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Curso de Psicologia Geral Volume 1

( Psicologia) - A. R. Luria - Curso de Psicologia Geral 01

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PSIQUISMO

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Curso de Psicologia Geral

Volume 1

A presente obra compe-se de quatro volumes, a saber:

I. Introduo Evolucionista Psicologia

II. Sensaes e Percepo

III. Ateno e Memria

IV. Linguagem e Pensamento

A. R. Luria

Curso de Psicologia Geral

Volume I 2 Edio

Introduo Evolucionista. Psicologia

Traduo de Paulo BezerraSociedade Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo SUPERO data 11/01/99 n da chamada 159.9 1967c - 2.ed.v.1 e.3 N de volume 14.013/99 registrado por lilianecivilizao

brasileira \Ttulo do original em russo:

EVOLYUTSINNOE VVEDNIE VPSIKHOLGUIYU

Capa: DounDiagramao: La CaullirauxReviso:

Umberto F. Pintoe Mario Elber Cunha1991

Direitos desta edio reservados

EDITORA CIVILIZAO BRASILEIRA S.A.

Av. Rio Branco, 99-20? andar - Centro

20040 - Rio de Janeiro - RJ

Tel.: (021) 263-2082 Telex: (21) 33798 Fax: (021) 263-612

Impresso no Brasil Printed in BrazilSumrio

I A Psicologia Como Cincia. O Objeto e aImportncia Prtica 1

A histria da Psicologia como cincia

2

A Psicologia e outras cincias

7

Partes principais da Psicologia 11Os mtodos em Psicologia 17

A importncia prtica da Psicologia 23

II A Evoluo do Psiquismo 29

A origem do psiquismo 29 Variabilidade do comportamento dos protozorios 32 Mecanismos do comportamento dos protozorios 34 Origem do sistema nervoso e suas formas mais simples 36 O sistema nervoso ganglionar e o surgimento dos programas de comportamento mais simples 38 Surgimento das formas complexas de programao hereditria do comportamento ("instintivo") 42 O sistema nervoso central e o comportamento individualmente varivel dos vertebrados 50 Mecanismos do comportamento individualmente varivel 56 O comportamento "intelectual" dos animais 62 Fronteiras do comportamento individualmente varivel dos animais 68

A Atividade Consciente do Homem e Suas Razes Histrigo-Sociais 71Princpios gerais 71

O trabalho e a formao da atividade consciente 95

A linguagem e a conscincia do homem 77 A importncia da linguagem para a formao dos

processos psquicos 81

O Crebro e os Processos Psquicos 85

O problema da relao dos processos psquicos com o crebro 85

Princpios da organizao funcional do crebro humano 93

Os trs "blocos" principais do crebro 94

O bloco do tnus do crtex ou bloco energtico do crebro 95

Bloco do recebimento, elaborao e conservao da informao 100

O bloco da programao, regulao e controle de atividade 107 O princpio da lateralizao no funcionamento dos grandes hemisfrios 113

I

A Psicologia Como Cincia.

O Objeto e a Importncia

Prtica

O homem vive e atua em um meio social. Sente necessidades e procura satisfaz-las, recebe informao do meio circundante e por ele se orienta, forma imagens conscientes da realidade, cria planos e programas de ao, compara os resultados de sua atividade com as intenes iniciais, experimenta estados emocionais e corrige os erros cometidos.

Tudo isto representa a atividade do homem no plano psicolgico, que constitui o objeto de uma cincia: a Psicologia. Esta cincia se prope a tarefa de estabelecer as leis bsicas da atividade psicolgica, estudar as vias de sua evoluo, descobrir os mecanismos que lhe servem de base e descrever as mudanas que ocorrem nessa atividade nos estados patolgicos. S uma cincia capaz de estudar as leis da atividade psicolgica com uma preciso possvel pode assegurar o conhecimento dessa atividade e sua direo em bases cientficas. justamente por isso que a Psicologia cientfica se torna uma das disciplinas mais importantes, cujo significado crescer cada vez mais com o

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desenvolvimento da sociedade e o contnuo aperfeioamento dos seus mtodos.

A histria da Psicologia como cincia muito breve a histria da Psicologia como cincia. No entanto remontam a um passado muito distante as primeiras tentativas de descrever a vida psquica do homem e explicar as causas dos seus atos. Na Antigidade, por exemplo, os mdicos j entendiam que para identificar as doenas era necessrio saber descrever a conscincia do homem e descobrir as causas dos seus atos.

Esse enfoque materialista do comportamento do homem foi, sculos a fio, combatido pela filosofia idealista e a Igreja, que viam na conscincia do homem uma manifestao da sua vida espiritual, considerando que esta no obedecia s mesmas leis a que se subordinava toda a natureza material e por isto sua anlise no podia ser feita a partir da explicao causai dos fenmenos.

Por esses motivos o mundo psicolgico do homem e sua conscincia foram vistos durante sculos como fenmenos de tipo especial, isolados de todos os outros processos naturais. Os filsofos assumiam diferentes posies em relao conscincia, considerando-a manifestao da razo divina ou resultado de sensaes subjetivas, onde eles viam os "elementos" mais simples que serviam de base conscincia. Mas todos os filsofos idealistas estavam imbudos da convico de que a vida psquica devia ser entendida como manifestao de um mundo subjetivo especial, que podia ser revelado somente na auto-observao, sendo inacessvel anlise cientfica objetiva ou explicao cientfica.

Sculos a fio esse enfoque dos processos psquicos deteve a evoluo da psicologia cientficas e mesmo depois de os processos do mundo exterior se haverem tornado objeto de estudo cientfico preciso os fenmenos da vida psquica do. homem continuaram sendo vistos como manifestao de um mundo espiritual especfico, acessvel apenas descrio subjetiva.

A diviso de todos os fenmenos em duas grandes categorias a categoria dos fenmenos fsicos, acessveis explicao causai, e a dos fenmenos psquicos, inacessveis anlise cien-

2tfica objetiva foi consolidada pelas teses bsicas da filosofia dualstica de Descartes, para quem todos os processos fsicos, incluindo-se o comportamento animal, esto subordinados s leis da mecnica, ao passo que os fenmenos psquicos devem ser considerados como formas do esprito, cuja fonte de conhecimento pode ser encontrada apenas na razo ou intuio.

O enfoque dualista se manteve at perodo recente na filosofia e Psicologia em muitos pases. Se considerarmos que os pensadores do sculo XIX comearam a focalizar os processos elementares dos campos fsico e psquico (incluindo sensaes e movimentos) como processos naturais suscetveis de estudo por mtodos cientficos exatos, os fenmenos superiores do campo psquico (conscincia, pensamento) continuavam a ser considerados manifestao do campo espiritual, que podia ser abordado somente por meio da descrio subjetiva dos fenmenos que nele ocorrem. Essa tese levou diviso real da Psicologia em dois campos no final do sculo XIX: a Psicologia naturalista cientfica ou Psicologia fisiologista, que tentava estudar com preciso e explicar pela causalidade os processos psicolgicos elementares e definir-lhes as leis objetivas, e a Psicologia descritiva ou subjetiva, que estudava as formas superiores do campo consciente do homem, enfocando-as como manifestaes do esprito. O enfoque dualista aos fenmenos do campo psicolgico refletiu-se nos trabalhos dos clssicos da psicologia como os psiclogos alemes Wilhelm Wundt (1832^1920), Hermann Ebbinghaus (1856-1909), o psiclogo americano "William James (1842-1910) e o representante da filosofia idealista Wilhelm Dilthey (1833-1911) e outros.

A influncia do enfoque dualista dos fenmenos psicolgicos levou a Psicologia ao impasse e provocou tentativas naturais de superar a estagnao surgida nessa cincia, de aplicar mtodos das cincias naturais ao estudo dos processos psicolgicos e fazer destes a mesma anlise que se fazia de todos os outros fenmenos da natureza.

Essa tendncia, que j surgira com os materialistas franceses e ganhara formulao ntida com os democratas revolucionrios russos em meados do sculo XIX, teve sua patente mani festao na obra do clebre fisiologista russo Ivan Mikhylo-vitch Stchenov (1829-1905).

Em sua famosa obra, Os reflexos do crebro, Stchenov exps a idia segundo a qual at os processos mais complexos do campo psquico devem receber tratamento materialista e ser

3abordados como reflexos complexos; segundo essa idia, o pensamento um reflexo igualmente complexo porm inibido, carente de fim motor externo. Para ele, os fenmenos dg mundo psquico devem ser estudados pelo naturalista com os mesmos meios empregados no estudo de outros fenmenos da natureza. Essa linha de pensamento foi seguida por outro notvel fisiologista russo, Ivan Petrov Pvlov (1849-1936), criador do estudo objetivo da atividade nervosa (psquica) superior com a aplicao dos reflexos condicionados. Outros notveis representantes da cincia russa, como M. D. Bekhteryev (1857-1927), A. A. Ukhtomsky (1857-1942) e outros tentaram formalizar um enfoque das bases objetivas e fisiolgicas da atividade psquica e fundamentar a possibilidade de uma Psicologia objetiva e naturalista.

So essas as razes pelas quais o mundo psicolgico do homem e sua conscincia foram tratados, durante sculos, como fenmenos de tipo especial, isolados de todos os outros processos naturais.

A doutrina dos reflexos condicionados de Pvlov, que ele mesmo via como base fisiolgica da cincia psicolgica, exerceu influncia marcante na evoluo da Psicologia americana. Em fins do sculo XIX, o psiclogo americano Edward Lee Thorn-dike comeou a estudar o comportamento dos animais, aplicando mtodos que permitiam observar como os animais adquiriam novas habilidades em laboratrio. Essas pesquisas serviram de base a uma nova corrente na Psicologia, denominada behavio-rismo (cincia do comportamento) pelo psiclogo americano J. B. Watson. Nessa corrente, Watson via a forma cientfica natural da cincia psicolgica, que devia substituir a Psicologia. Partindo da tese segundo a qual a "conscincia" no passa de um conceito subjetivo, inacessvel pesquisa objetiva, os beha-vioristas americanos propuseram que se considerasse objeto da pesquisa cientfica apenas o comportamento externo do animal, comportamento esse que eles consideravam resultado das inclinaes (necessidades) biolgicas dos animais e dos reflexos condicionados a eles sobrepostos. Assim surgiu uma nova corrente na cincia, que abandonava todo o estudo do mundo subjetivo e limitava-se descrio das formas exteriores de comportamento, cujas leis eram tratadas como sistema de habilidades mecanicamente constitudo, inteiramente suscetveis de anlise naturalista.

4A tentativa de substituir a Psicologia pelo estudo do comportamento exterior e das leis da aquisio de habilidades complexas era reflexo da luta por uma Psicologia cientfica objetiva e teve importncia progressista em sua poca.

Mas o behaviorismo americano, como exemplo de um enfoque excessivamente mecanicista da atividade psquica, iria revelar muito breve as suas limitaes e levar a Psicologia a uma crise no menos patente do que a crise do enfoque dualista dos fenmenos psquicos.

Por outro lado, o que ficou evidente alguns anos aps a tempestuosa evoluo do behaviorismo americano, a explicao mecanicista nele dominante de processos como a formao de habilidades no mostrava os autnticos mecanismos fisiolgicos destas e substitua sua pesquisa fisiolgica cientfica por uma descrio exterior e uma interpretao mecanicista desses fenmenos. Por outro lado, a imensa parcela de formas complexas da atividade psquica do homem, que se manifesta na atividade consciente dos modos e procedimentos superiores de comportamento especificamente humanos, de ateno ativa, da memorizao arbitrria e do pensamento lgico era geralmente mantida margem do campo da pesquisa cientfica.

Era por isso que nos limites do prprio behaviorismo j comeava a surgir a necessidade de ultrapassar os limites das descries mecanicistas simplificadas das habilidades elementares e passar a uma anlise cientfica das formas mais complexas da. atividade psquica do homem.

Foi essa necessidade de criao de uma Psicologia autenticamente cientfica, capaz de abordar com mtodos cientficos objetivos as formas mais complexas da vida psquica do homem, que se converteu na questo fundamental que a dcada de 30 -do nosso sculo assimilou como condio que podia tirar a Psicologia do estado de crise.

As vias para superar a crise na Psicologia foram formuladas pela primeira vez pelo notvel psiclogo sovitico Lyev Seminovitch Vigotsky (1896-1934); elas se converteram na base para a posterior evoluo da Psicologia como cincia, a princpio na urss e em seguida alm de suas fronteiras.

Como j tivemos oportunidade de salientar, o sentido histrico da crise da Psicologia deveu-se ao fato da evoluo desta cincia ter assumido duas direes. A primeira, que dava continuidade s tradies do enfoque cientfico-natural dos fenmenos, propunha-se a tarefa de explicar os processos ps-

5quicos limitando-se de fato aos processos psicofisiolgicas mais elementares e recusando-se a examinar os fenmenos complexos e especificamente humanos da atividade consciente. A segunda orientao tomou como objeto de sua anlise justamente esses fenmenos exteriores da atividade consciente especificamente humanos, limitando-se, porm, descrio das manifestaes subjetivas de tais fenmenos, considerando-os manifestao do esprito e recusando-se a dar aos mesmos um enfoque cientfico causai.

Para Vigotsky, a tarefa principal para superar essa crise consistia em converter em objeto da pesquisa as formas superiores e especificamente humanas de atividade consciente e enfoc-las da tica da anlise cientfica, explicar por via causai a sua origem e definir as leis objetivas a que elas se subordinam.Mas a execuo dessa tarefa exigia uma reviso radical das teses bsicas da Psicologia.

Como observou Vigotsky, a tentativa de enfocar o psiquismo como funo imediata do crebro e procurar a sua fonte no recndito do crebro to intil quanto a tentativa de considerar o psiquismo como forma de existncia do esprito. A vida psquica dos animais surge no processo de sua atividade e uma forma de representao da realidade, realizada pelo crebro mas pode ser explicada somente pelas leis objetivas dessa atividade representativa. De modo semelhante, as formas superiores de atividade consciente, de ateno ativa, memorizao arbitrria e pensamento lgico que so especficas do homem no podem ser consideradas produto natural da evoluo do crebro, sendo o resultado da forma social especfica de vida, que caracterstica do homem. Para explicar por via causai as funes psquicas superiores do homem, necessrio ir alm dos limites do organismo e procurar-lhes as fontes no no recndito da ahna ou nas peculiaridades do crebro mas na histria social da humanidade, nas formas de linguagem e trabalho social que se constituram ao longo da histria da sociedade e trouxeram para a vida tipos mais aperfeioados de comunicao e novas formas de atividade consciente.

Ao procurar tornar-se cincia autntica, a Psicologia deve estudar a origem socialmente histrica das formas superiores de atividade consciente e assegurar uma anlise cientfica das leis que lhes servem de base.

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Essas teses bsicas mudam radicalmente as tradies da psicologia dualista e delineiam nitidamente o objeto de uma Psicologia cientfica.

A Psicologia do homem deve ocupar-se da anlise das formas complexas de representao da realidade, que se constituram ao longo da histria da sociedade e so realizadas ]ielo crebro humano. Ela deve substituir a anterior descrio subjetiva das formas complexas de atividade consciente por uma anlise cientfica objetiva dessas formas, sem substituir essa tarefa pelo estudo dos processos fisiolgicos que lhes servem de base nem limitar-se descrio exterior dos mesmos. essa a tarefa da cincia psicolgica, que deve estabelecer as leis da sensao e percepo humana, regular os processos de ateno e memorizao, de realizao do pensamento lgico, formao das necessidades complexas e da personalidade, considerando todos esses fenmenos como produto da histria social e sem separar esse estudo da anlise dos mecanismos fisiolgicos que lhes servem de base. isto que constituir a essncia da Psicologia geral no todo e da psicologia do homem no particular.

A Psicologia e outras cinciasA Psicologia s pode desenvolver-se em estreita ligao com outras cincias, que no a substituem mas lhe asseguram informao importante para que ela possa ser bem-sucedida na elucidao do seu prprio objeto.

A biologia a primeira cincia com a qual a Psicologia deve manter a mais estreita ligao.

Se a Psicologia animal opera com as formas de comportamento dos animais que se desenvolvem no processo de interao deles com o meio, torna-se absolutamente claro que a completa interpretao das leis do comportamento animal impossvel sem o conhecimento das formas bsicas de vida que constituem o objeto da biologia. necessrio ter uma noo suficientemente ntida das diferenas que existem na vida dos vegetais e animais para perceber o principal que distingue todo tipo de comportamento ativo, baseado na orientao no meio circundante, das formas de vida que se esgotam com os processos de metabolismo e podem ocorrer fora das condies de uma orientao ativa na realidade. necessrio ter uma noo precisa do que muda

7nas condies de vida com a transio da existncia de unicelu-lares num meio aqutico homogneo a formas incomparavelmente mais complexas de vida multicelular, sobretudo nas condies de existncia terrestre, que apresenta exigncias imensas orientao ativa baseada nas condies do meio, orientao essa que a nica que pode assegurar sucesso na obteno de alimentos e conjurao de perigos. necessrio conhecer bem a diferena de princpios de vida entre o mundo dos insetos, com slidos programas congnitos que asseguram uma sobrevivncia bem-sucedida em condies estveis e so capazes de conservar a espcie at em condies de mudana, e o mundo dos vertebrados superiores com seus poucos descendentes, que podem sobreviver somente com a evoluo de novas formas individualmente mutveis de comportamento, que garantem a adaptao ao meio em mudana. Sem esses conhecimentos dos princpios biolgicos gerais de adaptao no se pode assegurar nenhuma compreenso ntida das peculiaridades do comportamento dos animais e qualquer tentativa de interpretar as complexas formas de atividade psquica do homem perder sua base biolgica.

Eis porque absolutamente necessrio para a Psicologia cientfica levar em conta as leis bsicas da biologia e novas partes delas como a ecologia (doutrina que estuda as condies do meio e suas influncias) e a etologia (doutrina das formas congnitas de comportamento). natural que os fatos constituintes do objeto da cincia psicolgica no podem, em hiptese nenhuma, reduzir-se a fatos biolgicos.

A segunda cincia com a qual a Psicologia deve manter a mais estreita ligao a jisiologia, sobretudo a parte referente atividade nervosa superior.A fisiologia trata dos mecanismos que exercem diferentes funes no organismo, ocupando-se da atividade nervosa superior dos mecanismos de trabalho do sistema nervoso que concretizam o "equilbrio" do organismo com o meio.

fcil perceber a absoluta necessidade de conhecer o papel desempenhado nesse ltimo processo pelas diferentes fases do sistema nervoso, de conhecer as leis pelas quais realiza-se a regulao dos processos de metabolismo no organismo, pelas quais se regulam as leis de funcionamento do tecido nervoso, que materializa os processos de excitao e inibio, e das complexas formaes nervosas que executam os processos de anlise e sntese, de confluncia das conexes nervosas, e asseguram os processos de irradiao e concentrao da excitao; igual-

8mente importante o^ conhecimento das formas bsicas de trabalho das clulas nervosas, que se encontram em estado normal ou inibido (fsico). Tudo isso absolutamente necessrio para que o psiclogo, que estuda os tipos principais de atividade psquica do homem, no se limite simples descrio desses tipos mas saiba em que mecanismos se baseiam essas formas altamente complexas de atividade, conhea os dispositivos que as executam, os sistemas em que elas ocorrem. Desconhecer as leis da fisiologia implicaria em privar a Psicologia de uma das fontes mais importantes de conhecimento cientfico. Para a Psicologia, tem importncia decisiva a sua ligao com as cincias sociais.As formas principais de atividade psquica do homem surgem nas condies da histria social, desenvolvem-se no processo de atividade material surgido ao longo da histria, baseiam-se nos meios que se formaram no processo de trabalho, de emprego dos instrumentos de trabalho e da linguagem. Se no usasse os instrumentos de trabalho e a linguagem, o homem no disporia sequer de uma nfima parte das possibilidades de que dispe o seu comportamento concreto, ficaria privado da comunicao com o meio ambiente, evoluiria margem das condies do mundo material surgido no processo da histria da sociedade nem assimilaria a experincia de toda a humanidade, que transmitida por meio da linguagem, esse receptculo da informao. natural que as formas de'atividade do homem so executadas pelo crebro e se apoiam nas leis dos seus processos nervosos superiores. Por si mesmo nenhum sistema nervoso capaz de assegurar a formao da capacidade de usar instrumentos de trabalho e linguagem e explicar o surgimento das formas altamente complexas de atividade humana, surgidas no processo da histria social.

A verdadeira relao entre a Psicologia e a fisiologia consiste em que a primeira estuda as formas e meios de atividade que surgiram no processo da histria social e determinam o comportamento, enquanto a fisiologia da atividade nervosa superior estuda os mecanismos naturais que materializam ou realizam esse comportamento.

Tentar reduzir a Psicologia do homem fisiologia da atividade nervosa superior como em certa poca propunham os pensadores mecanicistas implicaria em cometer o mesmo erro do arquiteto que tentasse reduzir a origem e a anlise dos estilos gtico e barroco ou o estilo Imprio s leis da resistncia

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dos materiais que ele naturalmente deve levar em conta mas que em hiptese nenhuma podem explicar a origem dos estilos arquitetnicos.

O xito do desenvolvimento da Psicologia depende grandemente da correta compreenso da correlao dessas duas cincias e tanto o desconhecimento da fisiologia como a tentativa de reduzir a Psicologia fisiologia retardariam o desenvolvimento da cincia psicolgica.

O que acabamos de afirmar deixa clara a imensa importncia que tem para a Psicologia a sua ligao com as cincias sociais. Se na formao do comportamento do animal as condies biolgicas de vida desempenham papel determinante, na formao do comportamento do homem esse papel desempenhado pelas condies da histria social, que cria formas novas de uma complexa relao com a realidade, mediada pelas condies de trabalho, formas essas que so as fontes de novas formas especificamente humanas de atividade psquica.

Adiante teremos oportunidade de ver que o primeiro emprego de instrumentos de trabalho e a primeira forma de trabalho social introduziram mudana radical nas principais leis biolgicas de construo do comportamento e que o surgimento e, posteriormente, o emprego da linguagem que permite conservar e transmitir a experincia de geraes levaram ao surgimento de uma nova forma de evoluo inexistente entre os animais: a forma de evoluo mediante a assimilao da experincia social. A cincia psicolgica atual, que estuda antes de tudo as formas especificamente humanas de atividade psquica, no pode dar um s passo sem levar em conta os dados que obtm das cincias sociais: do materialismo histrico, que enriquece as leis bsicas do desenvolvimento da sociedade, e da lingstica, que estuda as formas bsicas de linguagem, surgida na histria da sociedade.

S levando minuciosamente em conta as condies sociais, que formam a atividade psquica do homem, pode a Psicologia obter uma slida base cientfica. Encontraremos a aplicao desse princpio em todas as pginas seguintes, quando examinaremos todos os fatos psicolgicos concretos. essa a relao da Psicologia cientfica com as outras cincias, com as quais ela se desenvolve em estreito contato.

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Partes principais da PsicologiaA Psicologia, que at recentemente no era uma cincia dividida, representa hoje um sistema amplamente ramificado de disciplinas, que estudam a atividade psquica do homem em diferentes aspectos. O que j dissemos antes deixa claro que algumas partes da Psicologia estudam as bases naturais dos processos psquicos, aproximando-se da biologia e fisiologia, enquanto outras partes estudam os fundamentos sociais da atividade psquica, aproximando-se das cincias sociais.

A posio central cabe Psicologia Geral, que estuda as formas bsicas de atividade psquica e constitui a viga-mestra de todo o sistema de disciplinas psicolgicas. Afora a introduo terica evolucionista, o exame de vrias partes cientficas faz parte da composio da Psicologia Geral. Entre essas partes inclumos a anlise dos processos cognitivos (comeando pelas sensaes e percepes e terminando nas formas mais complexas de pensamento; compem essa parte a anlise das condies em que ocorrem os processos psquicos e a anlise das leis do pensamento, da memria, imaginao, etc), a anlise dos processos afetivos (as necessidades do homem, as formas complexas de emoes), a anlise da estrutura psicolgica da atividade do homem e da regulao do seu desempenho e, por ltimo, a anlise da psicologia do indivduo e das diferenas individuais.

As partes aqui referidas sero objeto de exame das prximas pginas do presente livro.

A elaborao dos problemas gerais da Psicologia foi objeto de trabalhos de muitos pensadores clebres, entre os quais s situam clssicos como W. Wundt na Alemanha, W. James nos eua, A. Binet e P. Janet na Frana e contemporneos como-L. S. Vigotsky, S. L. Rubinstein, A. N. Lentyev, A. A. Smirnov e V. M. Tplov na urss, A. Vallon, A. Piron e P. Fraisse na Frana, E. Nolman, G. Miller e J. Bruner nos eua, Donald Hebb no Canad e J. Broadbent na Inglaterra, etc.

contguo Psicologia Geral o grupo de partes biolgicas da Psicologia. Todas elas estudam as bases naturalistas da atividade psquica do homem.

A primeira dessas disciplinas a Psicologia comparativa ou Psicologia animal. Esta disciplina estuda as peculiaridades do comportamento animal em etapas sucessivas da evoluo, aque-

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Ias peculiaridades que dependem das condies de vida e da estrutura anatmica dos animais. Ela descreve os processos de mudana das formas de comportamento animal dependendo das exigncias que o meio lhes impe e dos principais tipos de adaptao s condies de vida, que so de carter muito variado quando se tornam complexas as formas de vida.

A segunda das disciplinas pertencentes ao grupo biolgico das cincias psicolgicas a Psicologia fisiologista ou Psico-jisiologia.As bases dessa cincia foram lanadas na segunda metade do sculo XIX por pensadores que se propunham a tarefa de estudar os processos psicolgicos do homem com a aplicao de diversos mtodos fisiolgicos, de estudar os mecanismos fisiolgicos dos processos psicolgicos. Foram precisamente esses pensadores que organizaram os primeiros laboratrios de Psicologia e elaboraram minuciosamente partes da Psicologia como a doutrina das sensaes, sua medida e seus mecanismos bsicos, a doutrina das leis bsicas da memria e da ateno, a doutrina dos mecanismos psicofisiolgicos do movimento, etc.

natural que a Psicologia fisiologista se aproxime da fisiologia, particularmente da fisiologia dos rgos dos sentidos e da fisiologia da atividade nervosa superior. A diferena consiste em que os cientistas que se ocupam desse problema tomam como objeto a anlise das formas concretas de atividade psquica, estudando as sensaes e percepes, a ateno e a memria do homem, bem como a estrutura dos seus processos motores e a mudana destes no processo de exerccio e fadiga, procuram, empregando os mtodos mais precisos, estabelecer os mecanismos fisiolgicos e as leis pelas quais esses processos se realizam. A psicofisiologia, permanecendo disciplina psicolgica especial, est para a fisiologia assim como a bioqumica est para a qumica ou a biofsica para a fsica. Ela no abstrai um instante sequer o fato de que os processos por ela estudados fazem parte da complexa atividade psquica do homem, no esquece as complexas peculiaridades da estrutura desses processos e apenas tenta descobrir os mecanismos fisiolgicos que lhes servem de base.

Uma parcela considervel dos conhecimentos das leis de realizao de processos psquicos particulares foi acumulada justamente por essa rea da cincia psicolgica, qual esto estreitamente ligados os nomes de grandes cientistas como Gustav Fechner e Weber (os primeiros a medir as sensaes), Wilhelm

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Wundt (o primeiro a aplicar amplamente mtodos psicofisiol-gicos de estudo dos processos psquicos), Hermann Ebbinghus e Hermann Joseph Mller (os primeiros a abordar mtodos exatos de medio da memria e seus mecanismos especficos), assim como Piron na Frana, Edward Titchener nos eua, os grandes psiclogos atuais como O. R. Lindsley (eua), Broad-bent (Inglaterra), Fraisse (Frana) e outros.

Essa rea da cincia psicolgica recebeu imensa informao dos trabalhos de clssicos notveis da fisiologia como Pvlov, criador da doutrina da atividade nervosa superior, N. E. Vve-densky, criador da doutrina da gnese patolgica, A. A. Ukhtomsky, cujos trabalhos permitiram introduzir uma aova rea da cincia do comportamento: a doutrina dos dominantes, L. A. Orbeli, autor de importante contribuio fisiologia evolu-cionista bem como fisiologistas contemporneos como P. A. Anokhin, criador da doutrina dos sistemas funcionais, N. A. Bernstein, introdutor do novo conceito de organizao do movimento, G. V. Gershuni e S. V. Kravkov, que enriqueceram a cincia com dados relativos ao funcionamento da audio e viso, etc.

A terceira disciplina componente do grupo biolgico das cincias psicolgicas a neuropsicologia.Esta disciplina tem por tarefa o estudo do papel que desempenham os aparelhos particulares do sistema nervoso na estruturao dos processos psquicos.

fcil perceber que o papel das formaes subcorticais e do paleocrtex no processo da atividade psquica inteiramente diferente do papel do neocrtex e dos grandes hemisfrios cerebrais . H, porm, fundamentos para supor que tambm o papel de algumas regies do crtex cerebral na organizao dos complexos processuais psquicos no idntico e que todas as reas do crebro parietais, temporais e occipitais do sua contribuio toda especial para o processo de atividade psicolgica.

Esse novo campo da Psicologia emprega em suas pesquisas uma anlise psicolgica minuciosa tanto das irritaes como das destruies de reas isoladas do crebro, estuda as mudanas dos processos psquicos que surgem quando ocorram afeces locais do crebro e tira, de suas observaes, concluses relacionadas com a estrutura interna dos processos psquicos.

Esse campo da Psicologia representado por estudiosos de diversos pases como K. S. Lashley e K, H. Pribram (eua),13

A. R. Luria (urss), O. L. Zangwill (Inglaterra), B. Milner (Canad) e outros. Podemos colocar ao lado da neuropsicologia a psicopatologia, que estuda as peculiaridades "dos processos psquicos observveis nos doentes psquicos, e permite que nos aproximemos mais de um estudo cientfico das doenas mentais e do descobrimento de algumas leis gerais da atividade psquica que se manifesta nos estados patolgicos.

A psicopatologia foi elaborada com xito por muitos psiquiatras (Kraepelin, na Alemanha, Janet, na Frana, Bkhterev, na Rssia) e pelos psiclogos contemporneos (B. V. Zeygar-nik, na urss, Pecheau, na Frana, e outros).

Uma rea especial, situada nas fronteiras da psicofisiologia e da neuropsicologia, representada pelo estudo dos mecanismos neurnicos da atividade psicolgica. Os cientistas que elaboraram essa rea (D. H. Hubel e T. N. Wiesel na Inglaterra, Jung na Alemanha, H. H. Jasper no Canad, E. N. Sokolov e O. S. Vinogrdov na urss) se propem a tarefa de investigar as formas de funcionamento de grupos isolados de neurnios e efetuar uma anlise dos processos nervosos mais elementares, que servem de base ao comportamento. Importantes descobertas dos mecanismos fisiolgicos de ativao e habituao foram obtidos no estudo das formas mais simples de comportamento em base neurnica.

No sistema das cincias psicolgicas, cabe posio especial psicologia infantil ou gentica.A importncia dessa rea das cincias psicolgicas para a Psicologia geral consiste em que a Psicologia gentica ou infantil estuda a formao da atividade psquica no processo de evoluo da criana e permite acompanhar a formao dos complexos processos psquicos e das etapas pelas quais eles passam em sua evoluo.

A Psicologia gentica permite abordar os processos psquicos superiores do homem como produto da evoluo, dando, com isto, a possibilidade de considerar as formas complexas de atividade psquica do homem no como "propriedades" ou "faculdades" do psiquismo primitivamente existentes mas como resultado de uma longa formao, que deixou vestgios na estrutura dos processos psquicos.

Foi justamente por isto que a Psicologia gentica, que estuda a formao (gnese) das formas superiores de atividade psquica, adquiriu importncia decisiva tanto para uma rea prtica

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como a pedagogia quanto para a Psicologia geral. Foi justamente graas aos xitos da Psicologia gentica, relacionados com a contribuio dada ao estudo dessa disciplina pelos notveis estudiosos Jean Piaget e Lyv S. Vigotsky, que a Psicologia geral obteve provas convincentes de que as formas bsicas dos processos psquicos (percepo e ao, memorizao e pensamento) possuem estrutura complexa que se forma no processo de evoluo da criana. A importncia da Psicologia gentica lhe, permitiu ocupar posio central na Psicologia atual.

Outro campo da Psicologia, que deve ser colocado ao lado da Psicologia gentica e costuma ser chamado de psicologia diferencial ou psicologia das diferenas individuais, ocupa posio importante.

Sabe-se que as pessoas tm traos comuns, estudados pela Psicologia geral, e revelam diferenas individuais. Estas podem ser diferenas de propriedades do sistema nervoso, de peculiaridades individuais do campo emocional e do carter, traos caractersticos do processo cognitivo e do talento.

A Psicologia diferencial se prope a tarefa de estudar essas diferenas individuais, descrever os tipos de comportamento e atividade psquica das pessoas que se distinguem umas das outras por traos caractersticos.

A Psicologia diferencial de importncia decisiva para a avaliao do nvel de evoluo da criana, das formas individuais de assimilao do trabalho e para a anlise das peculiaridades tipolgicas cujo conhecimento indispensvel soluo das questes prticas da Psicologia.

Os fundamentos da Psicologia diferencial foram lanados em sua poca pelo psiclogo alemo W. Ster (1871-1938); em nossa poca os problemas das diferenas individuais foram estudados com xito por cientistas como Charles Edward Spear-man, na Inglaterra, L. L. Thurstone, nos eua, e B. M. Teplov, na urss.Aos referidos campos da Psicologia incorpora-se um grupo de reas intimamente vinculadas s cincias sociais. Nessas reas examinam-se as condies histrico-sociais em que se formou a atividade psquica do homem e as formas sociais em que essa atividade se manifesta.

Nesse grupo ocupa posio essencial a etnopsicologia ou cincia das particularidades que distinguem os processos psqui-

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cos em diferentes formaes e estruturas histricas e em diferentes culturas.

Nas etapas iniciais do desenvolvimento da Psicologia, fizeram-se tentativas de criar uma "psicologia dos povos" corr.: forma especial de psicologia social e de elaborar uma cincia que fosse capaz de revelar as bases psicolgicas da formao da linguagem, dos mitos, crenas, do direito, etc. Fracassou essa tentativa, que partiu de um dos criadores da Psicologia moderna, W. Wundt, autor do livro A psicologia dos povos.Wundt tentou dar uma explicao psicolgica dos fenmenos da vida social, cujas bases no so psicolgicas mas econc-micas ou histrico-sociais. Por este motivo as tentativas de "ps:-cologizar a histria" retiveram durante muito tempo o desenvolvimento desse importante campo da cincia psicolgica, qa: devia investigar um processo inverso: a influncia formadora exercida pelas condies histrico-sociais sobre o desenvoh:-mento da atividade psicolgica do homem.

Essa tarefa se converteu em objeto das pesquisas de grandes cientistas de diversos pases (Frazer e Malinowsky, na Inglaterra, Janet e Lvy-Bruhl, na Frana, Turnwald, na Alemanha e M. Mead, nos eua) e foram justamente essas pesquisas qu: lanaram as bases da etnopsicologia atual. O estudo das peculiaridades da atividade psquica de pessoas pertencentes -diferentes culturas constitui atualmente uma rea importan:; da cincia psicolgica.

A psicolingstica, disciplina que nos ltimos decnios s: converteu em rea independente e se situa na fronteira entre a Psicologia e a lingstica, representa um campo especial d-Psicologia. A psicolingstica se prope o estudo das leis bsica: da linguagem enquanto meio de comunicao, dos processos d. codificao e decodificao da informao veiculada pela linguagem e dos processos psicolgicos que se baseiam nos cdigos da lngua e se materializam na linguagem do homem.

A Psicologia social uma rea importante porm pouco desenvolvida. Esta disciplina estuda as leis psicolgicas da comunicao entre os homens, as peculiaridades psicolgicas da divulgao de informao por meios como a imprensa e o cinema, as particularidades do comportamento no processo de trabalho, competio, etc. Um campo especial da Psicologia social tem como objeto o estudo das inter-relaes humanas em pequenos grupos, a anlise dos fatores que servem de base a

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tipos concretos de interao entre os homens, de formao da autoridade, promoo de lderes, etc.

Entre essas disciplinas, que mantm afinidades com as cincias sociais, inclui-se a Psicologia da arte, que estuda as bases psicolgicas da criao artstica e as leis psicolgicas que servem de base s obras de arte que aplicam diversos procedimentos e asseguram uma influncia mxima das obras sobre o leitor e espectador.

Tomamos conhecimento apenas dos ramos fundamentais da Psicologia, mas estes podem mostrar que sistema ramificado de disciplina a Psicologia moderna representa.

Os mtodos em Psicologia condio fundamental da evoluo de toda cincia a existncia de mtodos suficientemente objetivos, precisos e seguros.

O papel do mtodo de uma cincia deve-se ao fato de que a essncia do processo em estudo no coincide com as manifestaes em que ela aparece. So necessrios procedimentos especiais, que permitam penetrar alm dos limites dos fenmenos acessveis observao imediata, penetrar nas leis internas que constituem a essncia do processo em estudo. Esse caminho do fenmeno essncia, que lana mo de toda uma srie de procedimentos objetivos de pesquisa, caracteriza as pesquisas verdadeiramente cientficas.

Em que consistem os mtodos empregados pela Psicologia?

Houve um longo perodo em que a Psicologia era definida como cincia do mundo subjetivo do homem; definio do contedo da cincia correspondia a escolha dos seus mtodos. Segundo a concepo idealista, que separava o psiquismo de todos os outros fenmenos da natureza e da sociedade, a Psicologia tinha como objeto o estudo dos estados subjetivos da conscincia. Segundo os psiclogos idealistas, esses- processos da conscincia se distinguiam dos outros processos da realidade objetiva pelo fato de que o fenmeno coincidia com a essncia: as formas de conscincia que o homem podia observar em si mesmo (clareza ou impreciso de conscincia, vivncia da liberdade do ato volitivo, etc.) eram consideradas por esses

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psiclogos como propriedades fundamentais do esprito ou como essncia dos processos psquicos subjetivos. Para eles, essa coincidncia dos fenmenos com a essncia constitua o fundamento da Psicologia e lhe definia o mtodo, ou seja, consideravam como fundamental e nica a descrio subjetiva dos fenmenos da conscincia, descrio essa que se obtinha no processo de introspeco. O reconhecimento da introspeco como mtodo fundamental da Psicologia no apenas separava esta cincia das outras como fechava de fato todos os caminhos para a evoluo da Psicologia enquanto cincia autntica. Exclua, ainda, a explicao objetiva e causai dos processos psquicos, reduzindo a Psicologia descrio subjetiva de formas da vida espiritual e dos fenmenos psquicos.

fcil entender que uma "cincia" que se negava a considerar os processos psquicos como produtos do desenvolvimento objetivo, que no levantava os problemas da origem e dos mecanismos objetivos desses processos no podia ter existncia prpria; durante muito tempo continuou sendo uma rea singular da filosofia idealista sem se incluir no crculo das cincias autnticas.

Por isto mudou radicalmente o tratamento dispensado ao mtodo bsico da Psicologia desde o perodo em que esta disciplina passou a ser interpretada como cincia de uma forma especfica de atividade psquica, que permite ao homem orientar-se na realidade ambiente, refleti-la, formar programas de comportamento e controlar a sua execuo.

A tarefa dos psiclogos consistia em criar mtodos objetivos de estudo dos processos psquicos do homem, sem nunca se limitar ao mtodo da introspeco, referindo-se a ele apenas como um procedimento auxiliar de sentido antes heurstico, que permitia levantar questes, o que dava a possibilidade de explicar por via causai os fenmenos e encontrar as leis que lhes serviam de base. A reviso radical da introspeco como mtodo de conhecimento cientfico devia-se ao fato de que a prpria introspeco passara a ser vista como um tipo complexo de atividade psquica, que era produto de uma longa evoluo, empregava formulao discursiva dos fenmenos observados e tinha aplicao muito restrita porque nem de longe os processos psquicos ocorrem todos por via consciente, bem como porque a auto-observao dos seus processos psquicos pode introduzir mudanas considerveis na ocorrncia desses processos.18

A Psicologia passou a ter como tarefa fundamental a elaborao de mtodos objetivos de pesquisa que usassem os mesmos procedimentos que todas as outras cincias usavam para observar o desenvolvimento desse ou daquele tipo de atividade e da mudana experimental das condies do seu exerccio, de mtodos que fossem capazes de ir alm dos limites da descrio exterior dessa atividade no sentido das leis que lhe servem de base.

O procedimento principal da Psicologia passou a ser a observao do comportamento do homem em condies naturais e experimentais, com a anlise das mudanas que ocorrem em determinadas condies que podem ser mudadas pelo experi-mentador. Foi nesse caminho que surgiram os trs mtodos bsicos de pesquisa psicolgica, convencionalmente chamados de mtodo de anlise estrutural, mtodo gentico-experimental e mtodo patolgico-experimental (ou mtodo de anlise sindr-mica).

O mtodo de anlise estrutural dos processos psicolgicos consiste no seguinte: o psiclogo, ao estudar essa ou aquela forma de atividade psquica, coloca diante do sujeito experimental uma tarefa correspondente e acompanha a organizao estrutural dos processos (procedimentos, meios, formas de comportamento) mediante os quais o sujeito experimental resolve a tarefa dada.

Isto significa que o psiclogo no apenas registra o- resultado final (memorizao do material proposto, reao motora ao sinal, resposta tarefa proposta) mas acompanha atentamente o processo de soluo da tarefa proposta, os meios auxi-liares em que ele se baseou, etc. Essa descrio da estrutura psicolgica do processo estudado e a anlise das suas partes componentes representam dificuldades considerveis e exigem vrios procedimentos auxiliares especiais.

Esses procedimentos, que permitem efetuar uma anlise estrutural bastante completa, podem ter carter direto ou indireto.

Pertence aos procedimentos diretos a mudana da estrutura da tarefa proposta ao sujeito experimental (com dificultao paulatina, incluso de novas exigncias, que tornam necessria a insero de novas operaes na soluo da tarefa), bem como a proposta de vrios procedimentos que ajudam soluo (escolha de apoios externos, procedimentos auxiliares, etc). O emprego desses procedimentos diretos de anlise estrutural muda19o curso objetivo do processo psicolgico e permite estabelecer quais dentre os procedimentos empregados surtem um efeito mximo.

As referidas formas de anlise estrutural se aplicam antes de tudo ao estudo objetivo de formas contguas de atividade psquica como a assimilao ou memorizao do material, a soluo das tarefas, a realizao de operaes construtivas ou lgicas, o estudo da estrutura das formas complexas dos atos conscientes.

Entre os procedimentos indiretos ou complementares situa-se o emprego de indcios, que, no sendo eles mesmos elementos, de atividade do homem, podem ser ndices do seu estado geral, das tenses por ele experimentadas, etc. Entre esses procedimentos, por exemplo, inclumos a aplicao de mtodos de registro dos processos fisiolgicos (eletroencefalogramas, eletro-miogramas, reao galvnica da pele, pletismograma), que por si mesmos no revelam as peculiaridades da realizao da atividade psquica mas podem refletir as condies fisiolgicas gerais que caracterizam essa realizao.

natural que a aplicao desses procedimentos indiretos ou complementares pode adquirir sentido somente havendo organizao precisa da prpria atividade psquica estudada pelo psiclogo.

Ao lado do mtodo analtico-estrutural, que ocupa posio central na Psicologia, podemos colocar o mtodo gentico-expe-rimental, que tem importncia especialmente grande para a Psicologia gentica.

Sabe-se que todos os processos psicolgicos superiores so produto de uma longa evoluo. Por isto sobretudo importante para o psiclogo acompanhar a marcha desse processo de evoluo, que etapas foram includas nele e que fatores determinam o surgimento de processos psicolgicos superiores.

Pode-se obter resposta a esta questo no apenas acompanhando a execuo das mesmas tarefas em fases sucessivas do desenvolvimento da criana (esse mtodo recebeu na Psicologia a denominao de mtodo dos cortes genticos) como tambm criando condies experimentais que permitam mostrar como se forma essa ou aquela atividade psquica. Com este fim coloca-se em diferentes condies o sujeito experimental, a quem se prope resolver essa ou aquela tarefa. Nuns casos exige-se dele soluo independente da tarefa, noutros, presta-se-lhe ajuda, empregando diversos meios de apoios extremos evidentemente-

20eficazes, sugerindo em voz alta as vias de soluo, por um lado, observando como ele aproveita essa ajuda, por outro.

Aplicando os procedimentos que constituem a essncia do mtodo gentico-experimental, o estudioso se mostra capaz no apenas de revelar as condies com cujo aproveitamento o sujeito experimental pode assimilar de modo ideal dada atividade, como tambm de formular experimentalmente os complexos processos psquicos e abordar mais de perto a sua estrutura. O mtodo gentico-experimental foi amplamente aplicado na Psicologia na urss por Vigotsky, A. V. Zaporojets, P, Y. Galpe-rina e produziu muitos fatos valiosos que se incorporaram soli-damente Psicologia.

O terceiro mtodo da Psicologia, especialmente importante para a neuropsicologia e psicopatologia, o mtodo patolgico-xperimental ou mtodo da anlise sindrmica das mudanas de comportamento que ocorrem nos estados patolgicos do crebro ou num desenvolvimento exclusivo de um setor dos processos psquicos.

Esse mtodo aplicvel em casos relativamente raros. Conhecendo um fator que muda notoriamente o curso dos processos psquicos, o psiclogo pode saber qual a influncia que esse fator exerce sobre o curso de toda a atividade psquica do sujeito.

Esse mtodo se manifesta nas formas mais claras nas pesquisas neuropsicolgicas, consistindo no seguinte: o psiclogo que estuda minuciosamente os pacientes nos quais a afeco local do crebro provoca o deslocamento ou a deformao de uma das condies do curso normal dos processos psquicos (por exemplo, da percepo visual, da memria auditiva ou da slida manuteno do programa de atividade), analisa detalhadamente a realizao de todo um conjunto de processos psquicos e define quais desses processos se mantm intactos e quais ficam perturbados. Semelhante anlise permite estabelecer quais so precisamente os processos psquicos internamente relacionados com o fator perturbado (ou excludo) e quais so independentes deste; permite descrever toda uma sndrome (por outras palavras, todo um conjunto de mudanas) que surge com a mudana de uma funo e d a possibilidade de mostrar a interdependncia (correlao) de processos psicolgicos isolados.

O mesmo mtodo pode ser aplicado na Psicologia geral ou na>Psicologia das diferenas individuais, nas quais a superevolu-o de um aspecto do campo psquico (por exemplo, da memria

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visual clara) ou alguma peculiaridade individual dos processos nervosos (por exemplo, a fraqueza ou a mobilidade insuficiente dos processos nervosos) pode provocar a reestruturao de todos os processos psicolgicos e tornar-se fator decisivo no surgimento de todo um conjunto de peculiaridades individuais da pessoa.

Todos os mtodos que descrevemos em linhas gerais so mtodos da pesquisa psicolgica. A par com eles, entretanto, tm grande importncia para a Psicologia os mtodos breves de avaliao qualitativa e quantitativa dos processos psquicos (dos conhecimentos, habilidades, aptides) e os mtodos simples de medio do nvel de evoluo dos processos psquicos.

Esses mtodos se aplicam amplamente na Psicologia e so conhecidos pela denominao de testes psicolgicos. Os testes psicolgicos consistem de tarefas, que se propem a um amplo crculo de sujeitos experimentais para estabelecer seus conhecimentos, habilidades ou aptides. Para que esses testes possam produzir dados objetivos e mensurveis, so feitos previamente com um grande nmero de sujeitos experimentais (crianas de uma determinada idade ou pessoas do mesmo nvel de educao). Entre essas tarefas escolhem-se aquelas'que um nmero considervel (dois teros, por exemplo) de sujeitos experimentais consegue resolver com xito e s depois disto elas so propostas queles sujeitos cujos conhecimentos, habilidades ou aptides so mensurveis. Os resultados dessas pesquisas so avaliados por pontos ou por lugar (indica-se o lugar que um dado sujeito experimental poderia ocupar em relao ao grupo correspondente de sujeitos).

A aplicao dos testes psicolgicos pode ter certa importncia para que se tenha uma orientao, acerca das peculiaridades psicolgicas dos grandes hemisfrios. Faremos adiante uma apreciao crtica desse mtodo, quando examinarmos a sua importncia para a medio das diferenas individuais de diferentes sujeitos.

fcil ver que a importncia de todos os referidos mtodos n.p a mesma para as diferentes reas da Psicologia a que nos referimos, e se o mtodo de anlise estrutural continua sendo o mtodo bsico para todas as reas psicolgicas, o mtodo gen-tico-experimental ocupa posio dominante na Psicologia gentica, ocupando o mtodo de anlise sindrmica posio-chave na Psicologia patolgica ou diferencial.

22A importncia prtica da PsicologiaA Psicologia tem grande importncia no apenas para a soluo de uma srie de questes tericas do campo psicolgico e da atividade consciente do homem.

Ela tem importncia tambm prtica, que aumenta medida que a direo do comportamento do homem em bases cientficas e a considerao do fator humano na indstria e nas relaes sociais se tornam questo central da vida social.

A cincia psicolgica de grande importncia prtica para vrios campos, dentre os quais mencionamos apenas os mais importantes.

O primeiro desses campos o da indstria e do trabalho; a rea da Psicologia aplicada que se dedica a questes ligadas a esses campos denominada engenharia psicolgica e psicologia do trabalho.A indstria moderna, que compreende a direo de mecanismos, do transporte, aviao, etc, subentende uma complexa interao do sistema homem-mquina. A tcnica complexa deve estar adaptada s possibilidades do homem. necessrio criar condies nas quais a direo dos sistemas transcorra numa variante ideal e possa realizar-se com a menor perda de tempo e o menor nmero de erros. Essas exigncias devem referir-se principalmente construo racional dos painis de direo, que nos mecanismos modernos consistem de grande nmero de indicadores, que exigem reviso sumamente rigorosa e que a informao que recebem tenha a mxima acessibilidade. natural que essas exigncias podem ser atendidas somente levando-se em conta as leis da percepo humana, o volume da memria humana e os modos de originaliz-las, que poderiam, da melhor maneira, adaptar a mquina s possibilidades do homem. Por outro lado, a indstria moderna coloca uma srie de questes atinen-tes seleo de pessoas mais aptas para as condies dessas ou daquelas formas de trabalho, querendo, com isto, que se criem condies que assegurem circunstncias ideais para a manuteno da ateno e o menor esgotamento do homem. Coloca-se a questo: que fatores psicolgicos devem-se levar em conta para garantir a mxima segurana do trabalho e o mnimo de avarias?

Todas essas questes so elaboradas pela engenharia psicolgica e pela Psicologia do trabalho, que esto se convertendo

23em importante componente da organizao cientifica da produo.

Outra rea de aplicao prtica da Psicologia o ensino e a educao da gerao adolescente, em suma, a rea da pedagogia.

sabido que o crescente volume de conhecimentos, que devem ser assimilados no processo de ensino escolar, exige organizao mais racional dos mtodos de ensino. Isto depende substancialmente das peculiaridades psicolgicas da criana, da idade e dos seus processos cognitivos na aprendizagem escolar.

A Psicologia pedaggica a rea da Psicologia aplicada que deve assegurar a argumentao cientfica dos programas e mtodos de ensino, estabelecer o crculo dos conceitos acessveis s crianas da idade correspondente e os mtodos de transmisso do material que garantiro sua melhor assimilao. O ensino programado (ou teoria da assimilao programada, por etapa, dos conhecimentos), nova rea da pedagogia que se desenvolveu ultimamente, apresenta a base psicolgica cientfica para a elaborao de uma seqncia otimal do material proposto bem como a'aplicao dos mtodos mais eficazes de ensino. Questes como o grau de desdobramento do processo de assimilao dos conhecimentos por etapa, a correlao dos meios direto e lgico-verbais de ensino, os modos de formulao otimal de regras, os procedimentos que asseguram assimilao adequada dos conceitos e a transferncia de princpios assimilados no processo de ensino constituem apenas uma parte das questes estudadas pela psicologia pedaggica, que d contribuio substancial para a fundamentao cientfica do processo pedaggico.

O segundo aspecto do emprego da Psicologia para a construo racional do ensino e da educao a anlise das peculiaridades psicolgicas das crianas, que cria obstculo para levar-lhes instruo com xito.

sabido que o sucesso do ensino depende no s dos programas e mtodos racionalmente organizados mas tambm da prpria composio dos alunos. Em toda classe, paralelamente aos alunos adiantados, h aqueles que no conseguem assimilar com xito o programa escolar e retardam o bom rendimento do trabalho de toda a turma.

O essencial, porm, o fato de que a falta de aproveitamento que esses alunos demonstram pode ter fundamento variado.

24Uns alunos no acompanham o aproveitamento por serem mentalmente retardados e o atraso orgnico do seu crebro os torna incapazes de assimilar material de complexidade mnima. Essas crianas devem ser transferidas da escola de massa para uma escola especial, auxiliar. As outras so crianas plenamente normais, mas o seu atraso deve-se ao fato de que, no tendo assistido a determinada parte do programa, elas no podem avanar com sucesso porque a assimilao do novo material no encontra nelas a necessria base de conhecimentos. Essas crianas necessitam de aulas complementares especiais que possam eliminar as suas lacunas.

Outros alunos (terceiros) demonstram dificuldades na aprendizagem por serem fisicamente fracos, por terem sofrido uma doena qualquer. Eles so capazes de concentrar com xito suas atenes apenas durante tempo limitado, ficam rapidamente exaustos e no tm condies de assimilar o material correspondente. Eles devem estudar sujeitos a um regime correspondente e nessas condies podem cumprir com xito o programa. Por ltimo, o quarto grupo de alunos experimenta dificuldades de aprendizagem no porque as crianas que o compem sejam mentalmente retardadas mas porque apresentam algumas deficincias, como deficincias auditivas, que dificultam a comunicao verbal oportuna e plena e provocam retardamento temporrio do desenvolvimento. Essas crianas devem ser transferidas para escolas destinadas a alunos de audio difcil, onde procedimentos e mtodos especiais permitiro compensar tais deficincias.

A tarefa mais importante deve ser a identificao oportuna das causas do atraso de diferentes grupos de crianas e o diagnstico das diversas formas de atraso no programa. Essa tarefa pode ser cumprida somente com ntima participao dos psiclogos, que possam descrever as peculiaridades psicolgicas das crianas que no conseguem acompanhar o programa, explicar as causas principais do retardamento da sua evoluo e prestar ajuda substancial na eliminao das deficincias descritas.

O terceiro campo de aplicao prtica da Psicologia a medicina.15 sabido que o desenvolvimento de uma doena depende no apenas do agente patognico e do estado do organismo mas tambm de como o prprio doente encara sua doena e como a avalia; por outras palavras, depende daquilo a que os terapeu-tas chamam de "quadro interno da doena". No entanto, a pr-

25pria atitude em relao doena est relacionada com uma srie de fatores psicolgicos, com as peculiaridades da estrutura emocional do indivduo, com o carter das generalizaes que o indivduo faz. O estudo das peculiaridades caracterolgicas e da estrutura do indivduo, estudo esse feito pela Psicologia, tem por isto grande importncia para a medicina, permitindo focalizar mais de perto o fundamento cientfico da prtica da psico-terapia, da psico-higiene e da psicoprofilaxia.

A Psicologia ocupa posio especial em reas especficas da medicina como a neurologia e a psiquiatria.

Nessa rea ela pode prestar ajuda substancial na soluo de duas importantssimas questes: o diagnstico e a natureza da doena, por um lado, e o restabelecimento das funes perturbadas, por outro.

Sabe-se que as afeces locais do crebro s parcialmente se manifestam em sintomas da neurologia clssica como a mudana de sensibilidade, dos reflexos, do tnus e dos movimentos. Parte considervel dos grandes hemisfrios cerebrais no tem relao direta com nenhum dos referidos processos e a afeco dessas reas do crebro no provoca perturbaes visveis nestes. Essas partes dos grandes hemisfrios esto relacionadas com a realizao das formas superiores de atividade psquica como a anlise do afluxo de informao, a formao de planos e programas de ao e o controle do desenvolvimento da atividade consciente. justamente por isto que, sem provocar sintomas fisiolgicos ntidos, a afeco dessas reas do crebro provoca perturbaes visveis das formas complexas de atividade psquica.

Nos ltimos decnios surgiu um novo campo da Psicologia a neuropsicologia j mencionado por ns. Este permitiu ver quais os fatores que, fazendo parte das formas complexas de atividade psquica, esto relacionados com determinadas reas do crebro, permitindo ver, ainda, que tipos de perturbao dos processos psquicos se verificam na afeco dessas reas. Graas a isto tornou-se possvel introduzir um mtodo novo e prtico de diagnstico das afeces locais do crebro, que aplica a anlise psicolgica do carter das perturbaes dos processos psquicos superiores peio diagnstico tpico das afeces cerebrais. Esse mtodo consolidou-se na prtica da neurologia e neurocirurgia clnicas. Nos captulos correspondentes do presente livro mostraremos os dados de que dispe a Psicologia para a soluo dessas questes prticas.

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No menor a importncia da Psicologia para precisar o diagnstico das doenas mentais. As perturbaes da percepo e da ao, da memria e do pensamento assumem carter absolutamente diverso sob diferentes formas de retardamento mental e diferentes doenas mentais. Por isto a aplicao dos mtodos da psicopatologia experimental na psiquiatria clnica permite precisar substancialmente o diagnstico das doenas mentais e se converte em componente essencial da Psicologia geral.

grande a importncia prtica da Psicologia na elaborao das bases cientficas do restabelecimento das junes perturbadas nas afeces cerebrais.

H relativamente pouco tempo ainda se considerava que as funes, perturbadas como resultados de afeces locais do crebro, no se restabeleciam e a afeco do crebro (principalmente do seu hemisfrio central, dominante) provocava perturbaes irreversveis e condenava o doente total invalidez.

Mas a doutrina da complexa construo sistmica dos processos psquicos superiores mostrou que cada forma complexa de atividade psquica realizada com o auxlio de todo um sistema de zonas cerebrais que trabalham conjuntamente e permitiu rever radicalmente essas teses. Mostrou que os sistemas funcionais, que se perturbam com qualquer afeco local do crebro, podem ser reestruturados com base na criao de novos sistemas funcionais, baseados nas reas cerebrais' no-afetadas. Deste modo, as funes perturbadas podem ser restabelecidas em novas bases.

A teoria do restabelecimento das funes psquicas superiores (perturbadas durante afeces locais do crebro) por meio de um restaurador especial da aprendizagem, elaborada pela Psicologia, tornou-se um importante componente da medicina moderna.

Por ltimo, cabe mencionar o ltimo campo de aplicao prtica da Psicologia: a psicologia forense. O promotor e o juiz esto constantemente diante de formas complexas de atividade psquica do homem, dos seus motivos e traos caracterolgicos, da gradao da percepo e da memria, das peculiaridades do seu pensamento. Por isto a considerao das caractersticas psicolgicas desses processos deve ser componente obrigatrio da preparao e da atividade do pessoal de atividade forense.

A Psicologia elaborou um enfoque cientfico de duas importantes reas da prtica forense: a anlise dos depoimentos das

27testemunhas e o diagnstico psicolgico da coparticipao no crime.

Ficou demonstrado que os depoimentos de testemunhas asseguram matria autntica apenas em certos limites e que o grau dessa autenticidade pode ser estabelecido mediante a aplicao de uma investigao psicolgico-experimental.

Por outro lado, o crime cometido deixa vestgios no s na situao externa como tambm no prprio psiquismo do criminoso, da existirem mtodos psicolgicos especiais pelos quais esses vestgios podem ser descobertos.

natural que a incorporao da Psicologia soluo desses problemas permite dar uma contribuio importante para a construo da causa judicial em bases cientficas e constitui rea importante da aplicao prtica da Psicologia.

Deste modo, a Psicologia no apenas uma rea importante da cincia como tem campos amplamente ramificados de aplicao prtica, fornecendo bases cientficas para importantes campos da prtica.

28II

A Evoluo do Psiquismo

captulo anterior vimos como a cincia moderna entende o objeto da Psicologia e que aplicaes prticas tem esse campo de atividade.

Agora enfocaremos um dos mais importantes problemas da evoluo da atividade psquica.

A origem do psiquismoA Psicologia pr-cientfica, que se desenvolveu nos pri-mrdios da filosofia idealista, considerava o psiquismo como uma das propriedades primrias do homem e a conscincia como manifestao direta da "vida espiritual". Por esta razo nem se colocava o problema das razes naturais do psiquismo, de sua origem e dos graus de sua evoluo. A filosofia dua-lista supunha que a conscincia era to eterna quanto a matria, que aquela sempre existia paralelamente a esta.

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A Psicologia cientfica parte de teses inteiramente diversas e se prope a tarefa de encontrar uma resposta para o problema da origem do psiquismo, de descrever as condies nas quais deve ter surgido essa forma altamente complexa de vida.

Sabe-se que a condio fundamental de surgimento da vida o surgimento de complexas molculas albuminosas, que no podem existir sem um constante metabolismo com o meio. Para sobreviver, elas devem assimilar do meio ambiente as substncias que so objeto de alimentao e necessrias para mant-las vivas. Ao mesmo tempo, elas devem segregar para o ambiente externo os produtos da desintegrao cuja assimilao pode perturbar-lhes a existncia normal. Esses dois processos a assimilao e a eliminao Integram o processo de metabolismo e so condio fundamental de existncia dessas complexas formaes albuminosas.

natural que essas molculas albuminosas altamente complexas (s vezes so chamadas coacervaos) possuam propriedades especiais, que respondem ao das substncias teis ou das condies que contribuem para a assimilao dessas substncias, respondendo tambm influncia nociva que lhes ameaa a existncia. Deste modo, essas molculas reagem positivamente tanto s substncias alimentcias como a condies como a luz e o calor, que tambm contribuem para a assimilao. Reagem negativamente aos efeitos mecnicos ou qumicos superfortes que lhes dificultam a existncia normal. Elas no reagem s influncias "neutras" estranhas ao processo de metabolismo.

Chama-se excitabilidade a propriedade que tm os coacervaos de responder s influncias que integram o processo de metabolismo (sem dar resposta s influncias exteriores "indiferentes" ). Essa propriedade fundamental se manifesta no processo de transformao da matria inorgnica em orgnica. Junta-se a ela uma segunda propriedade: a possibilidade de conservao das propriedades altamente especializadas da excitabilidade diante das influncias, transmitindo de gerao a gerao as respectivas modificaes das molculas albuminosas. Essa ltima propriedade parece relacionar-se com a modificao de algumas fraes dos aminocidos (particularmente do cido ribonuclico, que constitui o funda-

30mento molecular da vida) e costuma ser considerada como importante processo que serve de base memria biolgica.Os processos de excitao diante de influncias biticas de importncia vital, a aquisio de formas de excitao altamente especializadas e sua conservao com a transmisso imediata s geraes seguintes caracterizam o estgio de evoluo da vida habitualmente denominado vida vegetativa.Esses processos caracterizam toda a vida, comeando pelas algas mais simples e terminando com as formas complexas de vida vegetativa. Eles condicionam os chamados "movimentos dos vegetais", que, em essncia, so apenas formas de uma intensa troca ou crescimento, dirigido pela excitao em relao s influncias biticas (umidade, iluminao, etc). Fenmenos como o crescimento da raiz do vegetal no sentido da profundidade do solo ou o crescimento irregular do tronco dependendo da iluminao ou a inclinao dos vegetais no sentido dos raios solares constituem apenas o resultado do fenmenos da "excitao" diante das influncias biticas (no indiferentes para a vida).

H uma circunstncia que essencial para a vida vegetativa. O vegetal que responde com um intenso metabolismo s influncias biticas no reage s influncias exteriores, que integram o processo imediato do metabolismo. Ele no se orienta ativamente no meio ambiente e pode, por exemplo, morrer por falta de luz ou umidade, mesmo que as fontes de luz e umidade estejam bem prximas mas no tenham efeito imediato sobre ele.

Dessa forma passiva de vitalidade distinguem-se acen-tuadamente as formas de existncia na etapa seguinte da evoluo: o estgio da vida animal.Cada organismo animal, a comear pelos protozorios, caracteriza-se pelo fato de que o animal reage no s s influncias biticas, que integram o processo imediato do metabolismo, mas tambm s influncias "neutras", no-biti-cas, se estas anunciam o surgimento de influncias ("biticas") de importncia vital. Noutros termos, os animais (mesmo os protozorios) se orientam ativamente na claridade, procuram condies de importncia vital e reagem a todas as mudanas do meio, que so um sinal do surgimento dessas condies. Quanto mais intenso o metabolismo, quanto maior a necessidade de obter alimentao que o ser vivo simples sente, tanto mais ativos so os seus movimentos e

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tanto mais vivificadas so as formas em que se produz sua atividade de "orientao" ou "procura".

Essa capacidade de reagir aos instigadores "abiticos" neutros sob a condio de que eles sinalizem para o surgimento de influncias de importncia vital, capacidade essa que surge no estgio de transio para o mundo animal, chamada sensibilidade, diferentemente dos fenmenos da ex-citabilidade. o surgimento da sensibilidade que pode servir de indcio biolgico objetivo do surgimento do psiquismo.

Variabilidade do comportamento dos proiozoriosA sensibilidade aos instigadores "neutros", se estes comeam a dar sinais do surgimento de influncias de importncia vital, provoca mudanas radicais nas formas de vida. O principal consiste em que o ser vivo comea a "orientar-se" no meio ambiente, a reagir ativamente a cada mudana que neste se processa, ou seja, comea a adquirir formas de comportamento individualmente variveis, que no existiam no mundo vegetal.

Nos primeiros perodos a aquisio desse comportamento individualmente varivel se processa com relativa lentido, mas apesar disto consegue-se observar o fenmeno at em condies de experimento.

Citemos um experimento tpico, realizado pelo pesquisador alemo Bramstedt.

Sabe-se que os unicelulares, usados nesse experimento, so sensveis ao calor (qu para eles condio bitica de importncia vital, indispensvel ao metabolismo) mas so insensveis luz. Por isto se os colocarmos numa cmara igualmente aquecida, com uma parte clara e outra escura, eles se distribuem igualmente por toda a cmara. Se, ao contrrio, aquecermos uma parte da cmara igualmente iluminada, eles se concentram no canto aquecido. Mas se durante longo perodo iluminarmos o canto aquecido e escurecermos o no-aquecido, a situao muda e os unicelulares se tornam sensveis luz, que agora adquire para eles o significado de sinal de elevao da temperatura e comeam a concentrar-se no canto iluminado da cmara, apesar ias.diferenas de temperatura.

32 fato caracterstico que essa sensibilidade claridade se forma paulatinamente entre os unicelulares, podendo desaparecer inteiramente se durante longo perodo a luz no for reforada pelo calor.

Essa mutabilidade individual do comportamento dos pro-tozorios pode ser provocada com base em suas reaes defensivas, se mudarmos as condies que provocam essas reaes. Pode servir de exemplo o experimento do conhecido pesquisador polons Edward Dembowski.

Colocados numa proveta arredondada com gua, os pro-tozorios fazem movimentos que lhes so caractersticos. Co-locados.em tubo idntico porm com uma seo quadrangular, eles comeam a bater-se contra os vidros dessa proveta mas logo seus movimentos adquirem carter modificado, que garantem o mnimo de batidas contra as paredes do vaso. Por conseguinte, a trajetria desses movimentos comea a refletir a configurao do vaso. A trajetria por eles adquirida se mantm inclusive quando eles so recolocados num vaso arredondado e passam algum tempo fazendo os mesmos movimentos pela trajetria rmbica.

O processo de mutabilidade do comportamento-individual dos protozorios, que os distingue acentuadamente dos vegetais, transcorre com relativa lentido e as mudanas que surgem desaparecem com a mesma lentido. Mas essas mudanas so to importantes que as novas formas de comportamento emergentes (de adaptao s novas condies) permitem realizar as respostas necessrias de adaptao s novas condies de modo muito mais rpido do que se verificava em nvel inferior da escada evolutiva.

Exemplo tpico desse processo encontramos no experimento do estudioso americano A. Smith.

Um ciliado (tipo de protozorio) foi colocado num vaso estreito com seo microscpica. A seo era to pequena que para sair do tubo no sentido da ao do agente bitico (a luz) o ciliado tinha de virar-se, batendo contra as paredes do tubo. No comeo do teste ele gastava de 3 a 6 minutos para virar-se. Mas se esses experimentos eram repetidos vrias vezes durante 10-12 horas, o ciliado comeava a virar-se com rapidez bem maior e no final do teste gastava apenas 1-2 segundos para virar-se. Assim, sob a influncia das novas condies, obtinha-se uma nova "habilidade", que

33se processava com uma rapidez 180-200 vezes superior reao inicial.

Como vemos, a formao de um novo tipo de comportamento, que corresponde s condies mudadas, exige dos protozorios bastante tempo. caracterstico que, uma vez surgida, a mudana do comportamento se mantm entre eles durante perodo bastante longo, sendo necessrio muito tempo para desaparecer.

Isto pode ser observado tanto entre os protozorios uni-celulares como entre os pluricelulares de organizao relativamente simples.

O exemplo, que mostra esse surgimento to lento e o desaparecimento igualmente lento da nova forma de comportamento, pode ser visto no experimento realizado inicialmente pelo pesquisador belga Blesson, posteriormente pelo pesquisador sovitico A. N. Lentyev (cf. Lentyev, A. N., Problemas da evoluo do psiquismo).Ainda no conhecemos os mecanismos biolgicos dessa manifestao de sensibilidade ao agente neutro inicial. possvel que ela esteja relacionada com a mudana paulatina das propriedades bioqumicas do protoplasma. No entanto o fato da manifestao, em vida, de novas formas de reao indica o surgimento de urna mutabilidade individual no comportamento dos protozorios e d fundamento para falar-se do surgimento de um comportamento autntico, embora muito elementar, nessa fase da evoluo.

Mecanismos do comportamento dos protozoriosA cincia ainda conhece muito pouco a respeito das condies fsico-qumicas do comportamento dos protozorios e das causas dos seus movimentos positivos ou negativos (movimento no sentido de uns objetos ou o movimento a partir de outros objetos, respectivamente).

Sabe-se que o protoplasma, que compe o corpo do animal protozorio (unicelular), constitudo de uma camada exterior mais slida (plasma-gel) e de uma camada interior mais lquida (plasma-sol). Sabe-se tambm que as camadas externas do protoplasma do unicelular so mais

34excitveis do que as camadas internas, e cada ao externa provoca intenso metabolismo, que se estende paulatinamente das camadas externas s internas, extinguindo-se conforme o tipo de.gradiente de excitao paulatinamente decrescente. Esses gradientes de excitao, ao que parece, servem de base aos movimentos do unicelular, que surgem to logo a influncia externa provoca intenso metabolismo no ponto correspondente de sua superfcie ou quando os processos internos levam necessidade de procurar ativamente as substncias necessrias para assegurar semelhante metabolismo.

Alguns autores supem que influncias adequadas de fora moderada provocam reao positiva do unicelular e levam a um movimento no sentido da respectiva influncia, ao passo que influncias inadequadas (ultrafortes ou nocivas) provocam movimento negativo, dirigido a partir do objeto influente. O movimento positivo leva a que o ohjeto que provoca irritao inicialmente envolvido pelos filetes do protoplasma, que, entre os unicelulares mais simples (amebas), depositado no lugar de metabolismo mais intensivo e fecha-se em torno desse objeto, incuindo-o na composio do corpo do unicelular. Se esse objeto alimentcio, ele absorvido pelo corpo do unicelular, segregando-se para o meio o produto da desintegrao. No sendo alinen-tcio, ele rejeitado para o meio ambiente pelo mesmo caminho que foi apanhado.

Seria, entretanto, incorreto supor que todos os movimentos dos unicelulares se processam por um esquema to simples. Uma peculiaridade do comportamento dos unicelulares o fato de que as influncias que chegam at eles podem, elas mesmas, sofrer as mais complexas modificaes. O prprio protoplasma do unicelular nunca se encontra em estado de tranqilidade, mas se caracteriza por sistemas altamente diferenciados e seletivos de excitao, que mudam segundo o processo de metabolismo que nele se opera e leva ao surgimento de formas dominantes de excitao.

Como mostraram os experimentos de Fogler, a influncia mecnica de certa fora provoca apenas reaes relativamente fracas do protozorio, sendo que a excitao pela luz pode no provocar nenhuma reao. Mas se sobre o protozorio agem simultaneamente a instigao mecnica de determinada fora e a excitao por luz, esses dois estmulos se somam e levam a intensivas reaes do protozorio.

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Sabe-se que a capacidade de reao da ameba faminta maior do que a mesma capacidade da ameba saciada, e ela cria elevada disposio de responder aos estmulos positivos correspondentes ou s instigaes que sinalizam o surgimento destes.

Por ltimo, o unicelular pode "acostumar-se" aos estmulos correspondentes, reduzindo a resposta a eles na medida do seu prenuncio repetido e longo.

Os mecanismos que servem de base a esse fenmeno ainda so pouco conhecidos e s as observaes ultimamente feitas levam a pensar que o surgimento e a manuteno desses estmulos so o resultado de certas modificaes e do cido ribonuclico, que um dos componentes bsicos do seu plasma.

Cabe observar que o corpo dos protozorios relativamente homogneo e que o processo do metabolismo mais intensivo pode surgir nele no lugar da excitao que surge imediatamente, formando com isto o extremo "cerebral" provisrio do seu corpo.

Os unicelulares mais complexos tm estrutura incomparavelmente mais complexa. Neles podemos distinguir "rgos" permanentes em forma de reas sensveis do protoplas-ma, que formam, por exemplo, os "flagelos" das bactrias. Esses "flagelos" esto em movimento permanente e so agentes das funes mais importantes de orientao no meio exterior; neles que surgem os gradientes de excitao constante, que, espalhando-se pelo resto do corpo do unicelular, coloca-o em movimento.

A riqueza de comportamento dos unicelulares muito grande e ainda ser objeto de estudo especial, assim como os mecanismos que lhe servem de base. Mas' o que j sabemos a seu respeito nos leva a pensar que, aqui, esto lanadas as bases da complexa atividade da orientao ativa no meio, que mais tarde constituiro trao importantssimo da atividade psquica.

Origem do sistema nervoso e suas formas mais simplesOs processos descritos de irritao em face das influncias biticas, de sensibilidade s influncias neutras que

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anunciam o surgimento de influncias de importncia vital e de conservao elementar dos vestgios so suficientes para a conservao da vida dos animais unicelulares.

Mas eles se tornam insuficientes com a transio aos plu-ricelulares.

A transio para os multicelulares complica substancialmente as condies de vida. A alimentao por meio da difuso direta de substncias alimentcias, que ocupou posio central no nvel dos protozorios, agora substituda pelo consumo de comida discreta (concentrada); eleva-se o papel da orientao ativa no meio externo. Torna-se necessrio assegurar movimentos bem mais diferenciais e uma con-dutibilidade da excitao bem mais rpida do que aquela que se obteve por meio da difuso paulatina dos gradientes de excitao no protoplasma dos unicelulares. isto que leva a uma considervel complicao da estrutura do corpo do plu-ricelular, separao das clulas de uma recepo especial de irritaes que chegaram ao corpo do animal, e ao surgimento das primeiras clulas contrativas, agentes da funo que nas etapas posteriores da evoluo ser assumida pelas clulas musculares. Isto leva, por ltimo, a que nos lugares dos antigos gradientes de excitao comecem a formar-se passagens do protoplasma mais excitvel e se constitua a forma mais elementar do sistema nervoso, qu entre esses animais tem o carter de sistema nervoso difuso e com forma de rede.

Tudo isto pode ser visto com nitidez especial na estrutura dos pluricelulares relativamente simples, pertencentes classe dos celenterados, por exemplo, na estrutura do corpo da medusa, anmona-do-mar e estrela-do-mar.

Esse estgio da evoluo dos pluricelulares se caracteriza pelo fato de que a condutibilidade da excitao se acelera muitas vezes graas ao surgimento do sistema nervoso reti-cular. Se o processo da excitao pelo protoplasma no vai alm da velocidade de 1-2 mcrons por segundo, com o surgimento do sistema nervoso mais simples (reticular) a velocidade do processo igual a 0,5m por segundo (observemos que com a contnua evoluo do sistema nervoso e a passagem para as etapas seguintes de sua complicao, a velocidade do processo de excitao aumenta ainda mais, chegando nos sapos a 35 metros por segundo e a 125 metros por segundo nos vertebrados superiores).

37No entanto as vantagens considerveis, que surgem com o aparecimento do sistema nervoso difuso primrio (reticu-lar), tm tambm os seus limites. Como nas etapas da evoluo j descritas, os animais com sistema nervoso reticular ainda no tm extremidade cerebral permanente que dirija o seu comportamento. A excitao se difunde de maneira igual pelo sistema nervoso reticular em todo o corpo do animal, e o lugar da aplicao da instigao exterior se torna c ponto principal provisrio. S entre os celenterados mais complexos, uma parte do corpo (por exemplo, um raio da estrela-do-mar) no difere pela estrutura de outras partes do corpo (raios), pode tornar-se dominante e assume a funo de rgo mais ativo no movimento. Se amputarmos na estrela-do-mar esse raio "dominante", o papel de "dominante" passar para outro raio, disposto ao lado dele.

natural que essa falta de um rgo dominante permanente, capaz no s de receber mas tambm de processar, codificar a informao recebida e criar programas de comportamento diferenciado, limita substancialmente as possibilidades do comportamento nesse nvel. Esses defeitos so eliminados nas etapas posteriores da evoluo, sobretudo com a transio para a vida terrena e com a formao de um sistema nervoso ganglionar de construo mais complexa.

O sistema nervoso ganglionar e o surgimento dos programas de comportamento mais simplesA transio para a vida em terra est relacionada com uma considervel complicao das condies de vida. A difuso direta de substncias alimentcias do meio circundante torna-se impossvel, tornando-se incomparavelmente menor a quantidade de comida slida (discreta) pronta. Essa alimentao encontra-se agora num meio acentuadamente heterogneo e a orientao necessria para obt-la se torna bem mais difcil.

Tudo isso gera a necessidade de sucessiva complicao do organismo dos animais, criando antes de tudo uma evoluo posterior dos rgos complexos de recepo e movimentos e de formao de aparelhos complexos e centralizados de processamento da informao e regulamento dos movimen-

38tos. a isto que corresponde a etapa seguinte da evoluo do sistema nervoso, que leva ao surgimento do sistema nervoso em cadeia ou ganglionar, que aparece pela primeira vez nos vermes e adquire a mxima complexidade nos invertebrados superiores, principalmente nos insetos.

Tanto o surgimento do sistema nervoso ganglionar como a formao do comportamento, que se processa com a ajuda dele, marca um salto de suma importncia na evoluo da atividade vital.

Nos invertebrados mais simples (vermes) j se pode observar um princpio inteiramente novo de organizao do sistema nervoso em comparao com o estgio anterior. Na extremidade frontal do verme, concentram-se filamentos que terminam em receptores qumicos e tteis, distribudos de maneira especialmente densa. Esses aparelhos percebem mudanas qumicas, trmicas e de luz que ocorrem no meio exterior, bem como mudanas de umidade. Os sinais dessas mudanas passam pelos filamentos e chegam ao ncleo frontal ou gnglio, onde se concentram no primeiro "centro" que surge pela primeira vez nessa fase da evoluo. Aqui esses sinais so codificados, e os "programas" de comportamento que surgem em forma de impulsos motores se difundem pela cadeia dos gnglios nervosos; cada um desses gnglios corresponde a um segmento particular do corpo do verme. Os impulsos que chegam a esses gnglios provocam movimentos correspondentes cuja direo programada e regulada pelo gnglio frontal.

Aqui surge um novo princpio: o da centraiidade do sistema nervoso, que se distingue acentuadamente do princpio da construo do sistema nervoso difuso (reticulado). A extremidade da cabea do verme, onde se concentra uma rede especialmente densa de hemo,-mecano,-termo,-foto e hi-dro-receptores, assume papel principal, ao passo que os gnglios segmentares conservam apenas uma autonomia relativa. Isto facilmente verificvel se dividirmos ao meio o corpo do verme. Neste caso a parte dianteira se enfiar no cho, conservando seus movimentos organizados, enquanto a parte traseira se limitar a simples contores, sem revelar nenhum indcio de movimento organizado.

A complicao da esrtutura do sistema nervoso no estgio dos vermos permite observar entre eles tipos mais perfeitos (se bem que ainda muito primitivos) "de formao de no-

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vos modelos de comportamento individualmente adquiridos. Isso foi demonstrado em seu tempo pelo famoso psiclogo americano R. M. Yerkes, que colocou minhocas num tubo em forma de T, labirinto extremamente simples. No extremo esquerdo do tubo a minhoca recebia choque eltrico, que provocava reao defensiva. Com vrias repeties desse experimento, a minhoca podia adquirir a ''habilidade" de evitar o choque eltrico e encaminhar-se para o lado direito. A lentido com que se desenvolveu esse processo pode ser vista no seguinte: foram necessrios mais de 150 testes para que o comportamento da minhoca adquirisse carter organizado e na grande maioria do testes ela comeasse a encaminhar-se para a direita, evitando o choque eltrico.

Processo de "ensinamento"da minhoca no labirinto em forma de TTestes N" de t1-40

41-80

81-120

121-160

161-200

201-240

Processo de "reensinamento" da minhoca no labirinto em forma de T'rrosTestesJV?de erros

17Ensinamentorepetido

141-40.19

1341-809

981-1204

4Reensinamento

4161-1654

166-1757

176-1857

186-1957

196-2055

206-2153

216-2252

Repetindo-se esse mesmo experimento aps uma longa pausa, a "aprendizagem" comea a a processar-se duas vezes mais rpido e depois de 80 experimentos o nmero de erros j mnimo. Foi sintomtico, ainda, que os experimentos de "reensinamento" da minhoca (nesses testes a minhoca j comeava a receber choque eltrico da direita e no da esquerda) se desenvolveram de modo consideravelmente mais lento e s depois de 200 testes comeava a manifestar-se algum efeito do "reensinamento".

40Isto mostra que o sistema nervoso ganglionar dos vermes permite adquirir no apenas novas formas de comportamento como tambm conservar as "habilidades" adquiridas, noutros termos, que a minhoca possui uma forma primitiva de memria.Ultimamente tm sido realizados experimentos que per mitem que nos convenamos da possibilidade de transmisso dessa "habilidade" e demos alguns passos no sentido da elucidao dos mecanismos bioqumicos que servem de base memria elementar. Nesses experimentos, o pesquisador americano J. V. Mc Connell "ensinou" a um grupo de vermes o comportamento necessrio num labirinto muito simples. Depois disto, ele triturou os corpos desses vermes, fez deles um extrato e com este alimentou outros vermes que nunca haviam sido ensinados. Como mostrou o experimento, os vermes que absorveram esse extrato "assimilaram" simultaneamente as habilidades adquiridas pelo primeiro grupo de vermes. Ao serem colocados pela primeira vez no labirinto, eles cometeram imediatamente bem menos erros do que os vermes comuns no-ensinados. Esse fato levou Mc Connell Supor que a aquisio de "habilidade" nessas etapas da evoluo est relacionada com profundas mudanas