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Alynne de Lima Gama Fernandes Oliveira* A BUSCA PELA VERDADE POSSÍVEL E A ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL THE SEARCH FOR THE POSSIBLE TRUTH AND THE EVIDENCE OF ELIGIBILITY ILLEGAL IN LAW CIVIL PROCEDURE LA BÚSQUEDA POR LA VERDAD POSIBLE Y LA ADMISIBILIDAD DE LAS PRUEBAS ILÍCITAS EN EL DERECHO PROCESAL CIVIL Resumo: A prova é um elemento fundamental para a construção da con- vicção do magistrado, pois somente por meio dela é possível ve- rificar a existência e a veracidade dos fatos alegados. Todavia, a Constituição da República Federativa do Brasil, ao vedar a ins- trução lastreada em provas ilícitas, estatui a regra de que a jus- tiça não pode ser obtida a todo e qualquer custo. Por outro lado, inexistem direitos absolutos, o que autoriza o intérprete a relati- vizar a norma constitucional quando o caso assim o exigir. A des- peito de não haver previsão expressa na legislação processual civil, a doutrina admite, excepcionalmente, provas ilícitas com o fito de aproximar o juiz da verdade possível e realizar a justiça do caso concreto. Abstract: The proof is a key element in the construction of the conviction of the magistrate, because only through it can verify the exis- tence and veracity of the allegations. However, the Constitution of the Federative Republic of Brazil, to seal the illegal instruction backed by evidence, the rule stipulates that justice can not be obtained any and all costs. Moreover, there are no absolute rights, which allows the interpreter to relativize the constitutional * Especialista em Direito Processual: Grandes Transformações pela UNISUL, em Direito Processual Civil pela UNISUL e em Direito Público Material pela Univer- sidade Gama Filho. Técnica Jurídica do MP-GO. 381

A BUSCA PELA VERDADE POSSÍVEL

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A prova é um elemento fundamental para a construção da convicção do magistrado, pois somente por meio dela é possível verificar a existência e a veracidade dos fatos alegados.

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Alynne de Lima Gama Fernandes Oliveira*

A BUSCA PELA VERDADE POSSÍVEL E A ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS

NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

THE SEARCH FOR THE POSSIBLE TRUTH AND THE EVIDENCE OF ELIGIBILITY ILLEGAL IN LAW CIVIL PROCEDURE

LA BÚSQUEDA POR LA VERDAD POSIBLE Y LA ADMISIBILIDAD DELAS PRUEBAS ILÍCITAS EN EL DERECHO PROCESAL CIVIL

Resumo:

A prova é um elemento fundamental para a construção da con-

vicção do magistrado, pois somente por meio dela é possível ve-

rificar a existência e a veracidade dos fatos alegados. Todavia,

a Constituição da República Federativa do Brasil, ao vedar a ins-

trução lastreada em provas ilícitas, estatui a regra de que a jus-

tiça não pode ser obtida a todo e qualquer custo. Por outro lado,

inexistem direitos absolutos, o que autoriza o intérprete a relati-

vizar a norma constitucional quando o caso assim o exigir. A des-

peito de não haver previsão expressa na legislação processual

civil, a doutrina admite, excepcionalmente, provas ilícitas com o

fito de aproximar o juiz da verdade possível e realizar a justiça

do caso concreto.

Abstract:

The proof is a key element in the construction of the conviction

of the magistrate, because only through it can verify the exis-

tence and veracity of the allegations. However, the Constitution

of the Federative Republic of Brazil, to seal the illegal instruction

backed by evidence, the rule stipulates that justice can not be

obtained any and all costs. Moreover, there are no absolute

rights, which allows the interpreter to relativize the constitutional

* Especialista em Direito Processual: Grandes Transformações pela UNISUL, emDireito Processual Civil pela UNISUL e em Direito Público Material pela Univer-sidade Gama Filho. Técnica Jurídica do MP-GO.

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rule when the case requires it. Despite there is no express pro-

vision in the civil procedural law, the doctrine admits exceptio-

nally illegal evidence with the aim of bringing the judge of truth

possible and attaining justice of the case.

Resumen:

La prueba es un elemento clave en la construcción de la convic-

ción del juez, porque sólo por ella se puede verificar la existencia

y la veracidad de las alegaciones. Sin embargo, la Constitución

de la República Federativa de Brasil, para sellar la instrucción

respaldada en pruebas ilícitas, establece la regla de que no se

puede obtener la justicia a toda costa. Por otra parte, no existen

derechos absolutos, lo que permite al intérprete relativizar la

norma constitucional cuando el caso lo requiera. A pesar de que

no haya disposición expresa en la ley procesal civil, la doctrina

admite, excepcionalmente, pruebas ilícitas con el objetivo de

acercar el juez de la verdad posible y realizar la justicia del caso.

Palavras-chaves: Provas ilícitas, verdade real, princípio da pro-

porcionalidade.

Keywords: Evidence illegal, truth, true principle of propor-

tionality.

Palabras clave: Pruebas ilícitas, verdad, principio de la propor-

cionalidad.

INTRODUÇÃO

De acordo com o senso comum, prova é tudo o que forcapaz de racionalizar a descoberta da verdade, reconstruindo osfatos narrados. O conhecimento destes é essencial para a aplicaçãodo direito positivo, ou seja, para a concretização da norma. A ver-dade no processo controla, legitima e regula a função jurisdicional

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(MARINONI; ARENHART, 2005, p. 261).Contudo, não se pode olvidar que a busca pela verdade

real é utópica e ideal. Não há como afirmar com absoluta certezaque o produto encontrado corresponde aos fatos efetivamenteocorridos. A verdade que se alcança no processo nada mais é quea verdade possível, o que traduz o seguinte pensamento de Vol-taire: “les vérité historiques ne sont que des probabilités” (CALA-MANDREI apud MARINONI; ARENHART, 2005, p. 261).

Diante de tais considerações, Luiz Guilherme Marinoni e Sér-gio Cruz Arenhart (2005, p. 261) conceituam prova como “todo meioretórico, regulado pela lei, dirigido a, dentro dos parâmetros fixadospelo direito e de critérios racionais, convencer o Estado-juiz da vali-dade das proposições, objeto da impugnação, feitas no processo”.

O juiz, na busca pela verdade, não deve se valer somentedas normas que regulam os meios probatórios, mas também da-quelas que traçam limites à atividade probatória, consoante precei-tua, por exemplo, o art. 5º, LVI, da Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, que proscreve a admissão, no processo, dasprovas obtidas por meios ilícitos.

Diante da proteção legal e constitucional a uma gama dedireitos e garantias, tais como a dignidade, a intimidade e a vidaprivada, o legislador, no intuito de resguardá-los, optou por fazê-los preponderar sobre a busca irrestrita da verdade. Nessa esteira,Giovanni Verdi (apud MARINONI; ARENHARDT, 2005, p. 253)afirma que “o compromisso que o direito tem com a verdade nãoé tão inexorável como aparenta ser”.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA DAS PROVASNO PROCESSO CIVIL

Acepções da palavra prova e seu conceito

A palavra prova, etimologicamente, quer dizer probo, oque equivale a reto, bom, honrado, autêntico. Advém da ideia de

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demonstrar a veracidade de determinada proposição. Historica-mente, a prova está atrelada à ideia de reconstrução possível defatos, não se discutindo, a princípio, sobre a impossibilidade de per-feita reelaboração dos fatos pretéritos (FARIAS; ROSENVALD,2008, p. 601-602).

A prova pode ter dois significados distintos, um objetivo eum subjetivo. De acordo com o significado objetivo, as provas sãomeios destinados a demonstrar a existência concreta de um fato.No aspecto subjetivo, a prova é um estado de convicção gerado nointérprete quando da análise dos meios apresentados em juízo pelaspartes e pelo Ministério Público para o convencimento do julgador(idem, ibidem).

De acordo com Proto Pisani, prova é a atividade lógica, ce-lebrada pelo juiz, para o conhecimento dos fatos. Para Lessona,significa fazer conhecido ao magistrado os fatos controvertidos eduvidosos, dando-lhe a certeza do modo preciso de ser. Por suavez, Liebman afirma que provas são meios que servem para dar oconhecimento de um fato e formar a convicção da verdade de umfato específico.

Segundo Michelle Taruffo, prova é o fundamento para a es-colha racional da hipótese destinada a construir o conteúdo da de-cisão final sobre o fato. Possui um aspecto multifacetário, comaspecto argumentativo-retórico, uma vez que tem aptidão de justi-ficar a escolha de uma das teses apresentadas pelas partes no pro-cesso. Leciona que, embora a prova perca aparentemente o seureferencial com a verdade, a busca pela certeza e pela verdadeideal sempre será meta precípua do juiz na perquirição dos argu-mentos probatórios encartados no processo.

Cristiano Chaves reúne os sentidos objetivo e subjetivo nadefinição de prova, asseverando que se trata de elemento argu-mentativo-dialético utilizado pelo interessado para influir no estadode convencimento do magistrado. Aduz que se consubstancia nolastro necessário para a demonstração de determinadas situaçõese para a deliberação judicial solucionadora do conflito de interesses,já que possui a potencialidade de repercutir na órbita jurídica, pro-duzindo efeitos assecuratórios de direitos (idem, p. 603).

Nas lições de Fredie Didier Júnior (2006, p. 484), a palavraprova tem três acepções: fonte de prova, meio de prova e como

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convencimento do juiz. Para ele (idem, ibidem), fonte de prova serefere a tudo o quanto se possa extrair da prova, podendo ser divi-dida em três: as pessoas, as coisas e os fenômenos.

Já o meio de prova consiste no procedimento utilizado parase extrair da fonte a prova necessária e, em seguida, inseri-la noprocesso. É válido destacar que em nosso ordenamento vigora oprincípio da liberdade dos meios de prova, porquanto podem serproduzidas por qualquer meio previsto ou não em lei (provas típicasou atípicas), o que se infere, daí, que o rol contido na norma pro-cessual civil não é taxativo. Consoante os arts. 342 a 443 do Códigode Processo Civil, os meios de prova típicos são: depoimento pes-soal, confissão, exibição de documento ou coisa, prova documen-tal, prova testemunhal, prova pericial e inspeção judicial (idem,ibidem).

Como convencimento do juiz, a prova é o meio hábil a escla-recer ou convencer o magistrado acerca do fato afirmado pela parte(idem, ibidem).

Sistemas de produção probatória e objeto de prova

Existem três sistemas de produção probatória, quais sejam,o sistema da prova legal ou tarifada, o sistema do livre convenci-mento puro e o sistema do livre convencimento motivado.

Para o sistema da prova legal, o valor da prova é conferidopreviamente pelo legislador. Tal sistema já foi adotado em momentohistórico anterior, época em que a confissão tinha o status de rainhadas provas. Hodiernamente, a tendência doutrinária e jurispruden-cial é a de expurgar do ordenamento jurídico tal sistemática. No en-tanto, ainda existem alguns resquícios, a exemplo do que preceituao art. 62 do Código de Processo Penal1.

O sistema do livre convencimento puro leciona que o juizdecide de acordo com sua convicção íntima e, por ser um critériode absoluto subjetivismo, independente de qualquer fundamenta-ção. Vigora hoje apenas no Tribunal do Júri.

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1 Art. 62 CPP – No caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidãode óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade.

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No âmbito processual moderno, o sistema do livre conven-cimento motivado é o que prevalece. De acordo com ele, o juiz va-lora livremente as provas carreadas aos autos. No entanto, tem deexplicitar expressa e racionalmente as razões de seu convenci-mento, não podendo contrariar as regras da experiência, tampoucodecidir com arrimo apenas em questões de fé, desprovidas de cri-térios científicos e outros.

Alfim, objeto da prova são os fatos relevantes sobre osquais irão incidir os efeitos jurídicos decorrentes da decisão judicial.Cumpre destacar que o objeto de prova serve para atestar a vera-cidade das alegações do fato probando (da mihi factum, dabo tibi

jus), que, em regra, é relevante, litigioso, pertinente, preciso e con-trovertido.

O fato que se prova não é apenas jurídico. Fatos simplestambém podem ser objeto de prova. Além disso, é importante frisarque independem de prova os fatos notórios, afirmados e confessa-dos pela outra parte, incontroversos, e os que possuem presunçãolegal de existência e veracidade (DIDIER JR., 2006, p. 484-489). Odireito, excepcionalmente, pode ser objeto de prova quando se tra-tar de direito municipal, estrangeiro, estadual ou consuetudinário.Nesse caso, a parte que alegar deverá provar o teor e a vigência,nos termos do art. 337 do Código de Processo Civil.

O direito fundamental à prova

O direito fundamental à prova é um corolário dos princípiosconstitucionais do contraditório, do devido processo legal e doacesso à justiça, estando implícito no art. 5º, LV, da Constituiçãoda República Federativa do Brasil.

Há três vínculos inarredáveis entre a prova e o contraditório,consistentes no direito de produzir prova, no direito de participar daprodução da prova e no direito de se manifestar sobre a prova pro-duzida (idem, ibidem). O contraditório não quer dizer apenas resis-tência ou oposição a um agir alheio. Deve ser entendido como agarantia da adequada participação no processo, podendo o cidadãoinfluir ativamente no desenvolvimento e na atividade da demanda,proporcionando ao magistrado melhores condições para realizar a

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justiça do caso concreto (idem, ibidem). Assim arrematam KellyanneKenny Amaral Moraes e Taiana Rios (s/d, online):

É garantia constitucional o acesso à uma ordem jurídica justapara promover a satisfação do direito subjetivo pleiteado. O di-reito à produção de prova nasce subsidiariamente ao direito deação. Isto porque se o cidadão tem direito a pedir ao Estado-Juizque preste a jurisdição; tem, também, o direito de influir no con-vencimento do Juiz para que este preste melhor a jurisdição quevisa alcançar. Com acerto, o professor José Roberto dos SantosBedaque afirma que o direito de ação compreende o poder depleitear a tutela jurisdicional para determinado direito, o poder dese valer de todos os meios para a demonstração deste direito. Aparte deve se valer de todos os meios de prova possíveis e ade-quados para influenciar no convencimento do Juiz. A prova épara o processo e a demonstração dos fatos gera uma sentençamais justa e adequada.

É de se observar que o direito constitucional à prova asse-gura às partes a livre utilização de todos os meios de prova admi-tidos em Direito para a demonstração dos fatos. Porém, tal garantianão é absoluta, pois é possível que o interessado esbarre em limi-tações de ordem pública. A prova não pode ser obtida a todo e qual-quer custo, ofendendo preceitos constitucionais.

Vale lembrar que o juiz, de ofício, pode buscar o esclareci-mento dos fatos, com o escopo de garantir o seu próprio convenci-mento, respeitadas as garantias constitucionais do cidadão. Noâmbito processual civil, deve agir de forma participativa, preocu-pando-se com a efetivação da norma jurídica de direito material.Para tanto, possui amplos poderes instrutórios e decisórios, es-tando limitado apenas pelas garantias constitucionais da igualdade,do contraditório e da ampla defesa (FARIAS; ROSENVALD, 2008,p. 618-619).

O fato de buscar o esclarecimento da verdade não significaque está relegando sua imparcialidade. Segundo Humberto Theo-doro Júnior, diante da necessidade de descobrir a verdade, o Es-tado-juiz não pode ser neutro nem indiferente. Não determinar aprova necessária à revelação da verdade não corresponde a umaconduta imparcial, mas sim a um alheamento à missão jurisdicional

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de assegurar aos litigantes a mais efetiva e justa composição do li-tígio (Luciana Vieira SILVA apud FARIAS; ROSENVALD, 2008, p.618-619). Segundo Mendonça Lima (1996, p. 138),

o juiz não pode abstrair-se de conhecer do fato e julgar conformepossa influir isoladamente ou no conjunto de provas, porque suaobtenção foi considerada “imoral” [...], de forma que “a repulsapelo Juiz poderá determinar uma sentença injusta e imoral,negando razão ao que usou de meio de prova obtido imoral-mente e dando razão ao que praticou o ato imoral e ilegal, mascuja prova foi considerada ineficaz por ter sido conseguida forada moral [...].

A verdade, a prova e sua valoração

De acordo com a teoria clássica, a verdade é subdivididaem real e formal. A verdade real reflete a perfeita correspondênciada realidade com os fatos demonstrados nos autos. Por sua vez, averdade formal ou processual é abstraída da mera análise dos ele-mentos probatórios fornecidos pelas partes, que nem sempre cor-respondem aos reais acontecimentos.

Era usual a afirmação no sentido de que a verdade real erainerente ao processo penal, por se tratar de segmento do direitoque trata de direitos indisponíveis, enquanto a formal ao processocivil, por versar, em regra, sobre direitos disponíveis, o que era su-ficiente para justificar o contentamento do juiz com os documentosanexados aos autos (SILVA, online).

A divisão supra não mais prevalece nos dias atuais, con-forme orientação dos Tribunais Superiores. Contraria as própriasregras da natureza retratar os fatos da forma exata como ocorre-ram, seja no processo civil ou no processo penal, pois é impossívelretornar ao momento pretérito e visualizar o fato como efetivamentese passou. A verdade é relativa, subjetiva e depende sempre do re-ferencial adotado. De acordo com Fredie Didier Jr. (2006, p. 484),“a verdade real é algo inatingível, [...]. É utopia imaginar que sepossa, com o processo, atingir a verdade real sobre determinadoacontecimento”.

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A reconstrução dos fatos ocorridos e demonstrados juridi-camente sofre influência das pessoas que os apresentam ou a ela-boram e se submetem subjetivamente ao crivo do Estado-juiz,podendo o resultado do julgamento não corresponder à exataforma como os acontecimentos ocorreram. Cristiano Chaves deFarias arremata que são incontroversas as interferências de ordemcultural, psicológica, sexual, na demonstração dos fatos ocorridos,sendo impossível afirmar a verdadeira dimensão dos fatos preté-ritos. O julgador jamais poderá excluir a possibilidade de que ascoisas tenham se passado de forma diversa àquela a que suasconclusões o levaram (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 604-605).

Dessume-se, pois, que com a produção probatória busca-se um juízo de valor sobre os fatos demonstrados, e não sobre osfatos concretamente ocorridos, ou seja, almeja-se o convencimentosobre os fatos e as situações, e não a reconstrução dos mesmos(idem, ibidem). Infere-se, pois, que os mecanismos probatórios têmpor desiderato a aproximação da verdade possível ou provável, as-sumindo uma função argumentativa dialética.

De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, o processo é umpalco de discussões com o objetivo não de reconstruir o fato, masde convencer os demais sujeitos processuais acerca dele. Assim,o diálogo passa a ter preponderância no sistema, retornando à an-tiga ideia aristotélica de tópica e retórica. A busca da verdade, ape-sar de ser meio retórico, preenche axiologicamente o processo,outorgando-lhe legitimidade e fundamentação (MARINONI; ARE-NHART, 2005, p. 254-255). A verdade é provisória, apenas preva-lecendo quando há um consenso discursivo em uma situaçãoespecífica e concreta. Não é buscada no conteúdo da assertiva,mas na forma pela qual ela é obtida (idem, ibidem).

Assim, não há que se falar em verdade real ou formal. Háapenas a verdade, que poderá corresponder ou não aos fatos efe-tivamente ocorridos. Será aquela resultante da incidência de as-pectos subjetivos e objetivos, apta a gerar o convencimento do juizacerca dos fatos e situações aventadas. Conforme explana o Mi-nistro Felix Fischer, ao transcrever os ensinamentos de Franciscodas Neves Baptista2, o “mundo da prova é o mundo das presunções

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2 STJ, HC 155.149/RJ, Rel. Min Felix Fischer, Quinta Turma, julg. em 14/06/2010.

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e construções ideais, estranhas ao que se entende, ordinariamente,por realidade. E o sistema jurídico processual assim o quer.”.

A QUESTÃO DA PROVA ILÍCITA NO DIREITO PROCESSUALCIVIL

As normas legais sobre direito probatório buscam limitar ob-jetiva ou subjetivamente a atividade probatória, resguardando va-lores pessoais, como a dignidade, a intimidade e a vida privada.

Para tanto, o ordenamento jurídico refuta as provas obtidaspor meios ilícitos, consoante preceitua o disposto no art. 5º, LV, daConstituição da República Federativa do Brasil. Cristiano ChavesFarias e Nelson Rosenvald (2008, p. 623) ressaltam que

[s]em dúvida, a solução aviltrada pelo legislador constituinte im-prime um induvidoso caráter ético ao uso da prova, coadunando-se com a afirmação da primazia da proteção da pessoa humanaem seus aspectos essenciais, tuteladas as garantias fundamen-tais contra a busca desvairada e obsessiva da verdade sobrecertos fatos – o que, se admitindo, beneficiaria a parte economi-camente mais forte.

Antes da promulgação da Constituição de 1988, havia doisposicionamentos que discutiam acerca da admissibilidade de pro-vas ilícitas no processo. A primeira corrente pugnava por sua totaladmissão, com esteio na premissa de que a verdade real era umvalor supremo. No caso de um eventual conflito entre o direito à in-timidade e o direito à prova (por todos os meios possíveis, inclusiveos ilícitos), a ordem e as liberdades públicas deveriam prevalecersobre o primeiro a qualquer custo (SILVA, online).

De outro lado, de forma minoritária, outros juristas afirma-vam que as provas ilícitas e ilegítimas deveriam ser inadmissíveisem qualquer hipótese, com amparo no art. 332 do Código de Pro-cesso Civil (SILVA, online).

Com o advento da Lei Maior, consolidou-se o preceito da

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inadmissibilidade das provas ilícitas. A tese já prevalecia na maioriados ordenamentos jurídicos estrangeiros, que concluíram pela im-possibilidade de afastar a dignidade da pessoa humana para a ob-tenção de uma prova que muitas vezes não era capaz de retrataros fatos da forma como realmente se passaram (SILVA, online).

Todavia, consoante já frisado em outra oportunidade, nãoexistem direitos absolutos. A despeito da previsão constitucional, ainadmissão da prova ilícita também não pode ser entendida comoregra absoluta. Ao magistrado compete, com amparo no princípioda proporcionalidade, ponderar qual interesse deve prevalecer emdeterminado caso concreto e, a depender do interesse a ser res-guardado, admitir a flexibilização da norma.

Isso pode ocorrer quando o Estado-juiz se deparar comconflitos envolvendo direitos indisponíveis. Barbosa Moreira (apudMORAES, online) já admitiu, excepcionalmente, a utilização de pro-vas ilícitas em alguns casos envolvendo o Direito de Família.

A PROPORCIONALIDADE E A PROIBIÇÃO DA PROVA ILÍCITANO PROCESSO CIVIL

José Afonso da Silva (2003, p. 105) afirma que “a dignidadeda pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo detodos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.Por tal razão o legislador constituinte não inseriu a dignidade comoprincípio fundamental, sendo instituída como fundamento do Es-tado Democrático de Direito brasileiro, estando positivada na Cons-tituição Federal em seu art. 1°, inciso III. Não se pode olvidar aextrema importância que o instituto detém no ordenamento jurídico,posto que os direitos e as garantias fundamentais encontram fun-damento direto e concretização na dignidade da pessoa humana.

G. Dürig afirma que a dignidade da pessoa humana é in-trínseca à sua qualidade, sendo, pois, irrenunciável e inalienável,constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal, não po-dendo dele ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar a

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possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensãoem que lhe seja concedida a dignidade. Por outro lado, Hegelafirma que a dignidade é uma prestação, sendo vagarosamenteconquistada pelo homem. Prescreve que o ser humano somentese torna digno a partir do momento em que assume sua condiçãode cidadão. Assevera que a dignidade da pessoa humana nadamais é que o resultado de um reconhecimento (SARLET, 2006, p.34-41).

Ainda que se afirme que a dignidade da pessoa humana évalor supremo, é pertinente frisar que é passível de relativizaçãoou restrição. A tese de que detém feições absolutas, sendo postu-lada a sua intangibilidade, não merece prosperar, uma vez que épossível que os princípios fundamentais, integrantes do conceitode dignidade, entrem em conflito.

Alexy foi percussor da tese de que é necessário que hajauma ponderação ou harmonização dos princípios e interesses co-tejados e o princípio da dignidade da pessoa humana. Asseveraque a referida proposição fundamental deve ser observada “comoum mandado de otimização, ordenando algo que deve ser reali-zado na maior medida possível, considerando as possibilidades fá-ticas jurídicas existentes, ao passo que as regras contêmprescrições imperativas de conduta” (idem, p. 72). Assente-se oque obtempera Ingo Wolfgang Sarlet (idem, ibidem):

O que se percebe, em última análise, é que onde não houverrespeito pela vida e pela integridade física e moral do ser hu-mano, onde as condições mínimas para uma existência dignanão forem asseguradas, onde não houver limitação do poder,enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitose dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidose minimamente assegurados, não haverá espaço para a digni-dade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderánão passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.

A análise sobre a admissibilidade das provas ilícitas no pro-cesso civil deve ser realizada sob o manto do princípio da proporcio-nalidade, da dignidade da pessoa humana e do princípio daconcordância prática ou da harmonização, uma vez que, apesar deestar inserta no rol do art. 5º da Constituição da República Federativa

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do Brasil, que trata de direitos e garantias individuais, não é um direitoabsoluto. A dignidade engloba uma série de princípios e valores, taiscomo a vida privada e a intimidade. Contudo, não pode ser aferidasomente nesse aspecto. Há outra série de valores que também sãoprotegidos e integram, igualmente, o conceito de dignidade.

Os princípios funcionam como vetor de interpretação, limi-tando a vontade subjetiva do aplicador do Direito quando da atua-ção em determinado caso concreto. Isso porque estabelece, dentrodo senso do razoável, as fronteiras em torno das quais exercitarásua criatividade. Quando o operador do Direito se depara com pro-posições colidentes, determinada norma deve prevalecer sobreoutra sem anulá-la, com o objetivo precípuo de garantir a unidadee a concatenação interna do sistema (BARROS; ZUCHETTOBARROS, 2006, p. 22-24).

Nessa senda, insere-se o princípio da proporcionalidade3,preceito que determina o consenso, a ponderação ou a harmoni-zação de normas ou princípios. Nos ensinamentos de WellingtonPacheco Barros e Wellington Gabriel Zuchetto Barros (idem, p. 22),o princípio da proporcionalidade funciona como:

instrumento específico identificado e desenvolvido em dada ex-periência jurídico-constitucional que permite a limitação do poderestatal. Trata-se de um instrumento segundo o qual a medida aser tomada pelo Estado há de ser adequada e necessária à fina-lidade apontada pelo agente, bem como deve ser garantida umarelação de proporcionalidade entre o bem protegido pela ativi-dade estatal e aquele que, para ela, é atingido ou sacrificado.

Canotilho (1993, p. 607), ao discorrer sobre a cláusula dacomunidade, afirma que os direitos fundamentais estariam sempre

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3 Gilmar Mendes et al. (2009, p. 356-357) explicam que o fundamento da pro-porcionalidade é ditado de forma diversa pela doutrina. Para alguns, a base doprincípio residiria nos direitos fundamentais, para outros uma expressão do Es-tado de Direito. Há quem afirme, ainda, que seria um postulado jurídico comraiz no direito suprapositivo. A princípio, considerou-se no Supremo TribunalFederal que era um elemento integrante ou uma cláusula implícita dos direitosfundamentais. As decisões mais recentes conferem à proposição o status dedireito fundamental, posto que está inserido no rol do art. 5º da ConstituiçãoFederal sob a denominação de devido processo legal substancial.

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limitados, desde que colocassem em perigo os bens jurídicos ne-cessários à existência da comunidade. Nessa esteira, extrai-se oprincípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Issonão significa que os direitos individuais, exaustivamente conquis-tados no decorrer da história da humanidade, seriam lesionadosou relegados a último plano. O princípio da proporcionalidadeafirma que deve haver uma ponderação, de forma que o exercíciodos interesses individuais não possa ser coibido.

O princípio da proporcionalidade, apesar de não estar ex-plícito na Constituição, merece um tratamento especial, posto queé um dos vetores jurisprudenciais brasileiros na resolução de con-flitos de direitos fundamentais. Em vista disso, impende tecer umaanálise sobre seus principais subprincípios, quais sejam: a adequa-ção, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Consoante o princípio da adequação ou conformidade,deve-se aferir se o meio escolhido na consecução de determinadamedida é a mais condizente com os fins almejados. Já o princípioda necessidade ou exigibilidade ou da máxima dos meios mais sua-ves determina que a medida restritiva tomada seja indispensávelpara a conservação de um direito, e que não haja outro meio maisgravoso para a obtenção da finalidade buscada (BARROS; ZU-CHETTO BARROS, 2006, p. 60-62). Por derradeiro, resta o princí-pio da proporcionalidade em sentido estrito ou da máxima dosopesamento, que afirma que a aplicação de um determinado ins-trumento deve ser adequada para a consecução de um determi-nado fim (idem, p. 77).

É nesse contexto que deve ser feita a ponderação, averi-guando se o meio adotado é ou não desproporcional em relação aofim. Grande parte dos juristas afirma que os direitos fundamentaispodem ser restringidos para atingir uma finalidade pública maior(idem, p. 66-67)4. Nesta esteira, leciona Luciana Vieira Silva (online):

A técnica da ponderação de interesses caracteriza-se por pesare comparar interesses que se encontram em conflito, levando

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4 SILVA, Luciana Vieira. A prova ilícita no processo civil à luz do princípio daproporcionalidade. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8997. Acesso em 10/07/09.

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em consideração o caso concreto, a fim de resolver as contro-vérsias constitucionais. Na ponderação de interesses, haverá a mínima restrição possí-vel a cada bem jurídico envolvido, na medida exata para salva-guardar o bem jurídico contraposto, com a utilização, para isso,do princípio da proporcionalidade. Assim, essas restrições nãodevem ir além do necessário para a solução dos conflitos, sendoque as variáveis fáticas do caso concreto é que vão determinaro peso específico de cada princípio em confronto, mostrando-se, portanto, essenciais para o resultado da ponderação.A ponderação entre interesses constitucionais tem como principalcritério substantivo o princípio da dignidade da pessoa humana.Tal princípio representa o vértice axiológico da Constituição, vistoque o homem é o fim último da ordem constitucional, e não apenasum dos interesses da mesma. Toda ponderação, portanto, deverespeitar a dignidade da pessoa humana.

Feitas tais considerações principiológicas, resta analisar aquestão probatória à luz do que dispõe a Constituição. Conformejá estudado, a verdade real não existe no processo, devendo, por-tanto, o intérprete primar pela verdade possível, construída quandoda realização dos debates e aferida no instante em que o juiz ex-terioriza o seu convencimento.

Para a autorização de uma prova ilícita no processo, estadeve ser de crucial importância para a solução do caso concreto,além de restar comprovado que inexiste outro meio hábil para a ob-tenção das informações necessárias à convicção do magistrado.

Ademais, não é qualquer controvérsia judicial que legitimaa utilização de uma prova ilícita. A celeuma deve se basear emdireitos indisponíveis, hipótese em que o interesse público, nodescobrimento da verdade possível ou provável, preponderarásobre o direito à intimidade e à vida privada. Isso porque, con-forme já mencionado, as normas constitucionais de eficácia plenasão dotadas da cláusula geral de redutibilidade, podendo ser res-tringidas, por lei ou à luz do caso concreto, ao crivo do princípioda proporcionalidade.

Questão debatida no âmbito doutrinário refere-se à possi-bilidade de admitir a interceptação telefônica no intuito de resguar-dar direitos indisponíveis não relacionados à seara penal.

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É cediço que a quebra do sigilo telefônico pode ser autori-zada judicialmente, após comprovada a imprescindibilidade para aapuração de grave infração penal. No entanto, a Lei Federal n.9.296/1996 é omissa quanto à possibilidade de interceptação naórbita do processo civil, restringindo a sua aplicação apenas aoDireito Penal.

Ocorre que a pessoa que tem a sua dignidade violada pos-sui o direito de protegê-la contra novas agressões, não podendoficar de mãos atadas diante da proteção constitucional da intimi-dade do ofensor. É válido salientar, outrossim, que às vezes a pro-dução da uma prova ilícita, como a interceptação desprovida deordem judicial, é a única forma de comprovar a transgressão eimpedir a reiteração.

Destaque-se que não é somente o Direito Penal que pro-tege os bens mais importantes e indisponíveis para o homem. ODireito Civil também protege a vida, a igualdade, a segurança, asolidariedade, a liberdade. Dessa forma, a prova ilícita pode ser ad-mitida quando for a única capaz de evidenciar fato absolutamentenecessário para a tutela de um direito que, no caso concreto, me-rece ser realizado (MORAES, online). Nessa senda, exemplificaDaniel Sarmento (apud SILVA, online):

Suponha-se, a título de ilustração, o caso de ação de destituiçãode pátrio poder, na qual existam provas ilícitas (e.g. gravaçõesclandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genito-res contra o menor. Nesta hipótese, entendemos que o direito àdignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado,com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227 CF),assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais dacriança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita.

Efetivamente, situação inversa ocorreria se, em meio a processopromovido por Renata, de quatro anos de idade, a fim de inves-tigar sua paternidade, Mathias, indigitado pai, recebesse ordemjudicial para doar alguma quantidade de sangue (ou fios de ca-belo) para confrontação de DNA’s. Pergunta-se: poderia o varãoalegar garantias constitucionais em seu favor a fim de eximir-sedo mandado, de tal sorte que a criança fosse obrigada a satisfa-zer-se tão-somente com a famigerada paternidade presumida?

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Novamente, rogando vênia aos defensores de opinião contrária- por ora sob guarida do entendimento de escassa maioria doSupremo Tribunal Federal - aqui a matéria assumiria feições ou-tras. Já não estaria em jogo o interesse do particular de negar-se a cumprir as mais bizarras ordens de policiais, dispondolivremente de sua liberdade. Aqui, a questão seria definir qual in-teresse deva ceder: aquele do indigitado pai preservar sua inte-gridade física, eximindo-se do dever de oferecer alguns fios decabelo ou mililitros de sangue, ou aquele da criança em descobrirsua real, e não fictícia, identidade. Ora, nesse caso, jamais po-deria nosso querido amigo desobrigar-se da ordem, pois, ao fime ao cabo, o interesse da pessoa em descobrir sua verdadeira(e não presumida) identidade representa o princípio da dignidadeda pessoa humana e o ato intentado por Mathias, uma graveafronta a sua aplicação. Esse interesse da criança - e de todosos homens - jamais poderia ceder em nome de uma egoísta e li-teral interpretação de outra garantia, afinal, como bem assinalouo Min. Carlos Velloso, não há no mundo interesse maior do queeste: o do filho conhecer ou saber quem é o seu pai biológico.

É bem de ver que, em regra, não é lícito sacrificar o direitoà intimidade, nem a garantia da inadmissão de provas ilícitas noprocesso. Entretanto, tais direitos e garantias não podem ser utili-zados como escudo para práticas ilegais e ofensivas à dignidadeda pessoa humana. A busca da verdade possível pode preponde-rar, viabilizando sua obtenção, ainda que de forma ilícita.

CONCLUSÃO

A orientação doutrinária e jurisprudencial hodierna é no sen-tido de não se admitir provas obtidas de forma ilícita no processo,o que reafirma a preponderância dos direitos fundamentais sobrea busca da verdade real. Isso porque a relativização da intimidadeou da vida privada poderá ser inócua, já que é impossível retratara verdade tal como ocorreu. Além disso, a verdade apresenta ân-gulos diversos, demonstrando forte carga de subjetividade.

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Entretanto, em vista da relatividade dos direitos fundamen-tais, as provas ilícitas podem ser admitidas, excepcionalmente, noprocesso civil, quando a discussão em concreto objetivar o re-guardo de direitos indisponíveis, como a vida, a liberdade, aigualdade, a segurança. Nesses casos, a ponderação deve ser rea-lizada à luz do caso concreto, por meio da aplicação do princípioda proporcionalidade. Não há regra ou caso específico para admitira prova ilícita, cabendo ao magistrado valer-se do juízo de equi-dade. Insta lembrar que a não admissão de determinada prova ne-cessária, porém ilícita, para o esclarecimento da verdade, poderevelar afronta à dignidade ou a um interesse público relevante. Ojuiz não pode se esquivar de sua missão jurisdicional de asseguraraos litigantes a mais efetiva e justa composição do litígio e de velarpela dignidade da pessoa humana.

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