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Histria do ensino de Arte no Brasil 1
A BELA POCA: MEIO PASSO ENTRE O BELO E O PERVERSO
TEMA: ARGUMENTOS NO ENSINO DE ARTE, DURANTE A BELLE EPOQUE.
REA: ARTE
Andrea Penteado
Faculdade de Educao da UFRJ
Palavras chave: Ensino de Arte, Historia do Currculo, Polticas Educacionais
Ghiraldelli (2006, cap. 3) analisa a conjuntura scio-econmica do Brasil no perodo
da Belle poque a expanso cafeeira, o fim do regime escravocrata e incio do trabalho
assalariado, o incremento da urbanizao, e a divulgao de idias democrticas e aponta
duas tendncias de pensamento educacional que vo se alternar: o movimento do entusiasmo
pela educao, preocupado com a abertura de escolas, e o otimismo pedaggico, centrado
em metodologias e contedos.
Em meio ebulio intelectual, sob o impacto da ascenso dos Estados Unidos, uma
nova gerao de pensadores, Ansio Teixeira, Fernando de Azevedo, Loureno Filho,
Francisco Campos, Sampaio Dria e Carneiro Leo, sero influenciados, de diferentes modos,
por Dewey e pelos princpios da escola nova (ibid.,p. 34-35). Essa gerao combate o ensinotradicional ministrado no pas ora sob influncia do pensamento herbartiano, ora sob
influncia das propostas educacionais oriundas do ensino religioso e doRatio Studiorum, guia
pedaggico da Companhia de Jesus.
O movimento da escola nova trouxe para a discusso brasileira a premissa de centrar a
ao pedaggica no aluno. O enfoque dado nessa proposta de carter declaradamente
1Publicado em meio digital no XVII Congresso da Federao de Arte-Educadores do Brasil, para
circulao entre os congressistas, em meio digital. Florianpolis, 2007.
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psicobiolgico (Pioneiros da Educao Nova, 2006), devendo-se respeitar o aluno e seu
amadurecimento psicolgico. Porm, em aparente contradio, o manifesto dos Pioneiros (op.
cit., 2006) prope um programa curricularnacional, j que reclamam que o Estado assuma as
diretrizes e bases da educao.
Para o plano nacional da educao, os pioneiros sugerem que a mesma seja pensada a
partir das caractersticas regionais do pas. Por um lado, defende-se a necessidade de que o
Estado assuma um papel regulamentador, combatendo o forte elitismo que havia na educao
brasileira; por outro se luta para que essa regulamentao no torne o ensino homogneo e
abstrato a ponto de que sua prtica metodolgica possa perder a ligao com situaes
concretas e locais com as quais a criana deve conviver em seu aprendizado.
Porm, no devemos supor, em funo do impacto que a pedagogia pragmatista teve
no Brasil, que os grupos e argumentos que contestavam a educao tradicional fossem
homogneos. Ghiraldelli (op. cit., p. 53-71) aponta quatro iderios pedaggicos que
dialogavam e disputavam espao naquele momento: os iderios liberal, catlico, integralista e
comunista.
Na definio do autor, a doutrina do liberalismo tem um carter econmico e poltico,
calada na idia de liberdade individual (ibid., p. 53) que lhe confere caractersticas
especficas. Em primeiro, os liberais defendem a relao entre educao e crescimento
econmico que estabelece a possibilidade de ascenso social atravs da educao e a crenaem se estruturar uma rede de ensino que garanta iguais condies de aprendizagem a todos.
Em segundo, fundamentados em Durkheim, prevem para a escola o papel da orientao
vocacional e profissional, j que, se a escola auxiliar o sujeito a descobrir sua funo social,
estar ajudando na construo da sociedade. Em terceiro, para gerar iguais oportunidades em
um mundo democrtico, a escola deve cumprir uma dimenso de carter assistencial. Tais
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princpios ganharam alcance em pensadores como Ansio Teixeira, Fernando Azevedo e
Loureno Filho.
Contra o liberalismo, que supunha o ensino laico, a Igreja Catlica se manifesta em
defesa do ensino religioso (Ghiraldelli, op. cit., p. 58-64). Educadores catlicos - entre eles
Everardo Backheuser, Alceu Amoroso Lima, Leonardo Van Acker e Alexandre Correia
afastam-se do tradicionalismo proposto pelo modelo do Ratio Studiorum e adotam parte dos
princpios da nova escola, reinterpretados pela doutrina de So Toms de Aquino. Apoiando-
se em Aristteles, o neotomismo coloca o princpio da razo e da vontade humana como base
para a construo do conhecimento, garantindo, em alguma medida, a participao ativa do
aluno, mas considera que a razo parte do sujeito integral e est subordinada ao esprito, de
modo que no se pode simplesmente descartar o ensino religioso.
Os intelectuais ligados Ao Integralista Brasileira baseavam-se na formao e
fortalecimento de uma identidade nacional de carter conservador, aliando-se, na medida do
possvel, ao iderio catlico. O Integralismo suprime a diferena de classes pela equiparao
dos sujeitos produtivos condio de trabalhadores diferenciados entre trabalhadores da
inteligncia, do brao e do capital, adquirindo, ou no, acesso a nveis mais altos de
escolaridade por meio exclusivo de suas prprias capacidades e desempenho. O movimento
recebe o apoio de Dom Helder Cmara(ibid.,p. 68).
A discusso sobre educao no iderio comunista tinha como principal crtica aosdemais discursos a sua despolitizao. Nessa viso, a escola nova, ao propor uma escola que
sirva igualmente sociedade, coloca-se acima das classes sociais, negando-as e tornando-se
alienada.
Esses discursos oficializam-se na Constituio de 34, marcadamente liberal, como
vemos no seguinte trecho de Ghiraldelli (op. cit.,p. 73):
A educao nacional deveria ser democrtica, humana e geral, leiga egratuita. Por democrtica o documento entendeu a educao destinada a oferecer a
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todos os brasileiros as mesmas oportunidades de ordem educacional limitadas to-somente pelas suas diferentes capacidades. Por humana, entendeu a educaodestinada formao do homem e do cidado. E a educao deveria ser geral, leiga egratuita para que no houvesse possibilidade de restrio ou diversificao entreeducandos de ordem social, doutrinria, religiosa ou econmica.
Como se situava o ensino da arte nesse contexto de educao brasileira? A tradio do
ensino artstico oficial, no Brasil, era de nvel superior, com sua origem na Academia de Belas
Artes, criada a partir do modelo tradicional neoclssico de vis bonapartista. Ana Mae (2005,
p. 18) sugere que se formou, a, um preconceito contra o ensino de arte, referenciado na
herana da cultura da Academia:
Com a repblica foi reiterado o preconceito contra o ensino de arte,simbolizado pela Academia de Belas Artes, pois essa estivera a servio do adorno doReinado e do Imprio, e com o dirigismo caracterstico do esprito neoclssico de queestava impregnada, servira conservao do poder.
E, em outro texto, refora (BARBOSA, 2007):
De 1937 a 1945 o estado poltico ditatorial implantado no Brasil, afastandodas cpulas diretivas educadores de ao renovadora, entravou o desenvolvimento daarte-educao e solidificou alguns procedimentos, como o desenho geomtrico na escolasecundria e na escola primria, o desenho pedaggico e a cpia de estampas usadas para
as aulas de composio em lngua portuguesa.
Considero a observao pertinente, todavia, questiono se houve preconceito contra o
ensino de arte ou um entrave no desenvolvimento da arte-educao no pas. Observo que a
arte sempre teve um espao na educao brasileira, ainda que possamos questionar seus
pressupostos. Como vemos no texto da Constituio de 1934, Captulo II, artigo 148
(BRASIL, 2007):
Art 148 - Cabe Unio, aos Estados e aos Municpios favorecer e animar odesenvolvimento das cincias, das artes, das letras e da cultura em geral,
proteger os objetos de interesse histrico e o patrimnio artstico do Pas, bemcomo prestar assistncia ao trabalhador intelectual (grifo nosso).
Sabemos que houve, no ensino de arte, um intenso trabalho com desenho. O domnio
da forma atravs do desenho representativo est em acordo tanto com a tradio herdada daAcademia, quanto com a perspectiva conservadora do pensamento racionalista do liberalismo
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emergente. Portanto, ao olhar o contexto social, sugiro a premissa de que, enquanto se travava
um intenso debate entre diferentes discursos polticos no pas, vigorava na prtica educativa
um ensino artstico sustentado pela manuteno de velhas formas sociais. Ou seja, o estudo do
desenho e da aquisio de modos neoclssicos de representao. E Isso no foi um
preconceito, mas uma escolha.
Percebe-se uma quase coexistncia de tendncias conservadoras e modernistas nas
artes, sob a tutela de polticos liberais, que podemos observar no hbito do mecenato.
Vejamos esse trecho citado por Aracy Amaral (1972, p. 91):
Oswald de Andrade, referindo-se certa vez s reunies avinhadas da VillaKirial, definiu-as como uma mistura que definia bem a poca. Homens do futuro,homens do passado, polticos, intelectuais, e pseudo-intelectuais, estrangeiros, nativos,artistas, bolsistas da Europa, toda uma fauna sem bssola em torno da gota anfitri dosenador poeta. Desde o ftil autmato da diplomacia do sculo XIX, Sousa Dantas, atuma promissria de gnio, o pianista Sousa Lima. 2
H uma miscelnea de vieses polticos, educacionais, culturais que dizem respeito
prpria identidade artstica e ao papel da arte em nossa sociedade e que esto se estabelecendo
em uma espcie de caminho do meio que engloba, como em outras sociedades complexas,
paradoxos internos.
No mercado profissional de arte h um posicionamento politizado do artista jovem em
relao a seu passado recente, discutindo a conceituao da arte e seu papel social, e uma
ruptura perceptvel entre essa atitude engajada e a antiga atitude de artistas do Imprio que
produziram muita arte descritiva e decorativa. A arte para os jovens intelectuais entendida
em seu papel de perverso da cultura instituda. Diversos movimentos como o dadasmo, o
expressionismo, o abstracionismo, e o modernismo brasileiro discutiro frontalmente a ordem
estabelecida e a cultura como produto.
Esses intelectuais questionadores no foram afastados das cpulas diretivas, porm, ao
longo do embate, nem sempre tiveram discursos vitoriosos. Exemplo disso se deu no
2Aracy Amaral refere-se a trecho do texto de Oswald de Andrade, Dilogo das vozes segalianas,
editado na Revista Acadmica, n. 64, ano X, Rio de Janeiro, jun. 1944.
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Ministrio da Educao e Sade, que entre 34 e 45 esteve ocupado pelo ministro Gustavo
Capanema que tinha por chefe-de-gabinete Carlos Drummond de Andrade. Schwartzman
(SCHWARTZMAN et. al., 2007) aponta para o fato do ministro ter um posicionamento de
tendncia conservadora que limitou as possibilidades de uma poltica cultural mais arrojada
que teria sido o desejo de seu chefe-de-gabinete:
No h nada que revele, nos documentos e escritos do ministro, que ele seidentificasse com os objetivos mais profundos do movimento modernista, que, naperspectiva de Mrio de Andrade, buscava uma retomada das razes da nacionalidadebrasileira, que permitisse uma superao dos artificialismos e formalismos da culturaerudita superficial e empostada.
Politicamente, a inteno era de que o ensino da arte servisse para fins de construo
de uma identidade nacional, atendendo s demandas liberais. Da sua aproximao com o
discurso conservador.
Como podemos ler na Constituio de 1934, (BRASIL, 2007):
Art 149 - A educao direito de todos e deve ser ministrada, pela famlia e pelos
Poderes Pblicos, cumprindo a estes proporcion-la a brasileiros e a estrangeirosdomiciliados no Pas, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral eeconmica da Nao, e desenvolva num esprito brasileiro a conscincia da
solidariedade humana (grifo nosso).
Assim, o aparelho escolar traz como prerrogativas: o princpio da eficincia para o
desenvolvimento moral e econmico do pas; a escola servindo formao identitria
brasileira; o desenvolvimento da conscincia solidria. Esto colocados a os aspectos
conservadores da educao no projeto poltico liberal: vnculo do desenvolvimento
econmico escola, formao de uma moral e identidade nacionais atravs do ensino,
moldando um perfil identitrio e, enfim, formao da conscincia solidria, que no deixa de
ter um aspecto assistencialista, legitimando, portanto, e paradoxalmente, as diferenas.
Como coloca Velloso (in MAGALDI, ALVES & GONDRA (orgs), 2003, p 349),
analisando o conservadorismo do perodo, os intelectuais
(...) se apresentam como verdadeiros mediadores entre o povo e a nao,julgando-se portadores de dons excepcionais e, sendo assim, os mais aptos a entrar em
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contato com a nacionalidade. Essa tambm era compreendida como uma espcie deentidade metafsica, algo j construdo a priori. S a alguns era dado o dom de decifr-la.
A Bela poca, em fim, coloca princpios educacionais cuja complexidade no pode ser
facilmente resumida. Observo uma escola cujo objetivo final , como j foi apontado por
Foucault, o de fabricar indivduos teis (1987, p. 174). Portanto a questo no est na
excluso da arte, mas nos pressupostos que subsidiaram seu ensino.
A escola entendida como local de iniciao de crianas e jovens uma instituio de
conservao de valores vlidos para um modelo social. Em uma sociedade econmica no
poderia operar com a arte modernista que tinha por princpio a perverso da ordem e negao
dos valores institudos. Mas se considerarmos que seu objetivo pode ter sido o da produo
de sujeitos teis sociedade, o ensino do desenho para as massas capacitaria para a recm
industrializao do pas e manteria as novas geraes dentro dos limites conservadores da
esttica racionalista.
Ao considerar que houve uma negociao entre os setores conservadores e
aristocrticos da sociedade e os setores liberais liberais, sugiro que o ensino da arte foi
estabelecido, por familiaridade e tradio, pela aristocracia, resultando no fortalecimento de
currculos ora pragmticos e tcnicos, ora orientados para as artes manuais, cujos reflexos
observamos ainda hoje nas opinies de senso comum a respeito do ensino de arte no pas.
Bibliografia
AMARAL, Aracy. Artes Plsticas na semana de 22. So Paulo: Perspectiva e Editora daUniversidade de So Paulo, 1972.
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SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria B.; COSTA, Vanda Maria R. Temposde Capanema. So Paulo: Fundao Getio Vargas e Editora Paz e Terra, 2000, 2 edio.Disponvel em: Acessoem: 13 jun. 2007.