estavam sob minha vista.
Gostava de perceber que a cada passo, em uma nova perfuração no muro, o
enquadramento modificava, elementos novos surgiam, o quadro era maior ou
302
menor, dependendo do tamanho da falha do muro. E assim, mesmo através de algo
fútil, muitas vezes inaceitável, por se tratar de um muro de uma escola, em estado
de abandono, treinei meu olhar desde pequena. Meu visor era qualquer elemento
que pudesse enquadrar o mundo.
Primeiramente minha Itanhaém, a qual me possibilitou o treino do olhar, o
prazer pelo efêmero, fugaz, a observação de acontecimentos que poucos percebem.
Hoje não preciso mais das perfurações do antigo muro. Hoje sou capaz de observar
o Mundo ao meu redor com mais clareza, com mais paixão.
Fig.164: Espiando através do Muro. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012
303
CONCLUSÃO
O Objetivo central desta pesquisa foi utilizar um enquadramento inusitado na
fotografia para demonstrar nossa relação com a imagem e o poder do fotógrafo de
imprimir sua visão na fotografia. Para busca de informações, a metodologia utilizada
teve uma abordagem qualitativa, pois ela se trata de um registro e descrição de
minha poética pessoal. Os Objetivos dessa pesquisa fizeram dela uma pesquisa
descritiva e explicativa, pois descrevi qual foi o processo histórico da câmera
fotográfica como também dissertei sobre como a sociedade contemporânea está
intimamente envolvida com a fotografia. Enquanto procedimento, este trabalho
realizou-se por meio de pesquisa bibliográfica que parti pela leitura de registro
disponível e publicado para comparar minhas experiências e hipóteses com
conhecimentos preexistentes.
Como se pode analisar durante este trabalho, a fotografia está presente na
vida cotidiana desde a segunda metade do século XIX devido à crença em suas
características compromissadas com a realidade e seu fiel registro. Porém, ao nos
debruçarmos sobre o tema, vamos paulatinamente percebendo a dicotomia da
fotografia, ou seja, seu compromisso com a ciência e seu engajamento artístico,
conferindo a mesma a liberdade ao fotógrafo de manipular a imagem fotográfica
através de diversos artifícios químicos durante sua revelação ou até mesmo uma
simples deslocação de passos, incrementando partes à composição ou descartando-
os são maneiras de se obter diversas versões de uma mesma realidade.
A memória, desde que tal invenção foi incorporada à nossas vidas, também
se modificou, adaptando-se à fotografia, esta que constantemente nos chama à
nostalgia dos tempos passados e muitas vezes nunca mais obtidos, fazendo-nos
colecionar imagens mentais a nós relevantes.
Neste espaço de tempo até os dias de hoje, diversos fotógrafos em todo
mundo puderam contribuir com a liberdade artística hoje concebida à fotografia,
deixando-nos o legado de se registrar o mundo ao nosso redor.de acordo com sua
visão pessoal.
304
Neste pressuposto esteve baseada minha poética visual, onde pude averiguar
que realmente o fotógrafo é um filtro cultural, onde este pode e deve imprimir suas
marcas pessoas nas imagens obtidas, onde cada uma de suas vivências e
experiências será evidenciada nas imagens por ele conseguidas. O paradigma do
horizonte em transversal o qual adotei desde o início de meu processo criativo
contribui para ilustrar a discussão a respeito de a fotografia ser ou não o espelho da
realidade e para obviamente expressar-me artisticamente, pois o dinamismo e
instabilidade obtida numa imagem que fora enquadrada diagonalmente revelam-me,
representam o que sou.
A vivência de cada momento de nossas festividades folclóricas tradicionais
fora importante, pois, além de apenas estar registrando, eu fazia parte daquela
sociedade, esta herança cultural também me pertence. Retornar a lugares e reviver
lembranças de minha tenra infância ajudou-me significativamente, não apenas na
composição destas imagens, mas em minha vida em si, auxiliando-me a ser
completa, a não deixar nada de significativo para trás, apenas agregando novas
experiências, tendo um olhar mais apurado sobre o lugar onde me criei e ainda
moro. Itanhaém sempre terá um lugar muito especial em minhas memórias, sua
herança caiçara a mim concedida nunca será arrancada.
Os objetivos desta pesquisa foram alcançados, pois pude a cada imagem
realizada para compor esta série fotográfica imprimir características pessoais, já que
o fotógrafo é um filtro cultural, além de ao inclinar um tema conhecido pelos
moradores locais é possível proporcionar a eles uma realização de leitura mais
profunda do que nos cerca, percebendo as formas e suas relações umas com as
outras, bem como perceber que a fotografia não é o espelho do real. Ela é resultado
da interação humana: os que a idealizaram, os que a compõem como personagens
e os que a leem. Nada é predefinido. Haverá sempre a multisignificação sob a
fotografia.
305
APÊNDICE
PLANO DE ENSINO
NOME DA INSTITUIÇÃO:
TURMA: 6º ano
PERÍODO: UM TRIMESTRE DO ANO LETIVO
TEMA: Arte e Cultura Local
TÍTULO: Produzir, fruir, refletir: Um novo olhar sobre Itanhaém.
OBJETIVO GERAL: Produzir, fruir e refletir embasados nos aspectos
artísticos e culturais de Itanhaém.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Desenvolver uma poética pessoal a respeito do
relacionamento do educando com sua cidade. Expressar-se e saber comunicar-se
em artes, mantendo uma atitude de busca pessoal e/ou coletiva, articulando a
percepção, a imaginação, a emoção, a sensibilidade e a reflexão ao realizar e fruir
produções artísticas. Edificar uma relação de autoconfiança com a produção artística
pessoal e conhecimento estético, respeitando a própria produção e a dos colegas no
percurso de criação que abriga uma multiplicidade de procedimentos e soluções.
Apreciar obras de artistas do presente e do passado, observando as inúmeras
possibilidades de expressar-se sobre um mesmo tema, ou seja, retratar a cidade.
Conhecer e valorizar uma parte do nosso patrimônio imaterial, posicionando-
se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais e reconhecendo-o
como um elemento de fortalecimento de democracia.
CONTEÚDO: Arte e Cultura de Itanhaém
Artistas locais contemporâneos e do passado
Desenvolvimento de Poéticas Visuais utilizando diversas linguagens artísticas
Leitura de diversas Fotografias enfocando Itanhaém
306
DESENVOLVIMENTO AULA A AULA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
(AULA INICIAL)
Objetivo: Exposições dos conhecimentos prévios dos alunos a cerca de
Itanhaém, em rodas de conversa.
Conteúdo: Itanhaém
Estratégias: Para introduzir os alunos ao tema estudado, estaremos buscando
em conversas iniciais, saber o que conhecem a respeito da História de nossa
cidade, nuances de nossa cultura, locais, enfim, buscar o conhecimento prévio dos
educandos para a partir dele calcar mais degraus. Irei propor perguntas a partir do
que foi coletado para que possamos pesquisar embasados nas repostas dos alunos
envolvidos. A arte será nosso eixo central, onde através dela entraremos em contato
com a História local, apreciando fotografias de épocas anteriores e obras plásticas
de artistas locais para observar mudanças e permanências de nossa cidade.
Estudaremos a geografia local através das produções recentes, de fotógrafos e
artistas plásticos locais, onde eu como mediadora apresentarei também minha
produção artística, a série de fotografias enquadradas em diagonal a fim de iniciar a
discussão a respeito de a fotografia ser ou não espelho da realidade com os alunos
e mostrar-lhes que a poética pessoal é livre, os mesmos podem e devem produzir a
partir das próprias experiências pessoais, suas vivências devem estar incutidas em
cada traçado, em cada olhar, em cada ação.
Há ações específicas dentro de a Proposta Triangular, porém é inútil decretar
qual será primeiro, pois o caminhar do projeto irá de acordo com as situações de
aprendizagem que estarão ocorrendo naturalmente, porém, dentro de cada uma das
propostas artísticas, as aulas aqui planejadas estão dentro de certa sequência, onde
cada ação irá contribuir para a aula seguinte.
307
SEQUÊNCIA DIDÁTICA CONCERNENTE Á PRODUÇÃO
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Registrar plasticamente várias impressões da escola com o uso
de lápis preto HB/6B, escolhendo vários pontos da escola e desenhá-los
rapidamente, registrando a incidência da luz e como esta modifica a aparência dos
objetos. Trabalhar com diversos tipos de desenhos de observação bem como este
referido acima, de áreas ao ar livre, de um ponto da sala de aula, de objetos, enfim,
realizar inúmeras vezes esta prática para se familiarizar com o desenho não mais de
memória, mas de observação.
CONTEÚDO: Desenho de Observação
ESTRATÁGIAS: Aulas práticas e aulas externas, explorando os espaços
externos da escola.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Trabalhar também no desenho de observação de obras
plásticas, dos artistas locais, absorver após a leitura coletiva de suas obras como
eles resolveram questões como a perspectiva, tridimensionalidade, cor, tonalidade,
enfim, trabalhar releituras das obras deles.
CONTEÚDO: Produção baseada em trabalhos dos Artistas Locais
ESTRATÁGIAS: Aulas práticas, aulas teóricas enfocando um pouco sobre os
artistas que iremos conhecer. Principais artistas trabalhados: Ronaldo Lopes (1953),
Orlando Bifulco (1935), Luiz Lopes (1960), Daniel Pena (1948), Klaus Streck (1940)
e demais artistas locais que se propuserem também a este tipo de abertura, ao
contato mais íntimo do aluno com o produtor.
(AULAS PREVISTAS)
308
OBJETIVOS: Trabalhar com desenhos de observação de fotografias de nossa
cidade, observando como podem ser diferentemente representadas em dado
momento do dia (observação da luz solar), comparando um mesmo ponto de
Itanhaém fotografado por diversos fotógrafos num dado intervalo de tempo.
CONTEÚDO: Observação de Fotografias e Produções consequentes destas.
ESTRATÉGIAS: Aulas práticas, leitura de Obras Fotográficas em roda.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Utilizar diversos materiais para a realização dos desenhos,
entrando em contato com estes materiais: Pastel Oleoso, Pastel Seco, Giz de Cera,
Caneta Hidrográfica, Lápis de Cor, Lápis Preto em outros números que eles não
estejam habituados (como é o caso do nº2), Guache, Tinta Acrílica, Tinta em Relevo,
Tinta Vitral e Nanquim. Propiciar momentos para que possam produzir suas próprias
produções com a técnica em que realmente se identificaram e produziram com
liberdade.
CONTEÚDO: Produções realizadas com diversos materiais
ESTRATÉGIAS: Aulas práticas nas quais os alunos terão à sua disposição
diversos materiais simultaneamente, os quais previamente serão apresentados aos
mesmos, paulatinamente, nas demais aulas do ano letivo.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Pintar com Verniz Vitral nos CDs e DVDs reutilizados os pontos
turísticos e confeccionarmos um móbile coletivo com suportes em bambu e sisal.
CONTEÚDO: Produção utilizando um suporte reutilizado
309
ESTRATÁGIAS: Aulas práticas, nas quais os alunos primeiramente farão
numa folha um estudo, o qual irá ser representado no CD com o uso da tinta vitral, e
quando a mesma secar-se, com caneta permanente, caso queira traças o contorno.
A aula deverá ser realizada num espaço externo, pois o verniz pode causar alergias
respiratórias se utilizado em locais fechados.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Visitar a Passarela de Anchieta para realizar desenho por
observação, acomodados na praça que foi construída recentemente. Observação da
paisagem natural e das modificações feitas pelo homem. Procurar bons ângulos com
o uso de um visor previamente confeccionado por eles. O lugar escolhido será uma
paisagem calma, durante os dias comerciais para que não sejamos atrapalhados
pela aglomeração de outras pessoas. Os alunos serão acompanhados pelo artista
plástico Ana Levina para acompanhar o desenvolvimento da atividade e a escolha
de bons ângulos para o desenho.
CONTEÚDO: Desenho de Observação de Paisagens
ESTRATÉGIAS: Aulas externas com visitas à Passarela de Anchieta.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Confeccionar um mosaico em grupo do tamanho da folha A3, no
qual iremos fazer uma releitura da obra de Ana Levina (1957), o qual é um imenso
mosaico com tesselas multicoloridas sob as caixas d`água no Morro do
Paranambuco, retratando os passos de José de Anchieta em nossa cidade.
Utilizaremos para suporte Canson A3 e recortes de revista, apenas das áreas
coloridas. Estudar a relação das matizações de uma mesma cor encontrada em
diversas revistas.
CONTEÚDO: Mosaico
310
ESTRATÉGIAS: Aulas expositivas e discursivas em roda, onde iremos
abordar a obra, questionando aos alunos se já viram a obra de perto, do alto do
Morro ou das Ruas adjacentes. Apreciação de fotografias da obra e seu processo
criativo passo a passo do acervo da artista.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Criar um livro de estudo da relação das cores e de suas
matizações, indo das interferências do preto até o branco. Estudar as cores
primárias, secundárias, análogas, complementares, bem como a escala cromática.
Perceber, não tecnicamente pelo uso da aprendizagem mecânica, mas da
significativa, da experimental a relação entre cada um delas.
CONTEÚDO: Estudo das Cores catalogado
ESTRATÉGIAS: Aulas práticas trabalhadas embasadas neste assunto.
.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Produzir coletivamente um mural em nossa escola, onde os
alunos terão diversas tarefas divididas para que todos possam auxiliar no produto
final. O tema será: Um novo olhar sobre Itanhaém e o desenho será escolhido
coletivamente, onde analisaremos todas nossas produções e escolheremos uma ou,
se for da escolha deles, partes significativas de algumas produções. Antes de
registrarmos na parede, estudaremos as cores utilizadas, se haverá necessidade do
uso de estêncil, quais alunos farão a ampliação na parede, enfim, quais se
responsabilizarão por cada etapa previamente discutida democraticamente.
Utilizaremos tinta acrílica para compor um mural de 2m x 5m em um determinado
local dos muros internos da escola.
311
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Apreciar Obras Artísticas de Ronaldo Lopes (1953), Orlando
Bifulco (1935), Luiz Lopes (1960), Daniel Pena (1948), Klaus Streck (1940) e Ana
Levina (1957). Trabalhar a leitura estética de obras destes e de outros artistas,
sendo estas reproduções ou, quando possível, as originais. Descobrir a narrativa e a
mensagem que cada uma delas nos inspira a criar. Visitar os ateliês de alguns
destes artistas, sendo que estas visitas serão documentadas previamente com o uso
de memorandos, solicitando transportes para os alunos.
CONTEÚDO: Leitura de Obras de Artistas Locais.
ESTRATÉGIAS: Aulas teóricas e práticas abordando o assunto, discutindo a
respeito do tema. Aulas externas com visitas.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Entrar em contato com a história da Fotografia e o envolvimento
da mesma com a Sociedade deste então. Entrar em contato com a Fotografia
Artística, buscando entender como se dá sua concepção. Apreciar obras fotográficas
ampliadas, retratando nossa cidade em diferentes épocas e condições climáticas a
fim de perceber as mudanças. Apreciar obras fotográficas produzidas pela
arte/educadora Thais Oliveira Silva enfocando diversos locais da cidade de
Itanhaém de maneira invulgar, com o uso do enquadramento em diagonal. Leitura
das imagens e possibilidades de significações para cada um dos leitores.
CONTEÚDOS: História da Fotografia, Fotografia Artística, Apreciações de
Obras Fotográficas. Leitura e Interpretação das mesmas.
ESTRATÉGIAS: Aulas teóricas, aulas práticas em roda para discutirmos o
assunto e lermos as imagens apresentadas.
312
SEQUÊNCIA DIDÁTICA CONCERNENTE À REFLEXÃO:
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas,
presentes em sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no
tempo e no espaço. Questionar sua realidade, identificando alguns de seus
problemas e refletindo sobre algumas das possíveis soluções, reconhecendo formas
de atuação políticas institucionais e organizações coletivas da sociedade civil.
Discutir a respeito das práticas de pesca artesanal. Estudo dos pescadores Paulo
Leandro de Lima e José Rodrigues Poitena, representados nas estátuas às margens
do Rio Itanhaém, na Boca da Barra, obra de Ronaldo Lopes (1953).
CONTEÚDO: Cultura Caiçara: Ontem e Hoje
ESTRATÁGIAS: Aulas teóricas a fim de entrarmos em contato com a cultura
local, a Caiçara. Discussão em roda acerca do tema.
(AULAS PREVISTAS)
OBJETIVOS: Apresentar á classe uma Pesquisa de Campo por escrito, na
qual contenha informações obtidas em família sobre sua origem, seus antepassados
e a de seus vizinhos.
CONTEÚDO: Memórias de Itanhaenses
ESTRATÉGIAS: Pedir-lhes antecipadamente que façam uma pesquisa entre
seus parentes e vizinhos sobre sua relação com a cidade de Itanhaém. Incentivar
aos alunos a serem memoristas, coletando e registrando histórias locais. Aulas em
roda onde cada aluno irá apresentar sua pesquisa de campo.
313
PRODUTO FINAL: Os trabalhos realizados pelos alunos estarão expostos na
escola, a fim de que os demais alunos possam apreciar e a comunidade em geral
também.
Dentre as produções dos alunos expostas, teremos portfólios dos alunos,
onde perceberemos suas evoluções e construções de sua poética visual; teremos
instalações com os CDs pintados com tinta vitral presos a cordões de sisal e ao
bambu; haverá o mosaico coletivo relendo a obra de Ana Levina (1957) bem como o
mural realizado coletivamente pelos alunos.
MATERIAS: (Serão de uso coletivo)
Na quantia de 30 unidades: lápis 2B, lápis 6B, borrachas, apontadores,
réguas, colas e tesouras.
Contendo 12 cores: 15 caixas de lápis de cor; 15 caixas de giz de cera, 15
estojos de canetas hidrocores, 20 caixas de guaches, 10 caixas de pastel oleoso, 6
caixas de pastel seco
Para utilizarmos como suportes: 500 folhas de sulfite, 200 folhas de canson
escolar A4, 100 folhas de canson escolar A3; em número indeterminado: papel
pardo, papel jornal, papel espelho, papel camurça.
Tinta acrílica para parede branca (a ser usada no mural), pigmentos nas cores
primárias. Verniz Vitral em diversas cores.
RECURSOS: Imagens fotográficas nas dimensões de 20x30 cm;
Reproduções ou Obras originais dos artistas locais.
AVALIAÇÃO: A avaliação será através da avaliação diagnóstica, onde
levantaremos os conhecimentos prévios dos alunos, bem como a avaliação
314
formativa, na qual acompanharei a participação e envolvimento dos alunos quanto à
sua poética pessoal, sua busca de informações pertinentes e atitude de valorização
da sua cultura a fim de culminar com a avaliação formativa, a qual terá uma visão
global de todo processo em que os alunos passaram neste período letivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
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Cortez, 2009.
_________.Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Internacionais. Ana
Mae Barbosa (Org.) – São Paulo: Cortez, 2005.
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Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 2001, v.: Arte – Séries Iniciais.
FERRAZ, Maria Heloísa e FUSARI, Maria F. de Rezende. Arte na Educação
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HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora. Porto Alegre, 2004
SILVA, Renê Marc da Costa. Cultura Popular e educação/ Salto para o futuro.
Brasília: Ed. Brasília, 2008.
TAPIA, Jesus Alonso Tapia. A motivação em sala de aula. São Paulo: Loyola,
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OUTRAS FONTES:
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do Fazer. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-0259-1.pdf>
Acesso dia: 18-01-12
AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. O Ensino de Arte: em Busca de um
Olhar Filosófico Disponível em:
<http://www.arteducacao.pro.br/Artigos/mesa_tematica.htm>
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BARBOSA, Ana Mae. Porque e como na Educação. Disponível em:
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Acesso dia: 19-11-11
_____.Arte, Educação e Cultura. Disponível em:
<http://www.dc.mre.gov.br/imagens-e-textos/revista7mat5.pdf/at_download/file>
COSTA, Evânio Bezerra. Proposta Triangular, opção ou ilusão? Disponível em:
<http://www.nupea.fafcs.ufu.br/atividades/5ERAEA/5ERAEA%20(2).pdf> Acesso dia:
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FAVERO, Sandra. As inquietações do artista-professor. Florianópolis, 2007.
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<http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume2/numero2/plasticas/sansan_f
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MATIAS, Ronecléia Nunes de Souza; PINTO, Suely Lima de Assis. Educação
estética, fruição da obra de arte: Sonho ou realidade no currículo de arte?
Disponível em <revistas.jatai.ufg.br/index.php/acp/article/download/122/115>
Acesso dia: 06-01-12
RODRIGUES, Maristela Sanches. Desenvolvimento Estético: Entre as
Expectativas do Professor e as Possibilidades dos Alunos. 2008. 264 fs.
(Dissertação de Mestrado - Pós-Graduação em Artes) Universidade Estadual
Paulista – UNESP “Júlio de Mesquita Filho” - Instituto de Artes, 2008. Disponível em:
<http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/36046>
Acesso em: 22-01-2012.
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SCHULTZE, Ana Maria . Fotografia e educação: a escola como formadora de
leitores críticos da imagem midiática. Disponível em:
<http://www.studium.iar.unicamp.br/18/01.html>
Acesso dia: 15-01-12
318
ANEXOS
Gravação da Entrevista com Esther
Dia 31/01/12
Qual é seu nome completo?
Esther Maria Silva Lima.
Idade?
68 anos.
Eu queria que a senhora falasse sobre o Seu Sertório, o que a senhora
quiser, o que mais vem à sua cabeça.
Meu pai, graças a Deus, foi um homem trabalhador, né? Ele que bem dizer
fundou Itanhaém, Itanhaém não era nada, ele trabalhou muitos anos na travessia de
barco aqui no Rio Itanhaém.
Vocês moravam nesta casa? (Hoje em dia na Avenida Harry Forssell,
principal via do bairro do Belas Artes, que ne época em que construíram era
apenas um bairro rural, denominado Km 60 – antiga parada do trem)
Não. Nós morávamos na prainha. E depois ele foi guarda da prefeitura,
trabalhou um pouco de guarda, mas ele mesmo foi um homem muito prestativo em
Itanhaém, ele que trouxe água, carregou os canos nas costas lá na adutora do
Aguapeú. Ele carregou de Itanhaém (centro) pra lá (Aguapeú, aproximadamente 15
quilômetros), pra puxar água pra Itanhaém naquela época, ele é muito antigo aqui,
né? Ele graças a Deus viveu até 91 anos, depois deu derrame cerebral e morreu.
A senhora lembra-se de alguém que quando atravessava o Rio ele mais
conversava mais se identificava; que a travessia era feita por uma canoa ou
um barco?
Barco. Tinha lugares pra mais gente, um barco de passageiros mesmo.
Ah, eu pensei que era canoa, era barco mesmo... Foi muito antes que vocês
vieram pra cá nesta casa, né?
319
Praticamente ele fundou aqui, né? Onde nós moramos. Na época em que
aqui era chamado de Km 60, né? O Bairro Belas Artes.
E da Ponte Sertório, você lembra quem foi o prefeito da época?
Era o Dr. Edson. Já deveria estar em planejamento, já tinha a ponte desde
1970, é que ela não tinha nome nenhum, foi só depois da morte do meu pai, em
1988, que colocaram o nome dele.
Ele falava do Mero? (Peixe lendário local que vive nos vagões
submersos do trem que despencou no Rio Itanhaém num acidente em 1946)
Falava sim porque na época, ele era barqueiro já e quando ficou sem ponte,
ele ia pra baixo e pra cima o tempo todo.
Ele tinha ajudante ou trabalhava sozinho?
Não, era sozinho mesmo.
Como era o cotidiano dele?
Ele atravessava muita gente e mesmo assim tinha mais gente trabalhando,
não era só ele de barqueiro tinha o Pernambuco, tinha a barquinha dele que
atravessava, tinha o Tiago, tinha outros barqueiros também, mas mesmo assim o
pessoal ficava lá do outro lado cantando: “Seu Sertório, traga a barca”, enquanto
meu pai não ia, eles não vinham de lá, não iam com os outros, estavam
acostumados com ele, tinham muita confiança nele.
As pessoas tinham medo de atravessar o rio durante a noite?
Não, eles tinham muita confiança em meu pai. Tirava meu pai da cama, a
gente morava perto do Rio, né? Gente gritando do outro lado, querendo atravessar.
Primeiro nós morávamos lá onde hoje é o Iate Clube (Morro do Sapucaetava – Praia
da Saudade). Um dia ele chegou em casa a noite e depois chamavam e chamavam
“Seu Sertório! Seu Sertório!” Mas ele levantava assim mesmo, pegava o barco e ia.
Com correnteza forte, não importava, assim mesmo ele ia.
E a senhora nasceu aqui também em Itanhaém? Qual é a sua lembrança
mais forte daqui da nossa cidade?
320
Ali na casa da tia Maria Pires, na Vila São Paulo, eu gostava muito de ir lá,
não saía da casa dela.
A senhora é prima da minha avó, né?
Sou. O meu pai é irmão do Tio Anselmo (1904- 1975), [pai de minha avó], ele
foi mais velho de que meu pai.
321
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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________________. Flores da Pedra. Itanhaém, 1997.
________________. Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999
ANDRADE, Rosane. Fotografia e Antropologia. São Paulo: Estação Liberdade; EDUC, 2006.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da Arte. 6ª Ed. São Paulo: Cortez,
2009.
_________.Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Internacionais. Ana
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