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  • 73PHILSOPHOS 2002.2

    O MOVIMENTO DIALTICO

    DO CONCEITO EM HEGEL:

    UMA REFLEXO SOBRE

    A CINCIA DA LGICA

    Sofia Ins Albornoz SteinUniversidade Federal de [email protected]

    RESUMO: Este trabalho visa analisar criticamente as posies epistemolgicas hegelianasapresentadas no seu livro Cincia da Lgica, posies essas que dependem primordialmenteda aceitao da validade do mtodo dialtico.

    Palavras-chave: Hegel, idealismo alemo, lgica, dialtica, teoria do conhecimento.

    A pretenso deste trabalho estabelecer, de forma crtica,uma viso geral do significado do que apresentado na Cincia daLgica (1812-1816) para a epistemologia hegeliana, enfatizando opapel do mtodo dialtico para a soluo dos problemas filosficosabordados por Hegel. Para tanto, de incio, sero analisados algunsaspectos, que foram criticados por Hegel, das teorias do conheci-mento de Kant, Fichte e Schelling, principais representantes doidealismo alemo anteriores a Hegel. Alm disso, em um segundomomento, sero comparados os enfoques dados por Hegel anlisedo conhecimento na Fenomenologia do Esprito (1807) e na Cinciada Lgica. Num terceiro momento, ser mostrado como Hegel,utilizando-se do mtodo dialtico, apresenta a estrutura lgica dopensamento e do mundo. E, por ltimo, ser questionada a validadedo mtodo hegeliano para tal anlise.

    I

    Hegel est inserido no sculo XIX como um continuador e oltimo grande filsofo do idealismo alemo. Entretanto, no bastariatentar definir o que deve ser entendido por idealismo para alcanar

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    a perspectiva filosfica hegeliana. As suas divergncias em relao aKant, Fichte e Schelling no so apenas quanto a detalhes: a visoglobal de cada filsofo com referncia ao mundo e ao fundamentodo conhecimento desse mundo essencialmente individual e dife-renciada.

    Em relao a Kant, Hegel fala por vezes com grande admiraoe respeito e por vezes como se aquele fosse seu maior opositor. Hegelconsidera o sistema kantiano como um grande marco na histria dafilosofia, tendo, porm, falhas graves, como a consolidao do dua-lismo sujeito-objeto. A crtica de Hegel a Kant se concentra principal-mente na questo da existncia ou no de um mundo exterior in-dependente do sujeito e, sobretudo, no acessvel ao saber humano,ou seja, da coisa-em-si como Kant a descreve. , portanto, de sumaimportncia, para Hegel, a superao da kantismo, enquanto estepode ser entendido como se contivesse um dualismo no resolvido.

    E nesse debate com Kant que Hegel se aproxima de Fichtee Schelling. Em Fichte, Hegel encontra a crtica ao dualismokantiano e a tentativa de superao deste atravs da anlise doproblema do fundamento e da unidade necessria ao conhecimento.Fichte se utiliza do mtodo circular para comprovar a veracidadedo sistema. Deve haver um fundamento primeiro que possa serprovado verdadeiro por ser tambm aquele ao qual todas asafirmaes cientficas retornam e o qual determina, por isso, aunidade de um sistema. Desse fundamento deve ser possvel derivartodas afirmaes cientficas consideradas verdadeiras e que, por suavez, fundam as diversas cincias. A questo mais difcil e conturbadaque Fichte deve solucionar a referente ao mundo exterior. Se oeu o fundamento e nada pode ser exterior a ele, como se explicaa diferena interna ao eu, isto , a superao da unidade originriae a formao da diferena? Essa ser tambm uma questo funda-mental para Hegel: a maneira como a diferena se insere na unidade.

    Tanto em Fichte como em Schelling a unidade fundamental,ou o absoluto, podem ser atingidos atravs da intuio intelectual,uma espcie de viso imediata do absoluto. Em Fichte, entretanto,

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    temos a reflexo sobre essa unidade atravs da autoconscincia,enquanto em Schelling o absoluto a negao da reflexo, a puraintuio. Hegel se aproxima nesse aspecto de Fichte, pois, no sistemahegeliano, a reflexo a ponte para o saber absoluto ou para aidia absoluta.

    Em oposio tanto ao pretenso dualismo de Kant como aosidealismos subjetivos de Fichte e Schelling, Hegel desenvolve o queele chama de idealismo objetivo. O absoluto no um alvo exteriorao conhecimento, no um imediato s acessvel mediante a intui-o; o absoluto movimento, vida, desenvolvimento e contradio. por esse motivo que o mtodo em Hegel se torna to essencial: odesenvolvimento do sistema o prprio fim dele.

    Para compreender o que Hegel quer dizer com idealismoobjetivo necessrio ter em mente a totalidade da obra hegeliana,ou, pelo menos, das obras que descrevem o seu sistema filosficocomo um todo. A tentativa de definir essa expresso pode trazeralgum proveito, porm nunca o esclarecimento e a compreensoque ela merece. De maneira simplificada, poder-se-ia dizer que ofim do dualismo, o fim de um mundo exterior desconhecido aosujeito, porm nunca o fim do mundo enquanto histria e desenvol-vimento. A histria e as aes humanas em geral fazem parte doabsoluto hegeliano, e no como subordinados ao sujeito, como umaparte inerte ao lado do sujeito pensante ou interna a ele, e simcomo momentos necessrios do absoluto, como a exteriorizaonecessria do sujeito, como a objetivao do absoluto, ou como oprprio absoluto.

    o mtodo dialtico que possibilita a Hegel pensar sujeito eobjeto unidos, preservando a diferena essencial entre os dois. Assimcomo a certeza sensvel observa no mundo a convivncia entreopostos: sade-doena, tristeza-alegria,..., assim tambm pelarelao entre contrrios que se desenvolve em Hegel o absoluto. Acontradio interna ao sistema absoluto significa a prpria sobrevi-vncia dele e mesmo a sua existncia. pela contradio que opensamento evolui e, com ele, a realidade: o pensamento objetivo.

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    II

    Hegel pensa sobretudo na vida mais viva, a que notolera a fixao, o endurecimento, nem a repetiomontona: a vida das relaes humanas, a vida social,a vida do esprito e das suas obras, a Histria.1

    Temos a Fenomenologia do esprito e a Cincia da lgica como osdois textos centrais da obra de Hegel, dois textos que so respectiva-mente a introduo e o esqueleto de obra hegeliana. O movimentodo pensamento que participa do desenvolvimento ou construodo sistema conceitual hegeliano o dialtico. Na Fenomenologia,esse movimento acompanha a evoluo da conscincia, desde seuestado mais primitivo at o saber absoluto. Paralelamente, Hegeldescreve esse mesmo movimento na histria, de forma a mostrarcomo a lgica do esprito se concretiza na histria humana. O amadu-recimento da conscincia segue o mesmo desenvolvimento da his-tria. Dessa forma, a Fenomenologia pode ser interpretada tantocomo um guia da conscincia em direo ao esclarecimento absolutoquanto como a descrio do esprito se desenvolvendo na histria,no o esprito individual, mas o esprito que guia a ao coletiva dosindivduos.

    O projeto da Fenomenologia

    completamente indito: descrever o processo tpico daformao da conscincia. Trata-se de expor a seqncia dasexperincias indispensveis que, a partir de um primitivoestado de torpor, fazem ascender o homem ao pensamentofilosfico moderno.2

    A evoluo da conscincia histrica a partir do momentoem que se pensa em uma conscincia universal ou espiritual univer-sal, que, atravs de diversas etapas, se supera e se compreende a simesma como essa mesma evoluo, como o todo do caminho quepercorreu. O saber absoluto, portanto, no exterior certeza

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    sensvel, mas contm em si, como suas determinaes, os diversosmomentos que teve de percorrer e que sempre percorre novamentepara se caracterizar como um saber mximo, absoluto. O saberabsoluto o movimento global da conscincia que , ao mesmotempo, autoconscincia, que se sabe como sendo esse mesmomovimento e carregando em si todas as determinaes que foramsobressumidas (aufgehebt).

    O saber absoluto consiste, simultaneamente, numa reinterio-rizao, numa recapitulao activa de todas as figuras assumidaspelo esprito ao longo de sua formao, de todos os fenme-nos que, no seu dramtico encadeamento, o precederam emprocesso.3

    III

    No , entretanto, o contedo da Fenomenologia, enquantodescrio da histria como a histria do esprito, que, segundo Hegel,delimita a tese central de sua obra filosfica.

    La concincia es el espritu como conocimiento concreto ycircunscrito en la exterioridad; pero el movimiento progressivode este objeto, tal como el desarollo de toda la vida natural yespiritual, slo se funda en la naturaleza de las puras esencias,que constituyen el contenido de la lgica.4

    A lgica funciona como o pensamento da essncia do esprito,ou seja, o pensamento das formas puras que so a base do prpriopensamento. A cincia que procura as bases de todo e qualquerconhecimento sempre teve como dificuldade principal encontrarum mtodo propcio ao descobrimento da verdade ou da essncia.Em Hegel, a dialtica constitui o nico e verdadeiro mtodo quepossibilita o conhecimento das formas puras do pensamento, demaneira que esse pensamento seja objetivo, tenha como contedotoda manifestao natural ou espiritual.

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    Assim como na Fenomenologia, na Lgica, o caminho do esprito um caminho que leva ao autoconhecimento. Na Lgica, porm, oautoconhecimento corresponde ao conhecimento das formas purasdo pensamento enquanto essncias. Essas formas, entretanto, noesto distanciadas de qualquer contedo.

    Muy pronto resulta evidente que lo que en la primera reflexinordinria se considera como contenido, separado de la forma,en realidad no puede estar sin forma, indeterminado em s en este caso sera solamente el vaco, algo como la abstraccinde la cosa en s-, sino que el contrrio tiene la forma en smismo, y que slo por medio de sta tiene animacin ycontenido, y que este forma misma es la que se convierte enla apariencia de um contenido, como tambim en la aparienciade algo extrnseco a esta misma aparincia.5

    O processo de autoconhecimento do esprito atravs do pensa-mento das essncias no pensa as determinaes do pensamentocomo na Fenomenologia; o contedo da lgica permanece indeter-minado, pois esta lida com a pura forma: no trata de um objetoassim como a fenomenologia, trata das diversas figuras do espritoconsciente. Em contradio Fenomenologia, na qual o desenvol-vimento da conscincia apresentado no contexto do dado feno-mnico, apresenta-se na Lgica um desenvolvimento do pensamentopuro.6

    O esprito isento de qualquer determinao, sendo, ao mesmotempo, o fundamento de qualquer determinao, o conceito. Oconceito s conceito enquanto dele participa, como um de seusmomentos, o contedo, que, portanto, no exterior ao conceito,mas intrnseco a ele. Entretanto, o conceito se eleva acima dos seusdiversos momentos, mesmo que sendo o resultado deles, e constituio absoluto: a unidade dos diversos momentos, a essncia da totalidadeque corresponde na Lgica prpria totalidade como autoconhe-cimento ou reflexo sobre si do esprito. O conceito, portanto, deque trata a lgica no uma forma pura no sentido de ela estar

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    apartada de qualquer contedo, mas a forma pura que pressupeo contedo como um momento do seu desenvolvimento.

    Pues los conceptos, considerados as, como puras formas,distintas del contenido, se aceptan como fijados en unadeterminacin que les da un aspecto de algo limitado y loshace incapaces de abarcar la verdad que es en s infinita.7

    Forma e contedo, que na lgica tradicional so conservadosafastados, unem-se atravs do mtodo dialtico como dois momentosindispensveis para a autoconscincia do esprito. Assim, termosaparentemente opostos se tornam, pelo pensamento dialtico,complementares, unem-se na constituio do conhecimento semperder a identidade. A reflexo, para Hegel, tem o papel de rela-cionar o diverso e coloc-lo em oposio. A contradio resultanteda reflexo um momento necessrio da verdade.

    [...] esta investigao, si no se realiza de maneira acabada, caeen el error de presentar las cosas como si la razn estuviera encontradicin consigo misma; no se da cuenta de que lacontradicin es justamente la elevacin de la razn sobre laslimitaciones del intelecto y la solucin de las mismas.8

    O princpio da lgica o ser, que desemboca na essncia efinaliza no conceito. O ser o indeterminado, sem forma ou con-tedo, porm, ao mesmo tempo, toda determinao. Se o ser nada, ento ele algo e, portanto, tem determinao.

    O desenrolar da lgica se d pelo movimento conceitual deopostos que so sobressumidos em uma unidade aparente. Atotalidade desse desenvolvimento no alcana algo exterior oudesconhecido no princpio, pois o princpio j o fim. No se podeignorar o fim, pois, j quando principia o pensamento especulativo,todos os momentos esto dados: resta explic-los. assim que, aoalcanar o conceito, volta-se ao puro indeterminado: o ser. O queresulta um movimento circular sem incio nem fim, ou no qual o

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    fim o comeo. O movimento do pensamento revela a pura essnciada realidade. Esta revelada pelo movimento dialtico que corres-ponde ao prprio modo de manifestar-se da essncia.

    Esto es ya evidente por s mismo, porque este mtodo no esnada distinto de su objeto y contenido, pues es el contenidoen s, la dialctica que el contenido encierra en s mismo, quelo impulsa hacia adelante.9

    A pura essncia, contedo da lgica, quando exposta concei-tualmente, movimenta-se dialeticamente; o movimento da essncia o mesmo do pensamento. A essncia do pensamento a essnciados objetos: pensamento e objeto desenvolvem sua verdadedialeticamente. A verdade deles a mesma; pensamento e objetotm a mesma essncia. Por isso Hegel denomina o pensamento daessncia de pensamento objetivo; e por isso tambm que, partindodo ser, da imediatez, chega-se ao conceito que j estava pressupostono ser e que, por sua vez, pressupe o ser. O ser um momento doconceito, porm o ser contm em si o conceito.

    Hegel descreve o mtodo dialtico da seguinte forma: Aquellopor cuyo medio el concepto se impele adelante por s mismo, es lonegativo, ya mencionado, que contiene en s, ste es el verdaderoelemento dialctico.10

    O pensamento da essncia desse mesmo pensamento, enquan-to objetivo, se desenvolve conceitualmente, e o movimento dosconceitos s acontece devido ao negativo, que o elemento centraldo dialtico. este negativo que possibilita a descrio de todos osmomentos que constituem a essncia ou a pura forma. Atravs dessemtodo possvel partir de um imediato indeterminado e alcanaro mediato determinado sin introducir nada del exterior.11

    A sobressuno (Aufhebung)12 de um conceito pela utilizaode sua negao resulta em um conceito enriquecido, pois ele oresultado de um processo e contm em si todo esse processo.

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    Es um nuevo concepto, pero um concepto superior, ms ricoque el precedente; porque se ha enriquecido con la negacinde dicho concepto precedente o sea con su contrrio; en conse-quencia lo contiene, pero contiene algo ms que l, y es launidad de s mismo y de su contrrio.13

    por esse mtodo negativo que se desenvolve a Lgica. Oque aparentemente era independente de qualquer reflexo, o ser,torna-se, pela negao, parte da reflexo. Assim,

    no incio da lgica da essncia provado que a independnciado ser (enquanto aparncia) em contraposio essncia (que,para Hegel a reflexo) nada mais do que o aparecer daessncia em si mesmo.14

    Portanto, o ser na sua forma imediata como indeterminadoou, posteriormente, como determinado em si se revela como parteda essncia entendida como reflexo. A reflexo, que poderia serpensada, no incio, como exterior ao ser, torna-se, pelo mtododialtico, determinante do ser: contm o ser em si.

    O ser, do qual fala Hegel, uma esfera da lgica, no umaesfera da natureza inorgnica claro que uma esfera daquiloque parece estar antes de toda a lgica consciente e, por isso,parece se desenvolver independente de todo conhecimento etodo pensamento.15

    A reflexo opera a diviso e a oposio entre contrrios quese relacionam. A superao e, ao mesmo tempo, a conservao domomento reflexivo so operadas com o ingresso da razo noabsoluto. Diferente da reflexo que oscila entre os dois lados daantinomia, a reflexo simultnea dos dois lados deixa evidente acontradio e fora a sua sobressuno.16

    A contradio, que aparecia como fazendo parte do ser, tornaa aparecer como um produto da reflexo e sobressumida pelarazo. A razo a reflexo que reflete sobre si prpria, elevando-se

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    acima da indiferena dos opostos e determinando-se como resultadodessa indiferena. A razo supera a indiferena e, ao mesmo tempo,conserva a contradio como sendo a sua verdade. A auto-reflexoque a razo opera no a resoluo da contradio que resultou dojogo entre opostos; a contradio se mostra muito mais como averdadeira essncia do pensamento especulativo e, por isso, insu-pervel.

    O conceito a culminncia da lgica, enquanto esclareci-mento conceitual e movimento do pensamento. Ele tambm otodo do desenvolvimento, a viso do processo inteiro, que leva doser indeterminado unio de todas as determinaes. O conceitopode ser chamado, portanto, de absoluto: traz em si todos os mo-mentos do pensamento como partes da sua verdade.

    O movimento circular da Lgica impede a progresso dopensamento ad infinitum. O conceito infinito como verdadeabsoluta, porm no inalcanvel: o todo e a verdade fazem partedo pensamento filosfico que reflete sobre si mesmo e, por isso, chamado de especulativo. O pensamento do absoluto ou do todoexistente s alcanado pela razo em sua liberdade.

    IV

    A questo que resulta da viso geral do sistema hegeliano serefere validade do seu mtodo e, conseqentemente, verdadede seu sistema. O que deve e pode ser posto em discusso apretenso hegeliana de um conhecimento humano absoluto ouinfinito. Segundo Hegel, esse s ocorre porque pensamento erealidade, sujeito e objeto, esto em ligao direta e inseparvel: aunio deles o fundamento de toda verdade. La realidad de algoslo est en su concepto; en cuanto es distinto de su concepto, cesade ser real y se convierte en algo nulo.17

    Cria-se uma circularidade indissolvel; a veracidade do sistema demonstrada pelas teses desenvolvidas e defendidas no interiordo prprio sistema. No sistema, deduzido pelo mtodo dialtico,

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    a relao entre sujeito e objeto; e essa relao que possibilita aafirmao do sistema como verdadeiro, pois fruto do pensamentoespeculativo, que tambm objetivo. O uso dedutivo da razo oveculo da verdade e no desenvolve apenas um sistema conceitual,mas um sistema objetivo.

    Essa assertiva hegeliana quanto possibilidade de umconhecimento absoluto no uma posio dogmtica? O processodedutivo dialtico que desenvolve todo o sistema fundamenta essaposio, porm, o que fundamenta o sistema? De acuerdo conesto la lgica tiene que ser concebida como el sistema de la raznpura, como el reino del pensamiento puro. Este reino es la verdadtal como est em s y por s, sin envoltura.18

    O que determina a verdade dessa posio filosfica? Por queo pensamento tem de ser ilimitado? A posio hegeliana no decerta forma uma volta metafsica tradicional por pretender que opensamento refletido sobre si alcance a verdade absoluta? O mtododialtico parece conter verdadeiramente o movimento do pensa-mento e do mundo ou realidade. Todavia, condio necessria dapesquisa e do estabelecimento da verdade, a dialtica parece no sebeneficiar permanentemente, mesmo na filosofia de Hegel, doestatuto de condio suficiente.19

    O que garante a verdade dos diversos momentos dedutivosdo sistema hegeliano? Pela concepo hegeliana, pela sua carac-terstica principal, que a demonstrao de sua verdade pela exposi-o do sistema, no h um parmetro exterior que possa determinarverdade ou falsidade. Do que depende ento a aceitao ou no dosistema hegeliano?

    A ambio hegeliana de superar o dualismo, a limitao doconhecimento humano, levou-o a afirmar o acesso do pensamentoao contedo ilimitado: representao de Deus. Deus no est paraalm de qualquer conhecimento humano. Por eso puede afirmarseque dicho contenido es la representacin de Dios, tal como est ensu ser eterno, antes de la creacin de la naturaleza y de un espritufinito.20

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    O contedo da lgica esse ser eterno que Hegel denominaDeus. Entretanto, no um ser alm do mundo real, objetivo,concreto. Deus, em Hegel, o esprito que se desenvolve na histriae na natureza. No fcil decidir a que que afinal Hegel d onome de Deus: o criador dos homens, ou a sua criatura ltima, ouo homem criando-se a si prprio.21

    Nessa tentativa de tornar o alcance do pensamento algo ilimi-tado, no ter Hegel voltado a um idealismo subjetivo, que no temmais parmetro para distinguir o conceitual do real? De que ma-neira se conserva a diferena dentro de um sistema que culminacom o conceito ou com a idia absoluta, que, por sua vez, tem comoverdade prpria a sua autonomia em relao ao ser e tem o sercomo um momento de si mesma? Por que h a necessidade de voltarao ser, isto , por que o conceito est como que desmembrado emser e reflexo? Enfim, qual o fundamento para a necessidade doabsoluto ser tambm finito? Se no h um parmetro exterior aoconceito, o que faz persistir a diferena na unidade? No basta, pararesponder a essas questes, apontar, por verificar-se aplicvel tanto razo quanto realidade efetiva, para o mtodo dialtico comogarantia do sistema, pois pode-se sempre colocar a questo quanto exclusividade desse mtodo para a anlise do conhecimento.

    Alm da possibilidade de todos esses questionamentos, aoobservar o sistema hegeliano, pode-se ainda perceber uma possveloposio entre o mtodo dialtico e o resultado de sua aplicao:um sistema unitrio e totalizante. Como se relaciona o mtododialtico, que pretende a conservao do movimento e da contra-dio, com o sistema hegeliano fechado e acabado? Surge umparadoxo: Hegel constri um sistema, estrutura totalizante, enquan-to a sua dialctica pe em evidncia a caducidade de toda a determi-nao e o inacabamento de toda a representao da totalidade.22

    Por fim, no se pode simplesmente negar o sistema hegeliano,porm tambm no basta aceit-lo sem crtica. A afirmao daomnipotncia da razo que parece devir das teses desenvolvidas porHegel no condiz com a pretensa abertura do mtodo dialtico. Do

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    mesmo modo esse mtodo no se confirma como razo suficienteda veracidade do sistema.

    ABSTRACT: This paper tries to critically analyses Hegels epistemological positionspresented in the Science of Logic, positions which depend basically upon the acceptance ofthe validity of the dialectical method.

    Key-words: Hegel, German idealism, logic, dialectics, theory of knowledge.

    Notas

    1. DHONDT, 1984, p. 24.

    2. Ibidem, p. 31.3. Ibidem, p. 38.4. HEGEL, 1948, p. 39.

    5. Ibidem, p. 51.6. KESSELRING, 1984, p. 73. A traduo de passagens desse livro

    neste artigo so de minha responsabilidade.7. HEGEL, 1948, p. 49-50.8. Ibidem, p. 61.

    9. Ibidem, p. 71.10. Ibidem, p.73.11. Ibidem, p.71.

    12. Essa traduo do termo Aufhebung foi recomendada pelo Prof.Carlos Roberto Cirne-Lima.

    13. Idem, ibidem.

    14. KESSELRING, op. cit., p. 46.15. Idem, ibidem.16. Ibidem, p. 68.

    17. HEGEL, 1948, p. 66.18. Idem, ibidem.

  • Sofia Ins Albornoz Stein

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    19. DHONDT, op. cit., p. 47.20. HEGEL, 1948, p. 66.21. DHONDT, op. cit., p. 50.22. Ibidem, p. 51.

    Referncias

    DHONDT, Jacques. Hegel. Lisboa: Edies 70, 1984.

    HEGEL, G. W. F. Phnomenologie des Geistes. 6.ed. Hamburg: FelixMeiner Verlag, 1952. [1.ed. 1807.]. [Traduo espanhola deWenceslao Roces, Fenomenologa del Espritu. Mxico: Fondo deCultura Econmica, 1966].

    _____. Wissenschaft der Logik. Leibzig: Felix Meiner Verlag, 1948.[Traduo espanhola de Augusta y Rodolfo Mondolfo, Cincia dela lgica, Buenos Aires: Libreria Hachette s.d.].

    KESSELRING, Thomas. Die Produktivitt der Antinomie Hegels Dialektikim Lichte der genetischen Erkenntnistheorie und der formalen Logik.Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1984.