15242333 a Conquista Do Pao Piotr Kropotkin

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    PREFCIO1

    Kropotkin pediu-me para abrir este livro com algumas palavras minhas.Acedo sua vontade, mas fao-o, todavia, com um certo constrangimento. E a

    razo que, nada trazendo que contribua para robustecer os argumentos do autor,pode suceder at que as minhas palavras tirem fora s suas.A amizade, porm,tudo perdoa. Enquanto os republicanos consideram um requinte de bom gostoprosternar-se aos ps o czar, eu sinto-me satisfeito e envaidecido por meaproximar daqueles homens dignos sobre quem o dspota, se pudesse, cevaria osseus dios, mandando-os vergastar nas masmorras duma cidadela ou enforcar nos fossos de qualquer presdio. No convvio desses amigos esqueomomentaneamente a abjeo dos renegados que na mocidade enrouqueciam agritar: Liberdade! Liberdade! E que hoje celebram, com tanto entusiasmo, as bodasda Marselhesa e do Boje Tsara Khras i 2 .

    A ltima obra de Kropotkin,Palavras de um revoltado , caracterizada por

    uma crtica ardente da sociedade burguesa, to feroz como corrompida, e nela fazo autor um apelo s energias revolucionrias contra o Estado e contra o regimecapitalista. A obra atual, seqncia das Palavras , mais calma e ponderada. Nelase dirige Kropotkin aos homens de boa vontade que desejam honestamentecolaborar na transformao social e expe-lhes, a grandes traos, as fases dahistria iminente que nos permitiro enfim constituir a famlia humana sobre asrunas dos bancos e dos Estados.

    O ttulo da obra: - A Conquista do Po deve, claro, ser tomado numsentido mais amplo, porque nem s de po vive o homem. Numa poca em queos espritos generosos e arrojados tentam transformar o seu ideal de justia socialem realidade objetiva, as nossas ambies no se limitam conquista do po,vinho e o sal. Queremos conquistas tudo o que necessrio vida humana eat mesmo a utilidade que forma o conforto da existncia; queremos a faculdadede poder assegurar a todos os homens a plena satisfao das suas necessidadese dos seus gozos. Enquanto no fizermos esta primeira conquista, enquanto naterra houver pobres, um gracejo de mau gosto, uma ironia cruel dar o nomede sociedade a este conjunto de seres humanos que se odeiam e sedespedaam como feras encerradas numa arena.

    Logo nos primeiros captulos da sua obra o autor d conta das riquezasimensas que a humanidade possui j, da prodigiosa maquinaria adquirida para otrabalho coletivo. Os produtos obtidos em cada ano seriam mais do que suficientespara abastecer de po, amplamente, a humanidade inteira. E se o capital enormede cidades e de casas, de terras cultivveis e de fbricas, de vias de transporte ede escolas, se tornasse propriedade comum em vez de estar detido empropriedade privada, como seria fcil a conquista do bem estar para todos! Asforas de que os homens dispem seriam ento aplicadas, no a trabalhos inteisou contraditrios, mas produo de tudo o que indispensvel vida, desde oalimento, a habitao e o vesturio, at ao conforto e cultura das cincias e dasartes.

    Mas, a reivindicao de todos os bens usurpados comunidade, isto , aexpropriao, s o comunismo anrquico a pode realizar. E para isso teremos quedestruir o governo, rasgar as leis, repudiar a sua moral, desobedecer autoridadee seguir os estmulos da nossa prpria iniciativa, agregando-nos segundo asafinidades, os nossos interesses, o nosso ideal e a natureza dos trabalhos a1 Prefcio retirado da edio portuguesa de 1975. KROPOTKINE, Pedro.A Conquista do Po .3 Ed. Guimares Editores. Lisboa. 1975.2 Hino nacional russo. (nota original)

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    realizar. Esta questo da expropriao, a mais importante do livro, tambm umadas que o autor tratou mais detalhadamente, sobriamente e sem exaltao, certo, mas com a segurana e a clareza que requer o estudo de uma revoluoprxima, j agora inevitvel. E s depois desta reviravolta do Estado que osgrupos de trabalhadores, emancipados do jugo dos usurpadores e parasitas,

    podero dedicar-se s ocupaes atraentes do trabalho livremente escolhido eproceder cientificamente cultura do solo e produo industrial, de permeio comas recreaes do estudo e o prazer natural da vida.

    As pginas do livro que tratam dos trabalhos agrcolas oferecem uminteresse digno de especial meno porque recapitularam fatos que a prticaverificou j e que fcil se torna aplicar por toda a parte e em grande escala, paraproveito de todos e no, como at hoje, para enriquecimento de alguns.

    H quem fale em fim de sculo para verberar as aberraes e oscaprichos da sociedade elegante; mas trata-se agora duma outra coisa muitodiferente do fim de um sculo. No um culo que se termina, uma poca, uma era da histria que acabam. toda a antiga civilizao que finda. O direito dafora e o capricho da autoridade, a dura tradio judaica e a cruel jurisprudnciaromana no nos dominam mais. Uma nova f arde nos nossos crebros e desdeque essa f, - que ao mesmo tempo a cincia, pulse no corao de todosaqueles que procuram a verdade, da esfera do ideal ela transitar para o mundodas realizaes, em harmonia com a mais importante lei histrica segundo a qual asociedade se modela sucessivamente sobre o seu ideal.

    Como podero os defensores desta ordem arcaica das coisas continuar amant-la como at aqui? Sem plano de combate, sem guia nem bandeira,defendem-se ao acaso, opondo penetrao dos inovadores as suas leis e assuas espingardas, a sua polcia brutal e a sua artilharia certeira. Nada disto,porm, capaz de dar equilbrio a um pensamento, e todo o antigo regime defavor e de compreenso, condenado a desaparecer inevitavelmente, estarreconduzido daqui a pouco, na vertigem da evoluo social, a uma espcie de pr-histria longnqua.

    Evidentemente, a revoluo que se prepara, por muito que influa nodesenvolvimento da humanidade, no se diferenciar bruscamente das revoluesprecedentes: a natureza no d saltos. Mas pode dizer-se, por milhares defenmenos e modificaes profundas observadas, que a sociedade anrquica saiuh muito do estado embrionrio. Pressentimo-la onde quer que o pensamento seliberte da letra do dogma, onde quer que o gnio do investigador despreze asvelhas frmulas, onde quer que a vontade se manifeste por atos independentes,finalmente onde quer que os homens sinceros, rebeldes a toda a disciplinaimposta, se renam espontaneamente para se instrurem em comum ereconquistarem mutuamente e liberrimamente a sua quota parte na vida e nasatisfao integral das suas necessidades. Tudo isto a anarquia, inconsciente nofundo, talvez, mas, incontestavelmente, racionalizando-se cada vez mais. E comono h de ela triunfar por si o ideal que a acalenta e a vontade que a estimula,enquanto que os seus adversrios, j desiludidos e sem f, se lanam ao acaso dodestino, gritando: Fim do sculo! Fim do sculo!

    A revoluo que se anuncia tem que vir inevitavelmente, e o nosso amigoKropotkin est no seu direito de historiador, considerando-a no s como umacoisa certa, mas j em plena laborao atual, ao expor as suas idias sobre areivindicao do bem coletivo devido ao trabalho de todos e fazendo apelo aostmidos que no ignoram as injustias que nos dominam, mas que no ousam

    revoltar-se abertamente contra uma sociedade de que se acham dependentespelos mltiplos laos dos interesses e da tradio.

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    Bem sabem eles que a lei inqua e mentirosa, que os magistrados sodefensores dos fortes e tiranos dos fracos, que a conduta regular da vida e aprobidade do trabalho nem sempre so recompensadas pela certeza de ter umbocado de po garantido, e que a imprudncia cnica de agiota e a crueldadeinsensvel do penhorista so melhores armas e de resultados mais eficazes para a

    conquista do po do que todas as virtudes e a honestidade de carter. Mas, emvez de harmonizarem os seus pensamentos e bons desejos com o naturalestmulo do empreendimento, em vez de conformarem as suas aes no sentidoclaro da justia, esses espritos conscientes do mal, na sua maioria, refugiam-senuma quietude abstrata e cmoda para escapar dos perigos duma atitude franca.Tais so, por exemplo, os neo-religiosos que, no podendo j admitir a fabsurda de seus pais, se entregam a qualquer mistagogia mais original, semdogmas precisos e se exaustam numa embrulhada de sentimentos confusos: - unsespiritisras ou rosa-cruz, outros budistas ou taumaturgos. Pretendidos discpulosde akyamouni, mas sem estudarem a doutrina do mestre, esses cavalheirosmelanclicos e essas damas vaporosas fingem deste modo procurar a paz noaniquilamento do nirvana.

    Tranqilizem-se, porm, essas belas-almas que to freqentementeapregoam o ideal. Como seres materiais que somos, temos, certo, a fragilidadede pensar no alimento que tantas vezes nos falta no s a nos, mas a milhes denossos irmos, sbditos eslavos do czar e a tantos milhes de outros ainda; maspara l do bem estar e de todas as riquezas coletivas que nos pode proporcionar alaborao da terra, um mundo novo no qual poderemos amar-nos plenamente esatisfazer esta nobre paixo de ideal que os amantes etreos do belo, enfastiadosda vida material, dizem constituir a sede infinita das suas almas!

    Quando no houver nem pobre nem rico, quando o famlico no olhar cominveja o repleto, a amizade desinteressada tornar melhores as relaes doshomens e a religio da solidariedade, hoje asfixiada, substituir-se- a esta religiovaga e fictcia que cria alucinadamente quimricas personagens na vacuidadeimpondervel do cu.

    A revoluo que sentimos prxima ir ainda muito alm do que ela nospromete. Regenerando as foras da vida, resgatar-nos- das imperfeies comque nos macula o contato da autoridade e das preocupaes de dinheiro que tantoamargura e envenena a nossa existncia. S ento poder cada um seguir ocaminho que melhor se lhe afigurar: o trabalhador procurando a ocupao quemais lhe agrade, o investigador dedicando-se com o esprito livre aos seusproblemas; o artista no prostituindo jamais o seu ideal de beleza pelo ganha poquotidiano e de comum acordo, todos amigos, poderemos realizar as grandescoisas entrevistas pelos poetas.

    E ho de ser lembrados ento com amor, os nomes daqueles que, pela suaintensa e dedicada propaganda, - tantas vezes caminho para a priso ou para odesterro andaram preparando a sociedade nova. neles que pensamos aoeditar a Conquista do Po .

    O seu sofrimento dulcificar-se- neste testemunho do pensamento comumvoando atravs das grades dos crceres e pelos pases longnquos do exlio. Ecertamente o autor estar comigo neste oferecimento que fao da sua obra a todosos que sofrem pela nossa causa e sobretudo a um amigo muito querido cuja vidafoi toda ela um longo combate pela justia. No quero por aqui o seu nome,mas lendo estas palavras, ele, o amigo querido, mais do que amigo irmo,adivinhar quem , escutando as palpitaes do seu corao.

    ELISE RECLUS

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    A RIQUEZA

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    A humanidade andou bastante desde o tempo em que a pedra lascada lheservia para fabricar a suas armas, para lutar desesperadamente pela existncia.Esse perodo durou milhares e milhares de anos durante os quais o gnerohumano acumulou tesouros incomensurveis. Desbravou o solo, aterrou pntanos,debastou florestas, abriu estradas, edificou, construiu e raciocinou; arranjouutenslios complicados, arrancou Natureza os seus arcanos, aprisionou o vapor.Hoje o homem civilizado j ao nascer encontra um capital imenso, acumuladopelos seus antepassados, com o qual, s com o trabalho, combinado com o alheio,obtm riquezas que deixam a perder de vista os sonhos orientais das Mil e umaNoites.

    Parte do solo est pronto para colher o trabalho do lavrador inteligente e assementes escolhidas, e enfeitar-se com colheitas deslumbrantes, mais do que o

    preciso para satisfazer todas as necessidades do homem, pelos meios conhecidosda agricultura.No solo virgem dos prados da Amrica, cem homens, munidos de mquinas

    valentes, produzem em poucos meses o trigo necessrio para o sustento de dezmil pessoas durante um ano inteiro. Quando o homem quer multiplicar o seurendimento, prepara o solo, da s plantaes cuidados que lhes convm e obtmcolheitas prodigiosas. E onde o selvagem tinha de ocupar cem quilmetrosquadrados para sustentar a sua famlia, o civilizado cria com incomparavelmentemenos trabalho e mais segurana, tudo quanto precisa para sustentar os seus nadcima milsima parte desse espao.

    O clima j no um obstculo. Falta o sol? O homem substitui-o pelo calor

    artificial, enquanto no faz tambm a luz para ativar a vegetao. Com vidro econdutores dgua quente, recolhe num espao determinado dez vezes maior produo do que dantes.

    O prodgios efetuados na indstria ainda so mais frizantes. Com essesseres inteligentes as maquinas modernas fruto de trs ou quatro geraes deinventores, na maior parte desconhecidos, - cem homens produzem com que vestir dez mil homens no espao de dois anos. Nas minas de carvo bem organizadas,cem homens tiram cada ano com que aquecer dez mil famlias, sob um climarigoroso. E viu-se j uma cidade maravilhosa surgir toda inteira em poucos mesesno Campo de Marte, sem haver a menor interrupo nos trabalhos normais danao francesa.

    E se o trabalho dos nossos maiores no aproveita seno sobre tudo aomenor nmero, todavia certo que a humanidade podia j permitir-se umaexistncia de riqueza e de luxo, s com os trabalhadores de ferro e de ao quepossui.

    Sim, sem dvida, somos ricos, infinitamente mais ricos do que julgamos.Ricos pelo que j possumos; ainda mais ricos pelo que podemos produzir com omaterial conhecido. Infinitamente mais ricos pelo que poderamos retirar do solo,das manufaturas, da nossa cincia e do nosso saber tcnico, se fossem aplicadosa procurar o bem estar de todos.

    II

    Nas sociedades civilizadas somos ricos. Como se explica ento tantamisria em redor de ns? Para que este trabalho pesado que embrutece asmassas? Por que a falta de segurana do dia de amanh? Tem-no dito e respeito a

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    cada momento os socialistas com argumentos colhidos em todas as cincias.Porque tudo o que necessrio produo: terra, minas, maquinas, estradas,educao, cincia foi aambarcado por alguns, durante a vasta histria depilhagem, xodos, guerras, ignorncia e opresso, que a humanidade viveu antesde aprender a dominar as foras naturais.

    Porque, sombra de pretendidos direitos ganhos no passado, usurpamhoje dois teros do trabalho humano, que entregam mais insensata eescandalosa dissipao, porque no tendo as massas com que se manter umms, nem mesmo oito dias, s permitem que o homem trabalhe, com a condiode lhes deixar tirar a parte do leo; porque no deixam produzir quanto necessrio aos outros, mas s o que oferece grandes lucros ao aambarcador.

    Todo o socialismo consiste nisso!Vejamos um pas civilizado. Os bosques que o cobriam antes foram

    derrubados, os pntanos aterrados, o clima saneado: tornando-se habitvel. Osolo, que s dava ervas inteis, est dando ricas messes. Os rochedos quesobrecarregavam os vales, esto cortados em planaltos onde cresce a vinha.Plantas selvagens, que davam um fruto amargo, intragvel transforma-se por seleo em legumes suculentos e em rvores carregadas de frutos deliciosos.

    Milhares de estradas sulcam a terra, atravessam as montanhas; alocomotiva silva nas gargantas dos Alpes, desde o Cucaso at o Himalaia; os riostornaram-se navegvel; as costas cuidadosamente estudadas, so de fcil acesso;portos artificiais do refugio aos navios contra o furor do oceano. Em todos ospontos onde se cruzam as estradas surgiram cidades, engrandeceram-se e no seuseio aparecem os tesouros da indstria, da arte, da cincia.

    Geraes inteiras, nascidas e mortas na misria, legaram esta imensaherana ao sculo XIX.

    Em milhares de anos, milhes de homens trabalharam em desbastar osmatos, dissecar os pntanos, abrir estradas, a margear os rios. Cada hectare dosolo que se cultiva na europa foi regado pelo suor de diversas raas; cada estradatem um histria das fadigas do trabalho humano, dos sofrimentos do povo.

    Cada lgua de caminho de ferro, cada metro de tnel recebeu sua parte desangue humano.

    Nas minas podem-se contar os homens mortos na fora da idade pelosgrisu, desabamento ou inundao, e sabe-se quantas lagrimas, privaes emisrias sem nome custou famlia que vivia do magro salrio do mineiro.

    Escavai o solo de qualquer cidade e no subsolo encontrarei enterradasoutras ruas, casas, teatros, edifcios pblicos, tudo devido ao trabalho dos que nelaviveram.

    E mesmo agora, o valor de cada casa, fbrica ou armazm, feito dotrabalho acumulado de milhes de trabalhadores sepultados sob a terra.Milhes de seres humanos trabalharam para criar esta civilizao de quehoje nos glorificamos; outros milhes disseminados na superfcie da terratrabalharam para a manter.

    Mesmo o pensamento, mesmo a inveno so fatos coletivos nascidos dopassado e do presente. Milhares de inventores mortos na misria prepararam ainveno de cada uma dessas mquinas, em que o homem admira o seu gnio.Milhares de escritores, poetas e sbios, trabalharam na elaborao do saber, emcriar a atmosfera do pensamento cientifico, sem a qual nenhuma das maravilhasdo nosso sculo teria aparecido. Mas todos esses sbios, poetas e filsofos, jtinham sido suscitados pelo trabalho dos sculos anteriores; tinham sido mantidos

    fsica e moralmente, por legies de trabalhadores e artistas de toda a espcie.Os gnios de Sguin, de Meyer e de Grove fizeram mais para lanar aindstria em novas vias que todos os capitalistas do mundo, mas eles mesmos so

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    to filhos da industria como da cincia, no foi preciso que milhares de mquinas avapor transformasse anualmente, vista de todos, o calor em fora dinmica eesta fora em som, luz e eletricidade; e se ns mesmos temos compreendido estaidia e soubemos aplic-las, porque estvamos preparados pela experincia decada dia.

    Todas as mquinas tem a mesma histria de noites em claro e de misria,de desiluses e de alegrias; melhoramentos parciais achados por diversas legiesde obreiros desconhecidos que vinham acrescentar ao invento primitivo estespequenos nadas, sem os quais a idia mais fecunda fica estril.

    Cada descoberta, cada progresso, cada aumento da riqueza dahumanidade tem o seu princpio no conjunto do trabalho manual e cerebral dopassado e do presente.

    Logo, com que direito poderia algum apossar-se da menor parcela desseimenso patrimnio e dizer: Isto meu, no vosso?

    III

    Mas tudo o que, na srie das idades, permite aos homens produzir eaumentar a sua fora de produo, foi aambarcado por alguns. Um diacontaremos como isso se passou.

    Hoje o solo, que tira o seu valor precisamente das necessidades dumapopulao, sempre em aumento, pertence s minorias, que podem impedir, eimpedem o povo de cultiv-lo segundo as necessidades das vrias geraes, eque no tiram o seu valor seno modernas. As minas que representam o labor devrias geraes, e que no tiram seu o seu valor seno das necessidades daindustria e da densidade da populao, pertencem tambm a alguns, e estesdiminuem a extrao do carvo ou probem-na totalmente, se encontram melhor colocao para os seus capitais. Se os netos do inventor, que h cem anosconstruiu a mquina de rendas, se apresentassem hoje em uma manufatura deBale ou de Notthingham e reclamassem seus direitos, gritar-lhe-iam: Vo seembora, esta mquina no sua, - e fuzil-los-iam, se quisessem tomar possedela.

    Se os filhos dos que morreram aos milhares, abrindo as vias e os tneis doscaminhos de ferro, se apresentassem esfarrapados e famintos a reclamar po aosacionistas, encontrariam as baionetas e a metralha para os dispersar e por a salvoos direitos adquiridos.

    Em virtude desta monstruosa organizao, o filho do trabalhador, ao entrar na vida, no encontra nem um campo que possa cultivar, nem uma maquina quepossa manejar, nem uma mina que possa explorar, sem ceder a um senhor umaboa parte do que produzir. Deve vender sua atividade em troca de uma pitanamagra e incerta. Seu pai e seu av trabalharam arroteando este campo, edificandoessa oficina, aperfeioando as maquinas, trabalharam na medida das suas foras,mas ele ao vir ao mundo, mais pobre que o ltimo selvagem. Se lhe consentemque se aplique a cultura dum campo, com a condio de ceder um quarto doproduto ao dono e um quarto ao governo e aos intermedirios. Se se entrega industria, permite-lhe que trabalhe, alis nem sempre mas com a condio de noreceber mais que um tero ou metade do produto, devendo o restante ficar comaquele que a lei reconhece como dono da mquina.

    Gritamos contra o baro feudal que no consentia que ele mexesse na terrasem ele deixar metade da colheita; chamamos a isto poca de barbaria, mas se as

    formas mudaram, as relaes ficaram as mesmas; e o trabalhador aceita porqueem parte nenhuma aceita condies melhores.

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    Resulta deste estado de coisas que toda a nossa produo dirigidainsensatamente. A empresa no se preocupa com as necessidades da sociedade,apenas procura aumentar os benefcios do empresrio. Donde as flutuaescontnuas da indstria, as crises em estado crnico, lanando por terra cada umacentenas de milhares de trabalhadores.

    No podendo os operrios comprar com os seus salrios as riquezas queproduziram, a indstria procura mercados fora do pas, entre os aambarcadoresdas outras naes. O europeu nestas condies deve aumentar o numero dosseus servos. Mas em toda parte encontra concorrentes, visto que todas as naesevoluem no mesmo sentido. E a guerra permanente deve rebentar a favor dodireito de primazia nos mercados. Guerras pelas possesses no Oriente, guerraspelo imprio dos mares, guerra para impor direitos de entrada e ditar condiesaos vizinhos; guerras contra os que se revoltam! Na Europa o canho nunca estacalado, geraes inteiras so massacradas e os estados gastam em armamentoso tero das suas receitas em bem se sabe o que so os impostos e o quecustam ao pobre.

    A educao um privilgio. Pode-se l falar em educao, quando o filhodo obreiro obrigado a descer mina aos 13 anos e ajudar seu pai na fazenda?Falar de estudos ao trabalhador que volta a noite, quebrado por um dia inteiro detrabalho forado! As sociedades dividem-se em dois campos contrrios e nestascondies a liberdade torna-se uma palavra v. O radical pede uma extensomaior das liberdades polticas, enquanto se apercebe que o sopro da liberdaderapidamente conduz ao levantamento dos proletrios; e ento recua, muda deopinio, e volta s leis de exceo e ao governo do sabre.

    Uma legio de autoridades necessria para manter os privilgios e estemesmo conjunto torna-se a origem de todo um sistema de delaes, mentiras,ameaas e de corrupo.

    Por outro lado este sistema atrasa o desenvolvimento dos sentimentossociais. Compreende-se que sem retido, sem o respeito de si mesmo, semsimpatia e sem auxilio mtuo, a espcie deve definhar como definham certasespcies animais, que vivem de rapina. Mas isto no convm as classesdirigentes, que inventaram para provar o contrrio uma cincia absolutamentefalsa.

    Tem-se dito coisas muito bonitas sobre a necessidade de repartir o que sepossui pelos que no tem nada. Mas se algum se lembra de por este princpio emprtica logo advertido de que todos estes grandes sentimentos so bons noslivros de poesia, mas no na vida prtica.

    Mentir aviltar-se, rebaixar-se, dizemos ns, e toda a existncia civilizadatorna-se uma colossal mentira. Hipocrisia e sofisma tornam-se a segunda naturezado homem civilizado. Mas uma sociedade no pode viver assim; precisa voltar verdade ou desaparecer.

    Assim o simples fato do aambarcamento estende suas conseqnciassobre o conjunto da vida social. As sociedades humanas so foradas a voltar aosprincpios fundamentais.

    Sendo os meios de produo obra coletiva da humanidade, devemregressar a coletividade humana. A apropriao pessoal no justa nemproveitosa. Tudo de todos, visto que todos precisam de tudo, visto que todos temtrabalhado na medida das suas foras, e que materialmente impossveldeterminar a parte que poderia pertencer a cada um na produo atual dasriquezas.

    Tudo de todos! Eis um formidvel instrumento que o sculo XIX criou: eismilhes de escravos de ferro, que ns chamamos mquinas, e que aplainam e

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    serram; tecem e fiam para ns; que decompem a matria prima e formam asmaravilhas na nossa poca.

    Ningum tem direito de se apoderar duma s dessas maquinas e dizer: minha, quem quiser servir-se dela h de me pagar um tributo sobre cada um dosseus produtos, tanto como o senhor da idade mdia no tinha direito de dizer ao

    cultivador: Esta colina, este prado so meus e vs pagar-me-eis um tributo sobreos molhos de trigo que colherdes, sobre cada molho de feno que arrecadardes.Tudo de todos e contanto que o homem e a mulher tragam a sua cota

    parte do trabalho, tem direito sua cota parte de tudo quanto for produzido por todo mundo. E esta parte lhes dar o bem-estar.

    Basta estas formulas ambguas, tais como: direito ao trabalho ou a cadaum o direito integral do seu trabalho. O que ns proclamamos o O DIREITOAO BEM-ESTAR O BEM-ESTAR PARA TODOS.

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    O BEM-ESTAR PARA TODOS

    I

    O bem-estar para todos no um sonho. possvel, realizvel, depois do

    que os nossos maiores fizeram para fundar a nossa fora de trabalho.Sabemos com efeito que os produtores, que apenas constituem um terodos habitantes dos pases civilizados, j produzem o bastante para levar um certobem-estar ao seio de cada famlia. Sabemos, por outro lado, que se todos os quehoje esbanjam o fruto do trabalho alheio fossem obrigados a empregar os seuscios em trabalhos teis a nossa riqueza cresceria em proporo mltipla dosbraos produtores. E sabemos, finalmente, que contra a teoria do pontfice dacincia burguesa, - Malthus, - o homem aumenta a sua fora de produo bemmais rapidamente do que a si mesmo se multiplica.

    Quanto mais apertados esto os homens num territrio, mais rpido oprogresso das suas foras produtivas. Com efeito enquanto a populao na

    Inglaterra s aumentou 62% desde 1844, a sua fora de produo cresceu, pelobaixo, numa proporo dupla, ou seja 130%. Em Frana, onde a populaoaumentou menos, o acrscimo , entretanto muito rpido. Apesar da crise em quese debate a agricultura, a ingerncia do Estado, o imposto de sangue, a finana ea indstria, a produo do trigo quadruplicou e a produo industrial mais do queduplicou no correr dos ltimos oitenta anos. Nos Estados Unidos o progresso ainda mais frisante: apesar da imigrao, ou antes precisamente por causa desteacrscimo de trabalhadores, da Europa, os Estados Unidos decuplicaram a suaproduo.

    Mas estas cifras do apenas uma idia bem fraca do que poderia ser, emmelhores condies, a nossa produo. Hoje, a medida que se desenvolve acapacidade de produo, o nmero dos ociosos e dos intermedirios aumentaprodigiosamente. Tudo ao contrrio do que se dizia antes entre socialistas, que ocapital chegaria a concentrar-se num to pequeno nmero de mos que nohaveria mais seno expropriar alguns milionrios para entrar na posse dasriquezas comuns, o nmero dos que vivem custa do trabalho alheio cada vezmais considervel.

    Em Frana no h dez produtores diretos em trinta habitantes. Toda ariqueza agrcola do pas obra de menos de sete milhes de homens e nas duasgrandes indstrias, - minas e tecidos, contam-se menos de dois milhes e meio deobreiros.

    Ainda mais. Os detentores do capital reduzem constantemente a produo,no deixando produzir. No falemos j dos tonis dostras atiradas ao mar, paraimpedir que a ostra passe a ser alimento da plebe? e deixe de ser a guloseima dagente de teres; no falemos j dos milhares e milhares de objetos de luxo: estofos,alimentos etc. etc., tratados do mesmo modo que as ostras. Lembremos somentea maneira como se limita a produo das coisas necessrias a todos. Exrcitos demineiros desejam trabalhar para mandarem carvo aos que tremem de frio; mas amaior parte do tempo um ou dois teros so impedidos de trabalhar mais de trsdias por semana para manter os altos preos. Milhares de teceles no podembater os seus teares enquanto as mulheres e os filhos s tem farrapos para secobrirem e trs quartas partes dos europeus no tem uma roupa que merea essenome.

    Das centenas de altos fornos milhares de manufaturas ficamconstantemente paradas e nas naes civilizadas h permanentemente umapopulao de dois milhes de indivduos que no pedem seno trabalho.

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    Milhes de homens seriam felizes transformando os espaos incultos oumal cultivados em campos cobertos de ricas searas. Um ano de trabalhointeligente bastaria para levar ao quntuplo o produto de terras que hoje no domais de oito hectolitros de trigo por hectare; mas tem que estar ociosos, porque osdonos da terra preferem entregar os seus capitais, roubados comunidade, em

    especulaes financeiras. a limitao direta da produo, mas h tambm a limitao indireta queconsiste em gastar o trabalho humano em objetos absolutamente inteis edestinados a favorecer a tola vaidade humana.

    Nem se poderia avaliar em nmeros a que ponto reduzida a produtividadepelo esbanjamento das foras que poderiam servir para preparar e produzir oaparelho necessrio a essa produo. Basta citar os milhes gastos pela Europaem armamentos, sem outro objeto mais que conquistar mercados para impor a leieconmica aos vizinhos e facilitar a explorao no interior; os milhes pagos por ano aos funcionrio de toda a espcie; os milhes pagos aos juzes, s prises,para propagar pela imprensa idias nocivas, noticias falsas no interesse de umpartido de um personagem poltico ou de uma campanha de especuladores.

    Ainda mais; mais trabalho se despende ainda em pura perda, em manter aestrebaria, o canil, a criadagem do rico, aqui para corresponder aos caprichos dasmundanas, ao luxo depravado da alta sociedade, ali, para impor um artigo de mqualidade. O que estraga deste modo bastaria para duplicar a produo til oupara guarnecer manufaturas e oficinas que em pouco inundariam os armazns detudo o necessrio para o abastecimento de tudo quanto carecem duas teraspartes da nao.

    Donde resulta que dos que se aplicam aos trabalhos produtivos uma quartaparte esta sem trabalho trs a quatro meses cada ano.

    Assim, se tomarmos em considerao por um lado a rapidez com que asnaes civilizadas aumentam sua fora produtiva e por outro lado os limitestraados a essa produo, conclui-se que seria necessria uma organizaoeconmica que permitisse as naes civilizadas amontoar em poucos anos tantosprodutos teis que chegariam fartamente para toda a gente. No, o bem-estar paratodos no um sonho... No um sonho desde que o homem inventou o motor que, com um pouco de ferro e uns quilos de carvo, lhe d a fora dum cavalo,capaz de por em movimento a mquina mais complicada.

    Mas para que o bem-estar seja uma realidade necessrio que esseimenso capital: cidades, casas, campos, oficinas, vias de comunicao, deixe deser considerado propriedade privada de que o aambarcador dispe ao seu bel-prazer. preciso que tudo isso, obtido com tanto trabalho, se torne propriedadecomum. preciso um EXPROPRIAO.

    II

    Expropriao, tal , pois o problema que a histria ps diante de ns,homens do fim do sculo XIX. Regresso comunidade de tudo o que servir parase obter o bem-estar.

    Mas este problema no poderia ser resolvido por meio da legislao.Ningum pensa nisso. Tanto o pobre como o rico compreendem que nem osgovernos atuais nem os futuros seriam capazes de lhe encontrar uma soluo.Sente-se a necessidade duma revoluo social e ricos e pobres no dissimulamque ela est prxima e que pode rebentar dum dia para o outro.

    Donde vir? Como se anunciar? Ningum sabe, o incgnito; mas os queobservam e refletem no se enganam. Trabalhadores e explorados,

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    revolucionrios e conservadores, pensadores e gente prtica, todos sentem queest porta.

    Pois bem! Que faremos quando a revoluo tiver rebentado?Todos ns temos estudado tanto o lado dramtico das revolues e to

    pouco a sua obra verdadeiramente revolucionria, que muitos dentre ns vem

    nestes grandes movimentos seno a mise-en scne, a luta dos primeiros dias, asbarricadas. Mas esta luta, a primeira escaramua depressa acaba e s depois daderrota dos antigos governos que comea a obra real da revoluo.

    Incapazes e impotentes, atacados por todos os lados, depressa soarrastados pelo sopro da insurreio. Em alguns dias a monarquia burguesa de1848 no existia mais e quando um carro de praa conduzia Lus Felipe para forade Frana j Paris se no importava com o ex-rei. Em algumas horas desapareciao governo de Thiers a 18 de maro de 1871 e deixava Paris senhora dos seusdestinos. Todavia 1848 e 1871 no eram seno insurreies. Ante uma revoluopopular os governos eclipsam-se com uma rapidez surpreendente. Comeam por fugir, salvo o direito de conspirarem noutro lugar, tentando preparar um regressopossvel.

    Desaparecido o antigo governo, o exrcito, hesitando ante a onda dolevantamento popular, deixa de obedecer aos seus chefes; estes, alis, tambm serasparam prudentemente. A tropa de braos cruzados, deixa correr o marfim, ou decoronha para o ar junta-se aos insurretos. A polcia, braos pendentes, no sabe jse deve carregar ou gritar: Viva a Comuna! e os guardas-civis metem-se emcasa. Os burgueses ricos fazem as malas e escapam-se para lugar seguro. Opovo fica. Eis como se anuncia uma revoluo.

    Tudo isso belo e sublime, mas ainda no a revoluo. Pelo contrrio,agora que vai comear a misso do revolucionrio.

    Haver com certeza vinganas satisfeitas. Alguns Watrin e Toms pagaroa sua impopularidade.

    Mas isso ser um acidente da luta e no da revoluo.Os socialistas governamentais, os radicais, os gnios ignorantes do

    jornalismo, os oradores de efeito burgueses ex-trabalhadores correro casamunicipal e aos ministrios tomar posse dos lugares abandonados, tomaro osgales de corao alegre, admirar-se-o nos espelhos ministeriais, ensaiar-se-opara dar ordens com um ar de gravidade altura das circunstncias. Precisam deum cinto vermelho, um quepe agaloado e um gesto magistral para se imporem aoex-camarada de redao ou de atelier. Os outros enterrar-se-o na papelada coma melhor vontade de perceberem alguma coisa. Redigiro leis, lanaro decretoscom palavres bombsticos, que ningum pensar em executar, justamente por estar em revoluo.

    Tomaro os nomes de Governo Provisrio, de Comit de Salvao Pblica,de Maire, de Comandante da Municipalidade, de Chefe de Segurana e que seieu? Eleitos e aclamados reunir-se-o em Parlamento ou em Conselhos daComuna. Ali encontrar-se-o homens pertencentes a dez, a vinte escolasdiferentes, que no so capelas pessoas, como se diz muitas vezes, mas quecorrespondem a maneiras particulares de conceber a extenso e alcance, o dever da revoluo. Partidrios de todos os matizes, gente honesta confundindo-se comos ambiciosos: todos apresentando-se com idias diametralmente opostas,fazendo alianas fictcias para constituir maiorias, disputando, tratando-se dereacionrios, de autoridades, de bandalhos, discutindo asneiras, no publicandoseno proclamaes roncantes; tomando-se todos a srio, enquanto a verdadeira

    fora do movimento est na RUA.Tudo isto pode divertir os aficionados do teatro. Mas ainda no arevoluo. Nada est feito.

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    Entretanto o povo sofre. As oficinas no tm trabalho, os atelieres estofechados; o comrcio no vai. O trabalhador nem mesmo vence o salrio mnimoque ganhava antes; o preo dos gneros aumenta.

    Com esse devotamento herico que sempre o caracterizou e que chega aosublime por ocasio das grandes pocas, o povo pacienta. ele quem exclama

    em oitocentos e quarenta e oito: Ns pomos trs meses de misria ao servio daRepblica enquanto os representantes e os senhores do novo governo at aoltimo, recebiam religiosamente os seus vencimentos! O povo sofre. Com a suaconfiana pueril, com a bonhomia da massa espera que em cima, na cmara, noHotel de Ville, no Comit de Salvao Pblica se ocupem dele.

    Mas l em cima pensa-se em tudo, menos nos sofrimentos da multido.Quando a fome corri a Frana em 1793, comprometendo a revoluo, quando opovo est reduzido ltima misria; enquanto os Campos Elsios so cortados por fetons soberbos, em que mulheres exibem suas soberbas toilettes Robespireinsiste nos Jacobinos para fazer discutir a sua memria sobre a Constituioinglesa! Quando o trabalhador sofre em 1845 da suspenso geral da indstria, ogoverno provisrio e a Cmara tagarelam sobre as penses militares e o trabalhodas prises, sem perguntarem do que vive o povo nesta poca de crise. E se censurvel a Comuna, que nasceu sob os canhes do Prussianos e no durouseno setenta dias, de no ter compreendido que a revoluo comunal nopodia triunfar sem combatentes bem alimentados e que com 30 soldos por dia nose pode ao mesmo tempo pelejar nas fortalezas e alimentar uma famlia.

    O povo sofre e pergunta: Que fazer para sair deste caso?

    III

    Ora pois; parece-nos que no h seno uma resposta a esta pergunta:- Reconhecer e proclamar bem alto que cada um, seja qual for o seu

    passado, seja qual for a sua fora ou a sua fraqueza, suas aptides ou a suaincapacidade, possui antes de tudo o direito de viver?; e que a sociedade deverepartir, entre todos sem exceo, os meios de que dispe. Reconhec-lo,proclam-lo e agir de conformidade!

    Fazer de modo que desde o primeiro dia da Revoluo o trabalhador saibaque se abre diante dele uma nova era: que desde agora ningum ser obrigado adormir debaixo das pontes, ao lado dos palcios; a ficar em jejum enquanto houver que comer; tremer de frio ao lado dos armazns de peles. Que tudo seja de todosna realidade, como em princpio e que enfim na histria se produza uma revoluoque cuide das necessidades do povo antes de lhe ensinar a lio dos seusdeveres.

    Isto no se pode fazer com decretos, mas unicamente tomando posseimediata, efetiva de tudo o que necessrio para assegurar a vida de todos. Tal a nica maneira verdadeiramente cientfica de proceder, a nica que sejacompreendida e desejada pela massa do povo.

    Tomar posse, em nome do povo revoltado, dos depsitos de trigo, dosarmazns que regurgitam de vesturios, das casas habitveis. No esbanjar coisaalguma, organizar-se logo para preencher os claros, fazer face a todas asnecessidades, satisfazer todas as precises, produzir, no mais para dar benefcios a quem quer que seja, mas para fazer viver e desenvolver-se asociedade.

    Fora com essas frmulas ambguas como o direito ao trabalho, com que

    lograram o povo em 1848 e que ainda logr-lo.Tenhamos a coragem de reconhecer que o bem-estar, desde j possvel,deve realizar-se a todo o custo.

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    Quando em 1848 os trabalhadores reclamavam o direito ao trabalhoorganizavam-se atelieres nacionais ou municipais, e mandavam-se os homenspenar nesses atelieres razo de quarenta soldos por dia! Quando pediam aorganizao do trabalho, respondiam-lhes: Esperem, meus amigos, o governo vai-se ocupar disso e por hoje aqui esto quarenta soldos. Descanse, rude

    trabalhador, que penou toda a sua vida. E enquanto esperavam, apontavam-lhesos canhes. E um belo dia disseram-lhes: Partam para colonizar a frica, senovamos metralh-los.

    Muito outro ser o resultado se os trabalhadores reivindicarem o direito aobem-estar! Desse modo, proclamam o direito de se apoderarem de toda a riquezasocial; de tomar as casas e instalar-se nelas conforme as necessidades da famlia;de tomar os vveres acumulados e de servir-se deles de modo a conhecer o bem-estar, depois de ter demasiadamente conhecido a fome. Proclamam o seu direito atodas as riquezas fruto do labor das geraes passadas e presentes e usamdelas de modo a conhecer o que so os altos gozos da arte e da cincia,demasiado tempo aambarcados pelos burgueses. E afirmando o seu direito aobem-estar, declaram o seu direito de decidirem eles mesmos o que deve ser essebem-estar.

    O direito ao bem-estar a possibilidade de viver como seres humanos ecriar os filhos para os fazer membros iguais duma sociedade superior nossa,enquanto o direito ao trabalho o direito de ficar sempre escravo assalariado,homem de pena governado e explorado pelos burgueses de amanh. O direitoao bem-estar a revoluo social; o direito ao trabalho quando muito umdegredo industrial. tempo do trabalhador proclamar o seu direito herana comum e de tomar posse dela.

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    Desde que as comunas dos X, XI e XII sculos conseguiram emancipar-sedo senhor, laico ou religioso, deram imediatamente grande extenso ao trabalhocomum e ao consumo em comum.

    A cidade (j no os particulares) afretava navios e expedia as suascaravanas para o comrcio distante, cujo benefcio revertia a todos, no aos

    indivduos. Tambm comprava as provises para os habitantes. Os rastros ouvestgios destas instituies mantiveram-se at ao sculo XIX e os povos nas suaslegendas conservaram-lhes piedosamente a lembrana.

    Tudo isso desapareceu, mas a comuna rural ainda luta para manter osltimos vestgios desse comunismo e consegue-o, enquanto o estado no vier atirar a sua espada sobre a balana.

    Ao mesmo tempo novas organizaes baseadas no mesmo princpio: acada um conforme as suas necessidades, surgem sob mil aspectos diversos:porque sem uma certa dose de comunismo as sociedades atuais no poderiamviver. Apesar do tom estreitamente egosta dado ao esprito pela produomercante, a tendncia comunista revela-se a cada instante e penetra nas nossasrelaes sob todas as formas.

    A ponte, cuja passagem dantes era paga, tornou-se monumento pblico. Aestrada calada, que antes se pagava a tanto por lgua j no existe seno noOriente. Os museus, as bibliotecas livres, as escolas gratuitas, as refeiescomuns das crianas; os parques e jardins abertos a todos, as ruas caladas eiluminadas, livres para todo o mundo, a gua distribuda a domiclio com atendncia geral de no olhar quantidade consumida; - tantas instituiesfundadas no princpio: Tomais o que precisardes.

    Os tramwais e as estradas de ferro introduzem j a assinatura mensal ouanual, sem ter em conta o nmero de viagens, e recentemente uma nao inteira,a Hungria, introduziu na sua rede de caminhos de ferro o bilhete por zonas, quepermite percorrer quinhentos ou mil quilmetros pelo mesmo preo. Em todasestas inovaes e mil outras a tendncia para no medir o consumo. Eis osfenmenos que se mostram at nas nossas sociedades individualistas.

    A tendncia, posto ainda to fraca de por as precises do individuo acimada avaliao dos servios que prestou ou que prestar um dia sociedade.Chega-se a considerar a sociedade como um todo, de que cada parte esta tointimamente ligada s outras, que o servio prestado a certo indivduo umservio prestado a todos.

    Quando ides a uma biblioteca pblica, o bibliotecrio no vos perguntaquais os servios que prestastes sociedade, para vos dar o volume ou os 50volumes que lhes pedes e ainda vos ajuda, seno sabeis procura-los no catlogo.Mediante uma esprtula de entradas uniforme, e muitas vezes o que se pede uma contribuio em trabalho, que se refere, a sociedade cientfica abre os seusmuseus, os seus jardins, a sua biblioteca, as suas festas anuais a cada um dosseus membros, seja ele um Darwin ou simples amador.

    Em Petersburgo, se estudais uma inveno, ides a um atelier especial,onde vos do um lugar, ferramentas de marceneiro, um torno mecnico, todos osutenslios necessrios, todos os instrumentos de preciso, contanto que o saibasmanejar, e vos deixam trabalhar tanto quanto vos aprouver. A esto osinstrumentos, interessai amigos na vossa idia, associai-vos com outroscamaradas de diversos ofcios se no preferis trabalhar s, inventai a maquina deaviao ou no inventeis nada, isso l convosco. Os marinheiros de um barco desalvamento no pedem os seus ttulos aos tripulantes dum navio que se afunda;

    lanam a embarcao, arriscam a vida nas ondas furibundas, morrendo s vezes,para salvarem homens que nem conhecem. E para que era preciso conhec-los?

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    Precisam dos nossos servios, h a seres humanos quanto basta, estestabelecido o seu direito Salvemo-los.

    Eis a tendncia eminentemente comunista que se mostra em toda partesob todos os aspectos possveis mesmo no seio das nossas sociedades quepregam o individualismo.

    Submetida uma cidade a um cerco, o primeiro cuidado dos cercados queas primeiras provises a fazer so as dos velhos e das crianas, sem se indagados servios que prestaram ou prestaro sociedade.

    A tendncia existe. Acentua-se desde que as precises mais imperiosas decada um esto satisfeitas, medida que a fora produtriz da humanidadeaumenta.

    Como pois duvidar que um dia em que os instrumentos de produofossem devolvidos a todos, em que a tarefa se fizessem em comum e o trabalho,recobrando ento o lugar da honra na sociedade produzisse mais que onecessrio para todos - como duvidar que esta tendncia (j to poderosa)alarga-se a esfera de ao at tornar-se mesmo o princpio da vida social?

    Segundo estes indcios, somos de opinio que a nossa primeira obrigao,quando a revoluo tiver quebrado a fora que sustenta o sistema atual, serrealizar imediatamente o comunismo: comunismo anarquista, sem governo o doshomens livres. a sntese dos dois fins visados pela humanidade econmica e aliberdade poltica.

    Sabemos que nenhum povo esta por enquanto moralmente preparado paraproclamar a anarquia e viver nela, tendo o cidado as necessrias virtudes paraviver dentro do seu direito, sem violar os direitos alheios. Essas virtudes h de opovo adquiri-las mediante o ensino e o exemplo dos homens superiores que tem apeito o advento do anarquismo, isto , da liberdade absoluta, tendo s a restringi-laa liberdade dos outros. Nem se diga que o anarquismo trar a liberdade do crime.O criminoso convicto no ficara impune: numa sociedade anrquica, o povoreunido constituir um tribunal de nica instancia que julgar sem recurso eexecutar ele mesmo as suas sentenas.

    V-se na histria que, cada vez que o desenvolvimento das sociedadeseuropias o permitia, elas sacudiam o juzo da autoridade e esboavam umsistema baseado na liberdade individual; e sempre que os governos foramabalados em resultado de revoltas, foram pocas de sbito progresso econmico eintelectual.

    Umas vezes a libertao das comunas, cujos monumentos no foramdepois excedidos, outras vezes a sublevao dos camponeses quem faz aReforma e pe em perigo o papado; outras vezes a sociedade, livre, ummovimento que criavam do outro lado do Atlntico, os descontentamentos vindosda velha Europa.E se observarmos o presente desenvolvimento das naes civilizadas, avemos sem risco de nos enganarmos, um movimento cada vez mais acentuadopara limitar a esfera de ao do governo e deixar mais liberdade ao individuo.

    Depois de haver tentado longamente e sem resultado resolver esteproblema insolvel, qual o de se dar um governo que possa obrigar o indivduo obedincia, sem deixar ele mesmo de obedecer sociedade, a humanidade tentalivrar-se de toda a espcie de governo e satisfazer suas necessidades deorganizao pelo livre entendimento entre indivduos e grupos que visam o mesmofim.

    Tudo o que antes era considerado como funo do governo -lhe hoje

    disputado: tudo se arranja melhor e mais facilmente sem a sua interveno.Estudando os progressos feitos nesta direo, somos levados a concluir que ahumanidade tende a reduzir a zero a ao dos governos, isto , a abolir o Estado.

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    J podemos entrever um mundo onde o indivduo, no mais ligado por leis, s terhbitos sociais, resultado da necessidade de procurar o apoio, a cooperao e asimpatia dos vizinhos.

    De certo uma sociedade sem Estado suscitar tantas objees como aeconomia poltica sem capital privado. Todos ns fomos educados desde as

    tradies romanas e as cincias professadas nas universidades, a crer no governoe no Estado-Providncia.Para manter esse prejuzo elaboraram-se sistemas de filosofia; teorias da

    lei so redigidas com o mesmo fim. Toda a poltica se baseia neste princpio ecada poltico, de qualquer divisa, vem sempre dizer ao povo? Dai-me o poder, euquero e posso libertar-vos das misrias que vos oprimem.

    Abri um livro de sociologia, de jurisprudncia, achareis sempre o governotomando um lugar to grande que chegamos a crer que no h nada fora dogoverno e dos homens de Estado.

    A imprensa canta no mesmo tom. Consagram-se colunas inteiras aosdebates parlamentares, s intrigas dos polticos, deixando espao quase nulo paraassuntos econmicos e os casos do dia.

    Entretanto, desde que se passa da matria impressa prpria vida, fica-seespantado da parte infinitesimal, que o governo a representa. J Balzac havianotado os milhares de seres que passam a vida sem nada saberem do Estado,seno os pesados impostos que lhes fazem pagar. Fazem-se milhes detransaes cada dia, - entre as quais as do comrcio, de tal maneira que nem ogoverno poderia ser invocado quando uma das partes tivesse vontade de faltar aoseu compromisso. Qualquer comerciante vos poder dizer que as trocas operadascada dia entre comerciantes seriam de uma inutilidade absoluta se no tivesse por base a confiana mtua, o hbito de cumprir a palavra e o desejo de no perder ocrdito.

    Outro fato ainda se faz notar melhor em favor das nossas idias: oacrscimo contnuo no campo das empresas, devidas iniciativa particular, e odesenvolvimento prodigioso dos agrupamentos livres so um resultado tonecessrio do acrscimo contnuo das precises do homem civilizado e substituemto vantajosamente a interveno do governo, que devemos reconhecer nelas umfator cada vez mais importante na vida das sociedades.

    A histria dos ltimos 50 anos fornece a prova viva da impotncia dogoverno representativo para se desempenhar das funes com que o quiseramsobrecarregar. Um dia h de citar-se o sculo XIX como a poca do fracasso doparlamentarismo. Mas esta impotncia torna-se to evidente para todos, as faltasdo parlamentarismo e os vcios fundamentais do parlamentarismo so toevidentes que os poucos pensadores que lhe tem feito a crtica (J. S. Mill,Levardays) tem-se contentado com traduzir o descontentamento dos povos. Comefeito, no se concebe que absurdo nomear alguns homens e dizer-lhes: Fazei-nos leis sobre todas as manifestaes da nossa vida, mesmo que algum de vs asignore?

    A unio postal internacional, as unies de caminhos de ferro, as sociedadessbias do-nos o exemplo de solues achadas pelo livre entendimento em vez elugar da lei.

    Hoje, quando grupos espalhados em todo o globo querem chegar aorganizar-se para qualquer fim, no nomeiam um parlamento internacional dedeputados bons tout faire, dizendo-lhes: Votem-nos leis, ns obedeceremos.Enviam-se delegados conhecedores da questo especial a tratar e diz-se-lhes:

    Tratai de entrar em acordo sobre tal questo e volta, - no com uma lei no bolso,mas com uma proposta de acordo que aceitaremos ou rejeitaremos.

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    assim que dever agir uma sociedade livre. Para fazer a expropriaoser absolutamente impossvel organizar-se sobre o princpio da representaoparlamentar.

    Uma sociedade livre, reentrando na posse da herana comum, deverbuscar no livre agrupamento e na livre federao dos grupos uma organizao

    nova, que convenha fase econmica nova da histria. A cada fase econmicacorresponde a sua fase poltica e ser impossvel tocar na propriedade sem olhar ao mesmo tempo um novo modo de vida poltico.

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    nem charrua (o ferro na idade media era caro, mais caro ainda o cavalo delavoura).

    Todos os miserveis buscam melhores condies. Um dia vem na estrada,no limite das terras do baro, um poste indicando por sinais compreensveis que olavrador que vier estabelecer-se nessas terras receber terra, instrumentos e

    materiais para edificar sua cabana, semear o seu campo sem pagar nada duranteum certo nmero de anos. Este nmero de anos marcado com cruzes no poste e o campons sabe o que significa as cruzes. Ento os miserveis afluem s terrasdo baro, abrem estradas, dessecam pntanos, criam aldeias. Em nove anos obaro impe-lhes uma renda, paga-se dos adiantamentos cinco anos mais tarde, olavrador aceita estas novas condies, porque noutra parte no as achariamelhores. E pouco a pouco, com a ajuda da lei feita pelos senhores, a misria docampons torna-se a nascente riqueza do patro.

    Passava-se isto na idade media e passa-se ainda hoje. O campons temde pagar mil francos ao senhor Visconde que quiser vender-lhe uma geira, oupagar uma renda onerosa que lhe leva o tero do que produz. Ele no tem nada e foroso que aceite todas as condies, contanto que possa viver cultivando osolo. Em pleno sculo XIX como na idade mdia, anda a pobreza do camponsque faz a riqueza dos proprietrios de terras.

    II

    O proprietrio da terra enriquece-se com a misria dos camponeses. Omesmo acontece com o empresrio industrial.

    Vemos um burgus que duma maneira ou doutra possui um peclio dequinhentos mil francos. Pode certamente despender o seu dinheiro razo decinqenta mil francos por ano muito pouco enfim com o luxo fantasista, insensatoque vemos em nossos dias. Mas assim, no fim de dez anos no tem nada. Assim,como homem pattico ele prefere guardar intacta a sua fortuna e arranjar aindapor cima um pequeno rendimento anual.

    muito simples na nossa sociedade, porque as cidades regurgitam detrabalhadores que no tm de que viver um ms, nem ainda quinze dias. Oburgus monta uma oficina: os banqueiros ainda lhe emprestam quinhentos milfrancos, sobre tudo se tem a reputao de esperto; e com o seu milho poderfazer trabalhar quinhentos operrios.

    Se nos arredores no houvesse seno homens e mulheres com aexistncia garantida, quem iria trabalhar com o burgus? Ningum consentiria emlhe fabricar por trs francos dirios mercadorias que valiam cinco ou mesmo dezfrancos. Ainda a oficina no est acabada e j os trabalhadores acodem paratomar lugar. Precisa cem e vieram mil. E o patro se no um imbecil, embolsarpor ano mil francos de cada trabalhador.

    Assim o patro arranja um bonito rendimento e se a indstria lucrativa,sua oficina engrandece pouco a pouco e aumentar as suas rendas aumentando onmero de operrios que explora.

    Nove dcimos das fortunas colossais dos Estados Unidos so devidos aalguma grande falcatrua feita com o concurso do Estado. Na Europa aconteceoutro tanto e no h duas maneiras de se fazer milionrio.

    Falta ainda falar das pequenas fortunas atribudas pelos economistas economia, enquanto a economia por si s no rende nada, enquanto os saldospoupados no se aplicam a explorar os mortos de fome.

    Vejamos um sapateiro. O seu trabalho bem pago, tem uma boa clientela e fora de privaes chegou a por de parte dois francos por dia, cinqenta francos

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    por ms. Admitamos que nunca esteja doente e que enche o estmago, apesar dasua gana de economizar; que no se casa ou no tem filhos, que no morra tsico.

    Ora pois, chegando aos cinqenta anos no ps de parte nem quinze milfrancos e chegando velhice, no ter com que viver se no puder trabalhar. Decerto no assim que se arranjam fortunas.

    Mas vejamos outro sapateiro.Assim que tiver posto uns soldos de parte, leva-os cuidadosamente caixaeconmica e esta empresta-os ao burgus que vai montar uma explorao de psdescalos. Depois toma um aprendiz filho dum miservel, que se julgar muito felizse no fim de cinco anos o filho sabe o oficio e chega a ganhar a sua vida. Oaprendiz dar lucro ao sapateiro e se este tem clientela, breve tomar outroaprendiz e depois ainda outro. Mais tarde ter trs obreiros miserveis, felizes,ganhando trs francos dirios por um trabalho que vale pelo menos seis. Se temsorte, ou antes se esperto, em breve esse pessoal render-lhe- vinte francos por dia, alm do seu prprio trabalho, e poder deixar famlia um pequeno peclio.

    O comrcio parece fazer exceo regra. Diro: um sujeito compra chna China, importa-o em Frana e ganha trinta por cento: no explorou ningum.

    Entretanto o caso anlogo.Se o homem tivesse transportado o ch s costas, ento sim! Era

    precisamente assim que se comerciava na idade mdia, mas nunca se chegava ssurpreendentes fortunas de hoje. Agora o mtodo mais simples. O negocianteque possui capital no precisa sair do seu escritrio para enriquecer. Telegrafa aum comissionista uma ordem de comprar cem toneladas de ch, freta um navio eem poucas semanas tem o carregamento em casa. No corre os riscos dotransporte porque o ch e o navio esto seguros e se despendeu cem mil francos,recolher cento e trinta mil.

    Como achou homens que se decidiram a ir a China e voltar, suportar fadigas, arriscar a vida por um magro salrio? Como achou nas docascarregadores e descarregadores, pagando-lhes justamente o preciso para nomorrerem de fome enquanto trabalhavam? Porque so miserveis. Ide a um portode mar, visitai os cafs da praia, observai esses homens que se batem s portasdas docas, que assediam desde madrugada para serem admitidos a trabalhar nosnavios. Vde esses marinheiros, felizes de serem contratados para uma viagemlongnqua depois de esperarem semanas e meses; passaram toda a vida de unsnavios para outros at perecerem um dia nas ondas.

    Entrai nos seus tugrios, considerai essas mulheres e essas crianasesfarrapadas, que vivem no se sabe como, esperando o pai e tereis a resposta.

    Digamos, portanto, o que a expropriao. A expropriao deve recair sobre tudo o que permite, seja a quem for banqueiro, industrial ou cultivador, -apropriar-se do trabalho alheio. A frmula simples e compreensvel.No queremos despojar ningum do seu palet; mas queremos restituir aostrabalhadores tudo o que permite a quem quer que seja que os explore, efaremos todos os esforos para que, no faltando nada a ningum, no haja umnico homem que seja forado a vender os seus braos ele e seus filhos.

    III

    Dizem-nos muitas vezes os nossos amigos a propsito da idia anarquista:Cuidado no ir demasiado longe! A humanidade no se modifica num dia, no bom ir muito depressa em projetos de expropriao e de anarquia, ou arriscareis

    no fazer nada de durvel. Pois bem, o que ns tememos, pelo contrrio, umaexpropriao numa escala muito pequena para ser duradoura; que o impulsorevolucionrio pare a meio caminho; que se esgote em meias medidas que no

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    contentariam ningum e que, ainda que produzindo um abalo extraordinrio, nasociedade e uma suspenso das suas funes, no fossem entretanto viveis,semeassem o descontentamento geral e trouxessem fatalmente o triunfo dareao.

    H com efeito nas nossas sociedades relaes estabelecidas que

    impossvel modificar, tocando-lhes s em parte. As diversas engrenagens da nossaorganizao econmica esto to intimamente ligadas entre si, que se no podemodificar uma sem modificar o conjunto; isto se perceber desde que queiramosexpropriar seja o que for.

    Suponhamos que numa regio qualquer se faa uma expropriao limitada,limitando-se por exemplo a expropriar os grandes senhores de terras, sem tocar nas oficinas, como queria h pouco Henry Georges; que em tal cidade seexpropriem as casas sem por os gneros em comum; ou que em certa regioindustrial se expropriem as fbricas sem tocar as grandes propriedades em terras:O resultado ser em todos os casos o mesmo, abalo imenso da vida econmica,sem meios de organizar essa vida econmica em bases novas. Paragem daindstria e das permutas, sem regresso aos princpios de justia, impossibilidadepara a sociedade de reconstruir um todo harmnico.

    Se o agricultor se liberta do grande proprietrio de terras sem que aindstria se liberte do capitalista industrial, do comerciante e do banqueiro, no hnada feito. O cultivador sofre no s por ter de pagar rendas ao dono do solo, maspadece do conjunto das condies atuais: padece do imposto que paga aoindustrial, que lhe leva trs francos por uma enxada que no vale, mais de quinzesoldos; das taxas que lhe leva o Estado, que no dispensa um exrcito defuncionrios; das despesas de conservao do exrcito que mantm o Estado. Oagricultor sofre com a despopulao dos campos, cuja a mocidade arrastadapara as manufaturas das grandes cidades seja pelo engodo de salrios maiores,pagos temporariamente pelos produtores de objetos de luxo, seja pelo atrativoduma vida mais movimentada, sofre ainda pela proteo artificial da indstria, daexplorao mercante dos pases vizinhos, da agiotagem etc. E quando mesmo aexpropriao permitisse a todos cultivarem a terra e faze-la valer sem pagar rendas a ningum a agricultura mesmo quando tivesse um momento de bem-estar, o que ainda no est provado, recairia bem cedo no marasmo em que seencontra hoje.

    O mesmo com a indstria. Entregai amanh as indstrias aostrabalhadores, fazei o que se fez com um certo nmero de camponeses que sefizeram proprietrios da terra. Suprimi o patro mas deixai a terra ao senhor, odinheiro ao banqueiro, a Bolsa ao comerciante, conservai na sociedade a massade ociosos que vivem do trabalho do obreiro, conservai os mil intermedirios, oEstado com seus inumerveis funcionrios, - a indstria no marchar. Noachando mais compradores na massa dos camponeses que ficaram pobres, nopossuindo a matria-prima e no podendo exportar os seus produtos, em parte por causa da suspenso do comrcio e sobretudo por efeito da descentralizao dasindstrias, s poder vegetar, abandonando os obreiros no meio da rua; e essesbatalhes de famintos estaro prontos a submeter-se ao primeiro intrigante que lheaparecer, ou mesmo a voltar ao antigo regime, contanto que se lhes garanta amo-de-obra.

    Ou, por fim expropriai os donos da terra e entregai as fbricas aostrabalhadores, mas sem tocar nas nuvens de intermedirios que especulam sobreas farinhas e os trigos, as carnes e as especiarias nos grandes centros, ao mesmo

    tempo que escoam os produtos das nossas manufaturas. Pois bem, logo que oescndalo parar e os produtos no circularem, logo que Paris no tiver po e Lyonno tiver compradores para as suas sedas, a reao voltar terrvel marchando

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    sobre os cadveres, passeando as metralhadoras nas cidades e nos campos,fazendo orgias de execues e de deportaes, como fez em 1815, em 1848 e1871.

    Tudo solidrio nas nossas sociedades e impossvel reformar o que quer que seja sem derrubar o conjunto.

    No dia em que se tocar na propriedade particular sob uma das formas agrcola ou industrial, tem de se tocar em todas as outras. Assim o exigir osucesso da Revoluo. Alm disso, a expropriao no poderia ser seno geral;uma expropriao parcial no se compreenderia.

    Alguns socialistas tem procurado estabelecer uma distino. Exproprie-se o solo, o subsolo, a oficina, a manufatura, isso queremos ns, dizem eles. Soinstrumentos de produo e seria justo ver ai uma propriedade pblica. Mas h,alm disso, os objetos de consumo: o alimento, o vesturio, a habitao, que sedevem considerar propriedade particular.

    O bom senso popular deu razo a esta distino sutil. Com efeito ns nosomos selvagens para vivermos no bosque sob um abrigo de ramos; o europeuque trabalha precisa dum quarto, duma casa, duma cama e de loua.

    A cama, o quarto, a casa, so lugares de cio para aquele que nadaproduz. Mas para um trabalhador, uma cmara aquecida e com luz tanto uminstrumento de produo como a mquina e a ferramenta. o lugar de reparaode seus msculos e de seus nervos, que amanh se gastaro no trabalho. Odescanso do produtor a limpeza da mquina.

    Os pretendidos economistas nunca se lembraram de dizer que o carvo,que se queima numa mquina, no deva ser contado entre os objetos tonecessrios produo como matria prima. Como pois que o alimento, sem oqual a mquina humana no poderia dar nenhum esforo, poder ser excludo dosobjetos indispensveis ao produtor?

    A refeio copiosa e superior do rico bem um dispndio de luxo. Mas arefeio do produtor um dos objetos indispensveis produo, pela mesmarazo que o carvo queimado pela mquina a vapor.

    O mesmo com o vesturio porque se os economistas que fazem taldistino entre objetos de produo e objetos de consumo, andassem de tangacomo os selvagens da Nova-Guin, ento compreenderamos essas reservas. Masindivduos que no podem escrever uma linha sem terem uma camisa sobre otronco, esto em mau terreno para fazerem uma tamanha distino entre a suapena e a sua camisa. E se os vestidos ostentados das suas senhoras so bemobjetos de luxo, h todavia uma certa quantidade de tecido, algodo ou l, que oprodutor no pode dispensar para produzir.

    Queira ou no, assim que o povo entende a revoluo. Quando tiver varrido os governos, ele buscar, antes de tudo, garantir-se um alojamentosaudvel, uma alimentao suficiente e vesturio sem pagar impostos.E ter razo. O seu modo de agir ser infinitamente mais conforme com a cinciaque o dos economistas, que fazem tanta distino entre os instrumentos deproduo e os artigos de consumo. Compreender que precisamente a qua aRevoluo deve comear e lanar os fundamentos da verdadeira cinciaeconmica, que possa reclamar o ttulo de cincia e que se poderia intitular:estudo das necessidades da humanidade e dos meios econmicos de assatisfazer.

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    OS PRODUTOS

    I

    Se a prxima revoluo deve ser uma revoluo social, h de distinguir-se

    das sublevaes precedentes, no s pelo seu objeto, mas ainda pelos seusprocessos. Um objeto novo requer processos novos.Os trs grandes movimentos populares que vimos em Frana desde um

    sculo diferem entre si a muitos respeitos, mas tem todos um trao comum.O povo bate-se para derrubar o antigo regime. Depois de dar o golpe

    decisivo, reentra na sombra. Constitui-se um governo de homens mais ou menoshonestos e por ele o que se encarrega de organizar: em 1793, a repblica, em1848, o trabalho, em 1871, a Comuna.

    Saturado de idias jacobinas, este governo ocupa-se, antes de tudo, dequestes polticas, reorganizao da maquina do poder, limpeza da administrao,separao da Igreja, e do Estado, liberdades cvicas e assim por diante.

    certo que os clubes obreiros vigiam os novos governantes. Impemmuitas vezes as suas idias. Mas, mesmo nesses clubes ou os oradores sejamburgueses ou sejam trabalhadores, a idia burguesa sempre a que domina. Fala-se muito de questes do po. Emitiram-se nessas pocas grandes idias, idiasque agitaram o mundo, pronunciaram-se palavras que ainda fazem bater osnossos coraes a um sculo de distncia.

    Mas nos arrabaldes faltava o po!Desde que a revoluo rebentava o trabalho faltava inevitavelmente. A circulaodos produtos parava, os capitais sumiam-se. Nessas pocas o patro no tinhaabsolutamente nada a temer. A penria anunciava-se.

    A misria fazia a sua apario uma misria como outra se no tinha vistono antigo regime. So os Girondinos que nos matam fome, diziam nosarrabaldes em 1793. E guilhotinavam os Girondinos. Davam-se plenos poderes aMontagne, na Comuna de Paris. Em Lyon, Fouch e Collot dHerbois, iam criandoos celeiros de abundncia; mas para os encher apenas dispunha de somasnfimas. As municipalidades cansavam-se para arranjar trigo enforcavam ospadeiros que aambarcavam as farinhas e o po faltava sempre.

    Ento queixaram-se dos conspiradores realistas. Guilhotinavam doze aquinze por dia. Mas tivessem eles guilhotinado cem duques e viscondes cada vintee quatro horas que nada teria mudado.

    A misria crescia, pois que era preciso sempre receber um salrio paraviver e o salrio no aparecia. Que podiam fazer mil cadveres a mais ou amenos?

    Agora o povo comeava a cansar-se. A vossa Revoluo vai bem,soprava o reacionrio ao ouvido do trabalhador. Nunca vocs foram tomiserveis! E pouco a pouco, o rico tranqilizava-se; saa do seu esconderijo,afronta os trabalhadores com o seu luxo principesco, envolvia-se em perfumarias edizia aos trabalhadores: Vamos l, basta de asneiras! Que ganharam vocs com aRevoluo? J tempo de acabar com isso!

    E o revolucionrio, acabrunhado, metia-se na sua choa e deixava correr omarfim. E ento a reduo pavoneava-se altiva. Morta a Revoluo, espezinhava-se-lhe o cadver. Derramavam-se ondas de sangue, abatiam-se cabeas,povoavam-se as prises e as orgias da alta scia retomavam o seu ouro.

    Po! A Revoluo precisa de po! Que outros se ocupem a lanar circularesem perodos brilhantes; que tomem tantos gales quantos suas espduas possamlevar; que outros enfim alanzoem sobre as liberdades polticas. A nossa tarefa serfazer que desde os primeiros dias da Revoluo e enquanto durar no falte po

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    nem a um homem, no territrio insurrecto, nem haja uma mulher que seja obrigadaa esperar porta da padaria para levar o bolo de farelos que lhe quiserem atirar por esmola; nem uma nica criana que carea do necessrio sua fracaconstituio.

    A idia burguesa tem sido perorar sobre os grandes princpios, ou antes

    saber as grandes mentiras; a idia popular ser garantir o po a todos.Temos a audcia de afirmar que cada um deve e pode comer quanto lheapetea e que pelo po para todos que a Revoluo deve vencer.

    II

    Somos utopistas, - sabido. To utopistas na verdade que levamos autopia at crer que a Revoluo dever e poder garantir a todos alojamento,vesturio e po, o que muito desagrada aos burgueses, porque sabemperfeitamente que um que comer at satisfazer-se, ser muito custoso de dominar.Portanto preciso assegurar o po ao povo revoltado e que a questo do poprefira a todas.

    Se ela se resolver no interesse do povo, a revoluo ir em bom caminho,porquanto, para resolver a questo dos gneros preciso aceitar um princpio deigualdade que se impor com excluso de todas as outras solues.

    certo que a prxima revoluo igual nisto de 1848, - rebentar nomeio duma formidvel crise industrial. H j uma dzia de anos que estamos emplena efervescncia e a situao s pode agravar-se. Tudo para isso contribui: aconcorrncia de naes novas, que entram na lia pela conquista dos velhosmercados, as guerras, os impostos sempre crescentes, as dvidas dos Estados, ainsegurana do dia de amanh, as grandes empresas longnquas.

    Neste momento h na Frana milhes de trabalhadores sem trabalho. Pior ser ainda quando a revoluo tiver rebentado e se tiver propagado como o fogoposto a um rastilho de plvora. O nmero de obreiros sem trabalho dobrarquando as barricadas se tiverem levantado na Europa ou nos Estados Unidos. Que se vai fazer para assegurar o po a essas pessoas?

    No sabemos se a gente que se diz prtica viu esta questo em toda a suacrueza. O que sabemos que querem manter o salariado e vemos preconizar ostrabalhos pblicos para dar po aos desocupados.

    Porque se abriam atelieres nacionais em 1789 e em 1793; porque serecorreu a igual meio em 1848; porque Napoleo III conseguiu, durante dezoitoanos, conter o proletariado parisiense dando-lhe trabalhos que valem hoje emParis a sua dvida de dois mil milhes e o seu imposto municipal de 90 francos por cabea; porque este excelente movimento de matar a fera se aplicava em Romae mesmo no Egito, h quatro mil anos; porque enfim dspotas, reis e imperadoressouberam sempre atirar um pedao de po ao povo para terem tempo deempunhar o chicote, - natural que a gente prtica preconize esse mtodo deperpetuar o salariado. Para que quebrar a cabea quando se dispe de um mtodoexperimentado pelos Faras do Egito?

    Ora bem: se a Revoluo tivesse a desgraa de entrar por esse caminho,estava perdida.

    A revoluo na Europa a suspenso imediata de metade, pelo menos, dasoficinas e manufaturas. So milhes de trabalhadores com suas famlias atiradas margem.

    a esta situao verdadeiramente terrvel que se procuraria obstar por

    meio de atelieres nacionais, ou seja, de novas indstrias criadas de improviso paraempregar os desocupados.

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    evidente, como j disse Proudhon, que o menor atentado propriedadetrar a desorganizao completa sobre o regime baseado na empresa particular eno salariado. A prpria sociedade ser obrigada a lanar mo da produo no seuconjunto e de reorganizar segundo as necessidades do conjunto da populao.Mas como esta reoganizao se no faz num dia nem num ms, como demandar

    um certo perodo de adaptao, durante o qual milhes de homens ficaroprivados dos meios de subsistncia que se h de fazer?Em tais circunstncias no h seno uma soluo verdadeiramente prtica.

    reconhecer a imensidade da tarefa que se impe, em lugar de tentar restaurar uma situao que se tornou impossvel, - proceder reorganizao da produosegundo os novos princpios.

    Ser pois necessrio, quanto a ns, que o povo se aposse imediatamentede todos os gneros que se encontrarem nas comunas insurgidas, inventari-los efazer de todo modo que, sem os esbanjar, todos se aproveitem dos produtosacumulados para atravessar o perodo da crise. E entretanto entender-se com osobreiros de fbricas, oferecendo-lhes as matrias-primas que lhe faltarem,garantindo-lhes a existncia durante alguns meses a fim de produzirem o que faltar ao cultivador.

    Enfim, fazer valer as terras improdutivas que no faltam, e melhorar outras,que no do nem um quarto, nem mesmo um dcimo do que produziriamsubmetidos cultura intensiva agrcola ou jardineira. a soluo prtica quepodemos entrever e que, quer queiram quer no, se h de impor pela fora dascoisas.

    III

    A feio predominante, distintiva do presente sistema capitalista osalariado.

    Um homem ou um grupo, possuindo o capital necessrio, monta umaempresa industrial; encarrega-se de alimentar a manufatura ou oficina de matria-prima, de organizar a produo, de vender os produtos manufaturados, de pagar aos obreiros um salrio fixo; enfim, embolsa o excedente valor ou os lucros apretexto de se indenizar da gerncia, do risco que correu, das flutuaes de preoque a mercadoria sofreu no mercado.

    Eis todo o sistema do salariado. Para salvar este sistema, os detentoresatuais do capital estariam prontos a fazer certas concesses: repetir, por exemplo,uma parte dos lucros com os trabalhadores, ou ento estabelecer uma escala desalrios, que os faa elevar quando o lucro sobe: em suma, consentiriam emcertos sacrifcios, contanto que conservassem o direito de gerir a indstria e deguardar os benefcios.O coletivismo, como se sabe, faz a este regime importantes modificaes,sem deixar de manter o salariado. Unicamente substitui o padro pelo Estado, isto, pelo governo representativo nacional ou comunal. So os representantes danao ou da comuna e seus delegados seus funcionrios, que se tornam gerentesda indstria. So tambm eles que se reservam o direito de empregar, no interessede todos, os lucros da produo. Por outra, estabelece-se uma distino muitosutil, mas prenhe de conseqncias entre o trabalho do operrio e o do homemque fez uma aprendizagem prvia: o trabalho do operrio, aos olhos do coletivista,no mais que um trabalho simples, enquanto o artfice, o engenheiro, o sbio,etc. fazem o que Marx chama um trabalho composto e tem direito a um salrio

    mais elevado. Mas operrios e engenheiros, teceles e sbios so salariados doEstado - todos funcionrios, diziam ultimamente para dourar a plula.

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    IV

    O povo da grandes cidades ser assim levado pela prpria fora dascoisas, a apoderar-se de todos os gneros, procedendo do simples ao composto,para satisfazer as precises de todos os habitantes. Mas em que bases poderia

    fazer-se a organizao para gozar os gneros em comum? uma pergunta quesurge naturalmente.Pois bem, no h duas maneiras diferentes para o fazer com eqidade: h

    uma s, uma s que corresponda aos sentimentos de justia e que seja realmenteprtica. o sistema j adotado pelas comunas agrrias na Europa.

    Tome-se uma comuna de camponeses no importa onde, possuindo, por exemplo, uma mata. Ora, enquanto no falta, cada um tem o direito de gastar tanta quanto queira, sem outra fiscalizao, alm da opinio pblica dos seusvizinhos. Quanto madeira grossa, que nunca demais, recorre-se distribuiopor meio de raes.

    O mesmo quanto aos prados comunais. Enquanto h que chegue para acomuna, ningum quer saber o que comeram as vacas de cada famlia nem onmero de vacas que pastaram. No se recorre partilha ou arraoamento senoquando os prados so insuficientes. Este sistema pratica-se em toda a Sua, emmuitas comunas da Frana, na Alemanha, etc.

    Se fordes aos pases da Europa oriental, onde a madeira grossa seencontra discrio e onde o terreno no falta, vereis os camponeses cortaremrvores nos bosques segundo as suas precises, cultivar tanta terra comodesejam, sem pensarem em arraoar a madeira ou em dividir a terra em quinhes.

    Numa palavra: Tomar a esmo o que se possui em abundncia;arraoamento do que tiver de ser partilhado!

    Ser preciso entrar em detalhes, fazer tabelas sobre a maneira de fazer funcionar o arraoamento? Provar que seria infinitamente mais justo do que tudo oque hoje existe? Com essas tabelas e esses detalhes no chegaramos aconvencer os burgueses e... os trabalhadores aburguesados, que consideram opovo como um agregado de selvagens, perdendo o nimo se o governo cessa defuncionar. Mas preciso nunca ter visto o povo deliberar para crer que, se fossesenhor, ele no o fizesse conforme os mais puros sentimentos de justia e deeqidade.

    Ide dizer na mesma reunio, pregai nos quatro cantos duma praa que oalimento mais delicado deve ser reservado para os fracos, para os doentes emprimeiro lugar. Dizei que se houvesse dez perdizes em Paris e s uma caixa deMlaga, tudo isso devia ser levado aos quartos dos convalescentes; dizei-o...

    Dizei que a criana vem logo aps o doente, para ela o leite das vacas edas cabras. criana e ao velho o ltimo bocado de carne e ao homem robusto opo seco, se no h melhor. Dizei isso e vereis como todos vos aplaudem.

    Os tericos, para quem o uniforme e a marmita do soldado so a ltimapalavra da civilizao, exigiro sem duvida que se introduza desde logo a cozinhanacional e a sopa com lentilhas. Invocaro a vantagem de economizar ocombustvel e os gneros, estabelecendo cozinhas imensas onde todos viriambuscar a sua rao de caldo, de po e de legumes.

    No contestamos essas vantagens. Sabemos que a humanidade realizoueconomias em combustvel e em trabalho, renunciando primeiro ao moinho abrao e depois ao forno onde outrora cada um cozia o seu po. Seria maiseconmico fazer o caldo para cem famlias duma vez em lugar de acender cem

    fornalhas separadas. Sabemos que h mil modos de preparar batatas, mas quecozidas numa panela s para cem famlias no seriam piores.

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    Compreendemos finalmente que a variedade da cozinha consisteprincipalmente no carter individual, do modo de temperar de cada dona de casa;a cozedura em comum dum quintal de batatas impede as donas de casa de astemperar cada uma a seu gosto. E sabemos que com o caldo gordo se podemfazer cem sopas diferentes para satisfazer cem gostos diversos.

    Mas afirmamos que ningum tem o direito de obrigar a dona de casa atomar no armazm comunal batatas j cozidas, se prefere coz-las ela mesma nasua marmita e no seu fogo.

    Ho de surgir de certo grandes cozinhas em lugar dos restaurantes ondehoje envenenam a gente. E desde que a cozinha comum deixe de ser um lugar defraude, de falsificao e de envenenamento, vir o hbito de ir a essas casas paratrazer prontas as partes fundamentais da refeio. Mas fazer disso uma lei seriarepugnante.

    Quem ter direito aos gneros da Comuna? Responda cada cidade por si, eestamos persuadidos que todas as respostas sero ditas pelo sentimento da justia. Enquanto os trabalhos no estiverem organizados e se estiver num perodode efervescncia, e for impossvel discernir entre o vagabundo ocioso e o semtrabalho involuntrio, os gneros disponveis devem ser para todos sem exceo.Os que tiverem resistido com armas, na mo vitria popular ou conspirado contraela, tero o cuidado eles mesmos de livrar da sua presena o territrio insurgido.Mas parece-nos que o povo, sempre magnnimo e inimigo de represlias, repartiro po com todos os que tiverem permanecido no seu seio, ou sejam expropriantesou expropriados. Inspirando-se nesta idia, a Revoluo nada ter perdido; equando o trabalho tiver continuado, ver-se-o os combatentes da vsperaencontrarem-se no mesmo atelier.

    Mas os vveres faltaro no fim dum ms, exclamam j os crticos.Tanto melhor, respondemos ns, isso provar que pela primeira vez na vida

    o proletrio ter comido sua vontade. Quanto aos meios de substituir o que tiver sido consumido, precisamente a questo que vamos abordar.

    V

    Com efeito, por que meios pode prover sua subsistncia uma cidade emplena revoluo social?

    Responderemos a esta pergunta; mas evidentemente os processos a quese recorrer dependero do carter da revoluo nas provncias, como dentro dasnaes vizinhas. Se toda a nao, ou ainda melhor toda a Europa, pudesse fazer arevoluo social duma vez s, e lanar-se em pleno comunismo, agir-se-ia emconseqncia. Mas se na Europa somente algumas comunas fazem o ensaio docomunismo, ser preciso escolher outros processos. Tal situao tais meios.Eis-nos pois levados, antes de ir mais longe, a lanar um golpe de vistasobre a Europa e, sem pretender ser profeta, devemos ver qual seria a marcha daRevoluo, ao menos nos seus traos essenciais.

    certo muito a desejar que toda a Europa se subleve ao mesmo tempo,que por toda a parte se exproprie e que por toda a parte se inspirem nos princpioscomunistas. Um tal levantamento facilitaria singularmente a tarefa do nossosculo.

    Mas tudo leva a crer que assim no suceder. Que a revoluo abrace aEuropa, no duvidamos. Se uma das quatro grandes capitais do continente Paris, Viena, Bruxelas ou Berlim se levanta e derruba o seu governo, quase certo

    que as trs outras faro o mesmo com intervalo de algumas semanas. tambmmuito provvel que nas pennsulas e mesmo em Londres e Petersburgo a

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    revoluo no se far esperar. Mas o carter ser o mesmo em toda a parte? -Pode-se duvidar.

    mais que provvel que haver por toda a parte atos de expropriao emmaior ou menor escala e esses atos praticados por uma grande nao europiaexercero a sua influncia em toas as outras. Mas os incios da revoluo

    oferecero grandes diferenas locais e o seu desenvolvimento no ser sempreidntico nos diversos pases.Quanto a tomas em todas as naes europias um carter francamente

    socialista, principalmente no comeo, tambm duvidoso. Lembremo-nos que aAlemanha est ainda em pleno imprio unitrio e que os seus partidos avanadossonham com a repblica de 1848 e com a organizao do trabalho de LouisBlanc, e o povo francs quer pelo menos a Comuna livre, se no poder ser aComuna comunista.

    Sem ligar a estas previses mais importncia do que elas merecem,podemos delas concluir que: A Revoluo tomar um carter diferente nasdiversas naes da Europa; o nvel atingido relativamente socializao dosprodutos no ser o mesmo.

    Segue-se da que as naes mais avanadas devem medir seus passospelas naes atrasadas, como algumas vezes se disse? Esperar que a revoluocomunista tenha amadurecido em todas as naes civilizadas? Noevidentemente! Se o quisessem, seria alm disso impossvel: a histria no esperapelos retardatrios.

    Por outro lado no acreditamos que num s e mesmo pas a revoluo sefaa com a unanimidade sonhada por alguns socialistas. provvel que se umadas cinco ou seis grandes cidades de Frana Paris, Lyon, Marselha, Tille, St.Etienne, Bordeaux proclama a Comuna, as outras seguiro o seu exemplo e queo mesmo faro as outras cidades menos populosas, como provavelmente vriasbacias mineiras e diversos centros industriais, no tardaro a licenciar os seuspatres e constituir-se em agrupamentos livres.

    VI

    Mas voltemos nossa cidade de revolta e vejamos em que condiesdever prover sua sustentao.

    Onde tomar os gneros necessrios, se a nao inteira ainda no aceitou ocomunismo? Tal a questo que est posta.

    Tomemos uma grande cidade francesa, a capital, se quiserem. Parisconsome por ano milhes de quintais de cereais, 350.000 bois e vacas, 200.000bezerros, 300.000 porcos e mais de dois milhes de carneiros, sem contar osanimais abatidos particularmente. Precisa mais oito milhes de quilos de manteigae 172 milhes de ovos e tudo mais nas mesmas propores.

    As farinhas e os cereais chegam da Rssia, da Hungria, da Itlia, do Egito,das ndias e dos Estados Unidos. O gado trazido da Alemanha, Itlia e daEspanha. Quanto especiaria, no h um pas no mundo que no d a suacontribuio. Vejamos primeiro como se poderiam arranjar para suprir Paris, ouqualquer grande cidade, produtos que se cultivam nos campos franceses e que osagricultores franceses nada demandam melhor do que entreg-los ao consumo.

    Para os autoritrios a questo no apresenta dificuldade. Comeariam por implantar um governo fortemente centralizado, armado com todos os rgos decoao: polcia, tropas, guilhotina. Esse governo mandaria fazer a estatstica de

    tudo o que se colhe em Frana; dividiria o pas num certo nmero de zonas dealimentao e ordenaria que certos gneros, em tal quantidade, fossem

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    transportados a tal lugar, entregues tal dia, em tal estao, recebidos tal dia por talfuncionrio, armazenados em tal armazm e assim sucessivamente.

    Ora bem, ns afirmamos com plena convico que no s uma tal soluono seria para desejar; mas que por outro lado nunca poderia ser posta emprtica. pura topia.

    Pode-se fantasiar um tal estado de coisas com a pena na mo; mas naprtica torna-se materialmente impossvel; seria preciso no contar com o espritode independncia da humanidade. Seria a insurreio geral: trs ou quatroVendeas em lugar duma, a guerra das aldeias contra as cidades, a Frana inteirainsurgida contra a cidade que ousasse impor esse regime.

    Basta de utopias jacobinas!Vejamos se se pode organizar a Revoluo doutro modo.Em 1793 o Campo reduziu as grandes cidades fome e matou a

    revoluo. Entretanto est provado que a produo dos cereais em Frana notinha diminudo em 1792-93; at tudo leva a crer que tinha aumentado. Mas,depois de tomar posse de boa parte das terras senhoriais, depois de terem feito acolheita nessas terras, os burgueses lavradores no quiseram vender o trigo por vale. Guardaram-no espera da alta dos preos ou da moeda de ouro. E nem asmedidas mais rigorosas dos convencionais para forar os aambarcadores avenderem o trigo nem s execues venceram a greve. Entretanto sabe-se queos comissrios da Conveno no se ensaiavam para guilhotinar osaambarcadores, nem o povo para os pendurar nos lampies; entretanto o trigoficava nos armazns e o povo das cidades passava fome.

    Mas que ofereciam aos cultivadores dos campos em troca de seus rudestrabalhos? Assinados! Farrapos de papel, cujo valor caa todos os dias, bilheteslevando quinhentas libras em caracteres impressos, mas sem valor real. Com umbilhete de mil libras j se no comprava um par de botas; e o campons compreende-se no tinha vontade nenhuma de trocar um ano de trabalho por umbocado de papel com que no podia comprar nem uma blusa.

    E enquanto oferecem ao trabalhador da terra um pedao de papel semvalor ou se chame assinado ou bond de trabalho, - ser a mesma coisa. Osgneros ficaro no campo: a cidade no os ter, ainda que recorram de novo aguilhotina ou ao afogamento.

    O que preciso oferecer ao campons no papel, mas a mercadoria quelhe imediatamente precisa. a mquina de que ele se priva agora comdesgosto; o vesturio para se garantir das intempries; a lmpada e o petrleo,que substituem a candeia; a enxada, o ancinho, a charrua; enfim tudo o que ocampons no pode comprar em vista do seu elevado preo.

    Que a cidade fabrique todas essas coisas; em lugar de bugigangas ebijuterias para as mul