7 Taissa Luca

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  • 8/17/2019 7 Taissa Luca

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    Revista Estudos Amazônicos  • vol. X I, nº 2 (2014), pp. 156-189

    Por uma sociedade de corte nos terreiros deBelém

     Taissa Tavernard de Luca 

    Resumo: 

    O presente artigo tem por objetivo apresentar o panteão da religiãode matriz africana mais antiga de Belém do Pará: a mina . Trata-se

    de uma matriz religiosa advinda da costa ocidental da África, mais

    especificamente do antigo Daomé (atual Benim). No Brasil o

     Tambor de Mina é cultuado principalmente no eixo nordeste-

    norte, mais especificamente nos estados do Maranhão e Pará. Esta

    religião se caracteriza por possuir um panteão híbrido composto

    por divindades africanas - como os orixás yorubanos e os voduns

    jejes -, nobres europeus e entidades mestiças. Nos limites desse

    trabalho pretendo analisar como esse panteão se organiza de formahierárquica aos moldes de uma “sociedade de corte” (Elias, 1993)

    principalmente pela presença de uma categoria de entidades

    denominadas, senhores de toalha ou nobres gentis nagô . São reis ou

    aristocratas europeus que possuem ligação com o processo de

    cristianização da Europa, expansão marítima e colonização do

    Brasil. Neste sentido, etnografei o ritual em homenagem a Dom

     José Rei Floriano realizado no centenário Terreiro Dois Irmãos

    para entender construção mítica e a lógica interna do processo de

    divinização da corte portuguesa.

    Palavras-Chave:  Tambor de Mina; Religião Afro-Brasileira; Sociedade de Corte;

    Senhores de Toalha; Nobres Gentis Nagôs.

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     Abstract:   This article aims to present the pantheon of the oldest African

    matrix religion in Belém of Pará : Mina . It is a religious matrix came

    from the western coast of Africa, more specifically from ancient

    Daome (nowadays called Benim). In Brazil the Tambor de Mina  is

    mainly worshiped on the north-northeast axis, more specifically in

     Maranhão and Pará  states. This region is characterized by having a

    hybrid pantheon composed of African deities  –   like the

     Yoruban  orixás   and Jeje voduns   -, European nobles and mixed

    entities. On the limits of this paper, I analyze how this pantheon is

    organized in a hierarchical form in the mold of a “society of court”

    (Elias, 1993), especially by the presence of a category of entities

    called lords of the towel or noble gentile Nagôs . They are European

    kings or aristocrats who have connection with the process of

    Christianization of Europe, overseas expansion and colonization

    of Brazil. So I will research a ritual in honor of Dom Jose Rei

    Floriano performed in the centenary “Terreiro [  Mina ’s temple] Dois

    Irmãos” to understand the mythical construction and the internal

    logic of the deification process of the Portuguese court.

    Keywords:  Tambor de Mina ; Afro-Brazilian Religion; Society of Court; Lords of

    the Towel; Noble Gentile Nagôs .

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    Introdução

    Não se pode escrever sobre as religiões de matriz africana no Pará sem

    mencionar a forma de culto tradicional que adentrou neste território em

    momento histórico específico: a mina . Trata-se da religião afro-brasileira

    precursora que chegou a Belém em meados do século XIX trazida pelos

    escravos vindos do Daomé (República Popular do Benim) para os Estados

    do Maranhão e Pará. O termo mina  faz referência ao maior empório de

    escravos sob domínio português: o Forte São Jorge de El’ Mina, situado

    na Costa do Ouro, atual Gana, que exportava mão de obra negra para

    diversas partes do Brasil.1 

    No Estado do Maranhão estes negros fundaram duas casas mater : a 

    Casa das Minas –  de tradição Jeje   –  e a Casa de Nagô  –  com influência da

    tradição Nagô , em meados do século XIX. Além destes dois centros de

    culto, considerados pela bibliografia específica como pioneiros posso citar

    também outros terreiros, de fundação um pouco mais tardia, que tiveram

    importância fundamental em se tratando desta matriz religiosa. Refiro-me

    aos terreiros da Turquia  –  fundado por mãe Anastácia  –  e o do Egito  –  

    criado por Massinokô-Alapong. Outro grande centro exportador de

    tradição é a cidade de Codó, situada no Sudoeste do Estado do Maranhão,

    cuja ênfase era dada ao culto dos encantados.2 

    Foi do Maranhão que os mineiros3  migraram para Belém, em duas

    etapas: a primeira composta pelos religiosos maranhenses atraídos pela

    economia gomífera –  aqui denominados de mineiros de primeira migração

     –   e a segunda constituída por paraenses que foram para o Maranhão

    buscar iniciação durante as décadas de 70 e 80 do século XX –  os mineirosde segunda migração.4  Esses dois fluxos migratórios acabaram por

    modificar o campo religioso paraense inserindo uma nova forma crença e

    consolidando o tambor de mina5 em Belém do Pará. Diversos terreiros

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    foram abertos na periferia do centro urbano ou nos municípios adjacentes

    a capital. O ritual praticado por eles não possui um modelo padrão. Sofre

     variações no que tange a vestimentas, sequência litúrgica, processo

    iniciático e instrumentos musicais utilizados.

    Se existe um elemento comum a todas as casas, 6 posso dizer que é a

    presença das mesmas categorias de entidades. O panteão cultuado é

    construído a partir de um imaginário comum perpassado por um elemento

    chave que é a mestiçagem.7 Assim sendo, o panteão da mina se divide em

    duas macro categorias que são as divindades e os encantados. As

    divindades são tanto os orixás8 quanto os voduns9 que, ou representam as

    forças da natureza, ou são ancestrais negros. São eles as entidades máximas

    no que tange a hierarquia do panteão, comumente referidos pela

    expressão: os brancos. Essas entidades pertencem às categorias de

    “senhores”, descrita por Leacock no livro Spirits of the Deep.10 

    Os encantados são personagens não africanos11  que pertencem a

    diversas nacionalidades, são europeus, turcos, índios, brasileiros, etc. Sua

    característica maior é a não morte.12 A maioria dos encantados é descrita

    como seres (pessoas, bichos) que tiveram vida, mas que não

    experimentaram a experiência da morte. Saíram desse mundo de forma

    fantástica13 e passaram a habitar as encantarias que se localizam em lugares

    geográficos específicos, como matas, rios, praias, formações rochosas.

    Essa categoria pode ainda ser subdividida em encantados que se

    aproximam dos voduns e encantados caboclos.14  Os primeiros são

    chamados nobres gentis nagôs ou senhores de toalha. Correspondem à

    nobreza europeia de países católicos. Os mais comuns são os nobres

    portugueses que, de alguma forma, tiveram relação com o processo deExpansão Marítima e colonização do “Brasil”. Geralmente são apenas

    equiparados aos voduns e orixás e por vezes classificados desta forma.

     Todos os nobres gentis nagôs são descritos como brancos e formam, junto

    com os voduns e orixás o patamar mais alto da hierarquia mineira.

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    Organizados em famílias, eles tematizam, cada um ao seu modo, valores

    como o cristianismo, lusitanismo, absolutismo, poder centralizado.

    Os caboclos são entidades mestiças de várias nacionalidades. “São

    encantados, não são espíritos de índios mortos”, nem tampouco são todos

     índios.15  Existem várias famílias de caboclos como os turcos, 16 

    bandeirantes,17 codoenses,18 os juremeiro,19 e os surrupiras.20 Os caboclos

    possuem status  bem inferior do que os encantados descritos acima. 21  É

    necessário destacar que os caboclos são personagens ambíguos que podem

    se apresentar de diversas formas. Os caboclos turcos ou bandeirantes, por

    exemplo, podem ora usar símbolos (roupas, objetos) que lhes conferem

    status  de nobreza, ora insígnias que os assemelham aos encantados de baixa

    patente ou ainda se apresentar como animais. É o caso de Dona Mariana

    pode estar na linhagem de princesa, cabocla ou aparecer na linha de cura

    como Arara Cantadeira.

     Algumas outras características das famílias caboclas podem ser

    mencionadas entre elas destaca-se a mobilidade e a agregação. É comum

    se ouvir narrativas de caboclos oriundos de uma família que migra para

    outra. Geralmente esses personagens são pacificamente incluídos

    passando a possuir características dos dois grupos (de origem e de

    destino). As famílias mestiças são eminentemente híbridas. Não há como

    negar que a mina é uma religião de panteão plural, formado por entidade s

    das mais diversas origens e cores, se organiza respeitando uma hierarquia

    semelhante àquela que caracteriza a sociedade brasileira. Brancos, negros

    e índios demarcam espaços, constroem hierarquias e se misturam neste

    imaginário religioso.

    Nos limites desse artigo me dedicarei a mostrar que a hierarquiaconstituída nesse panteão se configura numa “Sociedade de Corte”22 

    ritualizado nas festas públicas especificamente pela presença dos nobres

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    gentis nagôs ou senhores de toalha,23  talvez os personagens mais

    intrigantes do panteão.

     Tambor de Mina: ritual de Corte

    Nos manuais de civilidade, uma mesma exigência se

    impõe: saber controlar-se, possuir-se, conter-se (...).Importa aprender a se dominar para dominar os

    outros e conter suas paixões para manter a ordem

    cristã, social e política. É possível, numa palavra,

    possuir-se para possuir seus súditos. Na tradição das

    civilidades, importa aprender a se dominar para

    respeitar o próximo no espaço social (...).24 

    Uma das grandes dificuldades que tive durante a confecção desse

    artigo, foi a de construir a etnografia. Descrever um único ritual destinadoà saudação dos senhores de toalha foi problemático dado o grande número

    de terreiros pesquisados e as muitas festas vivenciadas. Tentei então

    elaborar um modelo geral e conforme o escrevia lembrava-me das tantas

     variações, dexirê,25 vestimentas, os símbolos demarcadores de status etc.

    Decidi então etnografar o modelo de ritual praticado entre os

    descendentes dos mineiros de primeira migração, apontando, sempre que

    possível, as alterações.

     Algumas festas de branco26 costumam durar mais de uma noite. No

     Terreiro de Mina Dois Irmãos, por exemplo, chega a se estender por três

    dias. A festa de Dom José Rei Floriano inicia com as obrigações privadas,

    das quais participam apenas pela comunidade do terreiro. Neste momento

    alimentam-se os assentamentos27  da casa e faz-se obrigação28  para as

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    entidades que serão homenageadas. A festa pública tem início na manhã

    do dia 19 de março quando a comunidade religiosa sai do terreiro rumo à

    residência de um dos filhos-de-santo de Mãe Lulu. Os membros da casa

    levam consigo o andor, devidamente ornamentado, o carro-som e os

    amigos que resolvem acompanhar a procissão. A imagem de São José –  

    santo que corresponde a Dom José –  é levada no dia anterior e pernoita

    na residência escolhida para ser o ponto de partida da procissão, que

    invariavelmente localiza-se no bairro do Guamá. Lá chegando, o dono da

    casa serve um lanche aos visitantes. Geralmente mingau ou suco com

    bolo.

    Na sequência, os afro-religiosos amarram o santo no andor utilizando

    fitas de seda nas cores azul e amarela, que são votivas a Dom José. Por

     volta das nove e meia da manhã a procissão tem início. O andor

    ornamentado com flores carregando Dom José deixa a residência em

    peregrinação ao terreiro. O percurso varia um pouco todos os anos uma

     vez que, o santo sempre sai da casa de um filho-de-santo diferente, mas

    invariavelmente segue a Av. Conselheiro Furtado até a Av. José Bonifácio

    passando em frente ao cemitério de Santa Izabel, onde faz uma parada.

    Na porta do “Campo Santo” o andor é prostrado de frente e uma saudação

    é feita com fogos e orações.

    Durante todo o percurso da procissão o carro-som toca CDs católicos

    contendo músicas escutadas no Círio de Nossa Senhora de Nazaré ou de

    padres famosos. O andor é carregado pelos filhos do terreiro que se

    revezam continuamente. Existe um homem, que recebe a incumbência de

    soltar fogos e crianças carregam um pano de seda para fazer esmolação.

    Os religiosos não acompanham a procissão com roupas de rituaispúblicos, mas invariavelmente estão trajados de branco com a cabeça

    amarada. Durante o circuito, diversos transeuntes param e fazem orações,

    jogam beijos, dão adeus ou simplesmente observam curiosos. Após a

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    parada realizada na porta do cemitério, o cortejo vai pela Av. José

    Bonifácio rumo ao Mercado do Guamá,29 que tem como padroeiro São

     José. Neste recinto o andor entra, a imagem percorre os corredores do

    mercado recebendo homenagem dos feirantes e seguindo sua caminhada

    pela Barão de Igarapé-Miri, Barão de Mamoré até a Pedreirinha, onde está

    localizado o centenário terreiro.

    Quando o andor entra no mercado, um acompanhante, desvia a rota

    para avisar aos religiosos que permaneceram no Dois Irmãos, a localização

    do santo dando início a salva de fogos que apenas termina depois da

    chegada da procissão. Na porta do terreiro centenário esperam Mãe

    Lulu,30 e outros membros da comunidade, já vestidos com roupas rituais

     –  richelieu –  esperam São José chegar. O fim da procissão é saudado com

    muitos fogos, lágrimas, doutrinas de Dom José e emoção. Uma pessoa

    defuma a fachada, o andor e os peregrinos. O santo adentra o barracão,

    ainda agasalhado em meio às flores e fitas, sob o rufar dos tambores e o

    som frenético dos aplausos.

    Mãe Lulu, a liderança do terreiro, tocando a sineta de cobre toda

    enfeitada com laços de fita nas cores azul e amarelo, guia o santo para

    dentro. O andor dá três voltas no terreiro e depois é repousado em duas

    cadeiras. Tem início uma festa pública curta durante a qual de canta para

     Verequete, Dom José e outros brancos, até que o dono da festa incorpore

    em Mãe Lulu. Dom José era o santo recebido por Mãe Amelinha, segunda

    liderança do terreiro e mãe biológica de Mãe Lulu. Esta, por sua vez,

    recebe o vodum Verequete, mas herdou de sua genitora o Dom José.

    Nessa casa religiosa as duas entidades são festejadas juntas. Na ocasião da

    festividade de Dom José, por exemplo, a primeira noite de festa édestinada a saudar o senhor de toalha e a segunda o vodum Verequete.

    Essas entidades são levadas para a “sala dos velhos” onde dará início a

    mesa dos inocentes. As filhas e netas de Mãe Lulu estendem uma esteira

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    no chão sobre a qual se coloca uma toalha branca, onde será servida essa

    comunhão compartilhada apenas por crianças.

     Ao centro da toalha coloca-se uma imagem da sagrada família  –  

    enfeitada com um laço de fita de seda branca, um castiçal dourado

    contendo uma vela branca e vasos de flores artificiais. As crianças,

    parentes de Mãe Lulu ou de algum membro da comunidade, sentam-se no

    entorno da mesa e são servidas, em pratos de porcelana branca, com arroz

    e frango, ou seja, comida branca. Num copo transparente as crianças

    bebem suco de uva, alusão ao vinho servido no episódio bíblico da Santa

    Ceia. A refeição é feita com as mãos. Os menores são ajudados pelas filhas

    e netas de Mãe Lulu que permanecem no recinto organizando tudo.

    Durante todo ritual entoa-se repetidamente, um cântico da Igreja Católica

    muito comum em festas de irmandades religiosas do interior do Pará.

    Bendito Louvado Seja

    O Santo Nome de Jesus, São José e Maria,

     Viva o Pão do Céu

    O Seu Sacramento

    Deixa Jesus pra Louvar Maria

    Na cabeceira da mesa, sentados em cadeiras-trono, cobertas com pano

    branco, encontram-se Dom José velando pela comunhão das crianças, de

    mãos erguidas em gesto de benção. O ritual dura cerca de meia hora. Ao

    término dele, traz-se água para lavar as mãos das crianças que tomam a

    benção da entidade e se retira. Conforme a mesa vai sendo desmontada,

    algumas pessoas adentram, se ajoelham aos pés dos brancos numa atitudede saudação e pedido de proteção.

     Após essa sessão, a religiosa se desincorpora e retorna para o salão do

    ritual. Algumas entidades de alto status  podem se apresentar a exemplo cito

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     Janaina que incorpora em Dilcelena, num transe zoomórfico que faz a

    religiosa deitar no chão enquanto seu corpo toma forma de sereia.

    Rapidamente uma pessoa de cargo na casa estende o alá31 sobre o corpo

    da mesma. Uma vez pude registrar a presença de Mãe Josina, a fundadora

    do terreiro, incorporasse em Mãe Lulu durante a festa de Dom José.

     Apesar de não ser propriamente nem uma divindade nem uma encandada,

    dona Josina é vista como uma ancestral e por isso não pode ser tratada

    como egume consequentemente despachada. Quando está em terra recebe

    uma vela branca que a médium incorporada segura com as duas mãos

    acima da altura da cabeça.

    Quando em terra, mãe Josina recebe o nome de Mestrinha e possui até

    doutrina. Geralmente a Mestrinha só vem em rituais fechados dos quais

    participam apenas os membros da casa. A performance corporal da

    médium que a recebe muito se assemelha a do transe de branco. A família

    de Mãe Lulu e os membros da comunidade religiosa ajoelham-se aos pés

    da ancestral que os abençoa esfregando a base da vela no centro da cabeça

    e nas costas de cada pessoa. Após a ida da Mestrinha, Mãe Lulu encosta32 

    o ritual que será reaberto na noite do mesmo dia.33 A festa pública segue

    um padrão que possui poucas variações. Os religiosos costumam adentrar

    no salão de ritual, organizados em fila indiana respeitando a hierarquia do

    culto: pai-de-santo (ou mãe-de-santo), guia da casa, mãe pequena, filhos-

    de-santo iniciados seguindo o tempo de iniciação, demais filhos-de-santo,

    respeitando o número de obrigações pagas. Após a entrada se saúda os

    tambores envergando o corpo e levando a mão direita da boca do tambor

    à cabeça e dão-se três voltas ao longo do salão.

    Posteriormente os religiosos se posicionam em fileiras, de acordo coma hierarquia ritual, por vezes formam duas rodas, na interna ficam as

    pessoas mais velhas no santo e na externas os mais novos. Como essas

    festas costumam ser as mais importantes do calendário litúrgico dos

    terreiros é frequente a visita de outros pais ou mães-de-santo que se

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    agregam ao ritual respeitando a posição social que ocupam. O xirê  varia

    muito de terreiro para terreiro. Algumas casas abrem o ritual tocando o

    embarabô.34  Outros religiosos iniciam cantando para o vodum dono de

    cabeça do chefe da casa, a exemplo do centenário Terreiro Dois Irmãos

    onde a maioria dos rituais são abertos com doutrinas em homenagem a

     Verequete.

    Posso dizer que o ritual de mina costuma dividir-se em quatro partes:

    Canto de Abertura ou Embarabô: Início do ritual.  Xirê de senhor, ou seja,

    vodum , orixás e senhores de toalha : Parte do Ritual voltada a homenagear essas

    categorias de entidade de status  mais elevado que são hierarquicamente

    superiores aos caboclos . Virada para caboclo: Parte do ritual onde se passa a

    cantar para os caboclos que rapidamente tomam seus cavalos e vão até o

    tambor entoar suas doutrinas. Neutralização ou diminuição das

    hierarquias. Encerramento ou encostamento: Neste momento a maioria

    dos caboclos que estão em  guma são mandados embora e os tambores,

    silenciados. Quando a festividade tem mais de um dia, costuma-se dizer

    que o ritual foi apenas encostado para recomeçar na noite seguinte.

    No referido terreiro, existem dois tipos de posição de dança. São elas:

    Hierarquia: Tipo de dança que respeita a hierarquia do terreiro. Os

    dançantes estão dispostos em filas na frente do tambor. Na primeira ficam

    os  pais e mães-de-santo. Um passo atrás dançam os visitantes ilustres. Na

    segunda fila dançam os filhos-de-santo com cargo de destaque nas casas dos

    religiosos dispostos na primeira fila. As demais são organizadas

    hierarquicamente dos feitos para os não- feitos , dos mais antigos para os mais

    novos no santo. Na sequência do ritual, a primeira fileira dá as costas para

    os tambores segue dançando até a entrada do terreiro, efetuando umasaudação a porta. Essa atitude é repetida pelas outras filas de forma a

    inverter a posição da hierarquia. Quando a primeira fila esta no fundo do

    salão a última posiciona-se em frente aos tambores. Logo a posição se

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    normaliza. Circulo: Forma-se um círculo e os passos são dados de forma

    a fazê-lo girar. Na maior parte das vezes, fazem-se dois círculos. No

    interno dançam as pessoas mais velhas e com alta hierarquia no universo

    religioso e no externo, os mais novos.

    O canto de abertura é seguido por doutrinas a orixás , voduns e senhores

    de toalha . Entoam-se músicas para a linhagem da entidade homenageada.

    Desta forma se a festa é em homenagem a Dom José, geralmente cantar-

    se-á para o orixá Xangô e para o vodum Badé que corresponde, no

    sincretismo, ao referido senhor de toalha . Sobre as entidades cultuadas,

     Anaíza Vergolino, em seu trabalho “Os Cultos Afros no Pará”, informa:

    Na tradição Mina-Nagô tanto se cultuam os orixás

    nagô  –  Exu, Ogum, Oxossi, Iansã, Nanã Iemanjá,

    Xangô e Oxalá –  quanto os voduns jejes que podem

    corresponder aos seguintes orixás nagôs: Elebara

    (Exu), Doçu (Ogum), Azacá (Oxossi),

    Obaluaê/Omulu/Xapanã (Acossi Sapatá), Badé

    (Xangô), Euá (Oxum), Vó Missã (Nanã). De todos

    os orixás, Yansã é sem dúvida, a mais popular. Ela

    é festejada no dia 4 de dezembro, associada a Santa

    Bárbara e, em Belém, é amplamente conhecida

    como Barbassuera, Maria Barba Soeira ou

    simplesmente, Maria Bárbara.35 

    Na medida em que as doutrinas para os senhores vão sendo entoadas,

    aqueles que recebem as entidades entram em transe. Geralmente oprimeiro a incorporar-se é o dono da festa. Quando isso acontece os seus

    filhos dirigem-se até ele, jogando-se a seus pés, em saudação. Os mais

    antigos e os demais sacerdotes presentes no ritual limitam-se a beijar-lhe a

    mão num pedido de benção ou a cumprimentá-lo curvando o corpo. As

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    doutrinas entoadas para os senhores costumam ser lentas mostrando o

    peso da tradição e fazendo referência a valor da ancianidade. A possessão

    é discreta. Esse tipo de entidade pouco fala ou dança. O tronco do

    médium fica um pouco envergado para frente titubeando, enquanto as

    pernas permanecem unidas e paradas. O rosto permanece fechado e baixo,

    os olhos apertados e os braços posicionados nas costas. Em alguns terreiros

    os nobres gentis nagôs dançam, cantam e conversam. Eu mesma cheguei a

    fazer entrevistas com Dom Miguel da Gama incorporado em pai Serginho

    de Oxossi. Todavia, apesar da diferença permanece a postura austera e o

    distanciamento em relação às entidades de status  inferior.

     A guia da casa36 coloca o Alá na cintura do senhor que está em guma,

    ou cobre-lhe a cabeça com a mesma. A assistência aplaude e tem início

    uma sessão de cumprimentos que geralmente segue a hierarquia do ritual.

    Os religiosos de pouco status se ajoelham aos pés da entidade ou lhe batem

    a cabeça.37 Algumas pessoas, ao saudarem a entidade são induzidas ao

    transe. Outros voduns e senhores de toalha chegam em guma e logo são

    encobertos com alá. Forma-se então uma fileira de encantados de alto

    status  que continuam recebendo as congratulações da assistência. Após as

    saudações, o branco entoa algumas doutrinas numa voz baixa e rouca e é

    retirado do salão para ser devidamente vestido com roupas apropriadas.

    O ritual continua, dirigido por uma pessoa de destaque da casa –  a guia da

    casa ou mãe pequena –  e na sequência, pelos religiosos visitantes da festa.

    O xirê segue com doutrinas para senhor. Badé, Xangô, Dom João, Dom

    Sebastião, Oxum, Iansã, Nanã, Iemanjá e muitos outros. Entre as

    doutrinas cantadas destaquei as que considero mais bonitas:

    Keviosso Badé Zorô

    Keviosso Badé Zorô” 

    “Badé Zorogama Gamaô

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    Badé Zorogama Gamaô

    Senhor Badé Pedro Angasso

    É de Kocoriô

    Senhor Badé Pedro Angasso

    É de Kokoriá

    Kocoriô, Kocoriô

    Kokoriô, Kokoriá

    Badé foi a Mina de Kokoriô

    Castelo de Dom João

     Tem vinte e cinco janelas

    Cada janela é um cruzeiro

    Cada cruzeiro é uma vela

    Dom Sebastião, Guerreiro Militar

    Dom Sebastião, Guerreiro Militar

    E Xapanã, Ele é Pai de Terreiro

    Ele é Guerreiro nessa Guma Imperial

    Ora viva a Rainha do mar

    Mina Jê, Mina já

    Rainha do Sereiá

    Ela é sereia

    SereiáEla é Sereia

     A rainha do mar

    Ô Janaina

    Princesa Real

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    É encantada

    Na Cobra Coral

     A sereia lá no mar cantou

    E a estrela lá no céu já brilhou

     A sereia lá no mar cantou

    E a estrela lá no céu já brilhou

     Trilhou caminho tão certo que Deus me guiou

     Trilhou caminho tão certo que Deus me guiou

     Trilhou caminho tão certo que Deus me guiou

     Trilhou caminho tão certo que Deus me guiou

    Ô menina, ô menina

    Oxum é uma menina

    Ô menina, ô menina

    Oxum é uma menina 

    Uma pessoa do terreiro adentra o salão do ritual distribuindo pétalas

    de rosa, numa bandeja prateada. Este é o sinal de que o Dono da Festa

    está pronto e voltará à guma para ser homenageado. Os presentes

    levantam-se. O senhor adentra vestido com roupas tecido fino que

    reproduzem suas cores, conduzido por dois religiosos escolhidos pela

    entidade ao som dos aplausos permanentes. A “comitiva” dá três voltas

    no salão e é homenageada com arremessos de pétalas de rosa. Geralmente

    as pessoas escolhidas para acompanhar a entidade, ou recebem o mesmo

    encantado ou fazem parte da rede de afinidades da pessoa incorporada. Após a apresentação pública o branco entoa algumas doutrinas e logo é

    sentado numa cadeira  –   trono situada em frente aos tambores. Então

    segue-se a sequência de congratulações. Nesse momento, em alguns

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    Revista Estudos Amazônicos  • 171

    terreiros, inicia-se a comunhão do afurá; bebida branca, servida sobre uma

    esteira, coberta com uma toalha branca e bebido com muita reverência.

    Não tarda que o senhor vá embora, desincorporando do médium, de

    forma quase imperceptível. Apenas sua cabeça tomba para traz e o

    religioso abre os olhos ainda um pouco sombreada. Um filho-de-santo

    pega um pano e se põe a abanar o religioso que permanece cansado

    geralmente jogado numa cadeira. Após recuperar-se retorna ao ritual,

    encerrando o xirê de senhor e dando início a vira para caboclo. O processo

    modifica-se de terreiro para terreiro. No Dois Irmãos a virada é feita com

    a doutrina para Oxossi. Em toda e qualquer casa-de-santo a virada para

    caboclo representa o fim da hierarquização marcada. Este momento é

    completamente marcado pelo transe. Os caboclos vêm chegando um a

    um, sejam eles juremeiros, turcos ou codoenses. Dão aos seus filhos  –  

    mesmos os mais novos que em ocasião anterior permaneciam sempre ao

    fundo do terreiro  –   a possibilidade de se aproximar dos tambores que

    soam constantemente ao som do toque do corrido.

    Os caboclos da mina não costumam usar penas, mesmo aqueles ligados

    a mata, como os índios. Geralmente vestem blusas e calças (ou saias),

    confeccionados a partir de tecidos de algodão com estamparias coloridas.

     Amarram lenços ou faixas na altura da testa ou usam chapéus. Conforme

    eles chegam tiram logo as guias38  e os rosários39  de orixá e vodum,

    cruzando no peito, as de caboclo. É comum também o uso de espadas,

    pano amarrado a cintura do médium que geralmente traz o nome da

    entidade bordada. O processo extático é bem mais agitado do que o de

    senhor. O caboclo faz tremer o corpo do religioso, joga seus sapatos longe,

    arranca-lhe o ojá de ori40

     e os adereços que porventura prendam os cabelosdo médium. A primeira atitude dos caboclos em guma é cumprimentar a

    assistência e reclamar que estão “secos”, ou seja, com sede de cerveja.

    É comum aos caboclos da mina a ingestão de bebida alcoólica.

    Enquanto os nobres tomam bebidas finas, o caboclo prefere a espumosa

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    172 • Revista Estudos Amazônicos  

    (cerveja). O líquido é ingerido em taças, copos, ou no cuité. A variação se

    dá, de acordo com a hierarquia da entidade. Bebidas como vinho e a

    cachaça são menos usadas, pois geralmente são consumidos por Exus.

    Cada caboclo vai para frente do tambor se apresentar até os que

    incorporam em filhos-de-santo de pouca notoriedade. Alguns deles

    chegam a tocar instrumentos musicais como o cheque e o agogô.

     As doutrinas entoadas tematizam a negritude do caboclo codoense:

    Ô Mearim, Ô Mearim, Ô Mearim a é Codó

    Ô Mearim, Ô Mearim, Ô Mearim Codó

    Codó não é Mearim, Mearim não é Codó

    Codó não é Mearim, Mearim não é Codó

    Preta, Preta, Pretinha

    Preta, Preta Pretinha

    Ela é Pretinha Codoense

    Ela é Pretinha Codoense.

    Ou seu ethos boiadeiro:

    Eu selei o meu cavalo

    Para não andar a pé

    Minha morada é Morro de Areia

    Ô, serra, ô serra, lá no tremenda.

     A relação do mouro com o mar:

    Seu Turquia vamos ao mar

    Correr o mundo geral

    Seu Turquia vamos ao mar correr o mundo geral

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    Ora vamos louvar a Maria

     Averê e Pombo do Ar

     A relação do índio com a natureza:

    Ô caçador da beira do caminho

    Ô não me mate essa coral na estrada

    Ela abandonou sua choupana caçador

    Foi no romper da madrugada, caçador

    Brilhou no céu, uma estrela

    Foi no romper da aurora

     Já clareou, já clareou

    Essa Choupana, aonde Oxossimora

    Caçador.

    Eu vi a lua, eu vi a lua, eu vi a lua

    Eu brinquei com ela

    Eu vi a lua, eu vi a lua, eu vi a lua

    Eu vi alua e o clarão foi dela

     Aê caboco, lá na mata serenô

     Aê caboco, lá na mata serenô

    Eu mandei içar bandeira

    Pra caboco baiador

    Eu mandei içar bandeira

    Pra caboco baiador.

    E a sua valentia:

    Ele atirou

    Ele atirou e ninguém viu

    só ele mesmo é quem sabe

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     Aonde a flecha caiu

    Por volta das duas horas o ritual encaminha-se para o encerramento.

    Chega o momento de mandar subir os caboclos. Alguns reclamam.

    Mesmo a contragosto, começa a despedida. O ritual de encerramento varia

    muito entre os terreiros de Belém. Alguns religiosos colocam os caboclos

    de seus filhos de joelhos para os mandarem embora de um a um tocando-

    lhes o peito e a nuca. Neste momento eles dão um impulso para trás e,

    ainda um pouco sombreados, voltam para a dança. Nem todas as

    entidades vão embora. Muitos permaneceram bebendo e brincando até o

    final da noite. São geralmente caboclos de pessoas mais velhas, que

    ocupam posição hierarquicamente superior dentro do culto. Em algumas

    casas-de-santo, os caboclos não são despachados após o ritual. Eles

    continuam na terra ajudando a servir as mesas e atender aos visitantes.41 

     As festas prosseguem até perto do amanhecer, quando os visitantes

    deixam a casa. Caso o ritual tenha mais de um dia, ele é apenas encostado,

    reiniciando na noite posterior com uma sequência festiva que se assemelha

    a da primeira noite. Para analisar o ritual acima descrito é necessário referir

    ao conceito de sociedade de corte, desenvolvido por Norbert Elias. Trata-

    se de um centro formador de estilo e de autoridade social.42  “Fonte e

    origem de modelos de comportamento.43 A corte é o lugar onde evolui

    uma forma de sociedade específica, de alto status   “a boa sociedade”.44 

    Possui regras próprias de comportamento, códigos de conduta e

    linguagens simbólica que as diferenciam das ordens sociais de menor

    status.45  Representa um meio de exibição de poder através de maneiras

    refinadas de cumprimentar, escolher palavras, controlar as emoções, etc. A corte possui etiqueta própria que funciona como sinal diacrítico para

    marcar sua posição na hierarquia. Nesse espaço social “os hábitos mais

    rudes, os costumes mais soltos e desinibidos da sociedade (...) são

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    Revista Estudos Amazônicos  • 175

    suavizados, polidos e civilizados.”46 Trata-se de um grupo marcado pela

    autodisciplina e pelo autocontrole, formado por homens pretensamente

    superiores que gera uma cultura de corte. A sociedade de corte é, acima de

    tudo, uma expressão de civilização. Para Norbert Elias47  ela se baseia,

    acima de tudo, na oposição. Ao refletir sobre a sociedade absolutista

    francesa, ele pondera que é nítida a separação entre a aristocracia e os

    elementos de classe média excluídos dos cargos mais importantes do

    Estado.48 A comunidade que estudo não pode ser classificada como de

    Estado mas devo observar uma separação marcada entre a “aristocracia”

    de senhores e a “classe média” cabocla que sequer ocupa a mesma

    geografia ritual.

    Neste sentido se estabelece dicotomia entre senhor e caboclo. Recupero

    as palavras de Norbert Elias49 e a etnografia realizada acima para explicar

    que o panteão da mina paraense pode ser visto a partir dos seguintes pares

    de opostos: senhor /caboclo ordem/desordem, status/falta de status,

    polidez/hábitos “toscos”, sobriedade/bagunça, hierarquia/mistura,

     virtude ilibada/humanidade, alto/baixo, civilizado/não civilizado,

    luxo/simplicidade, branco/escuro (misturado), vagaroso/rápido,

    socado50/corrido.51  Outra antítese destacada por Elias é a que separa

    paganismo de cristianismo. Ser civilizado, durante a Idade Moderna, era

    sinônimo de ser cristão. Em nome da cruz e (...) da civilização a sociedade

    do ocidente, empenha-se em guerras de colonização e de expansão.52 

    Quando os reis cristãos portugueses mencionados nos limites desta

    tese se dedicaram à empresa colonizadora, a relação estabelecida com os

    outros grupos humanos, era completamente vertical. A desculpa europeia

    de fazer as sociedades “primitivas” ascenderem ao patamar de civilizadosacabou por legitimar a dominação do homem sobre o homem.

    Retornando aos encantados mineiros tenho, no alto o branco colonizador que

    realiza procissão, de postura austera e contida, de pouca fala, de passos

    lentos, de contrição. Do outro, encontra-se o mestiço colonizado,

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    cristianizado porém jamais ascendeu ao patamar da civilização. Essa

    tentativa de branqueamento ideológico deu origem, pelo menos em nível

    do imaginário, a uma sociedade miscível que antropofagicamente sintetiza

    a vestimenta de pena à adoração ao santo católico.53 

     A corte, segundo Norbert Elias é também, uma descendente do

    sistema de dominação patriarcal.54 O rei é o pater família, senhor de uma

    comunidade extensa e personificação do total do poder. Ele porta-se

    como o centro da corte. Isso também se reflete no panteão mineiro que

    relega à mulher o papel secundário de personagem coadjuvante em

    famílias incontestavelmente chefiadas por homens. As mitologias

    apontam pais e filhos, omitindo, na maioria das vezes, o elemento

    materno. Se já está claro que o ritual realizado para os nobres gentis nagôs

    é uma dinâmica de corte, os senhores mineiros apresentam-se como

    “pessoas de distinção” que dominam a civilidade.55  Entre os sinais

    diacríticos que atestam o caráter aristocrático do branco mineiro destaco:

    Em primeiro lugar, linguagem clara e polida. A fala do nobre gentil nagô

    é austera, permeada de autoridade, firme, baixa e contida. O rei jamais tem

    atitude de galhofa. Ele usa a linguagem para ordenar, curar, abençoar.

    Nunca dispensa palavras inúteis nem altera o tom de voz.

    Em segundo lugar, o olhar inerte.

    O olhar esbugalhado é sinal de estupidez; o olhar

    fixo sinal de inércia; o olhar dos que têm inclinação

    para a ira, é cortante demais; é vivo e eloquente, o

    dos impudicos. Se o olhar demonstra uma mente

    plácida e afabilidade respeitosa, é melhor.56 

    O olhar do nobre mineiro mistura afabilidade e inércia. Com carinho,

    este rei-deus fita acolhedoramente o filho ajoelhado aos seus pés em

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    atitude de reverência. Com inércia ele demonstra a estabilidade de quem

    se eternizou.

    Em terceiro lugar, a lentidão:

    O passo não deve ser demasiado lento nem

    demasiado rápido. (...) O nobre, ou qualquer outro

    homem de honra, não deve correr como um lacaio,

    nem andar tão vagarosamente como mulheres ou

    noivas. (...) O nobre não deve (...) correr na rua ou

    apressa-se demais uma vez que isso é próprio de

    lacaio e não de cavalheiro.57 

    Retomando o dualismo exposto acima, nobres estão para “homens de

    honra” como caboclos para baixo status  (a exemplo dos lacaios referidos

    na citação acima). A diferença entre socado e corrido exemplifica essa

    dicotomia. O ritmo tocado para senhores de toalha é, na maioria das vezes,

    lento e pontuado, exigindo passos pesados ou, no máximo, marciais. Há

    um “signo de poder na lentidão de um passo ou na contenção de um

    movimento.58 As doutrinas de caboclos são entoadas ao som do corrido

    que excita os ânimos e exige agitação no dançar. Os caboclos

    movimentam-se tão rapidamente que por vezes parecem flutuar no salão,

    molhados de suor. Os gestos de imobilismo do homem-deus são signos

    tanto de perfeição quanto de soberania diante dos quais “todos os demais

    dão mostras de agitação e configuram sujeição moral e social.59 

    Em quarto lugar, não comer. Como uma festa de corte os rituais deterreiro são fartos de comida e bebida. As comidas são servidas para a

    assistência e religiosos não incorporados e as bebidas, divididas entre estes

    e os caboclos. “No ato de comer (...), tudo é mais simples e são menos

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    restringidos os impulsos e inclinações”. O comportamento cortês não

    admite, por exemplo, barulho a mesa:

    Se um homem bufa como uma foca quando come,

    como acontece como algumas pessoas e estala os

    beiços como um camponês bávaro, então ele

    renunciou toda a boa educação.60 

     Também não se pode atacar o alimento vorazmente. Era condigno aos

    homens finos, comer pouco e pausadamente. Os senhores de toalha são

    aristocráticos até no hábito de não comer e de beber apenas bebidas finas.

     A cultura de corte se estende à comunidade afro-brasileira. Nas festas de

    senhor, quando se serve o afurá, o processo de comunhão deve ser feito

    calmamente e em silêncio numa atitude de reverência, respeito e etiqueta.

    Nas ocasiões em que são servidas comidas secas, as mesmas devem ser

    consumidas com a mão tal qual fosse um jantar da corte francesa. Lá

    também, os sólidos são pegados com a mão e os líquidos com conchas ou colheres  

    seguindo a regra da cautela.61 A higiene é outra máxima a ser seguida, toda

     vez que uma refeição de corte se encerra, os participantes devem

    invariavelmente lavar as mãos.62 O mesmo ocorre nas comunhões mineiras,

    pois um recipiente com água é mantido no recinto para que os fiéis, que

    participaram da mesa se higienizem.

    Em quinto lugar, a cortesia. Essa palavra, em sua origem significava

    “formas de comportamento que se desenvolveram na corte” .63 Entre as

    regras do ethos cortês destaca-se a polidez. Um nobre deve ser acima de

    tudo, cortês. Nunca se mostra grosseiro. Austero e afável, os senhores detoalha tratam os fiéis com educação e hierarquia. Numa posição social

    inferior, os adeptos da mina recorrem ao rei-deus com objetivo de pedir

    intercessão na resolução de algum problema. Os que pedem benção são

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    Revista Estudos Amazônicos  • 179

    abençoados, os que procuram conselho, são ouvidos. O rei mineiro governa

    a sua guma docemente. O rei mineiro, poucas vezes, manifesta sua força,64 

    exerce uma forma de poder silenciosa que consiste na exaltação ritual de

    sua pessoa que tem por objetivo de amealhar respeito e obediência

    coletiva. O ritual real “ordenam proximidade e distância com relação ao

    monarca”.  A submissão dos subalternos está na postura e posição corporal

    que se derrama ( dubá) aos pés do rei num ato sempre subserviente. A

    soberania e o poder são inculcados nas mentes de forma leve.

    Os rituais, dispositivos contínuos, silenciosos e

    imperceptíveis contribuem para despertar, por

    gestos e posturas, sentimentos de deferência e

    reverência, de respeito, temor e medo em relação ao

    monarca, mas também sentimento de apego e de

    amor: uma sensibilidade monárquica.65 

    Dessa forma, o corpo do médium é domesticado para ser cavalo real e

    os outros fiéis, tornam-se serviçais, sempre atento à necessidade de

    enxugar-lhe o rosto quando o suor escorre ou trocar-lhe a roupa quando

    incorpora em meio às festas públicas.

    O controle das emoções é outra característica. É nítida a diferença

    entre o transe de senhor e o transe de caboclo. O segundo assume uma

    postura acalorada, prenhe de subjetividade, desejo, alegria, agitação e raiva.

    Esses sentimentos são expressos na voz, nos movimentos corporais, nas

    brincadeiras tiradas com a assistência e até nas brigas travadas com outro

    caboclo ou com o ser humano. O caboclo tem ciúme, simpatiza, antipatiza,discute, fala alto, ri, por vezes profere palavras de baixo calão. O nobre gentil

    nagô está acima do sentido de humanidade. Sua performance em  guma é

    uma exaltação a sua superioridade. Seu rosto fechado não expressa

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    sentimento algum. Não se excede na alegria nem demonstra tristeza. É

    superior a todas as emoções.

    Segue-se o decoro. As regras de civilidade foram, de certa forma,

    construídas em cima de padrões morais cristãos. Ser civilizado é estar

    diametralmente oposto ao “pecado”. Portanto pode-se dizer que civilidade

    e pureza são conceitos semelhantes. O decoro dos senhores de toalha pode

    ser observado na sobriedade das vestimentas, sempre discretas, o tom

    contido de sua voz, no jeito nobre de se sentar alto e com o corpo

    fechado.66 Na possibilidade do exagero de bebida alcoólica. No riso farto

    e sonoro. Por vezes até pornografia mencionada. Decoro é sinônimo de

    contenção. A palavra contenção é oriunda do verbo conter. Nesse sentido

    o sujeito contido é aquele que consegue neutralizar suas paixões, seus

    membros, suas ações, sua língua e suas palavras nos limites em que todas essas coisas

    devem ser contidas.67  O caboclo é avesso da regra de decoro cortesão, enquanto

    o senhor é cristão também nos seus atos.

    Em oitavo lugar, o vestuário. As roupas dos senhores de toalha

    traduzem a pureza do branco, cor e a hierarquia do branco, status.68 Os

    signos de realeza medieval (manto e coroa) e afro-brasileira (bengala,

    guarda sol, etc.) compõem um guarda-roupa sagrado que diferencia o

    senhor de seus subalternos. No entanto, o elemento mais significativo de

    ser mencionado como vestimenta de corte é o uso do richelieu. O bordado

    richelieu69 surgiu na França. A denominação ocorreu entre 1624 e 1642,

    pelo uso frequente nas vestes de Armanol-Jean Du Plessis, cardeal e duque

    de Richelieu.70  O tecido ganhou fama, pois além de ser sinônimo de

    riqueza, distinguiu-se por sua técnica, realizada com pontos cortados

    aplicados sobre um fundo de tecido aberto, no qual os fios sãodelicadamente retirados até formarem verdadeiros vazios entre os

    motivos.

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     A moda, inspirada no modelo civilizacional francês, o levou para

    Portugal. O uso desses bordados em território brasileiro deve-se ao

    processo colonial português uma vez que esses pontos passaram a ser

    utilizados nas vestimentas das elites luso-brasileiras. Segundo Aldrin

    Moura Figueiredo, o cronista da moda, João Affonso, autor do livro “ Três

    séculos de moda”, ao analisar e a evolução da indumentária no Pará,

    comparou a imagem dos primeiros colonizadores (como o próprio

    Francisco Caldeira Castelo Branco) à imagem de Luis XIII e da nobreza

    de Richelieu.71 É interessante notar o significado de nobreza do bordado

    que irá permanecer incólume nas religiões afro-brasileiras.

     Após tudo que foi dito, partindo da ideia de que “O Estado ganhava o

    caráter de uma ação social do rei” ,72  ao adorar o rei português, o mineiro

    paraense, rememora o Estado lusitano, ritualiza o processo colonizador e

    o jogo de relações sociais suscitado por ele, em nível do imaginário.

    Considerações finais

    Cabe refletir de que forma todas essas informações sobre a “sociedade

    de corte” chegaram aos terreiros de Belém. Mary Del Priore em seu livro

    “Festas e utopias” revelou, como o poder do rei era teatralizado nas festas

    do Brasil Colônia como forma de divulgação da estrutura política vigente

    entre a sociedade escravocrata da época.73  As festas públicas, em sua

    maioria produzidas pela Igreja, tematizavam, dentre outras coisas a

    sacralidade do poder real. Tudo que se passava com a família real chegava

    ao povo de forma lúdica. O casamento de Dona Maria foi amplamentefestejado na Bahia com presença de cavaleiros vestidos à mourisca,

    batalhas fingidas, banda de tambores etc. Durante o XVII, mas

    precisamente em 1641, o holandês Maurício de Nassau fez uma

    encamisada para homenagear a aclamação de Dom João IV.74 

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    Muitas também eram as festas de louvação à Coroa Portuguesa. Em

    1818, as lanterninhas que ornavam um evento religioso no Rio de Janeiro

    serviam de propaganda do Estado Moderno, estampando a esfinge do rei

    e a seguinte frase ao nosso bom rei e senhor, Dom João VI, gratidão. 75  Essas

    luminárias eram sempre penduradas nos telhados episcopais ou em cima

    das residências como forma de mostrar a posição soberana de sua

    majestade. Outro elemento intrigante era a relação entre a imagem real e a

    luz produzida pelos fogos de artifício. Em Sabará, durante uma

    comemoração religiosa, acionou-se um fogo de artifício brilhantíssimo, no fim do

    qual apareceu o retrato de sua majestade; oportunidade que fez o governador gritar

    “Viva El Rei Nosso Senhor”, para o povo transportado (...) responder “Viva o Rei

    do Reino Unido” .76  O rei estava associado a um instrumento capaz de mudar

    o curso da natureza, iluminando a noite, neste período ainda muito escura.

    Esse artifício tinha também finalidade religiosa, que atraía pela estética,

    com anseios proselitistas. Foi a Igreja que atrelou religião e realeza. A

    mensagem pastoral, passada em seu bojo divulgava o aspecto centralizador

    da Coroa Lusitana. A festa ganhava conotação de propaganda

    governamental. Outros valores foram festejados, dentre eles cito a guerra

    entre mouros e cristãos que se traduzia numa vitória portuguesa cristã e

    fazia apologia à branquitude. O negro e o índio eram sempre associados,

    metaforicamente, a figura do perigo e do mal. Os carros alegóricos que

    desfilavam em meio aos eventos religiosos  –   ou não  –   serviram de

    divulgação ideológica. Mary Del Priore mostra que alguns deles traziam

    alegorias de cobras, jacarés e dragões em cima dos quais desfilavam

    pessoas de cor. Suas vestimentas reduziam-se a penas e adereços que

    simbolizavam atraso e inferioridade técnica.77

     É em cima desses valores divulgados pelas estruturas dominantes que

    os imaginários afro-brasileiros se recriam. Signos persistiram há séculos:

    mudanças e permanências foram usadas como fonte na construção de um

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    imaginário repleto de acontecimentos reais e fantásticos. O fantástico é a

    costura que amarra o real o ritual e o mitológico. Por intermédio dele, o

    homem se fez divindade ou encantado, como o leitor queira. Caracteriza-se

    “pela intromissão brutal do mistério no quadro da vida real”.78  É o

    complemento que dá sentido ao acontecimento estranho.

    Nos textos fantásticos o autor relata

    acontecimentos que não são suscetíveis de

    acontecer na vida, se nos prendermos aos

    acontecimentos comuns de cada época no tocante

    ao que pode ou não pode acontecer (...). É onde

    entram os seres sobrenaturais. (...) O fantástico

    explora o espaço interior tem uma estreita relação

    com a imaginação, a angústia de viver e a esperança

    de salvação.79 

    O elemento fantástico se transforma em maravilhoso quando a

    estranheza provocada pelo elemento extraordinário acata uma explicação

    sobrenatural. Na maioria dos casos os religiosos não param para pensar na

    trajetória dos reis cultuados, o quão espetacular é tê-los agregados ao

    panteão de uma religião de matriz africana. Eles simplesmente vivenciam,

    dançam, cantam, praticam. O espanto e a inquietude vêm do pesquisador.

    Mas construção simbólica é narrada como detentora de uma lógica

    própria. Formulam-se explicações completamente racionais cerzidas por

    metáforas que criam uma teia híbrida tão rica que não dá para ser de todo

    analisada nos limites desse artigo.Limitei-me a reproduzir a hierarquia dessa corte híbrida onde “existem

    os grandes e os pequenos (Pai Serginho de Oxossi, mineiro de segunda

    migração) tipo um quartel: soldado, cabo, sargento, tenente, capitão até

    chegar ao general ou almirante (Pai Aluísio Brasil, mineiro de segunda

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    migração)”. Infelizmente não pude “descer na hierarquia do panteão” e

    analisar o mestiço, traçando analogia entre ser mestiço, ser misturado e ser

    caboclo. Optei por falar de nobre. Destaco que o branco mineiro é o branco

    expansionista, conquistador de encantarias , líder de famílias extensas. É o

    sujeito proprietário de garbo, digno de reverência: o dominador. O branco

    mineiro é o não escravo, o não trabalhador. Descrito como guerreiro que,

    do topo da sociedade, esbanja poder político e prestígio social.80 

     Todos os personagens descritos como brancos possuem como

    características comuns, a altivez. Nos rituais existe uma clara demarcação

    de limites entre senhores e caboclos.81  Quando um senhor está em terra,

    nenhuma entidade de menor status   se aproxima. Caso isso ocorra é

    imediatamente afastada. São referidos por primeiro na sequência de

    cânticos, demonstram sua posição na hierarquia, usam alá . Todavia, apesar

    de todos esses sinais diacríticos de branquidade não há como negar que o

    branco mineiro é, e em alguns aspectos foi “deseuropeisado” pois ele está

    fixado na pedra ( otá) como mana.82  Transformando-se no sagrado

    imanente, apresenta-se ao público numa experiência de transe extático e

    recebe obrigação.

    Se por um lado os nobres passam por uma espécie de criolité

    africanizando-se83 por outro, sistema de crenças mineiro reproduz o modelo

    de branquitude de forma tão direta que não é preciso ter muito treino para

    assistir a um ritual e constatar que tem branco na guma.84 

     Artigo recebido em setembro de 2014 Aprovado em dezembro de 2014 

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    NOTAS

     Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (PPGCR)e do Curso de Licenciatura Plena em Ciências da Religião da Universidade doEstado do Pará (UEPA) e Coordenadora do Grupo de Estudos Religiões deMatriz Africana na Amazônia (GERMAA). E-mail: [email protected] 1 LUCA, Taissa Tavernard. Tem branco na Guma. Belém, 2010. 260 f. Tese

    (Doutorado em Ciências Sociais  –   Área de Concentração: Antropologia).Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Pará.CAMPELO, Marilu & LUCA, Taissa Tavernard. As duas africanidadesestabelecidas no Pará. In: BELLOTTI, Karina. & VALÉRIO, Mairon. (Org.).Revista Aulas. São Paulo, n. 4, p. 1-27, 2007. Disponível em  –   www.unicamp.br/aulas. Acesso em 11 fev. 2013.2  Entidade muito comum no imaginário amazônico. Tiveram vida, mas não vivenciaram a experiência da morte. No Tambor de Mina existem encantados emdiversos níveis hierárquicos. VERGOLINO, Anaíza. “Os Cultos Afro no Pará”.In: FONTES, Edilza Joana. (Org.). Contando a História do Pará: Diálogos entrea História e a Antropologia. Belém: E. Motion, 2003. LUCA, Taissa. Tavernard. Tem branco na Guma. Belém, 2010. 260 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais –   Área de Concentração: Antropologia). Faculdade de Filosofia e Ciências

    Humanas. Universidade Federal do Pará. CAMPELO, Marilu. LUCA, Taissa Tavernard. As duas africanidades estabelecidas no Pará. In: BELLOTTI, Karina& VALÉRIO, Mairon. (Org.). Revista Aulas. São Paulo,   n. 4, p. 1-27, 2007.Disponível em –   www.unicamp.br/aulas. Acesso em 11 fev. 2013.3 Adepto do Tambor de Mina.4  LUCA. Tem branco na Guma. Op., cit. CAMPELO & LUCA. As duasafricanidades estabelecidas no Pará. Op., cit.5 Mesmo que mina. Nomenclatura mais utilizada no Estado do Maranhão.6 Mesmo que terreiro.7 LUCA. Tem branco na Guma. Op., cit., p. 67. CAMPELO & LUCA. As duasafricanidades estabelecidas no Pará. Op., cit., p. 15.8  Divindades yorubana. Muitos deles são antigos reis ou heróis divinizados.Representam as vibrações das forças da natureza.9 Nome dado às entidades do panteão jeje que correspondem, hierarquicamente,aos orixás nagôs. LEACOCK, Seth & LEACOCK, Ruth. Spirits of the Deep: AStudy of an Afro-Brasilian Cult. Nova York: Anchor Book, 1972.10 LEACOCK, Seth & LEACOCK, Ruth. Spirits of the Deep: A study of an Afro-Brasilian Cult. Nova York: Anchor Book, 1972.11 FERRETTI, Mundicarmo. Maranhão encantado. São Luís: UEMA Editorial,2000.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]://www.unicamp.br/aulashttp://www.unicamp.br/aulashttp://www.unicamp.br/aulashttp://www.unicamp.br/aulashttp://www.unicamp.br/aulashttp://www.unicamp.br/aulashttp://www.unicamp.br/aulasmailto:[email protected]

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    12  FERRETTI. Maranhão Encantado.  Op., cit VERGOLINO, Anaíza. “OsCultos Afro no Pará”. In: FONTES, Edilza Joana. (Org.).  Contando a Históriado Pará: Diálogos entre a História e a Antropologia. Belém: E. Motion, 2003.PRANDI, Reginaldo & SOUZA, Patrícia. “Encantaria de Mina em São Paulo”.In: Encantaria brasileira: o livro dos Mestres, Caboclos e Encantados.  Rio de

     Janeiro: Pallas, 2001. SHAPANAN, Francelino. “Entre Caboclos e Encantados”.In: Encantaria brasileira: o livro dos Mestres, Caboclos e Encantados.  Rio de Janeiro: Pallas, 2001.13 TODOROV, Tedzan. Introdução a literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva,2003.14 Grafarei a palavra caboco e não caboclo por se tratar da denominação nativa.15  VERGOLINO, Anaíza. “Os cultos Afro no Pará”. In: FONTES, Edilza Joana.(Org.). Contando a história do Pará: Diálogos entre a História e a Antropologia.Belém: E. Motion, 2003, p. 22.16 Os turcos são personagens que retomam o episódio histórico das cruzadas e osbandeirantes representam simbolicamente o processo de ocupação do interiorbrasileiro denominado de Entradas e Bandeiras. São ora apresentados comonobres, ora como cabocos o que nos fez pensar que sejam nobres com status umpouco inferior ao dos senhores de toalha. Mundicarmo Ferretti em seu livroDesceu na Guma  os classifica como gentilheiros e os descreve como “fidalgos, nãoconfundidos com os orixás, as vezes também confundidos com os caboclos (...)que não pertencem a nobreza europeia cristã”. São consideradas categoriashierarquicamente intermediárias compostas de nobres, as vezes descritos comomestiços e não brancos. Na maioria das vezes vestem-se com roupas finas e

    luxuosas confeccionadas de tecidos brilhosos e richelieu colorido. Todavia, porserem personagens ambíguos, podem também trajar roupas de florão que osaproximam dos juremeiros e codoenses. FERRETTI, Mundicarmo. Maranhãoencantado. São Luís: UEMA Editorial, 2000, p. 74.17 Família composta em sua maioria por cabocos ligados ao episódio histórico dasEntradas e Bandeiras. Trata-se de uma família eclética, pois inclusiva chefiada porseu João da Mata.18  Os codoenses representam a imagem do negro que vigora no PensamentoSocial Brasileiro do século XIX. Trata-se do negro trabalhador que pode realizarserviços domésticos dentro do terreiro. Possui forte ligação com o gado. Suasdoutrinas falam da sela, do ato de laçar boi e outras atividades desse gênero.19  Os juremeiros e codoenses, por sua vez, são cabocos de baixo status. Osprimeiros representam o índio romântico, civilizado quanto à vestimenta, pois usa

    roupas confeccionadas com tecido de chita e não, trajes de pena. No entanto osjuremeiros apresentam uma performance ritual que demonstra sua coragem e valentia. Essa característica pode ser vista na dança, no ato de pular de joelho emtoda área do terreiro, no grito quase selvagem e no gestual de mão que, por vezes,reproduz o movimento do arco e flecha.20  Os surrupiras, descritos por Vergolino como encantados locais, tendo suaencantaria ou morada na localidade de Arapixi, município de Chaves, Ilha do

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    Marajó. As narrativas sobre essas entidades são imprecisas. Uns os descrevem de índios não “civilizados”, outros como personagens zoomórficos muito peludos.O fato é que todos concordam com os hábitos selvagens de se embrenhar nomeio do mato, se abraçar com as árvores de tucumã (espinheiro), ou até dormirem cama de espinhos. VERGOLINO. Op., cit. FERRETTI. Maranhãoencantado. Op., cit. PRANDI & SOUZA. Op., cit.21 A maioria das casas também absorveu a imagem de exu advinda da umbandaque é uma representação do povo da rua e por tal formada por personagens comoa cigana e o malandro.22 ELIAS, Norbert. Sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.23 Essas entidades recebem o nome de senhores de toalha, pois, uma vez em guma

    elas usam toalha de richelieu bordada como sinal de status.24 HAROUCHE, Claudine. Da palavra ao gesto. São Paulo: Papirus, 1998, p. 41.25 Sequência de cantos entoados em homenagem ao panteão mineiro.26 As entidades de mais alta Hierarquia dentro do panteão do tambor de Mina sãochamadas de brancos. Neste sentido pertencem a essa categoria os Voduns,Orixás e Nobres gentis Nagôs ou Senhores de Toalha.27 Local onde a divindade está fixada. Nele se encontram os objetos sagrados domesmo como a pedra (otá). Cerimônia que transforma um lugar profano emsagrado.28 Oferendas rituais que os médiuns são obrigados a fazer para suas entidades afim de que mantenha o equilíbrio de sua vida. O não cumprimento das mesmasacarreta em punição dada em forma de peia ou de infortúnio.29 O mercado do Guamá está situado na esquina da Av. José Bonifácio com a

    Barão de Igarapé-Miri, principais ruas do periférico bairro, universitário, doGuamá.30 Dona Luiza Ninfa de Oliveira, conhecida como mãe Lulu é a terceira liderançado Centenário Terreiro Dois Irmãos, Único Tombado pelo Patrimônio Históricoem Belém do Pará. Antes dela lideraram o mesmo templo religioso Mãe Amelinha(sua mãe biológica) e Mãe Josina, a maranhense fundadora do terreiro.31 Toalha branca confeccionada em bordado richilieu que serve como símbolo destatus.32  Dá-se o nome encostar   quando há continuidade do mesmo ritual em outromomento. Nesta circunstância não se fecha o ritual mas  encosta-se , ou seja,procede-se uma pausa.33 Outros terreiros de mina realizam procissão antes das festas públicas para senhoresde toalha. Pai Orlando Bassu (filho de Xapanã) liderança do Abassá Afro-Brasileiro

    Lego Xapanã, promove peregrinação para São Sebastião no início da noite de 20de janeiro, saindo da Igreja de São Judas Tadeu, no bairro da Condor. Antes da caminhada, o santo do terreiro é colocado no altar e a comunidade afro-religiosa assiste missa. Após a celebração, a procissão sai da Igreja rumo à casa-de- santo acompanhada por católicos e afros. Lá chegando tem início a cerimôniareligiosa de matriz africana com doutrinas entoadas para Rei Sebastião, Xapanã eObaluaê entre outros voduns e orixás.

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    34 Trata-se de um conjunto de doutrinas de Exu seguidas por outras destinadas aOgum. Esses dois orixás são responsáveis pela abertura do ritual uma vez que sãoconsiderados senhores dos caminhos.35 VERGOLINO. Op., cit., p. 18.36 Segunda liderança religiosa de um terreiro de mina.37 Chama-se de bater cabeça o ato de prostrar-se aos pés do senhor , fazendo-lhe odubá.38 Fio de contas que os afro-religiosos carregam no pescoço cuja cor correspondea da entidade que o médium recebe. Existem guias de diversas espessuras. Onúmero de pernas aumenta a medida que o sujeito vai ascendendo na hierarquiado ritual e cumprindo suas obrigações religiosas.39 Nome dado aos colares rituais de cores variadas. Possuem número de pernas variado e uma medalha na ponta contendo crucifixo, imagem de santo, ou outrosímbolo cristão. Algumas vezes é possível observar o uso do signo Salomão, umareferência clara a influência judaica.40  Chama-se ojá de ori ou pano de cabeça à longa faixa utilizada pelos afro-religiosos com o propósito de cobrir a cabeça. A denominação Ojá de Ori é maiscomum no candomblé enquanto pano de cabeça é utilizada com mais frequência,pelos mineiros.41 Os cabocos que permanecem nos terreiros ajudando a servir os convidados sãogeralmente codoenses.42 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol. 2. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1993,p. 16.43 Idem. p. 17

    44 Idem.45 A ideia de sociedade de corte surgiu na França absolutista e se difundiu para omundo ocidental.46 ELIAS. O processo civilizador. Vol. 2. Op., cit., p. 18.47 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993,p. 59.48 Idem. P. 53.49 Idem.50 Ritmo lento, tocado no do tambor prioritariamente para orixás, voduns e senhoresde toalha. 51 Ritmo ligeiro, tocado no tambor, prioritariamente para cabocos. 52  ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador.  Vol. 1. Op., cit., p.67.53

     No Tambor de Mina existem alguns cabocos que têm adoração a santos católicos.54 ELIAS, Norbert. Sociedade de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.55 ELIAS. O processo civilizador. Vol. 2. Op., cit., p. 17.56 ELIAS. O processo civilizador. Vol. 1. Op., cit., p. 69.57 Idem. P. 89.58 HAROUCHE. Op., cit., p. 36.59 Idem.

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    60 ELIAS. O Processo Civilizador. Vol. 1. Op., cit., p. 77.61 Idem. P. 80.62 Idem. P. 99.63 ELIAS. Sociedade de corte. Op., cit., p. 111.64 HAROUCHE. Op., cit., p. 19.65 Idem. P. 53.66 Um nobre nunca se senta em pequenos bancos de pouca altura, nem tampoucopermanece com as penas abertas.67 HAROUCHE. Op., cit., p. 39.68 LUCA. Tem branco na Guma. Op., cit.69 As informações sobre o bordado richelieu foram cedidas pelo co-orientador de

    tese, Profº Dr. Aldrin Moura de Figueiredo.70 Essas informações me foram repassadas pelo meu coorientador de minha tesede doutorado, o historiador Aldrin Moura de Figueiredo.71  FIGUEIREDO, Aldrin Moura. "A memória modernista do tempo do Rei:narrativas das guerras napoleônicas e do Grão-Pará nos tempos do Brasil-Reino(1808-1831)". In: Revista do Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro. Riode Janeiro: Garamond, 2008. 72 ELIAS. Sociedade de corte. Op., cit., p. 67.73 PRIORE, Mary Del. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo, Brasiliense,1994.74 Idem.75 Idem. P. 36.76 Idem. P. 40.

    77 Idem. P. 50.78 TODOROV. Op., cit., p. 32.79 Idem, p. 41.80  WARE, Vron. “Introdução: O Poder duradouro da branquidade, um problemaa solucinar.” In: WARE, Vron. Branquidade: Identidade Branca eMulticulturalismo. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.81 LEACOCK. Op., cit.82 MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Vol. 2. São Paulo: EPU, 1974.83 MOTTA-MAUÉS, Maria Angélica. Negro sobre negro: a questão racial nopensamento das elites negras brasileiras (1930-1988). Rio de Janeiro: IUPRJ, 1997.(Tese de Doutorado), p. 47.84 Título de minha Tese de Doutorado defendida em 2010, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA.