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    FALCO, Lus. Benjamin Constant: os Princpios e as Repblicas.

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    Benjamin Constant: os Princpios e asRepblicas

    Lus A lv es Falco1

    Jaurais eu developper un avantage trop peuremarque, de la Republique sur la Monarchie, cest la

    conservation des formes livres.Benjamin Constant

    Resumo

    A repercusso do pensamento de Benjamin Constant sedeve, em grande medida, ao seu esforo terico de tornar

    os seus princpios de poltica redutveis, ou aplicveis, a

    todos os governos. Princpios liberais estes que acentuam

    a individualidade e as marcantes diferenas dos usos e

    costumes da vida moderna em comparao antiga.

    Entretanto, a variabilidade de suas posturas colocou-o em

    uma situao de difcil classificao, para alm da de

    liberal. Neste artigo, argumenta-se que seus princpios de

    poltica so, de fato, oriundos de sua concepo de

    repblica, pois, para que sejam aplicados s monarquias,

    so necessrias duas instituies modernas: o poder

    neutro do rei e a hereditariedade de uma assembleia

    legislativa. Nesse sentido, a teoria de Constant gira em

    torno de um republicanismo que melhor se coaduna aos

    princpios de poltica; esse republicanismo reside na

    juno entre o que Constant definiu como liberdade dos

    antigos e a liberdade dos modernos.

    1 Doutorando em Cincia Poltica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto deEstudos Sociais e Polticos. Bolsista da CAPES. Agradeo aos valiosos comentrios dospareceristas annimos, a responsabilidade pelo contedo inteiramente minha.

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    Introduo

    Este trabalho tem o objetivo de identificar o papel do republicanismo no

    pensamento de Benjamin Constant, a partir de suas consideraes a respeito dos

    princpios de poltica. Se h algo de contnuo ou constante (FLORENZANO, 2001,

    p. 168) na trajetria de seu pensamento, e particularmente em suas reflexes

    polticas, sua inalterada defesa dos princpios de poltica, justamente porque se

    pretendem aplicveis a todos os governos. No seria difcil atac-lo, classificando-

    o de oportunista, pois suas formulaes institucionais variam com as mudanas

    dos governos na Frana. Aps a revoluo, durante o perodo republicano,

    escreveu De la force du gouvernement actuel de la France et de la ncessit de

    sy rallier, franca defesa republicana. No perodo napolenico, voltou-se para as

    monarquias constitucionais, trabalhando em Principes de politique. Ao romper com

    Napoleo, admite sua conduta:

    Mas, na mesma obra e mesmo captulo onde expusestes princpios, eu me declarei tambm em favor dogoverno republicano, e eu conheci todos osargumentos que podem fazer as repblicas preferveis

    monarquia. A repblica caiu: eu certamente noajudei, nem aplaudi sua queda. (CONSTANT, 1997b,p. 533)2.

    A queda da repblica o fez rever suas estratgias, mas no seus princpios.

    A questo, ento, se lhe reps de modo diverso: como pode uma monarquia

    sustentar os princpios de todos os governos, uma vez que esses se fixavam nas

    repblicas? A criatividade institucional de Constant ultrapassa suas anlises de

    juventude sobre a conjuntura e lhe garante um lugar definitivo na histria do

    2 Mais, dans le mme ouvrage et dans le chapitre mme ou jexposais ces principes, je medclarais aussi en faveur du gouvernement rpublicaine, et je runissais tous les raisonnementsqui peuvent faire prferr la rpublique la monarchie. La rpubliq ue est tombe: je nai certes nicontribu, ni applaudi sa chute (CONSTANT, 1997b, p. 533). Quando no estiver indicado nasreferncias bibliogrficas, a traduo nossa.

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    pensamento poltico. Pouco importa a forma do governo se os princpios so

    respeitados:

    A liberdade, a ordem, a felicidade do povo so o

    objetivo das associaes humanas; as organizaespolticas so apenas os meios, e um republicanoesclarecido est muito mais disposto a se tornar ummonarquista constitucional que um partidrio damonarquia absoluta. Entre a monarquia constitucionale a repblica, a diferena est na forma. Entre amonarquia constitucional e a monarquia absoluta, adiferena de fundo (CONSTANT, 1837, p. 469)3.

    A proximidade da repblica com a monarquia constitucional ainda maior

    que entre uma monarquia constitucional e uma absoluta, como descrita acima no

    prefcio da edio do Des Ractions Politiques de 1818. Porque as primeirasrespeitam os princpios, mesmo que por meios diversos; mas a ltima, no. Nesse

    sentido, o presente artigo argumenta que os princpios de poltica so mais

    espontaneamente afeitos s repblicas e, para que subsistam nas monarquias,

    so necessrios dois rgos polticos, a saber, o poder neutro do rei e a

    assembleia hereditria. Por isso, os princpios de poltica aplicveis a todos os

    governos no so, em todos os governos, do mesmo modo aplicveis.

    A dificuldade inerente ao estudo do pensamento poltico de Constant deve-

    se, em grande medida, ao fato de o autor no ter uma obra que assuma um corpo

    perfeitamente coeso em todos os momentos de sua vida intelectual; no h, de

    fato, um texto definitivo. Seus livros foram por ele editados e reeditados com

    significativas variaes, de modo que dificultou o estabelecimento de uma verso

    definitiva de suas principais obras polticas (BIGNOTTO, 2003, p.37). Sendo

    assim, necessrio, ao trabalhar com Constant, selecionar os textos que so mais

    adequados para determinado assunto. A coletnea de obras organizada por

    Marcel Gauchet, sob o nome crits Politiques, nos serve de parmetro inicial,

    3 La libert, lordre, le bonheur des peuples, sont le but des associations humaines; lesorganisations politiques ne sont que des moyens, et un rpublicain clar est beaucoup plusdispos devenir um royaliste constitutionnel quun partisan de la monarchie absolue. Entre lamonarchie constitucionnelle et la rpublique, la diffrence est dans la forme. Entre la monarchieconstitucionnelle et la monarchie absolue, la diffrence est dans le fond (CONSTANT, 1837, p.469).

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    entretanto buscaremos um maior destaque aos Principes de politique, publicados

    em maio de 1815, e, sempre que possvel, procuraremos em outros escritos o

    aparecimento de nosso tema.

    Em sua introduo edio brasileira de 2005 dos Princpios, Clia Galvo

    Quirino aponta, mesmo sem se aprofundar nos motivos, a posio liberal

    republicana de Benjamin Constant (2005, p. XVIII). Mais conhecido pela sua

    inveno do poder neutro, que coloca a figura do monarca em uma posio

    superior aos poderes do governo, de se estranhar como Constant possa ser

    interpretado como defensor da repblica. Confere um contrassenso maior ainda a

    sua defesa de uma assembleia hereditria. Para Constant, essas categorias

    importam menos do que o resultado obtido com as instituies. Ao longo do livro,

    De lesprit de conqute et de lusurpation, de 1814, estabelece-se uma relao de

    interdependncia entre a usurpao e o despotismo4. O despotismo, em si, no

    por ele avaliado como um fenmeno execrvel por sua natureza, embora traga

    consigo consequncias nefastas. No da natureza dos modernos aceitar essas

    consequncias, contudo, Constant silencia quanto aos motivos que levam os

    modernos a resistirem a tal regime. Na mesma direo, mas em sentido oposto,

    se pode compreender a repblica. Independentemente do fato de o mundo

    moderno resistir ou no ao republicanismo, ou repblica, seus princpios so osmesmos dos modernos. Assim, a capacidade do republicanismo em ser mais til

    s condies de vida moderna no implica, necessariamente, que sua forma de

    governo deva ser adotada; por isso as repblicas so mais afeitas aos princpios.

    De outro modo, as consequncias que so trazidas pelo republicanismo ou

    repblica aos homens, sob condies de modernidade e ancoradas nos princpios,

    so igualmente aceitas e desejveis.

    Nosso ponto de partida para esse trabalho compreende uma investigao

    sobre a repblica em si e como esse regime se coaduna com os princpios de

    poltica aplicveis a todos os governos. Buscaremos mostrar como um

    determinado regime e, mais especificamente, formas de governo podem ou no

    4O primeiro se refere a saques de um governo em territrios alheios; o segundo, diferenciaode despotismo e monarquia internamente a cada Estado.

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    afetar os princpios. Importa ressaltar que nos ateremos aos textos propriamente,

    e no nos esforaremos por uma compreenso histrica da vida e obra de

    Constant.

    Os princpios

    A pretenso de sua obra de maior destaque, Principes de politique, segue a

    esteira do esforo de identificar linhas gerais de conduo de todo e qualquer

    governo. Observando o texto, difcil identificar uma definio precisa de

    princpios, entretanto, possvel perceber dois pilares que os guiam, a saber: a

    liberdade e a justia. O esforo de Constant nesse trabalho o de solidificarinstituies que permitam a uma monarquia constitucional garantir, com

    segurana, o cumprimento dos princpios que, para ele, so universais. Para tal

    empreitada, preciso mais do que designar funes, mas, antes, impor limites ao

    poder.

    Em seu primeiro e um dos mais importantes captulos Da soberania do

    povoConstant reconhece esse fundamento e afirma a supremacia da vontade

    geral sobre a vontade particular (2005a, p.7)5. Isso se deve exclusivamente ao

    fato da legitimidade do poder se ancorar na vontade geral e no na fora. Em

    seguida, v-se forado a se posicionar: O reconhecimento abstrato da soberania

    do povo no aumenta em nada a soma da liberdade dos indivduos; e se se

    atribuir a essa soberania uma latitude que ela no deve ter, a liberdade pode ser

    perdida apesar desse princpio, ou at por causa desse princpio (2005a, p. 8)6.

    Emerge uma caracterizao indireta de princpio: a soberania do povo. Ao longo

    do texto, diversos princpios aparecem como reconhecimento de legitimaes

    polticas, mas esto determinados por princpios maiores, no caso, a liberdade.

    Nesse sentido, umprincpiopode, em determinadas circunstncias, contrapor-se a

    outros por exemplo, a soberania do povo e a liberdade. H, assim, a

    5la suprmatie de la volont gnrale sur toute volont particulire (CONSTANT, 2005a, p. 310).6 La reconnaissance abstraite de la sourveraininit du peuple naugmente en rien la somme delibert peu tre perdue malgr ce prncipe, ou mme par ce prncipe (CONSTANT, 1997d, p. 311).

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    necessidade de se estabelecer quais so os princpios indispensveis, os fins; e

    quais so os meios. A soberania do povo o reconhecimento do poder legtimo,

    disso decorre o seguinte princpio fim: a liberdade. Como oposta liberdade, a

    soberania do povo no pode ultrapassar uma latitude tal que fira este princpio

    Aos abusos da liberdade, oporia os abusos do poder (2001, p. 219)7. So ambos

    osprincpiosinterdependentes, sendo um o meio, outro, o fim.

    Aparece aqui um aspecto chave no pensamento de Constant: a

    necessidade de impor limites soberania. A soberania s existe de maneira

    limitada e relativa (2005a, p. 9)8. A contundente crtica a Rousseau (MANENT,

    1987, p. 131) no reside no reconhecimento da soberania do povo, mas na forma

    com que esse princpio se estabelece: Ele [Rousseau] declarou que a soberania

    no podia ser nem alienada, nem delegada, nem representada. Era declarar, com

    outras palavras, que no podia ser exercida; era aniquilar de fato o princpio que

    acabava de proclamar (2005a, p. 11)9. Independente da qualidade da anlise que

    Constant faz de Rousseau, a preocupao com as caractersticas da soberania

    apontam para a necessidade de sua existncia, mesmo que limitada.

    Inevitavelmente, o problema da soberania recai, medida que se expande, na

    limitao da liberdade. Assim, a soberania deve ser limitada para que ela,

    soberania, no limite a liberdade. Conceito chave para Constant, a liberdade deveser vista com mais cautela.

    O conhecido discurso pronunciado no Athne Royal de Paris em 1819

    fundador da verso liberal da liberdade. Proponho-me submeter a vosso

    julgamento algumas distines, ainda bastante novas, entre duas formas de

    liberdade, cujas diferenas at hoje no foram percebidas ou que, pelo menos,

    foram muito pouco observadas (CONSTANT, 1985, p. 9).10 Opondo dois

    conceitos sob um mesmo ttulo, Constant define a liberdade dos antigos em

    7Aux abus de la libert, jaurais oppos les abus de la puissance (CONSTANT, 2010, p. 39).8La souverainitnexiste que dune manire limite et relative (CONSTANT, 1997d, p. 313).9 Il a dclar que la souverainet ne pouvait tre ni aline, ni dlge, ni reprsente. Ctaitdclarer en dautres termes quelle ne pouvait tre exerce; ctait anantirde fait le principe quilvenait de proclamer (CONSTANT, 1997d, p. 314).10Je me propose de vous soumettre quelques distintions, encore assez nouve, entre deux genresde libert, dont les diffrences sont restes jusq ce jour inaperue, ou du moins trop peuremarques (CONSTANT, 1997a, p. 591).

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    contraposio dos modernos. A argumentao central j estava sendo

    desenvolvida em sua obra11, entretanto ela ganha corpo final em seu

    pronunciamento. A liberdade dos antigos a realizao da vontade e da

    participao cujas condies subvertem a individualidade e atribuem significado

    da vida em conjunto na atuao poltica.

    Esta ltima consistia em exercer coletiva, masdiretamente, vrias partes da soberania inteira, emdeliberar na praa pblica sobre a guerra e a paz, emconcluir com os estrangeiros tratados de aliana, emvotar as leis, em pronunciar julgamentos, em examinaras contas, os atos, a gesto dos magistrados; emfaz-los comparecer diante de todo o povo, em acus-lo de delitos, em conden-los ou em absolv-los; mas,ao mesmo tempo em que, consistia nisso o que os

    antigos chamavam liberdade, eles admitiam, comocompatvel com ela, a submisso completa doindivduo autoridade do todo (CONSTANT, 1985, p.11)12.

    A liberdade dos modernos seu oposto. Entre os modernos, ao contrrio,

    o indivduo independente na vida privada, mesmo nos Estados mais livres s

    soberano na aparncia (CONSTANT, 1985, p. 11)13. Desfrutar da individualidade

    e das garantias da vida privada so as caractersticas centrais dessa liberdade.

    Constant coloca, assim, os indivduos em situao superior aos negcios pblicos.

    Essa to comentada classificao traz embutida em si uma concepo de

    progresso e admite como esfera da natureza humana dois vetores: um para o

    pblico, outro para o privado. Desse modo, o liberalismo de Constant reconhece

    que, ao mundo moderno, no se pode impor a liberdade dos antigos.

    necessrio ter clareza de que esta uma verso liberal dos inmeros

    conceitos de liberdade j debatidos tanto por antigos, quanto por modernos. Antes

    11Ver, por exemplo, Des esprit de conqueur, p. 206-209.12Celle-ci consistait exercer collectivement, mais directement, plusiers parties de la souverainettoute entire, dliberer, sur la place publique, de la guerre et de la paix, conclure avec lestranders des traits dalliance, voter les lois, prononcer les jugements, examiner lescomptes, les actes, la gestion des magistrats, les faire comparatre devant tout le people, lesmettre en accusation, les condamner ou les absourde; mais en mme temps que ctait l ceque les anciens nommaient liberte, ils admettaient comme compatibile avec cette liberte colletivelassujettissement complet de lindividu lautorit de lensemble (CONSTANT, 1997a, p. 594).13Chez le modernes, au contraire, lindividu, indpendant dans la vie prive, nest, mme dans lestats plus libres, souverain quem apparence (CONSTANT, 1997a, p. 595).

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    de a verso ser liberal, no entanto, h uma tipologia classificatria. No mundo

    antigo, os territrios eram pequenos (1997b, p. 206), as guerras eram os meios de

    aquisio (1997b, p. 143), a conquista era feita em nome da glria (1997b, p. 130);

    para isso, requeria-se intensa participao do coletivo. No mundo moderno, os

    territrios so grandes (1997b, p. 208), o comrcio o meio de aquisio (1997b,

    p. 136), a conquista inoportuna e amoral (1997b, p. 140). Alm de ser

    absolutamente dispensvel a participao, essas categorias so melhor

    coadunadas com a vida individual e privada. O mundo de nossa poca

    precisamente, sob essa relao, o oposto do mundo antigo (1997b, p. 129)14.

    Bignotto (2003, p. 40) destaca o carter evolucionista dessa classificao.

    Para ele, a argumentao de Constant confere superioridade aos modernos. De

    fato, tomadas as categorias em conjunto, existe uma predisposio a aceitar uma

    verso da filosofia da histria como progresso. O comrcio como substituto da

    conquista; um edifcio social, substituto da usurpao: estas so as marcas,

    inequivocamente, evolucionistas: A guerra anterior ao comrcio. Uma a

    impulso selvagem, outra o clculo civilizado (CONSTANT, 1997b, p. 130)15.

    Contudo, no que diz respeito liberdade, os momentos de deleite para com os

    modernos no so significativamente superiores se comparados aos dos

    antigos16

    . H dois caminhos para solucionar tal impasse. O primeiro identificaruma perspectiva evolucionista em todos os termos que definem as sociedades e,

    com isso, concluir por uma evoluo da liberdade. O segundo compreender a

    identidade de cada um desses parmetros como nica e inerente a si mesma. No

    coincidncia o fato de os princpiosde poltica serem gerais, aplicveis a todos

    os governos, assim como todo o arcabouo de sua diferenciao dos antigos e

    14 Le monde de nos jours est prcisment, sous ce rapport, lopos du monde ancien

    (CONSTANT, 1997b, p. 129).15 La guerre est donc antrieure au commerce. Lune est limpulsion sauvage, lautre le calculcivilis (CONSTANT, 1997b, p. 130).16Ao longo do discurso sobre as suas liberdades, possvel perceber o emprego de alguns termossutis que induzem o leitor a crer na superioridade da liberdade dos modernos. preciso ter claroque este pronunciamento possui um carter eminentemente prtico de convencimento a respeitoda inaplicabilidade da liberdade dos antigos em tempos modernos. O captulo VI do De lesprit deconqute et de la usurpationtrata sistematicamente da mesma temtica desenvolvida no discurso,entretanto sem a utilizao dos recursos retricos, o que evidencia uma ausncia de perspectivaevolucionista da liberdade.

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    modernos e, de outro modo, os regimes em si pertencerem a categorias

    individuais prprias, tal como cada um dos parmetros antigos e seus correlatos

    modernos. Esse modo de argumentao, herdado de Montesquieu, faz-se a partir

    de uma composio entre as partes e o todo. No que concerne aos princpios, no

    importa se o mundo antigo ou moderno, repblica ou monarquia.

    A liberdade um princpio-fim da poltica, ela deve subsistir sob quaisquer

    condies. Seja liberdade antiga, seja moderna, a poltica assume o papel de

    garantir os meios para sua realizao. Referindo-se ao mundo moderno, a poltica

    sustenta a liberdade dos modernos. Antes de se concluir pelo aspecto

    evolucionista de Constant, cabe dizer que cada liberdade se adqua a cada

    tempo. Surge, ento, o peso de sua argumentao contrria ao anacronismo

    defendido e oferecido por muitos de seus contemporneos, sobretudo os maisradicais revolucionrios (GAUCHET, 1997, p. 54-55). O mesmo argumento serve

    igualmente para o despotismo, a conquista e a usurpao: Mas a prtica

    prolongada do despotismo impossvel hoje. O despotismo um anacronismo,

    como a conquista e a usurpao (CONSTANT, 1997b,p. 204)17.

    Num certo sentido, assim como Montesquieu, sua avaliao dos objetivos

    da poltica depende, em ltima instncia, de uma compreenso sociolgica das

    sociedades (GAUCHET, 1997, p. 59). Todas as faculdades naturais, como todas

    as vantagens sociais, devem encontrar seus lugares na organizao poltica

    (CONSTANT, 1997b, p. 193)18. Assim, a capacidade de ao poltica pode ser

    entendida como permanentemente limitada pelas condies sociais dadas que a

    ao encontra: O legislador est para a ordem social assim como o fsico est

    para a natureza (CONSTANT. apud GAUCHET, 1997, p. 69)19. Portanto, a

    sntese de sua argumentao pode ser expressa nas seguintes palavras:

    O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os cidados de uma mesma ptria. Era

    17 Mais la pratique prolonge du despotisme est impossible aujourdhui. Le despotisme est uneanachronisme, comme la conqute et la usurpation (CONSTANT, 1997b, p. 204).18 Toutes les facults naturelles, comme tous les avantages sociaux, doivent trouver leur placedans organisation politique (CONSTANT, 1997b, p. 193).19Le lgislateur est pour lordre social ce que le physicien est pour la nature (CONSTANT. apudGAUCHET, 1997, p. 69).

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    isso o que eles denominavam liberdade. O objetivodos modernos a segurana dos privilgios privados;e eles chamam liberdade s garantias concedidaspelas instituies a esses privilgios (CONSTANT,1985, p. 15-16)20.

    Nesse sentido, a liberdade um princpio-fim de todos os governos, antigos e

    modernos.

    Outro fundamento do governo a justia. No to trabalhada quanto a

    liberdade em sua obra, verdadeiramente pouco debatida, a justia

    corriqueiramente citada e utilizada como autoridade e exemplo de um governo que

    respeita os princpios. Entretanto, no h indcios de que Constant tenha se

    debruado no tema com afinco tal que lhe permitisse elaborar uma proposio

    terica e sistemtica. As referncias em sua obra dizem respeito a uma situaoequitativa entre cidados ou sditos sustentada, mas no promovida, pelo poder

    soberano, atuando atravs dos organismos de Estado.

    O comrcio se apia sobre a boa inteligncia entre asnaes, ele se sustenta apenas pela justia, ele sefunda sobre a igualdade, ele prospera no repouso; eseria pelo interesse do comrcio que o governoreacenderia as guerras ferozes sem cessar, elechamaria sobre a cabea de seu povo um dio

    universal, ele andaria de injustia em injustia, eleestimularia o crdito atravs da violncia, ele notoleraria iguais (CONSTANT, 1997b, p. 148-149)21.

    O argumento pode ser redutvel formulao de David Hume sobre o

    mesmo tema, ou seja, a justia o estabelecimento de um Estado de direito

    20Le but des anciens tait le partage du pouvoir social entre tous les citoyens dune mme patrie.Ctait l ce quils nommaient libert. Le but des modernes est la scurit dans les jouissances

    prives; et ils nomment libert les garanties accordes par les instituitions ces jouissances(CONSTANT, 1997a, p. 603).21Le commerce sappuie sur la bonne intelligence des nations entre elles; il ne se soutient quepar la justice; il se fonde sur lgalit; il prospre dans le repos; et ce serait pour lintrt ducommerce quun gouvernement rallumerait sans cesse des guerres acharnes, quil appellerait surla tte de son peuple une haine universelle, quil marcherait dinjustice en injustice, quil branleraitchaque jour le crdit par des violences, quil ne voudrait point tolrer dgaux (CONSTANT, 1997b,p. 148-149).

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    qualquer que administra a escassez de recursos ao reparar perdas ilegtimas

    ocorridas em sociedade. Em termos polticos,

    assim dividindo o poder, vs no impuserdes limites

    autoridade legislativa, acontecer que uma classe dehomens far leis sem se preocupar com os males queelas ocasionam e que outra classe execute essas leis,acreditando-se inocente do mal que faz, por no tercontribudo para as leis. A justia e a humanidade seencontram entre essas duas classes, sem poder falarnem a uma, nem a outra (CONSTANT, 2005b, p.211)22.

    Para os antigos, a conquista e a usurpao eram meios legtimos de se

    apossar e adquirir obedincia, mas no para os modernos. A igualdade imposta

    no instante da troca comercial entre as partes envolvidas necessita de umarelao equitativa, ao menos no momento do intercmbio23.

    Das raras passagens onde Constant caracteriza a justia, do ponto de vista

    de sua essncia e no da aplicao, o faz de modo correlacionado a uma

    categoria da vida moderna: o interesse. Diz-se todos os dias que o interesse bem

    compreendido de cada um o convida a respeitar as regras da justia, no obstante

    as leis contra aqueles que as violam, como se verifica que os homens muitas

    vezes diferem do seu interesse bem compreendido (CONSTANT, 1997b, p.

    226)24. Claramente orientado por uma perspectiva humeana da justia, Constant

    parte novamente de sua metodologia individualista para a compreenso do todo

    22 en divisant ainsi le pouvoir, vous ne mettez point des bornes lautorit lgislative, il arrivequune classe dhommes fait les lois sans sembarrasser des maux quelles occasionnent, et quuneautre classe xecute ces lois, en ce croyant innocente du mal quelle fait, parce quelle na pascontribu aux lois mmes (CONSTANT, 1837, p. 5).23 interessante notar que esse elogio de Constant aos modernos encontrar a mesmainterpretao, mas com sentido negativo, em Marx. Ao discorrer sobre o carter fetichista damercadoria em O Capital, Marx argumenta que a transformao do trabalho em mercadorianecessita trazer consigo a igualdade nas relaes entre os objetos (coisas) produzidos pelo

    trabalho e capital. A igualdade desse valor esconde a desigualdade das relaes sociais. J haviasido por ele interpretado em Para crtica da economia polticaque o tempo de trabalho socialmentenecessrio produo tornam equivalentes os diferentes ofcios. A concluso de Marx que osistema de troca sob o modo de produo capitalista torna trabalhadores e burgueses equivalentesno ato da troca. A estrutura do argumento bastante similar de Constant: sob a forma modernade aquisio (comrcio), as partes envolvidas so equitativas e iguais. O que para Marx umaforma de explorao, para Constant o progresso da civilizao.24 On dit tous les jours que lintrt bien entendu de chacun linvite respecter les regles de la

    justice; on fait nanmoins des lois contre ceux qui les violent; tant il est constat que les hommesscartent frquemment de leur intrt bien entendu (CONSTANT, 1997b, p. 226).

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    social e histrico (GAUCHET, 1997, p. 96). Independentemente de quais sejam as

    regras da justia que se estabeleam, o simples fato de hav-las condio

    suficiente para que se a respeitem. Um dos equvocos dos legisladores modernos,

    argumenta Constant, o de compreenderem o interesse prprio ou de outrem. O

    povo, em sua condio de trabalhador e, por isso, dependente da propriedade ou

    riqueza de terceiros, no possui independncia suficiente tanto para tomar

    decises pblicas, quanto para reconhecer o prprio interesse. Em outras

    palavras, o povo no tem condies de saber quais so seus prprios interesses.

    Esse argumento elitista possui um rebatimento direto sobre o princpio da

    justia. Ora, se a justia a garantia do livre exerccio das capacidades humanas

    em condies de modernidade, cabe ao interesse de cada um, ou ao grupo social,

    identificar quais so seus interesses. Nesse sentido, o edifcio social, ao realizar

    em conjunto cada um de seus interesses, respeita e obedece a justia.

    No ensaio Da origem do governo, Hume argumentou contra a tradio

    jusnaturalista, a que compreende que a obedincia existe no por haver um

    contrato, mas porque do interesse dos homens obedecerem ao poder soberano,

    pois este oferece as garantias suficientes para o desfrute da vida civilizada. Assim,

    Constant coloca, no lugar da obedincia ao soberano, a obedincia justia, ou,

    em sua nomenclatura corrente, s regras da justia (QUIRINO, 2005, p. XII). Porisso, o interesse bem compreendido se alinha automaticamente justia

    (CONSTANT, 2005b, p. 219).

    Do mesmo modo que a liberdade se relaciona a um determinado tipo de

    compreenso sociolgica das condies do mundo antigo e moderno, a justia se

    faz relativamente a cada classe social, novamente adiantando Marx, pode-se dizer

    que cada classe social possui em si um interesse nico. A justia ento se torna o

    intermedirio nas relaes de interesses entre os homens que, por uma

    compreenso de si prprios, respeitam-na voluntariamente. Reside aqui tambm o

    primeiro fundamento de sua crtica aos regimes populares. Uma vez que o povo

    no compreende seu interesse, no pode respeitar as regras da justia. A soluo

    caracterstica de uma viso aristocrata, uma hierarquia poltica rgida capaz de

    pr em funcionamento o edifcio social.

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    Para defender o sistema que se pretende estabelecer,no a identidade de interesse, mas a universalidadeda imparcialidade que se deve mostrar. No alto dahierarquia poltica, um homem sem paixo, semcaprichos, inacessvel ao cime, ativo, vigilante,

    tolerante de todas as opinies, [...] mais abaixo, nagradao dos poderes, os ministros dotados dasmesmas virtudes [...] em fim, em toda parte, nasfunes inferiores, a mesma reunio de qualidadesraras, mesmo amor justia, mesmo sacrifcio de si:essas so as hipteses necessrias (CONSTANT,1997b, p. 226-227)25.

    Em uma primeira vista, no sem razo, a justia se impe to somente

    modernidade. Recorrendo ao sistema terico de Montesquieu, Constant afirma

    que, nas repblicas e imprios da antiguidade, a justia era dispensvel. No caso

    das repblicas, no necessrio justia porque no h variao de interesses.

    Uma vez que todos os cidados tenham o mesmo interesse, a justia no existe

    ou no cumpre qualquer papel26. Com relao aos imprios, a justia igualmente

    dispensvel porque o domnio feito pela conquista e pela usurpao. De um

    modo sinttico, poder-se-ia afirmar que, na antiguidade, no h justia porque os

    meios de aquisio ou so homogneos para toda a comunidade, ou so modos

    de conquista. Nos dois casos, o comrcio, a troca pacfica e equitativa, so

    absolutamente desconhecidos. Mas o reconhecimento do comrcio como umaforma legtima de aquisio leva a justia a uma definio prtica, isto , a defesa

    da propriedade. A propriedade privada, e sua garantia pelo Estado, a condio

    que faz mover as trocas, por isso, a justia, em ltima instncia, a defesa da

    propriedade contra aqueles que no sabem reconhecer seus prprios interesses.

    A necessidade da justia na modernidade surgiu para adaptar uma

    realidade da antiguidade. Isto , dado que no h mais homogeneidade dos

    interesses, emergiu um recurso para que esta ausncia no se torne um problema25Pour defndre le systme quon veut tablir, ce nest pas lidentit de lintrt, cest luniversalitdu dsintressement quil faut dmontrer. Au haut de la hirarchie politique, un homme sanspassions, sans caprices, inaccessible la jalousie, actif, vigilant, tolrant pour toutes les opinions,[] plus bas, dans la gradation des pouvoirs, des ministres dous des mmes vertus [...] enfin,partout, dans les fonctions infrieures, mme runion de qualits rares, mme amour de la justice,mme oubli de soi: telle sont les hypothses ncessaires (CONSTANT, 1997b, p. 226-227).26No importa para nosso estudo a pertinncia da argumentao se havia ou no homogeneidadede interesses na antiguidade, importa apenas que Constant assim a trata.

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    social. A justia, exatamente por no existir nas repblicas antigas, que conviviam

    internamente sem violncia, torna-se um princpio necessrio aos regimes

    modernos. Nesse sentido, por ser uma adaptao das repblicas, a justia um

    princpio naturalmente relacionado ao republicanismo. Os interesses, portanto,

    esto resolvidos para repblicas e monarquias modernas, mas com relao

    liberdade nas monarquias, o tema se torna complexo. So necessrias duas

    novas instituies: o poder neutro e a assembleia hereditria. Assim, a liberdade e

    a justia conformam, unidas, os princpios de poltica:

    Qualquer luz, qualquer germe de pensamento,qualquer sentimento doce, qualquer forma elegante,deve ser cuidadosamente protegido. Esses so os

    elementos indispensveis bondade social; deve-sesalv-la da tempestade: deve-se, por interesse dajustia, e pelo da liberdade, salvar todas essas coisasque levam liberdade, por caminhos mais ou menosdiretos (CONSTANT, 1997b, p. 220)27.

    As condies de suficincia esto postas, so os dois princpios acima

    descritos. Entretanto, ainda resta uma condio necessria para que esses

    princpios sejam respeitados: o limite do poder. De nada adianta dividir os

    poderes: se a soma total do poder ilimitada, os poderes divididos s necessitam

    formar uma coalizo, e o despotismo irremedivel (CONSTAT, 2005a, p. 13)28.

    O problema levantado reflete uma preocupao que, desde Montesquieu, aflige

    pensadores polticos. Para Constant, a diviso dos poderes, mesmo que opostos,

    no impede que ele ganhe corpo e extrapole os prprios limites (DIJN, 2008, p.

    97). A formao de uma coalizo entre os poderes o modo mais claro de se

    compreender como possvel, mesmo dividido, perder a legitimidade. Todavia,

    no sem razo imaginar uma situao em que permaneam os poderes opostos

    27 La moindre lumire, la moindre germe de la pense, le moindre sentiment doux, la moindreforme lgante, doivent tre soigneusement proteg. Ce sont autant dlments indispensables aubonher social; il faut les sauver de lorage: il le faut, et pour intrt de la justice, et pour celui de laliberte; car toutes ces choses aboutissent la libe rte, par des routes plus ou moins directes(CONSTANT, 1997b, p. 220).28 Vous avez beau diviser les pouvoirs: si la somme totale du pouvoir est ilimit, les pouvoirsdiviss nont qu former une coalition, et le despotisme est sans remde (CONSTANT, 19 97d, p.317).

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    e que a soma deles continue ilimitada; cada um atuando sua maneira, o edifcio

    todo cai em tirania. Uma frase de efeito pode contribuir na compreenso de sua

    preocupao com o poder ilimitado: Os direitos dos cidados so a liberdade

    individual, a liberdade religiosa, a liberdade de opinio, na qual est includa sua

    publicidade, o gozo da propriedade, a garantia contra toda e qualquer

    arbitrariedade (CONSTANT, 2005a, p. 14)29. Aqui esto resumidos os princpios

    finais, a liberdade e a justia, donde derivam os princpios que fundamentam

    instituies, mas sua preocupao com o limite do poder permanece sem

    resoluo. O reconhecimento dos limites da soberania do povo notrio, resta a

    argumentao de tornar esse princpio vivel.

    Sem dvida, a limitao abstrata da soberania nobasta. preciso buscar bases de instituies polticasque combinem to bem os interesses dos diversosdepositrios do poder, que a vantagem maismanifesta, mais duradoura e mais garantida seja cadaum permanecer dentro dos limites de suas respectivasatribuies (CONSTANT, 2005a, p. 16)30.

    Constant caminha na direo da soluo, mas no a ataca ainda. Para

    tornar o princpio da limitao da soberania vivel, necessrio apenas que haja

    um reconhecimento geral de que devem as constituies assim se comportar.

    Forma-se com relao evidncia uma opinio universal, que logo vitorioso. Se

    se reconhece que a soberania no ilimitada, isto , que no existe na terra

    nenhuma potncia sem limites, ningum, em nenhum tempo, ousar reclamar tal

    poder (CONSTANT, 2005a, p. 16)31. Isso basta para limitar o poder. Inspirado

    diretamente no Iluminismo e com uma forte concepo de progresso, Constant

    afirma que o convencimento da opinio pblica, expressa livremente, a nica

    29Les droits des citoyens sont la libert individuelle, la libert religieuse, la libert dopinion, dans

    lequelle est comprise sa publicit, sa jouissance de la propriet, la garatie contre tout arbit raire(CONSTANT, 1997d, p. 317-318).30 Sans doute, la limitation abstraite de la souverainet ne suffit pas. Il faut chercher des basesdinstitutions politiques qui combinent tellement les intrts des divers dpositaires de lapouissance, que leur avantage le plus manifeste, le plus durable et le plus assur, soit de resterchacun dans les bornes de leurs attribuitions respectives (CONSTANT, 1997d, p. 320).31 Il se forme lgard de lvidence, une opinions universelle qui bientt est victoriouse. Silestreconnu que la souverainet nest pas sans bornes, cest--dire, quil nexiste sur la terre aucunepuissance illimite, nul, dans alcun temps, nosera rclamer une semblable puissance(CONSTANT, 1997d, p. 321).

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    condio necessria para sustentar um poder limitado. A forma institucional que

    essa opinio toma pouco importa, mas preciso que exista. Conclui, portanto, que

    no se pode pensar e, a partir da, reivindicar soberanias ilimitadas, se no h o

    reconhecimento de sua plausibilidade. Este o arcabouo terico dos princpios

    de poltica de Constant, neles se inserem monarquias e repblicas.

    Contudo, esse arcabouo no o mesmo para repblicas e monarquias.

    Em Reflexes sobre as constituies e as garantias, Constant pretende expressar

    um esboo constitucional para uma monarquia e admite sua posio: No seise

    meu desejo de ser til ou, se quiserem, meu amor-prprio, ilude-me, mas creio

    que minha obra tem uma vantagem: ela demonstra que a liberdade pode existir

    plena e inteira sob uma monarquia constitucional (CONSTANT, 2005b, p. 198)32.

    Nesse ponto, Constant no se mostra reticente quanto capacidade de uma

    monarquia desfrutar da liberdade. O esforo de sua obra, aqui posto como uma

    autorreflexo, apresentar uma sada para a monarquia se tornar liberal. O

    caminho a ser seguido tornar-se constitucional. Dois pontos importantes podem

    ser concludos a partir da. Primeiro, existem instituies capazes de tornar

    constitucional e livre uma monarquia: so o poder neutro e a assembleia

    hereditria. Segundo, e mais importe para este estudo, as repblicas no

    precisam dessas instituies, porque os princpios so parte integrante delamesma. A opinio universal, oriunda de Kant, existe de maneira mais afeita em

    uma repblica. Se os tiranos das antigas repblicas nos parecem muito mais

    desenfreados que os governantes da histria moderna, em parte a essa causa

    que devemos atribuir tal fato (CONSTANT, 2005a, p. 17)33. Essa causa, a opinio

    universal, exerceu tamanha influncia nas repblicas antigas que destronaram os

    tiranos a ponto de mesmo as monarquias modernas se surpreenderem com a

    atrocidade daqueles regimes, o que implica na capacidade de autocorreo das

    32Je ne sais si mon dsir tre utile, ou, si lon veut, mon amour-prope, me fait illusion; mais je croisque mon ouvrage a un avantage: il demontr que la libert peut exister pleine et entire sous unemonarchie constitutiolle (CONSTANT, 1861, p. 171).33 Si les tyrans des anciennes rpubliques nos paraissent bien plus effrns que lesgouvernements de lhistoire moderne, cest en partie cette cause quil faut attribuer(CONSTANT, 1997d, p. 321).

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    repblicas. Assim, mesmo que haja um tirano em uma repblica, a opinio

    universalmostra-se imanente o bastante para estabelecer os princpios.

    O mais conhecido recurso de Constant para tornar uma monarquia

    constitucional, e com isso, acatar os princpios o poder neutro. A diviso

    tradicional dos poderes, de Locke a Montesquieu, tem como pano de fundo a

    tripartio clssica das formas de governo. Desde a antiguidade grega, formas de

    governo so tradicionalmente reconhecidas como o governo de um, de poucos ou

    de muitos. De fato, variaes importantes ocorreram no decorrer dos sculos.

    Entretanto, as teorias da diviso dos poderes, originariamente refletidas sob a

    forma de governo misto, so reincorporadas diviso dos poderes. Montesquieu,

    particularmente, tinha a Constituio da Inglaterra em mente ao afirmar que

    existem trs poderes legislativo, executivo e judicirio34 cada um seexpandindo em direo soberania, e resultando em uma composio de foras

    que se equilibram mutuamente. Para Constant, como vimos, isso no basta.

    necessrio que exista um poder superior aos trs, um poder que controle os

    poderes,

    sua ideia de poder neutro, diz ele em 1802, umaideia de origem monrquica, e, como tal,independentemente de suas ntimas prefernciasrepublicanas, a monarquia no o perturba, previstasna constituio, as prerrogativas do monarca devemser estritamente confiveis ao exerccio do poderneutro que, de todas as maneiras, ele julgaindispensvel. (GAUCHET, 1997, p. 106)35.

    Mas, para isso, ele deve ser imbudo de algumas caractersticas prprias. O

    poder neutro no pode ser responsabilizado pelos seus atos, para que no seja

    deslocado de sua funo; deve ser vitalcio e hereditrio, a fim de que no

    dependa de qualquer outra fora poltica; deve controlar apenas os outros

    poderes, para que estes permaneam em seus caminhos originais (CONSTANT,

    34Apesar de a nomenclatura no ser exatamente esta, iremos mant-la, porque Constant a adota.35son ide du pouvoir neutre, il le dit ds 1802, est une ide dorigine monarchie; et en tant quetelle, quelles que soient ses intimes prferences rpublicaines, la monarchie ne le drange pas,pourvu que dans le cadre constitutionnelle les prrrogatives du monarque soient strictementconfies lexercice de ce pouvoir neutre quil juge de toutes les manires indispensables(GAUCHET, 1997, p. 106).

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    1861, p. 176).Apenas uma instituio capaz de cumprir tais requisitos: o rei. A

    monarquia constitucional tem grande chance de criar esse poder neutro na pessoa

    do rei, j cercada de tradies e lembranas, e revestida de uma fora de opinio

    que serve de base fora poltica (CONSTANT, 2005b, p. 204)36. O rei o nico

    ente da monarquia constitucional despido de interesses por sua prpria condio,

    nada o ameaa, portanto no h quem o faa agir em favor de um ou outro estrato

    da populao, seno em favor do equilbrio dos poderes. A religio, a tradio e

    magnanimidade da potncia poltica de uma linhagem conferem legitimidade e as

    condies necessrias a essa neutralidade. Constant explica seus motivos: A

    monarquia constitucional nos oferece, como j disse, esse poder neutro, to

    indispensvel a toda liberdade regular (CONSTANT, 2005b, p. 206)37. Com isso,

    o poder neutro garante o que as repblicas possuem espontaneamente: Porque,

    basicamente, isso resume a essncia do poder neutro que Constant projeta: no

    suficiente para que haja liberdade republicana que os poderes se originem da

    sociedade (GAUCHET, 1997, p. 102)38.

    Outro artifcio para o estabelecimento dos princpios em regimes

    monrquicos, to importante quanto o poder neutro, a assembleia hereditria.

    Em seu esboo de constituiode 1814, Constant se dedica a elaborar uma carta

    para uma monarquia. Uma maneira de controlar a corrente ampliao de cada umdos trs poderes fazer com que existam foras polticas cujas garantias de

    mando no possam ser atacadas pelas partes rotativas do Estado. Uma

    assembleia eletiva no deve possuir condies polticas para reduzir a autoridade

    nem do rei, nem da assembleia hereditria. Entretanto, antes dessa funo, a

    assembleia hereditria parte do edifcio social de qualquer monarquia

    constitucional: Numa monarquia hereditria, a hereditariedade de uma classe

    36 La monarchie constitutionnelle a ce grand avantage, quelle cre ce pouvoir neutre dans lepersonne du roi, dja entour de traditions et de souvenirs, et revtu dune pouissance dopinion,qui sert de base sa pouissance politique (CONSTANT, 1861, p. 176).37 La monarchie constitutionnelle nous offre, comme je lai dit, ce pouvoir neutre, si leindispensable toute le libert regulire (CONSTANT, 1861, p. 178).38 Car telle se rsume au fond lessence du pouvoir neutre que conoit Constant: il ne suffit paspour quil y ait libert rpublicaine que les pouvirs sortent de la societ (GAUCHET, 1997, p. 102).

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    indispensvel (CONSTANT, 2005b, p. 226)39. Montesquieu percebera na

    Inglaterra que a estrutura social do pas sustenta, sociologicamente, a moderao

    do governo. Constant pretende produzir o mesmo efeito por um projeto

    constitucional. Compreende-se, desse modo, porque a Inglaterra fonte de

    grande inspirao para Constant. A cmara alta inglesa composta de nobres que

    mais limitam o poder do rei do que atuam politicamente: Para subsistir sem classe

    hereditria, o governo de um s tem de ser puro despotismo (CONSTANT,

    2005b, p. 227)40. A estratgia de Constant tornar a Frana um pas

    semelhana da Inglaterra41, ele toma a sociologia de Montesquieu no como a

    causa de regimes, mas como inspirao para moldar a poltica.

    De acordo com Constant, uma lei capaz de formatar instituies de

    maneira tal que produza o mesmo resultado que levou sculos para serconstrudo. Assim, a assembleia hereditria, criada pela ao poltica no ato de

    confeco da constituio, cumpre com suas funes do mesmo modo que a

    tradicional cmara inglesa (CONSTANT, 1861, p. 198). Antes de um elitismo puro,

    ou de uma sociologia da poltica, Constant pretende garantir a limitao do poder.

    O artifcio da assembleia hereditria possui dois fundamentos. Primeiro, ela

    garante a aplicao dos princpios nas monarquias, segundo, complementa a

    funo do poder neutro. Sabe muito bem Constant que, no obstante sua

    relutncia em admitir tal problemtica, no se pode depositar toda confiana no

    poder neutro. Duas foras irrevogveis pelos processos eleitorais limitam-se e,

    com isso, complementam-se. Uma no pode existir sem a outra.

    Em seu terceiro anexo aos Principes de politique, De lheredit de la pairie,

    o autor afirma a relao dessa cmara com a liberdade:

    Aqueles que tinham visto minha cooperao comestas revises das constituies anteriores como uma

    39Dans une monarchie hrditaire , lhrdite dune classe est indispensable (CONSTANT, 1861,p. 197).40 Pour un gouvernement dun seul subsiste san classe hrtaire, il faut que ce soit un purdespotisme (CONSTANT, 1861, p. 198). Repare-se na generalizao do regime: governo de ums e no a definio restrita de monarquia. Com isso, Constant retoma a distino de Montesquieuentre monarquia e despotismo.41 A Inglaterra merece tambm aqui nos servir de modelo (CONSTANT, 2005b, p. 220).LAnglaterre mrite ancore ici de nous servi de modele (CONSTANT, 1861, p. 191)

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    espcie de garantia de que os princpios liberaisseriam respeitados, viram, pela admisso de umaclasse hereditria, o abandono das opinies que entoeu professara (CONSTANT, 1997d, p. 531)42.

    No obstante a opinio abandonada ser a repblica, novamente a limitao dopoder que est em voga. Constant expe seus motivos: Ningum combateu a

    hereditariedade mais vivamente que eu, desejavam prejudicar-me e acreditavam

    desconcertar-me postando de novo que eu me colocava contra a hereditariedade

    em uma repblica (CONSTANT, 1997d, p. 532)43. A inexistncia de uma

    hereditariedade em uma repblica no se deve a outro fator seno o de sua

    impertinncia tanto pela inutilidade, quanto por acarretar usos e costumes

    monrquicos. No o fato em si de haver hereditariedade que torna o governo

    execrvel, mas sim o fato de desrespeitar os princpios. Constant admite sua

    posio republicana:

    Mas, enfim, a repblica caiu. Assim, apliquei todas asfaculdades de meu esprito para descobrir comoconciliar a monarquia e a liberdade. Eu me convencide que a conciliao no era impossvel, e com aneutralidade completa, e o poder real formalmentereconhecido, uma monarquia constitucional no seopunha a esta liberdade, que particularmente

    desejada em nossos tempos modernos (CONSTANT,1997d, p. 533-534)44.

    As palavras acima parecem resumir, de modo central, o pensamento de

    Constant. No importa se repblica, se monarquia, importam os princpios. Nas

    42Ceux qui avaient regard ma coopration cette refonte des constitutions precedentes, commeune sorte de garantie que les principes libraux seraient respects, virent, dans ladmission dune

    classe hrditaire, labandon des opinions que jusqualors javais professes (CONSTANT, 1997d,p. 531).43 Personne na combattu lhrdite plus vivement que moi; lon a voulu me nuire et cru medconcerter, en publiant de nouveau ce que javais imprim contre lhrdit sous la republique(CONSTANT, 1997d, 532).44Mais enfin la rpublique est tombe. Ds lors jai d appliquer toutes les facults de mon esprit dcouvrir comment on concilierait la monarchie et la libert. Je me suis convaincu que laconciliation nestait pas impossible, et quavec la neutralit complete, et formellement reconue dupouvoir royal, une monarchie constitutionnelle ne sopposait point cette libert paisible quiconvient particulirement nos temps modernes (CONSTANT, 1997d, p. 533-534).

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    repblicas, so naturais, nas monarquias, possveis. E esses princpios, por

    serem naturais nas repblicas, so republicanos.

    A Repblica

    Nas raras passagens onde o autor faz referncia a formas de governo, ele

    aceita a tripartio clssica e acrescenta outras: Vocs se voltaro contra os

    depositrios desse poder e, conforme as circunstncias, acusaro sucessivamente

    a monarquia, a aristocracia, a democracia, os governos mistos, o sistema

    representativo (CONSTANT, 2005a, p. 8)45. Em seguida, as explica: A

    democracia a autoridade depositada nas mos de todos, [...]. A aristocracia

    essa autoridade confiada a alguns; a monarquia, essa autoridade entregue a ums (CONSTANT, 2005a, p. 12)46. Observam-se, ento, as trs formas tradicionais,

    o governo misto pode ser entendido como uma mistura integral ou parcial deles,

    ao passo que o governo representativo a delegao do poder pelo povo

    (CONSTANT, 1997d, p. 316). No fim do mesmo pargrafo, reduz as formas a

    duas: O governo popular no passa de uma tirania convulsiva; o governo

    monrquico, de um despotismo mais concentrado (CONSTANT, 2005a, p. 13)47.

    A oposio posta aqui entre governo popular e monrquico, seguida de uma dura

    crtica, faz entender que no so regimes satisfatrios, isso se deve ao fato de que

    ambos possuem uma exagerada concentrao de poder, que s pode ser

    corrigida pela limitao da soberania.

    Interessante notar que em nenhum momento, ao tratar das classificaes

    dos governos, Constant se refere repblica. Poder-se-ia interpretar, a partir da

    ltima citao, que repblica o que se ope monarquia. A repblica seria,

    ento, equivalente ao governo popular, entretanto essa interpretao pode, sem

    45 Vous vous en prendrez aux dpositaires de ce pouvoir, et suivant les circonstances, vousaccuserez tour tour la monarchie, laristocratie, le dmocratie, les gouvernements mixtes, lesystme representatif (CONSTANT, 1997d, p. 312).46 La dmocratie est une souverainet absolute entre les mains des tous; laristocratie unesouverainet absolu entre les mains de quelques-uns; la monarchie une souverainet absolueentre les mains dun seul (CONSTANT, 1997d, p. 315).47 Le gouvernement populaire nest quune tyrannie convulsive, le gouvernement monarchiquequun despotisme plus concentre (CONSTANT, 1997d, p. 316).

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    dificuldade, fugir ao escopo do texto. Por outro lado, ao continuar a leitura

    percebe-se a classificao dos governos em repblicas e monarquias

    (CONSTANT, 1997d, p. 317). Em diversos momentos, Constant qualifica a

    monarquia como absoluta ou constitucional (CONSTANT, 1997b, p. 324). Nesse

    sentido, a referncia primeira da oposio entre monarquia e governo popular

    pode significar, na verdade, a oposio entre monarquia absoluta e democracia, o

    que difere da oposio entre monarquia constitucional e repblica.

    Ao tratar do poder neutro, Constant expe as vantagens de uma monarquia

    constitucional frente a um poder republicano, o que fornece uma pista sobre sua

    interpretao da repblica:

    Um poder republicano que se renova periodicamenteno um ser a parte, no atia em nada aimaginao, no tem direito indulgncia por seuserros, pois que lutou pela funo que ocupa, e notem nada de mais precioso a defender do que suaautoridade, que fica comprometida assim que atacamseu ministrio, composto de homens como ele e comos quais sempre solidrio. (CONSTANT, 2005a, p.25)48.

    Uma monarquia constitucional exige um poder neutro acima do governo

    justamente para evitar os abusos do prprio governo. Nas repblicas essa funo

    se perde, uma vez que sua natureza no permite que haja um nico poder acima

    dos demais, assim a desvantagem das repblicas se localiza no fato de o poder

    neutro e o governo, representado pelo ministrio, no se distinguirem; logo, no

    h garantias de que o poder no ultrapassar seus limites. Cabe aqui uma

    reflexo importante, se a natureza republicana no permite um poder neutro como

    nas monarquias constitucionais, ento a nica forma de limitar o poder atravs

    dele mesmo. No incio dos Principes des politiques, Constant atribui essa limitao

    diviso dos poderes. H, assim, um paradoxo nos regimes republicanos, por um

    lado no necessitam de um poder neutro, por outro, no h garantias de sua

    48Un pouvoir rpublicain se renouvelant priodiquement, nest point un tre part, ne frappe enrien limagination, na point droit lindulgence pour ses erreurs, puisquil a brigu le poste quiloccupe, et na rien de plus prcieux defendre que son autorit, qui est compromise ds quonattaque son ministre, compos dhommes comme lui, et avec lesquels il est toujours de faitsolidaire (CONSTANT, 1997d, p. 331).

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    limitao. As repblicas so foradas, portanto, a tornar responsvel o poder

    supremo. Mas ento a responsabilidade torna-se ilusria(CONSTANT, 2005a, p.

    26)49. O monarca no pode ser responsabilizado, porque o poder neutro, como

    nas repblicas no h monarcas, a responsabilidade recai sobre o governo. Desse

    modo, Um governo republicano precisa exercer sobre seus ministros uma

    autoridade mais absoluta que um monarca hereditrio (CONSTANT, 2005a, p.

    26)50.

    Unificando governo e responsabilidade, a repblica toma um carter

    diferente da monarquia, mesmo que constitucional. Nesse ponto, possvel

    afirmar que a repblica a forma de governo que se ope monarquia e, para

    respeitar os princpios, o governo deve ser responsabilizado (CONSTANT, 1861,

    p. 192). A impossibilidade de se separar responsabilidade e poder em regimesrepublicanos acarreta que os ministros possuam total autoridade e marca a

    principal distino para com as monarquias constitucionais: Nada semelhante

    ocorre numa repblica, onde todos os cidados podem chegar ao poder supremo

    (CONSTANT, 2005b, p. 223)51. No h hereditariedade, nem poderes vitalcios,

    uma repblica, ento, se v forada a conviver com um inconveniente, toda a

    responsabilidade se dilui na autoridade que pode ser atingida por todos

    (CONSTANT, 1861, p. 195). Desse inconveniente compreende-se como uma

    repblica pode se tornar instvel. Todavia, cabe ao corpo poltico, sobretudo aos

    ministros e assembleia, a manuteno do regime. Se a responsabilidade do

    poder meramente ilusria, no pode haver poder neutro nem assembleia

    hereditria.

    Um regime republicano, portanto, reside sempre na tenso entre a

    autoridade e a instabilidade, o que leva necessidade de maior ao poltica por

    parte dos cidados. O argumento se assenta na caracterizao das instituies

    monrquicas, poder neutro e assembleia hereditria, inexistentes nas repblicas

    49 Les republiques sont donc forces rendre responsable lepouvoirsuprme (CONSTANT,1997d, p. 332).50 Un gouvernement rpublicain a besoin dexercer sur ses ministres une autorit plus absoluquun monarque hrditaire (CONSTANT, 1997d, p. 332).51Mais rien de pareil na lieu dans une republique, o tous les citoyens peuven arriver au pouvoirsuprme (CONSTANT, 1861, p. 194).

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    (CONSTANT, 1861, p. 174). Numa monarquia constitucional, a situao de

    instabilidade a mesma quando a assembleia hereditria ou o poder neutro se

    torna mais forte que as demais instituies. Na monarquia, apenas a diviso dos

    poderes de Montesquieu no suficiente, so necessrios poderes hereditrios.

    Na repblica, estes poderes a levam para o despotismo. Conclui-se, novamente,

    que os princpios so mais afeitos s repblicas, porque ela os pe em

    movimento, seja porque todo cidado pode chegar autoridade, seja porque no

    h poder irresponsvel. Com vantagens e desvantagens, os princpios de todos os

    governos so, de fato, princpios republicanos.

    No prefcio primeira edio dos princpios, Constant escreve:

    Temi, no entanto, que se reimprimissem obras em quedesenvolvia os meios de conciliar a liberdade queconvm s naes modernas com formasrepublicanas demasiado marcadas at aqui pelaslembranas da antiguidade, iriam emprestar-meintenes que no so as minhas, pois creio que amonarquia constitucional, quando o poder ministerial bem separado do poder real, contm todas asgarantias de liberdade desejveis (CONSTANT,2005a, p. XL - XLI)52.

    A intrigante passagem expressa bem a posio do autor. Se, por um lado,

    no difcil interpretar sua ento preferncia pela repblica, por outro, seu sistemapoltico no depende dela, ou de qualquer outra forma de governo, seus princpios

    so aplicveis a todos os governos, mas no so igualmente aplicveis. O esforo

    de Constant em reescrever osprincpiosde 1815 se deve ao fato de que pretende

    estruturar um regime de monarquia constitucional que garanta a liberdade e a

    justia, da se compreende a necessidade de inovaes como a do poder neutro e

    a de duas cmaras legislativas. Porm, no seria necessrio configurar

    instituies novas para as repblicas, justamente porque da natureza dasrepblicas defender a liberdade e a justia. Conciliar a liberdade moderna com

    52 Jai craint toutefois qui, si je fasais rimprimer des ouvrages o je developpais les moyans deconcilier la libert qui convient aux nations modernes, avec des formes rpublicaines tropempreintes jusquici des souvenirs de lantiquit, lon ne me pretait des intentions qui ne sont pasles miennes, puisse que je pense que la monarchie constitutionnelle, lorsque le pouvoir ministerielest bien spar du ouvoir royal, contient touts les de libert desirables (CONSTANT, 1861, p. LIX).

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    formas republicanas no um esforo que demande o exerccio intelectual e

    prtico de uma obra do flego dosprincpios.

    Os princpios de todos os governos existem por si, no entanto, nas

    repblicas, coadunam-se de modo mais espontneo, vejamos mais

    detalhadamente: Muitos governos de nosso tempo no parecem inclinados a

    imitar as repblicas da antiguidade. No entanto, por menos gosto que tenham

    pelas instituies republicanas, h certos costumes republicanos pelos quais

    esses governos sentem certa afeio (CONSTANT, 1985, p. 19)53. O autor

    apresenta aqui uma concepo original de repblica, independentemente de suas

    instituies, h costumes republicanos; isso significa que repblica mais que

    uma forma de governo, uma maneira de conduzir os negcios pblicos mesmo

    que por um monarca. Essa referncia reflete um comportamento republicano quetranspassa a esfera puramente constitucional e esse costume republicano, e no

    suas instituies, que faz do republicanismo uma forma de organizao poltica

    mais espontaneamente adequada aos princpios gerais. A repblica, enquanto

    forma de organizao institucional, se aproxima mais dos costumes republicanos

    por sua origem conjunta, entretanto, no h nada que impea uma monarquia

    constitucional de garantir a liberdade e a justia.

    Teria lanado meu olhar sobre a histria; asmonarquias nela se distinguem das repblicas, porseu colorido uniforme e bao. Elas condenam umagrande parte de nossas faculdades e de nossasesperanas inatividade. Ora, o repouso um bem,mas inatividade um mal; os homens no querem serperturbados, mas no querem de nenhum modo serparalisados; e se a monarquia, por sua natureza,coloca inteis entraves atividade, j, digam o quequiserem os que especulam sobre o sono da espciehumana, um vcio imenso na monarquia.(CONSTANT, 2001, p. 217)54.

    53 Plusiers gouvernement des nos jours ne paraissent gure enclins imiter les rpubliques deslantiquit. Cepedant, qualque peu de got quils aient pour les instituitions rpublicaines, il y a decertains usages rpublicains pour lesquels ils prouvent je ne sais quelle affection (CONSTANT,1997a, p. 608-609).54 J'aurais port mes regards sur l'histoire : les Monarchies s'y distinguent des Rpubliques, parleur coloris uniforme et terne. Elles condamnent une grande partie de nos facults et de nosesprances l'inactivit. Or le repos est un bien, mais l'inactivit est un mal ; les hommes veulentqu'on ne les agite pas, mais ils ne veulent point qu'on les paralyse : et si la Monarchie, par sa

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    Est presente, no trecho, uma distino entre repblicas e monarquias de

    uma maneira que escapa s determinaes institucionais. A repblica pe os

    homens em atividade, essa caracterstica diz respeito a um costume republicano e

    no, necessariamente, a uma forma de governo institucionalizada como repblica.

    nesse sentido que aparece o republicanismo de Constant, osprincpiosde todos

    os governos so mais bem recebidos em regimes de costume republicano, e este

    costume se encontra mais facilmente em formas de governo republicanas. E, se a

    repblica, que se levanta, enfrenta ainda tantos entraves, e, sobretudo, encontra

    tanta inrcia, a educao monrquica que preciso responsabilizar

    (CONSTANT, 2001, p. 218)55. A educao monrquica parte de um costume

    monrquico, este se ope ao republicano. necessrio, para se erigir umarepblica, combater costumes monrquicos com costumes republicanos.

    Um ltimo exemplo parece mais forte, vejamos: Desenvolveria uma

    vantagem, bastante pouco notada, da repblica sobre a monarquia, que a

    conservao das formas livres. [...] As formas republicanas conservam um tipo de

    tradio de liberdade que se liga verdade (CONSTANT, 2001, p. 219)56. Ponto

    alto de sua argumentao, a tradio republicana conserva as formas livres

    espontaneamente, assim, coaduna-se diretamente a um princpio fim, o quesignifica dizer que no h necessidade de um arcabouo institucional

    perfeitamente orquestrado como nas monarquias constitucionais. exatamente

    porque a tradio republicana conserva a verdadeira liberdade que a forma

    institucional da repblica se aproxima mais dos princpios. Nesse sentido, a

    repblica mais propensa liberdade e justia que qualquer tipo de monarquia.

    Sendo assim, o republicanismo de Constant atravessa qualquer forma de

    governo, a defesa dos princpios aplicveis a todos os governos oriunda da

    nature, met d'inutiles entraves l'activit, c'est dj, quoi qu'en disent ceux qui spculent sur lesommeil de l'espce humaine, un vice immense dans la Monarchie (CONSTANT, 2010, p. p. 37).55si la Rpublique, qui s'lve, prouve encore tant d'entraves, et surtout rencontre tant d'inertie,c'est l'ducation monarchique qu'il faut s'en prendre (CONSTANT, 2010, p. 38).56 J'aurais eu dvelopper un avantage trop peu remarqu, de la Rpublique sur la Monarchie,c'est la conservation des formes libres. [...] Les formes rpublicaines conservent une sorte detradition de libert, qui se rattache au vrai (CONSTANT, 2010, p. 39).

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    tradio republicana. Os princpios gerais so os princpios do republicanismo.

    Fortemente marcado por uma concepo de progresso, Constant no se limita a

    restringir repblicas antigas ou modernas, mesmo que suas liberdades sejam

    diferentes, o ponto chave que a repblica se define pelo princpiode liberdade,

    seja antigo, ou moderno. O grande desafio diante do qual a tradio republicana

    se encontra justamente dizer qual liberdade possvel em sociedades que so o

    fruto do longo e doloroso processo de gestao da modernidade e no do gesto

    irrefletido de adorao da repblica dos antigos (B IGNOTTO, 2003, p. 45).

    neste impasse que Constant se v e dificilmente consegue uma equalizao entre

    o que nomeia de liberdade dos antigos e dos modernos.

    Por ltimo, resta ainda buscar como oprincpioda justia se une tradio

    republicana. Em nenhuma passagem de seus principais textos polticos, Constantse refere concepo de propriedadeque marca sua idia primeira de justia

    em tradies e costumes republicanos. possvel tecer diversas consideraes

    sobre essa ausncia, uma das mais pertinentes, pode-se dizer, que a garantia

    da justia e da propriedade, princpios fins e quase equivalentes, resultado de

    um esforo institucional em monarquias. A ausncia do tema em repblicas no

    nos parece relevante para nossa argumentao, pois o autor mobiliza a tradio

    republicana sempre que os princpios devem ser recolocados no caminho do

    progresso e, mais particularmente, delineia a liberdade como caracterstica da

    repblica. Assim, se Constant se viu forado a descrever a justia e a propriedade

    em monarquias, foi porque lhe pareceu necessrio, no o fez sobre repblicas,

    pois o costume desse regime mais bem aceito pelos princpios. O fato de

    Constant no tratar de propriedade e justia nas repblicas no prejudica o

    costume das repblicas. Republicanismo , portanto, o comportamento de um

    governo que respeita os princpios gerais, seja uma monarquia, seja uma

    repblica.

    Concluso

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    A difcil sntese de uma obra inacabada e refeita ao longo do tempo,

    expressando contradies e apontamentos inovadores, no deve ser desenvolvida

    de modo corriqueiro. Entretanto, dois parmetros centrais pertencentes a toda

    estrutura argumentativa de Constant so passveis de identificao. O primeiro

    deles sua ntida insistncia na separao entre o mundo dos antigos e o dos

    modernos. O primeiro possui as seguintes caractersticas: liberdade dos antigos,

    territrio pequeno, conquista, usurpao, ao e participao polticas; o segundo:

    liberdade dos modernos, territrio grande, comrcio, respeito s tradies, vida

    reflexiva e desfrute privado das capacidades intelectuais. Assim como para

    Montesquieu, o tempo das repblicas j passou, mas no o do republicanismo. O

    conjunto de caracteres que define a vida social e poltica do mundo antigo no

    mais existe em condies de modernidade, o que no significa que os valores da

    repblica se perderam com o falecimento de sua forma de governo. justamente

    pela compreenso das mudanas ocorridas no mundo moderno que tanto a

    repblica se torna invivel, quanto se faz necessrio restabelecer o

    republicanismo.

    A distino, portanto, entre repblica e republicanismo deve-se distino

    entre a forma do governo e os princpios. Do mesmo modo ocorre a distino

    entre monarquia constitucional e monarquia absoluta, esta apenas se atm forma do governo, que nada se refere aos princpios. O esforo de Constant

    mostrar a capacidade de uma monarquia conviver com os princpios republicanos.

    Por isso, os princpios so republicanos, mas aplicveis a todos os governos. A

    dimenso temporal de cada aspecto sociolgico importa para a forma do governo,

    mas no para os princpios. Cabe ao legislador sbio identificar o modo acertado

    de organizar as instituies para que, dadas as condies da vida poltica, os

    princpios sejam respeitados. As formas polticas so perecveis, mas os

    princpios como o da justia e da liberdade so imutveis (QUIRINO, 2005, p.

    XXII). O carter geral das instituies (CONSTANT, 1861, p. 185), imputadas

    pelas leis, assevera a generalidade da conduo dos negcios pblicos e, com

    isso, a realizao dos princpios.

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    A felicidade das nossas sociedades e a segurana dosindivduos repousam em certos princpios. Essesprincpios so verdadeiros em todos os climas, emtodas as latitudes. Nunca podem variar, quaisquer quesejam a extenso de um pas, seus costumes, suascrenas e seus usos. [...] Uma constituio agarantia desses princpios (CONSTANT, 2005b, p.297)57.

    Pode-se, tambm, concluir pela incapacidade de apenas uma forma de

    liberdade ser suficiente para sustentar um regime. Se o desfrute da vida privada, a

    liberdade dos modernos, for estendido irremediavelmente a todos os habitantes de

    um pas, no haveria quem governasse, a no ser pelos valores antigos de

    conquista e usurpao. Este o paradoxo da vida moderna: como garantir o

    respeito aos princpios uma vez que os mais capazes para tal pretenderiam to

    somente desfrutar da vida privada o problema que se impe. Uma leitura atenta

    ao seu discurso de 1819 pode esclarecer o ponto. Aps distinguir as duas formas

    de liberdade, Constant se v arrastado para o paradoxo, sua concluso, nas

    ltimas frases esta:

    Longe, pois, Senhores, de renunciar a alguma dasduas espcies de liberdade de que vos falei, precisoaprender a combin-las. [...] Respeitando seus direitosindividuais, protegendo sua independncia, no

    perturbando suas ocupaes, devem, no entanto,consagrar a influncia deles sobre a coisa pblica,cham-los a participar do exerccio do poder, atravsde decises e de votos, para garantir-lhes o direito decontrole e de vigilncia pela manifestao de suasopinies e, preparando-se desse modo, pela prtica,para nessas funes elevadas, dar-lhes ao mesmotempo o desejo e a faculdade de execut-las(CONSTANT, 1985, p. 25)58.

    57 Le bonher des socit et la securitpe des individus reposent sur certaisn prncipes. Cesprincipes sont vrais dans toutes les climats, sous toutes les latitudes. Ils ne peuvent jamais varier,

    quels que soient lentendu dun pays, ses moeurs, sa croacences et ses usages.[...] Uneconstaituition est la garantie de ces principes (CONSTANT, 1861, p. 265).58Loin donc, Messieurs, de renoncer aucune des deux espces de libert dont je vous ai parl, ilfaut, je l'ai dmontr, apprendre les combiner l'une avec l'autre. [..]En respectant leurs droitsindividuels, en mnageant leur indpendance, en ne troublant point leurs occupations, elles doiventpourtant consacrer leur influence sur la chose publique, les appeler concourir, par leursdterminations et par leurs suffrages, l'exercice du pouvoir, leur garantir un droit de contrle et desurveillance par la manifestation de leurs opinions, et les formant de la sorte par la pratique cesfonctions leves, leur donner la fois et le dsir et la facult de s'en acquitter (CONSTANT,1997a, p. 618-619).

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    Fica claro, ento, o carter prospectivo do discurso: combinar as liberdades.

    O voto o momento do civismo, momento em que o antigo adentra pelo moderno.

    Nesse sentido, no se pode abdicar totalmente do mundo antigo, mas, antes,

    aprender a extrair de suas repblicas a moralidade cvica necessria poltica

    moderna. Mais especificamente, ficou claro que Constant acreditava que a

    liberdade individual apenas poderia ser salvaguardada se os cidados depois da

    revoluo na Frana participassem ativamente do governo para ter certeza de que

    ele [...] no abusasse do poder (DJIN, 2008, p. 97). Em 1814, Constant j havia

    resumido sua posio: Nos lugares domsticos, a punio familiar, onde est a

    liberdade individual; a esperana fundada no convvio comum, de viver livre, no

    asilo da justia, so garantias dos cidados (CONSTANT, 1997b, p. 230)59. A

    garantia dos homens unidos a mesma que a da vida livre. Da a juno das

    liberdades ser indispensvel. Esta juno mostra a permanncia do

    republicanismo nas formas polticas modernas, aponta para os costumes

    republicanos ao tratar dos princpios de poltica.

    [A] preocupao de Constant em mostrar suacoerncia e fidelidade aos seus princpios de

    poltica faz com que volte constantemente a

    novas reafirmaes e declaraes. Por isso, paraele, no h contradio entre a defesa de umamonarquia constitucional com um pariatohereditrio e a defesa de um regime republicano(QUIRINO, 2005, p. XXVIII).

    Constant um liberal por excelncia. A preocupao primeira de seu

    pensamento poltico com as garantias e as liberdades individuais. Decorreu-se

    da um complexo emaranhado de ideias, nem sempre perfeitamente coesas, que

    buscam regimes polticos estruturados em seus princpios fins. Os princpios fins

    so propriamente a realizao plena de seus objetivos primordiais: a liberdade e a

    justia. A maneira institucional que cada regime assume questo secundria,

    tanto que, na prpria obra de Constant, verificam-se variaes significativas nas

    59 Lon vante les liens domestiques; mais la sanction des liens domestiques, cest la libertindividuelle, lespoir fond de vivre ensemble, de vivre libres, dans lasile que la justice garantit auxcitoyens (CONSTANT, 1997b, p. 230).

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    estruturas institucionais, porm, em nenhum momento de suas principais obras

    polticas, Constant entra em conflito ou pe em dvida a defesa de seus

    princpios.

    Um dos trechos que melhor resume a esfera poltica do pensamento de

    Constant justamente o subttulo de sua principal obra: aplicveis a todos os

    governos. Em seu esforo de implementar seus princpios racionais em uma

    monarquia, o autor deixa escapar que esses princpios so universais, nas

    repblicas, so espontneos, nas monarquias, devem ser rigorosamente definidos

    por instituies. Sendo assim, repblica aquele regime que no precisa ser

    racionalizado para respeitar os princpios. Importa pouco, ou nada, a forma de

    governo, desde que os princpios sejam respeitados, este o norte de seu

    trabalho. Como ele bem disse, porque, repito-o, no escrevo contra nenhumaforma de governo (CONSTANT, 2001, p. 225)60. Entretanto, vale ressaltar, a

    repblica se aproxima mais facilmente dos princpios porque eles so parte da

    tradio e do costume republicanos. , enfim, nesse sentido que Benjamin

    Constant oferece um republicanismo aplicvel a todos os governos.

    Referncias bibliogrficas

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    60parce que, je le rtpe, je ncrits contre aucune forme de gouvernement (CONSTANT, 2010, p.44).

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    Submetido em2011-07-19

    Aceito em 2011-10-22