115980365 Parabolas de Jesus Completo Kistemaker

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  • Simon J. Kistemaker

    As Parbolas de JESUS

    Traduo: Eunice Pereira de Souza

    Produzido em Portugus com autorizao do prprio autor

    Diretoria Executiva:Diretor-Presidente:Editor: Cludio MarraDiretor-Comercial:

    Reviso:

    Arte:

    Composio:

    1 Edio 1992 3000 exemplares

    CASA EDITORA PRESBITERIANARua Miguel Teles Jr., 382/294 Cambuci.01540-040 So Paulo SP.Fone: (11)-270-7099

  • APRESENTAO

    As Parbolas de Jesus o primeiro livro do gnero, bem como o primeiro do Autor Simon Kistemaker -, e que esta Editora produz e oferece ao pblico evanglico brasileiro extensivamente ao leitor de lngua portuguesa de outros pases. Alis, at onde vo os nossos dados informativos, este Autor ainda no lido via lngua portuguesa, no obstante ser amplamente conhecido e respeitado como ldimo telogo e expositor do Novo Testamento, j em muitas lnguas. Alm de outras obras de sua autoria particular, o Autor tambm forma parceria com Willian Hendriksen na srie Comentrio do Novo Testamento, que ora publicado por esta Editora. De sua Autoria Hebreus, Pedro e Judas, Tiago e Epstolas de Joo e Atos dos Apstolos (este ltimo j se acha em preparao, em dois volumes, e em breve vir a lume).

    Alm disso, o Autor tem sido um dos colaboradores estrangeiros no curso de mestrado em teologia, no Brasil, especialmente no Seminrio Teolgico Jos Manoel da Conceio (J.M.C.), em So Paulo. Ele faz parte da pliade de Telogos calvinistas que ainda permeiam (graas a Deus!) o seio da Igreja do Cordeiro. Esta Editora, bem como toda a IPB, ficamos em dvida para com o renomado Autor.

    Ao prepararmos este livro, uma incontida emoo e uma profunda convico nos fizeram antever o quanto ser ele uma bno na vida crist de cada leitor, seja ele ministro do Evangelho, ou seja, leigo, porm, estudioso e ativo na Seara de Nosso Mestre Jesus Cristo. Isto afirmamos sobre bases slidas, pois eis aqui um livro rico em requisitos positivos: Sua simplicidade fica logo em admirvel evidncia. Dele podem beber todos quanto possuam alguma cultura e quantos so detentores de cultura privilegiada. Tambm eis um livro que se destinada a toda classe de leitores interessados em aumentar sua viso da literatura mais linda do mundo as parbolas de Jesus! Sua abrangncia o torna ainda mais rico e til. Alm de discorrer sobre todas as parbolas de nosso Senhor, nos Evangelhos, ainda nos fornece muitos lados e detalhes para a melhor compreenso dessa literatura to complexa. Finalmente, resta-nos mencionar sua preciso e fidelidade s doutrina. O Autor revela total respeito para com a Palavra de nosso Senhor.

    Louvamos ao senhor e convidamos a cada leitor solcito a ler e meditar nesta obra to preciosa, resvalando-se dela para outra muito mais preciosa ainda as prprias parbolas!

    Ainda uma palavra sobre um amigo que preferiu permanecer no anonimato, por meio de que obtemos autorizao para esta publicao. Ele no quis aparecer, todavia, registramos o nosso apreo e gratido em sua referncia. Obrigado, amigo oculto! O leitor no saber que voc, todavia ns sabemos, e, acima de tudo, o Senhor da Igreja sabe... e isto que importa! Agradecemos ao Dr. Simon Kistemaker por no ter requerido de ns royalty (=pagamento de direitos autorais). Esperamos que este livro seja um meio dentre

  • tantos outros para a maior glorificao do Nome de Jesus Cristo, o Senhor da Igreja... at que ele venha! Maranata!

    Dezembro de 1992Valter Graciano MartinsEditor

    PREFCIO

    Livros sobre parbolas, escritos a partir de uma perspectiva evanglica, so poucos e, a maior parte das vezes, desatualizados: muitos dos que foram publicados deixaram de ser reeditados. Ao

  • escrever este livro, procurei ir ao encontro da necessidade do pastor que deseja consultar um livro evanglico que contenha todas as parbolas de Jesus e a maior parte do que dito sobre elas nos Evanglicos Sinticos.

    Este livro procura atingir o nvel adequado de pastores teologicamente treinados. Tendo os pormenores tcnicos sido restringidos a notas de rodap, o texto, em si, pode ser de grande ajuda a qualquer um que pretenda estudar seriamente a Bblia. O livro apresenta uma biografia selecionada.

    Muitas pessoas colaboraram para tornar este livro uma realidade. Quero expressar meus agradecimentos ao Seminrio Teolgico Reformado por me ter liberado do trabalho aos sbados; ao diretor e bibliotecrio da Livraria Tyndale, em Cambridge, Inglaterra; a meus alunos assistentes, Dana W. Casey, Edward Y. Hopkins e James Theodore Lester; minha secretria, Mrs. Kathleen Sapp; minha esposa, Jean, que datilografou o manuscrito; e aos revisores, Mrs. Mary L. Hulton e P. Ronald Carr.

    Possa este livro ajudar os pastores a preparar seus sermes a respeito das parbolas de Jesus.

    Simon J. Kistemaker1980

  • ABREVIATURAS

    ATR Anglican Theological Review BA Biblical ArchaeologistBib BblicaBibLeb Bibel und LebenCBQ Catholic Biblical QuartelyEvQ Evangelical QuarterlyExpT Expository TimesHTR Harvard Theological ReviewInterp InterpretationJBL Journal of Biblical LiteratureJETS Journal of the Evangelical Theological SocietyJTS Journal os Theological StudiesNAB New American BibleNASB New American Standart BibleNEB New English BibleNIDNTT New International Dictionary of New Testament TheologyNIV New International VersionNovt Novum TestamentumNTS New Testament StudiesRefR Reformed ReviewScotJT Scottish Jounal of TheologySB H. L. Strack and P. Billerbeck, KommentarStTh Studia TheologiaTB Tyndale BulletinTDNT Theological Dictionary of the New TestamentTynHBut Tyndale House BulletinTS Theological StudiesTZ Theologische ZeitschriftZNW Zeitschrift fr die Neuentestamentliche WissenschaftZPEB Zondervan Pictorial Encyclopedia of the BibleZTK Zeitschrift fr Theologie und Kirche

    Livro da Bblia

    Gn Jr Lcx Lm JoLv Ez AtNm Dn RmDt Os 1,2 CoJs Jl GlJz Am EfRt Ob Fp1,2 Sm Jn Cl1,2 Rs Mq 1,2 Ts1,2 Cr Na 1,2 TmEd Hc Tt

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    Introduo

  • Com muita freqncia, os jornais trazem, junto aos editoriais, com destaque, uma caricatura. Com poucas linhas, o artista traa o esboo humorstico de um fato poltico, social ou econmico, atual. Atravs do desenho ele transmite uma mensagem contundente e direta, cuja eloqncia um redator dificilmente poderia alcanar.

    Contando parbolas, Jesus desenhava quadros verbais que retratavam o mundo ao seu redor. Ensinando atravs das parbolas, ele descrevia aquilo que acontecia na vida real. Isto , ele usava uma histria tirada do cotidiano, para, atravs de um fato j aceito e conhecido, ensinar uma nova lio. Essa lio, na maior parte das vezes, vinha no final da histria e provocava um impacto que precisava de tempo para ser entendido e assimilado. Quando ouvimos uma parbola, acenamos com a cabea, concordando, porque a histria como a vida real e fcil de ser entendida. No entanto, mesmo que se oua a aplicao da parbola, ela nem sempre compreendida. Vemos a histria se desenrolar diante de nossos olhos, mas nem sempre percebemos seu significado1. A verdade permanece escondida at que nossos olhos se abram e possamos v-la mais claramente. Ento, a nova lio da parbola se torna significativa. Como Jesus disse a seus discpulos: A vs outros vos dado o mistrio do reino de Deus, mas aos de fora tudo se ensina por meio de parbolas (Mc 4.11).

    Formas

    A palavra parbola, no Novo Testamento, tem uma conotao ampla que inclui formas de parbolas que so, geralmente, divididas em trs categorias2. H as autnticas parbolas, histrias em forma de parbolas e ilustraes.

    1. PARBOLAS AUTNTICAS. Essas usam como ilustrao um fato comum do dia-a-dia, e so facilmente compreendidas por qualquer um que as oua. Qualquer pessoa entende a verdade transmitida; no h motivo para objeo ou crtica. Todos j viram uma semente germinar (Mc 4.26-29); o fermento levedando a massa (Mt 13.33); crianas brincando numa praa (Mt 11.16-19; Lc 7.31,32); uma ovelha desgarrada do rebanho (Mt 18.12-14); uma mulher que perde uma moeda em sua prpria casa (Lc 15.8-10). Essas e muitas outras parbolas comeam retratando verdades evidentes a respeito da natureza do homem. So contadas, usualmente, no presente.

    2. HISTRIAS EM FORMA DE PARBOLAS. Diferindo das parbolas autnticas, a histria em forma de parbola no se relaciona com uma verdade bvia ou com um costume geralmente aceito. A verdadeira parbola contada como um fato, com o verbo

    1 R. Schippers, The Mashal-character of the Parable of the Pearl, em Studia Evangelica, cd F. L. Cross (BcrIin: Akademe-Verlag, 1964), 2:237.2 F. Haucck, TDNT, V:752.

  • no presente. A histria em forma de parbola, por outro lado, se refere a um acontecimento em particular, que teve lugar no passado geralmente a experincia de uma pessoa. , por exemplo, a experincia de um fazendeiro que semeou trigo e, mais tarde, percebeu que seu inimigo semeara o joio no mesmo pedao de cho (Mt 13.24-30). a histria de um homem rico, cujo administrador defraudou os seus bens (Lc 16.1-9); ou, o relato a respeito de um juiz que julgou a causa de uma viva atendendo a seus inmeros pedidos (Lc 18.1-8). O interesse dessas histrias no est na narrativa, porque o que significativo nelas no o fato, mas a verdade transmitida.

    3. ILUSTRAES. As histrias ilustrativas registradas no Evangelho de Lucas so, geralmente, classificadas como histrias que servem de modelo, de exemplo. Incluem a parbola do bom samaritano (Lc 10.30-37); a parbola do rico insensato (Lc 12.16-21); a parbola do rico e Lzaro (Lc 16.19-31); e a parbola do fariseu e o publicano (Lc 18.9-14). Essas ilustraes diferem das histrias em forma de parbolas pelo seu propsito. Enquanto a histria em forma de parbola uma analogia, as ilustraes contm exemplos a serem imitados ou evitados. Elas focalizam, diretamente, o carter e a conduta de um indivduo; a histria em forma de parbola faz isso apenas indiretamente.

    Nem sempre simples classificar uma parbola. Algumas delas apresentam caractersticas dos dois grupos da autntica parbola e da histria em forma de parbola e podem ser classificadas de um modo ou de outro. Os Evangelhos registram, tambm, numerosas afirmaes em forma de parbola. , muitas vezes, difcil determinar quando uma declarao de Jesus constitui uma autntica parbola, ou quando uma declarao em forma de parbola. O ensinamento de Jesus a respeito do fermento (Lc 13.20,21) classificado como uma verdadeira parbola, mas sua mensagem sobre o sal (Lc 14.34,35) considerada uma afirmao em forma de parbola. No entanto, algumas declaraes de Jesus so apresentadas como parbolas. Por exemplo: Props-lhe tambm uma parbola: Pode porventura um cego guiar a outro cego? No cairo ambos no barranco? (Lc 6.39).

    No que uma parbola difere de uma alegoria? O Peregrino de John Bunyan uma representao alegrica do caminhar de um cristo pela vida. Os nomes e as circunstncias encontrados no livro representam a realidade. Cada fato, cada caracterstica ou afirmao so simblicos e devem ser interpretados ponto a ponto em seu significado real para que possam ser corretamente entendidos. Uma parbola, por sua vez, fiel vida e ensina, geralmente, apenas uma verdade bsica. Em suas parbolas, Jesus usou muitas metforas, como, por exemplo, um rei, servos e virgens, mas estas nunca se afastaram da realidade. No esto nunca relacionadas com um mundo de fantasia ou fico. So histrias e exemplos tirados do mundo em que Jesus vivia e transmitem uma verdade espiritual, atravs da

  • comparao. Os pormenores da histria so o sustentculo da mensagem que a parbola transmite. No devem ser analisadas ponto a ponto e interpretadas como uma alegoria, pois perderiam o seu significado.

    Composio

    Embora, de um modo geral, seja verdade que uma parbola ensina somente uma lio bsica, esta regra nem sempre definitiva. Algumas das parbolas de Jesus tm composio complexa. A composio da parbola do semeador apresenta quatro partes e cada parte pede uma interpretao. Do mesmo modo, a parbola sobre as bodas no uma histria nica, pois tem acrescentado uma parte a respeito de um convidado que no est usando roupas apropriadas para a ocasio. Tambm, a concluso da parbola sobre os lavradores maus se desvia do cenrio da vinha para o de construtores e seus negcios. Por causa dessa complexidade, sensato o exegeta no se prender a um ponto nico na interpretao da composio das parbolas.

    Ao ler as parbolas de Jesus, ns nos perguntamos por que so deixados de lado vrios detalhes que deveriam fazer parte da histria. Por exemplo, na histria do amigo que bate porta de seu vizinho, no meio da noite, para pedir trs pes, a mulher do vizinho no mencionada. Na parbola do filho prdigo, o pai uma figura marcante, mas nem uma palavra dita a respeito da me. A parbola das dez virgens apresenta o noivo, mas ignora completamente a noiva. Esses pormenores, entretanto, no so relevantes na composio geral das parbolas, especialmente se compreendermos o artifcio literrio das trades, muitas vezes usado nas parbolas de Jesus. Na parbola do amigo que vem bater porta no meio da noite, h trs personagens: o viajante, o amigo e o vizinho. A parbola do filho prdigo tambm fala de trs pessoas: o pai, o filho mais jovem e o irmo mais velho. Na histria das dez virgens, encontramos trs elementos: as cinco virgens prudentes, as cinco virgens tolas e o noivo.

    Alm disso, nas parbolas de Jesus no o comeo da histria o que importante, porm o seu final. A importncia recai sobre a ltima pessoa mencionada, o ltimo feito ou a ltima declarao. O efeito final da parbola deliberadamente elaborado em sua composio3. Foi o samaritano que procurou aliviar a dor do homem ferido, no o sacerdote ou o levita. Embora os dois servos que apresentaram cinco e dois talentos adicionais a seu senhor tenham recebido louvor e elogios, foi o fato de ter enterrado seu nico talento na terra que trouxe ao terceiro servo escrnio e condenao. Na parbola sobre o proprietrio de terras que durante o dia contratou

    3 A. M. Hunter, The Parables Then and Now (London: Westminster Press, 1971), p. 12.

  • homens para trabalhar em sua vinha e, s seis horas, ouviu reclamaes de alguns dos trabalhadores, o mais importante a resposta do dono: Amigo, no te fao injustia... so maus os teus olhos porque eu sou bom? (Mt 20.13,15).

    A arte de elaborar e contar parbolas, demonstrada por Jesus, no encontra paralelo na literatura. Mas bem semelhantes s parbolas de Jesus so aquelas dos antigos rabinos dos dois primeiros sculos da era crist. Essas parbolas eram apresentadas, comumente, com uma pergunta: Uma parbola: A que se assemelha? Nessas parbolas, tambm, o artifcio literrio da trade e a nfase final eram usados. Por exemplo:

    Uma parbola: A que se assemelha? A um homem que estava viajando pela estrada, quando encontrou um lobo. Conseguiu escapar dele e seguiu adiante, relatando aos outros seu encontro com o lobo. Ento, ele encontrou um leo e escapou dele; e seguiu adiante, contando a todos o encontro com o leo. A seguir, ele encontrou uma cobra e escapou dela. Aps esse acontecimento, ele se esqueceu dos dois anteriores e prosseguiu contando o caso da cobra. Assim tambm Israel: as ltimas dificuldades o fazem esquecer as primeiras4.

    Entretanto, a semelhana entre as parbolas de Jesus e as dos rabinos est apenas na forma. As parbolas dos rabinos, normalmente, so apresentadas para explicar ou elucidar a Lei, versculos das Escrituras, ou uma doutrina. Elas no so usadas para ensinar novas verdades, como acontece com as parbolas de Jesus. Atravs das parbolas, Jesus explicava os grandes temas de seu ensinamento; o reino dos cus; o amor, a graa e a misericrdia de Deus; o governo e a volta do Filho de Deus; o modo de ser e o destino do homem5. Enquanto que as parbolas dos rabinos no ensinam seno a aplicao da Lei, as de Jesus so parte da revelao de Deus ao homem. Em suas parbolas, Jesus revela novas verdades, pois ele foi comissionado por Deus para tornar conhecida a vontade e a Palavra de Deus. As parbolas de Jesus, portanto, so as revelaes de Deus; as dos rabinos, no.

    Propsito

    As parbolas mostram que Jesus estava perfeitamente familiarizado com a vida humana em seus mltiplos aspectos e significado. Ele tinha conhecimento de como cultivar a terra, lanar a semente, extirpar as ervas daninhas e colher os frutos. Ele se sentia em casa, em uma vinha; sabia a poca da colheita dos frutos da

    4 I. Epstein, cd., Seder Zeraim Berakoth 13a, in The Babylonian Talmud (London: Soncino Press, 1948); p.73.

    5 Hauck, TDNT, V:758. J. Jeremias, na oitava edio de seu Die Gleichnisse Jesu (Gttingen:Vandenhoeck & Ruprecht, 1970), p. 8, faz notar que as parbo1as de Jesus podem ter contribudo para o desenvolvimento do gnero literrio das parbolas dos rabinos.

  • videira e da figueira, e estava a par do quanto se pagava por um dia de trabalho. Ele no apenas estava familiarizado com a rotina do fazendeiro, do pescador, do construtor e do mercador, mas se encontrava igualmente vontade entre os chefes de Estado, os ministros das finanas de uma corte real, os juzes das cortes de justia, os fariseus e os coletores de impostos. Ele compreendeu a pobreza de Lzaro, embora fosse convidado para jantar com os ricos. Suas parbolas retratam a vida de homens, mulheres e crianas; o pobre e o rico; os que so marginalizados e os que so exaltados. Pelo seu conhecimento da amplitude da vida humana, ele era capaz de ministrar a todas as camadas sociais. Ele falava a linguagem do povo e seus ensinamentos eram adequados ao nvel daqueles que o ouviam. Jesus usava parbolas para tornar sua linguagem acessvel ao povo, para ensinar s multides a Palavra de Deus, para chamar seus ouvintes ao arrependimento e f, para desafiar os que criam a transformar palavras em atos e para exortar seus seguidores a permanecerem atentos.

    Jesus usou as parbolas para comunicar a mensagem de salvao de um modo claro e simples. Seus ouvintes podiam, prontamente, entender a histria do filho prdigo, dos dois devedores, da grande ceia e do fariseu e o publicano. Atravs das parbolas, eles identificavam Jesus com o Cristo que ensina com autoridade a mensagem redentora do amor de Deus.

    Dos relatos do Evangelho, todavia, tomamos conhecimento que a interpretao das parbolas era feita em particular, no crculo dos discpulos. Jesus lhes disse: A vs outros dado o mistrio do reino de Deus, mas aos de fora tudo se ensina por meio de parbolas, para que: vendo, vejam, e no percebam; e ouvindo, ouam, e no entendam, para que no venham a converter-se e haja perdo para eles (Mc 4:11,12).

    Isso significa que Jesus, que foi enviado por Deus para proclamar a redeno dos homens cados e pecadores, esconde essa mensagem atravs de parbolas incompreensveis? As parbolas so, ento, um tipo de enigma compreendido apenas pelos iniciados?

    As palavras de Marcos 4.11,12 devem ser entendidas no contexto mais amplo, no qual o escritor as colocou6. No captulo anterior, Marcos relata que Jesus encontrara descrena, blasfmia e 6 J. Jeremias. The Parables of Jesus (New York: Scribner, 1063), pp. 13.18, sustenta que essas palavras de Jesus foram deslocadas e pertencem a Outro escrito; devem ser interpretadas sem relao com o contexto de Marcos 4. De acordo com Jeremias, o escritor inseriu passagem proveniente de outra tradio, por causa do sentido comum da palavra parbola, que ele afirma significar, originalmente, enigma. Jeremias atribui, assim, dois sentidos palavra parbola, em Marcos 4. O primeiro significando parbola autntica, e o segundo, enigma. As regras da exegese, no entanto, no apiam a interpretao de Jeremias, pois, a menos que o evangelista revele um significado diferente para uma palavra do texto, essa deve conservar o mesmo sentido atravs de toda a passagem.

  • oposio direta. Ele foi acusado de estar possudo por Belzebu e de expelir demnios, pelo prncipe dos demnios (Mc 3.22). O contraste que Jesus apresenta, conseqentemente, entre aqueles que acreditavam e os que no acreditavam, entre seguidores e oponentes, entre os que aceitavam e os que rejeitavam a revelao de Deus. Os que fazem a vontade de Deus recebem a mensagem das parbolas, porque pertencem famlia de Jesus (Mc 3.35). Os que tentam destruir Jesus (Mc 3.6) no conhecem a salvao, por causa da dureza de seus coraes. uma questo de f e descrena. Os que acreditam ouvem as parbolas e as recebem com f e entendimento, mesmo que a completa compreenso venha, apenas, gradualmente. Os incrdulos rejeitam as parbolas porque elas so estranhas sua maneira de pensar7. Recusam-se a perceber e entender a verdade de Deus. Assim, por causa de seus olhos cegos e seus ouvidos surdos, privam a si mesmos da salvao proclamada por Jesus, e trazem sobre si mesmos o julgamento de Deus.

    No nos surpreende que os discpulos de Jesus no tenham entendido completamente a parbola do semeador (Mc 4.13). Os seguidores mais prximos estavam perplexos com os ensinamentos da parbola porque no tinham visto ainda a importncia da pessoa e do ministrio de Jesus, em relao verdade de Deus revelada na parbola. Somente pela f foram capazes de ver aquelas verdades da qual as parbolas davam testemunho8. Jesus explicou de modo mais pormenorizado a parbola do semeador e a do trigo e do joio (em outras, ele, de quando em quando, acrescentava esclarecimentos s concluses). Aos discpulos foi dado ver a relao entre os acontecimentos que Jesus descrevia na parbola do semeador e o reino dos cus, iniciado na pessoa de Jesus, o Messias9.

    Interpretao

    Na igreja primitiva, os Pais da igreja comearam a procurar nas Escrituras do Velho Testamento vrios significados ocultos relacionados com a vinda de Jesus. Como conseqncia natural dessa tendncia, os Pais comearam a encontrar significados ocultos nas parbolas de Jesus. Influenciados, talvez, pela apologtica judaica, substituram a simplicidade das Escrituras pela especulao sutil. O resultado foi, as interpretaes alegricas das parbolas. Por isso, desde o tempo dos Pais da igreja, at meados do sculo XIX, muitos exegetas interpretaram as parbolas alegoricamente.

    Orgenes, por exemplo, acreditava que a parbola das dez

    7 W. L.ane, The Gospel According to Mark (Grande Rapids: Eerdmans, 1974), p. 158; W. Hendriksen, Gospel of Mark (Grand Rapids: Baker llook House, 1975), p. 145; H. N. Ridderbos, The Coming of the Kingdom (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1962), p.124.8 . C.E.B. Cranfield, St. Mark 4.1-34, Scot IT 4(1951): 407. . C.E.B. Cranfield, St. Mark 4.1-34, Scot IT 4(1951): 407.9 Lane, Mark, p.160.

  • virgens estava cheia de smbolos ocultos. As virgens, disse Orgenes, so todos aqueles que receberam a Palavra de Deus. As prudentes acreditam e levam uma vida de justia; as tolas acreditam, mas falham no agir. As cinco lmpadas das prudentes representam os cinco sentidos, que so todos preparados para o seu uso apropriado. As cinco lmpadas das tolas deixaram de fornecer luz e se encaminharam para a noite do mundo. O leo o ensinamento da Palavra e os vendedores de leo so os mestres. O preo que eles cobram pelo leo a perseverana. A meia-noite a hora do descuido imprudente. O grande clamor ouvido vem dos anjos que despertam todos os homens. o noivo Cristo que vem para encontrar a noiva, a igreja. Assim Orgenes interpretou a parbola.

    Entre os comentaristas do sculo XIX, era comum identificar os pormenores da parbola. Na parbola das dez virgens, a lmpada acesa representava as boas obras; e o leo, a f daquele que cr. Outros viram o leo como uma representao simblica do Esprito Santo.

    Ainda assim, nem todos os intrpretes das parbolas tomaram o caminho da alegoria. Por ocasio da Reforma, Martinho Lutero tentou mudar a maneira de interpretar as Escrituras. Ele preferiu um mtodo de exegese bblica que levava em considerao a localizao histrica e a estrutura gramatical da parbola. Joo Calvino foi ainda mais direto. Ele evitou totalmente as interpretaes alegricas das parbolas e procurou estabelecer o ponto principal de seu ensinamento. Quando ele constatava o significado de uma parbola, no se preocupava com os seus pormenores. Em sua opinio, os detalhes no tinham nada a ver com aquilo que Jesus pretendia ensinar atravs da parbola.

    Durante a segunda metade do sculo XIX, C. E. van Koetsveld, um estudioso alemo, deu novo impulso ao modo de abordar o assunto, iniciado pelos Reformadores. Ele mostrou que as extravagantes interpretaes alegricas das parbolas, feitas por numerosos comentaristas, obscureciam mais que esclareciam o ensino de Jesus10. Para interpretar uma parbola apropriadamente, o exegeta precisa apreender seu significado bsico e distinguir o que , ou no, essencial. Van Koetsveld foi seguido, em sua maneira de abordar as parbolas, pelo telogo alemo A. Jlicher, que observou que, embora o termo parbola seja usado freqentemente pelos evangelistas, a palavra alegoria jamais encontrada nos relatos dos Evangelhos11.

    No final do sculo passado, as amarras que atavam a exegese das parbolas foram cortadas e uma nova era de pesquisa teve

    10 C. E. van Koetsveld, De Gelykenissen van den Zaligmaker (Schoonhoven, 1869), vols. 1, 2. 11 A. Jlicher, Die Gleichnisredcn Jesu (Tbingen: Buchgesellschaft, 1963), vols. 1, 2.

  • incio12. Enquanto Jlicher via Jesus como um professor de princpios morais, C. H. Dodd o considerou como uma pessoa histrica, dinmica, que, com seus ensinamentos, provocou um perodo de crise. Disse Dodd: A tarefa de um intrprete de parbolas descobrir, se puder, a aplicao da parbola na situao pretendida pelos Evangelhos13. Jesus ensinava que o reino de Deus, o Filho do Homem, o Juzo e as bem-aventuranas passavam a fazer parte da histria daquela poca. Para Jesus, de acordo com Dodd, o reino significava o governo de Deus exemplificado em seu prprio ministrio. Portanto, as parbolas ensinadas por Jesus devem ser entendidas como diretamente relacionadas com a efetiva situao do governo de Deus na terra.

    J. Jeremias continuou o trabalho de Dodd. Ele, tambm, desejou descobrir os ensinamentos das parbolas que remetem de volta ao prprio Jesus. Jeremias se disps a traar o desenvolvimento histrico das parbolas, o que acreditava ocorrer em dois estgios. O primeiro diz respeito situao real do ministrio de Jesus, e o segundo uma reflexo sobre o modo como as parbolas eram postas em prtica pela igreja crist primitiva. A tarefa a que Jeremias se props era a de recuperar a forma original das parbolas para ouvi-Ias na prpria voz de Jesus14. Com o seu profundo conhecimento da terra, da cultura, dos costumes, do povo e da lngua de Israel, Jeremias foi capaz de reunir um rico cabedal de informaes que fazem de sua obra um dos livros de maior prestgio a respeito das parbolas.

    Apesar disso, uma questo se apresenta: pode a forma original ser separada do contexto histrico sem sucumbir a um acmulo de adivinhaes? Por outro lado, o texto das parbolas pode ser tomado e aceito como uma representao real do ensino de Jesus. Isto , o texto bblico que o evangelista nos entregou reflete o contexto histrico no qual as parbolas foram, originalmente, narradas. Dependemos do texto que recebemos e agimos acertadamente quando deixamos as parbolas e seu assentamento histrico intacto. Isso pede confiana que os evangelistas, ao registrarem as parbolas, tenham compreendido a inteno de Jesus ao ensin-las nas circunstncias por eles descritas15. Na ocasio em que as parbolas foram registradas, testemunhas e ministros da Palavra transmitiram a tradio oral das palavras e feitos de Jesus (Lc 1.1, 2). Por causa do elo com as testemunhas, podemos confiar que o contexto no qual as parbolas esto inseridas se refere ao tempo, lugares e circunstncias nas quais Jesus, originalmente, as ensinou.

    Mais recentemente, representantes de nova corrente da 12 Consulte os interessantes estudos de M. Black, The Parables as Alegoty, BJRL42 (1960): 273-87; R. E. Brown, Parable and Allegory Reconsidered, NTS 5 (1962): 36-45.13 C.H. Dodd, The Parables of the Kingdon (London, Nesbit and Co., 1935), p. 26.14 Jeremias, Parables, pp. 113,114.15 A. M. Iirouwer, De Gelykenissen (Leiden: Brill, 1946), p. 247; G.V. Jones, The Art and Truth of the Parables (L.ondon: S.P. C.K., 1964), p. 38.

  • hermenutica tm, de maneira crescente, deslocado as parbolas de seu assentamento histrico para uma nfase literria claramente baseada numa estrutura existencial16. Quer dizer, esses estudiosos tratam as parbolas como literatura existencial, as removem de suas amarras histricas e substituem sua significao original por uma mensagem contempornea. Negam que o sentido da parbola tem sua origem na vida e ministrio de Jesus17; no esto interessados em suas fontes e bases, mas, antes, em sua forma literria e sua interpretao existencial18. Para eles, a estrutura literria da parbola importante porque leva o homem moderno a um momento de deciso: tem que aceitar ou rejeitar o desafio colocado diante dele.

    Aceitamos prontamente a idia de que as parbolas chamam o homem ao; na aplicao da parbola do bom samaritano, ao intrprete da lei que o questionou, Jesus disse: Vai, e procede tu de igual modo (Lc 10.37). Entretanto, o existencialista, em sua interpretao da parbola, enfatiza o modo imperativo e menospreza o modo indicativo no qual a parbola foi contada. Ele separa as palavras de Jesus de sua disposio cultural e, assim, as despoja do poder e autoridade que Jesus lhes deu.

    Alm do mais, ao tratar as parbolas como estruturas literrias separadas de seu assentamento original, o existencialista precisa estabelecer para elas uma nova base. Assim, ele coloca as parbolas num contexto contemporneo. Mas, esse mtodo dificilmente pode ser chamado de exegtico, pois insufla no texto bblico uma filosofia existencial. Isso eisegese, no exegese. Infelizmente, o cristo comum, que procura orientao para o entendimento das parbolas com os representantes da nova escola hermenutica, precisa, primeiro, buscar conhecer a filosofia existencial, a teologia neoliberal e o jargo literrio do estruturalismo, para que possa se beneficiar com seus pontos de vista.

    Princpios

    Interpretar parbolas no exige um treinamento completo em teologia e filosofia, mas implica que o exegeta se atenha a alguns princpios bsicos de interpretao. Esses princpios, em resumo, esto relacionados com a histria, a gramtica e a teologia do texto bblico. Sempre que possvel, o intrprete deve fazer um estudo da conjuntura histrica da parbola, incluindo uma anlise pormenorizada das circunstncias religiosas, sociais, polticas e geogrficas reveladas

    16 M. A. Tolbert, Perspectives on lhe Parables (Philadelphia: Fortress Press, 1979), p.20.

    17 D. O. Via, ir., em A response to Crossan, Funk, and Peterson, Semeia 1 (1974): 222, afirma: No tenho absolutamente interesse, nem mesmo na Pessoa do Jesus histrico.18 J. D. Crossan, em The Good Samaritan Towards a Generic Definition of Parable, Semeia 2 (1974): 101, parece indicar que mais importante para uma proposio ser interessante que ser verdadeira.

  • na parbola. A disposio da parbola do bom samaritano, por exemplo, exige certa familiaridade com a instruo do clero daqueles dias. O intrprete da lei, procurando Jesus e perguntando-lhe o que fazer para herdar a vida eterna, deu incio conversao que levou histria do bom samaritano.

    Em relao parbola do bom samaritano, o exegeta deveria se familiarizar com a origem, a classe social e a religio dos samaritanos, com as funes, ofcio e residncia do sacerdote levita; com a topografia da rea entre Jerusalm e Jeric; e com o conceito judaico de boa vizinhana. Observando o contexto histrico da parbola, o intrprete apreende a razo por que Jesus contou essa histria e compreende a lio que Jesus procurou transmitir atravs da parbola19.

    A seguir, o exegeta deve atentar para a estrutura literria e gramatical da parbola. Os modos e tempos de verbos empregados pelo evangelista em relao parbola so muito significativos e lanam luz sobre o principal ensinamento da histria. As palavras estudadas em seu contexto bblico, assim como em escritos extra cannicos so parte essencial do processo de interpretao de uma parbola. Assim, o estudo da palavra prximo no contexto do comando Ama o teu prximo como a ti mesmo, como foi dado no Velho e Novo Testamentos, resulta num exerccio gratificante. O intrprete precisa, tambm, levar em considerao a introduo e a concluso de uma parbola, pois podem conter um artifcio literrio como uma questo de retrica, uma exortao ou uma ordem. A parbola do bom samaritano concluda com o comando direto: Vai, e procede tu de igual modo (Lc 10.37). O intrprete da lei, que tinha perguntado a Jesus a respeito do que fazer para herdar a vida eterna, no teve como deixar de se envolver no cumprimento da ordem de amar a seu prximo como a si mesmo. As introdues, e especialmente as concluses contm as diretrizes que ajudam o intrprete a encontrar os pontos principais das parbolas.

    Ainda, o ponto principal de uma parbola deve ser comparado teologicamente com os ensinamentos de Jesus e com o resto das Escrituras20. Quando o ensino bsico de uma parbola foi completamente explorado e est corretamente entendido, a unidade das Escrituras se manifestar e o sentido apropriado da passagem poder ser visto em toda a sua simplicidade e limpidez.

    Por ltimo, o intrprete da parbola deve traduzir seu significado em termos apropriados s necessidades de hoje. Sua tarefa aplicar o ensinamento central da parbola situao de vida da pessoa que est ouvindo sua interpretao. Na parbola do bom samaritano, a

    19 L. Berkhof, PrincipIes of Biblical Interpretation (Grand Rapids: Baker Book House, 1952), p. 100.20 A. B. Mickelsen, Interpreting the Bible (Grand Rapids: Ecrdmans 1963), p. 229.

  • ordem para amar o prximo se torna cheia de significado quando a pessoa que foi roubada e ferida na estrada de Jeric no mais uma figura de um passado distante. Ao contrrio, o prximo que clama pelo nosso amor o sem-teto, carente e oprimido. Ele vem ao nosso encontro na estrada de Jeric das pginas dirias dos jornais e do noticirio colorido da televiso.

    Classificao

    As parbolas de Jesus podem ser agrupadas e classificadas de vrias formas. As do semeador, da semente germinando secretamente, do trigo e do joio, da figueira estril, e a da figueira brotando so, todas, parbolas naturais. Vrias parbolas de Jesus dizem respeito ao trabalho e ao salrio. Algumas delas so a respeito dos trabalhadores da vinha, do arrendatrio e do administrador infiel, O tema de outras so as bodas e festas ou ocasies solenes. Essas incluem a parbola das crianas brincando na praa, a das dez virgens, a da grande ceia e a do banquete das bodas. Outras, ainda, tm como motivo geral o achado e o perdido. Essas incluem as parbolas da ovelha perdida, da moeda perdida e a do filho perdido.

    Nem sempre, no entanto, fcil classificar uma parbola. A parbola da rede uma parbola natural, ou deve ser agrupada com as que falam de trabalho e salrio? Onde colocar a parbola do bom samaritano? Fica claro que a classificao das parbolas pode ser, de certo modo, arbitrria, e, em alguns casos, forada.

    Os Evangelhos Sinticos apresentam parbolas com correspondentes em dois ou mesmo trs dos Evangelhos, e tambm parbolas especficas de um nico evangelista. Enquanto Marcos tem apenas uma parbola peculiar a seu Evangelho (a da semente crescendo secretamente), Mateus e Lucas tm vrias. Em minha apresentao das parbolas, segui a seqncia dos Evangelhos, discutindo primeiro as de Mateus, com a exclusiva de Marcos estudada entre a parbola do semeador e a do trigo e o joio, e, ento, as apresentadas no Evangelho de Lucas. Nas parbolas que tm correspondente, a seqncia quase uniforme de Mateus, Marcos e Lucas foi adotada. Escolhi esse procedimento a fim de ajudar o leitor que queira consultar um estudo dos paralelos sinticos, por exemplo, Synopsis of the Four Golspels de K. Aland21. Nesse estudo sobre as parbolas, referncias a palavras gregas e hebraicas so freqentes. Quando elas aparecem so transliteradas e traduzidas. A Bblia Inglesa usada a Nova Verso Internacional (com permisso da Comisso Executiva). Para ajudar o leitor, o texto transcrito integralmente no princpio de cada parbola. As parbolas que tm correspondentes nos trs Evangelhos Sinticos so apresentadas na seqncia de Mateus, Marcos e Lucas. Um total de quarenta parbolas e declaraes em

    21 K. Aland, Synopsis of lhe Four Gospels (Stuttgart: Wrttembergische Bibelanstalt, 1976).

  • forma de parbolas so estudadas neste livro. Todas as principais parbolas esto arroladas, assim como a maior parte das declaraes em forma de parbola. Naturalmente, uma seleo foi necessria com relao a essas declaraes, por isso a parbola do sal est includa e a da candeia foi omitida. Apenas as declaraes em forma de parbola que se encontram nos Evangelho Sinticos foram estudadas, no aquelas encontradas no Evangelho de Joo.

    A literatura a respeito das parbolas volumosa uma interminvel corrente de livros e artigos. Dificilmente uma parbola ter sido negligenciada pelos recentes estudiosos. Novas concepes provindas dos estudos sobre a cultura e a lei judaicas tm sido valiosas no avano para uma melhor compreenso dos ensinamentos de Jesus, O objetivo deste livro presentear o pastor e o verdadeiro estudioso da Bblia com um acervo abrangente e contemporneo dos escritos sobre as parbolas, sem se prender a pormenores. As notas de rodap e a bibliografia selecionada auxiliam o estudioso de teologia que desejar prosseguir mais intensamente no estudo das parbolas de Jesus. Atravs do material bibliogrfico e do ndice, ele ter acesso literatura disponvel sobre as parbolas de Jesus.

  • 1. O Sal

    Mateus 5.13 Vs sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser inspido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta seno para, lanado fora, ser pisado pelos homens.

    Marcos 9.50 Bom o sal; mas se o sal vier a tornar-se inspido, como lhe restaurar o sabor? Tende sal em vs mesmos, e paz uns com os outros.

    Lucas 14.34,35 O sal certamente bom; caso, porm, se torne inspido, como restaurar-lhe o sabor?. Nem presta para a terra, nem mesmo para o monturo; lanam-no fora. Quem tem ouvidos para ouvir, oua.

    Atravs da histria, o sal tem sido usado para preservar e dar gosto aos alimentos. uma das necessidades bsicas da vida. Seu uso universal e seu provimento aparentemente inesgotvel. Mas alm de suas qualidades teis, o sal tem, tambm, propriedades destrutivas. Ele pode transformar o solo frtil em terra rida e devastada22. A rea ao redor do Mar Morto um exemplo.

    Nos tempos atuais, achamos inconcebvel que o sal possa deixar de ser salgado. O cloreto de sdio (nome qumico do sal de cozinha) um composto estvel. Ele no possui qualquer impureza. No antigo Israel, entretanto, o sal era obtido pela evaporao da gua do Mar Morto. A gua continha vrias outras substncias, alm do sal. A evaporao produz cristais de sal e cloreto de potssio e de magnsio. Porque os cristais de sal so os primeiros a se formarem durante o processo de evaporao, eles podem ser recolhidos e fornecem, assim, sal relativamente puro. Se o sal resultante da evaporao no for, no entanto, preservado, e se, com o tempo, os cristais se tornarem midos e liquefeitos, o que restar ser inspido e intil23.

    22 Dt 29.22,23; Jz 9.45; J 39.6; SI 107.34; Jr 17.6; Sf 2.9.

    23 Jeremias, Parables, p. 169; J. H. Marshall, The Gospel of Luke (Grand Rapids: Eerdmans,1978), p. 596; Hauck, TDNT, 1.229.

  • O que se pode fazer com o sal inspido? No serve para nada. Os fazendeiros no querem esse produto qumico em suas terras, pois, no estado bruto, prejudica as plantas. Jogar esse resduo na pilha de estrume tambm no resolve, pois, comumente, o esterco espalhado na terra, como fertilizante. A nica coisa que se pode fazer com o sal inspido lan-lo fora onde ser pisado24. Se o sal perder sua propriedade bsica e deixar de ser salgado25, no se poder mais recuper-la.

    No Sermo da Montanha, Jesus se dirigiu multido e a seus discpulos, dizendo-lhes: Vs sois o sal da terra. Como o sal tem a caracterstica de impedir a deteriorao, assim tambm os cristos devem exercer uma influncia moral na sociedade em que vivem. Por suas palavras e atos devem restringir a corrupo espiritual e moral. Como o sal invisvel (no po, por exemplo) e, ainda assim, um agente poderoso, tambm os cristos nem sempre so vistos, mas individual e coletivamente permeiam a sociedade e constituem uma fora refreadora num mundo perverso e depravado.

    Tende sal em vs mesmos, e paz uns com os outros, diz Jesus (Mc 9.50). Ele exorta seus seguidores a usar dotes espirituais para promover a paz26, primeiro em casa, e depois com os outros. Porque os cristos no tm sido capazes de viver em paz entre si mesmos, tm perdido sua eficincia no mundo.

    Muitas pessoas podem jamais ter lido a Bblia, todavia constantemente observam aqueles que j a leram. Na Igreja Crist primitiva, o eloqente Crisstomo, certa vez, disse que se os cristos vivessem a vida que se espera deles, os incrdulos desapareceriam.

    24 E. P. Deatrick, em Salt, Sou, Savior, 13A 25 (1962): 47, citando Lamsa, menciona que no moderno Israel o sal inspido espalhado em terraos cobertos com terra. Por causa do sal, a terra endurece. Os terraos so, ento, usados como reas de lazer e de brincadeiras de crianas.25 O verbo em Mateus 5.13 e Lucas 13.34 para tomar-te inspido mrainein, que tem o sentido original de fazer tolice, na voz ativa, e fazer-se de tolo, na voz passiva. W. Bauer, W. F. Arndt, F. W. Gingrich e F. Danker, A Greek-English Lexicon of the New Testament (Chicago: University of Chicago Presa, 1978), p. 531.26 W. Nauck, Salt asa Metaphor, St Th 6 (1953); 176.

  • 2. Os Dois Fundamentos

    Mateus 7.24-27 Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica, ser comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com mpeto contra aquela casa, que no caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e no as pratica, ser comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com mpeto contra a casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruma.

    Lucas 6.47-49 Todo aquele que vem a mim e ouve as minhas palavras e as pratica, eu vos mostrarei a quem semelhante. E semelhante a um homem que, edificando uma casa, cavou, abriu pro-funda vala e lanou o alicerce sobre a rocha; e, vindo a enchente, arrojou-se o rio contra aquela casa, e no a pde abalar, por ter sido bem construda. Mas o que ouve e no pratica semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a terra sem alicerces, e arrojando-se o rio contra ela, logo desabou; e aconteceu que foi grande a runa daquela casa.

    Jesus se referiu, muitas vezes, a tempestades repentinas que transformavam o leito seco de um riacho em correntes violentas. So cenas comuns em Israel, onde o tempo muda de repente e altera, s vezes, drasticamente a paisagem.

    As construes rurais dos dias de Jesus eram, geralmente, feitas com barro endurecido. Os ladres conseguiam cavar buracos atravs das paredes de tais casas (Mt 6.19). Quatro homens fizeram uma abertura no teto da casa onde Jesus estava ensinando, para por ela fazer baixar o leito onde estava seu amigo paraltico (Mc 2.3,4). Para quem construa era uma questo de economia construir longe de possveis cursos de gua, mesmo que essas valas permanecessem secas por vrios anos27.

    27 E. F. F. Bishop, em Jesus of Palestine (London; Lutterworth Press, 1955), p. 86, faz referencia a casas de barro, entre Gaza e Asquelon, que tinham sido construdas

  • O construtor prudente escolhe um local sobre a rocha. Assim, ele no temer que uma chuva torrencial, provocando o sbito transbordamento de um riacho, arraste a casa, nem recear as rajadas de vento que se abatero sobre ela. O alicerce da casa construda sobre a rocha resistir.

    O construtor insensato constri sua casa como se estivesse erguendo uma tenda. No lhe ocorre que a casa deve ter uma estrutura mais permanente. Ele edifica sua casa sobre a areia, possivelmente por causa do acesso mais fcil a um riacho prximo. Enquanto o tempo est bom e o cu permanece azul os ocupantes da casa nada tm a temer. Quando, quase sem que se possa prever, o tempo muda, as nuvens se acumulam, a chuva cai, os riachos transbordam e o vento sopra, a casa vem abaixo com grande estrondo.

    Os dois evangelistas, Mateus e Lucas, mostram algumas diferenas na narrativa da parbola. Podemos explicar essas variaes atentando para os diferentes leitores a quem elas se destinavam. Mateus escreveu para o leitor judeu, que vivia em Israel, enquanto Lucas levava o evangelho aos helenos, que viviam na sia Menor e no Mediterrneo. Para um judeu acostumado com as tcnicas de construo que prevaleciam no antigo Israel, a parbola a respeito dos dois construtores se explicava por si mesma. Lucas, contudo, no escrevia para um povo que vivia na Galilia, ou na Judia. Ele se dirigia a gregos ou helenos. Por isso, Lucas substituiu por procedimentos de construo usuais entre eles, aqueles comuns em Israel28. O construtor cava, abrindo profunda vala, e assenta o alicerce da casa sobre a rocha, descreve Lucas. Alm da diferena na maneira de construir, Lucas tinha que levar em considerao as mudanas geogrficas e climticas. Enquanto Mateus escreveu sobre a chuva caindo, o riacho transbordando e o vento soprando forte, Lucas se referiu enchente que veio e fora da correnteza se arrojando contra a casa. Mateus fala de se construir sobre a areia; Lucas, de se construir sobre a terra. Esses pormenores diferentes no alteram o significado da parbola. O construtor prudente quando constri a casa sobre base slida.

    Uma pessoa que ouve as palavras de Jesus e as pratica como o construtor prudente. E tolo aquele que, ouvindo palavras de Jesus, no as obedece. Tal pessoa pode ser comparada ao construtor que constri sua casa sobre a areia, ou sobre a terra, sem alicerce.

    bem longe de um curso de gua, para evitar que uma sbita mudana de sua direo as atingisse. Mas, durante um inverno no deserto de Neguebe, um leito seco se encheu subitamente, mudou seu curso, e inundou completamente um acampamento beduno, causando a morte de pessoas e de gado.28 Jeremias, Parables, p. 27. As casas gregas eram, muitas vezes, construdas com pores (= alicerces), o que no era comum na Palestina.

  • Essa parbola faz eco s palavras do profeta Ezequiel. Ele descreve uma parede frgil que construda, a chuva torrencial, o granizo batendo com fora e a violncia do vento que explode. Assim, a parede cai (Ez 13.10-16).

    Ao concluir o Sermo da Montanha (Mt 5-7), ou o sermo da plancie (Lc 6), Jesus queria que seus ouvintes no apenas ouvissem, mas, tambm, praticassem o que ele lhes havia dito. insuficiente apenas ouvir as palavras de Jesus. Aquele que cr deve aceitar a palavra de Jesus e construir sua f apenas nele. Jesus o fundamento sobre o qual o homem prudente constri. Nas palavras de Paulo: Segundo a graa de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porm, cada um veja como edifica. Porque ningum pode lanar outro fundamento, alm do que foi posto, o qual Jesus Cristo (1 Co 3.10,11).

    O prudente ouve atentamente e direciona sua vida de acordo com as palavras de Jesus. Aquele que ouve as palavras de Jesus e no as pratica se arruinar completamente. No gasta tempo cavando e assentando seu alicerce. Sua casa fica pronta logo e temporariamente adequada s suas necessidades, mas quando a adversidade chega como um furaco, a casa que no tem Jesus como fundamento tomba, e sua runa completa.

    Essa parbola chama a ateno, indiretamente, para o julgamento de Deus, que todos, quer prudentes ou insensatos, tero que enfrentar. O prudente que construiu sua f, baseado em Jesus, est apto a resistir s tempestades da vida. Ele permanece seguro, supera e triunfa. Nas Bem-aventuranas, Jesus chama o pobre, o manso e o perseguido de bem-aventurados. Na parbola, os que construram sobre a Rocha demonstram firmeza em tudo que fazem. Eles ouvem a palavra de Deus e a praticam. Por isso, nunca sero destrudos. Acreditam em Jesus e obedecem sua palavra.

  • 3. Meninos na Praa

    Mateus 11.16-19 Mas a quem hei de comparar esta gerao? semelhante a meninos que, sentados nas praas, gritam aos companheiros: Ns vos tocamos flauta e no danastes; entoamos lamentaes, e no pranteastes. Pois veio Joo, que no comia nem bebia, e dizem: Tem demnio. Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizem: Eis a um gluto e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores. Mas a sabedoria justificada por suas obras.

    Lucas 7.31-35 A que, pois, compararei os homens da presente gerao, e a que so eles semelhantes? So semelhantes a meninos que, sentados na praa, gritam uns para os outros: Ns vos tocamos flauta, e no danastes; entoamos lamentaes, e no chorastes. Pois veio Joo Batista, no comendo po nem bebendo vinho e dizeis: Tem demnio. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis a um gluto e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores. Mas a sabedoria justificada por todos os seus filhos.

    Jesus contou uma parbola interessante sobre crianas brincando numa praa. Ele extraiu a cena diretamente do cotidiano: uma viso conhecida de crianas inventando suas brincadeiras e representando-as. O faz de conta podia, muito bem, ter acontecido assim: vrios meninos e meninas estavam brincando na praa, provavelmente vazia. Algumas crianas queriam brincar de casamento. Alm da noiva e do noivo, precisavam de um tocador de flauta, pois um grupo deveria danar na festa. Embora o noivo e a noiva estivessem prontos, e uma das crianas providenciasse a msica de flauta, o resto das crianas se recusou a danar. No estavam interessados em brincar de casamento.

    Em outro exemplo, algumas crianas queriam representar um funeral. Uma delas tinha que se fingir de morta, enquanto outras cantavam um canto fnebre. O resto tinha que chorar mas se recusaram. No queriam participar daquela brincadeira fnebre. As

  • crianas que tinham inventado as brincadeiras sentaram-se e disseram aos outros:

    Ns vos tocamos flauta,e no danastes;entoamos lamentaes,e no chorastes.

    Aplicao

    De acordo com o evangelho de Mateus, as crianas sentadas na praa gritam aos seus companheiros. No Evangelho de Lucas, as crianas esto gritando umas para as outras. Na apresentao de Mateus, um grupo de crianas criativo e sugere duas brincadeiras diferentes a um outro grupo29. O relato de Lucas d a impresso de que um grupo queria representar uma brincadeira alegre e o outro, uma triste. Nenhum dos grupos queria aceitar a sugesto do outro. provvel, ainda, que apenas a reprovao de um dos grupos tenha sido registrada30, e que o uso de uns para os outros no deva ser indevidamente enfatizado.

    Mas, como se aplica a parbola? Basicamente, h dois modos de se aplicar a cena que Jesus descreveu. Primeiro, as crianas que sugeriram as brincadeiras de casamento e funeral representam Jesus e Joo Batista, respectivamente. As crianas que se recusaram a brincar so os judeus. Joo veio a eles de forma to pungente quanto um canto fnebre, mas eles no estavam dispostos a ouvi-lo. Para se livrarem de Joo, diziam que estava endemoninhado. Jesus, entretanto, veio e trouxe alegria e felicidade, contudo os judeus zombaram dele porque entrava nas casas dos marginalizados, moral e socialmente, e comia e bebia com eles.

    A segunda interpretao o oposto da primeira. As crianas que sugeriram a brincadeira alegre do casamento e a triste do funeral so os judeus que queriam que Joo fosse alegre e que Jesus se lamentasse. Quando nenhum dos dois viveu conforme a expectativa deles, ento se queixaram. Disseram a Joo: Ns vos tocamos flauta, e no danastes. E, disseram a Jesus: Entoamos lamentaes, e no chorastes31.

    Das duas, a segunda explicao a mais plausvel. Primeiro, ela estabelece uma ligao definida entre os homens da presente

    29 Jeremias, em Parables, p. 161, segue a sugesto de Bishop, em Jesus of Palestine, p. 104. Jeremias escreve: O fato de algumas crianas estarem sentadas talvez implique que estivessem satisfeitas em apenas se queixar e se lamentar, deixando para outros, tarefas mais cansativas. H no entanto, grande perigo em se ir to longe na interpretao do texto.30 Marshall, Luke, p. 300.31 E. Mussner, em Der nicht erkannte Kairos (Mt 11.16-19 = L.c 7.31-35). Bid 40(1959)600; descreve todas as crianas sentadas e gritando.

  • gerao (Lc 7.31) e as crianas que faziam recriminaes. Os judeus estavam descontentes tanto com Joo Batista como com Jesus, assim como as crianas com os seus companheiros. Segundo, ela coloca as queixas das crianas, aplicadas a Joo e a Jesus, numa ordem cronolgica32. Joo veio como um asceta que vivia de gafanhotos e mel silvestre no era de seu agrado comer po e beber vinho , e os judeus o acusaram de ser possudo pelo demnio. Jesus, ao contrrio, comia po e bebia vinho, e eles o chamaram de gluto e beberro, amigo dos publicanos e pecadores. Deus enviou seus mensageiros nas pessoas de Joo e Jesus, mas seus contemporneos nada fizeram seno achar faltas neles.

    Paralelos

    As brincadeiras que as crianas queriam brincar e suas conseqentes reclamaes esto em consonncia com o Livro de Eclesiastes, que poeticamente observa que h tempo para tudo. H tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de saltar de alegria (Ec 3.4), diz o Pregador.

    Os insultos que os judeus lanaram sobre Jesus, entretanto, no eram, de modo algum, inofensivos. Eles o acusaram de ser gluto e beberro. Essa era a descrio de um filho desobediente, que, de acordo com a lei de Moiss, devia ser apedrejado at morte (Dt 21.20,21). O relacionamento de Jesus com os marginalizados social e moralmente, que eram olhados como apstatas pelos lideres religiosos, foi considerado reprovvel. Por causa desse convvio, os judeus achavam que o prprio Jesus devia ser considerado apstata33.

    A literatura dos rabinos apresenta um paralelo extraordinrio. Embora seja difcil afirmar quando foi escrito e qual sua origem, na forma oral, o texto interessante:

    Jeremias falou diretamente ao Santo, louvado seja Ele: Tu enviaste Elias, de cabelos encaracolados, para agir em benefcio deles, e eles riram dele, dizendo: Olha como ele ondula seus cabelos!, e zombavam dele, chamando-o de aquele dos cabelos crespos. E, quando Tu fizeste com que Eliseu se levantasse para agir em benefcio deles, disseram-lhe, ironicamente: Sobe, calvo; sobe, calvo! 34.

    Concluso

    O ponto culminante dessa parbola diverge nas descries dos dois Evangelhos. Os relatos de Mateus e Lucas variam na frase

    32 A. Plummer, The Gospel of Luke (ICC) (New York: C. Scribner & Sons, 1902), p. 163.33 Mt 9.11; Lc 5.30; 15.1,2; 19.7.34 Piska 26, em W. 6. Ilraude, Pesikta Rabbati, 2 vols. (New Haven: YaIe University Press, 1968,69), 1: 526-27. Ver tambm, 5H II; 161.

  • conclusiva. Mas a sabedoria justificada por suas obras (Mt 11.19), e Mas a sabedoria justificada por todos os seus filhos (Lc 7.35). J foi sugerido que a diferena pode ser devida a uma expresso do aramaico, que foi mal traduzida35. Qualquer que seja a causa, no entanto, no varia o sentido que as palavras transmitem. A sabedoria significa a sabedoria de Deus; ela pode ser mesmo um circunlquio para o prprio Deus. De acordo com Mateus, as obras divinas de Jesus (Mt 11.5) so provas da sabedoria de Deus. No evangelho de Lucas, os filhos de Deus so testemunhas da veracidade de sua sabedoria. Por exemplo, publicanos e mulheres sem moral, rejeitados como marginais pelos religiosos daqueles dias, viram revelada em Joo Batista e em Jesus a sabedoria de Deus. Ambos, Joo e Jesus proclamaram a mensagem de redeno Joo, com toda a austeridade, no Jordo (Lc 3.12, 13); e Jesus, ao redor da mesa, em suas casas (Lc 5.30).

    4. O SEMEADOR

    Mateus 13.1-9 Naquele mesmo dia, saindo Jesus de casa, assentou-se beira-mar; e grandes multides se reuniram perto dele, de modo que entrou num barco e se assentou; e toda a multido estava em p na praia. E de muitas coisas lhes falou por parbolas e dizia: Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu beira do caminho, e, vindo as aves, a comeram. Outra parte caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto no ser profunda a terra. Saindo, porm, o sol, a queimou; e, porque no tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um. Quem tem ouvidos para ouvir , oua.

    Marcos 4.1-9 Voltou Jesus a ensinar beira-mar. E reuniu-se numerosa multido a ele, de modo que entrou num barco, onde se assentou, afastando-se da praia. E todo o povo estava beira-mar, na praia. Assim, lhes ensinava muitas coisas por parbolas, no decorrer do seu doutrinamento. Ouvi: Eis que saiu o semeador a semear. E, ao semear, uma parte caiu beira do caminho, e vieram as aves e a comeram. Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto no ser profunda a terra. Saindo, porm, o sol, a queimou; e, porque no tinha raiz, secou-se. Outra parte caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram, e no deu fruto. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto, que vingou e cresceu, produzindo a trinta, a sessenta e a cem por um. E acrescentou: Quem tem ouvidos para ouvir, oua.

    Lucas 8.4-8 Afluindo uma grande multido e vindo ter com ele gente de todas as cidades, disse Jesus por parbola: Eis que o semeador saiu

    35 Jeremias, Parables, p. 162. n 44.

  • a semear. E, ao semear, uma parte caiu beira do caminho; foi pisada, e as aves do cu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e, tendo crescido, secou por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e estes, ao crescerem com ela, a sufocaram. Outra, afinal, caiu em boa terra; cresceu e produziu a cento por um. Dizendo isto, clamou: Quem tem ouvidos para ouvir, oua.

    Composio

    Em nossas sociedades industrializadas, a agricultura tem-se preocupado sempre com a produo de alimentos. Cultivar a terra no simplesmente um meio de vida; ao contrrio, tornou-se um modo de ganhar a vida. A moderna tecnologia tem sido amplamente aplicada a mtodos de cultivo, de tal modo que o agricultor se tornou um tcnico em diversas reas um especialista na aplicao de fertilizantes, herbicidas e inseticidas e um homem de negcios que conhece o custo da produo, o valor de seu produto e a situao do mercado.

    Quando Jesus ensinou a parbola do semeador a seus ouvintes na Galilia, eles podiam, literalmente, ver o agricultor lanando a semente nos campos prximos, durante o ms de outubro. O evangelista no nos diz quando Jesus contou a parbola, mas pode muito bem ter sido na ocasio em que o semeador saiu para semear. As multides (de acordo com Mateus, grandes multides) tinham vindo at praia, margem noroeste do Lago da Galilia. Talvez chegassem a milhares. Para se dirigir a tamanha multido, Jesus usou um plpito flutuante, sentando-se num barco, muito provavelmente afastado da praia36. Desse modo, a superfcie da gua refletia sua voz que, num dia calmo, podia alcanar seus ouvintes distncia. Aquele ambiente natural funcionava mais eficientemente que os atuais sistemas usados para a comunicao com o pblico.

    Jesus no precisava explicar as atividades do lavrador. Eles, talvez, o estivessem vendo, distncia, no trabalho, semeando gros de trigo e cevada. Provavelmente haviam passado ao lado de seu campo, no caminho para a praia. Na sociedade agrcola daqueles dias, muitos dos que ali estavam eram donos de terra, ou j haviam trabalhado no seu cultivo.

    Cultivar a terra era relativamente fcil nos dias de Jesus. Embora a parbola no nos conte nada a respeito de mtodos de cultivo, aprendemos no Velho Testamento (Is 28.24,25; Jr 4.3 e Os 10.11,12) e nos escritos dos rabinos que, no final de um longo e quente vero, o fazendeiro ia para o campo semear trigo e cevada sobre o solo endurecido. Ele arava a terra para cobrir a semente e esperava que a chuva de inverno viesse fazer germinar os gros37.

    36 W. NeiI, Expounding The Parables, Exp T 78 (1965): 74.37 J. Jeremias, Palastinakundliches zum Gleichnis vom S~emann, NTS 13(1967): 48-53. Ver tambm Parables, p.l2.

  • Na parbola de Jesus, o lavrador partiu para o campo levando seu suprimento de gros numa bolsa que trazia a tiracolo. Com passos ritmados, lanava as sementes em faixas, pelo campo. No se preocupava com os poucos gros que caam beira do caminho, nem com aqueles que eram lanados em terra pouco profunda, onde as rochas despontavam. Tambm no se preocupava com o trigo cado entre os espinheiros que cresceriam na primavera, abafando as sementes. Para o lavrador, tudo aquilo fazia parte de seu dia de trabalho.

    A descrio corriqueira e precisa. O lavrador no podia impedir que os gros cassem em solo duro. Cedo ou tarde viriam as aves e os comeriam. Alguns pssaros comeriam at mesmo as sementes lanadas no campo. Acontecia comumente. Tambm, pouco ele podia fazer a respeito das rochas. Assim era a terra. Ele havia tentado acabar com os espinheiros arrancando suas razes, mas estes teimavam em renascer.

    A expectativa do lavrador estava no tempo da ceifa, quando iria colher. Um lucro mdio, naqueles dias, podia ser menos que dez por um38. Se tivesse um retorno de trinta por um, ou uma colheita mais favorvel que rendesse sessenta por um, seria um acontecimento excepcional. Muito raramente, talvez, ele conseguiria colher a cem por um (Gn 26.12). Resumindo, o semeador no estava interessado nos gros que perdia enquanto semeava. Sua esperana estava no futuro, na colheita, que ele esperava com ansiedade.

    Nenhum dos ouvintes de Jesus discordou dele. Mas, o clmax da histria deve ter surpreendido seus ouvintes: em vez de uma colheita normal com um lucro de dez vezes, Jesus falou de um retorno de cem por um. O ponto principal da histria , portanto, uma colheita abundante.

    Propsito

    A parbola do semeador uma das poucas encontradas nos trs Evangelhos Sinticos. Quando incorporaram a histria de Jesus a respeito do lavrador semeando e colhendo, cada um dos escritores dirigiu-se a seus prprios leitores. Mateus, Marcos e Lucas, obviamente, colocaram a parbola no contexto de seus respectivos Evangelhos para mostrar o ponto central do ensino de Jesus.

    No Evangelho de Mateus, o captulo 13 precedido por um

    38 Jeremias. Palstinakundliches, p. 53; ver, tambm, K. D. Whitc, The Parable of the Sower., lIS 15 (1964): 300-7; P. B. Payne, lhe Order of Sowing and Ploughing NTS 25 (12978): 123-29. Os ensinos do Velho Testamento (Ams 9.13; Jeremias 31.27; Ezequiel 36.29,30) e, os ensinos dos escritos dos rabinos e das pseudo-epgrafes parecem ser o de que a terra produzir fruto em abundncia, na era Messinica. N. A. Dahl, The Parables of Growth, StTh 5 (1951): 153; SB, IV: 880-90.

  • relato a respeito do ministrio de Jesus no mbito de cura (captulos 8 e 9). Concluindo essa parte, Mateus registra que Jesus ensinava nas sinagogas, pregava as boas-novas do reino, e curava todos os tipos de doenas e enfermidades (9.35). Ento, ele olhou para as multides, e porque no tinham quem as orientasse espiritualmente, teve compaixo delas. Ele as comparou a ovelhas sem pastor. E ento se dirigiu a seus discpulos: A seara na verdade grande, mas os trabalhadores so poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara (9.37,38). No captulo 10, Mateus registra como Jesus enviou os doze apstolos, comissionados para buscar as ovelhas perdidas de Israel. Mas Jesus advertiu os discpulos sobre rejeio, perseguio e morte. Eles encontrariam oposio, hostilidade constante e correriam risco de vida. Mateus volta ao mesmo assunto nos dois captulos seguintes. As multides tinham seguido Joo Batista, mas o povo dizia que ele tinha demnio. Sobre Jesus, diziam que era gluto e beberro, amigo de publicanos e pecadores (11.19). Em Corazim, Betsaida, e Cafarnaum o povo se recusou a se arrepender e a crer em suas palavras. Parecia que Jesus tinha semeado em terra pouco profunda, e que as sementes por ele lanadas no tinham germinado. Ainda assim, apesar das dvidas de Joo Batista (11.3), da descrena dos galileus (11.21,23) e da hostilidade dos lderes religiosos (12.2, 24,38), o reino de Deus se instalou e prosperou. As pessoas que fazem a vontade de Deus so parte e parcela do reino. So o irmo, a irm e a me de Jesus (12.50).

    Neste ponto, Mateus apresenta a parbola do semeador. A estrutura da redao do relato evanglico revela a mo habilidosa de um arquiteto literrio39. O evangelista preparou a cena para a parbola do semeador. O objetivo alertar seus leitores para a inesperada colheita arrecadada no reino de Deus.

    De outro lado, Marcos parece enfatizar o ministrio no mbito do ensino, de Jesus ao longo das praias do Lago da Galilia. Ele comea a passagem, dizendo: Voltou Jesus a ensinar beira-mar (4.1). Enquanto Mateus omite a referncia ao fato de Jesus ter-se assentado num bote, beira-mar, Marcos se refere ao lago por, pelo menos, trs vezes, no versculo introdutrio. Marcos informa a seus leitores que, uma vez mais, Jesus se encontrou com uma grande multido, junto ao mar (vejam-se 2.13 e 3.7). Ele intercala trs parbolas de seu evangelho (o semeador, a semente germinando e o gro de mostarda) nesse ponto de sua narrativa para indicar o lugar onde foram ensinadas, a quem Jesus se dirigia, e o propsito delas.

    O escritor do terceiro Evangelho expe uma verso abreviada da parbola do semeador e a coloca em um contexto sobre a aceitao e a rejeio. As palavras e os feitos de Jesus foram prontamente aceitos pelas pessoas comuns, pelos coletores de impostos, mulheres de m

    39 H. N. Ridderbos, Studies in Scripture and lts Authority(St. Catharines: Paideia Presa, 1978), p. 50.

  • fama e outros (7.29,37; 8.1-3), mas encontraram firme oposio da parte dos fariseus e dos intrpretes da lei (7.30,39). A verso de Lucas da parbola difere pouco das de Mateus e Marcos, embora seja muito mais curta e mostre alguma diferena de vocabulrio. Essas mudanas mostram que Lucas ou a tradio oral se sentiram vontade para modificar pormenores na narrao da histria, coisa que os modernos pregadores costumam fazer quando tornam a contar as parbolas40.

    Mateus 13.18-23 Atendei vs, pois, parbola do semeador. A todos os que ouvem a palavra do reino e no a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no corao. Este o que foi semeado beira do caminho. O que foi semeado em solo rochoso, esse o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; mas no tem raiz em si mesmo, sendo, antes, de pouca durao; em lhe chegando a angstia ou a perseguio por causa da palavra, logo se escandaliza. O que foi semeado entre os espinhos o que ouve a palavra, porm os cuidados do mundo e a fascinao das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutfera. Mas o que foi semeado em boa terra o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica e produz a cem, a sessenta e a trinta por um.

    Marcos 4.13-20 Ento, lhes perguntou: No entendeis esta parbola e como compreendereis todas as parbolas? O semeador semeia a palavra. So estes os da beira do caminho, onde a palavra semeada; e, enquanto a ouvem, logo vem Satans e tira a palavra semeada neles. Semelhantemente, so estes os semeados em solo rochoso, os quais, ouvindo a palavra, logo a recebem com alegria. Mas eles no tm raiz em si mesmos, sendo, antes, de pouca durao; em lhes chegando a angstia ou a perseguio por causa da palavra, logo se escandalizam. Os outros, os semeados entre os espinhos, so os que ouvem a palavra, mas os cuidados do mundo, a fascinao da riqueza e as demais ambies, concorrendo, sufocam a palavra, ficando ela infrutfera. Os que foram semeados em boa terra so aqueles que ouvem a palavra e a recebem, frutificando a trinta, a sessenta e a cem por um.

    Lucas 8.11-15 Este o sentido da parbola: a semente a palavra de Deus. A que caiu beira do caminho so os que a ouviram; vem, a seguir, o diabo e arrebata-lhes do corao a palavra, para no suceder que, crendo, sejam salvos. A que caiu sobre a pedra so os que, ouvindo a palavra, a recebem com alegria; estes no tm raiz, crem apenas por algum tempo e, na hora da provao, se desviam. A que caiu entre espinhos so os que ouviram e, no decorrer dos dias, foram sufocados com os cuidados, riquezas e deleites da vida; os seus frutos no chegam a amadurecer. A que caiu na boa terra so os que, tendo ouvido de bom e reto corao, retm a palavra; estes frutificam com perseverana.

    40 I. H. Marshall, Tradition and Theology in Luke, Tyn H Bull 20(1969); 63.

  • A parbola do semeador uma das poucas que Jesus explicou a seus discpulos e a outros que estavam junto dele. A primeira vista, a parbola parece no necessitar de explicao, mas, na realidade, precisa ser aplicada para que possa ser entendida espiritualmente. A pergunta inicial dos discpulos: Por que lhes falas por parbolas? Recebe uma resposta que no prontamente entendida. Jesus diz: Porque a vs outros dado conhecer os mistrios do reino dos cus, mas queles no lhes isto concedido. Pois ao que tem se lhe dar, e ter em abundncia; mas ao que no tem, at o que tem lhe ser tirado. Por isso lhes falo por parbolas; porque, vendo, no vem; e, ouvindo, no ouvem nem entendem. (Mt 13.11-13).

    Notamos que os discpulos perguntam por que Jesus fala ao povo por parbolas, e que ele responde por que lhes fala por parbolas. Marcos d ainda mais nfase distino entre ns e eles, registrando: Aos de fora se ensina por meio de parbolas (4.11).

    O que, precisamente, queria Jesus dizer ao se referir aos mistrios do reino? Se Jesus o Grande Mestre (= Rabi), esperamos que ele ensine verdades espirituais numa linguagem simples. Seria difcil crer que Jesus, adotando uma determinada maneira de falar, pretendesse ocultar o seu ensino das multides, e, ainda assim, falar dos mistrios do reino.

    Os documentos de Cunr se referem ao papel do Mestre da Justia, comissionado para revelar os mistrios divinos. Alm disso, o Mestre deveria instruir seus discpulos sobre a revelao por ele recebida de Deus41. Jesus trouxe revelao divina ao ensinar a seus discpulos os segredos do reino dos cus. Os outros, aqueles que no faziam parte do crculo mais restrito dos discpulos de Jesus (quer dizer, os de fora), no tinham a compreenso do reino como o tinham os seguidores mais prximos de Jesus42.

    Jesus, indiretamente, se refere exigncia do novo nascimento espiritual para a entrada no reino de Deus (Jo 3.3-5). Em outras palavras, a capacidade e o privilgio de discernir os segredos do reino foram dados aos discpulos. Aos de fora, esse privilgio no foi concedido43.41 F. E Bruce, Second Thoughts on the Dead Sea Scrolls (London: Paternoster Presa, 1956), p. 101. 42 B. Van Elderen, lhe Purpose of the Parables According to Matthew 13.10-17, em Ncw Dimensions in Evangelical New Testament Studies, cd. R. N. Longenecker e M. C. Tenney (Grande Rapids: Zondervan, 1974), p. 185. 43 W. Hendriksen. lhe (iospel of Mattew (Grand Rapids: Baker Book House, 1973), p. 553. J. R. Kirkland rejeita essa explicao e afirma que pessoas esclarecidas e eruditas v&m a verdade escondida nas parbolas, mas os menos inteligentes e menos perspicazes, no. Veja seu Thc Earliest Understanding of Jesus Use of Parables: Mark IV 10-12 in Context, Novt 19(1977): 13. A proposio de Kirkland desaparece diante da orao de Jesus: Graas te dou, 6 Pai, Senhor do cu e da terra, porque ocultaste estas cousas aos sbios e entendidos, e as revelaste aos

  • As multides a quem Jesus se dirigia so referidas como eles. Isso, si mesmo, no surpreende em vista dos ais proferidos por Jesus s cidades impenitentes de Corazim, Betsaida e Cafarnaum (Mt 11.20-24). Jesus recebia oposio constante dos ancios, escribas, fariseus e de toda a hierarquia religiosa. Mateus parece ter empregado um termo simples para os judeus que cercavam Jesus so, apenas, eles .

    Entretanto, os segredos do reino no devem permanecer escondidos para sempre. Marcos acrescenta as seguintes palavras explicao de Jesus sobre a parbola do semeador: Pois nada est oculto, seno para ser manifesto; e nada se faz escondido, seno para ser revelado (4.22)44. A verdade que Jesus proclama por meio das parbolas entregue queles que vem e compreendem.

    Mateus, em contraste, diz que aquele que tem receber em abundncia, e o que no tem, at o que tem lhe ser tirado (13.12). Escrevendo para os judeus, Mateus deixa implcita a idia de que os judeus, a quem no fora dada a percepo espiritual, e que rejeitam as palavras de Jesus, devem abandonar o entendimento que tm dos ensinos do Velho Testamento, a respeito do reino de Deus. Pois, sem uma compreenso espiritual desses ensinamentos, os orculos do Velho Testamento perdem o seu significado. Assim, mesmo que eles (os judeus) vejam, no vem; ainda que ouam, no ouvem e no entendem (Mt 13.13).

    Todos os evangelistas citam as palavras de Isaas 6.9,10 De sorte que neles se cumpre a profecia de Isaas:

    Ouvireis com os ouvidos, e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos, e de nenhum modo percebereis. Porque o corao deste povo est endurecido, de mau grado ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos; para no suceder que vejam com os olhos, ouam com os ouvidos, entendam com o corao, se convertam e sejam por mim curados. (Mt 13.14,15)

    Os trs evangelistas Sinticos parecem empregar a citao de Isaas para expressar a razo pela qual aqueles que tinham endurecido seus coraes perdero, at mesmo, sua herana espiritual45. Outros comentaristas interpretam o uso de Isaas 6.9,10 como lio ou advertncia quanto aos resultados de um corao empedernido46.

    Dos trs evangelistas Sinticos, Marcos apresenta o relato

    pequeninos. (Mt 11.25).44 Kirkland, Earliest Understanding, pp. 16-20.45 Hendriksen, Mark, p. 154. 46 Marshall, Luke, p. 323.

  • completo da interpretao da parbola feita por Jesus47. Ele inclui uma recriminao de Jesus: No entendeis esta parbola? (4.13). Por implicao, Marcos indica que a parbola do semeador nica. Talvez o fato desta parbola ter sido uma das poucas que foram explicadas por Jesus, lhe d um significado especial. Mas, as palavras de recriminao tambm indicam que os discpulos, cujos coraes eram esclarecidos, deveriam ter entendido o sentido bsico da parbola.

    O relato de Mateus mais preciso em sua composio. Foi Mateus quem deu o ttulo dessa parbola igreja: parbola do semeador. E o Evangelho de Mateus que estabelece um tom pedaggico, com uniformidade de estilo e frases simtricas de efeito.

    Mas, antes de iniciarmos a interpretao da parbola propriamente dita, devemos observar que a imagem usada por Jesus retratada, tambm, em 2 Esdras 9.30-33:

    Disseste: Ouvi, Israel: atentai para as minhas palavras, raa de Jac. Esta a minha lei, que eu semeei entre vs, para que d fruto e vos traga glria para sempre. Mas, nossos pais que receberam tua lei no a guardaram; no observaram os teus mandamentos. No que o fruto da lei tenha perecido; isto impossvel, pois tu s a lei. Os que a receberam pereceram, porque deixaram de guardar a boa semente, que neles foi semeada48.

    Nos dias de Jesus o verbo semear podia ser empregado metaforicamente, com o sentido de ensinar. Podemos presumir que esta era a maneira de falar nas sinagogas locais. A formulao e a interpretao de Jesus da parbola do semeador combinam muito bem com o padro de linguagem da poca.

    O que nos surpreende na interpretao da parbola a ausncia de certos fatores. O primeiro deles a figura do semeador. Apesar de ser mencionada apenas como meio de introduo da parbola, sua presena na interpretao, embora presumida, no explicada. Em vez disso, a nfase cai sobre a semente que lanada. Lucas chama a semente de a palavra de Deus; Marcos a chama simplesmente de palavra. E Mateus, em vista da citao de Isaas, diz, por implicao: A todos os que ouvem a palavra do reino, e no a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no corao. Este o que foi semeado beira do caminho (13.19). Embora pudssemos esperar alguma referncia chuva, que obviamente aumentaria a

    47 B. Gerhardsson, em The Parable of the Sower and Its lnterpretation, NTS 14 (1967-68): 192, conclui que a parbola e sua interpreta5o caminham juntas como a mo e a luva. Se a parbola na forma como a conhecemos veio de Jesus, tambm sua interpretao. Veja C. F. D. Moule, Mark 4.1-20. Yet once more, Neotestamentica et Semitica (1969): 95 -113.48 New English Bible, lhe Apoctypha (Oxford Cambridge: Oxford and Cambridge Universtity Prcss. 1970).

  • colheita, nada dito (veja, por exemplo, Dt 11.14,17)49. Nenhuma meno feita ao trabalho rduo de arar o campo, embora seja claro que foi parte do processo. A proviso de chuva por parte de Deus e o esforo do homem no trabalho do campo no tm nenhuma significao na construo e Interpretao da parbola.

    As nfases da parbola so os altos e baixos por que passa o lavrador em seu trabalho de cultivar a terra50. Ele pode perder parte do que plantou, neste exemplo por trs vezes, mas na colheita final tem uma safra abundante.

    Aplicao

    Quando mencionou pormenores, tais como a beira do caminho, os lugares rochosos e os espinhosos, Jesus, evidentemente, pretendia aplicar a lio da semente e do solo s pessoas que ouviam a mensagem do reino (Mateus), a Palavra de Deus (Lucas). Mateus usa o presente do particpio grego, referindo-se aos que so chamados a ouvir e receber a Palavra de Deus. A passagem explica tambm como a Palavra de Deus ouvida por quatro diferentes tipos de ouvintes51.

    Mateus, bem como Lucas, apresentam a palavra corao. Vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no corao (13.19). A Palavra de Deus alcana o corao daquele que a ouve, mas antes que a Palavra possa produzir qualquer efeito, o maligno (Mateus), Satans (Marcos), ou o diabo (Lucas) vem e a arrebata. Na parbola, os pssaros descem beira do caminho e devoram os gros. Diz Marcos: So estes os da beira do caminho, onde a palavra semeada; e, enquanto a ouvem, logo vem Satans e tira a palavra semeada neles (4.15). Poderamos dizer: entra-lhes por um ouvido e sai pelo outro. Algumas pessoas ouvem polidamente o evangelho, e s. O evangelho no tem valor para elas, pois seus coraes so endurecidos como os caminhos pisados, beira das plantaes. Ignoram completamente o resumo da lei de Deus: Amars o Senhor teu Deus de todo o teu corao... (Mt 22.37).

    De incio, parece que uma semente lanada em solo rochoso brota muito facilmente. As rochas, aquecidas no vero, desprendem, pouco a pouco, nos meses de inverno, o calor armazenado. H chuva suficiente e o calor e a umidade fazem germinar, prontamente, o gro. Os brotos verdes despontam rapidamente, e enquanto o resto do campo est ainda rido e infrutfero, apresentam um espetculo impressionante. O olho treinado do lavrador v a diferena. Ele sabe que a aparncia das hastes verdes no solo rochoso enganosa. Quando cessarem as chuvas e o sol da primavera chegar

    49 Gerhardsson, Parable of the Sower, p. 187.50 C. H. Dodd, lhe Parables of the Kingdom (London: Nesbjt and Co., 1935), p. 182. 51 Gerhardsson, Parable of lhe Sower, p. 175.

  • esquentando a terra, as plantas murcharo. Elas no tm, no solo, razes profundas capazes de suprir a planta de gua. Elas definharo e morrero.

    Na interpretao desse segmento da parbola, tanto Mateus como Marcos destacam o aspecto do imediatismo. Semelhantemente so estes os semeados em solo rochoso, os quais, ouvindo a palavra, logo a recebem com alegria. Mas eles no tm raiz em si mesmos, sendo antes de pouca durao; em lhes chegando a angstia ou a perseguio por causa da palavra, logo se escandalizam (Mc 4. 16, 17). O imediatismo ressaltado na rpida germinao do gro lanado em terreno rochoso.

    Enquanto Mateus e Marcos atribuem a apostasia s dificuldades e perseguio, Lucas fala em hora da provao (Lc 8.13). Os evangelistas se referem ao sofrimento que faz com que as pessoas mudem de opinio sobre a religio. Quando chega a hora de tomar posio e pagar o preo, mudam de interesse e se desligam da f que uma vez abraaram com alegria. Uma palavra define essas pessoas: superficialidade. O sol, geralmente considerado fonte de felicidade e alegria, retratado aqui em termos de angstia e perseguio52. A razo desse aparente rigor a falta de umidade. O justo, por outro lado, floresce como uma rvore plantada junto a corrente de guas (Sl 1.3). Ao leviano falta convico, coragem, estabilidade e perseverana. Ele influenciado por qualquer vento de doutrina que sopre em seu caminho. Porque no tem profundidade, sua vida espiritual tem significao passageira.

    A semente lanada entre os espinhos parece ter maior probabilidade de crescer e de se desenvolver do que aquela que foi lanada em solo pouco profundo. Primeiro, aps um perodo de germinao, as plantas comeam a brotar. De fato, por ocasio da primavera parecem viosas e no se diferenciam das outras. Mas, quando o calor do sol se torna mais forte e aquece a terra, as razes dos espinheiros e dos cardos renascem. Depois de descansarem durante o inverno, esto prontas para uma nova estao, e em questo de semanas os espinhos e os cardos j ultrapassaram o trigo em altura. Elas o privam da umidade e dos nutrientes da terra e, literalmente, o sufocam at morte.

    O solo em que a semente foi lanada no duro como o cho pisado da beira do caminho, nem raso e rochoso. Ele , antes, um solo bom frtil e mido. O nico problema que aquele cho tem outros residentes permanentes, outras razes. A semente lanada em terra frtil e mida ter, muito breve, que disput-la com razes que crescem e se desenvolvem abaixo do solo, e com verdejantes cardos e espinhos superfcie. Resumindo, dois tipos de plantas estaro lutando por um lugar ao sol e vencer aquela que assentou suas razes

    52 Jlicher, Gleichnisreden, 2: 528.

  • antes e mais profundamente.

    Os outros, os semeados entre os espinhos, so os que ouvem a palavra, mas os cuidados do mundo, a fascinao da riqueza e as demais ambies, concorrendo, sufocam a palavra, ficando ela infrutfera (Mc 4.18,19). O homem que leva uma vida dupla religio aos domingos e vida sem religio durante a semana logo descobrir que os cuidados do mundo, a fascinao da riqueza e as demais ambies vencero, e sua f se tornar sem valor. A mensagem do evangelho no pode florescer e dar fruto; ao contrrio, ela sufocada pelos cuidados do mundo. Esse homem tem levado uma vida dupla, desde o incio. Encontrou segurana na riqueza e no que Relegou, propositadamente, sua f a um lugar secundrio. Ele O que colhe espinhos e cardos e, eventualmente, apenas espinhos e Mesmo o que tem lhe tirado.

    Estas trs representaes do campo no devem desencorajar o dor. Do mesmo modo, as trs descries das pessoas cuja f se ti infrutfera no devem desanimar o crente verdadeiro. A semente que lanada em boa terra produziu colheita abundante. As pessoas que respondem com f ao evangelho so inumerveis, multides incalculveis. Mas o que foi semeado em boa terra o que ouve a palavra e a compreende; frutifica, e produz a cem, a sessenta e a trinta por um (Mt 13.23)53. Marcos apresenta uma ordem ascendente de a trinta, a sessenta e a cem por um. Lucas, na parbola propriamente dita, apenas cita que produziu a cem por um, mas na interpretao, diz: A que caiu na boa terra so os que, tendo ouvido de bom e reto corao, retm a palavra; estes frutificam com perseverana (8.15). Onde Lucas usa retm, Marcos usa recebem e Mateus compreende.

    Quem , ento, aquele que possui um corao reto e bom? Responde: o que ouve a palavra e a compreende. Mateus, naturalmente tem em mente a citao de Isaas. O homem reto de corao faz a vontade de Deus e, ouvindo o chamado de Deus a quem enviarei? , responde confiante: Envia-me a mim, Senhor. Ele aquele que ouve e pratica a Palavra. Ele compreende porque seu corao receptivo verdade de Deus. Todo o seu ser vontade, mente e emoo tocado pela Palavra. H um crescimento

    53 The Gospel of Thomas, trans. B. M. Metzger, Citao 9, afirma o seguinte: Jesus Eis que o semeador saiu para semear, encheu sua mo e semeou (a semente). Algumas (sementes) caram no caminho. Os pssaros vieram e as apanharam. Outras caram sobre as rochas e no lanaram razes para a terra nem espigas para o cu. E outras caram entre espinhos. Eles abafaram as sementes e os vermes as comeram. E outras caram em boa terra, e lanaram bom fruto para o cu. Produziram sessenta por um e cento e vinte um. bvio que o escritor do Evangelho de Tom fundiu a parbola do semeador num molde gnstico. A razo porque o escrito conclui a parbola com cento e vinte por um pode muito bem ter sido pelo fato de que ele acreditava ser o nmero 12 o nmero perfeio. Veja H. Montefiore e H. E. W. Turner, Thomas and the Evangelists (London: SCM Presa, 1962), p. 48.

  • espiritual, e aquele que cr frutifica; ele faz a vontade de Deus54.

    O que a parbola ensina? Alguns estudiosos tm chamado a parbola do semeador de parbola das parbolas. Isso no significa que tenha maior destaque nos Evangelhos Sinticos, mas, antes, que ela contm quatro parbolas em uma. Embora todas as quatro sejam apenas aspectos de uma verdade particular: a Palavra de Deus proclamada e ocasiona uma diviso entre os que a ouvem; o povo de Deus recebe a Palavra, a compreende, e obedientemente a cumpre; outros deixam de ouvir pela dureza de seus coraes, por serem basicamente superficiais, ou por interesse em riquezas e posses. Essas pessoas no frutificam e, espiritualmente falando, at aquilo que