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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA ESCOLAR NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: PROPOSTA PARA OS SERVIÇOS DE PSICOLOGIA Cynthia Bisinoto Evangelista de Oliveira Brasília, março de 2011

A ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA ESCOLAR NA EDUCAÇÃO …repositorio.unb.br/bitstream/10482/8804/1/2011_CynthiaBisinoto... · vi Oliveira, C. B. E. (2011). A atuação da Psicologia Escolar

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    Programa de Ps-Graduao em Processos de

    Desenvolvimento Humano e Sade

    A ATUAO DA PSICOLOGIA ESCOLAR

    NA EDUCAO SUPERIOR:

    PROPOSTA PARA OS SERVIOS DE PSICOLOGIA

    Cynthia Bisinoto Evangelista de Oliveira

    Braslia, maro de 2011

  • ii

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    Programa de Ps-Graduao em Processos de

    Desenvolvimento Humano e Sade

    A ATUAO DA PSICOLOGIA ESCOLAR

    NA EDUCAO SUPERIOR:

    PROPOSTA PARA OS SERVIOS DE PSICOLOGIA

    Cynthia Bisinoto Evangelista de Oliveira

    Tese apresentada ao Instituto de Psicologia

    da Universidade de Braslia, como requisito

    parcial obteno do ttulo de Doutor em

    Processos de Desenvolvimento Humano e

    Sade, rea de concentrao

    Desenvolvimento Humano e Educao.

    Orientadora: Professora Dr. Claisy Maria Marinho-Arajo

    Braslia, maro de 2011

  • iii

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    Programa de Ps-Graduao em Processos de

    Desenvolvimento Humano e Sade

    TESE APROVADA PELA SEGUINTE BANCA EXAMINADORA:

    ___________________________________________

    Prof. Dr. Claisy Maria Marinho-Arajo - Presidente

    Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia

    ___________________________________________

    Prof. Dr. Raquel Souza Lobo Guzzo - Membro externo

    Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Ps-Graduao em Psicologia

    __________________________________________

    Prof. Dr. Marlis Morosini Polidori - Membro externo

    Centro Universitrio Metodista, IPA

    ___________________________________________

    Prof. Dr. Marisa Maria Brito da Justa Neves - Membro interno

    Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia

    ___________________________________________

    Prof. Dr. Denise de Souza Fleith - Membro interno

    Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia

    ___________________________________________

    Prof. Dr. Marly de Jesus Silveira - Suplente

    Universidade de Braslia, Faculdade de Educao

    Braslia, maro de 2011

  • iv

    AGRADECIMENTOS

    Aos meus queridos e amados pais, Lucas e Sueli, pelos ensinamentos e afetos que desde a

    mais tenra idade fazem de mim quem sou hoje.

    minha adorada irm, Kelen, super amiga, por sempre apoiar e acreditar nos meus

    projetos.

    Ao Luciano, companheiro e grande amor, por respeitar as minhas escolhas, incentivar a

    concretizao dos meus sonhos e por participar da minha vida sempre com muita alegria.

    Claisy, para alm de orientadora, exemplo de dedicao, persistncia, seriedade e

    confiana. Obrigada por compartilhar de forma sincera e generosa seus conhecimentos,

    convices, competncias, virtudes e afetos e por acreditar nas minhas potencialidades quando eu,

    muitas vezes, nem as tinha percebido.

    Ao professor Leandro Almeida, co-orientador no Doutorado Sanduche, pela

    disponibilidade em me acolher e em compartilhar sua vasta experincia e sabedoria.

    professora Marisa Brito, exemplo marcante de energia, pela alegre convivncia e pelos

    momentos descontrados de profundo aprendizado.

    professora Denise Fleith, pela serenidade e carinho com que compartilha conhecimentos

    e vivncias que tm alargado os meus horizontes.

    professora Raquel Guzzo, pela riqueza dos nossos dilogos que tm sido

    particularmente importantes na construo da minha trajetria em Psicologia Escolar.

    professora Marlis Polidori, pelas discusses e incentivos articulao da Psicologia

    Escolar com a Educao Superior.

    professora Marly Silveira, por participar da banca deste trabalho e contribuir para o

    seu aperfeioamento.

    Aos professores Dilvo Ristoff e Maria Cludia Lopes, Marlis Polidori e Marisa Brito,

    pelas contribuies oferecidas na Jornada de Projetos do PGPDS e no exame de qualificao,

    respectivamente.

    Ao Senac-DF e Fac Senac-DF, nas figuras do Prof. Lus Otvio e Prof. Flvia Silveira,

    por confiarem e colaborarem com o desenvolvimento deste trabalho.

    Aos amigos e familiares que tm acompanhado, incentivado e admirado meu percurso.

    Aos colegas do Laboratrio de Psicologia Escolar, antigos e recm chegados, pela

    circulao de ideias, sugestes e apoio. Ana Clara, pela convivncia fraterna e saudvel.

  • v

    Ao CNPq e CAPES, pela concesso das bolsas de doutorado e doutorado sanduche,

    respectivamente.

    coordenao do Programa de Ps-Graduao em Processos de Desenvolvimento

    Humano e Sade, pelo apoio acadmico.

    Aos participantes desse estudo, no Brasil e em Portugal, pela disponibilidade em

    colaborar e mostrar diferentes formas de ser psiclogo escolar!

  • vi

    Oliveira, C. B. E. (2011). A atuao da Psicologia Escolar na Educao Superior: proposta para

    os Servios de Psicologia. Tese de Doutorado, Universidade de Braslia, Braslia.

    RESUMO

    A Psicologia Escolar tem como eixo de atuao a mediao dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano. Apesar de historicamente ter se vinculado escola, outros contextos institucionais, tambm revestidos da funo educativa, vm sendo reconhecidos como espaos potenciais de aprendizagem, formao e desenvolvimento humano. Um destes contextos emergentes de atuao e pesquisa em Psicologia Escolar a Educao Superior que tem como finalidade formar sujeitos para a vida em sociedade. Entretanto, em virtude das inmeras e complexas transformaes caractersticas da sociedade contempornea, as Instituies de Educao Superior (IES) tm se confrontado com desafios e dilemas relacionados ao seu papel frente s demandas do mercado; expanso quantitativa das instituies e dos cursos; efetividade dos programas de apoio ao acesso e permanncia; adequao dos objetivos pedaggicos e institucionais realidade dos estudantes; qualificao do corpo docente; necessidade de inovaes curriculares e pedaggicas; entre outros. Para enfrentar de forma mais eficiente estes desafios, as IES tm desenvolvido algumas estratgias como a criao de Servios de Psicologia. Com o intuito de conhecer o trabalho dos psiclogos escolares nestes Servios, este estudo teve como objetivo investigar a atuao da Psicologia Escolar em Instituies de Educao Superior. Especificamente, props-se: (a) compor um panorama dos Servios de Psicologia em IES do Brasil e de Portugal; (b) mapear e analisar a atuao de psiclogos escolares em instituies do Distrito Federal (DF) e de Portugal; (c) investigar experincias diferenciadas de atuao da Psicologia Escolar na Educao Superior; (d) acompanhar a atuao de um psiclogo escolar em uma IES do DF; e (e) elaborar uma proposta de criao e estruturao de Servios de Psicologia na Educao Superior. A pesquisa foi estruturada em dois estudos, um realizado no contexto brasileiro e outro no contexto portugus, tendo ambos contemplado as etapas de Mapeamento dos Servios de Psicologia e de Mapeamento da atuao dos psiclogos escolares. A primeira etapa buscou elaborar panoramas nacionais dos Servios de Psicologia das IES de cada pas e apresentar uma caracterizao destes servios; a segunda teve como meta o estudo e anlise da atuao dos psiclogos escolares. A configurao deste trabalho multimetodolgica, com abordagem qualitativa e quantitativa que se ancora nos pressupostos epistemolgicos e metodolgicos da perspectiva histrico-cultural. Os resultados indicaram que Brasil e Portugal apresentam grande diversidade em termos da estrutura e funcionamento dos Servios, havendo alguns mais dedicados ao apoio psicolgico aos discentes, em uma perspectiva individual e remediativa de interveno, e outros orientados para aes coletivas de formao e de desenvolvimento de competncias com os estudantes, acolhimento a calouros e apoio transio para o mercado profissional. Realizam tambm assessoria aos professores e coordenadores de curso e colaboram com rgos e unidades da instituio. Comparecem nos discursos e prticas dos psiclogos escolares o foco em aes preventivas e institucionais. Com base nestes resultados, apresentou-se uma proposta de criao e estruturao para os Servios de Psicologia na Educao Superior que representa um esforo de consolidao e legitimao do trabalho da Psicologia Escolar no Sistema de Educao Superior. Palavras-chave: Psicologia Escolar, Educao Superior, Servios de Psicologia, Desenvolvimento Humano, Atuao Institucional.

  • vii

    Oliveira, C. B. E. (2011). The performance of School Psychology in Higher Education: Proposal

    for Psychology Services. Tese de Doutorado, Universidade de Braslia, Braslia.

    ABSTRACT

    The School Psychology has as axis of action the promotion of the processes of learning and human development. Although historically it has been associated to the school, others institutional contexts also endowed with the educational function have been recognized as potential spaces of learning, formation and human development. One of these emergent contexts of work and research is the Higher Education, which aims to prepare subjects for life in society. However, because of the numerous and complex changes that are characteristic of contemporary society, the Higher Education Institutions (HEIs) have been confronted with challenges and dilemmas: their role face to the markets demands, the quantitative expansion of institutions and courses, the effectiveness of the programs of access and maintenance support, the adequacy of educational and institutional goals to students reality, the teachers qualification, the need for curricular and pedagogical innovations, among others. To address more effectively these challenges, HEIs have created some strategies like the Services of Psychology. Trying to know the work that has been done by school psychologists in these Services, this study aimed to investigate the practice of the School Psychology in Higher Education Institutions. Specifically, it was proposed: (a) to elaborate a framework of the Psychology Services in Brazil and Portugal; (b) to map and analyze the action of school psychologists in institutions of the Distrito Federal/Brazil and Portugal; (c) to investigate differentiated experiences of action in Higher Education; (d) to accompany the practice of a school psychologist in a HEI of the Distrito Federal; and (e) to design a proposal of creation and function to the Psychology Services in Higher Education. The research was structured in two studies, one conducted in the Brazilian context and the other in the Portuguese context. Both studies involved mapping Services of Psychology and mapping the performance of school psychologists. The first phase sought to develop national overviews of Psychology Services in HEIs of each country and present a characterization of these services; the second phase was aimed at studying and analyzing the performance of school psychologists. This research is multimethodology, with qualitative and quantitative analyses, and is based on epistemological and methodological framework of historical and cultural perspective. The results indicated that Brazil and Portugal present great diversity in the operating conditions and scope of interventions of the Services, having some of them more dedicated to the psychological support to student in an individual and treatment perspective of intervention, and others that work with programs of skill development, welcome new students (freshmen) and support to the transition to the labor market. They also carry out support to the teachinglearning process and collaborate with other units of the institution, participating in selection and training processes. If, traditionally, the Psychology Services were oriented by an individual perspective of intervention and in response to the students problem, nowadays they have been working in preventive and institutional practices, including actions with other agents. Based in these results, it was presented a proposal of creation and structuring of Services of Psychology in Higher Education, which means an effort towards the consolidation and legitimization of the work of School Psychology in Higher Education. Keywords: School Psychology; Higher Education; Psychology Services; Human Development, Institutional Action.

  • viii

    SUMRIO

    NDICE DE TABELAS x

    NDICE DE FIGURAS xi

    INTRODUO 12

    CAPTULO I - ATUAO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: TRANSFORMAES E

    PERSPECTIVAS

    16

    Origem e Consolidao da Psicologia Escolar 16

    O advento da Psicologia Escolar no mundo e no Brasil 16

    A reviso crtica em Psicologia Escolar e seus desdobramentos 21

    Para alm da crtica, o estabelecimento de uma nova Psicologia Escolar 25

    O perfil profissional do psiclogo escolar e os desafios formao 33

    Prticas e Contextos de Atuao em Psicologia Escolar 37

    Prticas contemporneas de atuao em Psicologia Escolar no Brasil 37

    A presena da Psicologia Escolar no mundo 51

    Educao Superior: um novo contexto de atuao para a Psicologia Escolar 54

    Os Servios de Apoio Psicolgico em Instituies de Educao Superior 55

    A Psicologia Escolar na Educao Superior brasileira 58

    A Psicologia Escolar na Educao Superior de Portugal 63

    CAPTULO II - EDUCAO SUPERIOR: HISTRIA, CARACTERSTICAS E

    DESAFIOS

    68

    Histrico da Educao Superior 68

    A constituio histrica das instituies educativas 68

    O surgimento das Instituies de Educao Superior no mundo: as diferentes ideias

    acerca de universidade e de Educao Superior

    71

    A emergncia das Instituies de Educao Superior no Brasil 74

    Universidade, Ensino Superior ou Educao Superior? Aproximaes e distines

    entre os termos

    78

    Caractersticas, Funes e Desafios da Educao Superior na contemporaneidade 82

    A atual estrutura e funcionamento da Educao Superior brasileira 82

    Questes atuais na Educao Superior 94

    Processos de ampliao da Educao Superior brasileira 94

    Modalidades em Educao Superior: EAD e Cursos Tecnolgicos 97

    Inovaes curriculares e pedaggicas 101

    Avaliao como recurso garantia da qualidade da Educao Superior 102

    A crise da Educao Superior 110

    A Educao Superior diante dos interesses econmicos contemporneos 114

    Breve histrico e cenrio recente da Educao Superior em Portugal 120

  • ix

    CAPTULO III - DEFINIO DO PROBLEMA DE PESQUISA 128

    Problematizaes 128

    Objetivos 129

    CAPTULO IV - OPES EPISTEMOLGICAS E METODOLGICAS 130

    A Pesquisa Cientfica em Psicologia na Perspectiva Histrico-Cultural: Reflexes

    Epistemolgicas

    130

    A Epistemologia Qualitativa e suas contribuies metodolgicas 133

    Procedimentos Metodolgicos 135

    Cenrio e contexto: definio do campo de investigao 135

    Desenho metodolgico: caminhos para a construo das informaes 136

    Estudo 1 - Brasil 138

    Estudo 2 - Portugal 146

    Proposta para a criao e estruturao de Servios de Psicologia 148

    Procedimentos para anlise das informaes 148

    CAPTULO V - RESULTADOS E DISCUSSO 153

    Estudo 1 - Brasil 153

    Estudo 2 - Portugal 196

    Sntese dos estudos 1 e 2 216

    Proposta para a criao e estruturao de Servios de Psicologia na Educao

    Superior brasileira

    219

    CONSIDERAES FINAIS 259

    REFERNCIAS 267

    ANEXOS 291

  • x

    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1 Evoluo do nmero de IES, segundo a categoria administrativa 86

    Tabela 2

    Quantitativo de IES por organizao acadmica e categoria administrativa em

    2009 87

    Tabela 3

    Distribuio dos docentes nas IES por organizao acadmica e categoria

    administrativa em 2009 88

    Tabela 4 Evoluo da graduao a distncia 89

    Tabela 5 Evoluo dos programas de ps-graduao 92

    Tabela 6 Instituies de Educao Superior de Portugal 124

    Tabela 7

    Estruturao do processo de acompanhamento da psicloga escolar em uma IES

    do DF 144

    Tabela 8

    Encontros relativos ao acompanhamento da prtica realizados com a psicloga

    escolar 145

    Tabela 9 Instituies de Educao Superior do Brasil com Servio de Psicologia 154

    Tabela 10 Instituies de Educao Superior do Distrito Federal com Servio de Psicologia 160

    Tabela 11 Caracterizao dos psiclogos escolares que atuam em IES do Distrito Federal 163

    Tabela 12

    Atividades realizadas pelos psiclogos escolares nos Servios de Psicologia do

    Distrito Federal 165

    Tabela 13

    Zona de sentido 1: Quem o psiclogo escolar? Consideraes sobre o perfil

    profissional 173

    Tabela 14

    Zona de sentido 2: O que e como fazer em Psicologia Escolar? Consideraes

    acerca das possibilidades de interveno 181

    Tabela 15

    Zona de sentido 3: Formao continuada como recurso auxiliar construo do

    perfil e da atuao em Psicologia Escolar 188

    Tabela 16

    Indicadores de perfil construdos a partir do acompanhamento da psicloga

    escolar em uma IES do DF 193

    Tabela 17

    Indicadores de atuao construdos a partir do acompanhamento da psicloga

    escolar em uma IES do DF 194

    Tabela 18 Instituies de Educao Superior de Portugal com Servio de Psicologia 197

    Tabela 19 Caracterizao dos psiclogos escolares que atuam em IES de Portugal 206

    Tabela 20

    Atividades realizadas pelos psiclogos escolares nos Servios de Psicologia de

    Portugal 210

  • xi

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1 Organizao da Educao Superior no Brasil 83

    Figura 2 Distribuio das IES segundo as regies brasileiras no ano de 2009 84

    Figura 3 Distribuio das IES no territrio brasileiro segundo as regies 85

    Figura 4 Distribuio do corpo docente segundo as regies brasileiras em 2009 87

    Figura 5 Evoluo das matrculas nos cursos superiores de tecnologia 90

    Figura 6 Dez maiores cursos de graduao por matrculas em 2009 90

    Figura 7 Organizao do Sistema Educativo de Portugal 122

    Figura 8 Distribuio das universidades pblicas em Portugal 124

    Figura 9 Distribuio das universidades privadas em Portugal 125

    Figura 10 Distribuio de vagas na Educao Superior de Portugal 126

    Figura 11

    Desenho metodolgico relativo investigao da atuao da Psicologia

    Escolar na Educao Superior 137

    Figura 12 Profissionais que integram os Servios de Psicologia do Brasil 155

    Figura 13 Pblico atendido pelos Servios de Psicologia do Brasil 156

    Figura 14

    Atividades desenvolvidas pelos psiclogos escolares nos Servios de

    Psicologia do Brasil 157

    Figura 15 Pblico atendido pelos Servios de Psicologia de Portugal 199

    Figura 16

    Atividades desenvolvidas pelos psiclogos escolares nos Servios de

    Psicologia de Portugal 201

    Figura 17

    Dimenses e eixos de interveno em Psicologia Escolar na Educao

    Superior 229

  • 12

    INTRODUO

    O tema de interesse que orienta o desenvolvimento deste estudo a atuao da Psicologia

    Escolar na Educao Superior, sendo que a escolha por esta temtica se d pela confluncia de

    fatores pessoais, profissionais, cientficos e acadmicos, conforme descritos nesta apresentao.

    Desde a concluso da graduao tenho trabalhado como psicloga escolar. Por quase cinco

    anos atuei em uma escola particular do Distrito Federal que oferece desde a educao infantil at o

    ensino mdio. Foi durante esta experincia profissional que tive a oportunidade de realizar o

    mestrado em Psicologia na Universidade de Braslia, no qual investiguei o papel do psiclogo

    escolar na relao entre a famlia e a escola, especificamente no mbito do ensino mdio. Seis

    meses aps a concluso do mestrado ingressei no doutorado, na mesma instituio, com o interesse

    inicial de dar continuidade s investigaes sobre a relao famlia-escola.

    Nos primeiros meses do curso tive contato com alguns relatos de experincia profissional,

    de consultoria e de pesquisa que indicavam a possibilidade de interveno e de investigao da

    Psicologia Escolar em outros contextos para alm do tradicional, ou seja, as escolas de educao

    infantil e ensino fundamental, especialmente. A partir das reflexes suscitadas por esses relatos e

    das discusses e consideraes que transcorreram nas orientaes acadmicas, mobilizei-me para a

    investigao da Psicologia Escolar em espaos diferenciados ao da escola, especificamente a

    Educao Superior e os contextos empresariais que esto investindo em aes de educao

    continuada. Em ambos os casos, motivava-me explorar a contribuio da Psicologia Escolar na

    mediao do desenvolvimento humano adulto e no processo de mudana dos profissionais, adultos,

    que trabalham nestes espaos.

    Neste mesmo momento em que eu considerava os desafios e perspectivas relativas a estas

    duas opes de pesquisa, surgiu a oportunidade de trabalhar como psicloga escolar em uma

    Instituio de Educao Superior privada do Distrito Federal, o que foi determinante para a escolha

    da Educao Superior como objeto de estudo no doutorado. A faculdade em questo estava no seu

    segundo ano de funcionamento e, assumindo seu compromisso com as estratgias

    institucionalmente definidas em relao promoo do processo de formao discente, decidiu

    implantar um servio de Psicologia Escolar. Assim, em setembro de 2008 comecei a trabalhar

    como psicloga escolar na Educao Superior. Em virtude da abertura e receptividade da

    instituio a novas propostas e da minha identificao pessoal e profissional com uma perspectiva

    mais ampla de atuao, tive oportunidade de desenvolver aes que considero diferentes daquelas

    que tradicionalmente caracterizam o trabalho da rea nesse contexto. Realizei atividades de

    desenvolvimento pessoal com os membros do corpo tcnico-administrativo, participei do

    planejamento e execuo do processo de autoavaliao institucional, coordenei e conduzi, junto

    com outros profissionais, um programa de formao continuada para os docentes, realizei oficinas

  • 13

    de orientao profissional com os discentes, entre outras. Em maio de 2009 licenciei-me da

    instituio para me dedicar exclusivamente ao doutorado.

    Tendo estabelecido a Educao Superior como campo de pesquisa, trs fatores, em

    especial, reforaram o interesse pelo tema: a pouca produo brasileira voltada s possveis

    contribuies especficas da Psicologia Escolar a este nvel educativo; o reconhecimento de que a

    vinculao da Psicologia Escolar com o processo de desenvolvimento humano est em estreita

    articulao com a responsabilidade da Educao Superior com a formao de cidados, a qual est

    para alm da formao tcnica; e a convico de que a Psicologia Escolar, ancorada em sua

    compromisso social, pode contribuir para a construo de uma sociedade mais igualitria, justa e

    humana.

    Definido o objeto de estudo deste trabalho - a atuao da Psicologia Escolar na Educao

    Superior - mergulhei em um processo de reviso da literatura, de estudo e de aprofundamento

    relacionado Psicologia Escolar e Educao Superior, bem como de definio dos procedimentos

    metodolgicos que poderiam subsidiar a investigao desse objeto. Durante este processo de estudo

    e organizao da pesquisa, surgiu a possibilidade de realizar o estgio de doutorado do exterior,

    comumente conhecido como Doutorado Sanduche, que representava uma oportunidade singular de

    ampliar a investigao para alm do contexto brasileiro e do Distrito Federal que era o foco inicial

    deste estudo. Alguns fatores viabilizaram a realizao do Doutorado Sanduche em Portugal,

    conforme detalhado a seguir.

    Desde 2007, a Universidade de Braslia (UnB) estabelece relaes de parceria e pesquisa

    em conjunto com o Centro de Investigao de Polticas do Ensino Superior de Portugal (CIPES),

    por intermdio do Laboratrio de Psicologia Escolar (PED) e do Programa de Ps-Graduao em

    Desenvolvimento Humano e Sade (PGPDS). No mbito do Acordo de Cooperao e Intercmbio

    acadmico, tcnico-cientfico e cultural (DOU n 206, de 23/10/2008), celebrado entre a UnB e o

    CIPES, estabeleceu-se um projeto de pesquisa com o objetivo de analisar comparativamente os

    principais indicadores da Educao Superior do Brasil e de Portugal. Outro objetivo da pesquisa ,

    tambm, o de verificar as influncias de tais indicadores em polticas educacionais e no

    desenvolvimento de competncias discentes. Alm de pesquisadores da UnB e do CIPES, integram

    tambm a pesquisa investigadores da Universidade do Minho/Braga (Portugal).

    Na Universidade de Braslia, o estudo coordenado pela Prof. Dr. Claisy Maria Marinho-

    Arajo e conta com a participao de pesquisadores ligados ao PGPDS, professores doutores,

    alunos de mestrado e de doutorado. No CIPES, a responsabilidade pela coordenao e

    desenvolvimento da pesquisa est a cargo do Prof. Dr. Alberto Amaral e do Prof. Dr. Pedro Nuno

    Teixeira e, na Universidade do Minho/Braga, a pesquisa est vinculada ao Instituto de Educao e

    Psicologia e coordenada pelo Prof. Dr. Leandro da Silva Almeida.

    Entre as metas de formao da pesquisa conjunta, previu-se contribuir com a formao e

    qualificao profissional dos pesquisadores envolvidos, por meio do aprofundamento e

  • 14

    aperfeioamento de professores e discentes dos Programas de Ps-Graduao das IES participantes.

    no mbito desta meta de formao que idealizou-se a realizao de estgio de doutorado no

    exterior em Portugal, sob a orientao do Professor Leandro Almeida.

    Alguns dos interesses de investigao do Professor Leandro, vinculados Educao

    Superior, referem-se a questes relacionadas democratizao deste nvel educativo, aos processos

    de transio e adaptao universidade e promoo do sucesso acadmico. Estudos que tem

    coordenado e participado versam sobre atitudes e estratgias de aprendizagem em estudantes do

    Ensino Superior; fatores de sucesso e insucesso escolar e desenvolvimento psicossocial; satisfao

    acadmica dos universitrios; adaptao dos alunos do primeiro ano; desenvolvimento e validao

    de escala de integrao social no Ensino Superior, entre outros.

    Alm de estar envolvido com a investigao e produo na interface Psicologia e Educao

    Superior, o Professor Leandro um pesquisador de referncia na histria da Psicologia Escolar

    brasileira e internacional. Entre os anos de 1991 e 1994 coordenou, juntamente com a Professora

    Raquel Guzzo, expoente da rea no Brasil e com projeo internacional, o projeto luso-brasileiro de

    pesquisa intitulado Estudo da situao da Psicologia Escolar nos pases de lngua Portuguesa e

    Espanhola que tinha a inteno de contribuir para o crescimento da rea e consolidao da

    profisso.

    Os resultados desta pesquisa culminaram com a publicao do livro Psicologia Escolar:

    padres e prticas em pases de lngua espanhola e portuguesa (Guzzo, Almeida & Wechsler,

    1993) do qual o Professor Leandro autor do captulo referente experincia portuguesa e um dos

    organizadores, juntamente com as professoras Raquel Guzzo e Solange Wechsler. O livro o

    primeiro de uma srie regular que, desde ento, vem sendo publicada pelo Grupo de Trabalho em

    Psicologia Escolar da ANPEPP (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em

    Psicologia). Essa uma das razes pelas quais o Professor Leandro Almeida um interlocutor

    singular na articulao entre a Psicologia Escolar e a Educao Superior, tendo o doutorado

    sanduche sido realizado sob sua orientao no 1 semestre de 2010. Sendo assim, este trabalho de

    tese foi realizado com base em dois estudos, um desenvolvido no Brasil e outro em Portugal, os

    quais no tm carter comparativo.

    No que diz respeito Psicologia Escolar almeja-se contribuir para a reflexo terico-

    conceitual e para produo de conhecimento que tenha o potencial de enriquecer e fomentar tanto a

    formao dos novos psiclogos quanto a melhor qualificao daqueles que j esto no mercado de

    trabalho. O envolvimento com a formao inicial e continuada de psiclogos escolares um

    compromisso que tem sido assumido pelos pesquisadores da rea nos ltimos 20 anos e que

    reafirmado neste trabalho.

    Pretende-se, tambm, auxiliar na consolidao da identidade do psiclogo escolar,

    especificamente daquele que atua na Educao Superior, por meio da identificao de recursos e

    competncias que so essenciais sua prtica e o distinguem de outros profissionais da educao.

  • 15

    A confuso de papis ou mesmo a indefinio so queixas comuns e fonte de angstia entre os

    psiclogos escolares. H que se assegurar, ento, o compromisso cientfico de apresentar

    indicaes que orientem a prtica em Psicologia Escolar, uma vez que a clareza acerca da natureza

    e especificidade das aes o que possibilita ao profissional desenvolver seu trabalho de forma

    segura e interdependente em relao s demais. Este , tambm, um dos compromissos deste

    trabalho.

    Pautando-se na compreenso de que a pesquisa cientfica e a prtica profissional so

    complementares, devendo uma subsidiar a outra, este trabalho pretende ter um carter

    eminentemente terico-prtico. Isto , espera-se, igualmente, contribuir para a construo do

    conhecimento e para a assessoria prtica profissional, j que, de um lado, a insero no contexto

    de pesquisa alimenta, por meio da anlise e interpretaes dos indicadores, o processo terico e,

    por outro, provoca nos participantes reflexes, revises e ressignificaes que so potencialmente

    transformadoras de suas aes. Pretende-se, ento, apoiar o aprimoramento profissional de pelo

    menos um psiclogo escolar que atua na Educao Superior, de forma a oportunizar-lhe

    transformaes na construo de sua identidade e na sua atuao por meio da atualizao da

    produo na rea e do incentivo a novas prticas profissionais.

    Ademais, inteno deste trabalho contribuir para dar visibilidade Educao Superior

    como campo legtimo de atuao e de pesquisa em Psicologia Escolar. Para que os profissionais da

    rea consigam se estabelecer neste novo cenrio de atuao, necessrio que se evidencie o apoio

    que podem trazer s IES de forma que estas possam reconhec-los como importantes colaboradores

    frente aos desafios contemporneos.

    , portanto, diante da associao destes fatores pessoais, profissionais e acadmicos que

    este trabalho tem como questo central a prtica da Psicologia Escolar em Instituies de Educao

    Superior, tanto em termos da configurao atual desta relao, quanto no que diz respeito a novas e

    diferentes possibilidades que possa adquirir. importante destacar que um forte interesse que tenho

    a de que o trabalho acadmico no se limite descrio do fenmeno em estudo, mas envolva,

    tambm, um processo de interveno sobre a prtica. Assim, para este doutorado, um dos objetivos

    traados foi o de acompanhar um profissional da rea, pois tenho certeza que um processo de

    assessoria prtica profissional do psiclogo escolar que atua na Educao Superior luz das

    produes e reflexes contemporneas, em muito ir contribuir para a transformao de

    concepes e das prticas em Psicologia Escolar.

    A tese est organizada em duas partes. A primeira delas, dedicada reviso de literatura,

    contempla os captulos que tratam da Psicologia Escolar e da Educao Superior. A segunda parte

    est centrada na pesquisa e composta por um captulo que traz os objetivos, outro que apresenta

    as orientaes terico-metodolgicas e, por ltimo, um captulo de resultados e discusso. Ao final

    tecem-se algumas consideraes acerca deste estudo e apresentam-se as referncias bibliogrficas e

    os anexos.

  • 16

    CAPTULO I

    ATUAO EM PSICOLOGIA ESCOLAR:

    TRANSFORMAES E PERSPECTIVAS

    Este captulo est organizado em duas partes. A primeira, recorrente nos estudos em

    Psicologia Escolar, detm-se trajetria histrica da rea, desde seu surgimento marcado por

    prticas psicomtricas e por objetivos adaptacionistas, passando pelo processo de reviso crtica

    pelo qual atravessou, at a sua constituio contempornea. Apesar do contedo destas primeiras

    sees j estarem contemplados em muitos estudos, considera-se pertinente retom-lo, pois a

    anlise e interpretao de dados conjunturais luz das influncias e determinaes histricas so

    fundamentais para a compreenso de um objeto de estudo. Em virtude do estgio inicial das

    pesquisas que exploram a relao entre a Educao Superior e a Psicologia Escolar, no possvel

    prescindir da recuperao histrica desta ltima, tendo em vista que pode favorecer a compreenso

    dos rumos que ela tomou. Na sequncia discuti-se acerca das principais diretrizes que vm

    orientando a atuao da Psicologia Escolar e contribuindo para a construo de aes

    comprometidas com a formao humana e cidad e na ltima seo dessa parte aborda-se, ainda, o

    desafio da formao dos psiclogos escolares de acordo com as diretrizes que vm orientando a

    atuao na rea.

    A segunda parte deste captulo est centrada nas prticas de interveno e apresenta, na

    primeira seo, um modelo de atuao em Psicologia Escolar com base em uma ampla concepo

    do que seja Educao e as possveis contribuies da cincia psicolgica s finalidades das prticas

    educativas. Ainda nesta seo, so contempladas as diversas aes que podem ser desenvolvidas

    pelos psiclogos escolares, no mbito deste modelo de atuao. Na seo seguinte, apresenta-se um

    panorama internacional da Psicologia Escolar, fazendo uma sntese de como est sendo

    compreendida e desenvolvida em outros pases. Encerrando o captulo, apresenta-se o estado da

    arte sobre a atuao da Psicologia Escolar no contexto da Educao Superior, tanto

    internacionalmente quanto no contexto brasileiro.

    ORIGEM E CONSOLIDAO DA PSICOLOGIA ESCOLAR

    O Advento da Psicologia Escolar no Mundo e no Brasil.

    Uma reviso ainda que breve sobre a histria da Psicologia Escolar no mundo aponta para

    o reconhecimento, nos mais diferentes pases, de vrias iniciativas que contriburam para o

    surgimento e consolidao da rea. Em relato histrico voltado compreenso da evoluo

    mundial da Psicologia Escolar, Oakland e Stenberg (1993) apontam que nos 50 anos que seguiram

    ao nascimento da Psicologia cientfica em 1879, na Alemanha, com Wundt e a criao do

    primeiro laboratrio de Psicologia houve um grande crescimento desta rea de conhecimento e

  • 17

    tambm da Psicologia Escolar, especialmente nos pases da Amrica do Norte e da Europa

    Ocidental.

    Segundo Correia e Campos (2004), os primeiros trabalhos nos quais se reconhece uma

    Psicologia preocupada com o processo educativo so os de Francis Galton, Alfred Binet e James

    Castell, na Inglaterra, na Frana e nos Estados Unidos, respectivamente. Em 1886, Galton criou em

    Londres o primeiro laboratrio de psicometria, dedicado ao estudo das diferenas individuais entre

    alunos a partir da mensurao de suas capacidades mentais. Tendo transitado pela biologia,

    estatstica, psicologia experimental e pelos testes psicolgicos, o principal objetivo de Francis

    Galton era medir a capacidade intelectual das pessoas buscando comprovar sua determinao

    hereditria (Patto, 1999). Galton acreditava que as aptides humanas eram herdadas, o que o levou

    a se preocupar com as diferenas individuais, assumidas por ele como sendo de origem biolgica, e

    com a identificao dos mais e menos aptos em virtude de tais diferenas.

    Por sua tentativa de estimar o nvel intelectual das pessoas, Galton pode ser considerado o

    precursor dos testes psicolgicos, apesar de ter sido somente em 1905, na Frana, com Binet e

    Simon, que se deu a construo da primeira escala mtrica de inteligncia infantil, voltada

    classificao das crianas de acordo com sua capacidade mental. O desenvolvimento dessa escala

    decorreu de preocupaes com o diagnstico e a educao de crianas que apresentavam

    dificuldades para aprender e se pautava na inteno de orientar programas especiais com objetivo

    de favorecer o crescimento e progresso dessas crianas.

    Em 1916, a escala Binet-Simon foi modificada nos Estados Unidos, o que favoreceu ainda

    mais a divulgao e aceitao do trabalho com testes psicolgicos. Tambm neste pas que se

    atribuiu a James Castell, aluno de Galton, a criao do termo testes mentais para designar os

    instrumentos de medida que possibilitam comparar as capacidades das pessoas em diferentes

    domnios (Correia & Campos, 2004).

    Na medida em que a psicometria ia ao encontro das necessidades de entender as diferenas

    existentes entre as pessoas e de explicar as dificuldades de algumas crianas para aprender, o uso

    de testes psicolgicos se difundiu e ganhou reconhecimento. Os testes passaram a ser largamente

    utilizados nas escolas para seleo e classificao dos alunos, respaldando a separao entre os

    bons e maus alunos, os aptos e no aptos, os capazes e incapazes, os normais e anormais. Tanto

    assim que Oakland e Stenberg (1993), em meno a dados de pesquisa sobre o trabalho da

    Psicologia no ano de 1948, dizem que na maioria dos pases, os psiclogos escolares eram

    responsveis pelo diagnstico de crianas excepcionais para identificar e tratar vrias dificuldades

    educacionais (p. 16).

    Diante do apresentado, constata-se que o surgimento da Psicologia Escolar,

    internacionalmente, esteve atrelado ao desenvolvimento e aplicao de testes psicolgicos voltados

    investigao das condies mentais ou intelectuais dos alunos como forma de identificar aqueles

    que apresentavam dificuldades especficas e, portanto, demandavam intervenes diferenciadas,

  • 18

    adaptaes. Conforme resumem Correia e Campos (2004), o grande sucesso da psicometria indica

    a perspectiva assumida pela Psicologia Escolar, desde o seu nascimento, da identificao com um

    modelo de aplicabilidade tcnica voltada para a classificao, seleo e adaptao dos indivduos

    (p. 140).

    Em sua articulao inicial com a Educao, a Psicologia, entre outras reas do

    conhecimento, contribuiu para camuflar as desigualdades sociais, historicamente construdas, sob o

    argumento de desigualdades pessoais, biologicamente determinadas (Patto, 1999). A produo da

    Psicologia no mundo ocidental esteve influenciada pelo controle ideolgico de uma classe

    dominante, tendo a Psicologia Escolar carregado esta influncia ao longo de seu desenvolvimento.

    No contexto brasileiro, os rumos tomados pela Psicologia Escolar seguiram aqueles que a

    caracterizaram mundialmente, ou seja, marcado pela psicometria. A presena da Psicologia Escolar

    no Brasil pode ser identificada desde os tempos coloniais, poca em que j haviam preocupaes

    com fenmenos psicolgicos que participam do processo educativo (Antunes, 2003, 2007, 2008;

    Correia & Campos, 2004; Cruces, 2003). Entretanto, neste perodo, s possvel fazer referncia a

    ideias psicolgicas, uma vez que ainda no eram desenvolvidas pesquisas e investigaes que

    expressassem preocupao com a produo de conhecimento cientfico.

    Apesar da existncia de tais ideias no perodo colonial, a aproximao inicial da Psicologia

    com a Educao, no Brasil, associada preocupao com o estudo de mtodos de ensino e

    processos envolvidos na aprendizagem e no desenvolvimento, no contexto das faculdades de

    Medicina e de Direito que se estabelecerem no pas aps a transferncia da corte portuguesa. Estas

    faculdades tinham a responsabilidade de formar os quadros administrativos do pas e foram nelas

    que se reuniram os primeiros cientistas brasileiros, principalmente mdicos, leitores da produo

    cientfica europeia.

    Neste perodo, a Medicina ocupou importante papel na sociedade brasileira, de forma que

    na segunda metade do sculo XIX o campo educacional emerge como campo conformado pelo

    discurso mdico, uma vez que os mdicos passam a definir regras para a organizao e

    funcionamento da educao escolar (Zucoloto, 2007, p. 138). Sobre a influncia da Medicina nas

    questes educacionais, Patto (1999) complementa dizendo que os primeiros especialistas a se

    ocuparem dos casos de dificuldade de aprendizagem escolar foram os mdicos que transferiram dos

    hospitais para as escolas o conceito de anormalidade vinculado aos loucos. As crianas que no

    acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser designadas como anormais

    escolares e as causas de seu fracasso so procuradas em alguma anormalidade orgnica (Patto,

    1999, p. 63).

    Um importante desdobramento da ao da Medicina sobre a Educao foi a gerao do

    fenmeno descrito como medicalizao da sociedade (Zucoloto, 2007), que se refere ao

    compromisso da Medicina e do Estado com a higienizao das cidades e das populaes em

    decorrncia do reconhecimento de que a ordem e o progresso sociais dependiam da construo de

  • 19

    conceitos, regras de higiene, normas de moral e prescrio de comportamentos aceitos socialmente.

    Em defesa da higiene mental escolar criaram-se redes de clnicas psicolgicas e de orientao

    infantil focadas em corrigir os desajustamentos das crianas. Estas clnicas serviam s escolas por

    meio do diagnstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem.

    Acerca da influncia mdica na compreenso dos fenmenos educativos, Collares e

    Moyss (1994) a descrevem muito apropriadamente indicando que a medicalizao uma tentativa

    de encontrar no campo mdico as causas e solues para problemas de origem eminentemente

    social e poltica. Transformavam-se, assim, questes no-mdicas em questes mdicas; centrava-

    se o processo sade-doena no indivduo, privilegiando a abordagem biolgica, o que, entre outros

    desdobramentos, fez com que o diagnstico da no-aprendizagem fosse atribudo ao sujeito

    individual - o aluno -, ou no mximo sua famlia.

    O que se denominou de modelo mdico de atuao em Psicologia Escolar, corresponde,

    ento, prtica psicolgica pautada em concepes deterministas e reducionistas que camuflam

    problemas sociais, historicamente construdos, atravs da atribuio de causas individuais. Em vez

    de uma compreenso multideterminada sobre os fenmenos humanos e as dificuldades de

    aprendizagem, o modelo mdico adotado pela Psicologia Escolar centrava-se em aspectos

    orgnicos individuais para explicar as diferenas entre as pessoas. Como bem lembra Patto (1999),

    hoje sabemos que desse expressivo movimento das dcadas de vinte e trinta restou a prtica de

    submeter a diagnsticos mdico-psicolgicos as crianas que no respondem s exigncias das

    escolas (p. 67).

    Dessa forma, as explicaes para as causas das dificuldades de aprendizagem e para o

    rendimento desigual entre os alunos tiveram como contribuio principal os instrumentos de

    avaliao das aptides. Muitos foram os profissionais da Psicologia que, a exemplo dos mdicos, se

    empenharam em desenvolver e aplicar instrumentos de medidas com a inteno de verificar o

    quanto uma pessoa era mais apta do que outra. Desconsiderando as influncias ambientais e

    relacionais que agem sobre o desenvolvimento humano, os testes psicolgicos ingressaram nas

    escolas e passaram, desde ento, a fazer parte de seu cotidiano. Conforme destacam Guzzo e

    Wechsler (1993), os servios psicolgicos brasileiros priorizavam a avaliao da prontido escolar,

    a organizao de classes especiais, o diagnstico e encaminhamento para servios especializados,

    contribuindo para que se constitusse uma atuao marcadamente remediativa com nuances do

    modelo mdico dentro da situao escolar (p. 43).

    Diante do exposto, evidencia-se que a entrada da Psicologia na Educao se deu mediante a

    preocupao com os problemas apresentados por alunos que demonstravam dificuldades para

    aprender e no se adequavam s expectativas das escolas. Estas ltimas, por sua vez, baseavam-se

    em um modelo ideal de aluno segundo o qual todas as crianas, submetidas a condies iguais de

    ensino, deveriam aprender da mesma forma e no mesmo ritmo. Com base nesse modelo, supunha-

    se que os alunos que tinham dificuldade para aprender no tinham as condies intelectuais

  • 20

    necessrias para tal aprendizado, uma vez que foram submetidos a um ensino padro, igualmente

    oferecido a todos. Estes alunos, portanto, apresentavam alguma deficincia que devia ser

    identificada e tratada. Abriram-se, assim, portas para a insero da Psicologia nas escolas, a qual se

    vinculou a objetivos de corrigir e adaptar escola o aluno portador de um problema de

    aprendizagem (Correia & Campos, 2004; Tanamachi, 2000). Para efetivar esta adaptao o

    psiclogo lanava mo, essencialmente, da avaliao psicolgica por meio de recursos

    psicomtricos, tida como funo do psiclogo. A esse respeito Campos e Juc (2003) afirmam que

    a adoo dos instrumentos psicolgicos de classificao no interior das instituies

    educativas se encontra, no nosso pas, na origem do que se conhece como a Psicologia

    Escolar e Educacional. Tais procedimentos refletiam a migrao, para o interior da escola,

    do modelo clnico de atuao e do seu instrumental. (p. 39)

    nesse contexto adaptacionista e de correo que se deu a emergncia da figura do

    psiclogo escolar, convocado escola para resolver dificuldades escolares e propor mtodos

    especiais de educao, tentando ajustar os alunos aos padres de normalidade aceitos socialmente.

    O modelo de atuao inicial da Psicologia Escolar, at o fim da dcada de 70, prezou pelo

    diagnstico e tratamento dos problemas de aprendizagem, encarando-os como fenmenos

    individuais, de origem orgnica. Por ser assim, a aplicao do modelo mdico de interveno na

    escola conduziu psicologizao do espao escolar, uma vez que atribua ao prprio aluno a culpa

    por suas dificuldades de aprendizagem e isentava outras instncias e profissionais das suas

    responsabilidades educativas (Campos & Juc, 2003; Neves, 2001; Neves & Almeida, 2003;

    Tanamachi, 2000; Yazlle, 1997).

    Ao focalizar a origem dos problemas escolares nos alunos, ou em suas famlias, como veio

    a ocorrer, e ao desconsiderar que os problemas de aprendizagem podem ser gerados pelo sistema de

    ensino, a Psicologia Escolar assumiu uma posio bastante reducionista acerca das diversas

    questes que participam da dinmica escolar. Ainda que se reconhea positivamente a preocupao

    com os alunos que, por alguma razo, no aprendiam, no se pode negar que esta preocupao

    estava pouco vinculada ao direito de todos educao e a uma aprendizagem promotora do

    desenvolvimento global e das potencialidades de cada um. Ao contrrio, o foco da atuao da

    Psicologia Escolar, nesta poca, estava em minimizar as dificuldades e deficincias dos alunos e

    adapt-los ao padro ideal desejado pelas instituies escolares. Em vez do respeito e da

    convivncia com a diferena e a diversidade, a preocupao estava direcionada para sua eliminao

    e para a homogeneizao do pblico escolar.

    O advento da Psicologia Escolar no Brasil, assim como no mundo, fundamentou-se em um

    modelo essencialmente psicomtrico e clnico que privilegiava o olhar sobre as caractersticas e

    limitaes dos indivduos e pouco se detinha sobre os condicionantes sociais e s relaes

    dialticas que participam do amplo e complexo processo educativo. Tendo se expandido com base

    em um modelo mdico de atuao, focado em questes individuais, a Psicologia Escolar se deparou

  • 21

    com a dificuldade de responder, coerentemente, s necessidades da Educao e de contribuir

    efetivamente para que esta cumprisse seu papel social e transformador.

    Diante do reconhecimento de que na qualidade de tcnico no interior da escola, aplicador

    de instrumentos de segmentao, o psiclogo escolar tinha poucos elementos para conhecer e

    analisar sistemicamente o contexto de trabalho no qual estava inserido, pesquisadores e

    profissionais da Psicologia Escolar passaram a critic-la e a buscar novas formas de intervir.

    Instalou-se, assim, um importante perodo de reflexes sobre a atuao em Psicologia Escolar, bem

    como sobre a formao, e de busca de alternativas diferenciadas de fazer Psicologia. Dada a

    relevncia dessas crticas trajetria da rea e sua contnua construo, a seo seguinte pretende

    evidenciar os principais aspectos que contriburam para a reviso e reformulao do modelo de

    atuao em Psicologia Escolar no Brasil.

    A Reviso Crtica em Psicologia Escolar e seus Desdobramentos.

    Conforme apresentado na seo anterior, a trajetria inicial da Psicologia Escolar foi

    essencialmente marcada pelo psicodiagnstico e pela avaliao psicolgica, atividades

    consideradas prprias dos psiclogos inseridos no contexto educacional e respaldadas por uma

    perspectiva individualizante. De posse do instrumental da psicometria, os profissionais da rea

    desenvolviam suas atividades buscando entender os problemas escolares e fornecer as orientaes

    bsicas que pudessem solucion-los. Tais atividades eram orientadas, sobretudo, por concepes

    que desconsideravam a influncia de uma diversidade de fatores sociais, econmicos,

    ideolgicos, polticos, institucionais, relacionais, entre outros , para alm dos atribudos ao prprio

    sujeito, ao aluno. Em decorrncia dessa viso acrtica acerca da complexidade que caracterstica

    da realidade educativa, as aes dos psiclogos escolares pouco contribuam para transformar o

    cotidiano das escolas.

    Ao final dos anos 70 e incio da dcada de 80, instalou-se no mundo e no Brasil um forte

    movimento de crtica a este modelo de atuao em Psicologia Escolar que tinha como argumento

    central o reducionismo e a desconsiderao dos fatores sociais e intraescolares na anlise dos

    problemas que transcorrem no espao educativo. No Brasil, o trabalho de Maria Helena Souza

    Patto (1981, 1984) considerado um marco histrico na trajetria da Psicologia Escolar por ter

    evidenciado que o fracasso escolar, termo adotado para designar as inmeras formas de no

    aprendizagem, em vez de ser um fenmeno exclusivamente relacionado a deficincias e limitaes

    do prprio aluno, era muito mais uma estratgia de manuteno da estrutura socioeconmica

    vigente. Diante dos estudos feitos pela autora, muitas reflexes e questionamentos incidiram sobre

    a atuao em Psicologia Escolar que at ento desconsiderava a influncia de um conjunto de

    fatores implicados nos problemas escolares.

    Na opinio de Tanamachi (2000), a atuao pouco crtica em Psicologia Escolar decorre de

    concepes que historicamente orientam o trabalho da rea, as quais camuflavam a verdadeira

  • 22

    realidade dos problemas educacionais por estarem ideologicamente comprometidas com o status

    quo cientfico da Psicologia, bem como da Educao (p. 79). Nessa direo, a reviso da atuao

    dos psiclogos escolares precisava passar pela compreenso da origem do pensamento psicolgico

    em sua relao com as demandas sociais oriundas do desenvolvimento do capitalismo e sua

    ideologia dominante, pois que a construo cientfica em Psicologia, bem como em diversas reas

    do conhecimento, no independente de motivos polticos e ideolgicos.

    Tendo em vista o entrelaamento entre a cincia e as contradies e incoerncias que fazem

    parte da sociedade, Malheiro e Nader (1987), na dcada de 80, insistiam que nenhum pensamento,

    ideia ou reflexo eram neutros, de forma que o conhecimento cientfico concretiza-se como

    prticas cientficas ligadas a uma prtica ideolgica determinada, no interior da qual os

    conhecimentos so produzidos, transmitidos, apropriados, sancionados e aplicados (p. 9). No caso

    da Psicologia, a direo que a produo cientfica e a interveno da rea tomaram atrelavam-se

    manuteno de uma estrutura socioeconmica segmentada e serviam para validar prticas de

    discriminao, excluso e dominao. Refletindo sobre as influncias ideolgicas no

    desenvolvimento da Psicologia, e da Psicologia Escolar especificamente, Meira (2000) ressalta que

    a tese da existncia de compromissos ideolgicos muito bem definidos pode ser claramente

    comprovada atravs da anlise histrica da produo terica em Psicologia, que indica uma

    tendncia hegemnica de desconsiderao, por vezes completa, das desigualdades sociais

    e, concomitantemente, uma acentuada preocupao com a construo de teorias e tcnicas

    dirigidas principalmente adaptao social dos indivduos. (p. 48)

    , ento, diante do reconhecimento de que os profissionais da Psicologia Escolar precisam

    ter clareza das influncias polticas e ideolgicas que agem sobre suas escolhas e prticas e da

    necessidade de se comprometerem com uma atuao efetivamente vinculada democratizao da

    Educao, que se instalou um movimento de crtica e de reviso acerca do trabalho desenvolvido

    pela rea. As necessidades de superao dos determinismos que caracterizaram a trajetria da

    Psicologia Escolar e de adoo de compreenses mais abrangentes acerca da Psicologia e da

    Educao so os principais pontos envolvidos nesse movimento. A Psicologia Escolar,

    representada por seus pesquisadores e profissionais, se envolveu, ento, em intensas reflexes e

    discusses acerca de ideias e prticas que ao longo do tempo foram se consolidando como

    caractersticas da rea sem, contudo, provocarem mudanas significativas frente aos dilemas e

    problemas escolares.

    Entre os aspectos que foram objeto de anlise nesse movimento incluem-se,

    essencialmente, a formao inicial e continuada em Psicologia Escolar e a atuao profissional no

    contexto educativo, conforme evidenciam pesquisas, estudos e relatos publicados nas ltimas

    dcadas (Almeida, 2003; Campos, 2007; Del Prette, 2001; Guzzo, 1999b; Machado & Proena,

    2004; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a; Marinho-Arajo, 2009b; Martnez, 2005b; Neves,

    Almeida, Chaperman & Batista, 2002; Tanamachi, Proena & Rocha, 2000; Wechsler, 1996). As

  • 23

    pesquisas desenvolvidas a partir das questes levantadas no movimento de reviso da formao e

    da atuao em Psicologia Escolar versavam sobre o fracasso escolar, a identidade profissional do

    psiclogo escolar, a escolarizao de crianas especiais, a formao e atuao profissional em uma

    perspectiva crtica, a avaliao psicolgica das dificuldades de aprendizagem, entre outros temas.

    Os resultados das pesquisas e anlises realizadas evidenciaram, entre outros aspectos, que

    existe um consenso de que cabe ao psiclogo escolar contribuir para melhorar a qualidade e

    eficincia do processo de ensino-aprendizagem como forma de promover, nos mais diferentes

    espaos educativos, o desenvolvimento dos sujeitos; mas no h, entretanto, uma unidade em

    relao s concepes sobre como intervir nesse processo e quais procedimentos e instrumentos

    utilizar (Correia & Campos, 2004). Dada a diversidade de concepes e teorias acerca do mundo,

    do homem e dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem, tm-se, igualmente, prticas

    bastante diversificadas que se propem a promover o desenvolvimento humano.

    Nessa direo, Almeida (1999) apontou que o redimensionamento das prticas em

    Psicologia Escolar deveria passar, obrigatoriamente, pela reviso e atualizao do campo terico-

    conceitual, pois, segundo ela, muitos psiclogos, por no terem clareza e lucidez suficientes sobre

    os determinantes filosficos-ideolgicos de determinadas teorias psicolgicas, adotam prticas de

    interveno educativas paradoxalmente contraditrias com o referencial terico que estes mesmos

    psiclogos dizem seguir (p. 63). O conhecimento, a anlise e a apropriao do psiclogo escolar

    em relao s teorias psicolgicas e as bases histrica, filosfica e epistemolgica que as

    sustentam, direcionam sua prtica, de maneira que esta ser mais adequada ao contexto educativo

    quanto maior for a clareza do profissional em relao a tais bases.

    Um importante ponto discutido no seio do movimento de crtica Psicologia Escolar ,

    portanto, o reducionismo presente em teorias psicolgicas que, baseando-se em uma concepo de

    homem naturalizada e fortemente biologizante, respaldavam o trabalho profissional.

    Desconsiderando a influncia do meio sobre o homem e a ao deste sobre o seu entorno, as teorias

    psicolgicas simplificavam o entendimento de como as pessoas se desenvolvem e contriburam

    para que fatores biolgicos e neurolgicos fossem vistos como determinantes na gnese das

    dificuldades escolares. O aprendizado e principalmente o seu oposto, a no aprendizagem, eram

    explicados por causas centradas no prprio sujeito aprendente em detrimento das prticas sociais e

    escolares que favorecem ou dificultam o sucesso escolar, levando as crianas com dificuldades a

    serem vistas como deficientes.

    Nessa direo, Meira (2000) ressalta que o processo de culpabilizao do aluno, pela via

    da patologizao dos problemas escolares, tem se fundamentado ao longo de nossa histria em

    variadas abordagens tericas que, por mais diferentes caminhos, expressam a mesma

    desconsiderao pelas mltiplas determinaes da Educao (p. 53). Conforme alerta esta autora,

    adotar o discurso do compromisso da Psicologia Escolar para com a transformao exige a

    vinculao a uma consistente base terica e filosfica que d conta de concretizar essa

  • 24

    transformao. Guzzo (1999a) acrescenta, ainda, que a nfase nesse modelo individualizante e

    patologizante de atuao influenciada pelo tipo de formao recebida pelos psiclogos, a qual

    desprivilegia reas de atuao institucionais e comunitrias e contribui para manter o foco nos

    sujeitos individuais sem, entretanto, responder satisfatoriamente s demandas do contexto escolar.

    Corroborando essa ideia, Conoley e Gutkin (1995) dizem que os programas de formao

    centram-se quase que totalmente nas habilidades prticas mais apropriadas para trabalhar

    individualmente com crianas e, portanto, exploram longamente a avaliao e os processos clnicos

    em detrimento da psicologia social, do desenvolvimento organizacional, das influncias sociais,

    entre outros tpicos. uma cincia com razes histricas em teoria da personalidade, avaliao,

    diagnstico, e tratamento de desordens mentais, fornecendo pouco ou nenhuma orientao para

    aqueles interessados em iniciar uma mudana organizacional (Conoley & Gutkin, 1995, p. 210).

    Observa-se que no se trata da Psicologia no ter um corpo slido de conhecimentos que possa

    subsidiar a atuao da Psicologia Escolar em uma perspectiva mais ampla e menos individualizada,

    mas, sim, do interesse principal da rea estar focado nos problemas dos indivduos em vez da

    interao com o contexto dinmico no qual as pessoas esto inseridas.

    A reviso crtica em Psicologia Escolar culminou, ento, com a ressignificao da atuao

    profissional e, necessariamente, da formao que a sustenta, as quais deveriam passar pela

    apropriao de referenciais terico-metodolgicos que valorizassem a influncia de mltiplos

    elementos na conformao dos problemas escolares; reconhecessem a dimenso histrica da

    realidade sobre a qual se intervm e o papel das interaes sociais; e privilegiassem aes coletivas

    que contem com a participao dos diferentes atores que fazem parte do espao educativo,

    assegurando a especificidade de cada um.

    Com o passar dos anos, sob o compromisso de redirecionar a trajetria da Psicologia

    Escolar no Brasil, reflexes, estudos e experincias profissionais foram subsidiando a reviso da

    rea de maneira a dar contorno a uma nova formao e atuao profissional, as quais buscavam no

    mais se coadunar descontextualizao e fragmentao do indivduo, naturalizao dos

    fenmenos do desenvolvimento humano, negao do carter histrico-cultural da subjetividade,

    tentativa de psicologizao no cenrio educacional (Arajo, 2003, p. 9). Os psiclogos escolares

    passaram a buscar uma atuao menos psicologizante, individualizada e focada na adaptao do

    aluno escola, pois reconheceram que tal prtica acabava por contribuir para a marginalizao e a

    excluso de uma parte dos alunos que no recebia as intervenes adequadas e necessrias ao seu

    desenvolvimento e aprendizagem.

    Dada a relevncia deste movimento de crtica na trajetria da Psicologia Escolar, uma vez

    que significou a ruptura com um modelo ineficaz, Patto (1999) o reconhece como sendo um

    marco nesta mudana importantssima de enfoque, aps tantos anos de predomnio em buscar as

    causas das dificuldades de aprendizagem escolar nas caractersticas psicossociais do aprendiz (p.

    152).

  • 25

    Com o objetivo de ilustrar o direcionamento que as experincias profissionais e pesquisas

    desenvolvidas pela Psicologia junto Educao tm tomado em decorrncia dessa reviso crtica

    em Psicologia Escolar, a prxima seo traz os principais aspectos que vm direcionando a atuao

    na rea e contribuindo para dar-lhe uma formatao diferente e inovadora em relao quela que

    historicamente se desenvolveu.

    Para Alm da Crtica, o Estabelecimento de uma Nova Psicologia Escolar.

    Na introduo do livro de sua autoria, Exerccios de Indignao, composto por textos que

    ilustram sua preocupao com os absurdos, paradoxos e injustias que permeiam a escola, Patto

    (2005) faz uma breve crtica s polticas educacionais propostas com o objetivo de melhorar a

    formao escolar e as intervenes da Psicologia na Educao. Sobre estas ltimas, apesar de dizer

    que impressiona a permanncia de teorias normatizadoras e de prticas classificadoras que zelam

    pela permanncia do status quo (pp. 11-12), reconhece que nem tudo foi desolao, pois

    mudanas reais e significativas se concretizaram na atuao da Psicologia nas escolas.

    Se, por um lado, existem psiclogos escolares mergulhados em ideias e prticas que

    reforam a classificao, normatizao e estigmatizao dos alunos, herana da atuao histrica da

    Psicologia Escolar, por outro, profissionais e pesquisadores tm investido em propostas e aes

    baseadas na compreenso histrica, social e relacional dos fenmenos escolares; em concepes

    no deterministas de desenvolvimento, de aprendizagem e de avaliao educacional; em opes

    coletivas e menos individualizadas de interveno.

    Em determinado momento foi indispensvel Psicologia Escolar se deparar com

    indicaes contundentes do que no lhe cabia e do que no era responsabilidade dos psiclogos

    escolares. Entretanto, o desafio que tem sido assumido, contemporaneamente, o de propor e

    experimentar novas possibilidades de interveno, ainda que estas estejam misturadas a prticas

    tradicionais, conforme aponta Cruces (2003) ao lembrar que convivem, lado a lado, modelos de

    atuaes e prticas extremamente crticas e inovadoras e atuaes permeadas pela viso curativa e

    individualizada (p. 27).

    A coexistncia de modelos tradicionais e inovadores indica, inicialmente, a necessidade de

    maior investimento em prol da transformao da Psicologia que se faz nas instituies educativas,

    mas representa, tambm, o resultado de um processo persistente de autocrtica, anlise,

    desconstruo, reviso e inovao, tanto individuais quanto coletivas. Em virtude da reformulao

    das estratgias dos cursos de formao e dos novos modelos de atuao que vm sendo

    desenvolvidos pelos psiclogos inseridos em espaos educativos, Maluf (2003) defende com

    veemncia a tese de que a Psicologia Escolar est entrando em uma nova fase, na qual se

    multiplicam aes afirmativas, que do respostas a vigorosas e pertinentes crticas formuladas

    sobretudo na dcada de 1980 (p. 137). preciso, entretanto, evidenciar essas aes, pois mais do

    que apontar os aspectos sobre os quais recaem as crticas atuao em Psicologia Escolar

  • 26

    essencial indicar aqueles que, mesmo de forma no homognea, esto em emergncia e trazem

    indicadores que so potencialmente orientadores para a consolidao dessa nova fase em Psicologia

    Escolar.

    Dada a relevncia dessas novas aes na trajetria da Psicologia Escolar e na sua

    consolidao como campo de atuao, de pesquisa e de produo de conhecimento (Martnez,

    2005, 2007, 2009, 2010; Arajo, 2003; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a), a presente seo

    indica as principais diretrizes que norteiam, atualmente, a atuao na rea. Partindo principalmente

    da reviso da literatura produzida na ltima dcada no Brasil, pretende-se evidenciar os aspectos

    mais relevantes que tm caracterizado um novo modelo de atuao, em consonncia com as

    discusses e reflexes atuais acerca do desenvolvimento da Psicologia Escolar.

    Conforme j apontado anteriormente, a constituio da Psicologia Escolar se deu em

    ateno s crianas que apresentavam dificuldade para aprender e por essa razo demandavam

    interveno que atenuasse ou corrigisse a referida dificuldade. Assim, a atuao inicial dos

    profissionais da Psicologia tinha por base aes de carter remediativo que buscavam minimizar

    um problema que j estava instalado, tanto que a ideia original do psiclogo na escola associou-se a

    de um profissional convocado para tratar de problemas (Maluf, 1994). Diante das crticas de que as

    prticas individualistas e psicologizantes, baseadas em procedimentos curativos, no atendiam

    adequadamente as necessidades das escolas, esforos foram feitos no sentido de conferir atuao

    da Psicologia Escolar um carter mais preventivo.

    Comumente, a noo de preveno relacionada ao de se antecipar a determinado

    fenmeno com o objetivo de evitar que ele ocorra; todavia, a perspectiva preventiva na atuao em

    Psicologia Escolar busca superar a viso de adaptao. Segundo Guzzo (2001, 2003), o

    desenvolvimento de prticas preventivas implica alterar a tica sob a qual o desenvolvimento das

    crianas, e do ser humano de forma geral, tem sido compreendido, ou seja, preciso modificar a

    nfase do fracasso para o sucesso, do distrbio, das dificuldades, das doenas e dos problemas para

    a sade, as competncias e a qualidade de vida. Trata-se, nesta perspectiva, de construir a sade

    em vez de contra-atacar a doena prevenir em vez de curar (Guzzo, 2003, p. 174).

    Sobre o entendimento da atuao preventiva, Marinho-Arajo e Almeida (2005a)

    esclarecem que o conceito de preveno no se refere ao ajustamento e adequao de situaes e

    comportamentos inadequados ou problemticos a padres aceitos socialmente. Diferentemente

    desse posicionamento de controle social exercido a partir da padronizao de comportamentos e

    atitudes, espera-se que o psiclogo escolar, em sua atuao preventiva, evidencie as contradies e

    incoerncias entre as prticas educativas e as demandas dos sujeitos que participam desse contexto

    oportunizando efetivos processos de conscientizao aos sujeitos envolvidos (Arajo, 2003).

    Priorizar a perspectiva preventiva no trabalho da Psicologia com a Educao implica

    desenvolver aes junto aos profissionais da instituio, contribuindo para a identificao dos

    elementos, pessoais e interpessoais, subjetivos, intersubjetivos e objetivos que contribuem ou

  • 27

    dificultam a consecuo de seus objetivos educacionais. A ao preventiva deve se redirecionar

    para a compreenso e interveno nas relaes interpessoais que permeiam a construo do

    conhecimento, sendo que, para tanto, preciso que o psiclogo escolar instrumentalize-se no

    sentido de estudar e entender as relaes interpessoais como sendo sua unidade de anlise, seu foco

    de ateno e de interveno (Almeida, 1999; Arajo, 2003; Arajo & Almeida, 2003; Del Prette &

    Del Prette, 1996; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a).

    Sendo o homem um ser indiscutivelmente social, sua trajetria de desenvolvimento

    resultado das interaes que estabelece ao longo da vida, tanto com o meio fsico quanto social.

    Assumir as relaes interpessoais como lcus privilegiado de interveno em Psicologia Escolar

    significa reconhecer o papel singular que elas tm no desenvolvimento das pessoas e na construo

    de suas prticas. Por assim ser, quando se est orientado pela perspectiva preventiva e relacional de

    atuao em Psicologia Escolar parte-se do pressuposto de que no existem causas individuais para

    os fenmenos escolares e da vida, muito ao contrrio, eles no so particulares, pois esto sempre

    imbricados em uma rede de relaes. Dessa forma,

    os caminhos para a interveno do psiclogo escolar devem, portanto, estar ancorados na

    compreenso de que as relaes sociais originam o processo interdependente de

    construes e apropriaes de significados e sentidos que acontece entre os indivduos,

    influenciando, recproca e/ou complementarmente, como cada sujeito constitui-se

    enquanto tal. Para intervir na complexidade intersubjetiva presente nessas relaes, o

    psiclogo deve fazer uma escolha deliberada e consciente por uma atuao preventiva

    sustentada por teorias psicolgicas cujo enfoque privilegie uma viso de homem e

    sociedade dialeticamente constitudos em suas relaes histricas e culturais. (Arajo,

    2003, p. 66)

    Priorizar um posicionamento de carter preventivo e relacional supe que se crie um

    espao de interlocuo com os atores escolares - professores, coordenadores, direo e outros -,

    tendo como foco os aspectos objetivos e subjetivos dos processos de desenvolvimento e de

    aprendizagem (Arajo, 2003; Arajo & Almeida, 2003). Valorizar e oportunizar, intencionalmente,

    espaos interativos entre os sujeitos escolares conduz circulao de opinies, valores, angstias,

    desejos, incmodos e expectativas que direcionam a prtica desses sujeitos e contribuem, ou no,

    para o sucesso do processo educativo. A interlocuo entre os diferentes atores uma estratgia

    que coloca em circulao os sentidos subjetivos por eles construdos, possibilitando-os reconhecer

    a relao existente entre a sua prtica e os elementos que a determinam. A tomada de conscincia

    dessa relao que traz, ento, a possibilidade de transformar intencionalmente suas aes.

    Adotar um modelo de atuao relacional no implica abandonar por completo modalidades

    de interveno que focalizem os sujeitos individuais, mas trata-se, sobretudo, de integrar a estas

    aes institucionais e coletivas direcionadas para a rede de relaes que a base dos processos

    pedaggicos e de gesto de uma instituio. Sob a precauo de no adotar um modelo mdico-

  • 28

    individualizante, um equvoco afirmar que o modelo de atuao preventivo e relacional abdica do

    olhar sobre os sujeitos individuais, pois destes que advm o material de trabalho do psiclogo

    escolar. Inserir a dimenso psicolgica no interior das prticas educativas pressupe articular

    questes de ordem dos sujeitos e das instituies, entrelaando o individual com o coletivo

    (Novaes, 2003, p. 132), sem abandonar o olhar e ateno ao sujeito individual. como se, a todo

    momento, o psiclogo escolar tivesse que fazer um movimento dialtico entre o que da ordem do

    individual e do coletivo, buscando entender como estas duas instncias se imbricam mutuamente e

    se reconstroem, ressignificando-se.

    Diante do que foi exposto at o momento, percebe-se que a partir do movimento de crtica

    atuao pautada em um modelo mdico e patologizante, a Psicologia Escolar direcionou-se para

    um modelo preventivo e relacional. Este, por sua vez, abandonou a nfase prioritria sobre o sujeito

    individual e deslocou sua ateno para a complexa rede de relaes pessoais e institucionais que

    sustenta a dinmica escolar. Essa mudana de perspectiva - do individual para o social, do

    particular para o coletivo, do micro para o macro - contribuiu para que se evidenciasse uma atuao

    de carter muito mais institucional. Dessa maneira, da imagem clssica do profissional dos testes

    tem-se hoje o psiclogo interagindo e observando naturalmente os alunos, planejando aes com

    professores e pais, dinamizando as relaes interpessoais na escola e na comunidade (Guzzo,

    Almeida & Wechsler, 1993, p. 7).

    Os caminhos estabelecidos para uma interveno institucional em Psicologia Escolar,

    portanto preventiva e relacional, ancoram-se fundamentalmente em aes direcionadas

    conscientizao dos sujeitos escolares, de forma a favorecer nesses sujeitos uma lucidez acerca do

    seu papel profissional, funes e responsabilidades que os levem a assumir aquilo que lhes compete

    no mbito das relaes que se estabelecem no cotidiano escolar. Tomar conscincia, entretanto, no

    um processo individual e a parte do contexto no qual o sujeito est inserido; muito pelo contrrio,

    um processo que transcorre na interao dos sujeitos entre si e destes com o ambiente do qual

    fazem parte. Desta forma, para promover uma interveno institucional relacional preciso que o

    psiclogo escolar investigue e analise a instituio escolar como um todo, contribuindo para que as

    rupturas e reformulaes levem, em ltima instncia, a um redirecionamento das prticas dos

    profissionais (Marinho-Arajo & Almeida, 2005a).

    Para proceder a uma anlise e interveno nas relaes preciso oportunizar situaes nas

    quais os sujeitos conversem entre si, troquem ideias, evidenciem as contradies, defendam seu

    ponto de vista, critiquem escolhas, denunciem prticas incoerentes, expressem seus desejos, enfim,

    preciso criar oportunidades para a circulao das vozes ou dos discursos que permeiam o

    contexto educativo. importante salientar que a circulao dessas ideias no se d naturalmente,

    como se fosse uma consequncia automtica da adoo do modelo institucional-relacional em

    Psicologia Escolar. Ao contrrio, colocar ideias, princpios, valores, desejos e incmodos em

  • 29

    movimento em um contexto institucional, exige que se crie, intencionalmente, espaos que

    favoream tal movimento.

    Constituir espaos oportunos circulao do discurso exige, por sua vez, que o psiclogo

    escolar desenvolva uma competncia que prpria da especificidade do suporte psicolgico na

    educao: a atitude de escuta clnica (Almeida, 1999; Arajo, 2003; Arajo & Almeida, 2003;

    Marinho-Arajo & Almeida, 2005a). medida que o discurso posto em circulao, compete ao

    psiclogo escolar ouvi-lo e fazer uma leitura crtica e reflexiva do discurso institucional e do

    sofrimento psquico dos sujeitos.

    Kupfer (2004) esclarece que a circulao dos discursos oportuniza a oxigenao das ideias

    e traz a possibilidade de transformao. Se, por um lado, o discurso tende a reproduzir repeties e

    cristalizaes como tentativa de evitar a mudana, por outro, existem manifestaes, expressas em

    falas de sujeitos, que evidenciam tentativas de mudar o que est cristalizado. Ainda que existam

    padres, rotinas e prticas j institudos, s vezes emergem vozes que evidenciam a inadequao do

    que est posto e a necessidade de mudana; o psiclogo escolar deve estar atento ao que se repete

    mas, acima de tudo, ao que est emergindo como novo. exatamente como auxiliar de produo

    de tais emergncias que um psiclogo pode encontrar seu lugar (Kupfer, 2004, p. 59). Diante

    dessas vozes que emergem, cabe ao psiclogo escolar estar em posio de escuta clnica das vozes

    institucionais, o que lhe possibilitar entender e analisar criticamente os aspectos objetivos e

    subjetivos que participam da dinmica escolar.

    Importante ressaltar que escuta clnica no utilizado como sinnimo de atuao clnica,

    quela que caracterizou o trabalho inicial em Psicologia Escolar. Defender a escuta clnica

    psicolgica no significa defender a aplicao do modelo clnico-teraputico na Educao, mas

    lanar mo de uma competncia especfica do saber psicolgico que se ancora sob uma formao

    terica adequada por parte do psiclogo escolar e a uma forma tica de agir e de pensar. Conforme

    destaca Almeida (1999), o psiclogo renunciou no somente ao modelo clnico, mas tambm

    atitude clnica e sensibilidade da escuta (p. 66), que devem ser prprias da atuao psicolgica

    na escola. A autora complementa dizendo que mesmo que se privilegie uma ao preventiva em

    Psicologia Escolar no se pode, a priori e preconceituosamente, rejeitar os ensinamentos e a

    experincia acumulada do modelo clnico (p. 68) negando toda uma construo cientfica que d

    sustentao ao trabalho psicolgico.

    A escuta clnica psicolgica em um contexto institucional de natureza ativa e tem como

    marca a intencionalidade da transformao, por acreditar que o encontro de sujeitos subjetivamente

    implicados e envolvidos com aquele contexto produz novos sentidos, instaura uma rede

    diferenciada de interaes e muda os rumos das aes pessoais e institucionais. A nfase da escuta

    clnica est, portanto, na sensibilidade aos discursos institucionais, os quais expressam fenmenos

    subjetivos e intersubjetivos que so constituintes do modo singular como cada contexto educativo e

  • 30

    os sujeitos ali inseridos assumem suas responsabilidades, conduzem suas aes e se envolvem com

    os processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano.

    Diante do que foi apresentado at o momento, fica explcito que o afastamento em relao

    postura adaptativa e corretiva fez com que a Psicologia Escolar buscasse uma atuao de carter

    preventivo e relacional que se sustenta muito mais em parmetros de sucesso do que de fracasso.

    Ao contrrio da cultura do fracasso que tende a responsabilizar e culpar o prprio aluno pelas

    dificuldades que vivencia, acentuando suas limitaes e deficincias, a cultura do sucesso escolar

    privilegia as potencialidades e possibilidades em vez dos problemas e dificuldades, focaliza

    as diferentes alternativas individuais e coletivas de superao das adversidades, valoriza as

    diferenas, a heterogeneidade e a diversidade de formas de aprender, pensar e estar no

    mundo. Nesse sentido, a Psicologia Escolar tem buscado consolidar uma atuao que se

    baseia em crescimento e sucessos dos atores escolares em contraponto nfase em

    problemas e dificuldades. (Oliveira & Marinho-Arajo, 2009, pp. 658-659)

    importante destacar que a orientao para o sucesso escolar est estreitamente vinculada

    responsabilidade e ao compromisso da Psicologia Escolar com a promoo do desenvolvimento,

    seja ele individual, coletivo ou institucional. A esse respeito, Guzzo (1996, 2001) pontua que a

    atuao essencialmente preventiva em Psicologia Escolar, comprometida com a potencialidade da

    educao no que compete a formao das pessoas - de cidados - traz em si a adoo de uma

    abordagem terica do desenvolvimento humano. Dessa maneira, a interveno institucional,

    preventiva e relacional, proposta contemporaneamente pela Psicologia Escolar, est direcionada

    para reformulaes pessoais e institucionais que oportunizem, aos atores envolvidos,

    transformaes e saltos qualitativos em seu desenvolvimento.

    Em sntese, a finalidade das intervenes psicolgicas no interior de uma instituio

    educativa , sobretudo, a de promover o desenvolvimento e as potencialidades dos sujeitos em

    relao, sendo que para alcanar essa finalidade o psiclogo escolar precisa considerar tanto as

    questes individuais quanto as coletivas e institucionais. Para tanto, necessrio criar um espao de

    interlocuo e de escuta que se detenha aos discursos que circulam naquele contexto especfico e

    lhe conferem especificidades bastante particulares.

    Com apoio nesta perspectiva institucional e relacional de atuao em Psicologia Escolar, o

    procedimento do Mapeamento Institucional surge como um recurso capaz de apreender as

    particularidades de cada contexto e orientar as intervenes a serem desencadeadas. O

    Mapeamento Institucional, conforme proposto por Arajo (2003), Arajo e Almeida (2003) e

    Marinho-Arajo e Almeida (2005a), um exemplo de estratgia que favorece o conhecimento da

    instituio, sua misso, filosofia, princpios e concepes orientadoras, tanto em termos das

    convergncias e coerncias quanto de contradies e incoerncias. Constitui-se como uma etapa

    inicial para as intervenes em Psicologia Escolar, dado que ir fornecer os subsdios necessrios

    para a compreenso do cotidiano da instituio.

  • 31

    Referindo-se histria das instituies educativas e as diferentes maneiras de investig-las,

    Sanfelice (2007) diz que em seu interior existe um quebra-cabea a ser decifrado, de forma que,

    uma vez dentro delas, deve-se tentar descobrir o lugar de cada pea e o seu papel no conjunto.

    Uma instituio escolar ou educativa a sntese de mltiplas determinaes, de variadssimas

    instncias (poltica, econmica, cultural, religiosa, da educao geral, moral, ideolgica etc) que

    agem e interagem entre si, acomodando-se dialeticamente de maneira tal que da resulte sua

    identidade (p. 77). Assume-se, portanto, que imprescindvel que o psiclogo escolar invista em

    conhecer pormenorizadamente o contexto no qual est inserido, haja vista que este conhecimento

    lhe trar informaes acerca das ideias, caractersticas e dinmica prprias dessa instituio.

    O Mapeamento Institucional, como um procedimento que promove acesso e aproximao a

    esse contexto, deve estar direcionado para a anlise das influncias ideolgicas e filosficas

    presentes na instituio; dos papis, direitos, deveres e responsabilidades dos sujeitos e da

    instituio; das concepes dos profissionais que so subjacentes s suas prticas educativas e as

    orientam; da estrutura e dinmica do trabalho pedaggico em termos de organizao temporal e

    espacial; da dinmica de gesto escolar expressa e a organizao das relaes funcionais entre os

    diferentes grupos; dos Parmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais, especialmente quanto

    concepo de aprender e ensinar (Arajo, 2003; Marinho-Arajo & Almeida, 2005a).

    Segundo Martnez (2007, 2009), um ponto especial do Mapeamento Institucional permitir

    que o psiclogo escolar tenha contato com a subjetividade social da instituio, aquela que

    expressa as concepes, sentidos, crenas e valores que caracterizam a escola como espao social,

    guardando uma articulada inter-relao com as subjetividades individuais dos indivduos que

    constituem esse espao social (Martnez, 2007, p. 106). Voltar a ateno para a subjetividade

    social da instituio implica entender como se d, neste contexto especfico, a integrao das

    configuraes individuais e grupais e como estas se expressam no cotidiano escolar em termos de

    prticas, escolhas, organizao e estrutura. Em consonncia com a perspectiva institucional e

    relacional em Psicologia Escolar, que reconhece a importncia das interaes na construo das

    prticas sociais e profissionais, realizar um Mapeamento Institucional como forma de acessar a

    subjetividade social da instituio significa valorizar que esta se constitui a partir de um

    entrelaamento dialtico entre o individual e o social, o particular e o coletivo.

    Ao ingressar num contexto educativo a primeira ao do psiclogo escolar deve ser,

    portanto, a de reunir informaes que lhe possibilite conhecer esse contexto, realizar uma anlise e

    diagnstico das suas especificidades e, assim, traar um plano interventivo. Sobre os possveis

    instrumentos e procedimentos a serem adotados para realizao do Mapeamento Institucional,

    Correia e Campos (2004) sugerem

    desde conversas informais, entrevistas semidirigidas, at observaes em ptios, corredores

    e salas de aula.... Enfim, nas situaes que possibilitem o levantamento de informaes a

  • 32

    respeito das relaes e da influncia destas na dinmica das salas de aula e da escola

    como um todo. (p. 166)

    Sendo assim, o Mapeamento Institucional pode se realizar por meio: (a) da anlise dos

    documentos institucionais (proposta pedaggica, regimento interno, organograma e outros

    documentos escolares), os quais sero objeto de leitura e anlise crtica; (b) da insero em prticas

    institucionalizadas, como reunies, projetos e eventos oficiais; (c) da observao da rotina

    institucional e das relaes que ali se estabelecem; e (d) do dilogo, ou entrevistas, com os atores

    escolares (Arajo, 2003; Correia & Campos, 2004; Marinho-Arajo, 2009a). A partir do exame,

    reflexo e integrao das informaes construdas nesse mapeamento, o profissional pode,

    finalmente, delimitar sua interveno, a qual ir refletir a singularidade da instituio.

    Cumpre destacar que o Mapeamento Institucional um processo regular que

    continuamente ir subsidiar a interveno do psiclogo escolar. Apesar de ter funo primordial no

    desencadeamento das aes iniciais, a sua constante atualizao que permitir que o trabalho

    desenvolvido esteja sempre em consonncia com as necessidades institucionais, as quais so

    dinmicas e esto em permanente transformao. Ademais, dada a adoo de um modelo relacional

    de interveno, certo que a realizao do Mapeamento Institucional no se constitui, apenas, em

    um procedimento de coleta de informaes; ele , tambm, um instrumento de interveno, j que

    movimenta as ideias e as relaes institucionais e gera modificaes no contexto.

    Conforme apresentado nesta seo, as principais diretrizes que vm orientando a atuao

    em Psicologia Escolar podem ser assim resumidas: a adoo de uma abordagem preventiva; a

    anlise e interveno direcionadas para as relaes interpessoais; a promoo, intencional, de

    espaos de interlocuo entre os diferentes atores e o desenvolvimento de uma escuta clnica

    psicolgica direcionada para os aspectos intersubjetivos; a interveno institucional voltada para

    conscientizao dos papis e responsabilidades dos sujeitos; a vinculao perspectiva do sucesso

    escolar, promoo do desenvolvimento e das potencialidades dos sujeitos. As diretrizes aqui

    apresentadas configuram-se como referncias orientadoras do trabalho a ser realizado pelos

    psiclogos escolares, de maneira a dar-lhes uma conformao condizente com as crticas que foram

    postuladas atuao inicialmente desenvolvida.

    importante ressaltar que apesar de acreditar que estas diretrizes sintetizam o que

    atualmente entende-se ser pertinente atuao em Psicologia Escolar, certo que outras diretrizes

    e abordagens que no foram aqui exploradas tambm podem orientar a atuao da rea, renovando-

    a e oxigenando-a. A elucidao de diretrizes orientadoras da ao em Psicologia Escolar constitui-

    se uma tentativa de evidenciar caminhos de interveno para a rea, mas no tem a pretenso de

    esgotar as inmeras possibilidades de atuao que podem, e devem, se constituir ao longo da

    prtica profissional.

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    O Perfil Profissional do Psiclogo Escolar e os Desafios Formao.

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    interface Psicologia-Educao. Inicial