6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    1/13

    Síndrome de stiff-person e diabetes mellitus- a propósito de um caso clínico

    Stiff-person syndrome and diabetes mellitus- a clinical case

    Ana Maia Silva1, Marta Almeida2, Sofia Teixeira3, Anabela Giestas4, Daniel Vaz6, Joel Freitas6,Gustavo Melo Rocha7, João Chaves8, JM Lopes Lima9, André Carvalho10, Jorge Dores111 Interna de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.2 Interna de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.3 Interna de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.4 Interna de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.5 Interno de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.6 Interno de Neurologia, Serviço de Neurologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.7  Assistente Hospitalar de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.8 Assistente Hospitalar de Neurologia, Serviço de Neurologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.9 Assistente Hospitalar de Neurologia, Serviço de Neurologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.10 Assistente Hospitalar de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.1 1 Assistente Hospitalar de Endocrinologia, Serviço de Endocrinologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE.

    Correspondência: Ana Maia da Silva › Serviço de Endocrinologia › Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, EPE › Largo Prof. Abel Salazar - Edifício Neoclássico › 4099-001 PORTO › [email protected]ção: Artigo recebido em 15/10/2010, revisto em 07/11/2010 e aceite para publicação em 07/11/2010.

    RESUMO A síndrome de stiff-person (SPS) é uma doença rara caracterizada pela instalação progressiva

    de rigidez na musculatura axial. Na sua variante autoimune existem anticorpos anti-GAD no

    sangue e líquido cefalorraquidiano (LCR) que inibem a produção de GABA no cérebro, pro-vocando espasmos musculares. A diabetes mellitus tipo 1 (DM1) desenvolve-se em até 60%

    dos doentes com SPS, apesar de apenas raramente se desenvolver SPS em doentes com DM1.

    Os autores apresentam um caso clínico de SPS e diabetes mellitus. A partir dessa situação clí-

    nica, fazem uma revisão das características clínicas e fisiopatológicas da SPS e dos dados

    actualmente disponíveis relativamente à sua relação com a DM, tentando alertar para a

    importância da vigilância apertada dos doentes com SPS e para a detecção e tratamento pre-

    coces das doenças endócrinas mais frequentemente associadas ao SPS.

    PALAVRAS-CHAVE

    Síndrome de stiff-person; Diabetes mellitus; Autoimunidade; Insulinorresistência.

    ABSTRACT Stiff-person syndrome (SPS) is a rare disease characterized by progressive stiffness of the axial mus-

    cles. In its autoimmune type, there are anti-GAD autoantibodies in serum and cerebrospinal fluid 

    which inhibit the production of GABA in the brain, causing muscle spasm and contraction. Type 1

    diabetes (DM1) is observed in almost 60% of patients with SPS, although SPS is only rarely seen

    among type 1 diabetic patients. The authors present a clinical case of SPS and diabetes mellitus.

    Then they make a literature review of the clinical and physiopathology features of SPS and its rela-

    tionship with DM with emphasis about the clinical importance of the follow-up of those patients in

    order to promptly detect and treat the endocrine diseases more frequently associated with SPS.

    KEYWORDS

    Stiff-person syndrome; Diabetes mellitus; Auto-immunity; Insulin resistance.

    Casos ClínicosREVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    55 ... 62

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 55

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    2/13

    INTRODUÇÃO

    A síndrome de stiff-person (SPS), tambémdesignada por síndrome de stiff-man, é uma

    patologia rara do foro neurológico descritapela primeira vez por Moersch e Woltmanem 19561. Caracteriza-se por uma pronun-ciada rigidez da musculatura axial, por hiperreflexia e pelo aparecimento de espas-mos musculares dolorosos desencadeadospor estímulos sonoros ou tácteis, por emo-ções ou pelo esforço físico2-6.

    É com frequência uma doença esporádi-ca, embora já tenham sido descritos casosfamiliares7. Atinge maioritariamente o sexo

    feminino (o ratio feminino/masculino podevariar entre 2:1 e 5:1 consoante as séries8-10),entre as 3ª e 7ª décadas de vida e com umquadro clínico de evolução lenta mas pro-gressiva. A perda insidiosa da flexibilidadedo tronco e, posteriormente, da musculatu-ra dos membros condiciona aos doentes umdéfice funcional significativo e frequente-mente dependência de terceiros3.

    São reconhecidos alguns casos de SPSassociados a patologia tumoral maligna(situações designadas por SPS paraneoplási-co), como cancro da mama3 ou timoma11,mas na maior parte das situações (cerca de60%) é assumida uma etiologia autoimuneisolada. Os restantes casos (aproximada-mente 35%) têm uma etiologia não total-mente esclarecida (idiopáticos), partilhandoas mesmas características neurológicas quea SPS autoimune e paraneoplásica.

    A autoimunidade da SPS foi proposta

    pela primeira em 1988 por Solimena et al 12

    ,após a identificação de autoanticorpos anti-descarboxilase do ácido glutâmico (GAD)num paciente com aquela síndrome. AGAD é a enzima limitante na conversão doaminoácido glutamato em ácido gama-aminobutírico (GABA), presente nos neuró-nios produtores de GABA do sistema nervo-so periférico e SNC, pelo que o bloqueio daactividade enzimática pelos autoanticorpos(que circulam no sangue e no líquido cefa-

    lorraquidiano) impossibilita a formaçãodaquele neurotransmissor inibitório, crian-do o estado de hiperexcitabilidade muscular que caracteriza a síndrome13.

    A SPS tem também sido associado aoutras patologias autoimunes, o que reforçao contexto de autoimunidade, tendo já sidodescritos casos de doentes com SPS quedesenvolveram diabetes mellitus tipo 1(DM1), tiroidite autoimune, vitíligo, doençade Addison, doença celíaca, anemia perni-ciosa ou miastenia gravis4,6,14,15.

    A relação da SPS com a DM1 envolve apartilha de características patogenéticas,nomeadamente do autoantigénio major 

    GAD, presente nas células beta pancreáticase capaz, em alguns doentes, de activar o sis-tema imunológico e de induzir a destruiçãoselectiva daquele grupo celular, dando ori-gem à diabetes mellitus.

    O diagnóstico de SPS pode ser feito atra-vés da associação entre o quadro clíniconeurológico anteriormente descrito, naausência de atingimento cognitivo e umaelectromiografia caracterizada por umaactividade contínua da unidade motora

    tipicamente diminuída ou interrompidapelo diazepam, sono ou anestesia geral oulocal6,13. Os estudos de imagem cerebral são,habitualmente, normais.

    O tratamento desta doença neurológicacrónica, numa primeira fase, visa a rever-são dos sintomas, o que geralmente é alcan-çado pelas benzodiazepinas, das quais odiazepam é o protótipo e pelo baclofeno,um fármaco com potencial de aumento da

    actividade GABAérgica que também podeser utilizado para esse efeito6,13. O tratamen-to das situações resistentes ao tratamentosintomático ou daquelas situações que, pelagravidade, colocam em risco a vida dosdoentes implica o recurso à terapêuticaimunossupressora. Este tratamento é geral-mente iniciado com prednisolona ou equi-valente (1mg/Kg/dia, a ajustar consoante aresposta do doente). Nas situações em queos efeitos indesejáveis da corticoterapia são

    Casos Clínicos REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO56

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    3/13

    muito prejudiciais ao doente, como no casoda hiperglicemia em doentes diabéticos,pode-se recorrer ao imunossupressor azatio-prina5,6,13,16. O tratamento com imunoglobu-linas endovenosas é também uma opçãoterapêutica nalguns doentes, principalmen-te se não houver resposta à corticoterapia6.A aplicação do rituximab, um anticorpomonoclonal anti-CD20 a esta doença neu-rológica assenta em investigação clínicaescassa; o recurso à plasmaferese para o tra-tamento da SPS tem produzido resultadosmuito inconsistentes6,13,16.

    A monitorização da resposta à terapêu-tica imunossupressora sob a forma de ava-

    liação do título de anticorpos e da activida-de das células T tem sido efectuada emalguns ensaios clínicos e descrita nalgunscasos clínicos (como a redução do título deanticorpos anti-GAD em circulação apósimunoglobulinas endovenosas) mas nemsempre com resultados consistentes e por vezes sem correlação com a evolução doquadro clínico2,5.

    Os autores apresentam o caso de umadoente com SPS auto-imune tratado com

    imunoglobulinas e corticoterapia em altasdoses que desenvolve diabetes mellitus deapresentação subaguda sob a forma de sín-drome hiperosmolar hiperglicémico.

    DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO

    Mulher de 49 anos, de origem africana,com IMC de 23,6 Kg/m2, perímetro abdomi-

    nal de 83 cm, sem história familiar conheci-da de doenças do foro neurológico ou endo-crinológico e medicada cronicamente comramipril para hipertensão arterial essencial.

    Com diagnóstico de síndrome de stiff- person autoimune desde há um ano, comelectromiografia compatível e positividadepara anticorpos anti-GAD séricos, apósestudo de um quadro clínico caracterizadopor hiperextensão dos membros inferiores,hiperlordose lombar e espasmos musculares

    com 4 anos de evolução e com exclusão deoutras causas como outras doenças neuroló-gicas, infecção sistémica, défices vitamíni-cos ou neoplasia maligna.

    Simultaneamente, com diagnóstico detiroidite de Hashimoto feito durante a inves-tigação do contexto autoimune, sem hipoti-roidismo [TSH 2,72 uUI/mL (0,27-4,2), T4L0,9 ng/dL (0,9-1,7)], com anticorpos anti-tireoglobulina negativos (35,5 UI/mL,N

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    4/13

    doseável [2,25 ng/mL (1,1-4,4)] e positivida-de para os anticorpos anti-GAD (140,28U/mL, N

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    5/13

    Para além desta especificidade humoral,a existência da barreira hematoencefálicaque protege o SNC da exposição aos váriosanticorpos presentes em circulação, a espe-cificidade da resposta celular pelas células T a diferentes epítopos da GAD e a ausênciada expressão de antigénios MHC classe Ipelos neurónios podem também ser explica-ções para que o desenvolvimento da doençaneurológica em doentes previamente diabé-ticos tipo 1 seja rara4,6,19.

    Apesar das diferenças imunológicasentre as patologias, as características HLAdos pacientes parecem condicionar a suasusceptibilidade para a associação da DM1

    à SPS e reforçar assim a sua relação deautoimunidade. Alguns estudos têmdemonstrado a expressão de subtipos HLAde maior susceptibilidade à DM1 em doen-tes com SPS e DM1 (tal como o HLADQB1*0201)20 e a expressão de subtiposHLA que conferem maior protecção aodesenvolvimento de DM1 em doentes comSPS sem doença endócrina, como HLADQ625.

    Para além dos auto-anticorpos anti-

    GAD, outros anticorpos têm sido avaliadosno estudo de doentes com SPS, nomeada-mente anticorpos anti-ICA 105, específicospara uma proteína da membrana celular das células ß pancreáticas com uma distri-buição no SNC semelhante à da GAD cujotítulo em doentes com SPS foi significativa-mente superior em relação aos doentes semdoença neurológica num estudo de Martinoet al 26. Esta conclusão permitiu questionar a

    responsabilidade exclusiva do autoanticor-po anti-GAD na SPS mas o facto de o anti-ICA ser um autoanticorpo major na diabe-tes mellitus tipo 1 pode também reforçar adiscussão acerca da relação entre a doençaneurológica e a doença endócrina.

    Os anticorpos anti-GAD-67 tambémexistem em doentes com SPS. A GAD-67 é aoutra isoforma da proteína GAD, mas dediferente peso molecular e codificada a par-tir de um gene distinto do da GAD-65, ape-

    sar de partilhar com ela cerca de 65% dasequência de aminoácidos. No entanto, aGAD-67 não tem expressão a nível das célu-las pancreáticas na espécie humana e osanticorpos anti-GAD parecem ter como alvopreferencial a molécula GAD-6527,28.

    Por último, associados aos anticorposanti-GAD foram ainda detectados anticor-pos dirigidos a outros antigénios, como a17—hidroxiesteróide desidrogenase tipo 429

    (que degrada o estradiol) e uma proteínaassociada aos receptores A do GABA e res-ponsável pela sua expressão e estabilidadea nível da membrana celular 30, embora nãohaja descrição da relação entre estas carac-

    terísticas imunológicas e o desenvolvimentoda diabetes mellitus tipo1.

    No caso clínico exposto, foi apresentadauma situação de SPS previamente estabele-cida com desenvolvimento posterior de dia-betes mellitus. O género feminino e a idadede apresentação da doença neurológicaforam semelhantes ao que é descrito na lite-ratura, assim como o aparecimento da dia-betes mellitus após pelo menos um ano dediagnóstico de SPS. Relativamente ao facto

    de ser uma doente de raça negra, apesar denão haver evidência clara de uma associa-ção, foram já descritas situações semelhan-tes, tanto com SPS na sua forma típica31

    como com síndrome de stiff-limb32, umavariante do SPS.

    A positividade para os autoanticorposanti-GAD na doente descrita foi estabeleci-da com o doseamento dos anti-GAD65 nosangue (não foi feito o doseamento no LCR),

    num título pouco elevado em relação aoque é habitualmente descrito nestas situa-ções, o que, não obstante, permitiu classifi-car a sua doença como SPS autoimune.

    Apesar da conhecida relação entre a SPSe a DM1, algumas particularidades nestecaso clínico levantam questões sobre a etio-patogenia da doença endócrina. Desdelogo, a apresentação insidiosa dos sintomasde insulinocarência (que se prolongarampor cerca de um mês) e o aparecimento do

    Casos ClínicosREVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 59

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    6/13

    síndrome hiperosmolar hiperglicémico nãosão característicos da diabetes mellitus tipo1A. Por outro lado e talvez de uma relevân-cia clínica superior, a relação temporalentre o tratamento imunossupressor comcorticoterapia em altas doses e o apareci-mento da hiperglicemia também pode evo-car uma relação causal entre eles. É conhe-cido o efeito hiperglicemiante dos glicocorti-cóides33, em especial quando administradosem doses diárias elevadas, durante umperíodo de tempo prolongado e a doentespredispostos (como com excesso ponderalou obesidade). A doente apresentada eranormoponderal mas esteve sujeita a ciclos

    de prednisolona (1 mg/Kg em dias alterna-dos) alguns meses antes do aparecimentoda diabetes mellitus.

    A insulinorresistência na SPS tem tam-bém sido abordada na literatura, tendo jásido descrito o caso de uma doente de 62anos com diabetes mellitus tipo 2 sob insu-linoterapia cujo diagnóstico de SPS foi esta-belecido no decurso da doença endócrina eque não apresentava características deautoimunidade (anti-GAD negativos no

    sangue e LCR)34. Apresentava necessidadescrescentes de insulina para um bom contro-lo metabólico, com uma situação de insuli-norresistência não associada a corticotera-pia, mas sim a má absorção subcutânea deinsulina, pela rigidez e tensão musculares edérmicas na SPS.

    No caso clínico apresentado neste traba-lho, a considerar a insulinorresistência, estaseria induzida pela corticoterapia sistémica.

    No entanto, a etiopatogenia da diabetes mel-litus não é totalmente clara. Por um lado, apositividade para os auto-anticorpos anti-GAD (mais do que a positividade para osanticorpos anti-ICA e anti-Insulina) e a pre-sença de outras doenças auto-imunes (SPS etiroidite de Hashimoto) dirigem-nos parauma diabetes mellitus do tipo 1. Mais aindase for tido em conta que frequentemente osautores não pormenorizam a forma de apre-sentação da diabetes mellitus tipo 1 pós-SPS

    (se em cetoacidose diabética ou sob outraforma). No entanto, a apresentação em sín-drome hiperosmolar hiperglicémico, o dosea-mento normal de peptídeo-C e a corticotera-pia recente sugerem uma diabetes secundá-ria à insulinorresistência por corticoterapia.

    A tipagem HLA da doente teria sidoimportante para definir o tipo de diabetesmellitus em causa (de acordo com a detec-ção de HLA de maior predisposição ou demaior protecção em relação à DM1), masesse estudo não foi efectuado.

    Portanto, pela sua especificidade e peladicotomia da etiologia da diabetes mellitus,o caso clínico descrito assume-se como um

    apelo à reflexão dos clínicos. Reforça aimportância da vigilância que deve ser pres-tada aos doentes com SPS, pela possibilida-de de desenvolverem doenças importantesno decurso da sua vida, e sensibiliza quan-to às consequências do tipo de tratamentoinstituído aos doentes, pela iatrogenia quedaí pode advir.

    CONCLUSÃO

    A SPS é uma doença rara, complicadafrequentemente com um diagnóstico de dia-betes mellitus tipo 1A.

    A associação da variante autoimune dasíndrome com outras patologias autoimunese em especial a possibilidade de associação adoenças endócrinas autoimunes deverámerecer a atenção dos profissionais de saúdee em particular dos endocrinologistas.

    Por ser ainda um tema de muitas indefi-nições e ser claro que a barreira para a com-preensão total dos mecanismos autoimunessubjacentes à relação entre a SPS e a DM1ainda não foi ultrapassada, entende-secomo fundamental a realização de maisensaios clínicos, nomeadamente estudoslongitudinais com avaliação de parâmetrosimunológicos em pacientes com SPS antes eapós a sua eventual progressão para diabe-tes mellitus.

    Casos Clínicos REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO60

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    7/13

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Moersch FP, Woltman HW. Progressive fluctua-

    ting muscular rigidity and spasm (“stiff-man

    syndrome”): report of a case and some obser-

    vations in 13 other cases. Mayo Clin Proc

    1956;31:421-7.

    2. Hänninen A, Soilu-Hänninen M, Hampe C,

    Deptula A, Geubtner K, Ilonen J, Knip M,

    Reijonen H. Characterization of CD4+ T cells

    specific for glutamic acid decarboxylase

    (GAD65) and proinsulin in a patient with stiff-

    person syndrome but without type 1 diabetes.

    Diabetes Metab Res Rev 2010;26:271-279.

    3. Murinson BB. Stiff person syndrome.

    Neurologist. 2004 May;10(3):131-7.

    4. O’Sullivan E, Behan L, King T, Hardiman O,Smith D. A case of stiff-person syndrome, type

    1 diabetes, celiac disease and dermatitis herpe-

    tiformis. Clinical Neurology and Neurosurgery

    2009;111: 384-386.

    5. Hummel M, Durinovic-Bello I, Bonifacio E,

    Lampasona V, Endl J, Fessele S, Then Mergh F,

    Trenkwalder C, Standl E, Ziegler A-G. Humoral

    and cellular immune parameters before and

    during immunosuppressive therapy of a

    patient with stiff-man syndrome and insulin

    dependent diabetes mellitus. J Neurol

    Neurosurg Psychiatry 1998;65:204-208.

    6. Helfgott SM. Stiff-person syndrome. www.upto-

    date.com 2009 (accessed 28.02.2010).

    7. Burns TM, Jones HR, Philips LH, Bugawan TL,

    Erlich HA, Lennon VA. Clinically disparate stiff-

    person syndrome with GAD65 autoantibody in a

     father and daughter. Neurology 2003;61:1291-

    1293.

    8. Meinck HM, Thompson PD. Stiff-man syndro-

    me and related conditions. Mov Disord

    2002;17:853-66.

    9. Solimena M, Folli F, Aparisi R, Pozza G, DeCamilli P. Autoantibodies to Gaba-ergic neu-

    rons and pancreatic beta cells in stiff-man syn-

    drome. N Engl J Med 1990;322:1555-60.

    10. Saiz A, Blanco Y, Sabater L, Gonzalez F, Bataller 

    L, Casamitjana R, et al. Spectrum of neurologi-

    cal syndromes associated with glutamic acid

    decarboxylase antibodies: diagnostic clues for 

    this association. Brain 2008;131:2553-63.

    11. Essalmi L, Meaux-Ruault N, Hafsaoui C, Gil H,

    Curlier E, Dupond JL. Syndrome de la personne

    raide associé à un thymome: efficacité de la thy-

    mectomie. Ver Med Interne 2007;28:627-30.

    12. Solimena M, Folli F, Denis-Donini S, Comi GC,

    De Camilli P, e tal. Autoantibodies to glutamic

    acid decarboxilase in a patient with stiff-man

    syndrome, epilepsy and type 1 diabetes melli-

    tus. N Engl J Med 1988;318:1012-20.13. Hijazi J, Bedat-Millet A-L, Hannequin D. Le syn-

    drome de l’homme raide et autres maladies

    neurologiques associées aux anticorps anti-

    GAD. La Revue de medicine interne 2010;

    31:23-28.

    14. Tarsy D, Miyawaki E. Stiff-Man Syndrome. Arch

    Intern Med. 1994;154 (11):1285-1288.

    15. Bilic E, Sepec BI, Vranjes D, Zagar M, Butorac V,

    Cerimagic D. Stiff-person syndrome in a fema-

    le patient with type 1 diabetes, dermatitis her-

    petiformis, celiac disease, microcytic anemiaand copper deficiency. Just a coincidence or an

    additional shared pathophysiological mecha-

    nism? Letter to the Editor / Clinical Neurology

    and Neurosurgery 2009;111:643-646.

    16. Hao W, Davis C, Eng Lily, Daniels T, Walsh D,

    Lernmark A. Plasmapheresis and immunosup-

    pression in stiff-man syndrome with type 1 diabe-

    tes: a 2-year study. J Neurol 1999;246:731-735.

    17. Solimena M, De Camilli P. Autoimmunity to

    glutamic acid decarboxylase (GAD) in Stiff-

    Man syndrome and insulin-dependent diabe-

    tes mellitus. Trends Neurosci 1991;14:452-7.

    18. Schloot NC, Batstra MC, Duinkerken G, et al.

    GAD65-reactive T cells in a non-diabetic stiff-

    man syndrome patient. J Autoimmun

    1999;12:289-296.

    19. Lohmann T, Hawa M, Leslie R, Lane R, Picard J,

    Londei M. Immune reactivity to glutamic acid

    decarboxylase 65 in stiff-man syndrome and type

    1 diabetes mellitus. Lancet 2000;356:31-35.

    20. Pugliese A, Solimena M, Awdeh ZL, Alper CA,

    Bugawan T, Erlich HA, Camilli P, Eisenbarth GS.

     Association of HLA-DQB1*0201 with stiff-mansyndrome. Journal of Clinical Endocrinology &

    Metabolism 1993;Vol 77:1550-1553.

    21. Manto M, Ben Taib NO. A novel approach for 

    treating cerebellar ataxias. Med Hypotheses

    2008;71:58-60.

    22. Daw K, Ujihara N, Atkinson M, Powers AC.

    Glutamic acid decarboxilase autoantibodies in

    stiff-man syndrome and insulin-dependent dia-

    betes mellitus exhibit similarities and differen-

    ces in epitope recognition. J Immunol. 1996

    Jan 15;156(2):818-25.

    Casos ClínicosREVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 61

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    8/13

    23. Vianello M, Keir G, Giometto B, Betterle C,

    Tavolato B, Thompson EJ. Antigenic differences

    between neurological and diabetic patients

    with anti-glutamic acid decarboxylase antibo-

    dies. European Journal of Neurology

    2005;12:294-299.24. Raju R, Foote J, Banga JP, Hall TR, Padoa CJ,

    Dalakas MC, et al. Analysis of GAD65 autoanti-

    bodies in stiff-person syndrome patients. J

    Immunol 2005;175:7755-62.

    25. Pugliese A, Gianani R, Eisenbarth GS, DE Camilli

    P, Solimena M. Genetics of susceptibility and

    resistance to insulin-dependent diabetes in stiff-

    man syndrome. Lancet 1994;344:1027-28.

    26. Martino G, Grimaldi L, Bazzigaluppi E, Passini

    N, Sinigaglia F, Rogge L. The insulin-dependent

    diabetes mellitus-associated ICA 105 autoanti-gen in stiff-man syndrome patients. Journal of 

    Neuroimmunology 1996;69:129-134.

    27. Erlander MG, Tobin AJ. The structural and func-

    tional heterogeneity of glutamic acid decarboxy-

    lase: a review. Neurochem Res 1991;16:215-26.

    28. Karlsen AE, Hagopian WA, Grubin CE, Dube S,

    Disteche CM, et al. Cloning and primary struc-

    ture of a human islet isoform of glutamic acid

    decarboxylase from chromosome 10. Proc Natl

     Acad Sci USA 1991;88:8337-8341.

    29. Dinkel K, Rickert M, Moller G, Adamski J, Meinck

    HM, Richter W. Stiff-man syndrome: identifica-

    tion of 17 beta-hydroxysteroid dehydrogenase

    type 4 as a novel 80-kDa antineuronal antigen.

    J Neuroimmunol 2002;130:184-93.

    30. Raju R, Rakocevic G, Chen Z, Hoehn G,

    Semino-Mora, Shi W, et al. Autoimmunity to

    GABAA-receptor-associated protein in stiff-per-

    son syndrome. Brain 2006;129:3270-6.

    31. Fleischman D, Madan G, Zesiewicz T,

    Fleischman M. Stiff-person syndrome:

    Commonly mistaken for hysterical paralysis.

    Letter to the Editor / Clinical Neurology andNeurosurgery 2009;111:643-646.

    32. Hajjioui A, Benbouazza K, Faris M, Missaoui A,

    Hassouni N. Stiff limb syndrome: a case report.

    Cases Journal 2010;3:60.

    33. MacMahon M, Gerich J, Rizza R. Effects of glu-

    cocorticoids on carbohydratde metabolism.

    Diabetes Metab Rev 1988;4:17.

    34. Weitgasser R, Sommavilla B, Stieglbauert K.

    Insulin treatment in a patient with Type 2 dia-

    betes and Stiff-person syndrome. Diabetic

    Medicine 2009;26:110-114.

    Casos Clínicos REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO62

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    9/13

    Doença de Addison Addison’s disease

    L. Teixeira1, M. Magalhães1, A. Araújo1, C. Brito1, D. Fernandes1, P. Soares1, D. Gomes21 Internos da Formação Específica de Medicina Interna, Serviço de Medicina 1, Hospital Santo André, E.P.E. – Leiria2 Assistente Hospitalar de Medicina Interna, Serviço de Medicina 1, Hospital Santo André, E.P.E. – Leiria

    Correspondência: Luisa Teixeira › Hospital de Santo André EPE, Serviço de Medicina 1 › Rua das Olhalvas – Pousos › 2410-197 LEIRIA ›Portugal › [email protected]ção: Artigo recebido em 21/12/2010, revisto em 02/01/2011 e aceite para publicação em 05/01/2011.

    RESUMO

    Introdução: A Doença de Addison ou insuficiência supra-renal primária está associada a eleva-

    da morbilidade/mortalidade, decorrente da destruição progressiva do córtex supra-renal,

    com consequente diminuição do nível de cortisol e aldosterona e aumento dos níveis plas-

    máticos da hormona adrenocorticotrópica (ACTH). A etiologia mais frequente é auto-imune,podendo ter origem infecciosa, medicamentosa, hemorrágica ou de metástases tumorais1,2.

    Caso clínico: Descreve-se o caso de uma doente 26 anos, sem antecedentes patológicos

    conhecidos, enviada ao serviço de urgência (SU) por um quadro clínico de astenia, anorexia,

    mialgias, hipotensão ortostática e hiperpigmentação, com 3 semanas de evolução. Ao exame

     físico apresentava-se deprimida, asténica, com hiperpigmentação facial sobretudo peribucal

    e a tensão arterial (TA) era 90/38 mmHg. O estudo analítico revelou hiponatrémia; hiperca-

    liémia; elevação das transaminases hepáticas. Doseamentos hormonais: aldosterona e corti-

    sol baixos e níveis plasmáticos de ACTH elevados. Realizou TAC-CE e TAC abdomino-pélvica

    que foram normais.

    Discussão/Conclusão: O diagnóstico de doença de Addison foi equacionado perante os acha-

    dos de hiperpigmentação, hipotensão ortostática, hiponatrémia e hipercaliémia. Para além

    disso, os doseamentos hormonais também foram a favor desse diagnóstico. O tratamento foi

    iniciado, de imediato, com corticoterapia, no sentido de evitar o agravamento clínico e ana-

    lítico, com consequente morbilidade para a doente.

    PALAVRAS-CHAVE

    Doença de Addison; ACTH; Cortisol; Aldosterona.

    ABSTRACT 

    Introduction: Addison's disease or primary adrenal insufficiency is associated with high morbidi-

    ty/ mortality due to progressive destruction of the adrenal cortex, with consequent reduction of cortisol and aldosterone and increased plasma levels of adrenocorticotropic hormone (ACTH). The 

    most frequent cause is autoimmune, and may have infectious, drug, hemorrhagic or tumor metas-

    tasis 1,2.

    Case report: We describe the case of a patient 26 years old, with no pathological history, referred 

    to the emergency department (ED) for the clinical picture of malaise, anorexia, myalgia, orthosta-

    tic hypotension and hyperpigmentation, evolving for 3 weeks. On physical examination the 

    patient was depressed, asthenic, with facial hyperpigmentation, specifically affecting the perioral 

    region and blood pressure was 80/38 mmHg. The analytical study revealed hyponatremia, hyper-

    kalemia and elevated liver transaminases. Hormone assays: Low aldosterone and cortisol levels 

    and elevated plasma ACTH. Head CT and abdominal-pelvic CT scans were normal.

    Casos ClínicosREVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    63 ... 67

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 63

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    10/13

    INTRODUÇÃO

    A Doença de Addison ou insuficiênciasupra-renal primária foi descrita, pela pri-

    meira vez, por Thomas Addison em 1855,nessa época a principal causa da destruiçãoda glândula supra-renal era a tuberculose,actualmente a etiologia auto-imune é maiscomum, sendo responsável por cerca de 70a 90% dos casos1.

    O início da doença costuma ser pouconotório, as manifestações clínicas tendem aapresentar-se de forma lenta e progressiva,ao longo de vários anos ou décadas, confor-me o grau de destruição da glândula supra-renal e consequente insuficiência na produ-ção de cortisol e das outras hormonas ela-boradas no córtex supra-renal1,2.

    As manifestações clínicas incluem aste-nia, fraqueza muscular, perturbações gas-trointestinais (náuseas, vómitos e perdaponderal), hipotensão arterial ou choque,hiperpigmentação e perturbações psiquiá-tricas. Os exames laboratoriais de rotinapodem ser normais ou revelarem hiponatré-

    mia e/ou hipercaliémia1,2,3

    .Perante suspeita de doença de Addison,torna-se necessário fazer doseamentos hor-monais com demonstração de níveis plas-máticos de cortisol diminuídos e de ACTHelevados. O tratamento com corticóide deveser iniciado, mesmo antes dessa confirma-ção bioquímica. Para além disso, deve ser garantida a correcção da desidratação,medidas gerais de suporte, identificação etratamento das causas precipitantes1,2.

    DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO

    CMG, sexo feminino, 26 anos, raça cau-casiana, solteira, operária fabril, natural e

    residente em Leiria, sem antecedentes pato-lógicos conhecidos, enviada pelo médico defamília ao Serviço de Urgência do Hospitalde Santo André – Leira, pelo quadro clínicode astenia, anorexia, hipotensão ortostáticae hiperpigmentação com 3 semanas de evo-lução. Apresentava, também, atraso mens-trual de 2 semanas. Negava hábitos alcoóli-cos, drogas ou qualquer outra medicação.

    À observação, a doente apresentava-sedeprimida e asténica, com hiperpigmenta-ção facial, sobretudo peribucal, apirética,com tensão arterial 90/38 mmHg e pulsoradial 108 bpm. A auscultação cardíaca e

    Discussion / Conclusion: The diagnosis of Addison's disease was equated, using the findings of 

    hyperpigmentation, orthostatic hypotension, hyponatremia and hyperkalemia. In addition, hor-

    mone assays also favored to this diagnosis. Treatment was initiated immediately, with steroids, in

    order to prevent further clinical and analytical aggravation, with consequent morbidity for the 

    patient.

    KEYWORDS

    Addison’s disease; ACTH; Cortisol; Aldosterone.

    Casos Clínicos REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO64

    FIGURA 1 (ECG): a) Traçado em ritmo sinusal com ondas T espicu-

    ladas, aquando da avaliação inicial da doente; b) depois de corri-

    gidos os distúrbios electrolíticos.

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    11/13

    pulmonar era normal. A palpação abdomi-nal era normal, o baço e o fígado não erampalpáveis. Sem edemas periféricos.

    Dos exames efectuados na admissão:hemoglobina 15.2 g/dL, leucócitos6.0x10^3/µL com 39.2% de neutrófilos e46.4% de linfócitos, 12.8% de monócitos, 1.1%de eosinófilos e 0.4% de basófilos, plaquetas120x10^3/µL, glicemia 103 mg/dL, sódio 114mmol/L, potássio 7.0 mmol/L, creatinina 0.94mg/dL, ureia 9.2 mmol/L, AST 53 U/L, ALT 57

    U/L, PCR negativa. Estudo de coagulação nor-mal. Teste imunológico de gravidez negativo.Iniciou tratamento endovenoso com hidro-

    cortisona 100 mg 8/8 horas e fluidoterapia.Parâmetros plasmáticos endócrinos:

    ACTH 968 pg/ml (normal 9.0-52 pg/ml); cor-tisol (manhã e tarde) 0.7 µg/dL (normal 6.7-22.6 µg/dL); aldosterona

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    12/13

    outras alterações. A radiografia de tórax foinormal.

    No internamento, serviço de Medicina,foi realizado TAC das supra-renais que nãoevidenciou atrofia, lesões expansivas oucalcificações, bem como TAC-CE que foinormal. Foram realizados vários doseamen-tos hormonais, que revelaram sempre níveisbaixos de cortisol e aldosterona e níveis ele-vados de ACTH.

    Feito o diagnóstico de doença deAddison, a corticoterapia endovenosa foisubstituída hidrocortisona oral na dose de20 mg, num esquema de duas tomas diárias(de manhã e ao final da tarde). Iniciou, pos-

    teriormente, a fludrocortisona 0.1 mg/dia.A doente apresentou uma boa evolução,quer em termos clínicos como analíticos.

    Um mês após o internamento no serviçode medicina, em regime de consulta exter-na, a doente apresentou-se assintomática, oexame objectivo não revelou alterações, oestudo analítico mostrou ACTH em níveisfisiológicos (46.2 ng/L). A doente continua-rá a ser seguida em regime de consulta,onde posteriormente serão feitos novos

    doseamentos hormonais e ajuste da tera-pêutica.

    COMENTÁRIO

    As glândulas supra-renais são doispequenos órgãos, em forma de pirâmide,envolvidas por uma cápsula fibrosa e situa-das na parte superior de cada rim, de tal

    forma que o revestem como um manto.Cada glândula, é composta por duasregiões histologicamente distintas, o córtexe a medula. O córtex, que corresponde acerca de 90% do tecido glandular, sintetizahormonas esteróides e a medula sintetizacatecolaminas. O córtex é constituído por três camadas: a glomerular ou externa, afasciculada ou média e a reticular ou inter-na, que sintetizam mineralocorticóides(aldosterona), glucocorticóides (o mais

    importante o cortisol) e esteróides sexuais (omais importante a testosterona), respectiva-mente3.

    A insuficiência supra-renal é uma doen-ça rara, potencialmente fatal, que exige tra-tamento atempado. Pode ser primária, seexiste destruição anatómica da glândula,falência metabólica na produção hormonalou presença de anticorpos bloqueadores daACTH; e secundária se há hipopituitarismodevido a doença hipotalâmica-pituitária ousupressão do eixo hipotalâmo-pituitário3.

    A inespecificidade da sintomatologiadificulta o diagnóstico, que muitas vezes étardio. No entanto, o diagnóstico pode ser 

    facilitado caso o médico reconheça os sinto-mas e tenha elevado índice de suspeição2.

    Se o diagnóstico de insuficiência supra-renal não é evidente, torna-se necessáriorecorrer ao teste de rastreio, através daprova de estimulação rápida com ACTHsintética. Administra-se 250 µg de ACTHsintética por via endovenosa e determina-seo nível de cortisol plasmático, dentro de 45a 60 minutos. A glândula normal produzconcentrações plasmáticas de cortisol de 20

    µg/dl ou mais. Qualquer valor inferior aessa concentração implica comprometi-mento da glândula supra-renal. De segui-da, nas mesmas amostras pode ser feita adistinção entre insuficiência primária esecundária através da determinação daaldosterona1,2,3.

    A apresentação clínica de insuficiênciasupra-renal primária pode variar desde umcurso gradual de vários meses até uma

    forma súbita associada a situações de stresse/ou tensão emocional, que habitualmenteinclui perturbações gastrointestinais, cansa-ço intenso e hipotensão ortostática1,2,3.

    Perante a suspeita do diagnóstico dedoença de Addison, o tratamento deve ser iniciado com 100 mg de hidrocortisonaendovenosa em bólus, seguida por 10 mg/hdurante os dois primeiros dias. Para resta-be¬lecimento do volume circulante e pre-venção de eventual hipoglicemia, é necessá-

    Casos Clínicos REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO66

  • 8/18/2019 6 Casos Clinicos SPEDM Vol 5 Numero Numero 2 20121111 171955

    13/13

    ria a administração endovenosa de soro gli-cosado a 5%, expansores plasmáticos e, por vezes, transfusão de sangue. Nalguns casos,torna-se necessária reposição de mineralo-corticóide com administração de fludrocor-tisona 0,05 a 0,1 mg/dia1,3.

    O caso clínico que descrevemos ilustra, adificuldade em estabelecer o diagnósticocorrecto perante a inespecificidade dasmanifestações clínicas, de tal modo que oelevado índice de suspeição do clínico reve-lou-se fundamental, de modo a que o trata-mento fosse iniciado de forma atempada.

    No caso apresentado, não foi realizadaa prova de estimulação com ACTH sintéti-

    ca, uma vez que a sintomatologia associadaa níveis plasmáticos baixos de cortisol emuito elevados de ACTH fizeram o diagnós-tico de insuficiência supra-renal primária.

    A apresentação clínica resultou, sobre-tudo, do défice de glucocorticóides e demineralcorticóide, sendo dominada pelaastenia, anorexia, hiperpigmentação daregião peribucal e hipotensão ortostática.Estavam, ainda, presentes alterações elec-trolíticas como a hiponatrémia e a hiperca-

    liémia, com repercussões ao nível do elec-trocardiograma (ondas T espiculadas).

    Perante o diagnóstico de doença deAddison, o tratamento inicial consistiu emfluidoterapia, hidrocortisona endovenosa100 mg três vezes/dia, com melhoria clínicae normalização dos valores tensionais eelectrolíticos. A doente teve alta do interna-mento, medicada com hidrocortisona 20mg/dia  per os e fludrocortisona 0,1 mg/dia

     per os .

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Fauci AS, Kasper DL, Longo DL, Braunwald E,

    Hansen SL, Jameson JL. Harrison’s principles of 

    internal medicine 17th edition. 2008; 336:

    2262-2266.

    2. Arlt W, Allolio B. Adrenal insufficiency. Lancet.

    2003; 361(9372): 1881-1893.

    3. Tierney Jr. LM, McPhee SJ, Papadakis MA.

    Current Medical Diagnosis & Treatment 2003.

    Lange, 42nd edition; 26: 1121-1123.

    Casos ClínicosREVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2010 | 02

    © 2010 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 67