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8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
1/28
C /
4
capitulo 7
~ MULH ER ES PROFISSIONAIS :
. . . •}
UM TERCEIRO SEXO?
Mais OU menos na época em que a história
profissional tornava-se uma possibilidade de carrei-
ra para as mulheres, psicólogos e hnl110ssexuais co-
meçaram a criar uma moderna se nsibilidade à possi-
bilidade de e xist ir um 'terceiro se xo . () termo ••ra
retauvo à
preferência sexual, mas sua ddini,ão t arn-
h':m cobria caractcrísticas compOr1aI1H'l1tai-O~ _ [rnI11
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G;~lrro c l- istó ria: homens, mulheres a prática histôiica
sido ignoradas por praticamente toda ahistoriografia,
inclusive por muitas obras feministas, pode-se dizer
que elas precisavam ser resgatadas para.a historiogra-
fia, ter suas realizações plenamente mapeadas e sua
ausência'
explícada
com cuidado. Contudo, elas pró-
prias acabaram ficando inteiramente desorientadas.
Algumas, como Margaret Judson. eram pudicas ao ex-
tremo, quase assexuadas, e pareciarp negar qU,e tives-
sem alguma vez recebido tratamento injusto. Elas
perdem seu atrativo porque pareciam carecer de co-
ragem, calando-se sobre as más condições que preci-
savam suportar, recusando-se a
testemunhar,
Judson
inclusive dizia a jovens colegas, no início da década de
1970, que não fossem tão francas. tão feministas.'
Elas eram solteironas que' viviam em grande parte
em guetos femininos na comunidade acadêmica. Era
possível que alguém celebrasse essas comunidades fe-
mininas, embora isso significasse ao mesmo tempo a
celebração' do confinarnento. da degradação e da limi-
tação de oportunidades. Depois; havia as moças de-
vassas , que tinham talvez mais encantos - vistosas e
um tanto escandalosas, elas mexiam Com a libido de
seus colegas homens e permaneciam, por isso, mais
tempo na memória acadêmica. Quando chegavam a
aparecer na hisroriogralia. erarrr apresentadas como
brilhantes, até mesmo eróticas e amadoras. mas a 1011-'
go prazo eram muitas vezes consideradas tão extrava-
gantemente originais e tão carentes da erudição rradi-
cional que teriam pouco a oferecer de valor duradou-
ro para a profissão. Pareciam mer,amente inverter os
termos opostos atribuídos à feminilidade: boa moça ou
devassa, Maria ou Eva. esposa dedicada ou prostituta.
I. Agradeço a minhas colegas Dee Garrison e Mar}'
Hartman por partilharem comigo suas lembranças
de Margaret Judson. a quem arribas admiravam.
38'8
i,.
389
,
Mul lu 'rc s 'profI Ssio llais : um terceiro S;X( l?
No entantó, as características de gênero das
mulheres profissionaiS eram mais indistintas do que
essa dicotomia sugere e suas identidades eram defini-
das com me nos clareza. Apenas um punhado dessas
mulheres cumpriam-a missão feminina de ter filhos e'
elas também não estavam intei~arnente integradas
em uma cultura doméstica tradicional. Se podemos
aceitar que historiadores homens faziam parte da re-
produção da masculinidade de classe média, em que
relacionamento as mulheres profissionais e suas obras
se situavam para a definição do gênero das mulheres
(e dos homens)? Ao buscar respostas, enfrentamos di-
lemas, como o de colocar mulheres profissionaiS ma-
duras contra amadaras inferiores e, com isso, peF-
peruar o trauma. Ou podemos achar que a história
das mulheres profissionais não funciona do modo
como esperávamos e que ela pode até mesúlO ser de-
sagradável. As
pe rso nas
profissionaiS das primeiras
~llUlheres eruditas podem ser muito penurhado
ras
,
ao ponto de impedir uma leitura satisfatória. oomi-
nick LaCapra apontoU recentemente as possibilidades
de trabalhar com o libidinoso, o traumátiCO e o repri-
mido e 'de incorporar esses demenl.Os às narrativas
históricas _ uma sugestão que pode antecipar o pro-
jeto analn ico deste capítulo.' E a opinião de LaCapra
permite uma hipótese adicional: não
é
por acaso que
a história da erudição profissional das mulheres foi
reprimida por tanto tempo.
outro problema aparentemente ímpossivel de
ser tratado refere-se aos textoS sobre mulheres im-
portantes _ rex tos que podem sempre fazer uma
história melhor para substituir uma análise dos tt'-
2. LaCAPRA, DOlninick.
Keprese/ll1l1g IIlC HO/(lC(lIlS :
History. MeInory. Trauma. lth ca: Cornell Univer-
sity Press. 1994. Introdução.
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3/28
Gênero
História: ltomcll~
mulheres e
a prática
Irist~rica
Mulheres profissionais: um terceiro sexo?
3. HOLT,W. Srull. The ldea of Scienrific History in
América. Journal of the History of Ideas, I,
p.
352, 1940.
4.
Sobre
Tawney
ver WEAVER.
Stewarr ,
A Alar-
riaqe
/11
Hist ory : The Lives and Work of 8arbara
and
J.
L. Hammond. Stanford: Sranford Univcr -
sity Press,
1997.
• I
mulheres na história profissional no fim do século 19.
CO~lOera possível, dadas as fantasias, a linguagem e
as
práticas
definidas pelo gênero que moldavam o
campo para as mulheres, sequer considerar o traba-
lho histórico profissional?
Excluídas
das forças arma-
das, impedidas de exercer a cidadania e até de rece-
ber diplomas universitários em muitos lugares, como
elas poderiam ingressar normalmente em uma profis-
são criada para os homens? Na verdade, em alguns
casos o antagonismo com relação às mulheres que fa-
ziam história tornava-se cada vez mais explícito e,
apesar de falarem .ern merecimento, as portas se fe-
chavam da mesma forma como se abriam. Treitschke
declarou que somente passando sobre seu cadáver
uma l1luIJlér transporia a soleira de sua sala de aula.
Epistemologicamente, rambérn. as cartas pare-
ciam estar contra a realização profissional das mulhe-
res. A historiadora, como a cientista, conseguira, de-
pois de anos de experiência, libertar-se da emoção, da
intuição e da parcialidade, a ·fim de atingir um esta-
do de espírito devotado inteiramente à verdade.
Kant e Hegel, filósofos em cujas orientações a maio-
ria dos historiadores se baseia (nem que seja de modo
derivativo), tinham gasto longos capítulos de suas
obras descrevendo esses indesejáveis estados subjeti-
vos como femininos.,Para a mente de Kant. apenas os
homens podiam operar moralmente de acordo com o
princípio do imperativo categórico, e apenas eles po-
deriam ter de forma plena uma razão inata para rela-
cionar-se com o que estava fora da compreensão -
isto é, da natureza - e assim desenvolver o conheci-
mento. Kant colocou as atividades das mulheres 110
reino da nutrição, da emoção, da sensibilidade e da
cultura. Um platô nessa linha divisória surgiu com
Hegel. cuja dialética bifurcou o mundo em um sujei-
mas em questão. Além do mais, a literatura sobre
mulheres importantes têm sido rejeitada por alguns
dos maiores teoristas feministas de nossos dias por
uma série de boas razões. Ela pode ser compensado-
ra ou ce lebradora . urna
íngên
ua história dela ,
em vez de um maís sofisticado trabalho de história
do gênero ou social. As pessoas às vezes ridiculari-
zam a história e a bistoriografia do grande homem ,
mas esses relatos, no entanto, ancoram as narrativas
do passado. A mulher realizada é' menosprezada nes-
sa época em 'um processo corrente' que aumenta os
argumentos contra ela, incluindo as alegações de que
ela é uma manifestação do trauma.
As primeiras historiadoras profissionais - invi-
síveis, menosprezadas, paradoxais ou bizarras - mis-
turaram-se então ao inferior da história científica e
assim tem sido' praticamente desde o·início. A pró-
pria palavra ['ciência'] era um Ietiche . escreveu o
historiador W. Seul Holt sobre o clima nos primeiros
dias da profissionalização. Como resultado, ele con-
clu i
11 ,
desenvolveram-se monstruosidades como
lciência da biblioteca' e 'ciência doméstica: .' Holt·
aludia em sua lista de 'monstruosidades à produção
pela ciência de mulheres historiadoras profissionais.
seduzidas por visões de competência, cidadania e
empregos na .academia. Estudiosos como R. H. 'Taw-
ney e Marc Bloch eram hostis a mulheres desse tipo.'
Essa condição monstruosa chama a atenção mais
uma vez para a situação incrivelmente anômala das
~
.:f 2
390
39 1
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Gênero (' História: homens. n l l Ilh c res e-a prática histórica
to e um objeto
nitidamente
opostos: senhor
e-
escra-
vo, masculino e feminino, duas panes mutuamente
antagônicas. O sujeito soberano masculino lutava por
supremacia, conhecimento e controle do objeto Ierni-
nizado, Para os historiadores, essa realidade objetiva
era encontrada em arquivos, fatos e nas informações
conseguidas com sua habilidade. Onde se posiciona-
va a mulher profissional em um 'retrato do trabalho
científico tão determinado pelo gênero?
ASSUMINDO O PAPEL PROFISSIONAL
A niulher profissional trabalhava como homem
para conseguir transformar-se em observadora 'im-
parcial, membro participante da comunidade cientí-
fica, fornecedora transcendente da verdade histórica.
A partir do final da década de
1860,
quando as uni-
versidades dos Estados Unidos e da
Grã-Breranha
co-
meçaram a aceitar mulheres para treinamento profis-
sional. as estudantes participavam de seminários,
conferências e grupos de ensino de história, além de
fazerem pesquisas independentes em arquivos, bi-
bliotecas e outros repositórios de material histórico. A
primeira mulher a concluir o doutorado em história
nos Estados Unidos foi Kate Ernest Levi. que recebeu
o grau de doutora pela Universidade de Wisconsin,
em
1893'
Embora as mulheres pudessem estudar em
5, Sobre a situação profissional de mulheres com
doutorado em história nos Estados Unidos, ver GOG-
GIN. Jacqucline. Chalíenging Sexual Discriminarion
in rhe Hi stórica Profession: Women Historians and
lhe American Historical Associarion. 1890-1940.
-Amcricon Historical Review, 97. n. 3. p. 769-802. June
J 992. Entre os trabalhos recentes sobre historiadoras
profissionais ou mulheres COI11 experiência profissio-
'r.
À ,
39
~i
Mulheres profissionais: um
terceiro sexo?
Oxford e Cambridge a partir de 1869, elas continua-
ram sem receber títulos acadêmicos nessas duas uni-'
versidades até depois da Primeira Guerra Mundial e.
da Segunda. respectivamente. As mulheres' na UnI-
versidade de Londres receberam diplomas a partir de
187~
N~s Estados Unidos, quando as historiadoras
com experiência profissional conseguiam emprego
. .
,t'
nal em geral nos Estados Unidos. ver SCOTT. Joan.
Gcnder and lhe Politics of
History .
New York: Columbia
Universit
y
Press. 1988. p. 178-198; PALMIERl. Patri-
cia. 111 Adamless Eden: The Community of Women
Faculty at Wellesley. New Haven: Yale University
Press. 1995; SCOTT, Ann Firor (Org.).
Uuheard voiçes.
The First Historians o[ Southern Women. Charlortes-
ville: University of Virginia Press. 1993;
o
ROSEN-
BERG. Rosalind. Beyo nd S ep ar are Sphcrcs: í ntellecrual
ROOISof Modern Perninism. NC'w Havcn ; Yale Uni-
versiry Press. 1982. p. 288.
Sobre mulheres no Canadá, ver BOUTlLlER. Bc-
verly: PRENTlCE. Alison L. (Org.). Cteatinq Histori-
ca l Mem ory. English-Canadian wome n and lhe
Work of Hisrory. Vancouver: Universit v of Brit ish
Colurnbia Press. 1997.
6. Para informações sobre literatura recente cobrin-
do historiadoras profissionais ou mulheres com ex-
periência profissional na Europa. ver SONDHEI-
MER. Ja net . Casile Adamant in Ham pstead: A His-
tory of westfield College, 1882-1982. London: Wes- ~
tfield College. University of London, 1983; DYHOU-
SE, Caro . No Distinction of Scx?
lV011lCll
in Britislt
Universities. 1870-1939.
London: UCr. Press. 1995;
MARGADANT. Jo Burr,
Madame 11 Pro fesse ur :
Wo-
men Educators in rhe Third Repuhlic. Princeton:
,Princeron University Press. 1987; SCHLÜTER. Anne
(Org.).
Pionicrinnen, Feministinncn,
Karricrehauen?
Zut Geschicluc des Frauenstudiums in Deutschland .
Pfaffenweiler: Ce-nt au rus. 1992. Ver tombém BRIT~
TAIN. Vera. 1\'0111('/1 ar Oxford: A Fragment of a His-'
rory. New York: Macmillan. 1960.
393
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5/28
Gênero
t
História: )lom;,zs, mulheres e a prá ti ca Izí.st~rica
Mulheres profissionais:
um terceiro sexo?
no mundo acadêmico, era quase sempre em faculda-
des freqüentadas apenas por mulheres, embora as
faculdades para mulheres de Cambridge e Oxford
também as contratassem. Uma considerável quanti-
dade delas trabalhava em história econômica na
London School of Economics, onde Lilian' Knowles
conseguiu seu primeiro emprego como professora de
história econômica.' Por fim, apesar de a publ icação
de livros não ser crucial para o avanço profissional'
no período anterior
à
Segunda Guerra Mundial, as
mulheres acadêmicas escreveram em uma série de
I .
áreas. incluindo-se as de história clássica, econômi-
ca, medieval, social e cultural.
Para qualquer acesso a um treinamenro, a pos-
sibilidade de essas mulheres serem aceitas como es-
tudiosas sem nenhuma marca - isto é, sem nenhum
vestígio de convenções profissionais - era muito me-
nor do que a dos homens. Os exemplos que seguem
não pretendem ser indicadores de discriminação: ao
contrário, são indicadores da impossibilidade de
transcendência ou de uma observação imparcial. São
sinais do complicado modo como a mulher profissio-
nal era produzida. Em primeiro lugar, asfamílias de
recursos limitados, como os pais de Hele n Maud
Carn: talvez não mandassem as filhas para a escola,
mas as ensinassem em casa.
À
medida que crescia-
1110S ,
relatou Carn. aJéançávamos os limites do CO
nhecimento-jde minha mãe] sobre 'gramática e sin-'
\
taxe. Ela dizia: 'Sei que isto está errado, mas não sei
por quê,,,sQuando as mulheres passaram a freqüen-
tar a universidade, a desaprovação da educação in-
telectual Ieminina que se desenvolvera a partir das
revoluções Prancesâ e Americana evoluíra para uma
bern-estabelecida verdade científica , segundo a
qual o estudo destruía a saúde física e emocional de-
las. O estudo de Patrick Geddes e J. Arthur Thorn-
son. na Inglaterra, e do Dr. Edward Clarke. em Har-
vard, atestou que o trabalho intelectual arruinaria a
capacidade das mulheres de reproduzir e amamen-
tar. De acordo com Herbert Spencer e outros cientis-:
tas sociais, a abstinência das mulheres de qualquer
atividade intelectual como parte de uma divisão se-
xual de tarefas era o estágio mais alto da evolução:
À medida que a taxade fertilidade passou a declinar
no fim do século 19 e à medida que grandes potên-
cias ocidentais começaram a preocupar-se com a
boa forma de suas populações, () trabalho intelec-
tual das mulheres passou a ser visto C0l110 especial-
mente problemático, perigoso e até
impatriótico.
7.
BERG,
Maxine.
The First Women
Econornic
His-
torians. Economic History Review, 45, n. 2, p. 308- 329,
1992; BEVERIDGE, W H.; WALLAS, Craham. Pro-
fessor Lilian Knowles, 1870-1926. Economica, 6,
p, 119-122, June 1926; KNOWLES, C. M. Professor
Lilian Knowles. In: KNOWLES, L. C. A. Th Econo-
mie Developtnenr of
lhe British
Ove rseas Empi re. Lo n-
do n: Routledge. 1930. 2 v. Ilv .v ii-xx
ii.
8. CAM, Helen Mau d. Eating and Drinkirig Creek.
Girton Review,
184,
12, 1969. Muitos manuscritos
úte is de Caru estão depositados nos arquivos do
Girton College.
9. GEDDES, Patrick: THOMSON, J. A.
Evolution
o] Sex, London: Walter Scort. 1889; SPENCER, He r-
berr. Principies of Bioloqv. London: Williams and Nor-
gate, 1867. Ver DYHOUSE, Carol. Girls Growiuo Up
in Late victorian and Edwardian Enqland.
London:
Rourledge and Kegan Paul, 1981. p. 139-175: GOR-
DON, Lynn. Gender and Hiqlier Education in lhe Pro-
qressive Era. New Haven: Yale University Press. 1990.
10. O estudo clássico é Depopular ion. Nat iorialisrn.
a nd Peminism in Pin-de-Siêcle Pra nce . de Karcn
Offen, -American Historical Review, 89, p.
648-676,
Ju ne 1984.
394
~
• , .
395
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Gênero e Hi stó ria : homens, mulheres e
t :
práti ca histárica
Depois da Primeira Guerra Mundial. o temor de que
a atividade intelect ual feminina pudesse ser nociva
à saúde e ao cérebro intensificou-se.
. As mulheres historiadoras profissionais, em
contraste com outras mulheres de classe média e
a
maior parte das amadoras. não eram, casadas. Sua
condição de solteironas era cada vez mais notada,
à medida que o século 20 avançava. Enquanto os ho-
mens historiadores profissionais usavam uma retóri-:
ca de trabalho e de sustento característica da classe
média heterossexual em relação à sua erudição, e en-
quanto arregimentavam os esforços de uma equipe
de companheiros para pesquisar, editar e escrever
história, tais benefícios não
existiam
para realçar a
situação profissional das mulheres. Casamentos e re-
Ia cíonarnen tos heterossexuais eram pra ticameri te
excluídos para elas, apesar da linguagem normativa
de heterossexualidade que inspirava o trabalho his-
tórico. Elas sabiam que aceitar um trabalho acadê-
mico ou mesmo tentar conseguir um diploma acadê-
mico significava 'renunciar à vida familiar. A maioria
ensinava e escrevia sem apoio doméstico, uma lacu-
na que realçava a singularidade do mundo acadêmi-
co. Embora m u it o poucas fossem casadas, os .casa-
rnenros de mulheres tão. destacadas quanto Eileen
Power (então com quase cinqüenta anos) e Lilian
Knowles foram e ainda são alvo de comentários. O
casamento desfazia a autonomia, tão importante
para a construção da cientista-cidadã. Mais de uma
profissional - Jane Ellen Harrison. de Carnbridge. es-
pecialista em classicismo. por exemplo - admitiam
l
l . Conferência da Society of Oxford Women
Tu
tors
com a
Associai
ion of Head
Mist
resses.
23
de feverei-
ro de
1917.
transcrição de minutas, Arquivos do
Lady
Margaret
h Hall, Eleanor Lodge Papers. caixa
I.
396
Mulheres
profissionais:
um
terceiro
sexo?
recusar propostas por ca usa da posição inferior que
imediatamente assumiriam com o .casamento. Kn o-
wles representou um caso raro ao ter uma carreira
, profissional e um filho .
Em geral, a historiadora profissional solteira ti-
rava proveito do companheirismo de outra mulher
profissional - Eleanor Lodge com Janet Spens. no
Westfield College; Lucy Maynard Salmon com Ade-
laide Underhill, no Vassar ColJege; Katherine Coman
e Katherine Lee Bates, que moraram juntas, forman-
do o que era chamado de um.
casam
e nto
à
Welles-
le y 11 As dezenas de casais de mulheres entre as his-
toriadoras operavam no contexto de uma nova femi-
nilidade e do fenômeno de mulheres excedentes .
Um número cada vez maior de mulheres em muitos-
países ocidentais não casava, e elas viviam juru as.:
independentes de suas famílias, como casais ou em
grandes pensões, clubes e apartamentos para mulhe-
res, Em todas as comunidades exclusivamente Ie-
i ,
;~;
~
: . f
12. Grande
parte da informação sobre
Harrison
neste
capítulo vem dos trabalhos de Jane Ellen
Harrison
no
Newnham
College.
Cambridge. Sobre Harrison. ver
especialmente
PEACOCK, Sandra.
Janc Ellcn Hnrti-
5011: The Mask and
the
Self. New Haven: Yale Univer-
siry
Press. 1988; e
STEWA
RI,
Jessie ..
lane Ellcn Harri-
5011:
A Port rait Irorn Let re rs. Loridon: Merli n. 1959.
É
extensa
a
literatura sobre
Ha
rrison e as
ritualisras
de Carribridge.
13.
Ver LODGE, Eleanor. Terms and vacations . Ed.
Janeth Spens.
Ox íord:
Oxford
Universit
y
Press.
1938;
BROWN, Louisc Fargo.
Apostle of Democrncv:
The Liíe of Lucy Maynard Salmc n. New York: Mac-
milla n,
1943.
PALM I E R I. Patrícia. lI Adan ile ss Edcl :
The Cornmunit v of wornen Facult y at welieslev.
New Haven: Yale Uni vcrsit y Press.
199'5.
p.
137-142.
14.
O fato de. no final do século
19
e início do sécu-
lo 20, I1lUilOSpaíses ocidentais terem um t'xcedcn·
-.Óc~
-
,~
397
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7/28
Gi/IUO c
História:
homem,
mulheres
e a prática histórica
rrurunas. como era o caso de muitas escolas que só
aceitavam mulheres, a hornossociabilidade alcança-
va nova imensidade e exclusividade. Algumas mu-
lheres escritoras podiam contar com suas parceiras,
mães' e irmãs para pesquisas, anotações. revisão de
textos e outros tipos de ajuda editorial.
Eíleen
Power.
que foi eleita secretária da Economic History Society
(Sociedade de História Econômica) na década' de
19.20, a rregimentou sua tia, Bertha Clegg,para pre-
parar as atas das reuniões e convenceu a organização
a pagar a Clegg uma pequena remuneração. Em ge-
ral, no entanto, autoria e
persona
profissional eram
mais raras entre as mulheres e elas eraq:r mais mal
pagas do que os homens, embora aquelas que tives-
sem dependentes não fossem menos responsáveis fi-
nanceiramente doque seus colegas homens. Medieval
Nunneries (Conventos medievais),
de Power, foi con-
cluído para a impressão por uma amiga, e seu viúvo,
Michael Posran. apregoava ter iniciado - ou de fato
escruo=- a maioria de suas obras.
O trabalho intelectual das mulheres era, dessa
. forma, não apenas colocado em um contexto, de
transparência, conhecimento de classe média e co-
te de mulheres solteiras não tem sido explicado
com muita clareza. O excesso pode ter sido devido
à
imigração masculina, ao serviço no exército impe-
rial, à expectativa de vida mais longa das mulheres
oLÍ a outros fatores. A carnificina da Primeira Guer-
ra Mundial exacerbou a tendência, Ver (para a In-
glaterra) VICINUS, Martha.
l ndepen dent W0111f11:
Work and Communitv for Single women.
1850-
1920.
Chicago: University of Chicago Press.
1985.
15.
Salvo citação em contrário, detalhes sobre a
vida de Power vêm de BERG, Maxine. A woman in
History:
Eileen Power,
1889-1940.
Carnbridge: Carn-
bridge Universirv Press.
1996.
398
A1 u l l u r l s p oflSSiollais: um terceira Sl XO ?
rnu nidade republicana, mas também situado - tal-
vez com mais força - dentro de uma feminilidade
problemática, inferior. Embora alguns homens pu-
dessem usar, com referência a mulheres profissio-
nais, a retórica do colegiado pr;ofissional, da associa-
ção universitária e de colaboradores em pesquisa e
em trabalhos eruditos, outros não conseguiam imagi-
ná-Ias nesses termos. Estudantes universitários de
uma ponta à outra da Europa periodicamente causa-
vam distúrbios e provocavam violência contra a pre-
sença de mulheres nas üniversidades, Na Espanha, as
estudantes eram apedrejadas; no Newnham College
da Universidade de Cambridge, alunos do sexo mas-
culino rebentavam portões errr prot esro. Os professo-
res empregavam sua própria forma de disciplina ,
uma visão contradiscursiva, porém eIet iva. da mu-
lher profissional. Nunca me senti tão amargurada
na vida , Eileen Power escreveu em 1921, ao ouvir
que os decanos de Cambridge tinham mais uma vez
votado contra as mulheres receberem diplomas e
participarem da universidade . As mulheres es-
trangeiras que estudavam na Alemanha achavam
que, de uma forma ou de outra, eram ·tratadas como
exceção, Edith Hamilton, que estudou filologia em
Leipzig e em Munique, em 1895 e 1896, fez a se-
guinte colocação: Ser americano signilicava, é claro,
não ter instrução e, no caso de uma mulher, não con-
seguir de maneira alguma se instruir. Enquanto as
alemãs eram inteiramente proibidas de freqüentar
salas de aula, Hamilton precisou unir-se
ãqu ela s.m u-
lheres estrangeiras que, embora admitidas, eram im-
16.
Eileen Power para Benrand Russell.
21
de outu-
bro de
1921,
citado em BERG. Maxine.
A
wo ni a n in .
Hi stor y: Eileen
Po
we r.
1889-1940.
Ci lllbridge~
Carubrjdge Universit
v
Press.
1996.
p.
141.
399
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8/28
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9/28
\
Gênero r História, homeus: mulheres e a p rática histórica
fissionais, passou a admitir m'ulherés em 1906. Em
vinte anos, duas haviam se formado no topo de suas
turmas e seguido a carreira de arquivistas. Ainda
que lamente que as mulheres não desempenJlem o
papel que a natureza lhes destinou , escreveu o di-
retor Marcel Prou, não se pode negar que elas com-
binam com o estudo científico . De fato, se as mu-
lheres devessem seguir uma carreir.a, ele concluiu, o
trabalho em arquivos séria ó mais adequado para o
papel de mãe e dona de casa .'O Arquivos e.outros re-
positó;ios foram gradualmente feminizados durante
o século 19; e no século 20 as próprias arquivistas
tornaram-se conhecidas como criadas da história .
Durante a Primeira Guerra Mundial, os deca-
nos das universidades inglesas tentaram livrar-se in-
teiramente do professorado feminino, e apresenraranl
uma proposta que sugeria recrutar todas as mulheres
universitárias em um batalhão de serviço domésti-
co .. No mundo acadêmico, a guerra podia ajudar a
restabelecer () gênero, transformando as decanas am-
biguamente femininas em JUulheres de novo. Mas
essas decanas tinham na verdade cruzado a linha do.
feminino. Havia muita gente boa que não era capaz
de combinar a roupa , prorestou Ada Elizabeth Le-
vetr. do Westfield Collége, e que já estava fazendo
20. PROU, Marce1.
L'Eco/e des Chartes,
Paris: Société
des Amís de l'Ecole des Chartes. 1927. p. 20. Agrade-
ç o a Jennifer Milligan por fornecer-me esse trabalho.
21 Ver, por exemplo, GARRISON, Lora D. Apostles
of CU/lure: The Public Libraria n and American So-
ciety. New York: Free Press. 1979; MAACK, Ma ry
Niles. WOll1en Librarians in France: The First Gene-
ration.
Journal of Library History,
18, p. 407-449,
aur urnu 1983. Mulht>res norte-americanas arquivis-
tas, em especial MargarC'th Cross Nortori, lutaram
durante décadas pelo reconhecimento profissional.
4
Mulheres profissionais:
um terceirosexo?
importantes contribuições para o esforço de guerra.
Além
disso, ela perguntou, que direito tinham as ins-
tituíções educacionais de estabelecer .essas políti-
cas? A profissão era construída como democrática e
aberta ao talento; contudo, os homens eram melho-
res, superiores e mais inteligentes, enquanto as mu-
lheres eruditas eram automaticamente domésticas.
Sob essa Luz, era possível que se pagasse às
mulheres estudiosas de igualou melhor desempe..-
nho do que os homens um salário muito inferior, .
porque embora iguais ou melhores, elas eram tam-
bém consideradas inferiores e menos valorizadas.
Antes da Primeira Guerra Mundial. a muito cele-
brada Lilian Knowles recebia muito menos do que
'seus colegas homens, ainda que tivesse atingido o
nível de professora universitária. No Canadá, em
1929, Sylvia Thrupp conseguiu apenas ser instruto-
ra na Universidade de British Columbia, embora es-
tivesse começando a publicar muitos trabalhos res-
peitados. Enquanto isso, os homens ocupavam car-
gos importantes, conseguiam promoções e recebiam
quase o dobro do salário dela, apesar de não) terem
nenhuma obra publicada. Corno amadoras,as mu-
lheres profissionais precisavam ganhar dinheiro:
elas eram autônomas e, como os homens, tinham
que garantir seu sustento e o de suas Iarnilias - em
geral pais e irmãos. No entanto, na lógica libidinosa
.. . . ,
22. Society of Oxford Women Tutors e Association
of Head Mistresses, transcrição de conferência,23
de fevereiro de 1917, Lady Margaret Hail, Eleanor
Lodge Papers. caixa
I.
Ver também LEVETI, Ada Eli-
zaberh. The' University Woman and lhe War.
Alhe-
neum 4613, Jan. 1917.'
23. BERG, Maxine. A woman in History: Eileen
Power. 1889-1940. Ca mbridge Universit
y
Press,
1996. p. 181-182.
4 3
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
10/28
Gênero
e
História: homens. ntulhe~es
(a
prática
histó ri ca
que caracterizara a profissão desde seu início, elas
estavam também situadas no mundo de fantasia
que ameaçava o mundo masculino da história, e que
estimulava a pesquisa, mas não se ocupava dela.
.A profissão continuou tão confusamente mar-
cada pelo gênero depois da Primeira-Guerra Mundial
quanto estivera nos anos anteriores. Mais mulheres
na Alemanha e na Áustria co~~luíam seus doutora-
dos; e nos Estados Unidos algumas mulheres faziam
trabalhos de graduação em escolas de elite como Har-
va rd. muitas vezes mandadas para lá por seus profes-
sores das escolas exclusivamente femininas. De'
acordo com Margaret Judson. que estudou em Har-
vard na década de 1920, a maioria dos. professores
homens em Harvard nunca parecia olhar as alunas
como se elas fossem inferiores ou não merecessem re-
_eeber o melhor ensino . Até a década de
1950,
Sa-
muel Eliot Morison atravessava a Avenida Massachu-
setts para dar uma palestra separada para as alunas
de Radcliffe no seu curso de história norte-america-
na. O único professor que Judson encontrou pessoal-
mente em Harvard que odiava as mulheres erudi-
tas foi Roger Merriman: ele jamais permitiu mulhe-
res em suas aulas e não lecionou em Radcliffe. Mas
ela precisou estudar o Renasciinento e a Reforma, em
24. Ver Annette Vogt, Findbuch [Livro-índice]: Die
Promotionen von Pra uen an der Philosophischen
Pakultat von 1898 bis 1936 und an der Matherna-
tisch-Narurwissenschaírlichen Fak uljât von 1936
bis 1945 der Friedrich- Wilhelms-Universitãt zu Ber-
lin sowie die Habilitationen von Frauen an beiden
Pakultârcn von 1919 bis 1945 , Preprint 57. Ma x-
Planck-Insritut Iíi r Wissenschaftsgeschichte (Ber-
lin); FELLNER. Fritz. Fraue n in der osterreichischen
Gescbichteswissenschafr.
Jah rbuch der Universitãt
Salzburq.
Salzburg: Die Universitat. 1984
4 4
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
11/28
Gênero e História: homens. mulheres (a prática histórica
final da década de 1920, rio entanto, ela sentia-se
feliz por ter um emprego. Embora as mulheres esti-
vessem conseguindo diplomas ou mantivessem os
homens abastecidos de alunos que participavam de
cursos de extensão 'em' muitas' universidades, suas
perspectivas de emprego n.essas instituições eram
sombrias. Um doutorado, quando nas costas do sexo
errado , como colocou' a historiadora canadense Hil-
da Neatby, não servia para nada na década de 19'30.
George Wrong, da Universidade de Toronto, que
apoiava a igualdadedas mulheres na profissão, ten-
tava contornar Ó fato de que todos preferiam indi-
car um homem , mandando suas melhores alunas
para os Estados Unidos ou
Inglaterra.
Na década de 192úl,essas estudiosas formavam
não apenas alvos visíveis, individuais dentro da pro-
fissão - colegas que os homens esforçavam-se para
manter fora de reuniões ou a respeito de quem toma-
vam decisões contrárias - mas também um grupo vi-
sível de mulheres profissionais realizadas. Seu pró-
prio desempenho era então manifesto (como o da es-
tudiosa normalmente competente) e altamente ca-
racterizadc. O presidente do VassarCollege permitiu-
se reprimir a nacionalmente conhecida Lucy May-
nard Salmon por usar um tipo de culote quando ia de
bicicleta para. a aula. Jane Ellen Harrison ainda é
des-
crita pela cor de sua roupa; ela adorava as cores ver-
26. Citado em PRENTICE, Alison. Laying Siege for
the History Professoriate. In: BOUTlLIER, Beverly:
PRENTICE, AJison
L
(Org.).
Creatinq Historical Me-
mOI)'.' English - Canadian Women and the
work
of
History. Vancouver: University of British Columbia
Press. 1997, Ver também HAYDEN, Michael
(Org.).
50 Much To Do, 50
uut-
Time:
The \Vritings of Hilda
Neatby. Vancouver:' University of British Columbia
Press, 1983.
4 6
\,
4 7
MNllzcres profissionais: ütir terceiro sexo ?
de e azul. As esposas, segundo se relata, achavam
seus decotes muito profundos e seu comportamento
coquete demais. Esperava-se que os homens fumas-
sem.rmas ela não podia (embora o fizesse). Por essas
razões, e talvez porque adorasse dançar tango. mui-
tas pessoas conhecidas não a convidavam para seus
eventos sociais, Até mesmo para suas. melhores ami-
gas; Harrison parecia ousada experimental em seu
comportamento. Se vocês algum dia me deixarem
voltar , ela escreveu para os amigos Mary e Gilbert
Murray em 1903, prometo solenemente não, .. co-
mer uma pastilha de cocaína , Nas décadas de 1920,
e 1930, notava-se que Eileen Power passava muitas'
de suas noites a dançar em clubes londrinos e a' dis-
.tribuir olhares para os homens , Elogios a Knowles e
Power serviam para feminizá-Ias e sensualizá-las.
Knowles era conhecida por seus chapéus espalhafa-
tosos, autoconfiança inabalável e uma mãe cujo jar-
dim continha os mais fantásticos morangos , Muita
coisa era dita sobre ..a feminilidade de Power, mas em
geral servia para corroborar suas qualidades pessoais
.de radiante e criatura encantadora . Ela era cele-
brada em comentários e vinhetas (inventadas por ho-
mens) que se referiam a seus longos brincos que ti-
nham acor e o formato exata-mente certos e davam
outras descrições de seu vestido. A rua trona Helen
27, Jane Ellen Harrison para Gilbert Murray, 2 de ja-
neiro de 1903, em Newnham Collcge Archives.
Cambridge Universit
y,
Jane Ellen Harrison Papers.
caixa L Ver
também
Hope Mirrlees, Outline of a
Life . Sobre Power em clubes londrinos: comunica-
ção pessoal de Sir Jack Plurnb. Cambridge, 1985,
WALLAS, Graham. Professor Lilian Knowles, 1870-
1926. Economica,
6, p. 119, June 1926.
28. WEBSTER Charles K. Eileen Power, 1889-1940.
Economic Jo u rn al, 50, [1, 200, p, 572, '1940,
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
12/28
Gênero
e História: home1ls,.
mulheres
e a prática histórica
Maud Carn, em contraste, trabalhava na Biblioteca
Bodleian.
em Oxford parecendo uma galinha choca
em seu ninho, plácida e confortável, mas pronta para
bicar se a ocàsião exigisse. Alguns de seus melhores
artigos devem ter sido 'chocados' aU . Para tornar-se
uma escritora profissional. Virginia Woolf comentou,
precisei matar o anjo da casa . Muitas mulheres his-
toriadoras profissionais parecem ter feito o mesmo,
ou eram consideradas como se o tivessem.
Ao mesmo tempo, outras profissionais mulhe-
res pareciam nitidamente assexuadas. modelos pe-
dantes de sobriedade e diligência. Os homens muitas
vezes mencionavam esse pedantismo como a razão
para essas mulheres não terem permissão para parti-
cipar de eventos profissionais, como encontros infor-
mais apenas de homens ou jantares: os homens não se
sentiriam à vontade se não pudessem fumar, beber
ou falar abertamente. Ao tornar- essas decisões, os
homens também representavam o gênero e suas hie-:
rarquias, acrescentando um novo aspecto às suas
pe r-
sanas, fossem eles reunir-se socialmente com mulhe-
res, ensinar-Ihes história ou ajudá-Ias a conseguir um
diploma superior. Frederic Maitland era conhecido
por apoiar Mar)' Bateson: Podemos encontrar outro
editor [do Cambridqe Medieval Historyi , ele escreveu
ror ocasião da morte dela aos quarenta e um anos,
29. Citado em MAJOR, Kathleen. Helen Maud
Ca m. Dictionary of National Bioqraphy, 1961-1970.
Ed. E. T. willíams e C. S. Nicholls. Oxford: Oxford
Universit y Press. 1981. p. 166-167.
30. Ver GOGGIN. ChaJlenging Sexual Discrimination
in the Historical Profession: Women Historians and
lhe American Hisrorical Association,
J
890-1940.
Amcrican Historical Rcview, passim: BROWN. Louise
Pargo.
Apostle of Democracy:
The Life of Lucy Maynard
Salmon. New York: Macmillan, 1943, passim.
4 8
Mulheres profissiouaís: um terceirosexo?
mas não outra Senhorita Bateson. MaLposso acredi-
tar que ela tenha partido . Gustav Schmoller até
aceitava estudantes do sexo feminino, ao passo que
Treitschke não; Langlois era conhecido por aceitar
alunas, mas dava-lhes apenas' tópicos femininos
como trabalho de pesquisa. Até mesmo os
homens
jo-
vens recém-chegados a um departamento sentiam-se
à vontade para atacar estudantes mulheres e as pro-
fessoras ,ma~s antigas, a fim de abalar qualquer liga-
ção delas com o ensino de história. O caso da tenta ti- .
va de um professor assistente de destituir Lucy May-
nard Salmon do cargo de titular do departamento de
história do Vassar College é muito conhecido naquele
estabelecimento. Foi necessária uma grande rnobili-
zação de Salmon, de ex-alunas. de conselheiros, do
corpo docente e dos estudantes para impedir que a
destituição se concretizasse. Madeleine Wallin, do
corpo de professores de história do Smith Colkge até
seu casamento na década de
1890,
escreveu aspe ra-
mente sobre' um novo colega, Charles Hazen. que
considerou o tio de uma universitária grosseiro por
31. F. W. Maitland para Henry Jackson, 2 de dezem-
bro de
J
906, em Tltc Letters of Frederic william Mai-
tlan d.
Ed.
C. H. S.
Fifoot .
Cambridge: Cambridge
Universiry Press.
J
965.
p,
388. Os elogios de Mai-
tland para Bateson foram
muito comoverues.
Ver
The Cambridqe Review, 6
Dec. J
906;
e
Selected Histori-
cal Essays of Frcdcric william Maitland. Ed. Hele n
Maud Carn. Cambridge: Cambridge University
Press,
1957.
p.
277.
32. Os' documentos de Lucy Maynard $almon nos
Arquivos do Vassar Collcge contêm muitas pastas
referentes a esse caso. Também baseei-me em Eliza-
berh Adams Daniels. Lucy Maynard Salmon and
James Baldwin: A Porgotre n Episode . trabalho
. preparado para a Conferência Evalyn A. Cla rk. Vas-
sar College, 12-
i
3 de outubro de 1984.
4 9
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
13/28
Gênero r História: homens, mulheres e a prática histórica
querer que uma moça atraente como ela seguisse
um curso de história da política. Ela rapidamente
percebeu o desprezo de Hazen pelas mulheres de in-
telecto desenvolvido e logo abandonou a profissão.
A soma dessas informações foi importante para as
mulheres. Ela estabeleceu a definição do gênero no
mapa profissional, mostrando os perigos dos quais
elas precisariam sempre lembrar, aprender a se de-
fender e estar preparadas para enfrentar. Contudo,
corno a retórica da história científica era ao mesmo
tempo igualitária e hierárquica, muitas vezes era im-
possível saber o que poderia acontecer.
Excluídas da homossociabilidade masculina e
das redes na profissão, e muitas vezes da heterosso-
ciabilidade quando trabalhavam em ambientes mis-
tos, grupos de mulheres profissionais em seus respec-
tivos países cada vez mais identificavam-se da mes-
ma maneira que os homens - isto ~, como diferentes
e distintas. Elas formavam grupos, corno o Berkshire
Conference of Women Historians
(Conferência
de
Berkshire de Mulheres Historiadoras), que impri-
miam uma identidade especial adicional às histeria-
doras profissionais. Outras ainda conquistaram uma
identidade' por quebrar regras: Caroline Ware, por
exemplo, podia participar de
reuniões
informais de
homens e era tratada com o máximo respeito. Sob
qualquer ponto de vista, elas. viviam uma vida que'
tinha mais de uma direção. Muitas vezes elas associa-
vam-se a um grande número de amadoras e valoriza-
vam seu trabalho. Da mesma forma como admirava
Frederic Maitland, Helen Maud Cam escreveu m ui-
tas análises sobre romancistas históricos, e um livro
33. Madeleine Wallin para George C. Sykes, 23 de
setembro de
1894,
Arquivos do Smith College,
Co-
leção Wallin, pasta
6.
410
·34. Hope Mirrless. 6utlineof a Lile . manuscrito
IlI. Jane Ellen Harrison Papers. Arquivos do New-
nharn College, Cambridge Universit
y .
35. Citado em GABEL,Lecna C. From Slavcry to The
Sorbonne 'alld Bevond: The Lifeand Writings of Anna
J.
Cooper. Northarnpton. MA: Smith College. De-
partamento de História, 1982. p. 79. Para uma in-
terpretação do pensamento de Cooper no contexto
da vida intelectual afro-arnerícana. incluindo suas
dimensões de classee gênero, ver GAINES,Kevin K.
Upliftii1 J the Race: Black Leadership. Politics. and
Culture in lhe
Twe
ntierh Cenrury. Chapel
HiLJ:
Uni-
versity of Nonh Carolina Press. 1996, p. 128-151.
Mulheres pMflSSfol la is : um 'terce iro sexo?
inteiro -sobre o tema, 'JaneEllen Harrison uniu-se a
amadoras renornadas como Alice Stopford Green.
mas detestava mulheres educadoras mais profissio-
nais, como Miss Beale: e Eileen Power era grande
amiga dos Hammond. A ambigüidade invadiu
a
inter-
pretação.da identidade sexual dessas mulheres, Eileen
Power era lésbica, na opinião de algumas pessoas, e às
vezes era abordada como tal. Jane Hellen Harrison
flertava com homens da mesma forma que com .rnu-
lheres. e estava plenamente ciente da beleza das mu-
lheres. Incentivadora de Isadora Duncan. lia poemas
gregos em voz alta enquanto Duncan dançava.'
No final, fica pouco claro como enquadrar de
maneira honesta essas mulheres em categorias con-
vencionais. Pense em Anna J. Cooper. a primeira mu-
lher afro-americana a obter o doutorado em história
(1925). Os golpes e as ferroadas do precon.ceito ,ela
escreveu, sejam de cor ou sexo, não me encontram
insensível demais para sofrer, nem ignorante demais
para saber o que me é reservado . Nascida escrava
em 1858, Cooper lutou para receber uma educação
clássica e protestou vígorosamente contra os obstácu-
los que a comunidade afro-americana colocava noca-
411
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
14/28
Gênero-e His tó ria: hom ens. m u{he r'eS e a pr át ica his tó rica
M u lheres
profissionais:
um
terceirosexo>
minho da instrução das mulheres. Um menino, por
mais escassa que fosse sua bagagem intelectual e su-
perficiais- suas pretensões, precisava apenas demons-
trar uma leve intenção de estudar teologia, e podia
conseguir todo o apoio, incentivo e estímulo de que
precisasse, era dispensado de trabalhar e investido
antecipadamente de toda a dignidade de seu distan-
te-ofício. Enquanto isso, uma moça que se sustentas-
se precisava lutar dando aulas no verão e trabalhan-
do depois do horário escolar para conseguir pagar as
despesas de moradia e alimentação, e realmente com-
bater o 'desestímulo ~ educação superior
36
Com graduação e mestrado obtidos no Oberlin
College. Cooper ensinou latim no colégio secundário
Dunbar, em Washington, D.C.; até sua aposentadoria
er111930. Seu objetivo, contudo, era o doutorado, ini-
cialmente negado devido às lutas políticas na sua es-
cola e também pelas exigências da Universidade de
Columbia quanto
à
residência. Fora da rede acadêmi-
ca, seus contatos eram os líderes de comunidades ne-
gras e outros ativistas. Apenas após os sessenta anos
Cooper
.obteve
seu doutorado pela Sorbonne, com
uma tese intitulada The Attitude of France toward
Slavery dúring the Revolution ( katitude da Fran-
ça com relação
à
escravidão durante a revolução ).
Ela já publicara um volume de ensaios, A Voice from
lhe
South
tUma
voz do sul) e livros sobre a vida e obra
de Charlotte Forten Grimké. Credenciada como pro-
fissional após muitas décadas de luta e trabalho de-
terminados fora da universidade, Cooper, como mui-
tas outras mulheres profissionais, combinou vários ti-
pos de textos, experiências intelectuais e uma árdua
atividade para conseguir seu sustento, tomando dífí-
e u
sua categorização. A mulher profissional era uma·
entidade. imprecisa, um paradoxo, um borrão.
o
TRABALHO PROFISSIONAL
Os paradigmas do trabalho histórico profissio-
nal consistiam em um Ioco voltado para a política ria
erudição, uma, metodologia que dava ênfase a um
experiente observador despersonalizado e um con-
junto de práticas baseadas no exame minucioso de
documentos estatais e na apresentação dos resultan-
tes textos históricos para a adjudicação de uma co-
munidade de especialistas. Essas práticas universal-
mente aceitas esam expressas em ·termos de dimor-
fismo de gênero: uma importante e valorizada esfe-
ra masculina de atividade que gerava história exis-
tia ao lado -de uma esfera feminina e familiar histo-
ricamente insignificante. Além disso, os praticantes
eram descritos em termos de uma comunidade de
classe média de especialistas homens, cuja com-
preensão .e treinamento em ciência histórica eram
inacessíveis
aos menos aptos - o que significava as
mulheres do Ocidente e os povos não-ocidentais
como um todo. No entanto, essa ciência era ao mes-
mo tempo vista COlHO universal. disponível para to-
dos, isenta de qualquer característica e sem gênero.
A erudição
era
dessa forma o conduíte que se distan-
ciava de uma Ieminilidade degradada rumo ao uni-
versal mais elevado. fico contente em saber , uma
dessas mulheres pioneiras escreveu-me, que seu
foco. seja na erudição das mulheres e não nas mulhe-
res que escrevem sobre a história das
mulheres .
36. COOPERo Anna J. A Voice [rom lhe South : By a
Black Woman of lhe South.. Xenia. Ohio: Aldine.
1892.
p.
77.
37. Cana de 5 de agosto de 1985.
412
413
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15/28
Gênero
e
Histôria:
ho m ens .
mu/ lt tr~s (a prâtica
hfrfóri ca ,.
Mulheres. profissionais: um terce iro 'sexo?
Desde seu ingresso na academia, as mulhe'res
profissionais trilharam o caminho para a mesma eru-
dição universalmente verdadeira que os homens va-
lorizavam. As americanas faziam as obrigatórias via-
gens para a Alemanha e a Prança. a fim de aprende-
rem as técnicas de filologia. criticismo de seminários
e pesquisa em' arquivos. As mulheres britânicas -
Eleanor Lodge e Eileen Power, por exemplo, - faziam
a mesma peregrinação das que estudavam na Ecole
des Chartes, em Paris. Uma vez estabelecidas em
universidades e faculdades apenas para mulheres, es-
sas historiadoras dedicavam todo o tempo possível à
pesquisa em arquivos. Para Lncy Maynard Salrnon.
isso significava ir .ao continente com regularidade;
Margaret Judson fez diversos programas e viagens de
verão à Inglaterra: Violei Barbour passava todos os
verões em-arquivos na Holanda . Mary Bateson, Ca-
roline Skeel, Eleanor Lodge. Ada Elizabeth Levett.
Maude Violet Clarke. Eileen Power e Helen Cam fo-
ram outras que fizeram uso extensivo de registros em
monastérios e arquivos locais. Os avanços no treina-
mente profissional das mulheres também as interes-
savam e elas produziam artigos sobre as oportunida-
des das mulheres em universidades da Europa e dos
Estados Unidos. Para estarem adequadas aos objeti-
vos profissionais, publicavam edições competentes '
sob o ponto de vista filológico e densamente referen-
.ciadas de registros e manuscritos ínstirucíonaís, pro-
duzidos em um estilo expositivo compatível com os
especialistas. Bareson. graduada pelo Newnham Col-
Iege. recebeu o maior dos elogios quando Maitland
enalreceu-a por nunca ter condescendido em escreve
o que quer que
fosse
para o leitor em geral.
Essas profissionais imaginaram seus trabalhos
em termos cívicos e socialmente responsáveis, e um
que morreu em
-'1935
aos quarenta e.
três
anos, ver
CLARKE, M., V. Fourteenth Century Studies. Ed. LS.
Sutherland e M. McKisack. Oxford: Clarendon,
1937,
com um esquete
biográfico
por E.
L
Wood-
ward. Ver também Maude Violet Clarke Papers. Ar-
quivos do Lady Margaret Hall.
40. Ver, por exemplo, ZIMMERN, Alice. wornen in
European Universiries. Foru m, p.
187-199,
Apr.
1895.
Zimmern observou que as universidades ale-
mãs tinham em 'geral retrocedido, privando as mu-
lheres de seu tradicional direito-de assistir às pales-
tras. Zimmern também narrou sobre liceus france-
ses para mulheres, clubes. de mulheres, moradia
para mulheres e a posição de governarua. Alguns
documentos estão disponíveis nos' arquivos do Gir-
ton College.
Os documentos de Lucy Maynard Salrnon nos
Arquivos do Vassar College contêm manuscritos de
artigos que Salmon escreveu em universidades eu-
ropéias e sobre ()estado corrente do aprendizado de
história.
41. Selected Historical
Essays
of Frederic william Mai-
t
land.
Ed. Helen Maud Cam. Cambridge: Cambridge
University Press. 1957. p. 277 ·278.
38.
J : B. Ross, comunicação pessoal, maio
1985.
Sou grata pelas muitas informações fornecidas por
Dr. Ross no decorrer de diversas entrevistas.
39.
Agradeço a generosa informação recebida de Ja-
net Sondheimer sobre muitas mulheres historiado-
ras, incluindo Helen Maud Cam e Caroline Skeel.,
durante nossas conversas no, ano de
1985.
-sobre
Skeel. ver Çaroline Skeel Papers. Arquivos do West-
field College. University of
London.i
Sobre Ada Eli-
zabeth Levert. ver CAM, H. M.; ·COATE, M.; SU-
THERLAND, L. S. (Or.8.). St udies
in
Manor: n/ History.
Oxford: Oxford University Press,
1938,
que contém
informação bibliográfica e também sua palesrra
inaugural. Ver também Ada Elizabet h Leveu Papers.
Arquivos do
westfícld
College. University of l.on-
dono Sobre a medievalisra Maude Violer Clarke.
414
415
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
16/28
. .
G;'U I'O (H is tória :
homens, mulheres e
a p rátisa histórica
local importante na comunidade foi a escola femini-
na. No final do século 19, as escolas pata homens ra-
pidamente evoluíram da idéia de uma população se-
mimonástica de estudiosos e alunos, mas muitas es-
colas para mulheres ainda funcionavam segundo esse
modelo. As mulheres eruditas muitas vezes viviam
dentro dos limites da escola, assumindo uma persona
inteiramente acadêmica. Enquanro a grande maioria
de seus.colegas homens tinha esposa e família e mo-
rava em casas individuais, as historiadoras mulheres
não tinham uma vida familiar imediata, heterosse-
xual. e conservavam uma ligação mais firme com as
instituições da vida colegiada. Uma vez ou outra uma
mulher se rebelava, mas a rebelião resumia-se a uma
variação na afirmação do
eu
autônomo, cívico.
Lucy
Maynard Salmon recusou-se a viver nos aposentos do
Vassar ColJege e preferia pegar um bonde para ir de
Poughkeepsie até o carnpus, Paço parte de uma co-
munidade , ela afirmava, reclamando do desprezo
pelo isolamento da intelectual típica e pela vida do:
méstica imitada pelos dormitórios da escola.
O extremo esforço das feministas e outras ati-
vistas para, conseguir acesso à educação superior for-
neceu um con texto parcial para a erudição das mu-
lheres. Muitas acreditavam que o imperfeito mundo
público e privado tornar-se-ia melhor se as mentes
femininas fossem bem treinadas. O Westfield Colle-
ge. na Universidade de Londres, fora criado parcial-
mente com () objetivo de oferecer um melhor treina-
42.
Entrevista com
J. B. Ross,
Washington,
D. c..
maio 1985. Sobre o ideal doméstico em dormitó-
rios de 1aculdades. ver HOROWITZ. Helen. Alma
Mater:
Design and Experience in the worne ns Col-
leges f.rom their Nineteenth-Century Beginningsto
the
J 930s.
New York: Knopf.
1984.
416
Mulheres
profissionais: ll
terceiro sexo? .
mente para rnissionárias. enquanto as faculdades
para mulheres na Universidade de Cambridge desti-
navam-se a servir de cunha na modernização dos
currículos nas
faculdades
destinadas a',homens.
A
linguagem da cidadania, a política de massas e a res-
ponsabilidade social que acompanhavam a admissão
das mulheres à educação superior levaram muitas
delas a articular seu trabalho em termos de reforma.
Como complemento à sua erudição, Jane EIlen Har-
rison escreveu sobre o sufrágio. Ada Elizabeth Levett
fez palestras e escreveu peças populares sobre nru-
Iheres universitárias e a Primeira Guerra Mundial,
sobre prostituição, sobre mulheres universitárias e
religião e sobre as mulheres no mundo pós-guerra.
Caroline
Skeel deixou anotações de palestras sobre as
mulheres na Guerra Civil Inglesa e sobre mulheres
pregadoras. Helen Maude Carn, comprometida com
o Partido Trabalhista. fez palestras sobre o movi-
mento pelo voto das mulheres na Inglaterra, sobre
The Wide Wide World O vasto e imenso mundov, de Su-
san warner. e sobre as condições sociais nos Estados
Unidos. Nos Estados Unidos. onde os movimentos
por reformas afetavam sobremaneira faculdades
como a wellesley, o corpo docente e as estudantes
estavam entre os reformistas mais comprometidos.
trabalhando a favor de moradia. vo~o e pacifismo, e
produzindo textos em estilo amador sobre muitas
dessas causas. A historiadora cultural Caroline Ware
43. SONDHEIMER. Janet. Castle Adamant in
Hampst ead: A History of Westfield Collcge. 1882·
1982. London: Westfield College.: Universit y of
London, 1983. p. 10-24.
44.
PALMIERJ, Patricia.
111
Adamless
EdCJ1:
The
Cornrnu nit y of Women Facu lr y at wellesley. New
Haven: Vale Universitv Press. 1995. passim.
417
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
17/28
Gênero
c
História: homens.
mulheres r a 'prática
histórica
\
recordava-se de ter aprendido em Vassar que o co-
nhecimento histórico era nó prelúdio para a ação so-
cial responsável . Lucy Maynard
Salmon
repreendia
os alunos que jogassem lixo no chão, por menor que
fosse: jogar lixo no chão era um menosprezo à res-
ponsabilidade
civil.
O profissionalisrno das 'mulheres foi. dessa for-
ma, gerado dentro de um limite extremamente arn-
plo. que incluía o vocabulário, a trajetória da erudi-
ção, o sentido de tempo e muitos outros impulsos tan-
to de homens profissionais quanto de mulheres ama-
doras, Algumas escreveram as mais tradicionais das
narrativas políticas e científicas, muitas vezes favo-
recendo a história legal e constitucional do período
medieval e do início do
moderno.
Outras ousaram
tomar um rumo diferente muito cedo, mostrando-seu
virruosisrno ao profissionalizar o impulso amador e
avançar rumo à história econômica e social. Esses
campos, mais do que quaisquer outros, eram usados
para mostrar a experiência profissional dás mulheres.
Lucy Ma yna rd Salmon, por exemplo, começara' com
um livro premiado sobre o poder da presidência; sua
segunda maior obra foi um estudo estatístico e quali-
tativo do serviço doméstico. Nellie Neilson, primeira
mulher a presidir a Associação Histórica Americana e
professora de história no Mount Holyoke College, pu-
blicou seu Economic
C0l1dÍ1Í0l1S
on the Manors of Ramsey
Abbey (As condições econômicas das herdades da Abadia de
Ramseyi em 18.99. As estudiosas da geração seguinte
continuaram a demonstrar interesse na história eco-
45. Caroline-Ware. ensaio preparado para a Confe-
rência
Evalyn
A. Clark. Vassar College. outubro 1985.
46. Ver
BENNETT. Judirh.
Medievalisrn and Pe
mi-
nism. Speculum,
68.
p.
309-331:
Apr.
1993.
418
Mulheres profissionais:
um terceiro sexo?
nôrnica medieval. Embora Bertha Putnam mostrasse
que os registros da justiça de paz eram ricas fontes de
informação sobre.a vida econômica cotidiana na Ida-
de Média. e Ada Elizabeth Levett continuasse a es-
crever sobre os contornos econômicos da vida rural
na Idade Média, Eileen Power entrou em áreas como
a produção e o comércio de lã.
A antecessora de Power na London .School of
Bconomícs,
Lilian
Knowles.
ensinou história econô-
mica a amadoras e profissionais, enquanto seu pró-
prio trabalho centrava-se na história econômica do
início do período; moderno, do moderno e da Grã-
Bretanha imperial. No Wellesley Coltege, Katharine
Coman escreveu The Industrial History of the United
r
States (A história industrial dos Estados Unidos).
um tra-
balho estatístico ricamente ilustrado. e
Economic Se-
ginnings of lhe Par West (Início econômico do Extremo
Oeste; 1912). Uma variedade de impulsos fomentou
essas histórias.
Em.
vez de provocar
o
choque entre
herói e vilão , escreveu Mabel C. Huer em uma his-
tória econômica e demográfica da Revolução Indus-
trial que ela dedicou a Knowles. apresentamos as
asneiras triviais de homens e mulheres comuns. No
entanto. o cinza só é cinza de uma visão distante e
imperfeita , ela continuou, refletindo a visão pano-
râmica e de perspectiva da amadora. Visto mais de
perto, é um padrão estranho e confuso de cores nit i-:
da mente contrastantes .
47. HASTlNGS. Margaret: KIMBALL. Elisabeth G.
Two Distinguished Medievalists: Nellie Neilson and
Bert ha Haven Putnam ..Journal of Britislt Studies, 18.
n. 2. p. 142-159.
spring
1979.
48. BUER. Mabel C. Hcalth wealth and Populat ion
in the Earlv Days oj
tlic ln dustrial Revolution.
London:
Routledge.
1926.
ix.
419
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
18/28
Gênero e
Histôria: homens, mulheres
(a prática histórica
Acompanhar o padrão econômico desse traba-
lho era a orientação local, Caroline Skeel. do Wes-
tíield College. escreveu um livro sobre o comércio de
gado, além de um estudo em dois volumes sobre o
governó local na região da fronteira entre Inglaterra
e País de Gales nos séculos
18
e
19.
Eleanor Lodge,
que também se
interessava
por história econômica e
que treinou várias historiadoras econômicas impor-
tantes, escreveu estudós sobre a Gasconha. organi-
zou o livro contábil de uma propriedade de Ke nt. e
criou um estudo sobre o movimento comunal fran-
cês para o
Cambridqe Medieval History (A história me-
dieval de Cambridqev, Helen Carn escreveu sobre gran-
des homens 110 mundo jurídico e grandes estudiosos
da história jurídica, muitas vezes incluindo preciosos
dados econômicos. Muitas mulheres historiadoras vi-
nham de famílias do clero rural; como careciam de
recursos, a pesquisa, para elas, referia-se a encon-
trar coisas sob seus pés. : Dessa forma, embora a
pesquisa em arquivos fosse fundamental, as profis-
sionais empregavam métodos amadores. Para dar um
exemplo, as notas manuscritas de Caroline Skeel
para seus livros e artigos revelam que ela usava não
apenas dados econômicos tradicionais, mas também
relatos de 'viagens, entrevistas com residentes idosos
de várias localidades e cartas de informantes locais
sobre
costumes:
termos e
práticas. -
As profissionais rejeitavam o estudo sobre mu-
lheres ilustres em favor de dados econômicos e sociais
sobre mulheres que as amadoras também se ernpe-
,t,
r ?
49, Janet Sondheimer, comunicação pessoal. 30 de
julho de 1985,
50, Caroline Skeel Papers. west íield College. Uni-
ve rsiry of London. arquivo designado Welsh
Clorh-Can ie .
L
,: .1
4
Mulheres profissionais: um terceiro sexo?
\
nhavarn para desenvolver. Após a 'volta de Power da
França para a Inglaterra, por exemplo, ela desistiu.da
tese sobre a Rainha Isabella. que Langlois lhe havia
indicado. Desde o início,
FlO
entanto, evitar a mulher
ilustre servira corno irrdicativo da mais distinta e pro-
fissional erudição, Afirmar que os valores da história
científica situam-se na hierarquia do gênero e' que a
inequívoca difamação da mulher ilustre é um .tóp ico
importante tem periodicamente abastecido o profis-
sionalismo das mulheres e ajudado na sua busca do
poder institucional. Essa nova indicação de rota to-
mou dois caminhos. Em um, essas 'novas mulheres
científicas comprometiam-se.com a profissão escre-
vendo biografias de homens. Na Grâ-Bretanha. Bea-
trice
Le
es. do Lady Margaret Háll da Universidade
de
Oxford.
escreveu sobre Alfredo, o Grande e sobre
textos biográficos em geral; Kate Norgate. que escan-
carou o mundo amador e o profissional escrevendo
para o
Dictíonary of National Bioaraphy (Dicionário de
biografia nacional)
e auxiliando os decanos de Ox lord
em suas pesquisas, editoração e redação, produziu
seus próprios estudos sobre John Lackland, Henrique
IIIe Ricardo Coração de Leão; Cecilia Ady (filha da
historiadora arnadora Julia Cartwright) escreveu so-
bre Lorenzo de Médicis e Pio IIe recebeu um Fes
tschrift
em sua homenagem. Mary Williams, professo-
ra do Goucher College, em Maryla nd- e inflexível de-
fensora dos direitos das mulheres na profissão, publi-
cou pesquisas sobre política e diplomacia na América
Latina, além de uma biografia:
Dom Pedra lhe Magna,
nimous,
Second Emperor of Brazil (Dom Pedra, o Magnâ-
nimo, segundo Imperador do Brasil;
1937). Esses temas
de estudo - homens poderosos, mas às vezes'vulnerá-
veis - deram seguimento ao projeto histórico de mos-
t.rar a supremacia masculina, a auto-suficiência e as
-121
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
19/28
Gênero e
História:
homens, ntulh~res'~
a prática
histârica
-Mulheres profissionais: um terceiro s( ~o?
realizações diante de grandes desigualdades. Como os
estudos eram narrativas instigantes sobre a identida-
de masculina, eles ressaltavam a posição ambígua da
mulher profissional. ,-'
Apesar de ignorarem a possibilidade de profis-
sionalizar o estudo sobre a mulher ilustre, muitas das
primeiras gerações de profissionais -
mas
certamen-
te não todas - usaram as oportunidades da história
social e econômica para continuar, de uma Iorma ou
de outra, a explorar opassado coletivo das mulheres'.
Para a maioria, a inspiração era parte de um compro-
misso feminista reconhecido. De acordo com T. F.
Tout. a ardente sufragista Mary Batesorr tinha uma
tendência a dissipar sua energia para debates públi-
cos sobre um palanque ou na imprensa . Convenci-
da por, seu primeiro mentor, MandeI Craighton. de
que sua erudição era mais importante do que seuíe-
minism o. ela tornou-se uma ávida pesquisadora e es-
pecializou -sc na editoração de textos e registros lo-
cais, Ela também escreveu um estudo pioneiro sobre
monastérios mistos, alguns dos quais eram controla-
dos não pelos homens, mas pelas mulheres, que ou-
viam as confissões dos homens e tinham o poder de
excomungar. Ela apontou a misoginia na igreja: São
Colurnban. segundo seus relatos, odiava as' mulhe-
res . Apesar da evidência insuficiente, fragmenta-
da e descon ect ada . Bateson afirmava que os monas-
térios mistos podiam ser encontrados em grande par-
te da Europa e que as casas individuais tinham vida
\ : T i : i fi
longa, o teor de seu artigo sugerindo o potencial da,'
recém-integrada universidade britânica.
Na geração seguinte de mulheres de Carnbrid-
ge.
Medieval Enqtish Nunneries, cirea
1275
to
1535
(Con-
ventos ingleses medievais, aproximadamente
/275
a 1535;
1922),
de Eileen
Power,
foi um modelo de erudição
profissional, baseado em registros arquiepiscopais e
episcopais, relatos sobre a catalogação de casas indi-
viduais, petições, inventários, registros dos atos aos
soberanos e plantas físicas das casas. Power inter-
rompeu a linha de especulação de Eckenstein sobre
direito materno entre os pré-cristãos. rituais pagãos
e sua relação com a mariolatria. além de questões so-
bre a espiritualidade feminina. Ela, ao contrário,
concentrava-se na riqueza dos detalhes encontrados
em fontes de arquivo, como livros contábeis monás-
ticos, registros de bispose testamentos. O resultado
foi um .denso relato sobre as origens sociais d;s frei-
ras, a estrutura institucional dos conventos, as
ativi-
dades diárias de suas habitantes, as riqueza e ativi-
dades que geravam renda e os problemas disciplina-
res e econômicos, Alguns dos detalhes pareciam po-
sitivamente amadores em sua superficialidade: vá-
rias páginas descreviam os cachorros, macacos, es-
quilos, coelhos e outras espécies que as freiras man-
tinham como animais de estimação: ricas descrições
da comida ingerida em cada refeição
em
diferentes
conventos; horários de refeições. sessões de jardina-
gem, orações, leitura e uma abundância de outras
atividades; relatos sobre discussões triviais entre
prioresas e freiras por causa de roupas, mobiliário,
comida. tarefas, visitas e conduta geral. Medieval
EJ1-
qlish Nunneries estabeleceu um estudo revi sionista
não-romântico e bem documentado. Muitas das frei-
ras, como a obra mostra, eram aristocratas; discu-
~
51, TOUT. Thornas
Frederick. Mar)
Bateson.
Di ctio -
na rv o] National Biõqraphy. London:
Srni t
h
Elder,
1912,
p.
110, Suplemento, 1901-1911.
52. BATESON,
Mar)',
Hist
orv
of t
he Double Monas-
teries. Trausactions o] lhe
Royal Historical
Society. 13,
p.
137- 198, 1899,·(
nova
série).
s
?
4 3
,
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
20/28
Gêner o e História:
homens.
mulhere s e a ·prát;ca....,z is (ó ~i(a
tiam sobre quem seriam as príoresas. ou simples-
mente concordavam que a mais rica dentre elas fos-
se a chefe; os conventos eram em grande parte um
depósito de lixo de filhas excedentes , ilegítimas,
indesejadas. deformadas ou mentalmente deficien-
tes das classes mais altas; na Inglaterra, a não ser no
,períodq anglo-saxão, eles não eram centros educacio-
nais nem intelectuais, e nunca produziram uma Hil-
degarde von Bingen ou urna Elisabeth von Schoenau.:
m uitas freiras inglesas durante aqueles séculos eram
tão obscenas. mundanas, freqüentadoras de tabernas
e sexualmente ativas quanto os homens dos monas-
térios.' A feminista Power achava a freira aristocra-
ta tão real quanto a mulher da classe trabalhadora
e, por 'isso, digna de nota.
A estratégia de Power produziu uma especie
de erudição burlesca. Havia tantos tipos de peixe e
outras comidas requíruadas. tantos cintos de prata,
fitas, sedas. peles e jóias de ouro, tantos exemplos
de queixas, im rigas e bebedeiras que as autoridades
da igreja precisavam intervir constantemente na
vida dos conventos, O revi sionismo era desenfreado
na obra de Power. Ela mostrava que tanto freiras
quanto padres - aristocratas, e em geral escrupulo-
sos sübre suas nobres prerrogativas e seus luxos -
exerciam o direito a uma variedade de prazeres car-
.riais. Essa prática ia contra os mais elevados cóm-
promissos com a vida espiritual e os votos de casti-
dade. Mulheres como as que abandonavam marido
e filhos para adotar o véu deviam ter sido movidas
por uma vocação religiosa muito forte, ou então por
um enfado extremo. Ela tornou a opção vívida: al-
53. POWER, Eileen. Medieval Enqlisli Nunnerics, cir-
ea 1275 10 535. Cambridge: Cambridge University
Press. 1922.
4 4
..J
\
gumas mulheres podem ter considerado a vida de
casada tão .odiosa quanto lamber mel de espinhos
(40).·As freiras não eram universalmente magnâni-
mas: a abadessa típica não era dedica da nem com-
prometida com a construção de uma grande insti- .
tuição
para a glória de Deus; ela era comum e, como.
outras, buscava escapar de algo daquela vida tri-
vial, que é tão penosa para o espírito (94). Power
retratou freiras dormindo durante o serviço religio-
so, simplesmente não participando dele ou trazendo
consigo cães, macacos e pássaros para ajudá-Ias a
-passar o. tempo de maneira mais agradável. De ~10do
geral: elas imaginavam fórmulas para abreviar os
ofícios. Suprímiam sílabas no início e no fim de pa-
lavras; omitiam os dipsalma ou pausacio entre dois
versos ... ; pulavam frases; J11Urt11UraVa lT resmun-
gavam coisas ininteligíveis (292). Na verdade, o
resultado mais sério)oi uma espécie de anomia me-
dieval que atormentava as congregações: a
acidia,
aquela terrível doença, metade tédio, metade me-
lancolia (293,294-297). Pois a tensão era dupla;
à
monotonia era acrescentada uma completa falta
de privacidade, o desgaste da vida em comum; não
apenas fazendo sempre a mesma coisa ao mesmo
tempo, mas também fazendo-a em conjunto com
várias outras pessoas (297).
Power extraiu uma 'piedade feminina norma-
Liva da história das mulheres, fazendo da vocação
religiosa dela? acima de tudo uma carreira respei-
tável (29) e explicando a atividade sexual em COIl-
ventos como compreensível . Nos textos de Power.
tomou forma um complexo prot
ó t
ipo da rn
L 11
her
profissional como um terceiro sexo: A dificuldade
inicial do celibato ideal não precisa ser forçada , ela
comentou, referindo-se à passagem das freiras da
Mulheres
pJ:Q[fsionais: um
ter cei ro
sexo?
~~
o :
~ -
4 5
)
.
G ê fJ tT O
c
H i s t ór i a: homens, mulheres e a prática h is tó r ic a
Mulheres profissionais: um tercei ro sexo?
8/20/2019 3. Bonnie Smith - Mulheres Profissionais...0001
21/28
castidade à devassidão
(436).
Jane ElIen Harrison
também atacou a teologia (e secretarnente a religio-
sidade característica das mulheres) em grande par-
te de sua obra: Deus e razão são termos contraditó-
rios;',
éla
afirmou. Essas duas historiadoras, assim
como muitas de suas colegas, retrataram uma
Ierni-
ttiÚdade que conflitava com a feminilidade devota
do ideal de classe média: Toda teologia é apenas um
racionalismo sutilmente velado, uma fina rede de
claridade irreal lançada sobre a vida e suas -realida-
des .
COI1l
udo. o compromisso da profissão com o
hiper-racionalísmo também não alcançou o objeri-
vo: o intelecto deveria ser o servo, não o senhor,
da vida .': A história, praticada de maneira apro-
priada, solapava o gênero.
Um entrelaçamento entre sexualidade, o ra-
cional e o irracional caracterizou a obra das mulhe-
res profissionais, Você leu as 'conferências de Gif-
Iord ' de William James? Harrison perguntou a seus
amigos Mar}' e Gilbert Murray. As partes sobre
misticismo e embriaguez meencantaram e as expe-
riências de 'revelação sob anestésico' são as minhas
próprias . A percepção de Harrison sobre o traba-
lho do iruelecro podia acompanhar o paradigma de
visão, mas dependia de uma tecnologia ma is nova
do que procedimentos médicos. A grande obra, ela
afirmou, lança um grande holofote em lugares es-
curos ... As coisas antes não vistas ou insignifiéantes
brilham na projeção luminosa ... Novos caminhos
:~.
abrem-se diante de
nós .
Ha rrison via a atividade
embriagada, subconsciente, dionisíaca até do eu
profissional. Tirar conclusões no trabalho erudito ti-
nha um, alcance Iísico muito grande: uma súbita
sensação de entusiasmo, um ímpeto de ardor, com
freqüência um rubor quente e, às vezes, lágrimas
nos olhos. a trabalho intelectual era um processo
sensual e emocional .
A indeterminação de categorias tornou-se
muito pronunciada na obra de Harrison.rassim como
na apresentação de seu
eu
profissional; mas sua sig-
nífícação parece ter escapado à maioria das pessoas,
com exceção talvez de Virginia Woolf. Dizia-se que
o personagem Orlando. de WooU, que possuía dois ou
muitos sexos, incluía grande parte de Harrison. Mais
indistintas ainda estavam as categorias no livro
The-
mis, de Harrison, que acabou com a idéia do conflito
que envolvia heróis reais do mundo antigo em luta
pela individualidade. Ao contrário, Harrison propu-
nha, o conflito era um aspecto dos primeiros rituais
de fertilidade, que começavam regularmente com' I
lima disputa representando uma lutá' mítica. Apenas
mais tarde os intérpretes 'passaram a ver, na repeti-
ção de rituais agonísticos em peças antigas, a luta de
indivíduos verdadeiros. a herói não era. segundo ela,
um homem real, [mas] apenas um ancestra I inven-
tado para expressar a unidade de um grupo , Con-
siderando que todo o movimento de história realísti-
\ \:
54. HARRISON. Jane Ellen. Alph a and Omeqa. Lo n-
don: Sidgwick and Jackson, 19 15. p. 206-207,
55. Jane EJlen Harrison para Gilbert e Mary Mu rray.
14 de agosto de 1902, Arquivos do Newnham Col-
lcge.
Cambridge Urriversit y. Jane EJlen Harrison Pa-
pers.
caixa 1.
56. HARRISON. Jane Ellen.
Tliemis:
A SIudy of lhe
Social Origins of Greek Religion. 2nd ed. Cambrid-
ge: Cambridge University Press. 1927. xii. publ.
orig. 1912.
57. ld.,
Alph a and Omega.
London: Sidgwick and
Jackson, 1915. p. 141.
58. HARRISON. op. cit., 1927, p. 267.
4 6
4 7
Gênero
e H i s tór ia :
homens. mulheres r
a p r á ti ca his tór ica
Mulheres profissionais: Terce iro sexo?
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22/28
ca seguia o padrão agonístico, era possível extra polar
que as historiadoras tinham padronizado seu realis-
mo sobre ritos de fertilidade - que, longe de render
o mito
à
verdade, a história meramente perpetuara
um mito derivativo. Embora a obra de' Harrison ti-
vesse enorme
influência
entre alguns c1assicistas hó-
mens, outros historiadores científicos liam o trabalho
iconoclástico e erudito de Harrison como' frágil, infe-
rior, não profissional: O livro como um todo atrairá
sobretudo .o amador condescendente e não a pessoa
experiente e capaz.
S'>
As mulheres estudiosas eram
vistas como destruidoras do profissionalismo, uma
vez que tentavam retrabalhar o gênero.
O estudo de Harrison sobre os ritos da fertili-
dade e o mito matriarcal como o ponto .originário da
posterior religião olimpia na confundia igualmente
interpretações e práticas-padrão. Seu compromisso
com o darwin ismo, tão popular entre muitos histo-
riadores científicos da época, pode ser considerado
mitigador do potencial transgressivo de suas desco-
bertas: a mudança do rito da fertilidade para a dou-
trina de princípios podia ser vista como coeren te
com uma mudança progressiva e ascendente do ma-
triarcado para o patriarcado. Embora Harrison forne-
cesse mais do que meros indícios da precisão de tal
interpretação, ela ao mesmo tempo considerava o
olimpianismo, assim como as teologias posteriores
em geral. mais opressivo do que rituais ctonianos. A
teologia codificou em lei o que era meramente uma
crença
de grupo, criando um dogma a partir de prá-
ticas primitivas que exprimiam alegria, medo e ou-
59. Lewis Farnell.
Oxford Magazille
(1912). citado
em PEACOCI História:
h o m en s
mulheres c a prática
his tór ica Mulheres
p[ofissionaís: ;,m
te rce ir o se xo?
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23/28
ge. Esses questionários pediam dados econômicos so-
bre pagamento e horário, bem como informações so-
bre preferências e antipatias com relação a emprega-o
dos domésticos. Salmon prefaciou sua análise dos d.?--.
dos com uma extensa história. sobre o emprego domés-
tico. No entanto, a descrição desse tipo de emprego
es-
tava longe de ser conclusiva. AJgumas empregadasdo-
mésticas detestavam seu trabalho: Eu largaria o ser-
viço doméstico se conseguisse encontrar outro empre-
go que me permitisse progredir ; Quando percebi o
que estava fazendo, era tarde demais . Outras adora-
vam esse tipo de trabalho: Não há trabalho mais sau-
dável para as mulheres , ou Tenho mais conforto do
que em outro
trabalho .
Dessa forma, ao contrário das
reformistas, Salmon acreditava que salário não era o
único fator a atrair as pessoas para- o trabalho domés-
tico nem para afastá-Ias dele. O que decide a ques-
tão não é sempre a vantagem econômica, não é sem-
pre o tratamento pessoal, mas aquela coisa sutil que a
mulher chama de vida. 'Salários, horários, saúde e mo-
ral' podem pesar na balança a favor do serviço domés-
tico, mas a vida pesa mais do que todos os outros fato-
res. Embora Salmon dispusesse. de grande quantida-
de de detalhes meticulosos e os usasse com tanta ha-
bilidade quanro qualquer amadora ou profissional,
sua obra recebeu ásperas críticas por seu tema infe-
rior; o empreendimento não eravdigno dela , decla-
rou um crítico do The Nation Empregados domésti-
cos representavam uni tema apropriado para amado-
res, mas não para profissionais premiados.
61. SALMON, Lucy Maynard.
Domes tic
Service. New
York: Macmillan,
.'1897.
62. Citado em BROWN. Louise
Fargo.
Apostl c o ] D e-
mocracy:
The
Life
of Lucy Maynard
Salrno
n. New
York: Macmillan,
1943.
p. 157.
430
Salmon fez parte de um grupo de estudiosos
que expressou frustração com a limitação às fontes
de documentos do governo e que começou a seguir o
rumo amador da descrição social, cultural e estatís-
tica. O âmbito das fontes estava sendo ampliado pe-
los novos campos da antropologia e arqueologia.
Como classicista. Jane Ellen Harríson tin ha à sua dis-
posição uma gama cada vez maior de cerâmica, arte,
inscrições. textos literários e evidências a rqueológí-
caso Antes de' ingressar na' universidade, ela usara
essa série de materiais na elàboração de 011 Ierências
para platéias populares em Londres. Em Carnbridge, .
onde foi a primeira mulher a ter permissão para fa-
zer palestras nos prédios da universidade. ela usou-
os para desenvolver uma interpretação da origem do
ritual religioso: a religião começou como uma práti-
ca e como parte das exigências do dia -a -dia. ela afir-
mava, não como uma teoria teológica que apenas
posteriormente adquiriu a íorma de ritual. Graças ao
prestígio dos estudos clássicos, sua excêntrica obra
foi publicada. Lucy Maynárd Salmon, no entanto,
não 'apenas construiu novas teorias, como também
ensinou os usos de um
tipo
de material de pesquisa
virtualmente
ilimitado, inferior até. Horários de
trens, listas de lavanderia, pilhas de objetos sem va-
lor, utensílios de cozinha, a posição de árvores e a
condição de prédios nos espaços urbanos transmi-
tiam informação' histórica. Salmon tentava acres-
centar prestígio citando o conteúdo cívico desses da-
dos:
O
saneamento é registrado em nossa lata de
63.
Para uma apreciação das conexões de Salmon
com arquitetura e
urbanismo.
ver ADAMS. Nicho-
1< 1 . l.urv
Maynard Salmon: A
LoSI
Pare n