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7 Terapia racional-emotivo- comportamental Luiz Fernando de Lara Campos Introdução A Terapia racional-emotivo-comportamental’ pode ser considerada a primeira forma de psicoterapia cognitiva a ser delineada, de forma que todos os métodos psicoterápicos de base cognitiva são direta ou indiretamente dela derivados (Rangé, 1992; Foa e Steketee, 1987). A REBT está incluída na Terapia Comportamental em razão da objetividade com a qual se desenvolve em termos da modificação de padrões de comportamentos desadaptados (Ellis, 1993; Freemam, 1990; Ellis, 1973), assim como pelo caráter empírico em sua investigação clínica, além da utilização de técnicas puramente comportamentais como a dessensibilização sistemática, por exemplo. São numerosos os escritos que relatam a não-diferença entre a Terapia Comportamental e a Terapia Cognitiva(BeckeFreemam, 1993; Freemam, 1990; Rimme Master, 1983: Lazarus, 1971), de tal modo que as consideraremos como sinônimos neste capítulo. Desta forma, torna-se imperativo para o terapeuta comportamental conhecer as diversas abordagens cognitivas, principalmente a REBT, em razão de sua aplicabilidade e eficácia experimentalmente comprovadas (Rimm e Master, 1983), assim como pela posição de Lazarus (1971), que indica esta tendência como o futuro da Psicologia. A. Ellis e A. T. Beck propuseram métodos psicoterápicos de caráter cognitivo no início dos anos 60, mas o devido respaldo teórico só surgiu a partir da Teoria da Aprendizagem Social de A. Bandura (Zarb, 1992). O número de estudos experimentais ou não que validam a REBT (Rimm e Master, 1983) são mais significativos que os relatos que indicam a sua restrição ou ineficácia (Gossette e O’Brien, 1992, 1993). Histórico A Terapia Racional-Emotiva foi fundada em 1955, por um então psicanalista norte- americano chamado AIbert Ellis, após a concretização de uma ampla pesquisa intitulada “O caso de liberação sexual”, que começara a ser desenvolvida em 1940 (Ellis e Dryden, 1987). A vida pessoal do criador, suas estratégias pessoais e dificuldades quando adolescente serviram de referência para a criação de um novo método terapêutico

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Terapia racional-emotivo-comportamental Luiz Fernando de Lara Campos

Introdução

A Terapia racional-emotivo-comportamental’ pode ser considerada a primeira forma de psicoterapia cognitiva a ser delineada, de forma que todos os métodos psicoterápicos de base cognitiva são direta ou indiretamente dela derivados (Rangé, 1992; Foa e Steketee, 1987).

A REBT está incluída na Terapia Comportamental em razão da objetividade com a qual se desenvolve em termos da modificação de padrões de comportamentos desadaptados (Ellis, 1993; Freemam, 1990; Ellis, 1973), assim como pelo caráter empírico em sua investigação clínica, além da utilização de técnicas puramente comportamentais como a dessensibilização sistemática, por exemplo.

São numerosos os escritos que relatam a não-diferença entre a Terapia Comportamental e a Terapia Cognitiva(BeckeFreemam, 1993; Freemam, 1990; Rimme Master, 1983: Lazarus, 1971), de tal modo que as consideraremos como sinônimos neste capítulo. Desta forma, torna-se imperativo para o terapeuta comportamental conhecer as diversas abordagens cognitivas, principalmente a REBT, em razão de sua aplicabilidade e eficácia experimentalmente comprovadas (Rimm

e Master, 1983), assim como pela posição de Lazarus (1971), que indica esta tendência como o futuro da Psicologia.

A. Ellis e A. T. Beck propuseram métodos psicoterápicos de caráter cognitivo no início dos anos 60, mas o devido respaldo teórico só surgiu a partir da Teoria da Aprendizagem Social de A. Bandura (Zarb, 1992). O número de estudos experimentais ou não que validam a REBT (Rimm e Master, 1983) são mais significativos que os relatos que indicam a sua restrição ou ineficácia (Gossette e O’Brien, 1992, 1993).

Histórico

A Terapia Racional-Emotiva foi fundada em 1955, por um então psicanalista norte-americano chamado AIbert Ellis, após a concretização de uma ampla pesquisa intitulada “O caso de liberação sexual”, que começara a ser desenvolvida em 1940 (Ellis e Dryden, 1987). A vida pessoal do criador, suas estratégias pessoais e dificuldades quando adolescente serviram de referência para a criação de um novo método terapêutico (Ellis, 1962; EIlis, 1992c). Apesar de sua formação psicanalítica, Ellis partiu para a criação de uma nova forma de atuação terapêutica baseando-se em sua experiência com casais e distúrbios sexuais, tendo como base a psicoterapia psicanalítica e eclética.

1 Neste trabalho será utilizada a sigla em inglês, REBT, proposta por Ellis em 1993.

Bernard Rangé (Org.)

Cansado dos inúmeros insucessos psicoterápicos e com a demora dos primeiros resultados, a busca de uma nova forma de atuação iniciou-se pelo resgate de uma posição humanista, principalmente na obra de Kant (Ellis e Dryden, 1987; Ellis, 1973). Kant escreveu sobre o poder e limitações das cognições e idéias sobre o comportamento humano, sendo que suas idéias foram desenvolvidas nestes tópicos principalmente por Spinoza e Schopenhauer, que em suas teses reforçaram a visão kantiana (Ellis e Dryden, 1987). A influência filosófica contou ainda com Popper, Reichenbach e Russel, filósofos da Ciência, que produziram vários estudos que ajudaram Ellis na concepção de natureza de mundo que atua como ponto de referência da REBT. A prática da REBT pode ser considerada um reflexo da metodologia científica, contrapondo-se a dogmas e absolutismos da cultura humana (Ellis e Dryden, 1987; Ellis, 1973) que Popper denominaria de pseudociência psicanalítica (Eynseck, 1993).

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Desta forma a REBT deve ser definida como uma posição terapêutica de ênfase humanista-existencial embasada em um empirismo rigoroso (Ellis, 1978). Um ponto importante na concepção de ser humano contida na REBT é a influência da filosofia cristã em termos do valor humano. Como origem do mundo psicológico, Ellis nunca descartou a influência do meio ambiente na formação e manutenção deste mundo, que para ele é basicamente cognitivo. Corroborava, assim, com a visão filosófico- metodológica behaviorista skinneriana de que a “psique” é fruto de um processo de aprendizagem (Ellis,

1962).

Alfred Adler foi um dos importantes influenciadores da REBT, pois foi o primeiro psicólogo a se preocupar com os sentimentos de inferioridade existentes na ansiedade do homem (Ellis, 1962), indicando que o homem, ao contrário dos outros animais, possui a característica de avaliar o mundo em que vive. O uso e influência de técnicas comportamentais, cognitivas e emotivas são parte do processo terapêutico da REBT, podendo ser considerada como a primeira forma de atuação clínica de caráter comportamental-cognitivo, como já fora afirmado anteriormente (Ellis e Dryden, 1987; Ellis, 1973; Ellis, 1962). O nome original da linha proposta por Albert Ellis foi Terapia Racional-Emotiva até 1993. quando seu criador alterou o nome da abordagem para Terapia Racional-Emotiva-Comportamental em razão do forte caráter comportamentalista do processo terapêutico na REBT.

Conceitos teóricos A REBT pressupõe que a causa dos problemas humanos estão nas idéias irracionais que levam o ser humano a um estado de desadaptação de seu meio ambiente (Gorayeb e Rangé, 1988). O “ABC” da REBT O “ABC” na Terapia Racional-Emotiva representa a compreensão sobre a base do funcionamento cognitivo do ser humano, onde “A” seria o evento ativador; B” o pensamento pessoal sobre o evento ativa- dor (interpretação) e “C” a consequência demonstrada pelo sentimento pessoal e comportamento (Ellis, 1962). A REBT escreve que os distúrbios da personalidade começam com a pessoa determinando altos objetivos (metas) para si próprio, em um tipo de meio ambiente que possui um ponto de criação de eventos e atividades que acabam por ajudar a arquivar ou bloquear o acesso às metas estipuladas. O ABC de Ellis representa a primeira tentativa de compreensão sobre o funcionamento cognitivo do ser humano. “A” Eventos ativadores. A experiência ativante “A” é caracterizada por algum evento externo real, ao qual o indivíduo foi exposto, e que ativam pensamentos específicos sobre o próprio evento. Os eventos ativadores se baseiam em nossos sentimentos, pensamentos ou comportamentos ocorridos em eventos passados ou atuais para ativarem cadeias de pensamentos específicos. Pensamentos, cognições ou idéias. O “B”, originário de belief (crença, em inglês), são cadeias de pensamentos e autoverbalizações que são ativadas pelos eventos ocorridos em “A”. Este elo possui várias formas diferentes de se estruturar, uma vez que os seres humanos possuem tipos e formas de pensar igualmente diferentes. Na REBT, os componentes cognitivos são divididos em termos da sua racionalidade ou irracionalidade. Ellis (1973) acredita que. de algum modo, os seres humanos possuem uma tendência natural à irracionalidade, fato este que acaba por limitar a possibilidade do homem de ser naturalmente feliz. O aparelho cognitivo é composto por crenças (regras para ação) e demonstram os gostos e/ou não-gostos do indivíduo. Os Pontos Positivos Preferenciais, por exemplo, se referem às crenças (cognições) ou aos valores positivos que não sejam absolutos: “prefiro pessoas que gostem de mim.” Estes tipos de pensamento são considerados racionais na

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Psicoterapia comportamental e cognitiva

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REBT. Quando estes se referem a crenças ou valores positivos do indivíduo que denotam posições absolutas ou dogmáticas, são considerados irracionais: “minha vida deverá ser completamente maravilhosa Sempr&” Já os Pontos Negativos Preferenciais são cognições relativas e não absolutas que se referem a aspectos que a própria pessoa percebe como negativo: “eu prefiro pessoas que não me desaprovem.” Ao contrário, quando os pontos negativos refletem cognições absolutas e dogmáticas, são consideradas cognições irracionais: “ninguém pode me desaprovar.” As crenças irracionais identificadas por ElIis (1973) são:

1. Uma pessoa deve ser estimada ou aprovada por todas as pessoas virtualmente importantes em sua vida. 2. Uma pessoa deve ser plenamente competente, adequada e realizada sob todos os aspectos possíveis, para que possa se considerar digna de valor. 3. Certas pessoas são más, perigosas ou desprezíveis, e deveriam ser censuradas e punidas por suas maldades. 4. É horrível e catastrófico quando as coisas não acontecem exatamente do modo como a pessoa gostaria muito que

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acontecessem. 5. A infelicidade humana é causada por razões externas, e as pessoas têm pouca ou nenhuma capacidade de controlar seus sofrimentos e preocupações. 6. Se alguma coisa é, ou poderá vir a ser, perigosa ou apavorante, o indivíduo deve ficar tremendamente preocupado e pensar persistentemente na possibilidade desta coisa acontecer. 7. É mais fácil evitar do que enfrentar certas dificuldades e responsabilidades pessoais na vida. 8. Uma pessoa é dependente das outras e precisa de alguém mais forte do que ela para poder confiar e apoiar-se. 9. O passado de uma pessoa é o determinante pessoal de seu comportamento atual, e pelo fato de alguma coisa haver afetado seriamente a vida da pessoa, deverá influenciar indefinidamente sobre ela. 10. Uma pessoa deve ficar extremamente preocupada com os problemas de outras pessoas. II. Existe sempre uma solução correta, precisa e perfeita para os problemas humanos, e é uma catástrofe quando a solução exata não é encontrada.

É importante ressaltar que o número de crenças irracionais é limitado (E]lis, 1978), tendo sido identificadas estas 11 a partir de um rol inicial de mais de 40 crenças irracionais prováveis. Outro ponto de igual relevância é o fato de que estas crenças foram identificadas em outra realidade sociocultural, mais precisamente nos Estados Unidos da América, não se conhecendo nenhum estudo de adaptação das mesmas à realidade brasileira, fato que indica ao prático um extremo cuidado na sua utilização.

— Conseqüência aos eventos ativadores “A” e pensamento “B”. As conseqüências cognitivas, afetivas e comportamentais seguem as interações entre “A” e “8”, podendo-se afirmar que, mateniaticamente, “A” versus “B” = “C”. Entretanto, esta relação não é tão simples como parece. As conseqüências “C” sejam afetivas, motoras ou emocionais são elos fundamentais para o cliente. Quando “C” consiste em distúrbios afetivo-emocionais (ansiedade, depressão etc.), “B” pode ser QUASE sempre o causador destes distúrbios, pois é a interpretação de “A” (“B”) que é o gerador de “C”. Outro ponto importante é o fato de não ser usual “A” contribuir diretamente para a relação com “C”, mas tal situação pode ocorrer ainda que em intensidades diversificadas. Ao finalizar o esquema básico de funcionamento da REI3T, é importante salientar que quando o indivíduo está em psicoterapia, aparecem mais dois momentos que caracterizam a própria intervenção racional-emotiva. O primeiro momento “D”, quando as intervenções do terapeuta são iniciadas, é caracterizado pelo debate e pelo esforço que o terapeuta faz para que o cliente examine de forma crítica e científica seus pensamentos em termos de crenças racionais e irracionais detectadas em “B”. Este é o momento em que o cliente passa a perceber seu modo de funcionamento cognitivo e detecta as bases de sua irracionalidade.

O seguinte estágio “E” caracteriza-se pela mudança no sistema de crenças do cliente e as conseqüentes mudanças em seus pensamentos irracionais. O estabelecimento de bases lógicas para o pensamento e a conseqüente aprendizagem de estratégias cognitivas para o questionamento de seu próprio pensar garantem uma continuidade no processo de mudança, evitando remissões espontâneas da problemática. Deste modo, o cliente está apto a tentar novos padrões comportamentais adequados ao meio ambiente a partir de um sistema cognitivo racional e embasado na crítica e cientificidade das idéias.

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A natureza dos distúrbios psicológicos e da saúde 1. Distúrbios psicológicos A teoria racional-emotivo-comportamental postula que o coração gerador dos distúrbios psicológicos é a tendência que o ser humano possui para perceber sua realidade de forma absoluta e parcial, por meio da percepção seletiva (Ellis, 1962). Estas cognições absolutas, de caráter religioso (pois são dogmáticas), acabam por colocar em grande evidência a base filosófica parcial que leva aos distúrbios comportamentais e emocionais humanos. Tais cognições são do tipo “vão para’, “tenho que”, “mostram que” etc. Estas cognições são irracionais dentro da REBT, e demonstram que usualmente (mas não sempre) são fortes bloqueadores do desenvolvimento das pessoas no caminho para atingirem seus objetivos e metas. Desta forma, as cognições acabam por criar altas expectativas, que não são passíveis de serem atingidas, gerando distúrbios emocionais a partir da dicotomia existente entre o que se espera e o que se consegue (Ellis e Bernard, 1985). As distorções cognitivas levam a distúrbios psicológicos, que podem aparecer da seguinte for-

ma:

— racionalização na busca de explicações sobre o nosso fracasso; — apressando conclusões sobre os eventos; — crenças na fortuna como realização de todos os objetivos e metas; — enfocando apenas o lado negativo dos eventos; — desqualificando o lado positivo quando estes são contrários às nossas expectativas;

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— atingir tudo ou não ter nada; — minimização dos eventos contrários às nossas expectativas; — ressonância emocional; — redução e supergeneralização; — personalização; — consumo; e — perfeccionismo.

2. Saúde psicológica

A saúde psicológica surge. ao contrário do distúrbio, por meio do conhecimento que os seres humanos possuem sobre a variedade de desejos, vontades, preferências etc., mas estas cognições não devem assumir condição absoluta e dogmática (eu tenho que...), uma

vez que esta posição é o primeiro indicador de um distúrbio comportamental ou emocional. Tal situação ocorre. segundo Gorayeb e Rangé (1988). em razão do fato de que as neuroses são fruto das crenças irracionais do indivíduo e, dependendo de qual seja, um tipo específico de distúrbio de desenvolverá. Entretanto, todos nós experimentamos sentimentos (emoções) diante de desejos. Classificamos a resposta emocional como positiva quando o desejo é realizado, e de negativa quando não é concretizado. As emoções negativas levam o indivíduo a acreditar que, ao fortalecer o sistema motivacional, a pessoa irá superar as barreiras e conseqüentemente alcançar a realização de seu desejo. Isto, entretanto, nem sempre ocorre. A REBT propõe, a partir de sua posição filosófica, que as pessoas devem ter a capacidade de traçar formas alternativas para alcançar suas metas e elaborar novos objetivos quando não for possível concretizar as antigas metas. A saúde psicológica decorre de um pensamento empírico, ao mesmo tempo que o distúrbio psicológico é compreendido como termo alternativo para devoção religiosa, absolutismo, pensamento mágico, dogmatismo e anticientificismo (Ellis. 1992a; Ellis, 1978). Desta forma, Ellis (Ellis e Dryden, 1987) definiu os treze critérios fundamentais para que ocorra a saúde mental; 1. Auto-interesse; 2. Interesse social; 3. Autodireção; 4. Alta tolerância à frustração; 5. Flexibilidade; 6. Aceitação da incerteza; 7. Procura de alternativas criativas para os problemas; 8. Pensamento científico; 9. Auto-aceitação; 10. Aceitação dos fatores de risco; li. Hedonismo: 12. Não-autopiedade; 13. Auto-responsabilidade para assumir o próprio distúrbio emocional. 3. Distinção entre emoções negativas apropriadas e desapropriadas As emoções (“C”) são definidas na REBT como respostas decorrentes dos pensamentos (“B”) formulados pelo sujeito sobre o(s) evento(s) ativador(es) (“A”), encontrando-se, assim, nos padrões comportamentais e cognitivos do sujeito.

Psicoterapia comportamentai e cognitiva

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As emoções consideradas apropriadas são frustração, aborrecimento, irritação, remorso, tristeza, pesar e infelicidade, enquanto as desapropriadas são raiva, ansiedade, depressão, desprezo, desespero, culpa e ressentimento (Cramer e Fong, 1991; Lazarus,

1980).

Vale lembrar que a emoção na REBT sempre irá possuir um componente visceral, orgânico (Ellis, 1978) e que esta é causada pelos processos cognitivos que ocorrem simultaneamente e interacionalmente com os estados afetivos.

O papel da cognição e a interação dos processos psicológicos

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Cognições, emoções e comportamentos podem demonstrar condições de ocorrências dos distúrbios psicológicos, sendo fortes indicadores destes (EIlis, 1992b; ElIis e Dryden, 1987; EIlis, 1973; Ellis, 1972; Beck et ai.. 1979). Com esta visão interacionista entre comportamento, pensamento, emoção e cognição. a REBT pretende demonstrar o papel especial das cognições nos processos psicológicos humanos, que acabam por assuruir um papel de alta significância na mediação e escolha de respostas ao meio ambiente. Um dos pontos principais da REBT é permitir a distinção entre os pensamentos (ou crenças) racionais e irracionais (EIlis, 1962). Pensamentos racionais são observados por meio de “desejos”, “preferências”, “gostos” e “não-gostos”. Os sentimentos positivos são experienciados com a satisfação de desejos realizados, o que gera prazer. Os sentimentos negativos surgem, ao contrário, pela não-satisfação ou frustração, gerando desprazer (Ellis e Dryden,l987). O pensamento racional gera comportamentos funcionais e adequados. enquanto os pensamentos irracionais geram padrões comporta- mentais inadequados, desadaptados e não funcionais. Aspectos verbais como “dever”, “precisar”, “sempre” são indicadores de mediações irracionais que o terapeuta deve observar no relato verbal de seus clientes. A REBT denomina este tipo de pensamento de “Musturbatório”, originário do verbo ,nust, em inglês, que significa “dever”, sendo um sinal vigoroso da irracionalidade a presença do “eu deveria” no relato do cliente. Entretanto, ao mudar estes pensamentos e as crenças irracionais inerentes a eles, o ser humano tende a mudar seu comportamento (Ellis, 1962; Beck ei ai., 1979). Esta capacidade de mudança parece ser inerente ao Homem.

1. O processo terapêutico

Na REBT, o ser humano estabelece para sua vida metas e objetivos que acabam por determinar sua forma de pensar e de viver socialmente, o que é considerado como a “filosofia” do indivíduo. Esta “filosofia” é autoreforçadora, ou seja, favorece a manutenção de si mesma e acaba por levar a “capacidade racional” do Ser Humano a agir de forma irracional. A percepção do indivíduo torna-se seletiva no sentido de perceber apenas o que for confirmatório da sua própria filosofia (Ellis, 1973).

O conceito central passa a ser o que é “racional” e o que é “irracional”. Vale ressaltar que o conceito de “racional” não está definido e acordado no meio científico, sendo um constructo relativo por si só (Ellis e Bernard, 1985). Desta forma, a idéia de racionalidade é algo que só pode ser definido a partir dos parâmetros do meio ambiente. Na hipótese central da REBT, nenhum ser humano acredita na existência desta “lilosofia”, fato este que leva o indivíduo à dependência de seu sistema cognitivo, com um aumento dos distúrbios emocionais decorrentes do aspecto “irracional” da sua interpretação do mundo (Ellis e Dryden. 1987). A existência de limites humanos é enfatizada como ponto central de ação e critério para o direcionamento do processo terapêutico.

2. A prática básica da REBT

A REBT é uma forma ativa e direta de terapia na qual os terapeutas são ativos para direcionar seus clientes durante a identificação de seus conceitos filosóficos (crenças), que constituem a base para seus problemas. A característica do processo terapêutico na REBT é basear-se em um modelo educacional de atuação, em que o terapeuta ensina o cliente a compreender-se melhor e a modificar seu próprio comportamento (Ellis, 1978).

Caracteriza-se como uma abordagem diretiva, em que a base fundamental é a empatia e a aceitação incondicional do cliente pelo terapeuta. Em relação à sua práxis, a REBT observa, principalmente, o comportamento verbal do cliente em interação com o terapeuta, podendo, entretanto, adotar outras técnicas como o registro de pensamentos disfuncionais (Zettle e Hayes, 1992). Ao contrário do que se pensa, os terapeutas de um modo geral, apresentam em suas vidas particulares os

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mesmos sentimentos e crenças que as outras pessoas, não existindo nada que os tornem diferenciados em relação à condição de seus clientes (Ellis e Dryden, 1987). Esta semelhança pode ser observada pelo terapeuta por meio da sua relação com o cliente, que serve de alternativa para elucidar dúvidas tanto do cliente como do próprio terapeuta. O terapeuta é definido, antes de mais nada, como um ser humano, sujeito às mesmas vicissitudes dos demais, possuindo, apenas, treinamento específico para auxiliar outros indivíduos.

3. Condições terapêuticas

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Os terapeutas que utilizam a REBT como guia de seu trabalho clínico devem aceitar incondicionalmente seus clientes como seres humanos falíveis, que demonstram atos inadequados, mas nunca essencialmente bons ou maus. O tipo de empatia proposta pela REBT é filosófica, e não afetiva como na abordagem rogeriana (Ellis, 1962). Os terapeutas podem utilizar de auto-revelação quando julgarem apropriado, objetivando sempre uma possível melhora e/ou compreensão do cliente. Com os critérios acima atendidos, o risco da empatia fracassar por uma percepção inadequada do cliente quanto à sua aceitação incondicional por parte do terapeuta são reduzidos, mesmo com clientes que possuam baixa tolerância à frustração.

4. Induzindo o cliente: o processo de mudança cognitiva

• Quando um cliente procura um terapeuta, ele não deseja, por via de regra, identificar a linha teórica do profissional, mas sim obter informações sobre o método terapêutico a ser utilizado. A ênfase do cliente se direciona para a parte prática do processo terapêutico, e não para o embasamento conceitual, embora em algumas abordagens isto seja de difícil separação (Ellis e Dryden, 1987). Este momento é uma boa oportunidade para explorar as expectativas do cliente sobre o processo terapêutico e a sua finalida de.

A indução envolve mostrar ao cliente que a REBT é um processo ativador e direcionado em termos de terapia, sendo orientado pela discussão com os clientes sobre os prováveis problemas presentes e futuros, atingindo os elementos essenciais para o cliente operacionalizar a mudança desejada (Ellis e Dryden, 1987; Ellis e Bernard, 1985; Ellis, 1973; Ellis, 1962).

5. Avaliação da problemática do cliente

Para avaliar o grau e tipo de distúrbio emocional c cognitivo que o cliente apresenta (Ellis e Dryden, 1987), o terapeuta deve:

1. Determinar o quanto é sério o problema e quais as técnicas a serem utilizadas; 2. Qual será a “resistência” ou dificuldade que o cliente irá apresentar durante o processo terapêutico; 3. Qual tipo de conduta terapêutica é mais adequada e séria no tratamento a ser executado; e 4. Qual o tipo de deficiência que o cliente possui e qual tipo de treinamento irá eliminar o déficit apresentado.

Para atingir os critérios acima, o terapeuta deve utilizar preferencialmente a avaliação comportamentalcognitiva, podendo utilizar com o devido cuidado qualquer outra forma de avaliação. As vantagens da avaliação comportamental-cognitiva são inúmeras, mas se destacam por:

a) permitir ao cliente ir ‘trabalhando” sua problemática durante a fase de avaliação; b) facilitar, pela reação às técnicas de avaliação, quais serão as intervenções terapêuticas mais adequadas; c) fornecer um padrão exato da auto-imagem do cliente; d) eliminar as dificuldades das avaliações mais tradicionais (testes) que visam mais os sintomas e dinamismos que as causas dos problemas; e) os clientes tendem a procurar sabotar o diagnóstico, pois o que eles desejam é a psicoterapia. Na REBT, o processo terapêutico começa pelo diagnóstico.

Na REBT (Ellis, 1973) avalia-se o cliente nos níveis cognitivo, emocional e comportamental, de forma que os pensamentos, sentimentos e comportamentos irracionais são detectados. Auxilia ainda, o cliente a reconhecer e descrever seus pensamentos racionais e irracionais (inadequados) como ansiedade, depressão etc., e claramente diferenciá-los de seus sentimentos negativos apropriados (desapontamento, frustração etc.). Ao mesmo tempo, os clientes são levados a conhecer e delinear seus comportamentos com uma ênfase na idiossincrasia deste e não na sua difusão.

Psicoterapia comportamental e cognitiva

1.

2.

Um ponto importante (Ellis e Dryden, 1987) é perguntar ao cliente como, quando e por que os eventos são ativadores (“A”), com a noção da primeira experiência com estes sentimentos negativos. Os pensamentos irracionais que irão acompanhar estes eventos (“B”) são

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reconhecidos (assim como os racionais) e são discutidos com o cliente, revendo suas generalizações indevidas e checando o autoconceito do cliente. Para evitar a auto-sabotagem do processo por parte do cliente, a atitude do terapeuta na REBT deve ser a de estar sempre com a mente aberta e crítica, caracterizando uma atitude experimental em torno de seu cliente (Ellis e l3ernard, 1985; Ellis, 1973). A relação entre as emoções negativas adequadas e inadequadas deve ser absolutamente clara para o cliente e dentro do natural ambiente. A conceitualização de cada estado emocional deve ser precisa e compreensível para o cliente, com o terapeuta ajudando-o a conceituá-las. Para isto, o uso de técnicas de Gestalt-Terapia, Psicodrama e RoIe-play são adequadas e muitas vezes uma importante ferramenta auxiliar no curso da psicoterapia (Ellis e Dryden, 1987).

A associação entre pensamentos irracionais e sentimentos irracionais é básica para o desajustamento do indivíduo; Distinguir entre os problemas primários e secundários ajuda o cliente, pois muitas vezes este não sabe diferenciar e identificar o foco de seu problema. Em termos de ansiedade, por exemplo, o problema está no fato de o sujeito acreditar que ele é ansioso, demonstrando uma característica de sua “personalidade”; O insight intelectual não é importante e suficiente para desencadear o processo de mudança. Se não for reestruturado o aspecto emocional, por meio da associação entre a razão e a emoção, não se ativará o processo de mudança.

3,

8.

Premissas de tratamento na Terapia RacionalEmotiva-Comportamental

6. Esquema básico do processo terapêutico: debate racional-emotivo

As principais suposições que norteiam o tratamento ria Terapia Racional-Emotiva (Ellis e Dryden, 1987) são:

O esquema básico no processo terapêutico pode ser dividido em etapas. Vale ressaltar que a REBT é um processo terapêutico essencialmente verbal.

vos;

1. Distúrbios comportameptais e emocionais possuem, por via de regra, antecedentes cogniti 2.

Passo 2: Passo 3:

3.

Passo 1: O terapeuta busca o sentimento gerado na situação “A” O cliente infere causas/efeitos sobre “A”. O terapeuta avalia a relevância da inferência no passo anterior (2). O cliente infere causas/efeitos sobre o

Passo 4:

4.

Passo 5:

As pessoas têm a medida de sua autodeterminação. Não são escravos de suas bases biológicas; As pessoas podem implementar algo para melhorar ou maximizar sua liberdade para ativar e mudar seus pensamentos irracionais; O uso de técnicas comportamentais são requeridas para um auxílio mais imediato ao cliente, como as tarefas para casa, bblioterapia, dessensibilização sistemática, entre outras.

passo 2. O terapeuta avalia a relevância da interferência sobre o passo anterior (4).

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Passo 6: O cliente infere causas/efeitos sobre o passo 4. Passo 7: O terapeuta avalia a relevância da inferência sobre o passo anterior (5).

9. Indicações terapêuticas

Demais passos: seguem esta mesma estratégia até chegar ao pensamento/crença irracional, reestruturando-o.

7. Principais aspectos psicoterápicos

A REBT é um tipo de psicoterapia indicada para os clientes que desejam uma mudança rápida e eficaz, não apresentando contra-indicações. Dryden (1990) relata a eficácia da REBT com paciente com crises de raiva e cólera, com especial relato sobre tratamento terapêutico proposto. Ellis e Bernard (1990) indicam a utilidade da REBT com problemas relacionados ao amor, casamento, divórcio e separação, além de indicar estratégias específicas para o tratamento de problemas femininos, sexualidade, homossexualidade, abuso de drogas. Neste mesmo trabalho, os autores abordam os aspectos ligados a religiosidade e educação e relatam um programa especial para a preparação de

Os principais aspectos psicoterápicos da REI3T são os seguintes:

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atletas, enquanto Foa e Steketee (1987) indicam a validade para o tratamento de fobias e obsessões-compulsões. Entretanto, Gossette e O’Brien (1993) indicam uma baixa validade da REBT com crianças. O uso da REBT em estratégias de grupo é citado por Ellis (1992d) e por Ellis e Dryden (1987), onde o leitor pode encontrar subsídios suficientes para sua aplicação. As estratégias, no caso de pacientes com problemas de alcoolismo, fobias, psicose, transtornos do tipo borderline, são encontradas nos escritos de Ellis datado de 1973.

10. Indicações para leitura

O número de material específico sobre a REBT, traduzido, é pouco e insuficiente, destacando-se o trabalho de Ellis (1978) e Rimm e Master (1983). Entretanto, ao terapeuta iniciante na REBT, e que possa trabalhar com material bibliográfico em inglês, recomendamos a procura de textos gerais, que podem fornecer uma base para a atuação correta, como os livros de Ellis e Dryden (1987) e Dryden (1990).

Caso clínico

O relato de caso que se segue é relativo a um cliente do autor cujo processo baseou-se inteiramente na REBT. Por razões éticas, o nome verdadeiro e as demais informações que permitam identificar o cliente estão alteradas.

Carlos, 32 anos, advogado, funcionário público, solteiro, apresentava como queixa principal fortes crises de ansiedade diante de situações na qual o cliente era obrigado a tomar decisões ou não possuía o controle sobre os acontecimentos. Seu relacionamento familiar limitava-se a contatos ocasionais conflitivos com sua irmã e seus pais, embora morasse com estes, os quais evitava sistematicamente. Relatava ser urna pessoa muito insegura e medrosa, reconhecendo, porém, algumas de suas qualidades. Possui uma inteligência acima da média, tendo inclusive trocado correspondência (e poesias) com vários escritores e poetas brasileiros de renome. Tinha como um de seus principais hábitos, a leitura, principalmente de livros de filosofia e psicologia. O processo de diagnóstico foi baseado nas entrevistas iniciais (cinco ao todo) , no Inventário de Crenças Irracionais e no Registro Diário de Pensamentos Disfuncionais (Rangé, 1992).

Durante a fase diagnóstica, duas crenças irracionais foram identificadas como elementos centrais na “filosofia” do cliente: “Existe sempre uma solução correta. precisa e perfeita para os problemas humanos, e é uma catástrofe quando a solução correta não é encontrada” e “Uma pessoa deve ser plenamente competente, adequada e realizada sob todos os aspectos possíveis para que se possa considerar digna de valor”. Estas duas crenças irracionais básicas, seu treinamento na lógica jurídica e sua inteligência privilegiada produziam um padrão comportamental de extremo perfeccionismo e rigidez consigo mesmo, uma vez que “sempre existe o certo e o errado” (sic). Seu relacionamento familiar era difícil, pois os valores sociais e políticos do cliente refletiam posições de esquerda, ligadas ao Partido dos Trabalhadores, enquanto seus pais e irmã postulavam o estilo capitalista ao extremo. Deste conflito surge o comportamento de fuga e/ou esquiva de contatos sociais com a família. No nível afetivo, não mantinha nenhum relacionamento satisfatório, pois “só me relacionarei com a mulher certa” (sic).

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No momento em que Carlos procurou a terapia sentia-se ameaçado, pois o cargo que ocupava no momento era de confiança e a administração pública estava passando para outra corrente política, cuja base ideológica era antagônica à do cliente. Ao mesmo tempo que sentia a pressão característica do cargo, o cliente desejava continuar nele, pois sentia-se satisfeito e reconhecido pelo seu trabalho. No trecho abaixo, segue-se a transcrição de parte de uma das sessões na fase intermediária do processo:

Carlos (visivelmente abatido e ofegante): Estou muito ansioso! Acho que me meti numa grande encrenca! Terapeuta: Não estou entendendo. Tente me explicar o que realmente está acontecendo. Carlos: Eu estava parado no trânsito, quando um homem foi atravessar a rua pelo meio dos carros e bateu no espelho retrovisor do meu carro. Terapeuta: O que você pensou a respeito? Carlos: Pensei no que ele vai fazer agora! Terapeuta: Como assim? Carlos: Ele vai me processar, foi um caso de atropelamento passivo com omissão de socorro! Meu Deus! E se ele se machucou? Posso parar na cadeia, perder a carteira de habilitação! Terapeuta: E o que você pode fazer agora?

Psicoterapia comportamental e cogrzitiva

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Carlos: Não sei. Não consigo decidir. Não sei se vou até a delegacia me apresentar, se procuro o hospital ou contrato um advogado para já preparar a defesa. Terapeuta: Eu gostaria, ainda, de esclarecer dois pontos. O primeiro é relativo ao aspecto legal: Existe “atropelamento passivo”? E o segundo se refere à sua forma de pensar. Existe este tipo de atropelamento? Carlos: Não sou especialista em trânsito, mas não me lembro deste tipo de infração. Terapeuta: Então por que tanta ansiedade? Não estará ligada à sua forma de significar o que aconteceu? Carlos: Talvez, mas eu preciso saber o que eu faço nestas situações. Terapeuta: Como você está se sentindo agora? Carlos: Nervoso. Muito ansioso, pois gostaria de responder o que você gostaria de ouvir. Terapeuta: O que é que eu gostaria? Será que você sabe o que eu gostaria? Será que o importante é sempre a solução correta para as necessidades dos outros? Carlos: Lógico! Os outros sempre sabem o que fazer. Por que eu não posso saber também? Terapeuta: Será que os outros sempre sabem o que fazer, ou você é que acredita nesta hipótese? Carlos: Como assim? Terapeuta: Muitas vezes eu não sei o que fazer, e acredito que a maioria das pessoas também não sabem tudo. O que você parece não perceber é como você funciona quando está diante de uma dúvida. Carlos: Não tinha pensado nisto. Sempre achei que as pessoas sabiam encontrar facilmente as soluções corretas. Terapeuta (interrompendo): Isto! E o que você faz diante de uma dúvida? Carlos: Fico pensando em todas as alternativas possíveis. Só que nunca consigo me decidir, pois existem sempre muitas opções e quando percebo estou muito nervoso por não conseguir encontrar a solução certa. Terapeuta: E será que as pessoas têm que sempre acertar? Será que você sempre tem que ser o perfeito? O que nunca erra? Carlos: Acho que sim! As pessoas acertam! Eu, infelizmente, já errei antes e isto foi terrível. O que as pessoas pensariam de mim se errar novamente? Terapeuta: Sim, eu sei que muitas vezes errar nos traz problemas e que estes nos magoam, mas você conhece alguém que nunca errou? Carlos: Realmente não. Terapeuta: As pessoas, Carlos, muitas vezes acreditam em idéias erradas, e que acabam por prejudicá-las na sua relação com o mundo. No seu caso, você acredita que sempre existe uma solução correta, e que só será

competente se a encontrar! Esta forma de pensar é o que chamamos de pensamentos irracionais, pois te induzem a uma forma de pensamento que mais te atrapalha do que ajuda. Carlos: Você está com a razão! Eu sempre penso em tudo, em todas as saídas, mas nunca decido! Terapeuta: Sim, pois por lógica a situação é uma, e na realidade a situação é bem diferente! Carlos: E como! (rindo) Terapeuta: Uma das características mais comuns ao ser humano é errar, ou você não conhece o ditado “Errar é humano”? Carlos: Conheço, mas acho que nunca percebi seu significado. Terapeuta: Acho que agora você pode tentar pensar diferente, ser m&s maleável consigo próprio e encontrar as suas soluções, sejam elas certas ou erradas para os outros.

No exemplo, podemos perceber como o cliente foi levado a perceber seu funcionamento, seu modo de pensar e como este atinge diretamente suas ações no mundo. A racionalidade de seu sistema de crenças e seu pensamento foi questionada a partir de um teste de realidade (conhecer alguém que nunca errou), e pela auto-revelação do terapeuta, demonstrando ao cliente a dificuldade de se conceber uma solução única a um problema usando lógica pura. O processo de Carlos durou cerca de 6 meses, em um total de 32 sessões, sendo que o follow-up que foi realizado pelo período de dois anos não detectou nenhum tipo de problemática que pudesse ser relacionada com o quadro inicial.

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Vale ressaltar que o cliente possuía apenas as duas crenças irracionais aqui relatadas, mas existem clientes que apresentam entre quatro e sete crenças irracionais, fato este que torna o processo mais demorado.

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Sobre o autor

Luiz Fernando de Lara Campos Departamento de Psicologia da Universidade São Fran cisco

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