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Depressão: para entender e discutir

o que muitos ainda querem esconder

48Aguenta coração! Em Boyhood,

se piscar o olho, 12 anos se passarão

Tá na hora, tá na hora de criar! Pula pula

bole bole, vem criando sem parar!

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REDAÇÃOPublisher Pedro Herz Editor-chefe Gustavo Ranieri Diretora de arte Carol Grespan Editora Clariana Zanutto Redatora Mirian Paglia CostaAssistente de redação Lucas Rolfsen Estagiária de texto Renata VomeroRevisora Carina Matuda

COLABORAM NESTA EDIÇÃOTextoAdriana Salerno, Adriana Terra, Bruna Galvão, Débora Pill, Fábio Scrivano, Guilherme Novelli, Junior Bellé, Lucas Colombo, Pedro Caiado, Tatiany Leite, Tuna DwekIlustraçãoAdão Iturrusgarai, Bernardo França, Marcelo Cipis, Mauricio Planel, Rafael Sica, Stêvz, Veridiana ScarpelliFotografiaLuciana Whitaker, Manoel JuniorColunistas Fabio Gandour, Jairo Bouer, Karina Buhr, Oscar Nestarez

Produtora gráfica Elaine Beluco Projeto gráfico Carol GrespanImpressão PluralTiragem 42.000 exemplares

Jornalista responsável Gustavo Ranieri | MTB 59.213

ISSN 2358-5781

Contato [email protected]

PublicidadeDiretora de marketing e comunicação Cecília Andreucci Gerente de marketing Adriana Arcuri

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Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia e escrita. O conteúdo dos anúncios é de responsabilidade dos respectivos anunciantes. Todas as informações e opiniões são de responsabilidade dos respectivos autores, não re�etindo a opinião da Livraria Cultura. Preços sujeitos a alteração sem prévio aviso.

O novíssimo Biel Baum lava, passa,

cozinha e ainda ajuda a mudar o mundo

94Não �ca bolada não! Bota a Ludmilla

pra tocar e curtir a carinha das noitadas

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Alerta vermelho: se correr a mídia

pega, se �car a mídia come

Na rua, na praça ou na escada, a dança

é da cidade e a cidade é do colapso

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Nada melhor do que se perder por toda

liberdade artística de Iberê Camargo

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A partir do dia 21 deste mês, na Caixa Cultural Rio de Janeiro, e do dia 5 de novembro, na sede da instituição em Fortaleza, entra em cartaz a mostra Ron English – Do estúdio para a rua, com as obras deste norte-americano, considerado o criador da arte de rua e das intervenções urbanas. Famoso por misturar referências culturais como ícones do cenário pop, da história da arte, propaganda e quadrinhos, ele de�ne seu estilo com o termo POPaganda, sendo conhecido pelas críticas ácidas a questões políticas e sociais. Em paralelo à exposição, em cartaz em ambos os espaços até 21 de dezembro, também será exibido o do-cumentário Popaganda: The Art and Crimes of Ron English, dirigido pelo espanhol Pedro Carvajal. (Clariana Zanutto)

O PODEROSO CHEFÃO DA STREET ART

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DENSIDADESFonte de muitos livros, estudos e curiosidades, os pintores mexicanos Frida Kahlo (1907-1954) e Diego Rivera (1886-1957) tiveram uma densa e conturbada relação ao longo de duas déca-das. Os dramas e o profundo amor vividos pelos dois é o que rege o espetáculo Frida Y Diego, em cartaz em São Paulo, no teatro Raul Cortez, a partir do dia 11. A peça revela o período entre 1929 e 1953, quando o casal reata após uma dura separação. Com texto inédito de Maria Adelaide Amaral e direção de Eduardo Figuei-redo, o casal de artistas plásticos é interpre-tado por Leona Cavalli e José Rubens Chachá. (Gustavo Ranieri)

Quando Ingmar Bergman lançou Depois do ensaio, em 1984, o �lme logo foi apontado como o mais confessional do criador sueco. O sombrio caminhar pelo inconsciente, presente na trama, ganha agora sua primeira montagem teatral no Brasil pelas mãos de Mônica Guimarães. A história revela um devaneio de um diretor de teatro que, ao cochilar após um ensaio, recebe a visita de sua ex-amante, já morta, mãe da protagonista da peça. A estreia será no dia 11 no Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro, e tem no elen-co Denise Weinberg, Leopoldo Pacheco e Sophia Reis. (Renata Vomero)

O SONO DE BERGMANConsumidos já nasceu clássico! Seja pelo seu autor, o diretor de cinema David Cro-nenberg – em seu livro de estreia –, seja pela intensidade do romance, que traz ele-mentos assustadores, perspicazes e origi-nais. A história gira em torno de um casal de jornalistas sensacionalistas, unidos pela tecnologia e por experiências que os fa-çam escapar dos limites do cotidiano. (CZ)

CRONENBERG É CRONENBERG!

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O SILÊNCIO ELOQUENTE Fonte inesgotável de relatos que beiram o inacreditável, a Segunda Grande

Guerra inspirou uma �lmogra�a capaz de retratar a devastação provocada por ela. Mas o sofrimento humano adquiriu dimensões ainda estarrecedoras aos olhos de hoje, em que os avanços tecnológicos so�sticaram a brutalidade.

Uma longa viagem, do australiano Jonathan Teplitzky, ilustra o que se é capaz de fazer para sobreviver à barbárie e como há quem mantenha intacta a essência generosa de seu caráter, sem desejos de heroísmo, desvendando também os traumas que comprometem a mente.

O �lme nasce da autobiogra�a do britânico Eric Lomax, combatente em Cin-gapura, onde, capturado pelos japoneses em 1942, sofre uma experiência que o mergulharia em penoso silêncio por mais de 30 anos, em que fala de amenida-des, sem tocar no âmago de sua dor, interrompida apenas pelo encontro amo-roso com a esposa, a compassiva Patti, perdida entre os pesadelos do marido.

Melhor amigo de Lomax, Finlay faz revelações importantes sobre Nagase, o torturador que assombraria sua mente durante 40 anos. O espectador irá acompanhar os desdobramentos desta conversa, imerso em sentimentos para-doxais, até o desfecho, que remete a um questionamento sobre o perdão, sem sentimentalismos.

O impecável Colin Firth empresta seu espantoso talento a Lomax; Jeremy Ir-vine é um jovem Lomax comovente entre o medo e a coragem; Stellan Skarsgärd rea�rma sua madura sensibilidade; e Nicole Kidman segue o dramático diapasão do �lme. (Tuna Dwek)

COM AFETOCora Coralina – Removendo pedras e plantando �ores, montagem teatral dirigida por Lavínia Pannunzio com texto de Mauro Hirdes, �ca em cartaz no teatro MuBE, em São Paulo, até o dia 30 de novembro. A trajetória da escritora goiana é revisitada a partir de duas Coras (uma em idade avançada e a outra criança), que dividem a cena com seu amigo, doutor Barbosa, o grande incenti-vador que a levou a publicar seus poemas e contos. (LR)

Porto Alegre vai respirar jazz em outubro, quan-do acontece a primeira edição do Porto Alegre Jazz Festival, no Centro de Eventos do Barra Shopping Sul, nos dias 10, 11 e 12. Além disso, haverá apresentação na manhã do dia 12, no Parque da Redenção. Os gaúchos aproveitarão shows de grandes nomes do jazz mundial, como o violonista norte-americano Ralph Towner e a lenda cubana Paquito D’Rivera (foto). (RV)

JAZZ COM CHIMARRÃO

DOS TABLADOSO prestigiado dramaturgo e novelista Lauro César Muniz, 76, escreveu ao longo de sua trajetória teatral 16 espe-táculos, sempre com uma preocupa-ção sobre o papel do ser humano no seu entorno. Em Obras completas de Lauro César Muniz, o conjunto de suas criações para os tablados está reunido em quatro volumes, com destaque para textos como Sinal de vida e Luar em preto e branco. (GR)

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O DISCURSO SENSÍVEL DAS IMAGENS

Além da importante programação, a Mostra também é famosa pelas pa-lestras, pelos diretores convidados e pelas festas ocasionais. Como isso é pensado? Hoje, a gente tenta fazer que a Mostra não seja só um festival que apresente filmes! A expectativa é que seja um momento de re�exão sobre o cinema e, às vezes, não só sobre o ci-nema, sobre o audiovisual. Neste ano, quero fazer um encontro Conversas en-tre cinema e TV, no qual poderemos re-�etir, com os diretores, o momento que estamos vivendo, trazendo o público para fazer parte disso.

Qual o peso que o Almodóvar traz para a mostra? Tem pessoas que dirigem �l-mes, mas você não consegue identi�car aquele diretor de um trabalho para outro. O Almodóvar e alguns outros, como Fel-lini, desenvolvem uma característica que vira quase um adjetivo, felliniano ou almo-dovariano. O �lme que vai abrir a Mostra, Relatos selvagens, do qual ele é produ-tor, também tem um pouco de Almodó-var. Ele tem traços que você reconhece.

Está mais claro o cinema como uma ferramenta importante para com-preender o comportamento humano ou questões relevantes para a socie-dade? Ah, eu acho, muito. Lembro quan-

do a gente começou a apresentar �lmes do Irã. Era uma coisa que todo mundo achava de outro planeta. Sem esquecer que o Irã tem uma tradição, eles eram a Pérsia, uma grande civilização. Ano pas-sado, por exemplo, um filme do Caza-quistão, o Lições de harmonia, ganhou a competição Novos Diretores da Mostra. São costumes e povo muito diferentes, mas você vê ali questões muito básicas do ser humano. A gente pode se identi-�car com qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo.

Vivemos em um mundo onde nos de-paramos com imagens em toda par-te, a todo instante, talvez em exces-so. O Martin Scorsese, em um ensaio traduzido recentemente, A imagem persistente, defende a alfabetização visual nas escolas. Você concorda? No Brasil, o audiovisual é muito impor-tante. Talvez por ser um país relativa-mente jovem, a gente é muito domina-do pelo audiovisual. Então, sim, por que não ter [a alfabetização visual nas esco-las]? E o Martin Scorsese faz um traba-lho fantástico com a história do cinema e com a Film Foundation, de restauro. Acho que esses grandes diretores pres-tam um importante serviço, ressaltando a importância de outros diretores, de outros trabalhos históricos.

A narrativa no cinema talvez seja de�nida como verdades emocionais codi�cadas e projetadas em uma tela. Na entrevista abaixo, Renata de Almei-da, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, fala sobre a extensa programação de �lmes que invadirão as telas entre os dias 16 e 29. É a oportunidade de ver longas obscuros e importantes, como Kika, de Almodóvar, o ho-menageado do evento, ou a Trilogia das cores, de Kieslowski. Ou, ainda, Winter Sleep, vencedor de Cannes, que terá sua estreia o�cial nos pró-ximos meses. E também preparar-se para uma noite bucólica, ao ar livre, com o curta de 1914 Corrida de automóveis para meninos, a estreia de Charles Chaplin no cinema. (Adriana Salerno)

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CAÇANDO CARNEIROS,de Haruki Murakami

A narrativa descomplicada de Murakami torna verossímil uma realidade fantástica. O protagonista, recém-divorciado e envolvido

com uma mulher de orelhas perfeitas, é forçado a sair à procura de um carneiro

místico – que se torna, no fundo, uma busca pelo sentido de sua própria existência.

Cheio de metáforas que mascaram críticas à sociedade massi�cada, à falta de ambição, à solidão contemporânea e ao crescimento

urbano descontrolado, é um entretenimento inteligente e sensível. (Carol Grespan)

“Levantei a minha mão direita e limpei a boca com as costas da

mão. O ‘eu’ re�etido no espelho fez o mesmíssimo gesto. Ou, então, talvez tivesse sido eu a repetir o

gesto do meu re�exo.”

A BIBLIOTECÁRIA DE AUSCHWITZ, de Antonio G. Iturbe

Baseado na história real de Dita Dorachova. A escola secreta comandada pelo professor Fred Hirsch, no campo de concentração de Auschwitz, conta com a ajuda da jovem para esconder um enorme tesouro: oito livros que os ajudam a manter acesa a esperança de um mundo melhor. Com eles, as crianças e os professores do bloco 31 enfrentam o presente sem saber se um dia encontrarão a liberdade. A pequena biblioteca é a arma desse grupo contra todo o ódio e o terror impostos pela guerra. (Lucas Rolfsen)

“Tal como a menor mancha de mofo, também naquele buraco, contra todos os prognósticos, a vida teimava em seguir adiante.”

LEMOS E GOSTAMOS

O LIVRO DO JAZZ: DE NOVA ORLEANS AO SÉCULO XXI, de Berendt e Huesmann

O estilo musical que surgiu há mais de cem anos nos Estados Unidos inspira liberdade criativa desde as suas origens, inclusive na concepção desta deliciosa bíblia sobre o ritmo, uma referência desde o seu lançamento, em 1953, que agora chega à sua sétima edição. Além de se aprofundar no universo jazzístico e suas rami�cações, a enciclopédia relata, com louvor, como esse fenômeno musical e cultural nunca perdeu sua vitalidade, penetração popular e riqueza estilística. (Clariana Zanutto)

“Quem abraça a causa do jazz eleva o nível musical.”

1 PÁGINA DE CADA VEZ – UM DIÁRIO DIFERENTE, de Adam J. Kurtz

Um livro interativo que propõe diversos desa�os pessoais e esforços de memória. Parece quase uma terapia, que nos leva a colocar nas páginas nossos medos, neuras e traumas sempre nos rodeando com sentimentos ora nostálgicos e divertidos, ora melancólicos. O diário nos ajuda a perceber o que somos e para onde queremos ir. Os desa�os que tiveram relação com o futuro foram assustadores, porém, necessários! (Renata Vomero)

“Aliás, felicidade é um lugar? Será que você ‘chega lá’ em algum momento, ou é mais uma perspectiva de vida e de crescimento?”

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De que maneira o disco Oito pode ser considerado um novo começo na sua carreira musical? Ele é o primeiro au-toral que faço, é o momento em que estou apreendendo, re-descobrindo o que gosto, sobre o que quero falar, qual sono-ridade que me agrada... Considero um começo neste sentido assim: de onde vou parecer que estou aprendendo a andar, dando nome para algumas coisas. E tudo vai tomando for-ma, a música se transforma em concreto, em palpável, mas ela parte de um lugar muito etéreo; parte de uma ideia, de uma sensação, de uma intuição, e, na hora da composição, isso foi, para mim, um con�ito imenso.

Em que sentido? Porque eu estava começando na composi-ção e não tenho uma metodologia. A sensação que eu tinha é que cada composição não servia de pedal para a próxi-ma no sentido de processo criativo. Vamos começar com a melodia? Com a harmonia? Às vezes, a letra vinha antes, às vezes, depois... Cada música teve sua forma de início, de processo criativo...

Não houve uma intenção, portanto, de padronizar o ál-bum... Nenhuma preocupação. Parti de um princípio de tentar usar a intuição mesmo, até por falta de experiência, de metodologia, disso tudo que estou falando – acho que, por um lado, até me favoreceu essa falta de padrão. Porque não �quei me fechando no “isso daqui tá muito diferente daquela ali”. Era muito em torno do “a gente tá querendo,

sentindo, ou pretendendo” no momento da criação. Isso foi resultando em músicas que �ertam com gêneros diferentes, mas têm uma unidade entre si, não só sonora. Acho que elas têm uma leveza em comum.

E como foi se arriscar a compor pela primeira vez? Acho que me arrisco o tempo inteiro, porque estou em uma pro�s-são em que você expõe seu trabalho pra todo mundo. Todo mundo emite opinião sobre você, sobre o que você veste, com quem você está. É um processo de risco.

E a música é um processo mais solitário que a interpreta-ção, não? É um processo autoral, mas é também muito em conjunto com o produtor, por exemplo, com os outros com-positores. É um processo de criação quase coletiva, eu diria, dentro do resultado. O resultado é meu, do André [Aquino, produtor do disco], do Gustavo Lenza, que fez o mix, do Felipe, que fez a máster, do Je� da Duetto [produtora], do Renan, que me ajudou com a capa do disco. É realmente algo em conjunto. Acho até melhor que seja assim, é um processo de desprendimento. Este álbum me serve de exercício tam-bém de deixar �uir, de respeitar o �uxo, que eu acho que é o mais importante para mim neste momento de descoberta.

Um �uxo artístico, de vida pessoal? De tudo. É parar de reter, não �car esperando chegar ao lugar ideal, na faixa exa-tamente como eu queria, como eu a imaginei.

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Porque, às vezes, pode ser patológico, pode passar um pou-quinho demais, indo para um desequilíbrio, e não voltar. Acho que é a mistura dos dois. A tristeza, a frustração, tudo isso faz parte da realização, do prazer, sabe? Não dá para tirar as decepções. Aprendo muito com meus erros. Esse dis-co, novamente, é um aprendizado. No próximo, vou poder fazer mais isso, mais aquilo, não cometer os mesmos erros. E haverá novos erros...

Não há nada, então, que você se arrepende de ter vivido? Nada. Eu me sinto muito bem onde estou agora. Acho que tive muita sorte, não sei se é uma coisa de intuição – às ve-zes, acabo levando para esse lado da intuição. Mas acabei cruzando com pessoas que foram muito importantes na mi-nha vida. Acho que não mudaria nada. Porque tudo pelo que passei resultou no como estou hoje, no que sinto hoje com este trabalho. Com 32 anos, �z trabalhos tal, tal, tal; vivi com pessoas tal, tal, tal. Tenho medo de mudar uma coisinha e, por isso, alterar todo o resultado. Gosto das experiências, não mudaria nada.

De alguma maneira, dói compor? Dói, até �sicamente. Eu sofri muito. Como te falei, tenho esses dois lados, o racional e o intuitivo, que são muito fortes e opostos na relação entre eles. Então, �co tentando racionalizar o que é intuitivo. E é uma briga ali comigo mesma, é um desgaste. Às vezes, tenho a impressão de que é quando relaxo, quando deixo a intuição falar que acontece alguma coisa. E daqui a pouco vem o lado racional e começa: “Então é por aqui, vamos fazer isso...” Mas, cada vez que dou mais atenção à minha intuição, eu tenho tido não só mais prazer, mas o resultado é mais claro, mais redondo. Preciso muito dar mais espaço para a minha intuição.

Você tem medo de ouvi-la? Não, não é medo. É uma sensa-ção de que... É a falta da metodologia na intuição.

É a falta do racional (risos). É a falta do racional na intui-ção (risos). Porque a intuição não é matemática, não é uma coisa que você faz um e um e dará dois. Não tem controle, não tem certo e errado. O lado racional queria que tivesse uma faculdade de intuição, com matéria, prova, para saber como você está indo (risos).

E você se entrega com densidade. Isso me dá prazer, esse grá�co irregular, essa coisa de ir lá embaixo e lá em cima. Eu me entrego completamente. Sempre fui muito comprome-tida com tudo o que faço. Isso até me permite ou acaba me dando limitação de não fazer tantas coisas que eu poderia ou gostaria, porque sei que não vou poder me comprometer do jeito que gosto, tanto na televisão, no teatro, no cinema, na música, quanto nos projetos menores. Não tenho medo des-

sa sensibilidade. Sempre procuro me preparar minimamente para deixar a intuição e a sensibilidade falarem. A gente lida sempre com a sensibilidade à �or da pele. É claro que tem uma medida, para não deixar aquilo �car em um lugar que você �ca autocentrado. Eu, pelo menos, tenho necessidade de que aquilo [o trabalho] comunique, que a pessoa seja to-cada também. Minha entrega é total mesmo, não consigo fazer nada por fazer.

Por não ter um diretor no processo todo, como no teatro e na televisão, por exemplo, a música, de alguma maneira, te deixa mais livre ao mesmo tempo que te permite ser controladora, apegada? Até certo ponto ela te permite con-trolar. Mas era a minha urgência de conseguir concretizar aquilo. Eu fazia o papel de me pressionar para ter um resul-tado. No processo criativo, facilita, porque, de certa forma, acabo tendo um prazo que eu mesma coloco. Foi um proces-so bem diferente dos outros dois [discos] anteriores, em que o repertório chegava pra mim e eu interpretava. Este era um processo de busca, é artesanal.

E o que você constrói com o Oito? Estávamos falando do risco, da exposição, e acho que esse álbum me mostra tam-bém, me expõe, me aproxima de quem tem a oportuni-dade de ver este trabalho. Não é autobiográ�co, mas não deixa de ser. Dentro de uma composição, por exemplo, às vezes, uma música te leva para um lugar mais escuro, de desencontro, de alguma coisa dentro desse universo, e você puxa um �ozinho aqui que vai pra um lugar mais das personagens, que acabam sendo um pouco você e depois retornam. Por isso, ele não é biográ�co, mas não deixa de ser, porque ele transita por mim e por muita gente. Minha expectativa é que isso ressoe em outras pessoas também, que a gente possa exercer a comunhão dessa sonoridade, dessa temática.

O amor, inclusive, ronda todo o álbum, mesmo que não seja explícito. Ele é universal, e o disco fala de encontro e desencontro, ele fala de uma relação. O disco expõe o meu lado de humor também, porque me considero uma pessoa humorada, tanto para o bom humor quanto para o mau humor, mas ele está sempre presente. É uma maneira muito forte de me comunicar. O disco então �erta com essa leveza do humor.

Em sua opinião, continuamos a falar tanto sobre o amor por nunca o termos completo? Com certeza, acho que o amor é algo que está no lugar do incompleto, porque a gen-te o é. Então, não tem nenhum elemento que possa ter o poder de tirar a gente desse lugar. Acho que, quando você está completo, não tem mais o que fazer aqui. O que man-tém as pessoas vivas é a falta.

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SOU MUITO ESSE LUGAR DE OLHAR QUEM SOU, PARA ONDE ESTOU INDO, SE ESTÁ CERTO OU SE ESTÁ ERRADO. ENTÃO, O QUE ESTOU FAZENDO AGORA É ME EXERCITAR EM DEIXAR AS COISAS ACONTECEREM COMIGO.

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Tem alguma outra área artística em que você se envol-veria? Literatura, por exemplo? Eu não boto minha mão no fogo por mim, não. Pode ser que sim, que eu faça coisas que não me imagino fazendo hoje, dentro dessa área artís-tica. Tô falando de probabilidade, porque vai que eu chute o pau da barraca e acabe querendo abrir um bar em algum lugar longe (risos)? Uma fuga dessas... Porque a gente aca-ba chegando ao limite às vezes...

Você já teve essa vontade? Sim, pensei, pensei mesmo: “Ah, não quero ser mais cantora. Não quero ser atriz, não quero ser nada. Vou pegar o dinheiro, vou vender essa casa e vou abrir um bar no quinto dos infernos. Não quero mais saber de ninguém, quero mudar de nome, quero viver de outra coisa”. Mas sei que isso não ia durar muito tempo mesmo. Eu vou ter que voltar. É aquela coisa de você quebrar a casa e você mesma ter que arrumar. Já �z isso. Quebro a casa e

depois é um inferno, porque você tem que juntar aquilo que você mesma quebrou.

Então, é possível que, de repente, aos 60 anos, você largue tudo e vá viver anônima na Islândia, por exemplo... Pode até ser. Já tive medo disso, porque vi a possibilidade muito próxima, até por causa dessa minha entrega que você falou. É tão prazeroso quanto é desgastante. Então, às vezes, dese-quilibra, e a vontade é de parar tudo. Mas isso retorna aos trilhos. Tem tanto o lado escuro quanto o lado luminoso.

Você almeja algum papel social com sua arte? Talvez, em algum momento, sim, ou não. É como estou te falando, não projetei algo que queria, não trouxe o resultado antes do processo. O processo é que me trouxe um resultado. E, nesse processo, ele me trouxe falando de pessoas, de rela-cionamentos, de gente, de comportamento, e não de polí-tica... Neste momento, não tenho essa pretensão com este trabalho. Ele discute outras questões como comportamento, relações entre as pessoas, que é também uma questão social, mas não comprometida com buscar um ideal assim, mas algo mais conceitual.

É um assunto muito importante hoje, quando se discu-te o isolamento das pessoas. E é um processo terapêutico. Quando você vai pra sua terapia, você fala de você, das coi-sas que você está vivendo. E, dentro desse discurso musical, não só a palavra, mas a musicalidade, a sonoridade daquilo te faz também se movimentar. Seja para te promover um re-laxamento, seja para te promover um raciocínio. Mas o meu resultado está mais voltado para um momento de relaxa-mento. Minha relação com a música também está presente neste momento. É um estado de humor pra mim. Quando estou precisando relaxar, eu coloco tal tipo de música; quan-do estou deprimida ou querendo me divertir, rir, eu coloco outro tipo. Acho que meu repertório �erta mais com esses estados de humor.

Pode dar exemplo? [A música] Me leva, a última que a gen-te fez, é uma composição minha. Os acordes, a sonoridade dela me traziam para um lugar mais escuro. Pra mim, ela fala muito de um lugar ruim, de a pessoa se sentir completa-mente subjugada à outra, implorando por só estar por perto, por permitir que ela esteja no mesmo espaço físico da outra, sem exigir nada. Como um “Eu não vou te exigir nada, você não precisa olhar pra mim, não precisa me tocar; a gente não precisa ter nada, só me deixa estar perto de você”. Essa é um pouco a onda de Me leva. Por outro lado, A não ser o perdão tem muito humor, fala de uma relação amorosa, mas é completamente ensolarada. Diferente de Luz do Sol, que, pra mim, também é ensolarada, mas mais no lugar de apazi-guadora, do vamos viver em paz, de resolver tudo.

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Essa relação com a música é assim desde a infância? Me relaciono com a música antes de qualquer outra forma de expressão, de me comunicar. Me descobri assim também. Antes mesmo até de fazer teatro. Quando eu era criança, vivia cantando os jingles que tocavam na televisão. Eu ti-nha um programa de rádio, criava um programa de rádio (risos). Tinha umas entrevistas, eu cantava uns jingles (ri-sos), cantava umas músicas e fazia umas piadas, tinha um programa de humor ali. Não sei distinguir o que a música significa pra mim, está tão inerente, tão parte de mim. É a primeira coisa quando acordo e a última antes de dormir.

O que você vem escutando no momento? Ouço coisas aleatórias. Vim pra cá ouvindo Jimi Hendrix. Tô ouvin-do agora uma cantora chamada Yasmine Hamdan, que é libanesa. Ela é superdensa, e não a conhecia. A conheci por meio de um filme, o Only Lovers Left Alive (Aman-tes eternos). Tem uma trilha bem interessante. Então, de novidade, é mais ela, a Yael Naim; Céu, eu adoro; o últi-mo do Rodrigo Amarante [disco chamado Cavalo]; ouvi também Banda do Mar, do Marcelo [Camelo], da Mallu [Magalhães] e do Fred [Ferreira], e achei bacana.

E o que você curte desde sempre, que não sai jamais da playlist? A sonoridade, as bandas da década de 1960. Curto muito essa sonoridade inglesa sessentista, mas não só de lá. Também daqui, Roberto Carlos, o trabalho dele na década de 1960; Fernando Mendes; Marcio Greyck. A gente flertou muito com a sonoridade deles neste trabalho.

Já para um próximo disco não precisam se passar mais sete anos, né? Não sei. Arrisco dizer que também não sei se farei um próximo disco. Pode até nem acontecer.

Você não se exige então para isso? Não me cobro buro-craticamente, mas tenho a necessidade de me expressar, e pode ser que isso resulte em um álbum, mas não sei se vou estar viva amanhã, se vou abrir um bar na Islândia (risos). Acho que é algo contínuo, como te falei, e isso continua em gestação e acontecendo, mas não posso pre-ver o que está acontecendo.

Nesse fluxo, você tenta se traduzir, todo dia se olhar e tentar compreender o caminho que está tomando, quem é você, pra onde está indo...? Meu exercício tem sido o contrário; justamente não falar, não pensar, não me cobrar... Porque sou muito esse lugar de olhar quem sou, para onde estou indo, se está certo ou se está erra-do. Então, o que estou fazendo agora é me exercitar em deixar as coisas acontecerem comigo. Me ouvir, mais do que falar. c

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A identi�cação foi mútua quando o DJ e pesquisador Bruno Borges, o Niggas, conheceu o produtor Caio Beraldo, o YOka, em 2012, em São Paulo. Bruno tinha acabado de batalhar para dar vida à bela reedição de um álbum de 1975 do cantor pernambucano de soul Di Melo. Para isso, criou seu próprio selo, o Brasilis Grooves. Caio, por sua vez,

tinha voltado ao Brasil após 12 anos vivendo fora, trazendo na bagagem seu disco, YOka – Pássaro imigrante, e o vinil dos amigos do grupo de hip hop paulistano Elo da Corrente, O sonho doura-do da família, tudo lançado por ele mesmo. Para dar conta dessa produção, também havia criado um selo, o Somatória do Barulho.

Naquela época, nos planos do Brasilis Grooves estava um ál-bum de 1968 do cantor carioca de samba Noriel Vilela (?-1974), de biogra�a quase desconhecida e voz profunda. Já nos planos de Caio estava a vontade de lançar algo para �rmar seu selo no país. No ideal de ambos, o vinil como suporte. “Acho que sempre tive isso [de querer fazer relançamento], mas a coisa amadureceu bas-tante quando conheci o Niggas, porque ele já tinha feito. Então, comecei a ver que era possível. Devo bastante a ele por isso, por-que ele falou: ‘Vamo aí?’. É um lance meio de louco, na verdade, e ele encontrou um louco à altura. Eu falei: ‘Vamo aí!’”, diz Caio.

Da sintonia na mesma loucura, Eis o ôme, de Noriel, renasceu pelas mãos dos dois selos em 2013. A parceria representa uma das formas como pequenos selos vêm se organizando e recolocando no mercado obras e artistas brasileiros importantes. Desde então, além de ter lançado outro grupo contemporâneo – o Zulumbi, banda de Lucio Maia (Nação Zumbi), Rodrigo Brandão e PG –, o Somatória do Barulho reeditou mais um álbum procurado por colecionadores, Paulo Bagunça e a Tropa Maldita (1974), que saiu em junho passado.

Caio também acaba de criar um subselo voltado a relançamen-tos de compactos de artistas como Tony Tornado, Wilson Simonal e Miguel de Deus, o Candonga, com sons curinga para tocar em festas de groove, pensando nos DJs de vinil. Dentro deste proje-to, até o �m do ano, serão mais quatro reedições, entre elas a de um compacto obscuro e pesado do cantor dos tempos da Jovem Guarda, João Luiz Wildner, com o Azymuth tocando como banda de apoio. “Este foi um disco que achei na Mooca [no famoso sebo do bairro], ouvi e falei: ‘Animal!’. Vai ser o último lançamento do Candonga no ano”, conta Caio.

Já o Brasilis Grooves tem uma listinha de álbuns desejados sendo trabalhada, desde o Di Melo, seu primeiro lançamento.

O ‘IMORRÍVEL’ E OUTRAS HISTÓRIAS“Aquele disco é lindo. Quem escuta, sabe. Tenho um sentimen-

to especial por ele. Para mim, é um dos cinco melhores da minha coleção”, diz Bruno, referindo-se ao álbum de estreia do Brasilis. “E, como DJ, a gente sabe da di�culdade de encontrar discos raros aqui no Brasil”, lembra. Na época, o cantor pernambucano estava sumido do cenário e havia boatos de que já estava, inclusive, mor-to. Além de ir atrás das questões de licenciamento e desvendar contratos antigos, Bruno fez questão de encontrar Di Melo pes-soalmente. E não �cou surpreso ao saber que muita gente já havia passado por ali com a mesma ideia de relançar seu lendário disco. “No Brasil, a legislação autoral é muito pesada, é bem diferente de fora do país”, analisa. “Em uma fábrica de vinil lá fora, quando você vai gravar o disco de um artista, você paga direto pra fábrica. Tem o termo especí�co já pagando a edição e todo mundo ganha seu pouquinho ali. No Brasil, é impossível, é uma burocracia sem �m.”

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Lps recém-lançados incluem Candonga, de Wilson Simonal e Di Melo, do artista pernambucano homônimo; Rodrigo Brandão, do Zulumbi, em cena do clipe Essa é pra você, gravado no Minhocão, em SP

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Mas o encontro com Di Melo também gerou boas surpresas. “Conversando com ele, a gente descobriu muitas coisas além do que conhecíamos. Por exemplo: que a banda do [Astor] Piazzolla estava em São Paulo, foi convidada para o estúdio e ele fez uma música com os caras”, lembra. “O Milton Banana foi a mesma coi-sa: ele estava no estúdio em um dia para outra gravação e acabou gravando a batera pro disco. O Hermeto Pascoal também estava no estúdio outro dia e o Di Melo convidou ele para tocar.”

Essas informações inéditas acabaram entrando na nova edição do vinil por meio de um encarte escrito a próprio punho por Di Melo. “A gente sempre busca manter a capa original, pois quem quer aquele disco especí�co quer também sua capa original”, ex-plica Rafaella Gouveia, a Rafa Jazz, responsável pelo design dos

relançamentos do selo. “Mas, quando a gente tem a possibilidade de ir além do original, como nesse caso, a gente vai.”

Assim como o Somatória do Barulho, não só de reedições de clássicos vive o Brasilis Grooves. O selo investe também no lança-mento de música brasileira contemporânea que não tenha saído em vinil. O primeiro desses casos foi o relançamento de Samba raro (1999), de Max de Castro. Outro importante lançamento foi o compacto com a música Jaçanã picadilha, com DJ Marco, KLJ e Tig: “A galera do rap descobriu o selo e os discos do Di Melo e Noriel”, conta Bruno. Ainda no universo do hip hop, o Brasilis editou uma série de compactos com o grupo paulista Projetonave e os convidados Emicida, Sombra, Flora Matos e Rapadura.

Já os próximos lançamentos incluem É o moio, do grupo de rap Pentágono, e Bambas & biritas, do produtor Bid. “E mês que vem a gente vai fazer o lançamento do vinil da banda Liquidus Ambiento”, adianta Bruno. O evento vai acontecer na Casa Bra-silis, espaço recém-aberto pelo pessoal do selo que inclui loja de discos, café, bar e estúdio no bairro paulistano da Pompeia. Outra novidade é a criação do Vinyl-Lab, serviço de corte de vinil em pequenas tiragens em parceria com Arthur Joly, um dos magos dos sintetizadores analógicos e cabeça da gravadora e estúdio Re-co-Master/Reco-Head.

CENA MOVIMENTADAO espaço criado pelo Brasilis Grooves na Pompeia é repre-

sentante de uma cena que hoje caminha mais fortalecida, com variedade de festas e DJs tocando música brasileira, assim como novas lojas e distribuidoras de discos surgindo no país. Em 2013, o mercado do vinil teve seu melhor ano desde 2001. Para Frédéric �iphagne, francês radicado em São Paulo, esse cenário ajuda a engrossar o caldo do resgate de títulos. Dono do selo Goma Grin-ga, o designer e pesquisador começou seu projeto junto com o também francês Matthieu Hebrard, com a ideia de “promover a música esquecida do passado e artistas brasileiros contemporâ-neos”. Já lançaram raridades africanas, como o primeiro vinil do

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Lps Orquestra Afro-Brasileira (1968), Krishnanda (1968) e Coisas (1965); abaixo, o artista nigeriano Fela Kuti; na página ao lado, Taiguara

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É TEMPO DE CRIAR!M A S P O R Q U E A H U M A N I D A D E N U N C A S E L I V R A D E T E M A S C O M O A M O R E M O R T E E M S U A S O B R A S ?

P O R B R U N A G A L V Ã O I L U S T R A Ç Õ E S B E R N A R D O F R A N Ç A

Era noite alta e estrelas, sem preguiça, ainda cintilavam no céu arroxeado. O vento também trabalhava àquelas horas e entrava sorrateiro pela janela do quarto onde dormia Antonio Tabucchi, escritor e sonhador. Naquele momen-to, ele sonhava que reunia 20 de seus maiores ídolos. Esta-vam todos em um grande e luxuoso salão de festas, quando Ovídio, poeta e cortesão, adentrou o local metamorfosea-do: com uma voz estonteante e profunda, ele zunia versos. Todos contemplavam aquele homem que descia a escadaria principal do salão passo ante passo, sem jamais interrom-

per os versos. Seu corpo era mole e seus olhos, duros como os de uma borboleta. Tabucchi observou duas pequenas asas amarelo-azuladas a brotar nas costas de Ovídio e quis avisá-lo de que estava se transformando em um inseto. Para isso, tentou alcançar as escadas, mas uma grande e volumosa onda varreu o local e, quando Tabucchi se deu conta, estava enroscado no alto de um coqueiro. Um sol escaldante iluminava o coqueiro e seus frutos e, agora, também o escritor. Ele logo quis descer daquela árvore, mas, antes que o pudesse fazer, um homem a�rmou: “Uma tribo”. A claridade gerada pelo sol fez com que Tabucchi apertasse os olhos a �m de localizar o seu interlocutor: encontrou-o agarrado a um coqueiro vizinho, muito cheio de si. “Uma tribo”, tornou a dizer o homem, dirigindo o olhar, desta vez, a Tabucchi. Este avistou ao longe uma pequena aldeia com pessoas dançando em círculos. Pensou em comentar que aquilo lhe parecia um ritual. Porém, quan-do virou o rosto para o homem, reconheceu em seu vizinho de coqueiro a �gura de Robert Louis Stevenson (1850-1894), escritor e viajante. Tamanho foi o susto da revelação que Tabucchi se desequilibrou e despencou do coqueiro. Caiu com estrondo em uma taverna, onde Caravaggio (1571-1610), pintor e homem iracun-do, bebia e jogava com seus amigos. O impacto da queda assustou os presentes e irritou Caravaggio, que se levantou de um salto só. Salto ainda mais veloz deu Tabucchi, ao ver que o pintor se aproximava dele com uma faca nas mãos. Com a face em grito e com cabelos de venenosas serpentes, Caravaggio partiu para cima de Tabucchi, que correu o quanto pode. Correu tanto que trombou em uma rua com Freud (1856-1939), intérprete dos sonhos dos outros. “Alto lá, rapaz!”, disse--lhe o psicanalista, enquanto arrumava os óculos redondos que o escritor quase havia derrubado. “Aonde vai com tanta pressa? Por acaso, andou sonhando com sua mãe?”, questionou o austríaco já com os óculos encaixados corretamente no nariz. O problema é que nos sonhos, muitas vezes o sonhador se torna mudo, por mais que haja voz no interior de seu ser. Por não conseguir dizer a Freud o que lhe

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acontecera, Tabucchi partiu. Em um trem, sentou-se ao lado de Fernando Pessoa (1888-1935), poeta e �ngidor. Este anotava algo em uma caderneta quando Tabuc-chi lhe perguntou as horas. Pessoa lhe respondeu que ainda não eram duas horas na casa de Álvaro de Campos, mas que era hora de existir em Alberto Caeiro e, como dali a três minutos o trem pararia na estação na qual estaria Ricardo Reis, e eles deveriam se encontrar, era hora de pedir licença e desembarcar. Um vento fresco soprava enquanto Tabucchi via o mestre português da poesia se afastar, até não ser mais do tamanho de sua altura. Sozinho, na cabine do trem, seus olhos se fecharam para depois se abrirem. Então, Tabucchi se levantou e fechou a janela de seu quarto, para que o vento não levasse seus papéis. Sentou-se em sua mesa de trabalho e começou a redigir seu Sonhos de sonhos, livro de suposições e hipóteses sobre 20 personalidades amadas por um escritor.

Mas agora, tal como os seus antecessores que, um dia, lhe serviram de inspi-ração, o italiano Tabucchi está morto. Morreu em 2012, aos 68 anos, juntamente com seus sonhos, aspirações e inspirações. Tal como para os demais, o tempo também passou para ele (ou foi ele quem passou pelo tempo?). Seu pensamen-to, assim como o dos outros, eternizou-se em objetos repletos de referências e reinvenções. “O tempo é a memória da paisagem”, comenta o escritor mineiro e crítico literário Pedro Maciel.

Aliás, o crítico lembra que, no ramo das artes, tempo, amor e morte estão entre os temas mais explorados. A�nal, são dilemas que nunca deixam de acom-panhar a humanidade: estão em seus rastros, em sua memória, em seu corpo, em seus sentimentos mais profundos e instigam constantemente a imaginação, movida a criatividade. Sendo assim, não há um tempo, mas todos. “Para criar, é necessário desvendar o seu tempo e, ao mesmo tempo, propor outro. O artista, independentemente do meio em que vive, não quer modi�car a realidade, mas criar outra realidade. O resto é sonho”, diz Maciel.

Foi em uma tentativa criativa de imaginar o que sonhavam os seus ídolos, que Tabucchi escreveu Sonhos de sonhos: misturou dados biográ�cos de grandes nomes com boas doses de imaginação. Para criar uma nova realidade, escritores, cineastas, fotógrafos, pintores, desenhistas, escultores e todos os demais repre-sentantes das artes precisam de um caminho inovador ou inédito de linguagem, seja ela por formas, cores, palavras ou imagens.

Parafraseando, outra vez, a linha narrativa de Tabucchi através de um sonho, se poderia pensar Giotto di Bondone (1266-1337), pintor e homem possivelmente de baixa estatura, assim: então, Giotto sonhou. Sonhou que pintava um afresco com homens e cabras, mas sua baixa estatura não permitia que ele terminasse a pintura. O fato logo se espalhou por toda a cidade e a população começou a vir até o pintor e sua obra inacabada para zombar dele. Riram tanto que Giotto, enfureci-do, começou a atacar o afresco, como nunca a querer terminá-lo. Pinceladas após pinceladas, e o in�nito ganhou cada vez mais formas na pintura. Quando exausto, o pintor largou o pincel e escorregou ao chão. Suas pequenas mãos tremiam. A po-

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pulação parara de rir e, agora, cochichava, boquiaberta, sobre o que via: a imagem humanizada e tridimensional de �guras de santos católicos. O �lósofo e crítico de artes João Batista Natali cita o italiano Giotto como um dos mais memoráveis em termos de ruptura artística: “Giotto, apesar de cronologicamente ‘medieval’, foi um grande artista, justamente por ter reinventado a perspectiva que seria de tão gran-de utilidade durante o Renascimento” – o pintor rompeu com a técnica bizantina. 200 anos depois, também na Itália, Caravaggio causou furor, por diversas vezes, nas classes sociais mais altas (os consumidores de sua arte), ao buscar inspiração nas feições de homens e mulheres pobres, dentre eles, vendedores, prostitutas e ciganos, a �m de reproduzi-las em seus quadros de temática religiosa.

Nesta reinvenção de temas universais e atemporais, está o �lme recém-lançado no Brasil Um amor em Paris, do francês Marc Fitoussi. O enredo da película repre-senta a vida de muitos casais ao longo de gerações: a rotina, a tendência à mono-tonia e a vontade de vivenciar o novo. É isso o que acontece quando uma mulher se deixa levar por um novo amor ao viver uma crise no casamento. Entretanto, a expectativa por uma trama original se dá em saber quais elementos Fitoussi (que já foi muito elogiado pelo �lme Copacabana, de 2010) combina para romper com o esperado (e já visto pelo público em outras narrativas). Na opinião do escritor amazonense Mário Bentes, “não há forma melhor de chamar a atenção, em qual-quer área, que apresentar uma visão diferente de temas conhecidos. Nem é neces-sário reinventar a roda, basta rejuvenescer o olhar sobre um tema nada jovem”.

Bentes, autor de A terra por onde caminho, rejuvenesceu a morte em sua obra. Deu a ela não só olhos profundos e vazios e longas asas negras, mas tam-bém uma personalidade melancólica, romântica e piedosa, em que Uriel, o anjo da morte, é um apaixonado por estrelas. Para ser mais ousado, o escritor ins-pirou-se em narrativas bíblicas e reescreveu muitas delas a sua maneira. Nos contos que compõem o livro, o autor re�ete sobre a morte indiscriminada e, por vezes, injusta (como o assassinato de um homem por apedrejamento, pelo fato de colher lenha no “dia de descanso” ou a morte de uma criança por fome): Uriel, ainda que contrariado, é obrigado a tirar a vida dessas pessoas por ordens de seu “Senhor”. Nas palavras do escritor, “não há tema melhor sobre o qual quebrar padrões do que a religião. As pessoas em geral não gostam de ter sua fé questio-nada, seus dogmas criticados ou seus mitos dissecados”.

Seriam, portanto, a quebra de padrões e a reinvenção de conceitos a “roda” do mundo em termos de inventos, sejam eles artísticos, sejam cientí�cos? Wil-liam Shakespeare (1564-1616), considerado um dos maiores autores de todos os tempos, sonhou com Romeu e sua Julieta, Hamlet e Otelo, por exemplo, para também falar de temas como o amor e a morte. Suas personagens e histórias se eternizaram na memória e, por sua vez, são fontes de inspiração para muitas outras obras. Em seu soneto Se nada há de novo, o bardo inglês indaga: “Se nada há de novo e tudo o que há/ já dantes era como agora é,/ só ilusão a criação será:/ criar o já criado para quê?”.

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CENTENÁRIO DO

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APESAR DE NUNCA TER A INTENÇÃO DE AGRADAR AO PÚBLICO, IBERÊ CAMARGO, QUE COMPLETARIA CEM ANOS EM NOVEMBRO, GANHA RETROSPECTIVAS EM SÃO PAULO E PORTO ALEGRE – QUE DEVEM ACONTECER TAMBÉM EM OUTROS CANTOS DO BRASIL E NA EUROPA –, PERMITINDO AOS ESPECTADORES CONHECER OU APROFUNDAR-SE NAS CRIAÇÕES DE UM ARTISTA QUE, ANTES DE QUALQUER COISA, ERA LIVRE

Um casal de mãos dadas sorri e conversa enquan-to olha rapidamente as pinturas. Estudantes adolescentes, em visita guiada, parecem se di-vertir. Uma senhora, po-rém, diante de uma tela na qual, em pinceladas vigorosas de preto, cinza,

marrom e vermelho, o pintor autorretratou-se com expressão e gesto de espanto, dá um muxoxo e fala à amiga: “Não gosto do estilo dele. Muito tétrico”. Acontece que, em arte, muitas vezes, a reprovação do público depõe a favor do artista. Para o autor em exposição, o pintor e gravurista Iberê Camargo, inclusive, arte não deveria ser algo “palatável”: che-gava a desfazer uma pintura se ouvisse um ajudan-te ou visitante, no seu ateliê, dizer que tinha gosta-do dela. Poderia até �car satisfeito, portanto, com o juízo negativo da senhora sobre seu trabalho.

Estamos no segundo andar da Fundação Iberê Camargo (FIC), localizado à beira do rio Guaíba, zona sul de Porto Alegre. Inaugurado em 2008, leva o nome daquele que é um dos maiores artistas visuais brasileiros e foi criado exatamente para pre-servar e celebrar sua obra. A mostra que despertou as reações mencionadas é parte da programação montada em razão do centenário de nascimento de Iberê, lembrado neste 2014. Seu título é o mes-mo daquele romance que virou filme: As horas. Estão nela pinturas e desenhos que o artista fez no

�nal dos anos 1970 e durante os 1980, como Grito (1984) – a descrita no parágrafo anterior –, O reló-gio (1988) e seis das dez telas da série Hora (1983-84), em algumas das quais se colocou, em autor-retratos sempre sérios, junto a carretéis e dados, elementos de fases anteriores, e mãos espalmadas (a querer parar o tempo?). Ora etérea, ora pulsan-te, a série guarda as características com que o cria-dor é hoje reconhecido: cores escuras, pinceladas velozes, camadas grossas de tinta, tom soturno, nenhuma concessão emotiva. Arte indigesta? Arte.

Se Iberê não tinha intenção de agradar ao pú-blico, tampouco tinha de agradar a seus pares ou embarcar no que era “moda” na arte. Foi, antes de tudo, um espírito independente. Em sua trajetó-ria, nunca se vinculou a um movimento ou grupo, postura rara no cenário cultural brasileiro. “Iberê foi, primordialmente, um homem valente”, a�rma a escritora Nilma Lacerda, autora dos romances Manual de tapeçaria e Sortes de Villamor, e do que não considera uma biogra�a, mas também não um romance, com o pintor como protagonista, intitu-lado justamente Um homem valente, ainda inédito. Iberê, completa Nilma, “sem pedir licença – posso pensar assim, posso pintar assim, posso desnudar dessa forma o mundo que entra em mim? –, foi �el a si, atendeu aos movimentos internos que pediam uma expressão autêntica, variável segundo impul-sos expressivos pessoais”. Coerente consigo pró-prio, ousado, autêntico – “independente”, en�m, é o adjetivo sintetizador. E tal qualidade manifestou--se várias vezes.

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GUERRASIberê nasceu no interior do Rio Grande do

Sul, em Restinga Seca, município pequeno a que não fez menção explícita em seus quadros (mas estes o contêm, por apresentarem “secura e isola-mento”, diz Nilma). O ano, 1914, foi o mesmo em que o con�ito que entraria para a história como a 1ª Grande Guerra teve início. Na vida do artista, outras guerras, internas, as que dizem respeito a escolhas, desenrolaram-se, com vitória sempre do lado que pleiteava independência. Em 1942, aos 28 anos, Iberê exprimiu esse caráter ao sair

da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro (cida-de para a qual se mudou após receber uma bol-sa) por divergir da sua orientação acadêmica. Foi ser aluno de Guignard e, depois, na Itália, de De Chirico. De volta ao Brasil, mais adiante, no final da culturalmente rica década de 1950, de-monstrou de novo sua afeição à desafeição ao deixar de lado o �gurativismo, que vinha exerci-tando com paisagens urbanas e naturezas-mor-tas, e adotar o abstracionismo, em um período em que, no Brasil, os pintores mais festejados – afora Guignard, ainda Di Cavalcanti e Portinari – dedicavam-se à �gura e, no exterior, os abstratos perdiam força. A mudança ocorreu com a criação das telas que formariam a conhecida série Carre-téis. Impedido por uma hérnia de disco de sair à rua para desenhar paisagens, Iberê começou a pin-tar coisas disponíveis no ateliê, como garrafas e bu-les, até evocar os brinquedos da infância humilde, os quais, depois de representar empilhados sobre a mesa, em linhas de�nidas, foi dissolvendo, des-caracterizando como “objetos”, para no �m fazê--los somente itens polimorfos a �utuar no espaço.

Logo, das formas geométricas e ordenadas do construtivismo, estilo abstrato mais em voga na época (com Volpi, por exemplo), Iberê não se aproximou. Igualmente, não se deixou levar pelo concretismo, “�lho” da arte construtiva, nem por seu desdobramento, o neoconcretismo de Hé-lio Oiticica, Lygia Clark e Ferreira Gullar, este seu amigo. Gullar, aliás, em um artigo publicado no ano seguinte à morte do pintor, observou a

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independência dele: “Essa radical convicção de que o artista deve manter-se �el a si mesmo a qualquer preço é uma resposta negativa de Iberê aos apelos da vanguarda que procurava a todos arrastar em sua corrente”. Uma frase do próprio Iberê que resu-me sua conduta parece complementar a do poeta: “Quem nada a favor da corrente é peixe morto”.

Feito outro grande artista brasileiro que con-trariou o senso comum, Machado de Assis, Iberê atingiu o ápice na maturidade. E isso se deu com uma nova mudança de rumo, talvez potencia-lizada por uma tragédia pessoal. Em 1980, no Rio, ele, que então andava armado, matou um homem ao intervir em uma briga de rua. Ab-solvido no julgamento, retornou a Porto Alegre – e ao figurativismo. O abstracionismo expres-sionista praticado nos 1960/1970 cedeu lugar à figura humana de maneira espetacular, em au-torretratos (estaria Iberê investigando quem era, depois do que praticou?), como os agora expos-tos na FIC, e na série Ciclistas, lírica e densa ao mesmo tempo, em que homens e mulheres es-pectrais andam de bicicleta no nada e sem rumo. Formam um conjunto intenso com as séries fi-

nais, As idiotas (1991) e Tudo te é falso e inútil (1992-93), poderosas em seus mais de 2 metros de comprimento a trazer figuras humanas despi-das, que, sentadas sós, imersas em azuis, violetas e lilases, parecem apenas... esperar. No vento e na terra, de 1991, mostra alguém caído da bici-cleta em uma área deserta. Exala drama. “O que posso fazer? Tenho uma visão trágica da vida. Não sou um homem alegre, não vejo futuro para a humanidade”, explicou Iberê. Ele, frise-se, pei-xe vivo novamente, iniciou essa última fase figu-rativa antes de o figurativismo voltar com vigor ao Brasil, em meados da década de 1980, pelo trabalho dos artistas da chamada “Geração 80”. Para alguns deles, inclusive, a exemplo de Nuno Ramos e Paulo Pasta, Iberê virou referência.

Não é preciso, porém, analisar cada fase para saber que ele destoou de tendências dominantes. Vista no geral, a obra de Iberê já se distingue do costumeiro na nossa arte. Além de tudo, ele revela que o Brasil possui um lado trágico, desagradável (o conhecemos bem), e não apenas sol, “vida boa” e povo alegre. Até porque alegria demais, muitas vezes, é sinal de desespero. FO

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DESÂNIMO E SOLIDÃOA independência de Iberê fazia-se notar, ainda,

em suas opiniões. Ele jamais se furtava a dizer o que pensava (às vezes, agressivamente), neste país onde tal atitude é tachada de “arrogante” e “rea-ça”. O Brasil, por sinal, e a postura dos governos quanto à cultura foram alvos de seus ataques. Após tentativa fracassada de vender pinturas para ajudar vítimas da Aids, em 1993, a�rmou que o Brasil era “um gigante com cabeça de galinha”. E não parou: “Nunca vi tanta falta de grandeza. Ninguém dá valor à cultura. Estou aqui lutando contra o IPTU do meu ateliê. (...) Times de futebol são isentos de IPTU”. Na mesma ocasião, perguntado o que sig-ni�cava ser um artista renomado, respondeu: “O Brasil não anima ninguém. Eu estou na luta, é só”. Sobre a produção artística nacional de seu tempo, era também muito crítico. Disse, em sua última en-trevista, que havia “só bugiganga” na área e que a maioria dos artistas não tinha talento. A propaga-ção da dita “arte contemporânea”, a partir dos anos 1970, de igual modo o fez marcar posição – con-trária, é claro: “Instalação, para mim, só elétrica ou sanitária”, declarou certa vez.

Iberê faleceu em 9 de agosto de 1994, dias após terminar Solidão, o último quadro, de 2x4m. No hospital, falou à mulher, Maria, que queria re-tocá-lo, mas não pôde. Nem precisava. Com seus três vultos a �anar no vazio, Solidão é uma das mais belas telas brasileiras – avaliação partilhada por outro admirador de Iberê, o jornalista e crí-tico Daniel Piza, morto precocemente em 2011, quando estava para começar uma biografia do artista, a ser lançada neste centenário. “Iberê é

como sua pintura: cético, mas irresistível”, escre-veu ao entrevistá-lo, em 1993.

A arte permanece. Na FIC, As horas segue até 9 de novembro. No próximo mês, então, o exato dos 100 anos de Iberê (mais precisamente, dia 18 de no-vembro), uma grande mostra, com trabalhos dele e de artistas da atualidade, tomará o museu, no que tem sido tratado como o evento “o�cial” da efeméri-de. Iberê Camargo: Século XXI entra em cartaz dia 19 de novembro e vai até 29 de março de 2015, abando-nando o formato convencional de exposições come-morativas e trazendo a tona a potência da poética do artista por meio de diálogos, relações de vizinhança e tensões entre suas pinturas, gravuras e desenhos com uma grande variedade de linguagens, incluindo escultura, instalação, fotogra�a, literatura, dança e cinema. Ainda nesta mostra, 19 artistas brasileiros de gerações variadas, alguns deles conhecedores da obra de Iberê, outros não, terão seus trabalhos ex-postos em conjunto, dialogando com os de Iberê. Mas o artista não tem sido abordado só em Porto Alegre. Em São Paulo, o Centro Cultural Banco do Brasil encerrou em julho a retrospectiva Um trágico nos trópicos, com 145 obras, e a Pinacoteca do Estado abriu em agosto uma mostra voltada às gravuras, que vai até 31 de janeiro do ano que vem. Rio de Ja-neiro e até cidades da Europa deverão, também, abri-gar exposições do artista, em 2015. Bastante gente, assim, poderá conhecer ou aprofundar-se em obras das mais expressivas e complexas da arte nacional, desenvolvida por um homem independente no esti-lo, nas relações, na carreira, nas opiniões. Indepen-dência. Se há um exemplo que a vida de Iberê deixou para o meio cultural brasileiro, é esse. c FO

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PARTE IMPORTANTE DO CENÁRIO MUSICAL DO PAÍS HÁ MAIS DE 40 ANOS, TANTO ARTÍSTICA QUANTO

COMERCIALMENTE, AS TRILHAS SONORAS DE NOVELAS E MINISSÉRIES CONTAM BOA PARTE DA HISTÓRIA DA MPB

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Foi pre c i s o um livro de dois volumes para contar a rica história das tr i lhas sonoras de novelas, mi-nissér ies e seriados no

Brasil. O primeiro deles, Teletema Vol 1: 1964-1989 – A história da música popular através da teledramaturgia brasileira, será lançado neste mês pelo jornalista Guilher-me Bryan e pelo novelista e colecionador Vincent Villari, que prestam homenagem a um aspecto importante da nossa músi-ca popular, um gênero que há mais de 40 anos revela, consolida e resgata expoentes da arte musical do país. “Através delas [tri-lhas sonoras], é possível contar boa parte da história da música brasileira”, diz Bryan.

A novela brasileira é reconhecidamen-te um fenômeno cultural, e a música teve participação inegável na construção desse fenômeno. A canção popular nacional, em particular, tem sido um poderoso ingre-diente da teledramaturgia, ajudando a con-tar a história e afetando emocionalmente o espectador por meio de melodia e letra. E, quando consideramos que essa simbiose entre a trilha e as personagens dura meses,

percebemos o grau de persuasão envolvi-do, em nível afetivo e comercial.

Mas, se o gênero alcançou essa rele-vância, é porque ele foi abastecido por uma cultura musical pródiga em com-positores e intérpretes de enorme talen-to. E é muito difícil apontar um nome de cancionista, cantor, cantora ou grupo que não faça parte desse imenso reper-tório televisivo, seja com música de en-comenda ou pinçada de algum disco. Afinal, de que outra maneira é possível atingir um público tão grande em tão pou-co tempo? Participar da trilha sonora de uma novela ou minissérie, principalmente da Rede Globo, detentora dos mais altos índices de audiência no segmento, é pra-ticamente garantia de sucesso. Mesmo que seja efêmero. “Os cantores e composito-res passaram a ver nos capítulos diários a maneira mais e�ciente de divulgar o seu trabalho. E, por ser a novela um retrato de nosso cotidiano, um mosaico de nossas vi-das em variados períodos da história, sua trilha sonora abriu um gigantesco universo para músicas de todas as épocas”, explica Mauro Alencar, doutor em Teledramatur-gia Brasileira e Latino-Americana, e autor de A Hollywood brasileira – Panorama da telenovela no Brasil.

“A presença [de uma música] na trilha sonora passa a decidir também a presença

de determinada canção e segmento musi-cal em outros veículos de difusão, como o rádio e demais programas de TV, in�uen-ciando, ainda, a participação do disco na lista dos mais vendidos”, acrescenta Heloísa Toledo, doutora em Sociologia com a tese Som Livre: Trilhas sonoras das telenovelas e o processo de difusão da música.

A REALEZANada disso, no entanto, seria possível

sem o trabalho de diretores musicais (e, por vezes, compositores) como Salathiel Coelho, Nelson Motta, Guto Graça Mel-lo e Mariozinho Rocha, responsáveis, na maioria das vezes, pela seleção dos fono-gramas. Motta, por exemplo, foi um dos idealizadores da concepção musical de Véu de noiva, um marco na história das trilhas de televisão pelo amplo uso de temas ori-ginais, criados diretamente para a trama.

Exibida pela Globo entre novembro de 1969 e junho de 1970, lançou Teletema, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, e Gente humilde, letra de Chico Buarque e Vini-cius de Moraes sobre uma antiga melodia de Garoto. Segundo Motta, foi preciso convencer os artistas a fornecer músicas inéditas, pois naquela época havia muito preconceito contra a novela. Véu de noi-va foi inovadora, mas é preciso registrar que novelas anteriores, exibidas pelas TVs M

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| televisão |

Tupi e Excelsior, já haviam deixado marcas musicais: O direito de nascer (1964-1965), ao som de Amor eterno; Beto Rockfeller (1968-1969), de acentuado pop interna-cional, e A deusa vencida (1965), primeira a ganhar seu próprio disco.

A indústria fonográ�ca, claro, foi be-ne�ciada pelo novo nicho, que por sua vez recebeu tremendo impulso com os discos dedicados a trilhas completas ou a temas de vários folhetins. Antes da criação de sua própria gravadora, a Som Livre, fundada em 1969 por João Araújo, a Globo tinha parceria com a Phillips, que comerciali-zou LPs de Véu de noiva e Irmãos coragem (1970-1971), entre outros. Irmãos coragem foi um dos maiores sucessos da televisão na época e sua trilha ia desde Jair Rodri-gues até o score de Era uma vez no Oeste (1968) – uma prática comum antigamente era aproveitar a música de �lmes famosos. O primeiro lançamento da Som Livre foi O cafona (1971) e já trazia um LP nacional e outro internacional. Seguiram-se títulos com canções originais de Toquinho e Vi-nicius (O Bem-Amado), Dorival Caymmi (Gabriela – 1975) e Paulinho da Viola (Pe-cado capital – 1975-1976), incluindo Mo-dinha para Gabriela, na voz de Gal Costa, e Pecado capital, na do próprio autor. Dois clássicos da MPB.

Outras novelas dos anos 1970 também são indissociáveis de lembranças musicais, caso de Saramandaia (1976), Dancin’ Days (1978-1979) e Pai herói (1979), momentos determinantes nas trajetórias de Ednardo, As Frenéticas e Fábio Jr., respectivamen-te. E merece destaque a ousadia de Bravo! (1975-1976), ambientada no mundo da música clássica. O disco com a trilha sono-ra internacional reunia peças eruditas e foi um sucesso de vendas. Na abertura, uma composição original de Júlio Medaglia,

que foi diretor musical de várias minis-séries na Globo e da novela Os imigrantes (1981-1982), na Rede Bandeirantes.

DE MINI, SÓ O NOMEMinisséries e seriados também sem-

pre inspiraram música de qualidade. Sí-tio do Picapau Amarelo (1977-1986), do cativante tema de Gilberto Gil, e Malu mulher (1979-1980), para o qual Ivan Lins e Vítor Martins escreveram Come-çar de novo, são bons exemplos disso. Sem falar que, assim como as novelas, cumpriram papel importante na preser-vação da memória musical brasileira, re-velando às novas gerações preciosidades da primeira metade do século 20, como Mulher (interpretada por Emílio Santia-go na abertura da série homônima, de 1998-1999) e Lua branca (por Joanna, em Chiquinha Gonzaga, de 1999).

E o que dizer das contribuições de Tom Jobim para as minisséries O tempo e o vento (1985) e Anos dourados (1986)? A primeira recebeu uma trilha completa, incluindo Passarim, enquanto a segunda é a origem da melodia que, com letra de Chico Buarque, virou a belíssima canção homônima. Mas a associação de Jobim com a teledramaturgia vai além. Ele lan-çou inéditas nas aberturas de duas novelas de Gilberto Braga, Brihante (1981-1982 – Luiza) e O dono do mundo (1991-1992 – Querida), e tornou-se presença obrigatória nos créditos iniciais das tramas de Manoel Carlos, como compositor ou intérprete. Foi assim em Por amor (1997-1998 – Fa-lando de amor) e Em família (2014 – Eu sei que vou te amar).

Apesar disso, quando o assunto são as trilhas de novelas, há outros nomes que talvez venham mais imediatamente à ca-beça, como Caetano Veloso, Rita Lee e

Guilherme Arantes, entre tantos outros. Este último despontou justamente com Meu mundo e nada mais, de Anjo mau (1976). Ele relembra em seu site oficial que essa oportunidade abriu os caminhos para seu primeiro LP e que a música, com-posta anos antes, tocou 530 vezes na nove-la. O verso de abertura original foi altera-do para adequar-se ao personagem de José Wilker, tornando-se o famoso “Quando eu fui ferido, vi tudo mudar”. Desde então, Guilherme esteve em Dancin’ Days (Ama-nhã) e Mandala (1987-1988 – Um dia, um adeus), entre outras.

Outro nome é o do grupo Roupa Nova, que chegou a lançar um CD intei-ramente dedicado aos seus hits de nove-la, como Whisky a go go, Dona e A via-gem. Escrita por Sá e Guarabyra, Dona integrou o megassucesso Roque Santeiro (1985-1986), lembrado com carinho por quem assistiu e ouviu. A trilha nacional vendeu tanto que ganhou um segundo volume, em lugar da edição internacional. Algumas das outras faixas eram Santa fé (Moraes Moreira / Fausto Nilo), De volta pro aconchego (Dominguinhos / Nando Cordel), com Elba Ramalho, e Mistérios da meia-noite (Zé Ramalho).

Pouco tempo depois, a Globo empla-cou outra novela de grande repercussão: Vale tudo (1988). A trilha sonora trazia as contundentes Brasil (Cazuza / George Is-rael / Nilo Romero), na interpretação vi-gorosa de Gal Costa, e É, de Gonzaguinha, outro nome recorrente nas seleções musi-cais da emissora, inclusive em aberturas como a de Amor à vida (2013-2014).

VENDAS LÁ EM CIMANão menos marcantes foram as tri-

lhas de Tieta (1989-1990) e O rei do gado (1996-1997), esta a mais vendida

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| quadrinhos |

TIJOLÃO DA ALEGRIA

PRIMEIRO VOLUME DA TRILOGIA ‘CÂNONE GRÁFICO’, ANTOLOGIA QUE REÚNE CLÁSSICOS DA LITERATURA MUNDIAL EM VERSÕES DE QUADRINHOS E ABARCA AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS LITERÁRIAS DA HUMANIDADE ATÉ O FINAL DO SÉCULO 18, CHEGA AO BRASIL NESTE MÊS

A divina comédia, de Dante Alighieri, adaptada por Seymour Chwast.Acima, o detalhe da adaptação por Robert Crumb de Diário londrino, de James Boswell, um dos maiores diaristas do século 18

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TIJOLÃO DA ALEGRIA

O escritor e editor norte-america-no Russ Kick teve em suas mãos a fantás-tica missão de reunir talento-sos quadrinis-tas e lendários

artistas grá�cos com o melhor da literatura de todos os tempos. Antes dessa árdua, porém incrível tarefa de adaptar obras da literatura mundial para HQs se concreti-zar, o escritor e antologista americano, autor dos livros Outposts, You Are Being Lied To e 50 Things You’re Not Supposed to Know, teve a brilhante ideia que parece óbvia, mas ninguém nunca havia criado antes: um livro da espessura de um tijolo que abrangesse séculos, países, línguas e gêneros. E incluísse romances, contos, poemas, peças, autobiogra�as, discursos e cartas, além de obras cientí�cas, �losó-�cas e religiosas.

Cânone grá�co: Clássicos da litera-tura universal em quadrinhos foi dividido em três volumes, e o primeiro, lançado nos Estados Unidos em 2012, desem-barca por aqui com quase 450 páginas e 51 romances grá�cos, que nos levam a uma viagem visual que começa com as primeiras experiências literárias da huma-nidade e se estende até o �nal do século 18. Releituras de clássicos como A divina comédia, de Dante Alighieri;  Sonhos de uma noite de verão, de William Shakes-peare; e As viagens de Gulliver, de Jona-than Swift, foram produzidas de maneira independente e cada uma vem com o es-tilo próprio de seu autor, entre os quais �guram alguns dos mais reconhecidos artistas grá�cos da atualidade, como Will Eisner, Robert Crumb, Molly Crabapple, Seymour Chwast e Peter Kuper.

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“Os leitores podem esperar uma so-brecarga de prestigiosos trabalhos artísti-cos em uma enorme variedade de estilos e abordagens. Cada peça no livro tem uma pequena introdução, onde falo sobre a obra literária e seu autor – e do artista que a adaptou – para colocar tudo no con-texto. Por isso, é também uma educação na história da literatura”, revela Kick, que já viu muitas outras compilações de literatura clássica feitas com quadrinhos por aí, “mas todas são pequenas e focadas em obras de um autor ou um período de tempo. Câ-none grá�co é enorme, tanto em formato quanto no número de páginas. Abrange a literatura desde os tempos antigos até o �m de 1700. E os dois volumes futuros [que serão lançados no Brasil em julho de 2015 e 2016, respectivamente] vão cobrir a literatura dos séculos 19 e 20”.

Um grande desa�o para o escritor foi estreitar o número de obras da literatura, já que tantas são amplamente reconhe-cidas como importantes. Outro percalço foi certi�car-se de incluir todas as histó-rias que as pessoas esperariam encontrar em uma pesquisa como essa. O primeiro volume da antologia, reunindo clássicos de todas as partes do mundo, começa com grandes épicos, como A epopéia

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Adaptação de Hagoromo, peça do teatro Nô japonês, feita por Isabel

Greenberg; O inferno de Dante, por Hunt Emerson e O banquete,

de Platão, por Yeji Yun

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de Gilgamesh, das tábuas babilônicas, a  Ilíada  e As mil e uma noites, passando pelas tragédias de Eurípides e Aristófa-nes. O livro faz uma ampla abordagem da literatura religiosa, desde o Velho e o Novo Testamento até a poesia su�sta de Rumi, o Mahabharata hindu e o Popol Vuh, livro sagrado dos maias, assim como histórias da Ásia, da China e do Tibete.

Durante o período de edição, Russ Kick trabalhou nos três volumes ao mesmo tempo, e o mais difícil era manter o conta-to com mais de 120 artistas de uma vez só. “Pedi a eles �delidade à obra literária, tanto quanto ao enredo, às personagens etc. Não queria que inventassem novas aventuras ou de�nissem o trabalho em um tempo e lugar diferente. Mas disse que, quando eles visualizassem a história, po-deriam fazer o que quisessem. Eles tinham total liberdade artística.”

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Para chegar aos quadrinistas que deram vida aos clássicos publicados no livro, o an-tologista começou por abordar seus artistas favoritos. “Depois, comecei a cavar – em versões impressas e online – para encontrar mais artistas. Queria os que tivessem gran-des habilidades técnicas e possuíssem estilo próprio, uma visão distinta que eles trazem para a sua arte.” Para ele, estamos vivendo uma “idade de ouro”, cheia de grandes talen-tos soltos por aí. “É um ponto alto na história dos quadrinhos e da ilustração, porque há tantos artistas talentosos fazendo coisas sur-preendentes, trabalhos extremamente inova-dores de diversas maneiras.”

Quando o livro �cou pronto, a única sen-sação que Kick conseguiu ter foi �car em êx-tase. “É sempre emocionante obter um livro acabado, mas, neste caso, foi esmagador. Segurar este enorme e pesado exemplar [a versão americana tem 1,6 kg], depois de tra-balhar nele por tanto tempo, fez as minhas mãos tremerem.” Cada história de Cânone grá�co vale por si só, mas juntas formam um vasto caleidoscópio de arte e literatura. “Um arco-íris de abordagens visuais foi aplicado ao tesouro dos grandes escritos do mundo, e algo maravilhosamente novo ganhou forma. Esse é o ponto principal do livro. Ele pode ser encarado como uma ferramenta educativa, e espero que seja usado dessa maneira. Pode--se dizer que ele levará as pessoas a ler as obras originais da literatura; isso me deixará muito feliz. Mas, no fundo, esta antologia titâ-nica em três volumes é uma obra artística e literária independente, um �m em si.” c

Dave Morice adaptou Os amores do rei Davi com a formosa Betsabé, do dramaturgo inglês George Peele; A vida de Teresa de Jesus, por Edie Fake. Na página ao lado, arte de Sanya Glisic para O livro tibetano dos mortos; adaptação de Apu Ollantay por Caroline Picard e Soneto 18, de Shakespeare, ilustrado por Robert Berry e Josh Levitas

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| comportamento |

AS RECENTES MORTES DE HUMORISTAS COMO ROBIN

WILLIAMS E FAUSTO FANTI, AMBOS ACOMETIDOS PELA DEPRESSÃO,

LEVANTAM QUESTÕES AINDA SEM RESPOSTAS MUITO CONCRETAS SOBRE UMA DOENÇA QUE TRAZ À LUZ DOLOROSAS REALIDADES

QUE A MAIORIA DAS PESSOAS APRISIONA NA ESCURIDÃO

OS DEMÔNIOS DO MEIO-DIA

P O R T A T I A N Y L E I T E

I L U S T R A Ç Õ E S

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A doença da mente é uma doença real e pode causar graves impactos, dentre eles o suicídio. Em época de diversas mortes pos-sivelmente ocasionadas pela depressão, muito se fala e pouco se entende sobre os focos da doença e até que ponto ela afeta a vida de quem a tem. Só nos últimos dois meses, o

mundo ficou paralisado ao descobrir que, por conta da depressão, dois grandes nomes da comédia, Robin Williams e Fausto Fanti (do grupo humorístico Her-mes e Renato), escondiam por trás do riso a falta de vontade de viver.

“É uma doença como qualquer outra. Não é sinal de loucura, nem de preguiça, nem de irresponsabi-lidade”, afirma o médico Drauzio Varella, mas “não é tristeza. Precisa de tratamento”. Para tentar cons-cientizar a população, a Associação Brasileira de Psi-quiatria realiza, anualmente, uma caminhada no dia 10 de outubro, no qual também se comemora o Dia Mundial da Saúde Mental. Mas não seria a depressão uma doença atrelada a mitos e preconceitos desde os seus primórdios? Ou poderia ser enquadrada em uma definição moderna?

Para facilitar o diagnóstico, o escritor Andrew So-lomon lançou, em 2000, o livro O demônio do meio--dia, resultado de quatro anos de pesquisa, partindo da própria depressão para atrelar todos os seus sig-nificados, com depoimentos de especialistas, pessoas que passaram pela doença e seus familiares. “Ao que parece, a depressão está presente desde quando o ho-mem tomou consciência do próprio eu. Não é um fe-nômeno recente”, explica. “Por outro lado, a escala do diagnóstico cresceu muito. Não posso negar que os desafios da modernidade parecem gerar uma quan-tidade maior de depressivos, mas a depressão não é moderna, apesar de que há muitos aspectos da mo-dernidade que contribuem para a angústia e a depres-são, que são bem próximas.”

O livro, que ficou esgotado por anos e acaba de ser relançado, contém um prólogo de novas 80 pági-nas, venceu o National Book Award e foi eleito uma

das cem melhores obras da década de 2000 pelo jor-nal The New York Times. “Eu só queria romper essa ideia de que a depressão é uma doença da classe mé-dia. Ela existe em qualquer lugar, em qualquer nível, com qualquer pessoa”, diz Solomon, que foi um dos convidados, no início de agosto passado, da Festa Li-terária Internacional de Paraty (Flip).

O título, O demônio do meio-dia, tenta resgatar uma expressão da Idade Média, que dava nome à sen-sação de angústia e melancolia – principalmente dos artistas e intelectuais que assumiam uma influência maléfica em determinada altura da vida e da produ-ção. Além disso, traz consigo um toque de desmisti-ficação. “A maioria das pessoas pensa que o frio e a escuridão aumentam o foco da doença e do suicídio, mas o maior índice de mortes é ao meio-dia, quando a luz está em seu ápice. A pessoa entra em conflito com aquilo e pensa ‘por que está todo mundo lá fora e eu aqui?’”, explica Sofia Mariutti, editora do livro na Companhia das Letras. “Em dias frios, está todo mundo em casa, triste e quieto. O depressivo não so-fre com a comparação, está todo mundo igual a ele”, conta ela. Para aproveitar o gancho, a nova edição traz na capa a pintura de Van Gogh, A noite estrelada, onde aparece um sol no meio da noite.

AS COMPLEXIDADES DA DOENÇANão é à toa que a depressão é considerada uma

doença complexa. “O mundo contemporâneo demo-nizou a depressão, o que só faz agravar o sofrimento dos depressivos com sentimentos de dívida ou de cul-pa em relação aos ideais em circulação”, afirma Maria Rita Kehl em seu livro O tempo e o cão. Portanto, “a tristeza, os desânimos, as simples manifestações da dor de viver parecem intoleráveis em uma sociedade que aposta na euforia como valor agregado a todos os pequenos bens em oferta no mercado”.

Justamente por isso, a comparação (ainda mais nesta época onde a “felicidade” reina na internet) pode ser um fator agravante, “estar no meio de gente muito alegre piora o isolamento do depressivo. É pro-vável que mais pessoas tentem o suicídio no Carnaval de Salvador do que no inverno londrino”, esclarece Kehl, “mas isso é muito superficial, não dá para dizer que a comparação causa depressão. Ela apenas agrava o sentimento de solidão do depressivo”.

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Para Solomon, o diagnóstico é tão complexo quanto a doença. “Os pacientes perguntam aos mé-dicos o tempo inteiro: ‘Estou deprimido?’, como se o resultado pudesse ser obtido através de exame de sangue. O único modo de descobrir se alguém está deprimido é escutar e observar a si mesmo.”

Em termos científicos, a depressão é um desequi-líbrio do cérebro no qual os neurônios não respon-dem bem aos estímulos, “é uma patologia que atinge os mediadores bioquímicos envolvidos na condução dos estímulos através dos neurônios, que possuem prolongamentos que não se tocam. Entre um e outro, há um espaço livre chamado sinapse, absolutamente fundamental para a troca de substâncias químicas, íons e correntes elétricas. Essas substâncias trocadas na transmissão do impulso entre os neurônios, os neurotransmissores, vão modular a passagem do estí-mulo representado por sinais elétricos. Na depressão, há um comprometimento dos neurotransmissores responsáveis pelo funcionamento normal do cérebro”, explica Drauzio Varella.

QUEM É DEPRESSIVO?O homem é um ser complicado. Mais do que isso,

na contemporaneidade, é controverso e incorpora, como ninguém, ainda segundo o livro da doutora em psicanálise Maria Rita Kehl, “as contradições: potên-cia e impotência, resignação e revolta, ordem e de-sordem”. E, portanto, é para lutar contra essa falta de

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ordem que cria uma luta interna, um diálogo con-sigo, para revoltar-se contra o mundo, tendo cons-ciência de sua própria existência e posição. São esses homens, com suas lutas silenciosas, que se encaixam no quadro da depressão e são incapazes de “corres-ponder aos desígnios do Outro nas sociedades regi-das pelo imperativo da felicidade, da predisposição permanente a divertir-se e a gozar”.

É necessário usar a franqueza. No calhamaço de Solomon – o livro tem 579 páginas –, o escritor deixa claro: “Não façamos rodeios: não sabemos de fato o que causa a depressão. Não sabemos de fato o que constitui a depressão. Não sabemos de fato por que certos tratamentos podem ser eficazes para a depres-são. Não sabemos como a depressão abriu caminho através do processo evolutivo. Não sabemos por que alguém fica deprimido em circunstâncias que não perturbam outro. Não sabemos como a vontade ope-ra nesse contexto”.

Mas, ainda assim, podemos lidar com núme-ros. Para se ter uma ideia, “só nos Estados Unidos, estima-se que 3% da população sofra de depressão crônica, ou seja, cerca de 19 milhões de pessoas, das quais 2 milhões são crianças. No Brasil, cerca de 17 milhões de pessoas foram diagnosticadas como de-pressivas nos primeiros anos do século 21”, relata a psicanalista Maria Rita Kehl. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até o início dos anos 2000, 6% da população mundial era acometida pela doença (seis em cada dez, na América Latina, não procuram ou não conseguem ajuda) e, até 2020, o problema será a segunda maior causa de mortalidade. No final são, no total, 350 milhões de pessoas no mundo que se encaixam no quadro da depressão.

Ainda dentro desses números, as porcentagens detalham: “Um norte-americano adulto com depres-são teria sua doença identificada em apenas 40% das vezes. (...) A estatística tradicionalmente fornecida é de que 15% dos deprimidos cometerão suicídio”.

Os números, se não assustadores, são – segundo a autora – fator curioso em uma comunidade que pro-move o gozo em qualquer circunstância, “uma socie-dade que parece essencialmente antidepressiva tanto no que se refere à promoção de estilos de vida e ideais ligados ao prazer, quanto na oferta de novos medica-mentos para o combate das depressões”.

Talvez seja por isso que raramente a depressão é pauta. Com a desculpa de que falando sobre tal tema corremos o risco de aumentar sua incidência, a doen-ça fica no canto, escondida entre outros assuntos, por vezes mistificada e ridicularizada. Para tentar facili-

tar, a OMS, em parceria com o escritor e ilustrador Matthew Johnstone, criou uma animação na qual a depressão é representada por um grande cachorro preto, que persegue o indivíduo por toda a parte. No vídeo, o cão aparece em diversas circunstâncias, sem razão ou ocasião: “Eu tinha um cachorro preto que chamava Depressão e toda vez que ele aparecia eu me sentia vazio e a vida parecia se tornar mais lenta. Ter um cachorro preto não é se sentir triste ou para bai-xo, é pior, é não ter a capacidade de sentir”, conta o vídeo. Confirmando a frase de Solomon, que diz que “o oposto da depressão não é a alegria, mas sim a vita-lidade”, o projeto aproveita para mostrar que a depres-são pode ser tratada e, na figura do animal, domesti-cada. “Eu via tudo através do cachorro, mas tomar os passos certos e conversar com as pessoas certas po-dem fazer os ‘dias de cão’ passarem”, finaliza o vídeo.

ESTADO DE ÂNIMO NÃO É CARÁTERSendo a doença mental uma etapa na vida do

doente (normalmente mais do que uma), é importan-te entender que fases podem passar, por mais difíceis ou duradouras que pareçam. Por isso, a depressão não deve e não pode definir o caráter ou a personali-dade de quem a tem.

Em uma reunião importante de psiquiatria, o vice--presidente atual dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma boa metáfora sobre os cuidados e as etapas da doença, que aprendeu com o filho de um amigo próxi-mo. Imagine alguém à beira de um abismo, segurado por uma fina corda que, se puxada, pode arrebentar. A única maneira de não correr riscos fatais é ajudar a segurar a corda da melhor maneira possível, até que a própria pessoa possa se livrar do abismo.

“A depressão é uma estação, e eu passo por ela como pelo inverno, condicionalmente. Aprendi a imaginar que estou me sentindo bem mesmo quando estou no fundo do poço – e essa habilidade infunde na escuridão demoníaca da luz do meio-dia”, explica Solomon. “Eu não previra a vulnerabilidade imensa dos deprimidos. Nem percebi de que maneira com-plicada essa vulnerabilidade específica interage com a personalidade. Mas, ao tentar separar a doença da pessoa e o tratamento da pessoa, desconstruímos essa pessoa até o nada.”

Maria Rita Kehl ainda defende que as doenças psíquicas são meramente sociais. “Todos os sintomas psíquicos, de certa forma, são sociais, porque eles só aparecem como sintomas quando o sujeito estranha a si mesmo, quando ele vê que seus atos destoam do que a sociedade diz pertencer à normalidade.”

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| comportamento |

ATO DE CORAGEM“A doença psiquiátrica geralmente revela o lado

medonho da pessoa, mas não a transforma por in-teiro. Às vezes, o lado medonho é patético, carente e faminto, qualidades que são tristes, mas tocantes; às vezes o lado medonho é brutal e cruel. A doença traz à luz as dolorosas realidades que a maioria das pes-soas aprisiona na escuridão”, explica Solomon.

Justamente por isso, é importante falar sobre ela. Os inúmeros perfis apresentados quando tal patolo-gia vira pauta fazem com que as pessoas que passam por ela consigam abrir sua mente e procurar ajuda. “A dor merece sair do armário, assim como a sexua-lidade, e o escritor tira tudo lá de dentro, não deixa nada pra trás”, conta a editora Sofia Mariutti. “Seus trabalhos de fôlego, que envolvem pesquisas amplas, passam por questões pessoais, e talvez por isso sejam tão empáticos. Quase sempre, sair do armário acaba sendo um gesto pelo outro.”

O depressivo deve entender que passar pelos está-gios da doença já é, por si só, o maior ato de coragem. Solomon ainda diz: “As pessoas deprimidas devem ter em mente que os bon vivants que menos toleram sua companhia talvez sejam eles mesmos”, ou, em outras palavras, a doença resiste à possibilidade do gozo e traz consigo uma culpa que só existe para quem a possui, “o depressivo culpa-se diante do ‘supereu’ por não tirar proveito de sua traição. Sente-se culpa-do por não ter sido capaz de corresponder aos ideais contemporâneos de bem-estar e felicidade”, diz Maria Rita Kehl.

O TRATAMENTOA partir deste viés, a teoria de “não pertencimen-

to” de quem tem a doença se torna simbólica, já que

as ideias de pertencer a algo nada mais são do que imagens especulares, criadas por uma sociedade do espetáculo onde, por trás das cortinas, ninguém se sente parte de nada. Todos sofrem com a alienação e a ideia do Eu Ideal que, ao não ser alcançado, traz a culpa e, principalmente para os depressivos, a angús-tia e a melancolia.

Para amenizar a singularidade do sofrimento, o depressivo costuma buscar a química. O problema é que, com isso, também se nota um empenho da in-dústria farmacêutica em “difundir técnicas de diag-nóstico favoráveis ao uso (quando não ao abuso) dos antidepressivos lançados a cada ano no mercado” e, por ser singular, que a dor tem sido banalizada “por uma ala de psiquiatria que, aliada à indústria farma-cêutica, esforça-se por reduzir as depressões a um so-matório de transtornos”, explica Kehl. “Junto com a medicação, o que se vende é, sobretudo, a esperança de que o depressivo possa rapidamente normalizar sua conduta sem ter de se indagar sobre seu desejo.”

Apesar do discurso, não existe técnica ou trata-mento universal. Todos os bons textos debatem, jus-tamente, que as pessoas devem procurar o que as faz melhor, unicamente, e nunca ir pelo que agrada o ou-tro. “A depressão é um estado quase inimaginável para alguém que não a conhece. Todos gostaríamos que o Prozac resolvesse o problema, mas, na minha expe-riência, não resolve, a não ser que o ajudemos. Esse tipo de conselho é lugar-comum e soa bobo, mas o ca-minho mais certo para sair da depressão é não gostar dela e não se acostumar com ela”, finaliza Solomon.

No final, há maneiras de levar uma boa vida, mes-mo com a depressão. Apesar de piegas, é só tentarmos receber a dor da melhor maneira que pudermos, pois algum dia ela será útil. c

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PARA O ALTO E AVANTE!NADA COMO UMA BOA GARGALHADA COM ADÃO ITURRUSGARAI,

RAFAEL SICA E STÊVZ PARA NÃO DEIXAR A TRISTEZA REINAR

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Guerras e violência fazem parte da história da humanidade. Povos lutam contra outros povos, desde tempos remotos, por questões territoriais, culturais, religiosas, sociais e econômicas, entre inúmeras outras. Até mesmo dentro de um gru-po único, disputas por poder, amor, dinheiro, bens materiais também custam milhões de vidas ano após ano.

A violência é hoje a principal causa de mortes entre os jovens em muitos países, como o Brasil. Mas será que agredir e matar na disputa por alguma forma de poder é uma ação exclusivamente

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JAIRO BOUER ADORARIA QUE AS PESSOAS FIZESSEM MUITO MAIS AMOR E NENHUMA GUERRA!

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UMA EVOLUÇÃO DA MORAL E DA VIOLÊNCIA?

humana? Se justiça, respeito, moral e ética funcionassem de forma plena (uma utopia, claro), seríamos capazes de evitar as matanças?

Um novo estudo, publicado em setembro na revista Nature, mostra um aspecto intrigante da relação de outros primatas com a guerra. Entre nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, quase dois terços das mortes violentas decorrem de con�itos entre grupos rivais. O resultado vai contra a teoria defendida por muitos especialistas, que relaciona as disputas letais à interferência huma-na (perda de território, desmatamento, caça etc.).

Os pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos EUA, acompanharam dados de 150 mortes violentas em 18 colônias de chimpanzés e em quatro de bonobos (outro primata muito pró-ximo geneticamente aos humanos). A violência encontrada teve relação muito mais direta com disputa entre grupos do que com a degradação ambiental.

Em mais um aspecto, o comportamento bélico dos outros primatas se aproximou do nosso: 90% dos ataques fatais foram praticados por machos e 70% das vítimas desses ataques eram também machos.

Deixando agora a violência de lado, encontramos dados in-teressantes ao mergulhar na discussão da moral. Os dicionários de�nem moralidade como um conjunto de fundamentos (virtu-des, bons modos, bons costumes, ética, honestidade, entre outros). Será, então, devida à so�sticação de seus arranjos sociais que a moralidade é uma construção exclusivamente humana? E mais, será que ela é sempre organizada de cima para baixo, de�nida por um sistema político que determina quem manda e quem obedece?

No livro O bonobo e o ateu: Em busca do humanismo entre os primatas, de 2013, um dos mais conceituados primatólogos da atualidade, o holandês Frans de Waal, demonstra em primeiro lu-gar que a moralidade não é exclusiva dos humanos, sendo obser-vada em diversos grupos animais.

Waal vai mais longe e argumenta que a base para essa morali-dade está presente ao longo da nossa história evolutiva e que ela foi construída de baixo para cima. Ou seja, mesmo sem religião, cas-tas ou poder de determinados grupos, a sociedade humana (desde suas formações mais antigas) já convivia com uma moral própria, que permitia aos seus membros se relacionar. Da mesma forma que bonobos e chimpanzés cuidam de amigos e familiares doentes e sabem retribuir favores, os humanos pré-históricos já faziam isso também, sem precisar que alguma instância superior de�nisse o que é certo ou errado.

Mas, mesmo construída pelos anseios do grupo sobre uma base de comportamento que evoluiu com os primatas, a moral muitas vezes é incapaz, por si só, de controlar con�itos, guerras e mortes violentas. Não é à toa que chimpanzés e humanos seguem sendo trucidados em guerras que parecem não ter �m, embora isso nos choque e sensibilize. Já os bonobos parecem ter resolvido muito me-lhor essa questão. No estudo da Nature, foi constatada apenas uma morte violenta em brigas com grupos rivais. Ganha um prêmio quem adivinhar que artifício eles usam para reduzir estresse e dimi-nuir os conflitos! Já sabe? Acertou quem disse sexo! c

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Existem algumas datas muito im-portantes para a literatura brasi-leira! Em 1975, foi lançada a co-letânea 26 poetas hoje, organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, mesmo ano em que saiu a primei-ra edição de Catatau, de Paulo Leminski. Já em 2012, Angélica Freitas lançou Um útero é do ta-

manho de um punho e Ademir Assunção publicou A voz do ventríloquo. Em 1930, Carlos Drummond de Andrade estreou com Alguma poesia e Murilo Mendes, com Poemas, além de ter sido publicado Libertinagem, de Manuel Bandeira.

Para o poeta e professor Júlio Castañon Gui-marães, um dos organizadores do relançamento e especialista na obra do autor de A idade do serrote, há uma diferença evidente entre os três citados de 1930: “No caso de Manuel Bandeira, o Libertina-gem é uma espécie de ponto alto a que ele che-ga depois de um longo trajeto iniciado antes do modernismo. Já no dos outros dois, eles surgem alguns anos depois da Semana de Arte Moderna, trazendo incorporadas grandes discussões postas em circulação pelo movimento”.

Tendo em vista seus pares, Poemas surpreen-deu não apenas por ter sido laureado com o Prê-mio Graça Aranha, mas especialmente por conta da mais emblemática frase de Mário de Andrade no artigo Poesia, em 1930: “Historicamente o mais importante dos livros do ano”. É claro que a versão original não era absolutamente glamourosa, fora bancada pelo pai do poeta, Onofre Mendes, e re-unia sua produção entre 1925 e 1929. Felizmente, glamour é item prescindível para qualquer obra--prima digna desta classificação. Além do mais, signi� ca dizer que Murilo escreveu esses versos já submerso pelo tsunami modernista. A� nal, desem-barcara ainda em dezembro de 1920 na então capi-tal federal, Rio de Janeiro, onde poetas, escritores, pintores, enfim, uma horda de dessacralizadores bebiam o elixir das rupturas na orla de Copacabana.

Ao tremendo elogio de Mário de Andrade ca-beria uma resposta, que foi remetida através de cartas. Duas delas, dispostas no Instituto de Estu-dos Brasileiros da USP, foram anexadas à reedição de Poemas. No primeiro parágrafo da missiva de 11 de dezembro de 1930, se lê: “Suas observações sobre a elasticidade do meu temperamento são exatas e ninguém as tinha feito ainda, a não ser dois ou três íntimos amigos meus. Aliás, é uma qualidade do brasileiro, acho que em parte isso

provém da falta de peso de tradições cacetíssimas. Acho que o poeta é uma espécie de puta. Ele dá a vida, a todos os espetáculos, sem parti-pris, deles tirando todos os rendimentos possíveis”.

Para Júlio, o relançamento dessas obras – os demais livros chegarão às prateleiras em 2015 – marca um avanço no estudo da produção literária. A� nal, “por diversas razões, elas não têm tido ree-dições, e naturalmente, tendo em vista sua signi� -cação no panorama da literatura brasileira, pôr sua obra de novo em circulação me parece algo funda-mental para que de fato se possa ter melhor acesso à produção literária do modernismo brasileiro”. Na essência, segundo Júlio, a alma de Murilo era, sim, modernista. No entanto, diferente da maioria de seus correligionários de versos, e similar ao caso de Drummond, ele não se prendeu aos postulados do movimento: “Murilo sofreu grande impacto do surrealismo, assim como mais tarde procurou fa-zer uma poesia sintonizada com as inovações dos anos 1950 e 1960”.

É justamente essa multiplicidade de propostas poéticas que se pretende abarcar com a Antologia poética, cuja edição especial conta com parceria do Museu de Arte Murilo Mendes, localizado em Juiz de Fora, cidade mineira na qual o escritor nasceu, em 13 de maio de 1901. Essa edição trará reproduções desta coleção através do trabalho de Miró, Léger, De Chirico, Max Ernst, Portinari, Guignard, Flávio de Carvalho e outros. Ambos posfaciadores são os organizadores das obras, além de Júlio, o professor Murilo Marcondes de Moura, cujo foco de pesquisa na USP está voltado aos modernistas, a exemplo de seu xará. Em As passagens do poeta, Marcondes re-força o caminho singular traçado pelo mineiro, cuja obra se impõe mais pelas diferenças do que pelas semelhanças com grandes escritores, contemporâ-neos dele: “Seu lugar na história da lírica brasileira do século 20 é antes deslocado e dissonante, como se as aproximações anteriormente sublinhadas fos-sem apenas de contorno ou caráter muito geral”.

As aproximações referidas são, de qualquer for-ma, notáveis. Nos dois primeiros livros – Poemas e O visionário –, lembra Marcondes, há os maiores pontos de contato com o modernismo primordial, expondo o “humor sarcástico” e a “linguagem desabusada”, características de Bandeira, Mário, Oswald e, sobretudo, Drummond. A conversão de Murilo ao catolicismo – em grande medida in-� uenciado pelo amigo e grande pintor surrealista Ismael Nery – foi impactante para sua poética, o que o levou a aproximar-se de Jorge de Lima, que FO

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Cabeça do poeta Murilo Mendes feito em gra� te sobre papel, em 1951, por Flavio de Carvalho; o poeta mineiro fotografado por Silvio da Cunha, em 1948

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Claro que esta não é nenhuma daquelas monótonas revistas de negócios, com imagens manjadas de caras de ter-no e gel no cabelo! A pega-

da aqui é mais cult, mas... A aposta é que nossos leitores e leitoras devem conhecer alguém que se encaixa no per�l do executi-vo da corporação. E de repente, se for este o caso, manda a URL para o cara ou ar-ranca a página e coloca na bolsa da moça.

Primeiro, o título. Corporação é um nome mais cool para o que antes se chamava empresa. Se a empresa vai bem, vira corpo-ração. Se vai mal, vira �rma. Bem ou mal, na liderança do negócio, havia sempre alguém que entendia dele. Um conhecimento táci-to, que seria explicitado na hora adequada, para orientar um gerente ou um grupo de empregados, hoje chamados de colabora-dores. Os mecanismos para transformar o conhecimento tácito em explícito eram mui-to simples. O mais comum era a transmis-são oral mesmo, tipo a tradicional reunião com o chefe. No máximo, com a ajuda de um quadro negro ou branco, folhas de papel presas em um cavalete – que hoje se chamam flip chart – e até algumas transparências.

Aí vem a tecnologia. Principalmente aquela que pode ser usada na captura e di-vulgação da informação, como forma de promoção do conhecimento. Tecnologias que modi�cam imagens e as colocam na se-quência que ilustra uma lógica pessoal. Cap-turam e criam sons que podem ser associa-dos às imagens. E geram textos elaborados com certa super�cialidade, mas com aparên-cia de publicação cientí�ca. Todas essas tec-nologias oferecem uma função largamente usada: copiar e colar! E se há um agregado produtivo que usa essas tecnologias além do limite do bom senso, este agregado é a corporação. Mas não sem consequências...

O que é verdade na corporação de hoje? O que está no slide que o chefão da corporação está mostrando e descre-vendo com grande entusiasmo? Será? Caso ainda pior: ele, o chefão, mostra um slide com coisas que todos sabem que não são bem assim, mas que a área de Comunicação construiu com um vi-sual lindão. E ajustou o discurso do cara

| coluna | fabio gandour

FABIO GANDOUR É CIENTISTA-CHEFE DA IBM RESEARCH E SUSPEITA QUE O DIÁLOGO CORPORATIVO É MAIS UM TEATRO DO QUE UMA OBSERVAÇÃO DA REALIDADE.

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A CORPORAÇÃOpara que tudo pareça a descrição mais pura da realidade. Tudo por conta de Pho-toshops, PowerPoints, Excel e Prezis, este último com um efeito meio embriagante.

O cenário que se avalia é o do design e o do discurso, sem muita preocupação de saber se grá�cos e ilustrações re�etem a realidade dos fatos e se o discurso não passa de retórica vazia.

En�m, a cultura do copy & paste permite que uma pessoa colete os argumentos criados para sustentar o discurso de outra. Mesmo sem ter o conhecimento da outra – que pode até ser de má qualidade –, sai verbalizando coisas que a transformam em uma pseudoautori-dade. A repetição cíclica deste processo constrói uma linha de raciocínio frágil e efêmero. E, dependendo da autoridade de quem fala, a linha de raciocínio vira o norte da corporação.

Isto que está descrito aqui não é apenas uma situação hipotética. Ela já aconteceu em uma grande corporação. Grande mesmo! Onde nada ia mal e os slides das apresentações eram sempre lindos! O discurso era sempre otimista. E o resultado era um horror!

Até que o chefão notou que todos estavam mentindo aos superiores e entre eles mes-mos. E resolveu promover a cultura da verdade: o primeiro que lhe disse algo verdadeiro foi promovido! Só que, até que se limpe o ranço desta cultura enganosa de dar apenas boas notícias, vai um tempo. Ei, comece aí a promover a verdade antes que a corporação vire �rma, a �rma vire boteco e o boteco feche as portas! Primeira medida prática: esquece a ilustração e me conta o que está acontecendo...

Resummary: Sem que se perceba claramente, alguns ambientes pro�ssionais praticam uma cultura que promove só boas notícias! E aí, claro que nem tudo que se diz é verdade. Portanto, abra o olho! A corporação pode estar mentindo!

Escrwitter: Experimente explicar algo para o seu chefe sem usar imagens no computador. Tá bem... Pode fazer, no máximo, três slides. Mas cada um não pode ter mais do que 50 palavras! c

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| música |

P O R R E N A T A V O M E R O

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universo infantil abarca diversas cores, cheiros, formas e sabores que con-fundem os sentidos dos adultos. Alguns infantilizam os pequenos na ten-tativa de aproximar-se desse mundo, já outros tratam as crianças de igual para igual na busca de uma construção mútua de conhecimentos. Esse é o caso dos músicos Sandra Peres e Paulo Tatit, criadores do selo Palavra Cantada. A ideia era simples: inventar novas canções para as crianças brasi-leiras respeitando sua inteligência e sensibilidade. Deu certo! A dupla com-pleta, neste mês, 20 anos com mais de 20 lançamentos, e o segredo, afirma Tatit, está na força das canções. Em comemoração pelas duas décadas da iniciativa, está sendo lançado um box de DVDs, intitulado Palavra Canta-da para ficar com você, com cinco grandes trabalhos da dupla: Canções do Brasil, Pé com pé, Vem dançar com a gente, Brincadeiras musicais e Pauleco e Sandreca. Além disso, eles acabam de lançar na 23ª Bienal do Livro de São Paulo, realizada em agosto último, as canções Eu e A incrível história do Dr. Augusto Rushi – O naturalista e os sapos venenosos em versão literária.

O PALAVRA CANTADA COMEMORA SEUS 20 ANOS DE EXISTÊNCIA SEM DEIXAR DE LEVAR PARA AS CRIANÇAS A MELHOR FATIA

DO BOLO DO APRENDIZADO E DA RELAÇÃO COM A ARTE E O MUNDO

CAFÉ COM LEITE DE SUSTÂNCIA

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| miniping | henry jenkins e sam ford

P O R C L A R I A N A Z A N U T T O

#MÍDIASSOCIAIS #PROPAGAR #ALASTRAR

#INVADIR #COLONIZAR

#DIFUNDIR #CRISE

#AUDIÊNCIA

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A seguinte frase, escrita

em letras garrafais,

estampa a contracapa

de Cultura da conexão:

Criando valor e

significado por meio

da mídia propagável:

“Aquilo que não se propaga, morre”. Essa

máxima simples, porém definitiva, norteia

a análise de três grandes pensadores da

mídia moderna – Henry Jenkins, diretor do

Programa de Estudos de Mídia Comparada

do MIT (Instituto de Tecnologia de

Massachusetts), professor na Universidade

do Sul da Califórnia e autor de vários

livros sobre mídia e comunicação,

entre os quais Cultura da convergência;

Sam Ford, diretor de Engajamento da

Audiência da agência Peppercomm

Strategic Communications; e Joshua

Green, Estrategista da Undercurrent,

empresa de estratégia digital – nesta

leitura obrigatória para estudiosos de

comunicação e pessoas envolvidas na

criação e propagação de conteúdos de mídia.

Partindo de um cenário de transição

do universo da comunicação, Jenkins,

Ford e Green analisam o movimento na

direção de um modelo mais participativo

de cultura, em que o público não é visto

como mero consumidor de conteúdo, e sim

como agente criador de valor e significado.

Em uma conversa com a Revista da Cultura,

Jenkins e Ford deram uma aula sobre

como as mudanças que ocorrem em nosso

atual ambiente de mídia afetam tanto as

empresas, que já não controlam a criação

e a propagação de conteúdo, quanto a

audiência, que promete fazer cada vez mais

barulho, discutindo, reagindo e espalhando

seus interesses e críticas pelas diferentes

modalidades de mídia.

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tuição de caridade tradicional que está buscando conscientizar e levantar dinheiro [para patrocinar pesquisas sobre a cura da Esclerose Lateral Amiotró�ca] e optou por fazê-lo por meio de cultura participativa e mídia propagável. Uma vez que o mode-lo básico do desa�o do balde de gelo foi estabelecido, todos os tipos de pessoas reformularam-no para melhor se comunicar dentro de suas próprias comunidades. Certamente, celebridades da mídia de massa desempenharam um papel ao inaugurar este fenômeno, mas, na maioria das vezes, por meio do uso de suas próprias mídias sociais em vez dos meios de comunicação. O que deu força a isso foi o número de pessoas comuns que �zeram o desa�o, criando vídeos, passando-os através de suas redes e de-sa�ando outros a fazer o mesmo.

Por que o conteúdo gerado pelo usuário, seja ele um fã seja apenas um consumidor de uma marca, não costuma ser muito bem-visto por certas empresas?SF: As empresas não sabem muito bem como trabalhar com as pessoas que não estão dentro de suas organizações. Há todos os tipos de potenciais rami�cações legais e regulamentares. Existem as preocupações típicas com a marca registrada e os direitos auto-rais. Há uma falta de recursos destinados à verdadeira escuta para ser capaz de identi�car e compreender corretamente o contexto do conteúdo gerado pelo usuário, que pode ser criado sobre ou em torno de uma empresa. E, mesmo quando um texto pode ser totalmente complementar à marca, gerentes podem sentir que não terão muito crédito para ideias que não vieram deles mesmos. HJ: Se mudarmos a nossa atenção para marcas de entreteni-mento, vários outros fatores entram em jogo. Artistas popula-res, muitas vezes, não querem abrir mão do controle para o seu público – mesmo que só um pouco –, em parte porque preci-sam lutar por cada pouco de liberdade criativa de que gozam de empresas de produção, redes e marcas. Em segundo lugar, existe uma ansiedade sobre o controle legal: o que vemos em muitas empresas é que as divisões criativas de marketing que-rem transferir mais poder para os consumidores, cada um por suas próprias razões, enquanto o departamento jurídico ainda funciona como uma voz conservadora, procurando regular a participação do público com as suas obras, a fim de proteger o valor de sua propriedade intelectual.   Ouvir a audiência, se importar com ela e dar atenção aos seus desejos e necessidades são tão importantes quanto formas eco-nômicas e administrativas de gerência. Empresas que não dão importância a isso podem, em médio ou longo prazo, dar adeus aos negócios? SF: Empresas constroem gradualmente a sua marca nas mentes de pessoas ao longo do tempo. Isso toma uma grande quantidade

de tempo e energia. As empresas que têm grande dose de ambição podem ser capazes de montar essa reputação por algum tempo, mesmo que elas se encontrem fora de sincronia com o seu público. Mas não serão capazes de fazê-lo por muito tempo. A boa reputa-ção não vai compensar um produto obsoleto, um serviço horrível para o cliente, práticas de negócio que dão pouca atenção a desejos e necessidades da comunidade por muito tempo, ou um preço que não corresponde ao que as pessoas estão dispostas a pagar para sempre. E as empresas que acumularem pouca boa vontade vão achar que não têm força em sua reputação para aguentar caso se encontrem em crise. Muitas companhias construíram sua reputa-ção em um momento em que a publicidade de mercado de massa tinha mais chance de provocar impacto. Mas, hoje, a reputação é mais importante do que nunca, e as empresas encontram-se vul-neráveis frente a isso – e devem estar mesmo.

Para quais caminhos nossa cultura atual, atrelada à participa-ção cada vez maior do público, está nos levando?HJ: Este é um dos pontos do meu próximo livro, cujo título pro-visório é By Any Media Necessary: Mapping Youth and Participa-tory Politics. O foco é principalmente sobre a evolução nos Estados Unidos, mas estamos vendo desenvolvimentos paralelos em todo o mundo, inclusive no Brasil, como os movimentos de protesto que usaram a Copa do Mundo para chamar a atenção de alguns desa�os que seu país está confrontando. Basicamente, o livro ar-gumenta que, em muitos aspectos, a democracia americana está quebrada, o governo está em um impasse, muito dinheiro controla os líderes políticos, há esforços ativos para limitar o registro de vo-tação, e os meios de comunicação estão cada vez mais partidários e concentrados. Ao mesmo tempo, estamos vendo as pessoas uti-lizarem suas capacidades de comunicação expandida, tendo maior controle sobre a circulação, para tentar moldar a opinião pública e trazer a mudança política através da agenda cultural. Esta ideia vai além de Facebook ou Twitter como espaços mais citados para o debate público e a mobilização.

E qual futuro vocês enxergam na mídia propagável?HJ: Estamos vendo jovens usando qualquer e todas as ferramentas de comunicação disponíveis para obter a sua mensagem. E estamos vendo-os fazer remix de seus ícones e histórias tiradas da linguagem comum da cultura popular a �m de criar conteúdo de mídia que querem espalhar através das redes sociais. Em alguns casos, essa produção de mídia e circulação captura a atenção dos jornalistas tradicionais e gatekeepers, que ampliam ainda mais a sua mensagem. Às vezes, eles estão atingindo públicos maiores do que qualquer �l-me de sucesso ou série de televisão popular por meio das mídias sociais. Eu a�rmaria que este é o caminho que o futuro da política participativa e da mídia propagável está tomando. c

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“Se você está ouvindo ou lendo estas ins-truções, é porque chegou o momento. Do colapso. Do Fim. Da Morte. Mas não tenha medo. Mais cedo ou mais tar-de, isso aconteceria. Não dependia só de você. Mas de uma série de elemen-tos, abandonos, ações do vento, da aci-dez do ar, acasos... Observe os sinais ao redor. Já está acontecendo. Rachadura.

Goteira. Musgo. Ferrugem. Cupim. Buraco. Não há possibilidade de retorno, os elementos continuarão agindo. Sobre tudo. Sobre você.”

O discurso acima, parte integrante do espetáculo Instruções para o colapso, é lido depois que, no meio da rua, da praça, por uma hora, um público formado por turistas, ambulantes, moradores de rua, pregado-res – no caso desta tarde, na Praça da Sé, em São Paulo – vê os corpos dos atores frágeis, tombando, deslizando pelo chão, rolando escada abaixo, colapsando. “O objetivo é que o público veja que esse corpo passou por uma experiência, uma transformação, e que ele se funde com a cidade de alguma forma”, conta a atriz Carolina Nóbrega que, juntamente com a arquiteta Fabiane Carneiro e a historiadora Mônica Lopes, fundou, em 2011, o grupo de dança contemporânea Coletivo Cartográ�co.

E por ser ensaiado e apresentado na rua, os acontecimentos deste es-paço público in�uenciam a dança, que, consequentemente, in�uencia os acontecimentos. “O que mais pega são esses atravessamentos constantes que a rua provoca. É um ambiente de risco e de simultaneidade. Um uni-verso que existe em si, a priori, somado à nossa interferência, sendo que nós não temos a condição de perceber tudo o que está acontecendo, todo esse universo que acaba fazendo parte do espetáculo”, conta Mônica Lopes.

DERIVAS URBANASComo é alguém vivenciar um roteiro, um mapa de

ações criado por outra pessoa? Para responder a essa questão, o grupo criou um exercício chamado “derivas urbanas”: caminhar a esmo pela rua, a partir de “progra-mas”, regras que não podem ser desobedecidas durante a experiência. Por exemplo: toda vez que encontrar alguém falando no celular, virar a próxima rua à esquerda. Toda vez que avistar um cachorro, dar meia volta... “Isso faz com que você se perca na cidade, entre em lugares onde não entraria normalmente, seja obrigado a �car uma hora dando voltas no quarteirão. É uma forma de desconstruir o próprio desejo, o automatismo do olhar para a cidade”, comenta Carolina. Como cada dia é diferente para quem está na rua, esse exercício “é uma forma muito potente de você, realmente, se aproximar do espaço público de uma forma aberta, sem pré-ideia. Seja lá onde estivermos nos apresentando, é interessante que estejamos abertas para o que acontecer no aqui e agora”, argumenta Fabiane.

Instruções para o colapso, que passará neste mês por Goiânia e Rio de Janeiro, e em novembro por Recife e Fortaleza – veja a programação em http://coletivocartogra�co.wordpress.com –, foi desenvolvido a partir de uma residência artística, ocupação de uma casa em vias de ser demoli-da no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, em que as três bailarinas/performers estudaram tipos de demolição existentes: explosão, implosão e tombamento. Elas buscavam analogias na dança com o intuito de vivenciar no corpo o processo urbano: “A cidade está o tempo todo se remodelando, demolindo e reconstruindo, obrigando seus habitantes a fazer o mesmo – mudar de percurso, de estratégia – diariamente, para sobreviver”, salienta Carolina. “Em vez da cidade comumente representada com uma arquite-tura rígida, imutável, dura, a busca foi pelo trânsito, uma cidade sempre à beira de um colapso.”

Juntas, elas inventaram um glossário, inspirado em uma criação do es-critor argentino Julio Cortázar (1914-1984): o Manual de instruções, uma das quatro partes do seu sexto livro, História de cronópios e de famas, no qual ele satiriza as situações repetitivas que os seres humanos fazem de for-ma automática, propondo instruções como, por exemplo, para subir uma escada: “Subir as escadas de frente, porque a subida de costas ou de lado é, particularmente, incômoda. A atitude natural consiste em manter-se de pé, os braços balançando sem esforço, a cabeça erguida, mas não tanto, para permitir que os olhos vejam os degraus imediatamente superiores ao qual se pisa. Respirar lenta e regularmente”.

A diferença do glossário do Coletivo para um manual de instruções comum é que, em vez de servir à e�ciência, convém para permitir uma experiência de fragilidade.

AS VIAS DO DIA A DIAExiste um discurso de que dança con-

temporânea é elitista, necessita de um pú-blico com cultura su�ciente para entender o que está acontecendo em cena. A pro-posta, então, é colocar essa dança em risco: tirá-la desse lugar protegido, hermético, do teatro e levá-la à rua.

No meio do processo de criação do es-petáculo, aconteceram as manifestações de junho do ano passado. Tudo o que estava em um lugar mais poético, delicado e mais distante da concretude dos acontecimen-tos ganhou outro significado: “Tá todo mundo querendo uma instrução para o colapso, precisando que algo seja destruí-do para outra coisa advir. Começamos a pensar que estávamos fazendo uma coisa em consonância com um desejo muito mais geracional, global”, conta Carolina.

Hoje em dia, existe uma demanda, um movimento, impulsionado também pelas manifestações, de ocupação da rua e da ci-dade. “De que forma nós não �camos re-féns da cidade?”, questiona Fabiane, que conclui: “A gente tem de experimentá-la. Fazemos a cidade o tempo inteiro, seja es-tando, seja construindo uma casa, circu-lando. Chega dos espaços contenedores, da vigilância. Como você consegue se apropriar da cidade?”. c

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MEDO E LITERATURA: UMA RELAÇÃO ANCESTRAL

| coluna | oscar nestarez

OSCAR NESTAREZ É ESCRITOR E PESQUISADOR DE LITERATURA FANTÁSTICA, COM ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DA ARTE. É AUTOR DE POE E LOVECRAFT: UM ENSAIO SOBRE O MEDO NA LITERATURA E SEXORCISTA E OUTROS RELATOS INSÓLITOS. ACREDITA QUE NADA É MAIS SABOROSO QUE UM BOM RELATO DE HORROR – COM A EXCEÇÃO, TALVEZ, DE DOCE DE LEITE.

As origens da narrativa sobrenatural se perdem na noite dos tempos. Desde o instante em que conseguiu articular um discurso minimamente inteligível, o homem assusta a si mesmo. Desamparado em um mundo feroz e trove-jante, a vociferar contra sua existência, nosso mais lon-gínquo parente primata era também curioso e buscava explicar, a si e aos de sua espécie, aquilo que lhe fugia à compreensão. As tempestades, o fogo, as bestas; um

imenso terreno, até então intocado pela ciência, inspirou as mais delirantes narrativas que, sopradas pelo ancião da tribo em ouvidos atentos ao redor da fogueira, amedrontavam, arrepiavam e, acima de tudo, fascinavam.

Os séculos se acumularam, o homem entendeu o mundo, mas o fas-cínio continuou lá. Graças a ele, relatos insólitos ocuparam primeiro as paredes de cavernas, depois pergaminhos, e, en�m, as páginas de epopeias e livros religiosos. Mas é a partir do século 18 que os textos sobrenaturais se a�rmam como tais. E isto se deve a O castelo de Otranto, do inglês Ho-race Walpole. Considerado o marco inicial da literatura gótica, o romance reúne, pela primeira vez, elementos como ambientação medieval, castelos sombrios, personagens satânicos e fantasmas. E, por seu propósito de as-sustar simplesmente, sem qualquer intenção moralizante ou doutrinadora, a obra inaugurou uma corrente estética.

A partir daí, nada foi como antes. Para fugir às rajadas de razão que varriam a Europa iluminista, mais e mais autores recorreram às sombras do passado em busca do inspirador desconhecido. Vozes como as de Ann Radcli�e, Mary Shelley e tantas outras se destacam; porém, é um autor alemão, E. T. A. Ho�mann, que insere, nos relatos sobrenaturais, um com-ponente que haverá de marcá-los profundamente até hoje: o psicológico.

Como todo grande escritor, Ho�mann soube combinar tradição e mo-dernidade em seu conto O homem de areia. Escrito em 1816, quase um sé-culo antes da teoria psicanalítica de Freud, o texto transita pelas regiões es-curas da mente do protagonista, Natanael, e traz à baila conceitos como o de duplo e alucinação. Inquietante e imaginativo, esse conto de Ho�man esta-beleceu novas diretrizes para as narrativas sinistras; diretrizes que, alguns anos mais tarde e milhares de quilômetros mais distante, outro autor ex-plorou com um gênio que muitos acreditam insuperável: Edgar Allan Poe.

Pois é praticamente consenso que ninguém fez tanto pelas narrati-vas sobrenaturais como Poe. Ninguém manuseou tão bem as artimanhas góticas, ninguém foi tão longe na �oresta escura da natureza humana, ninguém investiu com tanto vigor contra as paredes que nos separam de possibilidades macabras. Devido a seu talento, senso histórico e espírito crítico, Poe soube explorar com absoluta maestria aquele tão inexplicável fascínio que o horror exerce sobre nós.

E, se, hoje, livros de horror são vendidos aos milhares e milhares, é graças a ele, a Ho�mann, a Walpole e a tantos outros nomes que isto ocor-re. São artistas que, imbuídos daquela urgência ancestral por fabular sobre o desconhecido, sussurraram nos ouvidos atentos da humanidade algumas das histórias mais aterrorizantes – e fascinantes – que jamais existiram. c

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ANGÉLICA, DE CHICO BUARQUE “Foi a música que o Chico fez para a Zuzu Angel [foto da estilista com os �lhos]. Eu a conhecia e dedico este espetáculo a ela. Era uma mãe à procura do �lho.”

O MUNDO MUÇULMANO, DE PETER DEMANT, E POBRE NAÇÃO, DE ROBERT FISK “Os dois livros foram muito importantes, porque me forneceram informações e pude me aprofundar um pouco mais na história do Líbano.”

A FORÇA DE UMA MULHER QUE ENCARA UMA GUERRA CIVIL NO ORIENTE E SE PROPÕE A UM EXÍLIO NO OCIDENTE É O MOTE DA PERSONAGEM NA-WAL, DE MARIETA SEVERO, NA PEÇA INCÊNDIOS, COM DIREÇÃO DE ADERBAL FREIRE-FILHO, EM CARTAZ NO TEATRO FAAP, EM SÃO PAULO. A MONTAGEM BRASILEIRA DO ESPETÁCULO, ESCRITO PELO LIBANÊS WAJDI MOUAWAD, JÁ FOI SUCESSO NO RIO DE JANEIRO E SE MOSTRA UNIVERSAL AO REVELAR OS DESTINOS E SEUS DRAMAS QUE SE ENTRELAÇAM: MÃE, PAI E FILHOS. “ELA É UMA MULHER QUE VIVEU UMA SITUAÇÃO DE ESTUPRO E TORTURA; PROCU-REI LER MUITOS DEPOIMENTOS DE PESSOAS QUE PASSARAM POR SITUAÇÃO PARECIDA, ME ALIMENTEI DESSAS HISTÓRIAS PARA COMPOR A PERSONA-GEM”, COMENTA A ATRIZ, QUE DEDICA A PEÇA A ZUZU ANGEL. A MONTAGEM CONTA COM O TALENTO CÊNICO DOS ATORES PARA MOSTRAR AS MUDAN-ÇAS DE TEMPO E ESPAÇO EM PALCO. ALÉM DISSO, O TEXTO AMARRA O ES-PECTADOR, INFILTRADO POR ESSE DENSO DRAMA. “É UM TESTEMUNHO DA MINHA GERAÇÃO, UMA MANEIRA DE FALAR DOS MEUS FANTASMAS E DOS FANTASMAS DESSA GERAÇÃO.” (RENATA VOMERO)

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INSTITUTO DO MUNDO ÁRABE, EM PARIS“Estava de férias em Paris e foi onde comprei os primeiros livros sobre o mundo árabe. Acabei formando uma pequena biblioteca no Teatro Poeira, que foi muito útil para todos, nos ajudando do conteúdo ao figurino.”

THE MUSIC OF MOROCCO“É interessante para entender a sonoridade do país e o sentimento que se expressa através das músicas marroquinas.”

VALSA COM BASHIR, DE ARI FOLMAN“Animação israelita de 2008. Relata bem os terrores de uma guerra civil.”

INCÊNDIO EXISTENCIAL

| preferidas | marieta severo

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PARIS“Com uma grande exposição do [fotógrafo Richard] Avedon.”

MARK SELIGER “Um grande

retratista com um per�l bem musical.”

PHOTOGRAPHS, DE PATRICK DEMARCHELIER

“Vale pela qualidade e pela simplicidade que imprime nas imagens, mesmo que por trás tenha uma enorme produção.”

CHICO, DE CHICO BUARQUE“Fiz a capa. É um disco que escutei bastante nas edições das imagens que iriam entrar no livro.”

RETRATO DE FINO TRATO

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O FOTÓGRAFO CARIOCA DARYAN DORNELLES CLICOU UMA MULTI-DÃO DE MÚSICOS BRASILEIROS, REUNIDOS AGORA EM SEU NOVO LIVRO, RETRATOS SONOROS, UM RECORTE DE 160 IMAGENS FEITAS AO LONGO DE DEZ ANOS. “O FOTÓGRAFO É, NA VERDADE, FOTÓ-GRAFO DE QUALQUER COISA, MAS ACABA SE ESPECIALIZANDO. EU ACABEI ME ESPECIALIZANDO EM RETRATOS”, DIZ O APAIXONA-DO POR MÚSICA, QUE COLECIONA DISCOS DESDE OS 11 ANOS. “AS PESSOAS, ÀS VEZES, VÊM COM CARAS E BOCAS, FAZENDO POSE. NEM SEMPRE É LEGAL. JÁ FIQUEI DO OUTRO LADO, JÁ DEI ENTRE-VISTA E FUI FOTOGRAFADO”, APONTA UM CALEJADO DARYAN, ADEP-TO DA SIMPLICIDADE ESTÉTICA. “SEMPRE VAI DE UM PRÉ-ESTUDO DA OBRA DO ARTISTA E DO LUGAR EM QUE SE ESTÁ FOTOGRAFAN-DO”, DIZ ELE SOBRE A ROTINA, QUE JÁ LHE PERMITIU REGISTRAR MILTON NASCIMENTO DE PALETÓ E SUNGA, DENTRO DA PISCINA DO COMPOSITOR, E MARTINHO DA VILA SEM CAMISA NA RUA. AFINAL, SÃO MAIS DE 20 ANOS DE CARREIRA. “QUANDO AS PESSOAS JÁ TE CONHECEM, ELAS ACABAM TE DEIXANDO MAIS LIVRE PARA FAZER UMA FOTO DO QUE QUANDO ESTÁ COMEÇANDO.” (LUCAS ROLFSEN)

| preferidas | daryan dornelles

AC/DC“Minha banda preferida. Está comigo sempre. Fez vários clássicos, como Back in Black, Powerage e Let there be rock.”82

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| cultura você vive | palmas | por manoel junior

GEUVAR SILVA DE OLIVEIRA estava curtindo a revista em quadrinhos Mu-gambi, de sua autoria, quando foi clicado no Memorial Coluna Carlos Pres-tes. Sobre a sua criação, o funcionário público e cartunista comenta: “Sou fã de HQ! Vou fazer a sequência desse trabalho, por isso �co tentando amarrar a outra história vendo pontos-chaves nesta”.

A estudante de jornalismo PRISCILLA CALAÇA CA-PITULINO lia O menino do pijama listrado, de John Boyne, quando foi fotografada na praia da Gracio-sa, lugar tranquilo e com bela paisagem. “Escolhi este livro primeiro porque é de um grande autor: depois, porque conta uma história que representa alguma significância na minha vida, soma para o meu conhecimento, pois tem potencial elevado e linguagem rica.”

O repórter fotográ�co e músico EMERSON DA SILVA estava ouvindo o CD O preço da vida, de sua banda Mata-burro, no Empório Tendencies/Tenden-cies Music Bar, quando foi �agrado. “Estou escutando o mais novo trabalho da minha banda no local onde �zemos os primeiros ensaios. Depois de sete anos, o disco é como se fosse nosso primeiro �lho.”

A praça da quadra 204 sul foi escolhida pela psi-cóloga ROSICLER RIBEIRO para devorar o livro A graça da coisa, de Martha Medeiros. “Escolhi este lugar pela energia e pelas sensações de paz, tranquilidade, bem-estar que são transmitidas neste cenário composto de árvores, pequenos ha-bitantes silvestres, pela capela, por pessoas que circulam aleatoriamente. Tudo reunido em torno de prédios, casas, clínicas e bares. Isso tudo faz desta praça um lugar mágico.”

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| internet |

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Humanidade papalA história da mais alta representação

da igreja católica, o papa, ganha contornos doces e humanos na biogra�a O papa que ama futebol – A inspiradora história do menino que

se tornou o Papa Francisco, de Michael Part. O livro cobre desde a infância do cardeal

Dom Jorge Mario Bergoglio até os bastidores de sua eleição no Vaticano, tendo como

pano de fundo a paixão do clérigo pelo futebol. Veja um per�l do Papa em nosso site.

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O FOTÓGRAFO HANS GUNTER FLIEG GANHA RETROSPECTIVA NO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (MAC USP) EM PARCERIA COM O INSTITUTO MOREIRA SAL-LES (IMS). A MOSTRA FLIEG FOTÓGRAFO. INDÚSTRIA, DESIGN, PUBLICIDADE, ARQUITETURA E ARTE NA OBRA DE HANS GUNTER FLIEG TEM CERCA DE 220 IMAGENS, UMA SELEÇÃO DOS 40 ANOS DE CARREIRA DO ARTISTA, QUE RETRATOU O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL BRASILEIRO E NOSSA PUBLICIDADE. A EXPOSIÇÃO TAMBÉM MARCA O LANÇAMENTO DO LIVRO FLIEG. INDÚSTRIA, AR-QUITETURA E ARTE NA OBRA DE HANS GUNTER FLIEG, 1940-1980. CONFIRA EM GALERIA AS PRINCIPAIS OBRAS DO FOTÓGRAFO.

OLHAR BRASILEIRO

A moda é, muitas vezes, erroneamente ligada ao universo feminino, o que faz com que muitos deixem as vestimentas masculinas em segundo plano. O livro 100 anos de moda masculina, de Cally Bla-ckman, traz um amplo panorama da moda feita para homens e por eles, passando por publicidade, comportamento e história. Leia em Reportagens a matéria especial sobre o assunto.

O holofote também é deles!

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