03.ROSANACASTRO

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  • @ Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.4, n.1, jan.-jun., p.146-175, 2012

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    Antropologia dos medicamentos: uma reviso terico-

    metodolgica1

    Rosana Castro

    Introduo

    Os medicamentos tm se configurado como um campo de crescentes estudos em

    antropologia, em diversas vertentes de pesquisa e teoria. Seja no campo dos estudos em

    sade e polticas pblicas e internacionais, seja em abordagens sobre globalizao e

    fluxos de objetos, passando por anlises do ponto de vista da tcnica e das redes de

    associaes, a antropologia vem reconhecendo a centralidade dos medicamentos em uma

    pluralidade de dinmicas sociais na contemporaneidade. De fato, no de hoje que a

    antropologia de uma forma geral se debrua sobre a relao entre determinadas

    substncias e sua participao em processos de cura de doenas. Se nos lembrarmos de

    algumas etnografias clssicas, veremos que, na dcada de 1930, preocupaes desse tipo

    fizeram parte do horizonte de anlises de Evans-Pritchard em sua reviso da farmacopeia

    zande (2005) e, na dcada de 1960, de Lvi-Strauss (2010), em sua reflexo sobre a

    relao entre conhecimento, classificao e uso de substncias naturais para a cura de

    enfermidades e de Turner as prticas de cura desempenhadas pelo curandeiro Ndembu

    (2005). Contudo, os medicamentos modernos - comprimidos, cpsulas, injetveis,

    pomadas, sprays, gis, xaropes, suplementos vitamnicos e outros mais - apenas

    1 Uma verso preliminar deste trabalho foi apresentada na IX Reunio de Antropologia do Mercosul, realizada entre 10 e 13 de julho de 2011, em Curitiba/PR. Agradeo a Soraya Fleischer, Rogrio Azize e Guido Pablo Korman, coordenadores do GT 16 - Antropologia e Medicamentos, bem como a todos os participantes do grupo pelos comentrios, sugestes, contribuies e crticas. Uma segunda verso foi resultado de trabalho final para a disciplina Fluxos Contemporneos, ministrada pela Profa. Andra Lobo, a quem agradeo pela troca de ideias, leitura e comentrios.

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    recentemente passaram a fazer parte do escopo de investigaes etnogrficas e anlises

    tericas e polticas da antropologia.

    Somente a partir dos anos de 1980 esse objeto hoje to familiar se tornou um foco

    de estranhamento de nossa disciplina (Van der Geest et al, 1996; Desclaux; Lvy, 2003).

    Uma razo um tanto bvia para a juventude desses estudos o fato de os medicamentos

    tais quais hoje os conhecemos e acessamos em escala industrial e comercial serem

    produtos relativamente novos na histria: somente com a inveno da penicilina em

    1930 e o advento da indstria farmacutica no ps Segunda Guerra as teraputicas

    medicamentosas se difundiram em mbito global2 (Pignarre, 2005). At ento, o

    medicamento aparecia somente de maneira pontual, principalmente nos estudos de

    etnologia aplicada ou em torno de pesquisas etnomdicas que tinham como foco os

    remdios3 em suas diversas formas (Desclaux; Lvy, 2003). Apesar da relativa pouca

    tradio com relao aos estudos em sade, por exemplo, que tm, por vezes, sua

    genealogia traada a partir dos estudos de Rivers no incio do sculo XX ([1924] 2001),

    esses aproximadamente trinta anos de produo sobre os temas dos medicamentos j nos

    rendem uma vasta variedade de pesquisas, tanto em mbito internacional quanto no

    Brasil.

    Internacionalmente, abundante uma bibliografia das cincias sociais, incluindo a

    antropologia, voltada ao tema dos frmacos. Os antecedentes do interesse pelos

    medicamentos passam por questes referentes assistncia em sade, invaso

    farmacutica, anlise da biomedicina como um fenmeno com dimenses culturais e

    do aspecto simblico dos frmacos, globalizao e aos fluxos de medicamentos para

    pases em desenvolvimento, relaes de consumo e responsabilidade dos fabricantes e

    renovada atrao dos estudos antropolgicos pelos objetos (Akrich, 1995; Van der Geest

    et al, 1996; Desclaux; Lvy, 2003). No Brasil, grande parte dos estudos das cincias

    sociais sobre medicamentos inserem-se no campo das pesquisas em sade, sendo

    relacionadas, dentre outras, ao tema suas dimenses simblicas (Lefvre, 1991), morais

    (Vargas, 2001), poltico-jurdicas (Chieffi; Barata, 2009), ticas (Diniz; Guilhem, 2008),

    mediticas (Spink, 2001), publicitrias (Azize, 2010a), geracionais (Pedro, 2003), de

    2 Para uma genealogia dos medicamentos que remonta ao sculo XIX, assimilando-os no contexto do uso de drogas teraputicas e advento de snteses bioqumicas, ver Vargas (2008). 3 Assume-se aqui a distino proposta por Schenkel (1991) entre remdios e medicamentos, na qual se considera que os primeiros so quaisquer substncias, procedimentos ou prticas acionadas para curar ou amenizar doenas ou sintomas, sendo os medicamentos um tipo especfico de remdio cuja particularidade pode ser brevemente identificada por sua produo estar localizada em farmcias ou indstrias farmacuticas e sob os auspcios de designaes tcnicas e legais especficas.

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    consumo (Silveira, 2002; Nishijima, 2008; Azize, 2004) e de gnero (Azize; Arajo,

    2003; Diehl et al, 2010; Diniz; Castro, 2011; Manica, 2011). A produo antropolgica

    nesse escopo incorpora etnografias em reas indgenas, contextos urbanos e no

    ciberespao (Akrich; Madel, 2002; Dal Pizzol et al, 2006), sendo o medicamento um

    assunto umas vezes central e noutras perifrico. Polticas de sade indgena (Diehl; Rech,

    2004), itinerrios teraputicos e adeso aos tratamentos (Gonalves et al, 1999), sentidos

    e significados atribudos aos medicamentos e s doenas a eles associadas (Duarte, 1988;

    Silveira, 2000) e a relao entre medicamento, corpo e pessoa articulados reflexes

    sobre o ocidente moderno (Azize, 2004, 2010b) so alguns dos temas desse profcuo

    campo de estudos no pas.

    Tanto nacional quanto internacionalmente os estudos em antropologia voltados

    para os medicamentos parecem se preocupar com o fenmeno mundialmente difundido

    da medicalizao dos corpos e da vida social, que teria nos medicamentos uma de suas

    facetas mais evidentes e crticas. As anlises a respeito dos fluxos de medicamentos para

    pases africanos na dcada de 1980 (Van der Geest; Whyte, 1988), a proliferao de

    categorias de entendimento de doenas ou aflies a partir dos frmacos (Lvy;

    Desclaux, 2003), a difuso de enfermidades associadas produo de medicamentos

    (Pignarre, 2006) e o fenmeno da farmacologizao (Lopes, 2004) so temas que

    despertaram e mantm alertas as problematizaes poltica e antropolgica

    internacionais sobre tais objetos. Por aqui, anlises a respeito de como a relao mdico-

    paciente permeada pela expectativa da prescrio, passando pela medicalizao

    crescente da subjetividade e da vida quotidiana, como o debate j clssico das doenas

    dos nervos e a crescente problematizao da depresso e outras doenas, engrossam

    estudos nesse sentido (Duarte, 1988; Maluf; Tornquist, 2010). Em termos gerais, o foco

    central de todas essas anlises est no reconhecimento do medicamento como um objeto

    que se torna interessante para a disciplina a partir de seus aspectos culturais e simblicos,

    que carregam diferentes significados e engendram diversos itinerrios e usos em distintos

    contextos de relaes sociais permeadas por doenas, sofrimentos, perturbaes fsico-

    morais ou aflies.

    As entradas metodolgico-etnogrficas maioritariamente acionadas parecem ser

    aquelas recortadas entre as etapas de prescrio e consumo dos medicamentos, sendo

    esse identificado como lcus privilegiado de acesso aos aspectos sociais tanto dos

    prprios medicamentos quanto das doenas ou processos que desencadearam o interesses

    das pessoas em acion-los. Dentro desse quadro geral, tanto no Brasil quanto

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    internacionalmente so relativamente escassos os estudos que privilegiem a dimenso

    material e tcnica dos medicamentos, focalizando etapas diferentes de sua socializao.

    Anlises antropolgicas a respeito da produo, negociao, regulamentao e

    distribuio dos frmacos se restringem a poucos estudos, ausentes ou raramente

    recuperados nas revises de bibliografia sobre a recente histria da antropologia dos

    medicamentos. Alm disso, ainda escassa a bibliografia que sistematiza os

    investimentos terico-metodolgicos desse campo at ento, sendo no Brasil esse ainda

    um investimento indito.4 A mais recente grande reviso de bibliografia sobre

    antropologia dos medicamentos (Van der Geest et al, 1996), conforme veremos ao

    analis-la a seguir, classifica uma gama enorme de estudos a partir de suas entradas

    metodolgicas e dos problemas que elegem sem, contudo, contemplar uma importante

    produo francesa sob uma mirada scio-tcnica.

    luz dessa pequena remisso, este trabalho busca apresentar uma sistematizao

    de algumas estratgias de abordagens terico-metodolgicas do campo da antropologia

    aos medicamentos. A partir de uma reviso preliminar da literatura antropolgica sobre

    o assunto, foram selecionados textos que apresentam um programa de pesquisa e anlise

    em antropologia dos medicamentos. Privilegiou-se para esta seleo a diversidade tanto

    das perspectivas apresentadas como das temticas especficas, permitindo-nos assim

    entrever a abrangncia e heterogeneidade que possui esse campo que ora se consolida no

    Brasil e alhures. Salientar-se-o as estratgias de abordagem ao tema, as referncias

    tericas acionadas e as anlises desenvolvidas por distintas abordagens, sistematizados

    de modo a explicitar o estatuto que os medicamentos recebem em cada uma delas e,

    nesse passo, analisar em que medida tal opo ilumina novas perspectivas para

    problemas antropolgicos mais amplos. Longe de ambicionar ser uma reviso completa

    sobre o assunto, busca-se aqui contribuir tanto com um apanhado de algumas das

    principais abordagens antropolgicas aos medicamentos quanto, nesse movimento, dar

    algum destaque para aquelas que no foram contempladas em revises anteriores sobre o

    tema.

    O fio que conduzir a exposio de pontos fundamentais de quatro abordagens -

    biografia, nexo, econmica e tcnica dos medicamentos - destacar a noo de 4 Uma razo bastante plausvel para tanto que os estudos mais sistemtica e diretamente voltados aos medicamentos so tambm recentes no Brasil. Contudo, salta aos olhos a quantidade de antroplogas e antroplogos que, embora no unicamente interessados neste tema, chamam ateno para a importncia dos frmacos em suas etnografias. A presena de um rico e diversificado grupo de trabalho na IX Reunio de Antropologia do Mercosul (2011) dedicado aos medicamentos indica o crescimento e consolidao dessa linha de pesquisa na antropologia brasileira.

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    medicamento com que cada uma trabalha, explicitando o estatuto deste nas anlises e as

    implicaes decorrentes de tais escolhas. Nesse caminho, comparar-se-o os problemas

    que elegem discutir e as premissas e construes tericas que cada abordagem leva

    adiante. Por fim, passaremos em revista os deslocamentos mltiplos que uma estratgia

    prope em face das outras a partir do recorte metodolgico e das opes tericas que

    cada autor ou signatrio fez, apontando em que medida contribuem para a constituio

    de um programa mltiplo de pesquisa sobre medicamentos que pode repercutir sobre

    uma forma de reflexo privilegiada pela antropologia, em especial, a voltada para o

    campo da sade e da doena.

    A biografia dos medicamentos

    No artigo The Anthropology of Pharmaceuticals: a biographical approuch (1996), de

    Sjaak Van der Geest, Susan Reynolds Whyte e Anita Hardon, somos brindados com

    uma vasta reviso de bibliografia sobre a produo das cincias sociais sobre os

    medicamentos, com destaque para a antropologia. Neste texto, os autores fazem uma

    ampla sistematizao de boa parte das publicaes referentes ao assunto, compilando-as

    sob um esquema analtico que classifica tanto as diferentes abordagens sobre os frmacos

    realizadas at ento quanto as etapas pelas quais estes passam desde sua produo at o

    consumo pelo doente. O quadro a partir do qual fazem a organizao dos estudos

    revisados possui dois referenciais tericos: o primeiro deles, delineado por Arjun

    Appadurai ([1986] 2008), funciona como um pressuposto que assume que, assim como

    as coisas, os medicamentos possuem uma vida social. O segundo, de autoria de Igor

    Kopytoff (idem), tendo a primeira como base, constitui j uma postura metodolgica que

    considera que, tal qual as coisas, os medicamentos possuem uma biografia cultural.

    Seguindo as transaes de medicamentos, pode-se discernir uma ordem biogrfica em

    sua vida social (Van der Geest et al, 1996, p. 156).

    Ambos os autores que servem de base para o artigo sobre a biografia cultural dos

    medicamentos apresentaram uma virada metodolgica nos estudos em antropologia

    econmica poca da publicao da coletnea que abriga seus trabalhos aqui

    referenciados. Eles propem uma abordagem etnogrfica que verse sobre os objetos, mais

    especificamente, as mercadorias que so trocadas e postas em movimentos nos fluxos de

    capitais. Avanam, ento, no sentido de um estudo que foca menos nas formas e funes

    da troca de mercadorias que nas prprias mercadorias, tornando-as assim o prprio

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    objeto da investigao. Entretanto, apesar de no privilegiar os aspectos formais e

    funcionais da troca, justamente quando estes objetos se inserem num fluxo de relaes

    de trocas que estes lhes interessam, sendo, portanto, seu movimento e sua circulao um

    elemento fundamental na anlise. Nesse sentido, Appadurai nos oferece uma perspectiva

    sobre o que diria respeito essa vida social das coisas:

    [...] temos de seguir as coisas em si mesmas, pois seus significados esto inscritos em suas formas, usos, suas trajetrias. Somente pela anlise destas trajetrias podemos interpretar as transaes e os clculos humanos que do vida s coisas. Assim, embora de um ponto de vista terico atores humanos codifiquem as coisas por meio de significaes, de um ponto de vista metodolgico so as coisas em movimento que elucidam seu contexto humano (2008, p. 17 - grifos originais).

    A proposta de Appadurai , dessa forma, investigar as diferentes condies sob as

    quais as mercadorias circulam no universo das trocas, acompanhando suas trajetrias e

    os diversos significados e sentidos que estas recebem nesse caminho. Tais significados,

    por sua vez, seriam referentes aos regimes de valor a partir dos quais os objetos-

    mercadoria eram apreendidos, sendo tais regimes de uma configurao cujo grau de

    coerncia valorativa pode ser altamente varivel conforme a situao e conforme a

    mercadoria (Appadurai, 2008, p. 29). Nota-se, portanto, que a vida social que coisas

    possuem somente poderia ser verificada em suas movimentaes entre regimes de valor

    que, na medida em que mudam, atribuem diferentes significados s coisas.

    Valendo-se em larga medida desse raciocnio, Kopytoff argumenta que as

    mercadorias no so coisas em si mesmas, mas um bem produzido dentro de um

    processo cognitivo e cultural. Isso porque as coisas devem passar por um conjunto

    determinado de aes e prticas at que possam ser consideradas trocveis e, assim, se

    constiturem como mercadorias - mesmo que provisoriamente. Nesse sentido, uma

    biografia econmica culturalmente informada de um objeto o encarar como uma

    entidade culturalmente construda, dotada de significados culturalmente especficos e

    classificada e reclassificada em categorias culturalmente constitudas (Kopytoff, 2008, p.

    94). Nessa viso, qualquer coisa pode ser considerada sob a perspectiva de sua biografia

    cultural, ou seja, dos significados que recebe ao longo de suas diversas trajetrias entre

    diferentes regimes de valor.

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    Para Kopytoff, as coisas, assim como as pessoas, possuem biografias marcadas

    por fases de suas vidas sociais, local de onde vieram e por onde passaram, mudanas de

    trajetrias de acordo com a poca e com o lugar em que se encontram e status que

    possibilitam e interditam determinados tipos de relaes, trnsitos e carreiras em cada

    contexto. Assim, de um ponto de vista metodolgico, investigar suas biografias seria um

    investimento semelhante pesquisa de biografias de pessoas, sendo-lhes possvel fazer

    perguntas similares. nesse ponto que Van der Geest, Whyte e Hardon encontram-se

    mais fortemente relacionadas proposta de uma anlise biogrfico-cultural das coisas,

    incorporando os medicamentos nessa esteira de anlise.

    O trio identifica as fases da vida de um medicamento a partir das entradas

    etnogrficas e analticas dos estudos que revisam, sendo cada dessas etapas tanto um

    ramo possvel de pesquisa quanto diferentes regimes de valores pelos quais os frmacos

    passam. Os autores reconhecem cinco fases da biografia dos medicamentos, sendo cada

    uma caracterizada por um contexto composto de atores sociais especficos (Tabela 1).

    Cada uma das fases da biografia tem um regime de valores especfico, expresso em

    diferentes ideias a respeito dos medicamentos. O trnsito dos medicamentos de um

    regime para outro caracterizado como algo que ocorre facilmente e que os permitem se

    separar da expertise que os produz, distribui e prescreve (Van der Geest et al,1996, p. 170).

    Tabela 1 As fases da vida do medicamento

    Fase da biografia Atores sociais envolvidos

    1 Produo e marketing Cientistas, empresrios, funcionrios de indstrias farmacuticas, publicitrios

    2 Prescrio Mdicos, enfermeiros, farmacuticos, vendedores ambulantes

    3 Distribuio Farmacuticos, balconistas de farmcia, trabalhadores da sade, vendedores informais, instituies pblicas de sade

    4 Uso Pacientes e suas redes mais estreitas de relaes

    5 Eficcia Pacientes e suas redes mais estreitas de relaes Tabela sobre as fases da vida dos medicamentos segundo Van der Geest, Whyte e Hardon (1996).

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    As mais de duzentas referncias bibliogrficas revisadas no artigo so organizadas

    de acordo com essas fases da biografia dos medicamentos, sendo avaliado pelos autores

    que nem todas receberam o mesmo grau de ateno de estudiosos e pesquisadores do

    tema ao longo das ltimas dcadas. Cabe destaque o fato de os autores apontarem para o

    baixo contingente de pesquisas referentes s etapas de produo e distribuio dos

    medicamentos sem, contudo, sequer elencarem em seu esquema biogrfico a etapa

    absolutamente fundamental de regulamentao dos medicamentos. Embora comentem

    por diversas vezes os circuitos informais pelos quais os frmacos se fazem presentes,

    invisibilizada a etapa de concesso de registro para sua comercializao formal.

    Acredito que a omisso dessa etapa no seja um simples lapso de memria, mas sim um

    resultado da prpria arquitetura metodolgica e terica da abordagem biogrfica. Ao

    identificar e enumerar as fases da vida dos medicamentos e, mais do que isso, ao

    qualificar as transies de uma a outra como fceis de serem feitas, os autores

    negligenciam as relaes de mediao necessrias a tais passagens. A regulamentao,

    por exemplo, se interpe fundamentalmente entre a produo e as demais fases, sendo

    um mecanismo que distingue regimes oficiais e oficiosos de circulao dos

    medicamentos.

    Dentro de seu esquema analtico, a conceituao de medicamento dos autores

    dada de forma categrica: por definio medicamentos so substncias que tm a

    capacidade de modificar a condio de um organismo vivo - para melhor ou, no caso de

    medicamentos de bruxaria, para pior (Van der Geest et al, 1996, p.154). Dentro dessa

    ideia, o que interessa aos autores, no so os mecanismos pelos quais essas substncias

    agem biologicamente, mas sim como esses objetos marcados por uma concretude, bem

    como por uma lgica cultural e simblica (idem) transitam por diferentes regimes de

    valores ao longo da biografia cultural que compe sua vida social. Sua eficcia

    entendida como uma construo cultural com dimenses tanto fsicas quanto

    biolgicas (Van der Geest et al, p. 169) que, ao mesmo tempo em que, em sua

    concretude, permitiu historicamente a sobrevivncia de um incontvel nmero de

    pessoas, em sua dimenso cultural se mostra efetivo na medida em que carrega

    significados (idem). A abordagem aos medicamentos a partir de sua vida social est

    dentre aquelas mais frequentemente realizadas nas pesquisas antropolgicas, referidas na

    introduo deste texto.

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    O nexo do medicamento

    Na coletnea Global Pharmaceuticals: ethics, markets, practices ([2006] 2007),

    organizada por Adriana Petryna, Andrew Lakoff e Arthur Kleinman os medicamentos

    so analisados sob o prisma de um fenmeno j bastante trabalhado na antropologia: a

    globalizao. Os organizadores e colaboradores da obra esto interessados na

    globalizao dos medicamentos e em seus impactos econmicos, polticos e ticos sobre

    os mais diversos contexto etnogrficos nacionais e locais, analisando como os frmacos

    produzidos em escala industrial so produtos de diversas transformaes, por um lado, e

    engendram eles prprios muitas outras, por outro.

    O foco emprico e analtico dos textos do livro, de uma forma geral, est nos

    processos contnuos, simultneos e de mltiplas escalas nos quais a circulao global de

    medicamentos est envolvida. Salientam-se, nesse mbito, as implicaes recprocas das

    transformaes em escalas local, nacional e internacional, de caractersticas polticas,

    econmicas e cientficas sobre os medicamentos e, mais enfaticamente, como estas foram

    geradas a partir dos medicamentos. O que lhes salta aos olhos justamente como os

    medicamentos fazem desses domnios espaciais e sociais algo interconectado com outros

    territrios e socialidades que, na medida em que se complexificam, alinhavam ainda

    mais contextos diversos, promovendo mtuas e mltiplas transformaes. A esse feixe de

    fenmenos processuais os autores chamaram nexo dos medicamentos:

    A globalizao dos medicamentos ilustra a enorme escala e a complexidade de nosso mundo interconectado e seus incertos efeitos sociais e biolgicos em contexto local e nacional. um movimento de mltiplas escalas com dimenses econmicas, polticas e ticas. Juntas, essas dimenses constituem um nexo dos medicamentos [...] A ideia de nexo visa capturar o amplo conjunto de transies polticas e sociais que abrangem e, em alguma medida, acontecem atravs dos medicamentos (Petryna; Kleinman, 2007, p. 20-21 - traduo nossa).

    Na introduo da coletnea, cujo ttulo justamente The Pharmaceutical Nexus,

    Petryna e Kleinman comentam que existem trs formas de compreender o nexo: como

    um objeto emprico, como um problema e como um mtodo de investigao (2007, p.

    21). Enquanto um objeto emprico, os autores reconhecem este como sendo focalizado

    sobre a indstria farmacutica e os impactos mltiplos de suas aes. Como um

    problema, identificam que, pelo fato de os medicamentos transformarem aspectos plurais

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    da experincia, torna-se um problema de anlise crtica e tica a correlao entre os

    campos de interesses comercial, estatais/regulatrios e pblicos sobre os medicamentos

    na medida em que, a depender os atores e relaes que se privilegie investigar, chega-se a

    diferentes questes e resultados. Nesse ponto, interessante notar como os autores

    situam tanto os medicamentos dentro das temticas que envolvem as anlises

    antropolgicas sobre a globalizao quanto, a partir disso, explicitam a complexidade

    desse fluxo farmacolgico5. Por fim, o nexo como uma estratgia metodolgica

    relaciona-se diretamente com a complexidade do fenmeno da globalizao dos

    medicamentos que, por ser composto de mltiplos atores e escalas, apresenta distintas

    entradas que, por sua vez, oportunizam diferentes caminhos etnogrficos e analticos. Tal

    mtodo adjetivado como um caminho crtico que deve ser marcado pela

    problematizao das posies relativas dos sujeitos e das implicaes das relaes entre

    eles travadas em cada contexto.

    O modo com que os colaboradores da coletnea trabalham o nexo farmacutico

    no permite compartimentalizar suas diversas facetas mas sim, de modo mais rico e

    interessante, ver como elas esto entremeadas umas nas outras; sendo, portanto, o nexo

    do medicamento menos que um framework que uma sntese terico-metodolgica que

    somente pde emergir a partir da anlise e relao dos contextos etnogrficos que

    compem o campo apresentado em cada um dos captulos da obra. Por isso, neste

    momento, toma-se aqui a liberdade de comentar alguns destes como estratgia de

    encaminhamento dos objetivos do presente trabalho; tendo como critrio de seleo a

    eleio e comparao daqueles textos que contemplem diferentes temas, estratgias

    metodolgicas e reflexes analticas de cada contexto em exame, permitindo aqui um

    contraste analtico luz da noo de nexo farmacutico.6

    No texto Globalizing human subjects research, Adriana Petryna analisa como os

    protocolos internacionais de realizao de testes para produo de novos medicamentos -

    pronunciadamente parametrados pelas diretrizes do FDA7 - configuram uma geografia

    global do experimento humano (Petryna, 2007, p. 33), nos quais populaes de pases

    5 Insiro aqui a ideia de farmacolgico porque, nesse fluxo global de medicamentos circulam tambm modos de organizao tcnica e burocrtica que denotam a existncia de uma lgica do medicamento que o acompanha e reconfigura espaos e racionalidades. Retomaremos brevemente esse ponto adiante. 6 A inteno aqui no fazer uma resenha, mas somente sublinhar algumas caractersticas das etnografias apresentadas na coletnea que explicitem o modo diverso com que fora tratado o tema da globalizao dos medicamentos. Para algumas resenhas crticas de fato da referida obra, ver Etkin (2006), Van der Geest (2006) e Sharma (2007). 7 Sigla para U.S. Food and Drug Administration, rgo dos Estados Unidos responsvel pela regulamentao e fiscalizao sanitria de medicamentos e alimentos.

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    com baixa assistncia em sade so prioritariamente recrutadas por empresas

    especializadas nessa fase de teste dos frmacos. Isso porque tais populaes seriam

    identificadas por essas empresas como marcadas por uma treatment naivet, j que

    possuem pouco ou nenhum acesso a tratamentos para doenas raras ou mesmo comuns.

    Joo Biehl, em Pharmaceutical Governance (2007), analisa em que medida a poltica

    brasileira de assistncia medicamentosa para pessoas portadoras do vrus HIV resultado

    de processos polticos e econmicos mais amplos que encontraram lugar na sade

    pblica e que, por sua vez, reconfiguraram o status do Brasil diante do cenrio mundial,

    por um lado, e os modos de militncia e cuidados em sade no pas, por outro.

    David Healey, em The new medical Oikumene (2007) analisa como a indstria

    farmacutica trabalhou na difuso de novos entendimentos populares e profissionais

    sobre a doena mental na Amrica do Norte e na Gr-Bretanha. Seu trabalho detecta,

    dentre outras coisas, a transio diagnstica de casos que, antes do advento dos

    antidepressivos, eram identificados como ansiedade e, depois deste, como depresso.

    Anne Lovell, por sua vez, analisa como a aprovao de um medicamento com alta

    dosagem de pio na Frana reconfigurou tanto o contexto das teraputicas de reduo de

    danos quanto as prticas dos usurios de herona no artigo Addiction Market (2007): os

    dependentes passaram a incorporar o medicamento em seus usos da droga, utilizando-o

    ora como frmaco que acarreta menos riscos que a herona, ora como substncia que

    opera como catalizador ou complemento do efeito da droga.

    Esses quatro textos dos nove que compem a coletnea j nos permitem entrever

    de onde partiu etnograficamente a noo de nexo sintetizada por Petryna e Kleinman.

    Os colaboradores conectam diversas entradas etnogrficas - protocolos de pesquisa em

    seres humanos, poltica internacional de medicamentos antiretrovirais, publicidade

    farmacutica e programas de reduo de danos - com planos polticos e experienciais

    diversos - da tica em pesquisa poltica internacional; da reorganizao da

    racionalidade mdica para diagnstico de doenas mentais s prticas subjetivas de uso

    de drogas e medicamentos. essa complexidade emaranhada que permite conectar tanto

    os domnios problematizados nos captulos do livro quanto os prprios problemas

    emergidos a partir de cada contexto:

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    Na medida em que os medicamentos transformam aspectos morais e polticos da experincia, nosso objeto inicial e bvio cresce e passa a encompassar um contingente de outros elementos essenciais: estados e populaes, atores governamentais e no-governamentais, profisses mdicas e grupos de pacientes, pessoas e subjetividade (Petryna; Kleinman, 2007, p. 21 - traduo nossa).

    Tendo como foco as mltiplas transformaes que envolvem os fluxos globais dos

    frmacos, nota-se que a pergunta sobre o que so os medicamentos torna-se ausente e

    sem sentido. Ora, primeiramente o que interessa aos subscritores do nexo dos

    medicamentos no so os frmacos em si mesmos, mas as relaes nas quais estes esto

    implicados, sendo fundamental a anlise crtica dos impacto polticos, econmicos e

    ticos de sua globalizao. Em segundo lugar, tendo notado a complexidade e

    dinamicidade com que os medicamentos se inserem nos mais contextos diversos, tal

    pergunta pelo qu eles so perde seu sentido na medida em que se reconhece que os

    diferentes caminhos percorridos por eles e atravs deles lhes promovem deslocamentos

    constantes que no lhes permite caracteriz-lo de maneira fixa ou rgida. Nesse sentido,

    qualquer tentativa de resposta ao que so os medicamentos nesse fluxo global parece

    tornar-se temerria na medida em que tais deslocamentos os colocam em redes ao

    mesmo tempo to diversas entre si e heterogneas que somente muito parcial,

    temporria, localizada e improdutivamente os frmacos poderiam ser conceitualizados

    de forma categrica.

    A econmica dos medicamentos

    Philippe Pignarre ambiciona construir uma econmica, ecologia, ou alguma

    espcie de antropologia dos medicamentos na obra O que o medicamento? Um objeto

    estranho entre a cincia, o mercado e a sociedade ([1997] 1999). A ideia de econmica

    tomada de emprstimo da percepo de Xenofonte a respeito do que seria uma boa

    administrao da propriedade agrcola. Em referncia ao autor, Pignarre salienta que

    para o filsofo uma avaliao desse tipo deve levar em conta tanto os objetivos finais a

    que se prope o empreendimento agrcola quanto as relaes sociais que os tornam

    possveis de serem atingidos: a econmica ou a oikonomia no separa, mas unifica tudo

    o que diz respeito a oikos, casa: a gesto das relaes entre as pessoas (a arte de

    comandar) e a aquisio de riquezas pela explorao da natureza (Pignarre, 1999, p.

    12). luz nessa noo, a econmica dos medicamentos desenvolvida por Pignarre diz

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    respeito a um esforo analtico de tomar seu amplo processo de produo, distribuio e

    consumo em uma nica prumada, buscando iluminar os diversos movimentos e relaes

    que constituem os efeitos do medicamento moderno. Para tanto, Pignarre anuncia de

    antemo que busca se afastar de uma distino entre o que real e o que simblico ou

    imaginrio como estratgia de levar a srio os objetos medicamentos em sua diversidade

    e satisfazer a primeira exigncia que nos impusemos [...]: no generalizar, atribuindo ao

    efeito placebo algo cujo funcionamento ignoramos (Pignarre, 1999, p. 37).

    O placebo - entendido diferentemente ao longo da obra como uma molcula a

    partir da qual se compara e testa a eficcia de uma outra substncia ativa, um artefato

    tcnico forjado para o desenvolvimento desse teste, as relaes de expectativa e

    preconceito que se tenta inutilmente afastar do medicamento e os efeitos que este

    propulsa uma vez produzido no laboratrio e posto em circulao - o foco

    metodolgico e terico de Pignarre na construo dessa econmica do medicamento.

    Tentarei seguir aqui por cada um desses entendimentos a respeito do placebo de modo

    bastante simplificado para explicitar o programa de pesquisa que pode ser delineado a

    partir das contribuies do autor, sem perder de vista suas contribuies que concorrem

    para ao cumprimento dos objetivos deste texto.

    Primeiramente, Pignarre desconstri a ideia do placebo como uma substncia cuja

    eficcia inexistente ou no pode ser tecnicamente atribuda. O placebo, em seu

    argumento, constitui uma molcula cujo papel seria o de estabelecer um grau zero a

    partir do qual se pudesse mensurar a eficcia ou ineficcia de uma outra molcula testada

    em laboratrio. Nesse sentido, a expectativa seria a de que o placebo permitisse isolar e

    excluir do experimento todas as formas de ao curativas no pertencentes ao domnio

    bioqumico, deixando iluminada apenas e to somente a ao biolgica da molcula

    testada. Contudo, para Pignarre esse esforo de afastamento do conjunto de relaes de

    expectativas de sucesso comercial, profissional e teraputico que se interpem nesse

    contexto - por parte de cientistas, investidores de indstrias farmacuticas, mdicos e

    pacientes - justamente aquilo que constitui o placebo; sendo este portanto, menos uma

    molcula que estabelece um marco zero que o ponto cego (Pignarre, [s.d.]) desses

    experimentos que, em sua viso, jamais se divorciaro de todos esses atores e interesses.

    O ponto cego assim caracterizado pelo fato de, na medida em que se busca

    isolar variveis qumicas e no-qumicas dentro de um mesmo procedimento, une-se

    irremediavelmente essas duas variveis no placebo. Assim, ao deixar sobre ele a

    incumbncia de polarizar todos os efeitos no-biolgicos e servir de referncia para os

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    efeitos biolgicos ao mesmo tempo, torna-se da em diante impossvel distinguir o que

    diz respeito ao farmaco-qumica da molcula e s relaes e expectativas constitudas

    no decorrer da fase de testes. Nesse sentido, Pignarre define o medicamento produzido a

    partir de estudo laboratorial como um agenciamento entre um marcador biolgico e um

    efeito placebo (Pignarre, [s.d.]). Para ele,

    Quando se estuda a ao de um medicamento sobre um organismo vivo sempre de um agenciamento que se deve falar. Veremos que no se pode decompor esse agenciamento, que a ao de um medicamento em elementos constitutivos de base e que seriam analisveis separadamente em cada caso (Pignarre, 1999, p. 27).

    O fato de o placebo no estabelecer um ponto neutro no permite, para o autor,

    que se garanta que a molcula em teste seja considerada um operador absoluto, posto

    que seu referencial no neutro. Mais do que isso, as prprias condies nas quais so

    realizados os experimentos no laboratrio - condies de temperatura, presso, nveis de

    acidez, testes preliminares em tecidos humanos fora do corpo e depois em animais e

    depois em grupos populacionais com indivduos absolutamente diversos entre si -

    constituem relaes especficas e contextuais, que no possibilitariam auferir carter

    universal ao medicamento. Por conseguinte, tornar-se-ia impossvel prever e dimensionar

    com preciso as aes do medicamento quando em contato com corpos humanos

    constitudos por rgos e relaes distintas daquelas que serviram de base para os

    experimentos em laboratrio contra placebo.

    Para Pignarre, a produo dessas incertezas no laboratrio - que acompanham a

    produo da eficcia do medicamento nessas mesmas condies - demanda uma srie

    complexa de relaes montante e jusante do laboratrio para administr-las no

    campo do comrcio e da sociedade. A existncia desse ponto cego com a expectativa

    de que ele funcione como marco zero colocaria uma srie de problemas com os quais

    todos os atores envolvidos nos testes realizados no laboratrio de estudos contra placebo

    teriam que lidar. As mediaes, to difceis de organizar no corpo humano, so

    devolvidas ao campo social onde podero ser tratadas, como se assim se descobrisse o

    meio de aument-las de tamanho sob um microscpio, a fim de melhor control-las

    (Pignarre, 1999, p. 121).

    As relaes montante correspondem a todos os procedimentos realizados por

    atores humanos e no-humanos antes do incio dos teste contra placebo: especulao

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    financeira sobre a descoberta de uma nova molcula que pode se tornar medicamento,

    concesso de patentes e administrao do tempo de sua vigncia atravs da diviso do

    trabalho tcnico-cientfico e etapas de preparao da molcula para experimentao com

    sujeitos humanos atravs de testes preliminares em tecido ex vivo e em animais. Pignarre

    chama tais etapas, mais especificamente a ltima, de preparao da molcula para uma

    vida social.8 jusante estariam as relaes que compreendem grupos de profissionais

    que agem articuladamente como mediadores que impedem a realizao do medicamento

    como uma mercadoria plena, ou seja, que estivesse acessvel aos usurios atravs do

    comrcio. Tais profissionais seriam os representantes comerciais, mdicos e

    farmacuticos, que se interpem entre o doente e o medicamento como uma estratgia de

    administrao das incertezas que o medicamento carrega desde sua produo,

    preservando em alguma medida a integridade dos doentes.

    A reflexo de Pignarre a respeito do medicamento como um agenciamento, no

    sentido deleuziano, entre uma molcula em teste e um placebo; que, por sua vez, implica

    na relao entre elementos bioqumicos e no bioqumicos, de modo que esses elementos

    se tornam indistinguveis tanto no interior do laboratrio quanto montante e jusante

    deste, denotam que os medicamentos modernos constituem uma maneira original de

    ligar o biolgico e o social (Pignarre, 1999, p. 15). Nesse sentido, fundamental para

    Pignarre analisar as decorrncias e estratgias de administrao das incertezas

    produzidas no laboratrio de estudos contra placebo, tomando as relaes entre os

    diversos atores implicados nos campos da cincia, da economia e da sociedade como

    tanto produtoras das condies de existncia do medicamento moderno quanto

    produzidas a partir das caractersticas do medicamento moderno, originado no

    laboratrio de estudos contra placebo.

    A tcnica do medicamento

    Madeleine Akrich comea os artigos Petite Anthropologie du mdicament (1995) e

    em sua quase rplica9 Le mdicament comme objet technique (1996) fazendo uma

    reclamao a respeito do fato de haver poucas contribuies terico metodolgicas de

    abordagens aos medicamentos sobre o ponto de vista da tcnica ou, para ser mais

    8 Exploraremos adiante como so distintas as noes de vida social de Pignarre e de Appadurai, que subjaz proposta da biografia dos medicamentos. 9 Caracteriza-se aqui o segundo artigo como quase rplica do primeiro porque o que muda no contedo de um para o outro somente a introduo, mantendo-se idnticas as demais sesses dos textos.

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    precisa, da sociologia das cincias.10 Para Akrich existe um claro privilgio das relaes

    mdico-paciente nas anlises at ento realizadas em antropologia dos medicamentos

    sendo negligenciadas tanto as relaes que ocorrem anteriormente prescrio e aos

    consumo quanto as dimenses materiais e tcnicas desse objeto. Sua pequena

    antropologia do medicamento passa, assim, por uma reflexo sobre esses dois domnios

    deixados relativamente de lado pelo campo da disciplina na viso da autora, sempre

    tendo em mente que no longo caminho percorrido pelo medicamento antes de seu uso

    que se constitui em parte a relao teraputica e que se elabora pouco a pouco a

    significao da experincia vivida pelo paciente (Akrich, 1995, p. 131 - traduo nossa).

    Em seu raciocnio, justamente o percurso do medicamento que se torna a

    entrada metodolgica da anlise tcnica. Para ela, no h etapas que se possam deixar

    entre parnteses (idem), seja por privilegiar um tipo especfico de anlise, seja por

    consider-las andinas e sem interesse. Pelo contrrio, apesar de recortes metodolgicos

    terem necessariamente de ser feitos, no se deve deixar de levar em conta o caminho que

    o medicamento percorreu at o usurio, os atores - ou actantes, nas palavras da autora -

    que encontrou e as relaes que estabeleceu. Uma postura fundamental nesse sentido

    seria a de no obliterar os objetos que acompanham o medicamento em seus percursos,

    vendo-os como artefatos tcnicos que tanto evidenciam atores que participaram de seu

    trajeto quanto dispositivos que interagem com os usurios, colocando-lhes numa uma

    longa srie heterognea e complexa de relaes.

    Um dos objetos analisados pela autora e que vale destaque aqui a bula. Em sua

    perspectiva, a prpria forma e estrutura da bula permitiria identificar que atores

    participaram anteriormente do percurso do medicamento e se fazem nele presentes at o

    usurio final: suas instrues em linguagem tcnica e leiga, nmeros de registro,

    advertncias a usurios e comerciantes, cdigos de barra, unidades de medida, indicares

    timos de temperatura e outros elementos denotam a participao de laboratrios,

    rgos regulamentadores sanitrios oficiais, profissionais de sade, vendedores e dos

    prprios usurios no percurso do medicamento. Mais que isso, a bula se configuraria

    como um objeto fundamental para compreenso das relaes teraputicas concernidas

    em um tratamento na medida em que constitui um documento de referncia que articula

    as promessas que medicamento pode cumprir s obrigaes com as quais o doente deve

    se comprometer de modo a se beneficiar das capacidades do frmaco. A bula

    10 Agradeo ao professor Carlos Emanuel Sautchuk pela indicao dos trabalhos de Madeleine Akrich sobre medicamentos.

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    prescreveria, desse modo, um cenrio e um script que coordenaria as responsabilidades

    recprocas do medicamento e do usurio (Akrich, 1992; 1993). Ao faz-lo, operaria

    como um mediador das relaes entre os atores que participaram do percurso do

    medicamento antes deste chegar ao usurio e o prprio doente, coordenando suas aes

    de modo a faz-las incorrer no objetivo curativo.

    O cenrio prescrito pela bula insere o usurio numa srie de relaes com outros

    objetos. Isso porque as indicaes de posologia e administrao do medicamento

    contidas nesse documento projetam em larga medida as condies de temperatura,

    presso, acidez e outras variveis do laboratrio no qual o medicamento foi

    desenvolvido, ambiente bastante distinto do domiclio do usurio, onde o medicamento

    administrado. Nessa situao, uma srie de indicaes de uso, bem como de

    instrumentos de mensurao so colocados em jogo, de modo a buscar fazer seguir o

    curso final de ao do medicamento - entram em cena os acessrios do medicamento.

    Tampas com indicadores de medida, colheres graduadas, conta-gotas e seringas

    associadas s indicaes da bula, prescries do mdico e aos usos dos usurios

    compem um momento que merece destaque na viso da autora, posto que, a depender

    da coordenao desses elementos, a cura pode ou no ocorrer. A adaptao de usos de

    tais objetos e indicaes medidoras ou mesmo sua adaptao, como por exemplo o uso

    de colheres de sobremesa, ingesto de doses fracionadas, atrasos ou acumulao dos

    intervalos do regime de horrios colocam o medicamento em um tipo de coordenao

    que pode ou no levar a um fim teraputico.

    Para Akrich, cada um desses actantes humanos e no-humanos tem sua ao

    coordenada com a dos demais, o que faz da ao teraputica do medicamento menos um

    efeito frmaco-qumico que uma rede teraputica (rseau therapeutique) formada por esses

    profissionais e pelo doente e pelos objetos que lhes fazem mltiplas mediaes. Nesse

    sentido, Akrich argumenta que o medicamento no deve ser visto como um produto em

    si mesmo eficaz, mas somente na medida em que estabelece relaes seriadas

    coordenadas com os actantes da rede teraputica: ainda que no fim das contas uma

    certa eficcia teraputica possa ser atribuda ao medicamento, necessrio que a ao de

    uns e de outros seja coordenada de uma maneira considerada adequada (Akrich, 1995,

    p. 146 - traduo nossa).

    Quanto dimenso material dos frmacos, Akrich articula suas reflexes a

    respeito da rede teraputica forma do medicamento, ou seja, se sua apresentao no

    formato de comprimidos, cpsulas, xarope, gotas, injetveis ou pomadas. Segundo seu

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    raciocnio, a forma do medicamento articula de modo especfico os actantes do percurso

    do medicamento em cada contexto, haja vista as formas de admistrao precisarem por

    vezes de instrumentos acessrios ou mesmo de pessoas que auxiliem o doente. Nesse

    sentido, a forma do medicamento inscreve o estatuto do paciente na medida em que

    implica ou interdita determinados modos de uso a pessoas especficas - a autora

    exemplifica os casos de crianas, presidirios e pacientes em recluso e as formas

    medicamentosas que os impede de administr-los sozinhos, permitindo inferir que tais

    disposio materiais implicam relaes de poder.

    Nesse caminho, Madeleine Akrich prope considerar o medicamento como um

    objeto tcnico, ou seja, tentar por em evidncia as relaes que existem entre suas

    caractersticas materiais e as formas de uso que lhes so associadas (Akrich, 1996, p.

    135 - traduo nossa). Fazer uma antropologia desse objeto implica, portanto, recensear

    os actantes que esto implicados em seu curso de ao e reconstituir as relaes que

    conformam a rede teraputica ensejada com, no e a partir do medicamento. A ao

    teraputica do medicamento nesse contexto diz menos respeito s caracterstica qumico-

    moleculares deste o resultado das relaes coordenadas entre os actantes da rede

    teraputica. A exemplo da reflexo da autora sobre objetos tcnicos em geral, pensar a

    eficcia do medicamento como ao implica em v-la como uma cooperao entre o

    usurio e o dispositivo; [sendo que o] grau de coordenao necessrio sua

    harmonizao varia de acordo com os dispositivos e o meio pelos quais se constroem

    ajustes do dispositivo e seu usurio (Akrich, 1993, p. 57 - traduo nossa).

    Os diferentes estatutos dos medicamentos

    Todas as abordagens acima descritas reconhecem a centralidade dos

    medicamentos para a compreenso de diversas relaes teraputicas e polticas. Todos os

    autores concordam que os medicamentos no so objetos inertes, mas saturados de

    sentidos (Desclaux; Lvy, 2003) e de relaes diversas que tanto lhes conferem salutar

    importncia na anlises de processos teraputicos quanto os legitimam como um bom

    assunto para a antropologia. Alm de consider-los objetos privilegiados para

    aproximao dos universos dos significados, da globalizao, da articulao entre

    biologia e sociedade e da articulao entre dispositivos tcnicos e prticas de uso, os

    autores aqui discutidos posicionam os medicamentos em um conjunto de processos e

    anlises amplos sobre a biomedicina e a modernidade.

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    Articulando pois os domnios da cincia, do mercado e da sociedade a partir do

    laboratrio, Pignarre reflete sobre os medicamentos como objetos implicados em

    processos de longa escala. Semelhantemente, a abordagem segundo o nexo reflete os

    frmacos desde a produo at o acesso, problematizando as relaes e transformaes

    nas quais o medicamento est envolvido. Embora se aproximem na abrangncia da

    anlise, as formas de entrada e as questes por eles problematizadas so distintas:

    Pignarre est preocupado com as relaes constitudas a partir do estudo contra placebo

    e as estratgias de administrao da eficcia e das incertezas produzidas nesse contexto

    dos experimentos em laboratrio; enquanto que os autores que constroem suas anlises

    levando em conta os domnios diversos e heterogneos que compem o nexo do

    medicamento esto interessados em como a circulao deste em nvel global implica em

    transformaes polticas, econmicas e ticas nos mais diversos contextos nacionais e

    locais. Isso implica em diferentes estatutos dados ao medicamentos, pois no

    pharmaceutical nexus despropositado e contraditrio definir o que este seja j que assume

    diferentes posies e sentidos a depender dos atores, planos e perspectivas envolvidos.

    Para a econmica, por sua vez, o agenciamento entre os agentes envolvidos na eficcia e

    gesto das nebulosas produzidas no laboratrio permitem caracteriz-lo, em linhas gerais

    como aquela substncia que se sobressai num estudo contra placebo.

    A noo de agenciamento, por sua vez, permite aproximar as concepes de

    Pignarre e Akrich. Na medida que se reconhece que tal noo consiste em uma

    simbiose definida pelo co-funcionamento de suas partes heterogneas (Neves, 2007, p.

    111), ambos os autores franceses procuram recuperar as diferentes figuras ou actantes

    que participam do percurso teraputico do medicamento, tomando sua eficcia como o

    construto que os conecta da produo ao consumo. interessante notar o quanto ambos

    compartilham tambm de um pressuposto simtrico de considerao tanto da eficcia

    quanto das incertezas que permeiam um processo teraputico, no permitindo que se

    defina tal adjetivo por uma atribuio de sucesso do tratamento pelo uso do

    medicamento em si. Pelo contrrio, como descrito no raciocnio de Akrich a eficcia

    resultado das associaes entre os actantes de modo que, na medida em que a adequao

    de tais correlaes contingente, a eficcia tambm .

    A considerao a respeito da dimenso contigente do medicamento permeia, de

    fato, os outros trabalhos aqui revisados. Contudo, a forma com que tal caracterstica fora

    tratada difere entre os autores e revela os diferentes estatutos dados ao medicamento em

    cada anlise. Para Van der Geest, Whyte e Hardon os medicamentos possuem uma vida

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    social e, dentro desta, uma biografia caracterizada pelas mudanas de regimes de valores

    pelos quais passa em sua trajetria. Nesse caminho, sistemas culturais e simblicos

    compostos de diversos regimes de valor atribuem diferentes sentidos e significados aos

    medicamentos, dando vida social sua concretude material. Tal noo a respeito da

    dimenso contingente dos medicamentos partilhada pelos subscritos analise do nexo

    farmacutico na medida em que para eles interessam os impactos sociais que os

    medicamentos causam, sendo privilegiado seu poder de transformao em contextos

    econmicos e polticos sob anlise.

    A abordagem do nexo e da biografia compartilham tambm uma opo pela no

    abordagem da dimenso material dos medicamentos. Justia seja feita, os autores

    abordagem biogrfica comentam que a tangibilidade (Van der Geest; Whyte, 2003) ou

    concretude dos medicamentos permite transformar o estado de disforia em algo

    concreto, algo para onde o paciente e os outros podem dirigir seus esforos (Van der

    Geest et al 1996, p. 154). Entretanto, ao se aterem vida social dos medicamentos,

    assumem a posio de se encontrarem mais preocupados com seus usos sociais e

    consequncias do que com sua estrutura qumica e efeitos biolgicos (Van der Geest;

    Whyte, 2002, p. 3). Semelhantemente, os colaboradores da coletnea Global

    Pharmaceuticals privilegiam o nexo do medicamento em detrimento de sua materialidade.

    Dentro de suas escolhas sobre o que toca s substncias que compem o medicamento,

    ambas as abordagens do-lhe um estatuto um tanto absoluto, definindo-o a priori do

    contexto analisado como um agente capaz de modificar um estado patolgico e um

    domnio social.

    Madeleine Akrich, por sua vez, em sua postura de levar os objetos a srio tanto

    em sua agncia quanto em sua forma, busca contribuir com uma anlise que leva em

    conta as implicaes da apresentao material do medicamento. Ao considerar que tal

    forma enseja relaes especficas entre os actantes envolvidos, Akrich articula os

    domnios do humano e no-humano, analisando suas associaes heterogneas e

    contingentes como uma rede teraputica. Pignarre, apesar de no fazer uma anlise to

    direta da forma do medicamento, analisa que a construo de sua eficcia em um estudo

    contra uma substncia placebo faz deste um artefato tcnico que, na medida em que no

    eficaz do ponto de vista bioqumico, enseja uma srie de relaes montante e

    jusante do laboratrio que o caracterizam como um articulador entre o biolgico e o

    social. Desta forma, esses autores, ao salientarem que o medicamento se constitui em um

    feixe heterogneo e complexo de relaes, no o definem a priori, mas sim como um

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    mediador material de relaes a partir do agenciamento ou da rede teraputica que este

    insta.

    Medicamentos em contexto e medicamentos como contexto

    A dinamicidade dos medicamentos no est restrita s distintas dimenses de

    contingncia com que as diferentes abordagens lhes caracterizam. As propostas aqui

    trabalhadas reconhecem os medicamentos como objetos que, alm de no serem inertes

    pelas relaes e significados que os conformam, esto em constante movimento. O

    reconhecimento do advento da indstria farmacutica como marco histrico que sustenta

    histrica e politicamente a centralidade dos medicamentos em diversas dinmicas

    contemporneas em escala global tem implicaes importantes sobre as quatro

    abordagens aqui descritas. Tal fato fica explcito a partir de dois elementos persistentes

    nos trabalhos. O primeiro deles diz respeito identificao de fases, etapas ou

    associaes coordenadas e sucessivas, que pem em foco os diversos deslocamentos dos

    medicamentos. O segundo, articulado a esse, provm da articulao dos medicamentos

    ao universo do mercado, alando tais objetos ao mbito da circulao comercial de

    mercadorias - inclusive em nvel global. Tendo tais movimentos em vista, nesta ltima

    sesso, propomos enfim pensar nos tipos de circulaes em que os autores identificam os

    medicamentos e como propem estud-los metodolgica e teoricamente. A partir dessa

    exposio, analisamos tais investimentos nos movimentos dos medicamentos enquanto

    forma de articular sujeitos e objetos, alinhavando-os em um escopo terico antropolgico

    mais amplo.

    Sobre o primeiro aspecto do movimento dos medicamentos, nota-se que os

    autores identificam uma certa cronologia dos medicamentos que se inicia na produo

    da molcula em laboratrio e segue at o consumo de forma mais ou menos ordenada.

    As cinco fases biogrficas identificadas por Van der Geest, Hardon e Whyte talvez sejam

    a abordagem em que fica evidente de forma mais plstica e segmentada o trajeto

    vivenciado pelos medicamentos. De modo menos entrecortado, essa mesma ideia de que

    os medicamentos de que os domnios por onde circulam amplo e abrangente est

    presente nos demais trabalhos, na medida em que notamos a diversidade de

    deslocamentos que este sofre - e promove - nos stios que compem sua trajetria. Nesse

    sentido, entendemos aqui que as abordagens aos medicamentos aqui apresentadas o

    reconhecem em um fluxo, no sentido proposto por Ulf Hannerz: Fluxo, [...], aponta,

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    portanto, para uma macroantropologia, um ponto de vista bastante abrangente da

    coerncia (relativa) e da dinmica de entidades sociais e territoriais maiores do que

    aquelas convencionalmente abordadas pela disciplina (Hannerz, 1997, p. 11).

    Reconhecer os frmacos em fluxo, nesse sentido, implica em fazer uma antropologia que

    perpasse por todos stios, identificando as diversas transformaes transcorridas no, pelo

    e atravs dos medicamentos.

    Mais que a identificao dos pontos de passagem que formam os caminhos dos

    medicamentos, os autores destacam a heterogeneidade destes, seja pelos cambiantes

    regimes de valores, pela multiplicidade de camadas superpostas de interesses envolvidos

    ou pela heterogeneidade de atores e agentes que pululam em associao com os

    medicamentos. Nesse sentido, fazer uma investigao desses objetos implica para os

    autores situar-se onde eles se encontrarem, perseguindo-os pelos caminhos que

    prosseguir, deslocando-se pelos mltiplos lugares conectados pelo rastro dos

    medicamentos, realizando uma etnografia multi-situada que, ao examina[r] a circulao

    de significados culturais, objetos e identidades no tempo-espao difuso (Marcus, 1995,

    p. 96) , vale-se de estratgias de literalmente seguir conexes, associaes e relaes

    putativas (idem, p. 97 - traduo nossa). A abordagem que nos permite ver com mais

    clareza a abrangncia e relevncia dessa dinamicidade etnogrfica a do nexo dos

    medicamentos, pois seus signatrios nos apresentam mapas geopolticos diversificados e

    multifacetados formados pelos deslocamentos dos medicamentos por contextos cuja

    constante transformao j preexistente aos medicamentos se intensifica e prolifera em

    diversas direes quando com este entram em contato.

    Uma segunda dimenso dos movimentos dos medicamentos investigada por essas

    abordagens tem a ver com o destaque dado ao universo mercantil como um articulador

    central entre os diversos domnios enredados atravs dos medicamentos. Este, no livre

    de problemas, garante que a produo se torne acessvel a populaes absolutamente

    extensas e heterogneas, sendo um n fundamental para pensar a articulao entre tais

    objetos e os sujeitos que os administram em situaes especficas. Philippe Pignarre

    sublinha que o laboratrio de estudos clnicos o lugar em que acontece a hibridizao

    do progresso mdico e do capitalismo, posto que permite a produo de medicamentos

    idnticos em srie e, desta forma, remodela ao mesmo tempo o fluxo de racionalidade e

    o fluxo de capitais (Pignarre, [s.d.]). Podemos inferir que tal afirmao est ancorada

    sobre a anlise que considera a formao de relaes montante e a jusante do

    laboratrio de estudos contra placebo. Se pensarmos, por exemplo, na criao de um

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    mercado de empresas especializadas no recrutamento de voluntrios para o estudo de

    molculas em populaes humanas, criando-se assim um novo ramo de

    empreendimentos a partir da demanda do laboratrio (Angell, 2004)11, enxergamos como

    a produo de medicamentos segundo determinados protocolos cientficos estimula a

    criao de relaes profissionais, econmicas, polticas e ticas antes desconhecidas. Por

    outro lado, a produo de medicamentos idnticos e em srie os permite circular em

    escala global em um regime semelhante ao das mercadorias.

    Um adendo importante de ser feito nesse momento: Pignarre, em sua

    abordagem econmica, no considera os medicamentos como mercadorias de fato. Isso

    porque sua circulao seria mediada por um srie de figuras-guardies dos

    medicamentos. Assim, somente aps passar por um prescritor-mdico e um dispensador-

    farmacutico o pblico teria acesso aos frmacos12. Diferentemente, na viso do autor, as

    mercadorias so acessveis s pessoas de forma livre atravs do comrcio. Van der Geest,

    Hardon e Whyte, pelo contrrio, aproximam-se da proposta de uma biografia cultural

    dentro da vida social das coisas caracterizando os medicamentos como mercadorias

    dentro do fluxo internacional de capitais e comrcio (1996, p. 170 - traduo nossa).

    Tal diferenciao lana luzes para os diferentes sentidos dados por esse trio e Pignarre ao

    que chamam a vida social dos medicamentos. Para Van der Geest et al, vida social se

    refere nima injetada nos medicamentos pelos regimes de valores pelos quais este

    transita. No caso de Pignarre, a vida social dos medicamentos aquela na qual este entra

    finalmente em contato com um organismo humano vivo, sendo preciso, para tanto,

    socializ-lo em testes preliminares em outros tecidos at que sua potncia avassalante

    seja domesticada. Para os primeiros, a mobilidade dos frmacos como mercadorias

    fundamental para seus trnsitos entre regimes de valores, enquanto para Pignarre

    justamente a necessidade de etapas sucessivas de socializao que lhes impede de circular

    livremente como mercadoria.

    As distintas formas de apreenso dos fluxos de circulao dos medicamentos

    incidem sobre as formas com que os autores analisam as situaes especficas e articulam

    esses objetos aos sujeitos que esto implicados nas relaes investigadas. Apostando

    ainda em estratgias metodolgicas multi-situadas para investigao dos medicamentos,

    os autores divergem quanto aos construtos tericos que produzem a partir desse

    investimento. Os autores da biografia e do nexo, por um lado, e da econmica e da

    11 Na referida obra, a autora refere-se especificamente aos Estados Unidos. 12 Para Pignarre, somente o medicamento comprado sem prescrio (over the counter) uma mercadoria.

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    tcnica, por outro, atribuem diferentes estatutos analticos ao fluxo dos medicamentos e,

    dessa forma, do diferentes amarraes tericas para as relaes entre os sujeitos

    humanos e objetos medicamentos.

    Os primeiros, ao reconhecerem os fluxos dos medicamentos como trnsitos que

    relacionam um medicamento dado a um stio determinado, se preocupam com as

    relaes nas quais o medicamento se insere e transforma, sendo importante o

    medicamento em contexto, ou seja, os diferentes significados que recebeu em sua biografia

    cultural e os deslocamentos que produziu em diferentes nexos de relaes sociais e

    econmicas nacionais e locais. Nota-se, assim que, ainda que possuam alguma agncia,

    os medicamentos so tidos como objetos materiais dados e que, na medida em que

    entram em contato com contextos tambm dados, transformaes mtuas podem

    acontecer.

    Para Akrich e Pignarre, por outro lado, os fluxos farmacuticos so como rastros

    que iluminam actantes heterogneos, sendo o medicamento um deles somente enquanto

    implicado em outras associaes. Nesse sentido, refletem sobre o medicamento como um

    objeto-tcnico, que em sua especificidade material, gentica e de forma um feixe de

    relaes entre atores heterogneos. Estes, por sua vez, na medida em que se engajam de

    formas distintas, constituem tambm outros complexos de relaes implicadas pelo

    frmaco. Nesse sentido, diferentemente de se privilegiar o contexto no qual o

    medicamento est inserido como forma de dar conta de seus diversos movimentos e

    aspectos, o prprio medicamento pensado como contexto, ou seja, como um conjunto de

    relaes entre humanos e no-humanos contingentemente objetivado. Nesse raciocnio,

    o medicamento no rodeado e conformado por relaes, mas permeado e constitudo de

    relaes. Este no age por causa das relaes e nem sobre as relaes que lhe antecedem

    e orientam, mas em um engajamento ou implicao nas relaes, que tanto se

    constituem por meio do medicamento quanto, simultaneamente, o constituem.

    Comentrios finais

    As contribuies dos autores ao pensamento antropolgico so de ordens e

    profundidades diversas. O nexo farmacutico chama a antropologia refletir criticamente

    sobre os fluxos de capitais e de racionalidades que acompanham o avano da indstria

    farmacutica, salientando dimenses e implicaes sociais e ticas desse gigante ramo

    financeiro e cientfico. Van der Geest, Whyte e Hardon articulam o medicamento s

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    reflexes a respeito de mercadorias e fases da vida, iluminando que atravs dos

    medicamentos possvel acessar sistemas de classificao e entendimento do mundo e,

    dentro deste, mais especificamente aqueles do universo da doena e da cura. Pignarre e

    Akrich, por sua vez combinam o esforo de deslocar a associao entre eficcia e

    relaes sociais do plano estritamente simblico, no deixando de lado a dimenso

    material dos medicamentos. Mais do que isso, ambos no tomam a questo da eficcia

    como algo certo dentro de um processo teraputico, mas sim como um conjunto de

    articulaes que entremeia atores bastante heterogneos. Nesse sentido, abrem espao

    para anlises a respeito de terapias que no logram xito curativo sem necessariamente

    pensar nesses casos como fracassos, mas como agenciamentos ou aes cujo efeito da

    ordem da contingncia - inclusive a prpria cura.

    Os medicamentos, a partir das abordagens francesas aqui rapidamente

    apresentadas e cotejadas apresentam um interessante ensejo para reflexo a respeito de

    prticas metodolgicas e analticas bastante consolidadas na prtica antropolgica e que

    vm sendo revisitadas e criticadas por perspectivas hoje j difundidas, como a da

    sociologia das associaes ou da antropologia simtrica. O contraste das propostas de

    antropologia dos medicamentos em contexto e como contexto aqui revisadas permitem

    explicitar um tipo de problematizao que contribui profundamente tanto para a

    disciplina como um todo quanto para o campo de estudos em antropologia da sade e da

    doena. As abordagens da econmica e da tcnica, ao refletirem sobre os medicamentos

    como agenciamento ou rede, abdicam de uma perspectiva que atribua cultura e

    organizao social respostas apriorsticas a respeito do que seja o medicamento. Pelo

    contrrio, ao deslocarem o eixo de preocupaes dos significados para as relaes,

    empreendem um esforo de acompanhar as associaes implicadas no e atravs do

    medicamento, sempre considerando que nenhuma se constitui anteriormente outra -

    nem o prprio medicamento dado a priori. Nesse sentido, permitem acompanhar as

    relaes teraputicas como algo que no possa ser explicado por uma ordem que lhe seja

    exterior ou paralela, ainda que com ela relacionada, mas como um conjunto de

    engajamentos entre pessoas, processos, procedimentos e substncias materiais.

    Alm disso, possibilitam-nos enveredar por um campo de investigaes que no

    julgue eficcia ou ineficcia de um determinado tratamento exclusivamente pelas

    propriedades qumicas do medicamento ou pela ausncia ou presena de rudos na

    relao entre terapeutas e pacientes. O esforo que apresentam lana luzes para um

    campo de investigao eminentemente processual no qual atores investidos de diferentes

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    atributos se engajam em relaes cujo efeito contingente e cuja articulao pode ou no

    levar cura de uma determinada doena. E mais: na medida em que se desvincula a ao

    ou agenciamento do medicamento de uma finalidade curativa, podemos refletir sobre

    prticas de usos de medicamentos que no necessariamente esto vinculadas

    eliminao de uma determinada doena, mas a efeitos absolutamente diversos e no

    necessariamente teraputicos.

    Tendo corrido o risco de simplificar demasiadamente as abordagens terico-

    metodolgicas aqui apresentadas e assim ter sido um tanto injusta com as contribuies

    de cada uma a esse campo de pesquisa que ala voo cada vez mais firme no cenrio

    brasileiro e internacional, espero ter contribudo com uma reviso que apresente uma

    pluralidade de estratgias de abordagem aos medicamentos e de questes antropolgicas

    que podem ser refletidas a partir deles. Longe de procurar esgot-las, aponto aqui as

    limitaes de meu esforo e das abordagens apresentadas como um incentivo para que

    desenvolvamos cada vez mais estudos sobre esses intrigantes objetos que nos

    acompanham to de perto. A inteno aqui no a de indicar a abordagem adequada

    para cada contexto, mas apontar quo diversificadas so as situaes em que os

    medicamentos esto inseridos, bem como possibilidades de abord-las. Pensando com os

    autores e seus dilogos com a antropologia, finalizo essa digresso salientando a

    importncia de deixarmos nossas pesquisas etnogrficas indicarem a (im)pertinncia de

    cada uma dessas abordagens para nossas inquietaes e problemas em campo e, nesse

    passo, apontarem e desafiarem seus limites explicativos.

    Rosana Castro

    Mestranda em Antropologia Social, DAN/UNB

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    Resumo: A antropologia ainda relativamente carente de sistematizaes de estratgias terico-metodolgicas para estudo dos medicamentos modernos em suas dimenses culturais, simblica, material e sociotcnica. Este trabalho visa contribuir com uma reviso crtica, comparao e cotejamento de diferentes investigaes e teorizaes sobre esses objetos. A partir de uma reviso preliminar da literatura antropolgica sobre o assunto, passaremos em revista propostas de abordagem que lanam luzes para uma vertente de estudos especificamente neles centrada, como por exemplo a biografia, o nexo, a tcnica e a econmica dos medicamentos. Salientam-se as estratgias de abordagem ao tema, as referncias tericas acionadas e as anlises desenvolvidas por essas distintas abordagens, sistematizando-as de modo a explicitar o estatuto que os medicamentos recebem em cada uma delas e, nesse passo, analisar em que medida tal opo ilumina novas perspectivas para problemas antropolgicos mais amplos. Palavras-chave: Antropologia dos medicamentos. Biografia. Nexo. Econmica. Tcnica.

    Abstract: Anthropology is still relatively lacking systematization of theoretical and methodological strategies for the study of modern drugs in their cultural, symbolic, material and socio-technical dimensions. This article aims to contribute to a critical review, comparison and collation different theories and anthropological investigations about these objects. From a preliminary review of anthropological literature on the subject, we review proposals for approach that cast lights for a strand of studies focused on medicines, such as biography, the economic, the nexus and the technique of drugs. Special attention is given to the strategies of approach to drugs, the theoretical references and driven analysis developed by these different approaches. We systematize them in order to clarify the status that the medicines take and analyze the extent to which option illuminates new perspectives for broader anthropological problems. Keywords: Anthropology of medicines. Biography. Nexus. Economy. Technique.

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    Recebido em: 29/09/2011 Aprovado em: 05/01/2012