52
340 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA DA REGIÃO DO VALE DO ITAJAÍ Hoyêdo Nunes Lins * No diversificado mosaico sócio-produtivo que compõe o estado de Santa Catarina, a produção têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí perfila-se entre os integrantes de maior visibilidade. Isso reflete seja a importância regional, em termos socioeconômicos, das atividades integrantes da cadeia têxtil-vestuarista, seja a projeção que as respectivas estruturas locais lograram obter em escala de país. Com efeito, não há equívoco em afirmar, de um lado, que os segmentos industriais em foco conformam o centro de gravidade da socioeconomia do Vale do Itajaí e, de outro, que esta área desponta na produção brasileira de artigos têxteis e de vestuário. Modeladas ao longo de muitas décadas na forma de uma verdadeira aglomeração produtiva, as estruturas locais não deixaram de ser afetadas pelas mudanças de marco regulatório que marcaram o cenário brasileiro no ocaso do século XX. As novas condições de concorrência, consubstanciadas na abertura comercial do país e, a partir de 1994, na política de câmbio que escorou o Plano Real, impuseram uma marcada reestruturação produtiva na área (e como de resto na indústria nacional como um todo), com resultados consideráveis. Entre as conseqüências de maior relevo, cabe indicar a tendência de modernização do parque instalado, principalmente no que diz respeito às empresas mais importantes, para o que se revelaram cruciais não só as pressões competitivas de intensidade até então raramente vista, mas também – e como uma espécie de contrapartida – as melhores condições para as compras no exterior de máquinas e equipamentos, assim como de matérias-primas e insumos, nutrindo o avanço da competitividade. O presente estudo consiste em uma espécie de diagnóstico da situação da aglomeração têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí no período atual. O objetivo mais amplo é inspirar iniciativas de política que possam contribuir para o desenvolvimento do aglomerado. A estrutura do texto, nos seus grandes traços, é a seguinte: na próxima seção localiza-se e caracteriza-se o aglomerado em termos produtivos e institucionais; depois aborda-se o problema da capacitação tecnológica e das condições que sustentam a inovação; em seguida, focalizam-se questões ligadas à cooperação e à governança; por último, e em decorrência do * Professor dos cursos de Graduação e Pós-graduação – Mestrado – da Universidade Federal de Santa Catarina.

3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

340

3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA DA REGIÃO DO

VALE DO ITAJAÍ

Hoyêdo Nunes Lins∗

No diversificado mosaico sócio-produtivo que compõe o estado de Santa Catarina, a

produção têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí perfila-se entre os integrantes de maior

visibilidade. Isso reflete seja a importância regional, em termos socioeconômicos, das

atividades integrantes da cadeia têxtil-vestuarista, seja a projeção que as respectivas estruturas

locais lograram obter em escala de país. Com efeito, não há equívoco em afirmar, de um lado,

que os segmentos industriais em foco conformam o centro de gravidade da socioeconomia do

Vale do Itajaí e, de outro, que esta área desponta na produção brasileira de artigos têxteis e de

vestuário.

Modeladas ao longo de muitas décadas na forma de uma verdadeira aglomeração

produtiva, as estruturas locais não deixaram de ser afetadas pelas mudanças de marco

regulatório que marcaram o cenário brasileiro no ocaso do século XX. As novas condições de

concorrência, consubstanciadas na abertura comercial do país e, a partir de 1994, na política

de câmbio que escorou o Plano Real, impuseram uma marcada reestruturação produtiva na

área (e como de resto na indústria nacional como um todo), com resultados consideráveis.

Entre as conseqüências de maior relevo, cabe indicar a tendência de modernização do parque

instalado, principalmente no que diz respeito às empresas mais importantes, para o que se

revelaram cruciais não só as pressões competitivas de intensidade até então raramente vista,

mas também – e como uma espécie de contrapartida – as melhores condições para as compras

no exterior de máquinas e equipamentos, assim como de matérias-primas e insumos, nutrindo

o avanço da competitividade.

O presente estudo consiste em uma espécie de diagnóstico da situação da aglomeração

têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí no período atual. O objetivo mais amplo é inspirar

iniciativas de política que possam contribuir para o desenvolvimento do aglomerado. A

estrutura do texto, nos seus grandes traços, é a seguinte: na próxima seção localiza-se e

caracteriza-se o aglomerado em termos produtivos e institucionais; depois aborda-se o

problema da capacitação tecnológica e das condições que sustentam a inovação; em seguida,

focalizam-se questões ligadas à cooperação e à governança; por último, e em decorrência do

∗ Professor dos cursos de Graduação e Pós-graduação – Mestrado – da Universidade Federal de Santa Catarina.

Page 2: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

341

que foi tratado nas partes anteriores, assinalam-se as vantagens competitivas e as principais

carências e limitações das estruturas locais, com a indicação de áreas de incidência para

possíveis políticas de promoção do desenvolvimento.

3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional

3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição

O arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí abrange diversos municípios que se

localizam principalmente na porção média do vale, conforme Figura 3.7.1. Prolongamentos

do tecido produtivo são observados em direção tanto ao Alto Vale como para o Norte, e

também rumo ao Itajaí Mirim, um pouco ao Sul. Blumenau desponta como cidade mais

importante, devido ao seu tamanho e sobretudo pelo que representa em termos produtivos e

institucionais, na aglomeração em foco, mas outras áreas urbanas marcam presença

igualmente: é o caso de Brusque, às margens do Itajaí Mirim, de Jaraguá do Sul, ao norte, e de

Rio do Sul, que polariza o Alto Vale do Itajaí.

Jaragua do Sul

Rio do Sul

Apiuna

Luiz Alves

Brusque

Guariruba

Gaspar

Blumenau

Pomerode

AscurraRodeio

Benedito Novo

Doutor Pedrinho

Rio dos Cedros

BotuveraIndaial

Timbo

Fonte: Governo do Estado de Santa Catarina. Figura 3.7.1: Localização das áreas de produção têxtil-vestuário do estado de Santa Catarina – 2005

Essas cidades maiores formam os pilares de uma malha urbana que inclui diversas

pequenas aglomerações. Isso pode ser percebido na Tabela 3.7.1, que apresenta as populações

Page 3: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

342

dos municípios da Microrregião Blumenau – assim designada no Atlas de Desenvolvimento

Humano no Brasil (ATLAS..., 2003) –, acrescidas dos dados referentes aos municípios de Rio

do Sul e Jaraguá do Sul, que pertencem a outras microrregiões.

Tabela 3.7.1 - População dos municípios do APL têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí e no estado de Santa Catarina – 2000

POPULAÇÃO URBANA POPULAÇÃO RURAL MUNICÍPIOS POPULAÇÃO

TOTAL ABSOLUTO PARTICIPAÇÂO (1) ABSOLUTO PARTICIPAÇÃO (1)

Apiúna 8.520 3.606 42,3 4.914 57,7 Ascurra 6.934 6.119 88,2 815 11,8 Benedito Novo 9.071 4.901 54,0 4.170 46,0 Blumenau 261.808 241.943 90,8 19.865 9,2 Botuverá 3.756 803 21,4 2.953 78,6 Brusque 76.058 73.256 96,3 2.802 3,7 Doutor Pedrinho 3.082 1.669 54,2 1.413 45,8 Gaspar 46.414 29.601 63,8 16.813 36,2 Guabiruba 12.976 12.048 92,9 928 7,1 Indaial 40.194 38.382 95,5 1.812 4,5 Jaraguá do Sul 108.489 96.320 88,8 12.169 11,2 Luiz Alves 7.974 2.124 26,6 5.850 73,4 Pomerode 22.127 18.713 84,6 3.414 15,4 Rio do Sul 51.650 48.418 93,7 3.232 6,3 Rio dos Cedros 8.939 3.758 42,0 5.181 58,0 Rodeio 10.380 8.866 85,4 1.514 14,6 Timbó 29.358 26.783 91,2 2.575 8,8

TOTAL 707.730 617.310 87,2 90.420 12,8

SANTA CATARINA 5.356.360 4.217.931 78,7 1.138.429 21,3

Fonte: Atlas... (2003). (1) Valores em percentual.

Dos dezessete municípios que compõem a Tabela, nove tinham menos de treze mil

habitantes no período de realização do Censo de 2000 e somente dois apresentavam

população superior a cem mil. Sete ostentavam proporções elevadas de população rural,

algumas girando em torno de ¾, todos estes casos aparecendo acima da incidência média de

população rural em Santa Catarina como um todo, que é pouco maior do que 1/5 do total. Os

quatro municípios mais populosos são, em ordem decrescente, Blumenau, Jaraguá do Sul,

Brusque e Rio do Sul, a população do primeiro superando em cinco vezes a do último. A

população total desse conjunto de dezessete municípios – que representam 5,8% do total de

municípios do estado – correspondia, em 2000, a 13,2% da população catarinense.

Esses municípios concentravam 17,25% do Produto Interno Bruto (PIB) catarinense

em 2002, uma posição largamente caudatária do desempenho de Blumenau e Jaraguá do Sul,

que juntos respondiam por 10% do total estadual. A maior parte dos municípios exibia um

PIB per capita superior ao de Santa Catarina como um todo. Jaraguá do Sul, Timbó,

Pomerode, Brusque e Blumenau, nessa ordem, possuíam os maiores PIB per capita da área,

Page 4: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

343

superiores em todos os casos em pelo menos 25% à média catarinense, conforme Tabela

3.7.2.

Tabela 3.7.2 - Produto Interno Bruto e Produto Interno Bruto per capita dos municípios do APL têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí e no estado de Santa Catarina – 2002 (1)

PRODUTO INTERNO BRUTO (2) MUNICÍPIOS ABSOLUTO PERCENTUAL

PRODUTO INTERNO BRUTO PER CAPITA (3)

Apiúna 91.038 0,17 10.409 Ascurra 46.693 0,09 6.525 Benedito Novo 58.872 0,11 6.352 Blumenau 3.210.185 6,19 11.627 Botuverá 25.190 0,05 6.864 Brusque 981.239 1,89 12.087 Doutor Pedrinho 15.729 0,03 5.064 Gaspar 497.185 0,96 10.042 Guabiruba 95.319 0,18 6.879 Indaial 491.956 0,95 11.421 Jaraguá do Sul 1.976.032 3,81 16.813 Luiz Alves 96.026 0,18 11.413 Pomerode 297.029 0,57 12.864 Rio do Sul 500.463 0,96 9.378 Rio dos Cedros 79.538 0,15 8.814 Rodeio 64.098 0,12 6.007 Timbó 412.588 0,80 13.330 TOTAL 8.939.180 17,25 10.310(1) SANTA CATARINA 51.828.169 100,00 9.272 Fonte: IBGE (2005). (1) Média ponderada dos PIB per capita municipais. (2) Preços correntes em R$ 1.000. (3) Valores em R$ de 2002.

A história da indústria têxtil-vestuarista nessa área confunde-se com a dos fluxos

migratórios de origem germânica registrados em Santa Catarina no século XIX, especialmente

durante a sua segunda metade. Não parece equivocado associar o ponto de partida dessa

trajetória industrial ao ano de 1880, quando foi criada, em Blumenau, a Cia. Hering, fruto de

iniciativa de um imigrante alemão em cuja família todos os integrantes masculinos, em várias

gerações, possuíam formação profissional em tecelagem (HERING, 1987).

As décadas seguintes assistiriam a outras iniciativas do gênero na região, várias das

quais resultando em organismos que continuam a funcionar atualmente na condição de

grandes empresas. Os nomes são conhecidos: Karsten e Renaux, criadas no final do século

XIX, e, entre outras, Cremer, Teka e Artex, surgidas na primeira metade do século XX. Mais

recentemente, nas décadas de 1950 e 1960, novos atores – hoje na linha de frente da indústria

pelo porte dos empreendimentos e pelo papel desempenhado – adentraram o cenário têxtil-

vestuarista regional: Dudalina, Marisol e Malwee são os exemplos mais evidentes.

Assim, em movimento que Mamigonian (1986) identificou como um “transplante”

(desde uma Europa em convulsão política e econômica) de uma cultura fabril e

Page 5: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

344

empreendedora impregnada em diversos artesãos, operários e pequenos comerciantes, a

indústria têxtil-vestuarista enraizou-se e cresceu no Vale do Itajaí. As relações do tecido

empresarial com o país de origem dos principais fluxos migratórios que modelaram a

ocupação da área – a Alemanha – estiveram longe de se mostrar sem conseqüências nesse

processo, seja no tocante às compras de bens de capital, seja no que tange à atualização

tecnológica. O avanço testemunhado teve, no intervalo entre as duas guerras mundiais, um

importante período de consolidação, pois ocorreu aí o fortalecimento e a ampliação da

presença dos produtos regionais em nível de país (SINGER, 1977). Na segunda metade do

século passado, a progressão mudou de escala, pois algumas empresas passaram a exportar,

inclusive para mercados mais seletivos.

Na esteira desse desenvolvimento, e na medida em que o segmento do vestuário

ampliou a sua presença no parque fabril, proliferaram as unidades produtivas de menor

tamanho. A projeção das atividades da cadeia produtiva rumo ao segmento vestuarista pode

ser notada mediante comparação entre os Censos Industriais de 1960 e 1985: ao mesmo

tempo em que, para Santa Catarina como um todo, o gênero “têxtil” apresentou considerável

decréscimo de participação no conjunto da indústria de transformação – tanto no valor da

transformação industrial quanto no pessoal ocupado –, o gênero “vestuário, calçados e

artefatos de tecidos” revelou um notável incremento. Isso derivou, de um lado, da

incorporação de novas atividades por empresas que, ultrapassando a mera prestação de

serviços para empresas maiores, passaram a fabricar malhas e artigos de vestuário diversos.

De outro lado, refletiu dinâmica de spin-off pela qual antigos empregados instalaram negócios

próprios de produção de artigos de vestuário, logrando progredir sobretudo por conta da

abertura de lojas na região.

Mais recentemente, na década de 1990, a indústria têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí

protagonizou intensa reestruturação em resposta às novas condições de funcionamento

impostas pela liberalização comercial.

O aumento da concorrência nos mercados internos, devido à maior presença de

produtos oriundos do exterior, e as dificuldades para exportar, provocadas pela política de

câmbio que sustentou o Plano Real, resultaram em mudanças que foram documentadas em

diferentes estudos (entre outros, LINS, 2000a, b; CAMPOS, CÁRIO e NICOLAU, 2000). Até

meados dos anos 90, teriam prevalecido condutas de cunho mais defensivo entre as empresas.

Houve modernização das estruturas produtivas e organizacionais, com aquisição de máquinas

e equipamentos no exterior e intensificação no uso de insumos importados, mas a busca de

menores custos com base na redução dos contingentes assalariados parece ter sido a tendência

Page 6: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

345

mais forte. Não admira que, nesse processo, tenha crescido a terceirização produtiva, em

movimento que provocou intensificação no uso de formas de trabalho que caracterizaram

fortemente períodos anteriores da industrialização em diferentes latitudes, como o trabalho

domiciliar e as cooperativas de trabalhadores (LINS, 2001,2003).

Na segunda metade dos anos 90, as empresas – e em especial as de maior porte,

incluindo várias de tamanho médio – adotaram comportamentos mais ofensivos, mirando

mais intensamente em atualização tecnológica e alinhando-se com as tendências

internacionais da competitividade nas atividades correspondentes, onde os avanços em moda

e design constituem palavras de ordem. Assim procedendo, as principais empresas do Vale do

Itajaí não destoaram do comportamento geral da cadeia têxtil brasileira, que testemunhou

atualização tecnológica principalmente nos segmentos de fiação, tecelagem e

tinturaria/estamparia (GORINI, 2000).

A Tabela 3.7.3 sintetiza essas questões. Baseada em dados fornecidos pelo Sindicato

das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (SINTEX) – que abrange,

além de Blumenau, outros municípios do Médio Vale do Itajaí –, a Tabela mostra, entre

outras coisas, um comportamento errático tanto da produção quanto do faturamento, uma

trajetória dos empregos que é dramaticamente declinante até 1997, mas com recuperação

posterior, uma grande expansão da produtividade e, no que diz respeito aos teares para

algodão utilizados – que podem, de algum modo, ser tomados como representativos dos bens

de capital em operação na área –, dois movimentos em sentido contrário: até onde as

informações disponibilizadas permitem acompanhar, nota-se que a quantidade de teares com

lançadeira teve trajetória francamente descendente, ao mesmo tempo em que a de teares sem

lançadeira só fez aumentar. Ora, estes últimos apresentam-se como modelos de teares mais

modernos, e portanto os números estariam a denotar uma tendência mais ou menos ampla de

atualização do parque instalado.

Tabela 3.7.3 - Indicadores de desempenho das indústrias têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí – 1990, 1993, 1995, 1997, 1999, 2001

INDICADORES 1990 1993 1995 1997 1999 2001 Produção (1) 102.000 96.000 120.000 107.000 245.280 275.000 Emprego 51.000 48.000 41.000 38.000 46.000 54.000 Toneladas/trabalhador 2 2 2,9 2,8 5,3 5,1 Faturamento (2) 1.733,9 1.287,3 1.760,0 1.917,0 1.950,0 2350,0 Investimento (2) 95,0 90,1 174,0 70,0 150,0 160,0 Teares para algodão c/ lançadeira 1.090 649 1.106 540 .. .. Teares para algodão s/ lançadeira 869 1.024 1.298 1.458 .. .. Fonte: SINTEX. (1) Valores em toneladas. (2) Valores em US$ milhões. Nota: Sinal convencional utilizado: .. Dado numérico não disponível.

Page 7: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

346

Por conseguinte, ao longo de uma trajetória mais que secular, o Vale do Itajaí

consolidou uma posição de indiscutível proeminência no universo têxtil-vestuarista

catarinense. Ainda que as atividades de produção de artigos de vestuário marquem presença

também em outras regiões do estado, conforme assinalado em Lins (2000a), dados recentes

mostram que mesmo nesse segmento existe uma elevada concentração na área em foco. Com

efeito, se na fabricação de produtos têxteis a Microrregião de Blumenau abriga 64,9% e

50,9%, respectivamente, dos empregos formais e dos estabelecimentos de Santa Catarina, nas

atividades de confecção de artigos de vestuário e acessórios as proporções aparecem

igualmente altas: 41,8% e 43,2%, na mesma ordem, de acordo com a Tabela 3.7.4.

Tabela 3.7.4 - A Microrregião de Blumenau na produção têxtil-vestuarista do estado de Santa Catarina – 2002

SANTA CATARINA MICRORREGIÃO DE BLUMENAU

ATIVIDADES EMPREGOS FORMAIS

(A)

ESTABELE-CIMENTOS

(B)

EMPREGOS FORMAIS

(C)

ESTABELE-CIMENTOS

(D)

C:A*100 D:B*100

Fabricação de produtos têxteis 49.654 1.197 32.241 609 64,9 50,9 Confecção de artigos de vestuário e acessórios 63.744 4.225 26.651 1.827 41,8 43,2

Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS.

3.7.1.2 Caracterização sócio-produtiva e perfil da comercialização

O arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí abriga atividades vinculadas aos

diferentes elos da cadeia têxtil. Realizam-se na área desde operações de beneficiamento de

insumos até as de produção de artigos confeccionados, podendo-se observar, portanto, a

presença das etapas de fiação (com fabricação de fios e linhas), tecelagem (de tecidos planos e

malhas) e confecção (com ampla gama de produtos, abrangendo artigos da linha cama-mesa-

banho e diversos artigos para vestuário).

Todavia, o grande destaque em nível nacional reside no desempenho das empresas que

atuam nos segmentos de produtos para cama, mesa e banho. Dados apresentados por Ferreira

(2000) apontam que, em 1999, nada menos que 70% da receita líquida dos principais

fabricantes brasileiros com atuação nesses segmentos provinham de cinco empresas do Vale

do Itajaí: pela ordem, Teka, Karsten, Artex, Buettner e Altenburg, todas de grande porte.

Fortemente concentrado em Blumenau, esse subconjunto da cadeia têxtil oferece os seguintes

tipos de produtos: colchas, lençóis, edredons e fronhas, no segmento cama; toalhas de mesa,

Page 8: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

347

guardanapos e centros de mesa, no segmento mesa; toalhas de banho e de rosto, roupões e

tapetes, no segmento banho. Seus clientes correspondem a lojas de tamanhos variados (do

pequeno varejo às lojas de departamentos), supermercados, meios de hospedagem

(principalmente hotéis), restaurantes e hospitais e clínicas.

Tabela 3.7.5 - Atividades têxteis e vestuaristas na microrregião de Blumenau – 2002 NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS

ATIVIDADES POSTOS

FORMAIS DE TRABALHO MICRO PEQUENO MÉDIO GRANDE TOTAL

TOTAL DA INDÚSTRIA TÊXTIL 32.241 443 120 32 14 609

Fabr. outros artigos vest. e prod. malha 4.652 19 8 5 2 34 Fabr. De art. de tecido p/ uso doméstico 4.103 19 4 1 2 26 Fabr. De outros artigos têxteis 6.460 44 13 3 3 63 Fabr. De outros art. têxt.– exceto vestuário 2.277 31 9 2 2 44 Fabr. De tecidos de malha 2.015 105 17 4 0 126 Fabr. De art. têxt. c/ tec. – exceto vestuário 2.655 25 5 2 1 33 Acabamentos em fios 2.137 78 18 4 0 100 Tecelagem de algodão 3.750 59 22 4 3 88 Fiação de algodão 935 5 7 1 0 13 Tecelagem de fios de fibras têxteis 234 15 1 1 0 17 Fabr. De artefatos de tapeçaria 126 16 2 0 0 18 Confec. de art. do vestuário e acessórios 26.651 1.572 214 37 4 1.827 Conf. de peças do vestuár. – exceto roupões 25.160 1.464 195 36 4 1.699 Fabricação de acessórios do vestuário 556 16 8 0 0 24 Confecção de roupas íntimas 857 80 10 1 0 91 TOTAL DAS ATIVIDADES TÊXTEIS E VESTUARISTAS

58.892 2.015 334 69 18 2.436

Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS.

A estrutura empresarial do arranjo é heterogênea e composta de numerosos atores.

Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), apresentados por Campos,

Stallivieri e Alt (2004), informam que, em 2002, a Microrregião de Blumenau registrava o

funcionamento de 2.435 estabelecimentos na produção têxtil e vestuarista, conjuntamente, ¾

dos quais nas atividades de confecção de artigos de vestuário e acessórios, conforme Tabela

3.7.5. As micro e pequenas empresas representam 96% de todos esses estabelecimentos, uma

proporção que sobe para quase 98% quando se consideram somente as atividades de

confecção de artigos de vestuário e acessórios. Observe-se que na produção têxtil três tipos de

atividades concentram mais da metade dos estabelecimentos: fabricação de tecidos de malha,

acabamentos em fios e tecelagem de algodão. Quanto à concentração dos postos formais de

trabalho, pouco menos de 60% do total encontra-se vinculado a somente quatro tipos de

atividades, identificadas segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas:

fabricação de outros artigos têxteis, fabricação de outros artigos de vestuário e produtos de

malha, fabricação de artigos de tecido para uso doméstico e tecelagem de algodão. Na

Page 9: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

348

indústria vestuarista, pouco menos de 95% tanto dos estabelecimentos quanto dos empregos

encontra-se relacionado à atividade de confecção de peças do vestuário.

Como constatado, esse tecido empresarial ocupa milhares de trabalhadores. Conforme

a Tabela 3.7.5, mostrada anteriormente, em 2001 o número atingia 54 mil nas empresas

associadas ao SINTEX, um volume que se apresentava em recuperação desde uma fase de

baixa (em termos de ocupação de mão-de-obra) que, apenas quatro anos antes, impusera um

patamar de emprego bem inferior a 40 mil. Em 2002, como pode ser vizualizado na Tabela

3.7.5, o contingente tangenciava 60 mil, sugerindo um prolongamento do período de

recomposição dos números empregados. A distribuição do emprego segundo os tamanhos das

empresas mostra que as de grande porte absorviam mais de 1/3 do total do emprego formal

em 2002; somadas às empresas de tamanho médio, estas firmas concentravam quase 6 de cada

10 empregados. Todavia, a variação entre 1994 e 2002 revela que os 5,6% de crescimento da

totalidade dos empregos das indústrias têxtil e vestuarista devem-se tão-somente às micro e

pequenas empresas, já que nas grandes o comportamento foi de redução dos efetivos, em

34,5%. A variação do número de estabelecimentos ocorreu na mesma direção: crescimento

entre as empresas de menor porte e encolhimento nas de grande porte, de acordo com a

Tabela 3.7.6.

Tabela 3.7.6 - Produção têxtil-vestuarista na microrregião de Blumenau de acordo o tamanho

das firmas, no emprego e nos estabelecimentos e comportamento - 1994-2002 PORTE

EMPRESARIAL EMPREGO FORMAL EM

2002 (1)

NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS

EM 2002 (1)

VARIAÇÃO NO EMPREGO

1994-2002 (1)

VARIAÇÃO NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS:

1994-2002 (1) Micro 18,30 82,72 159,57 139,31 Pequeno 22,71 13,71 121,13 138,57 Médio 24,45 2,83 -0,61 4,55 Grande 34,53 0,74 -34,52 -25,00

TOTAL 100,00 100,00 5,64 127,24

Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS. (1) Valores em percentual.

Cabe enfatizar ainda que as indústrias têxteis e vestuaristas representam, em conjunto,

a maior fonte de absorção de mão-de-obra no Vale do Itajaí. Dados da RAIS, trabalhados por

Mattei e Niederle (2004), são ilustrativos a esse respeito no que concerne a toda a

mesorregião do Vale do Itajaí, integrada, além da Microrregião de Blumenau (Microrregião

do Médio Vale do Itajaí), também pela Microrregião do Alto Vale do Itajaí e pela

Microrregião da Foz do Rio Itajaí. Os dados mostram que, em 2002, o subsetor “indústria

têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos” empregava formalmente 68.390 pessoas. Isso era

equivalente a 22,5% de todos os postos de trabalho formais existentes na área,

Page 10: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

349

independentemente do tipo de atividade, e representava nada menos do que 53,4% da

totalidade dos empregos formais da indústria de transformação de todo o Vale do Itajaí,

conforme Tabela 3.7.7.

Tabela 3.7.7 - Postos de trabalho formal na mesorregião do Vale do Itajaí – 2002 SUBSETORES NÚMERO DE POSTOS DE

TRABALHO PARTICIPAÇÂO (1)

Extrativa mineral 829 0,3 Indústria de produtos minerais não metálicos 4.608 1,5 Indústria metalúrgica 6.927 2,3 Indústria mecânica 5.736 1,9 Indústria do material elétrico e de comunicações 2.583 0,8 Indústria do material de transporte 3.492 1,1 Indústria da madeira e do mobiliário 11.467 3,8 Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica 4.749 1,6 Indústria da borracha, fumo, couros, peles e similares 1.561 0,5 Indústria química, de produtos farmacêuticos e veterinários 5.033 1,7 Indústria têxtil, do vestuário e artefatos de tecidos 68.390 22,5 Indústria de calçados 87 0,0 Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool 10.892 3,6 Serviços industriais de utilidade pública 2.485 0,8 Construção civil 7.769 2,6 Comércio varejista 48.466 15,9 Comércio atacadista 9.913 3,3 Instituições de crédito, seguros e capitalização 3.964 1,3 Comércio e administração de imóveis, valores imobiliários 21.381 7,0 Transportes e comunicações 11.200 3,7 Serviços de alojamento, alimentação, reparação e manutenção 25.887 8,5 Serviços médicos, odontológicos e veterinários 7.165 2,4 Ensino 8.811 2,9 Administração pública direta e autárquica 26.166 8,6 Agricultura, silvicultura, criação de animais, extrativismo 4.271 1,4

TOTAL 303.884 100,0

Fonte: Mattei e Niederle (2004), com dados da RAIS. (1) Valores em percentual.

A mão-de-obra regional é consideravelmente alfabetizada, em termos comparativos, a

julgar pelo fato de que somente dois municípios apresentam taxas de alfabetização menores

do que a média catarinense. Contudo, esse dado deve ser colocado em perspectiva: quando se

observa a média de anos de estudo da população adulta (pessoas com 25 anos ou mais),

percebe-se que a maioria dos municípios do arranjo apresenta resultados inferiores à média

estadual. De fato, dos dezessete municípios, somente Blumenau, Brusque, Jaraguá do Sul, Rio

do Sul e Timbó ostentam médias acima de 6,2 anos de estudo, número que corresponde a

Santa Catarina como um todo, de acordo com a Tabela 3.7.8. No que se refere

especificamente à mão-de-obra vinculada às atividades têxteis e vestuaristas, o estudo de

Campos, Stallivieri e Alt (2004) revela que, conforme captado pela RAIS de 2002, somente

16,5% dos trabalhadores em empregos formais apresentam formação em nível de ensino

médio completo ou superior a este; a maioria possui no máximo ensino médio incompleto.

Page 11: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

350

Esse quadro representa uma situação inferior do arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí,

comparativamente a outros arranjos produtivos existentes em Santa Catarina.

Tabela 3.7.8 - Nível educacional no APL têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí e no estado de Santa Catarina - 2000

MUNICÍPIO TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (1) MÉDIA DE ANOS DE ESTUDO DAS PESSOAS DE 25 ANOS OU MAIS

Apiúna 88,68 4,60 Ascurra 95,35 5,31 Benedito Novo 94,83 4,88 Blumenau 97,21 7,13 Botuverá 92,56 4,47 Brusque 96,07 6,58 Doutor Pedrinho 94,87 5,06 Gaspar 96,14 6,02 Guabiruba 95,34 5,37 Indaial 96,52 5,76 Jaraguá do Sul 97,35 6,89 Luiz Alves 94,48 4,99 Pomerode 98,13 5,84 Rio do Sul 94,98 6,35 Rio dos Cedros 96,07 5,11 Rodeio 95,26 5,57 Timbó 97,40 6,34 SANTA CATARINA 93,68 6,20 Fonte: Atlas... (2003). (1) Valores em percentual.

Sobre os níveis de remuneração, deve-se destacar que a esmagadora maioria dos

postos de trabalho formal – 83% – encontrava-se no intervalo entre 1,01 salário mínimo (SM)

e 4 SM em 2002. Nesse intervalo, a faixa que concentrava o maior número de postos de

trabalho era a de 2,01 a 4 SM, conforme Tabela 3.7.9. Isso contrasta com a situação

encontrada por Campos, Stallivieri e Alt (2004) em outros arranjos produtivos catarinenses,

como o de metal-mecânica, na área de Joinville, e o de cerâmica de revestimentos, na área de

Criciúma: no primeiro, quase metade dos trabalhadores em postos formais de trabalho

percebia mais de 4 SM; no segundo, pouco menos de 1/3 do contingente formalmente

empregado situava-se nesse patamar de remuneração.

Tabela 3.7.9 – Níveis de remuneração da produção têxtil e vestuarista na microrregião de

Blumenau - 2002 FAIXAS DE SALÁRIOS

MÍNIMOS ATÉ 1 SM DE 1,01 A 2

SM DE 2,01 A 4

SM DE 4,01 A 7

SM DE 7,01 A

14 SM MAIS DE 15,01 SM

% dos empregos formais 0,68 35,86 47,12 12,10 3,41 0,84 Fonte: Campos, Stallivieri e Alt (2004), a partir da RAIS. (1) Valores em % da quantidade de Salários Mínimos (SM).

Page 12: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

351

Conforme assinalado a respeito da Tabela 3.7.3, o faturamento das empresas

associadas ao SINTEX mostrou-se oscilante ao longo dos anos 90. Houve tendência de

redução na primeira metade da década e, posteriormente, observou-se trajetória de uma certa

recuperação. Esse quadro revela-se corroborado pelos dados apresentados por Rocca (2003),

correspondentes a algumas das principais empresas. De fato, Hering, Teka, Marisol, Artex

(adquirida pela Coteminas em 2001) e Sulfabril amargaram queda nos respectivos

faturamentos líquidos durante a década, dando sinais de recuperação somente nos últimos

anos, embora essa reversão fosse acompanhada por elevados níveis de endividamento.

Cenário igualmente pouco expressivo, em termos de faturamento, foi detectado também por

Campos, Cario e Nicolau (2000), em pesquisa que envolveu três dezenas de empresas da área.

Tal comportamento revela sintonia com o movimento da produção física na cadeia têxtil em

todo o Estado de Santa Catarina: um percurso marcado pela oscilação, com sucessão de

movimentos anuais positivos e negativos (ROCCA, 2003).

O faturamento provém de vendas em mercados internos, essencialmente. Como de

resto na indústria têxtil-vestuarista operando em escala de Brasil, em que a produção para

consumo doméstico é amplamente predominante (cf., por exemplo, Monteiro Filha e Santos,

2002), no arranjo do Vale do Itajaí, a orientação nacional é a prevalecente. Apesar de as

exportações catarinenses de têxteis representarem cerca de ¼ das exportações brasileiras

correspondentes – evidenciando o papel exportador do parque catarinense –, só algumas

poucas empresas possuem nas exportações a fonte de uma importante parcela do faturamento.

Karsten e Buettner são destaques incontestáveis de acordo com a Tabela 3.7.10, ambas com

presença no segmento de confeccionados referentes às linhas cama-mesa-banho. Mas a Cia.

Hering quase dobrou a participação das exportações entre 1997 e 2001, num comportamento

francamente ascendente que foi observado também na Teka.

Tabela 3.7.10 - Participação das exportações nas vendas totais das principais empresas têxteis-vestuaristas do Vale do Itajaí - 1997-2001

PERCENTUAL DAS EXPORTAÇÕES NO TOTAL DAS VENDAS EMPRESAS 1997 1998 1999 2000 2001

Hering 10 7 12 19 18 Teka 19 20 30 29 32 Marisol 2 3 4 2 4 Karsten 49 44 49 48 52 Buettner 27 30 40 39 40 Fonte: Rocca (2003).

O segmento de confeccionados voltados às linhas cama-mesa-banho é o que ostenta o

melhor desempenho exportador do arranjo e, por conseqüência, da indústria têxtil-vestuarista

Page 13: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

352

catarinense como um todo. Dados apresentados por Rocca (2003) mostram que, em 2000, o

item “outros artigos têxteis confeccionados” – referentes às linhas de produto em questão –

concentrou 54% das vendas externas de têxteis do estado, conforme Tabela 3.7.11. Merecem

realce particular os produtos da linha banho, que penetram não só em mercados latino-

americanos, mas também na Europa e nos Estados Unidos. Aliás, em 2000, Estados Unidos,

União Européia e MERCOSUL canalizaram, pela ordem, 34%, 20% e 29,5% das exportações

totais de têxteis catarinenses e 39%, 27% e 23% das exportações de “outros artigos têxteis

confeccionados”. Em 2004, as roupas de toucador/cozinha, cama, banho figuraram entre os

grupos de produtos mais exportados por Santa Catarina, em sétimo lugar, atrás somente de

carne de frango e suína, de móveis de madeira, de motocompressores, de motores e geradores

elétricos e de produtos cerâmicos. Esse desempenho há de ser considerado em associação com

o 2º lugar de Santa Catarina entre os estados que exportam produtos têxteis e do vestuário: em

2004, as vendas externas catarinenses somaram US$ 354,1milhões, sendo superadas apenas

pelas vendas de São Paulo, que atingiram US$ 531,4 milhões (PÉ..., 2005).

Tabela 3.7.11 – Destino das exportações de produtos têxteis do estado de Santa Catarina – 2000

PRODUTOS ARGEN- TINA

PARA- GUAI

URU- GUAI

MER- COSUL

UNIÃO EUROP.

EUA CHILE OUTROS PAÍSES

TOTAL

Algodão 1.526,9 1.026,6 448,3 3.001,9 1.536,7 2.344,4 634,0 4.401,7 11.918,8 Outras fibras têxt. 0 0 0,02 0,02 0 0 0 7,3 7,3 Filamentos sintét. 334,1 26,6 21,5 392,1 5,7 25,1 33,3 80,1 536,4 Fibr. sint. ou artif. 14,8 15,6 7,5 38,0 98,4 0 9,2 37,5 183,3 Pastas, feltr., cord. 5,0 858,4 18,7 882,1 32,8 0 306,7 49,5 1.271,1 Tap./rev. piso têxt. 21,7 9,7 0,8 32,1 0,3 3,8 0 20,0 56,3 Renda, bordados 422,3 213,8 22,5 658,7 1.191,6 358,5 167,6 2.399,6 4.776,1 Rev. p/ uso térmic. 440,0 3,8 147,1 590,9 59,6 156,6 42,5 964,6 1.814,2 Tecidos de malha 232,5 28,1 48,9 309,6 4,2 0 4,8 58,9 377,5 Vestuário e aces. 21.001,4 7.082,2 9.146,8 37.230,5 9.415,6 20.280,3 6.937,9 8.221,4 82.085,7 Ves./aces. ex. mal. 6.452,8 948,4 1.278,2 8.679,4 4.287,3 17.280,4 1.173,7 4.086,8 35.507,6 Outr. art. têx. conf. 31.940,5 1.724,7 3.443,2 37.098,3 43.502,1 63.060,1 4.202,4 14.695,8 162.558,7

TOTAL 62.940,5 11.938,2 14.573,5 88.913,8 60.134,5 103.509,2 13.512,2 35.023,4 301.093,4

Fonte: Rocca (2003) com base em dados da SERPRO/SECEX. Valores em US$ mil FOB.

A Karsten apareceu entre as quinze maiores exportadoras do estado, enviando ao

exterior, em 2004, produtos no valor de US$ 49,6 milhões. A Coteminas, presente em Santa

Catarina por conta de uma recente associação com a Artex, exportou US$ 39,1 milhões,

situando-se em 18º lugar no ranking (SALVO..., 2005); cabe mencionar que, na esteira dessa

associação, a planta localizada em Blumenau passou a concentrar as suas atividades na

fabricação voltada às exportações, implicando produtos de maior valor agregado

(FERREIRA, 2000). A Karsten teve nos Estados Unidos o principal destino das suas vendas

Page 14: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

353

externas em 2004, representando 56% do total exportado; depois aparecem países europeus e,

por último, países latino-americanos (PÉ..., 2005). Entretanto, na relação das 300 maiores

exportadoras da região Sul do Brasil, a Karsten mostra-se em 79º lugar e a Coteminas, em

104º. Buettner, Cia. Hering e Teka encontram-se distanciadas: a primeira no 129º posto, com

US$ 31,8 milhões, a segunda no 140º, com US$ 26,9 milhões, e a terceira no 147º, com US$

25,4 milhões. Quase todas essas empresas – a Cia. Hering é a única exceção – apresentaram

variação positiva das suas exportações entre 2003 e 2004 (CONCENTRAÇÃO..., 2005).

Todavia, as exportações não se limitam a essas grandes empresas. Embora o destaque

na matéria pertença indiscutivelmente a esse estrato empresarial, há exportadores situados

fora desse círculo restrito. Campos, Cario e Nicolau (2000) detectaram desempenho

exportador na amostra de 36 empresas por eles estudadas, transcendendo amplamente aquele

pequeno grupo. E Lins (2000a) verificou a existência de prática exportadora mesmo entre

pequenas e médias empresas da área, embora fossem minoritárias as firmas que assim

procediam; neste caso, apareciam como exportadoras principalmente empresas de porte

médio, as quais, de todo modo, vendiam por meio de representantes comerciais até para

clientes nos Estados Unidos.

Esse último comentário oportuniza a abordagem dos canais de comercialização no

arranjo. Redes de estabelecimentos comerciais localizados em diferentes estados e regiões

constituem as estruturas de vendas predominantes. São lojas tanto próprias quanto

pertencentes a terceiros (maior parte das situações) – grandes redes de lojas, como Riachuelo,

Pernambucanas, Renner –, abastecidas, neste segundo caso, a partir de encomendas, com forte

atuação de representantes comerciais e vendedores em geral, mas sem exclusão das vendas

diretas dos fabricantes às estruturas de varejo. Vendas em lojas próprias estão longe de

constituírem exceção. O Vale do Itajaí apresenta várias estruturas criadas especificamente

para isso, ao estilo dos centros comerciais, outlet centers e calçadões de negócios, os quais,

pontilhados de lojas pertencentes a fabricantes, têm cumprido um importante papel na

canalização das vendas. Os surtos de instalação dessas estruturas de vendas acabaram

resultando numa irrecusável proeminência do município de Brusque, embora outros locais do

Vale se revelem igualmente dotados desse tipo de estrutura. O cruzamento do “turismo

histórico-cultural” (escorado nas festas típicas promovidas no âmbito dos grupos sociais cujos

antepassados colonizaram o Vale do Itajaí) com os interesses das indústrias têxteis e

vestuaristas é evidente nesses exemplos.

Na contramão dos movimentos de produtos têxteis e vestuaristas aparecem os relativos

aos insumos e bens de capital utilizados pelos fabricantes.

Page 15: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

354

Sobre os insumos, cabe ressaltar desde logo que, não obstante o fato de estar quase

toda a cadeia produtiva têxtil presente no Vale do Itajaí, as fontes de abastecimento

encontram-se, no essencial, fora do arranjo. O algodão – matéria-prima principal, item que

aparece em terceiro lugar (com 259 toneladas) entre as importações catarinenses que entraram

pelo Porto de Itajaí em 2003 (SÍNTESE..., 2004)1 – é o caso mais eloqüente, mas o mesmo se

aplica aos demais tipos de insumos, em particular às fibras sintéticas, que permitem uma

maior agregação de valor aos produtos fabricados localmente: é sugestivo que, em 2003, os

fios texturizados de poliéster tenham figurado em 7º lugar entre as importações catarinenses

(SÍNTESE..., 2004). Numerosas empresas, mesmo entre as de menor porte – representando a

maioria, segundo vários estudos (LINS, 2000a; CAMPOS, CARIO E NICOLAU, 2000;

LOMBARDI, 2001) –, abastecem-se desses insumos em outros estados, São Paulo à frente,

onde se encontram em operação filiais ou subsidiárias de empresas internacionais com

atividades situadas a montante na cadeia têxtil. Compram mais insumos no interior do arranjo,

proporcionalmente falando, as empresas menores, especialmente as pequenas confecções que

fabricam artigos de vestuário. Tendo como fornecedores vários fabricantes locais, essas

pequenas unidades produtivas adquirem artigos como tecidos planos, malhas, fios e

aviamentos, por exemplo.

O cenário é o mesmo no tocante às máquinas e aos equipamentos. Aqui, porém, as

origens são não apenas extra-regionais, mas sobretudo estrangeiras. Com efeito, equipamentos

essenciais ou auxiliares para fiação, tecelagem, beneficiamento e confecção provêm de

diferentes países, tendo a maior presença desse maquinário sido estimulada pela conjuntura de

liberalização comercial que prevaleceu na década de 90, ensejando uma considerável

reestruturação do parque têxtil catarinense, como já mencionado.

As relações de que participam os atores do aglomerado, seja no escoamento dos

produtos locais, seja no abastecimento em insumos, matérias-primas e bens de capital,

possuem na logística de transportes e comunicações existente no Nordeste de Santa Catarina

um importante sustentáculo. A área é servida nos sentidos norte-sul e leste-oeste por duas

importantes rodovias, a BR-101 e a BR-470, respectivamente, a primeira apresentando-se

duplicada, no seu segmento catarinense, em todo o trecho entre a Grande Florianópolis e a

fronteira com o Paraná. Além disso, a área também conta, nas suas proximidades, com dois

aeroportos (Navegantes e Joinville) e com dois importantes portos que possibilitam

1 Claro que não é somente através dos portos que Santa Catarina mantém relações comerciais com o exterior. O estado apresenta armazéns alfandegados em três aeroportos: Navegantes (próximo à foz do Rio Itajaí, portanto,

Page 16: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

355

embarques para navegação tanto de cabotagem quanto de longo curso, um em Itajaí e o outro

em São Francisco do Sul.

3.7.1.3 Caracterização do arcabouço institucional público e privado

O arranjo possui, articulado ao tecido empresarial, também um importante tecido

institucional. Os integrantes pertencem tanto à esfera privada quanto à pública e atuam em

coordenação, em educação e em apoio tecnológico.

O SINTEX, já referido, e a Associação Comercial e Industrial de Blumenau (ACIB)

despontam entre as instituições de coordenação, o primeiro, totalmente voltado para as

indústrias têxteis e vestuaristas, e a segunda, não obstante uma atuação mais diversificada,

com foco prioritário nessas indústrias, como seria de esperar em face do perfil produtivo

regional. Ambos representam importantes espaços de articulação do empresariado e, embora

sejam formalmente independentes, operam em sintonia na defesa dos interesses da indústria

têxtil-vestuarista. Outros municípios possuem as suas próprias organizações/associações

empresariais, como Brusque (Associação Comercial e Industrial de Brusque; Associação de

Médias e Pequenas Empresas de Brusque) e Jaraguá do Sul (Associação Comercial de Jaraguá

do Sul, por exemplo).

Sindicatos de trabalhadores marcam igualmente o cenário institucional do arranjo,

apresentando-se “especializados” conforme os segmentos produtivos (têxtil, vestuário) e com

incidência municipal. Assim, por exemplo, há um Sindicato da Fiação e Tecelagem e um

Sindicato do Vestuário em Blumenau; um Sindicato do Vestuário em Brusque; um Sindicato

dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário, Fiação, Tecelagem e Artefatos de Couro de

Jaraguá do Sul.

No âmbito educacional, o grande destaque fica por conta da Universidade Regional de

Blumenau (FURB), com considerável inserção no meio empresarial e com desempenho que

transcende o ensino e alcança a pesquisa, em boa parte orientada aos interesses das empresas

da região. De fato, a FURB possui desde 1972 o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de

Blumenau (IPTB). Municípios vizinhos possuem igualmente estruturas de ensino superior que

“dialogam” com a indústria têxtil-vestuarista: em Jaraguá do Sul existe a Fundação

quase adjacente ao arranjo têxtil-vestuarista em foco), Florianópolis e Joinville. Os três são servidos regularmente por vôos cargueiros.

Page 17: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

356

Educacional Regional Jaraguense (FERJ), que oferece cursos nas áreas de moda e tecnologia

têxtil (SILVA, 2002), e em Brusque há a Fundação Educacional de Brusque (FEBE).

Ainda na esfera educacional, porém sem o perfil de instituição de ensino superior

propriamente dita, observa-se a atuação do SENAI, notável tanto em Blumenau quanto em

Brusque, mas com centros educacionais também em municípios como Jaraguá do Sul, Rio do

Sul e Timbó. A referência ao SENAI remete de imediato às atividades de apoio tecnológico,

pois nas instalações dessa instituição são encontrados centros tecnológicos e infra-estrutura

laboratorial de grande importância na área. O SENAI de Blumenau, que há décadas abriga a

Fundação Blumenauense de Estudos Têxteis (FBET) – operando com o Centro de Pesquisas e

Desenvolvimento de Estudos Têxteis (CEPETEX) –, criou, em 1999, um Centro de

Tecnologia do Vestuário (CTV). O SENAI de Brusque mantém o Laboratório de Ensaios

Físicos e Químicos Têxteis (LEFQT), anteriormente conhecido como Laboratório de Fiação e

Tecelagem (LAFITE).

Aspectos da atuação dessas instituições serão abordados posteriormente, quando se

falará sobre a capacitação tecnológica e as condições para inovação e, de outra parte, sobre

cooperação e governança.

3.7.1.4 Nível tecnológico

O parque fabril apresenta, de uma forma geral, um nível tecnológico alinhado com o

padrão internacional, principalmente no que concerne às atividades enfeixadas na cadeia do

algodão, que são as predominantes. Esse alinhamento com o padrão internacional é verificado

sobretudo nas empresas mais importantes, que puderam usufruir mais ampla e intensamente

das condições favoráveis às compras de máquinas e equipamentos originários do exterior, no

âmbito da abertura comercial implementada durante a última década no Brasil. Assim

procedendo, esses fabricantes prolongaram, no decorrer dos anos 1990, um tipo de conduta –

aprofundando uma tendência já esboçada anteriormente – que na virada da década anterior

caracterizava firmas como Malwee, em Jaraguá do Sul (GÖRGEN, 1992), e Hering, em

Blumenau (DECKER, 1991). A redução da idade média das máquinas e equipamentos em uso

e o aumento da proporção dos bens de capital com dispositivos eletrônicos perfilam-se entre

os indicadores da atualização tecnológica protagonizada.

No entanto, esse esforço modernizador não se restringiu às grandes empresas.

Também no âmbito das PMEs do arranjo observaram-se investimentos que resultaram na

Page 18: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

357

incorporação de, por exemplo, teares computadorizados, máquinas com dispositivos

microeletrônicos para tinturaria, ramas automatizadas, máquinas de costura, para bordar e

para efetuar operações de acabamento, eletrônicas e inclusive programáveis, oriundos de

países como Itália e Alemanha, entre outros. Entre as PMEs, tais compras tiveram lugar

especialmente no segmento de empresas médias, embora caracterizassem da mesma forma

algumas firmas de menor porte. Na base disso, encontravam-se as facilidades derivadas não

só da conjugação entre redução de alíquotas de importação e política de câmbio, mas

igualmente as condições de pagamento oferecidas pelos fabricantes (LINS, 2000c).

A incorporação de bens de capital modernos e em linha com o padrão tecnológico

internacional representou a principal forma de acesso das empresas às inovações da indústria

têxtil-vestuarista. A importância disso é adequadamente aquilatada quando se leva em conta

que na cadeia têxtil a tecnologia de processo é madura e encontra-se largamente incorporada

nas máquinas e equipamentos. De fato, as atividades produtivas em questão são

eminentemente absorvedoras de inovações determinadas em outros setores industriais e objeto

de disseminação pelos fornecedores de maquinário e de matérias-primas e insumos (PAVITT,

1984).

Deve-se assinalar que o que foi dito sobre a modernização do parque instalado no Vale

do Itajaí não significa a constituição de um quadro tecnológico homogêneo, implicando da

mesma forma e com a mesma intensidade o conjunto das empresas. Um traço importante da

indústria têxtil-vestuarista, de uma forma geral, é a descontinuidade das operações ao longo

da cadeia, e isso permite a convivência de unidades fabris não só com diferentes escalas

produtivas, mas também com diversos níveis de atualização tecnológica. Daí não surpreender

que o tecido empresarial do Vale do Itajaí ostente uma marcada heterogeneidade interfirma no

tocante à capacitação tecnológica, uma estrutura que repete característica observada em escala

de país (HAGUENAUER et al., 2001). Há diversidade de situações tecnológicas mesmo no

interior das plantas, pois até em nível de empresa ocorre a operação simultânea e articulada de

aparatos produtivos de diferentes padrões tecnológicos.

Mas as tentativas de alinhamento com a best practice internacional não se limitaram às

compras de maquinário. Inovações organizacionais foram igualmente implementadas (e não

só nas grandes empresas), com a introdução de técnicas modernas de gestão que

possibilitaram um melhor controle sobre os processos produtivos, envolvendo iniciativas

formais voltadas ao aumento de qualidade e produtividade e a intensificação das interações

em diferentes níveis: com fornecedores de insumos e equipamentos – implicando

essencialmente vínculos extra-regionais –; com capacidades produtivas externas, para fins de

Page 19: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

358

transferência de etapas dos processos produtivos; com integrantes da infra-estrutura

tecnológica.

As empresas do Vale do Itajaí protagonizaram movimentos também pautados na

observação do que se pode designar como um novo padrão de concorrência na indústria têxtil-

vestuarista em nível mundial, em que sobressaem grandes avanços em design e estilo,

enfeixados no crescente papel desempenhado pela moda na determinação do desempenho da

indústria. Tais avanços são favorecidos pelo uso de novos insumos e pelas tecnologias do tipo

CAD/CAM, que permitem melhorias em termos de qualidade, aumento na flexibilidade

produtiva e uma maior diferenciação no leque de oferta.

Entre as grandes empresas da área, o fortalecimento das atividades de P&D e a

ampliação das infra-estruturas laboratoriais, mirando mais intensamente o design e o estilo –

numa palavra, a criação, representando aumento do valor agregado aos produtos –, foi uma

tendência coerente com a intenção de operar segundo o conceito de “moda como negócio”

(VIANA, 2001a). A “personalização” dos produtos é prática que se insere nessa tendência.

Entre as PMEs, as próprias condições de concorrência da década de 90 – quando a

avassaladora presença de produtos asiáticos muito baratos estimulou várias empresas locais a

diferenciar os seus produtos para evitar a concorrência externa e ingressar em faixas de

mercado freqüentadas por consumidores de maior poder aquisitivo – funcionaram como

lubrificantes do processo de enriquecimento das atividades de criação, mesmo que sob o signo

da heterogeneidade nesse segmento de fabricantes. Assim, por exemplo, cresceu o uso de

sistemas CAD também nesse estrato empresarial (LINS, 2000b), um movimento no curso do

qual multiplicaram-se no Vale do Itajaí as griffes vinculadas às empresas de menor porte, as

quais, não obstante o seu tamanho, mantêm equipes de criação que costumam cultivar e

mobilizar contatos inclusive internacionais (VIANA, 2001b). No mesmo diapasão, as

empresas ampliaram os seus staffs nas atividades correspondentes.

3.7.1.5 Impactos ambientais

O Vale do Itajaí apresenta diversos problemas ambientais. Os principais “são,

reconhecidamente, os impactos negativos provocados pelas enchentes nas áreas urbanas.”

(MATTEDI, 2000, p. 224), ocorrências naturais que em certos momentos – como no início da

década de 1980 – tornaram a área objeto de consternação em nível de país. Não admira, desse

Page 20: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

359

modo, que nas abordagens sobre o gerenciamento ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio

Itajaí seja dada grande ênfase à questão das cheias (FRANK, 1995).

Entretanto, a problemática ambiental transcende o aspecto específico das enchentes,

embora os diferentes focos de agressão guardem relação, em vários sentidos, com esta questão

específica. A vulnerabilidade regional do ponto de vista do meio-ambiente tem, de fato, várias

faces. Cabe mencionar,

...processos como a ausência de matas ciliares ao longo dos rios; a ocupação indevida das encostas; a descaracterização da paisagem natural do relevo por aterros; a intensificação do desmatamento; a ocupação dos fundos de vales; práticas agrícolas inadequadas; ausência de arborização nas áreas urbanas; a poluição das águas por dejetos industriais, agrícolas e domésticos; ocupação das faixas de proteção dos rios; padrões de utilização do solo inadequados, etc. (MATTEDI, op cit., p. 225).

Como se observa, as atividades industriais integram a relação das fontes poluidoras no

Vale do Itajaí. Entre tais atividades, a produção têxtil-vestuarista aparece com destaque, seja

porque se trata de setor com grande realce na estrutura produtiva da área, seja porque a

natureza de várias de suas operações apresenta um elevado potencial poluidor. Daí que no

Programa de Recuperação Ambiental da Bacia do Rio Itajaí-Açu, criado pela Fundação do

Meio Ambiente (FATMA) de Santa Catarina já no final dos anos 1980, a redução da emissão

dos efluentes do setor industrial – com atenção particular para o setor têxtil – tenha sido

privilegiada entre as primeiras providências vislumbradas (ADAMI, 1994).

Esse programa foi implementado progressivamente, no que se refere à incorporação

das empresas nos procedimentos de prevenção. Isso resultou em numerosos sistemas de

tratamento de efluentes implantados e até em casos de desativação dos setores poluentes em

nível de planta, permitindo a redução da carga poluidora lançada pelas empresas. Contudo, o

envolvimento nesse tipo de iniciativa é desigual no seio do tecido empresarial. Dados

apresentados por Campos, Cario e Nicolau (2000), referentes a uma amostra de 36 empresas,

mostram que, em 2000, o controle ambiental – com vistas a atender à legislação – figurava

como um objetivo importante ou muito importante para 85% das grandes empresas

pesquisadas, mas para as empresas médias e pequenas essa percentagem caía para 29% e

40%, respectivamente.

É sintomático que entre as empresas agraciadas com o Prêmio Fritz Muller – criado

em 1982 pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina para homenagear anualmente

empresas sediadas no estado com destaque no controle da poluição – apareçam com certa

freqüência fabricantes têxteis-vestuaristas de grande porte instalados no Vale do Itajaí. Assim,

nas edições dos últimos anos, empresas como Karsten, Hering, Malwee e Teka figuraram

Page 21: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

360

entre os ganhadores da premiação ou tiveram o reconhecimento oficial por meio de menções

honrosas e indicação como “personalidades do ano” (cf. pode ser observado em

www.fatma.sc.gov.br). As justificativas envolvem referências a medidas de aprimoramento

nos sistemas de tratamento de efluentes líquidos, de redução nas quantidades de efluentes

gasosos e de reutilização dos resíduos sólidos.

De todo modo, a problemática ambiental ligada aos efluentes industriais permanece

como assunto merecedor de um adequado equacionamento no Vale do Itajaí. Não permitem

pensar diferentemente as várias iniciativas, protagonizadas no âmbito do arcabouço

institucional local, voltadas à gestão do uso dos recursos hídricos, como se indicará

posteriormente. Aponta na mesma direção a aparente prioridade localmente atribuída à

construção de um aterro sanitário industrial que contribua para amenizar as agressões

ambientais (LOMBARDI, 2001).

3.7.1.6 Incentivos públicos incidentes no arranjo

Em que pese a importância socioeconômica das atividades têxteis e vestuaristas

desenvolvidas no Vale do Itajaí, não se pode referir a um processo de envolvimento

conseqüente das administrações públicas locais nas questões que interessam a essas

indústrias, apesar de a situação não ser uniforme com relação a tal assunto. Entrevistas

realizadas junto a PMEs da área mostraram que os fabricantes, na sua esmagadora maioria,

não consideram relevante o papel desempenhado pelas prefeituras municipais (LINS, 2000a).

Todavia, pesquisas recentes registram o envolvimento da Secretaria de

Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Blumenau em iniciativas de certo destaque,

abrangendo esquemas de cooperação de natureza multilateral com outras instituições, como se

falará na seqüência. Em Jaraguá do Sul, especificamente, detectaram-se avaliações

francamente negativas, já que o tipo de comportamento adotado pelo poder executivo, num

certo período da década de 1990, havia até provocado a perda pelo município de um

importante aparato de comercialização de artigos de vestuário, cujos investidores acabaram

preferindo uma localização alternativa (LINS, 2000a). Em Brusque, diferentemente, Henschel

(2002) verificou a reiterada ocorrência de uma atuação multidirecionada no âmbito da

prefeitura municipal, ainda que não se possa dizer que o envolvimento do poder executivo

tenha sido determinante na trajetória da indústria. Por exemplo, iniciativas públicas para

desenvolver um turismo que combinasse atrativos histórico-culturais (com base em festas

Page 22: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

361

típicas) e o interesse pelas compras em estruturas de vendas ao estilo da “pronta-entrega”

foram desencadeadas em sistema de parceria, a partir de demandas sociais (no caso, de

associações empresariais).

A presença do poder público no arranjo por meio de mecanismos de financiamento

não é negligenciável. Campos, Cário e Nicolau (2000) indicam que as empresas de maior

porte utilizam com uma freqüência relativamente maior as fontes públicas de financiamento,

mesmo que o uso de recursos próprios – na opção por um autofinanciamento cujo estímulo

maior parece vincular-se ao quadro de elevadas taxas de juros – seja referido muitas vezes

pelas primeiras, quase tanto quanto pelas empresas menores. A Tabela 3.7.12 informa sobre

as fontes de financiamento principais de que se valem as empresas, diferenciando-as por

tamanho.

Tabela 3.7.12 - Principais fontes de financiamento utilizadas pelas empresas têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí - 2000

FONTES DE FINANCIAMENTO RECURSOS PRÓPRIOS

BANCOS COMERCIAIS

OFICIAIS

BANCOS DE DESENVOLVI-

MENTO

BANCOS PRIVADOS

RECURSOS EXTERNOS

Sem importância 7,7 53,8 23,1 53,8 15,4 Pouco importante 0 23,1 0 7,7 23,1 Importante 53,8 23,1 46,1 30,8 23,1

Grandes empresas

Muito importante 38,5 0 30,8 7,7 38,4 Sem importância 14,3 57,1 42,8 42,8 57,1 Pouco importante 42,8 0 0 0 14,3 Importante 14,3 42,9 14,3 42,9 0

Médias empresas

Muito importante 28,6 0 42,9 14,3 28,6 Sem importância 0 0 61,5 61,5 84,6 Pouco importante 0 61,5 7,7 7,7 0 Importante 35,7 30,7 7,7 7,7 0

Pequenas empresas

Muito importante 64,3 7,8 23,1 23,1 15,4 Fonte: Campos, Cario e Nicolau (2000). Amostra de 36 empresas. Valores em percentual.

Bancos e instituições financeiras públicos, como o Banco do Brasil S.A. (BB), e

instituições financeiras de fomento e desenvolvimento, como o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Agência Catarinense de Fomento S.A.

(BADESC), despontam nas indicações das empresas. Isso demonstra a atuação desses órgãos

na distribuição de recursos dos programas de financiamento, como o Programa de

Investimentos do BNDES e o Programa de Financiamento às Exportações (PROEX), do

Governo Federal, e o Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (PRODEC), do

governo de Santa Catarina. Este último, frise-se, constitui o mais importante mecanismo

estadual de estímulo aos investimentos. Criado na década de 1980, o PRODEC funciona

através de incentivo fiscal, possibilitando às empresas a utilização de parte do ICMS devido

Page 23: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

362

em medidas de implantação, aumento e modernização de atividades produtivas, com prazos

de fruição, carência e amortização definidos nos seus termos. Na década de 1990, o PRODEC

foi setorializado, surgindo nesse processo o Programa de Desenvolvimento Têxtil Catarinense

(PRODEC Têxtil). A Tabela 3.7.13 informa sobre as principais empresas têxteis-vestuaristas

da área beneficiadas por esse programa no período 1998-2004, indicando, para cada caso, os

municípios de localização, a quantidade de empregos a serem gerados e o montante do

financiamento.

Tabela 3.7.13 - Principais empresas do arranjo produtivo têxtil-vestuário beneficiadas pelo financiamento PRODEC no estado de Santa Catarina – 1998-2004

RAMO DE ATIVIDADE NOME MUNICÍPIO EMPREGOS A

SEREM GERADOS

MONTANTE DO FINANCIAMENTO

(1) Inds. Têxteis Renaux S/A Brusque 125 38.895.987,00 Marisol S/A Blumenau 350 14.600.176,00 Marisol S/A Jaraguá do Sul 920 67.161.000,00 Pati Nicki Confecções Ltda. Joinville 204 2.916.000,00 Altenburg Ind. Têxtil Ltda. Blumenau 54 5.927.588,00 Franlui Têxtil Ltda. Itajaí 56 1.570.400,00 Elástico Blufitex Ltda Blumenau 14 539.320,00 Marcatto Ind. de Chapéus Ltda. Jaraguá do Sul 80 5.540.246,26 Ind.de Linhas Leopoldo Schmalz S/A Gaspar 993 14.761.095,00 A.M.C. Têxtil Ltda. Jaraguá do Sul 102 3.406.910,00 Têxtil H.J. Hering Ltda. Indaial 36 1.072.259,00 Fábrica de Tecidos Carlos Renaux S/A Brusque 37 8.184.308,00 Textilfio Malhas Ltda. Jaraguá do Sul 11 905.640,00 Hering Têxtil S/A ( Cia Hering ) Blumenau 3050 67.883.000,00 A.M.C. Têxtil Ltda. Brusque 197 9.698.520,00 Franke Douat Ltda. Joinville 72 16.720.878,76 Diklatex Industrial Têxtil S/A Joinville 360 7.827.500,00 Tecelagem Confec. Cofran Ltda. Camboriú 150 1.963.000,00 Malharia LC Ltda. Brusque 14 2.786.890,00 Dudalina S.A. Blumenau 82 3.372.965,00 H.I. Indústria de Etiquetas Ltda. Pomerode 62 2.713.000,00 Fiobras Ltda. Indaial 52 2.068.280,00 Sancris Linhas e Fios Ltda. Brusque 50 2.433.773,00

Têxtil

Malwee Malhas Ltda. Jaraguá do Sul 197 21.645.548,00

Cativa Têxtil Indústria e Comércio Ltda. Pomerode 215 3.257.034,05 Vestuário e Artefatos Intimamente - Indústria e Comércio Ltda. Brusque 41 2.184.273,33

Fonte: Secretaria de Planejamento do Estado de Santa Catarina / PRODEC. (1) Valores em R$ de 2004.

3.7.2 Capacitação tecnológica e para a inovação

As fontes e formas de capacitação tecnológica e para a inovação de que se valem as

empresas têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí apresentam duas dimensões: são internas e

também externas ao arranjo.

Page 24: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

363

3.7.2.1 Fontes e formas de capacitação interna

Entre as fontes e formas internas figuram os esforços protagonizados ao nível das

estruturas empresariais. Tais movimentos traduziram-se na criação e/ou ampliação de

departamentos de P&D, sobretudo nas empresas de maior porte, onde se perscrutam, nos

laboratórios e/ou estações de design, novas possibilidades de modelos e/ou combinações de

cores e padronagens. A tendência de elevação dos gastos em P&D entre as empresas é

ilustrativa dessa ocorrência, conforme Tabela 3.7.14. As tarefas correspondentes ocorrem em

sintonia, o tanto quanto possível, com as tendências emanadas dos grandes centros da moda,

como o eixo Rio-São Paulo, numa primeira aproximação, ou o eixo Paris-Milão-Londres-

Nova York, num arco mais amplo e, certamente, de maior influência. De todo modo, cabe

assinalar que essas unidades de P&D, por se dedicarem principalmente ao desenvolvimento

de produtos (enfatizando a criação e a moda), utilizam com alguma freqüência os serviços

tecnológicos disponíveis no tecido institucional.

Tabela 3.7.14 - Situação dos gastos em P&D das grandes e médias empresas têxteis e vestuaristas do Vale do Itajaí, conforme percentual captado - 2000

INDICADORES VARIAÇÃO DO INDICADOR P&D/FATURAMENTO ENTRE 1990 E 1999

PARTICIPAÇÂO DAS EMPRESAS (1)

- aumento significativo 47,05 - pequeno aumento 29,41 - sem aumento 17,64 - redução 5,88

% DO GASTO EM P&D EM RELAÇÃO AO FATURAMENTO BRUTO DE 1999 1,8 Fonte: Campos, Cario e Nicolau (2000). Amostra de 19 empresas. (1) Valores em percentual.

Com efeito, também internas ao arranjo, e portanto objeto de combinação com os

impulsos para capacitação incrustados nas compras de máquinas e equipamentos, mostram-se

as fontes relativas aos laboratórios, centros tecnológicos e instituições de ensino e pesquisa

que formam a trama de instituições locais. O SENAI aparece com destaque entre essas fontes

internas (porém externas às empresas). Conforme já salientado, trata-se de instituição com

presença em vários municípios do Vale do Itajaí, oferecendo cursos (de ensino técnico, de

ensino superior de tecnologia e de educação profissional) e disponibilizando serviços técnicos

e tecnológicos.

Merece especial realce, na estrutura do SENAI presente no Vale do Itajaí, o Centro de

Tecnologia do Vestuário (CTV), criado em 1999 como uma forma de desenvolvimento do já

Page 25: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

364

existente Centro de Educação e Tecnologia no intuito de fornecer suporte à indústria têxtil-

vestuarista da área, auxiliando-a na superação do quadro de crise instalado. Afinado, ao

menos na sua filosofia de atuação, com as mudanças no paradigma têxtil-vestuarista em curso

na esfera internacional – no bojo das quais a moda e as atividades que gravitam em torno das

funções de criação assumiram um caráter absolutamente estratégico –, o CTV atua

principalmente em educação profissional, segundo enfatizado por Rocca (2003). Com tal

orientação, oferece cursos em nível de graduação (Bacharelado em Moda) e de pós-graduação

(em Processos Têxteis, por exemplo), cursos superiores de tecnologia (Tecnologia em

Vestuário, entre outros) e vários outros cursos técnicos, de aprendizagem industrial e de

qualificação.

Mas o funcionamento do CTV é multidirecionado. De um lado, presta assessoria

técnica (como no desenvolvimento de modelagem e de encaixe com uso de CAD na produção

vestuarista) e assessoria tecnológica (por exemplo, para a implantação das normas ISO 9001 e

14001). De outro lado, dá os primeiros passos em pesquisa aplicada, como em design para

coleções de moda. Além disso, atua na difusão de informações tecnológicas, franqueando o

acesso à sua biblioteca/videoteca, e presta serviços laboratoriais. Entre os usuários das

diversas atividades desenvolvidas pelo CTV figuram empresas importantes do arranjo, como

Karsten, Hering e Marisol, embora a associada concepção institucional contemple um arco de

atuação com alcance inclusive nacional. Pode-se considerar que esse organismo representa

um importante impulso local no campo do desenvolvimento de produto, justamente na direção

em que as empresas do arranjo canalizam o principal dos seus esforços inovativos, escoradas

em maiores investimentos em criação e estilo.

Cabe indicar que, em 2002, foi inaugurado, na esteira do funcionamento do CTV, um

Centro de Tecnologia Têxtil (CETTEX) nas dependências no SENAI. O objetivo mais geral

dessa iniciativa envolve instalar um foco de disseminação de conhecimento tecnológico para a

produção têxtil, com as metas específicas de incrementar a qualidade e o valor agregado dos

produtos da região. Encontram-se no CETTEX o Laboratório de Ensaios Tecnológicos e o

Laboratório de Ensaios Químicos, integrantes de uma estrutura laboratorial em nível de

SENAI regional que inclui também o Laboratório de Análise de Água e Efluentes Industriais

(LANAE). Marcam presença, da mesma forma, dois outros aparatos básicos ao apoio técnico

e tecnológico às empresas, prestando serviços há algum tempo no arranjo: o Centro de

Pesquisas e Desenvolvimento de Estudos Têxteis (CEPETEX), operando com a Fundação

Blumenauense de Estudos Têxteis (FBET), e o Laboratório de Ensaios Físicos e Químicos

Têxteis (LEFQT), localizado em Brusque.

Page 26: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

365

O LANAE dedica-se à realização de análises físicas e químicas em águas e efluentes,

um tipo de atividade que cobre cerca de 80% das suas receitas. Entre os projetos mais

importantes em desenvolvimento neste laboratório constam os de Emissões Atmosféricas e o

Água-Tex. Com desempenho que parece estar estimulando a idéia de estender as instalações e

os serviços associados para outros municípios do Vale do Itajaí, o LANAE avança no projeto

de criação de um Núcleo de Tecnologia em Água, com foco na redução do consumo de água

pela indústria, ampliando a sua reciclagem e reutilização. No bojo das atividades relacionadas,

foi aprovado o Projeto de Racionalização do Uso de Água na Indústria Têxtil, numa parceria

que abrange a Universidade Federal de Santa Catarina e também empresas como Karsten,

Coteminas e Menegotti (ROCCA, 2003).

O CEPETEX representa estrutura laboratorial que realiza, essencialmente, testes de

resistência, alongamento e imperfeições em fios e fibras, além de classificar o algodão, com

resultados garantidos por análises interlaboratoriais feitas na Testex (na Suíça, para fios) e na

USDA (para algodão, nos Estados Unidos). Seus clientes não se restringem ao Vale do Itajaí,

distribuindo-se em diferentes estados brasileiros. Trata-se de estrutura formada

institucionalmente no âmbito de uma parceria entre o SENAI, a FURB e a FBET, esta última

representando, ela própria, uma importante estrutura de prestação de serviços técnicos –

criada, registre-se, por um grupo de grandes empresas têxteis-vestuaristas locais – onde

fazem-se análises de fibras, elaboram-se laudos, realizam-se estudos e pesquisas de cunho

científico e tecnológico e também desenvolvem-se experiências técnicas com produtos e

processos. Ambos, o CEPETEX e a FBET, encontram-se instalados nas dependências do

SENAI de Blumenau.

O LEFQT, de sua parte, presta serviços na forma de análises em fibras, fios e tecidos.

Credenciado pelo Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), realiza ensaios de gramatura

de tecidos, determina o título de fios e efetua análises qualitativas e quantitativas de fibras e

tecidos. Esse laboratório integra estrutura do SENAI no município de Brusque que também

oferece vários cursos em nível técnico, devendo-se ressaltar os de Técnico Têxtil e de Técnico

em Vestuário, com demanda crescente (ROCCA, 2003). A rigor, o papel do SENAI de

Brusque parece ter sido básico na trajetória lograda pelas atividades de produção de vestuário

locais. Ostentando iniciativas como a aquisição de sistema CAD/CAM, em meados da década

de 1990, e o favorecimento do acesso das empresas interessadas nessa tecnologia – com

repercussões sobretudo entre as de menor porte –, a agência teria favorecido a “proliferação

de profissionais voltados à produção de malhas, à talhação, à modelagem, à costura, à

implementação de sistemas computadorizados de aproveitamento de tecido ou malha (...).”

Page 27: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

366

(HENSCHEL, 2002, p. 55). A proliferação de empresas de menor tamanho, a reboque da

formação técnica proporcionada localmente e favorecida pela existência de um mercado de

maquinário de segunda mão, parece uma trajetória indissociável da atuação do SENAI em

Brusque.

A FURB, como instituição universitária, combina atividades de natureza educacional e

atividades nos campos da pesquisa tecnológica e da prestação de serviços. Essa instituição

oferece, de interesse para a indústria têxtil-vestuarista, formações em Química Têxtil, Moda,

Estilismo e em Engenharia Química. No terreno da pesquisa e dos serviços às empresas, o seu

desempenho tem a ver com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de Blumenau (IPTB),

criado em 1972 e que desenvolve, em meio a fortes interações com os departamentos de

engenharia da universidade, projetos de pesquisa direcionados à inovação de produtos e

processos. Embora o principal dessas atividades de investigação científica relacione-se a áreas

como o refino de petróleo, vários desses projetos mostram-se de interesse direto para a

indústria têxtil-vestuarista. Vale destacar que a atuação do IPTB escora-se em infra-estrutura

que dispõe de modernas condições laboratoriais, com equipamentos de última geração.

As fontes e formas de capacitação que se referem à atuação de instituições locais

aparecem indicadas de forma esquemática no Quadro 3.7.1, que lista a maioria dos integrantes

mais importantes da base institucional do arranjo (incluindo os que operam em coordenação e

“auto-ajuda”), assinalando os respectivos campos de atuação com maior destaque.

ÁREAS DE ATUAÇÃO INSTITUIÇÕES Coordenação e/ou

“auto-ajuda” Ensino (de vários tipos

e em vários níveis) Ensino e pesquisa

Serviços tecnológicos e laboratoriais

ACIB X SINTEX X Outras associações empresariais

X

Sindicatos de trabalhadores X

SENAI (geral) X FURB X X FEBE X FERJ X CTV/SENAI X X X CETTEX/SENAI X X FBET X CEPETEX X LEFQT/SENAI X IPTB/FURB X LANAE/SENAI X Fonte: Campos, Cário e Nicolau (2000); Henschel (2002); Lins (2000a); Lombardi (2001); Rocca (2003). Quadro 3.7.1 - Integrantes selecionados do tecido institucional e áreas de atuação respectivas

Page 28: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

367

3.7.2.2 Fontes e formas de capacitação externas ao arranjo

Conforme sublinhado anteriormente, a incorporação de máquinas e equipamentos

novos ao parque têxtil configura uma importante forma de capacitação tecnológica no arranjo

do Vale do Itajaí. Trata-se, ao que tudo indica, da forma mais importante de absorção de

inovações para os fabricantes locais. Isso tem a ver com a própria condição de absorvedora de

inovações provenientes de outros setores industriais que a indústria têxtil-vestuarista ostenta,

de uma forma ampla. Assim, a renovação dos bens de capital, traduzida, por exemplo, no

aumento da proporção do maquinário com dispositivos de base microeletrônica, tem se

revelado um instrumento privilegiado de capacitação tecnológica na área (RODRIGUES et

al., 1996), ainda que tal processo não tenha realmente se disseminado entre os diferentes tipos

de empresas. Este tipo de limitação é observado, assinale-se, na cadeia têxtil em escala

nacional (GARCIA, 2000).

A atualização no maquinário, articulada às possibilidades representadas pelo uso mais

intenso de insumos modernos – tais como fibras, fios e tecidos sintéticos –, e acompanhada

tanto pela progressão no uso de tecnologias CAD quanto pela decorrente multiplicação (e/ou

pelo fortalecimento) dos laboratórios pertencentes às empresas – favorecendo e sustentando

desenvolvimentos no terreno da criação –, constitui um aspecto maior da capacitação em nível

de arranjo. Não é desprovido de significado o fato de tal processo ter reverberado na esfera da

mão-de-obra, provocando uma aparente maior freqüência a cursos para formação e/ou

aperfeiçoamento/qualificação, oferecidos no âmbito do arcabouço institucional, pelo SENAI

em primeiro lugar.

Nessas circunstâncias, não admira que os vínculos com fornecedores figurem entre as

principais fontes de informações para a realização de inovações, um vetor quase tão decisivo

quanto as relações com clientes, segundo captado por Campos, Cário e Nicolau (2000). No

que tange às relações com fornecedores, cabe mencionar a importância das interações com os

de insumos químicos, que representam fluxos de informações tecnológicas relevantes para as

operações de acabamento, estamparia e tingimento. Tais fluxos ombreiam-se em importância,

na verdade complementado-os, com os que envolvem os fornecedores de máquinas e

equipamentos. Essas fontes e formas de capacitação mostram-se externas ao arranjo, pois,

como destacado anteriormente, os fornecedores situam-se, no essencial, em outras regiões do

Brasil e (particularmente no que diz respeito ao maquinário) em outros países. Tais fontes

externas englobam, igualmente, centros tecnológicos situados no exterior do arranjo, em

certos casos situados no exterior do país, conectados por meio de acordos com instituições

Page 29: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

368

locais. O mesmo pode ser dito, no que concerne ao peso das fontes externas ao Vale do Itajaí,

sobre os clientes, de um modo geral: conforme assinalado anteriormente, os destinos das

vendas apresentam localizações amplamente diversificadas.

A Tabela 3.7.15 reúne informações sobre as interações protagonizadas por uma

amostra de empresas na segunda metade dos anos 90, diferenciando segundo a localização (se

interna ou externa ao arranjo) dos interlocutores. Aparece com destaque o crescimento das

interações com fornecedores de insumos, bens de capital e com clientes, situados fora do

arranjo.

Tabela 3.7.15 - Interações de grandes e médias empresas têxteis-vestuaristas do Vale do Itajaí

na segunda metade dos anos 1990 EMPRESAS E INSTITUIÇÕES

PARTICIPAÇÂO DAS EMPRESAS (1) Clientes Concor-

rentes Fornec. Insumos

Fornec. Máq. e equip.

Centros tecnológicos

Univer- sidades

Sindicatos e associações

Órgãos públicos

Forte dimin. 0 30,8 0 8,3 6,2 7,7 12,5 21,4

Diminuição 6,2 15,4 0 0 0 7,7 0 0 Estável 31,3 38,5 20,0 50,0 56,3 46,1 56,3 42,9 Aumento 50,0 7,7 60,0 41,7 31,2 38,5 18,7 28,6

Relações no Arranjo

Forte aum. 12,5 7,7 20,0 0 6,3 0 12,5 7,1 Forte dimin. 0 15,4 0 0 18,2 40,0 37,5 20,0

Diminuição 0 23,1 0 0 0 0 0 10,0 Estável 0 53,8 31,3 25,0 36,4 40,0 37,5 30,0 Aumento 73,7 7,7 43,7 56,3 36,3 20,0 12,5 40,0

Relações extra-arranjo

Forte aum. 26,3 0 25,0 18,7 9,1 0 12,5 0

Fonte: Campos, Cario e Nicolau (2000). Dados referem-se a uma amostra de 19 empresas. (1) Valores de participação em percentual.

Outras fontes de capacitação-informação também merecem ser referidas, embora

apareçam em posições claramente secundárias para as empresas. Para os produtores de maior

porte, cujas estruturas favorecem uma certa assiduidade na freqüência aos grandes eventos –

oportunidades em que são apresentadas as tendências do mercado –, as feiras e outros

acontecimentos do gênero possuem alguma importância, seja no Brasil, seja (talvez

principalmente) no exterior. Para as empresas menores, este é mais raramente o caso,

inclusive porque os avanços nas tecnologias de comunicação possibilitam, de uma forma ou

de outra, o acompanhamento dos processos em curso em diferentes latitudes. Já os veículos de

informação na forma de publicações especializadas não gozam de realce particular, como

mecanismos de difusão de informações e de fontes de capacitação, nas opiniões das empresas.

Page 30: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

369

3.7.3 Cooperação e governança

No debate sobre as aglomerações produtivas, o termo governança tem sido geralmente

utilizado para referir ao conjunto de atores e aos arcabouços institucionais presentes no

território, assim como às regras que interferem nas interações internas – de certo modo

“coordenando” tais vínculos – e afetam as relações com outros atores e territórios (cf., por

exemplo, BENKO e LIPIETZ, 1995, e STORPER e HARRISON, 1991). O tema da

cooperação situa-se de corpo inteiro nos campos da reflexão e da propositura de iniciativas

com respeito à governança: de acordo com Gilly e Pecqueur (1995), a “proximidade

institucional, (...) que assegura a coesão social dos sistemas produtivos locais, repousa em

lógicas de ações coletivas baseadas em convenções e instituições locais criadas, adaptadas

e/ou compartilhadas pelos atores.” (p. 307).

Esse preâmbulo é suficiente para ressaltar que, na abordagem do binômio governança-

cooperação a respeito do arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí, diferentes tipos de atores

locais fazem notar o seu envolvimento, fato que, não obstante, está longe de significar um

quadro de homogeneidade no que se refere a tal assunto.

3.7.3.1 Principais atores participantes em atividades de coordenação e mobilização coletiva

Não parece equivocado considerar que o perfil da governança no arranjo, favorecendo

a configuração de alguns espaços para cooperação – seja interfirma, seja entre os tecidos

empresarial e institucional –, é determinado predominantemente pelos organismos de

representação e defesa dos interesses dos produtores. Trata-se, em primeiro lugar, do SINTEX

e da ACIB, em Blumenau, e também da Associação de Médias e Pequenas Empresas de

Brusque (AMPEbr), mesmo que outras estruturas de natureza semelhante operem em

municípios vizinhos.

O SINTEX, já mencionado anteriormente, congrega empresas distribuídas em quase

duas dezenas de municípios do Vale do Itajaí e prioriza, no seu modo de funcionamento, a

distribuição de informações relevantes para os associados, a manutenção e a

operacionalização de comissões técnicas sobre questões específicas de interesse dos

fabricantes, o acompanhamento da normatização técnica nos diferentes segmentos da cadeia

produtiva e o apoio aos interesses patronais baseado no funcionamento de comissões de

Page 31: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

370

arbitragem voltadas para conflitos trabalhistas e comerciais. A ACIB, também já aludida,

mantém diversos tipos de serviços para seus associados, promove vários tipos de atividades

consideradas de utilidade para seus integrantes e defende os interesses das empresas em várias

esferas, incluindo os diferentes níveis de governo. Mas esta instituição mostra-se igualmente

“consolidada como entidade consultiva da administração pública, participante de várias

comissões deliberativas do Executivo Municipal, principalmente no que toca às ações

comunitárias e de incentivo ao desenvolvimento econômico do município”. (LOMBARDI,

2001, p. 136). A AMPEbr, de sua parte, tem operado como organismo de coordenação e

defesa dos interesses do pequeno e médio empresariado brusquense, cumprindo um papel

decisivo na promoção do segmento de vestuário municipal, como se sublinhará

posteriormente.

Atribui-se destaque a esses organismos porque, ao que tudo parece indicar, derivou de

suas manifestações, pressões e iniciativas muito do que foi realizado no arranjo sob o signo da

ação coletiva, pedra angular da governança. Embora não se possa descartar a presença de um

certo voluntarismo específico em outras esferas – poder público local, instituições de ensino e

pesquisa e centros tecnológicos –, em algumas iniciativas próprias que certamente se fizeram

notar em diferentes circunstâncias, as evidências disponíveis sugerem que o papel dos

organismos de representação e defesa dos empresários, concentrando funções de coordenação

e a prática da “auto-ajuda”, tem sido decisivo na trajetória do arranjo. Essa indicação não deve

fazer pensar, é importante advertir, que aquelas entidades têm atuado de forma amplamente

satisfatória. Significa tão-somente que estariam a pertencer ao seu leque de ações algumas das

principais iniciativas protagonizadas na área.

De fato, as empresas pouco cooperam por sua própria conta. Isso é devido, por um

lado, à própria configuração dos setores em questão, em que a diferenciação de produtos é

elemento básico da concorrência, pouco estimulando, em virtude disso, vínculos cooperativos

horizontais, por exemplo. Mas esse traço é ainda potencializado por um individualismo

exacerbado e pela predominância de espírito de rivalidade que dificulta interações mais

conseqüentes, conforme detectado em vários estudos (FERREIRA, 2000; LINS, 2000b;

LOMBARDI, 2001; MEYER-STAMER, 1999). Por outro lado, o fato de a maior parte dos

fornecedores e clientes estar localizada no exterior do arranjo significa que as relações de

cooperação de cunho vertical – que se intensificaram nos anos 1990 – representam o

adensamento de vínculos sobretudo extra-locais, em vez de se materializarem numa maior

cooperação local realmente “espessa”. Houve crescimento nas interações entre fabricantes e

fornecedores de bens de capital e de insumos no interior do arranjo, mas, como já enfatizado

Page 32: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

371

na Tabela 3.7.14, a intensificação dos vínculos com fornecedores extra-regionais foi muito

mais forte.

Contribui igualmente para esse cenário de relações interfirmas majoritariamente

rarefeitas uma considerável resistência das maiores empresas à desverticalização produtiva.

Ferreira (2000) notou, estudando as principais empresas do segmento cama-mesa-banho, que

isso decorre principalmente de problemas ligados ao controle de qualidade, já que em

diferentes casos estaria a preponderar um sentimento de desconfiança acerca da eficácia das

firmas subcontratadas em relação a esse controle. A isso adiciona-se o desestímulo alimentado

pela frustração de tentativas no passado, como nas ocasiões em que se tentou – sem sucesso –

instalar uma central de compras de algodão que operasse a contento e criar uma empresa que

fornecesse fios de algodão aos produtores (FERREIRA, op. cit.) Não se pode também afastar

a possibilidade de que um certo espírito de auto-suficiência, ao que parece típico do

empresariado de origem germânica que atua no Vale do Itajaí, tenha influência. Ferreira (op

cit.) e Lombardi (2001) chamam a atenção para esse aspecto, e impressões captadas mediante

entrevistas com empresários estariam a indicar que tal fator não deveria ser desconsiderado:

perguntado sobre as razões pelas quais o empresariado do Vale do Itajaí mostra-se tão

refratário às ações conjuntas, um destacado fabricante sublinhou que os empresários locais de

origem alemã fazem questão de mostrar para seus pares que são capazes de vencer sozinhos

(LINS, 2000a).

Contudo, a prática da subcontratação cresceu no Vale do Itajaí. Diante das novas

condições de concorrência impostas pela liberalização comercial dos anos 90, reduzir custos

tornou-se providência irrecusável para muitas empresas, e a transferência de etapas dos

processos produtivos para capacidades externas foi considerada medida capaz de gerar

resultados nessa direção. Isso foi observado entre as pequenas e médias empresas: de 33

PMEs pesquisadas por meio de entrevistas nos municípios de Blumenau, Brusque e Jaraguá

do Sul, nada menos que 21 (64%, portanto) terceirizavam processos produtivos, e 13

apareciam como tomadoras de encomendas, sendo que algumas operavam simultaneamente

como subcontratantes e subcontratadas, conforme Tabela 3.7.16. Mas esse mecanismo de

redução de custo foi utilizado também por grandes empresas: a Cia. Hering, fiel ao anunciado

propósito de concentrar as suas atividades em funções “nobres” da cadeia produtiva (criação,

marketing) e de distribuir a produção entre faccionistas capazes de fabricar com qualidade e

no marco da flexibilidade2, “criou” um espaço de subcontratação que em alguns períodos se

2 Segundo assinalado em palestra proferida por um diretor da empresa na 5ª Reunião Especial da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ocorrida em Blumenau em setembro de 1997.

Page 33: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

372

desdobrou entre o Vale do Itajaí e municípios do sul de Santa Catarina, envolvendo unidades

produtivas também na região da Grande Florianópolis (LINS, 2002).

Tabela 3.7.16 - Subcontratação envolvendo PMEs têxteis-vestuaristas de Blumenau, Brusque e Jaraguá do Sul na segunda metade dos anos 1990

INDICADORES NÚMERO DE EMPRESAS TOTAL DE EMPRESAS ENTREVISTADAS 33

Número de empresas subcontratantes Atividades transferidas em subcontratação - Costura - Tingimento - Bordado - Acabamento - Corte - Estamparia - Fiação - Fabricação de acessórios - Flanelagem - Engomagem Vantagens da transferência de atividades em subcontratação - Economia com salários e encargos sociais - Menores gastos com maquinário e instalações - Flexibilidade no uso da mão-de-obra e na produção - Possibilidades de aumentar a produção sem maiores custos

21

19 5 4 4 3 3 2 1 1 1

15 6 4 3

Número de empresas subcontratadas Atividades realizadas como subcontratada - Costura - Tingimento/estamparia - Lavação/passadoria - Tecelagem - Corte - Acabamento - Fiação - Flanelagem Principais vantagens da tomada de encomendas - Amplo uso da capacidade instalada - Garantia de negócios - Maior faturamento - Produção sem interrupção

13

6 4 3 1 1 1 1 1

7 4 1 1

Fonte: Pesquisa direta nas empresas.

Note-se que essa iniciativa da Hering deve ser vista em relação com a sua estratégia –

que estaria a caracterizar igualmente outras grandes empresas da região, como a Marisol – de

valorização de marcas baseada no lançamento de artigos que acompanham as tendências da

moda no plano mundial (CARDOSO, 2002). Trata-se de encaminhamento de ações a partir

das quais essas empresas, conhecidas no país inteiro muito mais como grandes fabricantes de

artigos de vestuário com base em malha, possam vir a conquistar posições também como

fazedoras de moda, ao invés de principalmente como fabricantes com grandes escalas de

produção. Pode-se dizer que o caminho percorrido nessa direção por algumas empresas de

maior porte, e também por certas empresas menores, parece promissor, a ponto de autorizar

manchetes como “moda ganha status profissional em SC” (VIANA, 2001c). Cabe salientar

que esse tipo de “movimento das grandes empresas é fundamental para a manutenção da

Page 34: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

373

governance da cadeia, na relação com os outros participantes. Neste sentido, está associado à

formação de mercado através de marcas. (...) A necessidade de grandes empresas nacionais na

ponta do mercado é absolutamente fundamental para o desenvolvimento sustentado da

indústria têxtil-confecções local” (FLEURY et al., 2001, p. 57).

De toda maneira, não se pode dizer que o aumento da subcontratação representou um

maior grau de cooperação no Vale do Itajaí. As atividades subcontratadas dizem respeito,

antes de tudo, à costura (Tabela 3.7.16, já apresentada), quer dizer, tanto à montagem de

artigos de vestuário – com peças já cortadas nas empresas que transferem a produção – quanto

ao acabamento de outros artigos têxteis confeccionados (toalhas, por exemplo). Assim, na

maior parte dos esquemas de subcontratação, trata-se de vínculos pautados muito mais no

interesse em descarregar em capacidades produtivas externas as vicissitudes representadas

pela pressão da concorrência e pelas oscilações do mercado, sem representar formação de teia

de relações efetivamente densas e, por assim dizer, estruturais.

Portanto, é na esfera de ação do SINTEX e da ACIB, muito mais do que na das

relações individuais entre firmas, que aparecem situadas algumas das iniciativas de maior

visibilidade no arranjo, no tocante à questão da governança. Campos, Cario e Nicolau (2000)

identificaram o envolvimento de ambas as instituições em diferentes tipos de ações. São

medidas, por exemplo, de cunho infra-estrutural, como a referente à construção de um aterro

sanitário destinado a mitigar as agressões ambientais – particularmente preocupantes em

virtude da configuração física regional, em que sobressai a “forma bacia hidrográfica” –

provocadas pelos dejetos/efluentes das empresas (envolvendo substâncias como solventes e

tintas em geral). São também ações de defesa dos interesses dos produtores junto ao poder

executivo estadual que concerne à criação e regulamentação do já mencionado PRODEC

Têxtil, um importante instrumento de incentivo fiscal especialmente para investimentos em

modernização produtiva. Cabe assinalar ainda ações direcionadas às duas principais

instituições de ensino superior e técnico-tecnológico da área – a FURB e o SENAI –

objetivando a criação, pela ordem, de curso superior de moda e de curso técnico em vestuário.

E deve-se mencionar igualmente a iniciativa para a criação de um Centro Internacional de

Negócios, uma estrutura de promoção das exportações têxteis e vestuaristas com alvo

privilegiado nas empresas de menor porte.

Além desses movimentos, o SINTEX e a ACIB têm participado na promoção de

eventos de interesse da indústria têxtil-vestuarista, tais como feiras e seminários, e têm

igualmente apoiado e estimulado ações dirigidas ao aumento da cooperação interfirma em

nível local. Integram as ações com esse perfil o estabelecimento de contatos e, mais do que

Page 35: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

374

isso, a contratação de instituições até de alcance internacional, como foi o caso do Instituto

Alemão de Desenvolvimento (IAD) e, conforme destaca Lombardi (2001), da Câmara de

Artes e Ofícios de Munique e Alta Baviera.

O fortalecimento das atividades de ensino universitário e de natureza técnica e

tecnológica que se revelam de interesse da indústria têxtil-vestuarista, envolvendo sobretudo a

FURB e o SENAI, há de ser amplamente considerado em relação às demandas do tecido

empresarial. Falar sobre o SENAI nessa ótica chega a ser ocioso, pois a própria instalação

dessa entidade na região é indissociável da capacidade de organização demonstrada décadas

atrás por um punhado de grandes empresas, mas vale ressaltar que, no que diz respeito a

cursos de formação técnica, Blumenau e Brusque têm abrigado os de técnico têxtil, e

Blumenau, Jaraguá do Sul e Rio do Sul, os de técnico em vestuário, todos com duração de

dois anos e incluindo um semestre de estágio supervisionado, com matrículas que tendem à

expansão (Campos, Cario e Nicolau, 2000).

No que se refere à FURB, Lombardi (2001) não deixa margem para dúvidas sobre a

articulação entre as atividades desta e as necessidades e demandas do empresariado local: “em

estreita correlação com a demanda de profissionais para o setor têxtil, a Universidade sustenta

cursos de graduação específicos como Química Industrial, Moda e Engenharia Elétrica. As

grades curriculares dos demais cursos, sem exceção, baseiam-se em disciplinas de interesse da

economia local.” (p. 141). Essa mesma relação estreita transparece nas atividades de pesquisa

dessa universidade. A estrutura existente faz sobressaírem o Instituto de Pesquisas

Ambientais, cujo foco privilegiado é a questão das cheias no Vale do Itajaí; o Instituto de

Pesquisa Social, instância de desenvolvimento de diagnósticos e análises sobre a economia

local, com monitoramento dos movimentos em escalas mais amplas, de utilidade (ao que

parece) para o tecido político-empresarial da região; e o Instituto de Pesquisa Tecnológica de

Blumenau, já mencionado. As outras instituições de ensino universitário do Vale – a FEBE e

a FERJ, referidas anteriormente – não apresentam formas de atuação, e muito menos graus de

desempenho, comparáveis à FURB, embora ofereçam formações (em graduação e pós-

graduação) relacionadas a temas de interesse da indústria têxtil-vestuarista.

As atividades de pesquisa e de apoio técnico e tecnológico são igualmente caudatárias,

no que apresentam de mais importante, da ação empresarial. Sobre a já aludida FBET,

instalada na agência do SENAI de Blumenau e que abriga o CEPETEX, Lombardi (2001)

escreve que as respectivas “atividades iniciaram em 1970, como iniciativa de cinco grandes

grupos (...)” (p. 141), a saber, Karsten, Artex, Hering, Teka e Cremer. Em Brusque, o quadro

não é diferente. Foi o engajamento do presidente da Fábrica de Tecidos Carlos Renaux – uma

Page 36: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

375

grande e tradicional empresa têxtil desse município –, à frente da Federação das Indústrias de

Santa Catarina na década de 1950, que resultou na instalação de uma agência do SENAI em

Brusque (agência que, sintomaticamente, funcionou durante muito tempo na própria sede do

Sindicato Patronal das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Brusque e Itajaí). Mais tarde, essa

mesma liderança empresarial logrou criar o Laboratório de Fiação e Tecelagem (LAFITE),

posteriormente transformado no já indicado LEFQT (HENSCHEL, 2002).

Em Blumenau, o passo institucional talvez mais estratégico rumo ao alinhamento do

arranjo com as novas tendências internacionais na produção têxtil-vestuarista – o relativo à

instalação, no âmbito do SENAI, do já assinalado Centro de Tecnologia do Vestuário (CTV),

idealizado para imprimir dinamismo nas atividades de criação (design, moda) –, beneficiou-se

amplamente do envolvimento das empresas: as dificuldades enfrentadas pelo SENAI para

montar uma estrutura fabril adequada à formação de mão-de-obra têxtil foram contornadas

mediante parceria com cerca de dez empresas, em cujas instalações passou a ocorrer a

formação prática que complementa a formação teórica ministrada nas dependências daquela

instituição (ROCCA, 2003).

Claro que as instituições tecnológicas têm, elas próprias, um importante papel na

governança. Conforme registrado por Rocca (2003), o CTV, após obter o seu credenciamento

junto ao MEC em 2001, pode operar como centro de ensino tecnológico, função que cumpre

paralelamente à de coordenação da Câmara da Moda, criada no âmbito da Secretaria de

Desenvolvimento Econômico da Prefeitura Municipal de Blumenau e que engloba várias

outras instituições, como o SEBRAE, a ACIB, a FURB e a Associação das Micro e Pequenas

Empresas (AMPE). As parcerias de que participa o CTV têm alcance inclusive internacional,

como a que envolve o Instituto Europeu de Design, instalado na Itália, um atributo que

contribui para que se possa considerar aquele centro tecnológico como um ator local de

relevo, com tendência a ter essa condição ampliada e fortalecida.

Entretanto, isso não deve ofuscar o fato de que as relações das empresas com as

instituições que prestam serviços tecnológicos, incluindo os laboratórios e centros

tecnológicos e a própria universidade, carecem de uma maior intensidade. Campos, Cario e

Nicolau (2000) descobriram, para uma amostra de fabricantes, que as relações das grandes e

médias empresas com esse aparato tecnológico local apresentam uma freqüência apenas

regular, concentrando-se na demanda por testes e por procedimentos de certificação e,

secundariamente, no desenvolvimento de novos produtos. Entre as empresas de menor porte,

o recurso aos serviços prestados pelas instituições locais é bem menos freqüente. A maioria

sequer recorre a tais serviços, seja para o que for, e as poucas que o fazem buscam somente

Page 37: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

376

informações. As instituições são procuradas, acima de tudo, pelo que proporcionam no campo

do ensino, já que essas entidades tecnológicas também atuam na formação de mão-de-obra e

em educação (FURB, SENAI).

É importante ressaltar que a escassa demanda das empresas maiores pelos serviços

tecnológicos e por parcerias com vistas à inovação, no âmbito do arranjo, prende-se à maior

importância por elas atribuída a outras fontes de informações e ao papel de atores situados

extra- regionalmente. Os fornecedores de bens de capital e de insumos despontam nesse

conjunto, conforme já enfatizado. Tampouco é desprezível, na configuração desse quadro, a

capacidade demonstrada pelas principais empresas em buscar apoio na forma de consultorias,

por exemplo, em outros estados ou mesmo no exterior. Adicione-se ainda o fato de que as

empresas maiores parecem considerar insuficientes, para atender a algumas demandas

específicas, as condições oferecidas pelas instituições locais, ao que se agrega, para explicar a

pouca procura pelos serviços, a própria auto-suficiência de alguns produtores (op cit.).

Não obstante o que parece ser um papel preponderante das instituições na canalização

das interações e no “exercício” da governança, a trajetória local registra iniciativas

interessantes de relações cooperativas interfirmas em áreas que se pode designar “não

competitivas”. Vale destacar principalmente as medidas que resultaram no Centro Eletrônico

Têxtil de Blumenau (CETIL), criado no começo dos anos 1970 para desenvolver softwares

destinados à gestão empresarial na indústria têxtil-vestuarista (programas para gerar folhas de

pagamento e planilhas de custos, por exemplo). A idéia inicial era canalizar etapas das

atividades administrativas das empresas para o referido centro de processamento, uma

proposta que nos seus primeiros passos despertou considerável ceticismo em diversos

empresários, mas acabou bem sucedida. Realmente, dezenas de empresas encontram-se hoje

vinculadas à instituição, várias delas com reconhecimento no campo dos programas para a

produção industrial. O CETIL também foi importante fonte de spillovers locais, pois houve

casos de funcionários que depois criaram as suas próprias empresas de softwares, em especial

a partir do final da década de 1980. Empresas incubadas no sistema CETIL conseguiram

granjear reputação nacional na produção de softwares aplicativos, o que contribuiu para

projetar a região de Blumenau na esfera do gerenciamento informatizado com utilização em

diferentes segmentos da cadeia têxtil (LOMBARDI, 2001).

Page 38: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

377

3.7.3.2 Caracterização das ações coletivas protagonizadas

A conjuntura de crise para a indústria têxtil-vestuarista nos anos 1990 suscitou

iniciativas interessantes no arranjo, promovidas sobretudo pelas instituições de coordenação.

Como essas instituições representam e defendem os interesses das empresas, tendo em vista

que as congregam e canalizam as suas demandas e necessidades, as iniciativas referidas

aparecem como importantes ilustrações de ação coletiva no seio do empresariado. Dessa

maneira, tais instituições podem ser vistas como espaços por excelência de colaboração inter-

empresarial, a qual, no plano das relações diretas entre as empresas, sem mediação

institucional, tende a se revelar pobre, como já exposto. Entretanto, não se deve depreender

disso que a década de 1990 assistiu ao pleno florescimento do sentido de cooperação

interfirma por meio do papel cumprido pelas instituições. Indica simplesmente que a

percepção sobre a magnitude dos desafios frutificou de forma até certo ponto promissora.

As iniciativas apresentam-se variadas, envolvendo desde a busca coletiva de

informações sobre experiências internacionais com vistas a nutrir medidas de promoção local,

até a criação de infra-estrutura tecnológica e de formação de recursos humanos capaz de

favorecer um melhor alinhamento do tecido produtivo com as tendências da indústria têxtil-

vestuarista no plano mundial. Tudo converge para o interesse em promover a evolução do

arranjo rumo a um patamar de competitividade mais elevado.

Em Blumenau, uma importante iniciativa, que transcendeu consideravelmente a escala

individual no enfrentamento das dificuldades, foi registrada em 1996 (no auge da crise

associada à concorrência dos produtos importados), com o envolvimento decisivo de uma

expressiva liderança empresarial no meio têxtil-vestuarista regional. Descrito por Meyer-

Stamer (1999), o movimento em questão consistiu primeiramente na organização de uma

viagem de empresários locais à Itália para observar e obter informações sobre best practice na

cadeia têxtil, “particularmente em termos de relações interfirmas e de um ambiente meso de

suporte altamente desenvolvido” (p. 460). A partir desse contato com uma realidade setorial

externa em que se observa atenção especial para os aspectos de competitividade que se

impõem internacionalmente, firmas médias e grandes do Vale do Itajaí deram início a um

processo de diálogo e interações com o objetivo de pavimentar o caminho em direção à

“eficiência coletiva”, quer dizer, a uma situação na qual as economias externas (vistas como

resultado incidental da proximidade entre os agentes) mostram-se acompanhadas, nas

aglomerações produtivas, por ação conjunta, de natureza cooperativa (vista como um

resultado não incidental, e sim como expressão de voluntarismo) (SCHMITZ, 1995). A

Page 39: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

378

identificação dos pontos fracos das empresas, a melhoria dos fluxos de informações entre

fabricantes, a promoção de cursos de formação/aperfeiçoamento e o estímulo à cooperação

entre as firmas, de uma parte, e a FURB, de outra, figuraram entre os primeiros passos

ensaiados naquele sentido.

A própria transformação do Centro de Educação e Tecnologia do SENAI de Blumenau

em Centro de Tecnologia do Vestuário, já mencionada, merece ser registrada entre as

iniciativas de cunho institucional implementadas para fortalecer o arranjo têxtil-vestuarista no

tocante à capacitação tecnológica e à capacitação de recursos humanos, mirando nas

inovações e na melhoria da competitividade. Diversas medidas, protagonizadas no âmbito do

SENAI de Blumenau, permeiam essa iniciativa: o aprimoramento da formação em estilismo,

criação e desenvolvimento de moda; o convênio com o Instituto Europeu de Design,

localizado na Itália; o avanço na criação de uma Modateca (acervo sobre moda) e da já

assinalada Câmara da Moda, entre outras providências (VIANA, 2001c). Outros contatos com

o exterior não devem ser desconsiderados. Lombardi (2001) registra que, em 1998, a abertura

do 6º Congresso Nacional de Tecnologia da Confecção (CONTEC), realizado em Blumenau,

contou com palestra de um especialista italiano – diretor da Associazione Impresariale di

Milano – sobre o modelo de organização industrial que caracteriza a produção têxtil-

vestuarista em áreas como Milão e Prato, onde as empresas, entre elas numerosas PMEs,

fabricam artigos de alto valor agregado, com elevado conteúdo em moda e estilo.

Essa última iniciativa insere-se no rol de medidas protagonizadas por entidades como

o SINTEX e a ACIB, objetivando intensificar o contato do tecido produtivo do arranjo com

especialistas e, de um modo geral, com competências externas. É ação com natureza

semelhante à das parcerias com o italiano Instituto Europeu de Design, com o Instituto

Alemão de Desenvolvimento e com a Câmara de Artes e Ofícios de Munique e Alta Baviera,

salientadas anteriormente.

Ainda em Blumenau, iniciativas promovidas pelas estruturas institucionais, ou

provocadas e encaminhadas no âmbito destas, materializaram-se, por exemplo, na criação da

Expotêxtil (atualmente Textfair), uma importante feira que representa oportunidades de

negócios principalmente para as PMEs. A criação de alguns espaços de vendas (outlet centers,

centros industriais e comerciais, “calçadões” de negócios) que se prestam às necessidades das

PMEs, absorvendo igualmente artigos de empresas maiores que aproveitam o “turismo de

compras”, também merece registro no conjunto de procedimentos realizados com vistas a

promover a comercialização. Embora boa parte desses espaços tenha deixado de existir em

Blumenau, esse tipo de iniciativa deve ser mencionado até para estabelecer um contraponto

Page 40: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

379

(devido aos seus alicerces, ao que tudo indica, comparativamente mais frágeis) com o que se

observou no vizinho município de Brusque).

Com efeito, foi em Brusque que a conjugação de esforços para a criação de um aparato

adequado à comercialização ganhou dimensões realmente amplas, muito mais conseqüentes

do que na área de Jaraguá do Sul, outro município do arranjo onde outlet centers e outras

facilidades do gênero foram instalados. Portanto, é principalmente em Brusque que podem ser

identificadas iniciativas de base institucional que se enfeixam na problemática da ação

conjunta voltada à promoção das vendas, com reflexos na produção.

Remonta aos anos 1980 o destaque de Brusque no comércio de pronta entrega de

artigos de vestuário, despontando no Vale de Itajaí e em Santa Catarina. Esse comércio era

caracterizado por numerosos pontos de venda, pertencentes a fabricantes, instalados ao longo

da Rua Azambuja. Com pouco menos de dois quilômetros de extensão, essa rua liga a área

central de Brusque ao Santuário de Azambuja, que forma parte de um complexo religioso –

desdobrado também em outros municípios próximos, como Nova Trento, onde o processo de

santificação de Madre Paulina consolidou o caráter de foco de peregrinação – que atrai fiéis

em quantidades consideráveis. Os primeiros passos do comércio de pronta-entrega deveram-

se às iniciativas de algumas poucas empresas locais para explorar o potencial comprador do

“turismo religioso”, movimentos que se traduziram na construção de um primeiro centro

comercial já em 1980. A “explosão” desse comércio só ocorreria, contudo, no começo dos

anos 1990: Henschel (2002) informa que entre 1989 e 1994 o número de pontos de venda

passou de cerca de 100 para 1.500, na forma de lojas seja isoladas, seja no interior de centros

comerciais. Na base dessa evolução, figurou amplamente o “turismo de compras”

protagonizado por “sacoleiros” que adquiriam em grandes quantidades para posterior revenda

em suas áreas de origem, dentro e fora de Santa Catarina. A movimentação apresentava

grandes números: algo como 2.500 pessoas todos os dias, com ônibus que se contavam às

dezenas. É sugestivo que rapidamente tenha sido criada uma Associação Industrial e

Comercial da Rua Azambuja (AICA).

A situação mudou completamente a partir da implementação do Plano Real, com a sua

política de câmbio valorizado. Os “sacoleiros” passaram a enfrentar a concorrência de

produtos importados de baixo preço nas suas próprias áreas de revenda e/ou passaram a poder

comprar, eles mesmos, tais produtos estrangeiros, e reduziram paulatinamente a sua presença

no comércio de pronta-entrega brusquense. Como a estrutura de comercialização montada na

Rua Azambuja carecia de um melhor preparo e de infra-estrutura – pois a escalada das vendas

permitira o funcionamento de várias lojas desprovidas de uma melhor profissionalização e

Page 41: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

380

sustentação, e também não representou barreiras para deficiências como falta de

estacionamento e precariedade de diversos serviços – o setor de comércio não conseguiu

reagir. Enquanto as vendas se multiplicavam, os problemas eram praticamente imperceptíveis

(ou não se lhes prestava atenção), mas, quando a conjuntura foi revertida, tornou-se evidente

que os alicerces das atividades comerciais na Rua Azambuja eram bastante frágeis.

O quadro tornou-se crítico quando um novo espaço de comercialização passou a

ganhar vulto na área: o da Rodovia Antônio Heil, um pouco distante do centro da cidade,

cujos primeiros passos no comércio de pronta-entrega haviam sido dados em 1991 por conta

da instalação da Feira Industrial Permanente (FIP). Esse outro espaço já mostrava vitalidade

mesmo durante o período de auge das atividades na Rua Azambuja. Foi a débâcle destas,

entretanto – cujas condições contrastavam inapelavelmente com o que a primeira oferecia em

infra-estrutura, espaço, facilidades sanitárias e para alimentação, além de melhor segurança –,

que abriu caminho para que a área à margem da rodovia se erigisse e consolidasse como o

principal reduto do comércio de pronta-entrega de artigos têxteis e de vestuário não só em

Brusque, mas em todo o Vale do Itajaí.

O papel das instituições de coordenação locais nesse processo merece realce, como

documentado por Henschel (2002). Em 1995, quando o declínio das atividades da Rua

Azambuja já se mostrava claro, a AICA programou uma convenção de guias de excursões

(responsáveis pela organização de viagens de “sacoleiros” para a cidade) visando

reconquistar-lhes a confiança e tentar encontrar coletivamente possibilidades de saída para a

crise. A reconquista da confiança fazia-se necessária porque vários comerciantes, ao se verem

duramente afetados pela retração das vendas, simplesmente deixaram de pagar as combinadas

comissões aos guias. Isso ocorreu ao mesmo tempo em que os comerciantes instalados no

novo espaço comercial, na Rodovia Antônio Heil, encontravam-se pagando comissões que em

alguns casos alcançavam 12% do valor das vendas. Além desse problema, e não obstante as

criticadas deficiências no atendimento aos clientes, as empresas da Rua Azambuja não

vinham mostrando interesse pelos cursos de aperfeiçoamento de mão-de-obra oferecidos pela

AICA. Como fator agravante, as empresas demonstravam falta de união na divulgação do

comércio local como um todo e na adoção de preços diferenciados para vendas a atacadistas.

Ao que tudo indica, a convenção realizada pela AICA não frutificou: de um lado, os clientes

eram poucos e cada empresa só olhava os seus próprios interesses, disputando compradores

cada vez mais raros; de outro lado, crescia a rivalidade entre os comerciantes da Rua

Azambuja e os da Rodovia Antônio Heil. O pano de fundo tampouco ajudava: como aspecto

dos desdobramentos da política macroeconômica vigente no período, crescia a inadimplência,

Page 42: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

381

um processo especialmente desestabilizador pelo fato de que a grande maioria dos

pagamentos realizados no comércio de pronta-entrega brusquense envolvia cheques pré-

datados.

A rivalidade crescente e o agravamento da situação de crise culminaram, praticamente,

na extinção do comércio na Rua Azambuja. Uma conseqüência disso foi a transformação da

AICA em Associação de Médias e Pequenas Empresas de Brusque (AMPEbr), muito mais

abrangente no seu funcionamento. Com a entronização do novo espaço de comercialização

em situação de quase exclusividade, as rivalidades parecem ter regredido, e algumas ações de

perfil coletivo mais conseqüentes puderam ser observadas.

Deve-se assinalar, entre essas ações, sobretudo o Pronegócio, iniciado em 1997 e

realizado em duas edições anuais, cada uma voltada para uma coleção específica de artigos de

vestuário, outono-inverno e primavera-verão. Essa iniciativa ficou também conhecida como

Rodada de Negócios, e o modus operandi tem sido o seguinte: compradores potenciais para

produtos de Brusque são selecionados e convidados pela AMPEbr; os produtos expostos são

fabricados por empresas escolhidas por equipe da Associação com base em participações

anteriores no evento e também na situação ostentada pelos candidatos; os produtos são

expostos no hotel reservado para o Pronegócio, o mesmo em que os compradores potenciais

são hospedados. As compras ocorrem diretamente, sem intermediação, mas os fabricantes que

conseguem vender pagam comissão à AMPEbr. Desde a primeira versão, o número de

compradores e de firmas expositoras tem sido crescente, e o volume de negócios tem se

expandido. Conforme contabilizado por Henschel (2002), do primeiro Pronegócio, em agosto

de 1997, ao décimo, em fevereiro de 2002, o número de compradores passou de 32 para 150,

o de fabricantes expositores/vendedores cresceu – embora em trajetória errática – de 83 para

97 e o de peças negociadas expandiu-se de 50 mil para 800 mil, em progressão, além de

rápida, contínua.

Portanto, a consolidação das instalações na Rodovia Antônio Heil como epicentro do

comércio de pronta-entrega no município e na região, com as implicações decorrentes, parece

ter impulsionado, de alguma forma, a colaboração entre empresas em Brusque, mediada por

vínculos institucionais em que se destaca o papel da AMPEbr. Embora seja difícil argumentar

sobre os nexos causais, vale assinalar, por exemplo, que em 1999 foi inaugurado um

consórcio de exportação local que aglutinava 17 fabricantes de artigos de vestuário, com a

meta, naquele momento, de vender para países como Bolívia e Chile. No ano seguinte, foi

encaminhada a realização de convênio entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

(SENAC) e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) para criar em Brusque uma

Page 43: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

382

turma do curso de pós-graduação em moda que essa universidade oferece, uma iniciativa que

denota o entendimento, também nesse município (assim como em Blumenau) de que as

atividades de criação – envolvendo avanços em moda e estilismo – são nada menos que

estratégicas para o desenvolvimento industrial local. Também em 2000, no bojo de uma

parceria entre a Associação Comercial e Industrial de Brusque, a Câmara de Dirigentes

Lojistas e a Prefeitura Municipal, concebeu-se projeto intitulado “Criar uma Vantagem

Competitiva em Brusque”, coordenado pela Fundação Empreender, entre cujas tarefas básicas

figurava a realização de um diagnóstico sobre as vantagens e deficiências do setor de pronta-

entrega local.

Como se observa, o arranjo do Vale do Itajaí tem assistido a algumas iniciativas de

perfil coletivo capitaneadas principalmente por integrantes do arcabouço institucional. Além

do que se destacou nos parágrafos anteriores, caberia também referir aos esboços de ação

conjunta voltada à criação de infra-estrutura, como a relativa os aterro sanitário para o

tratamento de efluentes industriais e também aquelas referentes a projetos para racionalizar o

uso de água pela indústria, já mencionados. Cabe enfatizar igualmente, reiterando posições

manifestadas anteriormente, que os avanços nos centros tecnológicos e estruturas laboratoriais

da área representam, de uma forma ou de outra, ações eivadas de um certo sentido

cooperativo, visto que se destinam a suprir necessidades do coletivo de fabricantes e a

contribuir para uma melhoria nas condições locais de funcionamento. Se a situação alcançada

não autoriza um maior entusiasmo a respeito da qualidade e da abrangência das interações em

nível de arranjo, inclusive porque o grau de cooperação entre as empresas é tão baixo que, por

exemplo, a instalação de uma central de compras de insumos nunca pode ser concretizada

(ROCCA, 2003), não há porque desconsiderar que o plano institucional tem constituído um

espaço estratégico na região para canalizar as ações e promover as atividades locais.

3.7.4 Principais vantagens competitivas e entraves ao desenvolvimento

O arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí reúne várias condições favoráveis ao

desempenho competitivo. Isso se depreende da destacada performance de algumas de suas

principais empresas em mercados nacionais e internacionais. Entretanto, o cenário produtivo

local é igualmente marcado por carências e limitações, representando problemas cujo

equacionamento há de ser privilegiado em medidas de promoção industrial concebidas e

implementadas tanto em escala de Santa Catarina quanto em nível regional.

Page 44: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

383

3.7.4.1 Vantagens competitivas

As principais vantagens competitivas derivam da própria configuração sócio-produtiva

observada, em que, na esteira de uma trajetória setorial mais que secular, uma constelação de

empresas de tamanhos, características produtivas e níveis de capacitação diferentes aparece

imbricada com um tecido institucional relativamente “espesso” e ativo, num quadro de grande

proximidade geográfica. Como atributos locais, pode-se verificar, por exemplo, um mercado

de trabalho que oferece diversos tipos de habilidades; vários serviços de apoio aos fabricantes;

dinamismo institucional manifestado em inegáveis aprimoramentos e em avanço das

atividades rumo a funções de sofisticação crescente; e possibilidades de complementaridade

produtiva incrustadas na própria presença de numerosas firmas, cujas interações no interior do

arranjo ostentam graus variados e são geralmente mediadas pelos integrantes do arcabouço

institucional.

O arcabouço institucional vinculado às atividades de ensino e pesquisa constitui, ele

próprio, um atributo de considerável importância. A estrutura do SENAI, notadamente, com

os progressos materializados não só no Centro de Tecnologia do Vestuário, mas também em

outras iniciativas, merece ser assinalada como uma vantagem competitiva importante do

aglomerado. O mesmo pode ser dito sobre o funcionamento da FURB, haja vista a inserção no

tecido produtivo têxtil-vestuarista local que essa universidade registra ao longo da sua

trajetória. O potencial existente em matéria de ensino e pesquisa autoriza considerar que um

estreitamento cada vez maior dessa base institucional com a esfera produtiva há de figurar

como um importante objetivo estratégico na área.

Esse conjunto representa “estoque” de externalidades cujo papel tem sido fundamental

no desenvolvimento do aglomerado: trata-se não somente de economias externas “estáticas” –

ligadas, entre outras coisas, à redução de custos proporcionada pela proximidade –, mas

também de economias externas “dinâmicas” – envolvendo processos de aprendizagem

coletiva mais ou menos espontâneos e socialmente difundidos. Pode-se referir à existência,

assim, de uma espécie de “atmosfera setorial”, impregnada de uma “cultura têxtil-vestuarista”

cuja fermentação ocorreu ao longo de décadas.

Um outro atributo local é o prestígio angariado pelos produtos têxteis-vestuaristas do

Vale do Itajaí em diferentes mercados, o que é fato principalmente para os diversos artigos

dos segmentos cama-mesa-banho. Para esses produtos, a expressão “Vale do Itajaí”

simboliza, praticamente, uma certificação de qualidade.

Page 45: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

384

No plano da logística envolvendo transportes e comunicações, o arranjo encontra-se

em posição de contigüidade, ou pelo menos de proximidade, com importantes infra-estruturas.

Em termos rodoviários, cabe referir sobretudo a BR 101 e a BR 470, a primeira apresentando-

se duplicada em toda sua metade norte, desde a capital do estado até o limite com o Estado do

Paraná. No que concerne ao transporte marítimo, de cabotagem ou de longo curso

(transoceânico e/ou intercontinental), as respectivas funções são cumpridas por dois portos

caracterizados pela grande movimentação de embarque e desembarque: o Porto de Itajaí,

muito próximo a Blumenau, e o Porto de São Francisco, localizado mais ao norte, porém em

sítio praticamente adjacente à área têxtil-vestuarista. Para transporte aéreo, de passageiros ou

de carga, a referência é o Aeroporto de Navegantes, também próximo de Blumenau, assim

como o Aeroporto de Joinville.

No seu todo, essa estrutura parece justificar a conclusão de que o arranjo encontra-se

bem posicionado no tocante às infra-estruturas de transportes e comunicações, mesmo que as

condições dos diferentes representantes dessas infra-estruturas sejam heterogêneas, existindo

a necessidade de investimentos para melhoria e ampliação. Os portos e seus acessos

(especialmente em São Francisco do Sul) fornecem, talvez, os melhores exemplos desse tipo

de necessidade.

3.7.4.2 Carências e limitações

Não obstante a trajetória percorrida, o arranjo apresenta fragilidades. Estas revelam

magnitude principalmente quando se considera a evolução dos modelos organizacionais e das

estruturas de governança que têm marcado a cadeia têxtil-vestuário global nas últimas

décadas. Esses modelos vêm sendo estudados por autores como Gereffi (1994; 1995) e

Kaplinsky (2000), no marco de pesquisas sobre cadeias mercantis globais e cadeias de valor, e

a utilização dos correspondentes termos de análise na abordagem de setores industriais

brasileiros aparece em pesquisas como a realizada sob os auspícios da Fundação Vanzolini

sobre as cadeias produtivas da indústria têxtil baseadas em fibras químicas (FLEURY et al.,

2001).

Fleury et al. (2001) ressaltam que a indústria têxtil-vestuarista brasileira vem se

transformando profundamente num sentido já adotado por outros países, com as grandes

empresas procurando se situar na ponta do mercado e reforçando a sua posição estratégica na

cadeia produtiva. Nesse movimento, tornam-se mais nítidas as funções desempenhadas por

Page 46: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

385

“produtores com marca”, por “comercializadores com marca” e por “grandes varejistas”. Os

primeiros referem-se a grandes e médias empresas que tradicionalmente fabricam produtos

completos, com sistemas produtivos integrados e estruturas verticalizadas que abrangem

desde a compra de tecidos até a comercialização dos artigos (de vestuário, por exemplo). Os

segundos são empresas donas de marcas reconhecidas, tradicionalmente concentradas em

atividades de design e marketing e fortemente voltadas à moda – “formando” gostos nos

consumidores –, mas sem envolvimento com a produção. Os terceiros referem-se a redes de

varejo em que a comercialização de produtos têxteis-vestuaristas tem lugar, com

hipermercados e supermercados participando crescentemente e, por via de conseqüência,

apresentando envolvimento, eles próprios, nas cadeias têxteis.

Os “produtores com marca” têm concentrado os seus esforços diretos em atividades

como design, marketing e comercialização, com forte tendência a transferir a produção para

capacidades externas. Para esses atores, a “questão estratégica é entender o cliente em todas

as suas dimensões para poder avaliar gostos e tendências que permitam o design adequado e a

disponibilização do produto no ponto de venda mais apropriado.” (FLEURY et al., op cit., p.

53). Avançar nessa direção reflete a tentativa de assumir papel de liderança na cadeia, criando

possibilidades de governança com base no domínio e na utilização de informações essenciais

à performance em tal escala. Todavia, isso depende de capacitação das empresas em termos

de gerenciamento quer de marcas, quer dos canais de distribuição, assim como no tocante à

operação de pontos de venda. No que respeita à órbita produtiva, implica capacitação em

termos de gestão da cadeia de suprimentos, o que requer, além de densas interações

multidirecionadas, um desenvolvimento de P&D que permita um adequado relacionamento

com fornecedores. E é justamente nesse aspecto que parece residir o principal problema dos

“produtores com marca” no Brasil: segundo Monteiro Filha e Santos (2002), o seu “desenho

organizacional (...) difere do modelo internacional, apresentando ligações tênues e menos

definidas.” (p. 127). Daí ser necessário incentivá-los a “desenvolver um modelo

organizacional produtivo ‘puxado pelo mercado’ com possibilidade de contínuas mudanças

em linhas de produto, marcas globais e regionais e exigindo gerenciamento em escala

condizente, produção ágil, flexível e confiável em termos de entrega.” (op cit., p. 135).

Os termos desse debate parecem úteis para balizar uma apreciação sobre o arranjo

têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí, onde empresas como Hering e Marisol apresentam-se

como grandes “produtores com marca”. Empresas como essas, segundo sugerido por Fleury et

al. (op cit.), estariam aderindo a um modelo de organização próximo aos moldes tratados

anteriormente: no que tange à Hering, tal condição foi de alguma forma assinalada no corpo

Page 47: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

386

deste texto (seção 5.1). Utilizar esse referencial é importante porque, na produção têxtil-

vestuarista, a competitividade internacional parece estar cada vez mais condicionada pelo

nível de incorporação, pelas empresas, de padrões de funcionamento em que o comando da

cadeia situa-se nas atividades de design, marketing e vendas, com a produção ocorrendo em

sistemas flexíveis e de repostas rápidas. Nessa perspectiva, uma questão básica é inquirir

sobre o quanto as condições presentes no arranjo têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí

favorecem a constituição de estruturas como as referidas – e, no mesmo diapasão, o quanto a

área pode se beneficiar disso –, dando margem a formas de governança que possibilitam

melhores condições competitivas para as grandes empresas e, a reboque destas, para os

demais integrantes do tecido empresarial, acenando com geração de empregos, dinamizando a

economia e contribuindo para o desenvolvimento local-regional.

Ora, parece contribuir escassamente para a consolidação de uma estrutura de

governança como a que tipifica o modelo organizacional indicado a limitada incidência de

vínculos cooperativos no interior do arranjo. Como se notou, embora algumas interações

sejam observadas, pouco se coopera localmente, praticamente inexistindo parcerias ou

alianças estratégicas voltadas à produção, à comercialização e às relações com fornecedores.

Assim, avançar rumo à constituição de redes integradas de empresas, à colaboração em áreas

pré-competitivas que envolvam a exposição de produtos e a comercialização e ainda às

compras conjuntas de insumos e matérias-primas, por exemplo, é orientação prioritária. Isso

incluiria iniciativas coletivas voltadas à capacitação profissional e ao treinamento da mão-de-

obra, terreno em que os desenvolvimentos recentes nas instituições correspondentes (o

SENAI em primeiro lugar) revelam-se promissores, necessitando, contudo a ampliação e o

aprofundamento.

A capacitação das empresas de menor porte, atores importantes nos modelos

organizacionais em que a governança das grandes empresas se manifesta, entre outras coisas,

pela terceirização produtiva, revela-se essencial no caminho apontado pelas mudanças

recentes. Sobretudo no segmento de confecção, os investimentos em modernização

tecnológica tendem a ser baixos nesse subgrupo empresarial, assim como é geralmente

elevada a informalidade, que reduz a capacidade de investimentos e compromete a eficiência

produtiva. Como o segmento de confecções é o que mais cresce em termos de comércio

internacional, mostrando uma importância cada vez maior na cadeia têxtil-vestuarista

(PROCHNIK, 2002), promover a sua atualização tecnológica e sua modernização

organizacional é nada menos que estratégico. De fato, se para as grandes empresas é

necessário desenvolver a gestão da cadeia de fornecimento (com técnicas de supply chain

Page 48: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

387

management) e avançar na desverticalização dos processos de fabricação, para as de menor

porte é fundamental um aprimoramento produtivo que possibilite participação em tais cadeias

com respostas rápidas (técnicas de quick response) e de modo flexível. A grande maioria das

PMEs do Vale do Itajaí certamente não logrou progressos suficientes em tais aspectos.

Diante disso, no Vale do Itajaí mostra-se necessário fazer frente – para além das

dificuldades vinculadas a níveis mais gerais de determinação, envolvendo, por exemplo, taxas

de juro, câmbio, tributos e linhas de financiamento – a problemas como:

a) escassa difusão, principalmente entre as empresas de menor tamanho, de

conceitos modernos envolvendo produção e comercialização, sobretudo na

perspectiva dos novos modelos de organização observados na cadeia têxtil-

vestuário, que implicam o envolvimento de PMEs em esquemas de supply chain

com repostas ágeis e níveis de qualidade elevados;

b) limitada disseminação, no coletivo de fabricantes de menor tamanho, do uso de

máquinas e equipamentos tecnologicamente atualizados, um problema que estaria

a requerer programas de apoio à modernização produtiva que inclusive

contemplem o necessário financiamento;

c) limitada presença de iniciativas de cooperação internas ao arranjo, com diferentes

sentidos e objetivos, o que certamente dificulta a formação de estruturas de

fornecimento lideradas pelas grandes empresas, com a participação de PMEs;

d) tendência à verticalização produtiva nas maiores empresas, a despeito do

crescimento da terceirização nos anos 1990, uma característica que não contribui

para a formação de redes de empresas integradas; e

e) aparente carência de programas locais para promover a competitividade com base

na agregação de valor aos produtos, especialmente no segmento de confecções,

para o qual o apoio ao incremento da qualidade e da produtividade e o estímulo à

capacidade de inovar – redundando no lançamento freqüente de novos produtos –

configuram procedimentos estratégicos no atual padrão de competitividade.

Os integrantes do arcabouço institucional cujas estruturas foram objeto de ampliação e

de fortalecimento no período recente – em particular no que se refere ao SENAI, com a

criação do CTV – e também as entidades de coordenação e “auto-ajuda”, como o SINTEX e a

ACIB, podem ter papéis estratégicos no trato com esses problemas e no seu equacionamento.

Todavia, é essencial incutir-lhes o entendimento, se necessário for, de que podem e devem

atuar com esse tipo de orientação, tendo claro o significado das tendências que estão a nortear

o funcionamento da cadeia têxtil-vestuário no plano internacional.

Page 49: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

388

3.7.4.3 Políticas de desenvolvimento

Promover o desenvolvimento da aglomeração têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí,

objetivando principalmente uma maior e melhor inserção dos produtos locais em mercados

nacionais e internacionais, implica a formulação de políticas voltadas aos diferentes tipos de

empresas que formam o tecido produtivo local e ao problema das interações entre os tecidos

empresarial e institucional.

As grandes empresas que já ostentam desempenho exportador e penetram amplamente

em mercados internos deveriam ser estimuladas a diversificar as suas pautas de vendas tanto

externas quanto domésticas. Isso proporcionaria uma presença externa mais ampla do que a

vinculada fundamentalmente aos produtos das linhas cama-mesa-banho, como tem sido o

caso. Também no tocante aos mercados domésticos, essa diversificação precisa estar

sintonizada com o aprofundamento das atividades de criação, em que moda e design

aparecem como aspectos centrais. Só assim grandes empresas do Vale do Itajaí deixariam de

ser efetivamente reconhecidas em escala de país, no que concerne ao segmento de artigos de

vestuário, quase que tão-somente como grandes fabricantes de roupas de malha. Tal

orientação significa, ao mesmo tempo, a busca de maior valor agregado para os produtos

locais.

Embora as grandes empresas tenham se modernizado nas últimas décadas, em termos

tanto de máquinas e equipamentos – representando, portanto, capacitação tecnológica – como

de organização administrativa e ao nível da produção, e tenham igualmente ampliado e

fortalecido as suas atividades de criação, o papel a ser desempenhado pelas instituições locais

na referida orientação há de ser essencial. Isso parece tanto mais verdadeiro tendo em vista os

avanços registrados recentemente no tecido institucional presente no aglomerado. Desse

modo, as iniciativas de promoção do desenvolvimento no Vale do Itajaí necessitam

contemplar igualmente uma adequada aproximação, permeada de interações férteis e

conseqüentes, entre a esfera empresarial e a esfera institucional dedicada sobretudo à pesquisa

e ao ensino.

Se uma tal aproximação revela-se importante no que toca às empresas de maior porte e

de desempenho mais destacado, é nada menos que crucial para a capacitação das empresas

menores, cuja atuação é decisiva nos modelos organizacionais e nas estruturas de governança

que marcam atualmente a cadeia têxtil-vestuarista em escala internacional. De fato, a

participação dessas empresas nos esquemas de fornecimento rápido e flexível ao longo da

cadeia depende da sua capacitação em diferentes sentidos, e o papel das instituições no

Page 50: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

389

sentido de favorecer-lhes as condições necessárias para tanto há de ter grande relevância. A

capacitação necessita ser particularmente ampla e intensa, sobretudo, quando se trata de

empresas de menor porte que almejam a inserção em mercados externos ou um melhor

posicionamento em mercados domésticos: a diferenciação de produtos, com crescimento do

valor agregado, é um requisito para tanto, o que depende de qualificação das atividades

criadoras e de capacidade tecnológica.

A ação pública, protagonizada em diversos níveis, deve ser necessariamente vista

como um coadjuvante destacado nas iniciativas de promoção. Seu papel é imprescindível no

estímulo e no financiamento da atualização tecnológica e organizacional das empresas

menores geralmente pouco (ou quase nada) capazes de garantir por conta própria os meios

para a sua modernização. Seu papel é igualmente essencial na formulação e implementação de

programas – em parceria com atores não estatais (associações, sindicatos etc.) – de apoio à

cooperação entre empresas e à aproximação entre o tecido empresarial e o tecido institucional

voltado ao ensino e pesquisa. Com efeito, tendo em vista o grau de sensibilidade das

estruturas locais às vicissitudes da macroeconomia – a valorização da moeda brasileira frente

ao dólar no período atual representa mais uma evidência dessa sensibilidade e sobre seus

efeitos –, não há como tergiversar frente à necessidade de um certo voluntarismo do setor

público, em parceria com o setor privado, que se exprima na formulação de políticas de

desenvolvimento para a área.

Portanto, as políticas visando à promoção do desenvolvimento da aglomeração têxtil-

vestuarista do Vale do Itajaí devem ser desenhadas de modo a:

a) estimular as grandes empresas a diversificar os seus leques de oferta, dando

ênfase às atividades de criação (moda e design), contemplando a ampliação do

valor agregado;

b) estimular as empresas de maior porte a envolver nos seus espaços de

organização produtiva empresas locais menores aptas a participarem

eficientemente da cadeia de fornecimento;

c) promover uma efetiva aproximação, mirando no florescimento de interações

férteis e conseqüentes, entre a esfera empresarial e a esfera institucional,

dedicada sobretudo à pesquisa e ao ensino;

d) promover a capacitação das empresas de menor porte para participar de

esquemas de fornecimento rápido e flexível na cadeia produtiva e

ampliar/fortalecer a sua presença em diferentes mercados com base na

diferenciação de produto e na maior agregação de valor;

Page 51: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

390

e) buscar e disponibilizar meios, sobretudo financeiros, que contribuam para a

atualização tecnológica e organizacional das empresas menores; e

f) conceber e implementar programas de apoio e encorajamento à cooperação

entre empresas (que resultem, por exemplo, em centrais de compras e – para as

PMEs – em participações conjuntas em feiras importantes) e à aproximação

entre o tecido empresarial e o tecido institucional ligado ao ensino e pesquisa

(em especial o CTV/SENAI).

Tendo em vista o papel exportador de diversas empresas do aglomerado, iniciativas

enfeixadas no aprimoramento da logística de transporte também se afiguram como de

promoção do desenvolvimento na área. A presença de duas importantes estruturas portuárias

nas proximidades do arranjo há de influenciar as decisões sobre esse assunto: melhorar tanto

as estruturas em si quanto as condições de acesso a elas deve ser considerada medida

prioritária na matéria. As indicações a seguir são permeadas desse entendimento.

As melhorias nas condições de operação do Porto de Itajaí devem implicar:

a) o término das obras, com o início da utilização, do novo berço em construção

pelo Terminal de Contêineres do Vale do Itajaí (TECONVI), representando

significativo aumento da área para as operações de contêineres;

b) intervenções de adequação do porto às novas necessidades de modo a

aperfeiçoar a logística interna e melhorar as condições de operação, o que inclui

investimentos em equipamentos para aumentar a capacidade de funcionamento

e a eficiência; e

c) providências para melhorar as conexões diretas do porto com os Terminais

Retroportuários Alfandegados e a Estação Aduaneira de Interior, almejando

uma maior eficácia das operações de carregamento; avenidas portuárias podem

cumprir esse papel.

O acesso ao Porto de Itajaí para agentes distribuídos no seu hinterland mais ou menos

imediato será significativamente favorecido caso as condições de tráfego da BR 470 sejam

melhoradas. A duplicação dessa rodovia há de figurar no topo da lista de prioridades das

iniciativas vinculadas à logística de transporte em Santa Catarina. A melhoria da situação

dessa rodovia também é condição para que o projetado terminal portuário de Navegantes

possa servir adequadamente à macrorregião em que se inserirá. Essa nova estrutura, cujo

processo de criação já foi iniciado institucionalmente, vincula-se à PORTONAVE S.A. –

Terminais Portuários de Navegantes. Sua implantação representará a ampliação e melhoria da

Page 52: 3.7 ARRANJO PRODUTIVO TÊXTIL-VESTUARISTA …...3.7.1 Localização e caracterização produtivo-institucional 3.7.1.1 Configuração e trajetória de constituição O arranjo têxtil-vestuarista

391

logística de transporte no espaço adjacente ao aglomerado têxtil-vestuarista do Vale do Itajaí.

Trata-se, assim, de iniciativa a ser estimulada e impulsionada.

Igualmente importante para a aglomeração têxtil-vestuarista é o Porto de São

Francisco do Sul, pois sua relativa proximidade pode lhe atribuir o caráter de opção para as

empresas. Desse modo, são igualmente estratégicas as medidas que contemplam o aumento e

a melhoria das possibilidades de operação desse terminal portuário. Particularmente gritante é

a necessidade de solucionar o gargalo rodoviário pelo menos no trecho entre a BR 101 e o

porto, o que confere enorme urgência à duplicação da Rodovia BR 280. Mas isso está longe

de esgotar as limitações observadas. Ampliar e construir novos berços nesse porto, tanto

quanto aparelhar os berços já existentes, e avançar na dragagem e no derrocamento da bacia

de evolução, entre outras medidas, mostram-se iniciativas básicas.