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UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO (FaAC) LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS THAIS OLIVEIRA SILVA UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM Santos SP 2012

UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM

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UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA

FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO (FaAC)

LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

THAIS OLIVEIRA SILVA

UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM

Santos – SP

2012

UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA

FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO (FaAC)

LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

THAIS OLIVEIRA SILVA

UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de licenciado em Artes Visuais à Banca Examinadora, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Kalassa El Banat.

Santos – SP

2012

THAIS OLIVEIRA SILVA

UM NOVO OLHAR SOBRE ITANHAÉM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção

do título de Licenciado em Artes Visuais à Comissão Julgadora da Universidade

Santa Cecília.

Data de aprovação: __/__/__

__________________________________

Orientador

_________________________________

Professor

_________________________________

Professor

DEDICATÓRIA

Dedico esta Pesquisa à minha avó “Góia” (IN MEMORIAN) e tudo o que ela me

ensinou sobre esta terra que amo tanto.

AGRADECIMENTOS

Não tenho palavras para agradecer às seguintes pessoas que me possibilitaram a

realização deste trabalho:

Primeiramente ao Osmário, meu colega de curso, que desde o primeiro ano letivo

de Artes acreditou em meu potencial criativo, brigando muitas vezes comigo para

que eu também pudesse acreditar. Se não fosse tão chato e implicante comigo,

Osmário, certamente eu nem teria esta bela produção de fotografia artística.

Ao Bruno por ter me acompanhado em muitos de meus trilhares por esta querida

Itanhaém, fotografando este cidade que nós a amamos.

À minha família por ter me dado valores morais que o tempo nunca irá apagar.

Ao fotógrafo português João Evangelista que além-mar ajudou-me a ler minhas

próprias imagens, desvendando mistérios por trás das composições fotográficas.

À professora Ana Kalassa que desde o primeiro ano do curso influenciou-me na

busca da excelência em Arte/educação, abrindo um novo horizonte a respeito da

leitura de imagens. Agradeço também a orientação deste trabalho, a ter-me feito

tantas revisões, cansativas, porém necessárias.

À Ana Maria Ferreira, a querida Nana, a qual é uma forte influência no ensino de

Arte a mim desde meus primeiros anos em que leciono. Agradeço por ter acreditado

em mim naquela época, certamente a opção pelo curso de Artes deve-se em boa

parte à influência dela, que mesmo sem saber, em apenas uma reunião pedagógica

em minha antiga escola, deixou um lugar reservado em meu coração e uma grande

admiração, principalmente por ter sido meu referencial teórico deste trabalho.

Aos participantes do grupo “Volta Conceição de Itanhaém” e do “Instituto

Ernesto Zwarg”, que pelo amor a esta terra vêm lutando bravamente para que

nossos patrimônios cultural, histórico e natural não se percam pelo caminho. A

batalha de todos vocês não é em vão. É algo admirável e já estamos colhendo seus

frutos.

Fig.1: Vivendo na Arte. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012.

“Toda obra de arte é uma personalidade. O artista vive nela, depois de ela ter vivido

longo tempo dentro dele.”

(Vargas Vila)

RESUMO

O presente trabalho visa através da poética pessoal, ressaltar o papel do

fotógrafo como um filtro cultural, imprimindo em cada fotografia seu olhar único, suas

vivências, sua ideologia a respeito de sua cidade. A metodologia utilizada consiste

em pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. A utilização do paradigma do

horizonte em transversal o qual foi adotado é para reforçar a ideia de que a

fotografia é aquilo que o fotógrafo quer mostrar, bem como é o que o fotografado

quer que se mostre e o que o leitor quer e pode perceber. Como resultado da

pesquisa, averiguamos que fotografia é a impressão humana antes e depois do

disparo da câmera.

Palavras-chave: Fotografia – Memória – Vivências.

Lista de Figuras

Figura 1: Vivendo na Arte. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012... Pág. 06

Figura 2: Trilhares sob este chão. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012... Pág.

63

Figura 3: Caiçara. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 72

Figura 4: Longo caminho Vertiginoso. Foto de Thais Oliveira Silva, 18. Mar. 2012...

Pág. 75

Figura 5: Esther e Netos. Foto de Thais Oliveira Silva. 31. Jan. 2012... Pág. 78

Figura 6: Aquele que desliza manso ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva 01.

Abr. 2012... Pág. 80

Figura 7: Cores e Formas de um sonho matutino. Foto de Thais Oliveira Silva 01.

Abr. 2012... Pág. 82

Figura 8: Quem há de prender o meu Olhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez.

2012... Pág. 88

Figura 9: Grades não o seguram. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Fev. 2012... Pág.

89

Figura 10: Seresteiros caiçaras. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012... Pág.

101

Figura 11: Arrecadação de prendas. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012...

Pág. 109

Figura 12: Ganhastes um Jubileu. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012... Pág.

110

Figura 13: Os Reis aqui estão. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012... Pág. 113

Figura 14: Império do Divino Espírito Santo. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.

2012... Pág. 115

Figura 15: Bandinha do Divino. Foto de Thais Oliveira Silva 20. Mai. 2012... Pág. 117

Figura 16: Erguido por muitas mãos. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012...

Pág. 120

Figura 17: Cortejo do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012... Pág. 120

Figura 18: As Bandeirinhas de Emídio e Volpi. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.

2012... Pág. 121

Figura 19: Erguida do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012... Pág. 122

Figura 20: Fé e Tradição bem guardada. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.

2012... Pág. 123

Figura 21: Disposição Evidente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág.

124

Figura 22: Procissão pelo Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 06 de Maio de 2012...

Pág. 125

Figura 23: Rampa do Convento. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012... Pág.

128

Figura 24: Fragmentos de um passado tão distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 27.

Dez. 2012... Pág. 129

Figura 25: Marcas de um passado distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr.

2012... Pág. 130

Figura 26: Presença do Ausente I. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012... Pág.

133

Figura 27: Portas Cerradas... Até quando? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr.

2012... Pág. 134

Figura 28: Passagem Secular. Foto de Thais Oliveira Silva.06. Mai. 2012... Pág. 137

Figura 29: Quem vencerá? A Fé ou os Cupins? Foto de Thais Oliveira Silva 12. Dez.

2011... Pág. 137

Figura 30: Conceição de Itanhaém sob a Redoma de Vidro. Foto de Thais Oliveira

Silva. 12. Dez. 2012... Pág. 138

Figura 31: Eternamente Barroca. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011... Pág.

139

Figura. 32: Anchieta e Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012... Pág.

140

Figura 33: Matriz de Santana vista sob um dia ensolarado. Foto de Thais Oliveira

Silva 04. Mar. 2012... Pág. 141

Figura 34: Matriz de Santana vista sob a fina garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16.

Mar. 2012... Pág. 142

Figura 35: O Passado está Presente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012...

Pág. 144

Figura 36: Casa de Câmara e Cadeia. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012...

Pág. 145

Figura 37: Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011... Pág. 146

Figura 38: Guardiã dos Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jan. 2012... Pág.

147

Figura 39: Seus telhados velhos, o mar e a serra além. Foto de Thais Oliveira Silva.

08. Jan. 2012... Pág 150

Figura 40: Enredado. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012... Pág. 152

Figura 41: Presença do Ausente. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012. Pág...

153

Figura 42: Tantas funções, um mesmo prédio I Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan.

2012... Pág. 154

Figura 43: Tantas funções, um mesmo prédio II. Foto de Thais Oliveira Silva. 12.

Jan. 2012... Pág. 155

Figura 44: Estrada dos Eucaliptos. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Dez. 2011... Pág.

156

Figura 45: Multicores ao Rei dos Reis. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012...

Pág. 158

Figura 46: A última Trombeta. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012... Pág. 158

Figura 47: In Sion Firmata Sun. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012... Pág.

159

Figura 48: Isolamento. Foto de Thais Oliveira Silva.18. Mar. 2012... Pág. 160

Figura 49: Sob o Sol Matutino. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 162

Figura 50: Abandono. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012... Pág. 163

Figura 51: Vila São Paulo. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág. 164

Figura 52: Resistentes ao Tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Abr. 2012... Pág.

164

Figura 53: Oxidação Vertiginosa. I Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012... Pág.

165

Figura 54: Oxidação Vertiginosa. II Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág.

167

Figura 55: Presença do Ausente II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág.

168

Figura 56: Ponte enferrujada. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011... Pág. 169

Figura 57: Encontros e despedidas. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012...

Pág. 170

Figura 58: Círculo Vicioso. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 171

Figura 59: “Fotografar é atribuir Valor”. Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012... Pág. 173

Figura 60: Unidos Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012... Pág. 174

Figura 61: Manhã Chuvosa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012... Pág. 175

Figura 62: Chão Natalino. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Dez. 2012... Pág. 176

Figura 63: História de Pescador. Foto de Thais Oliveira Silva. 17. Dez. 2011... Pág.

177

Figura 64: Todos te olham, quem te vê? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...

Pág. 178

Figura 65: Pão Amanhecido também sustenta. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar.

2012... Pág. 180

Figura 66: Malas prontas já ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr.

2012... Pág. 180

Figura 67: Qual o seu Trilhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 183

Figura 68: Por enquanto, este é meu lar... Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr.

2012... Pág. 184

Figura 69: Primeiro Encontro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 186

Figura 70: Mamãe Orgulhosa com seu Bebê. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr.

2012... Pág. 186

Figura 71: Curumins. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 187

Figura 72: Devolvam minha terra! Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág.

188

Figura 73: A Velha Figueira e a Matriz. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012...

Pág. 191

Figura 74: Um momento único: banho de luz! Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar.

2012... Pág. 193

Figura 75: Flamboyant natalino. Foto: Thais Oliveira Silva. 02. Dez. 2011... Pág. 196

Figura 76: Acalanto pra Você. Foto de Thais Oliveira Silva. 11. Jan. 2012... Pág. 197

Figura 77: Sinuosas formas de uma árvore. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai.

2012... Pág. 198

Figura 78: Um Gesto de Amor. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012... Pág.

198

Figura 79: Segurem-me, companheiras minhas! Foto de Thais Oliveira. 12. Jan.

2012... Pág. 200

Figura 80: Rio Branco. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág. 209

Figura 81: Floresta Retorcida. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 210

Figura 82: Rio Preto. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012... Pág. 211

Figura 83: Amanhecer sob a Boca da Barra. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr.

2012... Pág. 212

Figura 84: Navegando Eternamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jul. 2012...

Pág. 214

Figura 85: O Rio lhes dava seu suprimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr.

2012... Pág. 214

Figura 86: Espelho d`água. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2011... Pág. 215

Figura 87: Rumo ao Mar aberto. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012... Pág.

216

Figura 88: Praia dos Pescadores. Foto de Thais Oliveira. 20. Abr. 2012... Pág. 219

Figura 89: Preparações. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 220

Figura 90: Calmaria. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012... Pág. 221

Figura 91: Pesca sob a fina Garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012...

Pág. 222

Figura 92: Badejo I sob o Rio Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva 09. Dez. 2011...

Pág. 223

Figura 93: Liberdade abaixo da Modernidade. Foto de Thais Oliveira Silva.05. Jul.

2012... Pág. 223

Figura 94: Liberdade Abaixo da Modernidade II. Foto de Thais Oliveira Silva 05 de

Jul. 2012... Pág. 224

Figura 95: A Cultura Caiçara não Morrerá! Foto de Thais Oliveira Silva 04. Mar.

2012... Pág. 226

Figura 96: A Praia é só nossa! Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012... Pág.

227

Figura 97: Há pouco estive embrenhado no mato, caçando. Foto de Thais Oliveira

Silva. 08. Jan. 2012... Pág. 228

Figura 98: Liberdade, apenas liberdade. Foto: Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012...

Pág. 229

Figura 99: O Jantar está na Mesa! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág.

229

Figura 100: Lugar ao Sol I. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 230

Figura 101: Lugar ao Sol II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012... Pág. 231

Figura 102: O olhar. Foto: Thais Oliveira Silva. 04. Dez. 2011... Pág. 232

Figura 103: Miss. Simpatia. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012... Pág. 234

Figura 104: Persistente Desconfiança. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mr. 2012...

Pág. 234

Figura 105: Êxtase. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012... Pág. 235

Figura 106: Esconde-esconde. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Mai. 2012... Pág.

236

Figura 107: Deprimido. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012... Pág. 237

Figura 108: Á espera de quem não irá retornar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan.

2012... Pág. 237

Figura 109: Na Instabilidade do diagonal. Foto: Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012...

Pág. 238

Figura 110: Por favor, não me siga! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Abr. 2012...

Pág. 238

Figura 111: Afetos. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Jan. 2012... Pág. 239

Figura 112: O olhar suplicante. Foto de Thais oliveira Silva 18. Jan. 2012... Pág. 240

Figura 113: Rua do Suarão. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012... Pág. 242

Figura 114: Perspectiva Ecológica. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012... Pág.

243

Figura 115: A beleza do Verde e do Vermelho. Foto de Thais Oliveira Silva. 17. Dez.

2012... Pág. 244

Figura 116: Lugar Ideal. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012... Pág. 245

Figura 117: Antigamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág. 246

Figura 118: Estradinha de Terra. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012... Pág.

247

Figura 119: Vista do Morro Piraguyra. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Abr. 2012...

Pág. 248

Figura 120: Trilha do Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012...

Pág. 249

Figura 121: Não temos mais Portal Místico. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev.

2012... Pág. 250

Figura 122: Floresta de Pedras. Foto de Thais Oliveira Silva 26. Fev. 2012... Pág.

251

Figura 123: O Profano e o Sagrado. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012...

Pág. 252

Figura 124: Passarela de Anchieta. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Dez. 2011...

Pág. 253

Figura 125: Ação do tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág. 254

Figura126: Aqui Jaz um Condomínio I. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011...

Pág. 255

Figura 127: In Memorian. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011... Pág. 256

Figura 128: Aqui jaz um Condomínio II. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev. 2012...

Pág. 256

Figura 129: Incandescente nascimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...

Pág. 260

Figura 130: Sutilezas do amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Mar. 2012...

Pág. 261

Figura 131: Braços Etéreos. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012... Pág. 262

Figura 132: Também tenho minha luz. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012...

Pág. 262

Figura 133: Amanhecer na Praia dos Pescadores I. Foto de Thais oliveira Silva. 02.

Mar. 2012... Pág. 263

Figura 134: Amanhecer na Praia dos Pescadores II. Foto de Thais oliveira Silva. 02.

Mar. 2012... Pág. 264

Figura 135: Amanhecer na Praia dos Pescadores III. Foto de Thais oliveira Silva. 02.

Mar. 2012... Pág. 265

Figura 136: Reflexos Matutinos. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Mar. 2012... Pág.

266

Figura 137: Nascer do Sol na Praia dos Sonhos. Foto de Thais Oliveira Silva. 02.

Mar. 2012... Pág. 266

Figura 138: Primeiras Tentativas I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012... Pág.

267

Figura 139: Primeiras Tentativas II. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012...

Pág. 268

Figura 140: Primeiras Tentativas III. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012...

Pág. 268

Figura 141: Infinito Azul. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012... Pág. 270

Figura 142: Maresia Onipresente. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012... Pág.

271

Figura 143: Querida Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág.

272

Figura 144: Cai a tarde. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2012... Pág. 274

Figura 145: Sob uma tarde nublada. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012...

Pág. 275

Figura 146: O último a sair do mar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2011...

Pág. 276

Figura 147: Praia da Saudade I. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012... Pág.

277

Figura 148: Praia da Saudade II. Foto de Thais Oliveira Silva. 23. Dez. 2012... Pág.

278

Figura 149: Manguezal do Morro Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan.

2012... Pág. 278

Figura 150: Jundu. Foto de Thais Oliveira Silva. 22. Jan. 2012... Pág. 279

Figura 151: Contemplação. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012... Pág. 280

Figura 152: Uma manhã memorável. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...

Pág. 281

Figura 153: Só ficou a lembrança. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág.

283

Figura 154: Insondável I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág. 286

Figura 155: Insondável II. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág. 286

Figura 156: Insondável III. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012... Pág. 287

Figura 157: Conchinhas do Amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012...

Pág. 288

Figura 158: Longas tardes de Verão. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012...

Pág. 288

Figura 159: Uma Tarde na Praia. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012... Pág.

289

Figura 160: Praia do Sonho vista da janela num dia chuvoso. Foto de Thais Oliveira

Silva. 30. Abr. 2012... Pág. 291

Figura 161: Uma janela sob o Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012... Pág.

298

Figura 162: Uma Face? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez. 2012... Pág. 300

Figura 163: Natureza Encarcerada. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012... Pág.

301

Figura 164: Espiando através do Muro. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012...

Pág. 302

. SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................Pág. 21

CAPÍTULO 1: FOTOGRAFIA: ARTE MECÂNICA OU CIÊNCIA

ARTÍSTICA?......................................................................................................Pág. 24

1.1: É o espelho do real?.........................................................................Pág.33

1.2 Fotografia e memória.........................................................................Pág.43

1.3: Henri Cartier-Bresson: o momento decisivo na fotografia..............Pág.53

CAPÍTULO 2: TRILHARES SOB ESTE CHÃO (POÉTICA VISUAL)..................Pág.62

2.1: Indelével herança caiçara................................................................Pág.70

2.1.1: Seu Sertório, o barqueiro.....................................................Pág.76

2.2: O olhar criativo.................................................................................Pág. 83

CAPÍTULO 3: O PASSADO AINDA ESTÁ PRESENTE (séries

fotográficas)......................................................................................................Pág. 90

3.1: Sobre Itanhaém ...............................................................................Pág. 93

3.2: Patrimônio Imaterial................................................................Pág.97

3.2.1: Volta Conceição de Itanhaém!..........................................Pág.100

3.2.2: Reisado.................................................................Pág. 103

3.2.3: Festa do Divino .....................................................Pág.114

3.3: Centro Histórico....................................................................Pág.126

3.3.1: Convento Nossa Senhora da Conceição................Pág.127

3.3.2: Igreja Matriz de Santana........................................Pág.135

3.3.3: Casa de Câmara e Cadeia e Casarios..................Pág.143

3.4: Bairros tradicionais..........................................................................Pág.147

3.4.1: Guaraú e Baixio.................................................................Pág.148

3.4.2: Belas Artes........................................................................Pág.152

3.4.3: Suarão...............................................................................Pág.155

3.5: Início da linha férrea na cidade.......................................................Pág.160

3.5.1: Linha férrea atualmente....................................................Pág.169

3.6: Recortes da vida cotidiana..............................................................Pág.171

3.6.1: Todos te olham, quem te vê? ...........................................Pág.178

CAPÍTULO 4: PERSISTENTE NATUREZA (séries fotográficas).................Pág.190

4.1: A arte em defesa do meio ambiente..............................................Pág. 200

4.1.2: O grande “gnomo da Juréia”: Ernesto Zwarg....................Pág.203

4.2: Amazônia Paulista...........................................................................Pág.208

4.2.1: Pescadores Remanescentes caiçaras.............................Pág.217

4.3: Animais “itanhaenses” ....................................................................Pág.226

4.4: Estradinhas de terra e recantos arborizados..................................Pág.242

4.5: Itanhaém, pedra que canta.............................................................Pág.247

CAPÍTULO 5: NAMORADA DO SOL (séries fotográficas)...............................Pág.257

5.1: Ascenção e queda do rei sol..........................................................Pág.258

5.2: Praia e mar......................................................................................Pág.269

5.3:Recortes da Vida cotidiana na praia................................................Pág.283

CAPÍTULO 6: ABSTRAINDO O COTIDIANO A TODO O MOMENTO (séries

fotográficas)......................................................................................................Pág.290

CONCLUSÃO...................................................................................................Pág.303

PLANO DE ENSINO.........................................................................................Pág.305

ANEXOS...........................................................................................................Pág.318

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................Pág.325

WEBGRAFIA.....................................................................................................Pág.311

21

INTRODUÇÃO

O presente trabalho irá tratar a respeito da Fotografia, descrevendo o

processo criativo bem como a análise da fotografia em nosso cotidiano.

A importância deste projeto reside no fato de que atualmente a sociedade

tenha relações afetivas com a fotografia, pois ela congela momentos significativos a

nós, eterniza laços de união que às vezes não existem mais, nos emociona sempre,

dando-nos a impressão de posse sobre aquele lugar, aquele fato ou daquelas

pessoas registradas na imagem. Portanto é um tipo de corrente artística

amplamente reconhecida e valorizada, principalmente afetivamente por todos.

Desenvolver uma poética visual utilizando um meio artístico tão usual e

consagrado pelo senso comum e a partir disto quebrar uma regra fundamental do

mesmo, que é o de deixar constantemente a linha do horizonte na diagonal, pode,

para muitos, ser visto tal atitude como um desrespeito àquilo que consideram o

espelho do real, mas sendo uma série artística, onde o objetivo é o de imprimir sua

visão, sua vida na fotografia, consegue justificar o inusitado enquadramento

fotográfico, deixando bem claro que a Arte pode e deve muitas vezes transgredir leis

acadêmicas quando o objetivo central é o de expressar-se.

Durante o encaminhamento da pesquisa buscou-se resolver o seguinte

problema: Sendo o fotógrafo um filtro cultural, como ele pode imprimir sua marca

pessoal em fotografias que registram suas memórias e vivências em sua cidade?

Neste caminhar, procurou-se criar uma série fotográfica de cada ponto da

cidade no qual eu percorri e que foi significativo na minha história de vida, fazendo

assim uma releitura do real, bem como desenvolver um paradigma do horizonte

transversal a fim de colocar em xeque toda a construção através de mais de um

século pelo senso comum que a fotografia é a realidade congelada.

A pesquisa a ser realizada neste trabalho teve uma abordagem qualitativa,

pois ela se trata de um registro e descrição de minha poética pessoal. Os Objetivos

22

dessa pesquisa fazem dela uma pesquisa descritiva, pois estarei descrevendo qual

foi o processo histórico da câmera fotográfica como também dissertar sobre como a

sociedade contemporânea está intimamente envolvida com a fotografia.

Enquanto procedimento, este trabalho realizou-se por meio de pesquisa

bibliográfica que parti pela leitura de registro disponível e publicado para comparar

minhas experiências e hipóteses com conhecimentos preexistentes.

Tenho um grande afeto por minha cidade desde a infância. A partir deste

pressuposto, toda poética pessoal aqui descrita esta intimamente relacionada com

minhas lembranças de menina, com tudo o que vi e vivenciei nesta terra, agora

registrados nesta série fotográfica, onde me expresso intensamente através de

minhas cores altamente saturadas, com o forte contraste e com a utilização do

paradigma do horizonte em transversal, em que percebemos nas imagens

enquadradas em diagonal haver dinamismo, força e instabilidade. Estas palavras me

descrevem. Em cada fotografia um pouco de mim estará impresso. Com a criação

da conta no Site Olhares, voltado para a divulgação das fotografias artísticas, <

http://olhares.uol.com.br/gatapreta1> entrei em contato com diversos fotógrafos

brasileiros e portugueses o que me possibilitou ler de outro modo cada imagem que

eu produzia, bem como apreciar a obra de outros fotógrafos, já experientes. O

Fotógrafo português João Evangelista influenciou-me profundamente, através de

suas leituras sob minhas imagens fotográficas, as quais me fizeram perceber as

sutilezas encontradas em cada composição.

O presente trabalho está disposto na seguinte ordem: no primeiro capítulo,

trataremos a respeito da fotografia e seu envolvimento com a sociedade desde sua

invenção. No capítulo dois, descreveremos a poética pessoal aqui encontrada. No

capítulo três, veremos as descrições a respeito da série fotográfica “O Passado

Ainda Está Presente”, onde enfocamos os lugares de nossa memória. No capítulo

quatro, encontraremos as descrições a respeito da série fotográfica “Persistente

Natureza”, onde percebemos a forte presença da natureza nesta cidade. No capítulo

cinco, estão as descrições a respeito da série fotográfica “Namorada do Sol”, em

que abordaremos nossa relação com o Mar e o Sol. No capítulo seis, conheceremos

23

as descrições a respeito da série fotográfica “Abstraindo o Cotidiano”, onde

estaremos dissertando a respeito desta forma peculiar de se registrar a realidade.

24

1: FOTOGRAFIA: ARTE MECÂNICA OU CIÊNCIA ARTÍSTICA?

Em l839, a Academia de Ciências da França, em Paris, anuncia para o mundo

a invenção de um revolucionário processo de fixação da imagem através da luz em

placa metálica, o daguerreótipo, nome que homenageia Louis Jacques Mandé

Daguerre, o seu inventor oficial e que teria chegado a essa descoberta a partir do

aperfeiçoamento das pesquisas de Joseph Nicéphore Niépce.

Nesse mesmo ano, em Londres, a denominação fotografia é comunicada

oficialmente à Royal Society pelo químico e astrônomo inglês John

Herschel, provavelmente com base nas experiências de Willian Henri Fox

Talbot, inventor do processo negativo e positivo, conhecido como calótipo.

Assim, pode-se constatar que a fotografia é um exemplo de descoberta

múltipla, ou seja, num dado momento a solução de determinados problemas

passa a preocupar mais de uma pessoa, em diferentes lugares, de forma

independente e simultânea. (FONSECA, 2008, p. 1)

A câmera fotográfica não é invenção de apenas um homem, mas a soma de

várias descobertas, até mesmo o invento renascentista denominado câmara escura,

que é um dos mais importantes no campo da óptica, foi crucial para o aparecimento

da máquina fotográfica e consequentemente da fotografia, é já descrito por autores

do século XVI. Leonardo da Vinci (1452- 1519) já a conhecia e usava, a par de

outros artistas, para esboços de pinturas. De acordo com Kossoy (2001), desde o

renascimento, o homem serviu-se da câmera escura, instrumento que facilitava o

desenho preciso de uma paisagem que por alguma razão lhe interessou conservar a

imagem. O desenho formava-se no interior da câmera e através dele delineavam

suas formas.

Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) morreu sem poder ter acompanhado o

reconhecimento de seu invento. Seu continuador e colaborador Louis-Jacques

Mandé Daguerre (1787-1851) espera até 1839 para ter sua criação reconhecida na

Academia de Ciências e Artes, no Instituto Francês, conforme nos aponta Andrade

25

(2002) e isso ocorre graças ao discurso do físico Arago (1786 – 1853), que defende

brilhantemente a tese na câmara dos deputados afirmando:

Quando os inventores de um novo instrumento o aplicam à observação da

natureza, o que eles esperavam da descoberta é sempre uma pequena

fração das descobertas sucessivas, em cuja origem está o instrumento.

(BENJAMIM apud ANDRADE, 2002, p.34)

A fotografia nasce em pleno Romantismo e em meio às grandes

transformações sociais e econômicas e desde o início mostra-se instigante,

provocando reações contrárias de artistas e intelectuais. Logo no início há uma

compulsão na busca de retratos de estúdio e poder admirar a sua própria imagem,

tudo isto bem mais barato que as pinturas a óleo, até então um privilégio da

burguesia. Andrade nos aponta que: “Essa é uma das principais razões da fotografia

sofrer discriminação: o fato de industrializar e comercializar a arte.” (ANDRADE,

2002, p.34)

A população divide-se em opiniões a respeito da fotografia. Não se consegue

chegar a um consenso. Até mesmo no meio artístico há múltiplas opiniões, já que o

medo da industrialização da arte destinada ao retrato era algo real. Porém, a

captação da câmera fotográfica vai além de registrar pessoas. Fotógrafos passam a

catalogar imagens da natureza, onde obtemos um registro muito mais fidedigno e

preciso do que um desenho a mão, os quais passam a chamar atenção da ciência.

O responsável pelo valor científico atribuído às capturas fotográficas foi Fox

Talbot (1800-1877) quando utiliza a câmera para capturar fragmentos da realidade.

Fotografava insetos, conchas, plantas e flores para botânicos. Estas imagens são

registradas na publicação do livro de Talbot, conforme Andrade (2002) expõe, no

livro intitulado “The Pencil of Nature”, de 1842.

Vemos que com o avanço tecnológico, a sociedade deseja libertar-se de

fantasias e imprecisões que poderiam ser encontrados em antigos registros e

desejam que a câmera fotográfica os auxiliem a ver o mundo com clareza, precisão

científica.

26

O desenvolvimento industrial, juntamente com o aprimoramento da técnica

fotográfica, transformou conceitos e valores, sobretudo da burguesia. A partir daí

surge uma nova consciência da realidade e uma apreciação, da então

desconhecida, Natureza. Andrade (2002, p.35) afirma: “Exige-se exatidão científica e

uma reprodução fiel da realidade em obras de arte, o que desperta olhares para a

fotografia.”.

Deste modo, a fotografia paulatinamente vai ganhando terreno em nossas

vidas, devido à sua prestigiada forma de reprodução que até hoje muitos acreditam

ser o espelho da realidade, portanto, tendo este poder de capturar instantes de

nossas vidas com maestria, passamos a utilizá-la compulsivamente, conforme nos

mostra Martins (2008):

A vida complexa, cheia demais, cheia de gente, de edifícios, de coisas sem

vida, congestionada de solicitações visuais, encontrou na fotografia um

meio de guardar o que “vale a pena”, o que queremos que fique.

Diferentemente da pintura, em que o detalhe é o elemento significativo da

composição, não raro o decodificador simbólico do que o artista está

querendo dizer com o que parece ser o principal. Na fotografia, que nasce

em preto-e-branco, sem a carga simbólica das cores, que nasce binária e

simplificadora, não é estranha essa ausência de recursos interpretativos.

Ela atende, justamente, à necessidade social e também subjetiva de

ordenar imaginariamente o irrelevante da vida cotidiana e cinzenta que

nasce com a modernidade, da qual a câmera fotográfica é um dos

instrumentos mais espetaculares. (MARTINS, 2008, p.40)

Como percebemos nesta declaração do autor, assim que a fotografia entra na

vida cotidiana da sociedade há a abertura para uma nova visão do que nos cerca. A

partir disto, passamos compulsivamente a colecionar imagens para então

compreender nossa vida, observando seus fragmentos registrados nas fotografias.

Conforme exposto por Fonseca (2008), a fotografia mostra o quanto uma

forma de representação técnica e simples era esperada ansiosamente pela

sociedade industrializada do século XIX, a qual já pressentia que possuía a

27

tecnologia necessária para colocar em prática um sonho antigo da humanidade: o de

fixar momentos da existência.

O fascínio diante de uma fotografia surge principalmente dessa sua

capacidade de reproduzir, de forma bem convincente, o instante. A ilusão

de sua captura é algo que a aproxima da magia, mesmo sabendo que, para

a sua realização, há uma explicação científica que aponta para o uso de

recursos ópticos, químicos e técnicos necessários à revelação de cada

imagem. (FONSECA, 2008, p.7)

Tal magia ultrapassou décadas, as quais formaram mais de uma centena de

anos. O instante em que capturamos algo nas imagens fotográficas sempre nos

causará fascínio: estamos eternizando um momento de nossas vidas. Ele está aqui,

em nossas mãos, palpável a qualquer momento e em qualquer lugar.

Benjamim apud Andrade (2002) esclarece que o processo de reprodução das

imagens passou por uma grande aceleração, pois o olho apreende mais depressa

que a mão que desenha. A partir daí, a imagem situa-se no mesmo nível que a

palavra oral. Com o decorrer dos anos e a melhoria da tecnologia, a fotografia

testemunhava infinitamente mais que uma criação artística, já que sua velocidade é

insuperável à técnica humana de também registrar a realidade.

A partir de 1888, a fotografia estava nas mãos do homem comum, conforme

nos informa Martins (2008), devido à invenção de George Eastman (1854- 1932), a

câmera com rolo de filme. Desde então já não havia as limitações físicas do

equipamento profissional. A máquina era portátil e poderia ser levada para qualquer

lugar. O lema publicitário veio bem a calhar: “Você clica e nós fazemos o resto”.

Aparece então a “fotografia vernacular”, a foto reduzida a apenas clicar, ou seja, a

fotografia ingênua, onde as pessoas costumam registrar diversos fatos de sua vida

pouco se importando com a composição da imagem, concebida apenas para retratar

os personagens e descontextualizá-los do cenário, onde a ênfase cai sobre o

registro da pessoa.

Sobre o uso indiscriminado da fotografia vernacular pela sociedade, Sontag

(2006) observa:

28

Desde seu início, a fotografia implicava a captura do maior número possível

de temas. A pintura jamais teve um objetivo tão imperioso. A subsequente

industrialização da tecnologia da câmera apenas cumpriu uma promessa

inerente à fotografia, desde seu início: democratizar todas as experiências

ao traduzi-las em imagens. (SONTAG, 2006, p.18)

Hoje em dia temos ainda mais efervescente está prática graças à imagem

digital, a qual possibilita a visualização da figura mesmo se não a imprimir sob o

papel. Sempre teremos conhecidos que durante os primeiros anos de vida de seus

filhos, por exemplo, fizeram mais de dez mil registros fotográficos da criança em

diversas cenas e situações.

E Tavares (2009), também a respeito da “fotografia vernacular”, chama nossa

atenção para este assunto, fazendo-nos refletir sobre a fotografia e o seu lugar na

arte:

Pensemos um pouco como os mais puristas amantes da pintura, mesmo da

contemporânea: a fotografia mata por completo o conceito canônico de

artista. A fotografia permite, grosso modo, que qualquer pessoa possa ser

artista. Um bom enquadramento do tema, uma obturação perfeita, o efeito

da lente especial ou o tratamento digital fazem com que o comum cidadão

possa ser num ápice, um artista. (TAVARES, 2009, p.7)

Como percebemos com esta informação, há muito mais chances de um leigo

sair-se bem com uma produção fotográfica do que em outras áreas artísticas, tais

como pintura e escultura. Uma luz favorável, uma boa percepção do local já seria

suficiente.

Seria então a fotografia uma arte mecânica, a qual qualquer um poderia

realizá-la? Não há a construção subjetiva como também a objetiva, que qualquer

obra de arte deve ter? Na época em que a fotografia surgiu, a ciência e a arte

traçavam percursos distintos. Muzardo (2010) declara:

29

Enquanto aquela enaltecia o rigor metodológico e técnico, esta se abria

para a subjetividade e livre criação, uma vez que havia sido liberada do

trabalho de imitar a natureza e as demais coisas existentes. Nesse meio,

surgia a fotografia, que ora se assemelhava com a ciência, ora com a arte.

(MUZARDO, 2010, p.2)

Deste modo, a fotografia representava, paralelamente, uma cópia da

realidade, fato que é posto em dúvida atualmente; e uma criação artística: a razão e

a emoção. Seria, portanto, “a forma híbrida de uma ‘arte exata’ e, ao mesmo tempo,

de uma ‘ciência artística. ’” (FABRIS apud MUZARDO, 2010, p.2) Atualmente ainda

não está descartado estas duas facetas da linguagem fotográfica. Ela está tanto no

campo científico quanto no artístico em iguais medidas.

Como nos orienta a autora, anteriormente a esta constatação, quando apenas

criam que a fotografia era capaz de unicamente copiar a realidade, havia um

argumento apresentado onde dizia que uma máquina não possibilitava interferência

intelectual sobre sua representação, não devido, necessariamente, ao fato de não

haver interferência manual do operador, do fotógrafo, mas por estar muito mais

voltada para o mecânico do que para o intelecto.

Porém, eles não perceberam que não se pode abolir o caráter artístico da

fotografia, visto que ela envolve construção, fantasia, desejos, maneiras de

manipular e registrar a realidade, elementos como cores, luz, sombra, planos e

calor. Entretanto, seu caráter científico, contudo, também não pode ser descartado,

pois a evolução tecnológica influencia a maneira de se realizarem as fotografias, sua

construção e disseminação.

A difusão da fotografia provocou um forte abalo no meio artístico.

Primeiramente achava-se que a fotografia e sua capacidade de reproduzir o real

tinham relegado a um segundo plano qualquer tipo de pintura:

Mais tarde, acreditava-se que o mesmo fato tinha liberado a “verdadeira

arte” da necessidade de ser uma cópia do real, dando-lhe espaço para a

criatividade, ideia que foi defendida por artistas e intelectuais da época,

30

como o poeta Baudelaire, o qual [...] “enfatiza a separação arte/fotografia,

concedendo a primeira um lugar na imaginação criativa e na sensibilidade

humana, própria à essência da alma, enquanto à segunda é reservado o

papel de instrumento de uma memória documental da realidade, concebida

em toda a sua amplitude”. (MAUAD apud MUZARDO, 2010, p.3)

Nesse momento, notamos a crença na correspondência entre fotografia e

realidade, a imagem produzida pela câmera como sendo um espelho do que de fato

aconteceu, tal crença que influenciou até mesmo em como se dá o desenrolar dos

fatos relacionados à história da fotografia:

Pode-se dizer que a própria história da fotografia confunde-se com as

diferentes abordagens aplicadas em sua análise, ora encarando-a como

uma transformação do real – o discurso do código e da desconstrução –,

ora como um vestígio do real, uma referência, ou seja, algo que não é uma

cópia perfeita do concreto, do real, visto que o modifica e possui

características distintas, como a bidimensionalidade e o fato de selecionar

pontos no espaço e no tempo; além de ser um resíduo da realidade

impresso em uma imagem, e, portanto, uma transformação da realidade,

uma interpretação desta (MUZARDO, 2010, p.3)

Andrade (2002, p.36) propõe o seguinte questionamento: “Seria a fotografia

uma nova forma de arte ou um auxílio para a ciência?” Ainda que o público ficasse

fascinado com as cópias exatas da natureza, os pintores realistas investiam no

exato uso das cores e formas da realidade, conservando a imaginação como algo

subjetivo. O interesse pela realidade exterior desviou o artista da arte imaginativa

levando-o a natureza. De acordo com a autora, os artistas interessaram-se

progressivamente pela luz, os chamados impressionistas. Delacroix baseava-se em

fotografias para pintar seus quadros. Monet observava a paisagem marcada pela

leitura da luz, com suas pinceladas suaves, fingindo copiar a realidade e dando aos

artistas da época a “possibilidade de enxergar mais do que a imagem real.”

(ANDRADE, 2002, p.36)

Com o passar de pouco tempo, à fotografia foi-lhe atribuído o peso de

expressar o real, a foto sendo vista como prova, necessária e suficiente que atesta a

existência do que é visível.

31

Andrade (2009) nos adverte que:

Embora torne o mundo mais preciso de informações e conhecimento, a

fotografia não é uma cópia quimicamente revelada da realidade, não é

apenas seu registro documental e científico. É uma realidade revelada,

resgatada, atingida e, para alguns, até roubada. (ANDRADE, 2009, p.41)

As primeiras fotos obtidas pelo daguerreotipo de tão perfeitas, com tamanha

nitidez registrada, conseguia amedrontar as pessoas, que tinham a impressão de

que aqueles pequenos rostos as observavam. Por este e outros motivos, a fotografia

passou a ser um mistério cheio de magias. Ao observar atentamente uma imagem

fotográfica, percebemos a cumplicidade do fotógrafo com o fotografado. A técnica

mais exata que consegue dar às suas criações um poder mágico, “que um quadro

nunca terá para nós”. (BENJAMIM apud ANDRADE, 2002, p. 47)

Esta magia, evidentemente seria atacada pala Igreja Católica que a via como

“transgressora e pecadora, tão perigosa e diabólica que foi condenada por

reproduzir a natureza que só poderia ser contemplada pelos olhos abençoados dos

pintores.” (Andrade, 2002, p. 47)

Além de assombrar a Igreja, a fotografia foi uma provocadora das mais

diversas reações esta invenção que mediante fixação de uma imagem em uma

placa iodada suscitou inúmeras dúvidas e aclamações contrárias. Espanto para os

leigos, os que desconheciam o processo de sua antecessora, a câmara escura.

Medo nos artistas que tinham como função registrar a história e compor retratos

através de sua arte. Indignação, em alguns intelectuais que temiam a contaminação

da fotografia na “Arte pela arte” (Andrade, 2002, p.34)

Entretanto, com o passar do tempo, a fotografia foi acolhida e reconhecida

seu valor artístico:

A pintura, está claro, não se extinguiu em 1839, como previu afoitamente

um pintor francês; os ressentidos logo pararam de denegrir a fotografia

32

como uma cópia servil; e em 1854 um grande pintor, Delacroix, declarou

gentilmente como lamentava que uma invenção tão admirável tivesse

chegado tão tarde. (SONTAG, 2006, p. 131)

A fotografia conseguiu finalmente seu merecido reconhecimento como uma

modalidade artística. A prova mais absoluta é o acervo de vários museus de arte

que já não possuem apenas nas suas exposições permanentes a pintura e a

escultura, mas lá está a fotografia e o vídeo. (TAVARES, 2009)

Porém, seus detratores ainda não foram extintos, há ainda muitas críticas a

respeito da fotografia, mas Sontag (2006) nos orienta:

Mas é improvável que a defesa da fotografia como arte um dia venha cessar

completamente. Enquanto a fotografia não for apenas um modo voraz de

ver, mas sim um modo de ver que precisa ter a pretensão de ser especial e

distintivo, os fotógrafos continuarão a buscar abrigo (quando não cobertura)

no santuário profanado, mas ainda prestigioso da arte. (SONTAG, 2006,

p.146)

Como percebemos, os fotógrafos ainda continuarão a tomar nomenclaturas

da arte, bem como muitas de suas características para afirmarem-se como artistas e

não como meros operadores de uma máquina. Deste modo, é correto sim afirmar

que ela é uma ciência artística e uma arte mecânica, nunca podendo negar sua

dicotomia:

A fotografia tem um destino duplo... Ela é filha do mundo do aparente, do

instante vivido, e como tal guardará sempre algo do documento histórico ou

científico sobre ele; mas ela é também filha do retângulo, um produto das

belas-artes, o qual requer o preenchimento agradável ou harmonioso do

espaço com manchas em preto e branco ou em cores. Neste sentido, a

fotografia terá sempre um pé no campo das artes gráficas e nunca será

suscetível de escapar deste fato. (BRASSAÏ apud KOSSOY, 2001, p. 48)

33

1.1: É o espelho do real?

A fotografia é a busca do espelho que não mente, da durabilidade, da permanência, da nossa

inteireza. De certo modo, na cotidianidade, que é seu tempo, a fotografia não documenta a vida

cotidiana senão nas suas carências e absurdos. O amor pela fotografia é o amor pelo ausente e é a

luta contra os mistérios da ausência. Nesse sentido, há na cultura do objeto fotografado um certo

remanescente da sociedade tradicional, que permanece sutilmente oculta no mundo contemporâneo

como desejo de totalidade, como repulsa da fragmentação e do estranhamento. (MARTINS, 2008,

p.56)

Construída ou tomada no calor da hora, a fotografia é ainda vista pela

sociedade em geral como a evidência do que aconteceu no momento em que o

fotógrafo voltou sua câmara para um determinado referente. O caráter testemunhal

da fotografia, ainda tão valorizado nesse momento em que as tecnologias da

informação apontam para uma desnaturalização do real, “parece fornecer uma

âncora para uma sociedade que não consegue romper de vez com a materialidade

do mundo”. (FABRIS, 2007, p. 2) Ela fomenta na sociedade um desejo antigo: “Toda

fotografia tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu motivado a

congelar em imagem um aspecto do real, em determinado lugar e época.”

(KOSSOY, 2002, p.36)

Somos fascinados pelo poder da fotografia. Ela atrai e encanta gerações por

diversos motivos, sobre este deslumbre, Sontag (2006) fala:

Nosso sentimento irreprimível de que o processo fotográfico é algo mágico

tem uma base genuína. Ninguém supõe que uma pintura de cavalete seja,

em nenhum sentido, co-substancial a seu objeto; ela somente representa ou

alude. Mas uma foto não é apenas semelhante a seu tema, uma

homenagem a seu tema. Ela é uma parte e uma extensão daquele tema; e

um meio poderoso de adquiri-lo, de ganhar controle sobre ele. (SONTAG,

2006, p. 172)

34

As fotografias ao nos ensinar um novo código visual, modificam e ampliam

nossas ideias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos direito de

preservar. Para ela, “o resultado mais extraordinário da atividade fotográfica é nos

dar a sensação de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça – como

uma antologia de imagens”. (SONTAG, 2006, p.13)

Diniz (2007) fala a respeito da imagem fotográfica, que de maneira diferente

de uma imagem pintada (produzida para retratar uma realidade exposta) ou de um

texto narrativo (como os jornalísticos), ela adquiriu a função de retratar a realidade

com grande propriedade. Graças às atribuições que lhe são conferidas, a fotografia

consegue trazer, para o tempo presente, fragmentos do passado como

representação verídica de uma realidade, de modo que o leitor os aceite sem

questionamentos. Conforme Martins (2008), desde o século XIX, em Paris, os

policiais capturavam a fotografia do procurado, antes de capturarem o próprio

perseguido, tamanha era sua aceitação e propriedade.

A fotografia consegue garantir seu poderio, pois, “qualquer que tenha sido a

razão que levou o fotógrafo a registrar o assunto, não haverá dúvida de que o

mesmo de fato existiu.” (KOSSOY, 2001, p.103) Neste interim, Martins (2008) nos

lembra de que há certa insistência entre historiadores e sociólogos, na suposta ideia

de que a fotografia congela um momento do processo social. Porém, este

pressuposto entra em conflito com a polissemia da imagem, em especial a

fotográfica.

O ângulo em que a imagem foi captada e as inúmeras possibilidades que se

apresentam ao fotógrafo no momento da captura desta levam o leitor a fazer uma

interpretação influenciada pelo fotógrafo, a qual, nem sempre condiz com a

realidade dos fatos ou de uma situação. (DINIZ, 2007)

A polissemia da fotografia não decorre apenas das múltiplas leituras que

dela possam ser feitas. O próprio objeto tem uma carga de sobre-

significados que a intenção documental do fotógrafo pode anular ou mutilar.

Um certo direcionismo fotográfico, tanto em relação à escolha do tema,

quanto em relação ao ângulo, à composição e outros recursos fotográficos

empregados na concepção da imagem, é inevitável. Mesmo o sociólogo ou

antropólogo que documenta fotograficamente, e faz da fotografia o seu

35

instrumento de pesquisa e registro, quando define com objetividade a

documentação, cria imagens de ficção que podem ficar adjacentes a

diferentes momentos e procedimentos das ciências. A própria realidade

fotografada, pessoas ou situações, já em si mesma um cenário teatral e

polissêmico, desde os equipamentos de identificação que as pessoas usam

até os arranjos de cenários e paisagens que vão compor a fotografia.

(MARTINS, 2008, p. 169)

Nesta citação, o autor faz-nos refletir que as imagens fotográficas sempre

levarão uma carga subjetiva, onde irá transparecer um pouco do fotógrafo e suas

escolhas para a composição fotográfica. Diniz (2007) faz-nos também observar que

os diversos olhares para uma mesma direção podem ser distintos quanto às suas

percepções. Cada um dos envolvidos (o fotógrafo, o fotografado e o leitor da

imagem) tem uma percepção que se relaciona à sua realidade subjetiva,

entendendo-se que o conhecimento interno é influenciado pelo externo. Neste

sentido, seguindo o pensamento do autor, pode ocorrer que um pequeno detalhe na

imagem fotográfica desperte mais atenção do leitor do que, exatamente, a ideia

proposta pelo fotógrafo, quando a produziu. Kossoy (2001) também divide o mesmo

pensamento, considerando as imagens fotográficas ambíguas:

Ambiguidade porque jamais o signo coincide com a coisa vista pelo artista,

porque o signo jamais coincide com aquilo que o espectador vê e

compreende, porque o signo é por definição fixo e único e, também por

definição, a interpretação é múltipla e móvel. (FRANCASTEL apud

KOSSOY, 2001, p.135)

A fotografia, portanto, desperta no observador aquilo que ele crê, não sendo

referência a uma única verdade preexistente. Deste modo, é preciso que se

“questione o que se vê em uma imagem e que se reconheça que a interpretação

realizada vem sempre carregada da subjetividade, que é fruto do meio sociocultural

em que se está inserido”. (DINIZ, 2007, p. 7)

A imagem fotográfica pode ter um valor que não é encontrada apenas no

visível, mas, principalmente, no que é sugerido e que se revela de acordo com a

36

bagagem sociocultural de cada leitor que, a partir das reflexões realizadas, avança,

ampliando os seus horizontes e a sua maneira de ver.

Sontag (2006) é clara explicando que “como cada foto é apenas um

fragmento, seu peso moral e emocional depende do lugar em que se insere. Uma

foto muda de acordo com o contexto que é vista.” (SONTAG, 2006, p. 122) Portanto

em nossas interpretações encontram-se divergências exatamente pelo fato de nós

termos vidas e vivências diferentes. Interpretações estas que sempre serão

fomentadas pelas próprias imagens fotográficas:

Assim, o olhar para uma imagem fotográfica pode ser comparado a um

olhar para vida, porque distintos seres humanos, mediante uma mesma

realidade e um mesmo problema, podem reagir de forma absolutamente

diferente, ou seja, positiva ou negativamente, pois o que é de extrema

importância para uns, pode não ter nenhum significado para outros. Tudo

depende da visão de mundo e da concepção de realidade de cada

indivíduo.

Todavia, a imagem fotográfica não é um instrumento passivo, pois tem o

poder de transformar por meio da reflexão que instiga no observador.

Assim, ao mesmo tempo em que a bagagem cultural de cada indivíduo

influencia na interpretação da imagem, a imagem convida o observador a

refletir, questionar, analisar, fato que propicia o desenvolvimento da

construção social e cultural, possibilitando, até mesmo, a diminuição de

preconceitos. Assim, a percepção sensível do leitor interfere na construção

de narrativas etnográficas que auxiliam a aproximação dos indivíduos em

uma sociedade. (DINIZ, 2007, p.10)

Koury (2004) também nos orienta a esta direção, nos mostrando que também

o uso da fotografia tem um significado variado de acordo os discursos produzidos a

partir dos elementos conotados que a constituem. Uma mesma fotografia representa

infinitas formas de apreensão e apropriação segundo os usos a que se encontra

submetida. E hoje em dia seu uso está amplamente estendido a todas as dimensões

na sociedade.

37

O mundo torna-se de certo modo “familiar” após a invenção da fotografia, o

homem passou conhecer realidades distantes que outrora era impossível, ou no

máximo insuficientes, através da via oral, da escrita ou de gravuras. Porém, a

informação era fracionária, de acordo com Kossoy (2004, p. 27): “Microaspectos do

mundo passaram a ser cada vez mais conhecidos através da representação. [...] O

mundo tornou-se assim portátil e ilustrado”. Entretanto devido a sua condição de

conseguir registrar “o aparente e as aparências”, ela se tornaria uma arma temível,

sujeita a toda sorte de manipulações, pois na medida em que a sociedade a vê e a

aceita como espelho do real, a expressão da verdade, é possível, produzir toda sorte

de ideologias através de uma imagem.

O mundo hoje está condicionado, irresistivelmente, a visualizar. A imagem

quase substituiu a palavra como meio de comunicação. Tabloides, filmes

educativos e documentais, películas de massa, revistas e televisão rodeiam-

nos. Parece até que a existência da palavra está ameaçada. A imagem é

um dos principais meios de interpretação, e sua importância está se

tornando cada vez maior. (Abbott apud Fabris, 2007, p.2)

Imaginemos que diria a autora desse texto, publicado em 1951 no Universal

Photo Almanac, diante da potência da imagem hoje em dia? Berenice Abbott estaria,

sem dúvida, espantada com o domínio crescente da cultura visual e com sua

presença em todos os aspectos do cotidiano sob a forma de fotografias, de imagens

digitais, interativas, videográficas, televisivas, médicas, e imagens transmitidas até

mesmo por satélite. (FABRIS, 2007) Porém Sontag (2006) é clara ao nos informar

que:

Não é a realidade que as fotos tornam imediatamente acessível, mas sim as

imagens. Por exemplo, hoje os adultos podem saber com exatidão como

eles, seus pais e seus avós eram quando crianças – um conhecimento que

não era acessível antes da invenção da câmera, nem mesmo para aquela

pequena minoria em que era costume encomendar pinturas de seus filhos.

[...] Os sentidos dos retratos convencionais na residência burguesa dos

séculos XVIII e XIX era confirmar um ideal de modelo (proclamar a posição

38

social, embelezar a aparência social); em vista desse propósito, fica claro o

motivo por que seus proprietários não sentiam necessidade de ter mais de

um retrato. A foto-registro mais modestamente, confirma apenas que o tema

existe; portanto, por mais que a pessoa tenha, elas nunca serão demais.

(SONTAG, 2006, p. 181)

No ato da decisão por qual aspecto uma imagem deveria ter, ao preferir uma

exposição à outra, conforme nos esclarece a autora, o fotógrafo sempre impõe

padrões a seus temas. Num certo sentido a câmera captura a realidade, mas é uma

realidade interpretada, como uma pintura ou um desenho. Até mesmo em ocasiões

em que se exige imparcialidade, há ainda a interpretação no ato da captura. Kossoy

(2001) fala a respeito da composição de uma imagem fotográfica ser imprescindível

de elementos que em conjunto operam como um ciclo:

Três elementos são essenciais para a realização de uma fotografia: o

assunto, o fotógrafo e a tecnologia. São estes os elementos constitutivos

que deram origem através de um processo, de um ciclo que se completou

no momento em que o objeto teve sua imagem cristalizada na bidimensão

do material sensível, num preciso e definido espaço e tempo. (KOSSOY,

2001, p.102)

O produto final, a fotografia, segundo Kossoy (2001), é resultado da ação

humana, o fotógrafo, que num determinado tempo e espaço escolheu um assunto e

que, para registrá-lo, empregou os recursos oferecidos pela tecnologia disponível.

O ato fotográfico mantém vínculo com o momento histórico, pois tem seu

desenrolar em um determinado momento histórico, esta fotografia também traz em si

características a respeito da tecnologia aplicada, bem como nos mostra um

fragmento selecionado do real.

A escolha de um determinado aspecto, a preocupação na organização visual

dos detalhes que compõem o assunto, bem como o uso e o domínio de uma

determinada tecnologia são fatores decisivos que influenciarão no resultado final da

39

fotografia. Estes fatores dependem do primeiro elemento do qual depende a

fotografia: a ação do fotógrafo como filtro cultural como afirma Kossoy (2001). Sobre

o fotógrafo, o autor prossegue dizendo que o registro visual documenta, por outro

lado, “a própria atitude do fotógrafo diante de realidade; seu estado de espírito e sua

ideologia acabam transparecendo em suas imagens, particularmente naquelas que

realiza para si mesmo enquanto forma de expressão pessoal.” (KOSSOY, 2001,

p.43). Quanto às imagens de registros históricos, o autor prossegue dizendo:

É certo que a fidedignidade do conteúdo de uma fonte histórica está

diretamente ligada com seu autor, e nesse sentido é mister que se tenham

detalhes de sua vida, de seu comportamento individual e social, de sua

situação econômica, bem como de sua obra, conjunto de informações cuja

determinação em profundidade não é tão simples de se alcançar pelo pouco

que se sabe acerca da vida dos pioneiros fotógrafos, autores das imagens

que devemos examinar. (KOSSOY, 2001, p.105)

É necessário também enfocar a posição do ser fotografado, pois ele também

irá interferir na imagem obtida, ele nunca estará passivo. (SONTAG, 2006). Quando

alguém é fotografado por um estranho, geralmente apruma-se, faz pose ou até

veste-se “apropriadamente” para posar. Como nos aponta Martins (2008):

[...] o vestuário usado como disfarce e maquiagem, como instrumento da

ficção da identidade e da autoimagem, pode fazer mais revelações

sociológicas do que a fotografia invasiva do sociólogo que flagra

desprevenidos seus sujeitos de referência. [...] Ao sociólogo da imagem é

indispensável ter em conta que o próprio fotografado, em muitas

circunstâncias, é um poderoso coadjuvante do ato fotográfico e que,

portanto, o real é a forma objetiva de como a ficção subjetiva do fotografado

interfere na composição e no dar-se a ver para a concretização do ato

fotográfico. (MARTINS, 2008, p.15)

40

Martins (2008) ainda nos mostra que não apenas em fotos desprevenidas e

concebidas por fotógrafos não familiares ocorre a representação, mas em todas as

imagens fotográficas da sociedade, como percebemos nesta declaração:

A fotografia reforça a necessidade de representar. Nas fotografias, as

pessoas fazem supor. Ao mesmo tempo, a fotografia se prepõe como

apontamento de memória e não como memória, como lembrete do que se

perdeu no cotidiano, na banalização, na secundarização de certos

acontecidos, e não quis se perder. No entanto a fotografia diz menos do

acontecido. [...] “O real sentido de qualquer fotografia nunca pode ser total e

objetivamente conhecido ou previsto, especialmente por um observador

externo que não esteve inicialmente envolvido em algum momento da

criação da imagem”. (WEISER apud MARTINS 2008)

A polissemia da foto vai de encontro à tese frequente de que a fotografia é o

congelamento de um momento da história ou de uma biografia. A fotografia desde

sua aceitação pela sociedade se tornou uma necessidade social, mais intensa na

classe média, e relativamente menos intensa nas classes populares. Ela não

documenta o cotidiano, pois faz parte do imaginário e cumpre funções de revelação

e ocultação na vida cotidiana. Portanto, as pessoas são fotografadas representando-

se na sociedade. A foto documenta, como atriz, a sociabilidade como dramaturgia.

Ela é parte da encenação. Ela reforça a teatralidade, as ocultações, os

fingimentos. Traz dignidade à falta de dignidade, ao simplismo repetitivo da

vida cotidiana. As pessoas se mostram representando, mas recorrem

constantemente à fotografia para mostrar-se como terceira pessoa, a

verdadeira, a que não está ali na cena, mas que está na foto. A fotografia

“conserta” o fato de que na vida cotidiana a apresentação social desmente a

representação social. Ela é o rodapé esclarecedor da compostura, do

decoro. (MARTINS, 2008, p. 44-45)

41

Deste modo, de acordo com Martins (2008), a foto “conserta” para si e para

os outros os estragos da rotina da vida. E não apenas o fotografado, mas o fotógrafo

também é protagonista da realização da imagem, ao escolher determinada

iluminação, contrastes tonais, assim, o próprio fotógrafo, é o fotografado invisível. “A

fotografia documenta as mentalidades de quem fotografa, de quem é fotografado, e

de quem a utiliza, problemáticas agregações à polissemia” (MARTINS, 2008, p.58)

Estas representações conforme Martins (2008) fala, nós vemos em nosso dia-

a-dia, quando um fotógrafo amador escolhe um cenário que venha enobrecer seus

fotografados, ou quando estes mesmos colocam suas “roupas de domingo”, a fim de

apresentarem-se com uma aparência melhor do que é a do dia-a-dia em seus

trabalhos cotidianos. Um sociólogo irá querer retratar as pessoas em situações em

que apareçam como são verdadeiramente. Mas, as pessoas dirão, com razão, que

seu verdadeiro ser está naquilo que acreditam que são e não naquilo que

apresentam ser. O autor afirma: “A fantasia é um dado fundante da identidade,

mesmo que dela não existam evidências factuais. As pessoas são o que imaginam

ser e o que querem que os outros pensem que são.” (MARTINS, 2008, p.49)

Muitos se sentem nervosos e apreensivos antes de serem fotografados: não

por recearem, como os antigos o aprisionamento de suas almas, mas, segundo

Sontag (2006), as pessoas temem a desaprovação da câmera, a perda da juventude

com o decorrer dos anos, com o decorrer da vida muitas vezes amarga, dura:

Eu não tinha este rosto de hoje

Assim tão calmo, assim tão triste, assim tão magro

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

42

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

- Em que espelho ficou perdida

A minha face?

(Cecília Meireles. Retrato. In: Obra Poética. Rio de Janeiro, Nova Aguiar, 1987)

As pessoas querem uma imagem idealizada: algo que os mostre da melhor

maneira possível. Quando a fotografia não mostra o que eles esperam, sentem-se

frustrados, insatisfeitos. Sentem-se “violentados”:

Tal qual um carro, uma câmera é vendida como uma arma predatória – o

mais automatizada possível, pronta para disparar. O gosto popular espera

uma tecnologia fácil e invisível. Os fabricantes garantem a seus clientes que

tirar uma foto não requer nenhuma habilidade ou conhecimento

especializado, que a máquina já sabe de tudo e obedece a mais leve

pressão da vontade. É tão simples como virar a chave de ignição ou puxar o

gatilho. (SONTAG, 2006, p.24)

A “câmera - arma” não mata. Portanto esta metáfora de Sontag (2006) parece

não passar de um blefe. Mas não foi por acaso que utilizamos o verbo “disparar”

para o ato de capturar uma imagem. Há algo predatório quando tiramos fotos. De

acordo com Sontag (2006, p.25): “Fotografar pessoas é violá-las, ao vê-las como

elas nunca se veem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem ter;

transforma pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos”. Martins

apud Byers (2008) nos esclarece que a fotografia está além de ser um produto da

tecnologia, mas um produto da interação humana: pessoas sendo fotografadas,

pessoas tirando fotografias, pessoas olhando fotografias. Nenhuma das partes será

passiva, portanto.

Andrade (2002) nos convida a refletir a respeito da fotografia: “É preciso

sempre tomar cuidado com a câmera. Ela revela e incomoda. Mas irá a fotografia

43

além do que mostra a realidade? Ou além da palavra, ou melhor, do registrado? O

ato fotográfico é visionário?” (ANDRADE, 2002, p.48)

Estas questões sempre fomentarão nossas polissêmicas interpretações a

respeito da imagem fotográfica. Ao nos depararmos com uma mesma imagem, cada

um de nós será convidado a inclinar-se sobre elas e senti-las com nossas próprias

vivências:

A sabedoria suprema da imagem fotográfica é dizer: “Aí está a superfície”.

Agora, imagine – ou, antes, sinta, intua – o que está além, o que deve ser a

realidade, se ela tem este aspecto. Fotos, que em si mesmas nada têm a

explicar são convites inesgotáveis à dedução, à especulação, à magia.

(SONTAG, 2006, p.33)

1.2: Fotografia e memória

“Toda fotografia é um resíduo do passado. Um artefato que contém em si mesmo um

fragmento determinado da realidade registrado fotograficamente”. (MARTINS, 2001, p.45)

Na atualidade, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão difuso quanto

o sexo e a dança. Porém isto não significa que ela seja praticada assiduamente pela

grande massa como uma forma de arte, mas sim como um rito social, uma proteção

contra a ansiedade, como um instrumento de poder. Em sua observação, as famílias

são acompanhadas pelas câmeras, sobretudo as famílias de classe média alta e

bem menos pela classe baixa (MARTINS, 2008). O ato de não tirar fotografias dos

filhos, sobretudo quando estão ainda são pequenos, é tido como um gesto de

indiferença da parte dos pais assim como não comparecer à fotografia de formatura,

um sinal de rebeldia juvenil. (SONTAG, 2006)

Através das fotografias, cada família constrói uma crônica visual de si mesma,

de acordo com Sontag (2006), tornando-se um rito de vida em família exatamente

44

quando esta está se fragmentando. É a presença silenciosa de alguém já ausente,

sendo “inevitável a emoção diante da fotografia”. (MARTINS, 2008, p. 45)

Principalmente pelas ausências de hoje em dia lá presentes. Os mortos reais e

simbólicos, como os pais que se separaram e distanciaram-se da família, a

namorada ou o namorado que não é mais, o amigo que deixou de sê-lo. Neste

contexto, ela se torna não como um mero fragmento de imagem, mas se propõe

como “memória dos dilaceramentos, das rupturas, dos abismos e distanciamentos,

como recordação do impossível, do que não ficou e não retornará.” (MARTINS,

2008, p. 45). Cada família terá sua “caixa de sapato” onde irá guardar suas

lembranças emocionadas, onde ilustram suas histórias de vida, o consagrado

“álbum de família”. (SILVA, 2008)

Alguém conhece um exercício melhor para reviver o passado que a

apreciação de nossas próprias fotografias? Vendo-as, o homem reflexe sobre a

importância que a fotografia tem em nossas vidas. Kossoy (2001, p.100) acrescenta

que: “quando o homem vê a si mesmo através de velhos álbuns, ele se emociona,

pois percebe que o tempo passou e a noção de passado se lhe torna de fato

concreta. [...] estamos envolvidos afetivamente com os conteúdos daquelas

imagens.” Estas fotografias nos dizem muito a nosso respeito, de como éramos, de

como eram nossos familiares e amigos.

Em nossa imaginação reconstruímos a trama dos acontecimentos dos quais

atuamos em diferentes épocas e lugares. Nas palavras de Kossoy (2001, p.100),

“Essas imagens nos levam ao passado numa fração de segundo. [...] Através das

fotografias reconstruímos nossas trajetórias ao longo da vida” Diante destes

fragmentos interrompidos de vida, que muitas vezes revemos, uma insuportável,

irremediável e até mesmo constrangedora fonte de recordação e emoção.

Entretanto, deve-se saber que:

A fotografia é uma das grandes expressões da desumanização do homem

contemporâneo, sobretudo porque permitiu a separação cotidiana da

pessoa em relação à sua imagem. Não é incomum que, com o passar do

tempo, ou com a distância, os amantes amem a pessoa que está na

45

fotografia e percam de vista e de afeto a pessoa que se deixou fotografar.

(MARTINS, 2008, p. 23)

Atualmente existem outros meios para se registrar cenas, como a filmagem,

mas neste caso, ela é o fluxo contínuo de imagens pouco selecionadas, em que

cada uma delas cancela a precedente. Já a fotografia é um momento privilegiado,

convertido num pequeno objeto que as pessoas podem guardar e olharem quantas

vezes desejarem. (SONTAG, 2006) Com toda nostalgia de nosso tempo,

colecionamos compulsivamente imagens de momentos inesquecíveis, pois sabemos

que ele não será eterno.

Quando temos medo, atiramos, mas quando ficamos nostálgicos, tiramos

fotos. [...] Ao fotografar, participamos da mortalidade, de toda nossa

vulnerabilidade e mutabilidade das relações humanas e do espaço físico,

estamos com foto, testemunhando a dissolução implacável e irreversível do

tempo ao cortar uma fatia deste momento e congelá-la”. (SONTAG, 2006, p.

26-27)

Melancolicamente sabemos que a cena registrada ali na imagem não se repetirá

jamais. Aquele momento vivido e congelado pela fotografia é sem retorno. Ai está a

razão pela qual muitos de nós valorizamos intensamente mais a imagem fotográfica

do que um registro escrito. A canção abaixo traduz este pensamento:

“Rasgue as minhas cartas

E não me procure mais

Assim será melhor

Meu bem!

O retrato que eu te dei

Se ainda tens

Não sei!

46

Mas se tiver

Devolva-me!”

[...]

Adriana Calcanhotto. Devolva-Me. In: Público. Renato Barros e Lilian Knapp. Rio de Janeiro, SONY,

2000.

Sotilo (2006, p. 01) a descreve como memória fixa num tempo, mas que

retoma o seu movimento, a sua animação ao ser observada neste ato rememorativo.

“Registro este que abriga certo “recorte espacial” e uma “interrupção temporal”,

fazendo-nos construir realidades diversas”.

Podemos dizer que a fotografia se tornou um mecanismo aliviador da

memória, já que compartilhamos com ela alguns momentos significativos os quais

podemos deixar registrados no papel fotográfico, e sempre que quisermos lembrar-

nos do fato voltamos à imagem. Podemos ter como exemplo com o fato de que

quando viajamos, registramos cada impressão da experiência, sendo impossível de

ser armazenada em sua plenitude, mas a fotografia acaba por dar este suporte

detalhado destes momentos o qual nossa memória não suportaria. (SONTAG, 2006)

Koury (2008), a respeito do registro fotográfico acrescenta:

Duplo do real, a fotografia é apresentada como o real reproduzido. Como

uma cópia que tem o poder de apropriar o real referenciado pela fixidez

intemporal de sua ação. Como passado em revelação para o olhar que

observa, a fotografia parece realizar sua utopia de produtora da memória.

(KOURY, 2008, p.102)

A memória é então informada pela fotografia, indicando momentos

insubstituíveis que constroem uma vida para si e para os outros. Como uma

ausência permanentemente prisioneira de um presente que já aconteceu, como

portadora no presente de um registro que já foi, a fotografia parece estabelecer as

bases necessárias à exclusão do referente, pela sua inclusão fixada nos registros

que cada foto revela.

47

A industrialização praticada em larga escala possibilitou a popularidade da

fotografia, contudo esta perdendo sua qualidade artística. Com o advento cada vez

mais crescente “tirar” fotografias tornou-se hábito das famílias, de acordo com

Andrade (2002, p.49), eternizando momentos de festas, aniversários, casamentos,

viagens, batizados. E prossegue afirmando: “Todas estas imagens nos levam a

resgatar o prazer do instante, do momento presente e do ausente, daquilo que

passou, mas permanece na memória.” Deste modo, tiramos fotografia para nos

apropriar do objeto, do momento que desaparecerá. Existe, uma magia no momento

que imortalizamos as pessoas e o tempo nas fotos. Para tribos urbanas, fotografias

são: “como provas de sua existência, de sua identidade e história.” (ANDRADE,

2002, p.49)

De acordo com o pensamento da autora, cada fotografia detém uma

presença. As evocamos ao guardar em nossas carteiras, em nossas casas imagens

de nossa família, de animais, de santos, de nossos ídolos para fazer presente o que

está ausente. Andrade (2002, p.49) afirma que: “nossa identidade individual

depende da memória – e a fotografia é uma atividade fundamental para o contorno

dessa identidade, seja para autoafirmação, seja para o conhecimento.”

Tanto olhar fotografias como captá-las é semelhante a congelar por instantes

o tempo. E é aí que reside seu encantamento, o fascínio no momento do clique. “O

ato de acionar o botão de uma máquina fotográfica é o único em que o tempo

interno está de acordo com o tempo externo.” (ANDRADE, 2002, p 50)

Barthes apud Andrade (2002) afirma: “Aquilo que a fotografia reproduz até o

infinito só aconteceu uma vez: ela repete magicamente o que nunca mais poderá

repetir-se existencialmente.” (p. 50) Deste modo podemos perceber o real motivo

desta necessidade compulsiva de a cada dia pessoas registrarem momentos felizes

de suas vidas em fotografias, temerosos de tê-los em mãos apenas o registro, mas

ao mesmo tempo não viver o momento novamente.

Assim, ao refletir sobre um passado que se foi e que permanece na

intemporalidade fria da foto, referencia a própria fotografia como ilusão da

manutenção dos momentos queridos eternamente presentes. Cria, ao

48

mesmo tempo, o vazio da fixidez que pode ser tocada, acariciada,

observada, mas que permanece como não sendo o objeto do desejo.

(KOURY, 2008, p.102)

A fotografia vista como lembrança, fomenta no olhar que vê um resumo da

memória pessoal. A imagem significa gestos, atos e sentimentos, construindo redes

de significados que singularizam a lembrança pelo ato emocionado que provoca no

observador. Pela cumplicidade que se estabelece entre aquele que observa e

aquele que a foto representa, referenciado e fixo na ausência presente de um tempo

e de um espaço que não mais existem, embora continuem a existir na realidade da

foto. (KOURY, 2008)

Sotilo (2006), fala sobre este ato do fotógrafo de fixar o tempo e a época

deixando um registro do presente, em que no instante fotografado torna-se passado,

fotografar a nossa trajetória de vida é um mecanismo contra o medo do

desaparecimento e a necessidade de preservar se faz presente neste ritual.

Esses instantes são retomados no momento em que se abrem os álbuns de

fotografia, eles são suportes que torna presente essa ausência, essa transitoriedade.

Dentro deste universo, manusear, olhar, recordar essas imagens torna-se um ato

ritualístico, “sendo este a presentificação de um momento significativo, e que se

atualiza no discurso”. (SOTILO, 2006, p.3) A saudade, este sentimento nostálgico,

pode nos levar á fotografia, mas também a própria necessidade de pertencimento,

enfatiza a importância que esses laços afetivos têm em nossas vidas nos levando a

contemplá-las. “Podemos dizer que esses sentimentos sempre perseguiram e

atormentaram o ser humano, o medo do esquecimento, de não eternizar uma

história, de tudo terminar, de ter o seu fim, a morte”. (SOTILO, 2006, p.6).

A fotografia dribla a morte e a solidão do sujeito que observa pela sensação

de “onipotência do possuir recortes fixos de um real comprovadamente e

intemporalmente existente, na realidade da foto; a foto torna-se o referente de si

mesma”. (KOURY, 2008, p.106) Pensemos em nossos momentos que uma simples

olhada numa fotografia nos anima, retendo no papel o momento de felicidade ali

impresso. Lá estávamos com pessoas queridas, podemos retornar a tais

49

sentimentos vividos naquele momento só do fato de observarmos nossas

fotografias.

Evocada, a foto realiza o anseio de trazer situações e mantê-las sob

controle, na imobilidade eterna registrada e apreendida pelo ato fotográfico.

O que provoca uma sensação de poder e de posse sobre o outro ou sobre o

si mesmo registrado, ao mesmo tempo em que onipotencializa as relações

do observador com as imagens reveladas e por ele possuídas. (KOURY,

2008, p.103)

A fotografia é manuseada em momentos de busca de afetos, positivos ou

negativos, “que recomenda para situações felizes ou não tanto, mas, próximas da

felicidade na distância que as fotos aproximam sem, contudo, trazê-las de volta [...]

O que permite consolo ou tormento em quem se debruça nas impressões que a foto

trás”. (KOURY, 2008, p.103)

Toda fotografia representa em seu conteúdo uma interrupção do tempo e,

portanto da vida. O fragmento selecionado do real, a partir do instante em

que foi registrado, permanecerá para sempre interrompido e isolado na

bidimensão da superfície sensível. [...] Sem antes nem depois; este é um

dos aspectos mais fascinantes em termos do instante contínuo recortado da

vida que se confunde com o nascimento do descontínuo do documento.

(KOSSOY, 2001, p.44)

Tal instante recortado do cotidiano fica ali aprisionado no papel fotográfico,

congelando aqueles sorrisos familiares eternamente. O ato de fotografar tais

momentos felizes nada mais é do que para nos momentos tristes que todos nós

passamos durante a vida, podemos retornar ao saudoso momento lembrando-se

que a noite escura de tal tristeza ou saudade que estamos passando logo findará

com a chegada de mais uma manhã promissora, contendo mais sorrisos em novas e

agradáveis situações.

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“Quando temos medo, atiramos, quando ficamos nostálgicos, tiramos fotos.”

(SONTAG, 2006, p.25) Vivemos numa época nostálgica, conforme nos constata

Sontag (2006), logo as fotografias ativam ainda mais esta nostalgia. Para a autora,

A fotografia é uma arte elegíaca, uma arte crepuscular. A maioria dos temas

fotográficos tem, justamente, em virtude de serem fotografados, um toque

de pathos. Um tema feio ou grotesco pode ser comovente porque foi

honrado pela atenção do fotógrafo. Um tema belo pode ser objeto de

sentimentos pesarosos porque envelheceu, ou decaiu, ou não existe mais.

Todas as fotos são “memento mori”. Tirar uma foto é participar da

mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa (ou

coisa). Justamente por cortar uma fatia deste momento e congelá-la, toda

foto testemunha a dissolução implacável do tempo. (SONTAG, 2006, p.26)

Para ilustrarmos a citação acima, basta apenas nos recordarmos de parentes

e amigos mortos, ainda preservados em fotografias, em que sua presença exorciza

parte de nossas angústias para Sontag (2006), elas suprem nossa relação portátil

com o passado.

Uma foto é tanto uma pseudopresença quanto uma prova de ausência.

Como o fogo da lareira num quarto, as fotos – sobretudo a de pessoas, de

paisagens distantes e remotas, do passado desaparecido – são estímulos

para o sonho (SONTAG, 2006, p.26)

Comparadas com a televisão, elas são mais memoráveis do que imagens em

movimento, pois há uma nítida fatia do tempo, já nas imagens em movimento há um

fluxo de imagens pouco selecionadas, onde a imagem anterior cancela a próxima.

“Cada foto é um momento privilegiado, convertido em um objeto diminuto que as

pessoas podem guardar e olhar outras vezes”. (SONTAG, 2006, p. 28)

“A fotografia é o inventário da mortalidade.” (SONTAG, 2006, p.85) Agora,

com apenas o apertar do obturador, dotamos um momento de uma ironia póstuma,

51

mostrando que aquelas pessoas incontestavelmente estavam presentes num

determinado lugar e época. Através das fotos foram agrupadas e num instante

depois, se dispersaram seguindo o curso de seus destinos independentes.

Assim como o fascínio exercido pelas fotos é um lembrete da morte, é

também um convite ao sentimentalismo. As fotos transformam o passado no

objeto de um olhar afetuoso, embaralham as distinções morais e desarmam

os juízos históricos, por meio do pathos generalizado de contemplar o

tempo passado. (SONTAG, 2006, p. 86)

Uma fotografia é apenas um fragmento e, através do avanço do tempo,

conforme nos informa a autora, tudo o que a prende vai se afrouxando e então ela

fica solta à deriva num passado flexível e abstrato, aberto a qualquer tipo de leitura e

de associações com outras fotografias.

Após o evento, a foto ainda existirá, conferindo ao evento uma espécie de

imortalidade (e de importância) que de outro modo ele jamais desfrutaria.

Enquanto pessoas reais estão no mundo real matando a si mesmas ou

matando pessoas reais, o fotógrafo se põe atrás de sua câmera, criando um

pequeno elemento de outro mundo: o mundo imagem, que promete

sobreviver a todos nós. (SONTAG, 2006, p.22)

As fotos são os objetos mais misteriosos de todos os que compõem o

ambiente que identificamos como sendo moderno. Elas são realmente experiências

capturadas. Fotografar, para Susan Sontag (2006, p.14) “é apropriar-se da coisa

fotografada. Significa por a si mesmo em determinada relação com o mundo,

semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao poder.”.

Esse encantamento outorgado à fotografia justifica o horror que os

primitivos tinham em deixar-se fotografar, o mesmo terror vindo dos

52

espelhos que refletem a imagem, mas não a retém. A fotografia, no entanto,

é espelho da memória: imobiliza nossa imagem para sempre. (ANDRADE,

2002, p.48)

É possível tornar visível o invisível nas fotografias “na própria evidência visual

fotográfica contida nas coisas que restaram de quem lá esteve e já não está. De

certo modo, nos resíduos da humanidade dos que partiram, as fotos nos dizem que

sociedade é esta”. (MARTINS, 2008, p.27) Basta lembrarmos que através das

imagens fotográficas podemos observar qual era a moda daquele tempo, a posição

social dos fotografados ante algumas informações ali impressas, de até mesmo a

linguagem corporal dos personagens da cena congelada pela fotografia.

O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento

do gesto da paisagem, e, portanto, a perpetuação de um momento, em

outras palavras, da memória: memória do indivíduo, da comunidade, dos

costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. A cena

registrada na imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado

pelo registro fotográfico, é irreversível. (KOSSOY, 2001, p. 155)

A vida, no entanto, prossegue, mas a fotografia segue preservando aquele

cenário com seus personagens. Com o passar dos anos, os retratados envelhecem

e morrem, o mesmo ocorre com o fotógrafo e todo o cenário ali registrado, mas de

todo este processo apenas a fotografia sobrevive, ora na impressão original, ora

reproduzida. (KOSSOY, 2001)

Estivemos naquele determinado momento e fomos felizes (ou não). A

fotografia registrou-o. Sem a imagem, o cotidiano seria impossível. Mesmo quando

não temos uma fotografia para cada situação, nosso imaginário cria a imagem em

nós e para nós. De certo modo, hoje em dia, pensamos fotograficamente.

(MARTINS, 2008) No que se concerne ao fato de observarmos cenas na

tridimensionalidade de nossas vidas e imaginarmos a composição na

53

bidimensionalidade. O eterno desejo de fotografar momentos bons, memoráveis pelo

medo de que se não o registrarmos o perderemos para sempre.

Fotografia é memória e com ela se confunde. Fonte inesgotável de

informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida

individual e social. Registro que cristaliza, enquanto dura, a imagem –

escolhida e refletida – de uma ínfima porção de espaço do mundo exterior.

É também a paralisação súbita do incontestável avanço dos ponteiros do

relógio: é, pois o documento que retém a imagem fugida de um instante da

vida que flui ininterruptamente. (KOSSOY, 2001, p. 156)

1.3: Henri Cartier-Bresson: o momento decisivo na fotografia

É preciso abordar o tema a passos de lobo, mesmo em se tratando

de uma natureza morta. É preciso aproximar-se sigilosamente como um

gato mas ter o olhar agudo. Nada de atropelos; não fustiga-se a água antes

de pescar. [...] O melhor é fazer que esqueçam o fotógrafo e o aparelho,

que é sempre demasiado visível. (BRESSON, 2004, p.19-20)

O fotógrafo Henri Cartier-Bresson (1908- 2004), influenciou-me nas minhas

composições fotográficas decisivamente. Com ele, aprendi a olhar de perto a

pessoa, o vislumbrar até mesmo no cenário, elementos que revelem a personalidade

do fotografado. O irônico é que não foram suas imagens fotográficas, mas sim sua

fala a respeito de suas composições quando as li em Martins (2008). Admiro-o, pois

ele incluía intencionalmente em suas composições elementos que faziam de sua

fotografia não apenas um documento de um rosto, mas documentou a mentalidade,

o mundo da pessoa retratada.

54

Quando Bresson formulou a ideia de “momento decisivo” foi particularmente

baseado em suas próprias fotografias:

A ideia de momento remete a fotografia para o inevitável de sua inserção na

vida cotidiana e no banal, daquilo que flui sem ficar. Mas a ideia do decisivo

remete a fotografia para sua dimensão propriamente estética, pra aquilo que

faz do que é passageiro o tema da fotografia que permanece, a chispa

espiralada e imaginada que reveste a fotografia de sentido porque a remete

aos parâmetros da criação e da universalidade do humano. (MARTINS,

2008, p.60).

Na tese do fotógrafo, há a recusa do casual, do mero clicar como sinônimo de

fotografar, mesmo que para documentar. O momento decisivo permite a Bresson

conciliar em sua obra fotográfica o fotógrafo e o artista respeitado que ele era.

Se o artista tem diante de si o objeto de sua arte, que ele se submete calma

e docilmente, já o mesmo não ocorre com o fotógrafo documentarista, que

fotograva acontecimentos, objetos constituídos no átimo do que é fugaz, a

mais passageira das dimensões dos processos sociais. Portanto, o

fotógrafo, que espera do ato fotográfico a foto sobreviva ao instante e

permaneça densa de sentido e rica de expressão, deve munir-se da

paciência para que a composição não cotidiana do cotidiano se desenhe

subitamente diante de sua objetiva sem se diluir no seu caráter fugido,

banal e propriamente cotidiano. (MARTINS, 2008, p.61)

A forte ideia do momento decisivo opõe-se vigorosamente à banalidade do

flagrante e do congelamento. A fotografia que se encaixa nos moldes do momento

decisivo, conforme percebe Martins (2008, p.63), “chega à sociologia com um

quadro visual de referência que é em si interpretativo, com o deciframento da

imagem já proposto esteticamente.” O flagrante é um acaso; o momento decisivo é

bem mais do que isto, sendo uma espera elaborada, uma construção mental prévia,

esteticamente definida. Não é acidental quando o fotógrafo visite previamente o

55

cenário em que transcorrerá o que registrar. Porém, deve-se ser objetivo e racional

apenas antes e depois, nunca durante o ato fotográfico, já que:

Cartier-Bresson comparou-se a um arqueiro zen, que tem de transformar-se

no alvo para ser capaz de atingi-lo; “pensar é algo que tem de ser feito

antes e depois”, diz ele “nunca durante o processo de tirar uma foto”. O

pensamento é visto como algo que turva a transparência do fotógrafo e

infringe a autonomia daquilo que é fotografado (SONTAG, 2006, p. 133)

Como estética fotográfica, entendemos através de Martins (2008) a

simplicidade das coisas, das pessoas fotografadas e das situações sociais que são

objetos do ato fotográfico e da existência do sentido do belo, do dramático, do

poético que pode ser encontrado até mesmo no que parece banal repetitivo. O autor

finaliza este assunto dizendo: “O ver estético da fotografia erudita é que pode

levantar o véu dos mistérios do viver sem graça.” (MARTINS, 2008, p.62)

Para uma boa apresentação do tema, conforme Bresson (2004), as relações

de forma devem ser estabelecidas rigorosamente. Ele as encara reconhecendo o

ritmo de superfícies, de linhas ou valores. O aparelho deve apenas imprimir a

decisão do olho na película. A totalidade vista de uma só vez é a composição da

fotografia. Bresson (2004, p. 23) acrescenta: “A composição é uma coalizão

simultânea, a coordenação orgânica de elementos visuais. Não se compõe

gratuitamente, é preciso uma necessidade e não é possível separar o fundo da

forma”.

Em fotografia há uma espécie de pressentimento de vida e ela deve captar,

no instante o movimento, o equilíbrio expressivo. Bresson (2004) nos orienta a que

nossos olhos avaliem e meçam constantemente, pois modificamos as perspectivas

com uma flexão dos joelhos introduzindo coincidências de linhas por simples

deslocamentos da cabeça. Fotógrafos compõem ao mesmo tempo em que apertam

o disparador. Podemos subordinar o tema na composição ou sermos tiranizados por

ele, por este motivo, a composição deve ser uma de nossas preocupações

constantes, conforme diz Bresson (2004, p. 25), mas no momento de captar, ela “só

56

pode ser intuitiva, pois estamos às voltas com instantes fugidos em que relações são

instáveis. Para aplicar a relação da “seção áurea”, o compasso áureo deve estar

dentro do seu olho.”.

Para ele, a fotografia encenada não o agrada. Para ele, sua câmera

fotográfica é como um bloco de esboços, seu instrumento da intuição e de sua

espontaneidade, onde naquele instante decide e questiona ao mesmo tempo. O

fotógrafo Cartier-Bresson pensa que: “Para “significar” o mundo, é preciso sentir-se

implicado no que se descobre através do visor. Esta atitude exige concentração,

disciplina de espírito, sensibilidade e um sentido de geometria.” (BRESSON, 2004,

p.12) Mediante a uma grande economia, Bresson chega à simplicidade de

expressão, fotografando sempre com o maior respeito ao objeto e a si mesmo.

Deste modo, o respeito não se encontra apenas no ato da captura, indo além.

Bresson apud Martins (2008), fala sobre as seleções que o fotógrafo faz antes de

dar a ver sua fotografia.

Há a seleção que fazemos quando olhamos através do visor para o objeto;

e há a seleção que fazemos após o filme ter sido revelado e copiado. Após

revelar e copiar, deve-se colocar de lado as fotos que, embora todas sejam

corretas, não são a mais forte. (MARTINS, 2008, p.28)

De acordo com Meucci (1999), ele amou a liberdade acima de tudo, não se

deixando se prender. A liberdade é sua religião. Por este motivo, não gostava de

sentir-se encarcerado pelos grilhões da fama. “Não gosta da luz ofuscante. Não

gosta que tirem fotografias deles... diz que não quer que façam com ele, aquilo que

fez toda a vida com os outros. Cobre o rosto sempre que pode”. (MEUCCI, 1999,

p.1)

Cartier-Bresson é artista de vanguarda, um lírico que fez poesia através da

câmera fotográfica. Tendo graça e leveza, sempre passava invisível apenas com

sua Leica em mãos, sem o uso do tripé. É neste adjetivo que está sua genialidade.

57

Minha paixão nunca foi pela fotografia “em si mesma”, mas pela

possibilidade, ao esquecer de si mesmo, de registrar numa fração de

segundo a emoção proporcionada pela tema e a beleza da forma, quer dizer

uma geometria despertada pelo que é oferecido. O disparo fotográfico é um

dos meus blocos de esboços. (BRESSON, 2004, p. 33)

O que detonou sua vida de fotógrafo foi a fotografia de Martin Munkasci

publicada na Revista Photographies em 1931, em que três meninos negros nus no

Congo saem correndo em direção às ondas do mar, numa coreografia de dança,

com a liberdade genuína do ser humano, “totalmente livres sem obstáculos,

poderosamente sensuais, exuberantes, joviais, vivos... leves e verdadeiros,

brincando entre si, como se fossem os únicos possuidores da verdade humana”.

(MEUCCI, 1999, p.1) Nesta imagem, eles personificam a liberdade, a carne sem

pecado. Seus movimentos foram então congelados praticamente no ar. O momento

exato que expressava aquela situação foi congelado nesta fotografia:

“que impressionou Bresson por toda a vida. 'O equilíbrio plástico desta foto

suspende seu ímpeto pela vida... um retorno às origens... a mais nobre

humanidade. ' Dizem aqueles que o conhecem, que é a única foto em sua

parede... Esta foto foi o gatilho de sua efervescente carreira de fotógrafo”.

(MEUCCI, 1999, p.1)

Após esta imagem, ele continuou fazendo a estética do corpo humano em

suas fotos, introduzindo um novo conceito de liberdade no fotojornalismo, sem

perder a graça e a leveza de um artista verdadeiro.

Nada é pesado em suas fotos, apesar do drama. Todas são

minuciosamente e incansavelmente compostas com a simplicidade de um

gênio. Ele esmagou como ninguém, sem fazer barulho. Ele apareceu como

ninguém sem, ao menos, se exibir. Mas, com um artista inato, toda a sua

referência é pictórica, não resta a menor dúvida... Concluindo pela sua

composição. A geometria das formas é uma tônica em suas imagens.

(MEUCCI, 1999, p.2)

58

De acordo com Tavares (2008), a França contribuía para a arte na fotografia

com um dos nomes mais sonantes da vertente do documentário social: Henri

Cartier-Bresson. O interesse do fotógrafo recaía no observar das pessoas, no seu

cotidiano e nas circunstâncias excepcionais da vida. Cartier-Bresson, com os seus

trabalhos, prova que o resultado da arte fotográfica não estava na máquina, mas sim

no olho do fotógrafo que, de forma subjetiva, percepciona determinado momento e o

captura.

Nas palavras do grande fotógrafo:

Fotografar é prender a respiração quando nossas faculdades se conjugam

diante da realidade fugida; é este momento que a captura da imagem é uma

grande alegria física e intelectual. Fotografar é pôr na mesma linha de mira

a cabeça, o olho e o coração. (BRESSON, 2004, p. 11)

Henri Cartier-Bresson nasceu em 22 de agosto de 1908, em Paris. É

descendente de uma família proeminente da indústria têxtil. Mas Bresson nasceu

artista e não seguiu a carreira de sua família. Frequentou a École Fénélon e o Lycée

Condorcet em Paris. Estou pintura com Cotenet (1922-23) e com André Lhôte (1927-

28). Estudou pintura e filosofia na Universidade de Cambridge. Seu contato com a

pintura, de acordo com Galassi (2010) transformou Cartier-Bresson em um fotógrafo

dotado de surpreendente intuição visual materializada em fotos claras, elegantes e

perfeitas quanto à composição e equilíbrio, dotadas de coesão em sua narrativa

visual.

Começou como fotógrafo em 1931 recebendo influências do surrealismo. Em

1939, viajou para a África, onde permaneceu por um ano. Trabalhou como

vaporeiro, vendendo bugigangas e carne salgada que ele mesmo caçava e

preparava. Lá também adquiriu malária e sua primeira câmera fotográfica de

segunda mão feita por Krauss. Mas todos os filmes que fotografou lá foram

deteriorados pela umidade. “Para nós, o que desaparece, desaparece para sempre:

daí nossa angústia e também a originalidade essencial do nosso ofício.” (BRESSON,

2004, p. 19) Mas apesar de tudo, esta viagem mudou sua vida.

59

Apesar do fracasso das primeiras fotografias, a África não somente mudou

sua vida, como o tirou da pintura e o colocou na fotografia. Quando voltou à Paris,

imediatamente comprou uma Leica, que o acompanhou por toda a vida:

Tinha descoberto a Leica: ela se tornou prolongamento do meu olho e não

me deixa mais. Eu andava o dia inteiro com o espírito alerta, procurando

nas ruas a oportunidade de fazer ao vivo fotos como de flagrantes delitos.

Tinha sobretudo o desejo de capturar numa só imagem o essencial o

essencial de uma imagem de uma cena que surgisse. (BRESSON, 2004,

p.16)

Nesta época, foi então publica na edição anual da Revista Photographies, a

famosa foto de Munkasci, que deu novo rumo a sua carreira. Daí para frente, ele

saiu para o mundo para fotografar. Em 1935, partiu para o México e para New York,

onde permaneceu por um ano também. Neste período deixou de fotografar. Fez

filmes com Paul Strand, retornando em 1936 para Paris, onde trabalhou até 1939,

com o cineasta francês Jean Renoir, filho do pintor, também fazendo filmes.

A Segunda Guerra Mundial tinha começado. Bresson foi prisioneiro de guerra

dos alemães por três anos. Tentou fugir três vezes e só conseguiu na última vez. De

volta a Paris trabalhou na Resistência Francesa. Voltou a filmar novamente depois

da guerra, dirigindo Le Retour, um documentário sobre os campos nazistas e a volta

da guerra. Mas sua falta de controle no processo de colaboração de produção de

filmes, finalmente fez Bresson optar pela fotografia. Em 1946 viu a chance de

recomeçar sua carreira fotográfica. De acordo com Meucci (1999), Bresson ficou

sabendo que o MOMA estava planejando uma exibição póstuma de suas fotos,

através do curador Beaumont Newhall e sua mulher, Nancy, pois achavam que ele

havia morrido na guerra. Informados de que Bresson estava vivo, a exposição foi

transformada em uma retrospectiva de suas fotos em meio de carreira. Ele viajou

para New York em agosto de 1946, com suas histórias dos campos de

concentração, tentativas de fuga e trabalho clandestino executado para a

Resistência Francesa.

60

Meucci (1999) nos informa que no ano de 1947, Cartier-Bresson, Robert

Capa, David 'Chim' Seymour e George Rodger, criam a Agência Magnum. Sobre o

acontecimento Bresson (2004) declara: “Fundamos a nossa cooperativa em 1977, a

Magnum Photos, que difunde nossas reportagens fotográficas através da revista

francesa e estrangeiras. Continuo sendo um amador, porém não mais diletante”.

(BRESSON, 2004, p.17)

De acordo com Galassi (2010), o repertório imagético de Cartier-Bresson

atingiu um porte impressionante em razão não apenas de seu talento, mas de traços

pessoais e subjetivos, tanto na própria imagem, quanto nas legendas de cada uma:

O estilo de Henri Cartier-Bresson encontra-se inteiro na sua escritura:

testemunho, legenda ou dedicatória, é sempre uma arte breve. [...] Henri

Cartier-Bresson descobriu este seu dom suplementar, ao escrever um

prefácio que imediatamente passou a ser referência maior para os

fotógrafos mas hoje merece ser lido de maneira menos restritiva: como uma

arte poética plena. Assim como deve ler suas reações vigorosas, suas

lembranças discretas, mas precisas, cheias de humor e de afeição. (MACÉ

in BRESSON, 2004, p.9)

Entre 1948 e 1950, gastou a maior parte do seu tempo na Índia, Burma,

Paquistão, China e Indonésia. Fotografou o fim do domínio britânico na Índia e o

assassinato de Mohandas Gandhi. Na China ele fotografou os primeiros meses de

Mao Tse Tung. (MEUCCI, 1999) Este período estabeleceu sua reputação como foto-

jornalista de incomparável sensibilidade e habilidade. Suas fotos capturaram os

novos acontecimentos da época e a vida cultural dos países que fotografou. Depois

de três anos voltou para casa e produziu o livro IMAGES À LA SAUVETTE. O livro é

composto por imagens tiradas rapidamente sem premeditação.

Continuou fotografando pelo mundo, Europa, antiga União Soviética, Japão,

China, México, Índia. Mas na metade da década de 60, ele voltou insatisfeito com o

seu trabalho. Foi para a Agência Magnum com a intenção de destruir tudo. O editor

de fotografia e escritor Romeo Martinez convenceu Bresson a permitir que o editor

61

Robert Delphire o printer da Magnum, Pierre Gassman, editassem um trabalho com

suas melhores fotos. Esta foi aparentemente a segunda vez que ele tentou destruir

suas fotos. A primeira foi na época da guerra, quando ele teria destruído as fotos e

pedido ao pai para guardar os negativos em uma lata e depositar em um cofre no

Banco.

Em 1966, Bresson retirou-se da Magnum, mas permitiu que a Agência

continuasse a distribuir suas fotos. Em 1970, com 62 anos, casou-se com a fotógrafa

Martine Frank. A partir daí, parou de fotografar profissionalmente, dedicando-se

somente à pintura e ao desenho. (MEUCCI, 1999)

O fotógrafo faleceu em 2004 aos 96 anos de idade.

62

2:TRILHARES SOB ESTE CHÃO (POÉTICA VISUAL)

As estrelas que de noite eu via

Todas elas lá no céu estão

Mesmo sem vê-las durante o dia

Piscam no céu com o sol gordão

São trilhares de estrelas e eu nem sabia

Que estão lá no céu até mesmo de dia

Como pode o céu ter tanta estrela?

Como pode? Parece um mar de areia...

A areia que na praia eu via

Tantos grãos estão lá no chão

Punhadinho de areia que eu pego na mão

Tantos grãos que não cabem na numeração

São trilhares de grãos e eu nem sabia

Que esse número aumenta de noite e de dia

Como pode uma praia ter tanta areia?

Como pode? Parece um céu de estrelas...

Tanta areia, tanta estrela

Tanta areia tanta estrela.

Palavra Cantada. Trilhares. In Canções Curiosas. Paulo Tatit e Edith Derdyk. São Paulo, Eldorado,

Selo: Palavra Cantada, 1998.

63

Fig. 2: Trilhares sob este chão. Foto de Thais Oliveira Silva. 29 de Jan. 2012.

Minha poética visual foi norteada pela infância. A minha e a de meus queridos

alunos das quintas séries A e B de 2011 da Escola Municipal Noêmia Salles

Padovan, localizada em Itanhaém, aos quais lecionei Artes ao substituir a professora

titular, a qual estava afastada por licença médica durante este ano letivo.

Com eles, pude perceber particularidades de Itanhaém que eu já havia

esquecido, pequenas, mas tão grandiosas cenas deixadas para trás. Meus queridos

alunos, os quais com minha orientação durante as aulas dadas leram, interpretaram

e criticaram diversas imagens de nossa cidade. Imagens de ontem e de hoje. Até

que chegamos à parte de produzirmos também. Como seriam nossas imagens?

Como nós vemos nossa cidade? Eles produziram plasticamente, através de

produções de desenhos com lápis de cor, caneta hidrocor e tinta vitral. No primeiro

trimestre do ano supracitado, trabalhamos o assunto.

64

Meus alunos eram responsáveis e estavam envolvidos neste estudo, trazendo

sempre dúvidas e informações sobre nossa cidade. Planejei realizar um projeto-ação

com eles no ano de 2012, que durasse um ano letivo, e este seria o meu trabalho de

conclusão de curso, mas a direção e coordenação da escola não me permitiram,

pois a professora titular retornou e escolheu lecionar para estes alunos. Porém, a

semente plantada nestas duas classes, durante o trimestre de 2011 nunca será

arrancada.

Assim como Exupéry (2006), também penso que as crianças sabem o que

procuram, pois prestam atenção em seus caminhos, seu olhar é apurado. Não quero

perder este olhar jamais.

Foi por eles que ousei trilhar pelo caminho inusitado da fotografia com o

enquadramento em diagonal. Não foi algo que fui precursora, certamente não estou

sendo impertinente ao utilizar o termo “inusitado”, já que o grande percursor deste

enquadramento é Alexander Rodchenko (1891 – 1956), artista plástico, escultor,

fotógrafo e designer gráfico russo, sendo um dos fundadores do construtivismo

russo e design moderno russo. Sua fotografia era socialmente engajada, inovadora,

e oposta ao retrato estético da época. Ciente da necessidade de uma série

documental de fotografia analítica, ele fotografou frequentemente seus assuntos em

ângulos ímpares, geralmente muito de acima de ou abaixo, para chocar o

espectador. Suas imagens eliminaram o detalhe desnecessário, enfatizaram a

composição diagonal dinâmica, e foram concebidas com o posicionamento e o

movimento dos objetos no espaço.

Após Rodchenko, outros fotógrafos ousaram uma ou outra fotografia

neste enquadramento, mas não há nenhum registro que algum outro fotógrafo tenha

fotografado uma vasta série neste enquadramento. Apaixonei-me por este

enquadramento, pois sua principal característica é conferir à imagem dinamismo e

movimento, ela reflete a mim mesma. Não é estática, nem formal. Tem energia,

conduz o olhar dum canto a outro da imagem. Senti-me forte e segura ao poder

estar presente em diversos recantos de minha terra, especialmente no alvorecer, um

momento sempre belo, e realizar seu registro.

65

A minha força, sem dúvida, chegou-me através da liberdade em estar

utilizando o meu paradigma do horizonte em transversal. Sem ele, as imagens

obtidas continuariam maravilhosas, mas estariam estáticas, solenes. Estas duas

características não me representam nem um pouco, prefiro todo este dinamismo,

sensação de movimento, instabilidade que o enquadramento em diagonal nos

confere.

Bresson (2004) nos conta que a câmera fotográfica não é um instrumento

apto para responder o porquê das coisas, ela é antes feita para evocá-lo, e noutras

vezes, ela pergunta e responde ao mesmo tempo. Deste modo, minhas imagens são

questões, inicialmente aos meus alunos e agora a quem quer que seja: E se o

mundo fosse inclinado? Você é capaz de perceber o que se encontra ao seu redor,

em seu cotidiano? Eu desconstruí locais para que eles os percebessem atentamente

e os reconstruíssem (ou não). Foi um recurso didático e lúdico utilizado para atrair o

olhar dos alunos para seu próprio lugar, tantas vezes menosprezado. Gosto de

brincar com a possibilidade de te molhar com o rio ou o mar, quando ele está

inclinado. A vertigem de ver minha terra tão querida inclinada. Quero e preciso de

Arte para me libertar e imprimir todas minhas fantasias, excentricidades. Bresson

(2004, p.12) me assegura que isto é possível, já que fotografar: “É uma maneira de

gritar, libertar-se, não de provar nem afirmar sua própria originalidade. É uma

maneira de viver”. Tencionei retratar minha cidade de modo que me representasse.

As fotos de paisagens são, na verdade, “paisagens interiores”. Os ideais

são antiéticos. Na medida em que a fotografia é (ou deveria ser) sobre o

mundo, o fotógrafo conta pouco, mas na medida e que é o instrumento de

uma subjetividade questionadora e intrépida, o fotógrafo é tudo. (SONTAG,

2006, p.138)

Eu ousei permanecer com este olhar, pelos meus alunos, desejei ver minha

cidade de um modo imaginativo, poético, único, para que eles também a vissem

assim e desejassem apreciar cada vez mais nossa terra.

66

Acredito e não sou a única a crer que o professor de artes precisa manter

sempre uma poética visual, também Favero (2008, p. 09), fala que “ao afastar-se da

prática artística, o artista – professor inibe o movimento criativo gerador de todo o

processo pertinente ao ensino de arte”. Deste modo procurei como arte educadora

desenvolver uma poética visual, para que esta pesquisa sobre Itanhaém não

estivesse apenas a cargo dos alunos, mas também de mim. Eu desejei preparar um

material de leitura estimulante aos meus alunos.

Ao questionar-me: como devem ser imagens para as crianças? Pude

encontrar as respostas com Lewis (2009), que mesmo não enfocando imagens, mas

sim textos escritos para crianças, aborda a questão com sabedoria. Clive Staples

Lewis (1898-1963) foi o grande criador de “As Crônicas de Nárnia”, em que num

artigo posterior à série de livros, fala que para se escrever para crianças não há

fórmulas mirabolantes, basta escrever o que você gostaria de ler.

Como minha série fotográfica é uma narrativa visual, baseei-me nesta

declaração do autor para trabalhar: fotografei o que eu gostaria de ver sobre minha

cidade, após uma aula, quando discutíamos acerca das imagens nos folhetos

turísticos. Desejei vê-la de um modo único, especial, fantasioso, que mantivesse

minha personalidade, desejei uma série fotográfica em que me revelasse.

Aliás, tudo na história deve brotar da estrutura de caráter do autor. Para

escrever para crianças, temos de partir dos elementos disponíveis de nossa

imaginação que temos em comum com elas. Somos diferentes de nossos

pequenos leitores não por nos interessarmos menos, ou menos seriamente,

pelas coisas de que estamos tratando, mas por termos outros interesses de

que as crianças não compartilham. A matéria de nossa história deve fazer

parte do mobiliário de nossa mente. Foi essa, a meu ver, uma característica

de todos os grandes escritores de literatura infantil, mas nem todos o

compreendem. (LEWEIS, 2009, p. 750)

Muitos se sentiriam constrangidos a admitir que sua criação seja pautada em

sua infância, mas eu não. Aprendi com Lewis (2009) a não ter medo da crítica

recheada de desprezo, quando, como é no caso dele, escrever livros de fantasia. A

67

crítica utiliza o termo “adulto” como sinal de aprovação. Identifico-me com o autor,

pois busquei o lado lúdico e fantasioso do enquadramento em diagonal. Realmente

deixei meu lado “criança” aflorar muito mais no processo criativo do que meu lado

“adulto”, racional. Porém, nas palavras de Lewis (2009, p. 173) “os críticos para

quem a palavra “adulto” é um termo de aplauso, e não um simples adjetivo

descritivo, não são nem podem ser adultos,” pois, preocupar-se em ser adulto ou

não, envergonhar-se de que se é infantil são características da infância e da

adolescência. Quando persistentes até a idade adulta, é algo bem preocupante.

Não há nada de errado em não perder um gosto que tínhamos quando

éramos criança. Não é um motivo de vergonha. Vergonhoso é, de acordo com o

autor, não aceitar as coisas novas. Nós não devemos levar nossa vida nunca

negando o passado, deixando vivências preciosas para trás, mas sim

acrescentando, a cada dia, nunca substituindo, mas sim crescendo. Este é o real

sentido da palavra. Criei, portanto esta série fotográfica encarando meus leitores

alvo (os alunos das quintas séries A e B do ano de 2011) como iguais a mim. De

uma itanhaense para outros itanhaenses.

Uma das particularidades que percebi durante a escrita dos significados de

cada foto a mim, foi que tudo foi norteado pelas lembranças de minha infância, de

quando minha avó nos levava para passear em diversos lugares daqui. O que

Martins (2008) fala sobre a polissemia de significados para cada um, obviamente

para o fotógrafo o significado também muda de acordo com o contexto em que está

inserido, de acordo o seu momento de vida. Tenho certeza de que se minha avó

ainda estivesse viva, estas séries seriam completamente diferentes, pois eu não

teria tanta sede por visitar estes lugares significativos de minha infância. A dor do

luto ainda é recente.

Ao observarmos uma fotografia, devemos estar conscientes de que a nossa

compreensão do real será forçosamente influenciada por uma ou várias

interpretações anteriores. Por mais isenta que seja à interpretação dos

conteúdos fotográficos, o passado será visto sempre conforme a

interpretação primeira do fotógrafo que optou por um determinado aspecto,

o qual foi objeto de manipulação desde o momento da tomada de registro e

68

ao longo de todo processamento, até a obtenção da imagem final.

(KOSSOY, 2001, p.113)

Todos nós temos um porto seguro depois de um longo dia de trabalho. O meu

era observar as cadeias de montanhas que compõem a Serra do Mar ao longe,

azuladas, distante de nossa cidade. Uma rápida observação do alto da rodovia

Padre Manoel da Nobrega, pela ciclovia, quando esta alcançava pontos altos, como

os viadutos dos bairros Jardim das Laranjeiras e Cidade Anchieta e quando

atravessava o Rio Itanhaém. Às quatro horas da tarde, o sol confere-lhes um brilho

prateado muito especial. Quando o céu está limpo, sem nuvens, os raios solares

incididos sobre elas, revelam-nos detalhes tão maravilhosos que em dias nublados

em não via. As texturas das montanhas, cada uma daquelas árvores compondo uma

imensa cadeia de montanhas. Gostava de sentir seus tons azuis, devido à

atmosfera. Era sempre um prazer observar as sutilezas das mudanças de tons a

cada conjunto de montanha, percebendo, portanto a distância de cada uma até a

mim. As mais claras aquelas tingidas de um azul anil tão diluído me fazia sonhar... O

que estaria acontecendo naquele lugar?

Assim como o colecionador, o fotógrafo é animado por uma paixão que,

mesmo quando aparenta ser paixão pelo presente, está ligado ao passado.

[...] É acima de tudo, uma afirmação da existência do tema. Sua

honestidade (a honestidade de olhar cara a cara, da ordenação de um

grupo de objetos), que equivale ao padrão de autenticidade do

colecionador; sua qüididade – quaisquer virtudes que o tornem único. O

olhar do fotógrafo profissional, sôfrego e superiormente obstinado, é um

olhar que não só resiste á classificação e à avaliação tradicionais dos

temas, como busca, de forma consciente, desafiá-las e subverte-las. Por

esta razão, sua abordagem do assunto em foco é bem menos aleatória do

que em geral se alega. (SONTAG, 2006, p. 93)

Meu olhar também se dirigia ao céu, observar seus desenhos, suas texturas,

principalmente às nuvens próximas ao sol, durante o entardecer. As que mais me

69

encantam são as nuvens estriadas, cirros rosados esguios mostram-se depois de

temporadas chuvosas, minutos, apenas minutos deste espetáculo multicolorido.

Apenas instantes... E logo se voltam a acinzentar-se, logo o sol está posto e a noite

vem mais uma vez. Tudo é sempre rápido. Poucos percebem este espetáculo.

O fotógrafo é, por excelência, o artista mais rápido que existe. Essa rapidez

de execução da obra de arte acrescenta uma responsabilidade enorme ao

fotógrafo: captar o “momento certo”, o enquadramento perfeito, a expressão

ideal. É, sem hesitações, este o maior anseio do fotógrafo-artista. A obra de

arte “instantânea”, no sentido fotográfico do termo, concede a qualquer

observador, a qualquer amante de arte, o grato prazer de apreciar e

contemplar as diferentes “paisagens”, tal como, da mesma forma, a pintura

o permite.

O fotógrafo ao “clicar” ou ao “recrear” as composições, recorrendo, neste

caso último, às novas tecnologias de digitalização ou multimídia, convida o

contemplador à colocação de diversas questões. À semelhança do pintor,

convida o observador a refletir, a interpretar, da forma que entender a obra

de arte. (TAVARES, 2009, p.7)

De acordo com o pensamento de Bresson (2004), em tudo o que olhamos no

mundo, até mesmo em nosso universo pessoal, lá está um tema. Basta sermos

lúcidos para tudo o que está passando e honestos face ao que sentimos face ao que

estamos vendo. Nas palavras do grande fotógrafo: “Em fotografia, a menor das

coisas pode ser um grande tema.” (BRESSON, 2004, p.20) Deste modo, a cada

saída de casa, nos mais insignificantes caminhos, eu estava atenta a qualquer

momento para obter uma boa imagem.

O fotógrafo apenas mostra os ponteiros do relógio, mas ele escolhe o

instante, um lance, uma resposta, de erguer o aparelho à linha da mira do

olho, prender na pequena caixa econômica o eu surpreendeu, capturar em

pleno voo sem trapaças, sem deixar escapar. Faz-se pintura ao tirar-se uma

foto. (BRESSON, 2004, p.41)

70

2.1: Indelével herança caiçara

Chão caiçara

Caminhos que vamos trilhar

Saboreando em descobertas

O jeito de ser e viver do povo praiano

Que ainda existe sem que percebamos

Mas que está aí para nos ensinar

A amar e a cuidar da nossa terra

Acentuando os caminhos

Ao encontro das nossas raízes,

Da nossa história!

(Ana Maria Ferreira. In: Itanhaém, um Mar de Histórias. Expoente: Itanhaém, 2008)

As histórias das pessoas contam a história de Itanhaém. Estas histórias se

entrelaçam se misturam e se fundem formando um tecido com cheiro de mar e gosto

de comida caiçara, música, poesia e esperança.

Esperança de que a brisa marítima espalhe pelos ares a nossa história de

raiz, que conte para quem chega ou não conhece que aqui vive uma gente simples,

hospitaleira, cheia de fé, que gosta de lembrar em relatos como viviam aqui. Tanta

gente, tanta história, tanta saudade! Gente com a mesma herança: a cultura caiçara.

E o levar no sangue as primeiras marcas de miscigenação aqui no Brasil: do

indígena do litoral com o colonizador português. (BRANCO, 2005)

Encontramos como característica dessa gente o jeito simples e por que não

dizer poético de ser; é um povo simples, que trabalha duro de sol a sol, e tem a lua

como referência para plantar, pescar, caçar. Usa o mar com sabedoria para a sua

alimentação e faz dele seu meio de sobrevivência. Na mata busca os seus remédios

71

naturais e é na areia da planície litorânea que produz e cultiva sua lavoura, extraindo

dos solos da restinga o seu alimento.

Entretanto, a autora nos lembra de que a palavra “cultura” carrega

inúmeros preconceitos, que se estendem desde a significação elitista, de uma

pessoa com estudo, culta, até a comparação de determinados graus de

manifestação cultura de um povo, tendo como referência a cultura europeia, dita

erudita. Deste modo, “a cultura caiçara, como a de outros grupos que

permaneceram à margem do desenvolvimento intelectual nacional, é referida com

maior travo de subalternidade.” (BRANCO, 2005, p.21) Tanto que seus herdeiros

muitas vezes recusam o termo “caiçara” por pejorativo, tendo-o como “caipira,

matuto, homem ordinário, malandro e vagabundo” – são estes os significados mais

comumente encontrados nos dicionários brasileiros. Segundo a análise da autora,

este fato ocorreu devido o desenvolvimento do país.

A própria história nacional encarregou-se de traçar um modelo unificado de

comportamento para toda população na medida em que se foram expandindo as

instituições escolares, de saúde, medidas judiciárias e principalmente os meios de

comunicação, com enfoque na televisão, esta que tem um enorme poder de

padronizar populações de norte a sul do país (BRANCO 2005). Se pudermos

mencionar a grande falha cometida em relação à cultura caiçara é que esta é na

visão da autora, em comparação às outras culturas de nosso país é pouco estudada

e por isso tem sido vítima de preconceitos até mesmo de seus próprios herdeiros.

Os dicionários explicam a origem da palavra caiçara (“kaai´as”, segundo

Houaiss, 2000) que significa “cerca de ramos para vedar o trânsito”. [...] O

termo foi aplicado aos que viviam junto às praias, em economia de

subsistência baseada na pesca, extração de palmitos e alguns frutos

silvestres e uma fraca agricultura onde predominavam os roçados de

mandioca, milho, arroz, fazendo uso tanto do entrelaçado de ramos na

construção como no preparo das armadilhas para pescar e caçar e na

proteção do solo cultivado sobre o qual deixavam parte das árvores

derrubadas. O benefício deste uso é o aporte de alguma sombra e adubo no

solo por conta do apodrecimento das folhas e da madeira – é a roça de

tocos ou coivara. (BRANCO, 2005, p.22)

72

Fig.3: Caiçara. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012.

Na Figura 3 observamos o cercado da casa de uma família caiçara tradicional

do Bairro do Rio Acima, onde ainda guardam inúmeras tradições. Podemos

encontrar a população caiçara em toda costa dos estados do Rio de Janeiro, São

Paulo, Paraná a Santa Catarina. Tanto pelos traços físicos, como os culturais,

revelam a miscigenação do índio com o português.

A religião predominante é a católica, proveniente da tradição portuguesa, o

ato de ajuda mútua, o mutirão é um costume europeu trazido para cá e até hoje

preservados em comunidades caiçaras. Já a construção da habitação, as técnicas

agrícolas e artesanais para a confecção de produtos domésticos, inclusive receitas

culinárias e medicinais revelam a contribuição indígena para esta cultura. Sobre a

contribuição lusitana, Branco (2005) ainda nos informa: “A origem europeia desta

população notava-se na cor dos olhos, claros, nos conhecimentos técnicos – pesca

carpintaria, marcenaria; o sangue indígena estava presente no manejo da terra e da

mata, nas táticas de sobrevivência, nas crenças.” (BRANCO, 2005, p.27)

O caiçara é o povo praiano que em perfeita harmonia com o meio que o

cerca, usando o mar como “mercearia e geladeira”, coletando na mata todos os seus

73

medicamentos, cultivando a terra litorânea, fazendo-a produzir a contento apesar da

muita areia e pouca fertilidade dos solos da restinga.

Através de sua criatividade e habilidade, o caiçara se moldou ao meio sem

grandes conflitos ambientais. “Convivendo com a Mata Atlântica, o caiçara

recuperou antigos conhecimentos indígenas sobre o uso das plantas, medicinais e

alimentares, aprimorou a técnica do entalhe em madeira para construção de canoas

e casas de moradia.” (BRANCO, 2005, p.28)

Todas estas características acompanham o nosso modo de viver, nós,

descendentes de caiçaras, nós que, na maioria, não vivemos mais em comunidades

ribeirinhas ou praianas, mas que temos ascendentes familiares ou até mesmo

influência indireta de outras pessoas vinda a nós como a maresia cobre nosso ar.

A mim esta influência chegou através de minha avó. Seu nome era Gloria

Silva Oliveira (1934 – 2011), mas era conhecida por todos como Glorinha. Eu e

meus irmãos a chamávamos de Góia e devo a ela tudo o que sei e sou. Minha avó

nasceu em Iguape, uma cidade caiçara e deveras antiga do Brasil, mas seu pai é

daqui de Itanhaém mesmo. Sua mãe, minha bisavó que era desta cidade; deste

modo ela passou infância e começo da juventude nas duas cidades, absorvendo

costumes das duas comunidades caiçaras do litoral sul. Porém, antes de completar

a maioridade ela mudou-se para São Paulo, para trabalhar como empregada

doméstica, morando nestas casas. Parou apenas quando se casou e ainda

permaneceu em São Paulo. As suas férias de verão eram passadas aqui em sua

terra tão amada, mas sempre retornava para a capital.

Contudo, após muitos anos, o casamento desfez-se e finalmente minha avó

voltou para Itanhaém. Ela amava esta terra, possuía uma admirável disposição para

percorrer toda esta cidade a pé, uma herança caiçara (FERREIRA, 2008) a qual eu

também herdei. Minha mãe também se mudou para cá após seu casamento

romperem-se anos após. Como ela ainda era jovem e com três crianças para criar

sozinha, ela resolveu mudar-se para perto de sua mãe.

Em nossa infância, a figura de minha avó esteve muito presente em minha

vida e na de meus dois irmãos. Minha mãe trabalhava durante o dia e ela cuidava de

74

nós. Recebemos a herança caiçara a cada dia de maneira prazerosa. Como era

gostoso viver deste modo!

Minha avó era católica fervorosa, sempre ia às missas de domingo,

participava das festas religiosas da cidade, como a festa do divino e a do reisado e

eu quando criança não entendia todo este processo. Era belo, mas não

compreensível pra mim. A festa do Divino é um momento muito especial para a

cidade, onde lindas bandeiras vermelhas são espalhadas pela praça. Há a Casa do

Império, há o Imperador, sua Imperatriz e o Capitão do Mastro. Deste simbolismo

todo, em minha inocência, apenas pensava “como é lindo! Parece um conto de

fadas! Olha que lindo o vestido da imperatriz”, mas sempre ia vê-los, pelo menos em

minha infância, quando era minha avó que decidiam quais seriam meus passeios. E

realmente eram fantásticos!

Eu estudava de manhã e não via a hora de ir logo pra casa, almoçar e sair

para passear com minha avó. Como éramos bastante humildes, íamos sempre a pé.

Íamos até a praia deste modo, não apenas na que era na reta de nossa casa, mas

nas que certamente lembravam a juventude de minha avó, praia do centro, dos

pescadores, boca da barra, creio que ela queria compartilhar de seus “jardins

secretos” conosco. Gostava também de andar a pé pela linha do trem, gostava de

sentir adrenalina a mil, pois se o trem viesse e ainda estivéssemos na ponte, ela

tremeria... Aquela ponte toda enferrujada que temo até hoje, a qual guarda tantas

lembranças...

Na Figura 4 podemos ver o registro que fiz dela onde pretendi enfocar a

vertigem e o medo que me causava. Certamente a lembrança mais forte é a da

queda da ponte, em plenas nove horas da manhã num dia até aquele momento

tranquilo de 1946. Meu irmão mais velho que era muito levado comigo sempre ficava

me pondo medo quando minha avó nos contava este fato que se misturou a fantasia

quando acrescentou que até hoje mora um Mero de 12 metros em um dos vagões

submersos do trem acidentado de outrora. Hoje eu percebo o valor destas histórias

ouvidas no lugar ocorrido, tantos e tantos quilômetros que andávamos a pé... Não

foram em vão... Como não tínhamos dinheiro para comprar lanches, ela fazia

bolinhos de fubá ou banana verde frita para comermos no caminho e era tão bom!

75

Passamos por tanta dificuldade financeira, mas por sua infinita sabedoria caiçara,

ela não deixou que isso nos abatesse, pois a vida em liberdade e a simplicidade

eram mais importantes. Esta lição eu nunca me esqueci.

Fig.4: Longo Caminho Vertiginoso. Foto de Thais Oliveira Silva, 18. Mar. 2012.

Branco (2005), sobre a carência desenvolvida entre estes, declara:

“A vida das populações caiçaras é, acima de tudo, uma história de sofrimento

e sobrevivência extremamente difícil onde estavam sempre presentes a fome, a

subnutrição e um rol de doenças fatais.” (BRANCO, 2005, p. 27) Quando eu saía

com a “Góia”, minha avó, eu ia observando tudo, todo meu caminhar com muito

cuidado. Adorava o mar, seu odor característico, o contato das ondas com meu

corpo e bem mais do que isto, gostava de vê-lo... Tinha um enorme desejo de

fotografá-lo.

Adorava-o, porém não tinha condições financeiras ter uma câmera

fotográfica, sempre que via algo agradável, pensava: “que bela imagem isto seria...”

Às vezes me entristecia, pois quando passávamos por necessidades em minha casa

chegava a pensar que nunca teria esta chance. Ao completar treze anos, minha mãe

76

me deu uma câmera analógica compacta, mas foram poucas fotos reveladas, eram

realmente inacessíveis naquele tempo os gastos com filmes e revelações, por isso

eu apenas brincava de fotografar. Este aspecto lúdico foi muito bom para meu

desenvolvimento hoje, pois todas as composições que eu sempre quis eternizar

durante este tempo, agora eu estou concretizando. Lembranças, vivências e

sentimentos de mais de vinte anos de trilhares por este chão caiçara estão

infundidos em minhas imagens.

2.1.1: Seu Sertório, o barqueiro.

Oi o rio de Itanhaém...

Meu barco virou saudade

No rio de Itanhaém

Na hora de ir embora

O remo chora também

Adeus velho amigo rio

Adeus noroeste adeus

Vou ver se lá no sertão

os rios ainda são meus

adeus, adeus, adeus...

(Recolhido por Ernesto Zwarg. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Expoente: Itanhaém, 2008)

77

O “Tio Sertório”, como minha avó se referia a ele carinhosamente, foi, a meu

ver, um homem de sorte, pois conhecia muito bem o Rio Itanhaém, esteve lá durante

muitos anos de sua vida.

“Vamos à casa do Tio Sertório hoje à tarde?”

Esta frase permaneceu em minha memória por um longo tempo. Minha avó

ficava radiante quando mencionava este nome. A figura deste senhor não se

encontra em minhas memórias, já que o vi até meus quatro anos de idade, mas eu

me lembrava do bom humor e euforia de minha avó quando caminhávamos até sua

casa.

Sertório Domiciano Silva (1908 – 1988) era irmão de Anselmo Silva (1904 –

1975), pai de minha avó. Minha mãe me conta que os dois eram muito semelhantes

fisicamente, seu rosto, voz, apenas a estatura os diferenciava: meu bisavô era mais

alto. Acredito que minha avó gostava de ir à casa de seu tio para vê-lo e por

instantes, ter seu pai de volta. Mas certamente gostava de ir, pois Tio Sertório era

amoroso, atencioso, sempre com um sorriso sincero em seu rosto.

Para saber mais sobre este notório caiçara, fui recebida em sua casa, onde

Seu Sertório também morava, no dia 31 de janeiro de 2012 por uma de seus doze

filhos, Esther Maria Silva Lima (1944-). Uma senhora simples, amigável, que com

nostalgia e orgulho, contou-me sobre seu falecido pai. Através de suas palavras

pude perceber o quanto ela ainda o admirava, o quão grande o afeto era, mesmo

transcorridos vinte e quatro anos de seu falecimento por derrame cerebral. Dona

Esther recebeu-me com seus netos e filhos, e no dia da visita quis retratá-la, ela foi

ao quarto vestir sua melhor camisa e chamou esta parte da família para

acompanharem-na, escolhendo também o local da captação, que em minha opinião

desfavoreceu a imagem devido à alta luminosidade, mas ela quis ser registrada no

sofá onde seu pai costumava descansar após o trabalho (FIGURA 5).

Itanhaém recebeu seus préstimos praticamente por toda sua vida. Nascido

nesta cidade, desde os sete anos de idade ele trabalhou nestas terras. Seu trabalho

mais notório certamente foi a travessia de barco sobre o Rio Itanhaém: dos que

78

desejavam ir ou vir da “Vila Velha” (Centro da cidade) para a “Vila Nova” (Belas

Artes) ou para a “Praia do Meio” (Praia do Sonho).

Sertório Domiciano da Silva nasceu em 28 de Setembro de 1898,

descendente de índios Tupi Guarani, filho de José Domiciano da Silva e Laurinda

Maria das Neves, casou-se em 05 de Julho de 1930 com Vitória Maria da

Conceição, com quem teve 12 filhos.

Figura 5: Esther e Netos. Fotografia de Thais Oliveira Silva. 31. Jan. 2012.

Seu Sertório foi uma figura muito respeitada por todos que o conheceram. Era

um barqueiro da travessia do Rio Itanhaém antes da construção da ponte calçada.

Este caiçara itanhaense é sempre lembrado com grande saudade e carinho por

antigos moradores muitos dos quais ainda se recordam de terem feito travessia em

sua canoa. Em entrevista, Esther (31. Jan. 2012) nos conta o quanto ele era amado

por todos e como o povo antigo confiava nele, apesar de haver outros barqueiros,

Seu Sertório era sempre procurado de um modo singular, os moradores antigos que

desejavam atravessar cantavam da margem do Rio Itanhaém: “Seu Sertório... Traga

a barca...” E o bom caiçara nunca lhes negava, não importa qual seja o horário.

Esther lembra que até mesmo durante a noite ele era requisitado e mesmo se

79

estivesse já deitado, levantava-se e ajudava a quem precisava. De acordo com

Branco (2005), lembram os antigos que a ponte existente era apropriada unicamente

para a passagem do trem, que corria por ela praticamente suspenso nos trilhos. Por

volta de 1950 esta mesma ponte foi melhorada quando colocaram tábuas largas

entre os trilhos para possibilitar a passagem de pedestres.

Num dia de trabalho mostrou-se altruísta ao saltar nas águas do Rio Itanhaém

para salvar uma mulher com um bebê que havia caído acidentalmente no rio quando

atravessava a ponte recém-inaugurada. Sertório era muito alegre, amava nadar e

sempre fazia questão que ele mesmo ensinasse seus filhos a nadar antes mesmo

de aprenderem a caminhar direito.

Gostava também de "prosear" com os amigos e de pescar. Homem de

aspecto simples, com seus fortes traços indígenas, alegre e gentil, um típico caiçara

itanhaense (tabacudo). Em noites de verão, contemplava as estrelas sobre a luz da

lua e ao som de seu violão e a melodia de seus 12 filhos, o caiçara passava

momentos descontraídos ao lado de sua grande família, em um verdadeiro “luau

familiar”.

As histórias que Itanhaém guarda sobre este caiçara caracterizam a

coragem, honestidade e a simplicidade deste homem rude de grande sabedoria da

vida.

Seu Sertório faleceu aos 90 anos de idade, em Itanhaém. Em sua

homenagem a ponte sobre o Rio Itanhaém leva o seu nome. Um caiçara memorável.

A ponte, portanto, hoje se chama “Sertório Domiciano da Silva”, uma homenagem ao

saudoso barqueiro que sempre foi tão estimado por todos, sendo um típico filho da

terra, homenagem realizada em 12 de Fevereiro de 1.990, através do Decreto

Municipal nº 1.331/90.

Ferreira (2008, p. 106) descreve o Caiçara de um modo belo e poético, em

que me identifiquei com minha poética visual: “Aquele que desliza manso pelo rio ao

alvorecer, cortando as águas claras ou escuras com sua canoa que percorre a

trajetória ribeirinha”. A Figura 6 retrata uma cena extremamente bela, porém

cotidiana em Itanhaém, onde toda alvorada o Caiçara traça seu caminho silencioso

80

pelo Rio rumo ao mar em movimentos suaves, porém precisos oriundos de uma rica

experiência que lhe permite conhecer muito bem este seu velho amigo, o Rio.

Fig.6: Aquele que desliza manso ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva 01. Abr. 2012

Quando eu atravesso a Ponte Sertório Domiciano sob o Rio Itanhaém, situada

no final do Centro da cidade e início do bairro da Praia dos Sonhos, minha alma se

transporta para o passado... Meu coração se enche de saudades de tudo aquilo que

eu nem vi ou vivi, mas, que de tanto ouvir dos antigos, principalmente de minha avó

é como se eu estivesse vivendo o momento deles... O momento em que o caiçara

morava próximo ao mar, memoráveis anos antes da especulação imobiliária, em que

o caiçara foi expulso de suas terras, de centenas de anos, para dar lugar a casas de

veraneios e colônias de férias “regularizadas”, com escritura em seus nomes.

(BRANCO, 2005)

Até 1940-50 viam-se, próximos à praia, alguns pequenos povoados

formados por casas de bambu, taquara [...], telhados de sapé ou folhas de

palmeira [...] Nos terrenos não havia cerca, o uso era comunitário. Por este

litoral despovoado, cada família cultivava a terra que necessitava – a

81

mandioca era cultivada perto das casas sobre a areia branca da restinga – e

produzia o suficiente para o complemento da dieta familiar. [...] Somente

após 1960 é que o caiçara, pressionado pelo avanço da expansão

imobiliária, deslocou-se da linha da praia para o interior – o sertão. A partir

desse momento o pescador praiano perdeu o acesso fácil ao mar.

(BRANCO, 2005, p. 36)

De lá de cima da ponte, vê-se o encontro mágico das águas doces com as

salgadas do Mar no local denominado Boca da Barra. É belo ver, durante o ano, o

comportamento destes dois gigantes, ora homogêneos, quando é difícil notar o

começo ou o fim de cada um, ora desiguais, tanto na coloração, quanto na

movimentação de suas águas. É nostálgico observar lá de cima uma pequena canoa

indo encontrar-se com o mar, o sol e o rio numa linda manhã de outono, a qual eu

registrei uma série fotográfica em que denominei “Minha força está na Solidão do

Amanhecer”, efetuada nos dias 01 e 20 de Abril de 2012.

A vista aérea do Rio é belíssima, pois também a ponte construída no local

auxilia nossa percepção de nuances da paisagem, pois ela não é reta, sempre no

mesmo nível, a ponte descreve um caminho sinuoso, muito belo, em que a

construção humana harmoniza-se à “construção” do Arquiteto Supremo: o

maravilhoso encontro das águas ladeado pelo morro do Sapucaetava e a praia da

Boca da Barra. Porém, sempre me persiste a ideia de observar o rio em seu nível,

possuir uma canoa e deixar vagar lentamente sob a influência da relativa correnteza

do rio ou então, com um remo, ao alvorecer encontrar-me com o Rei Sol, nascido

com todo seu esplendor, em sua barca solar após sua vitoriosa jornada em terras

sombrias.

Minha poética visual baseou-se nestas travessias imaginárias sob o Rio

Itanhaém, as quais durante toda minha infância eu as fazia, e agora, adulta, ainda

ouso imaginar-me atravessando o rio Itanhaém com o uso de uma canoa, podendo

visualizar o Rio em ângulos que nunca vi, sentindo a força de sua correnteza em

certas épocas, a predominante calmaria em outras, deslizando solitariamente em

direção ao alvorecer, contemplando os primeiros raios solares não mais de cima da

ponte, mas no nível do rio, estando em harmonia com ele e também com o sol,

82

sentindo suas cores em mim, suas incríveis e saturadas cores que me acompanham

até os dias de hoje em todas minhas produções artísticas, influenciando-me a

saturar as cores de minhas composições que opto não deixa-las em preto e branco

quando se trata do nascimento do sol.

O nascer do sol visto deste local foi o mais encantador que pude presenciar

em meus trilhares sob minha cidade. Lá, o rio, o mar e o céu se fundem. Um imenso

plano avermelhado, dourado, violeta que me seduziu definitivamente. O nascente se

tinge do vermelho vivo - a cor da rebeldia – lado a lado com o ouro pálido da

pacificação e da vida. E esse contraste profundo forma a paisagem ideal. Tudo lá é

um sonho, suas cores, sua forma, seu aroma. O alvorecer neste lugar é único.

Fig.7: Cores e Formas de um sonho matutino. Foto de Thais Oliveira Silva 01. Abr. 2012

A Figura 7 foi obtida poucos minutos após a Figura 6, onde ainda podemos

ver um pequeno ponto escuro no rio, o qual é o Caiçara e sua canoa a poucos

metros do mar. Este alvorecer possui um elemento chave, sob o qual pude compor

esta cena. A nuvem que está encobrindo o Sol tem um formato sugestivo, gosto de

ver desenhos em nuvens e em primeira vista, assim que abri o portão da casa de

meu namorado e comecei a fotografar, na Praia dos Pescadores, logo visualizei um

83

grande jacaré abocanhando o Sol, tentando ofuscar seu intenso brilho, porém, só

quando cheguei ao alto da ponte Sertório foi que pude ver que seu formato

belíssimo proporcionou reflexos únicos ao Rio e ao Céu neste dia, tal qual uma

ampulheta etérea fosse colocada em nossos domínios neste momento, talvez para

nos lembrar do quanto o tempo é efêmero. Ele não para.

2.2: O olhar criativo

Nas primeiras horas da manhã

Desamarre o olhar

Deixe que se derrame

Sobre todas as coisas belas

O mundo é sempre novo

E a terra dança e acorda

Em acordes de sol

Faça de seu olhar imensa caravela

(Roseana Murray. Receita de Olhar. In: Receitas de Olhar. São Paulo, FTD, 1999)

Ao utilizar o termo “Olhar Criativo” para se descrever o processo de minha a

poética visual, baseei-me na visão de Ostrower (2009) onde esta vê a criatividade de

maneira mais profunda e humana do que a muitos que a consideram um privilégio

de uma pequena minoria. Em suas palavras: “Consideramos a criatividade um

potencial inerente ao homem, e a realização desse potencial uma de suas

necessidades [...] De fato criar e viver se interligam”. (OSTROWER, 2009, p.5)

Os processos criativos não devem ser vistos apenas ligados ao fazer artístico.

Em nossa época, as artes são vistas como área privilegiada do fazer artístico, em

que se encontra liberdade de ação e um vasto envolvimento emocional e intelectual,

84

acreditam que unicamente o trabalho artístico é possuidor da criatividade, porém a

autora não é concomitante a este pensamento. Para ela, o criar deve ser entendido

num sentido global, “como um agir integrado em um viver humano.” (OSTROWER,

2009, p.5)

Basicamente, criar é dar forma a algo novo; é a capacidade de relacionar,

configurar, significar. O homem cria, não porque desejou, mas sim “porque precisa;

ele só pode crescer enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma,

criando” (OSTROWER, 2009, p.10)

Mesmo em se tratando de operações intelectuais ou conceituais, a criação

acontece principalmente através da sensibilidade. Mesmo que o senso comum

insista, a sensibilidade não é apenas um dom de artistas e de alguns poucos

privilegiados. Em si ela é um patrimônio de todos os seres humanos. Mesmo que

seja em diferentes graus, ou até em áreas sensíveis diferentes, todos temos desde o

nascimento, um potencial de sensibilidade. Tendo sempre em vista que a mesma é

a porta de entrada de sensações, representando uma abertura constante ao mundo

e nos liga rapidamente ao que acontece ao nosso redor. Como nos atesta a autora,

a sensibilidade, portanto se converte em criatividade ao ligar-se estreitamente a uma

atividade significativa para o indivíduo.

Ao homem torna-se possível interligar o ontem ao amanhã. Ao contrário dos

animais, mesmo os mais próximos na escala evolutiva, o homem pode

atravessar o presente, pode compreender o instante atual como extensão

mais recente de um passado, que ao tocar no futuro novamente recua e já

se torna passado. Dessa sequência viva ele pode reter certas passagens e

pode guarda-las, numa ampla disponibilidade, para algum futuro ignorado e

imprevisível. (OSTROWER, 2009, p. 18)

Não devemos perder de vista que a criação se desdobra no trabalho, vendo-o

como uma necessidade que logo irá gerar as possíveis soluções criativas. Nem a

arte existiria criatividade se nós não a encarássemos como um fazer intencional,

produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver. “Retirando à arte o

85

caráter de trabalho, ela é reduzida a algo de supérfluo, enfeite, talvez, porém,

prescindível a existência humana.” (OSTROWER, 2009, p.31) Infelizmente persiste o

vício de considerar que a criatividade só existe nas artes e isto só faz crescer a

deformação da realidade humana.

Este pensamento desumaniza o trabalho em geral, reduzindo-o a uma rotina

mecânica, sem convicção ou visão ulterior da realidade, excluindo

consequentemente a conscientização espiritual pertinente ao trabalho, através da

atuação significativa para sim mesmo. Por este motivo até hoje a arte está submersa

neste mar de subjetivismos: enquanto o fazer humano é reduzido a atividades não

criativas, à arte, uma imaginária “supercriatividade deformante” (OSTROWER, 2009,

p.39), em que não existem delimitações, um não comprometimento do artista com a

matéria. E é exatamente o contrário do que deve ser feito, conforme nos esclarece

Ostrower, que ao fazer, “ao seguir certos rumos a fim de configurar uma matéria, o

próprio homem se configura. [...] Estruturando a matéria, também, dentro de si

mesmo ele se estruturou. Criando, ele se recriou” (OSTROWER, 2009, p.51)

Em todas as matérias com que o homem lida se fará sentir sua ação

simbólica. Em todas as linguagens, ao articular uma matéria, o homem

deixa sua marca, simboliza e indaga, movido por sua pergunta ulterior, que

é pelo sentido de viver. Rearticulada, a matéria retorna ao homem. Na

forma configurada, cada pergunta encerra uma resposta. (OSTROWER,

2009, p.53)

Este é o caminho que se encontra a frente de qualquer ser humano. A sua

orientação só lhe será revelada ao longo do trilhar. Este caminho não se compõe de

pensamentos, conceitos, teorias, nem de emoções – no entanto é resultado de tudo

isto. Este caminhar envolve uma série de vivências, onde cada decisão e a cada

passo será de vital importância para seu crescimento. A autora continua a nos

esclarecer, revelando-nos que cada indivíduo terá que descobrir seu próprio

caminho, descobrirá caminhando, sem que o resultado seja aleatório. Andando,

cada um configura o seu caminhar. No seu tempo, “ chegará a seu destino.

Encontrando, saberá o que buscou” (OSTROWER, 2009, p. 76) A intuição o ajudará.

86

A intuição vem a ser um dos mais importantes modos cognitivos do homem.

Ao contrário do instinto, permite-lhe lidar com situações novas e

inesperadas. Permite que, instantaneamente, visualize e internalize a

ocorrência de fenômenos, julgue e compreenda algo a seu respeito.

Permite-lhe ser espontâneo. (OSTROWER, 2009, p.56)

Por espontaneidade entendemos: ser flexível, sem a rigidez defensiva ante o

mundo, permitindo configurar espontaneamente tudo o que toca. A autora ainda

propõe que venhamos desvincular a noção da criatividade da busca da genialidade,

de originalidade e mesmo de invenção, sendo esta entendida como invento de uma

novidade.

Uma vez que estes atributos como ser genial, original e inovador

correspondem ao legado do Renascimento, já que na época a individualidade

procurava impor-se socialmente, época esta que se avaliavam as qualidades

extraordinárias de um trabalho realizado. Hoje estas ideias ainda persistem: a

sociedade nos pede que sejamos “criativos, originais e geniais”. Infelizmente, em

nosso tempo, só consegue ser criativos os que conseguem ser “genial”. A autora

prossegue admitindo:

Não alguém que fosse espontâneo, autêntico, imaginativo, autêntico,

imaginativo, sensível, tampouco se concebe que o potencial criador do

homem possa desdobrar-se no trabalho ou em função da maturidade

alcançada, na visão generosa da convivência humana, pois a própria

criatividade é considerada como algo inteiramente à margem do natural.

(OSTROWER, 2009, p.133)

A genialidade proposta desde então é um parâmetro esmagador para

qualquer tipo de processo normal de maturação. E ainda de acordo com Ostrower

(2009), seu valor é arbitrário e superficial. Este padrão desconsidera a possibilidade

de cada pessoa encontrar-se dentro de sua própria sensibilidade de ser valorizada

87

naquilo que ela realmente pode fazer. Entretanto, há condições de vida em que

muitos estão enjaulados, com horários e prioridades que não sejam suas próprias

vidas, impossibilitando cada vez mais que tais pessoas vejam em seus trabalhos

algo que irá ajuda-los a desenvolverem-se espiritualmente, enfim integralmente em

todas as áreas, nesta sociedade que Ostrower (2009, p.134) denomina de

“fragmentada e complexa”.

Portanto, tendo em vista o pensamento vivo da autora, criar é bem mais do

que inventar, mais do que produzir algum fenômeno novo. Criar é dar forma a um

conhecimento novo que é ao mesmo tempo integrado em um conhecimento global.

Nunca deve ser tratado como algo isolado. O ato de criação por ser integrado em

todas as áreas de sua vida, irá enriquecê-lo espiritualmente tanto a si mesmo,

quanto ao indivíduo que irá recebê-lo: Ambos se renovam de alguma maneira. No

que se diz respeito á arte, a novidade em si não é qualificação para o que

denominamos criativo, não é suficiente enquanto o novo permanecer apenas um

aspecto circunstancial externo, que não reestrutura a linguagem. A autora justifica-

se dizendo:

Ao configurar a experiência da realidade em um determinado momento

histórico, a forma expressa os conteúdos vividos e define o momento

expressivo. Como configuração do momento, ela é intransferível e é e é

definitiva, não podendo ser superada por qualquer outra forma. O momento

da vivência, esse sim, poderá ser seguido por outros momentos que, por

sua vez, haverão de requerer novas formas. Mas a forma não. Uma vez

fisicamente configurada, ela existe em si, precisa e completa. Em sua

estrutura se concretiza uma significação. Ela, forma plenamente inter-

relacionada e ordenada em múltiplos níveis, seletiva na ênfase e nos meios

de expressão, obra de arte no decorrer dos anos continua com suas

qualificações intactas. Cada vez que a vemos e a revemos, ela se renova

em nós e nos renovamos nela. Ela não se esgota nem se repete na

renovação, porque nós não nos repetimos em momentos de nossas vidas.

Não fosse assim, como ouvir comovidos uma sonata pela décima vez? Por

que olhar o mesmo quadro, já familiar, reler um livro, rever uma peça de

teatro? Por que arte? A novidade passou ao primeiro encontro com ela.

(OSTROWER, 2009, p. 137)

88

Fig.8: Quem há de prender o meu Olhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez. 2012

Desejo, portanto, expressar-me livremente, sem as amarras que podem nos

sufocar todas as possibilidades de criação latentes em nós. Desejo sim, através do

enquadramento em diagonal não aceito pelas regras de fotografias na maioria dos

casos que eu a utilizei, e com meu profundo desejo de quebrar regras que me

impedem de me expressar plenamente, transmitir todo meu dinamismo e

instabilidade e força, com minhas cores sempre saturadas e, quando optei por

composições monocromáticas, com seus contrastes bem marcados. Entendendo

que:

Ser livre significa compreender, no sentido mais lúcido e amplo que a

palavra pode ter. Significa um entendimento de si, uma aceitação em si da

necessidade da existência em termos limitados. A vivência desse

entendimento é a mais plena e a mais profunda interiorização a que o

indivíduo possa chegar. Ser livre é ocupar o seu espaço na vida [grifo

nosso] (OSTROWER, 2009, p.165)

89

Ao observar a cena que registrei na Figura 8, logo me identifiquei com este

gato preto, idealizei a imagem tal como um autorretrato. Este felino estava numa

casa vizinha à minha antiga casa da Rua das Andorinhas, local onde morei logo que

cheguei a Itanhaém e assim que o vi, ele retribuiu seu olhar com uma mesma

intensidade. Tivemos um diálogo silencioso, eu estava no início de minha poética

visual, em Dezembro de 2011, mas desde esta imagem tive forças e convicção que

grade alguma era capaz de aprisionar ou condicionar o meu olhar.

Tal qual o Sol. É possível impedir seu nascimento? Com tamanha tecnologia

desenvolvida pelo homem contemporâneo, ele nunca irá conseguir impedir o

nascimento do Rei Sol. Ainda que a noite anterior tenha sido de intenso sofrimento,

angústia, frustração ou dor, tais elementos não são suficientemente fortes para

impedir o percurso do Sol. A Figura 9 foi registrada no estacionamento do prédio no

qual resido e, numa segunda-feira, mais um dia de trabalho, após uma tempestade

no dia anterior, o Sol tinge todo o firmamento com cores intensas, refletidas

difusamente sobre o esfarelamento das nuvens, produzindo um efeito estimulante

em quem quer que o observe.

Fig.9: Grades não o seguram. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Fev. 2012

90

3: O PASSADO AINDA ESTÁ PRESENTE

Andar para trás para trás para trás

Dar a mão para a mãe para a avó-bisavó

Feche os olhos abra os olhos feche e abra

A porta da roda da morte e da vida

Essa é a dança ciranda do tempo

Entre na água no meio do vento

E semeie futuro em terra azul

(Roseana Murray. Receita de Viajar no Tempo. In: Receitas de Olhar, 1999)

Realizei a série fotográfica intitulada “O Passado ainda está presente” no

período de Dezembro de 2011 a Maio de 2012. Desde criança tenho uma profunda

admiração pelo Centro Histórico e qualquer que seja a construção ou até mesmo

objetos que tenham sobrevivido centenas de anos e se achegado a nós. Acredito

que estes lugares guardam um pouco dos antigos moradores e por isso é para mim

gratificante poder percorrer os mesmos trilhares que os itanhaenses eternos

percorreram antes de mim. Pode até ser considerada uma atitude medíocre, mas

sempre que estou nos lugares históricos, fecho os olhos por instantes e imagino-me

integrada a comunidade passada, trilhando nosso chão, que em sua maioria era de

areia branca, ouvindo o badalar dos ora calados sinos do Convento, apreciando

cada instante da vila isolada, a antiga Vila Nossa Senhora da Conceição de

Itanhaen.

Optei pelo uso monocromático do sépia, editado de diversas formas,

intervindo em sua tonalidade e temperatura, para compor esta série com o objetivo

de enfatizar a nostalgia nelas encontradas, como se aqui o tempo não houvesse

91

passado. O passado ainda está presente, não apenas nestas construções, mas nas

muitas memórias deste povo.

Bechelli (1997) ilustra com perfeição este fato através de seu poema, onde

fala acerca desta mesma nostalgia e afeição por nossa cidade.

Itanhaém... Em teu chão se vão

muitos passos que pisam e passam

deixando espaços e marcas de uma história

onde a glória dos teus sonhos e saudades

perpetuam vozes, cantos, encantos e choro...

mortes, folias, procissões e festas em coro...

revividos no falar e rir das velhas lembranças

ditas naquela mesma janela, porta ou esquina,

fazendo selar minh´alma nas tuas tradições

e vontades dos itanhaenses eternos...

Idas e vindas de tempos e sinas

que se esvaem pelas Bandeiras em ação,

nas boas-vindas e ladainhas a contemplar

o Divino, os Reis e a padroeira Conceição...

No mergulhar em setenários e novenas

de orações, completar o meu caminhar

em tuas ruas e telhados, ora molhados

por lágrimas de um tempo de outrora,

engasgando toda hora, o querer gritar

o quanto dela gosto e nela vivo.

E sonho que lá do alto do Itaguassu

o vento da liberdade atravessará

o antigo Convento com seu sino ora calado,

qual um hino clamado, anunciando

por onde o olhar avistar: da serra do mar,

do nascer do sol, ou na luz da lua cheia,

que toda vida brotada, regada e vivida

em teu chão quadrissecular será

mais uma fonte a irrigar e alimentar

tua memória em muitos outros corações.

92

Itanhaém... Sempre te amarei...

Seja em bacia ou canto de pedra alegre

pelos teus recantos e encostas de um mar

a eternizar em beijos e abraços n´areia,

o emoldurar da tua velha Vila: o largo da Matriz,

o casario, o rio... E ao fundo o badalar dos sinos

ecoando, serenamente, o palpitar do meu peito

pela saudade e certeza de ver-te

para sempre marcada em meu ventre

que plenamente aceita, toca e te sente...

(Ernesto Bechelli. Itanhaém, minha saudade in Itanhaém em Prosa e Verso,1997)

Para registrar os aspectos do passado de minha cidade, baseei-me na

proposta de Possamai (2008) que nos apresenta modos de descrever itens icônicos

que compõem uma imagem fotográfica de vista urbana. Para tanto, busquei registrar

sempre o local da imagem fotográfica, se foi efetuada no Centro histórico ou nos

Bairros tradicionais, qual a tipologia urbana apresentada, ou seja, se tratava de uma

avenida, rua, esquina, parque, praça, enfim, seu limite urbano. Busquei também

registrar se a imagem fotográfica foi tomada de uma vista panorâmica, se foi vista

parcial, vista pontual ou vista interna. Busquei também pontuar a temporalidade das

imagens, tanto no quesito diurno e noturno, quanto nas condições climáticas, pois

certamente elas influenciam na apresentação final da imagem.

Os aspectos que continham acidentes naturais também foram registrados,

buscando perceber se tratava de arborização, várzea, ou morro. Como se travava de

fotografias de lugares em que há uma grande circulação de pessoas durante o

expediente comercial, foi necessário registrar também os elementos móveis, ou seja,

os personagens que apareciam nas tomadas das vistas destes lugares, observando

se tratava-se de poucos transeuntes ou de uma multidão e qual era o gênero e a

faixa etária encontrada nas imagens captadas. Busquei também registrar de modo

em que os nossos meios de transportes pudessem aparecer nas imagens, para

enfim registrar todos os aspectos desta minha geração na cidade de Itanhaém.

93

3.1: Sobre Itanhaém

Pedra de um canto

Feito bacia ou panela

Para lavar e comer

O azul do céu ou do mar.

Ver seu verde bordando

A boca da barra do rio

Encantando-se com

A tez caiçara d´areia.

Brilhando sob um sol intenso

Sempre presente a colorir

Do menino

Que corre pelo caminho

Onde um dia o jundu

O cobria de sombra

Levando consigo a visão plena

Do mar tocando a serra

Em benção serena

Anunciada pelos sinos do

Convento e da Matriz

Que por um triz

Deixou a certeza

Da fé responder

Aos apelos de quem nunca

Chorou lágrimas

Pelos Paranambucos

De nossas vidas,

Miragens e lutas...

94

(Ernesto Bechelli. Pedranhaém. In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997)

Itanhaém é uma cidade do litoral paulista, que está localizada entre os

municípios de Peruíbe e Mongaguá. Seu nome vem do tupi-guarani (ita – pedra;

nhaém – sonora ou que canta) e que quer dizer “pedra que canta”. Este nome,

segundo Ferreira (2008, p.12) “deve-se, talvez, ao som do vento passando entre

duas grandes rochas no alto do Paranambuco”.

Ferreira (2008) relata os aspectos geográficos da cidade:

Sua área é de 599,1 quilômetros quadrados e faz divisa também com

municípios de São Paulo e São Vicente, a nordeste; Juquitiba, a noroeste;

Pedro de Toledo, a oeste; Peruíbe, a sudeste; Mongaguá, a leste, e o

Oceano Atlântico, ao sul. Seu relevo é constituído por uma baixada a

aproximadamente três metros acima do nível do mar, com pequenos morros

na faixa litorânea, como os Morros de Sapucaetava, Piraguyra, Itaguaçu,

Púlpito do Anchieta e o Paranambuco, com afloramento da Serra do Mar no

interior do município. São 26 quilômetros de praia, baías, costões rochosos

e pequenas enseadas banhadas pelo Oceano Atlântico. A rede fluvial é

extensa, destacando-se como principal o rio Itanhaém. O município

apresenta clima tropical marítimo, com temperatura média de 27°C.

Benedito Calixto aponta Martim Afonso como sendo o fundador da cidade de

Itanhaém, por ocasião de sua estadia em São Vicente, entre 22 de janeiro de 1532 e

abril de 1532. Foi ele quem escolheu o local da povoação e da capela, a qual

recebeu o nome de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. É considerada uma

das mais antigas igrejas do Brasil.

Itanhaém, de acordo com Ferreira (2008), surgiu no local onde se localizava

um aldeamento de índios, os “Itanhaéns”, os quais habitavam junto ao Rio Itanhaém,

próximo ao morro Itaguaçu, onde se encontra o Convento (porém o curso deste rio

foi modificado mais tarde). Segundo Caldas (2011), “Os missionários da Companhia

95

de Jesus, até sua expulsão, no século XVIII, foram os que mais se ocuparam da

catequese dos silvícolas Itanhaéns”. (CALDAS, 2011, p. 8)

Martim Afonso o escolheu por ser um local agradável, com riquezas naturais

e com a chegada dos primeiros colonos e dos jesuítas começa a colonização. De

acordo com Caldas (2011), sem considerar os silvícolas “Itanhaéns”, os dois

primeiros moradores de Itanhaém foram Cristovam Gonçalves e João Rodrigues.

Porém Benedito Calixto deixa bem claro em seus registros que a Vila de

Itanhaém era muito pobre em relação às outras do país. (FERREIRA, 2008)

De 1654 a 1771 Itanhaém é transformada em sede de Capitania, pois esta

era sua antiga vila, a Condessa de Vimieiros, Dona Mariana de Souza Guerra, sob a

denominação de Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, com uma

vasta jurisdição: de Paranaguá até o Cabo Frio. Por este fato, Itanhaém passa a ter

um pelourinho, bandeira e insígnias, com a inscrição Angulus Ridet (Recanto

Risonho – aprazível). Itanhaém passa então a ser governada por capitães-mores.

De acordo com Ferreira (2008), a escolha de Itanhaém como cabeça de Capitania

foi um erro administrativo, pois havia outras vilas maiores e mais populosas, tal

como São Paulo de Piratininga.

Em 06 de Novembro de 1906, pela lei nº. 1.021, Conceição de Itanhaém

passa a denominar-se apenas Itanhaém.

Quanto à data da fundação da cidade, há uma discussão, pois em 1956, pela

lei nº. 14/56 ficou decretado que o dia 22 de abril seria o dia em que se comemora o

dia da fundação da cidade, porém há a controvérsia apresentada por Rosendo

(2008), o qual afirma que a data da fundação é no dia 08 de dezembro, dia em que

comemoramos o dia da Padroeira da cidade, Nossa Senhora da Imaculada

Conceição. O autor é contundente ao defender sua tese.

Os intrépidos navegadores lusitanos eram homens de fé e cheios de

religiosidade. Na partida das caravelas rumo ao desconhecido, recebiam a

aprovação da realeza e as bênçãos dos altos dignatários da Igreja, que

exortavam os viajantes a tomar posse das terras que descobrissem em

96

nome de Deus e dos mártires do catolicismo, expandindo, dessa forma, o

cristianismo pelo Novo Mundo.

Assim sendo, as terras descobertas eram nomeadas em homenagem ao

santo do dia ou por fatos religiosos marcantes na ocasião. Foi pela páscoa

que Cabral avistou a terra, razão pela qual o nome de Monte Pascoal ao

outeiro que se destacava naquele ponto do litoral sul da Bahia; São Vicente,

considerada a mais antiga cidade brasileira, foi fundada em 22 de janeiro,

dia consagrado a São Vicente Mártir; Rio de Janeiro, que veio a ser sede da

Coroa Imperial, foi fundado em 20 de janeiro – dia de São Sebastião –,

recebendo a denominação de São Sebastião do Rio de Janeiro [...]

Itanhaém, fundada por Martim Afonso de Souza e batizada como Vila de

Nossa Senhora da Conceição [...] no Morro do Itaguaçu [...] manda erguer

uma capela em homenagem à Imaculada Conceição. [...] Dia 08 de

Dezembro, consagrado pala Igreja à Nossa Senhora da Conceição, sempre

foi a data máxima de Itanhaém: o Dia da Padroeira. [...] Desde o mais antigo

memorialista da região – Frei Gaspar da Madre de Deus -, passando pelo

incansável e minucioso historiador itanhaense Benedito Calixto de Jesus e

pelos cultores de nossas tradições (Izaias Cândido Soares, Capitão

Mendes, João Alves Ferreira, Emygdio Emiliano de Souza, Totó Mendes,

Nilo Soares Ferreira, Costa e Silva Sobrinho, Edson Telles de Azevedo e

Jaime Mesquita) não há qualquer referência ao dia 22 de abril como data de

fundação de Conceição de Itanhaém. Essa data, completamente

equivocada, foi estabelecida em sessão da Câmara, realizada em 22 de

abril de 1956 (424 anos depois de sua fundação). Segundo vozes da

oposição, na época, essa data foi escolhida para homenagear o Doutor

Adhemar de Barros, o controvertido político, que aniversariava neste dia.

Se forem levadas em conta as evidências históricas e os costumes

da época do descobrimento, a fundação da Itanhaém deu-se no dia 08 de

dezembro, consagrado a Nossa Senhora da Conceição. [...] (ROSENDO,

2008, p. 24-25)

97

3.2: Patrimônio Imaterial

É nas festas populares que todos se reúnem nas praças centrais

vestindo seus trajes mais bonitos, com os melhores sentimentos aflorados

num sorriso. Mas mesmo para a comemoração de alegrias e tradições

festivas a cultura popular vem perdendo seus adeptos já que os mais jovens

não querem participar de cantos, músicas e teatralizações que nada se

parecem com o que estão acostumados. Mesmo assim, com persistência, o

caiçara sai, todos os anos, carregando um mastro, tocando um bumbo, ao

som das violas e rabecas afinadas de um modo estranho aos nossos

ouvidos, e vão as “bandeiras” com sua comitiva caminhando pelas ruas da

cidade, entoando hinos há muito cantados. De porta em porta os festeiros

se anunciam, dando as “Boas Festas” a quem os recebe. (BRANCO, 2005,

p. 129)

Estas tradições festivas são reconhecidas por todo Brasil, são semelhantes,

pois a herança é portuguesa. E o povo que comemora, é brasileiro. (BRANCO,

2005) Cada uma delas encontra-se diversas memórias, em que ao percorrer a rua

onde se faz a procissão há tantos anos, a comunidade ali inserida rememora tantos

fatos, uma saudade única, pois ali estão diversas pessoas dividindo uma mesma

lembrança.

O historiador Pierre Nora definiu como “lugares de memória” (NORA, 1997)

locais materiais ou imateriais nos quais se encarnam ou cristalizam as

memórias de uma nação, e onde se cruzam memórias pessoais, familiares

e de grupo: monumentos, uma igreja, um sabor, uma bandeira, uma árvore

centenária podem constituir-se em “lugares da memória”, como espelhos,

os quais, simbolicamente, um grupo social ou um povo se “reconhece” se

“identifica”, mesmo que de maneira fragmentada. Estes “lugares” ou

“suportes” da memória coletiva funcionam como “detonadores” de uma

sequência de imagens, ideias, sensações, sentimentos, vivências

individuais ou de grupo, nem processo de “revivenciamento” ou de

“reconhecimento” das experiências coletivas, que tem o poder de servir

98

como substância aglutinante entre os membros do grupo, garantindo-lhes o

sentimento de “pertença” e de “identidade”, a consciência de si mesmos e

dos outros que compartilham esta vivência. [...] Quanto mais ricas e

diversificadas as experiências vividas e compartilhadas por um grupo de

pessoas vivendo em comunidade, mais rica e complexa será esta

“Memória”, ou rememoração. (HORTA in SILVA, 2008, p. 111-112)

Quando usamos o termo “Patrimônio”, estamos nos referindo às coisas

consagradas as quais têm grande valor para comunidades ou nações. A ideia nos

remete de acordo com Vianna in Silva (2008, p.119) à “riqueza construída e

transmitida, herança ou legado que influencia o modo de ser e a identidade dos

indivíduos e grupos sociais”.

Mas é uma noção relativa, pois depende de quem está falando, qual o seu

ponto de vista. Podem ser sob a perspectiva afetiva, econômica, ambiental ou

cultural. “Patrimônio cultural diz respeito aos conjuntos de conhecimentos e

realizações de uma sociedade, que são acumulados ao longo de sua história e lhe

conferem os traços de sua singularidade em relação às outras sociedades.”

(VIANNA in SILVA, 2008, p. 119) Dentre ás outras espécies de animais, nós somos

diferentes, pois a nossa diversidade ocorre através das inúmeras configurações

socioculturais no tempo e no espaço. Pensemos na sociedade das abelhas ou

formigas que são sempre idênticas, as sociedades humanas são sempre únicas,

pois suas culturas também as são.

Para esta autora, devemos entender cultura os “valores, crenças, práticas e

costumes; ética, estética, conhecimentos e técnicas, modos de viver e visões do

mundo que orientam e dão sentido às existências individuais e coletivas humanas.”

(VIANNA in SILVA, 2008, p.119) Desde o final da segunda guerra mundial têm-se

discutido questões acerca do patrimônio cultural da humanidade e em 1989 houve

um documento da UNESCO, “Recomendações sobre a salvaguarda do folclore e da

cultura popular”. Este material enfatiza a necessidade de cooperação para tanto

salvar quanto para o incentivo à transmissão destes conhecimentos e a liberdade de

vivê-los e aplica-los em seu dia-a-dia.

99

A atual legislação brasileira segue as recomendações da UNESCO, criando

nos artigos 215 e 216, da Constituição promulgada em 1988, a proteção ao

Patrimônio Cultural, que abrange:

Tanto obras arquitetônicas, urbanísticas e artísticas de grande valor o

patrimônio material quanto manifestações de natureza “imaterial”,

relacionadas à cultura no sentido antropológico: visões de mundo,

memórias, relações sociais e simbólicas, saberes e práticas; experiências

diversificadas nos grupos humanos, chaves das identidades sociais.

Incluem-se aí as celebrações e saberes da cultura popular as festas, a

religiosidade, a musicalidade e as danças, as comidas e bebidas, as artes e

artesanatos, os mistérios e mitos, a literatura oral e tantas, tantas

expressões diferentes que fazem nosso país tão diverso e rico. (VIANNA in

SILVA, 2008, p.121)

O principal modo de preservação de patrimônio material é o tombamento, que

opera no país desde a primeira metade do século XX. Já a legislação para o

patrimônio imaterial é bem mais recente, datando do ano 2000, no Decreto nº 3.551

de 04 de Agosto. O modo de salvaguardá-los é o registro em livros, tais como livros

de tombos e as políticas de preservação e fomento que devem ser estabelecidas.

Porém, apenas a legislação não é capaz de garantir a segurança e proteção destes

bens. As leis os garantem, mas ele é efetivamente preservador se houver uma

vivência voluntária das pessoas da comunidade.

Os documentos engavetados, os inventários, a descrição dos bens contidos

nos livros do Iphan são apenas referências dos bens, mas não dão conta

dos bens em si, que tem natureza dinâmica e intangível. O patrimônio

imaterial como as festas e celebrações, as músicas, a dança, a comida,

saberes e técnicas próprias da cultura popular só se conservarão,

efetivamente, se vividos por pessoas em condições, com garantias,

liberdade e interesses em vivenciá-los de modo dinâmico e criativo.

(VIANNA in SILVA, 2008, p.122)

100

Desta forma, esta legislação só será eficaz quando o patrimônio imaterial for

amplamente conhecido por toda sociedade e estas estejam mobilizadas para

estarem atuando para que ele se perpetue.

Analisando a palavra “comemorar” em sua etimologia, de acordo com Silva

(2008, p.191), significa “lembrar com”. Assim, ao comemorarmos as festas

populares, estamos com nossa comunidade, estaremos relembrando junto com

outras pessoas aquilo que foi importante para nossa comunidade.

Assim, ao comemorar uma de nossas festas populares, estaremos

relembrando e bem mais do que isto, pois:

As festas são, sobretudo, eventos e celebrações nos quais é mais

claramente percebido o caráter dinâmico da cultura popular. Ao mesmo

tempo em que se enraízam em cada membro do grupo social, seus valores,

suas normas e suas tradições abrem espaços, continuamente para novas

maneiras de representar o sentir, o ser e o viver no mundo atual, numa lenta

– às vezes mesmo imperceptível, o que não dizer inexistente – mas efetiva

mudança de mentalidade. [...] Uma oportunidade para se aprender que a

modernidade não precisa ser necessariamente encarada como algo ruim,

dissolvente da tradição, principalmente se o novo puder ser integrado à

herança recebida, passada de geração em geração pelos mestres da

tradição. (SILVA, 2008, p.192)

3.2.1: Volta Conceição de Itanhaém!

O grupo “Reisado de Itanhaen”, que a duras penas vem mantendo

essa belíssima tradição, por iniciativa de seu saudoso “Alferes” Carlos

Alberto Ferreira, e hoje sob o comando do acadêmico Ernesto Bechelli,

deflagrou um movimento intitulado “Volta, Conceição de Itanhaen!”,

objetivando o resgate do antigo nome da cidade e a verdadeira data de sua

fundação: 08 de dezembro. (ROSENDO, 2008, p. 67)

101

O movimento “Volta, Conceição de Itanhaém” é formando por itanhaenses

apaixonados por nossas tradições, descendentes ou não de caiçaras que há anos

estão com muito empenho mantendo viva nossa cultura. Na Figura 10 podemos

observar parte dos seresteiros que compõem o grupo do Reisado de Itanhaém, com

seu Alferes Bechelli no primeiro plano, à esquerda da imagem tocando seu violão.

Desde a década de oitenta do século passado estes nobres moradores desejam

resgatar a história ligada à manifestação de fé dos primeiros moradores e o que isso

hoje representa na memória, tradição e autonomia dos que a amam.

O movimento busca o retorno do nome da cidade para Conceição de

Itanhaém, modificado em 1906 sem nenhuma consulta à sua população. Junto

também quer a mudança da data comemorativa de sua fundação para 08 de

Dezembro, dia este dedicado a Nossa Senhora Da Conceição de Itanhaém, que é

muito mais próximo da real intenção dos fundadores da Vila Nossa Senhora da

Conceição de Itanhaém, do que o decidido decreto, depois de quatrocentos anos

(em 1956) para homenagear a data de aniversário de um político, impondo-se o dia

22 de Abril.

Fig.10: Seresteiros caiçaras. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012.

102

Ernesto Bechelli (1958-) concedeu-me uma entrevista no dia 17 de janeiro de

2012, a fim de esclarecer alguns pontos a respeito deste movimento. Ele que é um

itanhaense dedicado ao cultivo de nossas tradições e da cultura em geral. Desde

sua mocidade, como relata, participa destas festas tradicionais e nunca se afastou

destas. Em entrevista conta que a partir de 2005 este movimento, concernente às

festas teve sua consolidação, pois foi criada a APRODIVINO (Associação Pró Festa

do Divino), uma instituição não governamental que cuida para que a Festa do Divino

Espírito Santo ocorra bem, apoiando os festeiros, apoiando a Igreja no sentido de

organização, resgatando tudo o que ficou perdido com o decorrer do tempo. Na

década de sessenta a Folia do Divino havia terminado e com esta organização, ela

retorna de uma forma mais simplificada. Logo após o Carnaval até a Festa do

Divino, dá em torno de sessenta dias, até que as bandeiras percorram por diversos

bairros, alcançando o número de seiscentas casas, não apenas arrecadando

prendas, mas abençoando aos festeiros. Tal evento tem como objetivo de arrecadar

fundos e prendas para a Festa do Divino, que, após esta década até o ano de 2005,

havia ficado na responsabilidade de apenas algumas famílias tradicionais de

Itanhaém. Portanto, com o retorno da Folia do Divino, um número considerável de

pessoas passou a auxiliar, para que a festa se tornasse maior e mais consolidada. A

Prefeitura de Itanhaém também tem sua participação, ao auxiliar a organização e ao

contratar músicos de renome que se consagraram no meio da Música de Raiz, entre

eles, Inezita Barroso (1925-), Almir Sater (1956-) e Renato Teixeira (1945-) já

estiveram presentes em nossas comemorações desde o ano de 2005.

Retornando à modificação do nome de nossa cidade, para Bechelli (16. Jan.

2012),

A veneração à Virgem Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém é

evidente, por isso que por anos o nome da cidade era Conceição de

Itanhaém, quando ela se tornou município, e então em 1906 houve uma lei

que tirou “Conceição”, ficando só o Itanhaém. E ai a gente até entende, que

foi um processo que aconteceu muito no Brasil, quando se tornou república,

a retirada nos nomes que tinham alguma relação com os Santos. Muitos

pensam que esta ação foi fomentada pela Maçonaria, mas enfim, foi um ato

institucional da República por todo o Brasil, para de uma vez cortar os laços

com a Igreja, concernente a seu poder que anteriormente concorria com o

103

poder “humano”, por assim dizer. E aqui no estado de São Paulo tiveram

vários municípios que tiveram seus nomes trocados e Itanhaém foi um

deles.

Alguns municípios reverteram, um exemplo que a gente tem foi o

de São José do Rio Preto, foi para Rio Preto, mas o pessoal brigou e voltou

a ser como era. Mas Itanhaém neste processo ninguém falou nada e ficou

Itanhaém. Nós temos o movimento ai na cidade para o retorno do nome

“Conceição de Itanhaém”, pra resgatar essa ligação com Conceição e outra

é a questão da data de fundação, onde na época de 1956, encontraram

várias cidades sem data oficial de fundação registrada e para homenagear o

Governador de São Paulo, da época de Getúlio Vargas, Adhemar de

Barros, e em função disso várias cidades a partir deste ano teriam de

comemorar o dia de sua fundação em 22 de Abril.

Para nós, tem muito mais a ver o dia 08 de Dezembro do que esta

data, pois no calendário litúrgico católico é a festa de Nossa Senhora da

Conceição, a Padroeira da Cidade. É comemorada não apenas aqui em

nossa cidade, mas em todo o universo católico, esta data é dedicada a Ela.

Modificar a data seria algo mais fácil, em relação à mudança do nome da

cidade seria um processo muito mais lento e burocrático, nesta cidade que

infelizmente não há muitos registros preservados, a maioria de nossa

história perdeu-se por se tratar de transmissão oral.

3.2.2: Reisado

Partiram [os magos] de suas terras [no Oriente] e, guiados pela luz de

uma estrela resplandecente, chegaram à gruta, em Belém, na Judéia, para

adorar o filho de Deus que havia nascido, ofertando-lhe régios presentes:

Ouro, Incenso e Mirra.

Síntese da Viagem dos Reis Magos baseada no Evangelho de

Mateus (2, 1-12) (TORRES in Silva, 2008, P. 199)

104

Torres (2008) ao utilizar esta passagem bíblica nos mostra como Mateus

apenas faz menção sobre os Magos, não dizendo os seus nomes, número de

participantes, nem o local de procedência no Oriente. Este enigma, para Torres

(2008), tem fomentado inúmeras reinterpretações ao longo dos tempos.

Mâle em 1904 reflete sobre o tema da seguinte maneira:

A imaginação popular cedo foi aos evangelhos, tentando complementá-los,

no que faltava. As lendas originaram-se nos mais antigos séculos da

cristandade. Elas nasceram do amor, de um tocante desejo de conhecer

mais Jesus e aqueles próximos [...] O povo achava os evangelhos muito

sucintos [...] Nenhuma das cenas da infância de Cristo forneceu mais rico

material para o povo que a Adoração dos Magos. Suas misteriosas figuras,

mostradas veladamente nos evangelhos, despertam ávida curiosidade nas

pessoas. (MÂLE apud TORRES in SILVA, 2008, p. 200)

Torres (2008) afirma que o título de Reis atribuído aos Magos do Oriente,

remete à Cesário, Bispo de Arles, da França, no Século VI. No século seguinte, o

Papa Leão I assegurou, em seus Sermões que os Reis Magos eram em número de

três. Já seus nomes somente mais tarde foram estabelecidos.

Durante a Idade Média, as tradições populares do ciclo natalino eram comuns

em toda Europa Cristã.

Os dramas litúrgicos medievais eram utilizados como instrumento de ensino

e divulgação da doutrina cristã. O episódio dos Magos do Oriente, desde

cedo, tornou-se um dos temas prediletos para efeito de dramatização

(Officium Stellae). Representações de rituais litúrgicos relativo aos Magos,

que, a pouco, popularizando-se, transportados para espaços abertos –

praças e ruas. Assim surgiram os cortejos, vinculados aos templos

religiosos das cidades, que encenavam a temática dos Magos, bem como

grupo peditórios, no âmbito dos povoados rurais que, de casa em casa,

levavam a mensagem do nascimento de Jesus Cristo. (TORRES in SILVA,

2008, p. 200)

105

Em 1559, quando os colonizadores, em conjunto com os jesuítas e com o

primeiro Governador Tomé de Souza, no período colonial e nos anos seguintes

trouxeram essas tradições de Portugal para o Brasil. Aqui, a festividade dos Reis

Magos, de acordo com Torres (2008), ocorria sob a forma de canto, danças e

encenação, no processo de catequese e ensino, tanto para os nativos quanto para

os próprios portugueses e, mais tarde, para os escravos africanos. Com o passar do

tempo, ocorreram diferenças de uma região pra outra nas tradições dos Reis. Torres

(2008) observa:

Na medida em que o povoamento expandiu-se, essas ramificações e se

difundiram para todo o território colonizado. Naturalmente, essas tradições

que chegaram ao Brasil sofreram, gradativamente, a influência local pela

incorporação dos elementos da cultura negra e indígena, através de

hibridismos religiosos e culturais, ou seja, como preconizam diversos

folcloristas brasileiros, adquiriram a cor local. (TORRES in SILVA, 2008, p.

202)

O reisado é uma celebração que acontece anualmente entre 26 de Dezembro

a 06 de janeiro, também conhecido como Dia de Reis, quando se revive a visita dos

Reis Magos ao Jesus – Menino. Conta Branco (2005) que durante este período,

todas as noites as comunidades caiçaras ficam animadas com as músicas dos

grupos de cantores, que entoando serenadas tradicionais, vão de porta em porta

despertando do sono a população que os acolhe alegremente:

Acordai se estais dormindo

Este sono tão profundo

Acordai e vindes ver,

As maravilhas do mundo

Lá no céu brilha uma estrela

106

Que os três magos conduziam

Pra adorar o Deus menino

Filho da virgem Maria.

Se tereis de dar o Reis

Dai-nos hoje que é o dia

Dai-nos ouro, dai-nos prata

Que vos damos alegria

Pela prenda que nos destes

Ganhastes um jubileu

Foi a escada que fizestes

Para subirdes ao céu

Agradecemos o Rei (gratos pela acolhita)

Que nos deu com alegria

A recompensa tereis

Aos pés da virgem Maria

Pela prenda que nos destes

Ganhastes um jubileu

Foi a escada que fizestes

Para subirdes aos céus

Vamos dar a despedida

Como deu o São Francisco

Senhores fiquem com Deus

Nós vamos com Jesus Cristo.

E vamos em côro

A sagrada Belém

Saudar o Menino

107

E a Virgem também

(Autor desconhecido. Folia de Reis de Itanhaém In: Cultura Caiçara. Branco. Itanhaém,

2008)

As letras sempre serão semelhantes pelo Brasil afora, já que se trata do

mesmo tema: a anunciação do Nascimento de Jesus, o ritmo é único, é daqui

mesmo. Nossa música é vigorosa, com o tempo forte bem marcado, com uma clara

influência da música portuguesa, destacado em função dos instrumentos de metais

utilizados anteriormente, mas até mesmo hoje em dia, na ausência destes, há ainda

este ritmo vigoroso. Marca os aspectos da Vila Antiga, onde até mesmo nas missas

da Igreja Matriz podiam-se ouvir os sons metálicos e poderosos do Trompete,

trombone, pistão, entre outros. Músicos instruídos pelo memorável musicista Totó

Mendes, Antônio Mendes da Silva Júnior (1890 – 1951), dotado de uma visão de

futuro acima do normal, buscando proporcionar para a cidade a mais elevada cultura

que se podia esperar.

O grupo de Reisado de Itanhaém era constituído apenas por homens, em

sua maioria instrumentistas de sopro, juntos com a banda, havia o Puxador e o

Coro, que acordavam os moradores nas madrugadas do período comemorado. Mais

tarde, os instrumentos de sopro foram substituídos paulatinamente pelos os

instrumentos de cordas. Hoje, o grupo conta com a participação de mulheres e

crianças. No período, por volta das onze horas, o grupo se reúne e sai em

caminhada para visitar as casas. O roteiro não é divulgado para haver o elemento

surpresa da visita, para cultivar o sentido de “acordar” os moradores, dando-lhes

“boas-vindas”.

Estes versos são cantados por todos os presentes seguindo a voz do

puxador. De casa em casa vão repetindo, saudando os moradores e recebendo

suas prendas. Em casas mais tradicionais é feita uma homenagem à bandeira do

Reisado, algumas oração e bênçãos e cantam todos juntos agradecendo. Segue-se

a oração final:

Senhor, Rei dos Reis

108

Abençoe esta família

Que com carinho acolheu

O reviver dos Reis Magos

Em direção à Estrela de Belém,

Anunciando a chegada do Menino-Deus

Aos lares da nossa querida

“Conceição de Itanhaém”.

Sobre todos derrame muita paz, muita luz

E muita vontade de seguir sempre

Os caminhos do Menino-Jesus.

Amém

E assim continua pela noite afora. Em Itanhaém ocorreu adaptações nos

presentes dos Reis Magos ao Menino-Deus. No lugar do ouro, incenso e mirra, aqui

se utiliza pedras douradas, conchinhas do mar e folhas do Ipeguaçu (árvore nativa

local).

O grupo de seresteiros após cantarem em frente a casa, ao término da

canção param e neste ponto, o dono da casa acende as luzes, abre as portas e

convida os festeiros a compartilharem uma simbólica oferenda de bolos e bebidas.

Em Itanhaém, quando os moradores oferecem também prendas, elas são recolhidas

para a realização da festa final de Reis, na Eucaristia. Na Figura 11 temos a imagem

de um dos participantes, o prendeiro, o qual era responsável pela coleta dos

donativos obtidos pela madrugada afora.

Nesta cidade, como pontuou Branco (2005) e como pude observar neste ano

em que acompanhei para fotografar, o Reisado é acompanhado com crianças e

jovens da cidade, onde suas vozes se misturam ao grande coro com seus violões e

vozes afinadas.

A participação de pessoas da mesma família e de amigos nos Grupos de

Reis é um fato de extrema importância para entendermos a resistência das

tradições, na medida em que fica mais fácil se organizar e preservar suas

109

raízes culturais, transmitidas de geração em geração, de pai para filho. [...]

Essa experiência e a aproximação dos mais jovens são fundamentais para

a perpetuação dessas tradições, uma vez que os detonadores do

“conhecimento dos antigos” encontram-se, em sua maioria, em idade

avançada e, em alguns casos, infelizmente não podem mais difundir seu

rico legado. Vivenciando o fato folclórico, as crianças conhecem/absorvem

melhor esse conhecimento transmitido pelos Mestres, reforçando seus laços

culturais e conscientizando-se de sua identidade. (TORRES in SILVA, 2008,

p. 204-205)

Fig.11: Arrecadação de prendas. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012

O grupo, na tradição itanhaense é composto por:

Alferes da Noite, que é responsável pelo roteiro, início do canto, a

retirada e pela organização, inclusive a guarda das prendas recebidas.

110

Segundo Alferes, ajudante de campo do Alferes da Noite que o

secunda em suas funções.

Bandeireiros, aqueles que carregam as bandeiras do Reisado.

Prendeiros, os que pegam as prendas e carregam o carrinho.

Puxadores são aqueles cantores que “puxam o canto” (diz-se daqueles

que iniciam os versos seguidos pelo coro)

Tocadores, os músicos com seus instrumentos.

Reis, os que se fantasiam de Reis Magos e dão as mensagens de casa

em casa.

Coro de vozes, todos aqueles que acompanham a comitiva e o canto.

Fig.12: Ganhastes um Jubileu. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Jan. 2012

Percorri com o grupo de seresteiros por diversos bairros da cidade nas noites

de 02 e 03 de janeiro de 2012, registrando inúmeras cenas desta celebração. Por

111

onde passaram o grupo despertava curiosidade e admiração. A madrugada

transcorreu sem que eu sentisse-me exausta, tal era a energia ali encontrada. Foi

admirável ao ver a disposição de muitas senhoras de idade integradas ao grupo, em

plena madrugada mostrarem-se ainda tão animadas.

A imagem que mais me emocionou foi a deste senhor que recebe o grupo

com imensa alegria. (FIGURA 12) Seu belo sorriso eu tive muita sorte de captá-lo,

pois minha câmera compacta não tem potência para administrar imagens com baixa

luminosidade. Este é o momento em que o morador recebe do Alferes Bechelli e dos

outros participantes as canções que proclamam o Nascimento do Menino Deus e

tantas outras pertencentes ao repertório do grupo, onde exaltam as belezas e

memórias de nossa cidade.

São pertinentes as questões de Andrade (2002, p. 19) para analisarmos esta

imagem (FIGURA 12) “Será que a linguagem visual tem a autonomia de registrar, e

ainda transmitir as emoções de um povo, uma tribo, uma pessoa? Como captar

essas imagens, as imagens sagradas no tempo e no espaço do outro?”.

Aqui estão os Reis cantando

Numa alegria caiçara,

Sob o luar, que na praia

Rebrilha n`água o prateado do sonho

Anunciando que o Menino-Deus

Já é conosco:

...No peixe enrolado na rede

Para saciar a fome

De nossa gente.

...Na mandioca transformada

Em manema do café da manhã

E do peixe do ensopado

...No arroz socado

Dá-nos cuscuz de tão fortes

112

Encontros em festivas alvoradas

...Nesta nossa paisagem

A marcar em cada coração sensível

O seu belo, num memorial fascínio

...Na tradição a se enraizar

Mais e mais, no seio dos que amam

Este chão de pedra e areia...

Aqui estão os Reis acordando,

A todos do sono insistente

Em acabar com as lembranças

De que quando crianças

Não queríamos que tivessem fim.

Aqui os Reis entrando

E celebrando a saudade

Das Boas-Vindas que nos fazem perguntar:

- Onde estão os jundus, cambucás e araçás?

Que na memória despertam

O novo tempo que virá.

Aqui estão os Reis...

Já vão partindo...

Aguardando o ano bem-vindo

Para cantar a eterna esperança

Do sonhos de serem sempre os Reis,

Resgatando pela nova prenda

A certeza de continuar a História

Desta nossa amada Itanhaém,

Com seu povo, sua terra e sua glória...

(Ernesto Bechelli. Reis aqui estão. In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997).

113

Em Itanhaém, há alguns Reisados transcoridos, as figuras dos três Reis

Magos são representada por mulheres, as quais são portadoras do nosso “ouro,

insenso e mirra”. Na Figura 13, vemos as três postadas em frente ao portão de um

dos moradores visitados naquela madrugada. Nesta encenação elas estão sempre à

frente, juntamente com a bandeira do Reisado e á sua retaguarda os demais

seresteiros entoando alegremente cada verso tanto das canções quanto das preces

pertinentes à temática do nascimento de Jesus. Os versos “Acordai se estais

dormindo...” cantados num alegre ritmo lusitano, vigoroso, numa profusão de vozes

carismáticas ainda ecoa em minha mente. Tal experiência jamais me esquecerei.

Fig.13: Os Reis aqui estão. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012

114

3.2.3: Festa do Divino

Meio-dia está perto.

Todos se apertam

Na ânsia de querer ver

O império se abrir

No seu espaço vermelho,

Qual fogo e sangue,

Das vidas que assumem

O novo Pentecostes

Da denúncia...

Na ponta dos pés,

Pisando nas folhas de peguassu,

Pombinhas no peito,

Ar abafado

Todo esforço é feito

Para deslumbrar a Corte

Entronando o Santo Espírito...

É meio-dia

Repicam os sinos

Os rojões estouram

A banda toca

E as bandeiras cruzadas se abrem

Imperador e Imperatriz atentos

Encarnam o símbolo das línguas

Deste Pentecostes

Delator de tantas injustiças e exclusões

Qual manto de dor

115

A encobrir todas as vidas

Que assumem um novo martírio...

Lágrimas nos olhos

Nó na garganta

Aperto no coração

A saudade do Divino se apaga

Pelo menos neste fim de semana

No choro de simplesmente querer

Vive-lo de novo...

Ernesto Bechelli. Império Divino . In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997.

Fig. 14: Império do Divino Espírito Santo. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

116

A festa do Divino Espírito Santo data do começo do século XIV, durante a

construção da Igreja do Espírito Santo, em Alenquer, Portugal, de acordo com

Branco (2005).

É uma festa da liturgia católica celebrada no Dia de Pentecostes, coincide

com a Festa das Colheitas do povo judeu, quando se comemora o

nascimento dos primeiros frutos agrícolas e a libertação espiritual ocorrida

quando Deus entregou as Tábuas da Lei à Moisés, no Monte Sinai. Ocorre

sete semanas após a Páscoa. (BRANCO, 2005, p.131)

A fé espalhou-se por todo o país já no século XVI, com os primeiros

colonizadores e é celebrada desde as primeiras comunidades litorâneas: Itanhaém,

Iguape e Cananéia. Popularmente, a celebração relembra a “abdicação” simbólica

da Imperatriz, rainha Izabel, esposa do rei de Portugal, D. Diniz, em favor do Divino

Espírito Santo a fim de que Portugal saísse de uma grande crise econômica e

política.

Após a saída da crise, como nos conta Branco (2005), a Imperatriz

atendendo aos apelos do povo reinvestiu-se de sua realeza e fez promessa de que

todo ano novo, no Dia de Pentecostes, repetiria simbolicamente a cerimônia de

consagração do Reino Português ao Divino Espírito Santo, levando á Catedral a sua

coroa, o cetro e a sua bandeira. O cortejo e a cerimônia configuravam a promessa

da imperatriz que a partir daquele instante, recolheu-se a um convento e aguardou

os acontecimentos. Portugal a partir daquele momento seria governado pelo Divino

Espírito Santo. Nesta festa religiosa e folclórica, três são os seus principais

personagens – Imperatriz, o Imperador e o Capitão do Mastro – papéis assumidos

simbolicamente pelos filhos das famílias mais antigas, mantendo a tradição.

Quando chegou a Itanhaém (FERREIRA, 2008), a festa do Divino ganhou

cores caboclas com uso e costumes tipicamente regionais como: a bandinha “Folia

do Divino” e a alvorada com cuscuz de arroz; prato típico praiano cuja confecção foi

legada pelos indígenas. Na Figura 15 vemos um grupo de instrumentistas de metal,

os quais interpretam melodias centenárias. Durante o cortejo, pude ir conversando,

117

questionando aos moradores antigos quais eram seus sentimentos em relação à

festa, à tradição guardada e é impossível conter a emoção perante tal assunto. Tais

moradores orgulham-se de poder ouvir novamente, a cada novo ano as melodias

interpretadas pelos instrumentos de metais as quais ouviram outrora.

Fig.15: Bandinha do Divino. Foto de Thais Oliveira Silva 20. Mai. 2012

De modo resumido, a Festa pode se descrever com seu início há Sessenta

dias após o Carnaval, a chamada “Folia do Divino”, com a chegada das bandeiras

preparando os lares e abençoando a todos por onde andam. Um domingo que

antecede à erguida do Mastro há a Folia do Divino no Bairro do Rio Acima,

ocorrendo a procissão de barcos até o local. Após temos a erguida do Mastro,

liderada pelo Capitão do Mastro, dando o início marcante da fé caiçara de outrora e

agora. Neste período são celebrados os Setenários na Igreja Matriz de Santana e as

Procissões pela cidade. A Abertura do Império acontece com a presença do

Imperador e da Imperatriz. O encerramento da festa ocorre com a Descida do

Mastro e a Bandinha do Divino a tudo acompanha.

Os atos litúrgicos desta Festa são marcados pela realização de um Setenário

de preparação espiritual, que tem inicio no domingo e termina no sábado seguinte,

118

véspera do Domingo de Pentecostes, que é festejado com celebrações próprias e a

solene procissão do Divino Espírito Santo. Durante os sete dias que antecedem a

festa, realiza-se, na Igreja Matriz de Santana, à noite, a cerimônia da benção do

Santíssimo Sacramento, com orações e cânticos, destacando-se belíssima

jaculatória.

Algo marcante ocorre fora da Igreja, nas barracas em frente à mesma. É algo

belo de se presenciar. O antigo mutirão, o ajuntamento da comunidade trabalhando

para um mesmo fim ainda permanece. É a Soca do Cuscuz. O cantar das batidas

ritmadas do pilão no sobe de desce de braços fortes vão se sucedendo durante a

soca – são homens que se somam: idosos, habilidosos, iniciantes, curiosos, rapazes

e por que não um pouco mais que crianças. Socando o arroz, a erva-doce e açúcar

que se transforma em farinha perfumando o ar e parando nas peneiras para ser

depurada e moldada em panos de prato habilmente dobrados. Assim essa massa é

levada ao fogo em banho-maria para ser cozida sem a pressa da modernidade.

É assim que o cuscuz caiçara vem percorrendo gerações e esperado não só

pelos devotos do “Divino Espírito Santo”. O cuscuz aqui de Itanhaém é elemento

vital para a nossa festa! Indiferente ao trabalho, a vigília ou sono, o sereno envolve a

cidade noturna e escura, as luzes amareladas ganham nuances nostálgicos

ajudando a compor o cenário da “Vila Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém”. É

o preparo da “Alvorada”!

Pois bem, através de registros orais colhidos das pessoas queridas de

Itanhaém, ficamos conhecendo a iniciativa da família Totó Mendes de tornar

essa acolhida mais calorosa e participativa, então se organizou a “soca

coletiva” e o que era feito no interior das casas em estilo colonial, com suas

portas logo na calçada, passou a ter um local comum, reunindo pilões,

braços fortes, suor, trabalho, risos, fogão à lenha, conversas e cantorias

atravessando a madrugada até o alvorecer do dia com o cuscuz pronto e o

café cheiroso perfumando as ruas. Assim com o toque da “Folia do Divino”,

as pessoas iam se chegando com suas velas nas mãos, iluminando o céu

ainda escuro e úmido com a neblina que sempre emoldurava a procissão no

encontro de todas as idades unidas pela fé e devoção ao Divino Espírito

Santo. (FERREIRA, 2008, p. 205)

119

A geografia urbana da cidade sofreu algumas mudanças e as ruas estreitas

laterais a Matriz se transformaram em um grande calçadão, mas o cordão de gente

que compõe a procissão segue os caminhos do coração percorrendo os caminhos

do núcleo da antiga Vila. (FERREIRA, 2008) Tal Cortejo desperta a curiosidade e

admiração de todos por onde passam.

Hoje, as tendas para o preparo do cuscuz, assim como as barraquinhas de

comes e bebes e brincadeiras são armadas em frente a matriz e o calçadão. A praça

iluminada se prepara para o que é tradição que sobrevive ao tempo e nos ilumina

com a graça do Pai, do Filho e do Divino Espírito Santo.

De acordo com a Tradição, o Mastro encontra-se num local afastado, o qual,

em cortejo, é carregado pelos moradores. Já pela manhã deste dia eu o vi em frente

á Prefeitura Municipal e como eu desconhecia esta tradição meu coração encheu-se

de curiosidade, porém, através de seu intenso vermelho, pude antecipar que estava

relacionada com a Festa do Divino, cor presente em todo o Centro durante a Festa.

Presente nas roupas dos moradores envolvidos na Festa, nas bandeirinhas em

Frente à Igreja Matriz, em pequenos, porém significativos detalhes, ressaltando a

Realeza concedida á Pureza do Espírito Santo, representado pela cor branca. Na

Figura 16, moradores locais estão postados em frente à Prefeitura para iniciar o

Cortejo. Diversas mãos com o auxílio de tecidos também vermelhos, carregam o

Mastro até a Praça Central, Narciso de Andrade, com seus corações transbordantes

de fé e emoções visíveis.

Solene, o mastro é erguido por muitas mãos, altivo e forte como símbolo da

proteção do Divino Espírito Santo sobre nossa cidade. (FIGURA 14) O cenário

aumentava em beleza e até hoje é um momento de muita emoção, onde a

população, emanada pela força da fé, soma-se em um grande encontro de mãos

idosas e novas, ainda procurando o mastro para fazer suas preces e pedidos e não

há quem não se emocione: lágrimas vindas do coração brilham nos olhos dos fiéis (e

os não tão devotos assim) em um movimento único de união, em louvor à

Santíssima Trindade. Como um momento de renovação e a esperança que surge

para emoldurar esse encantamento.

120

Fig. 16 Erguido por muitas mãos. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

Como observamos na Figura 17, o Cortejo do Mastro é acompanhado por

diversos moradores. A tomada desta imagem foi feita em frente á atual Biblioteca

Municipal, onde anteriormente era sede da Prefeitura local.

Fig.17: Cortejo do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

121

A tradição é revivida em Itanhaém através de rituais e celebrações que

envolvem muitos simbolismos e sentimentos. (FERREIRA, 2008). Cada cor utilizada,

cada trajeto percorrido, tudo é simbólico, é tradicional e os moradores ousam em

guardá-lo sabiamente.

Fig.18: As Bandeirinhas de Emídio e Volpi. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

Observar o Céu acima da Igreja Matriz nesta época tem-se esta visão:

bandeirinhas vermelhas e brancas contra o intenso céu azul de Maio. (FIGURA 18).

Tal tema encantou até mesmo o Pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896 – 1988),

que ao visitar Itanhaém conhece Emídio de Souza (1867 – 1949), um artista local

que retratava a cidade e seu cotidiano com simplicidade e pureza, o qual por conta

disto é considerado o primeiro pintor primitivista brasileiro (FERREIRA, 2008). As

bandeirinhas itanhaenses por certo tempo receberam atenção especial de Volpi,

sendo estas um constante tema.

Os moradores locais, que professam a religião católica anseiam o ano todo

para que as Festas enfim iniciem. Todos sempre com um belo sorriso no rosto, sua

devoção transparecendo em seus rostos iluminados, cheios de esperança e

gratidão.

122

Fig.19: Erguida do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

Na Figura 19 temos a imagem de diversas mãos empenhadas para um único

fim: a Erguida do Mastro portando a Bandeira do Espírito Santo. A soma de muito

esforço debaixo do sol de meio dia para um bem comum: a proteção e benção da

divina Terceira Pessoa da Trindade.

A Figura 20 tocou-me profundamente, pois a senhora que está tocando o

mastro chegou-se com muita dificuldade. A multidão estava intensa, uma massa

compacta, todos queriam tocar no Mastro. Provavelmente familiares, conduziram a

cadeira de rodas desta senhora para enfim ela erguer seu braço e com fé, tocar no

Mastro, com a certeza de que o esforço não foi em vão, que a benção da proteção a

acompanharia. Desconheço sua história de vida, mas provavelmente esta não foi a

primeira vez em que ela fez este gesto, observei que havia familiaridade, confiança

ao chegar, acredito que tal fé é praticada desde que suas mãos eram jovens.

123

Fig.20: Fé e Tradição bem guardada. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

Elizabeth Cury Bechir Watanabe (1956-) auxilia a todos sempre de bom

coração e disposição evidente. Ela também faz parte da diretoria da APRODIVINO e

bem mais que ocupar cargos da diretoria, estes membros esforçam-se não apenas

academicamente, mas efetivamente, para que todos os preparativos desta Grande

Festa estejam em ordem. Durante a Procissão de barcos para o Bairro do Rio

Acima, eu a observei atentamente, registrando seus atos altruístas durante a

travessia, num domingo bem ensolarado do mês de Maio, onde ficou atenta neste

trapiche até que todos os foliões tivessem atravessado o Rio, para enfim, ela

também ir descansar na outra margem. O posicionamento dela dá-nos a impressão

que ela sente a inclinação da imagem, procurando segurar-se em algo para que não

venha a cair. (FIGURA 21)

124

Fig.21: Disposição Evidente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012

O ponto alto desta festa a meu ver, o qual me tocou profundamente foi a

procissão de barcos pelo Rio Itanhaém até o Bairro do Rio Acima. Fato este já

tradicional de nossa cidade, porém foi minha primeira vez, bem como primeira vez

que andei de barco. A vista fantástica e sempre desejada pude enfim ver: sempre

quis saber como era depois da curva que o Rio descreve, visto do alto da Ponte da

Rodovia Padre Manoel da Nóbrega. Agora lá estava eu, finalmente contemplando

algo que sempre desejei ver. O percurso foi longo, cerce de trinta minutos ou mais,

mas pude fruir cada instante, cada vista, cada nova descoberta. O Rio cortou

diversos bairros que eu já havia percorrido, agora eu os via de maneira singular: do

meio do Rio. A Figura 9 mostra a composição que obtive no dia 06 de Maio de 2012.

Desejei enfocar o belo reflexo do sol da manhã sobre o Rio, com a bandeira em

primeiro plano. A cor viva deste escarlate da bandeira e suas fitas multicores

somados ao tranquilo tom de azul das águas busca a harmonia nesta imagem. O

verde de minha terra, formado pelos manguezais contribuem para a imagem,

auxiliando no belo reflexo sobre o Rio.

125

Fig.22: Procissão pelo Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 06 de Maio de 2012.

Através de e-mail, o fotógrafo português, João Evangelista (2012) lê a

imagem fotográfica desta forma:

Só a originalidade com que você representou esta procissão para mim já deu valor a esta foto! Tudo está aqui sem cair no lado mais banal deste tipo de assunto. A procissão no rio na sua essência máxima! Sobretudo para quem vive neste lugar, pois não precisa de mais nada para perceber o que esta foto representa e que ela foi captada num dia diferente de todos os outros dias do ano.

E com esta composição diagonal, as linhas horizontais no rio passaram a transmitir dinamismo e movimento em vez de estabilidade... E a bandeira que numa composição "normal" estaria bem mais na vertical acaba estando quase na horizontal "roubando" a função de transmitir tranquilidade que era das linhas suaves do rio... O que era tranquilo passou a ser dinâmico e vice-versa.

Muito bom como as coisas mais banais passam a ter um novo significado visual nas suas fotos, Transmitindo sensações que nunca transmitem em composições "normais". Cada pessoa é única e cada visão pessoal também e isso nos enriquece a todos mutuamente com suas particularidades únicas e você é bem a prova disso mesmo.

Quem olha suas fotos como deve ser aprende com sua visão única do mundo que rodeia você... Obrigado Thais!

(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem pessoal] Mensagem recebida

por < [email protected]> em 07. Jun. 2012).

126

3.3: Centro Histórico

Itanhaém... Vila... Hoje, cidade praiana

de simples ruas de areia de algumas casas humildes

na praça Carlos Botelho

Onde as mulheres estendiam suas roupas

para secar no verde gramado onde existe a praça

Itanhaém... dos meninos jogando bola

de meia na praça á noite se reuniam para ouvir histórias

à luz de lampião.

(...)

Itanhaém... Onde lindas moça

aos domingos, depois da missa caminhavam em volta da praça

dando olhares discretos para os rapazes...

o príncipe encantado... E... quando o sol

ia se escondendo suavemente ficavam na janela

sempre observadas pelos olhos atentos dos pais.

(Lina de Lima. Itanhaém, antiga vila. In: Itanhaém em prosa e verso. Itanhaém, 1997)

Nas lembranças de José Rosendo (2008), conta como era a Itanhaém de sua

infância. Ele nos conta que a diversão da garotada era pescar, “passarinhar” ou

brincar no areião. Este espaço estava localizado próximo á Igreja Matriz, hoje

ocupado pelo calçadão da Praça Narciso de Andrade, no Centro de Itanhaém.

Itanhaém era cercada por paliçadas, um muro que protegia o povoamento dos

invasores vindos do mar. As casas eram construídas “parece contra parede”, a fim

de proteger a vila.

O centro histórico é composto pela Igreja Matriz de Santana, o Convento de

Nossa Senhora da Conceição, os Casarios coloniais e a Casa de Câmara e Cadeia.

127

3.3.1: Convento Nossa Senhora da Conceição

Convento secular, velho convento

de minha terra, meu rincão praieiro...

quanta coisa me vem ao pensamento

quando te vejo em cima desse outeiro...

Vetusto, magnífico, imponente,

suspenso sob o céu, cheio de glória

apontando na página presente,

a História do Brasil, a tua História...

Contigo me transponho tempo afora

-sob o clarão do olhar de Nossa Senhora

que vive em tua eterna evocação

E vou de geração em geração

e vou subindo aos paramos divinos

ao badalar saudoso de teus sinos...

(Nilo Soares Ferreira. No tambor itanhaense. In: Poesias e Trovas. Itanhaém, 1999)

Itanhaém consegue manter-se perto de suas raízes apesar de tantas

mudanças ocorridas nestes mais de quatro séculos. Aqui se guarda a fé cristã vinda

com os primeiros portugueses. Por este motivo os lugares sagrados são ainda muito

queridos pelo povo católico e até mesmo por outros pertencentes às demais

religiões, pois são construções que inspiram confiança e excelentes lugares para

meditação.

O Convento de Nossa Senhora da Conceição, localizado no alto do Morro do

Itaguaçu tem sua inauguração oficializada por alvará em 1654 sob o estilo barroco,

mas há indícios de que uma pequena igreja de taipa e barro tenha sido construída

no local por volta de 1533. (FERREIRA, 2008)

128

Fig. 23: Rampa do Convento. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012

Hoje em dia para acessar o Convento, utilizamos uma ladeira cercada de

muralhas e parapeitos. A mesma foi concluída em 1752. Na Figura 23 registrei uma

vista parcial da rampa durante uma tarde ensolarada de verão, conferindo à imagem

uma luz e definições singulares. A vertigem causada pela subida à rampa é

acentuada por este enquadramento, onde reforça ainda mais a subida íngreme.

Mas nem sempre foi assim. Há muito tempo, de acordo com Ferreira (2008),

para se chegar ao convento, as pessoas tinhas que subir uma escada de 83

degraus, onde ainda podemos observar restos de seus degraus em frente ao antigo

Mercado Municipal. Ao lado destes degraus, temos também vestígios da única fonte

que se chegou a nossos dias: Itaguira, local conhecido antigamente como “Porto dos

Frades”, devido à aproximação à escadaria do Convento. Na Figura 24 registrei esta

imagem, onde vemos em primeiro plano alguns dos degraus e, ao fundo, com ainda

vestígios de azulejos lusitanos, a fonte Itaguira, onde há ainda água brotando,

porém, poluída, imprópria ao consumo.

129

Fig. 24: Fragmentos de um passado tão distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012

No dia 22 de março de 1833, a Fonte Itaguira e as demais Fontes de água da

antiga Vila de Itanhaém salvariam nosso convento, unidas obviamente ao esforço da

população. Nesta noite ocorreu um incêndio que destruiu parte do Convento. O

Frade responsável afugentou os morcegos nas vigas dos tetos do Convento neste

dia não com as costumeiras varas secas, mas desta vez com varas flamejantes. Não

demorou muito para que as fagulhas espalhadas no começo da noite iniciassem um

grande incêndio. Na Figura 25 podemos observar os males deste incêndio. Nesta

parte enegrecida encontrava-se as selas dos frades franciscanos, bem como uma

capela-oratório. Diversos documentos locais ali encontrados também foram

destruídos nesta noite. A captação da imagem foi realizada pela manhã, onde vali-

me das sombras contrastantes características das tomadas matutinas de um dia

ensolarado para reforçar ainda mais esta ideia de luto, de perda. Não houve mortos,

porém, parte de nossa História morreu neste incêndio.

130

Fig.25: Marcas de um passado distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012

Rosendo (2008) descreve o envolvimento da população durante a tragédia:

Seriam pouco mais de dez horas da noite e o sino já havia batido o toque de

silêncio. Poucas pessoas ainda estavam nas ruas, conversando, quando

foram surpreendidas pelo toque de alarme do sino do Convento. As

primeiras “olhadas” foram dirigidas para o mar à procura das luzes

milagrosas, como dantes acontecia, mas logo foram desviadas pelos gritos

angustiosos que partiam do Largo da Matriz: “Fogo no Convento!”, “Está

pegando fogo!” Em menos de uma hora, organizou-se uma grande

procissão rumo ao Convento.

De todas as casas saíam correndo homens, mulheres e crianças

conduzindo potes, latas, panelas, vasilhames de que dispunham para

carregar água, que era tirada das fontes da “casinha Itaguira”, de poços

particulares, e dos “tubos” existentes no “caminho de baixo”. Outros corriam

pelo caminho do “Rabelo” e “Mãe Benta”, em cujas fontes a água era mais

abundante, dirigindo-se todos com vasilhas cheias pelas ladeiras do

Convento e, no pátio eram entregues aos destemidos homens que lutavam

para salvar do fogo as imagens e outros objetos de valor ao culto religioso.

Essa perigosa batalha e a romaria dos carregadores de água só findou de

131

madrugada, quando o fogo não achou mais o que destruir do vasto edifício,

deixando perpetuada a sua obra nas paredes enegrecidas que resistiram à

fúria do elemento destruidor. O incêndio atingiu tais proporções que as

labaredas se elevaram a uma altura calculada em mais de cinquenta metros

e o clarão foi observado no litoral até o canto dos Itatins e do Itaipu.

Contava minha avó e outras pessoas que tomaram parte nos trabalhos

dessa trágica noite que as imagens que traziam intactas, salvas do

incêndio, eram colocadas sobre uma mesa em frente ao Cruzeiro e, ali, com

velas acesas, as pessoas que não podiam prestar socorro, pela idade ou

invalidez, erguiam suas preces, cantando ladainhas e outras orações à

Virgem Mãe do Redentor, implorando a sua proteção para os que lutavam

pela salvação da igreja. (ROSENDO, 2008, p. 43-44)

É notória e clara a grande influência da Igreja Católica na pequena Vila Nossa

Senhora da Conceição de Itanhaém, tal influência era refletida no cotidiano de

outrora, havia um grande desenvolvimento cultural neste local tão isolado e afastado

das demais Vilas do Litoral, como lemos a seguir as declarações de Rosendo

(2008):

Os colonizadores que aqui se estabeleceram a partir de 1532 deixaram

marcas indeléveis da riqueza de tradições, lendas, usos, costumes e ritos,

legando-nos uma herança cultural esplendorosa. Por longo tempo, esse

conjunto de valores orientou o povo da vila, que se desenvolveu sob o

manto celestial da Imaculada Conceição. Os sábios monges portugueses

que se instalaram no convento, com a incumbência de educar o povo, foram

os responsáveis pelo alto nível cultural que imperou na nascente Vila de

Nossa Senhora da Conceição. (ROSENDO, 2008, p. 66)

Visitei o local durante cinco vezes, desde Dezembro de 2011, a fim de

registrá-lo em diversas condições climáticas e de ângulos diversos. Desde criança

sempre gostei de subir as rampas do Convento, observar a cidade de lá do alto,

saborear a vista da belíssima construção barroca quinhentista. Minha avó sempre

132

nos levava lá e o ponto alto do passeio era o pátio interno do Convento, tão belo

com sua vegetação lindíssima e ruinas de antigas mesas de pedra.

Adorava passar longas tardes neste lugar, absorvendo cada beleza ínfima,

dos belos altares, da galeria do Convento, observar a cidade de mais alto ainda, do

alto de suas janelas, mas infelizmente durante o processo de criação de minhas

séries fotográficas, o Convento manteve-se fechado para reformas. Portanto, minhas

imagens são apenas constituídas da tomadas da rampa, da fachada da Igreja e de

suas vistas panorâmicas, obtidas de diversos pontos do alto do morro do Itaguaçu.

Seguindo os descritores icônicos idealizados por Possamai (2008), registrei imagens

em que acidentes naturais, obras arquitetônicas e tomadas panorâmicas tivessem

seu lugar. O relativamente longo percurso da Rampa do Convento rendeu-me

inúmeras imagens, onde eu sempre busquei pontuar a presença do passado em

nosso cotidiano, convivendo com o presente.

Em minhas captações no Convento não houveram elementos móveis,

descritos por Possamai como pessoas ou meios de transporte. Sempre que subi ao

morro fui desacompanhada e lá assim permanecia, portanto não ocorrem registros

de pessoas nas imagens. Há muito tempo não há mais visitas no local. Os antigos

moradores com os quais conversei choram de saudade do tempo em que passavam

a maior parte de suas vidas neste morro abençoado. Hoje, com a Igreja fechada e

sem celebrações de missas há mais de uma década, há só o silêncio neste lugar.

O céu da Figura 26 me passa ainda mais esta sensação de solidão, uma

nostalgia imensa me invade. Imagem obtida durante o horário da manhã, onde

consegui registrar a sombra deste poste elétrico. Rampa esta que outrora os antigos

moradores da Vila subiam constantemente. Senti a presença silenciosa destes. Eu

não estava sozinha. A partir do sentimento fomentado pela cena, utilizei para

nomear todos nossos lugares amados que hoje em dia encontram-se desertos,

solitários como “a presença do ausente”, termo utilizado por Martins (2008), para

denominar sua série fotográfica nos prédios desertos da Penitenciária do Carandiru,

localizado na cidade de São Paulo, em que utilizamos este termo para evidenciar a

presença dos antigos moradores e frequentadores dos locais. Pode se passar o

133

tempo, o local pode estar assolado, mas uma presença silenciosa continua.

(MARTINS, 2008)

Fig.26: Presença do Ausente I. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012

Quem dera suas portas abrirem mais uma vez para que possamos dizer como

Watanabe (1997) do alto de suas janelas barrocas:

Desta janela,

serena paisagem,

tem-se de Itanhaém

que aquece o coração

obra divina da Conceição

Desta janela especial...

deslumbramento real,

do horizonte infinito

das águas do Atlântico.

Na janela...

radiante de ansiedade

134

pela beleza que me invade,

contemplo os morros verdejantes,

seus tesouros fascinantes.

O céu de azul inesquecível

fecha este quadro indelével

desta vista do alto,

do nosso histórico convento.

(Elizabeth Cury Bechir Watanabe. A vista. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)

Seus filhos itanhaenses esperam ansiosos pela abertura de suas portas. E o

ouvir de seus sinos ora calados. Volta, Conceição de Itanhaém!

Fig.27: Portas Cerradas... Até quando? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012

135

3.3.2: Matriz de Santana

Minha terra estacou entre os homens e Deus...

foi daqui que saiu a primeira bandeira do Sonho

nos primeiros clarões do dealbar da História...

Foi daqui que partiu a Esperança sorrindo

na doce inspiração que enriquece o planalto...

aqui as gerações se esmeram na Arte

-a pintura, a poesia, a música bendita...

sentimento que vem como um sopro divino

e depois lá se vai, em perfume, no alto...

(...)

Minha Itanhaém é um poema em notas musicais

cantando a imensidão, magnífica, do mar

declarando a amplidão, beatífica do azul;

desfolhando a ilusão de uma flor venturosa...

(...)

Minha terra ao gemer dos sinos à tardinha

é a mais doce emoção que de Deus se avizinha.

(Nilo Soares Ferreira. Minha terra. In: Poesias e trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)

Os sinos da Igreja Matriz de Santana inspiraram o Poeta Nilo Soares Ferreira

a escreverem este belo verso final do poema encontrado na epígrafe do capítulo.

Estes sinos que guiavam a pacata Vila de Itanhaém, sendo tocado diversas vezes

por dia pelos garotos que auxiliavam na igreja.

Quando eu era criança lembro-me de ter ouvido muitas vezes os sinos da

Igreja Matriz. Hoje em dia não sei se o tocam, eu nunca mais pude ouvi-los. Os

sinos do Convento que sempre desejei ouvir. Seus saudosos sinos que chamavam

outrora tantas gerações para virem à missa. É belo observá-lo, uma imponente

136

construção barroca sob um monte, tocando o céu, é até difícil encontrar palavras

para descrever a emoção de vê-lo. Ao conversar com os antigos itanhaenses é

unânime o sentimento de nostalgia que estas construções guardam. Tantas

histórias, tantas lembranças. Suas vidas eram pautadas por estes lugares. Há pouco

tempo nossa terra perdeu a hegemonia católica, pouquíssimas décadas. Itanhaém,

a cidade das duas Igrejas, a do alto do morro dedicada à Virgem Mãe de Deus e a

de baixo, com um forte simbolismo representando sua devoção e humildade ante o

chamado de sua filha, Maria, consagrada à Santana, sua mãe biológica.

A Igreja Matriz de Santana foi construída no século XVIII, época em

que éramos cabeça de Capitania (1642-1679). A Figura 28 retrata a porta lateral da

Igreja, a qual ainda mantém suas características iniciais. Vemos o quanto suas

grossas paredes foram resistentes ao teste do tempo.

A Igreja estava efetivamente em obras no segundo decênio do século XVIII,

momento em que recebe da Fazenda Real, por três anos, "cem mil réis cada ano,

para a obra da capela-mor da Igreja da Vila de Conceição". Como a coroa

portuguesa dedicava atenção especial ao templo religioso, enviando recursos

financeiros todos os anos.

A Igreja é inaugurada em 1761, Porém, a cidade vai progressivamente caindo

em decadência, pois há um grande êxodo em direção á Minas Gerais, devido à

descoberta do ouro no local e sem os recursos portugueses, Itanhaém passou por

tempos difíceis e não pode cuidar da igreja, a qual passou por anos em estado de

deterioração, em função disso acabou mais tarde sendo tombada como Patrimônio

Histórico, recebendo desde então reformas pontuadas no decorrer dos anos.

(FERREIRA, 2008) Devido a este motivo, paulatinamente as missas e celebrações

que lá haviam foram transferidas á Igreja Nossa Senhora da Conceição, construída

há pouco tempo, tendo sua pedra fundamental lançada em 23 de Junho de 2002.

137

Fig.28: Passagem Secular. Foto de Thais Oliveira Silva.06. Mai. 2012

Fig.29: Quem vencerá? A Fé ou os Cupins? Foto de Thais Oliveira Silva 12. Dez. 2011

138

Na Figura 29 enfoquei a ação dos cupins sobre a madeira do assoalho da

Igreja. Alguns meses depois, felizmente, ao retornar ao local e encontrar uma tábua

nova posta sob esta deteriorada. Esta que durante gerações passaram inúmeros

fiéis sobre ela. Um local cheio de lembranças. Portador de certa nostalgia, em que

nas manhãs de domingo, quando ocorrem as missas matinais e no mês de Maio,

com as celebrações do Divino, a memória é revivida. A nave da Igreja é mais uma

vez ocupada.

Fig. 30: Conceição de Itanhaém sob a Redoma de Vidro. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Dez. 2012

A igreja Matriz de Santana abriga uma das mais importantes imagens sacras

brasileiras: a de Nossa Senhora da Conceição, feita de cerâmica há mais de 400

anos. Sua origem ainda causa polemica entre muitos especialistas que a estudaram.

Para alguns, a imagem foi trazida de Portugal por Martim Afonso de Souza, para

139

outros estudiosos ela foi obra de um ceramista nativo, em que não temos dados

precisos de seu nascimento e morte, João Gonçalves Viana. (FERREIRA, 2008)

Vemos na Figura 30 a imagem no fundo da Igreja Matriz sob uma proteção de

vidro. Tal interferência resultou nesta imagem com o reflexo do forro da nave da

Igreja sob Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém.

Fig.31: Eternamente Barroca. Foto de Thais Oliveira Silva.27. Dez. 2011

O altar barroco, com suas infinitas volutas, ornamentos sinuosos e anjinhos

talhados na madeira foi o foco da imagem da Figura 31, onde nesta composição

está em primeiro plano e, ao fundo, a imagem de São José.

A Igreja Matriz de Santana, ao contrário do Convento é um local sempre

visitado, mantendo as portas abertas durante o dia já que está localizada na Praça

Central da cidade, Narciso de Andrade. Deste modo, tenho muito mais registros dela

140

do que do Convento e neste local, quando o captei, foram registradas também

muitas pessoas, transeuntes ou trabalhadores, varredores de rua próximos a ela.

Fig.32: Anchieta e Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012

Na Figura 32 busquei compor a relação do beato Padre José de Anchieta

(1534 – 1597) com Itanhaém, o qual passou diversas vezes por estas terras,

catequizando os índios. Focalizei em primeiro plano a escultura do Padre Anchieta,

esculpida por Luiz Morrone (1906- 1998),tendo a Igreja Matriz em segundo plano.

Minhas imagens focaram registrar, principalmente a Igreja Matriz ressaltando

seu tamanho que impressiona sobremaneira. Ela é majestosa, imponente,

destacando-se na Praça central. Busquei registrá-la em diversas condições

climáticas para também absorver sua “mudança de personalidade”, termo utilizado

por Hedgecoe (1996).

Hedgecoe (1996) nos fala sobre trabalharmos nas variações sobre uma

fachada, nos aconselhando a não ficarmos satisfeitos enquanto um determinado

tema só tiver sido fotografado de um único ângulo de enquadramento, pois os

edifícios, como qualquer outro tema, possui personalidade e uma atmosfera que

dependem do modo como forem fotografados. Intuitivamente, bem antes de ler a

141

respeito, busquei registrar de várias tomadas diversos lugares que me foram durante

a infância e ainda são muito significativos a mim. A Igreja Matriz de Santana,

localizada na Praça Narciso de Andrade, centro de Itanhaém, foi a que recebeu mais

registrou meus, onde a enfoquei durante diversas condições climáticas e em

inúmeros ângulos.

Fig.33: Matriz de Santana vista sob um dia ensolarado. Foto de Thais Oliveira Silva. 04. Mar. 2012

Nesta imagem (FIGURA 33) vali-me do sol de meio dia a fim de criar estes

belos contornos de sombras na fachada da Igreja Matriz. O céu está limpo, com

pouquíssimas nuvens, proporcionando à imagem uma bela claridade. À sombra de

uma árvore em frente à Igreja, dois moradores descansam durante seu horário de

almoço.

Na Figura 34 temos a imagem do calçadão úmido decorrente da forte chuva da

noite anterior, proporcionando um belíssimo reflexo à Igreja e demais elementos da

composição. O céu desta imagem é claro, um tipo de nublado condensado, não há

nuvens ameaçadoras de tempestades, mas ainda persiste uma garoa finíssima

neste momento da captação. A inclusão do arvoredo á direita da imagem contribui

ainda mais para o ar soturno. A condição climática proporcionou à imagem um ar

142

lúgubre, sombrio, com os reflexos, diria que até fantasmagóricos refletidos no

calçadão da Praça Narciso de Andrade, Centro de Itanhaém.

Nestes dois exemplos podemos ver o quanto as condições climáticas

interferem em nossa leitura da imagem. Ambas foram focadas de um mesmo ponto,

com deslocamento de apenas dois passos para a Figura 33, mas são diferentes. Em

meu percurso modifiquei não apenas no quesito dos estados em que se encontrava

o tempo, mas a presença de pessoas, as diversas tomadas de infinitos ângulos para

então ter uma nova imagem, uma nova leitura do local.

Fig.34: Matriz de Santana vista sob a fina garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012

.

143

3.3.3: Casa de Câmara e Cadeia e os Casarios

Itanhaém... Vila... Hoje, cidade praiana

de simples ruas de areia de algumas casas humildes

na Praça Carlos Botelho

[...]

(Lina de Lima. Itanhaém, antiga vila. In: Itanhaém em prosa e verso. Itanhaém, 1997)

De acordo com Caldas (2011), a Casa de Câmara e Cadeia era o ponto de

encontro do poder político da época imperial, republicano e República Velha. Ela,

bem como as outras Câmaras da época da colonização, exercia duplo poder

constitucional: o legislativo e o executivo, além de possuírem o direito de indicar o

Presidente da Província, para nomeação, o juiz da respectiva Comarca.

A cadeia que ainda hoje existe é um sobrado, a qual foi construída sobre as

ruínas da primitiva em 1829. Por economia, ou talvez por amor às tradições,

aproveitou-se as paredes então existentes da velha Cadeia - que já tornara-se

também Casa da Câmara; e é por tal motivo que vemos hoje esse edifício, em

desalinho completo com as outras ruas e com o pátio da Matriz de Sant'Ana, do qual

ela ocupava outrora, o centro.

Suas paredes (da primeira construção e reforma) medem 60 centímetros de

espessura. Possui uma parte que, com a reforma, foi agregada na sua parte frontal.

Está em desalinho com o restante do Centro Histórico, pois a rua à qual tinha

dirigida sua parte frontal levava até a Igreja Santa Luzia (que já em 1614 já não mais

existia).

Supõe-se que sua construção date da época em que Itanhaém foi elevada à

categoria de Vila, em 1561, pois só adquiriria tal status se houvessem no local tais

construções. e mais tarde, ganhou o status de Cabeça de Capitania, pois os prédios

obrigatórios que para isso se desse deveriam ser a Igreja, o Pelourinho e a Cadeia,

144

época em que a Vila recebe os moradores da Aldeia do Abarebebê, também muitos

moradores da Vila de São Vicente, refugiados dos ataques dos índios Tamoios, bem

como muitos imigrantes, atraídos pela fama da descoberta de ouro na Capitania de

Itanhaém.

No centro histórico encontra-se também o Gabinete de Leitura, fundado em

05 de agosto de 1888, onde aconteciam eventos culturais e de entretenimento para

o povo da vila itanhaense, lá também se alfabetizava a população. Infelizmente no

ano de 1932, durante a Revolução Constitucionalista, seus livros foram destruídos e

queimados pelos soldados que por aqui permaneceram, pois eles consideravam a

cidade um ponto estratégico e a vigiava, bem como a outras cidades para eles

também consideradas estratégicas.

O casario de nossa cidade tem sua construção todo pautado no estilo

colonial, com suas portas altas, assim como as janelas, que eram ao nível da rua,

sem terraço ou varanda. Casas compridas, com um único corredor que dava acesso

aos quartos e, claro, um quintal nos fundos. (FERREIRA, 2008)

Fig.35: O Passado está Presente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012

145

Em meus trilhares enfoquei também a Casa de Câmara e os Casarios à sua

volta. A arquitetura lusitana sempre me encantou com sua beleza e elegância. Na

Figura 35 busquei enfocar uma cena cotidiana tendo como pano de fundo a lateral

da Casa de Câmara e Cadeia e o restante da Praça Centra. Pela manha, dois

moradores conversam sossegadamente transmitindo-nos tranquilidade, calmaria.

Uma imagem que desde o início me encantou, bem mais depois esta edição,

tornando-a monocromática, foi a Figura 36 optei pelo enquadramento destes ramos

da árvore ao lado da Igreja Matriz, pois me chamou atenção o grafismo confuso

deste. Ao fundo encontra-se a Casa de Câmara e Cadeia. Escolhi esta composição

pois aqui em minha cidade a natureza prevalece sobre a interferência humana,

considerando a área total da cidade. Hoje em dia o local foi transformado no Museu

Conceição de Itanhaém, inaugurado em Abril de 2010, abrigando diversos itens e

utensílios históricos, bem como imagens fotográficas e documentos manuscritos

registrando nossa História.

Fig.36: Casa de Câmara e Cadeia. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012.

146

Já os Casarios, eu optei por não utilizar nenhum tipo de moldura natural no

primeiro plano, enquadrando as belas construções lusitanas de modo limpo. Hoje

em dia grande parte destas casas não são mais moradias e sim estabelecimentos

comerciais, porém sem que reformas não venham interferir no projeto original. O

antigo azul e branco do Casario lusitano foi substituído por multicores impactantes.

(FIGURA 37).

Fig.37: Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011.

A Sentinela deste Conjunto de casas antiquíssimas é a gata registrada na

Figura 38, a qual está sempre atenta ao que acontece a seu derredor. Ela está sob o

muro de umas das últimas casas do local, já que grande parte hoje em dia abriga

estabelecimentos comerciais.

147

Fig.38: Guardiã dos Casarios. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jan. 2012

3.4: Bairros tradicionais

Saudade renitente

Lembrando Itanhaém5

Com seus telhados velhos

O mar e a serra além

Nas noites de seresta

Do mar o cantochão

As ondas acompanham

Nas teclas do costão

Saudade do vôo da gaivota

E as cores do poente

148

Dos sinos da velha igrejinha

Chamando aquela gente

Saudade da areia prateada

Quando o sol vem despontando

Do leve balanço da canoa

O rio atravessando...

(Ernesto Zwarg. Saudade renitente.. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)

Na série “Bairros Tradicionais”, eu percorri diversos locais de Itanhaém em

busca deste passado recôndito em simples casas, em objetos que ousam enfrentar

o tempo, em ruas centenárias. É sempre um grande prazer observar e registrar o

passado de minha cidade, que não se encontra apenas no Centro, mas sim em

bairros de pessoas humildes que contribuíram para o crescimento e estabilidade de

Itanhaém.

3.4.1: Guaraú e Baixio

O velho mar me faz

Lembrar Itanhaém

Velhas casas

O convento, a Matriz

O Guaraú,

O baixio, o rio

O Rio pra atravessar,

A cama de Anchieta e o mar;

A serenata na pedra da lua

Para as sereias que vêm do mar.

149

(Ascendino Rocha Zwaarg. O velho mar. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)

O Baixio era um porto fluvial conhecido como Bairro da Felicidade. Era um

pequeno lugarejo de caiçaras com seu trapiche construído em pontaletes e tábuas,

servindo de atracadouro para os barcos de pesca artesanal. (FERREIRA, 2008)

Como estava há uns 300 metros do centro da cidade se descarregavam

pequenos navios de carga que iam rio acima buscar cachos de bananas, fazendo-se

a baldeação para as galeras da Estação de Ferro Sorocabana. Esse trabalho era

desempenhado por operários que transportavam até quatro cachos por vez, a uma

distância de 80 metros, ganhando o salário pelo número de cachos.

No local, há venda de pescados ainda hoje. Algumas marinas se instalaram

às margens do rio, confundindo a paisagem entre o antigo e o moderno, mas os

barcos de pesca dos caiçaras permanecem em seus atracadouros originais.

O Guaraú também é um bairro de ribeirinhos, possuindo um porto ainda ativo

onde guarda inúmeras lembranças do passado. Há, no local, diversas casas de

madeira, preservadas, oriundas da década de trinta, tempo em que era comum este

tipo de moradia na cidade.

150

Fig.39: Seus telhados velhos, o mar e a serra além. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012

Em minhas visitas para fotografar estes bairros fui tomada por uma grande

saudade de minha avó. Sempre íamos ao Guaraú e já morei no bairro do Baixio.

Ambos possuem um odor caraterístico: peixe, claro! Não foi algo enjoativo, porém

nostálgico, é sempre bom voltar ás origens, aos locais da infância.

A imagem que selecionei para representar o bairro do Guaraú foi a Figura 39

tomada do alto da Rodovia Padre Manoel da Nobrega onde se veem os “telhados

velhos” deste bairro secular.

Já para representar minha visão sobre o Baixio, selecionei a imagem abstrata

que podemos observar na Figura 40, o dia 18 de março de 2012 foi bastante

ensolarado e, portanto propício às minhas fotografias, pois sou apaixonada pelas

cores, pela saturação conferida num dia ensolarado do que num dia nublado,

melancólico a meu ver. Minha maior série fotográfica deste dia se concentrou na

linha do trem próximo ao bairro chamando Baixio, no qual morei por alguns meses

quando eu tinha quatro anos. Ao finalizar a série, já estava cansada, com muita

vontade de voltar, mas ao olhar para o início da Rua das Andorinhas algo

adormecido em mim despertou: Minha curiosidade em conhecer o porto da rua, local

que antigamente era um tabu para mim, talvez porque durante alguns dias jovens

151

usarem narcóticos no local quando eu era criança, ou talvez por suas águas serem

profundas e possuírem correntezas, mas neste dia, meu medo foi pequeno perto da

curiosidade. Uma curiosidade guardada por anos deveria ser saciada. Caminhei até

o local. Não havia ninguém, apenas um barco ancorado e outro quebrado na rua.

Absorvi toda beleza do lugar, a visão privilegiada do Rio Itanhaém e do Morro

Piraguyra! Que linda esta minha visão inédita... Pensei em fotografar o morro,

estando ele no segundo plano e o rio no primeiro, mas como já era final da tarde

pensei em usar alguma contraluz, mas o que? Caminhei até o barco quebrado no

canto da rua e vi a rede, gosto do seu grafismo confuso, fotografei-a, mas percebi

que a composição ficaria melhor se eu enredasse o próprio pôr-do-sol, bem como o

lugar, para simbolizar que por tanto anos o lugar que esteve proibido a mim, agora

eu o enredei, prendi-o a mim. É meu.

Gosto muito da confusão que esta foto cria ao primeiro olhar... E como era

uma rede fiquei pensando por alguns segundos que o céu devia ser o mar...

O grafismo das linhas da rede iluminadas pelo sol é bem cativante ao

olhar... Uma bela fotografia para nos ensinar a olhar como deve ser. Bem

visto e mais uma vez parabéns Thais!

(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem

pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 12. Abr. 2012)

152

Fig.40: Enredado. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012

3.4.2: Belas Artes

Aqui as gerações se esmeram na arte

A pintura, a poesia, a música bendita...

(Nilo Soares Ferreira. Minha Terra. In: Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)

Itanhaém, por se tratar de uma cidade de veraneio, sempre recebeu muitos

artistas importantes, que vinham descansar em nossas praias. O Bairro do Belas

Artes era local preferido dos artistas paulistas. As ruas deste bairro foram batizadas

com nomes de pintores e artistas plásticos brasileiros consagrados, entre eles:

Almeida Júnior, Vítor Meireles e Pedro Alexandrino.

O Bairro denominado Belas Artes ganhou este nome devido à Associação

Paulista de Belas Artes ter estabelecido uma colônia de férias próxima à estrada de

ferro na década de quarenta. Até então o bairro tinha três denominações, como

153

lembra Caldas (2011): Rio do Poço, que corta suas ruas; Sessenta, porque a parada

Km 60 da Estrada de Ferro Sorocabana; e Vila Nova, porque a Vila velha era o

centro da cidade e a nova estava apenas surgindo, sendo formada principalmente

por famílias vindas do Vale do Ribeira, mais precisamente de Iguape. Na Figura 41

temos a imagem da Linha do Trem passando sobre o Rio do Poço, no Bairro Belas

Artes. Quando eu era criança e caminhávamos até este bairro, lembro-me do medo

que eu sentia ao atravessar esta pequena ponte sem parapeito ou qualquer tipo de

proteção. Víamos o Rio passar sob nossos pés.

Fig. 41: Presença do Ausente. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012

.

Após a desativação da Colônia e a aquisição do prédio pela Prefeitura de

Itanhaém, o local foi usado para diversas funções. Já abrigou o hospital e necrotério

municipal, uma escola de ensino fundamental e atualmente a Casa da Música desde

o ano 2000, local onde ocorrem diversas oficinas culturais, com mais de setecentos

alunos neste espaço, onde também pude aprender a tocar violino e participar da

Orquestra local, hoje extinta, porém é um local que descobre inúmeros talentos

musicais que já representaram com maestria nossa cidade e até mesmo o estado de

154

São Paulo em concursos musicais e participações em Orquestras Sinfônicas

renomeadas.

Eu a registrei numa manhã ensolarada aproveitando as belas sombras

matutinas sobre o pátio do prédio. No segundo plano da Figura 42 vê-se uma

imensa palmeira, possuindo aproximadamente vinte metros. Em diversos pontos da

cidade ainda podemos encontrar árvores nativas centenárias convivendo com

nossas construções. É um belíssimo local que durante o período em que foi colônia

recebeu diversos artistas renomados do Modernismo brasileiro, vindo descansar na

cidade praiana e aproveitar para registrar cenas e locais da Vila Velha (Centro da

cidade) Na imagem da Figura 43, busquei compor uma imagem valendo-me apenas

de elementos geométricos: as pilastras do pátio e os bancos, a fim de contrastar

com a Figura 42, onde a presença das formas orgânicas (as árvores nativas) nos

proporciona outra leitura, já que há uma quebra deste universo apenas geométrico.

Fig.42: Tantas funções, um mesmo prédio. I Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012

155

Fig.43: Tantas funções, um mesmo prédio II. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012

3.4.3: Suarão

Itanhaém minha terra!...

Joia guardada entre a serra

E a majestade do mar,

Só quem não tem sentimento

Não sente o deslumbramento

Que tu vives a inspirar...

(Nilo Soares Ferreira. Itanhaém. In: Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)

156

Fig.44: Estrada dos Eucaliptos. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Dez. 2011

O Bairro denominado “Suarão” possui este nome devido à junção de duas

palavras em tupi-guarani: Çuu, que quer dizer ronco e Aron, que quer dizer onça.

Possui esta nomeação devido aos constantes ataques a aparições de onças por

aquelas terras, as quais causam medo apenas por seus rugidos. O Suarão era um

bairro muito arborizado e felizmente ainda o é em muitos lugares, com muitas

árvores nativas, intercaladas por eucaliptos e árvores frutíferas (BRANCO, 2005),

local onde as crianças brincavam, entre as casas, em terrenos amplos, varridos, sem

distinção de limite de propriedade. “As divisas eram marcadas por uma árvore

especial, mais alta, mais imponente, ou por um riacho que atravessava o terreno.”

(BRANCO, 2005)

O Bairro do Suarão sempre foi um de meus locais prediletos quando eu

estava com problemas respiratórios. Havia e ainda há inúmeras árvores de

eucaliptos, como estas da Figura 44; minha avó sempre me levava até lá, para

colhermos suas folhas medicinais para fazer chá e inalação. A cura chegava a mim

no momento em que eu estava respirando nestas ruas. Realmente minha avó soube

como nunca cuidar de seus netos. O afeto dela unido ao poder medicinal das folhas

de eucalipto curava-me.

157

O que me chama atenção para esta imagem é o belo grafismo formado pelos

galhos e folhas esguias das árvores centenárias. É um dos poucos bairros que ainda

possui muitas ruas de areia branca, como a do mar, relembrando a antiga Itanhaém.

A Igreja Nossa Senhora do Sion do bairro do Suarão foi construída em estilo

romano, é uma das únicas de todo o litoral Paulista nesse estilo, com um belo

interior da Nave Central cujo teto é decorado com a imagem de Nossa Senhora do

Sion, além de seus belos vitrais multicoloridos em todas as janelas retratando

passagens bíblicas da vida de Jesus. Ela compõe um quadro harmonioso com a

praça do centro de Suarão que foi recentemente remodelado.

A igreja foi construída por Joaquim Branco (1862 – 1940), um empreendedor

e visionário, que após visitar a cidade em 1917, se entusiasmou e junto com o

Prefeito da época, Antônio Mendes da Silva Júnior (1890 – 1951), realizaram um

projeto urbanístico, uniformizando o traçado da cidade, logo após a construção da

igreja. A área onde ela foi construída é do Círculo Social do Ipiranga, juntamente

com a área da praça. (FERREIRA, 2008)

Nas Figuras 45 e 46 registrei pormenores da Igreja os quais sempre me

encantaram. Por muito tempo os observo e componho mentalmente diferentes

imagens com estes em relação à estrutura da Igreja.

Na Figura 45, temos a imagem de uma das cenas da Via Sacra, onde Jesus

está carregando sua cruz rumo ao Calvário, onde será crucificado. A presença

marcante do vermelho em sua túnica, como representação de sua realeza

harmoniza-se ao belíssimo azul do manto de Sua Mãe, Maria. Ao editar, deixei a

imagem bem contrastante, a fim de que a parede, que sem edição estava pouco

escurecida, ficasse negra para contrapor-se à luz e às cores do vitral.

Na Figura 46 registrei um dos Anjos da torre da Igreja. Desde o alto até a

fachada estão postados diversos anjos, todos tocando uma trombeta, anunciando a

Volta de Jesus. Este conjunto sempre me impressionou, desde minha infância.

Obtive este Contraluz durante a tarde de um dia ensolarado. Felizmente consegui

registrar o brilho solar difuso através destas nuvens, conferindo à figura deste Anjo

um clima etéreo, com estas luzes, como se estivessem emanando de si mesmos.

158

Fig.45: Multicores ao Rei dos Reis. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012

Fig.46: A última Trombeta. Foto de Thais Oliveira Silva .27. Jul. 2012

Na imagem da Figura 47 tive o cuidado de harmonizar a forma da torre da

Igreja com as folhagens que também estão na vertical. A ligação visual entre as

formas "penduradas" da folhagem e da torre provocam uma aproximação dos

159

planos, dando a sensação que os dois planos principais (folhagem e igreja) estão

muito mais próximos do que são na realidade. O mesmo efeito eu busquei realizá-lo

diversas vezes, com diferentes condições climáticas e outros ângulos. No dia desta

captação o céu estava nublado, como se pode observar na condição esbranquiçada

do firmamento. O título desta foto remete à frase latina inscrita na fachada da Igreja.

Fig.47: In Sion Firmata Sun. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012

A Praça da Igreja Nossa Senhora do Sion também foi um lugar muito

importante para mim, onde minha mãe nos levava para passear aos domingos, as

pouquíssimas folgas dela. Esta experiência de encaixar as trepadeiras

dependuradas das centenárias árvores com a torre da Igreja é algo que fiz inúmeras

vezes quando criança, brincando sozinha. Sou grata por poder concretizar estes

planos outrora infantis.

160

3.5: Início da linha férrea na cidade

A ponte sobre a curva do Rio

Transpôs a modernidade

Na vila praieira encantada

Por anos de isolamento.

[...]

(Sonia Gisela Fonseca. O ontem no presente. In: Itanhaém, beleza em Prosa e Verso. Itanhaém,

1997)

Fig. 48: Isolamento Foto de Thais Oliveira Silva.18. Mar. 2012

Segundo Caldas (2011), a quinta ferrovia do país inaugurada em 16 de

fevereiro de 1867, a São Paulo Railway Company – SPRC (depois Estrada de Ferro

161

Santos-Jundiaí). A primeira composição chega a Itanhaém em 17 de janeiro de

1914. De acordo com relatos dos mais antigos, recolhidos por Caldas (2011), já

nesta primeira viagem, dezenas de famílias desembarcaram com malas e demais

pertences: eram os filhos e esposas dos que construíram a ferrovia e gostaram da

cidade. Este foi o primeiro passa para a formação do bairro denominado “Vila São

Paulo”, onde se registrou um amplo crescimento populacional na cidade nas duas

primeiras décadas do século passado.

Foi a partir da inauguração da linha férrea, em 1914, que Itanhaém passou a

ser conhecida como recanto turístico ideal para as férias de verão, primazia que

antes pertencia a Santos e Guarujá. (CALDAS, 2011) Porém, segundo Rosendo

(2008) o crescimento não foi de modo algum repentino:

Mesmo com a chegada da ferrovia (Southern São Paulo Railway), em 1914,

não houve desenvolvimento significativo na comunidade então existente, fiel

às suas origens e mantendo o bom nível cultural herdado dos monges

franciscanos. Somente com a chegada da rodovia, quando o paulistano teve

facilitado o acesso ás nossas praias é que Itanhaém descobriu seu

potencial turístico, hoje sua maior fonte de renda. (ROSENDO, 2008, p. 69)

As casas dos ferroviários deste período ainda podem ser encontradas na

margem da linha, as mais numerosas na Vila São Paulo e as demais próximas às

antigas estações de Belas Artes, Cibratel, Camboriú e Vila Loty.

. A construção da ferrovia, segundo Caldas (2011) modificou a geografia local,

provocando a abertura de um túnel na rampa do Convento e a transferência do

cemitério que havia ao lado do Morro Itaguaçu. Na Figura 49 temos a imagem da

Rampa do Convento tomada de onde é um estacionamento e travessa atualmente,

porém, como já dito, de onde estou a retratar a imagem era o local do cemitério

primitivo.

Em 1927 a ferrovia passou para o controle da Sorocabana. Até os anos de

1950, segundo Caldas (2011), a estrada de ferro era o único transporte para

162

Itanhaém. Havia a alternativa de se locomover com carros pela praia, vindo desde a

Ponte Pênsil de São Vicente até a cidade. Apenas um acidente grave envolvendo

este transporte foi registrado:

Em registro manuscrito do pintor Emídio de Souza, consta que na manhã do

dia 1º de fevereiro de 1946 houve um acidente com uma locomotiva a

vapor, que despencou sobre o Rio Itanhaém, matando o maquinista e um

guarda-trem. A carta explica que o foguista sobreviveu, porque se atirou na

água antes que a locomotiva tombasse. (CALDAS, 2011, p. 48)

Fig.49: Sob o Sol Matutino. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012

Em 1972, já no período de decadência da linha, passavam ainda por ali pelo

menos seis trens diariamente, e um deles, como descreve Caldas (2011), era

conhecido como “jotinha”, que era um trem misto. Os trens de passageiros foram

suspensos em dezembro de 1997, depois de passarem por ali por 84 anos. Os

desvios da estação foram retirados, os trilhos estão jogados à frente da plataforma.

O armazém foi demolido.

163

Fig. 50: Abandono. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012

A Figura 50 mostra o pormenor da linha do trem ainda visível, pois em certos

trechos é impossível enxerga-los. Nesta imagem, obtida em frente ao Bairro do

Baixio, percebemos o apodrecimento das madeiras utilizadas como sustentação e

apoio, bem como o enferrujamento tanto dos trilhos, quanto de seus grandes

parafusos. Ao aproximar-me para obter esta imagem ainda pude sentir o odor

característico da linha do trem: o enxofre transportado pelos trens de carga que

eventualmente caíam pelo caminho pequenas pedrinhas amarelas. Quantas outras

histórias não guardam estes trilhos?

Fiz diversas tomadas das casas à beira da Linha do Trem, enfocando a bela

harmonia entre as construções e a linha férrea. Tais moradias ainda mantêm

características do passado, a começar pelos seus muros e portões baixos, com

cerca de um metro e a estrutura geral das casas, suas janelas altas e estreitas, seu

chão de cimento queimado vermelho, onde as moradoras ainda os enceram.

164

Fig.51: Vila São Paulo. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012

Na Figura 51 vemos a imagem que captei uma das casas num dia

ensolarado, onde a folhagem destas goiabeiras escurece o primeiro plano,

desenhando assim uma moldura natural para o segundo plano, onde se encontram

as casas.

Fig.52: Resistentes ao Tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Abr. 2012

165

Já na Figura 52, efetuada numa tarde nublada e fria, conferindo a imagem um

clima saudoso, vemos novamente as casas dos antigos trabalhadores da

Sorocabana, onde esta trilha de areia a perder-se de vista é convidativa. Até onde

ela irá?

Quanto ao trajeto da linha do trem, ou seja, o rumo dos trilhos, minhas fotos

concentraram-se em tomadas em frente ao bairro do Baixio e sobre a Ponte sobre o

Rio. É um dos poucos locais em que a linha férrea ainda é visível e de livre acesso.

Realizei a série não apenas num único dia, mas em diversos, buscando também o

registro em diversas condições climáticas.

Na Figura 53, idealizei esta composição baseada em lembranças de minha

infância, em que neste mesmo horário registrado, final da tarde, quando eu sentia

um misto de prazer, adrenalina e medo da altura no alto da ponte, durante este

trajeto sobre o Rio Itanhaém. Desta tomada, vemos os Portos do Baixio, tendo ao

fundo a Ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega e ao longe nossas serranias

imersas em brumas nesta perspectiva atmosférica.

Fig.53 Oxidação Vertiginosa. I Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012

166

A partir da postagem desta imagem no site de fotografia Olhares, o fotógrafo

português João Evangelista expõe o seguinte pensamento:

Uma dos melhores exemplos do uso da composição diagonal!...além da luz

estar fantástica, o facto de você ter incluído e aproveitado o grafismo desta

protecção foi inteligente da sua parte!...além de ser cativante visualmente

tornou esta composição "lógica"!

Se fosse à horizontal, seria mais um efeito de perspectiva como se vê

tantas vezes por ai, mas assim ficou bem mais interessante e original!!!

Bem visto Thais e mais uma vez parabéns!

PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem

pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 07. Jun. 2012.

Já a imagem da Figura 54 foi tomada numa tarde nublada e escura. Devido á

tal condição climática o Rio Itanhaém apresenta-se opaco, sem o brilho conferido ao

Rio na imagem da Figura 53. Percebemos que a condição da luz deste dia nos

proporcionou observar ainda mais a condição de deterioração de sua estrutura

metálica. A ferrugem ai apresentada possui um toque de textura. A tomada foi feita

do lado direito da ponte da linha do trem, onde vemos em segundo plano a Ponte

Sertório Domiciliano.

167

Fig.54 Oxidação Vertiginosa. II Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

A imagem da Figura 55 foi registrada no sol do fim da manhã, conferindo

ainda longas sombras á sua frente. É impossível trilhar mais uma vez pela linha do

trem e não me recordar de minha avó, do tempo em que seguíamos não apenas

onde alcança este enquadramento, mas muito além, horas de caminhada a pé por

estes trilhos hoje abandonados. Era costume caiçara andar a pé longos percursos e

quando em minha infância passávamos por ai, não estávamos sozinhos, mulheres,

homens e crianças também percorriam por lá, sempre atentos à aparição dos trens.

Estes que desde sua chegada o povo itanhaense, especialmente ás moças, como

contam os antigos, acenavam alegremente aos moços que se encontravam nos

trens. Levava escondido um batom para apresentarem-se belas, um longo sorriso, o

silêncio do encontro dos olhares... A despedida... Mais uma ilusão...

168

Fig. 55: Presença do Ausente II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012.

Na Figura 56 temos a imagem da ponte da linha do trem sobre o Rio

Itanhaém. A tomada da imagem foi feita numa pequena praia embaixo da ponte,

onde objetivei registrar imagens do estado da estrutura da ponte atualmente A

vertigem causada pela imagem consegue ilustrar o fato de a anterior ponte ter caído

numa manhã do ano de 1946. Atualmente apenas pescadores ousam permanecer

na ponte desativada devido ás inúmeras deteriorações de seus ferros oxidados.

Possuímos uma lenda local baseada neste fato, onde se acredita que um mero (um

grande peixe de doze metros de comprimento) vive nos vagões submersos no fundo

do Rio Itanhaém. A tranquilidade das águas aqui registrada é capaz de esconder um

grande mistério: há ou não um Mero em nosso Rio?

169

Fig. 56: Ponte enferrujada. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2011.

3.5.1: Linha férrea atualmente

A mesma praia, a mesma areia esbranquiçada

A mesma ponte enferrujada,

O mesmo rio pra atravessar

O mesmo mar, rugindo eternamente

Dando vida àquela gente

Dando pra depois tirar...

As mesmas pedras, noites tão enluaradas

O luar banhando as casas

Tudo como deixei lá...

Mas nisso que antes era alegria

Só encontro nostalgia

170

E motivos pra chorar

Pra chorar...

(Antônio Bruno Zwarg. Ponte enferrujada. In: Itanhaém, um mar de histórias. Itanhaém: expoente,

2008)

Atualmente, como tratei no capítulo anterior, a linha férrea encontra-se

desativada e bem do que isto: encontra-se abandonada. Foi com muito pesar que

realizei a série fotográfica da estação do Centro da cidade. A estação que outrora foi

local de encontros e despedidas hoje está abandonada, deteriorada e o local onde

ficavam alguns vagões, em frente à estação, está alojado um pequeno parque de

diversões. Dificilmente nota-se a linha férrea em meio ao matagal em que se

encontra. O espaço deserto da estação ainda guarda a presença silenciosa dos

antigos passageiros. (FIGURA 57)

Fig.57: Encontros e despedidas. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012.

Na Figura 58 vali-me de figuras de linguagem para compor minha mensagem.

Tal qual este simples carrossel que representa um círculo contínuo, sinto que a

defesa e manutenção de nossos Patrimônios Históricos possuem uma sucessão,

geralmente ininterrupta e infinita, de atitudes ou a falta dela por parte das

171

autoridades responsáveis que sempre resulta numa situação que parece sem saída,

desfavorável, principalmente para quem se vê capturado por esse tipo de relação,

nós, os moradores locais que, não apenas eu, mas tantos outros amam sua História,

desejando vê-la bem cuidada, preservada os lugares de nossa Memória. “Panis et

Circenses” (do latim “pão e circo”) não são suficientes a nós. Não nos distrairá das

mazelas ao nosso redor. Queremos cultura. E a defesa e manutenção da mesma.

Fig.58: Círculo Vicioso. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

3.6: Recortes da Vida cotidiana

Ah! Itanhaém que guardei comigo

Desde a primeira vez que te vi

Mar tão azul, areias douradas,

Conchinhas, quais tesouros escondidos

Que a gente, caminhando,

172

Por horas apanhava

E, com usura, trazia tão guardadas.

II

Ainda vejo tuas ruas tranquilas

Areia, só areia em toda parte

Nossos pés, em delícia, nela se moviam

Tudo era calmo, pressa não havia

E nossos sonhos, quase reais, viviam...

III

Mal sabia que aqui ficaria

Pra sempre, realizando o inacabado

Quero leva-lo e sei que isto consigo

Por onde for, Minh’ alma já liberta

Cada pedaço de ti irá comigo.

(Elza Cobra Soares. ITANHAÉM... In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)

Percorri minha terra passando invisível, para não perder a fluidez do tema.

Para registrar sem atrapalhar nada a vida em que lá pulsava. Captei diversos

flagrantes da vida cotidiana de Itanhaém neste período de meu processo de criação.

É difícil, se não impossível dissociar nossa vida cotidiana dos lugares

históricos encontrados no Centro da cidade e pelos bairros tradicionais, da praia e

do mar, bem como de nosso contínuo contato com a natureza, seja ela em mata

fechada, seja em cultivar árvores frutíferas em nossas ruas. Nossa vida está

pautada em todas estas áreas, por este motivo, selecionei em minha série, pessoas

anônimas e desconhecidas a mim, vivendo um fragmento de suas vidas em

harmonia a um destes lugares. Foram momentos fortuitos, onde não pedi

autorização para fotografá-los, apenas registrei, há casos em que pedi autorização,

como o grupo das varredoras de rua, da frente de trabalho, em que as retratei em

frente ao casario num dia de chuva intenso e frio, mas mesmo assim ainda são

173

anônimas, pois não lhes pedi seus nomes, quis apenas lhes conferir algum valor, já

que fotografar é atribuir valor. (SONTAG, 2006)

Fig. 59: “Fotografar é atribuir Valor”. Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012.

A Figura 59 mostra este grupo de varredoras de rua muito simpáticas,

limpando a Praça Carlos Botelho, centro, onde estão localizados os Casarios. Ao

posarem para o retrato, não se afastaram de seus instrumentos de trabalho, suas

vassouras, mas as manteram junto a si, com todo respeito e dignidade que se pode

ter por si mesmo.

Através do desenvolvimento de minha poética visual, baseei-me no

pensamento do fotógrafo Cartier-Bresson (2004), onde busquei fotos não

encenadas. Busquei registrar as pessoas de modo honesto e respeitoso. Em

nenhuma das imagens de retratos pedi para que fizessem tal pose ou posassem

perto de tal lugar. Simplesmente os registrava naquele momento em que os

encontrava, buscando captar a essência de cada um dos retratados. Busquei sentir

cada momento, cada local por onde passei para então poder registrar de modo

contextualizado, não algo vago, onde se tira a pessoa para captá-lo. Houve

174

espontaneidade tanto em meu registro, quanto no personagem captado, sempre

existindo o respeito por ele e por mim, enquanto fotógrafa.

Fig. 60: Unidos Foto de Thais Oliveira Silva.27. Dez. 2012

Na Figura 60 registra meu encontro com esta família na Praça do Suarão. Foi

um dia longo, um pouco cansativo, pois eu não estava ainda habituada a fotografar

em grande quantidade num mesmo dia, hábito este que fui galgando

paulatinamente, onde até tal encontro eu havia feito aproximadamente cento e

cinquenta fotografias do centro da cidade até este bairro e o belíssimo sorriso da

garotinha me cativou. Espontaneamente eles postaram-se de frente ao sol

vespertino, em que tal atitude resultou nesta sombra única, deixando a família ainda

mais unida, mais próxima.

175

Fig.61: Manhã Chuvosa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012

Numa manhã chuvosa e fria saí para registrar o cotidiano itanhaense. Na

imagem da Figura 61 está registrada a imagem de um morador que acaba de sair do

Supermercado, com sua sacolinha plástica cheia. A praça Narciso de Andrade neste

momento está deserta, tendo como único personagem apenas este homem sob o

calçadão úmido.

Na cena seguinte (FIGURA 62) há semelhanças e diferenças com a anterior.

São semelhantes apenas no sentido de ter apenas um único personagem, porém as

diferenças prevalecem. Na Figura 62 o personagem percebe que é fotografado,

porém não se incomoda, continua tranquilamente a varrer a frente de sua casa. O

chão está forrado de flores vermelhas e alaranjadas, é algo belo de se ver, pois há

uma profusão de cores nesta cena. O registro foi tomando numa tarde quente de

verão, onde até mesmo este intenso céu azul contribui para a coloração vívida desta

cena única que ocorre apenas durante o mês de Dezembro.

176

Fig.62: Chão Natalino. Foto de Thais Oliveira Silva.19. Dez. 2012

Na Figura 63 aparece um pescador exibindo seus mais novos troféus. Eu

estava também de bicicleta neste dia, meu objetivo não era de fotografar nada

naquele período do dia, tinha algumas obrigações a cumprir, mas tal imagem me

surpreendeu e me cativou. Este senhor ia calmamente atravessando diversos

bairros deixando em evidência seus dois belíssimos peixes. O céu claro deste dia

faz um belo contraste com a pele escura, curtida pelo sol deste homem. Ele estava

se deslocando não pelo meio fio, mas quase no meio da rua, nem por isso os

motoristas dos carros o repreenderam; foi como se todos os presentes naquele

percurso estivessem admirados e dando passagem ao cortejo caiçara, este que

mesmo hoje em dia vivendo tão distante do mar, não o abandona; seu velho amigo é

fiel a ele.

Para fotografá-lo, eu tive que correr na frente dele, para ter tempo de

encontrar a câmera dentro de minha bolsa e posicionar-me em frente à Praça

Ângelo Guerra, localizada no bairro Belas Artes, a fim de que a imagem não saísse

tremida se eu a tivesse feito em movimento, em cima de minha bicicleta. Quando

enfim chegou o vaidoso pescador, o registrei e ainda pude avistá-lo continuar seu

caminho satisfeito e orgulhoso de seu notável feito.

177

Fig.63: História de Pescador. Foto de Thais Oliveira Silva. 17. Dez. 2011

178

3.6.1: Todos te olham, quem te vê?

É preciso aproximar-se sigilosamente como um gato, mas ter o

olhar agudo, nada de atropelos, não fustiga-se a água antes de pescar.

(BRESSON, 2004, p. 19)

Fig. 64: Todos te olham, quem te vê? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012.

Na Figura 64 temos a imagem de um morador de rua dormindo na antiga

estação de trem de Itanhaém. O que me chamou atenção foi o local por ele

escolhido para ali pernoitar. O fotografei por volta das sete horas da manhã, com o

coração aos saltos, temerosa que ele acordasse e tivesse alguma reação violenta.

Ele está descansando já no final da antiga estação de trem, onde sua parede agora

está tomada pelo grafite. Do passado restou apenas a placa indicando a antiga

extensão do município: Suarão à Camboriú. O que me chamou atenção na cena são

os olhos ali representados no grafite, observando este homem ou então que os

olhos não são reais, estão fazendo parte de seus sonhos e pesadelos, onde tantos

olhares dirigem-se a ele, mas não o percebem devidamente. As bocas cheias de

dentes assustadores deste grafite também são um convite à denotação,

179

representando toda maldade e indiferença humana voraz por dilacerar e jogar à

exclusão mais uma alma.

Antes a estação era ponto de encontro... Era matar saudades, eram alegrias,

despedidas... Hoje? Bem... Apenas o esquecimento... Tanto do cenário, quanto dos

atuais personagens, os moradores de rua.

Em meus trilhares por Itanhaém vi diversos tipos de pessoas, cruzei por

muitas ruas; realmente vi muitos rostos. Porém alguns foram mais singulares, mais

intensos, os que mais me chamaram atenção: o rosto dos excluídos sociais, os ditos

moradores de rua. Os registrei em poucas imagens comparadas aos diversos

encontros que tive com eles por nossas ruas. A princípio do meu processo de

criação, a timidez dominou-me e não consegui fotografá-los. Foi a partir do mês de

Abril de 2012 em que alcancei tal amadurecimento.

Em Março de 2012 observei durante algum tempo esta senhora. Era uma

manhã fria e a vi saindo de uma padaria do centro com este saco de pão

amanhecido que muitas padarias locais doam durante as manhãs. Tive muita

timidez, travei-me ao fotografá-la de frente. Desejei, mas não consegui. Minha única

imagem obtida desta senhora é a Figura 65.

A condição climática deste dia, com a fina garoa que caía intensamente

proporcionou à imagem uma áurea singular, como se estivéssemos despertando

naquele momento, porém a imagem não pertence a um sonho bom. Não me refiro à

caridade do dono da padaria, pois isso é algo admirável, mas seria melhor se todos

tivessem condições financeiras para sustentaram-se.

São inúmeros. Todos os dias a população os olham. Mas, quem realmente os

vê? Onde ainda reside a sensibilidade e a empatia?

Na Figura 66, em Abril de 2012, consegui vencer minha timidez e focalizá-los

de frente, olhar em seus olhos, sentir suas reais tristezas. Estes dois homens de

diferentes idades estavam sentados em frente à Igreja Matriz de Santana. Não sei

quem são, de onde vieram, para onde pretendem ir. Quando os observamos,

sentimos sua baixa autoestima, um alto sentimento de exclusão, de não

pertencimento á nossa sociedade.

180

Fig.65: Pão Amanhecido também sustenta. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012

Fig.66: Malas prontas já ao amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

Costa (2005) nos informa a respeito deste processo de exclusão, apontando

suas raízes:

181

A globalização e o avanço tecnológico, que têm alcançado as diferentes

sociedades contemporâneas, têm gerado consequências negativas,

configuradas na reprodução de desigualdades sociais e na falta de

garantias sociais para grande parcela da população. Neste início do século,

constata-se que a civilização, ao longo dos anos, não foi capaz de constituir

um pacto que trouxesse melhorias sociais. A desigual distribuição de bens

sociais, a discriminação, o desrespeito às diferenças, a incerteza, a

involução de valores não são anomalias, mas constituintes do pensamento

globalizado e do processo econômico em curso. (COSTA, 2005, p. 02)

Hoje em dia, de acordo com Costa (2005), as melhorias econômicas ocorridas

em muitos países, já não apontam para a ampliação dos empregos, mas a

diminuição da força de trabalho e infelizmente são consideradas como parte do

progresso. Empregos, como antes eram compreendidos, não existem mais; “o

capital já se tornou a encarnação da flexibilidade. [...] Sem empregos, há pouco

espaço para a vida vivida como projeto, para planejamento de longo prazo e

esperanças de longo alcance”. (CASTEL apud COSTA, 2005, p. 03)

A fragilidade das massas e, de forma mais clara, a exclusão social de grupos

específicos são resultados da desagregação progressiva das proteções ligadas ao

mundo do trabalho. Consistem em processos de “desfiliação”, ou do

enfraquecimento dos suportes de sociabilidade.

Para Costa (2005, p. 02): “Essa tendência encontra terreno ainda mais fértil

nos países atingidos por fortes desigualdades sociais e por grande diferença nas

condições de vida da população. Ou ainda, em países, como o Brasil, em que não

houve uma efetiva constituição do estado de bem-estar social”.

Conforme BAUMAN apud COSTA (2005), em uma sociedade centrada no

consumo, como a que estamos inseridos, há “os jogadores”, “os jogadores

aspirantes” e “os jogadores incapacitados”, aqueles que não têm acesso à moeda

legal. Estes devem lançar mão dos recursos para eles disponíveis, sejam legalmente

reconhecidos ou não, ou optar por abandonar em definitivo o jogo.

182

Infelizmente, é esta a opção que resta àqueles denominados como

“sobrantes”, pessoas normais, mas inválidas, devido à decorrência das novas

exigências da competitividade, da concorrência e da redução de oportunidades e de

emprego, fatores que constituem a situação atual, na qual não há mais lugar para

todos na sociedade.

Nesse contexto, insere-se a população em situação de rua. Grupo

populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes

realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta e a

falta de pertencimento à sociedade formal. São homens, mulheres, jovens,

famílias inteiras, grupos, que têm em sua trajetória a referência de ter

realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de

suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas,

seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço afetivo, fazendo

com que aos poucos fossem perdendo a perspectiva de projeto de vida,

passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia.

(COSTA, 2005, p. 03)

Como podemos perceber com a explanação de Costa (2005), a exclusão

social, que passamos a conhecer, tem origens econômicas, mas caracteriza-se,

também, pela falta de pertencimento social, falta de perspectivas, dificuldade de

acesso à informação e perda de autoestima. Acarretam consequências na saúde

geral das pessoas, em especial a saúde mental, além de relacionar-se com o mundo

do tráfico de drogas.

183

Fig. 67: Qual o seu Trilhar? Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

Na Figura 67 focalizei apenas os pés de um morador de rua. Seus inúmeros

cortes e feridas em seus pés nos faz pensar em seu trilhar. Por onde ele andou? O

que o futuro lhe reserva?

Na Figura 68 temos a imagem do dono dos pés captados na Figura 67. Logo

pela manhã passei pelo local e o fotografei. Ele olhou para mim, aceitou ser

fotografado e fechou os olhos novamente, deveria estar muito cansado. Diferente de

tantos andarilhos que avisto pelas ruas, este não possuía nada. Trazia apenas a

roupa do corpo. Sempre o vejo na Alameda Emídio de Souza, local muito procurado

pelos pescadores, porém este homem está sempre alheio a tudo a seu redor,

apenas está lá.

As pessoas em situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas e

sapatos surrados, evidenciando a fragilidade da condição de moradia na rua; no

entanto, nos pertences que carregam, expressam sua individualidade e seu senso

estético. A perda de vínculos familiares, decorrente do desemprego, da violência, da

perda de algum ente querido, perda de autoestima, alcoolismo, envolvimento com

drogas, doença mental, entre outros fatores, é o principal motivo que leva as

pessoas a morarem nas ruas. São histórias de rupturas sucessivas e que, com muita

184

frequência, estão associadas ao uso de álcool e drogas, não só pela pessoa que

está na rua, mas pelos outros membros da família.

Fig.68: Por enquanto, este é meu lar... Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

É possível também encontrar na rua pessoas que há pouco chegaram às

grandes cidades e ainda não conseguiram emprego ou um local de moradia. Além

daqueles que possuem um trabalho ou subemprego, mas que seu ganho não é

suficiente para o sustento, então eles acabam vivendo nas ruas. Outras pessoas

sobrevivem nas ruas, como os catadores de resíduos recicláveis ou de outros

trabalhos eventuais, e acabam dormindo em albergues e abrigos, ou em algum

espaço na rua, diante da dificuldade de retorno para casa nas periferias distantes.

Há, ainda, os “andarilhos”, que se deslocam pelos bairros ou de cidade em cidade,

geralmente sozinhos, não se vinculando a nada. Referem simplesmente que estão

“no trecho”.

Os moradores de rua com que vemos diariamente em nosso caminhar estão

inseridos em algumas destas situações. Vivem num mundo em que não foi criado ou

escolhido pelas pessoas que vivem nas ruas, pelo menos inicialmente, mas para o

185

qual foram empurradas por circunstâncias alheias ao seu controle. Partilham,

contudo, do mesmo destino, o de sobreviver nas ruas e becos das cidades.

Não apenas morados de rua pude registrar neste período, mas também um

grupo singular de pessoas que essencialmente nos dias de feira livre, persistem em

locomoverem-se para cá. São os índios das aldeias do Rio Preto e do Rio Branco,

ambas afastadas de qualquer região habitada. Os registrei durante o dia 20 de Abril,

o qual eu fui visitar a feira livre do centro da cidade.

Em meu percurso, não os encontrei todos unidos, eles estavam espalhados

pela feira e assim, aos poucos pude recordar-me da presença constante destes em

feira livre, gravados em minha memória desde a infância e certamente há bem mais

tempos anteriores a ela.

Na Figura 69 está registrado meu primeiro encontro com algum deles. Logo

no início da Feira do Campão avistei este pequeno menino sentado no chão. Meu

olhar recaiu logo em seus pés e mãos, grossos, feridos. O registrei em diversas

tomadas e percebi que havia nele um misto de curiosidade e timidez durante as

captações. Fiz várias fotografias deste garoto, pois imaginei que seria apenas ele,

esqueci-me que nos dias de feira livre boa parte da comunidade das aldeias

indígenas está presente.

Na Figura 70, já no meio de meu percurso na Feira, encontrei-me com esta

simpática mulher e seu lindo bebê. O modo com que ela carregava seu filho, eu

considerei tão curioso, singular. Apesar do forte calor desta manhã que logo se

aproximava do meio dia, o bebê dormia tranquilamente envolto a estes panos.

186

Fig.69: Primeiro Encontro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

Fig.70: Mamãe Orgulhosa com seu Bebê. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

Afastados da Feira livre, encontrei este grupo de curumins sorridentes e

curiosos em frente ao antigo Mercado Municipal. De todos os encontros, estes

garotinhos mostraram-se mais curiosos, falantes. Postaram-se em diversas

posições, sorriam efusivamente para a câmera, tendo até mesmo um deles o ímpeto

187

de pedir a câmera para tentar fotografar também. Aprecio esta imagem, pois cada

um deles possui uma feição diferente, um olhar, um sorriso único.

Fig.71: Curumins. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

Porém a figura que mais me chamou atenção, sem sombra de dúvidas foi a

desta garotinha, em que vemos na Figura 72; este olhar é poderoso, foi pungente

pra mim, pois sei que estou de mãos atadas... Não posso ajudá-la em curto prazo...

A força que ele transmite é demais... É evidente a falta de cuidados e mimos à

indiazinha, em suas roupas grandes e surradas, em seus pezinhos descalços. A

garotinha estava entre o pai e a mãe... Os três estavam sentados no chão...

Vendendo Palmito, esperando doações... Doações? Não precisavam de doações...

Eles foram os que nos cederam esta bela terra... Espontaneamente? Receio que

não...

Esta série fotográfica eu ousei fazê-la a fim de lembrar a todo o momento à

sociedade desta presença muitas vezes não desejada, mas de uma forma ou de

outra existente. Quer a sociedade queira ou não. “Os “excluídos” estão lá, na

fratura de seu cotidiano, no cotidiano impossível em sociedades e situações em que

188

a repetição é a negação da reprodução e da possibilidade da vida cotidiana”.

(MARTINS, 2008, p.51)

Fig.72: Devolvam minha terra! Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

O que faz a força deste olhar é sua pureza, típico de um olhar de criança

combinado infelizmente com um olhar de adulto, de quem já viu muito e não

merece viver assim!...Como se fosse uma criança que cedo demais está a

desistir dos seus sonhos!... Tornando-se adulta ainda em criança!

Um olhar dirigido a nós adultos e que nos está perguntando: Por quê?...

Um retrato com o olhar mais intenso que já vi!

Mais uma vez parabéns Thais, quando uma foto consegue transmitir uma

emoção e mensagem tão forte, tudo o que diz respeito ao aspecto técnico é

bobagem!... E isso já vem do tempo dos primeiros mestres da fotografia!!!

Se uma foto só é bela pela sua "perfeição" técnica, depressa será

esquecida, uma foto como a sua nunca!

189

(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem

pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 07. Jun. 2012.

190

4: PERSISTENTE NATUREZA

Eram as duas árvores frondosas

Que guardavam a entrada da cidade

Eram seus galhos, asas verdejantes

A sombra amiga para a mocidade.

A passarada ali fazia ninhos

E a cigarra, o estrídulo final

E os pirilampos eram como estrelas

De uma eterna noite de natal.

Veio o progresso de cimento armado

E num instante um luzido machado

Deitou por terra uma árvore, a fim

De, coroando o êxito do asfalto

Fazer-lhe sepultura de capim.

Aves assustadas esvoaçaram

Parasitas bravias ao chão rolavam

Bordando de folhagem todo o chão

Uma só árvore ficou; mas tão saudosa

Como ferida em pleno coração

Gentes vieram, gentes que se foram

Sempre tiveram sua sombra. E agora

Emoldurado a vista da montanha

Só uma fecha o painel que a decora

Árvore amiga, diz a velha Igreja

Estou tão triste, pois te vi nascer

Numa saudade de sinos batendo

E a figueira, espetada e triste

191

Vai aos poucos caindo.., morrendo...

(Pedrinha. Figueira Velha. In: Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999)

Fig.73: A Velha Figueira e a Matriz. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012

Inicio a série fotográfica “persistente natureza” abordando as centenárias

árvores encontradas na Praça Narciso de Andrade, localizada no centro de

Itanhaém, onde estas persistem em ainda existir, em ainda nos proporcionar

qualidade de vida. Em toda a cidade pude localizar diversas árvores centenárias,

caracterizadas pelos seus tamanhos colossais, dissonantes das demais árvores que

as cercam. Na Figura 28 registrei o corredor entre a Igreja Matriz e a Velha figueira

num dia chuvoso de março. Ao centro percebemos o antigo calçamento de pedras

molhados pela fina garoa que insistia em cair naquela manhã. O tom nostálgico da

cena fez-me refletir a respeito das diversas árvores que havia na Praça, algumas

das quais me lembro de quando era criança e não estão mais lá e desta outra velha

figueira, em que a poetisa Pedrinha nos fala na década de cinquenta do século

passado.

Muitas mudanças ocorreram em nossa cidade. Diversas ruas sem

calçamento, apenas simples estradas de areia fina, hoje são belas avenidas,

192

diversas árvores que “atrapalhavam” o desenho da arquitetura urbana tombaram,

mas ainda há as sobreviventes, as belíssimas moradoras silenciosas desta minha

terra, que nos proporciona ar puro, sombra e moradias para também persistentes

animais selvagens, terrestres ou aéreos. Em que encontramos em cada uma de

nossas ruas e não apenas pontuadas aqui ou ali, mas em grande quantidade em

nossas matas.

De acordo com Ferreira (2008), devido ao fato de nossas terras pertencerem

à Mata Atlântica, uma vasta região de mata fechada que nos cerca, temos como

grande característica a umidade que provém dos encontros de diferentes massas de

ar e dos ventos que vêm do mar, carregados de vapor d'água. Em função do alto

grau de umidade, a vegetação se mantém verde durante todo o ano. A respeito da

luz encontrada nas matas, Ferreira (2008) explica:

Enquanto a água é abundante, a luz no interior da mata é escassa

provocando uma competição entre os vegetais. A busca de uma maior

exposição solar tem como resultado o desenvolvimento de árvores altas,

com copas ralas, que se unem formando um dossel (camada de folhagem

de uma mata composta pelo conjunto das copas das plantas mais altas).

(FERREIRA, 2008, p. 211)

Abaixo dessa cobertura vegetal contínua, adaptado a quantidades menores

de luz, encontra-se outro estrato que é formado por árvores menores e arbustos de

troncos finos e com copas densas. Próximo ao solo, em condições de baixa

luminosidade, temos uma formação de espécies de pequeno porte, plantas jovens e

sementes em germinação.

A competição pela luz entre plantas da mesma espécie é pouco comum, pois

possuem o mesmo grau de tolerância ao sombreamento. Mas entre espécies

diferentes, cujas necessidades luminosas são desiguais, a disputa é muito evidente.

Quando uma planta está disputando uma posição no dossel, frequentemente perde

as folhas. Essa característica, de acordo com Ferreira (2008), permite ao vegetal

193

deslocar todo o gasto de energia que teve em função do crescimento do caule, a fim

de conseguir um espaço ótimo.

As trepadeiras ou lianas, apesar de retirarem nutrientes do solo, prendem-se

aos troncos das árvores através de espinhos, gavinhas ou raízes fixadoras,

chegando a alcançar o dossel. Essa estratégia de crescimento é uma maneira de

atingir os pontos mais altos da floresta.

Como a cobertura absorve a maior parcela dos raios solares, deixando passar

pouca luz, cria-se ao nível do solo um ambiente escuro, pouco ventilado e

constantemente úmido. Essas condições são inadequadas ao desenvolvimento de

muitas espécies vegetais, porém são ideais a musgos e a algumas samambaias,

que precisam de muita água. Abaixo de tantas plantas, entende-se um leito de

folhas depositadas numa chuva leve e permanente de formas e cores. Com elas

chegam ao solo o resto de nutrientes que as árvores não conseguiram extrair das

folhas. No processo de decomposição os minerais vão sendo lentamente devolvidos

ao solo e às raízes para contribuir na formação de novas folhas. Colaborando deste

processo, encontramos no chão da mata um infindável número de fungos.

Fig. 74: Um momento único: banho de luz! Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012

194

Diversas vezes fui às trilhas do Morro do Sapucaetava a fim de registrar o

chão das matas para comprovar estes dados e realmente a luz é bem escassa no

local, dificultando até mesmo a captação com qualidade ali.

Na Figura 74 observamos uma parte da raiz de uma árvore nativa sendo

ocupada por dois fungos, recebendo um pequeno e passageiro raio de luz do sol do

meio dia.

Para Sapienza (2006, p. 07):

Olhar de perto que não é olhar-relâmpago, nem olhar sorrateiro. É olhar

contemplativo que procura (e encontra) o esplendor do ínfimo, nas

maravilhas que se escondem no interior do mundo dos insetos, das flores e

dos detalhes praticamente invisíveis ao olho nu.

Para obter esta imagem não utilizei as lentes especiais da macrofotografia,

que de acordo com Sapienza (2006) só é possível com o auxílio de tais instrumentos

para que detalhes difíceis ou até mesmo impossíveis aos nossos olhos sejam vistos

na imagem fotográfica. O que fiz apenas foi a de me inclinar sob o chão coberto de

folhas úmidas e registrar pequenas, mas maravilhosas sutilizas que geralmente

passam despercebidas por muita gente.

Como iniciei minhas imagens fotográficas sobre minha cidade no mês de

Dezembro, pude acompanhar uma das mais belíssimas composições da natureza

deste mês: o Flamboyant, belíssima árvore ornamental com sua floração vermelha,

que com o passar do mês de Dezembro, mais se caem suas folhas, ficando apenas

em evidência seu intenso vermelho. Em diversas ruas itanhaenses eu as encontre e

registrei durante este mês, pois, assim que Janeiro se anunciou, suas flores

começaram a cair, como se fossem apenas ornamentos natalinos.

Na Figura 75 registrei apenas parte de seus floridos galhos sob um intenso

céu azul.

Mês de Dezembro

os “flamboyants” florescem

195

as ruas todas se aquecem

com um colorido todo especial

laranja, vermelho

verde claro, verde escuro

um brilho de natal.

A cidade parece estar em festa

Atraem olhares, despertam admiração

primorosos, coloridos

de exuberantes matizes

os flamboyants da minha cidade

são pedaços de saudade

espalhadas pelo chão.

Quase em todas as ruas têm

um flamboyant florindo

minha rua tem um lindo também

vendo-os, acredito com certeza

que são um presente da natureza

para deixar mais bonita e acolhedora

minha cidade Itanhaém...

(Nicoletta Brugnoli Bouças. Os “flamboyants” de Itanhaém. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso.

Itanhaém, 1997)

196

Fig. 75: Flamboyant natalino. Foto: Thais Oliveira Silva. 02. Dez. 2011

Na Figura 76 captei esta bela imagem por acaso. Eu e o Bruno, meu

namorado, estávamos voltando de uma série fotográfica na Boca da Barra, eu já

estava cansada, com a câmera guardada, pois já estava anoitecendo e minha

câmera compacta não administra bem as imagens tomadas em baixa luminosidade.

Esta árvore encontra-se ao lado da Ponte Sertório Domiciliano, no início da Alameda

Emídio de Souza e o Bruno estava a um tempo observando a revoada de diversas

Andorinhas à procura de um abrigo para dormir ao anoitecer. Ele me indicou a olhar

para cima e enfim ver esta delicada cena. O bando de Andorinhas encontrou esta

árvore desfolhada e já estavam dormindo sossegadamente. Fiz várias tomadas

desta árvore, fui feliz com a luz, que diferente de minhas expectativas ainda estava

favorável, buscando diversos ângulos, mas buscando mover-me silenciosamente em

respeito ao descanso dos pequeninos, cantando baixinho algum acalanto para eles.

A partir do conselho do Bruno, passei a observar a copa das árvores com

mais atenção, buscando encontrar momentos únicos ou até mesmo registrar a

beleza singular de cada árvore, o belo desenho de seus galhos harmonizando-se ao

restante da cena.

197

Fig.76: Acalanto pra Você. Foto de Thais Oliveira Silva. 11. Jan. 2012

Na Figura 77 registrei a bela copa desta árvore na Praça Benedito Calixto.

Optei pelo tom monocromático a fim de enfatizar as formas sinuosas desta árvore

centenária, a qual é totalmente coberta pelas trepadeiras, também ansiosas por um

lugar ao sol.

198

Fig.77: Sinuosas formas de uma árvore. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

Fig.78: Um Gesto de Amor. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012

A árvore localizada à esquerda da Figura 78 eternizou seu mais belo e nobre

gesto. Ao ver sua companheira mais velha e fraca vacilar e tencionar a tombar, esta

desenvolve galhos como se fossem braços e a acolhe a si, envolvendo tais galhos

pelo frágil corpo de sua companheira, segurando-a a fim de evitar sua queda. Um

199

nobre gesto de empatia que inúmeras vezes alguns seres humanos não são

capazes de demonstrar.

Leitor, já teve a vontade de ir até o final de uma estrada apenas por

curiosidade? Eu sim. Numa manhã de janeiro rumei de bicicleta para conhecer o

final de uma estrada em que sempre a utilizei. É a estrada Coronel Joaquim Branco,

que se inicia próximo ao bairro do Savoy, onde residi por muito tempo e se estende

até a Fazenda Mambu, originária da década de trinta, quando a plantação de

banana aqui estava em alta. (CALDAS, 2011). Percorri um espaço geográfico da

cidade muito amplo, apenas motivada pela curiosidade e pelo desejo de registrar a

Mata Atlântica satisfatoriamente preservada ao redor desta estrada que corta muitos

bairros rurais de Itanhaém. Finalmente ao chegar ao tão sonhado final da estrada,

deparo-me com uma das cenas mais impressionantes e belas da cidade. A beleza

do lugar, a solitude que me inspirava a todo momento, o ar puro a meu redor, tudo,

contribuiu para a beleza da Figura 79.

Havia um conjunto de árvores nativas à beira da estradinha que se findava

compondo um momento único: uma delas estava prestes a cair, mas certamente isto

não ocorrerá, pois as demais a estavam segurando, seus galhos já estavam

interligados e ela continua viva, pois suas raízes conseguiram novamente encontrar

o solo. As antigas ramificações de suas raízes ainda estão expostas, as lá no interior

da terra ela conseguiu fixar-se. Conversei com os colonos da Fazenda Mambu e

eles me disseram que ela já está assim há mais de quinze anos. Não apenas

poemas dão vida e sentimentos humanos às árvores, elas mesmas ousam em

comportarem solidariamente umas com as outras. O que torna curiosa a Figura 79,

certamente é o fato de a imagem estar inclinada há a troca de papéis. A única árvore

inclinada, prestes a cair, neste enquadramento agora é a única ereta, com o mundo

em sua volta inclinado.

200

Fig. 79: Segurem-me, companheiras minhas! Foto de Thais Oliveira. 12. Jan. 2012

4.1: A arte em defesa do meio ambiente

Para o fotógrafo canadense Gregory Colbert , que fotografa

momentos de perfeita harmonia entre os animais e os homens em

países como a Índia, o Sri Lanka e a Namíbia: “A natureza é um

poema, e nós, homens, com nossa arrogância, temos de parar de

pensar que somos a parte mais importante dela – somos apenas uma

sílaba”. (TINOCO, 2006, p. 12)

Um dos expoentes na fotografia da natureza daqui do Brasil, sem sombra de

dúvidas é o santista Araquém Alcântara.

Araquém Alcântara (1951) sobre sua criação diz: “A fotografia pra mim é um

caminho de autoconhecimento. Ela é uma ponte para que eu esteja em sintonia com

o universo. Proporciona-me o encontro, às vezes quase místico. É o encontro com a

beleza”. (TINOCO, 2006, p. 05)

201

O fotógrafo fala que não foi uma opção sua a de fotografar a natureza, foi um

chamado da mesma. Sua vontade de preservação o leva a denunciar os maus-tratos

com a natureza, primeiramente em seu lugar de morada, a cidade de Santos, e

depois em diferentes lugares por todo o Brasil.

Engajado na causa da preservação da natureza, de acordo com Tinoco

(2006), é um dos precursores da fotografia ecológica no Brasil, atuando nesse

campo já no início dos anos setenta. Como outros fotógrafos de natureza, Araquém

fica por dias pacientemente na mata para conseguir uma imagem.

... a fotografia de ecologia, a fotografia de natureza. Cresce a cada dia o

número de adeptos, consequentemente vai crescer o mercado. Todo

fotógrafo de natureza é um conservacionista. Ele luta para a preservação

daquele meio que ele fotografa. Então é interessante que hoje em dia estão

surgindo fotógrafos que são anjos da guarda de determinados santuários.

Eles fotografam aqueles lugares, moram próximo àqueles lugares e atuam

nessa comunidade para a defesa desse espaço. (ALCÂNTARA apud

TINOCO, 2006, p.7)

Muitos fotógrafos pioneiros do Brasil preocupam-se com a questão da

preservação da natureza, utilizando a vocação natural da fotografia para

documentar, exaltar e denunciar. “A expansão da consciência ecológica está

registrada na história da fotografia que cria um repertório visual de enorme valor

documental”. (TINOCO, 2006, p.7)

Para o autor, os primeiros registros naturalísticos da terra do Brasil sejam

aqueles produzidos pelos pintores e desenhistas da comitiva de artistas que, entre

1636 e 1645, período de ocupação dos holandeses no nordeste, permanecem no

Brasil contratados pelo então governador Maurício de Nassau (1604 – 1679). Nessa

produção, destacam-se as paisagens que retratam vistas panorâmicas, portos e

fortificações de Frans Post (1612 - 1680), e os tipos etnográficos e exóticos de Albert

Eckhout (1610 - 1665 )

Posteriormente, no século 19, artistas estrangeiros da missão artística

francesa e os naturalistas visitantes integrantes das expedições científicas,

202

deslumbrados pelo cenário tropical, elaboram paisagens, marinhas e cenas

de costume, sobretudo do Rio de Janeiro, documentando com detalhes

aspectos pitorescos da vida brasileira. (TINOCO, 2006, p.8)

Os fotógrafos estrangeiros começam a chegar ao Brasil a partir de 1850,

estimulados pelo imperador D.Pedro II (1825 – 1891), para realizarem um grande

levantamento paisagístico no Brasil. Destaca-se como o mais importante fotógrafo

brasileiro do século 19, Marc Ferrez (1843 - 1923), carioca de origem francesa.

Fotógrafo da Marinha Imperial e da Comissão Geográfica e Geológica do Império,

Ferrez se especializa na produção de vistas e paisagens, tanto urbanas, quanto da

natureza, tendo percorrido o Brasil a serviço de diversas instituições.

Tinoco (2006), a respeito da condição do fotógrafo de natureza, declara:

Todo fotógrafo de natureza tem como um de seus objetivos a preservação

do local que ele escolhe como temática. Na realidade, ele é um ecologista

por princípio. Ao entrar na mata, pensa e age de forma a não agredir. Por

isso, espera pela melhor hora, pela iluminação perfeita, pelo encontro

contemplativo daquilo que deseja eternizar. (TINOCO, 2006, p. 10)

A riqueza da fauna e flora brasileiras, a exuberância de nossas florestas,

aclamadas até no hino nacional, representam concretamente um rico patrimônio

natural ainda em risco pela presença ameaçadora e devastadora do homem.

São as fotografias de Araquém Alcântara e de outros fotógrafos que nos

revelam a diversidade das formas de vida que habitam os brasis, segundo Tinoco

(2006), para nos lembrar dos laços ecológicos e evolutivos que nos ligam aos

demais integrantes da biosfera. Fotograma a fotograma captado.

203

4.1.2: O Grande “Gnomo” da Juréia

Onde andará

O pequeno grande homem

Que defende a mata e os bichinhos?

Estará atrás das árvores

Ou nadando no Rio Preto

Conversando com as águas

Brincando com passarinho?

Todos o olham, poucos o vêm

Pois é preciso alma livre

Pra ver tão verde menino

Em seu nobre caminho

Não lhe falta a coragem

Pra enfrentar grandes batalhas

Está sempre atormentando

Aquele que lhe atrapalha

Amado pelas crianças

As grandes e as pequeninas

Tem nestas os seus amigos

Que não lhe negam abrigo

204

Gnomo franzino e forte

Não pense que está sozinho

Espalhados em outras matas

Existem muitos verdinhos

Cada um na sua floresta

Defendendo seu ideal

Sonhando um mundo melhor

O que não é utopia

Apenas tão natural

Protegida a Juréia

Ainda há muito que fazer

Pois na sua odisseia

Não é bom esmorecer

Vá em frente gnomo amigo

Não se importe com o inimigo

Está sempre em toda parte;

A vida é sua arte!

Os golpes duros são provas

Da força mais que divina

É o vento forte no ramo

Que enverga, depois empina

205

Continue sua luta santa

Ela não será em vão

Cuide do corpo, morada da alma

Pra poder mostrar com calma

O que muitos inda verão...

Ao Ernesto Zwarg Júnior, De sua filha Maricéa

(Maricéa Zwarg. O gnomo da Juréia. In: Em Conceição de Itanhaém, tem! Itanhaém, 1999)

O amor pela natureza e a preservação dela sempre foi um das grandes lutas

do itanhaense Ernesto Zwarg (1925 – 2009). O cheiro de mar, o seu som e a sua

intensidade estão presentes nos nomes de todos os seus filhos que estão cheios de

mar: Marcelo, Marati, Maricéia, Itamar e Márcio. (FERREIRA, 2008).

Ele foi pioneiro no Brasil e líder do Movimento que combate às usinas

nucleares, sendo a primeira voz a se levantar em defesa da Juréia (Peruíbe – SP),

obtendo o tombamento da Estação Ecológica Juréia-Itatins em julho de 1986. Se

não fosse por ele e movimentos como o do SOS Mata Atlântica, uma das maiores

áreas contínuas dos 7% da Mata Atlântica que ainda restam seriam abrigo de usinas

nucleares. Percebendo que o projeto das usinas estava para se concretizar, realizou

um Foro Ecológico nas Ruínas do Abarebebê, em Peruíbe. Muita gente compareceu

inclusive autoridades nacionais e internacionais. O professor expôs os problemas

que trariam as usinas e conseguiu impedir a construção delas pela Nuclebrás.

Lutador, não poupou esforços para defender a natureza e suas belezas não

se de Itanhaém. Vestido de pirata, Zwarg alugou um barco e com autoridades e

simpatizantes a bordo montou uma cena teatral conseguindo devolver as praias aos

banhistas de Cananéia. Temos a grande luta de Zwarg na luta pela preservação do

morro Sapucaetava e se não fosse por ele, a nossa Praia do Sonho estaria repleta

206

de edifícios projetados sem rede de esgoto; é dele o mérito de ter ganhado a

primeira ação popular do mundo contra prédios. (FERREIRA, 2008)

Ernesto é um andarilho por natureza, organizando caminhadas pela Juréia foi

contagiando e despertando o amor pelo “chão” de muitas pessoas que se juntavam

a ele – eram amigos, alunos, ex-alunos, curiosos, estudantes universitários e

jornalistas. Zwarg nos orienta: “(...) sem paisagem, o homem é agredido. Todo ser

humano sofre, sendo contido. Sofre claustrofobia, porque nasceu nômade, nasceu

para ver horizontes, e não para viver preso em concreto. Sofre de stress, e não sabe

que a sua origem está na privação da paisagem.” (FERREIRA, 2008, p. 115)

Como andarilho, vindo de cá para lá nas suas andanças era recebido com

carinho pelo povo caiçara, povo simples e hospitaleiro. O comportamento afável e

carinhoso até com os estranhos que são sempre bem recebidos nas casas caiçaras

partilhando do que comer serviu de inspiração para que Zwarg criasse essa música:

(Indo a pé pra Iguape)

... nóis tamo indo pra Iguape,

nóis tamo indo a pé,

na casa do caiçara nóis vamo pedi café...

Pois é!

Lá no Grajaúna

Na ilha da Esperança

Na praia do Rio Verde

A maré tava baixando

Subindo - baixando

Subindo - baixando

Subindo – baixando

207

... nóis tamo indo pra Iguape,

(...)

Eu vou dançar fandango

Em Uma do prelado

Siri anda de costa

Ou será que anda de lado

De costa – de lado

De costa – de lado

De costa – de lado

...nóis tamo indo pra Iguape,

(...)

A beleza da Juréia

Há nada se compara

Vou descansar meu corpo

Na barra do Icapara

Anda – para

Anda – para

Anda – para

(...)

(Ernesto Zwarg. Indo pra Iguape. In: Itanhaém, um mar de Histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)

208

4.2: Amazônia Paulista

Rio Itanhaém!

Nasceste da junção de dois rios

Branco e Preto.

Vieste vindo vagarosamente

complementando a beleza da natureza...

Enveredaste por caminhos da Mata Atlântica,

pelos mangues, num sem fim de águas... natural

desta terra secular!

Levas a alegria, a recreação e o alimento

por onde passas...

És a beleza e o orgulho

desta terra bendita

pois, dela herdaste o nome!

(Cely Aparecida Faria Spina. Rio Itanhaém. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)

A Baia do Rio Ribeira de Iguape e o Litoral Sul compõem a região dos

Estados de São Paulo e Paraná mais privilegiada pelas belezas que a natureza

pode oferecer. (FERREIRA, 2008)

Ao redor da nossa cidade há uma vasta porção de Mata Atlântica que pode

ser vista por terra e água. São cerca de 2000 km de rios (entre navegáveis, não

navegáveis) Os rios que nascem na serra vão “correndo” com velocidade

percorrendo caminhos de pedras. São borbulhantes e barulhentos e às vezes

formam cachoeiras e quedas, mas quando chegam à baixada, os rios ficam

silenciosos. Vão deslizando devagarinho pelo meio da mata e a transformação

acontece também com sua cor – é mais escura por causa da grande quantidade de

matéria vegetal que se decompõe na água, por isso o fundo dos rios pode ser

lodoso.

Itanhaém antigamente era praticamente uma população ribeirinha. O Rio

sempre foi seu principal veículo. Pelas duas margens do rio: Suarão, a Vila, O Bairro

209

do Poço, Camboriú, O Bairro do Rio Acima, essa gente vinha para as festas da “Vila”

com suas embarcações chegando a cidade no raiar do dia. Todas as famílias tinham

as suas canoas naquele tempo. (FERREIRA, 2008)

Fig.80: Rio Branco. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012

O Rio Branco é um dos afluentes principais do Rio Itanhaém. Ele também é

nosso responsável pelo abastecimento de água potável para a cidade. Branco

(2005) nos descreve o Rio Branco com suas águas claras, pois descem das

cachoeiras da Serra do Mar, onde nosso município faz divisa com São Paulo e São

Vicente, margeando a aldeia dos índios Guarani. O Rio Branco é um dos principais

formadores do Rio Itanhaém. Ele banha terras agrícolas produtoras de banana onde

antes imperavam os arrozais japoneses. De acordo com Branco (2005), os mais

antigos contam que este é um rio de poços profundos onde se escondem os

grandes robalos. “Quando o caiçara abandonou a linha da praia pela pressão

imobiliária foi se refugiar nessas terras, vivendo em sítios de encosta, trabalhando

de assalariado agrícola, cultivando de tudo um pouco.” (BRANCO, 2005, p.81) A

Figura 80 é uma tomada do Rio Branco quando este passa pela Fazenda Mambu, a

qual ao ser redor possui uma bela porção da Mata Atlântica preservada,

surpreendente em cada detalhe. Num dia de céu límpido pude fotografá-lo e

210

eternizar seu belo espelho d`água que tenho guardado em minha mente desde a

infância, quando íamos aos sítios próximos à Fazenda Mambu visitar amigos. Suas

límpidas e gélidas águas, sempre puras e frescas jamais sairão de minhas

lembranças.

Já o Rio Preto, outro afluente do Rio Itanhaém nasce na região das lamas

negras cujos componentes orgânicos são hidratantes naturais. Suas águas são as

responsáveis pelo tom cinzento do mar de Itanhaém quando baixa a maré. A Figura

81 mostra-nos uma porção do Rio em contato com a grande floresta retorcida, os

manguezais, os quais proporcionam a diversidade e riqueza biológica lá existente. A

ondulação das águas captado nesta imagem é devido aos motores dos dois barcos

que participaram da procissão pelo rio rumo ao bairro do Rio Acima, para celebrar a

Festa do Divino.

Em contato com o mar e localizadas onde o rio se expande encontramos

nosso manguezal com suas águas salobras que é inundada pela maré duas vezes

ao dia. Neste local se desenvolve uma vegetação típica do litoral: são bosques de

árvores retorcidas que crescem em terreno de solo negro e lamacento. (FIGURA 82)

Fig.81: Floresta Retorcida. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012

211

Fig.82: Rio Preto. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012

Já o Rio Itanhaém, formado pelo encontro do Rio Preto e Rio Branco,

atravessa a cidade e seu maior atrativo é o encontro das águas com o mar, que

chamamos “Boca da Barra”. No local há duas esculturas representando dois

pescadores locais já falecidos, os quais estão representando suas antigas

atividades: um está numa canoa e o outro, segurando sua rede artesanal. Ambos

foram esculpidos por Ronaldo Lopes (1953), artista plástico local.

O pescador representado na canoa chamava-se Paulo Leandro de Lima

(1915 – 2001), mas era conhecido por seu apelido “Pica-pau”. Natural de Iguape

buscou seu sustento e o de sua família nas águas do Rio Itanhaém, em sua piroga

(pequena canoa de origem indígena) através da pesca artesanal com suas redes e

cercos através do Rio.

Busquei na Figura 83 representar o momento decisivo de um pescador

artesanal: a alvorada, aonde este vai ao encontro de seu grande provedor: o Rio. Os

tons dourados do nascer do sol neste instante proporcionou a imagem um toque

etéreo, onde o Rio e Céu fundem-se, comungam da mesma riqueza de cores e

luzes. O fotógrafo português João Evangelista, a respeito desta imagem declara:

212

Com o enquadramento mais fechado, o olhar se concentra naturalmente

mais sobre a figura do homem!...E como na foto anterior o facto de ele

navegar em terra deu um toque especial à sua foto!...Bem visto a integração

da estátua na paisagem circundante, pois muitos teriam captado só a

escultura como sendo uma curiosidade local!!!!!...Uma simples atracção

turística!!!....A palmeira e a colina no lado oposto fecham visualmente a foto

o que ajuda a concentrar melhor o olhar do observador na área de mais

interesse da imagem!!!

Aqui também você soube captar a transição entre o mundo das sombras e o

mundo da luz, com o espelho do rio como que fazendo a ligação entre os

dois!!!!

Bem visto e parabéns Thais!!!

PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem

pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 30. Jun. 2012.

Fig.83: Amanhecer sob a Boca da Barra. Foto de Thais Oliveira Silva.01. Abr. 2012

Na Figura 84 busquei concretizar algo que eu havia tentado diversas vezes

quando iniciei minha poética visual, em Dezembro de 2011: captar a estátua do

213

“Pica-pau” com o rio ao fundo, de modo que desse a impressão de que a mesma

estivesse sob as águas do rio, rumo ao Rio Itanhaém. Porém, apenas em Julho de

2012 obtive uma imagem satisfatória a mim, pois neste dia, além da experiência

adquirida nestes meses percorridos, também me foi favorável à condição climática

deste dia, um belíssimo tom de azul tomou conta de nosso céu, de nossas águas.

Infelizmente o que vemos nesta estátua não é nada admirável: se repararmos

atentamente nas mãos dele, nós percebemos que está faltando seus dedos, obra de

algum vândalo.

Ao conversar com o escultor local, Ronaldo Lopes (1953-), percebi sua

tristeza ao mencionar o fato da depredação de suas obras. Esta estátua que vemos

é a segunda produção do artista, já que a primeira encontra-se em seu atelier,

destruída por baderneiros que, provavelmente acreditaram que eram feiras de

bronze puro e quiseram vender suas partes, porém, ao questionar o artista sobre

seu processo de criação, suas estátuas têm estruturas de ferro, e são de resina,

pontadas posteriormente de tinta spray bronzeadas. Não há nada do tão desejado

bronze, metal que se cair em certas mãos apenas será vendido em ferros velhos,

sem a simples reflexão da validade da obra artística para a população em geral. É

necessária a difusão da Educação Patrimonial, o sentido de pertencimento à

sociedade, o interesse e reconhecimento pela nossa cultura. Quando isto acontecer

não haverá mais tanto desrespeito e desconhecimento por suas origens.

Na Figura 85, temos outra escultura de Ronaldo Lopes, a qual foi depredada

também em suas mãos, as quais estão segurando, desde então precariamente, sua

rede artesanal.

A escultura representa o antigo pescador artesanal José Rodrigues (1914 –

2002), conhecido como Zeca Poitena. Registrei a Figura 85 a manhã de um dia

ensolarado. As sombras alongadas á direita indicam que o sol ainda está

levantando-se, proporcionando a cena luzes pontuadas, onde, entre outros

elementos da cena, as pernas da escultura neste momento estão recebendo mais

luz do que seu tronco e membros superiores. Assim como o pescador “Pica-pau”,

Zeca Poitena também levava sua vida em harmonia com este local, como todo

caiçara possuía sua pele retorcida pelo sol, pela maresia do ar e da água, tendo

214

infinita sabedoria caiçara, a qual permitia a estes homens simples conhecerem tão

bem nossas águas, analisar as condições de pesca através das fases lunares, do

movimento das nuvens, dos pássaros e da ressaca do mar.

Fig.84: Navegando Eternamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Jul. 2012

Fig.85: O Rio lhes dava seu suprimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012

215

Quando desenvolvemos harmonia com o local em que vivemos, elevamo-nos,

tornamo-nos melhores do que éramos ou podíamos ser, a natureza é sábia, se

dermos atenção a ela, sempre teremos valiosíssimas lições a tirar.

Minha grande paixão sempre foi observar o espelho d` água, meu querido Rio

Itanhaém é um grande prazer, sentir a mudança do céu, acinzentado em dias

nublados e chuvosos, e saborear o intenso azul de um céu límpido. Tudo sempre

refletido em nossas águas.

Em Janeiro de 2012, observei o quanto as águas do Rio Itanhaém estavam

tranquilas, suaves, por este motivo, pude registrar no dia três deste mês, a imagem

da Figura 86, a qual só se é possível tão espelho d`água quando as águas estão

estáticas, como estavam neste dia. Seu percurso entre o mangue é de perder de

vista. A captação foi tomada do alto da ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega.

Fig.86: Espelho d`água. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2011.

Já a Figura 87 tem a imagem das águas turbulentas devido à aproximação do

mar, pois estamos na Boca da Barra, centro de Itanhaém, encontros das águas

doces e salgadas, e também pela ondulação causada por esta embarcação que está

216

rumando ao mar pela manhã, movimento este seguido por inúmeras embarcações, a

motor ou não ao mar pela manhã, em que pude observar durante meus trilhares.

Aqui funciona bem este tipo de enquadramento, com o barco bem no centro

como que para servir de ponto de apoio a quem fica estonteado com esta

inclinação!

Bem visto Thais e navegando tão perto da praia, parece que o barco está

navegando na fronteira entre o mundo terreno sempre imóvel e estático e o

mundo espiritual representado pela água em constante movimento e cujos

reflexos são tão efémeros como um piscar de olhos!...São sempre

diferentes e por isso acaba por acontecer muitos mais que na paisagem lá

ao fundo!...Basta ficar olhando!

Parabéns Thais!!!

(IPEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem

pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em: 12. Abr. 2012)

Fig.87: Rumo ao Mar aberto. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012

217

4.2.1: Pescadores Remanescentes caiçaras

Para o caiçara o rio é tudo – é a principal estrada por onde ele

navega, é o caminho que leva ao porto, à vila mais próxima ou ao mar

quando é preciso jogar uma rede; pelo rio eu os visitantes chegam e se vão,

as lembranças e as notícias, as saudades. O caiçara vive no rio e do rio.

(BRANCO, 2005, p. 83)

Anteriormente tratamos a respeito de dois pescadores caiçaras, os quais

foram eternizados em esculturas na beira da Boca da Barra. Entretanto há tantos

outros espalhados pela cidade, pescadores que herdaram costumes e técnicas de

outrora, técnicas centenárias através de nossos rios e nossas praias.

A faixa de areia que se estende do Boqueirão (Praia Grande) a Itanhaém,

com seus ininterruptos quarenta quilômetros até desembocar no Rio Itanhaém é

denominada Praia Grande. Segundo as descrições de Branco (2005), é uma

extensa praia de mar aberto, onde não existem baías, recôncavos, costões rochosos

ou qualquer proteção contra o vento e as marés. Neste ambiente, segundo Branco

(2005), originaram-se as primeiras comunidades caiçaras de Itanhaém. Estas que

seus pescadores eram do mar e do rio, vivendo atrás de suas dunas, alimentando-

se do que o jundu e a restinga forneciam, lutando contra a arrebentação e a forte

correnteza do canal que dificulta, ainda hoje, a saída das embarcações ao mar. Há

pesca no mar, com o auxílio das redes, próxima da rebentação, mas o nosso mar

não é tão “produtivo como aquele das mansas baías do litoral norte.” (BRANCO,

2005, p. 31).

No município de Itanhaém temos relatos de comunidades caiçaras

construídas tanto em praias de mar aberto como em praias de rio: o acesso

às águas estivera sempre garantido. Até metade do século XX algumas

poucas famílias caiçaras residiam na Praia Itaquanduva (hoje Praia da

Saudade), no sopé do Morro Sapucaetava. Este local é uma praia de rio, na

desembocadura do Rio Itanhaém.

218

A comunidade itanhaense se espalhava em aglomerados esparsos, pelas

duas margens do rio: Suarão, O Bairro do Poço, Camboriú, O Bairro do Rio

Acima. Na Vila dos caiçaras, preferencialmente fixavam suas residências no

caminho do Guaraú e próximo ao Porto do Baixio. Ainda hoje estes portos

são ativos, locais de residência e venda de peixe fresco. (BRANCO, 2005,

p. 32)

No Bairro do Rio Acima está localizada e preservada uma das mais antigas

comunidades caiçaras de Itanhaém.

De acordo com Branco (2005), o mar do litoral sul é aberto, de amplas praias

com ressaca forte, não sendo tão receptivo nem tão aconchegante para os caiçaras

quanto as baías do litoral norte. Neste mar aberto, onde o canal predomina e as

correntezas puxam para o largo, muito além da arrebentação, o caiçara pescador

sempre teve dificuldade em avançar. Estes homens, descendentes dos destemidos

navegantes lusitanos e como bons indígenas que são, preferem ficar mais perto da

costa, na segurança da terra firme.

Tanto no rio, quanto no mar a pesca se fazia com o auxílio da canoa de um

pau só, embarcação instável, porém valente ao enfrentar o mar bravio. A técnica de

construção destas canoas originou-se de duas vertentes: a indígena, onde se utiliza

apenas um único tronco em que é entalhada a canoa e o aperfeiçoamento vindo das

noções portuguesas em construção naval.

Branco (2005) observa que este tipo de embarcação não é adequado para o

mar forte, pois não possui quilha, sendo mais indicada para as águas tranquilas do

rio, onde mantém um vogar suave. Ainda hoje os pescadores locais a utilizam,

porém foi-lhe acrescida uma ampla borda talhada e de meia quilha falsa que, com o

auxílio do motor central, fazem toda a pesca artesanal no litoral sul paulista.

O motor central foi incorporado à canoa por volta de 1940 e 1950 para então

conseguir sobreviver à nova lei de mercado – era preciso pescar cada vez mais,

muito mais além do que a comunidade precisava. Assim, as canoas sendo maiores

e motorizadas, poderiam ir mais longe, mar adentro em busca de cardumes.

Utilizavam a canoa de voga, onde oito remadores se sentavam de costas para o

219

sentido do movimento, os remos presos em cavilhas metálicas nas bordas, remando

cadencialmente sob o comando do timoneiro. Estas canoas maiores eram utilizadas

para pesca de lanço de rede, a pesca de arrastão.

Ao avistar um grande número de cardume perto da praia saíam os

pescadores em suas grandes canoas de um pau só para lançarem suas redes, com

nos descreve Branco (2005). Utilizavam grandes redes de arrasto com centenas de

metros de extensão, tecidas em fibra de algodão muito resistente. Eram redes

bastante longas com as quais os barcos cercavam o cardume. Então com o

cardume já preso, voltavam para a praia e os homens da terra ajudavam, puxando

as pesadas redes para a areia, apenas com a força de seus braços. O peixe maior,

mais valioso seguia para Santos, como ainda informa a autora; os pequenos eram

distribuídos entre os pescadores e a comunidade.

Fig.88: Praia dos Pescadores. Foto de Thais Oliveira. 20. Abr. 2012

A Figura 88 registra o exato momento em que uma canoa de voga está com

seus pescadores preparando-se para partir. Numa manhã nublada, saíram em

busca de cardumes em alto mar. O carrinho em primeiro plano pertenceu a uma

canoa que partiu momentos antes. Como pude observar neste período em que os

220

fotografei a cada determinado período parte-se uma canoa, eles não saem ao

mesmo tempo.

No mesmo dia visitei o Porto do Baixio no qual pude observar a rotina dos

pescadores. Na Figura 89 registrei o momento em que um dos três homens está

pintando uma faixa vermelha em seu barco de pesca. Os bascos de pesca daqui,

em sua maioria, são brancos com faixas vermelhas. Logo mais esta embarcação

estará em alto mar. Em certos períodos algo belo ocorre durante o dia: diversos

pontos espalham-se pela linha do horizonte. Estes pontos são diversos barcos

locais, inúmeros em frente á Praia do Centro. Em certas noites também é possível

vê-los e certamente a vista torna-se ainda mais bela: pontos de luz no infinito breu

que se torna o mar durante a noite. Da terra firme sempre desejo que eles voltem

com bons resultados.

Fig.89: Preparações. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

Em mais uma bela tarde de verão fui até o Porto do Guaraú a fim de

fotografar o local. Quem dera se a imagem também fosse capaz de registrar tudo o

que os demais sentidos captam, porém a fotografia é apenas capaz de captar o que

a visão retém, pois se fosse capaz de reter o olfato, certamente a imagem da Figura

221

90 exalaria um odor característico, um misto de odor de peixe, de maresia, de

mariscos. Se o leitor encarou esta última sentença como algo ruim, errou. Para mim

este odor é bom, me faz lembrar-se de quando íamos a este bairro quando criança

com minha avó. Este cheiro me lembra a antiga Vila de Itanhaém. O Porto do

Guaraú sempre foi um local muito procurado, tanto pelos turistas, quanto pelos

pescadores em geral, os que pescam por prazer e os que pescam por

sobrevivência. O pescador da Figura 90 é uma incógnita a mim: não sei se está

pescando por um simples prazer ou a trabalho. Certamente não para ser vendido, já

que uma simples pesca com vara não iria render muitos peixes. Geralmente os

pescadores profissionais utilizam redes a fim de obter um maior número de peixes.

Este homem me transmitiu calma, não havia a urgência de obter mais e mais peixes.

Não. Ele estava simplesmente em harmonia com o local, sentindo tudo a ser redor

com atenção. O belo tom de azul é resultado da captação no final de tarde.

Fig.90: Calmaria. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012

Em minhas observações pela cidade, percebi o quanto da cultura caiçara

ainda é mantido por muitos pescadores daqui. Em meus registros certamente

apareceram turistas amadores, em que naquele momento estavam pescando por

prazer, mas boa parte dos que registrei, o fazem por sua sobrevivência.

222

Fig.91: Pesca sob a fina Garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012

Na Figura 91 temos no primeiro plano a imagem de dois pescadores em uma

canoa tipicamente caiçara. Ao fundo vê-se uma lancha motorizada, vinda do mar, já

que estamos na Alameda Emídio de Souza, com vista para a Boca da Barra, sem

com que a fúria desta sob as águas frias deste dia venha atrapalhar a labuta destes

homens determinados. O próprio clima do dia, com toda esta atmosfera carregada,

devido à garoa constante do dia, resultou numa imagem nostálgica, em memória a

todos os pescadores artesanais que por ai já passaram.

A Figura 92 foi conseguida através de um dia nublado no Porto do Baixio,

quando esta embarcação passava velozmente rumo ao mar. Em primeiro plano

vemos parte de outro barco parado, pois quis incorporar as partes deste, a fim de

que tivéssemos a impressão de dois barcos cumprimentando-se, desejando boa

pesca um ao outro. O belo e discreto reflexo da embarcação o acompanha

silenciosamente.

223

Fig.92: Badejo I sob o Rio Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva 09. Dez. 2011

Fig.93: Liberdade abaixo da Modernidade. Foto de Thais Oliveira Silva.05. Jul. 2012

224

Fig. 94: Liberdade Abaixo da Modernidade II. Foto de Thais Oliveira Silva 05 de Jul. 2012

As Figuras 93 e 94 foram obtidas numa bela manhã de inverno, a qual estava

atípica, com um intenso e acolhedor sol desde cedo. Fui até o Guaraú para

fotografá-lo novamente poiso local é um de meus temas preferidos. No mês de

Janeiro fui fotografá-lo, mas para meu desapontamento, ao chegar estava com o

tempo nublado, escuro. Registrei a cena, pois era significativa: um barco em baixo

da ponte com um nome bem sugestivo: Liberdade . A partir disto fiz a correlação

entre o local em que estava: sob a Ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, que

iniciou sua construção na década de sessenta, possibilitando ainda mais a chegada

de mais turistas, restringindo paulatinamente a liberdade dos caiçaras, com suas

lanchas motorizadas, jet-skis, e a tal especulação imobiliária cada vez mais

agressiva. Desde tal encontro, em Janeiro, demorei seis meses para enfim

encontrar-me com o “Liberdade”. Nesta manhã lá estava a embarcação sob as

sombras da ponte, envolto em belíssimas cores matutinas. O fotógrafo João

Evangelista percebe a relação entre as formas orgânicas e geométricas desta

imagem:

Esta foto e a seguinte, são dos seus melhores exemplos de uma

combinação de paisagem natural com paisagem "geométrica"!!!...onde pelo

225

facto da leitura objectiva ser estranha, devido à inclinação da foto, ou

melhor do assunto pois a foto está direita, o observador se refugia numa

leitura subjectiva e consequentemente mais abstracta!!!...e estas formas

artificiais por não pertencerem ao mundo natural que mais difícil de abstrair,

facilita a redução da foto a linhas e formas subjectivas!!!!...e aí a sua

imaginação desperta e vê muito mais do que aquilo que a leitura objectiva

costuma permitir!!!!

Bem visto e parabéns Thais!!!

E fez muito bem em voltar para captar esta luz que destaca ainda mais a

força destas linhas e com este jogo de sombras e luz surgem novas formas

geométricas que num dia nublado não existem dando mais interesse á sua

foto!!!...infelizmente muitas pessoas se contentam com uma luz "fraquinha"

e acham que já basta!!!

Seu olhar está cada vez mais apurado sim senhora e sendo num tipo de

foto invulgar dá ainda mais mérito à sua pesquisa!!!!... as zonas iluminadas,

por estarem "presas" entre duas áreas de sombra parecem brilhar ainda

mais!!!

Mais uma vez parabéns Thais!!!

PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem

pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 07. Jun. 2012.

Muitas vezes meu coração dói ao pensar na possibilidade de os mais jovens

renegarem a cultura e, com a morte dos mais velhos, houver também a partida da

cultura caiçara, porém meu coração alegra-se novamente, pois nossos pescadores

muitas vezes levam seus filhos aos domingos para ensiná-los tal cultura. Diversas

vezes encontrei e registrei crianças manejando precisamente suas varas. E o

melhor: há o prazer neste momento, eles o vivenciam por amor. (FIGURA 95)

226

Fig.95: A Cultura Caiçara não Morrerá! Foto de Thais Oliveira Silva 04. Mar. 2012

4.3: Animais “itanhaenses”

Os gatos tem um jeito

De caminhar em minha alma

Como se minha alma fosse

Um tapete encantado,

Um tapete de lua

Ou uma ponte sobre

Um rio dourado.

(Roseana Murray. In: Luna, Merlin e outros habitantes. Belo Horizonte, Miguilim, 2002)

Para compor a série fotográfica dos “animais itanhaenses”, caminhei por

diversos bairros durante as férias de janeiro para acompanhar a diversidade dos

227

locais, população e seus animais. Percebi que onde quer que eu fosse sempre

encontrava algum animal doméstico passeando pela casa ou quintal, ou, no caso de

gatos, debruçados na janela, sonhadores, preguiçosamente. De herança caiçara

(BRANCO, 2005), encontrei diversas casas nas áreas periféricas em que havia

criações de galinha, cavalos, enfim, toda sorte de animais oriundos de áreas rurais.

Nas fazendas e chácaras mais afastadas, próximas à Serra do Mar, existem famílias

que criam animais selvagens, não para prendê-los, mas os alimenta, convive com

eles e estes são livres, indo e voltando sempre.

Os inseparáveis cães estão tanto nas áreas urbanas, quanto nas áreas rurais

e periféricas. Deitados na soleira da porta, passeando pelas ruas, latindo para quem

passar, brincando com o que estiver em sua frente, embrenhando-se no mato em

busca de sei lá o quê. (FIGURA 97) Houve cães, que encontrei em meus trilhares

que ousavam aventurarem-se até mesmo na praia e os mais ousados entravam no

mar, acompanhados por outros cães ou sós. A felicidade destes era contagiante,

quando nossa cidade está na época em que há pouco ou nenhum turista, as praias

desertas são os locais mais procurados pelos animais “itanhaenses”(FIGURA 96).

Fig.96: A Praia é só nossa! Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012

228

Fig.97: Há pouco estive embrenhado no mato, caçando. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012

Existem também muitos animais na cidade sem dono, mas estes sabem

cuidar de si mesmos, apesar de todas as dificuldades que passam.

Há um cachorro que vive na Orla da Praia do Sonho exatamente: não no

sentido de ir sempre lá, ele mora na praia. Tem um imenso quintal de areia só para

ele cavar o quanto quiser, é um animal adorável que gosta de ficar no calçamento da

Orla, observando atentamente quem passa, com ares de sonhador. Muitos já

tentaram levá-lo consigo, entretanto ele volta, gosta mesmo é da liberdade que a

praia lhe oferece. Os guarda-vidas os alimentam e o protegem dos dias de chuva.

Deram-lhe o nome de Pirata, muito sugestivo, já que este também é apaixonado

pelo mar e pela liberdade. Na Figura 98 vê-se o registro que fiz numa tarde nublada

e solitária. O muro o qual está recostado é o da Orla da Praia do Sonho, o tempo

estava bem frio neste dia, mas ele não estava incomodado nem um pouco. Seu

olhar estava fixo nas ondas do mar à sua frente.

229

Fig. 98: Liberdade, apenas liberdade. Foto: Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012

Fig.99: O Jantar está na Mesa! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012

Em meus trilhares houve diversos encontros com as aves também. Porém

meus registros captaram os urubus e as gaivotas, os quais disputam intensamente a

orla da Praia. No caso dos urubus, obviamente estão interessados nos peixes

putrificados que a maré traz para a praia. Na Figura 99 vemos um urubu e seu jantar

230

sob os olhares de muita gente, já que ainda estamos no mês das férias e os turistas

a moradores ainda frequentam constantemente a praia. Ele não está nem um pouco

interessado com os transeuntes, seu jantar lhe parece apetitoso demais para que

possa ser abandonado pelo medo das pessoas. Algo curioso foi captado nesta

imagem. O reflexo do animal sob a areia úmida forma a imagem de um pássaro

ambíguo: tem-se a impressão de haver duas cabeças, dando então para formar uma

figura de urubu tanto pela esquerda, quanto pela direita.

Já as gaivotas, estas são avistadas sempre em bando. Seu local preferido é a

Praia dos Pescadores, onde esperam quase que com segurando garfo e faca o

retorno dos barcos de pesca. Quando avistam as canoas voltando à praia há uma

efervescente revoada sobre os pescadores, os recebem como os cães a seus

donos. Na Figura 100 temos a imagem de um grupo de gaivotas voltadas para o sol,

de costas para o mar. Elas sabem que não é preciso ficar de frente para as águas, já

que acabaram de se despedir de seus queridos pescadores. Neste momento o que

elas estão procurando é apenas receber os raios solares por todo seu corpo. A

Figura 101 é o registro do momento em que consegui chegar um pouco mais perto

delas sem que saíssem voando. Com minha aproximação elas começam a fugirem,

olhando-me zangadas, já que eu estava atrapalhando o banho de sol delas.

Fig.100: Lugar ao Sol I. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

231

Fig.101: Lugar ao Sol II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

Como em minha poética visual não falar dos gatos? Eles me acompanham

desde que vim morar nesta cidade, com quatro anos de idade. Sempre os amei.

Gostava de nomeá-los, senti-los bem perto de mim, apesar das ordens expressas da

minha mãe e do médico para me afastar deles devido meus problemas respiratórios,

mas eu nunca consegui ficar longe deles. Meus hoje em dia, não morando mais em

casa térrea, gosto de andar pela cidade “caçando” gatos, adotando-os nem que seja

apenas por ínfimos instantes. Não sei de onde vem esta atração, se é a leveza tão

bela de seu caminhar, em que parecem estar sempre andando em fios invisíveis,

lindíssimos equilibristas, se é sua atitude não bajuladora, como a dos cães, os gatos

são livres, independentes, mas nem por isso deixam de serem carinhosos tão

amáveis eram os gatos de minha infância, que, ao perceber que estava triste,

achegavam-se a mim, me conheciam de cor e salteado, ficavam tão próximos,

olhando-me profundamente, me aconselhando silenciosamente, com uma paciência

infinita, me contando histórias do mundo dos gatos, aos poucos me ensinando a ser

como eles.

Eu poderia ter sido imparcial e distribuído igualmente as fotografias em

números idênticos aos cães, aos gatos e aos demais animais que apareceram em

232

meus trilhares, mas é impossível, bem como Martins (2008) trata, não há como

fotografar e ser imparcial, a imagem sempre irá te “denunciar”, mostrando quem é

você, o que você ama. E é isto o que amo: não há como evitá-los.

A Alameda Emídio de Souza é um lugar fascinante. Situada próxima à Boca

da Barra, aonde o Rio vem desaguar no mar, o local, encontrado no bairro da Praia

dos Pescadores é sempre procurado por pescadores, amadores ou profissionais;

artesanais ou com aparelhos sofisticados para a pesca e claro: uma infinidade de

gatos. Não digo que eles também são pescadores, nem precisam, pescam com seu

charme e insistência, rodeando os pescadores a qualquer hora do dia e da noite.

Ganham sempre os peixes menores que estes pescam. Gatos que saboreiam

intensamente sua liberdade, chamando atenção dos transeuntes para a harmonia

entre eles e os pescadores. Quando passo por lá percebo o entendimento silencioso

entre eles, é um momento admirável.

Fig. 102: O olhar. Foto: Thais Oliveira Silva. 04. Dez. 2011

Neste local ocorreram minhas primeiras fotografias e qual não será a surpresa

do leitor ao saber que minha primeira fotografia para esta série direcionada ao

registro de Itanhaém, no dia 02 de dezembro de 2011, foi uma gata preta que

233

sempre brinca comigo de “esconde-esconde”. É extremamente arisca, não se deixa

enganar, bajular, mas está sempre a me observar minha lente da câmera

fotográfica.

A Figura 102 mostra a felina me observando com um misto de curiosidade e

medo. Gosto de este olhar, ele é profundo, eu poderia mergulhar nele sem nunca

esquadrinhar todos seus segredos. A beleza desta felina, para mim, encontra-se no

contraste de seus belos pelos negros e seus vivos olhos amarelos.

Eu poderia escrever páginas e páginas de meus encontros e despedidas com

os felinos que encontrei pela cidade, cada qual com uma linda história para me

contar, cada qual com um diferente olhar, as como não é possível, restrinjo-me

apenas a declarar que foram muitos encontros, em diversos e inusitados locais.

Houve o encontro com a gata sentinela dos Casarios do Centro Histórico da cidade,

em que tive de me abaixar para registrá-la embaixo de um carro, tímida, misteriosa.

A felina sabe como vigiar as casas centenárias com seus grandes e encantadores

olhos cor de caramelo e seu macio pelo da cor de neblina

Minha relação com a felina envolveu muita paciência de minha parte, já que

para conseguir a atenção e a simpatia de um gato é preciso muito tempo. Na Figura

103 a gatinha ao ver minha aproximação pulou do muro dos casarios, a qual estava

postada e escondeu-se embaixo de um carro estacionado. Abaixei-me para

fotografá-la e fui recebida com este meio metro de língua para fora.

Os gatos são animais independentes e algumas vezes possuem uma pitada

de arrogância, porém quando conseguimos ganhar sua confiança tornam-se dóceis,

atenciosos, travando conosco longas conversas telepáticas, quando insistem em

encarar-nos por um longo tempo. Na Figura 104 consegui com que ela saísse

debaixo do carro, mas ainda havia desconfiança no ar. Fui paciente até que a bela

felina ficasse a vontade comigo, demonstrando todo carinho peculiar de um gato.

Finalmente registrei o momento da entrega do animal, onde esta estava totalmente à

vontade com minha presença. (FIGURA 105)

234

Fig.103: Miss. Simpatia. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012

Fig.104: Persistente Desconfiança. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mr. 2012

235

Fig.105: Êxtase Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012

Na Figura 106 está registrada uma bela gatinha que acredita que a folhagem

do vaso da porta de minha casa pode escondê-la. Sua mãe, uma gata preta que

cuidamos, dando-lhe sempre carinho e comida levou seus três filhotes para a porta

de nosso apartamento numa madrugada. Certamente seguiu o raciocínio: se eles

são bondosos comigo, certamente o serão com minhas belíssimas filhas. Porém não

tínhamos mais pretensão de ter animais em casa, as demais gatinhas desistiram,

voltando de onde vieram, mas esta foi persistente. Diversas vezes que eu abria a

porta lá estava ela, “camuflada”, certamente pensando: “só um descuido dela e eu

entro e me escondo no guarda-roupa”, como tentou várias vezes. Porém numa tarde

as gatinhas filhotes sumiram. Espero que elas estejam bem, esta era tão sagaz,

conseguindo até mesmo caçar pombos no estacionamento. Os gatos são peritos na

arte do desaparecimento.

236

Fig.106: Esconde-esconde. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Mai. 2012

Augusto era o gato de minha falecida avó. Quando eu ainda morava com ela,

o felino mostrava-se sempre inalcançável, não gostando de colo ou qualquer tipo de

agrados, sua paixão era sair pelo mundo e voltar dias depois, enfim, um gato

boêmio. No dia 04 de janeiro de 2012, em que o registrei, ele estava deprimido,

imóvel em cima da caixa de luz, observando a rua. (FIGURA 107) Foi a primeira vez

que pude passar a mão em seu macio pelo, sem que me custasse um belo arranhão

no braço. Neste dia Augusto aproveitou cada segundo de carinho que estava

recebendo e, em retribuição, como se pressentisse, fez belas poses para minha

lente, como se estas imagens fossem seu pedido de desculpa por tanto tempo de

discórdia entre nós.

Na Figura 108 está registrada uma das poses mais frequentes do gato

Augusto. Por alguns dias ele tornou-se uma espécie de sentinela, estava muito

atento a quem quer que passe, seus olhos focavam apenas a rua. Acredito que ele

daria tudo para rever minha avó.

237

Fig.107: Deprimido. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012

Fig.108: Á espera de quem não irá retornar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012

Aprecio a composição da Figura 109, pois é como se o Augusto estivesse

sentindo a instabilidade da composição em diagonal e divertindo-se com ela,

aproveitando a adrenalina motivada pela inclinação do enquadramento, tendo seu

“mundo inteiro” fotografado. Já que por um longo período aquele era o único lugar

238

em que ele ficava, esperando minha avó regressar, passou dias em vigília, mas

após uma longa espera, ele desistiu, percebendo que para onde ela foi não poderia

mais voltar.

Fig. 109: Na Instabilidade do diagonal. Foto: Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012

Fig.110: Por favor, não me siga! Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Abr. 2012

239

O gato da Figura 110 é um dentre os tantos que povoam a Alameda Emídio

de Souza, a qual está ancorada alguns barcos e é frequentada diariamente por

pescadores na Boca da Barra. É um animal extremamente arisco que acredito que

eu levaria uns mil anos até que ele estivesse afetuoso comigo. Na cena registrada,

ele está fugindo de mim, não quer saber de carinho algum, talvez nunca tivessem

lhe proporcionado. Grande parte destes gatos que ali frequentam é arisca,

desconfiam de tudo e de todos, estão a todo o momento em alerta. Busquei nesta

imagem criar um contraste entre a forma quente e suave do gato e as formas mais

rígidas e frias de tudo o que está à sua volta. Ele tem um caminhar cansado e

pesado. Pesado como é tudo o que o rodeia.

Fig.111: Afetos. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Jan. 2012

Há um clima totalmente diverso na Figura 111. Pai e filho trocam carinhos em

uma deliciosa série que fiz destes dois lindos gatos pretos que encontrei no Morro

Piraguyra. Não inclinei a máquina fotográfica nesta imagem, pois não vi

necessidade, já que os próprios corpos destes gatos estão inclinados, num

movimento dinâmico, acolhedor. O filhote é extremamente afetuoso, não desgrudava

de seu pai, exibiam-se para a câmera o máximo que conseguiam.

240

Ainda estão lembrados do gato mal humorado da Figura 110? O que um bom

peixe e uma tonelada de confiança não faz? Este pescador é extremamente

paciente, longanimidade é sua prioridade. Este gato foge de quem quer que se

aproxime dele, mesmo que esteja carregando um imenso peixe. Mas com este

pescador, o gato mal humorado construiu uma ponte. Sempre quando ele vai à

Alameda, o gato lhe procura, gosta de sua companhia, dorme em paz a seus pés

após ganhar os peixes pequeninos que não interessam ao experiente pescador. Na

Figura 112, numa tarde nublada e fria, atípica de verão, o gato esta lhe lançando um

olhar suplicante, pois pressente que o pescador acaba de trazer à tona um peixe

pequenino, mas o homem é paciente, delicadamente está tirando o anzol do peixe.

Instantes depois o gato deliciou-se com seu prêmio.

Fig.112: O olhar suplicante. Foto de Thais oliveira Silva 18. Jan. 2012

Os felinos estarão sempre espalhados pela cidade, e não apenas eles, há

outros tantos animais. Nós sempre compartilharemos o gosto de cria-los, oriundo

dos antigos caiçaras, com seu modo particular de falar, em que Zwarg, neste cordel

do folclore regional, nos fala da relação de um caiçara com seus animais domésticos

e, com o uso da licença poética, transcreve o modo da fala de um caiçara:

241

Onde está esse gatinho miseráve!

Esse gatinho miseráve onde é que está?

Será que está, aqui debaixo da cama?

Ou tá no fogão, sujo de carvão a me esperá?

E onde é que está aquele galo caôlho?

Aquele galo que é viúvo, onde é que está?

Por que num canta? – “brava-gente-brajirêra?”

Que é para o sol! A madrugada despertá...

Tem tanta purga e percevejo nesta “casa”!

Que eu passo o dia inteiro a me coçá!

E eu não sei, se chamo o Corpo de Bombeiro...

Ou se telefono é pra polícia Especiá!

E o cachorrinho que só vive na vizinha?

É lá que tem comida, e eu sou de cozinha...

Esse cão sarnento nunca foi é caçadô!

E tô comendo é só fritura de “içá”...

Essa vizinha, logo tá lavando rôpa!

Ela é viúva e vim aqui pra conversa...

Que qué parpite, prá eu í joga-no-bicho!

E se ela, acertá! – é capaz de me beijá...

(ai que vergonha)

(Ernesto Zwarg. Êta Gatinho Miseráve! In: Em “Conceição de Itanhaen” tem! Itanhaém, Gráfica

Básica, 1999)

242

4.4: Estradinhas de terra e recantos arborizados

Sob o perfil azul da serra

E o murmúrio do Atlântico,

Charmosa Itanhaém encerra

Beleza de lugar romântico.

Esta joia do litoral paulista,

De Anchieta guarda traços.

Cativa-nos à primeira vista,

Com sorrisos e cordiais abraços.

(...)

E nessa evocação ao som do mar,

Itanhaém à luz do sol violeta

É o refúgio ideal para sonhar!

(Benedito Pedro Miguel. Evocação. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)

Fig. 113: Rua do Suarão. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Jul. 2012

243

Como dito anteriormente, a cidade de Itanhaém consegue preservar muito de

seu verde espelhados em cada rua de nossa cidade. O bairro do Suarão é um lugar

privilegiado pois ali encontram-se inúmeras espécies nativas até mesmo centenárias

habitando pacificamente com as moradias ali encontradas.

A Figura 113 foi obtida com a luz do final da tarde, quando esta produz

belíssimas sombras esguias e consistentes. O verde da figura é encontrado em

diversas tonalidades, encontradas no chão da pracinha, coberto de musgo e folhas

caídas, nas copas das árvores e nos pequenos arbustos ao sol, encontrados ao

fundo da imagem, proporcionando-nos uma bela vista.

O Bairro Cidade de Anchieta possui diversas árvores em suas ruas. Na Figura

114 criei esta moldura natural para o carro utilizando os ramos da árvore em primeiro

plano. Por estar distante o carro torna-se tão pequeno perante a árvore, como

deveria ser: a tecnologia nunca deveria ter prioridades sob a natureza em nossas

vidas.

Fig.114: Perspectiva Ecológica. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012

Ao percorrer pelos bairros da cidade fiquei feliz em poder constatar a

presença do verde em cada rua. Os moradores que observei ainda preocupados em

244

manter belos jardins em frente às suas casas, neste sentido, não me refiro apenas a

flores ornamentais vindas de países distantes, mas certamente às plantas nativas da

região, ás nossas simples, as belas flores, árvores, enfim, a vegetação nativa ainda

persistindo em frente á diversas casas, dando vida ao lugar.

Como registrei em duas imagens neste trabalho enfocando a beleza do

Flamboyant, mais uma vez o registro, pois não me canso deste tema de cores tão

vívidas. A árvore da Figura 115 é de um Flamboyant, mas como seu registro foi feito

em Janeiro não há mais sinal das belas flores rubras que assim como os dias do

mês de Dezembro transcorrem, suas flores vão caindo ao chão e se vão. Uma

beleza efêmera a ser apreciada. Na Figura 116 registrei mais uma Rua do Suarão,

como já dito anteriormente, bairro extremamente arborizado. À tarde ensolarada

desta imagem ressalta ainda mais as belas cores das árvores aí captadas, bem

como cria um contraste nos paralelepípedos com a vívida sombra projetada desta

árvore. Aprecio as imagens tomadas nos dias ensolarados, pois as cores do local

ganham um toque mais do que especial.

Fig.115: A beleza do Verde e do Vermelho. Foto de Thais Oliveira Silva. 17. Dez. 2012

245

Na Figura 116 captei a mesma Rua da Figura 113, porém nesta tomada eu

estava no meio da rua e a condição climática também não era a mesma: anunciava-

se chuva a qualquer instante. Na noite anterior havia chovido, era uma questão de

tempo para que as comportas do céu abrissem novamente. Optei pelo uso

monocromático na edição, pois não me agradam cores fracas, sem vida, cores que o

sol não está em sua excelência para ajudar a ressaltá-las. Porém, ao optar pela

eliminação das cores, nos detivemos com mais atenção nas formas, percebemos a

relação entre elas Nesta imagem, a perspectiva conduz nosso olhar ao final desta

rua arborizada. Fica a dúvida no ar: haverá mais árvores onde nossos olhos não são

capazes de enxergar?

Fig.116: Lugar Ideal. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Fev. 2012

A pequena casa registrada na Figura 117 está localizada num belo local. Há

árvores frutíferas à sua volta, um riacho corta seu terreno atrás dela, há diversas

sombras para se descansar por longas horas. Ela ainda preserva características da

Vila de Itanhaém: sua cor é branca, portas e janelas, azuis, seu telhado de cerâmica

e a longa estradinha de terra liga à família que ali reside com o resto do mundo.

Muitos se sentiriam desconfortáveis em tais condições, principalmente pelo fato da

estrada não ser calçada, porém ouso pensar como Ernesto Zwarg.

246

Fig.117: Antigamente. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012

Muitos outros moradores, principalmente os antigos, motivados pela nostalgia,

também dividem o mesmo pensamento do seresteiro Zwarg (1999):

Se eu fosse prefeito de Itanhaém, tirava todo o calçamento da cidade.

Deixava só na avenida principal. O resto das ruas seria de areia, para as

crianças brincarem tranquilamente. Os carros eu manteria fora, longe das

crianças. E também, mandaria substituis a atual iluminação, porque sou

contra o vapor de mercúrio que mata muitos insetos que a luz de lampião. E

para ter mais dias de luar, eu mandaria que apagassem toda a iluminação

nas praias, para os turistas, especialmente os casais de namorados

poderem ver a luz da lua refletida no mar.

(Ernesto Zwarg – Abril de 1975. In: Em Conceição de Itanhaém,

tem! Itanhaém, 1999)

Certamente a herança dos antigos moradores da Vila Nossa Senhora da

Conceição de Itanhaém concernente à preservação de nossa natureza não

perecerá. Ela está viva e firme por toda a cidade.

247

Fig.118: Estradinha de Terra. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Jan. 2012

4.5: Itanhaém, pedra que canta.

O soprar do vento,

traz o cheiro do mistério

Do além do horizonte

onde o céu não tem limite.

Admirar Itanhaém...

No topo do Paranambuco,

sente-se livre, vento no rosto

o portal como passagem.

Diante de olhares,

recanto espetaculares,

de paisagem exuberante

dessa terra repousante.

248

Instante de magia,

gravada na memória

por toda vida,

Itanhaém querida...

(Elizabeth Cury Bechir Watanabe. Terra de encantos. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso.

Itanhaém, 1997)

Em Itanhaém existe uma infinidade de formações rochosas, convidativas aos

olhos, tanto à beira mar, quanto no interior da cidade e em meio à Mata Atlântica

preservada. Logo no centro da cidade encontramos o Morro Itaguaçu, onde está

localizado o Convento Nossa Senhora da Conceição e consegue manter preservada

toda sua vegetação típica.

Fig.119: Vista do Morro Piraguyra. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Abr. 2012

No Morro Piraguyra encontram-se formas diferenciadas da Mata Atlântica,

pois o morro encontra-se mais afastado da influência marítima, possuindo uma

exuberante vegetação típica. É o maior morro encontrado perto dos locais de

249

urbanização da cidade, sendo o mesmo local de diversas casas alicerçadas em suas

rochas. (FERREIRA, 2008). A Figura 119 retrata a vista do alto do Morro sob a Boca

da Barra. Vali-me da flora local pra ser a moldura natural da imagem, bem como

produzirem uma contraluz.

Localizado próximo ao Iate Clube, no bairro Praia do Sonho, o é Morro

Sapucaetava um dos principais locais escolhidos para realização de trilhas

ecológicas. No local, encontra-se vasta quantidade e diversidade da flora da Mata

Atlântica sob direta influência marítima, além de uma fauna também bastante rica.

Por ser uma área de fácil acesso e quase livre de riscos naturais, as visitas ao local

são apropriadas às crianças. No alto do morro foi construído um mirante rústico,

para apreciação das praias formadoras do conjunto litorâneo itanhaense, que recebe

o nome de Pedra do Espia. O Morro do Sapucaetava foi declarado de utilidade

pública em 15 de março de 1962, onde moradores e turistas fazem trilhas pelo local

preservado. (FERREIRA, 2008). A Figura 120 captou o início da escadaria que nos

leva até as trilhas lá presentes. Percebemos o quanto é difícil à entrada de a luz

solar neste local se observarmos os demais degraus que ascendem.

Fig.120: Trilha do Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012

250

Paranambuco é um dos morros que infelizmente mais sofreu devastações.

Com a construção dos reservatórios de água necessários para a cidade, sofreu

devastação que expôs pedras as quais vieram a ser chamadas de Pedra da Esfinge

e Portal Místico os quais hoje em dia estão interditados. As duas Pedras do

Paranambuco foram as únicas que sobraram após muitos anos de desabamento do

Morro. Fotografias do ano de 1928 mostravam a Pedra da Esfinge encrustada no

Morro e somente após a grande devastação é que as mesmas ficaram expostas.

Fig.121 Não temos mais Portal Místico. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev. 2012

Atualmente, devido ao assoreamento da argila vermelha, por conta das fortes

chuvas do ano de 2011, os “pedestais” que as sustentavam não resistiram e

tombaram uma pedra sobre a outra. (FIGURA 121) Antes do incidente, as duas

pedras, vistas da orla da Praia do Sonho, tinham aparência de uma esfinge, por isso

o nome. Muitos místicos também vinham de vários lugares em busca do “Portal

Místico”, como denominavam o vão entre as duas pedras, porém, hoje em dia, o

local está proibido à visita, com risco de morte, pois as rochas podem desabar a

qualquer momento. O restante da depredação foi obra de um condomínio que não

se concretizou sem antes, porém ter descaracterizado a topografia original do

terreno, nivelando-o e deixando estacas de concreto no local.

251

A pesar de tudo isso, o local permanece como um ponto de observação de

todo Litoral Sul, com uma atmosfera impressionante e uma bela vista que se

descortina sobre o mar, as ilhas e as serras da região, dando uma ideia da

imensidão do local. O lado do Morro Paranambuco que dá para o mar, é conhecido

como Costão e possui uma vegetação rasteira, espinhosa e retorcida pela força dos

ventos marinhos. Ali, pedras enormes são atingidas pela força do mar, compondo

um quadro impressionante. O mar estava calmo como vemos na Figura 122.

Geralmente no local formam-se ondas fortes e violentas que se chocam

constantemente sobre esta grande muralha.

Fig.122: Floresta de Pedras. Foto de Thais Oliveira Silva 26. Fev. 2012

Há formações menores, como o Púlpito de Anchieta, localizado na Praia dos

Pescadores, onde contam que o beato realizava sermões aos índios de lá de cima.

(FERREIRA, 2008).

Idealizei a Figura 123 na intenção de compor nesta mesma cena lembranças

e resquícios de um passado distante místico, sagrado, o qual do alto destas grandes

rochas Anchieta realizava seus fervorosos sermões, com um passado recente

“profano”, por se tratar de uma imagem dedicada à lembrança da gravação da

252

Novela Mulheres de Areia, da Rede Globo, em 1973. A escultura da Mulher de Areia

está de costas para a imagem, como que olhando para o futuro, mas também há

espaço para o local sagrado do antigo missionário. Itanhaém, uma cidade, como

tantas outras que é capaz de dar condições para que o novo e o velho, o sagrado e

o profano possam conviver harmonicamente.

Fig.123: O Profano e o Sagrado. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012

Há as pedras do costão da praia dos Sonhos, onde encontramos a Cama de

Anchieta, localizada ao final da recente “Passarela de Anchieta”, inaugurada em

2006, sendo a obra é estimada no valor de 200 mil reais. Com uma estrutura de 220

metros de comprimento por 1,60 de largura, a passarela, construída com ipê e

materiais derivados do eucalipto ecológico, é resultado da parceria e dos

investimentos da Prefeitura de Itanhaém e das Ilhas Canárias, onde nasceu o

jesuíta. Ao todo, R$ 140 mil foram doados pelo governo espanhol e R$ 60 mil foram

destinados à obra pela Administração Municipal. Através dela, é possível que

pessoas de todas as idades acessem a formação rochosa que, segundo a lenda, por

seu aspecto de cama, encravada entre o costão da Praia dos Sonhos e o mar,

tornou-se o local preferido do beato José de Anchieta (1534 – 1597), para encontrar

descanso e inspiração para compor versos e poemas. (FERREIRA, 2008)

253

Fig. 124: Passarela de Anchieta. Foto de Thais Oliveira Silva. 12. Dez. 2011

Pude visitar a Passarela de Anchieta entre Dezembro de 2011 e Janeiro de

2012. Na Figura 124 está registrada a visita do dia 12 de Dezembro de 2012,

realizada numa tarde de muito sol. Ao fundo temos a imagem do Morro do

Paranambuco e suas grandes pedras, as anteriores Pedra da Esfinge, digo antigas,

pois hoje em dia, não é mais possível ver a perfeita silhueta da esfinge que víamos

anteriormente. O horário para o registro fez toda a diferença, pois a contribuição das

sombras obtidas a partir do sol vespertino, bem como o costão encontra-se em

contraluz, resulta numa satisfatória composição, dando ênfase á Passarela de

Anchieta.

Nas férias de julho consegui obter este belíssimo tom de azul com suas águas

tranquilas, anormal nesta época, em que geralmente o mar encontra-se agitado,

refletindo as cores cinzentas do céu carregado, mas neste dia o sol estava posto em

todo seu esplendor sobre nós. O tom de azul obtido na Figura 125 foi o mesmo em

que consegui obter pela manhã em que registrei o Rio Itanhaém. Algo nos chama

atenção nesta imagem, certamente fica-se curioso ao observar esta rocha central

totalmente rachada ao meio, fato ocorrido através dos anos, pois, ao conversar com

254

os pescadores da Praia dos Pescadores, onde está localizado o Púlpito de Anchieta,

o qual esta rocha está em frente, disseram que há menos de dez anos, a grande

rocha estava apenas com uma rachadura com cerca de dois centímetros, mas, com

a ação constante das ondas e a infiltração das mesmas pelos veios da rachadura, a

rocha encontra-se hoje desta forma. Ao fundo encontra-se a Ilha das Cabras ou

Givura.

Fig. 125: Ação do tempo. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012

Sempre que eu observava os antigos alicerces do nunca realizado

Condomínio no alto do Paranambuco, sempre os vi como se fossem lápides, eu

sempre tive medo. Um conjunto de pedras de concreto povoa o alto do artificial

planalto deste morro. Quando eu era criança, as mais diversas teorias brotaram de

minha mente, era impossível subir ao Morro do Paranambuco e não observá-las,

tentar entender qual sua função ou pelo menos o motivo de suas silenciosas

presenças. Visitei o local já a partir de Dezembro de 2011, quando iniciei esta série

fotográfica, pois havia uma urgência dentro de mim: eu precisava travar um diálogo

silencioso com elas, desejava eternizá-las em diversos ângulos e condições

climáticas. E assim parti a esta busca. Nas Figuras 126 e 127 as registrei durante

uma tarde nublada. O clima do dia, as flores a seu redor conferiu-lhes a aparência

255

de diversas lápides. Um projeto neste local havia falecido. Apenas o projeto? E

quanto à mata nativa deste local? E quanto aos animais que ali viviam em

liberdade? Sua terra seca, com inúmeras fendas que responda qual foi o impacto

ambiental neste lugar. (FIGURA 126)

Aqui jaz uma parte da Mata Atlântica inutilmente.

Fig.126: Aqui Jaz um Condomínio I. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011

Na imagem obtida da Figura 128, há a presença de um silencioso e

persistente urubu, compõe o cenário lúgubre a mim apresentado. Andei em volta

destas pedras, pude até mesmo fotografar o animal de perto e ele não se incomodou

com a minha presença. O que mais contribui para a imagem soturna é a formação

de nuvens encontrada ao fundo, como se fossem espectros oriundos destas lápides/

alicerces.

256

Fig.127: In Memorian. Foto de Thais Oliveira Silva. 13. Dez. 2011.

Fig. 128: Aqui jaz um Condomínio. Foto de Thais Oliveira Silva. 26. Fev. 2012

257

5: Namorada do sol (séries fotográficas)

Sentado na areia, olho o mar a vida passar

pelo tempo e voltar a rever o jundu tomando conta

da maré, com seus araçás e cambucás...

a batuíra correndo, a gaivota voando

e o garoçá se escondendo...

Vejo a barra do rio e o pescador esperando

o peixe que vem saciar, na partilha do fruto

o relembrar das festas, com alegria e devoção...

a onda sobe molhando meus pés,

levanto e caminho deixando a brisa tocar

meu corpo e mergulhar o olhar Itanhaém

através de sua alma: o mar...

(Ernesto Bechelli. Pelo mar. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1998)

A série fotográfica denominada “namorada do sol” enfoca nosso triângulo

amoroso em que há o relacionamento com o mar, este insondável que nos cerca, e

enamorados pelo sol, o astro sempre presente em nossa vida. Retratos de uma

cidade que possui a pele curtida pelo sol, a paixão pelo seu calor, o prazer do

contato com as águas turbulentas do nosso litoral. Uma série apaixonada, não

apenas vivenciada pela fotógrafa, mas por toda a cidade, que ama e preza nosso

local.

Um imenso mar, um oceano

banha as praias da cidade à beira-mar

se veste de azul, se veste de verde

confunde e encanta o nosso olhar.

mar manso que beija a areia

que espuma as pedras que a pedra quebra

mar, oceano grandioso

soberano guardião de segredos profundos

berço de vida, do início ao fim

incontrolável senhor do mundo

258

mar sereno que reflete a luz

ofuscando o luar num lento vai e vem

que embala e embeleza docemente

o perfil histórico de Itanhaém.

MAR...OCEANO...

(Nicoletta Brugnoli Bouças. Mar... Oceano... In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1998)

5.1: Ascenção e queda do rei sol

Itanhaém,

O mais caiçara dos sóis,

sempre te contemplo de madrugada,

lá nas pedras da praia do sonho,

sinto que Deus, me deu a paz de presente.

Juro que essas pedras cantam vida

e que as estrelas do seu céu

são mais brilhantes

e as do mar, são coloridas.

Quando a gente te fita

e te vê assim tão bonita,

guarda no íntimo seu semblante atraente, pra sempre.

No pôr-do-sol dos seus rios,

vejo a alma dos teus filhos,

versando que Deus,

em sua homenagem,

vinte e quatro horas por dia

usa pincéis de trovador.

(Cecília Fidelli. Juras de amor. In: Itanhaém em prosa e verso. Itanhaém, 1998)

259

Infelizmente nem todos tem esta rica oportunidade de ver o nascimento do sol

em algum lugar aberto, especialmente na praia, onde nada atrapalha a visão do

percurso sutil e arrebatador do maravilhoso astro que nos dá vida. Ousei durante

algumas madrugadas quentes, aventurar-me para ver o nascimento do sol não

apenas da janela de meu quarto, mas em seu principal palco: o mar, onde este pode

brilhar, atua brilhantemente em cada ato de seu espetáculo, modificando sua luz

como se fosse um verdadeiro ator alternando suas vestimentas. São totalmente

maravilhoso estes poucos minutos da hora mágica. A cada instante temos uma cor

nova mostrando-se a nós, de violeta passa-se a vermelho intenso, alaranjado,

amarelo ouro até que finalmente sua luz fique branca durante todo o dia até

finalmente iniciar seu espetáculo da queda, onde mais uma vez há profusões de

cores para enfim mais uma noite nos visitar enquanto o valoroso e destemido Rei

Sol, como descrito nos mitos egípcios, desce às terras sombrias com sua barca,

falece, mas sempre retorna vitorioso a cada manhã. (GOMBRICH, 1999)

Nas primeiras horas de luz, o sol brilha obliquamente sobre a terra e os

raios de luz, viajam através de um grande volume de atmosfera para

alcançar sua posição. São os comprimentos de onda de luz azul, mais

curtos, que se dispersam mais facilmente e são filtrados durante este

trajeto; assim, a luz em volta do sol nascente é frequentemente tingida por

um delicado vermelho rosado. A neblina também é comum ao amanhecer,

convertendo cenas e aspectos familiares em visões de sonho.

(HEDGECOE, 1996, p. 39)

A Figura 129 mostra uma de suas muitas facetas, onde este se mostra

intensamente rubro. Certamente que a imagem da obra de Monet (1840-1926)

estava em minha mente ao compor esta cena. Este vermelho não durou pouco mais

que três minutos, tive de ser ágil para registrá-lo. A imagem foi realizada na Boca da

Barra e felizmente neste dia a maré estava baixa, possibilitando-me registrar a cena

da praia do local, a fim de incorporar também o reflexo do sol em suas águas. Ao

fundo, em contra luz encontra-se o centro da cidade.

260

Fig. 129: Incandescente nascimento. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012.

Para esta série fotográfica é oportuno citar Martins (2008), quando este fala

sobre a obra “Impressão do nascer do sol”, de Monet, já que busquei, como o pintor,

registrar a luz solar em diversas horas do dia sob inúmeras condições climáticas:

Há nas imagens dessa composição um cromatismo temperado, criado pelo

reflexo da luz nas horas suaves de transição entre o noite e dia e dia e

noite, que são também as melhores horas para fotografar. Nestes

momentos de encontro de luminosidades contrárias, Monet incorpora à sua

pintura a descoberta da supressão dos limites de separação visual entre o

dado “verdadeiro” e o “falso”, produzido pela composição resultante da

impressão visual. Em “Impressão do nascer do sol”, o reflexo da

luminosidade rubra faz do sol um complemento, mais do que o centro da

pintura. Mas um complemento necessário. Há entre o sol, seu reflexo na

água e o reflexo do reflexo nas nuvens uma relação de necessidade

recíproca, uma multiplicação de luminosidade e de escritas visuais que não

se esgotam. Antes, apontam para uma espécie de efeito multiplicador da luz

e seus desdobramentos, além do quadro, de que a pintura é o recorte de

um momento que não anula essa vibração cromática. (MARTINS, 2008, p.

151)

261

As manhãs sempre me favoreceram na concepção destas imagens. Poucas

fotografias foram realizadas durante o horário vespertino, já que muitas vezes as

nuvens encobriam o sol.

Fig. 130: Sutilezas do amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Mar. 2012.

A Figura 130 foi obtida durante uma fria manhã de março. Os tons rosa e

violeta desta imagem foram registrados em tempo oportuno, já que os mesmos

duraram pouquíssimos instantes, transmutando-se para outras cores. A figura que

está em contraluz nesta imagem é a escultura de Serafim Gonzalez (1930-2007),

primeiro ator a interpretar o personagem “Tonho da lua” da novela global Mulheres

de areia, exibida durante a década de setenta. Como a novela foi ambientada na

Praia dos Pescadores daqui da cidade, após as gravações foi-se estabelecido este

memorial de bronze nas rochas encontradas na Praia dos Pescadores.

A imagem da Figura 131 foi tomada do alto da Ponte Sertório ao amanhecer.

O nascimento do Sol foi extremamente encantador neste dia, o qual eu não tenho

palavras para descrever qual foi minha reação ao avistar nos céus estes dois

imensos braços etéreos, os quais um sinalizava uma espécie de “hang loose”,

cumprimento típico entre os surfistas e o outro braço parecia estar amparando o

262

morro. O Sol atrás destas formas encontra-se imenso, poderoso, com seu reflexo

sobre a Boca da Barra. A cidade ainda não acordou em sua maioria.

Fig.131: Braços Etéreos. Foto de Thais Oliveira Silva. 01. Abr. 2012

Fig. 132: Também tenho minha luz. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012

263

Encontrei-me com este simpático pescador durante uma alvorada (FIGURA

132). Nesta manhã tanto o Céu quanto o Rio tingiram-se de vermelho. Nuvens

rosadas e acinzentadas pousavam sobre eles. Uma profusão de cores num único

dia. Cores, mas ainda uma fraca luz clareava nosso caminho. O sol estava prestes a

incidir sobre nós sua potente luz, mas, enquanto nós esperávamos o raiar do sol,

este simples pescador que vemos em contraluz nesta imagem liga sua pequena

lanterna mostrando-nos como enfrentou aquela noite escura. Logo não será mais

necessária esta luz artificial, tão ingênua e pequena ante a potência da luz solar.

Fig.133: Amanhecer na Praia dos Pescadores I. Foto de Thais oliveira Silva. 02. Mar. 2012

Outra manhã se inicia, porém tive de ser muito rápida, pois em poucos

minutos eu estaria numa sala de aula, lecionando. Registrei o nascer do sol sob a

Praia dos Pescadores a fim de enfatizar a beleza do local. Percebo que uma

paisagem assim inclinada, através de suas formas e linhas nós podemos ver mais

além que se fosse uma composição horizontal. A paisagem que é belíssima passa a

ter uma dimensão abstrata que a valoriza ainda mais com esta composição. Se

fosse à horizontal nem íamos reparar na força destas linhas de tão "adormecidos"

que estamos de ver tantos nascer-do-sol sempre todos iguais. Pretendi com esta

264

série efetuada neste dia criar atmosferas e enigmas para que itanhaenses, tão

acostumados à paisagem local a vissem mais uma, com atenção, dando atenção à

suas formas, linhas, planos. Observassem a beleza de nossa terra. A Figura 133,

além destas vigorosas linhas que conduzem nosso olhar de um extremo a outro

também possui este equilíbrio que busquei organizar: entre a Ilha das Cabras e

estas pedras em primeiro plano, ambas em contraluz, como se reverenciando ao Rei

Sol.

O espelho d`água da Figura 134 foi obtido apenas com o deslocamento de

alguns passos de distância da Figura 133. Nesta busquei registrar esta bela

duplicação dos céus. Nuvem a nuvem, cor a cor, a Prainha soube como ninguém

igualar-se com o firmamento.

Fig.134: Amanhecer na Praia dos Pescadores II. Foto de Thais oliveira Silva. 02. Mar. 2012

Já a imagem registrada na Figura 135 pretendeu enfocar os resquícios da

presença humana, os pescadores locais que haviam partido antes do nascimento do

Sol. O carrinho posicionado no primeiro plano da imagem possibilitou aos

pescadores levar, com um pouco menos de sacrifício sua canoa. Em breve ela

retornará repleta com as nossas riquezas deste mar que nunca negou suprimento a

265

estes homens. É interessante notar que as linhas formadas pela maré nas areias da

praia seguem um mesmo ritmo do desenho das nuvens estriadas deste céu. Como

numa bela sinfonia, todos estão num mesmo acorde.

Fig.135: Amanhecer na Praia dos Pescadores III. Foto de Thais oliveira Silva. 02. Mar. 2012

Parti para meu local de trabalho satisfeita com minha série realizada neste

dia, porém, em meu caminho ainda encontrava-se a Praia dos Sonhos e as Figuras

136 e 137 foram irresistíveis, não consegui prosseguir sem antes captá-las.

A Figura 136 foi tomada dos areais já úmidos da Praia, a fim de captar

também seu belo reflexo sob o local. O sol intenso refletido através da vidraça deste

prédio me chamava, avisando-me que o seu caminhar sob os céus estava em

processo adiantado. Já estava na hora de eu também ir trabalhar

Um último olhar lançado para trás e capto a Praia dos Pescadores vista da

Praia dos Sonhos. (FIGURA 137) O intenso tom de bronze cobre todo o local. O Sol

está a cada minuto mais intenso, arrebatador. Dirijo-me a meu trabalho, satisfeita

com seus raios solares aquecendo minhas costas, na certeza de que haverá outros

nascimentos do Sol. Ele sempre retorna triunfante, majestoso a cada manhã.

266

Fig.136: Reflexos Matutinos. Foto de Thais Oliveira Silva.02. Mar. 2012

Fig.137: Nascer do Sol na Praia dos Sonhos. Foto de Thais Oliveira Silva. 02. Mar. 2012

Tal tranquilidade, a de esperar pacientemente por oportunidades de registrar

o percurso solar sob a terra foi adquirida com o tempo. Quando paro para refletir em

267

minhas primeiras imagens obtidas deste fenômeno orgulho-me de onde consegui

chegar hoje. Minha primeira tentativa foi no em Janeiro de 2012, eu já estava

empolgada com o fato de estar registrando durante a madrugada a Folia dos Reis

que não consegui dormir o resto desta madrugada, tamanha era minha ânsia de

registrar mais e mais. Dirigi-me até a Praia do Centro ainda escuro e esperei o

nascimento do Sol sob um belíssimo céu sem nuvens.

Assim que percebi a mudança tonal das cores do céu, postei-me entre estes

vegetais para que sirvam de contraluz. (FIGURA 138) Percebo muitos erros meus,

ainda não havia experiência e nem definido minhas próprias regras, como a de

enquadrar a linha do horizonte exatamente nas arestas do visor. Porém elas me são

necessárias para que hoje eu possa refletir sobre estas composições e orgulhar-me

Fig.138: Primeiras Tentativas I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012

Na Figura 139 registrei o quiosque dos pais de meu namorado em contra luz.

A silhueta de cada uma destas árvores ai encontradas, bem como a forma do

quiosque ganharam um tratamento diferenciado devido a esta bela luz que aponta

em nosso horizonte. O céu ainda está escuro, a noite ainda não se foi por completo,

268

mas o dourado está a caminho. Logo ele irá dominar toda a cena com todo seu

esplendor.

Fig.139: Primeiras Tentativas II. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012

Fig.140: Primeiras Tentativas III. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jan. 2012

269

Finalmente, na Figura 140 temos a imagem do sol já intenso, comparando

com o da Figura 139. Este já é capaz de tingir as águas da Praia do Centro de

Douradas, deixando sob elas seu rastro de luz.

5.2: Praia e mar

Vinha descalço, cansado

e, com o cesto pesado

quase nem podia andar

perguntei, então menino

o que trazes pra vender?

quero comprar, tenho fome,

e não tenho o que comer.

Ele me olhou admirado

olhou meu carro quebrado.

encostou no barranco

sorriu e disse: pois não

e posto o cesto no chão

mostrou-me tudo o que tinha

que dava para um fartão.

Camarão seco, palmito,

um naco de peixe frito

e frutas em profusão...

banana, caju, pitangas,

goiabas, laranjas, mangas

espiga de milho verde

batata doce, cará

e ainda um cacho de indaiá.

270

E enquanto os petiscos eu devorava

o pequenino sem me olhar cantava

uma singela e singular canção

falava na riqueza de sua terra

na água fresca que descia a serra

regando os bananais, descendo pro grotão

nos mantos de arrozais se escondiam

nos goiabais que a muitos enriqueciam

nos vastos palmitais...

E do pescado fresco prateado

das redes cheias de camarões lousados

d´uma fartura que eu não vi jamais

-Mas quem es tu? Falei admirada

e donde vens a pé por esta estrada

que aqui nesta fartura vives na pobreza?

hé? Não me conheces? Não te levo a mal

meu dia chegará, tenho certeza...

Eu sou... O Litoral.

(Pedrinha Zwarg. Terra da promissão. In: Poesias e trovas, 1999)

Fig.141: Infinito Azul. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012

271

O eterno vai e vem das ondas nas praias, das ondas nos costões estarão

para sempre guardados em minha memória, seu som, seu odor característico, sua

bela aparência. Não apenas em escassos dias o visito, mas sempre. O mar me

encanta sobremaneira, preciso observá-lo todos os dias.

E não me refiro a qualquer vista para o mar, mas a de minha cidade, minha

Itanhaém, sempre a verei como um poema musical, cantando a beleza imensa do

nosso mar, a amplidão de nosso céu azul, com suas belas serras azuis que nada

mais são do que imensas várzeas multicoloridas, em diversos tons de verdes, uma

profusão de cores e odores únicos.

O vento praiano é algo delicioso de se sentir e uma pena não poder registrá-lo

em minhas fotografias. Ele me desafia a encará-lo, me conforta, quando estou a seu

favor, nos dias quentes, me traz o cheiro de minha cidade, este odor salino que tanto

me encanta. Gosto de tê-lo em mim para assim eu estar em harmonia com minha

terra, ser uma só com ela, não uma intrusa. A Figura 142 foi realizada num destes

meus percursos onde caminho até a beira-mar para sentir sua maresia em mim. O

local que foi registrado pela manhã é a Praia do Centro, imagem tomada em frente á

Praça 22 de Abril, centro.

Fig.142: Maresia Onipresente. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012

272

Fig.143: Querida Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012

Editei a Figura 143 deixando-a monocromática, para que possamos ater-nos

ás suas formas e a tonalidade existente na cena, que vai da cor intensa das escuras

matas do Morro do Sapucaetava, passando pelos tons médios da grama na orla da

Praia até chegar á pura areia do local. Vemos ao fundo pescadores neste local que

também é muito procurado por eles, onde há o encontro do mar com o rio, porém os

homens estão tão pequeninos ante a beleza e potência do local. Idealizei a cena e

tantas outras neste percurso artístico tendo em mente a busca dos artistas do

Romantismo, onde registravam a natureza sempre bela imensa e o homem sendo

apenas um elemento pequeno na obra. Esta foi minha busca inicial para compor

imagens de paisagens.

Em minha poética visual, as fotos marítimas concentraram-se principalmente

em registrar a Praia dos Pescadores, um local que amo desde minha infância, com

suas águas calmas, características de sua baía, de sua aparência sempre

agradável.

273

A prainha se situa em pequena baía protegida pelo costão rochoso e pela

Ilha Givura (Ilha das Cabras), local até hoje usado pelos pescadores

artesanais para acesso ao mar e venda de peixe fresco. O local foi

“ocupado” na década de sessenta, também pelos pescadores catarinenses,

com suas grandes canoas de voga e motor de popa, grupos semelhantes

na filosofia de vida e origens. Hoje já não se distinguem os catarinenses dos

da terra – todos pescadores caiçaras na luta pela sobrevivência. (BRANCO,

2005, p.33)

O interesse pelo loteamento da Prainha, de acordo com Branco (2005), teve

início logo que a ponte Sertório Domiciliano foi construída sobre o Rio Itanhaém;

hoje este lugar que é um dos mais antigos da cidade está ocupado pela

urbanização.

Fotografei a Prainha numa fria e atípica tarde de Dezembro, que editei

posteriormente, tornando-a monocromática nos tons sépia. (FIGURA 144) O céu

refletido sob os areais úmidos do local seguem a mesma luminosidade. As nuvens

situadas à direita da imagem são as responsáveis pelo escurecimento da imagem,

onde atrás delas está nossa fonte luz, o sol. À esquerda, da imagem não há nuvens,

há um céu límpido, porém o mar está escuro em decorrência do declínio do sol.

Estes pequeninos pontos escuros ao fundo são as persistentes gaivotas à espera da

última canoa. “Logo eles chegarão para nos dar alguns peixinhos”, almejam. Ao

fundo da cena encontra-se em contraluz a escultura dedicada à novela Mulheres de

Areia.

A Praia dos pescadores ficou famosa por ter sido escolhida para as

gravações da primeira versão da novela da Rede Globo Mulheres de Areia, que foi

ao ar em 1973. As cenas eram filmadas, na sua grande maioria na Prainha, e o ator

e escultor Serafim Gonzáles (1930-2007), natural de Santos (SP), era quem fazia as

esculturas na areia antes das gravações. Muitos turistas que vinham a Itanhaém

para acompanhar o ritmo das gravações e os bastidores da novela tiveram

oportunidade de conhecer nossa cidade. (FERREIRA, 2008) Numa pedra, próximo

ao Púlpito do Anchieta, encontra-se uma escultura em bronze, do mesmo escultor,

eternizando o momento aqui na cidade.

274

Fig.144: Cai a tarde. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2012

Registrei a escultura num dia nublado a fim de estudar a relação climática

com o efeito que a mesma causa sob a imagem. A Figura 145 possui, devido ao

clima, um toque nostálgico, onde as cores da cena também contribuem para esta

minha impressão. Se fôssemos compará-la com a Figura 130, a qual foi tomada

deste mesmo local, porém em condições climáticas bem diferentes, nesta, o sol

estava nascendo envolto a diversas cores quentes, deixando a estátua e a Ilha das

Cabras ao fundo enegrecidas. Na Figura 145 ocorre o inverso: o céu está

praticamente sem cor, pálido e as figuras outrora em contraluz agora podemos

observar seus detalhes. Abaixo da figura da mulher encontra-se uma placa de

bronze onde está escrito a respeito da novela e agradecimentos à cidade por ter

cedido tão belo local para as filmagens.

275

Fig.145: Sob uma tarde nublada. Foto de Thais Oliveira Silva. 18. Mar. 2012

No dia dez de Dezembro de 2011 registrei uma série que me foi

extremamente decisiva para que a linguagem fotográfica se fortalecesse em mim.

Após cento e cinquenta fotografias na passarela de Anchieta, um belo ponto

turístico, voltei ao entardecer para a praia dos Pescadores, bairro onde minha avó

sempre nos levava para nadar, por se tratar de uma baía e, portanto, de águas

calmas. Hoje em dia posso estar fotografando ainda mais o local, em todas as horas

do dia, acompanhando o percurso do Sol, pois é o bairro de meu namorado. Durante

as férias estive registrando o local continuamente. Neste dia ao cair da tarde, eu

havia decidido não fotografar mais. Fiquei na beira mar lendo, esperando que ele

saísse do mar. Porém, o crepúsculo tomou toda a atenção do livro. Estava

encantador, com poucas nuvens, conferindo ao céu e ao mar uma uniformidade

fantástica ao cair da tarde com tons de violeta, amarelo, laranja e toda contraluz

produzida por quem ou o quê ousasse estar na frente da belíssima iluminação do

Rei-sol. Rapidamente larguei o livro e recomecei a fotografar, percebi que as

melhores composições seriam as que eu tivesse que entrar na água, molhando pelo

menos até o tornozelo, pois o mar naquela hora já estava recuando, não era

necessário deslocar-se até o fundo. Lá, pude registrar belas composições, onde o

276

mar, os últimos reflexos solares e os de luzes artificiais puderam contribuir para uma

forma harmoniosa e repleta de significações.

Percebi meu potencial para registrar a hora mágica, ou seja, o momento em

que as cores ficam mais agradáveis, a saturação lindamente aumentada com os

detalhes e texturas reveladas, formando sombras suaves. A luz neste período foi-se

modificando a cada minuto, conferindo às minhas fotografias detalhes e

composições únicas. Precisei ser rápida e atenta para registrá-las a tempo até que a

noite chegasse.

Fig. 146: O último a sair do mar. Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Dez. 2011.

Finalizei a série registrando o momento em que o último surfista saia do mar.

(FIGURA 146) Aquele que em harmonia com a paisagem sempre deslumbrante

compôs meu lugar ideal, aonde sempre irei para sonhar na certeza de vê-los

realizados um a um.

Além da Praia dos Pescadores, outras praias de Itanhaém fizeram parte de

minha poética pessoal.

277

A Praia da Saudade é uma estreita faixa praia de rio, no sopé do Morro do

Sapucaetava. É uma praia de águas mansas, salgada ou doce conforme a maré

entra ou sai da barra do rio, como observa Branco (2005), está em perfeita situação

para pesca. Antigamente o caiçara armava a rede para encontrar o canal da barra e,

nele, todos os peixes que entravam no estuário para desovar ou alimentar. Perto

desta praia encontra-se um manguezal onde o caiçara até os dias de hoje, coleta

caranguejos, ostras e crustáceos. Na Figura 147 temos a vista da Boca da Barra

tomada da Praia da Saudade numa manhã ensolarada. Porém, como se anuncia ao

fundo, com estas escuras e pesadas nuvens, esta tarde teve mais uma típica chuva

de verão.

Fig.147: Praia da Saudade I. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012

278

Fig.148: Praia da Saudade II. Foto de Thais Oliveira Silva. 23. Dez. 2012

A Figura 148 registra a vista do Centro da cidade tomada do local. No

momento em que estou fotografando, mais um barco de pesca dirige-se ao alto mar.

Na Figura 149 temos a imagem do pequeno manguezal do Sapucaetava.

Fig.149: Manguezal do Morro Sapucaetava. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Jan. 2012

279

A praia dos Sonhos teve seu início de povoamento por volta de 1924,

segundo Branco (2005). Em sua orla temos a presença de três prédios construídos

durante as décadas de sessenta e setenta.

A praia de Peruíbe, com 24 quilômetros de extensão tem seu mar calmo, sem

correntezas importantes, vai desde o Rio Itanhaém até o município de Peruíbe,

desaguando nas águas do Rio Piaçanguera. De acordo com Branco (2005), existia

uma comunidade caiçara no local denominado Camboriú, hoje Cibratel II. “Desta

antiga comunidade itanhaense já não resta nenhum indício, a não ser a memória

das pessoas mais idosas e os restos da antiga estação de trem” (BRANCO, 2005, p.

34)

Nas praias de Itanhaém, ainda conseguimos encontrar Jundu, um tipo de

vegetação muito resistente à ação dos ventos e da salinidade (FERREIRA, 2008),

elas são árvores pequenas, de troncos retorcidos e entrelaçados, possuindo folhas

espessas e lustrosas.

Fig.150: Jundu. Foto de Thais Oliveira Silva. 22. Jan. 2012

280

A palavra Jundu origina-se do tupi, que significa “mata ruim”. Sua importância

reside no fato de que ele fixa as dunas de areia e apresenta plantas frutíferas como

a maçãzinha-da-praia. Ela, portanto funciona como uma barreira natural auxiliando

as dunas de areia a impedirem a invasão da maré e da ação dos ventos. Na Figura

150 as formações de Jundu encontram-se em primeiro plano, tendo ao fundo, o

Morro do Sapucaetava envolta à brumas da maresia.

De acordo com Ferreira (2008), o mar do litoral sul é raso, com águas turvas,

arrebentação constante e terra fina. Devido a extensão destas terras, os navegantes

preferiam fazer suas viagens sempre beirando a costa, sem se afastar mais de 500

metros da praia.

Esta arrebentação constante é a marca principal do Praião localizados no final

da faixa de areia que se estende do Boqueirão (Praia Grande) a Itanhaém, com seus

ininterruptos quarenta quilômetros até desembocar no Rio Itanhaém que é

denominada Praia Grande. Segundo as descrições de Branco (2005), é uma

extensa praia de mar aberto, onde não existem baías, recôncavos, costões rochosos

ou qualquer proteção contra o vento e as marés.

Fig.151: Contemplação. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012

281

Esta praia, principalmente a praia do Tombo, localizada após o encontro do

Mar com o Rio, é violenta, com grandes e assustadoras arrebentações. Porém, no

dia 7 de Abril estava pacífica, distante, irreconhecível. Não me esquecerei, pois em

toda minha vida nunca havia ido tão profundo em suas areias e agora lá estava eu, a

registrando há uns trinta metros mar adentro, quando em condições normais a faixa

de areia seca não passa de cinco metros. Na Figura 151 temos a imagem de dois

pescadores observando atentamente suas varas de pescar, fincadas nas areias e

bem mais do que isto, acredito que também contemplam a maravilha de paisagem

que se apresentava aos que estavam presente na Praia do Centro neste dia. Os

belos reflexos do nascimento solar são refletidos em toda a praia tornando a imagem

uma só, havendo a junção entre céu e terra.

Na Figura 152 vemos uma cena nada cotidiana, pois normalmente de onde

estou captando a orla do Praião as águas são profundas e agitadas, neste dia suas

tranquilas águas formaram um belíssimo espelho d` água.

Fig. 152: Uma manhã memorável. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012.

Praias de Itanhaém,

Magia de luz e cor,

282

Princesa dos mares do Sul

Devolve o meu amor

Há um ditado

Na minha terra

Amor de praia

Não sobe a serra,

É como a onda

Que beija a areia

Quando é noite

De lua cheia

A onda beija

E vai se embora,

A areia fica

Tão triste e chora

Eu já sabia

Linda criança

Que era tudo onda

Só ficou uma esperança.

(Antônio Bruno e Ernesto Zwarg. In: Itanhaém, um mar de histórias. Itanhaém: Expoente,

2008)

A Figura 153 mostra-nos uma sequência de pequenos quiosques e palmeiras

onde estes apontam em direção ao mar, os quais são encontrados na Praia do

Centro. A imagem foi tomada pela manhã, o que possibilitou a contraluz no primeiro

plano sob um intenso azul encontrado tanto nos céus quanto no mar.

283

Fig.153: Só ficou a lembrança. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012

5.3: Recortes da Vida cotidiana na praia

Itanhaém sonho infindo

É a namorada do mar

O teu luar

E o céu tão lindo

São um convite para a gente amar

Itanhaem magia

De luz e cor

É um doce paraíso

Dos sonhos de amor

Estrelas mil cintilam

No céu azul

284

Grinalda de princesa

Dos mares do sul

(José Rosendo e Ernesto Zwarg. In: Itanhaém, um mar de histórias. Itanhaém: Expoente, 2008)

Muitos moradores de Itanhaém têm por hábito após o trabalho irem até a

praia para observá-la. É um momento realmente único. Como é singular, ver a tarde

caindo em minha terra. Em dias outonais, onde o frio já se aproxima, poucos ousam

ainda estar na praia, vê-la bem de perto, mas o entardecer vista das areias da praia,

é inesquecível, nossos morros fazendo uma excelente moldura a maravilhosa obra

de arte do Criador, a queda do Rei Sol, este indo numa marcha fúnebre para as

terras sombrias, mas a marcha não é soturna, é bela, o sol se vai, mas deixa após si

uma explosão de tons vermelhos, rosas, laranjas, dourado, ele está partindo, mas

sempre deixa saudades. Até o dia seguinte. E o seguinte. E o seguinte. Itanhaenses

que ao observar algo majestoso nos céus ou no mar, sempre tem o desejo de

fotografar tal imagem a nós apresentada, já que:

É comum, para aqueles que puseram os olhos em algo belo, lamentar-se de

não ter podido fotografá-lo. [...] Aprendemos a nos ver fotograficamente: ver

a si mesmo como uma pessoa atraente é, a rigor, julgar que se ficaria bem

numa fotografia. (SONTAG, 2006, p.102)

Tantos itanhaenses gostam de observarem o mar em diversas ocasiões e

dias. Eu sempre me pego imaginando o que estão pensando naquele momento.

Tanta saudade o mar já não ouviu? Tantas lembranças, de inúmeras gerações desta

terra que tiveram o mar por confidente e este nos ouve e o mar guarda nossas

confidências, choros secretos, escondidos de todos o mar que já presenciou. Tantas

ilusões, tantos dramas que já ouviu. A profundeza do mar inteira a guardar tantos

segredos. Será possível que todas estas ondas espumadas estejam repletas de

lágrimas?

285

Nós que convivemos com o mar podemos até afirmar que o conhecemos,

mas, no entanto, não conseguimos esquadrinha-lo por completo. Ele sempre nos

será surpreendente, nos trazendo sentimentos e emoções únicas. Pode até ser para

muitos ser algo repetitivo este gesto do mar, de vai e vem, mas para aqueles que o

ama, é o movimento de um amante que vem beijar sua amada, a praia, este que

vem másculo e forte, um movimentos tão repentinos, principalmente no Praião, onde

há um turbilhão de ondas sem descanso, local ideal de muita gente, não sei se

porque a vista é estonteante e hipnotizadora ou se é a praia do centro da cidade.

Mas de uma forma ou de outra, sempre será misterioso para quem o olhe, como um

coração humano, impossível de ser sondado.

Na Figura 154 temos a imagem de homem que olha atentamente em direção

ao mar, segurando sua bicicleta. Não sei se ele é um pescador a observar se as

condições climáticas são favoráveis à pesca, se está descansando ou se apenas

procurou o local para ficar consigo mesmo. Mas as motivações deste homem não

nos interessam, é particular. O que importa é que o mar sempre nos responde.

Como também na Figura 155 onde vemos registrado um moço observando o

mar, perdido em seus pensamentos. Eu havia parado ai para descansar e achei

muito interessante a atitude dele, há muito tempo estivera ali, em meio a devaneios,

com os olhos fixos no mar, nunca saberemos o que se passava em sua mente, em

seu coração. Tal como esta mulher encontrada na Figura 156, na Praia do Cibratel

que há muito tempo devaneava sob esta pedra numa tarde quente de verão. A qual

nem mesmo a constante presença de diferentes pessoas a ir e vir não a incomodou,

ela estava totalmente imersa em seus pensamentos. Quais eram eles? São

insondáveis a nós.

286

Fig.154: Insondável I. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012

Fig. 155: Insondável II. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012

287

Fig.156: Insondável III. Foto de Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012

Em cada presença silenciosa onde pude observar diante do mar, lá está meu

testemunho do que pude presenciar, mesmo sem sabermos as motivações de cada

personagem registradas nas imagens fotográficas de estar no local, a simples

presença destes foi capturada.

A imagem do real retida pela fotografia (quando preservada ou reproduzida)

fornece o testemunho visual e material dos fatos aos espectadores

ausentes da cena. A imagem fotográfica é o que resta do acontecido,

fragmento congelado de uma realidade passada, informação maior de vida

e morte, além de ser o produto final que caracteriza a intromissão de um ser

fotógrafo num instante dos tempos. (KOSSOY, 2001, p.37)

Enquanto eu fotografava o nascimento do Sol esta senhora a cada dois ou

três passos abaixava-se a fim de colher as belas conchinhas que o mar havia trazido

a nós neste dia. Com muita simplicidade e espontaneidade ela colecionava seus

tesouros, suas conchinhas, não estava preocupada com absolutamente nada. Seu

foco eram apenas elas. (FIGURA 157)

288

Fig.157: Conchinhas do Amanhecer. Foto de Thais Oliveira Silva.07. Abr. 2012

Fig.158: Longas tardes de Verão. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012

O homem da Figura 158 vinha de longe, vi seu pequeno contorno a uma

distancia considerável aproximando-se de mim paulatinamente. Ele está tranquilo,

289

apenas caminha a beira mar sem levar consigo nenhum pertence. A pureza do azul

da cena fecha este ciclo de calmaria ai existente.

Fig. 159: Uma Tarde na Praia. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Jan. 2012

Aqui todo ecoa não com a urgência das grandes cidades, mas com a calma

dos artesãos de nossa cidade. As caminhadas pelas orlas de nossas praias,

acompanhadas pelo cantar do mar são herança de cada cidadão local. Na Figura

159 temos em primeiro plano um pai atento observando seu pequeno brincar com a

areia do mar e em segundo plano outros tanto personagens, todos calmos, todos

apenas vivendo e fruindo cada momento proporcionado por tão belo local.

Itanhaenses que despertam inveja nos veraneios, não por suas posses, mas

pela paz que nós possuímos; nossa vida levada na calmaria, sem o clamor e a

agitação das grandes cidades. Paz esta que provém da fé católica herdada, onde

permite o descansar em meio a dificuldades, descansar Nele: a Grande Providência,

aquele que figura como o Menino nascido e anunciado pelos Magos, ou pela

Pombinha Branca do alto do Mastro, a Santa Mãe que do alto do Morro Itaguaçu os

abençoa. Aquele que está sempre do lado deste povo simples.

290

6: ABSTRAINDO O COTIDIANO A TODO MOMENTO (séries fotográficas)

Como a fotografia é muito mais um documento impregnado de

fantasia, tanto do fotógrafo quanto do fotografado, quanto do “leitor” da

fotografia, do que de exatidões próprias da verossimilhança. O que o

fotógrafo registra em sua imagem não é só o que está presente ali no que

fotografa, mas também, e, sobretudo, as discrepâncias entre o que pensa

ver e o que está lá, mas não é visível. A fotografia é muito mais indício do

irreal do que do que do real, muito mais o supostamente real recoberto e

decodificado pelo fantasioso, pelos produtos do autoengano necessário e

próprio da reprodução das relações sociais e de seu respectivo imaginário.

A fotografia, no que supostamente revela e no seu caráter indicial, revela

também o ausente, dá-lhe visibilidade, propõe-se antes de tudo como

realismo da incerteza. (MARTINS, 2008, p.28)

O fotógrafo é capaz de converter uma rua da cidade, um momento, o olhar de

uma criança, de um velho, a solidão dum homem em mitos, em concepções

imagéticas que transportam o espectador para novas, e por vezes velhas

dimensões. A fotografia contemporânea, tal como a pintura, tem na sua essência a

criação de metáforas, de conotações, de analogias diversas, conseguindo converter

a objetividade em subjetividade. O visível não é necessariamente aquilo que se nos

é apresentado perante os olhos. (TAVARES, 2008)

Durante todo meu percurso, busquei em cada imagem obtida abstrair o

cotidiano, compor imagens que dessem vazão à conotação, a interpretações

diversas a cada leitura. Entretanto, busquei na série “Abstraindo o Cotidiano” modos

muito mais sugestivos e cheios de significações para registrar minha cidade. Na

Figura 160 busquei captar algo que sempre aprecio observar nos dias de chuva , a

distorção natural que as gotas de chuva provocam nas janelas em meus percursos

cotidianos. Dias chuvosos são melancólicos a meu ver, pois gosto das cores

encontradas nos dias ensolarados, mas são precisos e necessários em nossas

vidas.

291

Na área das emoções a fotografia tenta nestes tempos, como, aliás, já o fez

no passado, de acordo com Tavares (2009), explorar e tratar a condição humana:

desilusão, ansiedade, desespero, solidão, fobia, mas também a alegria, a festa, a

esperança. “O ser humano, na sua relação com o mundo atual, é o centro de

atenção dos artistas mais recentes”. (TAVARES, 2009, p.8)

Fig. 160: Praia do Sonho vista da janela num dia chuvoso. Foto de Thais Oliveira Silva. 30. Abr. 2012.

Para tanto, é necessário ter em mente que:

A fotografia não está enclausurada à condição de registro iconográfico dos

cenários, personagens e fatos das mais diversas naturezas que configuram

os infinitos assuntos a circundar os fotógrafos, onde quer que se

movimentem. A fotografia por ser meio de expressão individual, sempre se

prestou a incursões puramente estéticas; a imaginação criadora é pois

inerente a essa forma de expressão; não pode ser entendida apenas como

registro da realidade factual. A deformação intencional [grifo nosso] dos

assuntos através das possibilidades de efeitos ópticos e químicos, assim

como a abstração, montagem e alteração visual da ordem natural das

coisas, a criação enfim de novas realidades têm sido exploradas

constantemente pelos fotógrafos. Nesse sentido, o assunto teatralmente

292

construído segundo uma proposta dramática, psicológica, surrealista,

romântica, política, caricaturesca etc., embora fruto do imaginário do autor,

não deixa de ser um visível fotográfico captado de um realidade imaginada.

Seu respectivo registro visual documenta a atividade criativa do autor, além

de ser, em si mesmo, uma manifestação de arte. (KOSSOY, 2001, p. 49)

Novamente, Kossoy (2001, p. 50) declara a atuação do fotógrafo como filtro

cultural: “seu talento e intelecto influirão no produto final desde o momento da

seleção do fragmento até sua materialização iconográfica.” Deste modo o

testemunho e a criação são indissociáveis, nas palavras do autor, são um “binômio

indivisível”. Não importa o assunto registrado na fotografia, esta não será nunca

imparcial, documentando sempre a visão de mundo do fotógrafo. Ela é um duplo

testemunho por: “nos mostrar a cena passada, irresistível, ali congelada

fragmentariamente, e por aquilo que nos informa acerca de seu autor” (KOSSOY,

2001, p. 50) O autor prossegue afirmando sobre o poder do fotógrafo na concepção

da imagem:

As possibilidades de o fotógrafo interferir na imagem – e portanto na

configuração própria do assunto no contexto da realidade – sempre

existiram desde a invenção da fotografia. Dramatizando ou valorizando

esteticamente os cenários, deformando a aparência dos seus retratados,

alterando o realismo físico da natureza e das coisas, omitindo ou

introduzindo detalhes, elaborando a composição ou incursionando na

própria linguagem do meio, o fotógrafo sempre manipulou seus temas de

alguma forma: técnica, estética ou ideologicamente. (KOSSOY, 2001,

p.108)

Porém, é difícil quebrar alguns paradigmas na área da fotografia, pois o valor

da mesma como o espelho do real está cristalizado no senso comum. Sontag (2006)

nos lembra de que:

293

O que está escrito sobre uma pessoa ou um fato é, declaradamente, uma

interpretação, do mesmo modo que as manifestações visuais feitas a mão,

como pinturas e desenhos. Imagens fotográficas não parecem

manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da

realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir. [...] Porém, apesar da

presunção de veracidade que confere autoridade, interesse e sedução a

todas as fotos, a obra que os fotógrafos produzem não constitui uma

exceção genérica ao comércio nebuloso entre arte e verdade. Mesmo

quando os fotógrafos estão muito mais preocupados em espelhar a

realidade, ainda são assediados por imperativos de gosto e de consciência.

(SONTAG, 2006, p.16-17)

Tal fato nós podemos observar em nosso cotidiano ao nos depararmos com

as imagens publicitárias, as quais após sua edição tem o enorme poder de seduzir a

população em geral. Para Sontag (2006), a imaginação fotográfica envolve um modo

de produção de imagens fotográficas, a composição e a perspectiva, o apelo a

recursos técnicos para escolher e definir a profundidade de campo, enfim, um modo

de construir a fotografia, de juntar no espaço fotográfico tudo o que da fotografia

deve fazer parte e o modo como deve fazer parte.

O chamado “congelamento” do instante fotográfico é na verdade a redução

das desencontradas temporalidades contidas nos diferentes componentes

da composição fotográfica a um único e peculiar tempo, o tempo da

fotografia. [...] Se a fotografia aparentemente “congela” um momento,

sociologicamente, de fato, “descongela” esse momento ao remetê-lo para a

dimensão da história, da cultura e das relações sociais. O “congelar” não é

mais do que o sublinhar elementos de referência de um imaginário cujo

âmbito não se restringe ao reducionismo dos supostos “congelamentos”.

(SONTAG, 2006, p. 65)

Portando, nestes congelamentos obtidos com nossas imagens fotográficas

pomos em evidência tudo aquilo que denuncia o que apreciamos, quais são nossas

referências estéticas, revelando-nos a todo o momento. Neste sentido, revelando a

condição em que se encontra o fotógrafo:

294

O fotógrafo é, pois uma categoria de observador que se pode realizar

imediata e inteiramente, no vazio verbal, mas não no vazio visual. [...] Ele

fotografa o que vê, muitas vezes sem compreender, mas sem por isso se

sentir frustrado por uma compreensão intelectual que, aliás, não busca em

estado, em primeira instância. (MARESCA apud ANDRADE 2002,

p. 142)

Este sentimento de colecionar intensamente imagens passou a dominar-me

desde Dezembro de 2011. Cada particularidade de minha terra que eu observava e

conseguia visualizar uma boa composição, eu a registrava com minha câmera

fotográfica que me servia como um bloco de anotações.

Deste modo, busquei constantemente observar minha cidade de modo mais

apurado, persistente, buscando ver o que dantes eu não percebia. Para descrever

tal acontecimento, faço das palavras da autora as minhas:

o exercício de fotografar ensinou-me a contemplar as coisas do mundo, a

reparar no movimento da natureza e na natureza dos movimentos. Aprendi

a observar as pequenas coisas dentro de um universo, os detalhes dentro

da globalidade. (ANDRADE, 2008, p.18)

As palavras de Andrade (2002) esclarecem minha proposta em fomentar a

observação acurada do que nos cerca, quando nos fala que sobre a população em

geral onde aprendemos a ver apenas o que precisamos ver. Atravessamos nossos

dias com viseiras, observando apenas uma fração do que nos rodeia. Para Andrade

(2002, p. 54), “Os homens modernos não são tão bons observadores, e o uso da

câmera fotográfica pode auxiliar sua percepção”.

Ainda sobre este mesma abordagem, Andrade (2002), diz:

295

Olhar para o mundo é uma condição, compreendê-lo por meio deste olhar é

uma busca eterna, instigante e fascinante. Fascinante porque é pela

contemplação da beleza do mundo que nos encantamos e nos

apaixonamos. Instigante porque a vontade de mergulhar em seu

desconhecido pode nos levar ao diferente e transformar o que estamos

viciados a enxergar. (p.114)

Com a observação atenta, fazemos parte do mundo e não apenas estamos

inseridos nele. Quanto mais nos aprofundarmos naquilo que enxergamos, mas

conheceremos do objeto e de nós mesmos. “Tecemos nossas conclusões pelos

fragmentos e pelos recortes. Tecemos um olhar por fotografias”. (ANDRADE, 2002,

p.115)

Nesta conturbada vida em que levamos, perdemos a relação com o tempo e

seu direcionamento. Observar, contemplar o nosso meio requer tempo. “Para

saboreá-las, é preciso parar, o que é quase impossível diante do imediatismo de

nossas necessidades diárias. Vida moderna, fugaz e efêmera.” (ANDRADE, 2002,

p.116)

Portanto devemos nos debruçar atentamente sobre nosso tema, registrando-o

com respeito, saboreando o instante vivido:

“Uma grande foto” tem de ser uma expressão plena daquilo que a pessoa

sente a respeito do que é fotografado, no sentido mais profundo, e é

portanto uma expressão verdadeira daquilo que a pessoa sente a respeito

da vida em seu todo. ( ADAMS apud SONTAG, 2006, p. 135)

No ano de 1904, os irmãos Lumière, com base numa técnica própria,

começaram a fazer as primeiras fotografias coloridas, claramente influenciadas pela

pintura impressionista, indício de quanto ainda persistia a dúvida dos fotógrafos em

relação à fotografia “prisioneira da ideologia do verossímil e quanto titubeavam em

abandonar a possibilidade de situá-la no imaginário da arte”. (MARTINS, 2008, p.

151)

296

O impressionismo muito me influenciou no que concerne a fotografar várias

vezes o mesmo lugar, porém variando a perspectiva e principalmente variando em

função do dia e da luz. “Cada momento do dia criava o seu próprio espaço e,

sobretudo, a sua espacialidade singular, através da linguagem do reflexo. [...] Em

diferentes dias e em diferentes momentos do dia eram diferentes as imagens da

mesma coisa.” (MARTINS, 2008, p.158)

Penso que há no impressionismo um ímpeto totalizador na tensão da

linguagem que lhe é própria, traços e cores libertos dos formalismos da

pintura que precedeu, uma luz que procura se expandir, incontida nos

limites do quadro e do enquadramento. A fotografia, como a pintura anterior

ao Impressionismo, se orientará no sentido de sugerir a quem a vê que o

todo já está nela contido, que não há nenhuma continuidade visual além do

que foi fotografado. Em contraste, portanto, com as primeiras holografias,

de imprecisões polissêmicas e impressionistas, sugerindo que o objeto é

apenas o indício de uma visualidade mais extensa, carregada de incógnitas

mais do que seguras certezas. (MARTINS, 2008, p. 152)

Tanto nessas primeiras fotografias quanto na pintura Impressionista,

percebemos a imprecisão de contornos e a intensidade de luz que parecem atender

às necessidades de uma época de explosão do imaginário e do anseio de liberdade

de representar livremente o apresentado, anseio de antepor a liberdade interior do

sujeito à tirania exterior do objeto. Neste conturbado século XIX encontramos:

“Contradição e resistência anárquica aos crescentes constrangimentos do imaginário

contrário, o das precisões de um objetivismo insaciável e castrador”. (MARTINS,

2008, p. 152)

Infelizmente, desde suas origens a fotografia foi capturada para tornar-se servil

do real, sendo apenas seu espelho. Tanto que em apenas meio século de sua

invenção, conforme expõe Martins (2008), o retrato fotográfico era utilizado para

identificação nas fichas policiais e nos passaportes. Há, nesse sentido, uma

necessidade de vigilância, de deixar em cada fotografia os elementos bem visíveis e

apresentáveis.

297

Assim como foi o contexto social para o surgimento do Impressionismo, que em

meio a cenários cinzentos e esfumaçados, das recentes fábricas, os artistas

ansiavam por liberdade, como nos informa Martins (2008), desejando representar

livremente, buscando principalmente a liberdade interior, para que esta se extravase

para o exterior sem nenhuma amarra e flua para sua criação artística. E hoje, é o

que desejei e busquei com esta série fotográfica. Meu contexto social é bem diverso

do momento histórico onde nasceu o Impressionismo, mas, com o mesmo anseio

destes percussores libertos, anseio pela liberdade, bem como anseio por deixar fluir

meu imaginário para cada uma de minhas fotografias. Sem temer aos presentes e

futuros constrangimentos do imaginário contrário, com suas regras definidas e

inalteráveis; cegos devido a seu objetivismo insaciável e castrador (MARTINS,

2008), os quais tentam com suas críticas destrutivas, me “corrigir”, mas quem há de

impedir o meu olhar?

“A fotografia se afastou progressivamente do imaginário de imprecisões reais

em que nasceu sem dele se divorciar completamente.” (MARTINS, 2008, p.159) Sua

nitidez fez com que a sociedade industrial e moderna a aprisionasse. Numa época

em que a pintura explorava, com o Impressionismo, a linguagem imprecisa da

imagem, oriundas da poluição da água e do ar, pelos reflexos gerados pela mesma,

a fotografia estava fazendo o trajeto oposto. A fotografia estava criando seu próprio

mito, de acordo com o autor, buscando o rebuscamento da forma e da semelhança

com o real. Enquanto a pintura optou pela liberdade, a fotografia escolhe sua

submissão ao supostamente documental.

Neste pressuposto, conforme analisa Martins (2008), não é de se admirar que

um pintor, Henri Cartier-Bresson, na condição de fotógrafo, tenha criado uma

linguagem e uma estética libertadora, que é uma saída desta prisão em que a

fotografia foi encerrada. Bresson através do momento decisivo encontra a

espontaneidade e liberdade ao estar previamente no “lugar certo”, assim, o fotógrafo

deve ser ágil e perspicaz. “É que para Cartier-Bresson, coisas e pessoas se definem

na relação e no relativo. A escolha prévia do cenário do momento decisivo da

fotografia é escolha da mediação significante sem a qual o tema, a ação, não terá

sentido.” (MARTINS, 2008, p.160)

298

Seguindo o grande mestre Bresson, pude voltar a diversos cenários onde se

desenrolaram inúmeros fatos de minha vida e os captar de um modo único,

incomum, como é o caso da Figura 161. Onde pude unir lembranças de minha

infância às reflexões artísticas. De minha infância tenho esta posição, que para

captura-la tive que me abaixar, mas quando eu tinha sete anos era este meu

tamanho, minha visão. Eu observava o rio sempre através destas janelas, enfim, as

grades de proteção da ponte da rodovia Padre Manoel da Nóbrega, quando íamos a

pé à casa dos parentes de minha avó.

Fig. 161: Uma janela sob o Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 05. Jul. 2012.

Este conjunto ponte-e-rio sempre esteve guardado em minha mente. E, agora,

anos depois de tantas vivências adicionadas a esta, decidi registrá-la também

direcionando a imagem não apenas ao passado, mas ao presente, às minhas

reflexões a respeito da fotografia.

Propus esta imagem como se estivéssemos posicionados do mundo abstrato,

subjetivo observando o mundo real, objetivo. O contraste de cores quentes, do muro

e frias, do rio também não foi aleatório, desejei que nos dessem este sensação de

oposições de mundos diferentes, mas, que ao mesmo tempo há harmonia. É a

299

liberdade de observar lugares conhecidos ou não com um olhar mais observador,

um olhar que é capaz de unir e imprimir nossas vivências em cada imagem

produzida.

E esta mesma liberdade orientou a concepção de minha série fotográfica, em

que na perspectiva do fotógrafo português João Evangelista o qual suas produções

concentram-se em imagens abstratas, o qual eu contatei através inicialmente do site

olhares e mais tarde através de e-mails, fala a respeito de minha produção:

[...] No seu caso além da leitura subjectiva ou abstracta ser mais complexa

ela só está ao alcance do observador se ele se demorar a olhar suas fotos,

no seu caso o observador é obrigado a olhar como deve ser pois ele só será

"recompensado" com uma leitura mais subjectiva do mundo real se ele fizer

um esforço e isso para mim é bom pois além do observador apurar sua

capacidade de observar fotos, você obriga-o a por em questão a realidade e

o mundo que o rodeia...É bom porque as pessoas estão tão acostumadas e

ver o mundo "direitinho" que acabam por se conformarem com tudo e

aceitam tudo sem pensar...Com essa coisa da vida cada vez mais

apressada e estressada já não põem nada em questão e aceitam tudo sem

pensar duas vezes primeiro!!!

Você está fazendo com que as pessoas voltem a pensar sobre o mundo

que está à sua volta em vez de aceitar tudo sem mais nem menos!

O que você faz é distorcer o objectivo e a realidade para que as pessoas

não possam ter uma leitura óbvia e normal do mundo real, obrigando-as a

se questionarem e buscar uma leitura que torne lógico e aceitável,

acabando por se "refugiarem" numa leitura abstracta e subjectiva em que

uma casa inclinada já não incomoda, pois passou a ser uma forma

independente do que é na realidade e passa a ser aceitável estar

"torta"!!!...Tudo deixa de ser uma paisagem e passa a ser uma harmonia de

forma e linhas que dependendo da sua força visual dão uma imagem

estável ou dinâmica! [...] Quando você inclina o assunto nas suas fotos, é

como se você estivesse dando um 1º passo para que você e o observador

se livre do conformismo e rotina da realidade para depois seguir em

direcção à abstracção!...E ajudando as pessoas a "acordarem" e verem o

mundo com outro olhar!

300

Pelo que eu aprendi sobre abstracção, tudo pode se tornar numa foto ou

obra abstracta por uma simples razão: A verdadeira abstracção tem sempre

origem na realidade!!!!...a própria palavra está dizendo que estamos a

abstrair alguma coisa e no caso da abstracção é a realidade!!!!...Tanto é

verdade que só quando a obra final não tem nada que seja relacionado com

o mundo real é que pode ser chamada de abstracta!...Só ao abstrair a

realidade é que entramos no mundo das formas, linhas, manchas de cor

para criar harmonia sem estarmos presos ao que é familiar e real!

(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem

pessoal] Mensagem recebida por < [email protected]> em 03. Jul. 2012.)

Fig.162: Uma Face? Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Dez. 2012

Neste sentido de busca por formas que nos convidem à reflexão andei por

toda a cidade tentando encontrá-las pra enfim registrar. Na Figura 162 vê-se uma

forma que contém luz e sombra. A primeiro olhar eu reconheci uma face em perfil. O

leitor é livre para ler o que quiser nesta e em qualquer imagem. O importante é ler, é

perceber o mundo que nos rodeia. Tal forma foi realizada pelos reflexos da

iluminação artificial na Praia dos Sonhos numa quente noite de verão a qual saímos

para caminhar sobre ela. Tudo pode ser lido.

301

A Figura 163 é algo que pertence a meu cotidiano. Sempre o vejo em meus

percursos quando vou ao centro utilizando a ciclovia da Rodovia Padre Manoel da

Nóbrega. Diversos postes de eletricidade que desde minha infância os relaciono

com a Torre Eiffel estão dispostos à beira da Rodovia. Registrei a imagem quando

um dos postes está postado em frente a enorme floresta retorcida, o grande

manguezal que se encontra após o Rio Itanhaém em direção ao sul. Focalizei

apenas parte da estrutura a fim de criar uma espécie de prisão, grades à mata

nativa. Felizmente o que lá prevalece é a Mata Atlântica.

Fig.163: Natureza Encarcerada. Foto de Thais Oliveira Silva. 03. Jul. 2012

Estudei o Ensino Fundamental I e II na Escola Estadual Prof. José

Carlos Braga de Souza, localizada no Bairro do Jardim Savoy. Há mais de vinte

anos os muros da escola permanecem nesta condição, deteriorado e com diversas

fendas. Ao passar por lá, na entrada ou saída da escola, minha distração era

enquadrar a paisagem subsequente. (FIGURA 164). Os Morros do Bairro do

Vergara, toda mata que circunda meu antigo bairro estavam sob minha vista.

Gostava de perceber que a cada passo, em uma nova perfuração no muro, o

enquadramento modificava, elementos novos surgiam, o quadro era maior ou

302

menor, dependendo do tamanho da falha do muro. E assim, mesmo através de algo

fútil, muitas vezes inaceitável, por se tratar de um muro de uma escola, em estado

de abandono, treinei meu olhar desde pequena. Meu visor era qualquer elemento

que pudesse enquadrar o mundo.

Primeiramente minha Itanhaém, a qual me possibilitou o treino do olhar, o

prazer pelo efêmero, fugaz, a observação de acontecimentos que poucos percebem.

Hoje não preciso mais das perfurações do antigo muro. Hoje sou capaz de observar

o Mundo ao meu redor com mais clareza, com mais paixão.

Fig.164: Espiando através do Muro. Foto de Thais Oliveira Silva. 29. Abr. 2012

303

CONCLUSÃO

O Objetivo central desta pesquisa foi utilizar um enquadramento inusitado na

fotografia para demonstrar nossa relação com a imagem e o poder do fotógrafo de

imprimir sua visão na fotografia. Para busca de informações, a metodologia utilizada

teve uma abordagem qualitativa, pois ela se trata de um registro e descrição de

minha poética pessoal. Os Objetivos dessa pesquisa fizeram dela uma pesquisa

descritiva e explicativa, pois descrevi qual foi o processo histórico da câmera

fotográfica como também dissertei sobre como a sociedade contemporânea está

intimamente envolvida com a fotografia. Enquanto procedimento, este trabalho

realizou-se por meio de pesquisa bibliográfica que parti pela leitura de registro

disponível e publicado para comparar minhas experiências e hipóteses com

conhecimentos preexistentes.

Como se pode analisar durante este trabalho, a fotografia está presente na

vida cotidiana desde a segunda metade do século XIX devido à crença em suas

características compromissadas com a realidade e seu fiel registro. Porém, ao nos

debruçarmos sobre o tema, vamos paulatinamente percebendo a dicotomia da

fotografia, ou seja, seu compromisso com a ciência e seu engajamento artístico,

conferindo a mesma a liberdade ao fotógrafo de manipular a imagem fotográfica

através de diversos artifícios químicos durante sua revelação ou até mesmo uma

simples deslocação de passos, incrementando partes à composição ou descartando-

os são maneiras de se obter diversas versões de uma mesma realidade.

A memória, desde que tal invenção foi incorporada à nossas vidas, também

se modificou, adaptando-se à fotografia, esta que constantemente nos chama à

nostalgia dos tempos passados e muitas vezes nunca mais obtidos, fazendo-nos

colecionar imagens mentais a nós relevantes.

Neste espaço de tempo até os dias de hoje, diversos fotógrafos em todo

mundo puderam contribuir com a liberdade artística hoje concebida à fotografia,

deixando-nos o legado de se registrar o mundo ao nosso redor.de acordo com sua

visão pessoal.

304

Neste pressuposto esteve baseada minha poética visual, onde pude averiguar

que realmente o fotógrafo é um filtro cultural, onde este pode e deve imprimir suas

marcas pessoas nas imagens obtidas, onde cada uma de suas vivências e

experiências será evidenciada nas imagens por ele conseguidas. O paradigma do

horizonte em transversal o qual adotei desde o início de meu processo criativo

contribui para ilustrar a discussão a respeito de a fotografia ser ou não o espelho da

realidade e para obviamente expressar-me artisticamente, pois o dinamismo e

instabilidade obtida numa imagem que fora enquadrada diagonalmente revelam-me,

representam o que sou.

A vivência de cada momento de nossas festividades folclóricas tradicionais

fora importante, pois, além de apenas estar registrando, eu fazia parte daquela

sociedade, esta herança cultural também me pertence. Retornar a lugares e reviver

lembranças de minha tenra infância ajudou-me significativamente, não apenas na

composição destas imagens, mas em minha vida em si, auxiliando-me a ser

completa, a não deixar nada de significativo para trás, apenas agregando novas

experiências, tendo um olhar mais apurado sobre o lugar onde me criei e ainda

moro. Itanhaém sempre terá um lugar muito especial em minhas memórias, sua

herança caiçara a mim concedida nunca será arrancada.

Os objetivos desta pesquisa foram alcançados, pois pude a cada imagem

realizada para compor esta série fotográfica imprimir características pessoais, já que

o fotógrafo é um filtro cultural, além de ao inclinar um tema conhecido pelos

moradores locais é possível proporcionar a eles uma realização de leitura mais

profunda do que nos cerca, percebendo as formas e suas relações umas com as

outras, bem como perceber que a fotografia não é o espelho do real. Ela é resultado

da interação humana: os que a idealizaram, os que a compõem como personagens

e os que a leem. Nada é predefinido. Haverá sempre a multisignificação sob a

fotografia.

305

APÊNDICE

PLANO DE ENSINO

NOME DA INSTITUIÇÃO:

TURMA: 6º ano

PERÍODO: UM TRIMESTRE DO ANO LETIVO

TEMA: Arte e Cultura Local

TÍTULO: Produzir, fruir, refletir: Um novo olhar sobre Itanhaém.

OBJETIVO GERAL: Produzir, fruir e refletir embasados nos aspectos

artísticos e culturais de Itanhaém.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Desenvolver uma poética pessoal a respeito do

relacionamento do educando com sua cidade. Expressar-se e saber comunicar-se

em artes, mantendo uma atitude de busca pessoal e/ou coletiva, articulando a

percepção, a imaginação, a emoção, a sensibilidade e a reflexão ao realizar e fruir

produções artísticas. Edificar uma relação de autoconfiança com a produção artística

pessoal e conhecimento estético, respeitando a própria produção e a dos colegas no

percurso de criação que abriga uma multiplicidade de procedimentos e soluções.

Apreciar obras de artistas do presente e do passado, observando as inúmeras

possibilidades de expressar-se sobre um mesmo tema, ou seja, retratar a cidade.

Conhecer e valorizar uma parte do nosso patrimônio imaterial, posicionando-

se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais e reconhecendo-o

como um elemento de fortalecimento de democracia.

CONTEÚDO: Arte e Cultura de Itanhaém

Artistas locais contemporâneos e do passado

Desenvolvimento de Poéticas Visuais utilizando diversas linguagens artísticas

Leitura de diversas Fotografias enfocando Itanhaém

306

DESENVOLVIMENTO AULA A AULA

SEQUÊNCIA DIDÁTICA

(AULA INICIAL)

Objetivo: Exposições dos conhecimentos prévios dos alunos a cerca de

Itanhaém, em rodas de conversa.

Conteúdo: Itanhaém

Estratégias: Para introduzir os alunos ao tema estudado, estaremos buscando

em conversas iniciais, saber o que conhecem a respeito da História de nossa

cidade, nuances de nossa cultura, locais, enfim, buscar o conhecimento prévio dos

educandos para a partir dele calcar mais degraus. Irei propor perguntas a partir do

que foi coletado para que possamos pesquisar embasados nas repostas dos alunos

envolvidos. A arte será nosso eixo central, onde através dela entraremos em contato

com a História local, apreciando fotografias de épocas anteriores e obras plásticas

de artistas locais para observar mudanças e permanências de nossa cidade.

Estudaremos a geografia local através das produções recentes, de fotógrafos e

artistas plásticos locais, onde eu como mediadora apresentarei também minha

produção artística, a série de fotografias enquadradas em diagonal a fim de iniciar a

discussão a respeito de a fotografia ser ou não espelho da realidade com os alunos

e mostrar-lhes que a poética pessoal é livre, os mesmos podem e devem produzir a

partir das próprias experiências pessoais, suas vivências devem estar incutidas em

cada traçado, em cada olhar, em cada ação.

Há ações específicas dentro de a Proposta Triangular, porém é inútil decretar

qual será primeiro, pois o caminhar do projeto irá de acordo com as situações de

aprendizagem que estarão ocorrendo naturalmente, porém, dentro de cada uma das

propostas artísticas, as aulas aqui planejadas estão dentro de certa sequência, onde

cada ação irá contribuir para a aula seguinte.

307

SEQUÊNCIA DIDÁTICA CONCERNENTE Á PRODUÇÃO

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Registrar plasticamente várias impressões da escola com o uso

de lápis preto HB/6B, escolhendo vários pontos da escola e desenhá-los

rapidamente, registrando a incidência da luz e como esta modifica a aparência dos

objetos. Trabalhar com diversos tipos de desenhos de observação bem como este

referido acima, de áreas ao ar livre, de um ponto da sala de aula, de objetos, enfim,

realizar inúmeras vezes esta prática para se familiarizar com o desenho não mais de

memória, mas de observação.

CONTEÚDO: Desenho de Observação

ESTRATÁGIAS: Aulas práticas e aulas externas, explorando os espaços

externos da escola.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Trabalhar também no desenho de observação de obras

plásticas, dos artistas locais, absorver após a leitura coletiva de suas obras como

eles resolveram questões como a perspectiva, tridimensionalidade, cor, tonalidade,

enfim, trabalhar releituras das obras deles.

CONTEÚDO: Produção baseada em trabalhos dos Artistas Locais

ESTRATÁGIAS: Aulas práticas, aulas teóricas enfocando um pouco sobre os

artistas que iremos conhecer. Principais artistas trabalhados: Ronaldo Lopes (1953),

Orlando Bifulco (1935), Luiz Lopes (1960), Daniel Pena (1948), Klaus Streck (1940)

e demais artistas locais que se propuserem também a este tipo de abertura, ao

contato mais íntimo do aluno com o produtor.

(AULAS PREVISTAS)

308

OBJETIVOS: Trabalhar com desenhos de observação de fotografias de nossa

cidade, observando como podem ser diferentemente representadas em dado

momento do dia (observação da luz solar), comparando um mesmo ponto de

Itanhaém fotografado por diversos fotógrafos num dado intervalo de tempo.

CONTEÚDO: Observação de Fotografias e Produções consequentes destas.

ESTRATÉGIAS: Aulas práticas, leitura de Obras Fotográficas em roda.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Utilizar diversos materiais para a realização dos desenhos,

entrando em contato com estes materiais: Pastel Oleoso, Pastel Seco, Giz de Cera,

Caneta Hidrográfica, Lápis de Cor, Lápis Preto em outros números que eles não

estejam habituados (como é o caso do nº2), Guache, Tinta Acrílica, Tinta em Relevo,

Tinta Vitral e Nanquim. Propiciar momentos para que possam produzir suas próprias

produções com a técnica em que realmente se identificaram e produziram com

liberdade.

CONTEÚDO: Produções realizadas com diversos materiais

ESTRATÉGIAS: Aulas práticas nas quais os alunos terão à sua disposição

diversos materiais simultaneamente, os quais previamente serão apresentados aos

mesmos, paulatinamente, nas demais aulas do ano letivo.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Pintar com Verniz Vitral nos CDs e DVDs reutilizados os pontos

turísticos e confeccionarmos um móbile coletivo com suportes em bambu e sisal.

CONTEÚDO: Produção utilizando um suporte reutilizado

309

ESTRATÁGIAS: Aulas práticas, nas quais os alunos primeiramente farão

numa folha um estudo, o qual irá ser representado no CD com o uso da tinta vitral, e

quando a mesma secar-se, com caneta permanente, caso queira traças o contorno.

A aula deverá ser realizada num espaço externo, pois o verniz pode causar alergias

respiratórias se utilizado em locais fechados.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Visitar a Passarela de Anchieta para realizar desenho por

observação, acomodados na praça que foi construída recentemente. Observação da

paisagem natural e das modificações feitas pelo homem. Procurar bons ângulos com

o uso de um visor previamente confeccionado por eles. O lugar escolhido será uma

paisagem calma, durante os dias comerciais para que não sejamos atrapalhados

pela aglomeração de outras pessoas. Os alunos serão acompanhados pelo artista

plástico Ana Levina para acompanhar o desenvolvimento da atividade e a escolha

de bons ângulos para o desenho.

CONTEÚDO: Desenho de Observação de Paisagens

ESTRATÉGIAS: Aulas externas com visitas à Passarela de Anchieta.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Confeccionar um mosaico em grupo do tamanho da folha A3, no

qual iremos fazer uma releitura da obra de Ana Levina (1957), o qual é um imenso

mosaico com tesselas multicoloridas sob as caixas d`água no Morro do

Paranambuco, retratando os passos de José de Anchieta em nossa cidade.

Utilizaremos para suporte Canson A3 e recortes de revista, apenas das áreas

coloridas. Estudar a relação das matizações de uma mesma cor encontrada em

diversas revistas.

CONTEÚDO: Mosaico

310

ESTRATÉGIAS: Aulas expositivas e discursivas em roda, onde iremos

abordar a obra, questionando aos alunos se já viram a obra de perto, do alto do

Morro ou das Ruas adjacentes. Apreciação de fotografias da obra e seu processo

criativo passo a passo do acervo da artista.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Criar um livro de estudo da relação das cores e de suas

matizações, indo das interferências do preto até o branco. Estudar as cores

primárias, secundárias, análogas, complementares, bem como a escala cromática.

Perceber, não tecnicamente pelo uso da aprendizagem mecânica, mas da

significativa, da experimental a relação entre cada um delas.

CONTEÚDO: Estudo das Cores catalogado

ESTRATÉGIAS: Aulas práticas trabalhadas embasadas neste assunto.

.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Produzir coletivamente um mural em nossa escola, onde os

alunos terão diversas tarefas divididas para que todos possam auxiliar no produto

final. O tema será: Um novo olhar sobre Itanhaém e o desenho será escolhido

coletivamente, onde analisaremos todas nossas produções e escolheremos uma ou,

se for da escolha deles, partes significativas de algumas produções. Antes de

registrarmos na parede, estudaremos as cores utilizadas, se haverá necessidade do

uso de estêncil, quais alunos farão a ampliação na parede, enfim, quais se

responsabilizarão por cada etapa previamente discutida democraticamente.

Utilizaremos tinta acrílica para compor um mural de 2m x 5m em um determinado

local dos muros internos da escola.

311

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Apreciar Obras Artísticas de Ronaldo Lopes (1953), Orlando

Bifulco (1935), Luiz Lopes (1960), Daniel Pena (1948), Klaus Streck (1940) e Ana

Levina (1957). Trabalhar a leitura estética de obras destes e de outros artistas,

sendo estas reproduções ou, quando possível, as originais. Descobrir a narrativa e a

mensagem que cada uma delas nos inspira a criar. Visitar os ateliês de alguns

destes artistas, sendo que estas visitas serão documentadas previamente com o uso

de memorandos, solicitando transportes para os alunos.

CONTEÚDO: Leitura de Obras de Artistas Locais.

ESTRATÉGIAS: Aulas teóricas e práticas abordando o assunto, discutindo a

respeito do tema. Aulas externas com visitas.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Entrar em contato com a história da Fotografia e o envolvimento

da mesma com a Sociedade deste então. Entrar em contato com a Fotografia

Artística, buscando entender como se dá sua concepção. Apreciar obras fotográficas

ampliadas, retratando nossa cidade em diferentes épocas e condições climáticas a

fim de perceber as mudanças. Apreciar obras fotográficas produzidas pela

arte/educadora Thais Oliveira Silva enfocando diversos locais da cidade de

Itanhaém de maneira invulgar, com o uso do enquadramento em diagonal. Leitura

das imagens e possibilidades de significações para cada um dos leitores.

CONTEÚDOS: História da Fotografia, Fotografia Artística, Apreciações de

Obras Fotográficas. Leitura e Interpretação das mesmas.

ESTRATÉGIAS: Aulas teóricas, aulas práticas em roda para discutirmos o

assunto e lermos as imagens apresentadas.

312

SEQUÊNCIA DIDÁTICA CONCERNENTE À REFLEXÃO:

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas,

presentes em sua realidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no

tempo e no espaço. Questionar sua realidade, identificando alguns de seus

problemas e refletindo sobre algumas das possíveis soluções, reconhecendo formas

de atuação políticas institucionais e organizações coletivas da sociedade civil.

Discutir a respeito das práticas de pesca artesanal. Estudo dos pescadores Paulo

Leandro de Lima e José Rodrigues Poitena, representados nas estátuas às margens

do Rio Itanhaém, na Boca da Barra, obra de Ronaldo Lopes (1953).

CONTEÚDO: Cultura Caiçara: Ontem e Hoje

ESTRATÁGIAS: Aulas teóricas a fim de entrarmos em contato com a cultura

local, a Caiçara. Discussão em roda acerca do tema.

(AULAS PREVISTAS)

OBJETIVOS: Apresentar á classe uma Pesquisa de Campo por escrito, na

qual contenha informações obtidas em família sobre sua origem, seus antepassados

e a de seus vizinhos.

CONTEÚDO: Memórias de Itanhaenses

ESTRATÉGIAS: Pedir-lhes antecipadamente que façam uma pesquisa entre

seus parentes e vizinhos sobre sua relação com a cidade de Itanhaém. Incentivar

aos alunos a serem memoristas, coletando e registrando histórias locais. Aulas em

roda onde cada aluno irá apresentar sua pesquisa de campo.

313

PRODUTO FINAL: Os trabalhos realizados pelos alunos estarão expostos na

escola, a fim de que os demais alunos possam apreciar e a comunidade em geral

também.

Dentre as produções dos alunos expostas, teremos portfólios dos alunos,

onde perceberemos suas evoluções e construções de sua poética visual; teremos

instalações com os CDs pintados com tinta vitral presos a cordões de sisal e ao

bambu; haverá o mosaico coletivo relendo a obra de Ana Levina (1957) bem como o

mural realizado coletivamente pelos alunos.

MATERIAS: (Serão de uso coletivo)

Na quantia de 30 unidades: lápis 2B, lápis 6B, borrachas, apontadores,

réguas, colas e tesouras.

Contendo 12 cores: 15 caixas de lápis de cor; 15 caixas de giz de cera, 15

estojos de canetas hidrocores, 20 caixas de guaches, 10 caixas de pastel oleoso, 6

caixas de pastel seco

Para utilizarmos como suportes: 500 folhas de sulfite, 200 folhas de canson

escolar A4, 100 folhas de canson escolar A3; em número indeterminado: papel

pardo, papel jornal, papel espelho, papel camurça.

Tinta acrílica para parede branca (a ser usada no mural), pigmentos nas cores

primárias. Verniz Vitral em diversas cores.

RECURSOS: Imagens fotográficas nas dimensões de 20x30 cm;

Reproduções ou Obras originais dos artistas locais.

AVALIAÇÃO: A avaliação será através da avaliação diagnóstica, onde

levantaremos os conhecimentos prévios dos alunos, bem como a avaliação

314

formativa, na qual acompanharei a participação e envolvimento dos alunos quanto à

sua poética pessoal, sua busca de informações pertinentes e atitude de valorização

da sua cultura a fim de culminar com a avaliação formativa, a qual terá uma visão

global de todo processo em que os alunos passaram neste período letivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

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Cortez, 2009.

_________.Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Internacionais. Ana

Mae Barbosa (Org.) – São Paulo: Cortez, 2005.

__________.Arte-Educação: Leitura no Subsolo. São Paulo:Cortez,1997 .

BRANCO, Alice. Cultura Caiçara: resgate de um povo. Peruíbe: Oficina do Livro e Cultura, 2005.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental.

Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 2001, v.: Arte – Séries Iniciais.

FERRAZ, Maria Heloísa e FUSARI, Maria F. de Rezende. Arte na Educação

Escolar. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2010.

315

FERREIRA, Ana Maria. ROSENDO, José. Itanhaém, um mar de histórias. Curitiba: Editora Gráfica Expoente, 2008.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora. Porto Alegre, 2004

SILVA, Renê Marc da Costa. Cultura Popular e educação/ Salto para o futuro.

Brasília: Ed. Brasília, 2008.

TAPIA, Jesus Alonso Tapia. A motivação em sala de aula. São Paulo: Loyola,

2006

OUTRAS FONTES:

ALVES, Jefferson Fernandes. Fotografia e Educação: Alguns Olhares do Saber e

do Fazer. Disponível em:

<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-0259-1.pdf>

Acesso dia: 18-01-12

AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. O Ensino de Arte: em Busca de um

Olhar Filosófico Disponível em:

<http://www.arteducacao.pro.br/Artigos/mesa_tematica.htm>

Acesso dia: 15-01-12

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BARBOSA, Ana Mae. Porque e como na Educação. Disponível em:

<www.dc.mre.gov.br/imagens-e-textos/revista7-mat5.pdf/at.../file>

Acesso dia: 19-11-11

_____.Arte, Educação e Cultura. Disponível em:

<http://www.dc.mre.gov.br/imagens-e-textos/revista7mat5.pdf/at_download/file>

COSTA, Evânio Bezerra. Proposta Triangular, opção ou ilusão? Disponível em:

<http://www.nupea.fafcs.ufu.br/atividades/5ERAEA/5ERAEA%20(2).pdf> Acesso dia:

18-11-11

FAVERO, Sandra. As inquietações do artista-professor. Florianópolis, 2007.

Disponível em:

<http://www.ceart.udesc.br/revista_dapesquisa/volume2/numero2/plasticas/sansan_f

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MATIAS, Ronecléia Nunes de Souza; PINTO, Suely Lima de Assis. Educação

estética, fruição da obra de arte: Sonho ou realidade no currículo de arte?

Disponível em <revistas.jatai.ufg.br/index.php/acp/article/download/122/115>

Acesso dia: 06-01-12

RODRIGUES, Maristela Sanches. Desenvolvimento Estético: Entre as

Expectativas do Professor e as Possibilidades dos Alunos. 2008. 264 fs.

(Dissertação de Mestrado - Pós-Graduação em Artes) Universidade Estadual

Paulista – UNESP “Júlio de Mesquita Filho” - Instituto de Artes, 2008. Disponível em:

<http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/36046>

Acesso em: 22-01-2012.

317

SCHULTZE, Ana Maria . Fotografia e educação: a escola como formadora de

leitores críticos da imagem midiática. Disponível em:

<http://www.studium.iar.unicamp.br/18/01.html>

Acesso dia: 15-01-12

318

ANEXOS

Gravação da Entrevista com Esther

Dia 31/01/12

Qual é seu nome completo?

Esther Maria Silva Lima.

Idade?

68 anos.

Eu queria que a senhora falasse sobre o Seu Sertório, o que a senhora

quiser, o que mais vem à sua cabeça.

Meu pai, graças a Deus, foi um homem trabalhador, né? Ele que bem dizer

fundou Itanhaém, Itanhaém não era nada, ele trabalhou muitos anos na travessia de

barco aqui no Rio Itanhaém.

Vocês moravam nesta casa? (Hoje em dia na Avenida Harry Forssell,

principal via do bairro do Belas Artes, que ne época em que construíram era

apenas um bairro rural, denominado Km 60 – antiga parada do trem)

Não. Nós morávamos na prainha. E depois ele foi guarda da prefeitura,

trabalhou um pouco de guarda, mas ele mesmo foi um homem muito prestativo em

Itanhaém, ele que trouxe água, carregou os canos nas costas lá na adutora do

Aguapeú. Ele carregou de Itanhaém (centro) pra lá (Aguapeú, aproximadamente 15

quilômetros), pra puxar água pra Itanhaém naquela época, ele é muito antigo aqui,

né? Ele graças a Deus viveu até 91 anos, depois deu derrame cerebral e morreu.

A senhora lembra-se de alguém que quando atravessava o Rio ele mais

conversava mais se identificava; que a travessia era feita por uma canoa ou

um barco?

Barco. Tinha lugares pra mais gente, um barco de passageiros mesmo.

Ah, eu pensei que era canoa, era barco mesmo... Foi muito antes que vocês

vieram pra cá nesta casa, né?

319

Praticamente ele fundou aqui, né? Onde nós moramos. Na época em que

aqui era chamado de Km 60, né? O Bairro Belas Artes.

E da Ponte Sertório, você lembra quem foi o prefeito da época?

Era o Dr. Edson. Já deveria estar em planejamento, já tinha a ponte desde

1970, é que ela não tinha nome nenhum, foi só depois da morte do meu pai, em

1988, que colocaram o nome dele.

Ele falava do Mero? (Peixe lendário local que vive nos vagões

submersos do trem que despencou no Rio Itanhaém num acidente em 1946)

Falava sim porque na época, ele era barqueiro já e quando ficou sem ponte,

ele ia pra baixo e pra cima o tempo todo.

Ele tinha ajudante ou trabalhava sozinho?

Não, era sozinho mesmo.

Como era o cotidiano dele?

Ele atravessava muita gente e mesmo assim tinha mais gente trabalhando,

não era só ele de barqueiro tinha o Pernambuco, tinha a barquinha dele que

atravessava, tinha o Tiago, tinha outros barqueiros também, mas mesmo assim o

pessoal ficava lá do outro lado cantando: “Seu Sertório, traga a barca”, enquanto

meu pai não ia, eles não vinham de lá, não iam com os outros, estavam

acostumados com ele, tinham muita confiança nele.

As pessoas tinham medo de atravessar o rio durante a noite?

Não, eles tinham muita confiança em meu pai. Tirava meu pai da cama, a

gente morava perto do Rio, né? Gente gritando do outro lado, querendo atravessar.

Primeiro nós morávamos lá onde hoje é o Iate Clube (Morro do Sapucaetava – Praia

da Saudade). Um dia ele chegou em casa a noite e depois chamavam e chamavam

“Seu Sertório! Seu Sertório!” Mas ele levantava assim mesmo, pegava o barco e ia.

Com correnteza forte, não importava, assim mesmo ele ia.

E a senhora nasceu aqui também em Itanhaém? Qual é a sua lembrança

mais forte daqui da nossa cidade?

320

Ali na casa da tia Maria Pires, na Vila São Paulo, eu gostava muito de ir lá,

não saía da casa dela.

A senhora é prima da minha avó, né?

Sou. O meu pai é irmão do Tio Anselmo (1904- 1975), [pai de minha avó], ele

foi mais velho de que meu pai.

321

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACADEMIA ITANHAENSE DE LETRAS. Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997.

________________. Flores da Pedra. Itanhaém, 1997.

________________. Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999

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