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Universidade Estadual de Campinas – 23 a 29 de agosto de 2004 6 Continuação da página 5 TrŒs cientistas sociais e um filósofo avaliam o JU O fato de essas medidas es- tarem ocorrendo em bloco caracte- riza um programa político com viØs de dirigismo cultural e estatal? FÆbio Wanderley Como dito na resposta anterior, Ø sem dœvida um aspecto negativo e talvez o que mais justifica preocupaçªo. Creio que hÆ matizes muito importantes a serem observados. Quanto à questªo da im- prensa, por exemplo, embora a liber- dade de imprensa e de expressªo seja sem dœvida um valor crucial, Ø pre- ciso reconhecer que a imprensa ten- de tambØm a atuar, com alguma fre- qüŒncia, de maneira que comprome- te dramaticamente os direitos dos ci- dadªos (a Escola de Base, Alceni Guer- ra e a movimentaçªo financeira de Ibsen Pinheiro sªo clamorosas ilus- traçıes disso que agora estªo em foco), e nªo hÆ nenhum sacrilØgio em se co- locar o problema de como regulÆ-la mais efetivamente. Naturalmente, dada a delicadeza do assunto, o trabalho de constru- çªo institucional requerido Ø inevi- tavelmente complexo (nªo creio que o Conselho tal como sugerido seja a resposta adequada). Mas a reaçªo da imprensa a respeito me parece exagerada e bem indicativa, na ar- rogância profissional que revela, dos perigos que uma imprensa ir- responsÆvel pode representar: note- se que a revista Veja, cuja levian- dade em questıes que envolvem a honra alheia ficou patente no caso Luiz Costa Pinto/Ibsen Pinheiro, nªo faz mais que lamentar em duas ou trŒs linhas o erro cometido muitos anos depois , e nªo hÆ nos outros órgªos muitas manifestaçıes negativas sobre o assunto. E casos como os trŒs citados dei- xam claro que a possibilidade de recorrer à Justiça (como reconhe- ceu pelos jornais, aliÆs, o próprio presidente do STF) Ø insuficiente como forma de obter reparaçªo a- propriada: afinal, a Justiça Ø lenta, alØm de ser de difícil acesso para o cidadªo comum. Acho que argu- mentos do mesmo tipo recomen- dariam tambØm que haja algum tipo de limitaçªo à presteza do Mi- nistØrio Pœblico na divulgaçªo de informaçıes surgidas de suas in- vestigaçıes. Mas, em contraste com esses casos, acho muito mais problemÆtica, por exemplo, a proi- biçªo de que funcionÆrios pœblicos falem à imprensa. E a Ancinav me parece envolver uma tentativa inaceitÆvel de impor certo tipo de conteœdo (nacionalista, social) à produçªo artística ou cultural. Francisco de Oliveira Sem dœ- vida. HÆ uma velha síndrome de dirigismo dos partidos de esquerda, isso nªo Ø exclusivo do PT. O PT, en- tretanto, ao chegar ao governo, constata que Ø impotente para diri- gir o movimento da globalizaçªo. Volta-se entªo para atividades e se- tores que possam ser dirigíveis. É um sintoma grave, que ocorre no mundo todo; na periferia, porØm, tem efeitos devastadores. Reginaldo Moraes Ocorrem em bloco? Nªo creio que se possa di- zer isso. Quanto a dirigismo, o fato Ø que uma parte grande, mas mui- to grande, da mídia impressa, ra- diofônica e televisada estÆ hoje bas- tante dirigida... por um punhadinho de empresas, que, em princípio, fazem o que querem, do jeito que querem. AlguØm alguma vez chamou isso de dirigismo e ma- nipulaçªo? Sim, mas nªo aqueles que agora usam o termo. Especialis- tas no assunto coisa que nªo sou jÆ mostraram o poder da grande mídia no sentido de fazer a agen- da. O que a mídia faz nªo Ø, neces- sariamente, convencer vocŒ a res- peito da pena de morte, da prisªo para menores de 18 anos, da rele- vância da revelaçªo do pai da filha da Xuxa para os destinos da infân- cia brasileira. Nªo, o que a mídia faz Ø marcar es- ses assuntos como aqueles que de- vem polarizar a atençªo das pesso- as, os temas sobre os quais as pesso- as devem opinar e segundo os quais elas devem ser classificadas e jul- gadas. Isto canaliza o debate e as decisıes. Nªo se vai exigir de um candidato a deputado suas opiniıes sobre a política de ensino superior, de ciŒncia, de iniciativa cultural, de saœde pœblica, mas vamos ver se ele Ø favor da pena de morte ou contra... Se ele tentar dizer que nªo Ø essa a pauta importante, Ø bem possível que o desqualifiquem. Ele estÆ fu- gindo da questªo. Roberto Romano Creioterrespon- dido em parte na pergunta anterior. JU É possível implantar-se um projeto dessa natureza nesta altu- ra do processo democrÆtico brasilei- ro, sobretudo levando-se em conta que tal projeto advØm de forças po- líticas que construíram sua reputa- çªo na luta contra a repressªo da di- tadura militar? FÆbio Wanderley Na verdade, nªo acredito que seja possível, mas justamente porque suscita resistŒn- cias muito grandes (quer se trate propriamente de um projeto ou simplesmente de manifestaçªo de um cacoete autoritÆrio de certos se- tores do governo ou do PT). De toda maneira, nªo me parece que seja o caso de ficarmos todos muito tran- qüilos simplesmente porque hou- ve a luta contra a ditadura. Francisco de Oliveira Os parti- dos, ao chegarem ao governo, se es- tatizam. Na verdade, acabam viran- do órgªos do Estado, ao invØs de par- tidos, de modo que a história pregres- sa nªo vale muito. Essa memória ra- pidamente se perde. AlØm do que, no PT, hÆ transformaçıes internas de monta, que jÆ tenho analisado em alguns trabalhos. O PT vem sendo controlado por uma no- va classe social que emergiu dentro do partido, particular- mente porque Ø um nœcleo for- te de sindicalistas. Eles viraram administradores de fundo de pensªo e, mais recentemente, al- tos executivos. Isso nªo só in- fluenciou como mudou a natu- reza do partido. Ele nªo pode mais ser visto como partido dos trabalhadores. Ele inclui ainda trabalhadores, mas houve uma transformaçªo importan- te em suas estruturas internas. O que houve foi uma uniªo de- finitiva entre esses sindicalis- tas e a parte propriamente po- lítica do PT, que veio de outras experiŒncias de esquerda. Hoje, todas as correntes foram mar- ginalizadas, tanto aquela mais à esquerda como a católica. Portanto, o PT nªo tem ne- nhum escrœpulo e estÆ se com- portando como qualquer par- tido estatizado. Nesse con- texto, vejo pouco risco na viabi- lidade de implantaçªo de um projeto dessa natureza. JÆ do ponto de vista da opiniªo pœbli- ca, isso Ø uma agressªo flagran- te. Mas, se hÆ possibilidade de aprovaçªo pelo Congresso, acho que existe risco. Exata- mente porque todos os partidos viraram organismos estatais. Reginaldo Moraes De fato, o projeto advØm de quem lu- tou contra a ditadura. E a rea- çªo negativa ao projeto, em grande medida, de quem dela se beneficiou. Ou nªo? Mas a di- ficuldade para fazer andar alguma democratizaçªo da mídia, no Brasil, vai muito alØm disso. Coincide com o fato de que, nas empresas de comunicaçªo, como nas demais, reina o despotismo do capital, porque o trabalho nªo pode se organizar, opinar, etc. No Brasil nªo temos a garantia da liberdade de organizaçªo sindical nos locais de trabalho, nunca tivemos nªo as- sombra que os donos dos meios de comunicaçªo esperneiem. Roberto Romano É bom que se O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG Do ponto de vista da opiniªo pœblica, isso Ø uma agressªo flagrante. Mas, se hÆ possibilidade de aprovaçªo pelo Congresso, acho que existe risco. Exatamente porque todos os partidos viraram organismos estatais Francisco de Oliveira Embora a liberdade de imprensa e de expressªo seja sem dœvida um valor crucial, Ø preciso reconhecer que a imprensa tende tambØm a atuar, com alguma freqüŒncia, de maneira que compromete dramaticamente os direitos dos cidadªos Fábio Wanderley Reis O cientista social Francisco de Oliveira, professor da USP Foto: Jefferson Coppola/ Folha Imagem Foto: Anrtoninho Perri

6 TrŒs cientistas sociais e um filósofo avaliam o · TrŒs cientistas sociais e um filósofo avaliam o JU Œ O fato de essas medidas es-tarem ocorrendo em bloco caracte-riza um

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Page 1: 6 TrŒs cientistas sociais e um filósofo avaliam o · TrŒs cientistas sociais e um filósofo avaliam o JU Œ O fato de essas medidas es-tarem ocorrendo em bloco caracte-riza um

Universidade Estadual de Campinas – 23 a 29 de agosto de 20046

Continuação da página 5

Três cientistas sociais e um filósofo avaliam oJU � O fato de essas medidas es-

tarem ocorrendo em bloco caracte-riza um programa político com viésde dirigismo cultural e estatal?

Fábio Wanderley � Como dito naresposta anterior, é sem dúvida umaspecto negativo e talvez o que maisjustifica preocupação. Creio que hámatizes muito importantes a seremobservados. Quanto à questão da im-prensa, por exemplo, embora a liber-dade de imprensa e de expressão sejasem dúvida um valor crucial, é pre-ciso reconhecer que a imprensa ten-de também a atuar, com alguma fre-qüência, de maneira que comprome-te dramaticamente os direitos dos ci-dadãos (a Escola de Base, Alceni Guer-ra e a movimentação financeira deIbsen Pinheiro são clamorosas ilus-trações disso que agora estão em foco),e não há nenhum sacrilégio em se co-locar o problema de como regulá-lamais efetivamente.

Naturalmente, dada a delicadezado assunto, o trabalho de constru-ção institucional requerido é inevi-tavelmente complexo (não creio queo Conselho tal como sugerido sejaa resposta adequada). Mas a reaçãoda imprensa a respeito me pareceexagerada e bem indicativa, na ar-rogância profissional que revela,dos perigos que uma imprensa ir-responsável pode representar: note-se que a revista �Veja�, cuja levian-dade em questões que envolvem ahonra alheia ficou patente no casoLuiz Costa Pinto/Ibsen Pinheiro,não faz mais que �lamentar� emduas ou três linhas o erro cometido� muitos anos depois �, e não há nosoutros órgãos muitas manifestaçõesnegativas sobre o assunto.

E casos como os três citados dei-xam claro que a possibilidade derecorrer à Justiça (como reconhe-ceu pelos jornais, aliás, o própriopresidente do STF) é insuficientecomo forma de obter reparação a-propriada: afinal, a Justiça é lenta,além de ser de difícil acesso para ocidadão comum. Acho que argu-mentos do mesmo tipo recomen-dariam também que haja algumtipo de limitação à presteza do Mi-nistério Público na divulgação deinformações surgidas de suas in-vestigações. Mas, em contrastecom esses casos, acho muito maisproblemática, por exemplo, a proi-bição de que funcionários públicosfalem à imprensa. E a Ancinav meparece envolver uma tentativainaceitável de impor certo tipo deconteúdo (nacionalista, social) àprodução artística ou cultural.

Francisco de Oliveira � Sem dú-vida. Há uma velha síndrome dedirigismo dos partidos de esquerda,isso não é exclusivo do PT. O PT, en-tretanto, ao chegar ao governo,constata que é impotente para diri-gir o movimento da globalização.Volta-se então para atividades e se-

tores que possam ser dirigíveis. Éum sintoma grave, que ocorre nomundo todo; na periferia, porém,tem efeitos devastadores.

Reginaldo Moraes � Ocorremem bloco? Não creio que se possa di-zer isso. Quanto a dirigismo, o fatoé que uma parte grande, mas mui-to grande, da mídia impressa, ra-diofônica e televisada está hoje bas-tante dirigida... por umpunhadinho de empresas, que, emprincípio, fazem o que querem, dojeito que querem. Alguém algumavez chamou isso de dirigismo e ma-nipulação? Sim, mas não aquelesque agora usam o termo. Especialis-tas no assunto � coisa que não sou� já mostraram o poder da grandemídia no sentido de �fazer a agen-da�. O que a mídia faz não é, neces-sariamente, convencer você a res-peito da pena de morte, da prisãopara menores de 18 anos, da rele-vância da revelação do pai da filhada Xuxa para os destinos da infân-cia brasileira.

Não, o que a mídia faz é marcar es-ses assuntos como aqueles que de-vem polarizar a atenção das pesso-as, os temas sobre os quais as pesso-as devem opinar e segundo os quaiselas devem ser classificadas e jul-gadas. Isto canaliza o debate e asdecisões. Não se vai exigir de umcandidato a deputado suas opiniõessobre a política de ensino superior,de ciência, de iniciativa cultural, desaúde pública, mas vamos ver se eleé favor da pena de morte ou contra...Se ele tentar dizer que não é essa apauta importante, é bem possívelque o desqualifiquem. Ele �está fu-gindo da questão�.

Roberto Romano � Creio ter respon-dido em parte na pergunta anterior.

JU � É possível implantar-se umprojeto dessa natureza nesta altu-ra do processo democrático brasilei-ro, sobretudo levando-se em contaque tal projeto advém de forças po-líticas que construíram sua reputa-ção na luta contra a repressão da di-tadura militar?

Fábio Wanderley � Na verdade,não acredito que seja possível, masjustamente porque suscita resistên-cias muito grandes (quer se tratepropriamente de um �projeto� ousimplesmente de manifestação deum cacoete autoritário de certos se-tores do governo ou do PT). De todamaneira, não me parece que seja ocaso de ficarmos todos muito tran-qüilos simplesmente porque hou-ve a luta contra a ditadura.

Francisco de Oliveira � Os parti-dos, ao chegarem ao governo, se es-tatizam. Na verdade, acabam viran-do órgãos do Estado, ao invés de par-tidos, de modo que a história pregres-sa não vale muito. Essa memória ra-pidamente se perde. Além do que, noPT, há transformações internas de

monta, que já tenho analisadoem alguns trabalhos. O PT vemsendo controlado por uma no-va classe social que emergiudentro do partido, particular-mente porque é um núcleo for-te de sindicalistas. Eles viraramadministradores de fundo depensão e, mais recentemente, al-tos executivos. Isso não só in-fluenciou como mudou a natu-reza do partido. Ele não podemais ser visto como partido dostrabalhadores. Ele inclui aindatrabalhadores, mas houveuma transformação importan-te em suas estruturas internas.O que houve foi uma união de-finitiva entre esses sindicalis-tas e a parte propriamente po-lítica do PT, que veio de outrasexperiências de esquerda. Hoje,todas as correntes foram mar-ginalizadas, tanto aquela maisà esquerda como a católica.

Portanto, o PT não tem ne-nhum escrúpulo e está se com-portando como qualquer par-tido estatizado. Nesse con-texto, vejo pouco risco na viabi-lidade de implantação de umprojeto dessa natureza. Já doponto de vista da opinião públi-ca, isso é uma agressão flagran-te. Mas, se há possibilidade deaprovação pelo Congresso,acho que existe risco. Exata-mente porque todos os partidosviraram organismos estatais.

Reginaldo Moraes � De fato,o projeto advém de quem lu-tou contra a ditadura. E a rea-ção negativa ao projeto, emgrande medida, de quem delase beneficiou. Ou não? Mas a di-ficuldade para fazer andar algumademocratização da mídia, no Brasil,vai muito além disso.

Coincide com o fato de que, nasempresas de comunicação, comonas demais, reina o despotismo docapital, porque o trabalho não podese organizar, opinar, etc. No Brasilnão temos a garantia da liberdadede organização sindical nos locaisde trabalho, nunca tivemos � não as-sombra que os donos dos meios decomunicação esperneiem.

Roberto Romano � É bom que se

O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG

O cientista social Francisco de Oliveira, professor da USP:�Do ponto de vista da opinião pública,

isso é uma agressão flagrante.Mas, se há possibilidade de aprovaçãopelo Congresso, acho que existe risco.Exatamente porque todos os partidos

viraram organismos estatais�Francisco de Oliveira

�Embora a liberdade de imprensa e de expressãoseja sem dúvida um valor crucial, é precisoreconhecer que a imprensa tende também aatuar, com alguma freqüência, de maneira

que compromete dramaticamenteos direitos dos cidadãos�

Fábio Wanderley Reis

O cientista social Francisco de Oliveira, professor da USP

Foto: Jefferson Coppola/ Folha Imagem

Foto: Anrtoninho Perri

Page 2: 6 TrŒs cientistas sociais e um filósofo avaliam o · TrŒs cientistas sociais e um filósofo avaliam o JU Œ O fato de essas medidas es-tarem ocorrendo em bloco caracte-riza um

Universidade Estadual de Campinas – 23 a 29 de agosto de 2004 7Foto: Neldo Cantanti

�pacote� do governo no campo da informação

tenha a exata dimensão das coi-sas no mundo do pensamentopolítico e ideológico. Boa partedos que hoje tentam controlaro Judiciário, o Ministério Públi-co, a imprensa, a mídia e os au-diovisuais, lutaram contra a di-tadura. Mas não em nome deuma democracia que, para eles,é apenas sinônimo de �libera-lismo burguês�. Eles lutarampara implantar um projeto cujoparadigma estava diante deseus olhos, na figura da URSS,�da pequenina e brava Albâ-nia�, da Coréia, etc. Sua consci-ência foi produzida, desde ajuventude, em moldes an-tidemocráticos. Eles aprende-ram que o centralismo parti-dário, com o evidente dirigis-mo (a famosa �linha política�e a �palavra de ordem�) é oúnico meio de se transformara sociedade e o Estado. Por mo-tivos eleitorais, boa parte dosque hoje se encontram no go-verno assumiram de boca parafora os valores democráticos.Ninguém, no entanto, deixahábitos antigos �sobretudoos do pensamento � de modosúbito. Um stalinista não setorna democrata repentina-mente. Esta verdade está sen-do vivenciada entre nós.

JU � Há a hipótese de que, aopropor medidas que julgavaboas, o governo cometeu umerro de conceito e de forma, sen-do surpreendido pela reação dasociedade. Nesse caso, o ônus aser pago pelo governo será alto,o lucro nenhum e o recuo inevi-tável. Este cenário é possível?

Fábio Wanderley � Acho que sim,e na minha opinião é o que provavel-mente acontecerá, ainda que o recuopossa ocorrer num aspecto e não emoutro, ou ser maior num aspecto doque em outro.

Francisco de Oliveira � Em pri-meiro lugar, não se trata de erro deconcepção do governo. Esta é a con-cepção do governo, de modo quenão se tratou de equívoco ou de co-chilo durante o qual passaram essasproposições. Agora, de fato ele está

A grande massa do povo vene-zuelano só pode ser atingida atravésde medidas, que são a característicado chavismo. São aquelas que a lite-ratura clássica apontava como típi-cas do populismo.

A tentativa desse populismo é a deincluir essas classes, que na verdadenão são mais classes, na política. Asque estão incluídas na política pen-dem todas para a direita. Algo seme-lhante está se passando no Brasil de-vido também à decomposição daclasse trabalhadora. Ela foi varridapela globalização e pela reestru-turação produtiva; é uma classe queestá com 20% de desemprego e comuma alta informalização. Há uma de-vastação de classes no Brasil à qualo governo federal tenta resolver comesse processo de permanente apari-ção do presidente na mídia. Esse éum recurso midiático para socorrerna verdade o que é fraqueza do go-verno. É uma ilusão pensar que o go-verno é forte. Ele, ao contrário do quearrota, é fraquíssimo e está comple-tamente prisioneiro do capital finan-ceiro. Veja-se agora o foro privilegi-ado do senhor Henrique Meirelles.Isso mostra que o governo capitulou,transformando-se em prisioneirodesses interesses. Esses recursos sãotípicos de uma situação em que vocênão tem realmente a hegemonia.

Reginaldo Moraes � Chavismo àbrasileira? Chavez é Chavez, Vene-zuela é Venezuela. Outra coisa é ou-tra coisa. Mas, se quisermos falar emchavismo seria bom dizer tambémo que são os donos de meios de co-municação daquele país e quais sãosuas democráticas iniciativas. Porque não se fala então de �bushismoà brasileira� ? Quando se iniciou acriminosa invasão do Iraque, hou-ve um massacre de mídia �patrióti-ca� para conseguir apoio popularàquela aventura. Hoje, é claro, nãoconvém mencionar o tema.

Temos, de novo, essa idéia de se-gurar informação e manipular. Voltoa perguntar: quem é o conselho?Quem o compõe? Quem tem medode jornalistas intervindo no modo deoperar das empresas de comunica-ção, tendo atrás de si a autoridade deum conselho profissional eleito, co-mo têm os médicos, os dentistas, osadvogados, os contabilistas...? Aquem interessa?

Roberto Romano � Sim, acredito.E sinto muita tristeza. Heine, o gran-de poeta romântico, dizia que ao pen-sar na Alemanha, à noite, chorava. Eutenho pesadelos com o Brasil. Duasditaduras no século 20, e ainda pos-suímos consciências formadas na pe-dagogia da servidão. Enquanto isso,pesquisas dizem que a massa, na suamaior parte, está disposta a aceitarqualquer governo, mesmo ditatorial,que �resolva os problemas econômi-cos�. Como dizia outro poeta: �o ven-tre da besta é fértil��.

�O governo pode sair-se muito bemdessa enrascada, como tem conseguido

escapar de situações desesperadas,como por exemplo do caso Waldomiro Diniz,do assassinato dos prefeitos de Campinas

e de Santo André�

De fato, o projeto advém de quem lutoucontra a ditadura. E a reação negativa

ao projeto, em grande medida, de quemdela se beneficiou. Ou não? Mas a dificuldade

para fazer andar alguma democratizaçãoda mídia, no Brasil, vai muito além disso

Reginaldo Moraes

surpreendido com a reação da soci-edade e de uma mídia que é bastan-te poderosa. Desse ponto vista, porcausa dessa reação, provavelmen-te ele vai recuar. Não sei em que sen-tido nem em que novas proposições,mas provavelmente vai recuar. Atémesmo o Congresso será capaz de,quem sabe, jogar na gaveta esse tipode projeto, mas não se tratou de e-quívoco de concepção. Essa é a con-cepção que está presidindo as estru-turas dirigentes do PT hoje em dia.

Reginaldo Moraes � Reação da so-ciedade? De que �sociedade�? Quem,hoje, detém poder nesse campo? Se-ria necessário fazer um balanço dequem controla a mídia brasileira, deseu grau de endividamento e depen-dência frente a bancos credores e fren-te ao próprio governo federal. Cons-ta que o maior grupo do país está en-forcado e retido na coleira. Que umdos maiores jornais do país � famosopelas suas posições liberais � está nasmãos de um grande banco, porquedestruído financeiramente pelos seusantigos proprietários. Há, além disso,uma enorme e pouco clara rede de co-municações nas mãos de pastores ele-trônicos de todo tipo. É essa a �soci-edade� que reage ao Conselho?

Roberto Romano � Que existamprejuízos, isso é evidente. Já não étão evidente que eles sejam para ogoverno. O Brasil é o país onde aoposição é proibida. Essa verdadenão se deve apenas aos que estão nopoder, mas liga-se à subserviênciageneralizada. Assim, o governo po-de sair-se muito bem dessa enrasca-da, como tem conseguido escaparde situações desesperadas, comopor exemplo o caso Waldomiro Di-niz, do assassinato dos prefeitos deCampinas e de Santo André. O Bra-sil, com o atual governo, amplia seudestino de ter como lema e práticoo famoso �é dando que se recebe�.

JU � Mas há também a hipótese deque o governo, sentindo-se forte comos primeiros sucessos na economia,esteja disposto a pagar o preço mo-ral e lançar �redes de segurança� (so-bretudo no plano da informação) quelhe garantam sua continuidade nopoder. Teríamos assim uma espéciede chavismo à brasileira. O senhoracredita nisso?

Fábio Wanderley � Não acredito,pois creio que a aposta aí contida en-volveria um grande erro de avalia-ção: o governo estaria abrindo umacaixa de Pandora que com certeza sevoltaria contra ele.

Francisco de Oliveira � O proble-ma do chavismo é muito mais com-plexo. O chavismo é uma espécie derecurso do culto a Bolívar numa so-ciedade em que há uma forte decom-posição de classes. A Venezuela nãotem operariado. E o pouco operari-ado que tem é um aliado do grande ca-pital ligado aos negócios do petróleo.

O professor Reginaldo Moraes, titular do Departamento de Ciência Política do IFCH/Unicamp

O filósofo Roberto Romano, do Departamento de Filosofia do IFCH/Unicamp

Roberto Romano

Foto: Antoninho Perri

Foto: Neldo Cantanti

Colaborou Álvaro Kassab