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1 Ética, códigos de conduta e responsabilidade social das empresas 1 José Manuel Moreira Professor da Universidade de Aveiro 1 Este texto foi publicado, primeira versão um tudo nada mais reduzida (com o título “A problemática da ética e dos códigos de conduta na vida das empresas”), em Cadernos de Auditoria Interna, Departamento de Auditoria do Banco de Portugal, 7(1) Novembro de 2004, pp.55-74.

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Ética, Códigos de Conduta e Responsabilidade

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Ética, códigos de conduta e responsabilidade social das empresas1

José Manuel Moreira

Professor da Universidade de Aveiro

1 Este texto foi publicado, primeira versão um tudo nada mais reduzida (com o título “A problemática da ética e dos códigos de conduta na vida das empresas”), em Cadernos de Auditoria Interna, Departamento de Auditoria do Banco de Portugal, 7(1) Novembro de 2004, pp.55-74.

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“Assim, quando o Tao se perde, surge então a doutrina da virtude.

Quando a virtude se perde, então surge a doutrina da humanidade. Quando

a humanidade se perde, só então aparece a doutrina da honradez. Quando a

honradez se perde, surge então a doutrina do decoro. Ora bem, o decoro é a

expressão superficial da lealdade e fidelidade e o começo da desordem.”

Chau Win-Tsit*

“O cliente não só faz parte da fábrica como a transcende, uma vez que

pode permanecer-lhe fiel ou, pelo contrário, ir procurar o que pretende

noutro lado, se o desejar. O cliente não tem nada a ver com o contribuinte.

Gostaria de dizer que a fábrica é como um verbo cujo sujeito é o cliente.” F.

Michelin**

A problemática ética e a legalidade

Vale aqui lembrar que a ética actua a três níveis: a ética pessoal, o clima ético das

organizações e o quadro legal, económico e ético-cultural. A questão não é

simplesmente do sistema capitalista e das suas imperfeições. As imperfeições humanas

e a falta de virtudes dos dirigentes também contam, tanto como as falhas do Estado2 e

das entidades reguladoras em fazer o que devem: regular, fiscalizar, arbitrar,

supervisionar e, não menos importante, velar por uma célere e eficiente administração

da justiça.

Importa, por isso, não cair em simplismos. Não basta rever o enquadramento legal. A

limpidez dos mercados ou a verdade das contas não depende só de leis bem

intencionadas. A falência da Enron é bem um exemplo de que não bastam leis, é preciso

também promover as boas práticas, que levem ao bom governo das empresas e ao bom

governo da Nação.

Na altura, o Presidente Bush, com base nos escândalos financeiros, pronunciou um

discurso propondo endurecer as penas contra as fraudes e a contabilidade criativa. As

suas palavras foram bem recebidas porque as pessoas pediam "mão dura". Contudo,

alguns especialistas não acreditam que isto baste para melhorar a honestidade

empresarial. David Skeel e William Stuntz, professores de Direito das Universidades de

Pennsylvania e Harvard, respectivamente, explicaram porque não acreditam neste

* Therefore, when Tao is lost, only then does the doctrine of humanity arise. When virtue is lost, only then does the doctrine humanity arise. When humanity is lost, only then does the doctrine of righteousness arise. When righteousness is lost, only then does the doctrine of propriety arise. Now: propriety is a superficial expression of loyalty and faithfulness, and the beginning of disorder. Para a citação deste autor chinês ver Charles H. Reynolds, em “Through Thin and Thick”, Ethics and Higher Education, Macmillan, new York, 1990, p. 32. Citado em Cristine Wanjiru Gichure, La ética de la profesión docente: un estudio introductorio a la deontología de la educación, EUNSA, Pamplona, 1995, pp. 418-419. ** François Michelin, A empresa ao serviço dos homens, Principia, Cascais, 2002, p. 23 2 Para uma abordagem mais desenvolvida sobre esta temática, veja-se André Azevedo Alves e José Manuel Moreira, O que é a Escolha Pública, Para uma análise económica da política, Princípia, Cascais, 2004.

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enfoque: “A razão é simples e, ao mesmo tempo, facilmente esquecida: as leis penais

fazem com que as pessoas se preocupem com o que é legal em vez de o que é ético”.

Estes professores recordam que, há cem anos, nos EUA, a lei penal federal sobre a

fraude consistia numas poucas disposições. Hoje, pelo contrário, “o código penal federal

inclui mais de 300 disposições sobre a fraude e a contabilidade enganosa, a maioria vai

mesmo para além do que a lei costuma cobrir. Ora com todo este arsenal legal

deveríamos ter alcançado um alto nível ético empresarial. Não é preciso dizer que os

factos mostram outra coisa. Quem sabe porque passamos a considerar o que eram

questões morais como questões de técnica jurídica? Não é, assim, de estranhar que, no

mundo actual, seja mais provável que os executivos se preocupem mais com o que

podem fazer legalmente do que com o que é justo e honrado. O resultado é, por um

lado, incentivar os que actuam eticamente mal a escaparem ao castigo através da

descoberta de formas criativas de fuga à lei. E, por outro, levar executivos honrados a,

em vez de se concentrarem em desempenhar o seu trabalho honestamente, acabarem por

imitar os mesmos jogos legais dos executivos desonestos. Esta é a consequência lógica

de confiar demasiado na lei penal e pouco na regulação civil e, especialmente, nas

normas éticas.”3

Considerações que entre nós importa ter em conta, mais ainda quando se vê um

crescente número de entidades reguladoras mais dadas às técnicas jurídicas do que às

virtudes prudenciais. Ou ainda não descobrimos que a cidadania empresarial - de que

hoje tanto se fala - necessita de um sustento ético que só uma sociedade livre, composta

por pessoas individual e socialmente responsáveis, pode garantir? Numa época em que muitos – e bem – se dedicam a calcular os custos políticos, económicos e éticos da (não) aplicação da justiça, importa também não perder de vista os incalculáveis custos para uma sociedade que não se reveja na aplicação da ética. A nossa responsabilidade não se deve limitar à lei: deve também amar a virtude e o combate pela excelência. A única “boa causa” capaz de levar empregadores e empregados, governantes e funcionários públicos, a irem muito para além do cumprimento das suas obrigações formais, dos direitos, a ponto de - tanto nas Empresas como nas Administrações Públicas4 - a expressão "boa cidadania" ganhar um sentido pleno: a satisfação do dever bem cumprido. Em suma, a ética não coincide com a legalidade. Nem tudo o que é ético é legal, nem todo o legal é ético. A lei humana não constitui necessariamente um critério de moralidade; bem pelo contrário, pode ser injusta, imoral. Uma coisa não é moralmente boa só porque é legal, nem má porque não o é. Não podemos, por isso, estar de acordo com uma postura empresarial que afirme que a moral profissional é a lei, toda a lei, mas nada mais do que a lei. A lei é necessária para a convivência, mas, do ponto de vista ético, não é suficiente. Todos sabemos que há grandes “manobras” que podem ser legalmente irreprováveis.

A ética é para ser aplicada

3 The New York Times, 10. VII. 2002. 4 Veja-se a este propósito J. M. Moreira Ética, Democracia e Estado, Para uma nova cultura da Administração Pública, Principia, Cascais, 2002.

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Num mundo ameaçado por uma aritmética de interesses – uma aritmética impulsionada pelo utilitarismo de um Welfare State que levou, primeiro, à substituição do “ético” pelo “social” e depois ao fomento de políticas que tendem a incentivar comportamentos anti-sociais - há sempre o perigo de não só se reduzir a ética a simples conflito de interesses como a pensar que tudo se resolve com base em sanções e recompensas pecuniárias. Ora nem a ética é uma panaceia nem os códigos de conduta podem ser vistos como “solução” para pôr fim a escândalos resultantes da falta de discernimento ético das pessoas que actuam nas empresas. A ética é uma ciência, não uma crença ou o fruto de um consenso político, é um saber que se pode aprender com a ajuda da razão e da experiência. É uma ciência prática: não se estuda para saber, mas para actuar. É uma ciência normativa: não diz como actua a maioria - isso seria sociologia - , mas como deveríamos actuar. Dito de outro modo: a ética é uma ciência teórica de carácter normativo, como é, por exemplo, a lógica, ainda que esta se dirija à razão e a ética à vontade. A ética diz-nos o que se há-de fazer, teoricamente, mas, uma vez conhecido, há que saber e querer aplicar esse conhecimento teórico, esse critério geral, a casos concretos e, muitas vezes, complexos. É este, precisamente, o trabalho da prudência e da fortaleza. Não se deve confundir, por isso, a moral com a moralidade (a consciência moral com o comportamento individual), daí que a relação próxima entre virtude moral e costume surja de forma evidente no conceito de carácter. A nível intelectual é fácil saber o que deve ser feito, mas só pessoas com “carácter” são capazes de o fazer em situações difíceis. Assim sendo, nunca nos devemos cansar de frisar que a ética é para ser aplicada: com vontade inteligente ou inteligência voluntária. Por isso, os códigos éticos de empresa não só não dispensam, como exigem, a necessidade de ter em boa conta algumas distinções essenciais a uma ética bem aplicada.5 O que significa que, embora os princípios fundamentais da ética possam ser simples, a sua aplicação a cada uma das nossas decisões concretas é complexa, dada a quantidade de elementos que a condicionam e nela interferem. A temática dos códigos éticos deve assim ser considerada como exemplificação deste objectivo: mostrar que a ética não é o frio exigir - ou o mecânico aplicar - de comportamentos previamente fixados. A normativa ética pode até ser vista como as “muletas” que nos permitem manter em pé. Mas a ciência ética não se deve limitar a tais suportes, deve centrar-se antes no dever ser, próprio da pessoa livre e consciente. Em suma: há que ter em conta as “determinações”, mas o essencial da ética é a auto-determinação. Para tal, a nossa vontade pode apoiar-se nas úteis “muletas” do dever. Que até podem mesmo ser vistas como estruturas do bem, mas não são o Bem. Ou nas palavras de Ronald Laing: “O mapa não é o território e o menu não é a comida.”6

A importância da ética e actualidade dos códigos de conduta

A ética importa. e muito. Daí que cada vez mais empresas, organizações e associações7 se vejam obrigadas a lidar com a dimensão ética dos problemas humanos. Há, contudo, duas formas de encarar a ética que são profundamente erradas. Uma é vê-la como um custo: um luxo a que não nos podemos permitir. Outra é considerar que se deve ser ético porque dá dinheiro. Ora, embora sendo verdade que não devemos perder de vista a utilidade da acção, o seu fim prático, devemos igualmente insistir, como fez Smith, em

5 Veja-se José Manuel Moreira, “Ética e Deontologia Profissional. novas responsabilidade do engenheiro”, em (Actas de) Estruturas 2002, Os novos desafios na qualidade das obras, LNEC, Lisboa, 2002, pp. 11-21. 6 Ronald Laing, Las cosas de la vida, Grijalbo, Barcelona, 1973, p. 171. 7 Veja a este propósito o nosso texto “Ética, Códigos de Conduta e Mercados Financeiros”, em Código de Conduta do Analista Financeiro, APAF, Porto, 1999, pp. 11-27.

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que, quando aprovamos a conduta de um homem, o devemos fazer porque é apropriada e não só porque é útil. Por outra palavras, o homem não deve actuar com vista a obter uma utilidade, ainda que isso não nos deva impedir de reconhecer, a posteriori, que as acções virtuosas são úteis e as viciosas o não são. Uma postura que é um claro reflexo de uma conhecida frase de Locke: a rectidão de uma acção não depende da utilidade, antes a utilidade é uma consequência da rectidão.8 A ética tornou-se, de facto, um tema de actualidade. É disso reflexo a crescente preocupação, por parte das empresas, com a introdução de códigos de ética. Uma preocupação que corresponde também a um interesse - comum a cada vez mais pessoas e instituições – pelos modos de aplicação das normas éticas ao mundo em que vivemos. Um movimento que pode ser encarado como reacção a “escândalos” derivados de actuações pouco éticas e como necessidade de dar mais transparência aos mercados e ao governo das sociedade. Seja como for, assiste-se a um entusiasmo crescente com a forma de promover “boas práticas” e actuações mais elegantes e mais conformes à ética. A queda do muro de Berlim e a crescente globalização dos mercados vieram dar um pendor mais universal a toda esta problemática.9 As preocupações com códigos de ética mais globais - “La Caux Round Table” (http//www.cauxroundtable.org.), “Uma Declaração interconfessional. Um código de ética nos negócios internacionais para cristãos, muçulmanos e judeus”10 , “Os Princípios Globais Sullivan de Responsabilidade Social da Empresa” (http//www.globalsullivanprinciples.org.) e o “Global Compact das Nações Unidas”(http//www.unglobalcompact.org.) - são bem o exemplo de como a globalização dos mercados reclama uma globalização da ética.11 Uma temática que esteve no centro do Primeiro dos dois Congressos já realizados em Portugal sobre Ética Empresarial.12 Um tema que muitos, ainda que incorrectamente, confundem com o da responsabilidade social das empresas13 ou mesmo com “Cidadania Empresarial”14.

Códigos éticos: guia de bordo Importa nunca esquecer que a ética, mais que condenar. promove. A ética permite-nos atingir metas que de doutro modo ficariam distantes. Uma distinção entre as duas grandes formas de ver a ética - evitar o mal e fazer o bem – que tem pleno cabimento quando se aborda a temática dos códigos de conduta. De facto, uma forma de compreender a necessidade de códigos de ética na empresa é elencar as razões e motivações subjacentes à sua introdução numa empresa.15

Razões e motivações que podem ser vistas pela positiva e pela negativa:

8 Para um mais completo desenvolvimento, veja-se o nosso livro A Contas com a Ética Empresarial, Principia, Cascais, 1999, p. 40. 9 Veja-se O. F. Williams (ed.) Global codes of conduct: an idea whose time has come, University of Notre Dame Press, Notre Dame (Ind.), 2000. 10 Veja-se “Anexo II” de Joán Fontrodona Felip, “Consideraciones generales para un código de ética global” (os outros correspondem aos anexos I, III e IV) em Javier Fernández Aguado (coord.) La ética en los negócios, Ariel, Barcelona, 2001, pp. 177-188 11 Diálogo empresarial sobre os princípios do Global Compact, Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente, Instituto ETHOS de Empresas e Responsabilidade Social, São Paulo, 2002. Edição em português de Corporate Dialogue on the principles of Global Compact. 12 Ética Empresarial e Económica. Intervenções, Vida Económica, Porto, 1997 13 Veja-se Arménio Rego, José Manuel Moreira e Cláudia Sarrico, Gestão ética e responsabilidade social das empresas, Principia, Cascais, 2003 e o nosso mais recente texto “Responsabilidade social da empresa: valor, limites, desafios e falsas noções”, a publicar em próximo número da Revista Brotéria, que inclui as Actas do Seminário Luso-espanhol de Ética Empresarial (2004). 14 Veja-se, a este propósito, a nossa “Introdução” ao livro Cidadania Empresarial, Vida Económica, Porto, 2002, pp. 9-60 15 Formulação e implantação de Código Ético em empresas; reflexões e sugestões, Instituto ETHOS, São Paulo, 2000.

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Pela negativa

- reduzir o risco dos custos de má conduta

- reduzir os riscos de crise

- reduzir a probabilidade/valor das penalizações legais

- reduzir a exposição dos executivos a penalizações individuais, legais, financeiras ou mesmo de reputação

- reduzir os custos da “monitorização”

- reduzir os custos de coordenação

- reduzir os custos de transacção

- reduzir as pressões sociais e políticas para leis e regulamentos restritivos Pela positiva

- criar confiança organizacional

- elevar a moral dos colaboradores e o compromisso

- criar um clima favorável à criatividade

- valorizar a(s) marca(s)

- aumentar a qualidade do produto/serviço

- aumentar a atractividade para os melhores colaboradores

- diferenciar-se dos concorrentes

- aumentar a posição na comunidade e o acesso a novas oportunidades Acontece, contudo, que a compreensão do valor e limites dos códigos de ética passa não só por descobrir as dificuldades na sua elaboração mas também por nos darmos conta das condições para o seu sucesso.16 De qualquer forma, esta temática, correspondendo a um campo aberto a novas explorações e onde se aguardam novos contributos, também cheio de armadilhas e condicionalismos de que procuramos dar conta apresentando outras formas de olhar para os códigos de conduta nas empresas.17 Uma delas é olhar

esta problemática a partir de dentro e de fora da empresa. A partir de fora:

- antecipar determinadas situações antes mesmo de estarem reguladas por lei (todos sabemos que o que está mal acaba por ser proibido)

- concorrência desleal

- melhorar a confiança dos investidores

- aumentar a segurança no mercado face aos especuladores

- atrair e reter empregados de alta qualificação moral

- melhorar a imagem da empresa A partir de dentro:

- promover modelos adequados de actuação

- conseguir uma maior homogeneidade cultural dos colaboradores dentro de uma empresa em expansão

- reforçar condutas positivas internas e desincentivar as negativas

- promover um são orgulho de pertencer à organização

16 Para um mais completo esclarecimento, J. M. Moreira, “Códigos éticos de empresa” em Moreira, A contas com a ética empresarial, Principia, Cascais, 1999, pp. 67-81. 17 Consulte-se a este propósito, Antonio Argandoña,, La credibilidad de los códigos eticos, documento de investigación, IESE, 1993 e, o já citado, Javier Fernández Aguado (coord.), La ética en los negocios, Ariel, Barcelona, 2001.

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- obter maior rentabilidade reduzindo custos funcionais (objectivos pessoais versus objectivos da empresa ou do grupo)

- proporcionar um quadro de referência participado

- aumentar a confiança e segurança dos clientes internos e externos

- dispor de um instrumento para resolver conflitos de interesses

- segurança no tratamento de informação

- oportunidades de negócios empresariais e pessoais Uma outra forma de olhar para esta problemática é perguntar, como faz Payne 18: o que estará a forçar os empresários a prestar cada vez mais atenção à ética?

- Perda de controlo? Porque nada mais parece funcionar?

- Porque é parte da gestão do risco?

- Porque nós vimos o que aconteceu ao nosso concorrente (que está envolvido num escândalo)?

- Porque nós desejamos proteger a nossa boa reputação?

- Porque nós tentamos melhorar a nossa capacidade para trabalhar juntos, ultrapassando barreiras internas e externas?

- Porque é parte da construção de uma marca?

Condicionalismos e tipologias dos códigos de conduta nas empresas O renovado interesse pelos códigos de conduta na vida das empresas pode ser visto como resultante de condicionalismos que obrigam à ética. Eis alguns:

- alargamento e reforço da lei

- flexibilidade e mobilidade do emprego …(no limite) indivíduo-empresa

- novas tecnologias da informação e das comunicações … media

- liberalização dos mercados e alterações nos poderes político e económico

- globalização, diversidade cultural e “encontros” de civilizações

- crescente peso da economia do conhecimento e do “imaterial”

- intensificação das expectativas dos eleitores-cidadãos, investidores, clientes, colaboradores …comunidades

No que se prende com a tipologia, podemos dizer que a problemática dos códigos de conduta tem associados três pontos que quase sempre se consideram como prévios. Uma prioridade necessária para fortalecer a unidade e imagem da empresa (ou grupo empresarial). - A missão: a sua razão de ser da empresa. - A visão: o que a empresa espera vir a ser. - Os valores: a bússola que orienta a empresa, os padrões de conduta que enforman as suas práticas de negócio. Estamos agora em condições de partir para uma tipologia que divide os códigos de conduta segundo três grandes agrupamentos:

18 Lynn Sharp Paine, “Liderazgo, ética e integridad organizacional: hacia un nuevo credo”, em Melé Carné, Domenéc (coord.), Raíces éticas del liderazgo, EUNSA, Pamplona, 2000, pp.

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- Declarações de valores: que apresentam de forma desenvolvida a missão, visão e valores orientadores da empresa. - Credos empresariais ou códigos funcionais, que descrevem de forma mais pormenorizada os aspectos éticos que regem as relações da empresa com os seus stakeholders. - Códigos de ética propriamente ditos também chamados normativos que se caracterizam pelo estabelecimento de regulamentos internos muito detalhados e de natureza restritiva. (Vale aqui lembrar que a Arthur Andersen era tida como um bom exemplo deste último tipo).

Normas éticas e missão do empresário François Michelin diz encarar, desde sempre, a sua missão de chefe como uma série de obrigações: manter o barco em bom rumo, proteger os homens e a carga, antecipar os movimentos do mundo e as contradições do mercado. Ou seja: velar sempre por satisfazer o triângulo daqueles que considera terem o direito de pedir contas: os clientes, o pessoal e os accionistas. Um triângulo que poderá funcionar como chave de leitura de códigos éticos capazes de atender à necessidade de um desenvolvimento sustentável e de um amplo equilíbrio entre stockholders e stakeholders. De facto, a visão da empresa como comunidade de pessoas – em que todos são membros, e não simples funcionários ou colaboradores – leva a que, idealmente, não se deva estabelecer nenhuma hierarquia entre aqueles que injectam capital na empresa e aqueles que fornecem a sua capacidade de trabalho. Em primeiro lugar, estaria então o cliente. Quem manda é o cliente. O cliente tem sempre razão? Talvez nem sempre, mas é certamente a razão que justifica a empresa. É nesta perspectiva que, numa linguagem que certamente agradaria ao “anarquismo escolástico” de Proudhon, se pode dizer: “É verdade, a propriedade é um roubo se não estiver ao serviço dos Homens”. 19 Michelin insiste em que Marx, como muitos filósofos da mesma época, tomou as consequências pelas causas: - transformou um acto de serviço em factor de oposição – privando-o do seu sentido. Foi o começo da planificação estatal. Michelin refere também como se impressionou ao dar-se conta de que os economistas e os industriais tinham sempre a palavra “capital” na ponta da língua. Mas de que é que se está à espera? O comandante de um navio começa por pensar no casco do seu barco antes de falar do resto; se houver um buraco no casco, o barco afunda-se.20 Percebe-se assim que a missão essencial do empresário, em cada momento e circunstância, seja conduzir os homens e mulheres que integram a empresa à consecução do objectivo empresarial, em termos do serviço a prestar e em termos de rendimento a gerar. Isto ao mesmo tempo que, guiado pela prudência, procura que as suas decisões contribuam para o desenvolvimento integral das pessoas que formam a comunidade empresarial, sem prejudicar aos que a partir de fora se relacionam com a empresa . Importa aqui salientar que o objectivo, para que uma empresa se justifique económica e moralmente, deve ser bifronte: por um lado, acrescentar valor económico, isto é, gerar rendimentos, criar riqueza para todos os participantes na empresa e, por outro, prestar verdadeiro serviço à sociedade em que a empresa está inserida. Como costuma dizer o meu saudoso amigo Rafael Termes, sem estas duas condições –

prestar serviço e criar riqueza - a empresa não se justifica. Antes de mais, prestar serviço: um verdadeiro serviço, que contribua para o bem comum; se tal não acontece, a empresa não se justifica moralmente. Há, de facto, 19 François Michelin, A empresa ao serviço dos homens, p. 14. 20 Ibid, p. 28. Ou dito de outro modo: “O capital está para a empresa como o casco para o navio. O papel essencial do capitalista consiste em velar permanentemente para que o casco da empresa lhe permita navegar o mais possível sem meter água.” (p. 113)

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empresas que, apesar de criarem riqueza, não se justificam moralmente pela natureza daninha (material ou espiritualmente) da actividade a que se dedicam. Mas também, criar riqueza, acrescentar valor económico, ou seja, gerar rendimentos para todos quantos integram a empresa ao contribuir com capital, trabalho e direcção. Há empresas que, mesmo que a natureza da sua actividade seja irreprovável do ponto de vista moral, não se justificam economicamente dado não serem capazes de gerar rendimentos suficientes para remunerar de forma satisfatória quer o trabalho quer o capital empregados. Dizer que o objectivo da empresa se traduz na maximização do valor das acções é, por isso, só meia verdade, dado que este objectivo financeiro deve estar submetido ao objectivo geral da empresa que é gerar riqueza: não de qualquer modo, mas prestando verdadeiro serviço à sociedade. Visto de outro ângulo, a maximização do valor das acções deve ser conseguida através de comportamentos que sempre, em todo o tempo e lugar, respeitem as normas éticas.

Ética, rentabilidade e responsabilidades das empresas A queda dos regimes comunistas e o triunfo do sistema capitalista – ou de livre empresa –, embora seja clara manifestação da maior eficiência do sistema do livre mercado para responder à criação de valor e ao progresso económico, não nos deve fazer esquecer as suas “imperfeições”, bem como a necessidade de melhorar e aperfeiçoar o sistema - e as suas regras – e também a qualidade dos participantes. O que nos levará à consideração de traços caracterizadores de uma “verdadeira” empresa: largo alcance, ampla gama de interesses e profundidade, que podem constituir-se como facetas da estrutura hiper-complexa da rentabilidade. Uma estrutura que na linha de Fernández Fernández se pode apresentar com base num cubo ético 21 onde se cruzam três dimensões: - Eu, Organização, Sociedade, Humanidade e Ambiente - Curto, Médio e Longo Prazo - Benefícios (explícitos e ocultos) e Custos (explícitos e ocultos) O que significa que, numa abordagem ética realista, se terá de considerar que não há propriamente problemas éticos, há, sim, aspectos éticos nos problemas humanos que temos sempre de apreciar em todas as suas múltiplas implicações de tempo e lugar, circunstâncias e modos. Os problemas humanos são pluridimensionais. Têm sempre muitas coordenadas a considerar, diversos parâmetros a equilibrar. Daí que uma ética realista implique aceitar novos desafios e procurar novos equilíbrios entre os meus interesses e os dos outros, entre o curto e o longo prazo, entre custos e benefícios (explícitos e implícitos). Por exemplo, as empresas buscam e devem buscar o lucro, ou seja, têm obrigação de buscar o lucro entendido como índice de eficiência empresarial, mas tal não significa que se deva desatender ao modo como o buscam e aos processos que utilizam para o conseguir. É neste âmbito que se deve encarar a problemática da ética e dos códigos de conduta nas empresas, em ética, mais que os fins, importam os meios. Daí que seja muito ético dizer que os fins não justificam os meios. Por isso, nem as pessoas de dentro – que formam a comunidade empresarial - nem as fora da empresa, podem ser usadas como meios, antes devem ser tratadas de acordo com a dignidade que lhes é própria, como seres racionais e livres.

21 José Luis Fernández Fernández “Éica de los negocios funcionales de la empresa”, em Javier Fernández Aguado (coord.), ob. cit, pp. 196-201.

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Esta é uma preocupação fundamental, mais ainda depois da proclamada vitória do capitalismo sobre as ilusões do chamado socialismo real. De facto, mesmo que se considere a economia de livre empresa como mais humana e mais compaginável com a dignidade das pessoas, importa não perder de vista o fomento na vida empresarial de uma nova cultura, de mais exigência e mais humanidade. A criação e aplicação de códigos de ética das empresas podem ser aqui de grande ajuda. Mas, para tal, importa não confundir princípios éticos e códigos éticos. Os princípios – como também diria Hayek - devem descobrir-se e os códigos devem formular-se. Tal formulação não significa, contudo, que - como sustentaria um relativista – se fique entregue ao livre arbítrio. Um enfoque correcto da ética pessoal e empresarial deriva da convicção de que os códigos de conduta, quando está em causa a sua formulação, não são mais que expressões concretas e claras de princípios existentes, superiores a mim que não podem ser mudados de forma arbitrária. Quanto às responsabilidades ético-sociais podemos considerar quatro como sendo comuns a todas as empresas:

- Produzir bens e seviços com o intuito de satisfazer necessidades humanas,

- Produzir com eficiência, não desperdiçando recursos e evitando custos desnecessários;

- Garantir a continuidade da empresa, a sua autocontinuidade – “espírito de custódia – passagem de testemunho

- Garantir o desenvolvimento humano dos seus membros, uma vez que esta é a primeira obrigação de qualquer organização

Princípios e responsabilidades que serão melhor garantidos quando a cultura da empresa se determina mais pelos valores que se vivem do que pelas leis que se estabelecem e cumprem. Uma cultura que deve dar corpo à ideia de que não são as empresas que são éticas ou não, apenas os indivíduos o são. O que a um outro nível significa que devemos partir sempre do convencimento de que os usos corruptos acabam por viciar a vida de qualquer organização: a corrupção é que corrompe, não o dinheiro ou o poder. Daí que a principal e quase única recomendação que cabe fazer é a de formar integralmente as pessoas, em todos os níveis da sociedade, através da educação e, sobretudo, do exemplo. O problema do comportamento ético, mais que um problema de normas, é um problema do homem que se realiza ou destrói pelos seus actos. Percebe-se assim que os passos conducentes a uma melhoria ética no mundo dos negócios passem principalmente por uma formação moral dos homens e mulheres do nosso tempo. Uma formação baseada na recuperação, ou melhor na afirmação da consciência moral a partir dos princípios da lei natural e suas consequências. Por tudo isto, podemos dizer que procedimentos implícitos e informais para a transmissão da ética devem ser mais valorizados do que os programas formais que se podem levar a cabo. Dito de outro modo, o estabelecimento de um código de conduta na empresa requer a prévia definição do conjunto de valores orientadores da vida da empresa. Por outro lado, como também salienta Fontrodona, o código de conduta – como toda a norma – representa um ideal de comportamento. É por isso que o comportamento real não reside na norma, mas na virtude, isto é, na capacidade do homem actuar de uma determinada forma, e adquirir nessa acção uma habilidade que lhe facilite no futuro actuar da mesma forma. Para o código basta uma aprendizagem teórica, mas a virtude requer uma aprendizagem prática: a virtude adquire-se. As normas têm sentido na medida em que facilitam a aquisição de virtudes, ao assinalar o que se deve fazer e o que convém evitar.22

22 Joán Fontrodona Felip, em ob. cit., p. 152

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Códigos na prática: exemplo e responsabilidade A ética é, como vimos, para ser aplicada. Aplicação que, no que respeita a códigos de conduta, implica exemplo e responsabilidade. Daí que a sequência “Normas, bens e virtudes corra paralela a uma outra, “Cumprimento, integridade e excelência humana”. As teorias éticas podem ser assim divididas em conformidade com a sua relação a estes três pares de elementos. Uma visão deontológica da ética, por exemplo, fixa-se só no carácter normativo; pelo contrário, uma postura utilitarista só se interessa pelos valores. Já uma visão integral da ética obriga à consideração dos três elementos e da tensão que entre eles se cria, para evitar cair em abordagens unilaterais. Daqui derivam - seguindo Fontrodona e Melé23 – três estratégias para a implementação de um programa de ética empresarial. A primeira responderia a um enfoque baseado no cumprimento, em que se procuram prevenir as transgressões da lei por parte dos empregados, ou dito de um modo positivo, assegurar que as actuações estejam em conformidade com as normas de conduta impostas a partir do exterior da empresa. É o enfoque legalista. A segunda basear-se-ia na integridade, que incide mais na responsabilidade pessoal. Pretende-se que os indivíduos actuem em conformidade com os valores da empresa. Por último, estaria o enfoque baseado na excelência humana, que acrescentaria às anteriores uma referência ao actuar em conformidade com a dignidade da pessoa humana, a procurar o crescimento dos indivíduos através do desenvolvimento de virtudes humanas. Relacionando estas três estratégias com elementos de uma visão integral da ética, descobre-se que há uma correspondência: o cumprimento tem relação com as normas; a integridade, com os valores, e a excelência humana, com as virtudes. O que nos pode indicar que um código de ética deverá ter presente na sua formulação estes três elementos. Não pode conformar-se com uma visão legalista, antes se deve aspirar a que o código ajude a tornar vivos os valores que a empresa persegue, e, sobretudo, ajude ao desenvolvimento das pessoas que compõem a organização.24

Códigos de conduta, rectidão moral e competência profissional A simples implantação de um código de comportamento não assegura que se apreciem e se pratiquem os valores e as normas que nele se estabelecem – o código da estrada não garante o civismo. O código de conduta é algo que se pode aprender, enquanto a rectidão moral e a competência profissional se adquirem com esforço, dentro de uma comunidade de aprendizagem e graças a contínuos exercícios de ensaio e erro, de equívocos e melhorias. Dito de outra forma: o facto de uma pessoa ter acabado de “tirar” uma licenciatura (em Economia, Medicina, Direito ou Engenharia), não significa que seja competente, significa apenas que tem uma “licença” (licenciatura) para o exercício de uma dada profissão. A competência nessa profissão - para a qual obteve uma permissão ou autorização – é algo que se vai adquirindo ao longo de uma longa vida profissional, pelo bom exercício da profissão. O mesmo acontece com a “rectidão moral” e com outras virtudes morais em relação à ética, mesmo que as pessoas em causa se tenham “safado” bem numa cadeira ou num curso de ética.

23 D. Melé, “Políticas de ética empresarial: posibilidades y limitaciones”, Papeles de ética, economía y Dirección, 5, 2000, pp. 161-179. Comunicação apresentada na VIII Conferencia annual de Ética, Economía y Dirección, 4-5 de mayo de 2000. Como bem diz Fontrodona (ob. cit., p. 152) as duas primeiras estratégias são as consideradas por L. S. Paine, “Managing for organizational integrity”, Harvard Business Review, 72(2), 1994, pp. 106-117. 24 Joán Fontrodona Felip, em ob. cit. p. 153.

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As pessoas, em geral, não têm grandes problemas em “passar” num exame de código, no código de estrada, por exemplo. Mas, como bem sabemos, isso não garante um comportamento cívico na estrada. Tomando a imagem de Laing, podemos dizer que o muito saber de “mapas” e “menus” não nos deve impedir de ver que a verdadeira “exploração”25 se dá no território, se dá no sabor da boa “prova”. É por aqui que passa o verdadeiro teste do terreno e a verdadeira medida de (a)provação. Como todos estamos cientes, a nossa aprovação no exame do código de estrada não impede a nossa conhecida falta de civismo nas estradas. Temos esperança de ter deixado clara a complexidade inerente a esta problemática da ética e dos códigos de conduta na vida das empresas, que vai muito para além da diversidade de aspectos a considerar quer na elaboração de um código quer na consideração das condições para o seu sucesso. Podemos ter cuidado muito bem de uma boa e adequada identificação e comparação de vários tipos de códigos, e até de uma boa boa redacção e implantação, assim como de uma excelente difusão e acompanhamento. Mas nunca nos devemos esquecer que um qualquer código, mesmo que bem elaborado, nunca garantirá que as pessoas se comportem de forma ética. Os códigos podem ser muito convenientes, mas nunca serão suficientes. É verdade que há que cuidar de uma boa adaptação de códigos de conduta aos distintos contextos profissionais onde se dá a aplicação dos princípios gerais da ética normativa, mas sem nunca esquecer que a ética é algo para ser vivido todos os dias, não um remédio ou uma solução para quando surge um problema ou um conflito. Isto porque, para além das razões de fundo, sem o hábito de sempre nos comportarmos eticamente, dificilmente se tomará uma boa decisão ética, quando as circunstâncias se tornem adversas. Ou ainda não nos demos conta de que as leis e os códigos, embora muito úteis e necessários, nunca poderão substituir o carácter?

25 Toma-se aqui a expressão como “exploração de oportunidades no mercado” (como entendida pelo economista “austríaco” I. M. Kirzner) mas também no sentido em que Juan Ignacio Martin-Castilla, Senior Manager da PriceWaterhouseCoopers tem vindo a chamar “explorador de oportunidades para a ética”. Uma exploração que desdobra em nove dimensões fundamentais: “Liderança”, “Política e Estratégia”, “Gestão das Pessoas”, “Gestão das Alianças e Recursos”, “Gestão dos Processos”, “Resultados nos Clientes”, Resultados nas Pessoas”, Resultados na Sociedade” e “Resultados-chave da Organização”.