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8/22/2019 5 - Claudio Ferreira Costa - Como os nomes prprios realmente referem
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Investigao Filosfica: vol. 4, n. 1, artigo digital 5, 2013.
Como os nomes prprios realmente referem
Claudio Ferreira Costa 1
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Resumo: Nesse artigo sugerido o esboo de uma verso aprimorada da tradicionalteoria descritivista dos nomes prprios. Essa verso capaz de explicar o contedoinformativo dos nomes prprios e o seu contraste, como designadores rgidos, com asdescries definidas, alm de responder de forma mais adequada aos contraexemplosusualmente apresentados contra o descritivismo.
Palavras-chave: descritivismo, nomes prprios, referncia.
Abstract: This paper contains a sketch of a more developed descriptivist theory ofproper names. This version is able to explain the informative content of proper namesand why they are rigid designators by contrast with definite descriptions. Moreover, it isable to answer in a more convincing way the counterexamples usually presented agaistdescriptivism.
Key words: descritivism, proper names, reference.
Qual o mecanismo pelo qual nomes prprios como Aristteles, Paris,
Vnus etc. so capazes de designar seus portadores? A resposta mais antiga
descritivista. Segundo a teoria do agregado de descries, que foi sugerida nos escritos
de Frege, Russell e Wittgenstein, e que encontra a sua exposio ltima em um artigo de
John Searle,2 o que algum tem em mente com um nome prprio de maneira a ser capaz
de us-lo referencialmente exprimvel porum subconjunto indefinido de um conjunto
aberto de descries co-referenciais (minimamente, um subconjunto contendo uma
nica descrio).3Assim, um nome prprio como Aristteles pode vir no lugar de
1 Doutor em filosofia pela universidade de Konstanz, professor do Departamento de Filosofia da UFRN,bolsista de pesquisa individual do CNPq, e-mail: [email protected].
2 J. R. Searle: Proper Names.
3 Essa a formulao sinptica da verso searleana apresentada por Susan Haack em Philosophy ofLogics, p. 58.
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mailto:[email protected]:[email protected]8/22/2019 5 - Claudio Ferreira Costa - Como os nomes prprios realmente referem
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descries definidas (geralmente iniciadas com um artigo definido) como o estagirita,
o autor da tica a Nicmaco, o autor da Metafsica, o discpulo de Plato, o
fundador do Liceu, o tutor de Alexandre.Para Saul Kripke, um problema com as teorias descritivistas que, embora um
nome prprio se aplique necessariamente ao seu portador em qualquer circunstncia na
qual ele exista, esse nome pode ser aplicado ao seu portador sem que nenhuma das
descries definidas a ele usualmente associadas necessariamente se aplique.4 Assim,
podemos imaginar um mundo possvel no qual Aristteles existiu, mas morreu ainda
criana, no tendo sido discpulo de Plato e nem escrito nenhuma das obras a ele
atribudas. E tambm podemos imaginar um mundo possvel no qual Aristteles existiu,mas no nasceu em Estagira e sim em Roma, trezentos anos mais tarde. Fica assim claro
que nenhuma das descries que associamos ao nome prprio se aplica
necessariamente. Alm do mais, Kripke notou que uma pessoa pode usar um nome
prprio referencialmente, mesmo tendo em mente uma nica descrio, que pode ser
indefinida ou at mesmo incorreta. Assim, uma pessoa pode se referir a Feynman, dele
sabendo apenas que foi um cientista norte-americano, e algum pode perfeitamente se
referir a Einstein pensando incorretamente que ele foi o inventor da bomba atmica.
Considere ainda o caso de nomes de personagens semificcionais, como Robin Hood.
Sabemos que deve ter existido algum que esteve na origem desse personagem, mas
nada sabemos sobre ele, nem mesmo se foi realmente um fora da lei ou se ele chamava
Robin Hood! Em nenhum desses casos a descrio adquire um papel relevante.
A soluo encontrada por Kripke, Keith Donnellan, Michael Devitt e outros, foi
externalista e causal. Esses filsofos concluram que aquilo que suporta a referncia de
um nome prprio uma cadeia causal-histrica externa, que para Kripke comea com a
primeira denominao do objeto atravs do nome, o seu batismo. Se eu profiro o
nome Aristteles e esse for o ltimo elo de uma imensamente longa e complexa
cadeia causal-histrica que comeou com o batismo de Aristteles em 384 a.C. em
Estagira, isso suficiente para eu me referir a Aristteles. Descries podem
4 Ver Saul Kripke: Naming and Necessity cap. II. As outras objees de Kripke se encontram todas nomesmo livro. Para uma resposta relevante, curiosamente passada em silncio pelos defensores daconcepo causal-histrica, ver J. R. Searle:Intentionality: an Essay in the Philosophy of Mind, cap. 9.
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acompanhar o meu uso do nome Aristteles, mas a sua funo ser meramente
auxiliar. Embora essa hiptese possa a primeira vista parecer fantstica, h muito ela se
tornou a nova ortodoxia.
Dois tipos fundamentais de descries
A resposta internalista que eu desejo sugerir aqui consiste na defesa de uma
forma mais sofisticada de descritivismo. Ela se resume na descoberta de uma meta-regra
cuja funo a de selecionar elementos do agregado de descries, provendo-lhe de
uma estrutura valorativa adequada. s quando o descritivismo acrescido dessa meta-regra, exprimvel na forma de uma meta-descrio, que ele ganha o poder explicativo
que merece, tornando a hiptese causal-histrica dispensvel como meio de explicar a
referncia.
Para chegarmos onde queremos precisamos primeiramente distinguir as
descries fundamentais das descries auxiliares. As descries fundamentais
expressam critrios primrios de identificao, enquanto as descries auxiliares vrias
apenas nos remetem s descries fundamentais na busca do portador do nome,
merecendo nesse aspecto serem descartadas.
Esse ponto pode ser primeiramente mostrado atravs de exemplos de descries
tipicamente auxiliares. Considere o caso de descries definidas como o tutor de
Alexandre, o fundador do Liceu, o maior discpulo de Plato, todas elas
concernentes a Aristteles. Elas so descries definidas usuais, mas perfeitamente
dispensveis: afinal, Aristteles continuaria sendo ele mesmo, ainda que no tivesse
sido nada disso. Outro caso o de descries definidas pouco usuais e dispensveis
como, no que concerne a Aristteles, o neto de Achaeon, o amante de Herphylis e
a pessoa que viajou com Teofrasto ilha de Lesbos. Um terceiro caso o de
descries definidas como o estagirita e o mestre dos que sabem com respeito a
Aristteles. Essas descries tem funo expressiva ou metafrica, cumprindo com um
papel mnemnico. Mas parece certo que como tais elas pouco fazem para caucionar a
identificao do objeto referido. Finalmente, existem descries que so adventcias e
temporrias, como a usada pelo aluno que s sabe dizer de Aristteles que ele foi o
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filsofo mencionado pelo professor. Chamo a todas essas descries de auxiliares
porque, como veremos, apesar de nos orientarem na identificao do portador do nome
e apesar de constiturem parte secundria de seu contedo informativo, elas terminamsendo prescindveis.
Minha sugesto a de que as descries fundamentais para a referncia do nome
prprio so de outro tipo e que as formas tradicionais da teoria do agregado so
enganosas, em parte por seus proponentes terem sido desviados do que relevante ao
escolherem como exemplos descries auxiliares, como o tutor de Alexandre e o
fundador do Liceu para Aristteles (Frege) e a criana retirada do Nilo pela filha do
fara para Moiss (Wittgenstein).Minha proposta a de que as descries realmente fundamentais so expresses
lingsticas de duas espcies de regras identificadoras do objeto, que so:
A. REGRA LOCALIZADORA: que estabelece a localizao e carreira espacio-temporaldo portador do nome prprio,B. REGRA CARACTERIZADORA: que estabelece uma caracterizao daquiloque consideramos como mais relevante no portador do nome prprio, de modo a
justificar nossa aplicao do mesmo.
Assim, para um nome prprio como Aristteles a descrio a pessoa nascida
em Estagira em 384 a.C., que viveu grande parte da sua vida em Atenas e que faleceu
em Chalcis em 322 a.C. exprime resumidamente nossa regra localizadora de
Aristteles no espao e no tempo. J a descrio que permite caracterizar Aristteles por
aquilo que nele consideramos importante de modo a justificar que ele seja identificado
atravs desse nome prprio pode ser resumida como o autor do contedo relevante do
opus aristotlico.
Mas o que justifica minha aposta nas regras localizadora e caracterizadora como
sendo as regras-descries fundamentais? A resposta consiste simplesmente no apelo s
intuies oferecidas por nossa linguagem natural. Em ateno a isso J. L. Austin, o
filsofo da linguagem ordinria, aconselhava-nos o uso dos melhores dicionrios como
um mtodo para distinguirmos distines semnticas que pudessem importar ou no
importar filosoficamente. Como nomes prprios raramente so dicionarizados falta-nos
esse recurso. Mas como eles so muitas vezes enciclopedizados, essa falta
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sobejamente compensada quando procuramos as condies de referncia de nomes
prprios oferecidas em enciclopdias. Com efeito, as enciclopdias geralmente
explicam o que os nomes prprios querem dizer partindo das descries fundamentais eno de descries auxiliares. Eis o que encontro sobre o nome Aristteles em meu
Penguin Dictionary of Philosophy, que escolho por ser o mais conciso:
(384 - 322 a.C.) Nascido em Estagira no norte da Grcia. Aristteles produziu omais completo e poderoso sistema filosfico da antiguidade. (Segue-se uma breveexposio da vida de Aristteles, seguida de um resumo das principais obras...)
Essa descrio concentra-se nos critrios identificadores dos tipos A e B. Seconsultarmos a elucidao lexical de outros nomes prprios, no s de pessoas, mas
tambm de coisas, como Taj Mahal, Paris, China e Rio Amazonas,
encontraremos resultados semelhantes.
Para tornar mais claro o carter fundamental das descries localizadora e
caracterizadora, tente imaginar um nome prprio usual sem que suas descries
fundamentais tenham aplicao alguma. Imagine, por exemplo, um Aristteles que
nunca teve nada a ver com a filosofia ou com a cincia, que no nasceu na Grcia antiga
e que teve uma localizao, carreira e origem espacio-temporal completamente diversa
daquela tida pelo Aristteles filsofo. Imagine, glosando um exemplo de John Searle,
que a pessoa chamada pelo nome Aristteles tenha sido apenas um vendedor de
peixes veneziano que viveu na Renascena tardia e que nunca teve nada a ver com a
filosofia... Certamente no o reconheceremos como sendo o nosso Aristteles, mas
alguma outra pessoa com o mesmo nome! 5
Essa observao se complementa com outra: a de que na completa ausncia de
aplicao das descries fundamentais as descries auxiliares deixam de ser teis. Para
que esse ponto se evidencie tente imaginar que as descries auxiliares que geralmente
associamos a Aristteles se apliquem ao nosso vendedor de peixes veneziano:
descobrimos que ele ensinou algum chamado Alexandre, que ele fundou um Liceu e
foi chamado de o mestre dos que sabem. Nenhuma dessas estranhas coincidncias
5 J. R. Searle: Proper Names and Descriptions, p. 490.
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seria capaz de nos fazer admitir que o vendedor de peixes seja realmente aquela pessoa
a que pretendemos nos referir com o nome Aristteles. Afinal, o Alexandre que ele
ensinou no pode ter sido o maior conquistador de todos os tempos, no possvel queo vendedor de peixes iletrado tenha verdadeiramente fundado o Liceu aristotlico, nem
que o apelido o mestre dos que sabem seja o mesmo que foi usado por Dante na
Divina Comdia. Pode ser que se descubra ento que esse Aristteles vendedor de
peixes foi um fanfarro que se acreditava sbio, que o Alexandre que ele ensinou foi um
pescador, que o Liceu foi o nome que as pessoas deram ao local onde ele reunia as
pessoas para contar as suas estrias, e que a descrio o mestre dos que sabem tenha
sido ironicamente usada por seus conhecidos... Mesmo que todas as descriesauxiliares fossem aplicveis, na falta da aplicao das descries fundamentais elas no
seriam capazes de produzir mais do que uma sensao de estranha coincidncia, de
persiflagem do real. A concluso parece ser a seguinte: descries auxiliares s sero
capazes de contribuir para a referncia se forem articuladas dentro de um contexto
definido pelas prprias descries fundamentais para as quais elas nos direcionam,
tornando-se inteis na ausncia disso.
A regra de identificao do nome prprio
Uma vez que encontramos as descries fundamentais, a questo seguinte
saber como elas so exigidas para a aplicao de um nome prprio qualquer.
Uma primeira considerao a ser feita que para a identificao do portador do
nome prprio a satisfao de A & B, ou seja, da conjuno das condies,
desnecessria. H razes conclusivas para se pensar assim. A primeira que h nomes
prprios que constitutivamente possuem apenas uma regra caracterizadora. Considere o
nome Universo. A descrio caracterizadora tudo o que existe. Mas pelo prprio
fato de ser tudo o que existe (existiu e existir), o universo no se encontra nem no
espao nem no tempo. H tambm nomes prprios que s possuem regra localizadora.
Digamos que o centro de um dado crculo seja casualmente denominado Z. Aqui a
localizao o que importa, pois no h outro motivo para a sua considerao.
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Outra razo para se pensar que a conjuno A & B desnecessria vem da
considerao de situaes contrafactuais. Imagine, pois, um mundo possvel m1, muito
prximo ao nosso, no qual Aristteles nasceu em Estagira em 384 a.C., filho deNicmaco, o mdico da corte de Felipe, mas que ele morreu de febre aos dezessete
anos, em sua viagem para Atenas, no chegando a escrever o opus aristotlico. Nesse
caso admitiremos talvez que nosso Aristteles em potncia existiu em m1. Nesse caso
apenas a regra localizadora aplicada, mas o nome prprio Aristteles encontra a sua
designao. Alm disso, podemos conceber um mundo possvel m2, tambm muito
prximo ao nosso, no qual Aristteles viveu em Roma cerca de trezentos anos mais
tarde, tendo l escrito o seuopus
. Nesse caso tenderemos a dizer quem
2 tambm teve oseu Aristteles, embora ele tenha existido em lugar e poca diversos. Podemos at
mesmo imaginar que os indivduos aqui imaginados no se chamavam Aristteles, pois
descries do tipo a pessoa de nome N tambm so auxiliares (se em um mundo
possvel o autor do opus aristotlico se chamasse Pitacus, reconheceramos Pitacus
como sendo o nosso Aristteles).
Do fato de que as condies A e B no so isoladamente necessrias podemos
concluir que nem a descrio localizadora nem a descrio caracterizadora so
essenciais, se por essencial se entende algo que necessrio. Podemos, no entanto,
conceber que a satisfao de uma disjuno A ou B das regras-descries
fundamentais seja uma condio minimamente capaz de dotar os nomes prprios de
referncia. O que efetivamente no parece possvel, contudo, que possamos imaginar
que um nome prprio se aplique em um mundo possvel em que ~A & ~B seja o caso,
a dizer, em que nenhuma das regras-descries fundamentais se aplique. Esse o caso
do exemplo j considerado de Searle, em que ele imagina um especialista em Aristteles
que veio nos dizer que descobriu que Aristteles no foi nem grego nem filsofo, mas
um obscuro vendedor de peixes veneziano que viveu na renascena tardia... O mesmo
aconteceria se algum nos dissesse que Aristteles foi, na verdade, um armador grego
que viveu no sculo XX, foi amante de Maria Callas e se casou com Jackeline. Afinal,
Aristteles Onassis no satisfaz nem a descrio localizadora nem a descrio
caracterizadora para o estagirita.
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Nesse ponto pode ser objetado que as condies A e B no precisam em si
mesmas ser inteiramente satisfeitas. Um nome prprio pode se aplicar ao seu portador
mesmo quando as descries fundamentais se aplicam apenas parcialmente ou quandouma s se aplica e mesmo assim se aplica apenas parcialmente! Afinal, no mundo m1,
no qual Aristteles nasceu em Estagira em 384 a.C., mas morreu aos dezessete anos, no
s a condio caracterizadora no est sendo satisfeita, mas a condio localizadora est
sendo apenas parcialmente satisfeita, j que ele no teve a carreira espacio-temporal
esperada: ele no viveu em Atenas, no visitou Lesbos e nem morreu em Chalcis em
322 a.C. Igualmente, no mundo possvel m2, em que Aristteles viveu em Roma mais
de duzentos anos depois, podemos conceber que ele tenha escrito apenas atica a
Nicmano, a Metafsica e alguns outros trabalhos menores. Se no houver nenhum
Aristteles grego para competir com ele, ns tenderemos a admitir Aristteles existiu
realmente em m2, mesmo que grande parte da condio B no esteja sendo satisfeita e
coisa alguma da condio A tenha sido satisfeita. fcil, porm, lidar com essa objeo.
Basta exigir satisfao suficiente e no mais completa do termo ou dos termos da
disjuno. Se o Aristteles de m1 morreu logo aps o nascimento e se o Aristteles de
m2 apenas escreveu alguma obra que apenas improvavelmente atribuda a Aristteles,
comearemos a duvidar de que a pessoa em questo tenha sido nosso Aristteles.
Finalmente, necessrio considerar o caso do mundo possvel no qual existem
dois ou mais objetos que satisfazem as condies fundamentais. Nesse caso o
verdadeiro objeto de referncia do nome prprio ser aquele que tiver satisfeito as
descries fundamentais de modo mais completo. Se no mundo m3 alm do Aristteles
de Estagira tivesse existido um filsofo romano com o nome de Aristteles que tivesse
escrito o opus Aristotlico pouco antes da conquista da Grcia pelos romanos, ns
veramos nisso uma inexplicvel coincidncia. Mas preferiramos considerar o
Aristteles de Estagira como sendo o nosso Aristteles, uma vez que ele satisfaz a
condio de localizao, alm da condio de caracterizao.
Juntando as condies fundamentais e as condies adicionais recm-
consideradas estamos em condies de estabelecer o que parece ser a forma de qualquer
regra de identificao de nome prprio. Ela estabelecida pelo que chamo de uma regra
meta-descritiva, uma regra de regras, posto que as descries pertencentes ao agregado
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tambm so expresses de regras. Essa regra meta-descritiva, expressa por uma meta-
descrio, tem a funo de organizar os agregados de regras-descries de qualquer
nome prprio eventualmente dado. Ela pode ser apresentada como uma regraconstituda por trs condies, que chamaremos de (i) a condio de significao, (ii) a
condio de suficincia e (iii) a condio de predominncia. Ei-la:
RMD:Um nome prprio N se aplica a um objeto da classe C see(i) se condio A para N e/ou a condio B para N for(em) satisfeitas pelo
objeto,
(ii) se a satisfao dessa ou dessas condio/condies por esse objeto forsuficiente,
(iii) se no h nenhum outro objeto da classe C que chegue a satisfaz-la(s) namesma ou em maior medida.
Substituindo as variveis pelos dados e descries localizadora e caracterizadora
de um nome prprio qualquer, ns estabelecemos o que pode ser chamado de a regra de
identificao (RI) para esse nome. Uma regra que estabelece as condies necessrias e
suficientes para a sua aplicao.Assim, se RMD for aplicada ao nome Aristteles teremos a seguinte regra de
identificao para esse nome prprio:
RI-Aristteles:O nome prprio Aristteles se aplica a seres humanos em um mundo possvelqualquersee nesse mundo existiu um ser humano que nasceu em Estagira em 384a.C., viveu grande parte de sua vida em Atenas e morreu em Chalcis em 322 a.C.e/ou ele foi o autor das grandes ideias contidas no opus aristotlico, satisfazendo
essa condio (ou essas condies) suficientemente e mais do que qualquer outro serhumano.
Essa regra de identificao para o nome prprio Aristteles intuitiva. Se a
aplicarmos a regra ao caso de um filsofo rabe medieval com o pseudnimo
Aristteles, que em um mundo possvel m4 muito prximo ao nosso escreveu grande
parte do opus aristotlico, veremos que essa pessoa satisfaz unicamente e
suficientemente a condio B, mas no a condio A, o que j basta para que ela
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satisfaa a regra de identificao para Aristteles. Contudo, se o mundo possvel form5,
que difere de m4 apenas por ter existido nele tambm outro Aristteles, nascido em
Estagira em 383 a.C., filho do mdico Nicmaco, mas falecido jovem, pouco aps suachegada a Atenas, onde foi enviado para aprender filosofia com Plato, no saberamos
mais ao certo o que dizer. Ou seja: se a medida da satisfao dos objetos concorrentes
for aproximadamente a mesma pode no haver como decidir, o que significa no
teremos como aplicar a regra, devendo concluir que Aristteles no existe, posto que na
lgica dos conflitos criteriais 1 + 1 = 0.
Casos como esse recordam o paradoxo do navio de Teseu, bem conhecido nos
manuais de filosofia. Digamos que esse navio tenha sido batizado com o nome deCalibdus. Como sabido, no curso dos anos Teseu reps pouco a pouco as partes do
seu navio at que, no final, todas elas foram substitudas. Contudo, algum decidiu
ento recondicionar as partes antigas e com elas construir outro navio igual ao primeiro.
Digamos que ento algum pergunte: Qual dos dois navios Calibdus? O paradoxal
aqui que no sabemos bem o que responder. A primeira vista pode parecer que ambos
so o navio de Teseu. Mas isso seria contraditrio, pois por definio um termo singular
no pode se referir a mais de um objeto. Minha proposta a de que a questo de saber
qual dos navios Calibdus indecidvel devido a um conflito criterial que se d entre as
duas regras-descries fundamentais para esse nome. O primeiro navio satisfaz uma
regra localizadora, que nos diz que o navio de Teseu aquele que foi construdo em um
lugar e tempo especficos, tendo ento seguido uma determinada carreira espao-
temporal. A segunda regra, satisfeita pelo segundo navio, caracterizadora. Ela nos diz
que o navio de Teseu aquele que foi construdo com certo material. No temos, por
isso, como decidir.
Nesse ponto algum poder, com razo, objetar que a regra caracterizadora
mais complexa. Ela inclui caractersticas funcionais e estruturais que foram preservadas
em ambos os navios. Como consequncia, parece que o primeiro navio deve ser o
Calibdus, pois ele satisfaz mais completamente as regras-descries fundamentais.
Contudo, podemos equilibrar essa diferena aumentando a rapidez da substituio das
partes velhas pelas novas, de modo a encurtar a carreira espao-temporal do objeto at
que a substituio das peas se complete. Se toda a sequncia de substituies de partes
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tiver lugar em apenas trs meses, teremos dvidas. E se ela tiver lugar em uma semana
ou em um dia? Nesses casos com certeza consideraremos o segundo navio como sendo
o de Teseu e no mais o primeiro, dizendo que ele foi primeiro desmontado e depoisremontado em outro lugar.
Outra questo diz respeito ao nome prprio em sua expresso fontica e
morfolgica. Imagine um mundo possvel em tudo idntico ao nosso, com exceo do
fato de que a pessoa que nasceu em Estagira, que viveu de 384 a 322 a.C., que escreveu
o opus aristotlico... se chamava Pitacus. bvio que reconheceremos esse Pitacus
como o nosso Aristteles nesse mundo possvel. Mas parece que Pitacus no satisfaz
RI-Aristteles. Afinal, ele no se chamava Aristteles. A resposta que a palavraAristteles no definiendum apenas substitui uma classe de possveis expresses
fonticas e morfolgicas de nomes prprios que satisfazem as condies de localizao
e caracterizao. Como j consideramos, a descrio definida a pessoa de nome N
apenas uma descrio definida auxiliar, que pode ser abandonada.
H nessas respostas um elemento de vaguidade capaz de incomodar alguns.
Contudo, a vaguidade, a indeterminao semntica, um pouco como a indeterminao
na fsica quntica: ela irredutvel. Ela um elemento geralmente irredutvel de nossos
conceitos, uma vez que reflete a indeterminao de suas prprias referncias. Ela em
nada atrapalha o funcionamento da linguagem, a menos nos contextos onde no vista
como impreciso. Se quisermos ter uma teoria dos nomes prprios precisaremos
abandonar o preconceito da pureza cristalina (Wittgenstein) e adotarmos uma teoria
que d conta da indeterminao semntica.
Falando em preconceito da pureza cristalina, curioso notar que possvel
parafrasear RI-Aristteles, assim como qualquer outra regra de identificao de nome
prprio, usando artifcios da teoria russelliana das descries. Para tal precisamos
primeiro transformar as descries fundamentais em predicados. Assim, se o predicado
ser humano que nasceu em Estagira em 384 a.C., viveu a maior parte de sua vida
ativa em Atenas e morreu em Chalcis em 322 a.C. for simbolizado por A, o predicado
...autor das grandes ideias do opus aristotlico for simbolizado por B, se o predicado
gostava de ces for simbolizado por C, ns poderemos (de modo simplificado)
formalizar a sentena Aristteles gostava de ces como:
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x ((Ax Bx) & (y) ((Ay By) y = x) & Cx).
Aqui o requisito de existncia o da disjuno das condies fundamentadorassuficientemente satisfeitas, enquanto o requisito de unicidade substitui o requisito de
maior satisfao dex. Essa parfrase salienta os aspectos formais, mas imperfeita uma
vez que substitui a condio de maior satisfao suficiente das condies fundamentais
pela condio derivada de que um nico indivduo satisfaz essas condies
suficientemente.
Problemas insolveis da concepo causal-histrica
Podemos agora nos perguntar se o metadescritivismo no deveria incorporar
alguma coisa da concepo causal-histrica, transformando-se em um
metadescritivismo causal.6 Meu ponto de vista o de que isso desnecessrio. Que
geralmente existe uma cadeia causal um fato que mesmo descritivistas como P. F.
Strawson h muito reconheceram. A novidade da concepo causal-histrica a de que
ela ambiciona primariamente explicar a referncia dos nomes prprios atravs dessa
cadeia causal. O que eu contesto precisamente essa ambio, sugerindo que o poder
explicativo do recurso cadeia causal externa, se ela existir, no capaz de ser
primrio, mas derivado da explicao que recorre a descries expressando regras
cognitivas ou pr-cognitivas atravs das quais o objeto de referncia identificado.
Alm disso, parece claro que nomes prprios podem ter sentido cognitivo sem que o
elemento causal-histrico exista, como o demonstram os muitos exemplos de nomes
prprios vazios, como, digamos, Eldorado. Esse um nome prprio ordinrio. Os
espanhis ouviram dos ndios detalhes sobre uma cidade riqussima, situada em algum
lugar ao leste da cordilheira dos Andes, embora nunca a tenham encontrado. Tambm
acontece de nomes prprios possurem referncia sem que tenha sido formada qualquer
cadeia causal. Um caso o de nomes que foram criados antes do aparecimento de seus
6 Em uma primeira verso das idias aqui desenvolvidas tentei equivocamente incorporar um elementocausal ao metadescritivismo. Ver C. F. Costa: A Meta-Descriptivist Theory of Proper Names.
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portadores. Brasilia, por exemplo, o nome de uma cidade planejada e nomeada antes
de ter sido construda, o que torna impossvel que o objeto seja a causa determinante das
aplicaes iniciais desse nome. Outro caso o de nomes prprios proferidos sem quehaja cadeia causal alguma, mas que foram inferidos. Sabemos, em um exemplo
conhecido, que o referente do nome prprio Ramss VIII deve ter existido por volta
do sculo oitavo a.C., pois embora no saibamos nada sobre esse fara, sabemos algo
sobre Ramss VII e Ramss IX. Certamente, quando pronuncio o nome Ramss VIII
meu proferimento no se encontra no final de uma cadeia causal-histrica...
Um teste para saber se a incorporao de alguma cadeia causal necessria
explicao da funo referencial dos nomes prprios consiste em considerar se hexemplos de proferimentos em que o falante no bem sucedido em estabelecer
nenhuma vinculao causal entre o nome prprio que usa e a sua referncia, embora
esse nome prprio seja em geral causalmente vinculado a sua referncia. Se por causa
disso a referncia desaparece sinal de que ela depende necessariamente da associao
causal. Imagine, pois, que um psictico em um sanatrio anuncie que os extraterrenos
iro pousar na cidade de Saratoga, na Califrnia. Ele associa ao nome Saratoga ao
menos a descrio uma cidade na Califrnia. De fato, existe uma pequena cidade na
Califrnia com esse nome. Mas suponhamos que o nome Saratoga tenha sido invocado
em sua mente por ter causalmente ouvido por ele em um documentrio sobre a batalha
de Saratoga na guerra da independncia americana, uma batalha que se deu na costa
leste dos EUA. Como a palavra Califrnia foi pronunciada logo a seguir, ele entendeu
que Saratoga uma cidade situada na Califrnia... No h, portanto, nenhuma cadeia
causal (ao menos em meu exemplo) relacionando a cidade de Saratoga com o nome
Saratoga pronunciado pela pessoa. A questo : a pessoa logrou referir-se ao portador
do nome? Embora a linguagem natural no nos fornea uma intuio positiva forte para
casos inusitados como esse, a resposta que podemos dizer que sim, conquanto
acrescentemos que a referncia se deu por acaso. Podemos dizer que a pessoa foi bem
sucedida em se referir cidade de Saratoga, embora essa referncia tenha sido
meramentecoincidental. No h, pois, nenhuma intuio lingustica que nos obrigue a
introduzir um elemento causal no descritivismo, mesmo sendo matria de fato que as
referncias sejam em geral causalmente implicadas.
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O significado dos nomes prprios
A soluo dada ao problema da referncia permite-nos responder ao problema dosignificado dos nomes prprios, entendendo a palavra significado no sentido fregeano
de sentido (Sinn) ou contedo informativo (informativer Gehalt) ou ainda (em
frases) valor epistmico (Erkenntniswert). Em que ele consiste? Segundo a teoria do
agregado, o significado do nome prprio residiria nas regras expressas pelas descries
definidas que ele abrevia. Podemos agora qualificar melhor essa tese. Que regras do
significado a um nome prprio dado? Certamente, a regra meta-descritiva (RMD) no
capaz disso, pois ela a mesma para cada nome prprio, no permitindo distinguir osignificado de um nome prprio do significado de outro nome prprio. Tambm as
regras expressas pelas descries auxiliares no so capazes de dar o significado de um
nome prprio, embora se possa dizer delas que formam suas franjas de significao.
O significado de um nome prprio deve residir ento, centralmente, naquilo que o
distingue dos outros nomes prprios, ou seja, ele deve consistir de suas regras-
descries fundamentais, localizadora e caracterizadora. Quem realmente sabe o
significado do nome prprio quem, em maior ou menor medida, domina essas regras,
sendo essa pessoa o que chamamos de seu usurioprivilegiado. Outras pessoas, como
aquele que sabe apenas que Aristteles foi um pensador grego (descrio indefinida) ou
que acredita que ele foi o descobridor da lei da alavanca (descrio errnea, mas
convergente) podem ser capazes de inserir o nome Aristteles corretamente no
discurso, sabendo mesmo algo de seu sentido, mas no sabem de maneira suficiente o
que esse nome significa, o que deveria ser suficiente para a identificao do seu
portador, devendo assumir que usurios privilegiados existem e que estes seriam
capazes de completar ou corrigir o pouco que eles sabem.
Essa constatao nos permite admitir que o conhecimento do significado de um
nome prprio no precisa ser compartilhado entre cada um dos usurios. Ele pode ser
tido apenas pelos usurios privilegiados. Alm disso, os usurios privilegiados no
precisam individualmente conhecer todo o significado do nome, sendo possvel que
cada um deles tenha acesso a uma parte diferente do significado. possvel at que
parte do contedo informativo do nome prprio seja mesmo armazenada fora das
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mentes humanas, conquanto ela possa ser utilizada por elas, o que demandar um
elemento cognitivo-descritivo prvio. A condio a que queremos chamar ateno
apenas a de que o significado conhecido do nome prprio a sua regra de identificao no precisa ser conhecido por cada um de seus usurios. Esse significado
propriedade necessria apenas da comunidade lingustica formada pelo conjunto de seus
usurios, podendo ser atualizado na soma dos elementos desse conjunto.
Minha sugesto, pois, que pessoas que s conseguem associar ao nome
descries auxiliares ou genricas ou mesmo insuficientemente corretas, s so capazes
de se referir ao objeto de um modo dependente ou insuficiente, por se fiarem na
existncia de usuriosprivilegiados
do nome. Para o nome Aristteles esses usurios
so especialistas, conhecedores da histria da filosofia ou da cultura. S eles, em
conjunto ou isoladamente, so capazes de se referir a esse filsofo de modo
independente ou suficiente, por associarem seu nome a descries fundamentais. H
aqui um equivalente ao que Putnam chamou de diviso do trabalho lingustico, s que
essa diviso possui carter potencialmente ou atualmente cognitivo, sendo inteiramente
compatvel com o descritivismo.
Tendo isso em mente, em situaes nas quais os usurios privilegiados do nome
prprio desaparecessem e com eles os prprios meios de se obter o conhecimento das
descries fundamentadoras, o significado do nome prprio tambm se perderia.
Imagine, pois, que aps uma catstrofe natural restasse apenas uma comunidade de
nativos em algum lugar do mundo, que esses nativos sejam capazes de falar ingls, mas
que nada saibam da cultura norte-americana. Digamos que um deles encontre em uma
folha de papel a nica referncia restante a Feynman no mundo inteiro, a frase Richard
Feynman foi um grande conhecedor de Tannu Tuva. Claro que ns mesmos somos
capazes de saber que ao pensar essa descrio ele se refere insuficientemente ao criador
da eletrodinmica quntica (basta digitarmos no Google Richard Feynman e Tannu
Tuva). Mas no esse o ponto que desejo considerar. O que desejo apontar para o
fato de que esses nativos, em sua sociedade, no sero capazes de fazer nada com a
descrio encontrada, posto que as condies ltimas de referncia se tornaram
irrecuperveis para eles: a comunidade lingustica qual eles pertencem no possui as
regras-descries fundamentais para a identificao do portador do nome Richard
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Feynman, no possuindo, portanto, a regra de identificao para esse nome prprio.
Como resultado, eles prprios no sero capazes de fazer coisa alguma com esse nome.
Essas sugestes permitem-nos responder aos contraexemplos de Kripke aodescritivismo, segundo os quais podemos nos referir a Feynman atravs de uma
descrio indefinida e a Einstein atravs de uma descrio errnea. Minha sugesto
que essas pessoas so capazes de fazer uma referncia incompleta, um gesto em direo
referncia, e que isso muitas vezes tudo o que precisamos. Mas para que tal acontea
preciso ao menos duas coisas. Primeiro, preciso que a descrio que a pessoa associa
ao nome prprio seja convergente, entendendo por descrio convergente aquela capaz
de identificar ao menos a classe C a que pertence o portador do nome. Se algum crque Feynman foi um grande cientista, essa descrio indefinida convergente, pois j
contm informao sobre Feynman (um homem, um cientista). Se algum cr que
Einstein foi o inventor da bomba atmica, mesmo que essa descrio seja errnea, ela
nem por isso deixa de ser convergente, pois ela j implica que Einstein foi um ser
humano e que ele foi um cientista, o que verdadeiro. O mesmo no ocorreria se as
descries forem divergentes, por exemplo, se algum acreditar que Feynman o nome
de uma marca de perfume ou que Einstein o nome de uma pedra preciosa. Aqui os
portadores dos nomes no pertencem classe identificada.
A segunda condio a de que a pessoa possua conhecimento tcito do
mecanismo de referncia dos nomes prprios, da regra meta-descritiva. Com isso ela
sabe ao menos que aquilo que sabe das descries fundamentais exigidas insuficiente.
Com essas duas condies satisfeitas, com o pouco saber convergente que lhe est
disponvel, com a conscincia que ela tem de sua prpria falta de conhecimento, a
pessoa j ser capaz de inserir o nome prprio adequadamente no discurso, em
contextos que reconhece como sendo suficientemente vagos, como tantas vezes
acontece. Essa a razo pela qual algum pode, em um certo sentido (insuficiente) da
palavra, se referir a Feynman sabendo apenas que ele foi um grande cientista e a
Einstein acreditando que ele foi o inventor da bomba atmica. Na verdade ele est
inserindo o nome corretamente no discurso de modo a fazer uma referncia por si
mesma insuficiente, adventcia, posto que em ltima anlise dependente da comunidade
lingustica, a qual possui recursos para completar a referncia.
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Porque nomes prprios so designadores rgidos
A soluo sugerida tambm permite responder objeo de que a teoria doagregado no d conta da propriedade do nome prprio de ser um designador rgido,
que mais intuitivamente definida como sendo a propriedade que ele tem de se aplicar
a um mesmo objeto em qualquer mundo possvel no qual esse objeto exista.7 Para
encontrarmos a resposta basta considerarmos atentamente as regras de identificao dos
nomes prprios resultantes da aplicao de RMD. No caso do nome prprio
Aristteles a regra estabelece uma identidade entre o nome prprio e uma descrio
complexa, que a seguinte:
o ser humano que satisfaz suficientemente e mais do que qualquer outro ascondies de ter nascido em Estagira em 384 a.C., ter vivido a maior parte de suavida em Atenas... e/ou de ter sido o autor das grandes ideias do opus aristotlico.
A identidade analtica ou necessria, valendo para todos os mundos possveis. A
descrio aqui apresentada, que exprime a regra de identificao para Aristteles, por
sua vez um designador rgido: o ser humano que satisfaz suficientemente e mais do
que... o autor das grandes ideias do opus aristotlico aplica-se em todos os mundos
possveis nos quais Aristteles existe, pois no h como conceber a sua existncia sem
conceber a aplicabilidade dessa regra.
Certamente, haver mundos possveis nos quais no saberemos se a regra de
identificao para um nome prprio minimamente satisfeita ou no (digamos que em
um desses mundos, na corte de Felipe em Estagira em 384 a.C., tenha nascido um feto
anenceflico chamado Aristteles, filho do mdico da corte, mas que ele tenha morrido
dias aps o nascimento... e que ningum jamais tenha escrito o opus aristotlico). Mas
isso sugere apenas que a semntica dos mundos possveis deve ser reescrita de modo a
dar lugar a casos indecidveis. Para dar conta disso o designador rgido precisa ser
7 O prprio Kripke oscila entre essa definio e a definio segundo a qual o designador rgido o que seaplica em todos os mundos possveis, inclusive naqueles nos quais o objeto no existe. Mas parece claroque no ltimo caso a maioria dos nomes prprios deixaria de ser designadores rgidos, posto que nenhumnome prprio ir referir em um mundo possvel no qual o seu objeto de aplicao no existe.
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redefinido como sendo aquele que se aplica a todos os mundos possveis nos quais o
objeto definidamente existe.
Com isso fica fcil explicar porque nomes prprios so designadores rgidos doponto de vista do descritivismo. que as regras de identificao dos nomes prprios,
quando expressas por descries, originam descries rgidas, aplicveis em todos os
mundos possveis nos quais esse objeto definidamente existe. A descrio definida
acima exprime tambm um critriodefinitrio de aplicao do nome prprio, ou seja, a
condio necessria e suficiente para a sua aplicao. Dizer que Aristteles
definidamente existe em um mundo possvel o mesmo que dizer que a regra de
identificao para esse nome prprio efetivamente aplicvel nesse mundo, pois aaplicabilidade da regra semntico-conceitual de um nome prprio em um mundo
possvel aquilo mesmo que entendemos pela existncia do seu objeto de referncia
nesse mundo.
Porque descries definidas so designadores flcidos
A introduo de regras de identificao para nomes prprios como resultado da
aplicao de RMD nos permite explicar no s porque nomes prprios so designadores
rgidos, mas porque as descries definidas que a eles associamos so em geral
designadores flcidos, ou seja, designadores que se referem a objetos diferentes em
diferentes mundos possveis. Considere a descrio definida o fundador do Liceu.
Podemos conceber um mundo possvel no qual o nome Aristteles se aplica a
Aristteles, que nele existiu, mas no qual a descrio o fundador do Liceu se aplica a
outra pessoa, digamos, ao seu discpulo Teofrasto, que nesse mundo foi quem realmente
fundou o Liceu. E tambm podemos conceber um mundo possvel em que o nome
Aristteles se aplica a Aristteles, que nele existiu, mas no qual a descrio o
fundador do Liceu no se aplica, pois nesse mundo nenhum Liceu foi fundado. Por que
assim?
A resposta encontra-se mo. Sabemos que nenhuma das descries do
agregado, mesmo as descries fundamentais, se encontra necessariamente vinculada
aplicao do nome prprio, caso o objeto a ser referido pelo nome prprio exista. O que
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necessariamente se encontra vinculado aplicao do nome prprio, caso a sua
referncia exista, apenas a regra de identificao do nome prprio, que como um todo
estabelece o que chamo, seguindo Wittgenstein, de o critrio definitrio para a suaaplicao. O critrio definitrio ou primrio aquele que, uma vez dado, garante a
existncia daquilo de que critrio. Ele se distingue do sintoma ou critrio secundrio,
que uma vez dado apenas torna provvel a existncia daquilo de que critrio.8 O
contraste entre a descrio que exprime a regra de identificao do nome prprio e as
descries constitutivas do agregado por ele abreviado feito pela distino entre
critrio definitrio ou primrio e sintoma ou critrio secundrio. Sempre que a descrio
da regra de identificao satisfeita, sempre que o objeto existe, por nos prover de umcritrio definitrio a regra garante a aplicao do nome prprio a esse objeto. Ora, isso o
torna o nome prprio um designador rgido, posto que aplicvel em qualquer mundo
possvel no qual seu objeto de referncia exista. Mas quanto a qualquer das descries
do agregado, mesmo as descries fundamentais (tomadas isoladamente), a sua
aplicao consiste na satisfao de sintomas, de critrios secundrios meramente
probabilizadores da presena do objeto. Assim, a satisfao das descries definidas
associadas ao nome prprio, sejam elas quais forem, apenas probabiliza a aplicao do
nome prprio, o que as impede de serem aplicadas em todos os mundos possveis nos
quais o objeto referido pelo nome existe. O resultado disso que as descries do
agregado so flcidas, posto que podem se aplicar a outros objetos, que no o referente
do nome prprio em outros mundos possveis, ou simplesmente a nenhum objeto,
mesmo em um mundo possvel no qual o objeto referido pelo nome prprio exista e
vice-versa. Alis, as descries do agregado no precisam se aplicar no s em outros
mundos possveis (em situaes contra-factuais), mas at mesmo ao nosso prprio
mundo, uma vez que podemos estar errados em nosso conhecimento dos dados a ele
concernentes. Pode ser descoberto, por exemplo, que Aristteles no foi realmente
amante de Herphylis.
8 Essa uma maneira de interpretar o que Wittgenstein escreve sobre a distino entre critrio e sintoma.Ver L. Wittgenstein, The Blue and the Brown Books, p. 24 ss.
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A evidncia a favor da explicao acima apresentada que a oposio nome
prprio rgido vs. descrio definida flcida se mantm apenas aonde as descries vem
associadas a nomes prprios e as suas aplicabilidades podem contrastar. Isso nospermite prever que descries definidas que no se encontram associadas a nomes
prprios, especialmente quando so fundamentais, devem funcionar como designadores
rgidos. Considere, por exemplo, a descrio o terceiro regimento de cavalaria de
Sintra. Ela exprime as regras de localizao e caracterizao do regimento, que por sua
vez no possui um nome prprio. Por ser assim ela se nos apresenta como uma
descrio definida rgida, aplicando-se em qualquer mundo possvel no qual esse
regimento exista, mesmo que composto por diferentes cavaleiros e cavalos. Ela rgidaporque exprime uma regra de identificao que no est associada a nenhum nome
prprio, no podendo por isso em nenhum mundo possvel haver divergncia entre o
objeto de aplicao dessa regra e o objeto de aplicao de um nome prprio ao qual ela
esteja associada. Outros exemplos de descries naturalmente rgidas so: o
assassinato do arquiduque Ferdinand em Sarajevo em 1914, o ponto mais oriental da
Amrica Latina e a ltima idade do gelo, que designam respectivamente um evento,
um local e um processo. Elas se aplicaro em qualquer mundo possvel no qual algum
assassinou o arquiduque em 1914 (mesmo que o arquiduque seja outro e que o assassino
no seja Gravilo Princeps), em qualquer mundo possvel no qual exista alguma Amrica
Latina com algum ponto mais oriental (mesmo que ele esteja na Terra do Fogo e no em
Joo Pessoa), e em qualquer mundo no qual tenha havido uma ltima Idade do Gelo
(mesmo que ela tenha terminado h 60.000 anos e no h 10.000 anos).
Respostas a contraexemplos
A teoria meta-descritivista dos nomes prprios recm esboada permite respostas
mais convincentes aos contraexemplos levantados contra o descritivismo. Responderei
aqui apenas aos mais influentes.
Consideremos primeiro o caso inicialmente mencionado de nomes
semificcionais, como Robin Hood. Kripke sugeriu que esses nomes demonstram a
verdade da concepo causal-histrica, pois embora no tenhamos descries definidas
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capazes de identificar seus portadores, sabemos que eles se referem a algum objeto que
foi a fonte causal desses nomes.
Nossa resposta comea com a constatao de que nomes semi-ficcionaisabreviam dois tipos de descries: as no-ficcionais, que servem para identificar o
objeto que realmente originou causalmente o uso do nome; as ficcionais, que foram
adies imaginativas posteriores, nada tendo a ver com o objeto originador do nome.
Embora alguma coisa das descries no-ficcionais seja sabida (sabemos que Robin
Hood teria sido um justiceiro que viveu na Inglaterra no perodo medieval) em geral no
sabemos distinguir quais so as descries ficcionais e quais so as no-ficcionais, nem
a extenso disso.Imagine agora que uma das muitas teorias j propostas sobre quem teria sido
Robin Hood seja demostrada. Suponhamos que documentos sejam descobertos
comprovando a teoria de L. V. D. Owen, de acordo com a qual o Robin Hood histrico
foi um fora da lei chamado Hobbehod que viveu na primeira metade do sculo XI em
Yorkshire. Nesse caso ao menos nossa descrio caracterizadora de Robin Hood como
um fora da lei seria confirmada e complementada, enquanto nossa descrio
localizadora de Robin Hood como tendo vivido no perodo medieval na Inglaterra teria
sido confirmada e precisada. O nome prprio teria a sua referncia real comprovada
com base em descries e no no elemento causal, mesmo que este tambm exista.
Suponhamos agora, para prover um contraexemplo explicao causal-histrica,
que se descubra que o nome Robin Hood no tenha sido invocado por um ser humano
na mente do primeiro escritor medieval a usar o nome, mas por outro ser vivo, qual seja,
pelo seu bravo co perdigueiro de nome Robin, que costumava acompanh-lo em suas
incurses na floresta de Sherwood... Nesse caso no diremos que o nome prprio Robin
Hood se refere ao co de caa do escritor, mas que esse nome no possui referncia
alguma, pois ele na verdade um nome completamente ficcional. Nossa teoria oferece
uma explicao para o que acontece: no se trata somente do fato de que o co no
satisfaz coisa alguma da regra de caracterizao que temos para Robin Hood, mas,
essencialmente do fato de que nossa regra de identificao para Hobin Hood se aplica
classe C dos seres humanos e no classe dos candeos. Se considerarmos agora a teoria
causal-histrica, parece que por meio dela devemos reconhecer o nome Robin Hood
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como permanecendo semificcional por se referir ao co do escritor medieval. Afinal, h
uma cadeia causal-histrica que comeou com o co batizado com o nome de Robin...
Essa , porm, uma concluso absurda.9
Outro famoso contraexemplo de Kripke o de um falante que associa ao nome
do matemtico Kurt Gdel a descrio o inventor da prova da incompletude. Imagine,
escreve ele, que se descubra que essa prova foi na verdade descoberta por Schmidt, que
morreu em Viena em circunstncias misteriosas, e que o seu amigo Gdel tenha roubado
a prova e publicado em seu prprio nome. Nesse caso, se nomes fossem abreviaes de
descries, pensa Kripke, uma vez informada disso a pessoa deveria admitir que Gdel
Schmidt, pois a Schmidt que devemos agora associar a descrio. Mas isso contra-intuitivo, pois a pessoa continuar certa de que Gdel Gdel e no Schmidt, mesmo
sabendo que Gdel foi um falsrio que no descobriu nenhuma prova da incompletude.
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A resposta que a verso meta-descritivista da teoria do agregado d ao exemplo
em questo , diversamente do esperado, perfeitamente intuitiva. O usurio privilegiado
do nome Gdel o reconhece por satisfazer a regra de localizao (A) de ter nascido
em Brnn em 1906, estudado em Viena, emigrado para os EUA e trabalhado em
Princeton, onde faleceu em 1978, e por satisfazer a regra de caracterizao (B) de ter
sido um grande matemtico que descobriu o teorema da incompletude, alm de ter feito
muitas outras contribuies menores. Assim, mesmo que Gdel deixe de satisfazer parte
(digamos 2/3) da regra de caracterizao, ele continua satisfazendo integralmente a
regra de localizao, satisfazendo, pois, RI para Gdel bem mais do que RI para
Schmidt. Eis porque Gdel no pode ser Schmidt!
9 Imagine que o ser vivo que acompanhasse o escritor medieval caa fosse outra pessoa, um amigochamado Hode, que lhe inspirou a estria de Robin Hood. Pela concepo causal, a pessoa batizada como nome Hode seria o verdadeiro Robin Hood, pois a causa do uso do nome semificcional, o que escassamente intuitivo. Pela teoria proposta, porm, a resposta ir depender de detalhes adicionais, nocaso, se Hode satisfaz suficientemente a condio de predominncia e se ele satisfaz a condio de
predominncia em contraste com o objeto meramente imaginado pelo escritor medieval. Assim, se Hoderealizou certos atos de bravura e compaixo, parece que h razes para concluir que Hode foi o RobinHood originrio.
10 Saul Kripke:Naming and Necessity, pp. 83-84.
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Quanto pessoa que associa ao nome Gdel somente a descrio o inventor
da prova da incompletude, como falante competente ela tacitamente conhece a forma
da regra de identificao para nomes prprios e, por conhec-la, ela sabe que a regraque essa descrio exprime muito incompleta, apenas parte da regra caracterizadora,
recusando-se por isso a aceitar que Gdel Schmidt enquanto no obtiver maiores
informaes.
Uma curiosidade acerca do exemplo que, como ao menos parte de uma das
duas descries fundamentais identificadoras de Gdel satisfeita por Schmidt,
possvel dizer que este ltimo passa a herdar alguma coisa do significado do nome
Gdel, mesmo que no ganhe a sua referncia. E isso realmente acontece. Digamosque um lgico, revoltado pela notcia acerca do roubo do teorema e com pena de
Schmidt, lance a exclamao Schmidt quem foi o verdadeiro Gdel! Essa uma
frase verdadeira se for entendida como uma hiprbole. E a razo pela qual ela
verdadeira dada por nossa verso da teoria descritivista, a qual prev que o nome
Schmidt herda alguma coisa relevante do significado do nome Gdel.
H, por fim, uma maneira de fazer com que Gdel seja realmente Schmidt,
muito embora ela d a Kripke o bolo sem o direito de com-lo. Imagine que bem no
incio da estria Schmidt, por alguma razo, tivesse assassinado o jovem Gdel e
assumido a sua identidade. Schmidt, que era muito melhor lgico que Gdel, descobriu
ento incompletude da aritmtica, casou-se com Adele, fugiu para os EUA pela
Transiberiana em 1940, tornou-se professor em Princeton e faleceu em 1978, de modo
que aquele sujeito de calas curtas junto a Einstein na famosa foto de ambos era ele
mesmo, o falsrio Schmidt. Nesse caso no h dvida de que Gdel Schmidt. E o
metadescritivismo explica: ele Schmidt porque as regras-descries caracterizadora e
localizadora, com exceo das descries relativas infncia, so as de Schmidt e no
as da criana que uma vez foi chamada de Gdel, a qual h muito deixou de existir.
Uma ltima objeo de Kripke que quero aqui considerar consiste na sugesto
de que o nome prprio for definido como abreviao de uma descrio definida e
formos tentar explic-la, ns teremos de recorrer outra vez ao nome prprio, caindo em
um crculo vicioso. Assim, se associo o nome prprio Einstein descrio o criador
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da teoria da relatividade, ao dizer o que a teoria da relatividade terei de dizer que ela
foi a teoria criada por Einstein.
luz de um descritivismo mais complexo essa objeo perde seu poder deconvico. A descrio o autor da teoria da relatividade contm o principal da
descrio caracterizadora, da razo pela qual nos lembramos de Einstein. Mas
perfeitamente possvel explicar a teoria da relatividade sem mencionar o nome
Einstein. O mesmo tambm acontece com a descrio localizadora para esse nome: a
pessoa nascida em 1879 em Ulm, que estudou em Zurique, lecionou em Berlin e, a
partir de 1933 se tornou professor em Princeton, onde faleceu em 1953. Nenhuma
circularidade. Certamente, nosso aprendizado do sentido, do contedo informativo deum nome prprio no imediato, mas progressivo, razo pela qual recorremos outras
vezes ao nome prprio sempre que pedimos um detalhamento da explicao. a esse
mistrio da recursividade do definiendum no aprofundamento do definiens que apela a
objeo de Kripke.
Quero, por fim, analisar rapidamente um contra-exemplo proposto por Keith
Donnellan.11 Imagine, escreve ele, que se descubra que Tales no foi na verdade
nenhum filsofo, mas um sbio cavador de poos, que cansado de sua profisso uma
vez dissera: Quem me dera se tudo fosse gua para eu no ter de cavar esses malditos
poos, tendo essa frase passado equivocamente a Herdoto, a Aristteles e a outros
como veculo da ideia atribuda ao filsofo Tales, segundo a qual a gua o princpio de
tudo. Digamos tambm que a ideia de que tudo gua tenha sido sustentada por um
eremita que viveu to remotamente que nem ele nem suas doutrinas tenham qualquer
conexo histrica conosco. Mesmo assim ns no diremos que Tales foi o eremita. A
teoria causal-histrica possui uma maneira de explicar isso. Segundo ela assim porque
foi o cavador de poos Tales quem se encontrava no princpio da cadeia causal-histrica
e no o eremita. Mas segundo a teoria descritivista o eremita quem deveria ser Tales,
pois ele quem satisfaz a descrio um resultado contraintuitivo.
A resposta que a teoria metadescritivista aqui proposta ir oferecer parte da
constatao de que em certos casos a descrio da histria causal simplesmente faz
11 Keith S. Donnellan: Proper Names and Identifying Descriptions, pp. 373-375.
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parte da descrio caracterizadora. Esse precisamente o caso de Tales, pois o que mais
nos importa na formao da regra caracterizadora para Tales o seu lugar e influncia
na origem da filosofia ocidental. A descrio caracterizadora de Tales no poderia seresumir ridcula afirmao de que tudo gua perse, pois se um filsofo de uma
poca mais prxima nossa escrevesse isso ele seria visto como incompetente. A
descrio caracterizadora de Tales s importa para ns por incluir a histria causal.
Podemos resumi-la como: a pessoa que originou a doxografia encontrada em
Herdoto, Aristteles e outros, que a descreve como o primeiro filsofo grego, a
defender que a gua o princpio de todas as coisas, que tudo vivo, que tudo um
etc. Quanto regra localizadora, sabemos que Tales foi o milesiano que viveuprovavelmente de 624 a 547-8 a.C... Em vista disso, se retornarmos ao exemplo de
Donnellan, concluiremos que o eremita no pode ter sido Tales. Primeiro porque no
satisfaz a descrio localizadora. Depois porque ele no satisfaz a descrio
caracterizadora, mesmo que satisfaa alguma coisa dela. Assim, mesmo que Tales tenha
sido um cavador de poos milesiano que viveu de 624 a 547-8 a.C., ele satisfaz as
regras fundamentadoras muito mais completamente do que o eremita. Afora isso
preciso notar que dependendo dos detalhes que forem adicionados ou subtrados ao
exemplo dado, as nossas intuies podem se alterar, levando-nos tanto concluso de
que nenhum Tales realmente existiu quanto, eventualmente, concluso de que Tales na
verdade foi o eremita.
Acredito que para quem no quiser se curvar ao argumento de autoridade que
secretamente rege a discusso filosfica, para quem for capaz de pensar por si mesmo a
despeito da imensa influncia imposta pela nova ortodoxia causal-externalista j de h
muito vigente, no ser difcil admitir que a teoria dos nomes prprios aqui esboada a
mais auspiciosa.
Referncias
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