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PLANO DE ENSINO – 2015-1 - Curso: Letras Unidades: Memorial- Turma: 6os semestres - Período: manhã - noite Disciplina: Prática de Ensino V Professor: Adriana Lilian Garcia e Lídia Spaziani Conteúdo Programático A literatura infanto-juvenil na escola. Ensino de literatura: concepções, objetivos e estratégias metodológicas. Diálogos entre linguagens artísticas na aula de português. Orientações Curriculares Nacionais – literatura –ensino médio. Cronograma 1. Apresentação do curso e das leituras. Reflexão acerca das expectativas com a disciplina, experiências anteriores com estágios e relações que cada graduando tem com a literatura. 2. Discussão sobre os conteúdos e estratégias referentes à literatura presentes nos principais vestibulares do país. Análise de questões do ENEM. 3. Conceituando literatura: estranhamento e graus de literariedade.- texto e exercício desta apostila 4. Os conceitos de texto de prazer e texto de fruição sob a perspectiva do teórico Roland Barthes.- livro O Prazer do texto 5. A formação do leitor e as teorias da estética da recepção. O incentivo à leitura no Ensino Fundamental II 6. Estratégias iniciais para facilitar a leitura de literatura. 7. Resgatando o conceito de literatura infanto-juvenil. A literatura presente no ensino fundamental II.-OCNs 8. Conhecendo livros de literatura infanto-juvenil. – OCNs 9. Orientações Curriculares Nacionais – literatura – Ensino Fundamental II. – PCNs 10. Orientações Curriculares Nacionais – literatura – Ensino Médio. – OCNs 11. Exibição do filme Mentes Perigosas ou Escritores da Liberdade 12. Estabelecendo relações entre as OCNs e o filme. 13. Discussão sobre Dez Novas Competências para Ensinar (Perrenaud) 14. Exercícios promovendo diálogo entre linguagens. 15. Análise de material didático que trabalhe com literatura. 16. Análise de material didático que trabalhe com literatura. 1

2015_01- Prã-tica de Ensino v-literatura (1)

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apostila de pratica de ensino

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CRONOGRAMA DE AULAS 2009-2

PLANO DE ENSINO 2015-1 - Curso: Letras

Unidades: Memorial- Turma: 6os semestres- Perodo: manh - noite

Disciplina: Prtica de Ensino V Professor: Adriana Lilian Garcia e Ldia Spaziani

Contedo Programtico

A literatura infanto-juvenil na escola. Ensino de literatura: concepes, objetivos e estratgias metodolgicas. Dilogos entre linguagens artsticas na aula de portugus. Orientaes Curriculares Nacionais literatura ensino mdio.

Cronograma

1. Apresentao do curso e das leituras. Reflexo acerca das expectativas com a disciplina, experincias anteriores com estgios e relaes que cada graduando tem com a literatura.

2. Discusso sobre os contedos e estratgias referentes literatura presentes nos principais vestibulares do pas. Anlise de questes do ENEM.

3. Conceituando literatura: estranhamento e graus de literariedade.- texto e exerccio desta apostila

4. Os conceitos de texto de prazer e texto de fruio sob a perspectiva do terico Roland Barthes.- livro O Prazer do texto

5. A formao do leitor e as teorias da esttica da recepo. O incentivo leitura no Ensino Fundamental II

6. Estratgias iniciais para facilitar a leitura de literatura.

7. Resgatando o conceito de literatura infanto-juvenil. A literatura presente no ensino fundamental II.-OCNs

8. Conhecendo livros de literatura infanto-juvenil. OCNs

9. Orientaes Curriculares Nacionais literatura Ensino Fundamental II. PCNs

10. Orientaes Curriculares Nacionais literatura Ensino Mdio. OCNs

11. Exibio do filme Mentes Perigosas ou Escritores da Liberdade

12. Estabelecendo relaes entre as OCNs e o filme.

13. Discusso sobre Dez Novas Competncias para Ensinar (Perrenaud)

14. Exerccios promovendo dilogo entre linguagens.

15. Anlise de material didtico que trabalhe com literatura.

16. Anlise de material didtico que trabalhe com literatura.

17. Anlise de material didtico que trabalhe com literatura.

18. Apresentando aulas de literatura.Encceja

19. Apresentando aulas de literatura.

20. Articulando literatura e histria.

Metodologia de Ensino -Aulas tericas; leituras dirigidas; debates; anlises de aulas; produo e apresentao de planos de aula.

Justificativa -A disciplina articula todos os conhecimentos tericos adquiridos durante a formao no curso de Letras, bem como novas teorias voltadas ao processo de ensino-aprendizagem, com a prtica pedaggica do futuro profissional de Letras, voltada para a sala de aula do ensino bsico.

Bibliografia Bsica

1. PERRENOUD, PHILIPPE Dez Novas Competncias para Ensinar. So Paulo: ARTMED, 2000.

2. BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. Traduo de Maria Margarida Barahona. So Paulo: Editora Perspectiva, 1973.

3. Ministrio da Educao e Cultura - Orientaes Curriculares Nacionais. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf

Bibliografia Complementar

1. BAPTISTA, Ana Haddad. Educao, Ensino e Literatura. So Paulo: Arte-Livros Editora, 2011.

2. MAGNANI, Maria do Rosrio Mortatti. Leitura, Literatura e Escola. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

3. POUND, Ezra. ABC da Literatura. So Paulo, Cultrix, 2003.

Webgrafia

Disponvel em http://seer.ufrgs.br/index.php/cadernosdoil/article/view/25184/pdf acesso em 29-08-2014

Disponvel em http://publicacoes.unifal-mg.edu.br/revistas/index.php/entreparenteses/article/view/171 acesso em 29-08-2014Literariedade e estranhamento

O interesse da teoria literria se concentra no no sentido amplo do termo, que abrange todo o conjunto da produo escrita, sejam documentos histricos, jornalsticos, obras cientficas ou tcnicas, vistas por alguns tericos como textos desprovidos de literariedade. O alvo a literatura em sentido restrito, ou seja, as composies em que a linguagem se apresenta elaborada de maneira especial e nas quais se d a constituio do universo imaginrio ou ficcional. A literariedade manifesta-se tanto em linguagem metrificada como em no metrificada. Ela se insinua e se mostra no texto por meio de metforas, metonmias, alegorias, smbolos, analogias, pontuao, provocando a beleza, o impacto esttico. A fuga ao convencional cria uma desfamiliarizao que no resulta da utilizao de elementos lingsticos prprios, mas dos mesmos materiais cotidianos em uma organizao diferenciada, mais densa, mais complexa. O texto literrio escapa das medidas do previsvel, fala do mundo mediante uma imagem do mundo, permitindo a apreenso do real pela imaginao. De acordo com Lajolo (1982, p. 43)*:As formas literrias no so diferentes das formas lingsticas, mas sua organizao as torna (pelo menos algumas delas) mais visveis. Enfim, a literariedade no apenas questo de presena ou de ausncia, de tudo ou nada, mas de mais e de menos (mais tropos, por exemplo): a dosagem que produz o interesse do leitor. A organizao dos vocbulos de forma diferenciada da convencional, capaz de transmitir o mximo de imagens com o mnimo de palavras, de acordo com Chklovski, promovendo a desfamiliarizao ou desautomatizao, singulariza o objeto, obscurece a forma e prolonga e durao da recepo da arte. Para ele, as aes repetitivas, habituais tornam-se automticas, ao ponto de serem praticadas inconscientemente. Isso traduzido como economia de energia e facilita a percepo. Chklovski (in TOLEDO, 1971, p. 43) afirma que a idia de economia de energia como lei e objetivo da criao talvez verdadeira no caso particular da linguagem, ou seja, na lngua cotidiana. A literatura, assim, no busca a facilidade e a transparncia da linguagem. Seu objetivo no gastar o mnimo possvel de energia na comunicao, mas, lanando mo de recursos que prendem a ateno, instigar o leitor a procurar o sentido ausente ou metafrico, no se detendo no sentido literal. A isso se chama ostranenie - estranhamento. Depreende-se, assim, que no texto literrio cria-se uma linguagem capaz de quebrar o automatismo do cotidiano, representando as coisas num contexto inusitado e aumentando a dificuldade e a durao da percepo:Examinando a lngua potica tanto nas suas constituintes fonticas e lxicas como na disposio das palavras e nas construes semnticas constitudas por estas palavras, percebemos que o carter esttico se revela sempre pelos mesmos signos: criado conscientemente para libertar a percepo do automatismo; sua viso representa o objetivo do criador e ela construda artificialmente de maneira que a percepo se detenha nela e chegue ao mximo de sua fora e durao. (CHKLOVSKI in TOLEDO, 1971, p. 54). Da infere-se que primordial para a recepo do texto literrio que o leitor seja um intrprete dos signos, que tenha a disposio de procurar o que no est expresso nos vocbulos, em seus significados usuais, mas na combinao criteriosa e proposital desses, feita pelo criador. O texto criado por meio desse modo particular que confere o carter esttico literatura, carter esse assegurado pela percepo do leitor.LXXVIII (Cames, 1525?-1580)

Leda serenidade deleitosa,Que representa em terra um paraso;Entre rubis e perlas doce risoDebaixo de ouro e neve cor-de-rosa;

Presena moderada e graciosa,Onde ensinando esto despejo e sisoQue se pode por arte e por aviso,Como por natureza, ser fermosa;

Fala de quem a morte e a vida pende,Rara, suave; enfim, Senhora, vossa;Repouso nela alegre e comedido:

Estas as armas so com que me rendeE me cativa Amor; mas no que possaDespojar-me da glria de rendido.

CAMES, L. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008.

SANZIO, R. (1483-1520). A mulher com o unicrnio. Roma, Galleria Borghese Disponvel em: www.arquipelagos.pt. Acesso em: 29 fev. 2012.

A pintura e o poema, embora sendo produtos de duas linguagens artsticas diferentes, participaram do mesmo contexto social e cultural de produo pelo fato de ambos

a) apresentarem um retrato realista, evidenciado pelo unicrnio presente na pintura e pelos adjetivos usados no poema.

b) valorizarem o excesso de enfeites na apresentao pessoal e na variao de atitudes da mulher, eviden cidas pelos adjetivos do poema.

c) apresentarem um retrato ideal de mulher marcado pela sobriedade e o equilbrio, evidenciados pela postura, expresso e vestimenta da moa e os adjetivos usados no poema.

d) desprezarem o conceito medieval da idealizao da mulher como base da produo artstica, evidenciado pelos adjetivos usados no poema.

e) apresentarem um retrato ideal de mulher marcado pela emotividade e o conflito interior, evidenciados pela expresso da moa e pelos adjetivos do poema.

Os conceitos de texto de prazer e texto de fruio sob a perspectiva do terico Roland Barthes.

A formao do leitor e as teorias da esttica da recepo.

http://seer.ufrgs.br/index.php/cadernosdoil/article/view/25184/pdfhttp://publicacoes.unifal-mg.edu.br/revistas/index.php/entreparenteses/article/view/171

A literatura infanto-juvenil. A literatura presente no ensino fundamental II.

Orientaes Curriculares Nacionais literatura ensino mdio.

Sociedade dos poetas mortos.Dilogos entre as linguagens Encceja

Leituras do semestre

OCNs Orientaes Curriculares Nacionais para o Ensino MdioLiteratura

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf

CONHECIMENTOS DE LITERATURA

INTRODUO

As orientaes que se seguem tm sua justificativa no fato de que os PCN do ensino mdio, ao incorporarem no estudo da linguagem os contedos de Literatura, passaram ao largo dos debates que o ensino de tal disciplina vem suscitando, alm de negar a ela a autonomia e a especificidade que lhe so devidas.

Ao ler este texto, muitos educadores podero perguntar onde est a literatura, a gramtica, a produo do texto escrito, as normas. Os contedos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva maior, que a linguagem, entendida como espao dialgico, em que os locutores se comunicam. (PCN, 2002, p. 144).

Embora concordemos com o fato de que a Literatura seja um modo discursivo entre vrios (o jornalstico, o cientfi co, o coloquial, etc.), o discurso literrio decorre, diferentemente dos outros, de um modo de construo que vai alm das elaboraes lingsticas usuais, porque de todos os modos discursivos o menos pragmtico, o que menos visa a aplicaes prticas. Uma de suas marcas sua condio limtrofe, que outros denominam transgresso, que garante ao participante do jogo da leitura literria o exerccio da liberdade, e que pode levar a limites extremos as possibilidades da lngua:

E nisso reside sua funo maior no quadro do ensino mdio: pensada (a literatura)

dessa forma, ela pode ser um grande agenciador do amadurecimento sensvel do aluno, proporcionando-lhe um convvio com um domnio cuja principal caracterstica o exerccio da liberdade. Da, favorecer-lhe o desenvolvimento de um comportamento mais crtico e menos preconceituoso diante do mundo. (OSAKABE, 2004).

Na defesa, pois, da especifi cidade da Literatura, torna-se necessrio agora ratificar a importncia de sua presena no currculo do ensino mdio (importncia que parece ter sido colocada em questo), assim como atualizar as discusses que tm sido travadas desde os ltimos PCN.

1 POR QUE A LITERATURA NO ENSINO MDIO?

Considerando a Literatura como aparece no Dicionrio Aurlio em seu primeiro significado Arte de compor ou escrever trabalhos artsticos em prosa ou verso , tomemos o depoimento de uma me de aluno para contribuir com nossa refl exo. Instada pela professora a responder o que signifi cava arte para ela, respondeu: Arte aquele conhecimento mais da delicadeza, no ? Fazer fl orzinha miudinha de papel, cinzeiro no Dia das Mes... Eu outro dia ganhei... [ri] no? [Olha, sonda um pouco minha expresso...] ? Diga que eu no sei e vou bestando... No sei dessas coisas no, meu negcio mesmo o que o pessoal bota o nome de prendas do lar. Bom, mas... Basta. No sei bem como a coisa de escola... O que eu fao trazer menino, apanhar menino... Reunio aqui quase nunca e quando tem, no vou. Vou l ouvir reclamao que eu no dou conta! Mas se a dona moa me pede assim, quer ouvir uma coisa qualquer da gente, eu no me fao de rogada... Como mesmo a pergunta? Ah! Quando eu ia dizendo que arte um trabalho assim mais maneiro, que assim mesmo. Pode at no ser, mas parece. aquele trabalho que no a luta de todo dia. T certo que tem uns que lutam com isso mas... Arte um que-fazer assim que inventa uma alegriazinha, a senhora compreende? Quer dizer, trabalho mesmo no , que trabalho como uma dor. E escola tambm. Pros pobres . A gente acostuma porque a vida e... vai indo, vai indo... Perdi. Ali, sim: arte eu no sei. No isso das festas na escola? Acho que na escola no carece disso, no. Essa arte, no. Os meninos precisam ir levando jeito pra agentar o trabalho daqui de fora. Se fica muito animado, aquela coisa frouxa, eles amolecem e... Aqui fora isso vinga, no. (LINHARES, 2003, p. 99).

Evidenciam-se nesse depoimento as tentativas de precisar a defi nio de arte, comeando por sua identifi cao com a prtica artesanal (fazer fl orzinha, cinzeiro), por isso a arte um trabalho, mas um trabalho diferente. Trata-se de um trabalho mais maneiro, mais alegre. Detectada a diferena, reconsidera-se o antes afi rmado: arte no chega a ser trabalho, j que no a luta de todos os dias.

Arte delicadeza que amolece o homem e no deve fazer parte do currculo da escola porque aqui fora no vinga, ou seja, no logra sucesso. Com uma viso orientada pela prxis utilitria, a me detecta a diferena entre a arte e a luta de todo dia, isto , o trabalho compreendido em seu significado de origem [segundo a etimologia, trabalho vem do latim tre palium, um instrumento de tortura feito com trs paus, que se empregava com os escravos (na Antigidade eram os que trabalhavam): da a identifi cao de trabalho com tortura]. Enquanto a arte um que-fazer que inventa umas alegriazinhas, o trabalho visto como dor. Jauss assinala o uso antigo dessa oposio:

[...] por um lado, prazer e trabalho formam, de fato, uma velha oposio, atribuda desde a Antigidade ao conceito de experincia esttica. medida que o prazer esttico se libera da obrigao prtica do trabalho e das necessidades naturais do cotidiano, funda uma funo social que sempre caracterizou a experincia esttica. Por outro lado, a experincia esttica no era, desde o princpio, oposta ao conhecimento e ao (JAUSS, 2002, p. 95).

Contrariamente concluso a que chegou a Me, pensamos encontrar-se aqui o principal motivo para a permanncia da arte (e como uma de suas manifestaes mais privilegiadas, a literatura) no currculo do ensino mdio. Viver para o trabalho sem que esse signifi que fonte de qualquer prazer; querer que a escola prepare apenas para enfrentar o sofrimento do cotidiano, principalmente para os no privilegiados, , por um lado, resultado de uma poderosa e perversa mquina que parece determinar os caminhos a serem percorridos e, por outro, o determinante desses caminhos. At h pouco tempo nem se cogitava a pergunta por que a Literatura no ensino mdio?: era natural que a Literatura constasse do currculo. A disciplina, um dos pilares da formao burguesa humanista, sempre gozou de status privilegiado ante as outras, dada a tradio letrada de uma elite que comandava os destinos da nao. A Literatura era to valorizada que chegou mesmo a ser tomada como sinal distintivo de cultura (logo, de classe social): ter passado por Cames, Ea de Queirs, Alencar, Castro Alves, Euclides da Cunha, Rui Barbosa, Coelho Neto e outros era demonstrao de conhecimento, de cultura. bem verdade que muitas vezes os textos literrios serviam apenas como objeto de culto; culto do estilo, do bem escrever e at mesmo do exagero retrico de alguns escritores; ou, ento, apenas como suportes das anlises sintticas e morfolgicas.

A Literatura era to

valorizada que chegou

mesmo a ser tomada como

sinal distintivo de cultura ...

De qualquer modo, o domnio da Literatura era inquestionvel.

Num piscar de olhos, porm, as mudanas impuseram-se: o rpido desenvolvimento das tcnicas, a determinao do mercado, da mdia e o centramento no indivduo (em detrimento do coletivo) provocaram a derrubada dos valores, um a um, enquanto outros foram erigidos para logo mais tombarem por terra. Hoje assistimos exacerbao de todos esses axiomas (o mercado, a efi cincia tcnica e o foco no indivduo), sobre os quais a modernidade se sustentava, confi gurando assim os tempos hipermodernos, isto , uma modernidade elevada potncia superlativa, caracterizada pela cultura do mais rpido e sempre mais, segundo Lipovetsky (2004, p. 51-57).

Imersos nesses tempos, mais do que nunca se faz necessria a pergunta:

por que ainda a Literatura no currculo do ensino mdio se seu estudo no incide diretamente sobre nenhum dos postulados desse mundo hipermoderno?

Boa parte da resposta pode ser encontrada talvez no prprio conceito de Literatura tal como o utilizamos at aqui, isto , em seu sentido mais restrito. Embora se possa considerar, lato sensu, tudo o que escrito como Literatura (ouvese falar em literatura mdica, literatura cientfi ca, etc.), para discutir o currculo do ensino mdio tomaremos a Literatura em seu stricto sensu: como arte que se constri com palavras.

O problema, entretanto, persiste: se a Literatura arte, a arte serve para qu? Poderamos partir do paradoxo de Jean Cocteau que inicia o livro de Ernst Fischer:

A poesia indispensvel. Se ao menos soubesse para qu... (apud FISCHER,1966).

Tal como afi rma a Me, embora condenando essa funo, a arte inventa uma alegriazinha, rompe com a hegemonia do trabalho alienado (aquele que executado pelo trabalhador sem nele ver outra fi nalidade seno proporcionar o lucro ao dono dos modos de produo), do trabalho-dor. Nesse mundo dominado pela mercadoria, colocam-se as artes inventando alegriazinha,

isto , como meio de educao da sensibilidade; como meio de atingir um conhecimento to importante quanto o cientfico embora se faa por outros caminhos; como meio de pr em questo (fazendo-se crtica, pois) o que parece ser ocorrncia/decorrncia natural; como meio de transcender o simplesmente dado, mediante o gozo da liberdade que

O ensino de Literatura

(e das outras artes)

visa, sobretudo, ao

cumprimento do

inciso III dos objetivos

estabelecidos para o

ensino mdio ...

s a fruio esttica permite; como meio de acesso a um conhecimento que objetivamente no se pode mensurar; como meio, sobretudo, de humanizao do homem coisifi cado: esses so alguns dos papis reservados s artes, de cuja apropriao todos tm direito. Diramos mesmo que tm mais direito aqueles que tm sido, por um mecanismo ideologicamente perverso, sistematicamente mais expropriados de tantos direitos, entre eles at o de pensar por si mesmos.

O ensino mdio, visto como transio para o superior ou trmino da etapa estudantil para aqueles que no podem ou no querem cursar a faculdade, constituiu (e ainda constitui) um grande problema para a elaborao de um currculo que pudesse beneficiar ambas as modalidades, j que sempre emerge no horizonte a questo do trabalho. As Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional editadas refletem bem o debate ou a ausncia dele, como ocorreu com a Lei n 5.692/71, de pssima lembrana. Sinalizando bem os tempos em que foi elaborada, obrigava o ensino mdio a um carter profissionalizante, com o objetivo de formar mo-de-obra semi-especializada para o mercado que se abria. Passados esses duros tempos, a LDBEN n 9.394/96 significou um grande avano, como se pode ver nos objetivos a serem alcanados pelo ensino mdio (Art. 35):

I) consolidao e aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos;

II) preparao bsica para o trabalho e para a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com fl exibilidade a novas condies de ocupao ou aperfeioamento posteriores;

III) aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formao tica e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crtico. (LDBEN, 1996),

deixando claro que, se o Inciso I diz respeito ao ensino mdio como preparatrio para o ensino superior e o II refere-se a ele como terminalidade, o Inciso III, por sua vez, engloba os dois anteriores, ou seja, a escola dever ter como meta o desenvolvimento do humanismo, da autonomia intelectual e do pensamento crtico, no importando se o educando continuar os estudos ou ingressar no mundo do trabalho.

O ensino de Literatura (e das outras artes) visa, sobretudo, ao cumprimento do Inciso III dos objetivos estabelecidos para o ensino mdio pela referida lei. Nesse sentido, consideramos pertinente citar as palavras de Antonio Cndido sobre a Literatura como fator indispensvel de humanizao:

Entendo aqui por humanizao [...] o processo que confi rma no homem aqueles traos que reputamos essenciais, como o exerccio da refl exo, a aquisio do saber, a boa disposio para com o prximo, o afi namento das emoes, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepo da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em ns a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CNDIDO, 1995, p. 249).

Para cumprir com esses objetivos, entretanto, no se deve sobrecarregar o aluno com informaes sobre pocas, estilos, caractersticas de escolas literrias, etc., como at hoje tem ocorrido, apesar de os PCN, principalmente o PCN+, alertarem para o carter secundrio de tais contedos: Para alm da memorizao mecnica de regras gramaticais ou das caractersticas de determinado movimento literrio, o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competncias que [...] (PCN+, 2002, p. 55). Trata-se, prioritariamente, de formar o leitor literrio, melhor ainda, de letrar literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito.

Mas o que vem a ser letramento literrio? O termo letramento foi tomado da Lingstica, mas j de uso bastante corrente entre os que se ocupam da educao. Sem descartar a difi culdade de conceituao, Magda Soares recorre ao termo paralelo alfabetizao e suas variantes indicando a necessidade desse novo vocbulo para designar um fenmeno tambm novo:

medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um nmero cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocntrica), um novo fenmeno se evidencia: no basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, mas no necessariamente incorporam a prtica da leitura e da escrita, no necessariamente adquirem competncia para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as prticas sociais da escrita: no lem livros, jornais, revistas, no sabem redigir um ofcio, um requerimento, uma declarao, no sabem preencher um formulrio... (SOARES, 2004, p. 45-46).

Da a definio: letramento: estado ou condio de quem no apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as prticas sociais que usam a escrita (SOARES, 2004, p. 47). Por extenso, podemos pensar em letramento literrio como estado ou condio de quem no apenas capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experincia esttica, fruindo-o.

Contrariamente ao que ocorreu com a alfabetizao, que se vem ampliando cada vez mais, a leitura de Literatura tem-se tornado cada vez mais rarefeita no mbito escolar, como bem observou Regina Zilberman (2003, p. 258), seja porque diluda em meio aos vrios tipos de discurso ou de textos, seja porque tem sido substituda por resumos, compilaes, etc. Por isso, faz-se necessrio e urgente o letramento literrio: empreender esforos no sentido de dotar o educando da capacidade de se apropriar da literatura, tendo dela a experincia literria. Estamos entendendo por experincia literria o contato efetivo com o texto. S assim ser possvel experimentar a sensao de estranhamento que a elaborao peculiar do texto literrio, pelo uso incomum de linguagem, consegue produzir no leitor, o qual, por sua vez, estimulado, contribui com sua prpria viso de mundo para a fruio esttica. A experincia construda a partir dessa troca de signifi cados possibilita, pois, a ampliao de horizontes, o questionamento do j dado, o encontro da sensibilidade, a refl exo, enfi m, um tipo de conhecimento diferente do cientfi co, j que objetivamente no pode ser medido.

O prazer esttico , ento, compreendido aqui como conhecimento, participao, fruio. Desse modo, explica-se a razo do prazer esttico mesmo diante de um texto que nos cause profunda tristeza ou horror: Arte um que-fazer que inventa uma alegriazinha , diria a Me.

Se a literatura arte em palavras, nem tudo que escrito pode ser considerado literatura, como j dissemos. Essa questo, entretanto, no to simples assim, visto que a linha que divide os campos do literrio e do no literrio bastante tnue, confundindo-se muitas vezes.

Houve diversas tentativas de estabelecimento das marcas da literariedade de um texto, principalmente pelos formalistas e depois pelos estruturalistas, mas essas no lograram muito sucesso, dada a diversidade de discursos envolvidos no texto literrio. Mais recentemente, deslocou-se o foco do texto para o leitor (visto esse como co-produtor do texto) e para a intertextualidade, colocando-se em questo a autonomia e a especificidade

... faz-se necessrio e urgente o

letramento literrio: empreender

esforos no sentido de dotar o

educando da capacidade de se

apropriar da literatura ...

da literatura. Como bem aponta Chiappini (2005), a esse deslocamento de foco correspondem, no ensino da literatura, posies diversas: de um lado, o professor que s trabalha com autores indiscutivelmente cannicos, como Machado de Assis, por exemplo, utilizando-se de textos crticos tambm consagrados: caso do professor considerado autoritrio, conservador, que aprendeu assim e assim devolve ao aluno; de outro lado, o professor que lana mo de todo e qualquer texto, de Fernando Pessoa a raps, passando pelos textos tpicos da cultura de massa: caso do professor que se considera libertrio (por desconstruir o cnone) e democrtico (por deselitizar o produto cultural). Ser? perguntamo-nos. Ainda acompanhando o raciocnio de Chiappini, se existe o professor conservador que ignora outras formas de manifestao artstica, no haveria, de outro lado, na atitude democrtica, e provavelmente cheia de boas intenes, um certo desrespeito s manifestaes populares, sendo condescendente, paternalista, populista, sem adotar o mesmo rigor que se adota para a cultura de elite? Ou, acrescentaramos ns, no haveria demasiada tolerncia relativamente aos produtos ditos culturais, mas que visam somente ao mercado? Se vista assim, essa atitude no seria libertria ou democrtica, mas permissiva. Pior ainda: no estaria embutido nessa escolha o preconceito de que o aluno no seria capaz de entender/fruir produtos de alta qualidade?

Em nossa sociedade h fruio segundo as classes na medida em que um homem do povo est praticamente privado da possibilidade de conhecer e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mrio de Andrade. Para ele, fi cam a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontnea, a cano popular, o provrbio. Estas modalidades so importantes e nobres, mas grave consider-las como suficientes para a grande maioria que, devido pobreza e ignorncia, impedida de chegar s obras eruditas. (CNDIDO, 1995, p. 256-257).

Qual seria ento o lugar do rap, da literatura de cordel, das letras de msicas e de tantos outros tipos de produo, em prosa ou verso, no ensino da literatura? Sem dvida, muitos deles tm importncia das mais acentuadas, seja por transgredir, por denunciar, enfi m, por serem signifi cativos dentro de determinado contexto, mas isso ainda insufi ciente se eles no tiverem suporte em si mesmos, ou seja, se no revelarem qualidade esttica. Gramsci, em 1934, j estabelecera uma diferena entre valor cultural e valor esttico.1 Muitas obras de grande valor cultural tm escasso valor esttico, at mesmo porque no se propuseram a isso: o caso, por exemplo, dos escritos de Jos do Patrocnio; outros, mesmo produzidos por artistas no letrados, mas que dominam o fazer literrio ainda que quase instintivamente certamente devero ser considerados no universo literrio: Patativa do Assar, por exemplo, e tantos outros encontrados no nosso rico cancioneiro popular. Qualquer texto escrito, seja ele popular ou erudito, seja expresso de grupos majoritrios ou de minorias, contenha denncias ou reafi rme o status quo, deve passar pelo mesmo crivo que se utiliza para os escritos cannicos: H ou no intencionalidade artstica? A realizao correspondeu inteno? Quais os recursos utilizados para tal? Qual seu significado histrico-social? Proporciona ele o estranhamento, o prazer esttico?

Sabemos que em literatura uma mensagem tica, poltica, religiosa ou mais geralmente social s tem efi cincia quando for reduzida a estrutura literria, a forma ordenadora. Tais mensagens so vlidas como quaisquer outras, e no podem ser proscritas; mas a sua validade depende da forma que lhes d existncia como um certo tipo de objeto. (CNDIDO, 1995, p. 250).

Mas no nos iludamos: sempre haver, em alguns casos, uma boa margem de dvida nos julgamentos, dvida muitas vezes proveniente dos prprios critrios de aferio, que so mutveis, por serem histricos. Mesmo apresentando difi culdades em casos limtrofes, entretanto, na maioria das vezes possvel discernir entre um texto literrio e um texto de consumo, dada a recorrncia, no ltimo caso, de clichs, de esteretipos, do senso comum, sem trazer qualquer novo aporte.

A postura dos PCN 2002 gerou alguns problemas que merecem ser discutidos:

nfase radical no interlocutor, chegando ao extremo de erigir as opinies do aluno como critrio de juzo de uma obra literria,2 deixando, assim, a questo do ser ou no ser literrio a cargo do leitor;

foco exclusivo na histria da literatura. Apesar de assinalar a permanncia dessa prtica viciada no ensino da literatura (os estudos literrios seguem o mesmo caminho. A histria da literatura costuma ser o foco da compreenso

do texto; uma histria que nem sempre corresponde ao texto que lhe serve de exemplo), no indica como romper com ela. Mais grave ainda: ao propor como competncia a ser desenvolvida:

Recuperar, pelo estudo do texto literrio as formas institudas de construo do imaginrio coletivo, o patrimnio representativo da cultura e as classifi caes preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial (PCN, 2002, p. 145), tal como se encontra nos PCN, ou como se apresenta nos PCN+: 3. Identifi car manifestaes culturais no eixo temporal, reconhecendo os momentos de tradio e de ruptura (2002, p. 65), d margem a que, contraditoriamente, se reafi rme a mesma prtica: estudar a histria da literatura, com seus representantes mais ilustres, e identifi car as caractersticas da escola literria, tal como vem expressamente explicitado:

Os produtos culturais das diversas reas (literatura, artes plsticas, msica, dana, etc.) mantm intensa relao com seu tempo. O aluno deve saber, portanto, identifi car obras com determinados perodos, percebendo-as como tpicas de seu tempo ou antecipatrias de novas tendncias. Para isso, preciso exercitar o reconhecimento de elementos que identifi cam e singularizam tais obras, vrios deles relacionados a conceitos j destacados anteriormente. (PCN+, 2002, p. 65 grifo nosso).

fruio esttica. Um dos conceitos que fundamentam a experincia esttica (e estamos falando de experincia literria) o de fruio da obra de arte pelo receptor. Os PCN+ a defi nem da seguinte maneira:

Desfrute (fruio): trata-se do aproveitamento satisfatrio e prazeroso de obras literrias, musicais ou artsticas, de modo geral bens culturais construdos pelas diferentes linguagens, depreendendo delas seu valor esttico. Apreender a representao simblica das experincias humanas resulta da fruio dos bens culturais.Podem propiciar aos alunos momentos voluntrios para que leiam coletivamente uma obra literria, assistam a um fi lme, leiam poemas de sua autoria de preferncia fora do ambiente de sala de aula: no ptio, na sala de vdeo, na biblioteca, no parque (PCN+, 2002, p. 67).

A histria da literatura

costuma ser o foco da

compreenso do texto ...

Conceituado dessa forma, o prazer esttico proporcionado pela fruio pode ser confundido com divertimento, com atividade ldica simplesmente (talvez por isso se aconselhe seu desfrute fora da sala de aula), deixando espao para que se compreenda o texto literrio apenas como leitura facilmente deglutvel. No podemos confundir prazer esttico com palatabilidade. Tambm no se quer, com isso, afi rmar que os textos que proporcionam prazer esttico obrigatoriamente so densos, difceis de ser compreendidos, eruditos. Como sabemos, muitos deles, especialmente os produzidos a partir do Modernismo, so elaborados em linguagem coloquial; sem nos esquecermos de que se encontra na cultura popular grande quantidade de textos capazes de proporcionar a fruio esttica. bem verdade que difcil conceituar o prazer esttico, at porque o conceito tem uma histria que remonta Antigidade. Aristteles, por exemplo, analisando a sensao de deleite ante a viso de um objeto belo (e, para ele, o belo advinha da imitao da natureza), reconhece no prazer esttico a dupla origem: uma proveniente dos sentidos (prazer diante da tcnica perfeita de imitao) e outra intelectual (prazer pelo reconhecimento da imagem original no imitado). Na sua Potica, agrega ainda o conceito de catarse ao prazer esttico: o prazer ante a tragdia pode derivar da identifi cao do receptor com o que se representa, deixando suas prprias paixes emergirem e entregando-se a uma descarga emocional prazerosa e salutar. Com o passar dos tempos, foram vrias as consideraes em torno do prazer advindo da fruio de uma obra de arte. Para citar um fi lsofo mais recente e polmico, lembremos Adorno, para quem a sensao de prazer diante de uma obra, na atualidade, j deporia contra seu carter verdadeiramente artstico, afirmando apenas sua palatabilidade, o que em ltima instncia quer dizer apropriada ao consumo.

Dada a difi culdade, mas tambm a necessidade de utilizarmos o termo, basta-nos afirmar que a fruio de um texto literrio diz respeito apropriao que dele faz o leitor, concomitante participao do mesmo leitor na construo dos significados desse mesmo texto. Quanto mais profundamente o receptor se apropriar do texto e a ele se entregar, mais rica ser a experincia esttica, isto , quanto mais letrado literariamente o leitor, mais crtico, autnomo e humanizado ser.

bem verdade que

difcil conceituar o

prazer esttico, at

porque o conceito

tem uma histria que

remonta Antigidade.

No s o conceito de fruio, mas tambm o modo de fruir um texto literrio, tal como aparece nos PCN+, merece ponderaes. Se consideramos que o texto literrio por excelncia polissmico, permitindo sempre mais de uma interpretao, e se admitimos que cada leitor reage diferentemente em face de um mesmo texto, pensamos que o passo inicial de uma leitura literria seja a leitura individual, silenciosa, concentrada e refl exiva.

Esse momento solitrio de contato quase corporal entre o leitor e a obra imprescindvel,

porque a sensibilidade a via mais efi caz de aproximao do texto. Mediante o isolamento e o silncio, a leitura individual proporciona ao aluno a experincia literria de um texto que pode atingir sua subjetividade de maneira inusitada e certamente diferente da maneira como atinge a subjetividade do colega. Como espao preferencial de manifestao das diferenas, a escola, da sala de aula ao recreio, pode proporcionar o espao-tempo da releitura da prpria leitura pelo confronto com a leitura alheia, pode potencializar o individual pelo coletivo e vice-versa nas conversas e debates da leitura de cada aluno ou aluna (CHIAPPINI, 2005, p. 1). Entendemos, pois, que a atividade coletiva da leitura literria d-se num segundo momento, sendo indispensvel passar pela leitura individual.

2 A FORMAO DO LEITOR: DO ENSINO FUNDAMENTAL AO ENSINO MDIO

Aplicado aos letramentos escolares, o conceito de literatura tomado em seu sentido restrito, conforme j afi rmamos neste texto. Ao se tratar das orientaes curriculares para o ensino da literatura, consideram-se, portanto, em primeiro plano, as criaes poticas, dramticas e fi ccionais da cultura letrada. Tal primazia visa a garantir a democratizao de uma esfera de produo cultural pouco ou menos acessvel aos leitores, sobretudo da escola pblica, fora do ambiente escolar. Responsabilidade da escola que, nos ltimos trinta anos, tem sido apontada com alguma relevncia nos estudos sobre o ensino da Literatura na educao bsica. Configurada como bem simblico de que se deve apropriar, a Literatura como contedo curricular ganha contornos distintos conforme o nvel de escolaridade dos leitores em formao. As diferenas decorrem de vrios fatores ligados no somente produo literria e circulao de livros que orientam os modos de apropriao dos leitores, mas tambm identidade do segmento da escolaridade construda historicamente e seus objetivos de formao.

... a Literatura como

contedo curricular

ganha contornos

distintos conforme o

nvel de escolaridade dos

leitores em formao.

Quando se focaliza a leitura literria dentro do ensino da Literatura no ensino mdio, evidencia-se a questo da passagem de um nvel de escolaridade a outro, muitas vezes no mencionada. O ensino da Literatura no ensino fundamental, e aqui nos interessa de perto o segundo segmento dessa etapa da escolaridade (da 5 8 srie), caracteriza-se por uma formao menos sistemtica e mais aberta do ponto de vista das escolhas, na qual se misturam livros que indistintamente denominamos literatura infanto-juvenil a outros que fazem parte da literatura dita cannica, legitimada pela tradio escolar, infl exo que, quando acontece, se d sobretudo nos ltimos anos desse segmento (7 ou 8 srie). Observando as escolhas dos jovens fora do ambiente escolar, podemos constatar

uma desordem prpria da construo do repertrio de leitura dos adolescentes.

Estudos recentes apontam as prticas de leitura dos jovens fundadas numa recusa dos cnones da literatura, tornando-se experincias livres de sistemas de valores ou de controles externos. Essas leituras, por se darem de forma desordenada e quase aleatria (PETRUCCI, 1999, p. 222), podem ser chamadas de escolhas anrquicas.

A ausncia de referncias sobre o campo da literatura e a pouca experincia de leitura no s de textos literrios como de textos que falem da Literatura3 fazem com que os leitores se deixem orientar, sobretudo, por seus desejos imediatos, que surgem com a velocidade de um olhar sobre um ttulo sugestivo ou sobre uma capa atraente. Encontram-se na base desses desejos outros produtos da vida social e cultural, numa confl uncia de discursos que se misturam. Sendo assim, a produo, a recepo e a circulao da Literatura por quaisquer que sejam os pblicos-leitores, crianas, jovens ou adultos, no mais podem ser estudadas como fenmenos isolados das outras produes culturais, pois, caso contrrio, corre-se o risco de apresentar uma viso distorcida das condies que possibilitam a apropriao desses bens.

Se fora da escola ocorrem as escolhas anrquicas (j que o jovem escolhe a partir de uma capa, do que se l entre seus amigos, do nmero de pginas, etc.), dentro dela o procedimento muito diferente: as escolhas na escola contam com aspectos sistemticos

que as orientam, mesmo em se tratando daqueles leitores mais vorazes.

A operao de fi ltragem inicia-se antes de os livros chegarem s escolas, por estarem elas inseridas em contextos socioculturais para os quais o mercado editorial

(aqui se incluem as formas de circulao e distribuio de livros) funciona diferentemente de acordo com as variaes scio-econmicas de cada comunidade de leitores.4 Identifi cam-se fi ltros seletivos que variam segundo o letramento literrio das comunidades, antes mesmo que os livros tomem seu lugar nas estantes. Geralmente esses livros so obras que j passaram pelo crivo de leitores experientes, como os das instncias crticas responsveis pela organizao dos catlogos das editoras, ou pelas premiaes, quando se tem acesso a seus resultados. Os percursos dos filtros passam tambm por estratgias das editoras no contato direto com os possveis mediadores, que se faz no exerccio dirio de seus divulgadores, em peregrinao pelas escolas da cidade. Ainda antes de chegarem aos leitores alunos, em algumas instituies, os livros passam pelo crivo mais apurado de bibliotecrios e professores, para, s depois de avaliados, serem repassados aos alunos. Portanto, quando se coloca a questo das escolhas e das preferncias dos jovens leitores na escola, no se pode omitir a infl uncia de instncias legitimadas e autorizadas, que, contando com seus leitores consultores para assuntos da adolescncia e da infncia, j defi niram o que deve ser bom para jovens e crianas, em sintonia com resultados de concursos, avaliaes de especialistas, divulgao na imprensa, entre outros setores que se integram ao movimento do circuito da leitura na sociedade. Tambm no se pode esquecer que algumas dessas instncias legtimas e autorizadas podem estar a servio de um rentvel mercado editorial. Enfim, todo esse aparato, para o bem e para o mal, colocado em funcionamento, sobretudo por se tratar de aplicao de recursos orientados para a compra de livros, responsvel pela composio de acervos de bibliotecas. evidente, ento, que se coloca no s o problema da Literatura, mas o da leitura, em prticas reais de letramento literrio, menos submetidas, como se sabe, a restries de valor do ponto de vista das instituies literria e escolar. Parte-se, assim, do princpio de que os jovens, no ensino fundamental, lem Literatura sua maneira e de acordo com as possibilidades que lhes so oferecidas. Portanto, embora haja uma relativa preocupao, sobretudo nas sries finais do ensino fundamental, de incluso do repertrio de obras consagradas e consideradas mais difceis, as prticas escolares de leitura literria tm mostrado que os alunos do ensino fundamental iniciam sua formao pela literatura infanto-juvenil, em propostas fi ccionais nas quais prevalecem modelos de ao e de aventuras. Os livros para jovens dessa vertente editorial representam, como se sabe, grande fatia do mercado brasileiro, movimentada sobretudo pelas demandas escolares.

Constata-se, de maneira geral, na passagem do ensino fundamental para o ensino mdio, um declnio da experincia de leitura de textos fi ccionais, seja de livros da Literatura infanto-juvenil, seja de alguns poucos autores representativos da Literatura brasileira selecionados, que aos poucos cede lugar histria da Literatura e seus estilos. Percebe-se que a Literatura assim focalizada o que se verifi ca sobretudo em grande parte dos manuais didticos do ensino mdio prescinde da experincia plena de leitura do texto literrio pelo leitor. No lugar dessa experincia esttica, ocorre a fragmentao de trechos de obras ou poemas isolados, considerados exemplares de determinados estilos, prtica que se revela um dos mais graves problemas ainda hoje recorrentes.

Concludo o ensino fundamental, supe-se que os alunos que ingressam no ensino mdio j estejam preparados para a leitura de textos mais complexos da cultura literria, que podero ser trabalhados lado a lado com outras modalidades com as quais esto mais familiarizados, como o hip-hop, as letras de msicas, os quadrinhos, o cordel, entre outras relacionadas ao contexto cultural menos ou mais urbano em que tais gneros se produzem na sociedade. As prticas escolares de leitura desses textos levam a crer que as modalidades mencionadas anteriormente no constituem de fato um problema na esfera da recepo, visto que h uma grande expectativa entre os alunos quanto sua leitura, corroborada pela ampla difuso na mdia e no contexto social circundante.

O problema quanto apropriao literria de tais produes culturais se localiza, na maioria das vezes, na aceitao irrestrita de tudo, sem que se discuta seu valor esttico.

necessrio apontar ainda que os impasses peculiares ao ensino mdio ligam-se mais significativamente aos textos que se encontram mais afastados no tempo e/ou que possuem uma construo de linguagem mais elaborada do ponto de vista formal, prprios da cultura letrada que se quer e se deve democratizar na escola. Esses impasses podem resumir-se a trs tendncias predominantes, que se confi rmam nas prticas escolares de leitura da Literatura como deslocamentos ou fuga do contato direto do leitor com o texto literrio:

a) substituio da Literatura difcil por uma Literatura considerada mais digervel;

b) simplifi cao da aprendizagem literria a um conjunto de informaes externas s obras e aos textos;

c) substituio dos textos originais por simulacros, tais como parfrases ou resumos (OSAKABE; FREDERICO, 2004, p. 62-63).

Esse quadro geral de deslocamentos s ser revertido se recuperar a dimenso formativa do leitor, em processo iniciado no ensino fundamental, que, no ensino mdio, se perde em objetivos pragmticos, formulados, sobretudo, nos manuais didticos, que, mais para o mal que para o bem, vm tradicionalmente cumprindo o papel de referncia curricular para esse nvel da escolaridade. Acreditamos que os manuais didticos podero, a mdio prazo, apoiar mais satisfatoriamente a formao do leitor da Literatura rumo sua autonomia.5 Se isso ocorrer, os livros didticos devero manifestar sua prpria insufi cincia como material propcio para a formao plena de leitores autnomos da Literatura, ao incluir, nas suas propostas didticas, a insubstituvel leitura de livros.

A lacuna no contato direto com a Literatura percebida no ensino mdio leva a consideraes sobre as escolhas, j que os trs anos da escolaridade e a carga horria da disciplina demandam uma seleo que permita uma formao o mais signifi cativa possvel para os alunos. O livro didtico, como lembramos anteriormente, pode constituir elemento de apoio para que se proceda ao processo de escolha das obras que sero lidas, mas de forma alguma poder ser o nico. Acreditamos que os

manuais didticos

podero, a mdio

prazo, apoiar mais

satisfatoriamente a

formao do leitor da

Literatura rumo sua

autonomia.

Os professores devem contar com outras estratgias orientadoras dos procedimentos, guiando-se, por exemplo, por sua prpria formao como leitor de obras de referncia das literaturas em lngua portuguesa, selecionando aquelas cuja leitura deseja partilhar com os alunos. Assim, pode-se recuperar, na sala de aula, aquela coerncia, de que fala Antonio Cndido (1995, p. 246), que se apresenta na construo literria potica, ficcional ou dramtica, em seus diversos gneros, responsvel pela ordenao do caos. A leitura integral da obra literria obra que se constri como superao do caos passaria, ento, a atingir o carter humanizador que antes os deslocamentos que a evitavam no permitiam atingir. Colocada a necessidade, fica-nos uma questo de natureza complexa, pois pressupe ordenao e valores: que livros escolher?

3 A LEITURA LITERRIA

Fechado, um livro literal e geometricamente um volume, uma coisa entre outras.

Quando o livro aberto e se encontra com seu leitor, ento ocorre o fato esttico.

Deve-se acrescentar que um mesmo livro muda em relao a um mesmo

leitor, j que mudamos tanto. (BORGES, 1987).

3.1 A importncia do leitor

O leitor vem sendo analisado e conceituado no s por meio das chamadas teorias da recepo, como tambm por outras linhas crticas da atualidade, para as quais no apenas autor e texto, mas esse terceiro elemento, formam juntos o campo de estudo da crtica, da teoria e da histria da Literatura. O leitor e a leitura tornam-se, hoje, objetos de refl exo terica, at mesmo no interior do prprio texto literrio.6 O plo da leitura, fl uido e varivel, confi gura-se como espao potencial indispensvel no processo de compreenso da criao artstica de qualquer natureza, quer essa se manifeste como texto verbal ou no. Por meio da leitura d-se a concretizao de sentidos mltiplos, originados em diferentes lugares e tempos. Hoje a noo de texto se amplia: o que antes era considerado fi xo e dado tornou- se espao de dimenses mltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma original (BARTHES, 1988, p. 68-69). Embora no tenha explicitamente tratado da recepo ou dos efeitos da obra de arte sobre o leitor, Bakhtin, ao desenvolver o conceito de polifonia, chamando a ateno para a dimenso dialgica do texto, apontou para sua pluralidade discursiva, que ultrapassa os limites da estrutura interna da obra, estendendo-se leitura. A palavra plural, disseminadora de sentidos, requer uma leitura tambm ela mltipla,7 no mais regulada pela busca do signifi cado nico ou pela verdade interpretativa, mas atenta s relaes e s diferentes vozes que se cruzam nos textos literrios.8

Nas discusses sobre o carter plural da leitura, uma pergunta deve ser feita: a leitura do texto literrio possibilita a irrefrevel disseminao de sentidos, tantos quantos forem os leitores que o fertilizem com seu olhar? Umberto Eco, em seu famoso livro Obra aberta, coloca defi nitivamente em cena a relao fruitiva dos receptores quando ainda eram as obras estudadas como um cristal, como estruturas fechadas em suas relaes internas. Eco, motivado pela polmica gerada pelo seu conceito de obra aberta, questiona: [...] possvel fazer to decididamente a abstrao de nossa situao de intrpretes, situados historicamente, para ver a obra como um cristal? (ECO, 1969, p. 29). Questo fundamental para que hoje possamos perceber quem eram os interlocutores de Umberto Eco quando o terico se viu impelido a reformular conceitos que dessem conta de acompanhar as novas formas de arte dele contemporneas, tendo como eixo a relao obraleitor.

Vinte anos depois de escrito o primeiro ensaio que resultaria em Obra aberta (1969), Umberto Eco, em Lector in fabula (1986), dialoga com seu livro que primeiro colocou a questo da abertura da obra de arte, tentando mostrar como a solicitao da cooperao do leitor j era estratgia do texto colocada pelo autor. Posteriormente, em Interpretao e superinterpretao (1993), o autor retoma mais uma vez, na tentativa de desfazer equvocos, seu conceito de obra aberta:

Em 1962, escrevi minha Opera aperta. Nesse livro eu defendia o papel ativo do intrprete na leitura de textos dotados de valor esttico. Quando aquelas pginas foram escritas, meus leitores focalizaram principalmente o lado aberto de toda a questo, subestimando o fato de que a leitura aberta que eu defendia era uma atividade provocada por uma obra (e visando sua interpretao). Em outras palavras, eu estava estudando a dialtica entre os direitos dos textos e os direitos de seus intrpretes. Tenho a impresso de que, no decorrer das ltimas dcadas, os direitos dos intrpretes foram exagerados. (ECO, 1993, p. 27).

O ensasta italiano deixa clara sua necessidade de reforar a relatividade da abertura da obra, discordando de uma aceitao ilimitada de toda e qualquer leitura. J nesse momento de sua produo, os interlocutores que tem em mira e aos quais enderea suas ressalvas no so mais aqueles que tinham a obra como um cristal, mas aqueles que, ligados a correntes do pensamento crtico contemporneo, pregam a proliferao ilimitada de leituras que a obra pode suscitar. Em texto mais recente, Umberto Eco fala de um exerccio de fi delidade e respeito na liberdade de interpretao:

A leitura das obras literrias nos obriga a um exerccio de fi delidade e de respeito na liberdade de interpretao. H uma perigosa heresia crtica, tpica de nossos dias, para a qual de uma obra literria pode-se fazer o que se queira, nelas lendo aquilo que nossos mais incontrolveis impulsos nos sugerirem. No verdade. As obras literrias nos convidam liberdade da interpretao, pois propem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambigidades e da linguagem da vida. Mas para poder seguir neste jogo, no qual cada gerao l as obras literrias de modo diverso, preciso ser movido por um profundo respeito para com aquela que eu, alhures, chamei de inteno do texto. (ECO, 2003, p. 12).

Na trajetria de Eco podemos acompanhar o movimento da prpria teoria literria: da nfase na obra nfase no leitor, para logo mais relativizar ambas.

3.2 Que leitores somos

A leitura do texto literrio , pois, um acontecimento que provoca reaes, estmulos, experincias mltiplas e variadas, dependendo da histria de cada indivduo. No s a leitura resulta em interaes diferentes para cada um, como cada um poder interagir de modo diferente com a obra em outro momento de leitura do mesmo texto. Isso fica muito evidente quando assistimos a um filme ou a uma pea de teatro, por exemplo, pois assim que samos da sala em geral perguntamos ao acompanhante: E a, gostou?. comumtermos opinies de imediato diferentes, ou termos nos detido em aspectos s vezes ignorados pelo outro. da troca de impresses, de comentrios partilhados, que vamos descobrindo muitos outros elementos da obra; s vezes, nesse dilogo mudamos de opinio, descobrimos uma outra dimenso que no havia fi cado visvel num primeiro momento. No cinema ou no teatro, esse dialogismo, essa polifonia que captamos na obra, so mais imediatamente observados pelos espectadores, pois esses gneros implicam uma recepo coletiva, h uma platia que num mesmo momento assiste a uma mesma obra. Por outro lado, a arte verbal pede hoje um outro tipo de leitura, individual, silenciosa (ela j foi coletiva em outros tempos e feita em voz alta), exigindo no mais das vezes uma disponibilidade maior de tempo. Tambm no comum estarmos, dois ou trs amigos ou conhecidos, lendo o mesmo livro no mesmo momento (a no ser que se trate desses best-sellers que provocam uma febre coletiva de leitura). Entretanto, quando possvel compartilhar impresses sobre o texto lido (a escola tambm poderia propiciar essas oportunidades), agimos do mesmo modo como quando acabamos de assistir a um fi lme: evidenciamos a particularidade de nossas leituras com apreciaes individualizadas sobre personagens, narradores, enredo, valores, etc., emitimos o nosso ponto de vista, nossas

impresses sobre vrios aspectos da leitura todas elas legtimas, portanto. claro que podemos generalizar essas observaes recepo de qualquer outro tipo de manifestao artstica. Nossa fruio de uma obra de arte sempre nica e no se repete. Seremos outros num outro momento, e com certeza nossa leitura tambm ser diferente: tudo flui. Fatores lingsticos, culturais, ideolgicos, por exemplo, contribuem para modular a relao do leitor com o texto, num arco extenso que pode ir desde a rejeio ou incompreenso mais absoluta at a adeso incondicional. Tambm conta a familiaridade que o leitor tem com o gnero literrio, que igualmente pode regular o grau de exigncia e de ingenuidade, de afastamento ou aproximao. Umberto Eco identifi ca dois tipos bsicos de leitores. O primeiro a vtima, designada pelas prprias estratgias enunciativas, o segundo o leitor crtico, que ri do modo pelo qual foi levado a ser vtima designada(ECO, 1989, p. 101). Quer dizer, leitor vtima em princpio seria aquele mais interessado em o que o texto conta, uma vtima do enunciado, e o leitor crtico em como o texto narra, tambm interessado no modo de enunciao. Entretanto, podemos ser simultaneamente tanto um tipo quanto o outro, e ainda muitos outros dentro do arco, dependendo das situaes e das fi nalidades da leitura. s vezes queremos mesmo um tipo de obra que nos faa esquecer as mazelas do dia-a-dia, e para isso recorremos a leituras mais leves, a um policial ou a um livro de suspense, gneros mais propensos a capturar o leitor, que os percorre avidamente at o final para descobrir o culpado, sem se preocupar muito ainda que as possa perceber com as inconsistncias da narrativa e todos os seus problemas de construo. Assim como, mesmo apreciando fi lmes de arte, pode-se fi car preso ao folhetim televisivo ou perder o sono com os enlatados da madrugada. Ou seja, mesmo sendo leitor crtico e conhecendo as artimanhas da arte de narrar, no quer dizer que se desfrute apenas da alta literatura em inmeras situaes cotidianas e psquicas recorremos a nveis diversos de fruio.

No obstante a multiplicidade e os diferentes nveis de leitura, um leitor crtico pode ser, pois, tambm um leitor vtima. Entretanto, pode um leitor predominantemente vtima ser um leitor crtico? Sobretudo, poder ele ser um leitor de obras mais complexas e mais elaboradas esteticamente? Como leitores crticos, adquirimos a enorme liberdade de percorrer um arco maior de leituras, o que faz toda a diferena. Qual o perigo de sermos apenas leitores vtimas? O perigo consumirmos obras que busquem agradar a um maior nmero de leitores, oferecer ao leitor uma gama j consumida de elementos, aquela literatura voltada para o consumo de que falamos, desprovida de potencial de refl exo, que apenas confirma o que j sabemos, e que por isso nos entretm, sacia nossa necessidade mais imediata de fantasia.

3.3 Formao do leitor crtico na escola

E na escola? Que leitor formar? Evidentemente, qualquer pessoa comprometida com a educao logo pensar que compete escola formar leitores crticos, e esse tem sido, efetivamente, o objetivo perseguido nas prticas escolares, amparadas pelos discursos dos tericos da linguagem e pelos documentos ofi ciais nas ltimas dcadas. Formar para o gosto literrio, conhecer a tradio literria local e oferecer instrumentos para uma penetrao mais aguda nas obras tradicionalmente objetivos da escola em relao literatura decerto supem percorrer o arco que vai do leitor vtima ao leitor crtico. Tais objetivos so, portanto, inteiramente pertinentes e inquestionveis, mas questionados devem ser os mtodos que tm sido utilizados para esses fins.

Veja-se que a tarefa bastante difcil, uma vez que a fico juvenil, que tem sido quase hegemnica no ensino fundamental, ou os best-sellers no so suficientes para lanar o jovem no mbito mais complexo da leitura literria, pois nesses casos a experincia ainda se mantm restrita a obras consagradas pela mdia e tambm quelas que oferecem um padro lingstico prximo da linguagem cotidiana. O desafi o ser levar o jovem leitura de obras diferentes desse padro sejam obras da tradio literria, sejam obras recentes, que tenham sido legitimadas como obras de reconhecido valor esttico capazes de propiciar uma fruio mais apurada, mediante a qual ter acesso a uma outra forma de conhecimento de si e do mundo. E bom lembrar que nem sempre a leitura literria, como experincia esttica, fl ui de modo espontneo. H pontos de resistncia no aluno-leitor (seu repertrio, os lugares-comuns em que se assenta sua experincia de leitor), como h tenses de difcil desvendamento em certos textos, especialmente o potico. A prtica escolar em relao leitura literria tem sido a de desconsiderar a leitura propriamente e privilegiar atividades de metaleitura, ou seja, a de estudo do texto (ainda que sua leitura no tenha ocorrido), aspectos da histria literria, caractersticas de estilo, etc., deixando em segundo plano a leitura do texto literrio, substituindo-o por simulacros,9 como j foi dito, ou simplesmente ignorando-o.

Atividades de metaleitura so necessrias na escola, mas devem ser vistas com muito cuidado, ou melhor, devem responder aos objetivos previstos no trabalho escolar para qu? a pergunta a ser sempre feita. Em geral, os professores pensam com elas motivar

o aluno leitura. Mas sero de fato adequadas para alcanar tal objetivo? Ao fim e ao cabo, tais atividades no consistem em fazer com que os jovens leiam, mas em faz-los refl etir sobre os diversos aspectos da escrita: organizao da lngua, histria literria dos textos, estrutura dos textos literrios, etc. Todavia, quando os jovens no so ainda leitores (na nossa escola, essa a situao da maior parte dos alunos), difcil faz-los se interessarem por atividades de metaleitura, alm do que, se no leram os textos, o trabalho apresenta-se inteiramente intil, resultando em desinteresse no s pelas atividades como pela prpria leitura do texto, a qual lhes parecer apenas um pretexto para realizar exerccios enfadonhos. Parece, portanto, necessrio motiv-los leitura desses livros com atividades que tenham para os jovens uma fi nalidade imediata e no necessariamente escolar (por exemplo, que o aluno se reconhea como leitor, ou que veja nisso prazer que encontre espao para compartilhar suas impresses de leitura com os colegas e com os professores) e que tornem necessrias as prticas da leitura. Tais atividades evitariam que o jovem lesse unicamente porque a escola pede o que com

freqncia visto como uma obrigao. Ele ler ento porque se sentir motivado a fazer algo que deseja e, ao mesmo tempo, comear a construir um saber sobre o prprio gnero, a levantar hipteses de leitura, a perceber a repetio e as limitaes do que l, os valores, as diferentes estratgias narrativas. Os escritores pressupem que seus leitores conhecem os gneros e jogam com esse conhecimento. Os mundos de fi co que nos propem so moldados em formas que (re)conhecemos facilmente: personagens, situaes, cenrios, intrigas, modos de dizer, recursos, truques. Todo esse arsenal proporcionado pelos gneros utilizado para criar ou frustrar expectativas, para satisfazer e pacifi car o leitor ou para surpreend-lo e despert-lo de velhos encantamentos, propondo-lhe outros. Por isso mesmo, a familiaridade com os gneros permite ao leitor apreciar a habilidade de um escritor, seu gnio composicional, as caractersticas e o rendimento particular de seu estilo. Sem isso, difi cilmente se produz um verdadeiro encontro entre autor e leitor; difi cilmente se estabelece um convvio amoroso. (RANGEL, 2003, p. 141-142).

Ora, trata-se, de incio, de conquistar esse leitor vtima, que se deixar ento capturar pela leitura, enredando-se na trama (no mais das vezes, no muito complexa) da histria e criando uma familiaridade com os diferentes enredos, pois, como diz Wanderley Geraldi, no h leitura qualitativa no leitor de um livro s (1985, p. 87).

As escolhas anrquicas dos adolescentes fora da escola, alm de permitir essa formao do gosto, levam a um conhecimento dos gneros literrios que deve ser considerado como base para a didtica da literatura na escola e pode contribuir para o planejamento de atividades de reorientao de leitura, uma vez que a escola no uma mera extenso da vida pblica, mas tem uma especificidade. Entretanto, parece que a escola tem sistematicamente desconsiderado essas prticas sociais de leitura, produzindo-se nela um fenmeno que contraria seus objetivos mais caros, isto , obriga ao afastamento e rejeio do aluno em relao ao texto literrio, um veto fruio na leitura e formao do gosto literrio, quando no tm representado, pura e simplesmente, um desservio formao do leitor... (GERALDI, 1985, p.138).

Se o objetivo , pois, motivar para a leitura literria e criar um saber sobre a literatura, preciso considerar a natureza dos textos e propor atividades que no sejam arbitrrias a essa mesma natureza. Grande parte da fi co juvenil nacional e contempornea, por exemplo, no literatura no sentido mais restrito que estamos utilizando aqui. A vertente predominante dessa fi co, que associa amor e suspense, est em geral vincada num espao e num tempo histricos muito prximos ao aluno, ou seja, o tempo do enunciado, o tempo da enunciao e o tempo da leitura so praticamente os mesmos, assim como em torno do espao escolar que normalmente se desenrolam as tramas. Respondem a interesses imediatos, pedem um consumo rpido e intenso. O ritmo de produo e de leitura o da produo em massa, to rpido e intenso quanto descartvel: descobre-se o

culpado e encerra-se a questo.

4 POSSIBILIDADES DE MEDIAO

4.1 O professor e a seleo dos textos

O estatuto do leitor e da leitura, no mbito dos estudos literrios, leva-nos a dimensionar o papel do professor no s como leitor, mas como mediador, no contexto das prticas escolares de leitura literria. A condio de leitor direciona, em larga medida, no ensino da Literatura, o papel dos mediadores para o funcionamento de estratgias de apoio leitura da Literatura, uma vez que o professor opera escolhas de narrativas, poesias, textos para teatro, entre outros de diferentes linguagens que dialogam com o texto literrio. Essas escolhas ligam-se no s s preferncias pessoais, mas a exigncias curriculares dos projetos pedaggicos da escola.

H nessa dupla perspectiva aspectos que devem ser considerados: o dos tempos escolares, que levam necessidade de organizao sistemtica (o que supe um projeto pedaggico para os trs anos do ensino mdio); o dos gneros (noo tambm ela tributria a Bakhtin, como condio bsica de insero dos sujeitos no mundo letrado) e dos autores que sero lidos pelos alunos (organizao imprescindvel para que se garanta uma seqncia lgica, no necessariamente cronolgica) com uma margem para outras leituras no previstas e, por que no, anrquicas.

No Brasil, como se sabe, o processo de legitimao do que se deve e do que no se deve ler tem se realizado principalmente por meio de livros didticos, pela via fragmentada dos estilos de poca, os quais historicamente vm reproduzindo no s autores e textos caractersticos dos diferentes momentos da histria da Literatura brasileira e portuguesa, como os modos de ler a seleo. Reproduzem-se, assim, formas de apropriao da Literatura que no pressupem uma efetiva circulao e recepo de livros no ambiente escolar, como vimos anteriormente, prevalecendo um modelo artifi cial tanto pelos aspectos de integridade textual quanto pela materialidade do suporte de leitura do texto literrio. Tal modelo anula, em grande parte, a prpria natureza da leitura, segundo a qual ela no somente uma operao abstrata de inteleco; ela engajamento do corpo, inscrio num espao, relao consigo e com os outros, e a materialidade, segundo a qual o texto dado ao leitor, que contribui largamente para modelar as expectativas do leitor, alm de convidar participao de outros pblicos e incitar novos usos (CHARTIER, 1994, p.16).

Quando se prope uma seleo de leitura integral de obras distribudas nos trs anos do ensino mdio, devem-se considerar alguns fatores que esto na base dos critrios de escolha. O primeiro deles o uso ou no de livro didtico na escola, o que pode direcionar o projeto pedaggico que se discute. Se a escola adota um livro didtico, os critrios devem considerar o modo de organizao do livro, o que no signifi ca que se deva ficar limitado a ele. Torna-se necessrio, caso se adote ou no o livro didtico, o trabalho em equipe, pois a seleo deve ser feita em comum acordo entre os professores.

Temos a seguir algumas perguntas que podem orientar o processo de seleo das leituras integrais para os trs anos, em sintonia com outros projetos de ampliao de tempos e espaos escolares:

Quais so as obras e os autores que devem fazer parte do acervo bsico, aqui entendido como livros que sero lidos integralmente durante os trs anos do ensino mdio? (seleo que pode ser reavaliada periodicamente talvez de trs em trs anos , desde que no comprometa o fl uxo proposto inicialmente aos alunos).

Que projetos desenvolver com vistas a possibilitar que os alunos leiam outros livros alm das indicaes do acervo bsico? (nessa vertente de discusses, inclui-se a possibilidade de realizao de projetos interdisciplinares, que levem refl exo sobre os gneros literrios e outros gneros, sobre a linguagem literria e as outras linguagens, entre outras relaes possveis).

Pensamos que se deve privilegiar como contedo de base no ensino mdio a Literatura brasileira, porm no s com obras da tradio literria, mas incluindo outras, contemporneas signifi cativas. Nada impede, e desejvel, que obras de outras nacionalidades, se isso responder s necessidades do currculo de sua escola, sejam tambm selecionadas. Tambm desejvel adotar uma perspectiva multicultural, em que a Literatura obtenha a parceria de outras reas, sobretudo artes plsticas e cinema, no de um modo simplista, diluindo as fronteiras entre elas e substituindo uma coisa por outra, mas mantendo as especifi cidades e o modo de ser de cada uma delas, pois s assim, no pejorativamente escolarizados, sero capazes de oferecer fruio e conhecimento, binmio inseparvel da arte.

Pensamos que se

deve privilegiar como

contedo de base

no ensino mdio a

Literatura brasileira,

porm no s com obras

da tradio literria,

mas incluindo outras,

contemporneas

significativas.

Cabe aqui um parntese relativamente leitura da poesia. Sabe-se que ela tem sido sistematicamente relegada a um plano secundrio. Muito j se falou sobre a difi culdade de lidar com o abstrato, com o inacabado, com a ambigidade, caractersticas intrnsecas do discurso potico, que tem tornado a leitura de poemas rarefeita nas mediaes escolares com sua tradicional perspectiva centrada na resposta unvoca exemplar e na inequvoca inteno autoral. Se isso verdade, tambm verdade que sua simples presena nos manuais e nas atividades didticas no garante o hbito de leitura desse gnero. Mesmo aquelas geraes que foram obrigadas a saber de cor os poemas dos manuais no foram alm disso, isto , terminados os estudos, limitaram-se aos poemas

escolares, carregando-os na memria como uma espcie de antologia cristalizada pelo resto da vida. Parece que, infelizmente, a leitura de poemas fora da vida escolar coisa para poucos. Onde estaria, ento, o erro na formao escolar dos leitores para a poesia? Pensamos que a no explorao das potencialidades da linguagem potica, que fazem do

leitor um co-autor no desvendamento dos sentidos, presentes no equilbrio entre idias, imagens e musicalidade, que impede a percepo da experincia potica na leitura produtiva. A explorao dos efeitos de sentido produzidos pelos recursos fonolgicos, sintticos, semnticos, na leitura e na releitura de poemas poder abrir aos leitores caminhos para novas investidas poticas, para muito alm desse universo limitado temporal e espacialmente de formao. O ensino mdio constituiria, ento, uma etapa da escolaridade em que se olharia para a arquitetura do poema nas suas diferentes dimenses. As antologias pessoais dos leitores ganhariam, assim, uma dinmica que de fato pudesse assegurar a prtica da leitura de poemas quando j no mais circunscrita a atividades pontuais na comunidade escolar. importante, para isso, ampliar na escola o circuito de poemas e poetas, quem sabe buscando novas formas de circulao social de poemas, como jornais, revistas (impressos e digitais), e mesmo em outros meios audiovisuais, que, em dobradinha com livros de poemas, permitiriam ver e entender a

poesia como uma prtica social integrada vida cotidiana.

Alm de mediador de

leitura, portanto leitor

especializado, tambm

se requer do professor

um conhecimento mais

especializado, no mbito

da teoria literria.

Ainda relativamente seleo dos textos, importante lembrar que o cnone no em si negativo: signifi ca que uma obra, na sua trajetria, de quando surgiu at o momento contemporneo de leitura, foi reiteradamente legitimada como elemento expressivo da sua poca. O cnone no esttico, ele incorpora ou exclui obras em decorrncia de algumas variveis, sendo talvez a mais importante aquela dos estudos crticos, em especial os estudos acadmicos. Ele importante para formar uma tradio segundo a viso de determinado momento histrico (em perspectiva). Por isso, embora nada se possa considerar defi nitivo em matria de excelncia esttica, difi cilmente se poder considerar como gratuito o efeito de permanncia de obras que mantm, mesmo com o passar dos sculos, o vigor do momento de seu aparecimento. (OSAKABE; FREDERICO, 2004, p. 78).

Contudo, se na universidade as diferentes pesquisas so veiculadas, movimentam e reorganizam o repertrio de obras signifi cativas, na escola o cnone em geral mantm-se, equivocadamente, esttico, uma vez que em grande parte os contedos da disciplina so gerados pelos livros didticos (os quais at agora se mantiveram fiis a essa concepo cristalizada de histria literria).

Nesse sentido, alm dos esforos para mudar as orientaes tericas e metodolgicas da Literatura no livro didtico, chama-se a ateno para a necessidade de formao literria dos professores de Portugus, sobretudo no mbito da proximidade com a pesquisa e, conseqentemente, do vnculo com a universidade, em percurso de mo dupla, j que essa no pode jamais esquecer seu compromisso com a educao bsica. Alm de mediador de leitura, portanto leitor especializado, tambm se requer do professor um conhecimento mais especializado, no mbito da teoria literria.

H, contudo, um assunto no debatido aqui e que certamente paira quando pensamos em seleo de textos literrios: o vestibular. No h por que o vestibular ser visto como um problema incontornvel para o currculo do ensino mdio.

verdade que quando h listas de obra estas acrescentam um peso maior aos alunos j sufocados pela quantidade de contedo.10 Entretanto, preciso primeiro aliviar como se disse o programa ofi cial extenso da disciplina, retirando dele o que no for essencial, e segundo, ter claro que o aluno deve se preparar ao longo da escolaridade para, ao fi nal do ensino mdio, ter se tornado autnomo em relao leitura de obras mais complexas. O professor no pode submeter seu programa ao programa do vestibular: ele deve oferecer ao aluno condies satisfatrias de aprendizagem para que possa sair-se bem em provas que exijam um conhecimento compatvel ao que foi ensinado.

4.2 O professor e o tempo

Os professores, pressionados por programas panormicos, sentem-se obrigados a cobrir toda a linha do tempo (assim como se sentem pressionados a cobrir todos os pontos de gramtica), fazendo uso da histria da Literatura, ainda que isso no sirva para nada: aulas chatas, alunos e professores desmotivados, aprendizagem que no corresponde ao que em princpio foi ensinado.

Podem-se destacar alguns pontos positivos e simultaneamente negativos da adoo da histria da Literatura no ensino tal qual se tem cristalizado: 1. Resolve o problema da seleo de obras, pois constitui um corpus defi nido e nacionalmente institudo, mas elimina as peculiaridades regionais; 2. resolve o problema da falta de preparao e de conhecimento literrio que possa existir entre os professores, j que esses lidam com a reproduo de uma crtica institucionalizada, porm esse procedimento impede o professor de ser ele prprio um leitor crtico e estabelecer suas prprias hipteses de leitura para abraar as investidas mais livres de seus alunos na leitura; 3. permite cobrir um tempo extenso, numa linha que vai do sculo XII ao sculo XXI, destacando momentos reconhecidos da tradio literria, porm tal extenso torna-se matria para simplesmente decorar, e caractersticas barrocas, romnticas, naturalistas, etc. confundem-se freneticamente, sem nada ensinar; 4. permite tomar conhecimento de um grande nmero de ttulos e autores, mas, em virtude da quantidade e variedade, a leitura do livro inviabilizada e entendida como secundria; e 5. permite ao aluno o reconhecimento de caractersticas comuns a um grande nmero de obras, porm obriga a

obra a se ajustar s peculiaridades da crtica e no o contrrio.

Quando propomos a centralidade da obra literria, no estamos descartando a importncia do contexto histrico-social e cultural em que ela foi produzida, ou as particularidades de quem a produziu (at porque tudo isso faz parte da prpria tessitura da linguagem), mas apenas tomando para o ensino da Literatura o caminho inverso: o estudo das condies de produo estaria subordinado apreenso do discurso literrio. Estamos, assim, privilegiando o contato direto com a obra, a experincia literria, e considerando a histria da Literatura uma espcie de aprofundamento do estudo literrio, devendo, pois, fi car reservado para a ltima etapa do ensino mdio ou para os que pretendem continuar os estudos especializados.11

Conhecer a tradio literria, sim, mas decorar estilos de poca, no. Autores de um mesmo perodo histrico escrevem dentro da conveno da poca, mas muitos os melhores, talvez se livram dela (muitas vezes uma camisade- fora), escrevendo obras inteiramente transgressivas (o romantismo rico em exemplos dessa natureza), e mesmo autopardicas. Ora, a histria literria que chega escola ignora as transgresses, ou ento lida com elas como se fossem excees: tanto a conveno quanto a transgresso so aspectos da produo da poca, e no h por que excluir inteiramente uma delas, nem por que obrigar as obras literrias a se ajustarem s caractersticas temticas e formais que determinada histria literria perpetrou. Tampouco se pode adotar um cnone assptico do ponto de vista moral (sabemos que determinadas obras so excludas do repertrio escolar em virtude de sua moral contrria a valores de determinado grupo, da escola, da famlia...), buscando responder exigncia de uma certa viso pedaggica oficial. Antonio Cndido, em texto de 1972, afirma:

Dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua com toda a sua gama, artifi cial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta. E a sociedade no pode seno escolher o que em cada momento lhe parece adaptado aos seus fi ns, enfrentando ainda assim os mais curiosos paradoxos pois mesmo as obras consideradas indispensveis para a formao do moo trazem freqentemente o que as convenes desejariam banir. Alis, essa espcie de inevitvel contrabando um dos meios por que o jovem entra em contato com realidades que se tenciona escamotear-lhe. (CNDIDO, 1972, p. 805).12

... privilegiando o contato

direto com a obra, a

experincia literria, e

considerando a histria

da Literatura uma espcie

de aprofundamento do

estudo literrio ...

urgente que o professor, ele prprio, se abra para as potencialidades da literatura e faa um esforo para se livrar dos preconceitos didticos que o obrigam a cobrir um contedo mensurvel e visvel, como so as escolas literrias, em prejuzo de um contedo menos escolarizado e mais oculto, que a leitura vagarosa da Literatura, pensando-se sobretudo no romance, talvez o gnero mais popular dentre os literrios.

No caso da Literatura, o tempo crucial. A leitura de um romance, por exemplo, requer planejamento do professor para orientar a leitura e tempo para o aluno ler o livro. Trazer para a sala trechos da obra (a partir dos quais seja possvel recuperar aspectos signifi cativos da obra que est sendo lida) e a esses dedicar uma ou mais aulas no perder tempo, pelo contrrio, imprimir escola um outro ritmo, diferente daquele da cultura de massa, frentico e efmero, opondo a este o ritmo mais lento do devaneio e da reflexo.13

Textos curtos, com densidade potica, so instrumentos poderosos para sensibilizar

o aluno, ainda que muitos professores observem a resistncia, sobretudo do jovem do sexo masculino, fruio do poema, considerado por este coisa de mulher. No entanto, todo professor observa tambm o prazer na leitura em voz alta, na entonao, na concretude da voz (o prazer do signifi cante, diz Barthes, em O prazer do texto). Oferecer ao aluno a oportunidade de descobrir o sentido por meio da apreenso de diferentes nveis e camadas do poema (lexical, sonoro, sinttico), em diversas e diferentes leituras do mesmo poema, requer dedicao de tempo a essa atividade e percepo de uma outra lgica analticointerpretativa que no aquela de um academicismo estereotipado, que acredita que ensinar poesia ensinar as tcnicas de contar slabas e classifi car versos e rimas.14 Contos e crnicas tambm devem ser cuidadosamente selecionados para se no desperdiar o tempo precioso a eles dedicado em sala de aula. Por serem mais curtos que novelas e romances, devem motivar o leitor pelo modo como apresentam o assunto, exigindo, como o poema, um aprofundamento que leve o leitor percepo de suas camadas composicionais. So gneros propcios a uma sensibilizao inicial do aluno.

A escola no precisa cobrir todos os estilos literrios. O professor pode, por exemplo, recortar na histria autores e obras que ou responderam com mestria conveno ou estabeleceram rupturas; ambas podem oferecer um conhecimento das mentalidades e das questes da poca, assim como propiciar prazer esttico. A partir desse recorte, ele pode planejar atividades de estudo das obras que devem ser conduzidas segundo os seus recursos crtico-tericos, amparado pelo instrumental que acumulou ao longo de sua formao e tambm pelas leituras que segue fazendo a ttulo de formao contnua.

Poemas, contos, crnicas, dramas, so gneros que, assim como os romances, tm suas prprias exigncias de fruio e estudo. Por exemplo, analisar aspectos tcnicos dos poemas sem antes l-los mais de uma vez, silenciosamente, em voz alta, sem antes sentir com o corpo sua fora sugestiva, sem antes coment-los, perceber e entender as imagens, as relaes entre som e sentido, entre os elementos da superfcie textual, obrigar a um afastamento deletrio dessa arte. Pelo exposto, evidencia-se um problema de currculo: se quisermos que o aluno leia e considerarmos que esse o meio mais efi ciente para ele conseguir o saber que a escola almeja, ento preciso mudar o currculo, retirar dele o que excessivo e no essencial. Torn-lo realmente signifi cativo para alunos e professores.

4.3 O leitor e o espao

[...] no microcosmo da sala de aula [...] talvez no sejamos ns, professores, o melhor informante para nossos alunos. Rodzios de livros entre alunos, bibliotecas de sala de aula, biblioteca escolar, freqncia a bibliotecas pblicas so algumas das formas para iniciar este circuito. (GERALDI, 1985, p. 87).

Como possibilitar que a escola se transforme em espao propcio para trocas literrias, transformando-a numa efetiva comunidade de leitores? (Entendemos que, na perspectiva dos letramentos, essa discusso se vincula a outras de carter mais conteudstico e no pode fi car de fora. Incluem-se aqui tanto a existncia de espaos de leitura quanto a necessidade de composio de acervos que permitem o acesso contnuo a publicaes, inserindo a comunidade no contexto mais abrangente do mercado editorial, colocando-a em contato, inclusive, com lanamentos). Na perspectiva do letramento, que implica o enfoque sobre a insero nas prticas sociais de leitura e escrita (SOARES,1998, p. 83), o letramento literrio permite compreender os signifi cados da escrita e da leitura literria para aqueles que a utilizam e dela se apropriam nos contextos sociais, o que aponta para outro aspecto que se deve destacar aqui: o dos espaos de leitura na escola. O projeto pedaggico com vistas formao do leitor da Literatura deve incluir a estruturao de um sistema de trocas contnuo, sustentado por uma biblioteca com bom acervo e por outros ambientes de leitura e circulao de livros. A ampliao dos espaos escolares

de leitura resultar, com certeza, na ampliao dos tempos, diga-se de passagem, exguos de aulas de Literatura, alm de possibilitar trocas menos artificiais, j que colaboram para a criao de uma comunidade de leitores to importante para a permanncia da literatura, sobretudo em contextos sociais que no dispem de uma biblioteca pblica e/ou livraria.

Textos curtos, com

densidade potica, so

instrumentos poderosos

para sensibilizar o

aluno, ainda que muitos

professores observem a

resistncia ...

Como sabemos, para muitas comunidades de leitores, as prticas da leitura se efetivam quase exclusivamente na escola, podendo, a partir dela, projetarem-se para o universo familiar dos alunos e propiciar, assim, as experincias esttica e tica de que fala Benedito Nunes quando lemos o texto literrio:

[...] da adeso a esse mundo de papel, quando retornamos ao real, nossa experincia, ampliada e renovada pela experincia da obra, luz do que nos revelou, possibilita redescobri-lo, sentindo-o e pensando-o de maneira diferente e nova. A iluso, a mentira, o fi ngimento da fi co aclara o real ao desligar-se dele, transfi gurando-o; e aclara-o j pelo insight que em ns provocou. (NUNES,1996, p. 3).

importante tambm criar um ambiente propcio leitura na escola, com espaos e atividades estimulantes.

... o letramento literrio

permite compreender os

signifi cados da escrita e

da leitura literria para

aqueles que a utilizam ...

As bibliotecas escolares tm papel fundamental no sucesso desse trabalho de iniciao literria e de formao do gosto. preciso que existam, que tenham acervos significativos, que estejam disponveis para todos, que o acesso ao livro seja direto, que as tcnicas biblioteconmicas de catalogao e armazenagem dos livros sejam adequadas a leitores em formao e sejam a eles explicadas, quando necessrio. Mais importante que tudo, talvez, que a escola crie, como parte de suas atividades regulares, demandas autnticas de leitura, capazes de fazer da biblioteca um lugar de freqncia praticamente cotidiana. (RANGEL, 2003, p. 143).

O acesso livre a uma biblioteca com bom acervo fundamental. Esse espao pode ser utilizado tambm para eventos relacionados leitura, como a conversa com um escritor convidado (os alunos fi caro contentes em receber um escritor vivo, j que a maioria dos que eles estudam esto mortos), a semana do livro, etc. Em muitas escolas, atualmente, ao lado da biblioteca escolar h outros espaos institudos, como a sala de informtica e a sala de vdeo, que conjugam linguagens diversas e ajudam a criar um movimento cultural na escola; h tambm os passeios culturais, estudos do meio, etc. dos quais as escolas podem e devem lanar mo para desenvolver no aluno a relao com os diferentes aspectos, nveis e ritmos da cultura. Sem essa vivncia no possvel comparar, estabelecer padres, aguar a sensibilidade aprender, enfi m. Lembrar tambm que nesse movimento cultural devem estar inseridos os prprios professores, para que possam dar respostas altura das inquietaes dos alunos.

Prticas de leitura e de metaleitura responderiam a uma dupla dimenso da Literatura na escola: por um lado, a fruio individual do texto, que o modo como se l Literatura fora da escola, revela uma autntica prtica social, que, de regra, o professor no consegue mensurar (a no ser que ele esteja efetivamente prximo de seus alunos e atento ao perfil da comunidade escolar e da sua turma); por outro lado, a reflexo e a anlise, a leitura como instrumento de aprendizagem e ensino, revelam a prtica escolar, esta sim j apresentando uma certa possibilidade de mensurao por parte do professor, j que mobiliza um saber institucionalizado, previamente definido. Essa dupla dimenso jamais pode ser esquecida, no s na leitura como em qualquer outro contedo escolar, j que a escola no um microcosmo fechado. Qualquer contedo na escola um instrumento de aprendizagem, mas ao mesmo tempo deve persistir a dimenso social desse contedo, uma vez que se forma para o mundo, para fornecer ao aluno recursos intelectuais e lingsticos para a vida pblica.

Notas

1 Dois escritores podem representar (expressar) o mesmo momento histrico-social, mas um pode ser artista e o outro

simples borra-botas. Esgotar a questo limitando-se a descrever o que ambos representam ou expressam socialmente, isto

, resumindo, mais ou menos bem, as caractersticas de um determinado momento histrico-social, signifi ca nem sequer

afl orar o problema artstico. Tudo isso pode ser til e necessrio (alis, certamente o ), mas num outro campo: no campo

da crtica poltica, da crtica de costumes, na luta para destruir e superar determinadas correntes de sentimentos e crenas,

determinadas atitudes diante da vida e do mundo; no crtica e histria da arte e no pode ser apresentada como tal, sob

pena de confuso e de paralisao ou estagnao dos conceitos cientfi cos, isto , precisamente da no-obteno das fi nalidades

inerentes luta cultural. (GRAMSCI, A.ntonio. Cadernos do crcere, v. 6. Trad. e org. de Carlos Nelson Coutinho,

Marco Aurlio Nogueira e Lus Srgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002, p. 64-65).

2 No texto dos PCN, relata-se uma situao de sala de aula em que, dados diversos tipos de textos, os alunos foram instados

a responder o que era e o que no era literatura. Uma das respostas mereceu destaque: Drummond literato, porque

vocs afi rmam que , eu no concordo. Acho ele um chato. Por que Z Ramalho no literatura? Ambos so poetas,

no verdade? Segue-se o comentrio avalizador das opinies do aluno: Quando deixamos o aluno falar, a surpresa

grande, as respostas, quase sempre surpreendentes. Assim pode ser caracterizado, em geral, o ensino da Lngua Portuguesa

no ensino mdio: aula de expresso em que os alunos no podem se expressar. (PCN, 2002, p. 138).

3 So raras as publicaes culturais, impressas ou eletrnicas, que se dirigem especifi camente ao pblico jovem ou adolescente.

Geralmente textos crticos dessa natureza so escritos para os mediadores culturais e no para o pblico jovem.

4 Graa Paulino aborda a disparidade geogrfi ca de circulao de livros de literatura que se restringem s alamedas da

cidade, evitando perigosas vielas sem recurso