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XIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL 25 a 29 de maio de 2009 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil A CIDADE E A FEIRA NO TEMPO: A RELAÇÃO FEIRA-CIDADE E OS DIFERENTES MODOS DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO PELA FEIRA DE CARUARU Gustavo Miranda (UFPE) - [email protected] Arquiteto, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo - UFPE

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Feiras livres

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XIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EMPLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL25 a 29 de maio de 2009Florianópolis - Santa Catarina - Brasil

A CIDADE E A FEIRA NO TEMPO: A RELAÇÃO FEIRA-CIDADE E OS DIFERENTES MODOS DEOCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO PELA FEIRA DE CARUARU

Gustavo Miranda (UFPE) - [email protected], professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo - UFPE

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A CIDADE E A FEIRA NO TEMPO:

A relação feira-cidade e os diferentes modos de ocu pação do

território pela feira de Caruaru

RESUMO:

A feira de Caruaru sempre influenciou e produziu diferentes modos de ocupação no

espaço urbano da cidade, gerando ou retomando formas de territorialidade, as quais

estão relacionadas diretamente com as transformações dos lugares onde ela se

situou. Este trabalho mostra, em um primeiro instante, como é clara a

interdependência feira-cidade no momento anterior à transferência em 1992 para o

Parque 18 de Maio. Posteriormente, observa-se a necessidade dessa transferência

pelos evidentes conflitos, espaciais e infra-estruturais no centro de Caruaru. E por fim,

levantaram-se alguns indícios da existência de uma retomada de ocupação territorial

antes existente, agora no Parque 18 de Maio, levando-se, com isso, a se questionar se

atualmente a relação dialética entre a feira e a cidade continua a existir e de que modo

as transformações espaciais acarretaram perdas e ganhos ao longo de 15 anos.

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1. OBJETIVO

O argumento central deste trabalho é avaliar os diferentes resultados da relocação

espacial da feira de Caruaru em 1992 para um espaço fora do centro histórico da

cidade, observando-se como se deu a relação feira-cidade em cada época delimitada,

através de um período de 15 anos. Para isso, foi necessário questionar se ela

permaneceu em todas as fases desse processo com suas características particulares

que a fizeram ter papel tão significativo nacionalmente.

2. METODOLOGIA

A metodologia adotada para essa pesquisa foi a histórico-documental em diversos

livros e jornais, para que se pudesse fundamentar o papel das feiras livres na relação

com as cidades, e mais especificamente da feira de Caruaru com o espaço urbano,

entre os anos de 1992 e 2007. Além disso, na pesquisa de campo utilizou-se de

observações e conversas com feirantes, tendo como meios de representação mapas e

fotos que respondem a questionamentos surgidos durante o trabalho.

3. FEIRAS LIVRES 1: FENÔMENOS URBANOS COMPLEXOS

A feira é lugar público, quase sempre descoberto onde se desenvolvem comércio,

troca e venda de mercadorias, consistindo em uma estratégia de sobrevivência do

setor informal, estando inserido no campo terciário da economia urbana2.

Em uma época onde se percebe uma crescente diminuição da vida pública nas

cidades, as feiras parecem andar na contramão desse processo, proporcionando o

encontro e o estabelecimento de novas relações e um valioso intercâmbio cultural.

Assim como os bazares iranianos estudados por Nejad (2005), as feiras não são

apenas os centros comerciais das cidades, mas também de atividades culturais,

sociais e até mesmo políticas.

A importância das feiras nas cidades não se constitui apenas em fenômeno regional

ou mesmo nacional, podendo-se identificar locais que passam a se constituir em

referência cultural em diversas cidades do mundo, tais como Portobelo Road, em

Londres ou a feira de San Giovanni, em Roma. Essas cidades, procurando trazer

atividades consistentes para seus espaços públicos, estão usando regularmente feiras

para transformar ruas, praças e estacionamentos em “locais de pessoas”, atraindo

vitalidade e comércio de volta para o espaço público nos centros das cidades e

vizinhanças (SPITZER e BAUM, 1995, p. 1).

Segundo estudo da Ford Foundation (2003), um dos métodos mais óbvios, porém

talvez menos entendidos de aumentar a integração social em espaços públicos e

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encorajar o crescimento de mobilidade são as feiras livres. Elas são localizadas e/ou

criadas em espaço público dentro da comunidade, além de serem reconhecidas como

atividades “ímã” e “âncora” por atuar com a “alma” e o “coração” da localidade e por

atrair movimento e dinamismo aonde elas acontecem. (LYONS e MBIBA, 2003, p. VII).

Já no Brasil, a presença das feiras livres é uma das mais importantes características,

especialmente nas cidades nordestinas, porque possuem grande relevância

econômico-cultural para a população dessa região. São inúmeros os relatos sobre a

evolução de cidades que tiveram o início marcado pela atividade mercantil e pela

presença de uma feira, por estarem em rotas de comércio ou em situações

geográficas benéficas. Muitas delas localizaram-se principalmente nos centros das

cidades, construindo uma simbiose com o comércio e a vida social local, tal como

aconteceu com Caruaru (PE). Lá, a feira se estabeleceu como ponto estratégico e

consolidou uma das principais funções da cidade como lugar de trocas e serviços,

onde múltiplos personagens estabeleciam as mais diversas relações sociais, como

mostra o texto abaixo:

Envoltas em xales vistosos, o cachimbo de barro cozido pendente do lábio, mulheres caboclas, negras e sararás fazem barganha com a freguesia [da feira]. Ruídos e vozes partem de todos os cantos: dos becos que desembocam na rua, onde pedintes aleijados e cegos entoam cantigas improvisadas, [...]; dos propagandistas das lojas de cintas, dos pregoeiros, das sanfonas, violas e pandeiros. [...] O trovador popular recita para os matutos histórias sertanejas que vêm narradas nos folhetos de capas berrantes e versos primitivos. (CONDÉ, 1960, p.51)

Evento semelhante também ocorreu e ainda ocorre na feira de Arapiraca (AL). Lá, as

pessoas deixam a roça e outras cidades menores e se preparam para ir à feira e fazer

compras, tornando-a um importante ponto de encontro da região. Já em Campina

Grande (PB), a relação entre a feira e a cidade era quase simbiótica e também se

davam de modo semelhante a Caruaru:

Os barbeiros em 1980 ainda armavam suas barraquinhas em um terreno desocupado às margens do canal das Piabas [...]. E ainda era comum a presença de crianças e adultos nas entradas da feira para conduzir a ‘feira’ em balaios de vime, bem como os vendedores de sacos de papel, que tinham presença garantida por toda a Feira. (Costa, 2003, p. 23)

As feiras livres acarretam, portanto, diversas conseqüências ao espaço onde estão

situadas, principalmente pelo poder de atrair grande número de pessoas e carregam

consigo ações e atividades inerentes a sua relação com o espaço da cidade. Deste

modo, é importante saber que elas se tornam importantes para as cidades onde se

situam e que, com a existência das mesmas, pode-se equilibrar as dinâmicas locais e

manter-se a importância de áreas que delas dependem diariamente.

3.1 O papel das feiras no espaço das cidades

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Muitas vezes as cidades passam por diversos processos de intervenção em busca de

melhorias na estrutura e infra-estrutura urbanas e visando resolver problemas que

afetam grande parte dos moradores. Com isso, perdem-se de um dos elementos mais

presentes na vida desses centros urbanos, das feiras livres, ou seja, de sua alma e de

sua identidade.

Por guardarem algumas características de comércio de economia informal, muitos

exemplos de feiras passaram por processos de perda de qualidade, importância social

e cultural, principalmente porque são tratadas meramente como espaço mercantil de

produtos e como exemplares de uma vertente econômica “atrasada”. Contudo, no

decorrer dos anos, as feiras continuaram a existir assumindo novas roupagens. Muitos

dos elementos que moldaram essa idéia não mais persistem. Em substituição, há o

surgimento de novas informações, como a inserção de um trabalho assalariado e não

mais familiar, ou a não mais exclusiva venda do produto pelo produtor, além de

reformulações na forma das barracas e dos produtos, tornando-os mais atrativos aos

consumidores.

Assim, para não ser tomada da mesma forma, torna-se necessário descobrir ou

identificar quais aspectos mudaram ou permanecem no funcionamento e no

inconsciente dos que constituem esse comércio informal. Para isso é necessário

destacar a importância nos aspectos econômico, social e cultural que esse tipo de

comércio informal possui para os centros urbanos.

3.1.1 O papel econômico das feiras:

Atualmente, assiste-se a um reconhecimento e revalorização do papel das feiras, e os

chamados “locais de mercado” ressurgem como elemento importante para as cidades.

A feira se constitui como fenômeno econômico, sendo considerada nos dias atuais

como elemento importante para manutenção e bom funcionamento de espaços

urbanos. Para a Ford Foundation (2003), estes espaços de comércio são

considerados pela sua capacidade de geração de movimento e indução de melhorias

sociais e econômicas para seus usuários (THE FORD FOUNDATION, 2003, p. 45)

Esse comércio de rua, antes classificado como “marginal”, tem sido tomado como um

próspero e crescente fenômeno da economia global e uma Fonte potencial de

desenvolvimento, pois fornecem bases econômicas às cidades. Alguns de seus

exemplares nordestinos são centros distribuidores comerciais regionais e atraem

milhares de compradores por ano, gerando milhares de empregos. Tornam-se ótimos

exemplos de dinâmica da cidade: ela se enche de pessoas provenientes de

localidades diversas contribuindo para o impressionante movimento que então se

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estabelece, gerando renda e trabalho para quem dela depende direta ou indiretamente

(figuras 1 e 2).

3.1.2 O papel social das feiras:

As feiras são na maioria dos casos, um dos métodos mais óbvios, porém talvez menos

entendidos de aumentar a integração social em espaços públicos e encorajar o

crescimento de mobilidade social. São locais convidativos do espaço público, para

onde convergem inúmeras atividades e que atrai todo tipo de pessoas e atividades

(THE FORD FOUNDATION, 2003, p. 7). Elas provêm bens e serviços às pessoas de

todos os tipos oferecendo, através de um desenvolvimento, oportunidade à cidade,

além de estimular outras atividades na vizinhança e região.

Elas são localizadas no espaço da cidade e são consideradas atividades que atraem

movimento e dinamismo a esses locais. Esse é o aspecto visível das feiras: a criação

de um local dinâmico e muitas vezes surpreendente, onde há inúmeras atividades da

comunidade acontecendo e onde há uma fácil mistura e interação entre as pessoas

(figuras 3 e 4).

Observando-se a realidade no Nordeste brasileiro, a feira livre não é mais um simples

local de compra e venda de mercadorias, é o local privilegiado onde se desenvolvem

uma série de relações sociais. Além de ponto de encontro tradicional de amigos ou de

simples conhecidos, é o local escolhido para os mais variados atos da vida social.

Como cita Pazera (2003), ali:

Figura s 1 e 2: Produtos vendidos na Feira de Campina Grande (PB) e Vista aérea da Feira de Caruaru Fontes: Gustavo Miranda e Roberto Silva – PMC, respectivamente

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se sabem as últimas notícias e boatos. Ali são feitos os anúncios de utilidade pública. Comícios, geralmente ocorrem em dia de feira, podendo contar, assim, com o maior público possível da zona rural. Espetáculos artísticos, dentre eles alguns hoje ditos folclóricos, desenvolvem-se na feira. Apresentam-se espetáculos com o fito de promover algum produto, como é o caso dos remédios, ou ainda como forma de entretenimento (cuja remuneração é voluntária), a exemplo dos cantadores que evocam os trovadores medievais, apresentando riqueza em experiência e memória.

3.1.3 O papel cultural das feiras:

Toma lá, dá cá. O preço vem cantando, manhoso, mas o freguês faz muxoxo. Moça bonita não paga, mas também não leva. E o preço é o combinado, que combinado não é caro nem barato. [...] Esses ambientes revelam uma diversidade cultural impressionante. É onde melhor se pode conhecer o povo de uma região, seus costumes, sua cultura. Está tudo lá, ou mais escancarado, ou meio escondido, precisando de uma conversa para desatar, mas sempre cativando a curiosidade e a imaginação [...]. (GUGLIELMO, 2005, p. 11)

Para esse autor, nas feiras toda transação vem carregada de significados. São

trocados bens simbólicos, já que são estimados por valores determinados no âmago

de suas culturas produtoras. São, para ele, portanto, portadores de identidades e

subjetividades. A grande maioria delas traz consigo um valor cultural intrínseco

despertado pela enorme variedade de produtos comercializados e/ou apresentados ao

público e que fazem parte do cotidiano de seus freqüentadores. Com o tempo, esse

espaço de sociabilidade tornou-se referência na formação da identidade cultural do

povo e uma atração para os visitantes, tendo em vista a variada riqueza presente no

conjunto material e humano ali exposto.

As atividades desenvolvidas nas feiras livres mostram como são fortes atrativos

culturais. Atreladas à importância desse comércio informal estão a identidade e a

memória coletiva de um povo, criadas a partir de elementos do cotidiano e refletidas

nas mais diversas expressões populares e bens culturais, sejam eles bonecos de

barro ou de pano, chapéus de couro, como se verifica em feiras nordestinas, ou uma

Figuras 3 e 4: Interação entre pessoas gerada pela Feira de Caruaru. Fonte: Gustavo Miranda

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variedade de outros produtos (Figuras 5 a 7). Transformando-se, assim, em um

“retrato de um povo que acolhe uma cultura orgulhosa do que tem e do que produz

com seu suor, e que possui um expressivo referencial da criatividade e da cultura

popular em suas raízes”. (MIRANDA, 2006, p. 6)

Enfim, a feira cumpre seus diversos papéis como “lugar do encontro, do espontâneo,

do provisório, da diversidade cultural” (MASCARENHAS, 2005, p. 8) por atrair grande

número de pessoas e de carregarem consigo ações e atividades inerentes a ela. E

que as fazem participar ativamente da vida urbana.

4. OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO: três momentos na

relação feira-cidade

A partir da discussão dos diversos papéis exercidos pelas feiras no espaço urbano,

este trabalho surgiu como meio de compreender a importância que elas possuem para

as cidades brasileiras, ainda mais nas nordestinas, nas quais existem meios de se

realizarem as atividades mais cotidianas, desde a essência comercial até servir de

lugar de encontro e berço cultural.

Enfocando-se essencialmente no processo de transferência sofrido pela feira de

Caruaru, foi possível identificar três períodos distintos na ocupação do espaço urbano

da cidade.

4.1 A feira na cidade: crescimento e desenvolviment o através do espaço

urbano

Nascida juntamente com o povoado que deu origem a Caruaru há mais de dois

séculos e localizada no percurso matriz3 gerador da forma inicial da localidade, a

pequena feira desenvolveu-se estabelecendo relações urbanas as mais diversas no

centro da localidade até o início da década de 90.

Durante esse período, um comércio formal se estabelece na área central e passa a se

beneficiar da atração e do grande fluxo de pessoas que o mercado ao ar livre exercia

em toda a região agreste pernambucana, fortalecendo a simbiose do comércio formal

com o informal da feira. Com isso, iniciou-se mais fortemente a transformação do uso

do solo no centro da localidade, onde algumas habitações foram transformadas em

lojas que vendiam produtos complementares àqueles da feira. Essa interdependência

surgiu com a apropriação, pela convivência diária da população, desse comércio

informal, como demonstra Condé (1960), ao revelar que mal se podia andar em uma

rua “atravancada de gente, cavalos, barracas, mercadorias. Das portas das lojas as

peças de chita de todas as cores eram bandeiras em dias de festa” (figura 5).

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Foi neste espaço central lotado onde surgiram formas de expressão, hoje

características, das mãos de Mestre Vitalino, artesão que utilizou o barro para criar

bonecos que representam grande parte da cultura e do povo nordestinos (figura 6)

Com o constante crescimento e expansão da feira, ela passa a ocupar até alguns anos

antes da relocação, uma área equivalente a 22.760 m2, chegando a 5000 feirantes

(tabela 1), trazendo grande fluxo de pessoas e capital à cidade. Pode-se afirmar, por

conseguinte, que tanto a feira quanto a cidade só tiveram a ganhar com a localização

desse comércio no centro e com as conseqüências trazidas por essa espacialidade.

ANOS 1964 1970 1986

Nº DE FEIRANTES 3000 4000 5000

TABELA 1: Relação do nº de feirantes x ano no centro de Caruaru. Fontes: VERAS, 1964, p 01; RODRIGUES, 1992: p.05; JORNAL VANGUARDA (1986); Coordenadoria de Comunicação – PMC

FIGURAS 5 e 6: Feira de Caruaru no centro da cidade – 1900 e Mestre Vitalino com alguns dos seus bonecos de barro Fontes : Jornal Vanguarda e Acervo da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ, respectivamente

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4.2 A feira sem a cidade: a necessidade de uma nova inserção urbana

Pelo constante crescimento do número de feirantes e reduzida área para expansões

da feira de Caruaru, o espaço ocupado por ela passou a ser insuficiente já em meados

dos anos 80. Mais de 20 ruas eram ocupadas pelas barracas, principalmente a cada

quarta-feira e sábado. Isso trouxe, aliado ao crescimento da cidade para além do

núcleo central, necessidades antes inexistentes, o que levou sempre o poder

municipal a ações paliativas (figuras 7 e 8).

FIGURAS 7 e 8: Feira de Caruaru no centro da cidade - 1992 Fonte: Jornal Vanguarda

Entretanto, no início dos anos 90, pelo aumento do número de conflitos, como

engarrafamentos, queda na mobilidade e da qualidade da infra-estrutura para

realização das feiras4, a população passou a exigir a retirada desse comércio do

centro da cidade. Isso só aconteceu porque esse comércio ao ar livre não dependia

mais exclusivamente da cidade, tanto que pôde ser transferida, em 1992, para uma

área completamente diferente de onde ela estava.

Essa relocação despertou tanta curiosidade que o novo espaço, o Parque 18 de maio,

chegou a descrito como um “novo teatro” (RODRIGUES, 1993, p.01) pela área de

151.440m2 que ocupa, seis vezes maior do que o que foi ocupado nas ruas do centro

(figura 9).

Porém, esse evento não significou necessariamente que ambas saíram ganhando com

a transferência da feira para o Parque 18 de Maio, já que tiveram de buscar novos

meios de se relacionar entre si, o que gerou a retomada de um modelo de ocupação

espacial já existente, principalmente no fim dos anos 90.

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BOM JESUS

MORRO DO

Feira antes da transferência

Feira após a transferência

LEGENDA:

N

0

50m 200m 500m

Rio Ipojuca

FIGURA 9: Mapa comparativo – Feira no centro de Caruaru e no Parque 18 de Maio (1992). Fonte: Unibase fornecida pela PMC

4.3 A feira novamente no tecido urbano?

Normalmente, as feiras livres estão inseridas no centro do tecido original das cidades.

Tal fenômeno se dá pela vitalidade existente nas ruas, locais muito mais propícios à

existência de espaços comerciais informais. De modo contrário, os espaços

planejados surgem como resposta a dificuldades surgidas no processo de ocupação

do espaço, no caso das feiras livres, principalmente se elas estão nos centros das

cidades.

Se cidades européias e norte-americanas estão utilizando as feiras livres como locais

de revitalização dos seus centros atraindo de volta pessoas para esses espaços

públicos e vizinhanças, a solução utilizada em Caruaru foi diferente, com a localização

da feira livre em um espaço planejado e dotado de infra-estrutura, mas sem as

características que deram à feira de Caruaru a relevância característica a ela.

Porém, atualmente, esse comércio está tentando retomar sua conexão com o espaço

urbano, através da busca por locais nas vias do entorno do Parque 18 de Maio. Tudo

isso resultou em uma disposição diferente do modelo planejado em 92 (figuras 10 e

11) e pode ser vista na ocupação das vias por barracas da Sulanca5, especialmente

nos dias de terça-feira, quando mais de 12 mil sulanqueiros montam suas barracas de

madeira e se juntam a outros 10 mil cadastrados (Tabela 2).

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Rio Ipojuca

Feira de Caruaru

LEGENDA:

0 50m 200m 500m

BOM JESUS

MORRO DO

FIGURA 10: Parque 18 de Maio e entorno ocupados por barracas – 2007 Fonte: Unibase fornecida pela PMC

FIGURA 11: Aspecto da Feira de Caruaru no Parque 18 de maio - 2007 Fonte: PMC – Fotógrafo Roberto Silva

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Tipo da feira Nº de comerciantes Nº de

compradores

Valor comercializado 2006

(R$/ média)

Frutas e

Verduras

5900 20.000/ semana 3 milhões/semana

Sulanca 12000 +10000

invasores

100.000 alta

estação

35.000 baixa

estação

22 milhões/semana

Artesanato 400 10.000/semana 20 milhões/ baixa estação

40 milhões/ alta estação

TABELA 2: Dados das feiras de Frutas e Verduras, Sulanca e de Artesanato - 2007 Fontes: Coord. de Comunicação – PMC, Associação dos Sulanqueiros e dos Feirantes de Artesanato de Caruaru

O grande número de feirantes (totalizando mais de 30 mil no Parque 18 de maio e

arredores) se deve ao crescimento da área ocupada em comparação ao espaço das

ruas, o que, com o passar dos anos, acarretou novamente diversos conflitos. Dentre

eles, espaciais, como citado acima na ocupação das vias, gerando uma conseqüente

subutilização de áreas no interior do Parque 18 de maio (figura 12). Muitas delas estão

desocupadas ou sendo ocupadas apenas como depósito (figuras 13 e 14,

respectivamente), desvirtuando o uso original planejado para elas. Outro efeito desse

conflito é o aparecimento de usos diferentes dos originais dentro da feira, como

“habitações” e prostíbulos (figuras 15 e 16). Ao mesmo tempo, por tudo isso é gerada

uma baixa vigilância social gerada pela subutilização dessas grandes áreas do Parque

18 de Maio.

Portanto, a constante busca pelo tecido da cidade revela um modelo de ocupação

espacial não tão novo assim e que traz consigo relações conflituosas. Este processo

mostra com clareza, apesar dos aspectos negativos, como os diferentes conflitos

recorrentes, que a feira de Caruaru está novamente em busca da cidade, pois neste

espaço é mais provável que os produtos sejam vendidos mais facilmente, por estarem

na melhor vitrine do Parque 18 de Maio, onde passa mais gente nessa área.

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FIGURA 12: Usos diferenciados existentes no Parque 18 de maio - 2007 Fonte: Imagem do acervo pessoal da Arq. Rosa Ludermir

Áreas sub-utilizadas

Áreas com prostíbulos

Áreas com “habitações”

LEGENDA:

FIGURAS 13 e 14: Barracas sem uso e utilizadas como depósito de mercadorias. FIGURAS 15 e 16: Barracas usadas como prostíbulos e outras como “habitação” Fontes: Gustavo Miranda

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento da feira de Caruaru e o da cidade estão intimamente ligados ao longo

de mais de dois séculos, refletindo diretamente no modo como o espaço público é

utilizado. Para a coexistência e extrema simbiose entre elas, essa territorialidade foi

essencial. Levando-se em conta toda a importância da Feira para a localidade,

puderam-se delinear três períodos situados entre 1992 e 2007, onde as diferentes

ocupações espaciais revelaram modos de como se deu a relação feira-cidade.

No primeiro, foi delimitada a importância da inserção da feira na cidade, onde ficou

claro que ambas ganhavam com essa intersecção nos mais diferentes níveis, seja

territorial ou comercial. Porém, no período que antecedeu a transferência para o

Parque 18 de Maio em 1992, essa intersecção pendia mais para o lado dos conflitos

do que para os benefícios na relação feira-cidade, fazendo com que ambas

perdessem com isso, pois esse comércio informal precisava de melhorias infra-

estruturais, espaciais e de gestão. Sendo assim, a municipalidade a transferiu, com o

apoio da população, para uma área que sofreu intervenções, tendo sido planejada

com condições diferentes das existentes anteriormente no centro.

Atualmente, há uma busca da feira por uma nova relação com o espaço da cidade no

entorno do Parque. Mas quem ganha ou perde com isso? Este trabalho não pretende

responder definitivamente essa questão, porém, mostra indícios e argumentos de que

o espaço urbano caruaruense ainda sofre influência direta da feira, cada vez mais em

maior grau, especialmente pela área ocupada por ela e pela incidência e força dos

conflitos existentes. Tudo isso mostra, portanto, que a manutenção da relação feira-

cidade continua sendo essencial, por ser um fator imprescindível para o equilíbrio da

dinâmica urbana local.

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VERAS, Aristides. Deve a feira desaparecer? Jornal Voz do Agreste . Caruaru: 14 jun

1964. Caderno Principal, p.1.

1 O conceito de feira livre utilizado neste trabalho é diferente do utilizado por autores como Mascarenhas (1991), que considera este tipo de feira como as realizadas apenas em bairros. Para ele esse tipo de feira é denominado de feira regional. Porém, este termo está íntima e popularmente associado, pelo menos no Nordeste brasileiro, a feiras ao ar livre, como a de Caruaru. 2 Segundo Vargas (2001), o setor terciário pode ser definido como aquele que incorpora atividades que não produzem nem modificam objetos físicos e que não terminam no momento em que são realizadas. 3 O percurso matriz, que por definição é preexistente ao uso de edificações em suas margens, tem um só andamento, retilíneo, para fazer mais curto o trajeto (CANIGGIA e MAFFEI, 1981 apud LOUREIRO e AMORIM, 1994, p. 23). 4 Este processo é chamado de deseconomia de aglomeração (VARGAS, 2001, p. 70) e se refere às desvantagens do espaço urbano por estar aglomerado. 5 Este segmento surgiu na década de 60, atuando no mercado de produtos populares de baixo custo, a partir do aproveitamento de sobras de tecidos de malha (helanca) oriundos das indústrias do Sul do País, originando assim o nome Sulanca.