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A Clínica Ampliada no Contexto da Atenção Primária em Saúde

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A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sade - Mdulo Optativo 10Organizadores:A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeMdulo Optativo 10SESAUSecretaria Municipalde Sade PblicaSESSecretaria de Estado de SadeASMEFAC ASMEFACAssociao Sul-Mato-Grossense deMdicos de Famlia e da ComunidadeSecretaria deGesto do Trabalho e da Educao na SadeMinistrio daSadeMinistrio daEducaoLeika Aparecida Ishiyama GenioleVera Lcia KodjaoglanianCristiano Costa Argemon VieiraJacinta de Ftima P. MachadoMara Lisiane Moraes SantosA Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeCurso de Ps-Graduaoem Ateno Bsicaem Sade da FamliaLeika Aparecida Ishiyama Geniolevera Lcia KodjaoglanianCristiano Costa Argemon vieiraJacinta de Ftima P. MachadoMara Lisiane Moraes SantosOrganizadores:A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sade4MINISTRO DE ESTADO DE SADE Alexandre PadilhaSECRETRIO DE GESTO DO TRABALHO E DA EDUCAO NA SADEMozart SalesSECRETRIO-ExECUTIvO DO SISTEMAUNIvERSIDADE ABERTA DO SISTEMA NICO DE SADE - UNA-SUSFrancisco Eduardo De CamposCOORDENADORES DA UNIvERSIDADE ABERTA DO SUS UNA-SUSvinicius de Arajo OliveiraMarcia SakaiRaphael Augusto Teixeira AguiarPRESIDENTE DA FIOCRUZPaulo GadelhavICE-PRESIDNCIA DE GESTO E DESENvOLvIMENTO INSTITUCIONALPedro Ribeiro BarbosaUNIDADE FIOCRUZ MATO GROSSO DO SULRivaldo venncio da CunhaGOVERNO FEDERALFUNDAO OSWALDO CRUZ5REITORA DA UNIvERSIDADE FEDERAL/MSClia Maria Silva Correa OliveiraPR-REITOR DE PESQUISA E PS-GRADUAODercir Pedro de OliveiraCOORDENADORA DE EDUCAO ABERTA E A DISTNCIAAngela Maria ZanonGOvERNADOR DE ESTADOAndr PuccinelliSECRETRIA DE ESTADO DE SADE / MATO GROSSO DO SULBeatriz Figueiredo DobashiGOvERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SULSECRETARIA DE ESTADO DE SADESECRETARIA DE SADE PBLICA DE CAMPO GRANDEASSOCIAO SUL-MATO-GROSSENSE DE MEDICINA DE FAMLIA E COMUNIDADEUNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SULGOVERNO DE MATO GROSSO DO SULPARCEIROS6PRODUOCOLEGIADO GESTORORIENTADORES DE APRENDIZAGEMEQUIPE TCNICACRISTIANO COSTA ARGEMON [email protected] MARIA A. DE [email protected] LEIKA APARECIDA ISHIYAMA [email protected] SILvIA HELENA MENDONA DE [email protected] LUCIA [email protected] DIOGO DE [email protected] CRISTINA [email protected] JACINTA DE FTIMA P. [email protected] KARINE CAvALCANTE DA [email protected] MARA LISIANE MORAES [email protected] vALRIA RODRIGUES DE [email protected] DANIELI SOUZA [email protected] MENDES [email protected] MARIA IZABEL [email protected] ROSANE [email protected] [email protected] CARLA FABIANA COSTA [email protected] DAIANI DAMM [email protected] GRETTA SIMONE RODRIGUES DE PAULA [email protected] HERCULES DA COSTA SANDIM [email protected] JOO FELIPE RESENDE NACER [email protected] MARCOS PAULO DOS SANTOS DE SOUZA [email protected] ADRIANE PIRES [email protected] ALESSANDRO DIOGO DE CARLI [email protected] MARTINS DE [email protected] CAROLINA LYRIO DE OLIvEIRA [email protected] CRISTINA BORTOLASSE [email protected] PAULA PINTO DE [email protected] CRISTINA ROCHA [email protected] TECNOLOGIA DA INFORMAOTUTORES FORMADORES8ANA MARTHA DE ALMEIDA [email protected] CATARINA [email protected] BRUNNO ELIAS [email protected] FERREIRA [email protected] CRISTIANY INCERTI DE [email protected] DE REZENDE [email protected] DANIELAMARGOTTI DOS [email protected] [email protected] CRISTINA DE SOUZA [email protected] EDILSON JOS [email protected] ELIZANDRA DE QUEIROZ [email protected] ENI BATISTA DE [email protected] ERIKA KANETA [email protected] EBINER [email protected] DE LIMA [email protected] [email protected] AP DA [email protected] NAGLIS [email protected] NOGUEIRA EMBOAvA [email protected] CONTRERA [email protected] APARECIDA PEREIRA DE [email protected] RODRIGUES [email protected] HELENA DE OLIvEIRA [email protected] MARCIA CRISTINA PEREIRA DA [email protected] MARQUES LEAL [email protected] DIAS ROLAN [email protected] MICHELE BATISTON [email protected] LEITE [email protected] MARIA MARCHETTI [email protected] RENATA PALPOLI [email protected] CRISTINA LOSANO [email protected] LUIZ [email protected] DIAS F. DA [email protected] [email protected] CARMONA DE [email protected] DIAS CORREA [email protected] SILvIA HELENA MENDONA DE [email protected] ROSA MIZIARA [email protected] LIZA PEREIRA CHAvES [email protected] ESPECIALISTAS AUTORESEDUARDO FERREIRA DA [email protected] LARA NASSAR [email protected] LEANDRA ANDRIA DE [email protected] ADERALDO LUIZ KRAUSE [email protected] SAMPAIO [email protected] MARTINS DE CARvALHO [email protected] DELFINA DA MOTTA S. CORREIA [email protected] ADRIANE PIRES [email protected] ALESSANDRO DIOGO DE CARLI [email protected] ANA LUCIA GOMES DA S. [email protected] ANA TEREZA [email protected] ANDR LUIZ DA MOTTA SILvA [email protected] CATIA CRISTINA vALADO MARTINS [email protected] CIBELEBONFIM DE REZENDE ZRATE [email protected] CRISTIANO [email protected] CRISTIANO COSTA ARGEMON [email protected] ESTEvO DE [email protected] DBORA DUPAS GONALvES DO [email protected] [email protected] CRISTINA DE SOUZA [email protected] EDGAR [email protected] EDILSON JOS [email protected] EDUARDO FERREIRA DA [email protected] FTIMA CARDOSO C. [email protected] [email protected] DE [email protected] TENRIO [email protected] LIMA [email protected] HILDA GUIMARES DE [email protected] ALvES [email protected] DE FTIMA P. [email protected] JANAINNE ESCOBAR [email protected] GUILHERMINA [email protected] 13KARINE CAvALCANTE DA [email protected] APARECIDA ISHIYAMA [email protected] LUIZA HELENA DE OLIvEIRA [email protected] LARA NASSAR [email protected] LEANDRA ANDRIA DE [email protected] MARIA APARECIDA DA [email protected] APARECIDA DE ALMEIDA [email protected] FERNANDES O. [email protected] MARA LISIANE MORAES [email protected] MARIA ANGELA [email protected] AMLIA DE CAMPOS [email protected] CRISTINA ABRO [email protected] MARIA DE LOURDES [email protected] BATISTON [email protected] PAULO [email protected] KSSIA DE O. [email protected] RENATA PALPOLI [email protected] FERREIRA [email protected] [email protected] JORGE [email protected] MARIA OLIvEIRA [email protected] LIMA [email protected] RODRIGUES DE [email protected] vERA LCIA SILvA [email protected] LUCIA [email protected] MDULOS OPTATIVOSOsMdulosOptativossocompostosporumasriede 10mduloscomosseguintestemas:SadeCarcerria,Sade daFamliaemPopulaodeFronteiras,SadedaFamliaem PopulaesIndgenas,AssistnciaMdicaporCiclosdevida, SadeBucalporCiclosdevida,AssistnciadeEnfermagem porCiclosdevida,AdministraoemSadedaFamlia, PolticaNacionaldePrticasIntegrativaseComplementares, ProgramaoparaGestoporResultadosnaAtenoBsica (PROGRAB),AvaliaoparaMelhoriadaQualidade(AMQ)eA Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sade. Os temasdosmdulosprivilegiamasingularidadedosdiferentes prossIonaIs de saude da familIa e as partIcularIdades de seus respectivos territrios.Estes mdulos no pretendem esgotar os temas abordados esimservircomouminstrumentoorientador,quepossa responder as questes mais frequentes que surgem na rotina de trabalho. A sua ImportncIa est justIcada dentro dos prIncipIos da estratgia de sade da famlia que enfatiza que as aes da equipeprecisamservoltadassnecessidadesdaspopulaes aelasvinculadas.Asequipesdesadedafamliaesto distribudas em Mato Grosso do Sul, com situaes peculiares, como as equipes inseridas em reas de fronteira, as equipes de sade que fazem a ateno populao indgena, a populao carcerria e suas famlias. So populaes diferenciadas, com culturas e problemas prprios, com modo de viver diferenciado, sujeitas a determinantes sociais diferentes, que necessitam ser assIstIdas por prossIonaIs com competncIas adequadas sua realidade.Destaforma,cadaestudantetrabalhadordoCursode Especializaoem AtenoBsicaemSadedaFamlia,pode optar por mdulos que lhes interessam diretamente.Esperamosqueoscontedosapresentadospossamter proporcionadoavoc,especializandoconhecimentospara desenvolverseutrabalhocomqualidadedesejadaeseguindo asdiretrizesdoSUS,naatenosdiferentespopulaes, respeitando sua singularidade.1617Mdulo Optativo 10A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeApresentao Mdulos Optativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15Apresentao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22Seo 1 - O Conceito Ampliado de Sade e a Transio nas Tecnologias de Ensino-Servio no SUS: Por que precisamos da Clnica Ampliada? . . . . . . . 24Seo 2 Um |todo de ApoIo e QualIcao da ClinIca e da Cesto na Ateno Primria: Grupos Balint - Paideia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49Seo 3 - A Clnica Ampliada na Formao como Ao Disparadora de Mudanas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70Seo 4 - Relato de Experincia sobre o NASF Aquidauana MS . . . . . . . 126Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157SUMRIOMDULOS OPTATIVOSMDULO OPTATIVO 10A CLNICA AMPLIADA NO CONTEXTO DA ATENO PRIMRIA EM SADEAdriana Sampaio ReinheimerDbora Dupas Gonalves do NascimentoGustavo Tenrio CunhaJacinta de Ftima P. MachadoLeika Aparecida IshiyamaMaria Amlia de Campos OliveiraVera Lcia kodjaoglanianAUTORES20Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeSobre os Autores:Adriana Sampaio ReinheimerFisioterapeutagraduadapelaUCDB/CampoGrande/MS-Coordenadora Municipal de Fisioterapia de Aquidauna-MS. Coordenadora do Ncleo de Apoio de Sade da FamliaDbora Dupas Gonalves do NascimentoFisioterapeuta,comMestradoem Enfermagem pela Escola de Enfermagem daUSP(EEUSP)-readeconcentrao Sade Coletiva, Doutoranda do Programa InterunidadesdeDoutoramentoem Enfermagem-EE-EERP/USP.Tutorada FesIdncIa|ultIprossIonalemSaude da Famlia (FASM/Ministrio da Sade) e Assessora Tcnica do NASF na APS Santa Marcelina - SP.Gustavo Tenrio CunhaGraduao em Medicina (1996), Mestrado (2004)eDoutorado(2009)emSade Coletiva,ambospelaUniversidade EstadualdeCampinas(UNICAMP). Atualmentepesquisadorcontratado peloDepartamentodeMedicina PreventivaeSocialdaFCM/UNICAMP, desenvolvendoatividadesrelacionadas pesquisa, docncia e extenso. Possui experincia na rea de Sade Coletiva e apoio gesto, com nfase em Ateno Bsica,atuandoprincipalmentenos seguintestemas:ClnicaAmpliada, GruposBalint-Paidia,Estratgia SadedaFamlia;GestodaClnica; Humanizao do SUS.Jacinta de Ftima P. MachadoCirurgiDentista,especialista emOdontopediatria,Ortopedia FuncionaldosMaxilareseOrtodontia. EspecializaoTcnicaemFormao 0ocenteparaProssIonaIsdaSaude. Aperfeioamentos:Formaode FacilitadoresdeEducaoPermanente emSade;ApoiadoresdaPoltica deHumanizaodoSUS;Formao emTutoriadeEnsinoaDistncia. Situaodetrabalhoatual:Apoiadora Institucional/GernciaTcnicade Educao Permanente na Ateno Bsica naSecretariaMunicipaldeSadede CampoGrande.ApoiadoraIntersetorial daPolticadeEducaoPermanente: Representante da Comisso Intergestores Regional-macrorregio de Campo Grande naCIES.OrientadoradeAprendizagem noCursodeEspecializaoemAteno BsicaemSadedaFamlia-FIOCRUZ-UnidadeMatoGrossodoSul; TutoraEAD nocursodeFormaodeTutorespara oCursodeEspecializaoemAteno Bsica em Sade da Famlia.Leika Aparecida IshiyamaMdica,pelaUniversidadeFederal deMatoGrosso(UFMT),especialista emSadedaFamlia,pelaSociedade BrasileiradeMedicinadeFamlia (SBMFC).CoordenaoPedaggicado CursodeEspecializaoemAteno BsicaemSadedaFamlia.FIOCRUZ UnidadeMatoGrossodoSul/UFMS. EspecialistaemMedicinadoTrabalho, pela Universidade de So Paulo.21Maria Amlia de Campos OliveiraEnfermeira,comhabilitaoem EnfermagemObsttrica,Mestradoem AdministraodeServiosdeSadee Doutorado em Enfermagem da Escola de Enfermagem da USP (EEUSP). Professora Titular do Departamento de Enfermagem em Sade Coletiva da EEUSP.Vera Lcia kodjaoglanianPossuigraduaoemPsicologia-Fac UnidasCatlicasdeMatoGrosso(1983) emestradoemSadeColetivapela UniversidadeFederaldeMatoGrosso doSul(1997).Possuiespecializao emativaodeprocessosdemudana nagraduaoemsaudenopaseem metodologiasdepesquisaemsaude mental.sanitaristadaSecretaria deEstadodeSadedeMatoGrosso doSuldesde1984.FoiDiretorade desenvolvimentoderecursoshumanos emsade.FoiSecretriaAdjuntade SadeeSecretriadeEstadodeSade deMatoGrossodoSul.Implantoue coordenouocursodegraduaoem psicologia,comcurrculointegradoe metodologiasativasdeaprendizagem naUNIDERP.Temexperincianarea dePsicologia,comnfaseemRelaes Interpessoais,atuandoprincipalmente nosseguintestemas:sademental, currculointegrado,processodeensino aprendizagem,metodologiasativas pedaggicasprioritariamenteem Problem Basead Learning (PBL). H dois anos est cedida para a Unidade Fiocruz MatoGrossodoSul,ondemembro docolegiadogestordocursodeps-graduao em ateno bsica em saude dafamlia,namodalidadeadistncia, para 1000 trabalhadores do SUS em Mato Grosso do Sul.22Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeAPRESENTAOPrezado Especializando, A elaborao deste caderno foi uma necessidade sentida durante o Curso de Especializao em Ateno Bsica em Sade da Famlia em funo do momento de transio tecnolgica na sade.Nomarcoterico-polticodaPolticaNacionalde Humanizao, o debate vem tensionando os campos da Ateno-GestonosterritriosdoSUS,incluindoumapeloinsero denovastecnologiasnosprocessosdetrabalhoquepossam garantir a efetivao dos princpios doutrinrios e organizativos do SUS e da Ateno Primria Sade. O Curso de Especializao em Ateno Bsica em Sade da Famlia disparou mecanismos de articulao ensino-servio, por onde desvendou a necessidade de um novo olhar sobre a clnica naAtenoaoSujeIto,trazendoluzdareexoseufazer cotidianoeassimpropornovasprticas:aClnicaAmpliada, que possa articular os eixos da Formao-Ateno-Gesto, em substituio clnica individual, clnica degradada.Neste caderno sero desenvolvidos os seguintes temas que podero auxiliar os trabalhadores do SUS na ateno ao sujeito e sua famlia:-IntroduoedesenvolvimentodoconceitodeClnica AmpliadaenquantodiretrizdaPolticaNacionalde Humanizao; -DesenvolvimentodoConceitoAmpliadodeSadena AtenoGesto-Formao; -A Equipe Ampliada de Sade no SUS e possibilidades de composIo tecnologIca da ao multIprossIonal; -A Clnica Ampliada na Formao como ao disparadora demudanasnasprticasdeAtenoGestono contexto do SUS; Caso Analisado-Relatos de Experincia. Ao naI deste caderno, esperam-se atIngIr os seguIntes objetivos:DesenvolveroconceitotericodaClnicaAmpliadaa partir da Poltica Nacional de Humanizao no contexto do SUS; 23Desenvolverumaanlisedacomposiotcnicado trabalho e suas relaes na produo do cuidado no SUS e do regime de afetabilidades; Potencializar estratgias de Formao em Sade e Trabalho enquanto dispositivos de transio tecnolgica e paradigmtica nos eixos Trabalho-Sade-Educao; Ofertar dispositivos de conhecimento para composio de ApoioMatricial-EquipedeReferncia-ProjetoTeraputico Singular, ampliando as possibilidades de composio da prtica clinIca,demodoafortalecerotrabalhomultIprossIonalmultidisciplinar; Ampliar o debate que permeia o campo da ateno-gesto do SUS para os setores de formao.Nacomposiodestecaderno,aparte1desenvolveo conceitotericodeClnicaAmpliada,fazendoumresgate histrico-crtico do conceito ampliado de sade e do processo saudedoena,IdentIcandoosnoscritIcoseodesaoda integralidade na ateno-gesto das aes de sade. A parte 2 se aprofunda no processo de trabalho de modo quepermitaumaanlisesobreasprticaseacomposio tcnicadotrabalhoemsade(razoentretrabalhomortoe trabalho vivo) e o regime de afetabilidades. Aparte3incluinodebateossetoresdeFormaopara aEstratgiadeSadedaFamliaeaeducaopermanente, com o advento dos Ncleos de Apoio Sade da Famlia como agentesdisparadoresdemudana,demodoapotencializar osefeitosdetransiotecnolgicaeparadigmticanoseixos Trabalho-Sade-Educao. Aparte4propeumacontextualizaorelatosde experinciaesituaes-problemaquepossamilustraro processo de desenvolvimento da estratgia de Sade da Famlia e dos Ncleos de Apoio Sade da Famlia no Estado de Mato Grosso do Sul. 24Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeSeo1-DCDNCEITD AhPLIA0D0ESA0EE A TPANSID NASTECNDLDCIAS0EENSIND-SEPVIDNDSUS:PDPUE PRECISAMOS DA CLNICA AMPLIADA? colar sobre um objeto a etiqueta de um conceito marcar em termos precisos o gnero de ao ou de atitude que o objeto nos dever sugerirHENRI BERGSON (2005b p 38)A Distncia AdequadaA palavra clnica remete-nos ideia de inclinar-se sobre o leito do doente. Ou seja, encontrar uma distncia adequada para o cuIdado prossIonal.A clinIca se dIferencIa das prtIcas sociaisdecuidado(porexemplo,cuidadosfamiliares)por essedIstancIamentoespecicodoprossIonaldesaude. Quando o prossIonal "no se InclIna" e exercIta uma prtIca excessivamentedistante,umatcnica(eventualmentecom algumaefetividade),masquedesconhece(peladistncia excessiva) as singularidades de cada pessoa e de cada relao clnica,temosumaprticareduzida,inadequadamente padronizada.Porm, quando nos referimos a uma prtica clnica amplIada,noestamosconvIdandoosprossIonaIsdesaude aexerceremumaprticadecuidadosemelhantesprticas decuidadosfamiliares.Istoseriatecnicamenteequivocadoe afetivamente temerrio. Estamos nos referindo a uma prtica de cuidado especial, por isso mesmo chamada de clnica. Com o desenvolvimento do conhecimento humano sobre o processo sade-doena,algunsaspectosdaprticaclnicaganharam umaImportncIademasIada,demodoaInterferIrnaeccIa enaqualidadedestaprtica.Porexemplo,umaspectoque sehIpertrooufoIaImportncIadodIagnostIcoemrelao teraputica. Parece evidente que a teraputica to importante quanto o diagnstico, ainda mais se considerarmos o nmero de doenascrnicaseincurveis.Diagnsticoe Teraputicaso 25InstrumentosdetrabalhodoprossIonaldesaudenaateno aos usurios, na defesa da vida e no suporte para as situaes demorteedor.Estaconfusoentreinstrumentodetrabalho (diagnsticoeteraputica)eobjetodetrabalho(pessoas ecomunIdades)estnaraIzdasdIculdadesdaclinIcana atualidade.1.1 Por que precisamos da Clnica Ampliada?So muItos os desaos para qualIcar a ateno saude. Porumladosonecessriascondiesmateriaisadequadasa cada equipamento de sade, de acordo com os seus objetivos naredeassistencial.Porm,poroutrolado,sonecessrios prossIonaIscomprtIcasclinIcasadequadasecooperatIvas. Emrelaosprticasclnicas,umdosmaioresproblemas afragmentaodaatenoereduoinadequadadoobjeto detrabalho.DgrandenumerodeprossIonaIsdesaudeea subespecIalIzaodentrodecadaprossoaumentama fragmentao do trabalho. D que sIgnIca dIzer que facIlItam areduodaresponsabIlIdadeclinIcadecadaprossIonala umdeterminadoaspecto,umadimensodoadoecimentoou de uma patologia. No se trata de questionar a importncia da especIalIzao dentro das prosses com o respectIvo acumulo progressivodeconhecimento.Comoregrageral,quando umadimensodoadoecimentomomentaneamentemais importantequeoutras,aclnicadevefocalizarsuaateno, pelo menos enquanto durar a preponderncia desse aspecto do adoecimento. Em geral, quanto maior a autonomia do sujeito, maioranecessidadedereconheceroutrasdimensesdelee fazernovasescolhas.Fazerescolhassingularesedeforma compartilhada(comopaciente1ecomoutrosprossIonaIs) 1 A palavra paciente remete a uma indesejvel passividade da pessoa queestasobcuidadosteraputicos.Pormapalavrausuriotambm trazdifculdadesporsermuitoinespecfca,sendoutilizadatantopara designar pessoas acometidas de alguma adico quanto para pessoas que 26Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeograndedesaodaprtIcaclinIca.QuandoosprossIonaIs reduzemsistematicamenteaconversacomospacientesaos temas nucleares da sua prosso, correm grande rIsco de fazer umareduoinadequadadasuaprticaclnica.Ampliara clinIca sIgnIca ser capaz de reconhecer o que necessrIo para cada pessoa e para cada coletivo em cada momento, de modo a ampliar as possibilidades de vida e de autonomia. As prioridades eamelhorformadeviveravida(elidarcomriscos,dores erestrIes)somuItovarIadas,aIndaqueInuencIadaspor contextos culturais, econmicos e as diversas relaes de poder comuns. ApesardIsso,muItofrequentequeosprossIonaIs considerem que as dimenses no biolgicas do processo sade-doena no lhe dizem respeito. Tomam as pessoas pelas doenas e acabam tomando-as como um empecilho ao seu trabalho (cuidardadoena).Asconsequnciasdasprticasclnicas reduzIdassoconcretas:IneccIaclinIca(no"adeso"), conItosdesnecessrIosentretrabalhadordesaudex pacientes, insatisfao dos trabalhadores, iatrogenias (ou danos desnecessrios populao), estigmatizao-culpabilizao dos pacIentes maIs complexos, dIculdade de trabalhar em equIpe de forma sInrgIca (conItos entre os prossIonaIs) entre outras.1.2 Principais causas das prticas clnicas reduzidasA complexidadeSo muitas as causas de prticas clnicas inadequadamente reduzidas.Umadasmaisimportanteseabrangentesofato dequelidarcomoutrasvariveisalmdaquelascircunscritas por um diagnstico, aumenta a complexidade do trabalho. Por utilizamdiversostiposdeservios.Optei,nestetexto,porutilizarapalavra paciente reconhecendo sua limitao para designar a pessoa sob cuidados teraputicos, porm valorizando o uso corrente nos servios de sade.27outrolado,umaabordagemexcessIvamentesImplIcadora dImInuI a eccIa e produz danos. Ao reconhecer, por exemplo, que a abordagem de uma pessoa com epilepsia implica ajud-la a lidar com o preconceito contra a doena, ajud-la a lidar com sua famlia, com seu espao de trabalho, com projetos e com a comunidade, lida-se com um nmero maior de variveis. Obviamente esta dimenso do problema obriga a equipe de sade a trabalhar de forma cooperativa com outros atores sociais. O preconceito, por exemplo, contra portadores de patologias, umaquestotambmcoletIva.DquesIgnIcadIzerpolitIca. Decises coletivas (ainda que tcnicas ou medicamentosas) so decIses da polIs. |uItos prossIonaIs aproveItam o fato de que aformaouniversitriamuitasvezesnoospreparoupara lidaremcomacomplexidadeenegamqueapoiarindivduos ecomunidades,paraenfrentarosobstculosaosprojetos teraputIcos,sejasuafunoprossIonaltambm.Dutrosse sentemmuitoincomodadoscomofatodequeproblemasde ordem subjetiva e social no possam quase nunca ser resolvidos deformaunilateralouabsoluta.Ouseja,arelaodepoder dosprossIonaIsdesaudecomIndIviduosecomunIdades afetadas, quando se pensa na prtica da clnica ampliada, tem que ser mais horizontal, mais cooperativa e menos impositiva. possvelaventarahiptesedequeestedesejodesolues simples e poderosas para os problemas decorra do fato de que existemsituaesemqueasteraputicasfuncionamdesse modomaisunilateral.AvacinaSabinparapoliomieliteum exemplo de tecnologia que praticamente dispensa a abordagem de outras variveis. justo e necessrio para o desenvolvimento do nosso conhecimento desejar e buscar ampliar solues mais simples e poderosas, quem sabe preventivas para os problemas desade.Pormnegar-sealidarcomarealidadeemfuno dessedesejocomprometeseriamenteaqualidadedaprtica clnica e aumenta o sofrimento de todos.28Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeSubjetividade na Prtica ClnicaUmadIculdadeparaaprtIcadaclinIcaamplIada lidarcomasubjetividadenarelaoclnica. Afocalizaoda atenocontrIbuIemalgumamedIdaparaqueoprossIonal evIteenfrentarosofrImentodo"outro"eouxodeafetos queinevitavelmentedisparadonarelaoclnica.muito importanteoconceitodetransferncia2desenvolvidopela psicanliseparadesignarasprojeesafetivas,muitasvezes inconscientes,queasrelaeshumanaspodemproduzir. Segundo este conceito, queiramos ou no, percebamos ou no, nossahistriae/ounossomododelidarcomavidapodem produzir em ns, ao nos depararmos com determinada pessoa e situao, alguma projeo afetiva mais intensa. Obviamente, quando estas projees so positivas bilateralmente a relao clnicafacilitadaeesseaspectopodepassardespercebido. Porm,quandoatransferncIa(porpartedoprossIonalou porpartedopacIente)negatIva,aparecemdIculdades. No se trata, como muitas vezes implicitamente parece supor a prtica clnica dominante, de evitar transferncias afetivas. Issoseriaimpossvel.Trata-sedeaprenderalidarcomelas. Um exemplo prosaIco: se um prossIonal vIveu um problema de sade (pessoalmente ou na sua famlia) pode, ao atender uma pessoacomomesmodiagnstico,projetarsobreestapessoa aspectosdasuaexperIncIa.necessrIoqueoprossIonal perceba esse uxo de afetos para utIlIzlo da melhor forma e na medida do possvel. O trabalhoem equipepode contribuir muito para a percepo das transferncias, na medida em que, ao se dIscutIr o caso, as dIferentes relaes de cada prossIonal com o mesmo paciente possam ajudar a evidenciar as projees de cada prossIonal. No se trata de utIlIzar as reunIes clinIcas parafocalizarastransfernciasdecadaum,atporquenem 2Umlivrobastantetilesucintosobreotemadatransfernciana psicanlisechama-se"CincoLiessobreaTransfernciadeGregrio Baremblit, Editora Hucitec, 1996.29sempreesteumespaoadequado(emboraemalguma medida isto esteja sempre acontecendo nas relaes humanas). Trata-sedemapearasconversascomdeterminadafamliaou pacIente que uem melhor, atravs de quem cuja fala uI maIs informaes.Mesmoquenoseconversesobreasdiferenas entre os vrIos prossIonaIs e o mesmo pacIente, ao se explIcItar que essas diferenas existem, automaticamente isto possibilita um aprendizado de cada um sobre os motivos que o levaram a construir uma relao clnica desta ou daquela forma, alm do aprendizado mais completo sobre a situao clnica. importante dizer que o conceito de transferncia coloca em dvida a possibilidade de percepes puramente objetivas nas relaes humanas. A percepo estaria sempre mediada por estes ltros, muItos deles pouco conscIentes ou InconscIentes. Essahiptesepodeserperturbadoraparamuitaspessoas,no entanto ela tambm estimula uma postura crtica, prudente e investigadora.Por outro lado, as transferncias no se remetem somente hIstorIa pessoal de prossIonaIs e pacIentes, mas tambm (e talvezprincipalmente)shistriasepercepescoletivas.A fundao Perseu Abramo publicou recentemente uma pesquisa3 emqueconstataqueumaemcadaquatromulheres(25%) relatoutersofrido,nahoradoparto,aomenosumaentre 10modalidadesdeviolnciasugeridas.Umeventodetal magnitude,emborasejapermeadoemcadarelaoclnica porumaraIvaquaseprotocolardosprossIonaIsparacomas mulheres em trabalho de parto, no pode ter uma explicao somentesingular.inevitveladmitirqueumeventodetais proporesestejarelacionadoaumcontextoderelaes 3Disponvelnositehttp://www.fpa.org.br/galeria/gravidez-flhos-e-violencia-institucional-no-parto. no chora que ano que vem voc est aqui de novo (15%); "na hora de fazer no chorou, no chamou a mame (14%); "se gritar eu paro e no vou te atender (6%); "se fcar gritando vai fazer mal pro nenm, ele vai nascer surdo (5%).30Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadesociaiseculturaiscomuns,queinduzemaumasituaode violnciageneralizadacontraasmulheresnahoradoparto. Ouseja,osafetosnarelaoclnicatambmsoproduzidos InstItucIonalmente,socIalmenteeculturalmente,reetIndo osconItossocIaIsepercepescoletIvas.Dutroexemplode comoocontextoproduzafetosconscienteseinconscientes narelaoclinIcapodeserverIcadoquandoumprossIonal comdeterminadaoporeligiosasedeparacomumpaciente comoporeligiosadiferente,oucomalgumtipodeprtica consIderada proIbIda na concepo do prossIonal. A tendncIa quepredomineumatransferncianegativaporpartedo prossIonal,muItasvezesInconscIentemente.Ddesao mais dramtico quando toda a equipe compartilha de crenas eopesdiferentesdapopulaoassistida.Porexemplo,no atendimentodepopulaesminoritrias(indgenas4,ciganos, quilombola ou de qualquer grupo marcadamente minoritrio). umfatobastantecomumqueasrelaesdedominao entreclassesouentrepovosestejamacompanhadas(ouat precedidas)porumaproduoculturalqueculpabilizae estigmatizaapopulaodominada.Duranteaescravido, vrIas justIcatIvas eram utIlIzadas pela classe domInante para justIcar a InfmIa cometIda e culpabIlIzar a populao negra. Parte dessa lgica se perpetua no preconceito que permanece at hoje em nosso pas5. ao mesmo tempo uma forma tanto dejustIcarasItuaodedomInao(poIsaoculpabIlIzar 4comumemmuitasregiesdopasqueapopulao"branca frequentementeacusepovosindgenasde"ladres.curiosoporque historicamente inegvel que no foram os povos indgenas que invadiram, exterminaram e fnalmente roubaram a terra dos povos indgenas. Ou seja, umexemploquasegrosseirodeinversodosfatoseculpabilizaodas vtimas.5Oboletimnmero31(dezembrode2003)donstitutodeSade doEstadodeSoPauloaborda"Raa,EtniaeSade,demonstrandoas desigualdadesquepermanecemerepercutemempioresindicadoresde sadeemortalidade.Disponvelparadownloademhttp://www.isaude.sp.gov.br/index.php?cid=1275&revista_id=1131avtima,exime-seogrupodominantedesehavercomseus atos),comodeperpetu-la,aofazercomqueosprprios dominadosacreditemnaresponsabilidadepelasituao.As instituies podem reproduzir estas relaes macrossociais ao permitir que esses afetos se reproduzam livremente dentro dos servIos de saude. Um prossIonal que, por exemplo, acredIte nafalciadascondiesiguaisdecompetionomercado pode, sem dar-se conta, culpabilizar uma famlia pela situao demisriaemqueelaseencontra,adespeitodofatode que o nvel de emprego em um pas e a distribuio de renda dependempredominantementedaspolticaseconmicas,que podemproduzirconcentraooudistribuiodariqueza.Ou seja, essas crenas operam nas instituies, tanto perpetuando uma ignorncia sobre as causas da pobreza, quanto humilhando aspessoasqueseencontrammaisvulnerveis.Coisasmuito concretas, como o tempo de consulta e a disponibilidade para escuta por parte do prossIonal, so afetadas por esses afetos ecrenasproduzidossocialmente.Oresultadoquemuitas vezes se cuida mais e se investe mais em quem tem menos risco e menos necessIdades. Ds conItos socIaIs, portanto, atualIzamse nas relaes clinIcas produzIndo dIculdades na constItuIo devnculoteraputicopositivo,naapostadaequipepara enfrentar situaes difceis e graves, principalmente de pessoas em situao de excluso/dominao. Quando esse tipo de afeto predominaemumaequipeemrelaoadeterminadogrupo populacional, muitas vezes necessrio que uma pessoa de fora, exercendo um papel de apoio, possa ajudar o grupo a perceber esse padro de subjetividade. O apoiador pode viabilizar para dentrodaequipeoutrospontosdevista,principalmentedos pacientes ou pessoas em situao semelhante, para aumentar a capacidade da equipe de perceber esse padro de subjetividade queela(re)produz. Aindaquemuitasvezesnosejapossvel evitardeterminadopadrodesubjetividadedominantee depreciador, o apoiador pode ajudar a equipe perceber e lidar 32Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadecom tal situao de forma a diminuir os danos.Outropadromuitocomumoinvestimentoafetivo dosprossIonaIsdesaudeemdetermInadosaspectosdoseu ncleo de conhecimento ou procedimento. Muitas vezes ele se IdentIca de tal forma com um procedImento ou conhecImento, quetemdIculdadesdereconheceralgumlImItesem sentir-sepessoalmenteofendido.comoseofracasso,por exemplo,deumatcnIcaoudeumamedIcao,sIgnIcasse umfracassopessoal,umaameaaprpriaidentidadeda pessoa. DbvIamente essa dIculdade pode produzIr problemas naprticaclnicaemduasdirees:podeafetarovnculo, muitasvezesgerandoatumaresponsabilizaodopaciente pelofracassodateraputica,oupodegerarumaenorme dIculdadedoprossIonaldereconheceraImportncIasde outrosconhecImentoseprossIonaIsdesaude,dIcultandoa construodeobjetivoscomunseasinergianotrabalhoem equipe. A delicadeza dessa situao o ncleo de conhecimento de cada prossIonal.Por ultImo, um desao para os prossIonaIs amplIarem a prtica clnica o de lidar com a dor, o sofrimento e a morte. AnaPitta,emseulivroHospitalDoreMortecomoOfcio, aborda o desgaste dos prossIonaIs de saude em uma socIedade queentendeamortecomoumaderrota,comoumevento quedeveserconnadoeescondIdo.Nessecontexto,uma parte importante do trabalho em sade que o cuidado das pessoasparaamortedignaecomomnimodesofrimento- acabasendonegligenciado.Oidealdecuraoupreveno desqualIca ou dImInuI a ImportncIa de cuIdados palIatIvos ou dereduodedanos.Ocorreentotantoumdesgastemaior dostrabalhadores,comoaerupodediversosmecanismos dedefesanoconscientesnoplanoinstitucional.Aprpria hiperfragmentao das atividades, em uma adaptao gerencial da linha de produo industrial para o trabalho em sade, pode servircomoestratgiadenegaodasituaodesofrimento 33edorvividaporpacientes. Aorestringiroobjetodetrabalho a uma atividade muito parcial, como se fosse possvel evitar o contato com a situao real. Trata-se de fazer um curativo, umdiagnstico,umamedicao,umexame,umaprescrio etc. Trata-se de uma hepatite crnica, de um tumor x ou y, de umaICC6,umalcoolista. Asreduesdaprticaclnicaaos mltiplosprocedimentosedaspessoassobresponsabilidade das equipes aos diagnsticos que elas recebem so uma forma (tambm)delidarcomsituaesdifceis.Damesmaforma, durantemuitotempo,serviosdeoncologiarecusavamo tratamento paliativo aos pacientes que no tinham chance de seremcurados.Argumentavamque,casocuidassemdesses pacientes,deixariamdecuidardaquelesquetinhamchance deseremcurados(vARELLA,2004,P144).Ficouevidente, comotempo,quenoeraassimequeesteeraumsintoma InstItucIonaldadIculdadedelIdarcomamorteecomos limites do conhecimento e das tcnicas disponveis. No Brasil, deformasemelhante,certatradioqueassociaotrabalho na Ateno Primria exclusivamente preveno e promoo, emdetrImentodaclinIca,acabajustIcandoasdIculdades deacompanharassituaesmaisgravesecomplexasna Ateno Primria. Durante muito tempo s se atendiam pessoas saudveisnosCentrosdeSade.Nohaviaespaoparao atendimentodeintercorrncias.Porissonecessriamuita atenodosprossIonaIsdesaudeparaavalIaroquantoo desgaste de lidar com a dor e com a morte no est conduzindo aestratgiasdedefesaquenoresolvemoproblemado desgaste e comprometem a funo dos servios de sade. Um modo de gesto mais compartilhado, em que seja possvel para os prossIonaIs conversarem sobre dIculdades, contrIbuI muIto para qualIcar a prtIca clinIca.

6 Abreviatura comum para insufcincia cardaca congestiva.34Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sade1.3 A proposta da Clnica AmpliadaCAMPOS(1997,2003)diagnosticouumapolaridade entreatendnciauniversalizantedoconceitodedoenana biomedicina(tendnciadoconhecimentoemproduziruma ontologiadadoena)versusasingularidadedosujeito. Inspiradonosavanosdalutaantimanicomial,delimitouum campo de problemas ligados prtica clnica, no exatamente dependentes de pertencerem a esta ou quela racionalidade ou campo disciplinar, mas dependentes principalmente do hbito - usual nos marcos da losoa domInante no mundo ocIdental - de atribuir excessivo peso ao conhecimento produzido a partir dabuscadeverdadesuniversaisougerais,emdetrimentodo conhecimentoobtidoapartirdoreconhecimentodaPoltica NacionaldeHumanizao(PNH)doMinistriodaSade,que tem defendido a clnica ampliada como uma diretriz importante dapoltica.Emseudocumentobase7aPNHtrazumresumo bastante sinttico e oportuno:Oconceitodeclnicaampliadadeveserentendidocomouma das diretrizes impostas pelos princpios do SUS. A universalidade do acesso, a integralidade da rede de cuidado e a equidade das ofertas em saude obrIgam a modIcao dos modelos de ateno e de gesto dos processos de trabalho em saude. A modIcao das prticas de cuidado se faz no sentido da ampliao da clnica, isto , pelo enfrentamento de uma clnica ainda hegemnica que:1) toma a doena e o sintoma como seu objeto;2) toma a remisso de sintoma e a cura como seu objetivo;3)realizaaavaliaodiagnsticareduzindo-aobjetividade positivista clnica ou epidemiolgica;4)deneaIntervenoteraputIcaconsIderando 7 BRASL, Ministrio da Sade HUMANZA SUS Documento Base Para Gestores e Trabalhadores. 4 ed. 2008 (www.saude.gov.br/humanizasus) 2008.35predominantemente ou exclusivamente os aspectos orgnicos.Ampliar a clnica, por sua vez, implica:1) tomar a sade como seu objeto de investimento, considerando a vulnerabilidade, o risco do sujeito em seu contexto;2) ter como objetivo produzir sade e ampliar o grau de autonomia dos sujeitos;3)realizaraavaliaodiagnsticaconsiderandonososaber clnico e epidemiolgico, como tambm a histria dos sujeitos e os saberes por eles veiculados;4) denIr a Interveno teraputIca consIderando a complexIdade biopsicossocial das demandas de sade.A clnica ampliada apresenta estas propostas:1) compromisso com o sujeito e no s com a doena;2) reconhecImento dos lImItes dos saberes e a armao de que o sujeito sempre maior que os diagnsticos propostos;J) armao do encontro clinIco entre doIs sujeItos (trabalhador de sade e usurio) que se coproduzem na relao que estabelecem;4)buscadoequilbrioentredanosebenefciosgeradospelas prticas de sade;5) aposta nas equIpes multIprossIonaIs e transdIscIplInares;6)fomentodacorresponsabilidadeentreosdiferentessujeitos implicados no processo de produo de sade (trabalhadores de sade, usurios e rede social);7) defesa dos direitos dos usurios.(PNH/MS DOCUMENTO BASE)8Tanto a busca por uma Clnica Ampliada, quanto a anlise dos determinantes de uma clnica reduzida doena nos levam relaodaclnicacomagesto.ParaCAMPOS(2000),os princpios tayloristas buscam a fragmentao e especializao do trabalho induzindo ao trabalho repetitivo, desprazeroso e pouco 8EmborasetratedeumdocumentoinstitucionaldaPNH/MS, composto em processos coletivos de discusso, o trecho citado de autoria do Prof. Eduardo Passos.36Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadecriativo, motivado fortemente pelo ganho indireto e postergado (sejadarecompensananceIradohomoeconomIcus,sejada IdentIcao com algum "Ideal" da organIzaoInstItuIo). Na sade, a RGH (Racionalidade Gerencial Hegemnica)9 induziria, portanto,aumacertaculturaorganizacionalquenegaa incerteza e a discusso coletiva e estimula um tipo de clnica reduzidaeespecializada-fragmentada,queinvestegrande energianapossibilidadedequeastipologiasgeneralizantes epadronizveis(protocolos,guidelines,diagnsticos,ensaios clinIcos)sejamsucIentes(eatonIpotentes)paraenfrentar osdesaosdosservIosdesaude.NessesentIdo,aclinIca dominante e a gesto tradicional apoiam-se e se coproduzem. por isso que a proposta da clnica ampliada complementar proposta de cogesto, e que diversos dispositivos e arranjos organizacionais, como o Projeto Teraputico Singular, a Equipe deReferncia/ApoioMatricialeCogesto,sonecessriose justapostos proposta de clnica ampliada.CAMPOSeMIMEO(2008)aindaapontamalgunseixos importantesquecaracterizamaclnicaampliadanocontexto atual do SUS, a saber:1.CompreensoampIIadadoprocessosade-doena: a clnica ampliada busca evitar uma abordagem que privilegie excessivamentealgumamatrizdeconhecimentodisciplinar. Ouseja,cadateoriafazumrecorteparcialmentearbitrrio da realidade (por exemplo, na mesma situao clnica podem-seenxergarvriosaspectos:patologiasorgnicas,foras sociais,produodesubjetividade,etc.)ecadarecorte poder ser mais ou menos relevante em cada momento. A clnica ampliadabuscaconstruirsntesessingularestensionandoos limites de cada matriz disciplinar e colocando em primeiro plano 9RacionalidadeGerencialHegemnicaomododominantede pensar e fazer a gesto do trabalho. Segundo CAMPOS (2000), este modo dominante e fortemente infuenciado por princpios tayloristas se espalhou da linha de produo da fbrica para toda a sociedade.37a situao real do trabalho em sade, vivida a cada instante por sujeitos reais. Esse eixo da clnica ampliada traduz-se ao mesmo tempo em um modo de fazer a clnica e na ampliao do objeto de trabalho, com a necessria incluso de novos instrumentos.2.Construocompartilhadadosdiagnsticose teraputicas:reconheceracomplexIdadedaclinIcasIgnIca reconhecerlimites.Ficaevidente,emumnmerocadavez maIordesItuaes,adIculdadeemseobterosresultados idealizados de forma unilateral, independente, principalmente, davontadedopaciente.atmesmonecessrioquese possaperguntaraosprossIonaIs(comofez8ALNT)porque to forte e to frequente a vontade de decidir pelo outro eatmesmo"contraooutro"entreprossIonaIsdesaude. Fato que poucas coisas alm de iatrogenias e desperdcio de recursos acontecem nos servios de sade, quando os projetos teraputicosnosonegociadoscomospacienteseentre osprossIonaIs.necessrIo,portanto,umsegundoeIxode trabalho na clnica ampliada, que a construo compartilhada dos diagnsticos e das teraputicas. Assim, necessria, em um grande nmero de vezes, alguma mudana na autoimagem e/ou na expectatIva pessoal do prossIonal de saude em relao ao seutrabalho,deformaqueelenobusqueinadvertidamente construirumarelaounilateralcomopaciente,mesmo quando tenha algum grau de certeza amparada em experincia ou conhecImento cIentico.Essa necessidade de compartilhamento dirige-se tambm paraaequipedesade,outrosserviosdesadeesetores que frequentemente fazem parte (ou precisam fazer) da rede assistencial, seja de forma mais pontual ou mais crnica. Trata-se de reconhecer que apostar em vrias dimenses do problema, de forma compartIlhada, InnItamente maIs potente do que insistir em uma abordagem pontual unilateral.38Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sade3.Ampliaodoobjetodetrabalho:asdoenas, asepidemiaseosproblemassociaisacontecemempessoas. Portanto,oobjetodetrabalhodequalquerprossIonalde sade deve ser a pessoa ou grupos de pessoas, por mais que o nucleo prossIonal ou especIalIdade sejam bem delImItados. E devem pertencer ao campo de conhecImentos dos prossIonaIs de sade saberes que permitam alguma compreenso e alguns instrumentos para lidar com o tema (pessoa). Neste processo de aprendIzado, um desao Importante na atualIdade que o hbito de compreender o trabalho em sade, a partir de objetos de trabalho restrItos, costuma produzIr tambm nos prossIonaIs um "objeto de InvestImento" restrIto. D que sIgnIca dIzer que, por um lado, aprende-se no apenas a gostar dos procedimentos e atividades parciais no processo de tratamento, como tambm aIdentIcarsecomestes;poroutrolado,aprendesea NADgostardeoutrasatIvIdadesforadonucleoprossIonal. Pioraindaquepossvelqueumacompreensoampliada provoqueumagrandesensaodeInseguranaprossIonal, porquenecessariamentetrazanecessidadedelidarcomas Incertezas do campo da saude. Essas dIculdades fazem parte dodesaodaclinIcaamplIadaenodevemserconsIderadas uma exceo, mas parte do processo de mudana e qualIcao trabalho em sade.4.Atransformaodosmeiosouinstrumentosde trabalho:tambmsemodIcamIntensamentenaclinIca ampliada.Sonecessriosarranjosedispositivosdegesto queprivilegiemumacomunicaotransversalnaequipee entreequipes(nasorganizaesenaredeassistencial).Mas, principalmente,necessriaalgumacapacidadedeescuta-percepo(darelaoclnica),acapacidadedelidarcom condutasautomatizadasdeformacrtica,delidarcoma expresso de problemas sociais e subjetivos, com a famlia, a comunidade e grupos sociais.395. Suporte para os prossIonaIs de sade: a clnica com objeto de trabalho reduzido acaba tendo uma funo protetora paraosprossIonaIs(mesmoquebaseadaemcertanegao dasItuao),porquepermIteaoprossIonal"noouvIr"uma pessoaouumcoletivoemsofrimentoe,assim,tentarno lidar com o drama da situao que se apresenta na clnica. Umexemploclssicodessemecanismoinconsciente-ainda no de todo debelado - a forma como servios de sade de oncologIajustIcavamonoatendImentoouoatendImento deliberadamente precarizado de pacientes terminais ou fora de proposta teraputica. O argumento (sustentado pela cultura institucional) era de que os servios deveriam ser voltados queles que tinham chances de serem curados. Com isso, os pacientes termInaIs cavam sem atendImento: sem sedao, hIdratao e outros procedimentos mnimos para uma morte digna. At hoje o 8rasIl um pais que aInda tem dIculdades na prescrIo de analgesia para pacientes terminais - embora seja prdigo com a prescrio de ansiolticos, antidepressivos e outros analgsicos sociais10).DfatoqueadIculdadedosprossIonaIsem 10 van llich (1975) prope que a sociedade contempornea produza a"alienaodador."Parecerazovelselibertardosincmodosimpostos pelador,mesmoqueissocusteaperdadaindependncia.medida queaanalgesiadomina,ocomportamentoeoconsumofazemdeclinar todacapacidadedeenfrentarador(...).Aomesmotempo,decrescea faculdadededesfrutardeprazeressimplesedeestimulantesfracos.So necessrios estimulantes cada vez mais poderosos s pessoas quevivem emumasociedadeanestesiada,parateremaimpressodequeesto vivas. Os barulhos, os choques, as corridas, a droga, a violncia e o horror continuamalgumasvezessendoosnicosestimulantescapazesaindade suscitarumaexperinciadesi mesmo. Em seuparoxismo,umasociedade analgsicaaumentaademandadeestimulaesdolorosas.Hojetornou-se extremamente difcil reconhecer que a capacidade de sofrer pode constituir sinal de boa sade, desde que sua supresso institucional encarna a utopia tcnica diretriz de uma sociedade. O consumidor, devotado aos trs dolos anestesia; supresso da angstia, e gerncia de suas sensaes rejeita a ideia de quem, na maioria dos casos, enfrentaria sua pena com muito maior proveito se ele prprio a controlasse.(LLCH, 1975 p 140).40Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadelidarcomamorte(emgrandemedidainconsciente)produzia umaargumentaofalsaemrelaoaoatendimentode pacientesterminais,inventandoumafalsarelaodemtua exclusoentreospacientescomsupostopotencialdecurae os sem chance de cura. Esse tIpo de problema ca evIdencIado namedidaemquesepropeaClnicaAmpliada.Problemas cronIcos, socIaIs ou subjetIvos podem produzIr nos prossIonaIs desadereaosemelhantequelaproduzidaporpacientes terminaisnosserviosdeoncologia. Aquioaspectocognitivo Importante, mas no sucIente, porque necessrIo crIar Instrumentos de suporte aos prossIonaIs de saude para que eles possam lIdar com as proprIas dIculdades perante IdentIcaes positivasenegativascomosdiversostiposdesituao. necessrio, neste processo, que se enfrente um forte ideal de "neutralIdade" e de "no envolvImento" prossIonal, prescrIto nasfaculdadesdesade,que,muitasvezes,colocauma InterdIo para os prossIonaIs de saude quando o assunto a prpria subjetividade. A partir disso, a gesto deve cuidar para incluir o tema nas discusses de caso (PTS Projeto Teraputico SIngular) e evItar IndIvIdualIzar ou culpabIlIzar prossIonaIs que esto com alguma dIculdade em lIdar com esse processo, no estigmatizando, por exemplo, mas enviando sistematicamente os prossIonaIs que apresentam algum sIntoma para os servIos de saude mental. As dIculdades pessoaIs no trabalho em saude reetem,namaIorpartedasvezes,problemasnoprocesso detrabalho(abaixagrupalidadesolidrianaequipe,aalta conItIvIdade, a fragmentao, etc.).quando me formei h 10 anos atrs vim trabalhar nesta equipe. Eu cheguei e a equipe, assim como as outras duas da unidade, j tinham o seu modo de trabalhar. Ento agendaram para eu fazer coleta de citologia onctica (CO). Eu comecei a fazer a coleta e logochegouumasenhoracomumacriana.Nahoradecolher oexameelanofezmenodecolocaracrianaparafora. 41Perguntei para ela e ela me disse que no tinha problema algum. A crIana estava acostumada. Eu queI chocada. PergunteI para os colegas se era assim mesmo e eles me disseram que isto era muito comum na unidade porque vrias mulheres no tinham com quem deixar as crianas e preferiam trazer. Bem, comuniquei senhora que eu preferIa que a crIana casse do lado de fora... No passou dois minutos, mal comeara o exame, a criana comea e berrar meeeee e esmurrar a porta. Conversamos sobre o assunto naequipe.Fizmaisalgumasexperincias,emesmoquandoa criana do lado de fora no chorava, ela atrapalhava todo mundo na unidade. Ento comprei uma mesinha, cadeirinha, papel, lpis de cor e uns brinquedinhos... Na hora do exame colocava a criana sentada de frente para parede, para brincar, enquanto eu tentava fazeroexame.Noadiantoumuito.Invariavelmente,nomeio doexame,todaselasqueriamveroqueeuestavafazendo. Demorou at que eu percebesse que a nica incomodada era eu. Na verdade, na minha famlia, aquilo era inconcebvel. Eu nunca vira minha me sem roupa... levei um tempo para perceber o que em mim estava produzindo aquele incmodo e a pude separar as coisas e me enriquecer muito com aqueles outros modos de ver a sexualidade e as relaes familiares (CUNHA G. T.: relato de uma enfermeira do PSF)11Dito isso, podemos apontar para o que seriam implicaes da clnica ampliada em termos de capacidades e disponibilidades dos prossIonaIs de saude para executla.1.Algumadisposioparabuscarconstantementenos encontrosdaclnicaumapercepodesimesmo, imerso em diversas foras e afetos (em transformao);2.Alguma disposio na tentativa de articular ou compor satisfatoriamente,paracadasituaosingular,um cardpiodeofertasdesaberesetecnologias diferentes, lidando da melhor maneira possvel com a 11 O relato foi feito em 2005, durante uma aula sobre Clnica Ampliada.42Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadetendnciaexcludenteetotalizantedemuitosdesses saberes;3.Algumadisposioparabuscarnegociarprojetos teraputicoscomossujeitosenvolvidos,levandoem conta as variveis necessrias em cada momento;4.Acapacidadedelidarcomarelativaincerteza(eo lutodapercepodeinexistnciadecertezas absolutas) que esses desaos trazem;5.Finalmente, uma disposio para trabalhar em equipe e construir grupalidade, de maneira que seja possvel criarmaisfacilmenteumadinmicasolidriae disponvel para a clnica ampliada.1.4 A prtica da clnica ampliadaGasto Campos prope que a prtica da clnica ampliada se d com alguma analogia com a prtica do Apoio Gesto. 0ene ento a exIstncIa de "cIclos" na relao prossIonal e usurio, no necessariamente seqenciais, propondo um roteiro de trabalho.Ciclo IParte I - A busca do foco temtIcoO usurio estimulado a fazer uma narrativa12 em torno do"objeto"(queIxa,oudIculdadequemotIvouabuscado apoio) e sobre o objetivo (expectativas do usurio em relao a este apoio). Este um momento importante para que se faa ou refaa o contrato com o mximo de clareza. A possibilidade 12 Aqui uma vasta gama de preciosas contribuies tericas e prticas devenosauxiliarnacompreensoevalorizaoda"narrativanaateno individual:desdeapsicanlise,comsuasvariaesdemtodoeteoria, at contribuiesoriundasda Prtica na Ateno Primria, como o Mtodo ClnicoCentradonaPessoa(STEWART2010),easvaliosascontribuies de Jos Ricardo AYRES (2004).43de uma narrativa importante porque ela engloba a construo de explicaes e causalidades que em si mesmas j podem ser teraputicas(anamneseampliadaCUNHA,2004).Ofoco temticobemconstrudovaifacilitaraconstruodovnculo porquepermitealgumaexplicitaododesejoedointeresse dousurio.Comotempoenamedidadaspossibilidades,o prossIonal poder sugerIr a amplIao do foco temtIco. |as importanteevitarumhbitobastantecomumnaprtica clnicaemaiscomumnaatenoprimria,dedesconsiderar o tema ou a prioridade do usurio, investindo nas prioridades programtIcas ou prossIonaIs (o tema maIs Importante de cada tIpodeprossIonaldesaude). AnarratIvapossIbIlItatambm oprimeiroenfrentamentodeumdosmaioresadversriosde umaprticaclnicaampliada:asubmisso,passividadeou transfernciadetodaaresponsabilidadedotratamentopara outro prossIonal. sto porque, uma das causas de passIvIdade justamente a separao artIcIal do processo de adoecImento davidavividadosujeitodoente.Certohbitofocalizante13 deconduodahistriaclnicacostumadesprezartoda informaonoobjetiva,todainformaoquejustamente situeosintomanocontextorealdavida.Essaconexoque reetea"experIncIa"14doadoecimentopermiteaousurio percebernosomentecausalidadesentreoadoecimentoea 13Oconceitode"FiltroTericodosprofssionaisdesade(CUNHA 2005) contribui para o reconhecimento da utilidade prtica do uso automatizado de certo algoritmo na conduo da conversa em direo s possibilidades diagnsticasmaisprovveis,destacando,porm,osdanosqueouso inadequado do roteiro de conversa pode produzir na relao clnica.14 A diferenciao entre "ilness e "disease pode, muitas vezes, ajudar oprofssionaladiferenciardoismovimentosimportantesnaprticaclnica: (1)abuscadeclassifcaodosproblemasapresentadospelousurioem categorias gerais de diagnsticos e (2) a compreenso atravs de narrativas dousuriodaexperincia(sempresingular)doadoecimento(STEWART 2010).44Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadevida,masprincipalmentecoprodues,ouseja,elementos davidacujaresponsabilidadeprincipalmentedousurio, quedetermInamouInuencIamasuacondIodesaude. Tal percepo importante na pactuao da conduta e na diviso dos papIs entre o prossIonal de saude e o usurIo.ParteII-IntervenoampIIada:projetoteraputIco compartilhadoApsconsiderartambmaanlisedeexamesfsicose outrasInformaesrelevantes,oprossIonalbuscarfazer umapropostadesnteseentreasofertasediagnsticosdo prossIonaleorelatodemandadousurIo.Estasintese constituiumprojetoteraputicoimediato:medicaes, procedimentos, propostas no modo de andar a vida, formas deapoioinstitucional,retornos,etc.,momentoesteque implicaumclimadenegociao,emoposioaumclima deprescrIounIlateral.ssosIgnIcadIzerquenobastam perguntas sobre como o usurio entendeu, ou se concorda com a proposta, caso essas perguntas sejam feitas em um clima de poucadisponibilidadeparanegociao.preciso,antesde tudo,estarabertonegociaoeprocurarasperguntasea forma de conduzir dilogos adequados e necessrios partilha de decises.Ciclo IIOsegundociclodizrespeitoaosencontrosrotineiros. Do primeiro ciclo permanece a disposio para pactuar o foco temtico e compartilhar decises, mas agora necessrio criar espaoparaanlisedasprimeirastentativasderealizao doprojetoteraputicoedoacompanhamentodesituaes crnicas, alm de abrir a possibilidade de outros temas menos diretamente relacionados ao que pode ter sido a razo principal do encontro.45Evidentemente,quandooprimeiroencontroentreum prossIonaleumusurIoesbarraemumalongahIstorIade tentativas de tratamento e experincias do usurio em outros serviosdesade,estesegundociclodeveestarpresente tambm no primeiro encontro. Quando no, a proposta que o segundo cIclo seja uma oferta do prossIonal para buscar crIar um momento de narrativa do usurio sobre a sua experincia com o projeto teraputico proposto at ento. Aqui importante tanto uma abertura do prossIonal para uma escuta no moralIzante, quanto uma ruptura com hbitos de direcionamento da conversa paradiagnsticosquejmencionamosanteriormente.Este ummomentodelIcadoporqueusualqueosprossIonaIs desenvolvam algum tipo de contrariedade (e at mesmo raiva) emrelaoaosusurIosquetmdIculdadesemseguIras propostasteraputIcasouquerelatemoslImItesdeeccIa ouefeitoscolateraisdosprocedimentospropostos.Quando issoacontece,omaiscomumqueousurioestabeleaum padro de relao em que ele so relata aquIlo que o prossIonal quer(ouconsegue)ouvIr,evItandoasdIculdadesedecIses contrrIasquelasqueelepercebequeoprossIonaldeseja quesejamfeitas.Outropadrodereaodopacienteaesta dIculdadedoprossIonaldeouvIrproblemasconcretoscom as propostas do projeto teraputico o enfrentamento direto do prossIonal pelo usurIo, explIcItando de forma desaadora asdesobedincias.Estaatitudereativarevelaumpadro derelaoInfantIlIzanteImpostopeloprossIonalemalgum momento da sua prtica clnica.Estes dois ciclos bsicos vo se repetindo. CAMPOS (2000) propeque,nesseprocesso,oprossIonaldesaudebusque sempre aumentar a compreenso do usurio sobre (1) os fatores de coproduo sade, doena, modo de vida, sistema sade, (2) a compreenso sobre si mesmo e sua rede social ( instrumentos, comoaabordagemsistmicadafamliapodemserteispara mapeamento compartilhado da rede social) e (3) a compreenso 46Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadesobre modos de interveno sobre si mesmo e sobre o contexto.Emrelaoaocontextosocial,buscarcontribuircomo sujeito para que ele possa lidar melhor com:-asrelaesdepoder:situaodedominantee dominado.Nopequenoonmerodevezesem queasrelaesdepodertantoinstitucionais-sociais, quantopessoaisinterferemnasituaodesade.O compromIssocomumadenIoamplIadadesaude convida a reconhecer que uma parte relevante da vida deve-seaalgumacapacidadedelidarcompoderes. Aqui a tipologia de Michel Foucault a respeito de trs formas de dominao uma contribuio importante15 (FDUCAULT, 198J). Neste aspecto, o prossIonal precIsa estar atento a um compromisso tico-poltico, uma vez que ajudar o sujeito a se perceber em relaes de poder implica desnaturaliz-las; desse modo, importante a compreenso dos mais importantes tipos de relao de poder em sItuaes de conItos, para:15FOUCAULT(1983)optaporabordarotemadopoderapartirdos seusefeitoseprocuraestudaras"formasderesistncia,destacandoo enfrentamento das (1) formas de dominao tnica, social e religiosa (2) das formas de explorao que separam os indivduos daquilo que eles produzem; e (3) contra aquilo que liga o indivduo a si mesmo e o submete, desse modo, aosoutros(lutascontraasformasdesubjetivaoesubmisso).Este ltimo tipo seriam as lutas "transversais, que diferentemente de outros tipos, almejamumresultadoimediatoeatacamo"efeitodopoderenquantotal. Exemplosseriamas"oposiesentreprofssionaisdesadeepacientes, entrepaiseflhos,entrehomensemulheres,entreadministradorese trabalhadores,entrepessoasquetmumestigma(quepodesercausado por um diagnstico) e "outros. Enfm, "so lutas que questionam o estatuto doindivduo:porumalado,afrmamodireitodeserdiferenteeenfatizam tudoaquiloquetornaosindivduosverdadeiramenteindividuais.Poroutro lado, atacam tudo aquilo que separa o indivduo, que quebra sua relao com os outros, fragmenta a vida comunitria, fora o indivduo a voltar-se para si mesmo e o liga a sua prpria identidade de um modo coercitivo (FOUCAUT, 1983) .47-analisarcomosujeitocomoocorremmovimentosde defesa,ataqueefuga. Assimpode-secontribuirpara que o sujeito perceba a os seus padres e os respectivos efeItos no enfrentamento de conItos;-se possvel, contribuir para incrementar a capacidade de elaborar alianas e contratos na sua rede social;-quandonecessrio,contribuirparaainvenode modos de tomar deciso;-cuidar para que as decises possam contribuir para o aumento da capacidade de projetar a vida (pensamento microestratgico,conectadoaostemasdos desejos e sonhos).Emumaseparaodidtica,pode-seacrescentara abordagemdosfatoressubjetivos,momentoemqueo prossIonalbuscacontrIbuIrparaqueousurIoaumentea capacidade para lidar com:-o interesse e o desejo prprio e de outros;-os hbitos estruturados de vida;-a relao com alimentos e rituais culinrios;-a relao com trabalho, atividade fsica, arte, esporte, natureza e territrio;-asexualidade:aumentarcompreensonecessriae possvel;-os temores.importantedestacar,emrelaoaostemores,otema da medicalizao da vida e a diretriz da preveno quaternria (ALMEIDA,2005eTESSER,2010)quebuscadiagnosticar situaes de risco para intervenes potencialmente produtoras deiatrogenias,comoexameseprocedimentosdesnecessrios (GRIMES,2002).Nuncademaislembrarque,segundoa pesquIsadoranorteamerIcana8arbaraStareld(2000),a terceiracausademortenosEUAsointervenesmdicas. Poroutrolado,omedoeaculpabilizaosoferramentas 48Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadetradIcIonaIsdasprossesdesaude,herdadasprovavelmente deinstituiesreligiosas(MARTINS,2008).Demodoqueos temores merecem sempre mxima ateno na prtica clnica.Essestpicosnosoobrigatrios.Geralmenteaclnica ImplIcaescolhasedenIodeprIorIdades.DcamInhopara chegar a essas escolhas passa pela construo de hipteses de inter-relaes entre o(s) problema(s) de sade e a coproduo do sujeito. Este pequeno roteiro de prtica da clnica ampliada no deve ser aplicado de forma linear. A qualquer momento, na relao clnica, irrompem encruzilhadas que requerem decises. Em paralelo, um processo acumulativo de compreenso cognitiva e intuitiva (no sentido preciso que BERGSON (2005) dedica a essa palavra) produz, qual um calidoscpio, novas perspectivas para a sItuao.D vinculo teraputIco, a experIncIa do prossIonal eotrabalhoemequipe(comapossibilidadedediferentes construes teraputicas) tambm modulam constantemente a relao clnica.49Seo 2 - Uh hETD0D 0E APDID E UALIFICAD 0A CLNICA E 0A CESTD NA ATEND PPIhAPIA: CPUPDS ALINT - PAI0EIA. Acogestoeaclnicaampliada: Anlisedosdesenhos organIzatIvosdaAteno-Cesto(acomposIotcnIcado trabalho)Muitas vezes se imagina que arranjos mais democrticos nasorganizaessoincompatveiscomaqualidadedos servios.Diz-secomfrequnciaqueseriapreciso,paraque funcionassem adequadamente, muita obedincia, renncia dos trabalhadores,fragmentaodotrabalho(cadaumfazendo asuaparte)epoucaconversa.Osgestoresconcentrariam aomxImoospodereseossaberes,denIndoexatamente comoascoisasdevemfuncionar.Depoisdisso,caber-lhes-ia apenasscalIzarseasdetermInaesestosendocumprIdas. Nestemodelosimplista,espera-sedogestorexatamente aposturacontrriadaquelaqueseesperadotrabalhador: criatividade,protagonismo,iniciativa.ummodelogerencial que se estruturou a partir da revoluo industrial e espalhou-seportodaasociedade,organizandootrabalhonasmais diversasreas.Hojeessemodelogerencialjsofregrandes questionamentos,mesmonaindstria,ondefoicriado. Ainda queseignoremosseusdesastresticos,impossvelnegar quenasreasemqueoobjetodetrabalhocomplexoe requerumaabordagemcooperativaecriativa,essemodelo InsucIente. Na saude, ele est relacIonado ao "produtIvIsmo" descoladodosresultados,ignornciaepoucoenvolvimento dostrabalhadorescomasnalIdadesdaaodesaude,ao isolamentoedesresponsabilizao16dostrabalhadoresem 16 Quando as pessoas no participam dos processos de deciso, mais facilmente se desresponsabilizam do trabalho e do seu resultado.50Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Saderelao s pessoas sob seus cuidados. Em trabalhos complexos comoasadeeaeducao,necessriooutromodelode gesto,umagestoqueinvistatambmnaautonomiaeno conhecimento dos trabalhadores. Na Ateno Primria, estudos demonstramqueequipescomdinmicasdetrabalhomais democrticasecommelhorclimanaequipetmmelhor resultado (CAMPBELL, 2001). Essa relao entre gesto, melhor clima na equipe e resultado demonstrada em outros estudos (BOWEReCAMPBELL,2003).Nosetrata,obviamente,de autonomIa total de qualquer categorIa prossIonal. D trabalho emsadeumtrabalhopredominantementecooperativo. Quando cada um faz o que quer, simplesmente no h gesto alguma e, muitas vezes, sequer h um trabalho. Em uma gesto democrtIca,assumeseodesaodeequIlIbrarautonomIae controle nas organizaes, valorizando os espaos coletivos de deciso (CAMPOS, 1997b). Apesar da grande insatisfao que o modelo de gesto dominante produz, da pouca sustentabilidade edosquestionamentostericos,aindasopobresasofertas gerenciais que apontem para outro tipo de organizao e gesto na sade. So poucos os mtodos e instrumentos para valorizar a capacIdade clinIca dos prossIonaIs e lIdar com as sIngularIdades (CUNHA, 2004). A maior parte da energia gerencial nos servios desadeaindainvestidanabuscaenavalorizaodeuma padronizao das atividades. Ainda forte nos servios de sade a ideia de que possvel alcanar um saber, um protocolo ou um gestor que, este sim, seria redentor e solucionaria todos os problemas. D desejo de sImplIcao e controle resulta em intensoinvestimentogerencialemprotocolos,guidelinese estudos baseados em evidncia. No se trata aqui de abolir esses instrumentos, mas sim de reconhecer que se eles tm potncias, tmtambmlimitesenopodemseranicaferramenta gerencial.relevanteapontarqueessatendncia,muitas vezes inconsciente nas organizaes de sade, produz tambm umsentimentodedecepoeangstiadiantedasincertezas 51da clnica e da complexidade do adoecer. Ou seja, existe certo lutodosgestoresnamedidaemqueaspromessasdesuas ferramentastericaseprticasnoseconcretizam.Eocorre comfrequnciaqueosprogressosdeumaequipecommaior autonomia cheguem a incomodar gestores mais controladores, namedidaemqueesseprogressosefazgeralmenteapartir de uma abordagem no padronizada, e no exerccio de alguma autonomia de trabalho.No demais lembrar a recomendao deStareld(2002)paraodesenvolvImentonasequIpesde umacapacidadedeautoavaliao,emqueosparmetrosde padronIzaodecondutastradIcIonaIssoInsucIentesna prtica clnica:Oargumentodequeaevidnciadeveriaserabaseparaa prtica mdica fornece a fundamentao para o desenvolvimento dediretrizesclnicasparaessaprtica.Emboramilhares dediretrizestenhamsidodesenvolvidaspormuitosgrupos prossIonaIs,normatIvosedepesquIsa,muItasvezeselasso inconsistentes entre si mesmo quando abordam o mesmo tpico clnico, indicando, assim, a imperfeio das evidncias nas quais so baseadas (Merritt et al., 1997; Dixon, 1990).Alm dIsso, no est claro que evIdncIas cIentIcamente solIdas poderiamesperarinformaramaioriadasdecisesclnicasque devemsertomadasnaprticamdicadiria.Estudosclnicos controlados, aleatrios, por sua prpria natureza, requerem que as condIes da pesquIsa sejam cuIdadosamente especIcadas e controladas, impedindo, assim, a incluso de populaes que no atendem aos critrios para incluso no estudo. Dessa forma, estes estudosincluemsubgruposrelativamentepequenosdepessoas com o problema em estudo, uma situao mais exacerbada pela faltadepessoaseletivasseremvoluntriasparaparticipardo estudo. Assim, muitos dos achados de estudos clnicos controlados, aleatrios no so generalizveis para a prtica comum com vrios tipos de populao porque as condies a serem preenchidas no estudo no so aplicveis. (STARFIELD, 2002 p 462)52Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sade Por outro lado, a possibilidade de investir no protagonismo eautonomiadetrabalhadoreseusuriospodeinicialmente produzir nos gestores uma fantasia de que ele perder espao e poder. Frequentemente instaura-se uma crise de papis quando ostrabalhadoresexercitamonecessrioprotagonismono processo de trabalho. E muitas vezes difcil para a autoimagem deumgestorsecolocaraseguintequesto:qualopapelda coordenao em uma cogesto? fato que esse papel torna-se muito mais complexo porque incorpora o manejo de incertezas e processos grupais subjetivos nos coletivos envolvidos. E, para isso,ogestorprecisalidarconsigomesmo,comseuslimites, seusdesejosdepoderereceiosnoexercciopermanentede diferenciaroestargestordosergestor(CAMPOS,R.O., 200J). D que pode facIlItar a superao desse desao que exIste uma proximidade entre a clnica e a gesto: da mesma forma que uma clnica tradicional e uma gesto tradicional aproximam-se naproduodecertotipoderelaodepoder-saberque sebuscaaumentaradistnciagerencialeteraputica,ou seja,buscasedenIrclaramenteumpolodepodersaberno prossIonal ou no gestor. Uma clinIca amplIada e a atIvIdade de cogesto aproximam-se na medida em que buscam lidar com as diferenas inerentes de poder-saber, com vistas a produzir uma diminuio dessa distncia e o aumento de autonomia, tanto do paciente na clnica, quanto do trabalhador, na gesto. Talvez umidealgerencialfuncionalistaesperassequemudanasna gesto repercutissem imediatamente na prtica clnica, assim comoumidealmaisdemocrticogostariaqueasmudanas nosprossIonaIsdesaudeenaprtIcaclinIcaproduzIssem imediatamentemudanasnagesto.Noentanto,emboraas duasdimensesclnicaegestosejaminseparveisese modIquem mutuamente, essas duas perspectIvas reetem doIs extremosraros.Etalraridadeestemsintoniacomateoria dacoproduo(CAMPOS,2000)edacomplexidadequetanto utilizamos. Portanto, as transformaes em direo cogesto 53e clnica ampliada devem comear por todos os lugares onde forpossveledevem,preferencialmente,apoiar-seemum trabalhoprocessualdeaprendizadocoletivo,maisdoqueem mudanas abruptas. EssaseoutrasdIculdadesobservadasnagestodos servIos de saude justIcam a busca de novos Instrumentos de cogesto, principalmente aqueles relacionados clnica. No pequeno o desao de transformar os servIos de saude de forma democrtIca e, ao mesmo tempo, qualIcar a ateno.2.1ApropostadeCruposaIInt-PaIdeIacomo contribuio cogestoOsGruposBalint-Paideia,umaatualizaoeadaptao paraoSUSdosGruposBalint,formuladosporMichaelBalint (BALINT,1988),souminstrumentodecogestodaclnicae apoio aos trabalhadores Eles podem contribuir para a cogesto e a qualIcao das prtIcas clinIcas de forma complementar a outros arranjos, como colegiados gestores, equipe de referncia eapoiomatricialeProjetosTeraputicosSingulares(PTS), bemcomoparasuperarasdIculdadesgerencIaIsapontadas acima,aomesmotempoemquesouminstrumentode formaoprossIonaledeproduodeoutrasgrupalIdades nasorganizaes.Podemtambmserumaofertadagesto deummunicpiooudosserviosdesadeaostrabalhadores, notadamente da Ateno Primria, assim como um instrumento pedaggico na formao em servio. Ds Crupos aIIntBalint, no incio do seu livro O mdico, o paciente e sua doena,fazumdiagnsticodaprticadaclnicamdicada suapocaquepermaneceemgrandemedidaatual.Sobreos encontros entre mdicos e pacientes ele diz:54Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeEstassituaessomuitofrequentementetrgicas;o pacientetem verdadeira necessidadede ajuda, o mdico tenta honestamente tudo o que pode e, entretanto, apesar dos esforos deambasaspartes,ascoisastendemobstinadamenteaandar mal. (BALINT, 1988, p.11)BALINT destaca a dimenso relacional da clnica:Adiscussorevelourapidamente(...)queadrogamais frequentementeprescritanaclnicageraloprpriomdico, isto,quenoapenasimportavamofrascoderemdioe/ou acaixadeplulas,masomodocomoomdicoosofereciaao pacienteemsumatodaaatmosferanaqualasubstnciaera administrada e recebida (Idem: p.01)Referindo-seaosseminriosanteriorescriaodoseu mtododetrabalho,naclnicaTravistok,Balintchamavaa atenoparaasubstnciamdico.Eleobservavaqueno havia,comoacontececomosfrmacos,emnenhumtipo demanual,refernciasquantodosagem,apresentaoe posologia,quaisdosesdecuraemanuteno,etc.(paraa substnciamdico)e,aindamenos,qualquermenoa respeito dos possveis efeitos colaterais. O problema permanece atual: se tomarmos como IndIcadores de dIculdades da prtIca clinIca, no h somente os conItos entre prossIonaIs de saude e pacientes, mas tambm a chamada baixa adeso.Nolivromencionadoacima,Balintfazasntesedeseus aprendizados com esta experincia depois de cerca de 10 anos detrabalhocomgruposdemdicosdaatenoprimriana Inglaterra. Oautorapontavaparaalgoquejeracomumemsua poca: havia uma conscincia de que era bastante difcil fazer aclnicanaatenoprimriasemconhecimentosarespeito 55dadinmicapsicolgicadospacientes.Buscava-se,ento, fornecer cursos aos mdicos sobre psicologia e psicoterapia na clnica mdica. Balint analisava que esse grande investimento resultara pouco frutfero. O motivo que(...)professoresealunostmadotadosemcrticaasformas emtodosdoshospitais-escolaedoscursostradicionaisde extenso,querdizer,cursosconcentradosquaseemtempo integral,deumaduraoaproximadadeduassemanas,cujo material principal so as conferncias e as visitas s enfermarias, ilustradascomhistriasedemonstraesclnicas.Esqueceu-se completamentedequeapsicoterapia,acimadetudo,no conhecimento terico, mas capacidade pessoal(BALINT, 1988, p.258)A busca de uma proposta para algum tipo de abordagem que pudesse contribuir tanto para a investigao do problema (relaoclnica),quantoparasuasoluoapareceunaforma degruposformadospormdicosdaatenoprimriadoNHS (NationalHealthSystem)-oschamadosGeneralPractioner atravsdeencontrossemanais.Osgruposeramvoluntriose formadosporoitoadezmdicoscadaum.Adivulgaodos convitesparaparticipardosgrupossedavaporannciosem jornal. Cada grupo, cujo tempo de durao do grupo era de dois anos, possua um coordenador. interessantenotarqueBalintdesseprefernciaaos clnicos gerais da Ateno Primria em relao aos especialistas de ambulatrios e hospitais:aindaqueosproblemasdeseuspacientesfossemosmesmos, o enfoque tcnico do especialista, em realidade toda atmosfera dasalaoudoconsultriodohospital,todiferentedaque prevalece no consultrio do clnico geral que nos vimos obrigados a reconhecer esta diferena. (Idem: p.258)56Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sade Essa percepo do autor sintoniza-se com as diferenas da clnica na Ateno Primria e na Ateno Hospitalar Tradicional, apontadaspormimemtrabalhoanterior(CUNHA,2005)e tambmporALMEIDA(1988).importantedizerqueessas diferenasestocadavezmaisevidentesnamedidaemque operlepIdemIologIcodapopulaosemoveemdIreos doenas crnicas e que se percebe a necessidade de uma clnica ampliada e integrada em todos os servios de sade. Os grupos BALINT reuniam-se uma vez por semana durante dois ou trs anos, embora alguns tenham se prolongado ainda mais. Asreuniesserealizavamnaprimeirahoradatarde domeiododialivrequehabitualmenteosmdicosclnicos tinham. O objetivo era permitir a participao sem interferncia, mesmo em pocas de atividades clnicas mais intensas; a mdia de frequncia foi de 90 a 95% para o ano todo17.8alIntdenIuqueogrupodeverIaterumatarefamIsta entre pesquIsa e formao. |aIs especIcamente, buscava trs objetivos: a)Estudarasimplicaespsicolgicasdaclnica tradicional;b)Formar os clnicos para lidar com essas implicaes;c)Criar um mtodo de treinamento para lidar com essas implicaes. Diante desses objetivos, Ballint acreditava que a pesquisa s poderia ser realizada com os mdicos participando ativamente dela,enotentandoobserv-losdeforaouapesardeles. Paraqueo'materIalcIentico'aparecesse,eraprecIsoque osprossIonaIsestIvessematentos,quetIvessemalguma formao sobre o tema, de modo que o grupo buscava fazer as duas coisas: compreender as implicaes psicolgicas da clnica 17Emboratenhahavidodesistnciasdaordemde60%noprimeiro grupo e de 35% em mdia nos grupos seguintes de M. Balint. O autor fez um perfl dos mdicos desistentes: primeiros os clnicos mais famosos, depois os psiquiatras, permanecendo os Generalistas (GP).57geraleensInarosprossIonaIsaperceberessasImplIcaes, ajudando-os concomitantemente a fazer isso.Participavam do grupo, alm dos clnicos, dois psiquiatras. Cadamembrodogrupopodiasolicitarumahoradeajuda particular aos psiquiatras para discusso dos seus casos.Adinmicadogrupocentrava-senaapresentaooral dos casos clnicos. Havia um acordo para evitar a distribuio de manuscritos porque o mtodo Balint assumia certa analogia comomtodopsicanaltico,emqueaexposiodoscasos sem manuscritos permitia ao relato alguma proximidade com a livre associao da psicanlise. Sobreatecnologiadeabordagemdocampopsiem servio,BALINTprocurousefundamentarnastecnologiasde formao psicanaltica que existiam na sua poca. Ele percebeu aexistnciadedoisgrandessistemasdeformao:aescola deBerlim,queelediziaserrefernciaparaamaiorparte dasescolaspsicanalticas,eoSistemaHngaro.Adiferena sedavajustamentenofatodequenaformaoberlinense acontratransferncIadoprossIonalparaopacIenteera abordada somente na terapia individual, enquanto na formao hngara esse tema podia ser abordado em grupo, na discusso do caso clnico. Tal caracterstica desse sistema possibilitou a Ballintimaginarumadinmicagrupalque,aomesmotempo, fosseumaformaopsicoterpicae,emalgumamedida,um processoteraputIco.DquesIgnIcadIzerqueImportava descobrirnosomenteastransfernciasdopacienteparao mdico,mastambmdomdicoparaopacienteecomelas lidar. Assim como o Mtodo Paideia em relao aos espaos de gesto,BALINTpressupunha,emalgumgrau,umadimenso teraputica nos seus grupos operativos.No plano pedaggico, Balint acreditava que no se tratava (somente) de fornecer conhecImento teorIco aos prossIonaIs, mas sim de possibilitar o desenvolvimento de uma capacidade pessoal.Paraele,odesenvolvimentodacapacidadepessoal 58Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadedependeriadaexposiossituaesreais,oqueimplicava, emalgumamedida,atransformaodapersonalidade.Era necessrio criar condies para:a)permitiraosmdicosaplicardesdeoprincpioalguma psicoterapia sob superviso ;b)possibilitarqueelesconseguissemvisualizaraumacerta distnciaseusprpriosmtodosesuasreaesfrenteao paciente,reconhecendoosaspectosdasuaprpriamaneirade lidar que eram teis ao pacientes e suscetveis de compreenso edesenvolvimento,eosquenofossemtoteiseque,uma vezcompreendidooseusentidodinmico,necessitassemser abandonados ou modIcados" (Idem: p.260).Paraisto,oucomopartedisto,eleobjetivavaapurar asensIbIlIdadeprossIonal,crIandocondIesparaqueo prossIonalpudessepercebero"processoquesedesenvolve, conscienteouinconscientemente,namentedopaciente, quando mdico e paciente esto juntos (idem: p.262). Tanto aautopercepocomo apercepodooutropressupemque osfatosqueinteressamnososomenteaquelesditos objetivos e em geral maisfacilmenteexpressadosempalavras.Osfatosquenos interessam so de carter acentuadamente subjetivo e pessoal, efrequentementeapenasconscientes,ouentoabsolutamente alheiosatodocontroleconsciente;etambmcostumaocorrer que no existam formas inequvocas que permitam descrev-los em palavras. (idem)No entanto, salienta BALINT:"estesfatosexIstemeInuemprofundamentenaatItude IndIvIdual frente vIda em geral e em partIcular no ato de car doente, aceitar ajuda mdica, etc.(idem)59importantedizerquejnaqueletempoerauma caractersticadoNHSaadscriodeclientela,comcerta liberdade dos usurios de escolherem os mdicos de referncia, de modo que os vnculos tendiam a ser longos e as rupturas, em funo de dIculdades relacIonaIs, bastante explicItas e, muItas vezes,incmodas.Bemdiferentedonossocontextoatualdo SUS, em que esses vnculos so pouco claros, a responsabilidade diludaelembradacomfrequnciasomenteemsituaes emquearupturadeumseguimentoclnicoimplicaumrisco coletivo (doenas epidmicas e contagiosas).2.2 Ds Crupos aIInt e o htodo PaIdeIaParaformularumapropostaqueutilizafortemente elementos do Mtodo Paideia de cogesto e dos Grupos Balint, pode ser til comparar, na tabela a seguir, os dois mtodos. CPUPD ALINT TPA0ICIDNALhETD0D PAI0EIA Discusso de Caso Discussodetemas(ncleosdeanlise)ecasos no sentido amplo(quase) sem ofertas tericasCom ofertas do apoiador Buscaaumentaracapacidadepara lidar com as Implicaes psicolgicas da clnica geral Aumentarcapacidadedeanliseeinterveno (lidarcompoderes,afetosesaberescommais autonomia) Grupo de semelhantes (o caso no uma tarefa objetivamente comum) Coletivos organizados para produo de valor de uso (grupo operativo interdependente) ClnicadoMdicoGPcom clientelaadscrita(continuidadee coordenao) Equipe Interdisciplinar. Anlise da contratransfernciaAnlise das transferncias e de outras foras mais ou menos inconscientes que operam nas diversas relaes dos sujeitosSujeitodapsicanlise(desejo impossveldeajudarasuportaro fardo) Sujeitos singulares coproduzidos. Desejo faz parte do Sujeito. Reuniesperidicasforadoespao institucional formal Busca da construo de espaos coletivos (formais e informais) dentro da gesto da organizaoTendeareduzirdiscussess relaes individuais Assume a triplIce nalIdade das organIzaes60Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeUma diferena importante d-se em relao aos laos de grupalidade de um e de outro tipo de grupo. O Mtodo Paideia seaplicaagrupos(coletivosorganizadosparaproduo)com altograudeinterdependncia(aindaquemuitasvezesisto nosejapercebidooudesejado),enquantoqueosgrupos Balintconstituemagrupalidade,principalmenteapartir deumaIdentIcaocomoscasostrazIdosporcadaumdos participantes.Oslaossomuitodiferentesemumcasoe noutro-eissotemimplicaesimportantesnaconduodo grupo. Outro aspecto importante o carter mais propositivo do Mtodo Paideia. Nos grupos Balint, as ofertas so mais sutis erestritassteoriaspsicolgicas,principalmenteoconceito detransfernciaecontratransferncia.NoMtodoPaideiaas ofertas so uma parte importante do mtodo: pode ser oferecido umtexto,umadiscussotericacomumespecialista(apoio matricial)oumesmoumaaula.Somaneirasdeaumentara capacidadedeanlise.Tantoumquantoooutroreconhecem o rIsco de mItIcao que as ofertas teorIcas podem produzIr, inclusive impedindo que o grupo aborde aspectos inconscientes esensveis.Contudo,omtodoPaideiaapostatambmna possIbIlIdadededesmItIcaoqueoprocessodeIntroduo de diferenas trazidas por outros saberes e atores - pode levar aogrupo.D|todoPaIdeIaInuencIadoporPIchonFIvere (gruposoperativos)e,porisso,investenatarefacomume interdependente (realizao e avaliao) como forma de lidar commecanismosinconscientesdefuga.Evidentemente,os grupos Balint no tm uma tarefa comum to clara. Um exemplo ofatodequeosistemadesadeoferececertopadrode relaodepoderentreespecialistasegeneralistas,entre mdicos e enfermeiros, etc. Este tema foi abordado por Balint, quebuscouajudaressesprossIonaIsalIdar,prIncIpalmente, comasensaodeinferioridade.Namesmasituao,como MtodoPaideiatambmsepoderiamdiscutiroutrostemas, comootipodecontratoentregeneralistaseespecialistas,a 61proposta de apoio matricial, as questes epistemolgicas do saberespecializadoedacincia,osinteresseseconmicos envolvidos e correlaes com a cultura atual, entre outros, de acordo com o contexto e o momento do grupo.2.3 ApropostadeCruposaIInt-PaIdeIadecogestoe de apoIo da cInIca no SUSApartirdacontribuiodeMichaelBalint,buscamos construirumavariaoatualizadadosgruposBALINT,que chamamosBALINT-PAIDEIA.importanteaquifazerum pequeno parntese para destacar que, para o mtodo Paideia e para os dispositivos correlatos a ele (clnica ampliada, projeto teraputicosingular,equipederefernciaeapoiomatricial), todososespaosdeencontrosentretrabalhadores,edestes com os usurios, so espaos de aprendizado, onde se lida com saberes, com poderes e com afetos. Ou seja, no se trata aqui de propor um arranjo substitutivo aos outros e muito menos algo que permita organizao prescindir da incorporao em todos os seus espaos de uma capacidade mnima para lidar com esses temas, principalmente a subjetividade (CAMPOS, 2000; CUNHA, 2004).Trata-se,sim,deutilizaragrandecontribuiodeM. Balintecolaboradoresepropormaisumrecursodetrabalho sinrgicocomosoutrosdispositivosecomoMtodoPaideia para a Cogesto.BALINT no estava na gesto direta do NHS britnico, mas assumiu, a partir da clnica Tavistok, uma responsabilidade que hojeconsideramostpicadosgestores:oapoioaotrabalho clinIcodosprossIonaIs.AssIm,apropostadegrupo8ALNT, hoje, para ser aproveitada dentro do SUS, precisa ser adaptada para o contexto dos desaos gerencIaIs atuaIs do SUS. Colocase,portanto,damesmaformaqueM.Balint,oproblema de crIar mtodos gerencIaIs e de formao de prossIonaIs que facilitem de forma real uma prtica clnica ampliada. 62Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em SadeChamamosapropostaadaptadadeGRUPOBALINT PAIDEIA(GBP),que,aomesmotempouminstrumento gerencial e uma oferta aos trabalhadores para que possam lidar com a complexidade do seu trabalho e das relaes intrnsecas aele. Trata-sedeumgrupoparadiscussesdecasosclnicos e gerencIaIs (relaes InstItucIonaIs) formado por prossIonaIs envolvidos com o atendimento direto populao.18 18ADra.RitaF.G.Branco,daUniversidadeCatlicadeGoise especialistaemGruposBalint,observaque"hojejexistemosGrupos Balint Ampliados que permitem a participao de at 20 pessoas. Observa tambmqueatualmenteosGruposBalintjsofeitoscomapresenade enfermeiros, sendo que "na Sua, na Argentina e em Gois so feitos com profssionais de sade em geral e professores.CPUPD ALINT PAI0EIA CPUPD ALINT16 a 20 participantes (8 a 10 duplas da mesma equipe)8 a 10 participantes18Mdicoseenfermeiros(comaberturapara outras composies de duplas dependendo da composio das equipes de SF)MdicosApresentaoeDiscussodeCasosClnicos-Gerenciais(individuaisecoletivos).Temas exiveIs,abertosaosacontecImentose investimentos. Apresentao e Discusso de Casos Clnicos.Temascentradosna relao clnicaComofertastericasdiversas(metadedo tempo para discusso, metade para aulas ou leitura de textos)Sem ofertas tericas explcitasDurao de 1 a 2 anos Durao de 2 anos ou maisAtividade vinculada e articulada com a gesto do sistema de sadeAtividadevoluntriadesvinculada da gesto do servio ou sistema de sadeCoordenadoresparticipantes(ouno)da gestoCoordenadores do grupo externos gesto dos servios631920EmnossaexperincianaAtenoPrimria,oGBPfoi formadopredomInantementeporprossIonaIsunIversItrIos naESF(CUNHA,2009).Nodeveultrapassaronmerode vintepessoase10equipes.Nadaimpede,contudo,queos grupossejammenores,umavezqueBALINTpropunhagrupos de8a10mdicos.Dequalquerforma,preferencialmenteo mdico e o enfermeiro devem ser da mesma equipe. Caso isso noacontea,deve-sepensarnapossibilidadedediminuiro nmero de participantes, de modo que no demore muito para queadiscussodecasoretorneacadaparticipante.Quanto 19MOURA(2003:p.71)sobreos"coletivos:"ocoletivo,talcomoo entendemos, orienta-se de tal modo que seja possvel absorver a coexistncia em seu seio de uma variedade imensa de fatores, elementos e referenciais, os mais dspares.20Utilizou-seprincipalmenteaferramentaTELEDUC,softwarelivre desenvolvidopeloCentrodeComputaodaUnicamp(www.ead.unicamp.br).Tempodeduraodecadaencontro:um perodode4horas,sendoduashoraspara discussesdecasoseduashoraspara atividades tericasTempodeduraodecada encontro: 1h at 1h e 30min.Intervaloentreosencontros:semanalou quinzenalSemanalGruposemiaberto(multirreferencial)19 Possvelpresenaquandodemandadosde outros prossIonaIs e gestores.Grupofechadonosmesmos participantesPossvelassociaocomcursosde especializao (gesto da clnica na ateno bsica e Sade da Famlia)Sem associao com outros recursos pedaggicosUtilizao de recursos de Ensino a Distncia20 (EAD)Apenas encontros presenciaisPossvel utilizao em pesquisa participante comdimensespedaggica,gerencial (poltica) e afetiva.Possvelutilizaoempesquisa participantecomdimenses pedaggica e afetiva.64Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sademaiorogrupo,maisdifcilaparticipaoeaconstruo deumagrupalidadesolidria.Muitasvezesapresenade umprossIonalcomperldIferentedobIomdIco,comoum psiclogoouumterapeutaocupacional,enriqueceogrupo. Quando h maIs de um prossIonal de cada equIpe, facIlItase apercepodacomplexidadedocasoedarelaodecada prossIonalcomopacIente,almdepossIbIlItar,commaIor facilidade, desdobramentos prticos na equipe. importante que seja pactuado no grupo, na rede e nas equipes a possibilidade de participaoeventual, sempre que necessrIo, de outros prossIonaIs. D objetIvo contrIbuIr em momentosespecicos,sejaatravsdapartIcIpaodeum especialistadaredequetambmacompanhaocaso(eessa umaboaoportunidadeparaseexercitaroapoiomatricial dosespecialistasdarede),sejaatravsdealgumoutro membro da equipe ou da unidade de sade (como um auxiliar deenfermagem,umagentecomunitriodesadeouum coordenador de unidade).Talvezaprincipalsemelhanaentreasduaspropostas, oumelhor,aprincipalheranados grupos BalintnoGBP,seja apossibilidadedeumtrabalhogerencialepedaggicomenos atravessado pelo carter emergencial dos instrumentos de gesto da clnica. As discusses de caso nos GBP no almejam, na maior parte das vezes, uma transformao imediata e uma resoluo urgente (embora no se tenha nada contra essa possibilidade). Quandosediscuteumcasoclnicoouumproblemaemum espao gerencial, ele demanda uma soluo ou ao menos uma deciso imediata, saindo da pauta quando a situao se acalma. Nos GBP existe a possibilidade de observar casos por um tempo maislongo.Ogruponoumainstnciadeliberativa.um espao de troca e de aprendizado. um raro espao onde no somentepermitida,comotambmestimuladaaverbalizao dedIculdades,fragIlIdadesedesconhecImentos.Embora, obviamente, discuta-se muito o que pode e deve ser feito em 65cada caso, somente doIs prossIonaIs so realmente responsveIs por isto, e no sozinhos, mas na respectiva equipe. DC8PpermItequeprossIonaIsImersosemcontextos semelhantes e provavelmente com problemas parecidos, ainda que sIngulares, possam compartIlhar dIculdades e solues e construIr alguma grupalIdade. muIto comum que prossIonaIs que trabalhem na Ateno Primria na mesma cidade ou regio tenham muito pouco contato entre si. muito importante destacar uma diferena com o grupo BALINTtradicional:nesteostemaseramsempreoscasos clnicos,enquantoquenosGBPexisteumaaberturaparase discutiremcasosgerenciais,institucionais,casosdesade coletiva e da dinmica da equipe.a.Como iniciar?UmavezqueseimaginaapropostadeGBPdentrodo Sistema nico de Sade, recomenda-se que haja uma discusso ampla e no apressada da proposta de trabalho na organizao antesdeiniciarostrabalhosdegrupo,incluindoosgestores e trabalhadores e utilizando os espaos rotineiros de cogesto ouextraordinriossenecessrio.recomendveldivulgare abordar com os interessados os objetivos da proposta, critrios deescolhadosparticipanteseadinmicadetrabalho. ImportantedenIrumtempominImodefuncIonamentodo grupo, que deve ser entre um ano e um ano e meio, para que ele possa render frutos e ser avaliado. Depois desse tempo, o trabalhodeveseravaliadopelogrupoepelosgestores,para decidirsobresuacontinuidadeouno.Nocasodecidades maiores, muitas vezes no possvel que todas as equipes de uma regio tenham acesso a essa oferta durante todo o tempo, eentoaduraodogrupopoderpermitirumrodzio. importantedestacarqueoprocessodediscussodaproposta deve ser cuidadoso, tanto para adaptar criativamente a proposta paracadacontexto,quantoparafacilitaroscontratoscomo grupo e com a rede assistencial qual estejam ligados.66Mdulo Optativo 10 - A Clnica Ampliada no Contexto da Ateno Primria em Sadeb. O contratoAoserdenIdoogrupo,precIsopactuaraformade trabalho. Apesar de ser saudvel que cada grupo construa um contratosingularpassveldeserreavaliadodetemposem tempos, alguns parmetros devem ser considerados:- O sigilo das informaes trocadas no grupo, tanto o sigilo emrelaoaosca